CORONEL UBIRATAN GUIMARÃES E SUA AÇÃO NO CARANDIRU

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Este trabalho pretende apresentar a acusação do Coronel Ubiratan Guimarães, que foi quem comandou o Massacre do Carandiru, demostrando que o responsável pelos crimes sucedidos deu-se pela atitude do mesmo ao autorizar que a Policia Militar entrasse no local e tomasse as atitudes que lá foram tomadas.Diante dos altos índices de violência ocasionados por crimes cada vez mais bárbaros, a sociedade, em sua maioria, demonstra um sentimento de “vingança” ao opinar sobre a ação policial realizada em 02 de outubro de 1992.Muitos defendem a ideia de que “bandido bom é bandido morto”, e ainda “se fosse uma boa pessoa não estaria na cadeia”.Porém, não podemos compartilhar desses pensamentos, e por isso denominamos como massacre a intervenção policial no Carandiru, portanto condenamos a ação comandada pelo Coronel Ubiratan Guimarães, com base em estudos técnicos, principalmente no que tange ao número de marcas de tiros no interior das celas e à quantidade de perfurações causadas pelas armas de fogo nos corpos dos presos. É fato que alguns detentos foram fuzilados com rajadas de metralhadoras HK- 47, a qual é utilizada pelas forças armadas para treinamento em caso de guerra, tamanha a sua potência e poder de destruição, conforme comprovação da perícia.O que a sociedade, por muitas vezes não compreende, é que muitos daqueles presos eram réus primários e outros aguardavam julgamento, estavam ali para pagar a sua dívida com o Estado e com a própria sociedade, no entanto jamais poderiam ser executados da maneira que foram numa ação desastrosa e executada por policiais despreparados e desmotivados.Não podemos esquecer que todos aqueles presos executados tinham mãe, mulher, irmãos e filhos e que estes carregarão a falta do seu pai e a marca da violência policial em suas vidas.

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    ESAMC

    PROJETO INTERDISCIPLINAR

    CORONEL UBIRATAN GUIMARES E SUA AO NO CARANDIRU

    SANTOS - SP 2013

  • 2

    ESAMC

    ADNIR MELLO BRBARA BATISTA DANIELLE OLIVEIRA FLVIO FAITANINI

    GABRIELLA COSTA GREICE CHINAIDHER

    LETCIA ALVES LETCIA MARCON

    PRISCILA OLIVEIRA VVIAN FAUSTINO

    PROJETO INTERDISCIPLINAR

    CORONEL UBIRATAN GUIMARES E SUA AO NO CARANDIRU

    SANTOS - SP 2013

  • 3

    ADNIR MELLO BRBARA BATISTA DANIELLE OLIVEIRA FLVIO FAITANINI

    GABRIELLA COSTA GREICE CHINAIDHER

    LETCIA ALVES LETCIA MARCON

    PRISCILA OLIVEIRA VVIAN FAUSTINO

    PROJETO INTERDISCIPLINAR CORONEL UBIRATAN GUIMARES E SUA AO NO

    CARANDIRU

    Projeto Interdisciplinar, apresentado a Escola Superior de Administrao, Marketing e Comunicao (ESAMC), como parte das exigncias para a obteno de nota nas disciplinas de Teoria Geral do Direito, Teoria Geral do Estado, Direito Civil e Direito Penal. Orientador: Professor Marcelo Amaral Colpaerth Marcochi.

    SANTOS - SP 2013

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    ADNIR MELLO BRBARA BATISTA DANIELLE OLIVEIRA FLVIO FAITANINI

    GABRIELLA COSTA GREICE CHINAIDHER

    LETCIA ALVES LETCIA MARCON

    PRISCILA OLIVEIRA VVIAN FAUSTINO

    PROJETO INTERDISCIPLINAR

    CORONEL UBIRATAN GUIMARES E SUA AO NO CARANDIRU

    Banca Examinadora:

    Gisele Bernardo Gonalves Hunold - Professora de Teoria Geral do Direito- ESAMC

    _________________________________________________________

    Leandro Matsumota - Professor de Teoria Geral do Estado- ESAMC _________________________________________________________

    Fabricio Posocco - Professor de Direito Civil- ESAMC

    _________________________________________________________

    Marcelo Amaral Colpaerth Marcochi - Professor de Direito Penal- ESAMC

    _________________________________________________________

  • 5

    DEDICATRIA

    Dedicamos este projeto a todos que acreditaram no nosso potencial: as nossas famlias e aos nossos professores que no mediram esforos para nos

    apoiar e incentivar o grupo.

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    A Deus por ter me concedido sabedoria para a realizao deste

    projeto. Aos nossos queridos professores Marcelo Marcochi, Fabricio Posocco, Gisele Bernardo Gonalves Hunold, Leandro Matsumota e Sinval Morae por suas consultorias e conhecimentos que contriburam para o desenvolvimento do trabalho.

  • 7

    EPGRAFE

    Lembrem-se dos presos como se vocs estivessem na priso com eles. Lembre-se dos que so torturados, pois voc tambm tem um corpo.

    (TARSO, Apstolo Paulo de)

  • 8

    SUMRIO

    INTRODUO.............................................................................................. 11

    1. TEORIA GERAL DO DIREITO ................................................................ 12

    1.1. CONCEITO DE DIREITO, MORAL E JUSTIA ................................ 13

    1.1.1. DIREITO ..................................................................................... 13

    1.1.2. MORAL ....................................................................................... 13

    1.1.3. JUSTIA ..................................................................................... 14

    1.2. O CONFRONTO ENTRE DIREITO, JUSTIA E MORAL ................. 14

    1.3. DIFERENA ENTRE JUSTIA, MORAL E DIREITO ....................... 15

    1.4. A EXISTNCIA DAS LEIS AMORAIS E IMORAIS ........................... 15

    1.5. PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS ................................................... 15

    2. TEORIA GERAL DO ESTADO ................................................................ 21

    2.1. ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO .......................................... 22

    2.1.1. POPULAO ............................................................................. 22

    2.1.2. TERRITRIO ............................................................................. 23

    2.1.3. GOVERNO ................................................................................. 23

    2.1.4. SOBERANIA ............................................................................... 23

    2.1.5. JUSTIA ..................................................................................... 24

    2.2. CENRIO POLTICO ........................................................................ 25

    2.3. SISTEMA PRISIONAL ...................................................................... 27

    2.4. FACES ......................................................................................... 28

    2.5. DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................ 29

    2.6. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ...................................... 31

    2.6.1. ATO ILCITO ............................................................................... 31

    2.6.2. DANO ......................................................................................... 32

    2.6.3. NEXO CAUSAL .......................................................................... 32

    2.6.4. O DEVER DO ESTADO DE GUARDA DOS PRESOS .............. 32

  • 9

    3. DIREITO CIVIL ........................................................................................ 35

    3.1. DIREITOS DA PERSONALIDADE .................................................... 35

    3.1.2. DIREITO VIDA, INTEGRIDADE FSICA, HONRA E A

    DIGNIDADE ....................................................................................................... 37

    4. DIREITO PENAL ...................................................................................... 42

    4.1. TEORIA DO CRIME .......................................................................... 42

    4.2. FATO TPICO .................................................................................... 42

    4.2.1. CONDUTA .................................................................................. 43

    4.2.2. RESULTADO .............................................................................. 44

    4.2.3. NEXO CAUSAL OU RELAO DE CAUSALIDADE ................. 44

    4.2.4. TIPICIDADE ............................................................................... 44

    4.3. ANTIJURICIDADE ............................................................................ 45

    4.3.1. CAUSAS EXCLUDENTES OU JUSTIFICATIVAS ...................... 45

    4.4. ESTADO DE NECESSIDADE ........................................................... 46

    4.5. LEGTIMA DEFESA .......................................................................... 46

    4.6. EXERCCIO REGULAR DE DIREITO ............................................... 47

    4.7. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL .............................. 48

    4.8. OBEDINCIA HIERRQUICA .......................................................... 49

    4.9. EXCESSO DOLOSO E CULPOSO ................................................... 50

    5. TESE DE ACUSAO ............................................................................. 51

    ANEXOS ....................................................................................................... 55

    ANEXO A - SNTESE DO ESTUDO SCIO JURDICO ELABORADO

    PELO PROFESSOR DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CNDIDO MENDES

    - IPANEMA E DA ESCOLA DE CINCIAS JURDICAS DA UNIVERSIDADE

    DO RIO DE JANEIRO (UNI-RIO). ......................................................................... 60

    INTRODUO .......................................................................................... 60

    DESCRIO DOS FATOS QUE OCORRERAM NO PAVILHO 9

    DA CASA DE DETENO DO CARANDIRU, SO PAULO. ............................ 61

  • 10

    ANTECEDENTES DE 104 PRESOS MORTOS NO MASSACRE ......... 65

    ANEXO B - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ........................... 66

    ANEXO C - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA

    CONSTITUIO DE 1988 E OS DIREITOS DOS DETENTOS ............................ 68

    DECISO: REBELIO. CARANDIRU. RESPONSABILIDADE

    CIVIL OBJETIVA. DEVER DE INDENIZAR ....................................................... 69

    RESPONSABILIDADE CIVIL DETENTO FALECIDO EM

    REBELIO OCORRIDA NA CASA DE DETENO INDENIZAO

    DEVIDA EMBARGOS INFRINGENTES COM VOTO VENCIDO QUE

    ENTENDE IMPROCEDENTE A AO EMBARGOS REJEITADOS. ............. 69

    RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PBLICO -

    PRINCPIO CONSTITUCIONAL ........................................................................ 72

    ANEXO D - ACRDOS .............................................................................. 76

    ACRDOS JULGADOS PELO TJ-SP EM RELAO A ALGUMAS

    DAS VTIMAS DO CARANDIRU ........................................................................... 76

    ANEXO E - ENTREVISTA COM O PERITO DR. OSWALDO NEGRINI ...... 80

    EX-PMS SO JULGADOS 20 ANOS DEPOIS DE MASSACRE .......... 84

    ANEXO F - O PAVOR CHEGA COM OS PMS ............................................ 84

    ANEXO G - MASSACRE DO CARANDIRU MATRIA DO JORNAL

    FOLHA DE SO PAULO ........................................................................................... 89

    ANEXO H IMAGENS DO MASSACRE DO CARANDIRU ......................... 94

    ANEXO I - FOTOS DO ARMAMENTO UTILIZADO NA INVASO CASA

    DE DETENO ................................................................................................. 97

    REFERNCIAS ............................................................................................ 55

  • 11

    INTRODUO

    Este trabalho pretende apresentar a acusao do Coronel Ubiratan

    Guimares, que foi quem comandou o Massacre do Carandiru, demostrando

    que o responsvel pelos crimes sucedidos deu-se pela atitude do mesmo ao

    autorizar que a Policia Militar entrasse no local e tomasse as atitudes que l

    foram tomadas.

    Diante dos altos ndices de violncia ocasionados por crimes cada vez

    mais brbaros, a sociedade, em sua maioria, demonstra um sentimento de

    vingana ao opinar sobre a ao policial realizada em 02 de outubro de 1992.

    Muitos defendem a ideia de que bandido bom bandido morto, e

    ainda se fosse uma boa pessoa no estaria na cadeia.

    Porm, no podemos compartilhar desses pensamentos, e por isso

    denominamos como massacre a interveno policial no Carandiru, portanto

    condenamos a ao comandada pelo Coronel Ubiratan Guimares, com base

    em estudos tcnicos, principalmente no que tange ao nmero de marcas de

    tiros no interior das celas e quantidade de perfuraes causadas pelas armas

    de fogo nos corpos dos presos. fato que alguns detentos foram fuzilados com

    rajadas de metralhadoras HK- 47, a qual utilizada pelas foras armadas para

    treinamento em caso de guerra, tamanha a sua potncia e poder de destruio,

    conforme comprovao da percia.

    O que a sociedade, por muitas vezes no compreende, que muitos

    daqueles presos eram rus primrios e outros aguardavam julgamento,

    estavam ali para pagar a sua dvida com o Estado e com a prpria sociedade,

    no entanto jamais poderiam ser executados da maneira que foram numa ao

    desastrosa e executada por policiais despreparados e desmotivados.

    No podemos esquecer que todos aqueles presos executados tinham

    me, mulher, irmos e filhos e que estes carregaro a falta do seu pai e a

    marca da violncia policial em suas vidas.

  • 12

    TEORIA GERAL DO DIREITO

    "Se existe algo que a histria do conhecimento humano nos pode ensinar como tm sido vos os esforos para encontrar, por meios racionais, uma norma absolutamente vlida de comportamento justo, ou seja, uma norma

    que exclua a possibilidade de tambm considerar o comportamento contrrio como justo (KELSEN, Hans).

  • 13

    1. TEORIA GERAL DO DIREITO

    1.1. CONCEITO DE DIREITO, MORAL E JUSTIA

    de suma importncia saber diferenciar o que Direito, Moral e

    Justia. Ao primeiro olhar temos uma ideia de que todas estas definies tm o

    mesmo significado, porm, cada uma distinta em sua essncia.

    1.1.1. DIREITO

    A palavra direito tem origem no Latim directus que significa reto ou colocado em linha reta. No latim clssico, ius era o termo usado para designar o direito objetivo, o conjunto de normas (que evoluiu para direito). O termo ius (jus) originou a criao de palavras como justo, justia, entre outras.1

    No h um consenso sobre o conceito de direito. A esse respeito

    divergem juristas, filsofos e socilogos, desde tempos remotos. o conjunto

    das normas gerais e positivas, que regulam a vida social (REDBRUCH,

    Introducin a la filosofia del derecho, p. 47). Da necessidade de justia nas

    relaes humanas que nasce o direito.

    Existe uma marcante diferena entre o ser do mundo da natureza e o

    dever ser do mundo jurdico. Os fenmenos da natureza, sujeito s leis

    fsicas, so imutveis, enquanto o mundo jurdico, o do dever ser, caracteriza-

    se pela liberdade na escolha da conduta. Direito, portanto, a cincia do

    dever ser.

    1.1.2. MORAL

    Moral o conjunto de regras adquiridas atravs da cultura, da educao, da tradio e do cotidiano, e que orientam o comportamento humano dentro de uma sociedade. O termo tem origem no Latim morales cujo significado relativo aos costumes2.

    Entendese que a moral designada pelas pessoas, no havendo,

    portanto delimitao de territrio. Sendo assim, existem pessoas em qualquer

    parte do mundo que seguem uma mesma norma moral.

    1 "Significado de Direito, o que Direito?". Disponvel em www.significados.com.br.

    Acesso 12/04/2013. 2 "Significado de Moral, o que Moral?". Disponvel em www.significados.com.br.

    Acesso 12/04/2013.

  • 14

    A essncia deste elemento que o surgimento da moral do prprio

    ser humano, sendo assim impostas pela sociedade. uma espcie de coao,

    onde a sano para quem pratica a imoralidade apenas a punio social.

    possvel que pessoas desconhecidas tenham as mesmas referncias

    de moralidade.

    1.1.3. JUSTIA

    Justia significa respeito igualdade de todos os cidados, e um

    termo que vem do latim. o principio bsico e tem como objetivo manter a

    ordem social atravs da preservao dos direitos em sua forma legal.

    Em Roma, a justia representada por uma esttua, com olhos vendados, significando que "todos so iguais perante a lei" e "todos tm iguais garantias legais", ou ainda, "todos tm iguais direitos". A justia deve buscar a igualdade entre todos.3

    Para Hans Kelsen a discusso sobre a Justia um dever da tica,

    pois a cincia capacitada para estudar normas jurdicas, morais, o certo e o

    errado, e tambm o que justo ou injusto.

    O ser justo exprime o pensamento de que o indivduo deve agir

    igualmente para ambas as partes, ou a que julgar ser a correta.

    J Aristteles apresenta a justia como uma virtude humana quando

    diz, vemos que todos os homens entendem por justia aquela disposio de

    carter que torna as pessoas propensas a fazer o que justo, que as faz agir

    justamente e desejar o que justo (tica a Nicmaco, v. 1. 1129-10. Na

    edio examinada, p. 81), ou em sua definio de perptua vontade de dar a

    cada um o que seu, segundo uma igualdade (LIMONGI, Rubens Frana.

    Manual de direito civil, v. 1, p. 7).

    1.2. O CONFRONTO ENTRE DIREITO, JUSTIA E MORAL

    ''Teu dever lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito

    em conflito com a justia, luta pela justia'' diz Eduardo Couture no seu

    ''Mandamento dos Advogados''.

    3 "Significado de Justia, o que Justia?". Disponvel em www.significados.com.br.

    Acesso 12/04/2013.

  • 15

    Moral, direito e justia, embora sejam conceitos distintos, oferecem

    concepes estreitamente relacionadas. Vemos que o direito pretende garantir

    a justia; apesar da moral, em alguns contextos tambm usar este princpio, a

    respeito de sua relao com o justo ser muito relativa, quase nunca se

    referindo pelo conceito.

    Sendo assim um grande problema, porque o Direito deveria garantir a

    Justia, mas acaba sendo influenciado pela Moral estabelecida.

    1.3. DIFERENA ENTRE JUSTIA, MORAL E DIREITO

    A moral, bem como a justia, parece ser baseada no mesmo ideal: s

    moral do ponto de vista de quem julga, ou seja, pode ser moralmente certo a

    determinado sujeito matar o prprio filho, enquanto que para a sociedade em

    si, tal atitude totalmente hedionda. Se cada pessoa pudesse agir apenas de

    acordo com seus ideais morais, teramos um caos eminente. Ento surge o

    direito, que visa normatizar a moral dominante (o que nem sempre seguido

    risca), para que se tenha estabilidade social.

    Por fim, pode-se dizer que, tanto a justia quanto a moral, tm carter

    extremamente subjetivo, pois dependem, to-somente, do juzo do agente a

    definio destes conceitos. Da mesma maneira, em relao aos fatos que

    sero julgados, o cidado julgador ter sempre seus prprios juzos de valor.

    1.4. A EXISTNCIA DAS LEIS AMORAIS E IMORAIS

    ''Quero lembrar que h leis imorais, indignas, injustas. O garrote vil, na

    Espanha, era lei. A escravido, no Brasil, era lei (GUIMARES, Ullysses). O

    legislador ao elaborar uma lei, dever analisar alm da utilidade e da

    capacidade da norma e seus devidos efeitos, se a soluo proposta para o

    problema a ser resolvido possui vinculao com os usos e costumes sociais.

    A lei no pode ser uma criao singular ou algo imposto, muito menos

    ser produzida sem que em seu processo de elaborao discuta-se a

    consequncia moral que seu efeito ir produzir.

    1.5. PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS

    Os princpios so norteadores das aes humanas, abrangem a

    interpretao de todas as normas jurdicas e so fixados na experincia

    histrica da humanidade e na sua evoluo cientfico-filosfica. Servem como

  • 16

    orientao interpretativa das normas constitucionais, seja ao legislador

    ordinrio durante a elaborao de normas infraconstitucionais, seja aos juzes

    mediante a aplicao do direito ou aos cidados no momento de realizao de

    seus direitos.

    Como observa o professor Celso Antnio Bandeira de Mello:

    Princpio por definio, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que confere a tnica e lhe d sentido harmnico. 4

    O renomado doutrinador Rizzatto Nunes alude:

    O princpio , assim, um axioma inexorvel e que, do ponto de vista do Direito, faz parte do prprio linguajar desse setor de conhecimento. No possvel afast-lo, portanto. O valor sofre toda influncia de componente histrico, geogrfico, pessoal, social, local etc. e acaba se impondo mediante um comando de poder que estabelece regras de interpretao jurdicas ou no. Por isso, h muitos valores e so indeterminadas as possibilidades de deles falar. Eles variaro na proporo da variao do tempo e do espao, na relao com a prpria histria corriqueira dos indivduos. O princpio, no. Uma vez constatado, impe-se sem alternativa de variao. 5

    No sistema jurdico brasileiro, os princpios fundamentais esto

    estabelecidos na Carta Magna, a qual define os parmetros e princpios que

    norteiam todo o ordenamento jurdico, por ela, so apresentadas as premissas

    que conduzem a interpretao dos direitos e deveres do indivduo e do grupo

    social a que pertence. Como leciona Rizzato Nunes, os princpios

    constitucionais so as vigas mestras, alicerces dos quais se constri o sistema

    jurdico e que do estrutura e coeso a todo o ordenamento jurdico.

    Para compreender a importncia dos princpios constitucionais

    preciso situar o cenrio histrico que antecedeu a Constituio de 1988. O

    Brasil passava por um longo perodo de instabilidades e gestes ditatoriais. No

    dia 1 de abril de 1964, o pas passou a viver sob o regime militar. Este perodo

    4 (MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. So

    Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 230) 5 (NUNES, Luiz Antnio Rizzato. O princpio constitucional da dignidade da pessoa

    humana. Doutrina e jurisprudncia, So Paulo: Saraiva, 2002, p. 37.)

  • 17

    ditatorial perdurou por vinte e um anos, com intensas efervescncias por

    transformaes sociais, polticas e econmicas. Neste perodo, havia conflitos

    entre o governo e a oposio, foram utilizados recursos como: censura, tortura,

    terrorismo e guerrilha nos movimentos de oposio e de represso.

    Este o cenrio que marcou o momento histrico, poltico e jurdico da

    sociedade brasileira, que incidiu a elaborao da Constituio Federal

    Brasileira, pela qual, procurou traduzir os anseios do povo e a busca por

    grandes transformaes.

    A Constituio Federal da Repblica Federativa do Brasil de 1988

    destaca como essncia, os princpios promoo e proteo aos direitos

    fundamentais e sociais da pessoa humana. O legislador constituinte condenou

    as prticas como a tortura, sob todas as suas modalidades, comuns poca da

    ditadura; o racismo e outras formas de humilhaes. O legislador desta forma

    colocou a pessoa humana como um fim em nossa sociedade e no como um

    simples meio de alcanar objetivos econmicos.

    Conforme ensinamento de Canotilho apud Afonso: a Constituio o

    estatuto jurdico do fenmeno poltico, e foi elaborada com vistas nos ideais

    democrticos, sociais e republicanos, em que a dignidade da pessoa humana

    um dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil e por ela foram

    positivados os direitos e garantias fundamentais, numa estrutura textual que

    refora a proteo do indivduo, do Estado e suas finalidades.

    No prembulo da Constituio, percebe-se a preocupao do

    legislador constituinte em proporcionar aos cidados o resgate da dignidade da

    pessoa humana, atravs do saneamento dos grandes males impostos durante

    o perodo da ditadura. Notadamente, pela sua apreenso quanto reduo das

    desigualdades sociais; pela melhor distribuio de renda; pela erradicao da

    pobreza; pela promoo do acesso ao trabalho, ao lazer, moradia,

    educao e das condies para manter-se saudvel e desenvolver-se

    economicamente.

    Conforme pode-se constatar:

    PREMBULO DA CF- Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assemblia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores

  • 18

    supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundadas na harmonia social e comprometidas, na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias, promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte CONSTITUIO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

    A Constituio Federal apresenta seus Princpios Fundamentais do art.

    1 ao art. 4:

    Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo poltico. Pargrafo nico. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio.

    Art. 2 So Poderes da Unio, independentes e harmnicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judicirio. Art. 3 Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidria; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.

    Art. 4 A Repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaes internacionais pelos seguintes princpios: I - independncia nacional; II - prevalncia dos direitos humanos; III - autodeterminao dos povos; IV - no-interveno; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - soluo pacfica dos conflitos; VIII - repdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperao entre os povos para o progresso da humanidade; X - concesso de asilo poltico. Pargrafo nico. A Repblica Federativa do Brasil buscar a integrao econmica, poltica, social e cultural dos povos da Amrica Latina, visando formao de uma comunidade latino-americana de naes.

    O princpio da dignidade da pessoa humana deve ser enaltecido, pois a

    pessoa humana o valor mximo da democracia e sua dignidade deve

    prevalecer a qualquer outro princpio em decorrncia do Estado Democrtico

  • 19

    de Direito. Constitucionalmente, os direitos e garantias fundamentais, dentre

    eles os positivados como Direitos Sociais so decorrentes da dignidade

    humana, desta forma Rizzato Nunes assevera:

    A razo jurdica uma razo tica, fundada na garantia da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, na aquisio da igualdade entre as pessoas, na busca da efetiva liberdade, na realizao da justia e na construo de uma conscincia que preserve integralmente esses princpios. 6

    Em consonncia com o entendimento de Rizzato Nunes, Chaves de

    Camargo certifica:

    A pessoa humana, pela condio natural de ser, com sua inteligncia e possibilidade de exerccio de sua liberdade, se destaca na natureza e se diferencia do ser irracional. Estas caractersticas expressam um valor e fazem do homem no mais um mero existir, pois este domnio sobre a prpria vida, sua superao, a raiz da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situao social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser. No admite discriminao, quer em razo do nascimento, da raa, inteligncia, sade mental, ou crena religiosa.7

    O contedo e a consagrao constitucional do princpio da dignidade

    da pessoa humana, bem como os demais princpios constitucionais, devem ser

    analisados na elaborao de leis para situar os direitos fundamentais. Os

    direitos de acesso educao, sade, ao trabalho, moradia, previdncia,

    assistncia social, dentre outros direitos sociais e garantias fundamentais so

    essenciais para viver dignamente.

    Os direitos e garantias fundamentais devem ser observados em

    conformidade aos direitos humanos, estes so previstos pela Constituio

    Federal em seu art. 5, e demais leis e tratados internacionais. Ao analisar a

    eficcia dos direitos e garantias aos presos no Brasil, percebe-se atravs de

    estudos e pesquisas, que o sistema carcerrio infelizmente, ainda, no

    coaduna com os princpios basilares do pas, pois diariamente os direitos

    6 (NUNES, Luiz Antnio Rizzato. O princpio constitucional da dignidade da pessoa

    humana. Doutrina e jurisprudncia, So Paulo: Saraiva, 2002, p. 26.) 7 (CAMARGO, A. L. Chaves. Culpabilidade e Reprovao Penal. So Paulo:

    Sugestes Literrias, 1994.

  • 20

    fundamentais de seres humanos que j encontram-se privados de sua

    liberdade so violados.

    preciso compreender que o preso conserva os demais direitos adquiridos enquanto cidado, que no sejam incompatveis com a "liberdade de ir e vir", medida que a perda temporria do direito de liberdade em decorrncia dos efeitos de sentena penal refere-se to-somente locomoo. Isso invariavelmente, no o que ocorre. 8

    8 (CARVALHO, Salo de. Penas e Garantias: uma Leitura do Garantismo de Luigi

    Ferrajoli no Brasil).

  • 21

    TEORIA GERAL DO ESTADO

    A sociedade, o Estado e o Direito no surgem de decretos divinos, mas dependem da ao concreta dos homens na Histria" (CHAU, Marilena).

  • 22

    2. TEORIA GERAL DO ESTADO

    2.1. ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO

    Para discorrermos sobre Cincias Polticas, devemos a priori

    compreender o conceito de Estado e seu surgimento.

    Com base na Histria Geral, a palavra Estado aparece

    frequentemente com o passar dos sculos, desde o Estado Egpcio, da Polis

    grega e da Civitas romana, at o sculo XVI, onde na Inglaterra foi empregado

    pela primeira vez o significado com referncia ordem pblica constituda,

    estando em constante evoluo at os dias atuais. Deguit afirmava O Estado

    a criao exclusiva da ordem jurdica e representa uma organizao da fora a

    servio do direito.

    Para que o Estado possa existir e exercer sua funo, so necessrios

    trs elementos constitutivos: populao, territrio e governo.

    2.1.1. POPULAO

    Entende-se como populao o conjunto de pessoas que habitam o

    planeta Terra ou qualquer diviso territorial, sendo considerada tambm a

    quantidade numrica de um Estado e elemento formador deste, onde no

    depende de justificativa, pois sem populao no possibilidade de formao ou

    existncia do Estado.

    Doutrinadores defendem a tese de que a caracterstica bsica e

    primordial de populao corresponde unidade tnica, ou seja, caractersticas

    nacionais como as que constituram Israel, China, Roma e Grcia. Outros

    divergem dessa afirmao, sustentam que o elemento basilar de populao se

    entende em sentido amplo, ou seja, reunio de indivduos de vrias origens, os

    quais se estabelecem em carter definitivo, e a posteriormente se organizam

    politicamente.

    Por muitas vezes populao e nao so usados erroneamente como

    sinnimos. Nao uma realidade sociolgica, de ordem subjetiva onde o

    Estado uma realidade jurdica. Para melhor fixao do conceito cotejando a

    definio dada por Mancini una societ naturali di uomini, da unit di territrio,

    di origine, di costumi e di lingua, conformata di vita e di conscienza sociale.

  • 23

    2.1.2. TERRITRIO

    Considera-se como territrio a base fsica de mbito geogrfico, que

    delimita os poderes do Estado pelas fronteiras polticas. Para Friedrich Ratzel,

    o territrio representa uma poro do espao terrestre identificada pela posse,

    sendo uma rea de domnio de uma comunidade ou Estado.

    O Estado moderno rigorosamente territorial. Esse elemento fsico,

    tanto quanto os outros dois - populao e governo -, indispensvel

    configurao do Estado, segundo as concepes pretritas e atuais do direito

    pblico. Afirma Queiroz Lima.

    Para Pedro Calmon o territrio elemento sagrado e inalienvel do

    povo. o espao certo e delimitado onde se exerce o poder do governo sobre

    os indivduos.

    2.1.3. GOVERNO

    Delegao de soberania nacional, conjunto das funes necessrias

    manuteno da ordem jurdica e da administrao pblica, afirma Sahid Maluf

    em seu livro Teoria Geral do Estado.

    Apesar de no existir consenso na conceituao de Estado, os

    doutrinadores concordam que a soberania elemento de composio do

    Estado, com o argumento de que a soberania exatamente a fora geradora e

    justificadora do elemento governo.

    O governo do povo, pelo povo e para o povo expresso de Abraham

    Lincoln traduz claramente como que deveria ser o governo que a Constituio

    Federal de 1988 idealiza.

    2.1.4. SOBERANIA

    Autoridade superior que no pode ser limitada por nenhum outro poder.

    A soberania se compreende no exato conceito de Estado. Estado no-

    soberano ou semi-soberano no Estado afirma Sahid Maluf.

    O Brasil uma Repblica Federativa composta pela Unio, estados e

    municpios, onde atribudo a distintos e independentes rgos o exerccio do

    poder. A Unio composta por trs poderes harmnicos e independentes

    sobre si: Legislativo, Executivo e Judicirio.

    O Brasil adota a forma de regime governamental democrtico Estado

    Democrtico - que defendido pela Constituio Federal de 1988, vale lembrar

  • 24

    que o nosso pas uma Repblica, ou seja, os representantes so eleitos pelo

    povo por meio de votao.

    Prembulo: Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias, promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

    Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo poltico. Pargrafo nico. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio.

    2.1.5. JUSTIA

    A palavra justia pode ser compreendida como: 1) a firme vontade de

    dar a outros o que devido e assegurado por leis vigentes ou 2) aquilo que

    deve fazer acordo com o direito, equidade e razo. Vale ressaltar que o

    significado de justia recorrente, ou seja, o que justia hoje, talvez no seja

    amanh.

    O conceito de justia refere-se por muitas vezes ao Poder Judicial,

    pena ou ao castigo pblico. Cabe ainda ressaltar que justia social faz

    referncia ao conjunto de decises, normas e princpios razoveis com um

    determinado coletivo social.

    O que est presente hoje, infelizmente em nosso pas a omisso, o

    Governo omisso em vrios assuntos de carter social, no assegurando a

    tutela estatal, por meio do contrato social.

    O contrato social possui o respaldo da vontade geral, que no se constitui meramente da somatria das vontades particulares, mas que se coloca na posio de representar o interesse comum. A vontade geral mais que simplesmente a vontade de todos (somatria dos interesses particulares), pois aquela visa

  • 25

    realizao do interesse comum e pblico, e esta visa aos interesses particulares.9

    Uma das caractersticas da vontade geral ser sempre reta, sem

    desvios, em outras palavras, nunca se enganando, se corrompendo ou se

    desvirtuando, o engano est presente no julgamento que dela emana ou que

    dela se faz.

    Essa convico social vem, portanto, definida por seus caracteres

    como til, equivalente e legtima, onde prevalece a igualdade e a comunidade

    dos fins. (Rousseau, Du contract social, 1992, Livro II, Captulo IV, p. 59)

    Complementa Sahid Maluf Mais que isso, no contrato est eminente noo de que se trata de uma relao em que prevalece a paridade de direitos e deveres, pois em contra partida adeso dos particulares e sua obedincia s leis proclamadas como comuns, est o imperativo de que o soberano deve se condicionar observncia delas e deve obedecer finalidade do pacto, o interesse comum. H ai um pacto sinalagmtico.10

    Contudo, o Estado por muitas vezes no respeita a vontade coletiva,

    abandonando o contrato social e ignorando a Constituio Federal, um

    descaso com o direito e deveres que dado a ele usa a soberania em favor

    prprio por aqueles que deveriam proteger e representar os anseios do povo.

    2.2. CENRIO POLTICO

    Em maro de 1991, a OAB SP condenava a atitude do governo do

    Estado, na poca chefiado por Antnio Fleury, ao transferir a administrao do

    sistema penitencirio da Secretria da Justia para a Segurana Pblica. No

    ano seguinte, em 2 de outubro de 1992 ocorreu o Massacre do Carandiru, com

    nmeros oficiais de 111 presos mortos, 110 feridos e a queda do ento

    secretrio de Segurana Pblica, Paulo Franco de Campos.

    A invaso da Casa de Deteno ocorreu s vsperas das eleies

    municipais. A prefeita da cidade era Luiza Erundina, do PT, mas j era

    previsvel que a oposio liderada por Paulo Maluf venceria. O cenrio poltico

    estava cada vez mais tendendo para o lado das foras sociais politicamente

    conservadoras e culturalmente preconceituosas. Tendncia essa que

    9 (Rousseau, Du contract social, 1992, Livo II, Captulo III, p. 54) 10 (Curso de Filosofia do Direito, 9 Edio 2011, p. 294)

  • 26

    acreditava que a delinquncia era um sinal de autoridade fraca no controle

    sobre o mal que s tendia a expandir. Mal, que se encarna em negros,

    pobres, imigrantes do Nordeste do Brasil, filhos de mes solteiras, drogados, e

    em geral, todos os que vivem nas promiscuas favelas e cortios. Os adeptos a

    essa poltica social no apoiavam os direitos humanos, o devido processo

    legal ou solues judiciais, na verdade, desconfiavam dessas alternativas e as

    identificavam como direitos que privilegiavam bandidos. Defendem, de fato, a

    policia que mata, a ampliao da pena de morte, e as execues sumrias,

    principalmente se o crime envolve violncia. Desse conservadorismo, podemos

    ouvir a tese de que a chacina, na verdade, foi uma faxina.

    Na poca, confrontavam-se duas hipteses pela opinio pblica,

    verses opostas do que supostamente aconteceu que levou at os fatos

    ocorridos. Uma considerava o ocorrido uma chacina desnecessria, vinda de

    uma ao policial criminosa, e de outro lado a verso de que o episodio foi

    resultado de um confronto entre policiais e detentos.

    Fleury, o governador do Estado de So Paulo na poca, e ex-secretrio

    de Segurana Pblica do governador Orestes Qurcia, no havia adotado uma

    poltica de segurana pblica que viesse a coibir a violncia policial ilegal at o

    caso do Carandiru. Essa alta na violncia policial no Estado de So Paulo pode

    ser constatada no perodo de 1982 1992 quando se confere o nmero de

    civis mortos e feridos em supostas aes policiais. Em reao publicao do

    nmero de civis mortos em confronto com a polcia militar, o secretrio de

    Segurana Pblica do governo Fleury havia declarado: No d para dar boto

    de rosa para marginal (Folha de So Paulo, 07/08/1991), declarao que pode

    ser interpretada como uma sinalizao para o uso da violncia no combate

    criminalidade.

    Vale observar que nos cinco anos anteriores invaso do Carandiru, a

    polcia militar vinha aumentando significativamente sua contribuio para a taxa

    geral de homicdios, em 1987, a policia militar cometeu 7% dos homicdios, em

    1989, 10%,e no ano anterior invaso, um quarto dos homicdios da Grande

    So Paulo. Em setembro de 1992, o jornal Folha de So Paulo noticiou que a

    polcia militar matava, durante o governo Fleury, um civil a cada sete horas.

    No dia do Massacre, onde os olhos estavam voltados para as eleies,

    o que motivou o retardo na divulgao de informaes e encobrimento das

  • 27

    reais dimenses dos fatos, o governador Fleury e o Secretrio de Segurana

    do Estado, Pedro Franco de Campos, somente concederam informaes

    relativamente completas sobre o nmero de mortos vinte e quatro horas depois

    do evento, no dia 3 de outubro, por volta das 17 horas, quase no final da

    votao.

    No dia da suposta rebelio, a Secretaria Estadual de Segurana

    Pblica admitiu apenas oito mortes (Folha de So Paulo, 27/09/1994, p. 6), j

    que a divulgao do fato prejudicaria o desempenho do candidato do PMDB,

    partido de Fleury, Aloysio Nunes Ferreira Filho, que no alcanou o 2 turno.

    Porm, at o dia 3 de outubro foram encontrados cadveres, funcionrios da

    Casa de Deteno encontraram 10 mortos na cela 375 E, sentados ou

    deitados, com sinais de fuzilamento, bem como um cadver na cela em frente e

    mais dois mortos no 4 e 5 andar, situao que levou desconfiana aos fatos

    ditos, que ainda perdura pela opinio pblica, de que o nmero de vtimas seja

    bem superior a 111 detentos mortos.

    2.3. SISTEMA PRISIONAL

    A histria do sistema penitencirio do Estado de So Paulo comea em

    1892, quando por meio de um decreto (n 28) criada a Secretria da Justia.

    At o incio de 1979, as prises do Estado estavam subordinadas ao

    Departamento dos Institutos Penais do Estado - DIPE, rgo pertencente

    Secretaria da Justia. E ento, com a edio de outro decreto (n 13.412,

    13/03/1979), o DIPE foi transformado em Coordenadoria dos Estabelecimentos

    Penitencirios do Estado - COESPE - na poca com quinze unidades prisionais

    -, que ficou no comando at maro de 1991 quando este foi passado para a

    segurana pblica, que ficou com a responsabilidade at dezembro de 1992.

    O Governo do Estado compreendeu ento, que era exigida uma

    comisso prpria para coordenar o sistema penitencirio, que tinha uma tarefa

    especial com caractersticas prprias e necessitado de uma soluo, que pode

    ser resumida em um sistema carcerrio eficiente, dentro de um Estado

    democrtico, onde o direito de punir consequncia da poltica social, a

    servio de toda a sociedade, mas fundado nos princpios de humanizao da

    pena, sem que dela se elimine o contedo retributivo do mal consequente do

    crime. E por decorrncia dessa preocupao foi criada, por meio de outro

  • 28

    decreto (n 36.463, de 26/01/1993), a Secretria da Administrao

    Penitenciria - SAP, que tem como caracterstica o dever de visar a

    ressocializao dos condenados.

    Hoje, em Hortolndia III, no interior, h 500 vagas para 1.650 presos. O

    complexo penitencirio da cidade formado por trs presdios, trs centros de

    deteno provisria e um centro de progresso penitenciria. As unidades

    receberam parte dos presos do Carandiru no perodo de desativao e

    imploso do complexo, em 2002, e ganharam o apelido de Carandiru caipira.

    Em 1992, So Paulo tinha 32 unidades penitencirias, com taxas de 94,4

    presos por 100 mil habitantes. O total chegou a 481 presos por 100 mil

    habitantes nos dias de hoje, espalhados em 156 unidades em todo o Estado.

    Na poca do massacre, o Carandiru tinha pouco mais que o dobro de presos

    (7.257 para 3,5 mil). A situao no sistema penitencirio hoje pior do que h

    20 anos, afirma a professora de Polticas Pblicas da Universidade Federal do

    ABC Camila Nunes Dias. Situao que se transformou num problema para os

    funcionrios das penitencirias, que passaram a reclamar da falta de

    segurana e do excesso de tarefas. Vira um problema srio fazer uma revista

    ou uma blitz. Esto entrando no sistema 3 mil novos detentos por ms, e o

    ritmo de construo de presdios no acompanha, afirma o presidente do

    Sindicato dos Agentes do Sistema Penitencirio, Daniel Grandolfo.

    2.4. FACES

    PCC Primeiro Comando da Capital, CV Comando Vermelho, CRBC

    Comando Revolucionrio Brasileiro da Criminalidade, CDL Comando

    Democrtico da Liberdade, ADA Amigos dos Amigos, A Verdade Justia

    Infernal ou Seita Satnica, CDD Comando Drago Dourado, PCI Primeiro

    Comando do Interior, o PCABC Primeiro Comando do ABC, TCP Terceiro

    Comando Paulista, CVC Comando Vermelho da Capital, CVJC Comando

    Vermelho Jovem da Criminalidade, so essas as faces criminosas do Estado

    de So Paulo que vivem num contexto de guerra declarada umas contra as

    outras, e em sua maioria, todas se colocam contra o PCC, o que fica claro no

    Art. 7 do Estatuto da CBRC, que diz "onde quer que o CRBC estiver, no

    podero existir integrantes do PCC, pois os mesmos atravs da ganncia,

    extorso, covardia, despreparo, incapacidade mental, desrespeito aos

  • 29

    visitantes, estupro de visitantes, guerras dentro de seus prprios domnios, vem

    colaborando para a vergonhosa coatizao do aparato penal do Estado de So

    Paulo".

    As organizaes criminosas dedicam-se ao trfico de drogas e outras

    prticas criminosas dentro da priso, contando do lado externo com redes mais

    ou menos estruturadas de proteo e gerao de fundos. Possuem regras de

    convivncia que, caso descumpridas, pode gerar, inclusive, a pena de morte.

    Para os promotores Mrcio Friggi e Fernando Pereira da Silva, que

    atuaram na acusao dos PMs no julgamento do massacre do Carandiru, a

    morte dos 111 presos foi fundamental para a formao do PCC.O PCC

    comeou depois do massacre. No estatuto do PCC, h uma clusula a respeito

    disso, disse Silva.

    Art. 13, Estatuto do PCC - Temos que permanecer unidos e

    organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante

    ou pior ao ocorrido na Casa de Deteno em 02 de outubro de 1992, onde 111

    presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais ser

    esquecido na conscincia da sociedade brasileira. Porque ns do Comando

    vamos mudar a prtica carcerria, desumana, cheia de injustias, opresso,

    torturas, massacres nas prises (Suposto estatuto do Primeiro Comando da

    Capital divulgado em jornais e noticirios brasileiros no ano de 2001).

    O PCC organizou-se a partir de 1993. Foi fundado no dia 31 de agosto

    de 1993, no Interior da Casa de Custdia e Tratamento de Taubat. Comeou

    a se articular a partir de 1992, como consequncia do Massacre do Carandiru.

    Participaram de sua fundao Mizael Aparecido da Silva (Miza), Jos Mrcio

    Felcio (Geleio), Marcos William Herbas Camacho (Marcola), Jos Eduardo

    Moura da Silva (Bandejo), Csar Augusto Roriz Silva (Csinha), Bicho Feio,

    DA F, e Cara Gorda, que colocam como objetivo mudar a prtica carcerria

    desumana, cheia de injustias opresso, torturas, massacres nas prises.

    2.5. DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Direitos Fundamentais so aqueles direitos atribudos a todos os

    cidados em comum, reconhecidos e positivados na esfera do direito

    constitucional. Difere-se do termo Direitos Humanos, apesar de ser muitas

  • 30

    vezes usado como sinnimo. Foram criados para proteger os indivduos do

    Estado.

    Dentro do Estado Democrtico de Direito, que defende o principio da

    dignidade da pessoa humana, no podemos tolerar o agravamento das penas

    de prises com punies ilegais, como a tortura, as humilhaes e at mesmo

    execues sumrias, como as que aconteceram no Carandiru em 1992. Os

    elementos constitutivos da pena devem estar na suspenso dos direitos e no

    no castigo fsico. As prises no podem ficar obscuras e excludas de

    transparncia social, at porque os maiores lesados so os prprios cidados,

    pois em seu nome se comete tais abusos sob a justificativa da proteo social,

    colocando a sociedade em risco de conviver com uma violncia

    institucionalizada.

    Art. 5, III da Constituio Federal Brasileira ningum ser submetido a tortura nem tratamento desumano ou degradante; Art. 5, XLIX da Constituio Federal Brasileira assegurado aos presos o respeito integridade fsica e moral. Art. 1, da Lei de Execuo Penal A execuo penal tem por objetivo efetivar as disposies de sentena ou deciso criminal e proporcionar condies para a harmnica integrao social do condenado e do internado. Art. 10, da Lei de Execuo Penal A assistncia ao preso e ao internado dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno convivncia em sociedade.

    Atualmente, as prises no recuperam, nem buscam a ressocializao

    dos detentos, pelo contrrio, contribui para sua organizao em faces

    criminosas dentro da prpria Casa de Deteno. O sistema prisional acabou

    por se tornar uma escola para delinquentes, onde sua superpopulao leva ao

    escasso das condies humanas, violncia e diversas rebelies com os

    piores resultados possveis. O grande smbolo de violao ao Art. 5, XLIX da

    Constituio Federal Brasileira a prpria Casa de Deteno, pelo seu grau de

    corrupo interna. Pode-se dizer que no o grau atingido pela crise dentro do

    sistema penitencirio brasileiro, acaba por fazer com que o Poder Pblico

    perca sua autoridade e controle.

    Alm disso, seria hipocrisia abordamos somente o que aconteceu

    naquele dia, devemos levar em conta que aquilo foi o resultado de vrios

    descuidos, por exemplo, a Constituio em seu Art. 6 diz: So direitos sociais

    a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a

  • 31

    segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e a infncia, a

    assistncia aos desamparados. E no isto que vemos, pois falta educao e

    segurana, principalmente em grandes cidades como So Paulo, e isso que faz

    com que as pessoas busquem outros caminhos para conseguirem o que o

    governo no os proporciona, caminhos mais fceis, que so este, o do crime.

    Pesquisas mostraram que entre as vtimas, 80% ainda esperavam uma

    sentena definitiva da Justia, ou seja, ainda no tinham sido condenados. S

    9 entre os presos tinham recebido pena acima de 20 anos. Quase metade dos

    mortos 51 presos tinha menos de 25 anos, e 35 presos tinham entre 29 e

    30 anos. No dia do Massacre, 66% dos detentos recolhidos eram condenados

    por assaltado, apenas 8% representavam homicdios. Os exames de balstica

    sugerem a inteno premeditada de matar, o que nos faz crer que para o Poder

    Pblico mais fcil colocar um fim no mundo criminoso, mesmo que de forma

    ilegal e trgica, do que proporcionar meios que possam integrar esses jovens

    de 25 anos sociedade.

    2.6. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

    Art. 37, 6 da Constituio Federal As pessoas jurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios pblicos respondero pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsvel nos casos de dolo ou culpa. A responsabilidade civil do Estado objetiva, no necessitando de culpa. Provado o fato, o dano e o nexo causal, surge o dever de indenizar. Art. 927 do Cdigo Civil (Lei N. 10.406, de janeiro de 2002) Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repar-lo. Pargrafo nico: Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

    2.6.1. ATO ILCITO

    Art. 186 do Cdigo Civil (Lei N. 10.406, de janeiro de 2002) Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete o ato ilcito. Art. 187 do Cdigo Civil (Lei N. 10.406, de janeiro de 2002) Tambm comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-

  • 32

    lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes. O ato ilcito traduz-se em um comportamento voluntrio que

    transgrida um dever.

    2.6.2. DANO

    Dano consiste no prejuzo sofrido, seja ele individual ou coletivo, moral

    ou material, econmico e no econmico, estando sempre presente a noo de

    prejuzo.

    2.6.3. NEXO CAUSAL

    o que une a conduta ao dano. por meio do exame da relao

    causal que se conclui quem foi o causador do dano. A responsabilidade

    objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensar o nexo causal.

    2.6.4. O DEVER DO ESTADO DE GUARDA DOS PRESOS

    O preso, a partir da sua priso ou deteno submetido guarda, vigilncia e responsabilidade da autoridade policial, ou da administrao penitenciria, que assume o dever de guardar a vigilncia e se obrigar a tomar medidas tendentes preservao da integridade fsica daquele, protegendo-o de violncias contra ele praticadas, seja por partes de seus prprios agentes, seja por parte de companheiros de cela ou de outros reclusos com os quais mantm contato, ainda que espordico. 11

    Assim, qualquer leso que esse preso sofra enquanto submetido s

    imposies do regime prisional, seja de ordem material, fsica ou moral, por

    ao dos agentes pblicos (toda pessoa que possui dever de exercer alguma

    atividade em prol do Estado e das pessoas jurdicas componentes de sua

    administrao) ou terceiros leva responsabilidade do Estado, no admitindo a

    alegao de ausncia de culpa.

    Sendo, a polcia militar a servio do Estado, como defensora e

    protetora da sociedade, ou seja, cabendo a prestao de seus servios para

    manter a ordem social e evitar catstrofes de tal teor, como a do Massacre, e

    entre os cidados que a mesma deve proteger esto includos detentos

    independente do crime que tenham eles cometidos, como pode esses mesmos

    policiais, a quem a sociedade confia seu maior patrimnio, sua vida e

    segurana, invadirem uma priso onde, por testemunhos de agentes

    11 (STOCO, Rui, Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudncia, 7 ed.,

    Revista dos Tribunais, 2007).

  • 33

    penitencirios que estavam l no dia 2 de outubro de 1992, no havia rebelio,

    apenas uma briga entre faces, disparando contra os presos a quem deviam

    proteger e resguardar seus direitos fundamentais com metralhadoras, fuzis e

    pistolas automticas, visando principalmente a cabea e o trax, o que nos

    esclarecido por peritos a inteno de dolo. Alm de usar cachorros para atacar

    os detentos feridos. Foram constatadas, nos 111 detentos mortos, sendo 103

    vtimas de disparos, 515 balas ao todo, o que exclui a tese de legtima defesa

    pelo nmero de projteis e o local atingido por cada um deles.

    "Os presos foram agredidos gratuitamente pelos PMs. No havia

    nenhuma ameaa por parte dos detentos", ressaltou Marco Antnio de Moura

    em seu depoimento no Tribunal da Barra Funda em So Paulo, 15/04/2013.

  • 34

    DIREITO CIVIL

    Os presos que ajudavam a levar os corpos eram fuzilados tambm. As escadas descendo sangue e gua parecendo uma cascata (Moacir dos Santos,

    diretor da diviso de segurana e disciplina do Carandiru).

  • 35

    3. DIREITO CIVIL

    3.1. DIREITOS DA PERSONALIDADE

    Conforme dispe o art. 5. da Constituio da Repblica Federativa do

    Brasil Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,

    garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a

    inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e

    propriedade, nos termos seguintes.

    Os Direitos da Personalidade previstos no art.11 do Cdigo Civil datado

    de 10 de janeiro de 2002, tm como finalidade proteger a pessoa e seus bens

    mais essenciais, sem qualquer distino, sendo estes direitos intransmissveis

    e irrenunciveis, no podendo seu exerccio sofrer limitao voluntria, com

    exceo aos casos previstos em lei.

    Maria Helena Diniz, com apoio na lio de Limongi Frana, os

    conceitua como:

    Direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe prprio, ou seja, a sua integridade fsica (vida, alimentos, prprio corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria cientfica, artstica e literria); e a sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e domstico, identidade pessoal, familiar e social).

    A Constituio Federal de 1988 preocupou-se em proteger a

    personalidade, dando nfase aos aspectos da personalidade da existncia

    humana, elencando direitos e garantias que se referem ao aspecto individual

    quanto coletivo, alm de dar grande credibilidade ao princpio da dignidade da

    pessoa humana como gerador da tutela de personalidade.

    Aponta Guillermo Borba (1991, v.1:315) que, pela circunstncia de

    estarem intimamente ligados pessoa humana, os direitos da personalidade

    possuem as seguintes caractersticas:

    (a) so inatos ou originrios porque se adquirem ao nascer,

    independendo de qualquer vontade;

    (b) so vitalcios, perenes ou perptuos, porque perduram por toda

    vida. Alguns se refletem at mesmo aps a morte da pessoa. Pela mesma

    razo so imprescritveis porque perduram enquanto existir a personalidade,

    isto , a vida humana. Na verdade, transcendem a prpria vida, pois so

    protegidos tambm aps o falecimento;

  • 36

    (c) so inalienveis, ou mais propriamente, relativamente indisponveis,

    porque, em princpio, esto fora do comrcio e no possuem valor econmico

    imediato;

    (d) so absolutos, devendo ser respeitados por todos erga omnes.

    Os direitos da personalidade so, portanto, direitos subjetivos de

    natureza privada.

    O princpio constitucional da igualdade perante a lei a definio do conceito geral da personalidade como atributo natural da pessoa humana, sem distino de sexo, de condio de desenvolvimento fsico ou intelectual, sem gradao quanto origem ou a sua procedncia.12

    Podemos entender como direitos da personalidade, aqueles

    pertencentes tutela da pessoa humana, como a intimidade, a vida privada, a

    imagem das pessoas, e o que elas presumem ser sua honra, tanto objetiva

    como subjetiva.

    Declarados pela Constituio Federal como direitos inviolveis e de

    extrema importncia a dignidade e a integridade, para o bem estar e realizao

    como pessoa em qualquer meio social que venha a conviver, assegurando

    direito a indenizao por danos materiais ou morais decorrentes de tal violao.

    Art. 5., X da Constituio da Repblica Federativa do Brasil So inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa, assegurado o direito de indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao.

    A personalidade identificada no ser, por isso, o mesmo deve gozar

    da titularidade de tais direitos, no podendo ser considerado como objeto

    qualquer e sem valor. Sintetizando, o indivduo abriga essa personalidade e

    esse direito desde o seu nascimento, e leva consigo o direito vida, sade,

    honra, liberdade, integridade moral e fsica, o direito ao nome prprio entre

    outros inerentes a sua pessoa, no qual deve ser resguardada a proteo, seja

    na ordem constitucional, administrativa, processual ou civil.

    Os direitos primordiais da personalidade so indisponveis, como o

    direito vida, integridade fsica e moral, o uso do nome, no podero ser

    sonegados ou suprimidos de algum, mesmo em sentena penal.

    12 (PEREIRA,Caio Mario da Silva, 2007, p. 240).

  • 37

    O valor da integridade fsica de extrema importncia, uma vez que

    compreende a sade individual. Os direitos individuais podem ser abarcados

    como o respeito experimentado que garante a dignidade humana de qualquer

    pessoa, em qualquer circunstncia que se encontre, sujeita a qualquer risco

    que exponha sua defesa.

    A pessoa quando lecionada fsica ou verbalmente, poder ter

    prejudicada sua honra, imagem e reputao perante seu semelhante. O

    sentimento ou conscincia de dignidade podem ser resumidos na qualidade

    moral, que leva o indivduo a cumprir seus deveres perante a si e os demais,

    representando boa reputao, mrito e virtude de acordo com a lei. J a honra,

    o sentimento de dignidade que leva o homem a procurar merecer e manter a

    considerao pblica.

    [...] A glria deve ser conquistada, a honra, por sua vez, basta que no

    seja prejudicada (AMARANTE, Aparecida, 1988, p. 55).

    3.1.2. DIREITO VIDA, INTEGRIDADE FSICA, HONRA E A

    DIGNIDADE

    O direito da personalidade tem como objetivo garantir a integridade

    fsica e psquica. Por muitas vezes, se no todas, este direito violado nas

    penitencirias brasileiras, sendo a causa maior das rebelies, pois seres

    humanos desejam ser tratados de forma digna.

    A integridade humana um direito incondicional e absoluto, sendo

    apresentada em nossa Constituio como principio fundamental, em seu Art.

    1., III, a dignidade da pessoa humana.

    A violao da integridade psquica est relacionada ao tratamento

    desumano, dispensado aos detentos. Caracteriza-se pela tortura psicolgica,

    humilhao, ameaas, palavras e frases degradantes, em sua maioria proferida

    por autoridades que deveriam resguardar esses direitos, tais como agentes

    penitencirios e policiais.

    As indignidades de fala e ao exigidas do internado correspondem s indignidades de tratamento que outros lhe do. Os exemplos padronizados so aqui as profanaes verbais ou gestos: pessoas, equipe, dirigente e outros internados do ao indivduo nomes obscenos, podem xing-lo, indicar suas

  • 38

    qualidades negativas, goz-lo, ou falar a respeito com outros internados como se no estivesse presente. 13

    Em tese, o desrespeito aos direitos da personalidade do detento

    incentiva e colabora para sua permanncia na criminalidade. O preconceito

    social declara que por ser bandido, o indivduo perde todos seus direitos

    dignidade e civilidade. Pensamento este refletido nas pssimas condies

    que se encontram os detentos do nosso pas, jogados e esquecidos em celas

    obscuras, o que faz com que eles esqueam que so seres humanos, trazendo

    tona um resultado que no poderia ser diferente, onde ao invs de

    ressocializar, o detido passa a nutrir um dio cada vez maior da sociedade.

    Rousseau, j dizia, o homem nasceu puro, a sociedade que o

    corrompe. Os presos precisam de ajuda, de respeito, apoio fsico e psquico

    para terem esperana de recuperarem sua moral, sua dignidade.

    notrio que as condies de deteno e priso no sistema carcerrio

    brasileiro violam basicamente todos os direitos humanos, e que as autoridades

    agem com descaso e praticam atos violentos contra os presos.

    Art. 5., XLIX da Constituio da Repblica Federativa do Brasil assegurado aos presos o respeito integridade fsica e moral. Art. 41 da Lei de Execuo Penal (7.210/1984) - Constituem direitos do preso: I - alimentao suficiente e vesturio; II - atribuio de trabalho e sua remunerao; III - Previdncia Social; IV - constituio de peclio; V - proporcionalidade na distribuio do tempo para o trabalho, o descanso e a recreao; VI - exerccio das atividades profissionais, intelectuais, artsticas e desportivas anteriores, desde que compatveis com a execuo da pena; VII - assistncia material, sade, jurdica, educacional, social e religiosa; VIII - proteo contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cnjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto s exigncias da individualizao da pena; XIII - audincia especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representao e petio a qualquer autoridade, em defesa de direito;

    13 (GOFFMAN, Erving, Manicmios, Prises e Conventos, 7 ed., Ed. Perspectiva,

    2001)

  • 39

    XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondncia escrita, da leitura e de outros meios de informao que no comprometam a moral e os bons costumes.

    O professor e filsofo Romualdo Flvio, assevera que nossas cadeias

    so na verdade depsitos de presos com condies precrias, como a

    superlotao, falta de higiene e a inexistncia de acompanhamento hospitalar

    que acarreta na propagao de doenas. Os direitos bsicos relevantes

    dignidade do detento so claramente ignorados, j que hoje podemos ver cerca

    de 40 presos ocupando uma cela minscula que pode chegar a ter menos de

    12 metros quadrados.

    Sem as devidas condies que lhe garantam uma coexistncia digna, o

    carter violento dos detentos pode desenvolver-se cada vez mais.

    Segundo relatrio da Inter-American Commission Reports &

    Documents citado por Romualdo Flavio, no que tange a situao dos direitos

    humanos no Brasil, nos mostrado que muitos presos no recebem qualquer

    assistncia quanto as suas necessidades bsicas, como alimentao (que na

    maioria das vezes j chega ao preso estragada) e vesturios (o nmero

    reduzido de peas muitas vezes faz com que o preso permanea com a roupa

    suja e/ou molhada, o que pode ocasionar diversas doena como a pneumonia).

    Alm disso, o devido acompanhamento mdico poderia evitar situaes de

    maus tratos, espancamentos e os mais diversos tipos de violncia que ali

    ocorrem contra os detentos, que comumente resulta em bito.

    Se j no bastasse, quando uma pessoa privada de sua liberdade e mantida

    sem qualquer ocupao, entra num complexo estado que faz com que seus

    nicos pensamentos sejam voltados para planos de fuga, com tendncia a

    ideias perigosas.

    A falta de ocupao (emprego e educao) dentro das casas de

    deteno acaba sendo fonte de criminalidade, tornando os presos, muitas

    vezes, piores do que entraram.

    Alm de ajeitar as celas, lavar corredores, limpar banheiros etc., os detentos precisam ter a chance de demonstrarem valores que, muitas vezes, encontram-se obscurecidos pelo estigma do crime. Existem casos de detentos que demonstram dotes artsticos, muitos deles se revelando excelentes pintores de quadros e painis de parede, alm de habilidades com esculturas, montagens, modelagens, marcenaria etc. Tambm, decoram as celas de acordo com sua criatividade e sua personalidade. Estas artes devem ser incentivadas, pois uma

  • 40

    forma de ocupar o preso, distraindo-o e aumentando sua auto-estima. a chance de mostrar a ele de que existe a esperana de um amanh melhor alm das grades que o separam do mundo exterior.14

    O Estado e a sociedade no deveriam permitir que os indivduos

    encarcerados tivessem violados os direitos atribudos a sua personalidade

    como pessoa humana.

    14 . (DROPA, Romualdo Flvio. "DIREITOS HUMANOS NO BRASIL: EXCLUSO

    DOS DETENTOS")

  • 41

    DIREITO PENAL

    Quem mata mais ladro ganha medalha de prmio! O ser humano descartvel no Brasil" (MC's, Racionais. Dirio de um detento).

  • 42

    4. DIREITO PENAL

    4.1. TEORIA DO CRIME

    O crime pode ser conceituado como material, formal ou analtico.

    O aspecto material aquele que busca estabelecer a essncia, o porqu

    de determinado fato ser considerado crime e outro no. Dessa forma, crime

    pode ser definido como todo fato humano que, com inteno ou falta de

    cuidado, lesa ou expe a perigo bens jurdicos considerados fundamentais para

    a existncia da coletividade e paz social.

    No aspecto formal, considera-se infrao penal tudo aquilo que o

    legislador descreve como tal. Crime qualquer ao legalmente punvel

    (MAGGIORE, Giuseppe, Diritto penale, 5 ed. Bolonha, Nicola Zanelli, 1951,

    v.1, p. 189). Crime toda ao ou omisso proibida pela lei sob ameaa de

    pena (FRAGOSO, Heleno Cludio, Lies de direito penal: parte geral, 4 ed.

    Rio de Janeiro, Forense, 1980, p. 148).

    J o aspecto analtico aquele que busca estabelecer os elementos

    estruturais do crime, com a finalidade de propiciar a correta e mais justa

    deciso sobre a infrao penal e seu autor. Nesse ngulo, o crime todo fato

    tpico e ilcito.

    4.2. FATO TPICO

    Para que possamos dizer que um fato concreto possui tipicidade

    necessrio que ele esteja no modelo descrito e/ou previsto na lei penal, ou

    seja, precisa existir uma adequao entre o fato concreto e o tipo penal. So

    elementos do fato tpico:

    - A conduta (ao ou omisso) dolosa ou culposa;

    - O resultado (somente nos crimes materiais);

    - A relao de causalidade ou nexo causal (somente nos crimes

    materiais);

    - A tipicidade.

    Se o fato concreto no apresentar um desses elementos, no fato

    tpico, portanto, no pode ser considerado crime.

  • 43

    4.2.1. CONDUTA

    Conduta a ao ou omisso humana consciente e dirigida

    determinada finalidade (JESUS, Damsio de, p. 211). um comportamento

    humano, no estando inclusos, portanto, os fatos naturais, do mundo animal e

    os atos praticados pelas pessoas jurdicas. A conduta exige vontade do agente.

    As formas de conduta so as de ao e omisso:

    Ao: comportamento positivo, movimentao corprea, fazer.

    Omisso: comportamento negativo, absteno de movimento, no fazer.

    A teoria constitucional adotada pelo direito penal possui colocao de

    dolo e culpa no fato tpico, igualmente a teoria finalista, acrescida do controle

    material dos princpios constitucionais do direito penal sobre o contedo do fato

    tpico.

    O dolo vontade e a conscincia manifestada pela pessoa de realizar

    a conduta. J a culpa, considerada um tipo aberto, pois abrange diversos

    tipos de conduta, sendo ela o elemento normativo da mesma, necessrio

    comparar cada caso concreto com as respectivas circunstncias envolvidas,

    normalmente a culpa ligada imprudncia ou negligncia.

    Os elementos da conduta so quatro:

    - a vontade;

    - a finalidade;

    - a exteriorizao (inexiste enquanto enclausurada na mente);

    - e a conscincia.

    Esclarecendo, portanto o motivo pelo qual uma conduta poder ser

    realizada somente pelas pessoas humanas, pois estas so as nicas dotadas

    de vontade e conscincia para buscar uma finalidade.

    A conduta basicamente a realizao material da vontade humana,

    mediante prtica de um ou mais atos. J o ato apenas uma parte da conduta,

    quando a mesma apresentada sob forma de ao.

    Constituem elementos da conduta um ato de vontade dirigido a um fim e a manifestao dessa vontade (atuao), que abrange o aspecto psquico (campo intelectual derivado de comando cerebral) e o aspecto mecnico ou neuromuscular (movimento ou absteno de movimento). 15

    15 (JESUS, Damsio de, p. 211).

  • 44

    A voluntariedade no significa que a vontade seja livre, que se queira o

    resultado. O ato voluntrio quando existe uma deciso por parte do agente.

    A conduta voluntria, ainda quando a deciso do agente no tenha sido

    tomada livremente, ou quando este a tome motivado por coao ou por

    circunstncias extraordinrias, uma vez que isso se resolve no campo da

    culpabilidade e no no da conduta, pois em ambas as situaes a conduta

    sempre existir. Conduta no significa conduta livre (PIERANGELLI, Jos

    Henrique, Conduta: pedra angular da teoria do delito, RT 573/318).

    A vontade domina a conduta dolosa ou culposa. Na ao dolosa, a

    voluntariedade alcana o resultado, j na culposa, a voluntariedade limita-se

    causa do resultado.

    A inexistncia de voluntariedade leva ausncia de conduta pela falta

    de um dos seus elementos essenciais, vontade.

    4.2.2. RESULTADO

    No basta a conduta para que o crime exista, pois exigido o segundo

    elemento do fato tpico, que o resultado, e pode ser definido como a

    modificao no mundo exterior provocada pela conduta. O efeito natural da

    ao que configura a conduta tpica, ou seja, o fato tipicamente relevante

    produzido no mundo exterior pelo movimento corpreo do agente e a ele ligado

    por relao de causalidade (FRAGOSO, Heleno Cludio).

    O resultado pode ser fsico (dano, por exemplo), fisiolgico (leso,

    morte) ou psicolgico (o temor no crime de ameaa, o sentimento do ofendido

    na injria etc.) (JESUS, Damsio E. de).

    4.2.3. NEXO CAUSAL OU RELAO DE CAUSALIDADE

    Trata-se do elo entre a conduta do agente e o resultado, o qual

    possibilita demonstrar se a conduta deu ou no causa ao resultado.

    4.2.4. TIPICIDADE

    O conceito de tipo pode ser expresso como um modelo criado pela lei

    penal, onde descrito o crime e todos os seus elementos, de modo que as

    pessoas saibam que s cometeram um delito, ao realizar uma conduta idntica

    quela positivada, assim podemos levar em conta o princpio da legalidade,

  • 45

    onde no h crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prvia

    cominao legal (Art. 5, XXXIX da Constituio Federal).

    O tipo composto pelos seguintes elementos: ncleo, designado por

    um verbo (matar, ofender, constranger, subtrair, expor, iludir etc.); referncias

    ao sujeito ativo, em alguns casos (funcionrio pblico, me etc.); referncias ao

    sujeito passivo (algum, recm-nascido etc.); objeto material (coisa alheia

    mvel, documento etc.), que em alguns casos pode ser confundido com o

    sujeito passivo (no homicdio, o elemento algum o objeto material e o

    sujeito passivo); referncias ao lugar, tempo, ocasio, modo de execuo,

    meios empregados e em alguns casos, o fim visado pelo agente.

    Portanto, a tipicidade o enquadramento integral ou correspondente

    conduta praticada no fato concreto, conforme constante na lei (tipo legal),

    sendo assim para que se tenha um crime preciso que a conduta conste no

    tipo legal.

    4.3. ANTIJURICIDADE

    A antijuridicidade possui alguns sinnimos para melhor compreenso,

    so eles: ilicitude, ilegal e injusto. Alguns doutrinadores tambm se referem ao

    termo como: justificantes, todos os termos possuem os mesmos significados,

    que a justificao de um fato tpico, ou seja, quando o agente age em funo

    de alguma causa, seja ela estado de necessidade, legitima defesa, estrito

    cumprimento do dever legal ou exerccio regular do direito. E isso faz com que

    o fato tpico seja excludo, no mais ilcito devido razo do ato praticado,

    chamamos isso de: excludentes de ilicitude.

    4.3.1. CAUSAS EXCLUDENTES OU JUSTIFICATIVAS

    Art. 23 do Cdigo Penal - No h crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legtima defesa; III - em estrito cumprimento do dever legal ou no exerccio regular de direito.

  • 46

    4.4. ESTADO DE NECESSIDADE

    Art. 24 do Cdigo Penal - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que no provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito prprio ou alheio, cujo sacrifcio, nas circunstncias, no era razovel exigir-se. 1 - No pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. 2 - Embora seja razovel exigir-se o sacrifcio do direito ameaado, a pena poder ser reduzida de um a dois teros.

    Para que se possa atestar a ao como estado de necessidade, so

    necessrios alguns requisitos.

    Primeiro requisito - Perigo.

    Segundo requisito - Este perigo citado como primeiro requisito no

    pode ter sido causado voluntariamente pelo prprio agente.

    Terceiro requisito - O perigo deve ser atual, isto , agir no momento em

    que est acontecendo.

    Quarto requisito - Agir com proporcionalidade entre o bem sacrificado

    do fato tpico e o bem que a pessoa est salvando.

    Quinto requisito - um requisito subjetivo, agir com conscincia sob o

    fato.

    4.5. LEGTIMA DEFESA

    Art. 25 do Cdigo Penal - Entende-se por legtima defesa, quem

    usando moderadamente dos meios necessrios, repele injusta

    agresso, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

    Para agir em legtima defesa, o agente passivo reage injusta

    agresso atual ou eminente, usando brandamente os meios necessrios,

    sempre em direito prprio ou de terceiros.

    Existem quatro elementos para ser considerada legtima defesa:

    Primeiro elemento - A agresso um elemento fundamental, pois para

    que a pessoa possa se defender tem de estar sujeita a algum tipo de ao.

    Exemplo: Um assalto.

  • 47

    Segundo elemento - Agresso injusta, alm de ocorrer a agresso,

    necessria que a mesma seja injusta. Exemplo: Um policial, com mandado de

    priso, chega casa de X e o mesmo se recusa a acompanh-los e os policiais

    usam de fora para que o acusado obedea ao mandado.

    Terceiro elemento - Agresso atual ou eminente, isto , uma agresso

    que est acontecendo ou est prestes a acontecer. Quem deve nos proteger

    o Estado, mas se em uma situao de perigo ele no est presente para

    garantir a segurana necessria, o mesmo no pode punir quem agir em

    legtima defesa.

    Quarto elemento - Proporcionalidade, o sujeito passivo no pode agir

    com desproporcionalidade ao fato. Exemplo: Se X agride Y com um tapa no

    rosto, este no poder dar trs tiros no agressor, pois ir agir

    desproporcionalmente ao ocorrido.

    Quinto elemento - Este elemento causa grande discusso entre os

    doutrinadores, contudo segundo a corrente majoritria, o requisito subjetivo

    agir com conscincia em legtima defesa. Exemplo: A mata B, logo em seguida

    se tem notcia que B estava prestes a assaltar algum, A no poder alegar

    que agiu em legtima defesa, pois sua inteno era matar B e no salvar a

    pessoa que estava prestes a ser assaltada.

    4.6. EXERCCIO REGULAR DE DIREITO

    Quando uma ao juridicamente permitida, no poder ser proibida

    pelo direito, sendo assim o exerccio de um direito, sempre que nos seus

    devidos limites, no pode ser considerado antijurdico. Ento, qualquer pessoa

    poder exercitar um direito ou vontade prevista em lei.

    Por exemplo, um exerccio regular do direito a correo dos filhos

    pelos pais, mas necessrio que se obedea aos limites legais para isso, que

    no se ultrapasse aqueles j traados pela lei, ou haver abuso de direito,

    excesso, no caso citado, podendo o pai responder por maus tratos quando

    houver abuso nos meios de correo e disciplina (Art. 36, CP).

  • 48

    4.7. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL

    No Cdigo Penal est expresso quando a omisso penalmente

    relevante e estabelece quais hipteses aquele que est sendo omisso deve

    agir para evitar o resultado.

    Art. 13, 2 do Cdigo Penal (Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940) A omisso penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigao de cuidado, proteo ou vigilncia; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrncia do resultado.

    A primeira hiptese (alnea a) trata do dever decorrente da imposio

    legal, do dever legal, ou seja, sempre que o agente tiver por lei, a obrigao de

    cuidado, proteo e vigilncia para com os bens jurdicos. Na segunda hiptese

    (alnea b), a lei abrange o dever procedente de uma manifestao voluntria,

    por contrato ou no, aqui o dever jurdico no decorre da lei, mas de um

    compromisso assumido por qualquer meio, nesse caso o omitente responder

    pelo resultado, a no ser que este no lhe atribua dolo ou culpa, o que retira a

    hiptese de crime, por ausncia de conduta. A terceira e ltima hiptese (alnea

    c), chamada ingerncia na norma, ou comportamento anterior, onde o

    sujeito com seu comportamento anterior ao resultado criou o risco para a

    produo do mesmo.

    Quem cumpre um dever legal, isto , toda e qualquer obrigao direta ou

    indiretamente derivada por lei, dentro dos limites previstos no pratica crime a

    no ser que dentro desta ao haja o excesso.

    O poder ou dever de agir aquele que demonstra a quem se aplica a

    obrigao jurdica de agir ou no ser omisso, impedindo o sujeito ativo de

    cometer determinado ato.

  • 49

    4.8. OBEDINCIA HIERRQUICA

    Considerada uma das causas excludentes de culpabilidade, refere-se a

    prtica do crime "em estrita obedincia ordem, no manifestamente ilegal, de

    superior hierrquico".

    Art. 22 do Cdigo Penal - Se o fato cometido sob coao irresistvel ou em estrita obedincia a ordem, no manifestamente ilegal, de superior hierrquico, s punvel o autor da coao ou da ordem.

    exigido que a ordem no seja manifestamente ilegal, uma vez que, ao

    se perceber a ilicitude da ordem, o sujeito no deve agir - "ordem absurda no

    se cumpre". O subordinado tem a possibilidade de apreciar o carter da ordem,

    inclusive quando de crime militar (art. 38, 2, do CPM, preconiza "se a ordem

    do superior tem por objeto a prtica de ato manifestamente criminoso, ou h

    excesso nos atos ou na forma da execuo, punvel tambm o inferior"),

    ficando claro que no se deve obedecer a uma ordem quando observada sua

    ilicitude. Damsio acentua que se h potencial conscincia de ilicitude da

    ordem, o subordinado responde pelo delito.

    Para que seja garantido o cumprimento da ordem, excluindo a

    culpabilidade do subordinado, necessrio que a mesma:

    - Seja emanada de autoridade competente;

    - Tenha o agente atribuies para a prtica do ato; e

    - No seja a ordem manifestamente ilegal.

    No isento de culpabilidade aquele que obedecer ordem de

    autoridade incompetente ou o que praticar a conduta fora de suas atribuies.

    A lei alude apenas da subordinao hierrquica que de Direito

    Administrativo, onde os funcionrios de menor graduao so subordinados

    aos chefes, assim como os soldados em relao aos cabos e/ou sargentos,

    etc., sendo excludas as relaes de pai para filho, religiosas, dentre outras.

    E para que seja vista como causa excludente, necessrio que o agente

    pratique o fato em estrita obedincia ordem, sendo responsabilizado aquele

    que se excede na prtica do ato.

  • 50

    4.9. EXCESSO DOLOSO E CULPOSO

    Art. 23 do Cdigo Penal Pargrafo nico: o agente, em qualquer das hipteses deste artigo, responder pelo excesso doloso ou culposo.

    Em todas as justificativas necessrio que o agente no exceda os

    limites traados pela lei.

    Excedendo-se o agente na conduta de preservar o bem jurdico,

    responder por ilcito penal se atuou dolosa ou culposamente. Por exemplo, o

    agente que podendo apenas ferir a vtima, acaba lhe causando a morte.

    No que tange legtima defesa, pode-se afirmar que h excessos

    quando o agente no faz uso moderado dos meios necessrios, os excede, ou

    seja, percebendo a desproporo entre a ofensa e a reao se exclui a

    hiptese de legtima defesa.

    Em relao ao cumprimento do dever legal e exerccio regular de um

    direito, indispensvel que o agente atue de acordo com o ordenamento

    jurdico. Caso ocorra desnecessariamente dano maior que o permitido, as

    causas excludentes de ilicitude sero desqualificadas, adquirindo o agente o

    dever de responder pelas leses causadas.

    O excesso considerado doloso quando o agente deseja um resultado

    antijurdico desnecessrio e no autorizado por lei. culposo quando o agente

    deseja um resultado proporcional, mas devido ao seu descuido acaba incidindo

    um resultado excessivo.

  • 51

    5. TESE DE ACUSAO

    Conforme explanado anteriormente, a palavra Direito representa o

    que reto, e est intimamente relacionada aos termos justo e justia, os quais

    nos remetem ideia de respeito a igualdade entre todos os cidados.

    A partir desse pressuposto, podemos afirmar que a invaso da Casa de

    Deteno de So Paulo Carandiru, em 2 de outubro de 1992, por volta das

    16h30, realizada por aproximadamente 300 policiais fortemente armados sob o

    comando do Coronel Ubiratan Guimares, ignorou o significado da palavra

    justia, resultando ao final de trinta minutos a execuo sumria de 111

    detentos.

    "Os presos foram acuados e executados dentro das suas prprias

    celas sem chance de defesa, porque eles no estavam armados. No havia

    qualquer vestgio de tiro contra os policiais" (Perito criminal Osvaldo Negrini

    Neto).

    importante pontuar que o Estado, o qual deveria garantir os direitos

    fundamentais, por muitas vezes omisso, no que se refere aos aspectos

    sociais e principalmente ao sistema prisional.

    poca do ocorrido, o pas passava por mudanas econmicas,

    sociais e polticas, como a adeso ao sistema do Estado Democrtico de

    Direito e a elaborao de nova Constituio Federal.

    O princpio da dignidade humana, presente na nova Carta Magna, foi

    claramente ignorado, pois aqueles 111 detentos no foram vistos como seres

    de direito e possuidores de dignidade, dignidade essa, elencada ao longo do

    nosso artigo 5 da Constituio Federal, que defende todos os direitos acerca

    da personalidade humana, como o direito vida, honra, integridade fsica,

    entre outros.

    O episdio do Carandiru evidenciou um sistema carcerrio precrio,

    falido, alm do total despreparo da polcia e de um Estado omisso, incapaz de

    controlar situaes complexas.

    indiscutvel a necessidade da entrada da polcia para conter a

    rebelio, era seu dever, conforme estabelece a responsabilidade civil do

    Estado o policial por ser um agente pblico, se torna garantidor da integridade

    fsica dos detentos.

  • 52

    Como elenca Tatiana Merlino, da Redao do Brasil de Fato, o Coronel

    Ubiratan Guimares estava no comando das tropas que invadiram o pavilho 9

    da Casa de Deteno de So Paulo, o Carandiru. Para conter uma suposta

    rebelio os policiais deixaram 111 mortos. Entre eles, 80% no tinham sido

    condenados; a maioria estava presa por roubo, e aproximadamente metade

    tinha menos de 25 anos de idade. A percia constatou que 86 presos foram

    agredidos no chamado corredor polons e vrios detentos estavam

    ajoelhados, ou mesmo deitados, quando foram mortos. Para escapar dos tiros,

    muitos se jogaram entre as dezenas de corpos no cho, fingindo-se de mortos.

    Apesar de existir desde 1984 uma estratgia militar de invaso da

    Casa de Deteno o plano Boreal os oficiais no a puseram em prtica.

    Ficou evidente que a situao era crtica e havia a necessidade da

    polcia control-la, mas da terminar em 111 mortos no h nexo, como afirmou

    o desembargador Fernando Antonio Torres Garcia em julgamento dos PMs.

    Vale ressaltar que independentemente da retirada do Coronel Ubiratan

    no incio da operao, por ter sido ferido aps uma exploso, ele j havia

    ordenado a invaso, sendo assim, todos aqueles 300 policiais estavam

    obedecendo suas ordens, o que no exime sua responsabilidade, podendo

    citar o concurso de pessoas previsto no Cdigo Penal.

    Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redao dada pela Lei n 7.209, de 11.7.1984)

    1 - Se a parti