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Coordenadoria de Programas Institucionais Coordenadoria Cível Prerrogativa do prazo em dobro nos Juizados Especiais Fazendários e o artigo 7°, da Lei n° 12.153/09 Em 22 de dezembro de 2009, foi promulgada a Lei n° 12.153/09, que “dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”, prevendo em seu artigo 7° o seguinte: “Art. 7 o Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de 30 (trinta) dias.” Por aplicação subsidiária do artigo 2°, da Lei n° 9.099/95, não restam dúvidas de que também no Juizado Especial Fazendário “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”. Todavia, alguns magistrados insistem em interpretar equivocadamente os dispositivos em comento. Afirmam, de forma distorcida (como será melhor explicado abaixo), que o artigo 7º, da Lei n° 12.153/09, em homenagem aos princípios da economia e da celeridade processual, veda o exercício da prerrogativa do prazo em dobro por Defensores Públicos, no Juizado Especial Fazendário. No entanto, se os princípios norteadores do sistema dos Juizados Especiais representassem o verdadeiro fundamento para a alegada vedação, por que a Lei n° 9.099/95, que consagra os mesmos princípios, não previu dispositivo idêntico? A resposta a esse questionamento revela a inconsistência e a impropriedade da interpretação que a jurisprudência vem conferindo ao artigo 7°, da Lei n° 12.153/09, principalmente porque essa norma não

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Prerrogativa do prazo em dobro nos Juizados Especiais Fazendários e o artigo

7°, da Lei n° 12.153/09

Em 22 de dezembro de 2009, foi promulgada a Lei

n° 12.153/09, que “dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no

âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”, prevendo

em seu artigo 7° o seguinte:

“Art. 7o Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato

processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição

de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada

com antecedência mínima de 30 (trinta) dias.”

Por aplicação subsidiária do artigo 2°, da Lei n°

9.099/95, não restam dúvidas de que também no Juizado Especial Fazendário “o

processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade,

economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou

a transação”.

Todavia, alguns magistrados insistem em

interpretar equivocadamente os dispositivos em comento. Afirmam, de forma

distorcida (como será melhor explicado abaixo), que o artigo 7º, da Lei n° 12.153/09,

em homenagem aos princípios da economia e da celeridade processual, veda o

exercício da prerrogativa do prazo em dobro por Defensores Públicos, no Juizado

Especial Fazendário. No entanto, se os princípios norteadores do sistema dos

Juizados Especiais representassem o verdadeiro fundamento para a alegada

vedação, por que a Lei n° 9.099/95, que consagra os mesmos princípios, não previu

dispositivo idêntico?

A resposta a esse questionamento revela a

inconsistência e a impropriedade da interpretação que a jurisprudência vem

conferindo ao artigo 7°, da Lei n° 12.153/09, principalmente porque essa norma não

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tem o condão de afastar a prerrogativa do prazo em dobro conferida a todos os

Defensores Públicos pela Lei Complementar n° 80/94 (artigos 44, inciso I, 89, inciso

I, e 128, inciso I), cujos princípios informadores são mais relevantes e mais

importantes por atenderem aos princípios da igualdade, da ampla defesa e do

contraditório, da legalidade e do acesso ao Judiciário, motivo pelo qual, na

ponderação dos valores jurídicos contrapostos, devem prevalecer as normas da

aludida Lei Complementar.

Em outras palavras, conclui-se que o legislador já

ponderou, em abstrato, os princípios e valores fundamentais em jogo (de um lado,

celeridade e economia processual; de outro, igualdade material, legalidade e acesso

à Justiça), e concluiu que, à luz de uma hierarquia axiológica, os princípios da

economia e da celeridade processual não podem ser prestigiados em detrimento dos

princípios fundamentais da igualdade material (devido processo legal substancial) e

do acesso à Justiça.

É claro, de nada adianta consagrar a celeridade e a

economia processual esmagando os princípios fundamentais, de alta e expressiva

densidade axiológica, da igualdade, da ampla defesa, do contraditório e do acesso à

Justiça. Seria um verdadeiro contrassenso oferecer instrumentos processuais

céleres que não pudessem ser auferidos por todos, de forma igualitária. Por certo,

não é este o objetivo de nossa Carta Maior, que eleva a Defensoria Pública

(vivificada pelas prerrogativas de seus membros) ao status de instituição

permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, expressão e instrumento do

regime democrático (artigo 134, da CRFB/88). Por isso, observando o seu

fundamento de validade, a Lei n° 9.099/95 vige em perfeita sintonia com a

prerrogativa do prazo em dobro conferida pela Lei Complementar n° 80/94 aos

membros da Defensoria Pública.

Passa-se, então, a uma análise mais detida das

normas em comento (artigo 7°, da Lei n° 12.153/09, e artigo 128, inciso I, da Lei

Complementar n° 80/94), que estariam em suposta antinomia, ressaltando-se que

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uma das atribuições da Defensoria Pública é a de atuar perante os Juizados

Especiais (artigo 4°, inciso XIX, da Lei Complementar n° 80/94).

A primeira análise reside na finalidade e na

extensão da norma, uma vez que, tendo como supedâneo a celeridade processual,

a Lei n° 12.153/09 visou afastar a incidência de outras normas de mesma natureza e

hierarquia e que visavam prazos diferentes para pessoas jurídicas de direito público.

Assim, ao prever que não haverá prazo

diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de

direito público, o artigo 7° objetivou afastar a eficácia do artigo 188, do Código de

Processo Civil, in verbis:

“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro

para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”

Essa é a interpretação mais correta, senão

vejamos:

Ambas as normas (artigo 188, do Código de

Processo Civil, e artigo 7°, da Lei n° 12.153/09) têm cunho processual e estão

inseridas em lei ordinária.

A contagem diferenciada de prazos para a Fazenda

Pública e para o Ministério Público, enquanto entes públicos, está prevista apenas

na lei processual e não como prerrogativa de agentes públicos em lei orgânica das

respectivas instituições.

Com efeito, a Lei n° 8.625/93 e a Lei

Complementar Estadual n° 106/03, não preveem qualquer prerrogativa de contagem

diferenciada dos prazos para os membros do Ministério Público Estadual, exceto no

artigo 150, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual n° 106/03 (prazo em

dobro para razões finais quando há mais de um indiciado). Pelo contrário: o artigo

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43, inciso IV, da Lei n° 8.625/93, e o artigo 118, inciso IV, da LCE 106/03, preveem o

dever de obedecer aos prazos processuais.

Da mesma forma, não há qualquer previsão legal

de semelhante prerrogativa para os Procuradores do Estado do Rio de Janeiro (Lei

Complementar Estadual n° 15/80), para os Procuradores do Município do Rio de

Janeiro (Lei Municipal n° 54/2013) ou para os Advogados-Gerais da União (Lei

Complementar n° 73/93).

Como se observa, Ministério Público, Procuradorias

das Fazendas Públicas e Advocacia Geral da União, todos, têm prazo diferenciado

previsto apenas na lei processual civil e, portanto, outra lei de mesma hierarquia,

posterior e especial pode afastar destes Entes a contagem em quádruplo para

contestar e em dobro para recorrer. No entanto, não se pode promover a mesma

interpretação para os membros da Defensoria Pública, porque se trata de

prerrogativa inserida em lei complementar, cujo processo legislativo, por ser mais

rigoroso, confere-lhe hierarquia superior à lei ordinária.

Essa conclusão responde ao questionamento

formulado acima, pois a Lei n° 9.099/95, de principiologia idêntica, não previu norma

semelhante justamente porque as limitações subjetivas nela impostas afastam a

participação do Ministério Público, das Procuradorias e AGU nos processos de

competência dos Juizados Especiais Cíveis, mas não afastam a participação da

Defensoria Pública. Assim, ao editar a Lei n° 12.153/09, o legislador preocupou-se

com tal previsão porque visava justamente afastar a incidência da norma do artigo

188, do Código de Processo Civil, às pessoas jurídicas de direito público elencadas

em seu artigo 5°, inciso II, através do critério da especialidade, contudo, sem

desrespeitar a prerrogativa do prazo em dobro conferida aos Defensores Públicos.

Ademais, a Defensoria Pública não é pessoa

jurídica de direito público, mas instituição estatal que detém capacidade judiciária e

postulatória para atuar em nome próprio e em favor das partes hipossuficientes.

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Releva notar que o descumprimento de prazos pela

Fazenda Pública não acarreta prejuízos ao ente, já que em matéria de direitos

indisponíveis não se opera o fenômeno da revelia. Entretanto, em relação aos

assistidos da Defensoria Pública são oponíveis todas as preclusões advindas de sua

inércia na relação processual.

Sabedor do excesso de atendimentos

desempenhados pela Defensoria Pública é que o legislador reconhece a

necessidade de se conferir as prerrogativas de prazo em dobro e intimação pessoal.

Portanto, ao falar em pessoas jurídicas de direito

público, o artigo 7°, da Lei dos Juizados Especiais Fazendários, visou afastar

apenas as Procuradorias e o Ministério Público, enquanto entes públicos, mas,

jamais os agentes políticos que integram a Defensoria Pública:

“Os Defensores Públicos da União são, a despeito da disceptação teórica

existente, agentes (políticos) do Estado que irão exercer as funções

congregadas nos respectivos órgãos de atuação. Na realidade, a pessoa

jurídica não se confunde com o órgão que, por sua vez, também não se

confunde com a pessoa física do agente. É preciso muito cuidado para não se

incorrer neste atecnicismo. Assim, pois, tais prerrogativas funcionais são

inerentes à própria figura do Defensor Público da União, como direito

subjetivo de seu titular, mas não da pessoa jurídica que presenta em

juízo (o Estado-defensor, que deve prestar assistência jurídica integral e

gratuita aos necessitados, como ordena o artigo 5º, inciso LXXIV c/c artigo

134, ambos da Constituição). Não fosse desta forma seria tecnicamente

incorreto falarmos em "prerrogativas", que, na boa lição de HELY LOPES

MEIRELLES (apud MAZZILLI, Hugo Nigro, Regime Jurídico do Ministério

Público. Saraiva: 1993, p. 113), podem ser conceituadas como "atributos do

órgão ou do agente público, inerentes ao cargo ou à função que desempenha

na estrutura do Governo, na organização administrativa ou na carreira a que

pertence. São privilégios funcionais, normalmente conferidos aos agentes

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políticos ou mesmo aos altos funcionários, para correta execução das suas

atribuições legais. As prerrogativas funcionais erigem-se em direito

subjetivo de seu titular, passível de proteção por via judicial, quando

negadas ou desrespeitadas por qualquer outra autoridade" (Holden

Macedo da Silva, “Prazos diferenciados para o Defensor Público da União nos

ritos dos juizados especiais federais?” disponível em

http://www.ibap.org/rdp/00/17.htm; g.n.).

Como dito acima, a prerrogativa da contagem em

dobro para a prática de todos os atos processuais pelos Defensores Públicos do

Estado está prevista na Lei Complementar n° 80/94, com a redação dada pela Lei

Complementar n° 132/09:

“Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado,

dentre outras que a lei local estabelecer:

I – receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com

vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou

instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos;

(Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).”.

Ressalte-se que a prerrogativa de intimação

pessoal e da contagem em dobro dos prazos é tratada de modo absoluto pelo novo

Código de Processo Civil, ante o teor do artigo 186, não havendo nenhuma exceção

ali apontada.

Como se vê, trata-se de uma prerrogativa conferida

pela norma jurídica ao Defensor Público com o objetivo de permitir a prestação do

serviço público de assistência jurídica com qualidade e eficiência, em razão do

grande volume de trabalho e das peculiaridades do seu público-alvo, fatos

estes públicos e notórios.

Assim, além de “erigirem-se em direito subjetivo de

seu titular, passível de proteção por via judicial, quando negadas ou desrespeitadas

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por qualquer outra autoridade” (Hely Lopes Meirelles, In “Direito Administrativo

Brasileiro, SP, Malheiros, 1992, p. 74), as prerrogativas representam mais do que

um privilégio ou favor legal, mas uma verdadeira ação afirmativa do Estado ao

tratar desigualmente um desigual, municiando-o com mecanismos para que

não haja desequilíbrio no trato com a parte adversa da relação jurídica, seja ela

de direito material, seja ela de direito processual:

“DECISÃO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL

PENAL. DEFICIÊNCIA DA ESTRUTURA MATERIAL DA DEFENSORIA

PÚBLICA: FUNDAMENTO IDÔNEO PARA O BENEFÍCIO LEGAL DE

CONTAGEM EM DOBRO DOS PRAZOS PROCESSUAIS. JULGADO

RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO

TRIBUNAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

(...).

A temática de todas as prerrogativas processuais da Defensoria Pública ou

de quem faça suas vezes tem alicerce constitucional no princípio da igualdade

material a ser assegurado pela prestação jurisdicional adequada.

Nesse sentido, a cláusula matriz de todos os princípios processuais,

consubstanciada no “due processo of law”, da qual emana o dever estatal de

prestação jurisdicional adequada, tem como fim extraprocessual, em última

análise, garantir os direitos fundamentais vigentes.

Partindo da ideia de que os direitos fundamentais têm força normativa e

aplicação imediata, conforme o artigo 5º, parágrafo 2º da CF, o Estado, por

sua vez, indubitavelmente, é ou deveria ser um dos principais agentes de

promoção dos direitos fundamentais, mormente, na efetivação da igualdade

material.

Corroborando isso, poder-se-ia citar o artigo 1º, inciso III, combinado com

artigo 3º, inciso I, ambos da Constituição Federal, que estampam como

fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, dentre outros, a

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dignidade da pessoa humana e a constituição de uma sociedade livre, justa e

solidária.

O “dever-poder” do Estado de promover, de tornar eficazes, socialmente,

os direitos fundamentais, em especial, o da igualdade material emana de toda

a Constituição Federal, como, por exemplo, no artigo 170, inciso V e VI da

CF, que impõe ao Estado o dever de defender o consumidor e proteger o

meio ambiente; e, ainda, dos artigos 196 e seguintes da CF, esculpindo o

dever estatal de prestar e garantir, saúde integral a todos; poder-se-ia citar,

ainda, deveres fundamentais em relação às crianças, aos idosos, aos

portadores de necessidade especiais, à família, etc. Conclusão: os direitos

fundamentais, cuja eficácia é imediata e a força é normativa, estão

espalhados por toda a Constituição Federal.

É nesse cenário que devem ser analisados, constitucionalmente, as

prerrogativas processuais da Defensoria Pública, ou seja, sob o alicerce do

princípio na isonomia material, pois se tem entendido que o tratamento

diferenciado da Defensoria Pública constitui fator de discrímen razoável,

dadas as situações em que a parte, o hipossuficiente, também, está a

merecer tratamento especial por sua condição social peculiar e pela

fragilidade institucional, ainda, das Defensorias Públicas, que lhes presta

assistência jurídica, em regra” (STF, RE 645.593/DF, rel. Min. Carmen Lúcia,

julg. 10/10/2011, In DJe 201, pp. 19/10/2011).

Em sua obra “Princípios Institucionais da

Defensoria Pública”, os eminentes Defensores Públicos Diogo Esteves e Franklyn

Roger Alves Silva citam o voto do Desembargador Synésio de Aquino, que, ao

relatar a Arguição de Inconstitucionalidade n° 4/1987, do Órgão Especial do Tribunal

de Justiça do Rio de Janeiro, em decisão datada de 13/09/1988, asseverou:

“O ideal de igualdade na distribuição da justiça e isonomia de condições

entre ricos e pobres somente poderá continuar a existir, em nosso

Estado, se os membros da Defensoria Pública não forem cerceados em

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suas prerrogativas e afastadas as dificuldades ao desempenho de suas

nobres funções” (g.n.).

E prosseguem:

“Diante do gigantesco volume de trabalho da Defensoria Pública, que

supera largamente o acervo de qualquer advogado particular, por mais

atarefado que seja, necessitam os Defensores Públicos de instrumentos

capazes de otimizar o seu regime de atuação, garantindo que a

assistência jurídica seja prestada de forma integral e eficaz para todos

que dela necessitam. Justamente por isso, o ordenamento jurídico confere

aos membros da Defensoria Pública uma séria de prerrogativas aptas a

neutralizar eventuais deficiências ou limitações advindas do acúmulo de

atribuições, permitindo que a defesa dos interesses dos menos favorecidos

seja realizada em igualdade de condições em relação ao ricos e poderosos”

(RJ, Forense, 2014, pp. 545/546; g.n.).

Nas palavras do Professor e Douto Desembargador

JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, ipsis litteris:

“ .... Houve quem dissesse ironicamente: a justiça, assim como o Hotel Ritz,

está aberta a todos. É preciso que nós asseguremos concretamente a

possibilidade do acesso, não ao Hotel Ritz, que, convenhamos, é

supérfluo, mas à justiça, que não é tão supérflua assim. Como prover essa

necessidade ? ....(...)..... Essas pessoas em geral não têm apenas um déficit

de ordem econômica, têm também muitas vezes um déficit de ordem

cultural e até inibições de natureza psicológica, que dificultam o contato

entre elas e os advogados profissionais liberais porventura designados para

representá-las ou para aconselhá-las. No Brasil, não necessitamos de por

em funcionamento a nossa imaginação; podemos avaliar, só com olhar em

volta, as enormes dificuldades que uma pessoa carente enfrenta para

simplesmente chegar até o escritório de um advogado. .....” (In “O Direito à

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Assistência Judiciária”, Revista de Direito da Defensoria Pública, Vol. 5,

1995, p.123 e 127).

Importante mencionar que a prerrogativa do prazo

em dobro funda-se não apenas no grande volume de trabalho e na modicidade

estrutural, mas, principalmente, no princípio da indeclinabilidade das causas, pelo

qual o Defensor Público não pode recusar o atendimento a um hipossuficiente,

exceto se evidente a ausência de interesse legítimo que possa ser juridicamente

tutelado.

Ora, tendo a obrigação de atender todos que

buscam o serviço de assistência jurídica integral e gratuita, sem distinção, ao

Defensor Público deve ser garantida a prerrogativa do prazo em dobro, sob pena de

praticar o ato processual a destempo e de impedir o acesso do assistido ao

Judiciário, o que contraria a Carta Magna, frisando-se que os prazos são, em sua

larga maioria, peremptórios e preclusivos.

Desta forma, a prerrogativa garante tanto o

princípio da isonomia, insculpido no artigo 5°, caput, quanto o princípio do amplo

acesso ao Judiciário, previsto no artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição da

República, a partir do momento em que, não tendo como controlar a demanda pelo

serviço e tendo prazos peremptórios a cumprir, o Defensor Público pode garantir ao

seu assistido que sua pretensão será apreciada pelo Poder Judiciário e com

paridade de armas.

Por outro lado, a matéria está reservada à lei

complementar, como previsto expressamente na Constituição da República:

“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do

regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção

dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial,

dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos

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necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do

Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua

organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial,

mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes

a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das

atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de

2004)” (g.n.).

Muito se discute acerca da hierarquia das leis

complementares e das leis ordinárias, se estariam no mesmo patamar ou não. Por

óbvio, LEIS COMPLEMENTARES E LEIS ORDINÁRIAS NÃO PODEM TER O

MESMO TRATAMENTO, DADA AS SUAS ESPECIFICIDADES, EM ESPECIAL, O

PROCESSO LEGISLATIVO, motivo pelo qual se deve comungar do entendimento

segundo o qual a lei complementar e a emenda constitucional encontram-se em

nível mais elevado ao da lei ordinária. Eis o pensamento de Alexandre de Moraes:

“O art. 59 da Constituição Federal traz as leis complementares como espécie

normativa diferenciada, com processo legislativo próprio e matéria reservada.

Miguel Reale coloca-as como um

‘tertium genus de leis, que não ostentam a rigidez dos preceitos

constitucionais, nem tampouco devem comportar a revogação (perda

da vigência) por força de qualquer lei ordinária superveniente’.

Assim, a razão de existência da lei complementar consubstancia-se no fato do

legislador constituinte ter entendido que determinadas matérias, apesar da

evidente importância, não deveriam ser regulamentadas na própria

Constituição Federal, sob pena, de engessamento de futuras alterações; mas,

ao mesmo tempo, não poderiam comportar constantes alterações através de

um processo legislativo ordinário. O legislador constituinte pretendeu

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resguardar determinadas matérias de caráter infraconstitucional contra

alterações volúveis e constantes, sem, porém, lhes exigir a rigidez que

impedisse a modificação de seu tratamento, assim que necessário.

Para tanto, a lei complementar se diferencia da lei ordinária em dois aspectos:

o material e o formal.

São duas as diferenças entre lei complementar e lei ordinária. A primeira é

material, uma vez que somente poderá ser objeto de lei complementar a

matéria taxativamente prevista na Constituição Federal, enquanto todas as

demais matérias deverão ser objeto de lei ordinária. (...).

Discussão eternizada na doutrina, a eventual existência ou não de hierarquia

entre lei complementar e lei ordinária obteve de ambos os lados grandes

juristas e brilhantes argumentações.

Neste ponto, porém, filiamo-nos ao argumento de Manoel Gonçalves Ferreira

Filho, por considerá-lo imbatível, pedindo venia para transcrevê-lo na íntegra:

‘É de se sustentar, portanto, que a lei complementar é um tertium

genus interposto, na hierarquia dos atos normativos, entre a lei

ordinária (e os atos que têm a mesma força que esta – a lei delegada e

o decreto-lei) e a Constituição (e suas emendas). Não é só, porém, o

argumento de autoridade que apoia essa tese; a própria lógica o faz. A

lei complementar só pode ser aprovada por maioria qualificada, a

maioria absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vontade de uma

minoria ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz.

Essa maioria é assim um sinal certo da maior ponderação que o

constituinte quis ver associada ao seu estabelecimento. Paralelamente,

deve-se convir, não quis o constituinte deixar ao sabor de uma decisão

ocasional a desconstituição daquilo para cujo estabelecimento exigiu

ponderação especial. Aliás, é princípio geral de Direito que,

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ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha

obedecido à mesma forma’,

assim continua,

‘...a lei ordinária, o decreto-lei e a lei delegada estão sujeitos à lei

complementar. Em consequência disso não prevalecem contra

elas, sendo inválidas as normas que a contradisserem’” (In “Direito

Constitucional”, SP, Atlas, 8ª ed., 2000, pp. 529-531; g.n.).

Ora, se a Constituição da República reservou à lei

complementar a organização da Defensoria Pública e se a Lei Complementar n°

80/94 prevê a prerrogativa do prazo em dobro para todos os Defensores Públicos,

não restam dúvidas de que a Lei Ordinária n° 12.153/09 jamais poderia revogar a

norma em simples critério temporal para afastamento da suposta (e inexistente)

antinomia, sob pena de incorrer no vicio insanável da inconstitucionalidade formal.

Indubitável, portanto, que a interpretação dada ao

artigo 7°, da Lei n° 12.153/09, no sentido de que ele também se aplica aos

Defensores Públicos, fere o princípio da legalidade (artigo 5°, inciso II), face à

reserva da matéria afeta à lei complementar.

Na esteira desse raciocínio, mostra-se igualmente

inaplicável o Enunciado n° 03, Aprovado no XXIX FONAJE (MS 25 a 27 de maio de

2011):

“Não há prazo diferenciado para a Defensoria Pública no âmbito dos Juizados

Especiais da Fazenda Pública.”.

Esse Enunciado n° 03, do FONAJE, vem sendo

adotado por alguns magistrados fluminenses como fundamento para seus

provimentos monocráticos ou colegiados, todavia, verifica-se a dissidência na

interpretação do artigo 7°, da Lei n° 12.153/09, por Turmas Recursais do Rio de

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Janeiro, de São Paulo, do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal e Territórios,

como se observa das ementas abaixo transcritas:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Intempestividade. No recurso de agravo, o

termo inicial para os dez dias assinados pelo artigo 522 do Código de

Processo Civil é a data da ciência inequívoca da decisão contra que se

investe. Precedentes deste Eg. TJRJ. Inexistência de prazo diferenciado para

a prática de qualquer ato no microssistema dos Juizados Especiais

Fazendários. Inteligência do artigo 7º da Lei 12.153/09. Regra que se aplica à

Defensoria Pública nos termos do enunciado nº 53 do FONAJEF- aplicável

analogicamente ao âmbito estadual- e 3º do FONAJE- Fazenda Pública.

Precedente da Eg. Turma Recursal vinculada ao Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo. Interposição que se faz tardia, uma vez que ultrapassa

o dies ad quem, considerando a data em que houve a intimação do decreto

liminar. Recurso manifestamente inadmissível que não segue.” (TJ-RJ, 1ª

Turma Recursal Fazendária, AI n° 0002007-38.2014.8.19.9000, rel. Juiz Luiz

Fernando de Andrade Pinto, julg. em 07/11/2014, pp. DJe de 01/12/2014).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Decisão que nega seguimento a recurso, por

intempestividade. Autora patrocinada pela Defensoria Pública. Não existem

prazos diferenciados no sistema dos Juizados Especiais da Fazenda Pública

(Enunciado da Fazenda Pública n° 3, do FONAJE). Recurso a que se nega

provimento” (TJ-SP, 3ª Turma do Colégio Recursal de São Paulo, AI n°

0000877-86.2012.8.26.9000, rel. Juiz Fernão Borba Franco, julg. em

17/08/2012).

“RECURSO INOMINADO. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E

ESGOTO. AUTO DE INFRAÇÃO. REMOÇÃO DO HIDRÔMETRO.

COBRANÇA DE MULTA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA.

IMPOSSIBILIDADE. 1. O prazo para interposição de recurso inominado é de

dez dias, nos termos do art. 42 da Lei nº 9.099/95, aplicável subsidiariamente

à Lei nº 12.153/09. 2. Considerando a assistência por Defensor Público, com

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a prerrogativa da contagem do prazo em dobro, fulcro no artigo 128 da

Lei Complementar n.º 80/94, tempestiva a irresignação recursal. 3.

Mantida a multa imposta por violação de hidrômetro, notadamente pela

demonstração de aumento no consumo de água após sua imposição. 4.

Vedada a suspensão do fornecimento de água pelo não pagamento da multa,

que pode ser cobrada pelos meios ordinários, inexistindo notícia nos autos de

eventual inadimplemento das faturas mensais. DERAM PARCIAL

PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.” (TJRS, Turma Recursal da

Fazenda Pública, Turmas Recursais, Recurso Cível nº 71004519161, Relator

Juiz Antônio Vinícius Amaro da Silveira, julg. em 31/07/2013, publicado no

Diário da Justiça do dia 09/08/2013; g.n.).

“JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. RECLAMAÇÃO.

PROCESSO CIVIL. DEFENSORIA PÚBLICA. GARANTIA DE PRAZO EM

DOBRO. ART. 128, I, LEI COMPLEMENTAR Nº 80/1994. RECLAMAÇÃO

PROVIDA. DECISÃO CASSADA.

1 - O art. 128, I, da Lei Complementar nº 80/1994, com redação dada pela Lei

Complementar nº 132/2009, ao organizar a Defensoria Pública da União, do

Distrito Federal e dos Territórios, estabelece a prerrogativa do prazo em

dobro para as Defensorias Públicas. 2 - O art. 7º da Lei nº 12.153/2009

não se aplica à Defensoria Pública, mas às pessoas jurídicas de direito

público elencadas no art. 5º, II, da Lei nº 12.153/2009. 3 - Reclamação

conhecida e provida. 4 - Decisão cassada.” (TJDFT, 3ª Turma Recursal dos

Juizados Especiais do Distrito Federal, Proc. n° 20120020060360, Acórdão n°

585398, rel. Juiz Hector Valverde Santanna, julg. em 08/05/2012, In DJE de

11/05/2012, pag. 346).

Como se observa, as Turmas Recursais do Rio de

Janeiro e de São Paulo comungam do entendimento de que a Defensoria Pública

não tem a prerrogativa do prazo em dobro nos Juizados Especiais Fazendários, pois

no microssistema desses Juizados não haveria contagem diferenciada de prazos,

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adotando os Enunciados ns. 3 e 53, respectivamente do FONAJE e do FONAJEF.

Eis os argumentos dos eminentes relatores dos recursos acima indicados:

“Frise-se, aliás, que, no microssistema dos Juizados Especiais Fazendários,

não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato, a teor do que

dispõe o artigo 7º da Lei 12.153/09:

(...).

Esta disposição, a propósito, é repetida do artigo 9º da Lei 10.259/20011 que

estrutura os juizados especiais federais, motivo pelo qual é transponível, ao

âmbito estadual, a regência do que enuncia o verbete nº 53 do FONAJEF:

(...).

Tanto assim que o verbete nº 3 da Fazenda Pública, aprovado no XXIX

FONAJE, dispõe:

Enunciado 03 - Não há prazo diferenciado para a Defensoria Pública no

âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

No contexto normativo próprio, a prerrogativa conferida aos advogados

públicos pela Lei 1060/50, bem como pela Lei Complementar 80/84, cede em

face da regência especial contida na suprarreferida Lei 12.153/09.” (rel. Juiz

Luiz Fernando de Andrade Pinto, AI n° 0002007-38.2014.8.19.9000, da 1ª

Turma Recursal Fazendária do Rio de Janeiro).

“Trata-se de agravo contra decisão que negou seguimento a recurso

inominado, por intempestividade. A autora sustenta a ilegalidade dessa

decisão, pois a Defensoria Pública tem prazo em dobro para recorrer, o que

não se observou no caso.

No entanto, isso não ocorre. O artigo 7º da Lei 12153/09 dispõe que "não

haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas

pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos,

devendo a citação para a audiência de conciliação ser efetuada com

antecedência mínima de trinta dias".

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O princípio, portanto, é o de que não existem prazos diferenciados no sistema

dos Juizados da Fazenda Pública.

Resta saber se isso também se aplica à Defensoria Pública, que possui

privilégio de prazo diferenciado nos processos comuns. A resposta é,

entretanto, negativa, porque contrário ao princípio da celeridade vigente nos

Juizados, como já se vem decidindo majoritariamente, tanto que editado o

Enunciado a seguir transcrito, relativo ao Juizado da Fazenda Pública:

"Enunciado 03 (novo) - Não há prazo diferenciado para a Defensoria Pública

no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.” (...)” (Juiz Fernão

Borba Franco, AI n° 0000877-86.2012.8.26.9000, da 3ª Turma Recursal

Fazendária de São Paulo).

Já a Turma Recursal da Fazenda Pública de Porto

Alegre/RS, ao julgar o recurso inominado n° 71004519161, conheceu do recurso

pelo preenchimento dos seus pressupostos recursais, assim afirmando o Juiz

Relator Antônio Vinícius Amaro da Silveira:

“Eminentes colegas, conheço do recurso inominado, pois preenchidos os

requisitos de admissibilidade.

Saliento, de início, que não há falar na intempestividade do recurso interposto

pela parte autora. Conforme art. 128 da Lei Complementar n. 80/94, a

Defensoria Pública possui a prerrogativa da contagem do prazo em

dobro.

Considerando a carga à Defensora Pública em 18.04.2013 (fls. 95/96), e a

contagem em dobro assegurada pela prerrogativa acima referida, o recurso

protocolado em 06.05.2013 configura-se como tempestivo. (g.n.)”

Não foi outro o fundamento adotado pela Turma

Recursal do Distrito Federal e Territórios, ao julgar o recurso inominado n°

20120020060360, pedindo-se vênia para replicar as palavras do Juiz Relator Hector

Valverde Santanna, a par da sua longa explanação:

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“Não obstante os fortes argumentos esposados pela r. decisão impugnada,

tais como o entendimento firmado pela Turma Nacional de Uniformização de

Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais e a orientação dada pelo

Enunciado da Fazenda Pública nº 03 (FONAJE), salvo melhor juízo, penso

que o art. 7º da Lei nº 12.153/2009 não se aplica à Defensoria Pública.

O art. 7º da Lei nº 12.153/2009 estabelece que:

Art. 7º. Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato

processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a

interposição de recursos, devendo a citação para a audiência de conciliação

ser efetuada com antecedência mínima de 30 (trinta) dias. (grifei)

Esse artigo, porém, não se destina à Defensoria Pública. A análise

sistemática da Lei nº 12.153/2009 demonstra que ele é dirigido às pessoas

jurídicas de direito público constantes no seu art. 5º: os Estados, o Distrito

Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e

empresas públicas a eles vinculadas.

A razão é que a Lei nº 12.153/2009, que visa regular os litígios envolvendo

essas pessoas jurídicas de direito público, já contendo as regras necessárias

à proteção dos interesses tutelados por tais entes, ponderou que seria

desnecessário conferir-lhes prazos diferenciados, ou seja, dotar a Fazenda

Pública de mais prerrogativas em detrimento do cidadão comum, esse já em

situação de clara desvantagem ao litigar contra o aparelho público.

A prerrogativa do prazo em dobro conferida à Defensoria Pública pela Lei

Complementar nº 80/1994 é de outra ordem, e visa proteger não a Fazenda

Pública, mas o cidadão economicamente hipossuficiente e que necessita dos

serviços de assistência judiciária gratuita.

São conhecidas as dificuldades estruturais e de pessoal que as defensorias

públicas enfrentam nesse importante mister de garantir o acesso à justiça aos

mais necessitados. Nesse caso, em última análise, percebe-se que a garantia

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do prazo em dobro não se destina à Defensoria Pública, mas ao cidadão por

ela representado.

Assim, a interpretação teleológica do art. 7º da Lei nº 12.153/2009 conduz à

conclusão de que ele não se aplica à Defensoria Pública.

Esclareça-se que a prerrogativa do prazo em dobro para a Defensoria Pública

também decorre de lei.

O art. 128, I, da Lei Complementar nº 80/1994, com redação dada pela Lei

Complementar nº 132/2009, ao organizar a Defensoria Pública da União, do

Distrito Federal e dos Territórios, estabeleceu a prerrogativa do prazo em

dobro para as Defensorias Públicas:

Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado,

dentre outras que a lei local estabelecer: I – receber, inclusive quando

necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em

qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-

se-lhes em dobro todos os prazos; (Redação dada pela Lei Complementar

nº 132, de 2009). (grifei)

Não há violação ao princípio da celeridade dos Juizados Especiais. O objetivo

do princípio da celeridade é garantir o acesso à tutela jurisdicional. Quando a

lei conferiu o prazo em dobro à Defensoria Pública, sopesou os interesses

envolvidos: o de uma almejada justiça célere e eficiente, mas também o de

que seja garantido aos mais necessitados o verdadeiro acesso à justiça, à

ampla defesa, a todos os mecanismos jurídicos que lhe permitam a obtenção

da tutela jurisdicional plena.

Em última análise, no aparente conflito entre o art. 7º da Lei nº 12.153/2009 e

o art. 128, I, da Lei Complementar nº 80/1994 está a ponderação entre a

garantia constitucional da celeridade processual e a garantia constitucional do

devido processo legal em sentido material (substantive due process).

No âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, da tensão entre os

princípios constitucionais da celeridade processual e do devido processo legal

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em sentido material (substantive due process), em que esse último busca

garantir não somente a regularidade formal do processo, mas a decisão

substancialmente razoável e correta, o aplicador do direito deve ponderar

sobre a idéia de que a concessão do prazo em dobro para a Defensoria

Pública prejuízo algum trará à parte representada por ela, pelo contrário,

atuará como mecanismo garantidor de seus direitos; tampouco trará prejuízo

à parte adversa, que nos Juizados Especiais da Fazenda Pública é o próprio

Estado.”

Em razão do demonstrado dissídio entre as Turmas

Recursais Fazendárias do Rio de Janeiro e as Turmas Recursais Fazendárias do

Rio Grande do Sul e do Distrito Federal e Territórios, admissível o incidente de

uniformização de jurisprudência previsto pelo parágrafo 3° do artigo 18 da Lei n°

12.153/09, a ser conhecido e julgado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ao analisar os microssistemas dos Juizados

Especiais e o regramento recursal que lhes são pertinentes, o próprio Superior

Tribunal de Justiça nos orienta acerca do cabimento do incidente de uniformização

de jurisprudência na hipótese sob exame:

“PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO NA

RECLAMAÇÃO. RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO DE

TURMA RECURSAL EM CAUSA DE INTERESSE DA FAZENDA PÚBLICA.

REGIME PRÓPRIO DE SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIA PREVISTO PELOS

ARTS. 18 E 19 DA LEI 12.153/2009. NÃO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO

PREVISTA NA RESOLUÇÃO 12/2009 DO STJ. PRECEDENTE DA

PRIMEIRA SEÇÃO.

1. Recebe-se pedido de reconsideração como agravo regimental em prestígio

aos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da

fungibilidade recursal. Precedentes: AgRg no Ag 1.193.666/SP, Relator

Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJ 8/2/2010; PET no Ag

1.033.281/MG, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 6/8/2009; e

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RCDESP nos EREsp 700.527/SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha,

Corte Especial, DJ de 8/6/2009.

2. A Primeira Seção pacificou a orientação de que havendo procedimento

legal específico de uniformização jurisprudencial no âmbito das Turmas

Recursais em causas de interesse da Fazenda Pública, o qual prevê meio

próprio de impugnação (Lei 12.153/2009, arts. 18 e 19), não é cabível o

ajuizamento da reclamação prevista na Resolução 12/2009 do STJ.

Precedentes: RCDESP na Rcl 8.978/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina,

Primeira Seção, DJe 31/05/2013; RCDESP na Rcl 11.125/SP, Rel. Ministro

Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18/04/2013.

3. Agravo regimental não provido.” (STJ, 1ª Seção, RCD na Rcl 21569/SP, rel.

Min. Benedito Gonçalves, julg. em 26/11/2014, unânime, In DJe de

025/12/2014).

Ante todo o exposto, resta amplamente

demonstrada a inaplicabilidade da norma do artigo 7°, da Lei n° 12.543/09, posto

que os Defensores Públicos têm a prerrogativa institucional da intimação pessoal e

do prazo em dobro, inclusive nos Juizados Especiais Fazendários, como previsto na

Lei Complementar n° 80/94, bem como o dissídio jurisprudencial entre as Turmas

Recursais Fazendárias do Rio de Janeiro e as Turmas Recursais Fazendárias do

Rio Grande do Sul e do Distrito Federal e Territórios, a permitir a instauração do

incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 18, da Lei n°

12.153/09.

Rio de Janeiro, 20 de maio de 2015.

Texto elaborado por:

Vero Fernandes Baptista

Fábio Ferreira da Cunha

Thaísa Guerreiro de Souza

Franklyn Roger Alves Silva

Coordenadoria de Programas Institucionais

Coordenadoria Cível

Adriana Araujo João