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CORPO EDITORIAL

Wanda Helena Mendes Muniz Falcão

(UFSC)

EDITORA-CHEFE

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Amanda Carolina Buttendorff Rodrigues Beckers

(PUC-PR)

SECRETÁRIA DE EDIÇÃO

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Victor Araújo de Menezes

(UFSC)

REVISOR DE LÍNGUA INGLESA

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Cassiano Calegari

(Editora Deviant/RS)

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PARECERISTAS

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Revista Diplomatize, v. 5, n. 3, jul/dez. 2017

João Pessoa – Paraíba – Brasil

ISSN 2447-987X

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APRESENTAÇÃO

Esta edição da Revista Diplomatize (ISSN 2447-987X) traz ao leitor seu 5º volume

com textos de autores brasileiros e de outros países latino-americanos para (re)discutir

temáticas pertinentes aos universos das Relações Internacionais e do Direito Internacional.

Na primeira seção “Artigo convidado” temos ensaio do Prof. Dr. Marcelo Gullo

Omodeo (Universidad de Lanús – Argentina) acerca das problemáticas e estruturas das

Relações Internacionais como disciplina. Neste sentido, temos um mergulho em pontos de

tensão como a própria origem do interesse por estes estudos, a sua denominação e

estruturação em caráter epitesmológico.

Em “Resenha Crítica” há a contribuição dos autores Pablo César Rosales Zamora

(MRE-Peru) e de Hanna Luiza Abinader Porto (UNAMA) sobre críticas e observações ao

livro “Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes internacionales más

graves”, escrito pelo professor peruano José Burneo Labrín. A obra que se debruça sobre

temas e casos envolvendo crimes contra humanidade, crimes de agressão, crimes de

guerra, seus atores e instituições.

A terceira parte corresponde ao Dossiê coordenado pelo Prof. Dr. Luis Alexandre

Carta Winter (PUC-PR). A temática-chave é “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

(ODS)” e abrigou três artigos de autores que elgeram as pautas da inclusão digital, das

migrações e do acesso à energia elétrica em município baiano. Estes textos, conforme a

ementa do dossiê, visam discutir alguns dos 17 objetivos de forma mais próxima as

realidades brasileiras e, deste modo, fomentar ao leitor a reflexão sobre a sua

importância.

Em diálogo com este tema do dossiê temos a entrevista com a presidente da

Comissão Pacto Global da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-

PR). A advogada respondeu às questões elaboradas pela Equipe Editorial da Diplomatize,

transitando pela exposição das propostas e atividades da Comissão, pela relevância de

prática que possibilitem a concretização dos ODS e dos princípios do Pacto Global da ONU,

como isto, como pode ser fundamental para melhores atuações de advogados e na

formação dos estudantes dos cursos de Direito.

Por último, temos a seção voltada para os textos submetidos e avaliados

vinculados às linhas editoriais da Revista, quais sejam, “Direitos Humanos na conjuntura

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internacional” e “Desenvolvimento socioeconômico no plano internacional”. Os artigos

científicos têm o escopo de trazer resultados de pesquisas realizadas por pesquisadores,

professores, alunos de graduação, pós-graduação, mestres e doutores de instituições das

cinco regiões do Brasil; questões como migrações, refúgio, pobreza, desenvolvimento,

copperação sul-sul, regimes, estratégias políticas oceânicas e comerciais, além de justiça

de transição na Argentina foram trabalhadas ao longo deste volume.

Deixamos o convite para a leitura da mais nova edição da Revista Diplomatize e o

agradecimento a todos que colaboraram com as avaliações e discussões fomentadas ao

largo deste número!

João Pessoa/Paraíba, 30 de dezembro de 2017.

Saudações,

Wanda Helena Mendes Muniz Falcão1

Editora-chefe

Amanda Carolina Buttendorf Rodrigues Beckers2

Secretária de edição

1 Professora de Direito Internacional do curso Consulado Jurídico (EaD), em São Paulo. Doutoranda e mestre

em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Direito pelo Centro Universitário da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (UniFACISA). Pesquisadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (NEJUSCA/UFSC). Diretora de Publicações (gestões 2016/2017 e 2017/2018 - atual) e Coordenadora de Pesquisa e Produção Acadêmica (gestões 2014/2015 e 2015/2016) da Academia Nacional de Estudos Transnacionais (ANET). Membro da Rede de Pesquisa em Paz, Conflitos e Estudos Críticos em Segurança (PCECS). Editora-chefe da Revista Diplomatize. 2 Advogada e professora universitária no Paraná. Doutoranda em Direito na Pontifícia Universidade Católica do

Paraná (PUC-PR). Mestre em Direitos Humanos e Políticas Públicas na PUC-PR. Especialista em Direito, Logística e Negócios Internacionais pela PUC-PR. Especialista em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Uninter. Bacharel em Direito pela PUC-PR. Pesquisadora do NEADI “Núcleo de Estudos Avançados de Direito Internacional e Desenvolvimento Sustentável”. Membro da ANET - Academia Nacional de Estudos Transnacionais. Secretária de edição da Revista Diplomatize.

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APRESENTAÇÃO 4 ENTREVISTA 8

ARTIGO CONVIDADO Los problemas básicos de las Relaciones Internacionales como disciplina de estudio The basic problems of International Relations as a study discipline Marcelo Gullo Omodeo (UL – Argentina)

13

RESENHA CRÍTICA Resenha crítica do livro “Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes internacionales más graves” (2017) Critical Book Review: “Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes internacionales más graves” (2017) Hanna Luiza Abinader Porto (UNAMA) e Pablo César Rosales Zamora (MRE-Peru)

44

DOSSIÊ “OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” Coordenação: Prof. Dr. Luis Alexandre Carta Winter (PUC-PR)

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Direito à informação e inclusão digital (ODS 4) Sustainable Development Goals: The right to information and digital inclusion (SDG 4) Alan José de Oliveira Teixeira (UniCuritiba-PR)

51

A Lei de Migração, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as consequências no cotidiano jurídico nacional Migration Law, Sustainable Development Goals and consequences in the national daily legal context Rogério do Nascimento Carvalho (UNICALDAS-GO)

67

Eletrificação rural descentralizada em Correntina/BA Decentralized Rural Electrification in Correntina/B Tales Guimarães Ferreira (UnB)

81

ARTIGOS – LINHAS EDITORIAIS Convergência internacional do direito da concorrência: Desafios aos países em desenvolvimento International convergence in the competition law: challenges to developing countries Bruno Braz de Castro (UFMG)

94

El histórico de la gestión de las fronteras externas em la Unión Europea y las rutas de migración irregulares The management history of the European Union external frontiers and the irregular migration routes Nicole Marie Trevisan (PUC-PR)

113

Questões humanas: O deslocamento de pessoas venezuelanas e as implicações na órbita legal internaciona Human questions: The Venezuela’s people displacement and the international legal orbit implications Madson Soares Lobato (UNAMA)

127

A responsabilidade internacional do Estado e a violação dos direitos humanos trabalhistas The international responsibility of the State and the violation of human labor rights Marcos César Botelho (UENP) e Djeison Tabisz (UENP)

141

A ilicitude das políticas geradoras de refugiados perante o Direito Internacional The illegality of the refugees generating policies towards International Law 155

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Amael Notini Moreira Bahia (UFMG) Mudança ou complementariedade: O papel do Novo Banco de Desenvolvimento no campo do financiamento ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva crítica Change or complementarity: the role of the New Development Bank in the development financing field from a critical perspective Tom Claudino dos Santos (UFSC)

170

A questão da personalidade jurídica das empresas transnacioanis no Direito Internacional Público The question of the legal personality of the transnational companies in Public International Law Gustavo Leite Neves da Luz (FAP-CE) e Pedro Jorge Monteiro Brito (FAP-CE)

186

É o Brasil um global player oceânico? Uma análise da atuação brasileira nos ocenaos através do complexo de regimes Is Brazil an oceanic global player? An analysis of the brazilian acting in oceans through the regime complex Igor Magri de Queiroz (UnB)

201

A cooperação europeia para a redução da pobreza: O programa de Estado para a redução da pobreza e para o desenvolvimento do Azerbaijão para o período de 2008 a 2015 e suas nuances históricas The european cooperation for poverty reduction: Azerbaijan’s State Program on poverty reduction and sustainable development from 2008 to 2015 and it’s historical nuances Vinícius Silva Santana (UFBA)

219

As mães da Praça de Maio e a Embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires: Os desaparecidos da Ditadura civil-militar argentina (1976-1983) The mothers of the Plaza de Mayo and the Embassy of the United States in Buenos Aires: The missing persons of the Argentinian civil-military dictatorship (1976-1983) Gabriel Roberto Dauer (ACNUR-Brasil)

234

Burocratização no processo de acesso à OMC Bureaucracy on the process of access to the WTO Marco Antonio Viegas de Oliveira (IBMEC-MG)

250

O discurso do desenvolvimento e a cooperação sul-sul: A cooperação técnica Brasil-África em agricultura The development discourse and the South-South cooperation: Brazil-Africa technical cooperation in agriculture Gabriel Thomas Dotta (UniCuritiba-PR)

262

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8

ENTREVISTA COM A PRESIDENTE DA COMISSÃO DO PACTO GLOBAL DA

OAB/PR

O volume 5 da Revista Diplomatize apresenta a entrevista realizada, via e-mail, com a

senhora advogada Jaqueline Lobo da Rosa, presidente da Comissão Pacto Global da OAB

seccional Paraná, acerca do trabalho realizado e as perspectivas sobre os Objetivos do

Desenvolvimento Sustentável da ONU .

As perguntas foram realizadas por Wanda Helena Mendes Muniz Falcão e Amanda Carolina

Rodrigues Buttendorff Beckers, editora-chefe e secretária de edição, respectivamente.

1) Como surgiu a ideia da criação da Comissão do Pacto Global junto a OAB-PR?

Resposta: Primeiramente, a ideia de adesão ao Pacto Global da ONU teve origem no parecer

elaborado pela Comissão Estadual da Mulher Advogada e encaminhado ao Presidente da

Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Paraná, em 2015, ressaltando a importância e

a repercussão do tema. E, em 2 de agosto de 2016, a OAB/PR efetivamente aderiu à Rede

Brasil do Pacto Global, sendo que o assunto ficou, em um primeiro momento, sob

responsabilidade da Comissão da Mulher Advogada. Contudo, consciente da relevância do

tema, e visando o efetivo engajamento de todos os advogados e advogadas paranaenses aos

10 Princípios do Pacto Global em suas operações, de modo a impactar, positivamente, e

contribuir sobremaneira para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, livre,

sustentável, igualitária e democrática, a OAB/PR criou a Comissão do Pacto Global, em 2 de

outubro de 2017.

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2) Como a Comissão pode ser um instrumento catalisador para os diálogos com o Direito

Internacional e as questões brasileiras? Há experiências semelhantes em outras

seccionais?

Resposta: É hora de perceber que a comunidade internacional está atenta às muitas

condições que devem ser implementadas pelos diferentes Estados (países), para que o

desenvolvimento almejado e alcançado não seja vinculado ao crescimento econômico. Uma

nação desenvolvida carece de ações em várias frentes. Estas frentes estão representadas em

cada um dos ODS. A Comissão do Pacto Global da OAB/PR tem um papel essencial na

aproximação das exigências internacionais com a atuação de nosso Estado brasileiro. Afinal,

é composta por representantes daqueles que são essenciais para a concretização da justiça

social e econômica, que é o fim maior da implementação dos ODS. A OAB/PR foi a primeira

seccional a aderir ao Pacto Global e não tem conhecimento se há experiências semelhantes

em outras seccionais.

3) De que forma os advogados podem contribuir para a implementação dos 10 Princípios e

dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)? São encontradas resistências?

Resposta: A contribuição dos advogados se dá, em primeiro lugar, na condição de cidadãos

interessados na evolução das condições de vida em nossa sociedade. Como profissionais, no

entanto, sua atuação é essencial. Especialmente nas relações estabelecidas com seus

clientes, os advogados podem sugerir a adoção de práticas condizentes com os 10 Princípios

do Pacto Global e dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e evitar outras

que ofendam os direitos humanos, as normas que regem as relações de trabalho, as que

regem nossa relação com o meio-ambiente ou as que indicam as medidas anticorrupção.

Quanto ao segundo questionamento, não há que se falar em resistências, mas há falta de

conhecimento sobre os Princípios do Pacto Global e dos ODS, o que motiva a Comissão do

Pacto Global a realizar o engajamento de outras comissões da OAB/PR, bem como de outros

advogados e escritórios acerca do tema, no sentido de propagar todas essas informações,

incentivando-os e inspirando-os à adoção de ações nesse sentido.

4) Qual a importância dos Princípios do Pacto Global e dos ODS para a sociedade? Quais

seriam os entraves para que a Agenda 2030 das Nações Unidas seja materializada pelos

Estados?

Resposta: Os Princípios do Pacto Global e dos ODS são de extrema importância, pois

interagem com a realidade contemporânea dos países e das pessoas, marcada pela

desordem econômica, social e ambiental. Tais princípios definem prioridades e buscam

soluções para esta desordem, contribuindo para criar uma sociedade mais justa, igualitária e

sustentável. E as organizações da sociedade civil, o setor privado e a população em geral

precisam assumir um protagonismo nesse cenário, com o intuito de criar uma nova

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realidade e mudar os paradigmas que permita o crescimento sustentável, a fim de garantir

um futuro com dignidade e oportunidades para as próximas gerações, considerando os

limites do planeta. Os entraves para que a Agenda 2030 das Nações Unidas seja

materializada são vários, entre eles o não comprometimento do Estado; a ausência de

políticas públicas; a falta de informação e educação da sociedade; a não conscientização da

sociedade; a ausência de comprometimento de todos os atores envolvidos no processo,

entre outros.

5) Dentre os 17 objetivos (dos ODS) qual o que teria maior dificuldade para concretização

no cenário brasileiro?

Resposta: Cada um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) possui metas

específicas e ambiciosas e são inter-relacionados entre si. Portanto, difícil apontar apenas

um ODS. O ODS1 (Erradicação da Pobreza) e ODS2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável) são

prioritários no cenário brasileiro, ante a triste realidade atualmente enfrentada. Mas a

implementação do ODS8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico) contribui

indiretamente para o ODS 1 e o ODS2. Da mesma forma o ODS10 (Redução das

Desigualdades) e ODS4 (Educação de Qualidade) auxilia para a efetivação dos ODS antes

mencionados. Portanto, os objetivos não podem ser alcançados isoladamente, devendo ser

alcançáveis conjuntamente.

6) Sendo a OAB-PR signatária do Pacto Global, como foi realizada a recepção dos relatórios

(Communication on Engagement – COE) pela ONU sobre as atividades realizadas? Já

podem ser apontados os efeitos desta comunicação para a sociedade?

Resposta: O relatório (Communication on Engagement – COE), que deve ser entregue a cada

dois anos, será apresentado apenas em agosto de 2.018. Portanto, ainda não temos como

apontar eventuais efeitos desta comunicação à sociedade. Contudo, vale ressaltar que os

relatórios apresentados por outros signatários do Pacto Global têm efeitos positivos à

sociedade, pois relatam diversas ações praticadas em prol dos direitos humanos, direitos do

trabalho, proteção ao meio-ambiente e combate à corrupção. E estas ações servem como

exemplos a serem replicados pela e para sociedade.

7) Olhando para o quadro do ensino jurídico e das Faculdades de Direito no Brasil, o

estudo e a reflexão sobre os ODS podem impulsionar uma nova face para a atuação dos

futuros juristas?

Resposta: Não há dúvidas de que o estudo e a reflexão dos ODS terá um impacto na atuação

dos novos profissionais da área do Direito, que tem uma função social de fortalecer a

cidadania e os direitos humanos. Os ODS exigem da comunidade, empresas e Estados

atuação preventiva. Essa já é uma grande mudança em tempos de judicialização da vida. A

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efetivação dos ODS demanda uma atuação proativa, que dá preferência à implementação de

políticas públicas, à atuação política e a elaboração legislativa. Há, assim, muito espaço para

os futuros juristas.

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ARTIGO CONVIDADO

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LOS PROBLEMAS BÁSICOS DE LAS RELACIONES INTERNACIONALES COMO

DISCIPLINA DE ESTUDIO

THE BASIC PROBLEMS OF INTERNATIONAL RELATIONS AS A STUDY DISCIPLINE

Marcelo Gullo Omodeo3

1 INTRODUCCIÓN: EL PROBLEMA DEL ORIGEN

Auguste Comte sostenía que, para conocer una ciencia, había que conocer su origen

e historia, rastrear su ascendencia. “No se conoce una ciencia sino se conoce su historia”.[2]

Es por ese motivo que resulta relevante destacar que así como la Ciencia Política puede

rastrear su ascendencia hasta Platón y Aristóteles, las Relaciones Internacionales pueden

rastrear la propia hasta Tucídides (460a.C – 395ª.C) y Polibio de Megalópolis (200ª.C –

118ª.C) y luego, en los viejos maestros de la geopolítica – Friedrich Ratzel (1844‐1904),

Alfred Mahan (1840-1914), Rudolf Kjellén (1864‐1922), Halford MacKinder (1861‐1947) y

Karl Haushofer (1869‐1946). Sin duda alguna, con todos sus errores y limitaciones, la

Geopolítica puede ser considerada la fuente moderna en la que abrevaron las Relaciones

Internacionales como disciplina de estudio y los estados más poderosos para delinear las

grandes líneas estratégicas de acción de sus respectivas políticas exteriores[3]. Pero, ese

importante hecho no será reconocido porque la Geopolítica se transformó, después de

1945, en una especie de “disciplina maldita”, a pesar de que todas las grandes potencias,

después de Segunda Guerra Mundial, han seguido, en gran medida, fundando sus afanes

hegemónicos en supuestos de indiscutible naturaleza geopolítica.[4] Importa destacar

además, porque es un hecho totalmente desconocido por los académicos europeos y

norteamericanos, y aún por muchos o más bien por la mayoría de los latinoamericanos que,

las Relaciones Internacionales pueden rastrear también, su ascendencia, en el pensamiento

de algunos de los más importantes hombres de la llamada Generación Latinoamericana del

900, integrada entre otros, por el uruguayo José Enrique Rodó (1871-1917), el mexicano José

Vasconcelos (1882-1959), y los argentinos Manuel Ugarte (1875- 1951) y José Ingenieros

(1877-1925).[5] Hijos intelectuales de la Generación del 900 son, entre otros, el político e

intelectual peruano Víctor Raúl Haya de la Torre[6] y el pensador uruguayo Alberto Methol

Ferré (1929-2009) creador de la Teoría de los Estados Continentales y de notable influencia

en el pensamiento geopolítico del Papa Francisco.[7]

3 Doctor en Ciencia Política por la Universidad del Salvador (Argentina). Magister en Relaciones Internacionales

por el Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, de la Universidad de Ginebra (Suíça). Graduado en Estudios Internacionales por la Escuela Diplomática de Madrid (Espanha). Licenciado en Ciencia Política por la Universidad Nacional de Rosario (Argentina). Discípulo del politólogo brasileño Helio Jaguaribe y del sociólogo y teólogo uruguayo Alberto Methol Ferré. Asesor en materia de Relaciones Internacionales de la Federación Latinoamericana de Trabajadores de la Educación y la Cultura (FLATEC). Profesor de la Universidad Nacional de Lanús (Argentina) y, de la Escuela Superior de Guerra en la Maestría en Estrategia y Geopolítica. Miembro fundador del Instituto de Revisionismo Histórico Nacional e Iberoamericano Manuel Dorrego.

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Explicitada, entonces, la ascendencia de las Relaciones Internacionales, conviene

precisar que éstas nacieron, como disciplina académica, en el viejo continente. Sin duda

alguna los estudios de Relaciones Internacionales nacen, como disciplina académica, en Gran

Bretaña, formalmente como una consecuencia del terrible trauma que había provocado en

la sociedad europea la Primera Guerra Mundial y, en sustancia, por la necesidad de la elite

inglesa de reflexionar sobre el cómo detener el notorio declive del poder británico que había

necesitado, para derrotar al desafiante imperio alemán, de la imprescindible participación

de los Estados Unidos de Norteamérica, en la Gran Guerra. Es, precisamente, entonces, al

final de la Primera Guerra Mundial, que las Relaciones Internacionales nacen como disciplina

científica autónoma. La primera cátedra de Relaciones Internacionales se creó en

Aberystwyth en el país de Gales, en 1919, siendo su profesor titular Sir Alfred Eckhard

Zimmern. Al poco tiempo Oxford y la London School of Economics (LSE) crean sus

respectivas cátedras de Relaciones Internacionales. La cátedra de Aberystwyth fue

financiada por Lord David Davies, un importante industrial gales y las cátedras de Oxford y

de la LSE, por Montague Burton, un reconocido comerciante de Londres. Las tres cátedras

británicas – y el entonces, recientemente creado “Royal Institute of International Affaires” –

estaban imbuídas del mismo objetivo: entender los cambios que se estaban produciendo en

el sistema internacional y saber, en consecuencia, qué debía hacer Gran Bretaña para

recuperar y mantener su poder, en el nuevo escenario internacional.[8] Por otra parte, la

necesidad de formar cuadros político-diplomáticos – el funcionariado internacional- para la

recientemente creada Sociedad de Naciones -que los políticos e intelectuales más liberales

imaginaban como el embrión de un futuro gobierno mundial- llevó, a la creación, en la

ciudad de Ginebra, del primer Instituto Universitario consagrado plenamente al estudio de

las Relaciones Internacionales: el Institut Universitaire de Hautes Etudes Internationales

(IUHEI) fundado, en 1927, en Suiza por iniciativa del rector de la Universidad de Ginebra, el

profesor de Historia Económica, William Rappard (1883-1958). Importa destacar que el

IUHEI nace apadrinado políticamente por el presidente Wilson, en estrecha relación

institucional con la Sociedad de Naciones y, financiado por la Fundación Rockefeller. Su

primer director fue el profesor Paul Mantoux, especializado en Historia Económica.

Los intelectuales liberales más destacados de Europa fueron los primeros

profesores del IUHEI entre ellos, el historiador Guglielmo Ferrero (1871-1942), el gran jurista

Hans Kelsen (1881-1973) y el economista Ludwig von Mises (1881-1973).

El primer cuerpo de profesores del IUHEI creyó encontrar, por entonces, en la

creación de los organismos internacionales, en la formación de un funcionariado

internacional cosmopolita y, en el establecimiento del libre comercio a nivel mundial, las

condiciones que hicieran, por fin posible, el establecimiento de una paz universal durable. El

libre comercio era, para la mayoría de los profesores del IUHEI, la mejor herramienta posible

para garantizar la paz mundial.

Con el paso del tiempo, cuatro miembros del cuerpo de profesores del IUHEI

recibirían el premio Nobel de economía: Gunnar Myrdal, Friedrich von Hayek, Maurice Allais

y Robert Mundell. Dictaron cursos en el IUHEI los más eminentes intelectuales de la época

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como Raymond Aron, René Cassin, Luigi Einaudi, John Kenneth Galbraith, G. P. Gooch,

Gottfried Haberler, Friedrich von Hayek, Hersch Lauterpacht, Lord McNair, Gunnar Myrdal,

Harold Nicolson, Philip Noel Baker, Pierre Renouvin, Lionel Robbins, Jean de Salis, Carlo

Sforza y Jacob Viner. Importa destacar que Hans Morgenthau (1904-1980), -a quien puede

considerarse junto con Raymond Aron (1905-1983), como el padre fundador de las

Relaciones Internacionales como disciplina científica-[9] durante su permanencia en Ginebra,

no fue profesor del IUHEI pero estuvo ligado íntimamente al Instituto y dejo en él, una

impronta imborrable.[10]

No deja de ser interesante – y relevante – destacar la creación, en la República

Argentina, más precisamente en la ciudad de Rosario, el 17 de agosto de 1920, de la

Licenciatura en Diplomacia en la Facultad de Ciencias Económicas, Comerciales y Políticas

(FCECP). Será también la FCECP de Rosario, a partir de 1927, la primera Facultad en

Latinoamérica en expedir el título de doctor en Diplomacia, produciéndose la primera

colación de grado, el 21 de septiembre de 1932.[11] Resulta políticamente relevante

destacar que la Licenciatura en Diplomacia y el Doctorado en Diplomacia fueron creadas en

la ciudad de Rosario y no Buenos Aires, capital de la República.[12]

Importa precisar que el estallido de la Segunda Guerra Mundial congeló el

desarrollo de las Relaciones Internacionales en el viejo continente y éstas, cruzando el

Atlántico, ni bien finalizada la guerra, tendrán un segundo nacimiento, en los Estados

Unidos, tan deslumbrante -por el grado de desarrollo y profundidad alcanzado en el estudio-

que hará olvidar el nacimiento europeo. Es por eso que, comúnmente, suele considerarse,

siguiendo a Stanley Hoffmann, a las Relaciones Internacionales como una ciencia social

norteamericana.

Al renacer, en los Estados Unidos, el estudio de las Relaciones internacionales, éste,

adquirirá características que lo acompañarán hasta nuestros días:

1) El exagerado énfasis puesto en los estudios que tratan sólo sobre el presente.

2) El deficiente conocimiento de la Historia Universal.

3) La carencia de estudios suficientes sobre la relación entre los fuertes y los

débiles.

Por otra parte, este segundo nacimiento, explosivo y deslumbrante, de las

Relaciones Internacionales como disciplina de estudio en los Estados Unidos y, el enorme y

bien logrado prestigio de sus universidades, provocó seis consecuencias, en el resto del

mundo:

1) Que la producción teórica norteamericana reinara de forma absoluta en el

universo académico internacional y que, por lógica consecuencia, en la mayoría de las

universidades del mundo, las Relaciones Internacionales fuesen analizadas mediante el uso

de las teorías producidas en las altas casas de excelencia de los Estados Unidos.

2) Que los textos que se utilizan, en la mayoría de carreras de Relaciones

Internacionales en todas las Universidades del mundo, sobre todo en materia de Teoría de

las Relaciones Internacionales, salvo contadas excepciones, sean los de los grandes

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estudiosos norteamericanos o europeos residentes en los Estados Unidos, que concibieron

sus ensayos a partir de mediados del siglo XX.

3) Que los Estados Unidos se convirtieran en una gran “Meca” para quienes

buscaban formarse – y especializarse – en el estudio de las Relaciones Internacionales.

4) Que los estudiantes extranjeros que regresaban a sus respectivos países de

origen – luego de haberse formado y especializado en las Universidades norteamericanas-

llevasen consigo la peculiar forma estadounidense de concebir el estudio de las Relaciones

Internacionales, concepción según la cual estudiar Relaciones Internacionales, es casi un

sinónimo de estudiar Teoría de las Relaciones Internacionales.

5) Que se produjera un seguimiento irreflexivo, por parte de los académicos

residentes fuera de los Estados Unidos, de los debates y categorías en boga producidos, en

las prestigiosas universidades norteamericanas.

6) Que el inglés se convirtiera en la lengua franca de las Relaciones Internacionales.

Stanley Hoffmann, en su brillante estudio “Essays in the Theory and Practice of

International Politics” advierte claramente que, una de las características problemáticas que

afligen a las Relaciones Internacionales -íntimamente ligada no, a la naturaleza de las

mismas, sino al hecho de que la disciplina nació en los Estados Unidos y tiene, todavía, allí su

principal residencia – consiste en el exagerado acento puesto sobre el presente, en la

preponderancia de los estudios que tratan tan sólo el presente nudo.[13] Para Hoffmann,

esta es una debilidad muy seria que, “conduce no sólo a desestimar todo un patrimonio de

experiencias pasadas –aquellas de los sistemas imperiales anteriores, de los sistemas de

relaciones interestatales fuera de Europa, de la formulación de políticas exteriores en

organizaciones políticas internas muy diferentes de las contemporáneas- sino a una

verdadera deficiencia en nuestra comprensión del sistema internacional del presente.

Debido a que tenemos una base inadecuada de comparación, estamos tentados a exagerar

ya sea una continuidad con un pasado que conocemos mal, o la originalidad radical del

presente, según estemos más impactados por las características que juzgamos permanentes,

o por aquellas que no creemos que hayan existido antes. Y sin embargo, un examen más

riguroso del pasado quizá revele que lo que percibimos como nuevo realmente no lo es, y

que algunas de las características tradicionales son mucho más complejas de lo que

pensamos. Hay muchas razones para esta imperfección. Una es el temor de volver a caer en

la historia: el temor de que si estudiamos el pasado en profundidad, puede que

encontremos difícil hacer generalizaciones y en el caso de las categorizaciones, que las

hallemos interminables o carentes de sentido, y puede que perdamos el hilo de la ciencia.

Una razón que se relaciona con esto es el hecho de que los científicos políticos

norteamericanos no reciben entrenamiento suficiente en historia o en lenguas extranjeras,

indispensables para trabajar sobre las pasadas relaciones entre estados. Una tercera razón

se encuentra en las circunstancias mismas del nacimiento de la ciencia y su desarrollo. En

cierta forma, la pregunta clave no ha sido ¿qué debemos saber?, sino ¿qué deberíamos

hacer? Sobre los rusos, los chinos, la bomba, los productores de petróleo.”[14]

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Por otra parte – según Hoffmann- otro problema de las Relaciones Internacionales

esencialmente ligado, no a la naturaleza de las mismas, sino al hecho del segundo

nacimiento de la disciplina en los Estados Unidos -y que conduce a una verdadera deficiencia

en la comprensión del sistema internacional- consiste en la falta de estudios suficientes

sobre el funcionamiento de la jerarquía internacional, o si se prefiere, de la naturaleza de las

relaciones entre los débiles y los fuertes. Este hecho llevó, naturalmente, a que la cuestión

del cómo y bajo qué condiciones, los débiles han sido capaces de contrarrestar su

inferioridad, no haya estado en el centro de la investigación científica.

A diferencia de lo que acontece en otras partes del mundo, en los Estados Unidos

para la mayoría de los investigadores y profesores que integran el mundo académico la

especificidad del trabajo de los expertos en Relaciones Internacionales es, “producir

conocimiento para consumo del Estado”.[15]

Para la mayoría de los académicos norteamericanos “la utilidad social de los

estudios de Relaciones Internacionales está en producir conocimientos que puedan ser

ofrecido a las instituciones del Estado, para que los hombres que las dirigen puedan tomar

las decisiones más convenientes a los intereses del Estado al que sirven.”[16] Es por ello

que, a diferencia de la mayoría de los países, en los Estados Unidos “el mundo académico es

parte del Estado y trabaja para proveerle conocimientos que puedan fortalecerlo”.[17]

En los Estados Unidos, no existe ninguna especie de pudor en los académicos en

trabajar para las instituciones del Estado incluido los órganos de inteligencia y espionaje.

“Servir al Departamento de Estado, a la CIA o a cualquier otra agencia de seguridad,

inteligencia y espionaje no es motivo de espanto o desdén entre los académicos

estadounidenses”[18], sino motivo de orgullo.

Es por eso que, es imprescindible, comprender -como también destaca Hoffmann-

que, cuando los expertos en Relaciones Internacionales en México, en Buenos Aires, en Río

de Janeiro, en Berlín o en Pekín, reflejan y siguen, más o menos servilmente y con algún

retraso, las “modas” norteamericanas – los debates y las categorías de análisis en boga- al

hacerlo, reflejan, y sirven también, muy a menudo, al interés político de los Estados Unidos,

aumentando su poder blando, dada la conexión existente en dicho país entre el mundo

académico y el mundo del poder que coloca a los más brillantes académicos e investigadores

no meramente en los “pasillos” del poder sino también, en la “cocina” del poder.[19]

Por último importa destacar, paradojalmente, como un problema para el estudio de

las Relaciones Internacionales, el hecho de que el inglés se haya convertido en la lengua

franca de la disciplina. El profesor británico Arthur John Richard Groom, en su libro

“Contemporary International Relations; A Guide to Theory”, afirma que, no sólo el inglés es

la lengua franca de las Relaciones Internacionales sino que, el hecho de que los cimientos de

la disciplina hayan sido asentados con una argamasa de molde anglosajón, convirtió el

predominio de la lengua inglesa, en las Relaciones Internacionales como disciplina de

estudio, en un hecho irreversible e inevitable. [20]

Como destacan Williams Gonçalves y Leonardo Valente “El síntoma más notorio de

la introducción de elementos culturales norteamericanos por medio de las Relaciones

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Internacionales, como nos advierte Groom, es la presentación de la evolución de esta

disciplina de estudio en debates paradigmáticos. Las etapas del progreso de las Relaciones

Internacionales son exhaustivamente expuestas por todos los estudios teóricos de la

disciplina. Esto constituyó un auténtico ‘mantra’ siempre presente en los numerosos

manuales producidos por los académicos anglosajones. Para muchos, el conocimiento de

esas etapas o el contenido básico de cada uno de los paradigmas, llega a ser considerado

como una señal distintiva de inclusión en el área académica de las Relaciones

Internacionales. Aquellos que pretenden ser reconocidos como académicos del área y por

ventura revelan desconocimiento sobre el orden de la evolución de los paradigmas o no se

muestran capaces de citar los nombres de los estudiosos norteamericanos más destacados

en cada una de esas etapas y sus respectivas obras, tienen su reputación de estudiosos de

las Relaciones Internacionales colocada en duda” [21]

Por otra parte, Groom al mismo tiempo que considera a la lengua inglesa como

indisociable de las Relaciones Internacionales, afirma que, en virtud de su estructura, de sus

metáforas y de su vocabulario, cualquier lengua – en este caso el inglés- impone

inexorablemente un modelo de pensamiento, una forma de pensar y razonar que refleja

siempre, una cultura particular y esto sucede con el inglés respecto de las Relaciones

Internacionales a pesar de que la vocación de las Relaciones Internacionales sea realizar una

sociología política de la sociedad global.

Por eso, los académicos que, en cualquier parte del mundo, se lanzan al análisis de

las Relaciones Internacionales, usando principalmente los estudios teóricos formulados por

los académicos angloparlantes, no pueden escapar al constreñimiento de percibir la

realidad de las Relaciones Internacionales según el entendimiento de esos teóricos

anglosajones al respecto de lo que es relevante o no, en esa realidad y que debe, por

consiguiente, ser concebido o no, como objeto científico de estudio.

Sagazmente, los profesores brasileños Williams Gonçalves y Leonardo Valente

concluyen que, la reflexión efectuada por Groom, no sólo es muy pertinente sino que no

hay ninguna manera de refutarla ni rechazarla. Como también observa Groom – afirman

Gonçalves y Valente aunque los textos de los académicos anglosajones “sean traducidos a

otras lenguas, las marcas de la manera anglosajona de expresarse y de pensar no

desaparecen en el texto traducido”,[22] creando, según nuestro entender, de esa forma, un

condicionamiento inconsciente, y casi inevitable, en todos los expertos en Relaciones

Internacionales en cualquier parte del mundo en que se encuentren, que de esa forma

observan y analizan la realidad internacional con ojos y cabezas anglosajonas y no con

cabeza propia. Hecho éste, que provoca, a su vez que, involuntariamente, reflejen los

intereses políticos de las potencias anglosajonas en el escenario internacional, así como su

correspondiente escala de valores.

Importa destacar que, en América Latina, intentaron observar y analizar la realidad

internacional con ojos y cabeza propia, intelectuales como Raúl Scalabrini Ortiz, Arturo

Jauretche, José Hernández Arregui, Felipe Herrera, Raúl Prebisch, Jorge Abelardo Ramos,

Alberto Methol Ferre, Andrés Soliz Rada, Aldo Ferrer, Paulo Schilling, Fernando Henrique

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Cardoso y Enzo Faletto entre otros. Más específicamente, desde las Relaciones

Internacionales como disciplina de estudio, intentaron realizar esa misma tarea Juan Carlos

Puig, Bruno Boloña, Luiz Alberto Moniz Bandeira, Helio Jaguaribe y Amado Cervo. [23]

2 EL PROBLEMA DE LA FALTA DE SITUACIONALIDAD

El breve relato histórico que hemos realizado sobre el origen de las Relaciones

Internacionales como disciplina de estudio comprueba que las Relaciones Internacionales

nacieron como una reflexión realizada primero, por el poder británico y luego por el

norteamericano, para alcanzar determinados fines políticos.

Esta irrefutable comprobación demuestra, a su vez, la necesidad de realizar

siempre – cuando éstas se estudian fuera de los Estados Unidos – una “reflexión situada”

sobre las Relaciones Internacionales como disciplina de estudio.

Sin embargo, esta necesaria “reflexión situada”, no es generalmente realizada por

los expertos en Relaciones Internacionales de otras nacionalidades, afincados fuera de los

Estados Unidos que, de esa forma reflejan –como sostiene Hoffmann- más o menos

“servilmente” y con algún retraso, las “modas” norteamericanas – los debates y las

categorías de análisis en boga – y al hacerlo, reflejan, y sirven también, al interés político de

los Estados Unidos, dada la conexión existente, en dicho país, entre el mundo académico

tanto con el Departamento de Estado, como con las distintas agencias de inteligencia y

espionaje, lo que hace que un gran número de académicos e investigadores no deambulen

por los “pasillos” del poder sino, que participen, con orgullo, de la “cocina” misma del

poder. [24]

Importa destacar que el acto reflejo, de los expertos en Relaciones Internacionales

fuera de los Estados Unidos, de seguir los debates y las categorías de “moda” en ese país da,

también, como resultado “mallas curriculares, especialmente en Teoría de las Relaciones

Internacionales, de una narración caótica, descontextualizada, sin tiempo-espacio y menos

con un hilo conceptual, excepto la narración. Y la novedad incesante de la ‘aparición’ de

nuevas ‘teorías’ que forman parte de la narración continua, y que son abordadas como si se

tratase de la teoría de la relatividad de Einstein. Basta observar someramente la temática en

América Latina de los Congresos de Relaciones Internacionales y Ciencia Política, para

comprobar lo antedicho. Siempre, una jerarquización positivista, es tácita a sus

programas.”[25] Agudamente, señala Barrios que, en Iberoamérica, para cualquier

científico de las Relaciones Internacionales, el hecho de no subordinarse a los debates y

categorías de moda, ni a sus premisas tácitas “puede conducir al aislamiento del sistema

meritocrático científico.”[26]

En la gran mayoría de las carreras de Relaciones Internacionales –que en los últimos

20 años han proliferado en todas partes del mundo- en raras ocasiones se les advierte a los

estudiantes que las Relaciones Internacionales, no pueden ser consideradas una ciencia

pura, es decir incontaminada y al resguardo de los vaivenes de la historia y la “facticidad”.

Tampoco se les advierte que no es posible realizar una “aproximación objetiva” si por ello se

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entiende la carencia de toda proyección o influencia de valores (personales y sociales),

sobre los investigadores, las teorías o los sistemas; y que tampoco hay “consideración

desinteresada”, porque nadie más interesado y situado, que el sujeto humano. Debemos

entonces, pensar desde lo “universal situado”, en realizar una lectura de las Relaciones

Internacionales “culturalmente situada”.[27]

No renunciamos a explicar el sistema en su conjunto, no renunciamos a la

pretensión de universalidad del conocimiento, ni estamos dispuestos a asumir una posición

relativista. Una “universalidad situada” supone que miramos, observamos, siempre, desde

un ángulo. No se puede nunca, ver todos los ángulos al mismo tiempo. Siempre vemos en

perspectiva y el lugar desde donde miramos y observamos, genera categorías. Además, es

razonable y deseable que, el observador dirija su mirada hacia los problemas que la situación

personal o comunitaria, plantea.

Así, mientras los grandes pensadores de Estados Unidos y Europa, están hoy

preocupados por las causas de la decadencia de las grandes potencias en el transcurso de la

historia de la humanidad nosotros, deberíamos dirigir nuestra mirada hacia los hechos – las

causas y origen- que permitieron que, esos mismos estados – de los cuales ellos estudian las

causas de la decadencia- se convirtieran en grandes potencias. La necesidad conduce

imperceptible y naturalmente, nuestra mirada histórica – si no estamos subordinados

ideológicamente- hacia las causas de la decadencia o hacia las causas de la grandeza

dependiendo, lógicamente, del lugar del planeta donde se desarrolla nuestra existencia y

dependiendo de la comunidad política de la cual nos sentimos afectivamente, parte

indisoluble.

Se desprende, entonces, que necesitamos un corpus epistémico que permita dar

cuenta de nuestra perspectiva pero preciso es advertir que, los corpus epistémicos, no se

prestan ni se alquilan: se construyen.[28]

Siguiendo el pensamiento de Mario Casalla creemos que: “Toda reflexión está

situada y es, desde esa situación concreta, a partir de la cual se establecen y se abordan los

denominados hechos. Trátase así de una doble situacionalidad: la del investigador frente al

hecho (en el doble sentido que esta palabra tiene) y la de éste, respecto de sí mismo. No hay

investigadores ni hechos aislados y el problema de la búsqueda de la pureza o de la

objetividad – en el sentido casi religioso con que este término es pronunciado en el credo

positivista y neopositivista- es tan ingenuo como imposible…todo pensar (lo advierta o no lo

advierta; lo asuma o no lo asuma,) es un pensar de y desde, una situación (a la vez, personal

e histórica), y que ésta lo realimenta permanentemente. Esto no significa, ni siquiera

aproximadamente, que el ‘hecho’ en particular deba ser reemplazado por la situación que lo

acompaña. Muy por el contrario, lo que queremos significar es la imposibilidad de abstraer

la situación, de quitar del medio – sin más y bajo el benemérito manto del ‘rigor científico’-

la estructura dentro de la cual algo es lo que es.” [29]

A esta altura de nuestro razonamiento debemos aclarar que, para realizar una

“lectura culturalmente situada” del pensamiento producido en el marco de las Relaciones

Internacionales como disciplina de estudio, debemos precisar que “la situación no es el

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conjunto pre-fabricado de circunstancias que rodean al hecho (una obra, un autor, una

idea)…Situar un pensamiento es comprenderlo dentro de aquella estructura histórica ( es

decir no meramente formal) en relación con la cual éste se expresa y dentro de la cual

adquiere su especificidad.”[30]

Todo el pensamiento producido en el marco de las Relaciones Internacionales

como disciplina científica, es un discurso situado. Esto significa que: todo pensamiento es

discurso de una determinada situación, tanto como su trascendencia y voluntad de

superación:

El pensamiento es así, un modo determinado de la praxis – nunca por ende, simplemente teórico o puro-. Y así como la situación no es una estructura formal, tampoco es una suerte de ente ‘explicatio’ que -desde lo ‘general’- da cuenta de lo particular. Ni las ‘condiciones objetivas’ a las que cierto positivismo y marxismo (del siglo pasado pero también de éste) aluden cuando desean explicar por qué las cosas suceden tal como suceden. Aquel juego que hemos descripto de totalización y transcendencia, de singularidad y alteridad, de vaivén entre lo fáctico y lo hipotético, no pueden ser reducidos a universalismos, trascendentalismos, ni estructuralismos de nueva o vieja especie.[31]

Todo estudioso de las Relaciones Internacionales piensa y escribe (lo asuma o no lo

asuma), desde una región subordinante, una región autónoma, o una región subordinada y,

su producción intelectual (lo advierta o no lo advierta), puede servir para perpetuar la

situación de subordinación o para superarla.

Acertadamente, afirma Stanley Hoffmann que “a los académicos no les gusta

pensar sobre su dependencia intelectual del status de su país, y sobre las ambiciones de su

elite politíca, ello perturba su sentido de pertenecer a una comunidad científica,

cosmopolita y libre de ataduras…Y sin embargo, el vínculo existe. Y a veces es reforzado por

arreglos institucionales.” [32]

3 EL PROBLEMA DE LA NOMINACIÓN

Lo primero que llama la atención a quien se acerca al estudio de las Relaciones

Internacionales es la existencia, junto al término relaciones internacionales, de otros

términos tales como, “estudios internacionales”, “política internacional” o “política

mundial”, que se utilizan en el ámbito académico, para denominar la misma disciplina de

estudio.

Si bien estos términos son, vulgarmente utilizados, muchas veces, como sinónimos

es evidente que esa pluralidad de denominaciones tiene su origen en planteamientos

epistemológicos y metodológicos contrapuestos.

Si antes mismo de comenzar el estudio de las Relaciones Internacionales nos

hallamos, entonces, ante el problema de la existencia de una pluralidad de nominaciones

para la misma disciplina hay otro problema que salta a la vista y es que, cuando utilizamos

la palabra “nación” estamos forzando el significado de la palabra nación. El mismo problema

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se plantea cuando se intenta definir el concepto de “escenario internacional” o “sistema

internacional”. Dado que, por un lado, muchos de los denominados estados nacionales, a lo

largo de la historia, han estado conformados por varias naciones y que, por otro parte,

existen o podrían existir naciones fragmentadas en varios estados. Para muchos

intelectuales y políticos tal es el caso, por ejemplo, de la nación árabe o de la nación

hispanoamericana.[33]

Es fácil, entonces, cuando se analizan las diversas y más clásicas definiciones de las

Relaciones Internacionales como disciplina de estudio, llegar a la conclusión de que todos los

autores han “forzado” el significado de la palabra nación.

Por otra parte, las naciones o los estados, no son los únicos actores de las

Relaciones Internacionales.

Planteado así el problema, estamos ante la disyuntiva de optar, entre el uso de un

nombre consagrado, el de relaciones internacionales – forzando el significado de la palabra

nación – o crear un nuevo nombre para nuestra disciplina de estudio. Nosotros, por razones

de orden práctico, preferimos optar por la primera alternativa. [34]

4 EL PROBLEMA DE LA DELIMITACIÓN DEL OBJETO DE ESTUDIO

Cuando hablamos de relaciones internacionales, ¿de qué tipo de relaciones estamos

hablando? Tanto para Aron como para Morgenthau, cuando hablamos de relaciones

internacionales nos referimos, fundamentalmente, a relaciones políticas. Mientras que para

George Schwarzenberger, Marcel Merle, y Antonio Truyol, el estudio de las Relaciones

Internacionales debe abarcar todo tipo de vínculos existentes entre los estados o entre los

individuos o grupos políticos o no políticos, siempre que se establezcan a través de las

fronteras que separan a las naciones.

En la vereda opuesta a Schwarzenberger, Merle, y Truyol, Enrique Peltzer sostiene,

a su entender, que es importante no caer en el tan frecuente error de confundir a las

Relaciones Internacionales, como disciplina, con el estudio de la Sociología Internacional.

Así, afirma Peltzer, desde su particular punto de vista que, mientras la Sociología

Internacional pone su centro de atención en las relaciones no políticas e incluye, por

ejemplo, las relaciones culturales o deportivas, que puedan existir entre personas o grupos

de personas que pertenecen a distintas unidades políticas, las Relaciones Internacionales se

centran en el estudio de las relaciones con significación política que se producen entre las

distintas unidades que conforman el escenario internacional.

Por otra parte, Enrique Peltzer afirma que resulta conveniente precisar que, a

diferencia del Derecho Internacional, el objeto formal de las Relaciones Internacionales, no

es la justicia, sino el poder. A diferencia del Derecho Internacional, sostiene Peltzer, las

Relaciones Internacionales lo que tratan de comprender “son las relaciones de poder, no las

normas a las que puedan o deban sujetarse esas relaciones.” [35]

Siguiendo el camino marcado por Aron y Morgenthau, Enrique Peltzer cree que las

Relaciones Internacionales circunscriben su campo de acción al de la vida política, dejando

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fuera de su área específica de estudio, las innumerables relaciones no políticas que se

pueden establecer entre las distintas unidades que conforman el sistema internacional.

Es en ese sentido que Peltzer afirma: “Esta delimitación no supone ignorar la

existencia de otras relaciones externas, no políticas, ni siquiera menospreciar su importancia

o su interés; pero conviene dejar su estudio en la esfera de la sociología, o en las de cada

una de las distintas disciplinas específicas que tienen atingencia con el contenido de cada

tipo de relación; así la filosofía de la cultura podrá ocuparse de las relaciones puramente

culturales; la medicina, de las relaciones sanitarias ; la economía, de las comerciales y

financieras…Por cierto que en la medida en que estas relaciones se vean involucradas en

asuntos de índole política caerán, inexorablemente, bajo la lupa de las relaciones

internacionales, pero ello será consecuencia de la sustancia política latente en cada caso, y

solamente, en tanto eso ocurra”. [36]

Resulta evidente que la posición sostenida, entre otros autores, por Aron,

Morgenthau o Peltzer, de separar las Relaciones Internacionales tanto de la Sociología

Internacional, como de la Economía Internacional, como del Derecho Internacional, podría

ser objetada a partir de la dificultad real de establecer una frontera nítida entre estas

disciplinas y las Relaciones Internacionales. Sin embargo, Raymond Aron se defiende de esa

objeción afirmando que: “esa dificultad es real pero que cometeríamos un error grave si

exageramos su importancia porque ninguna disciplina científica posee una frontera

nítidamente trazada que las separe de las otras.”[37]

Creemos que un ejemplo, puede echar luz sobre este debate.

Así, por ejemplo, el estudio de la FIFA, el organismo rector del fútbol mundial, en

principio, queda excluido del campo de estudio de las Relaciones Internacionales.

Sin embargo el caso no sería tal si, por ejemplo, una unidad política decidiera

inmiscuirse, de forma indirecta y encubierta, en los asuntos de esta organización a fin de

cooptarla con el objeto de “usar”, hipotéticamente, su enorme volumen de ingresos para

financiar actividades de índole netamente políticas en cualquier lugar del orbe o bien que,

otra hipotética unidad política haga uso de la misma entidad, para dañar el prestigio político

del gobierno de una unidad política rival, fomentando, por ejemplo, una investigación

judicial tendiente a demostrar que la unidad política rival, consiguió ser la anfitriona del

torneo mundial de futbol, mediante maniobras delictivas de compra de votos.

Así, sólo en tales casos teóricos, el estudio de la FIFA, caería bajo la lupa de estudio,

de las Relaciones Internacionales.

5 EL PROBLEMA DE LAS TRES DIMENSIONES DE UNA ÚNICA REALIDAD

Ahora bien, sin ánimos de zanjar el debate anteriormente expuesto, cabe aclarar

que, en el escenario internacional, la dimensión política – de las relaciones que se

establecen entre todos los actores del sistema internacional- se encuentra profundamente

interrelacionada con las otras dos grandes dimensiones que conforman la vida

internacional: la cultural y la económica.

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Estas tres dimensiones están estrechamente interrelacionadas, influenciándose

mutuamente, una a la otra pero, importa destacar que, las influencias son asimétricas.

Así, la dimensión política influencia a la económica más de lo que es influenciada

por ésta pero, a su vez, la dimensión cultural influencia a la política más de lo que es

influenciada por ésta.

En cada una de estas dimensiones se desarrolla un proceso histórico, tendiendo el

proceso cultural a ser, de ordinario, más lento que los otros dos. Así, mientras la dimensión

económica se cruza, frecuentemente, en el corto y mediano plazo, con la dimensión política,

la dimensión cultural, se entrecruza con la económica y la política sólo, en el largo plazo.

Sin embargo, es preciso tener en cuenta que, es en la dimensión cultural donde se

generan las mega-categorías, las grandes categorías de análisis metapolíticas, que

condicionan las acciones concretas tanto de la llamada política nacional, como de la

denominada política internacional.[38]

Estas categorías conforman un mundo categorial – igualitarismo, identidad,

homogeneización, uniformidad, multiculturalismo, memoria, progreso, consenso, derechos

humanos, pueblos originarios, pluralismo, relativismo, mundo único- que, si bien no se

percibe en forma inmediata sino sólo por sus efectos, provoca un “megacondicionamiento”

de la vida política y económica, tanto a nivel estadual como internacional. Y así como la

dimensión cultural – los hechos que en ella se producen- condiciona, en el largo plazo

megaestratégico- a la dimensión política, ésta, condiciona a su vez, en el largo plazo

estratégico, a la dimensión económica.

6 EL PROBLEMA DE LA IDENTIFICACIÓN DE LOS ACTORES

Uno de los problemas fundamentales de las Relaciones Internacionales es el de la

identificación de los actores, dado que los comportamientos, los sistemas, las estructuras,

los procesos de interacción, no pueden ser correctamente analizados sí, previamente, los

actores no son claramente identificados. Errar en la identificación de los actores lleva,

inexorablemente, a un análisis equivocado. Errar en la individualización de los actores es

errar en todo. [39]

Es por ello que no es un dato menor resaltar que, en el mundo académico, a la hora

de definir qué se entiende por actor internacional, la amplitud de criterios sea palpable.

Así, mientras que para Raymond Aron, Pierre Renouvin y Jean-Baptiste Duroselle,

sólo son actores de las Relaciones Internacionales las colectividades políticas

territorialmente organizadas, para Marcial Merle: “por actor, hay que entender toda

autoridad, todo organismo, todo grupo e, incluso, en el caso límite, toda persona, capaz de

desempeñar una función, en el campo social; en nuestro caso concreto en la escena

internacional”.[40]

En la misma línea de interpretación que Marcial Merle, los profesores Philippe

Braillard y Mohammad-Reza Djalili, afirman que es preciso entender como actor de las

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Relaciones Internacionales, “toda autoridad, todo organismo, todo grupo y también a toda

persona susceptible de jugar un rol en el escenario internacional”[41]

Por su parte, Esther Barbé afirma que, “el actor internacional es aquella unidad del

sistema internacional (entidad, grupo, individuo) que goza de habilidad para movilizar

recursos que le permitan alcanzar sus objetivos, que tiene capacidad para ejercer influencia

sobre otros actores del sistema y que goza de cierta autonomía.”[42]

Mientras que, por otra parte encontramos que, según los criterios elaborados por

Bruce Russett y Harvey Starr, la calidad de actor internacional estaría dada por 4 elementos

o condiciones indispensables: 1) Que la unidad lleve a cabo funciones continuas y

significativas en el sentido de impacto continuado en el sistema interestatal; 2) Que la

unidad sea tomada en consideración por parte de los elaboradores de la política exterior de

los estados; 3) Que la acción de la unidad tenga un impacto en la formación de la política

exterior de un estado; 4) Que la unidad tenga autonomía – libertad de acción- a la hora de

tomar sus decisiones.[43]

Por otra parte, Marcial Merle, divide a los actores internacionales en tres grandes

grupos: “los estados, las organizaciones internacionales (que se dividen en organizaciones

intergubernamentales y las organizaciones no gubernamentales compuestas por individuos y

grupos de carácter privado) y las fuerzas transnacionales”[44] comprendiendo éstas – según

Merle- a los “movimientos y a las corrientes de solidaridad de origen privado que tratan de

establecer a través de las fronteras y que tienden a hacer valer o imponer su punto de vista

en el sistema internacional.” [45]

Para Fulvio Attiná “El campo de las Relaciones Internacionales, si bien surgió

merced a la necesidad de información sobre las opciones y el comportamiento de los

Estados, en un sistema internacional en proceso de cambio, no está constituido sólo por las

relaciones entre los Estados y sus gobiernos. Hay otros sujetos individuales y colectivos,

institucionales, organizados o no, que son fundamentales para el sistema internacional.

Dicho de otra forma, ya no se trata únicamente de un sistema internacional, sino que nos

las habemos con un sistema transnacional o, para emplear un término aún más

comprensible, con un sistema global, o sea, con un sistema en el cual la demarcación entre

lo interno y lo internacional es, aún, muy tenue”. [46]

Por último, importa destacar la posición de la escuela neo-marxista encabezada por

Immanuel Wallerstein.[47] Para Wallerstein, que elabora la llamada teoría del sistema-

mundo, las Relaciones Internacionales tienen una naturaleza de clase y es por esto que los

principales actores de las relaciones internacionales no son los Estados-nación, ni las

organizaciones intergubernamentales, ni las organizaciones no gubernamentales. Para

Wallerstein, los actores reales de las relaciones internacionales son las clases globales: la

burguesía mundial y el proletariado mundial.

Para sostener su afirmación, Wallerstein argumenta que la anarquía en las

relaciones internacionales -proclamada por los realistas- es tan sólo una fachada que oculta

que la lógica del capitalismo, está por encima de los intereses nacionales de los estados. Para

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Wallerstein, las decisiones básicas en las Relaciones Internacionales, no son tomadas por los

gobiernos y los estados, sino por la élite mundial cosmopolita capitalista, compuesta por

representantes de varias naciones y pueblos.

Para Wallerstein, los procesos de lucha de clases se despliegan en las relaciones

internacionales, por lo que las relaciones internacionales son un área de confrontación entre

dos fuerzas transnacionales supranacionales, la burguesía mundial y el proletariado mundial:

ellas son, en realidad los principales actores de las relaciones internacionales y no los

estados o las organizaciones internacionales.

Sin lugar a dudas, Wallerstein acierta en identificar a la burguesía mundial como

actor de las relaciones internacionales a partir de la plena conformación del sistema

capitalista mundial pero, su dogmatismo ideológico, le impide observar que la realidad nos

indica que la burguesía mundial no impone automáticamente su voluntad a los estados y

que las elites políticas no son siempre, aunque lo sean muy a menudo, una simple correa de

transmisión de la voluntad de la burguesía mundial.

Creemos que, las definiciones que hemos expuesto o son confusas o no identifican

nítidamente a todos los actores que existen y que han existido y que ello, lleva a un

deficiente análisis del sistema internacional, de las estructuras y de los procesos de

interacción. Entre los dos extremos marcados por Hans Morgenthau, Raymond Aron, Pierre

Renouvin y Jean Baptiste Duroselle para quienes el Estado-Nación, es el único actor de las

Relaciones Internacionales y Emmanuel Wallerstein para quien la burguesía mundial y el

proletariado mundial son los dos verdaderos actores del sistema internacional,

independientemente de la división formal del sistema mundo en estados nacionales, es que

es preciso reflexionar, sin dogmatismo ideológico, para identificar a los actores principales,

es decir a los actores realmente relevantes, de las relaciones internacionales.

Sin duda alguna, las definiciones expuestas no dan cuenta, de forma precisa de

todos los actores que han jugado un rol decisivo en la historia de las relaciones

internacionales. Quienes han dirigido el destino de los estados, han experimentado en carne

propia – y han dejado muchas veces testimonio de ello es sus memorias- que, conduciendo

el destino de sus naciones, han tenido que enfrentarse a otros actores que no constituyen

entidades estatales, ni clases sociales, ni organizaciones intergubernamentales, ni ONGs

pero que, en especiales ocasiones, tienen tanto o más poder, que cualquier estado.[48]

7 LOS ACTORES ORIGINARIOS Y LOS TIPOS IDEALES

En tanto disciplina académica, las Relaciones Internacionales constituyen una

ciencia relativamente nueva, cuyo objeto de estudio es, no obstante, muy antiguo. El

hombre, sin embargo, tardará mucho tiempo, en percatarse de ello. También, aquellos a

quienes hoy, llamamos actores de las Relaciones Internacionales, existieron desde los

tiempos más remotos.

Cuando los distintos grupos de familias nómades, que lentamente estaban

poblando la superficie de la tierra, se agruparon entre sí para dar origen a distintas tribus, se

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produjo la aparición de la primera unidad política concreta de la historia de la humanidad.

Mientras en la familia, el factor aglutinante fundamental era el afectivo-biológico, en la

tribu, el factor aglutinante esencial será el político-biológico. Cuando algunas de las tribus

nómades se hicieron sedentarias, construyendo aldeas y luego pequeñas ciudades, se

constituyeron en Unidades Políticas Con Asiento Territorial (UPCAT), y comenzó a plantearse

el problema de las relaciones entre las distintas unidades políticas con asiento territorial y

entre éstas, y aquellos pueblos que aún, se mantenían nómades.[49]

Las unidades políticas -con asiento territorial- más fuertes, tratarán de someter a las

más débiles y ambas, fuertes y débiles, sufrirán el ataque de las Unidades Políticas Sin

Asiento Territorial (UPSAT), que estarán, en un principio interesadas, primordialmente, en el

saqueo de las riquezas y el sometimiento – pero, sin la pretensión del dominio efectivo

formal del territorio – de las unidades políticas asentadas territorialmente. Comenzó,

entonces, el ominoso juego entre la dominación y la liberación, que continúa hasta nuestros

días.

Quedaron así y desde entonces, constituidos los dos grandes tipos ideales de

aquello que, comúnmente, se denomina actores de las Relaciones Internacionales y que,

tomando distintas formas a través de la historia, llegan hasta el presente:

A.) las Unidades Políticas Con Asiento Territorial (UPCAT)

B.) las Unidades Políticas Sin Asiento Territorial (UPSAT)

El concepto de UPCAT, comprende a cualquier colectividad política organizada que

posea el dominio efectivo de un territorio y, el de UPSAT a cualquier individuo o grupo de

individuos (organizados formal o informalmente), que, sin poseer –ni interesarles- el

dominio efectivo formal de un territorio, intentan para cumplir sus fines, cualesquiera sean

estos, imponer su voluntad a las UPCAT. No importa cuáles sean los fines últimos –

religiosos, filantrópicos, económicos- de un individuo o de un grupo de individuos, si

intentan cumplir los mismos a través de la imposición de su voluntad a todas las UPCAT

presentes en el escenario internacional o a un grupo de ellas, ese individuo o ese grupo de

individuos se convierte, de facto, en un actor de las Relaciones Internacionales.

Así, mientras el concepto UPCAT nos permite abarcar tanto a las ciudades

mesopotámicas de Ur, Lagash, y Uruk, a las polis griegas, al califato islámico, al imperio

incaico, al persa o al romano, como a los actuales estados-nación, el concepto de UPSAT nos

permite incluir, desde los antiguos pueblos nómades, hasta la moderna oligarquía financiera

internacional.

Además, el concepto de UPSAT nos permite contener a organizaciones, e incluso

individuos que –aunque sólo en especiales ocasiones históricas debido a su poder, prestigio

o riqueza- son actores reales, aunque a veces pasen desapercibidos, de la política

internacional, como el Vaticano o la Masonería, la Comisión Trilateral o el Club Bilderberg,

Al Qaeda o la Royal Dutch Shell, George Soros o el Dalái Lama.

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Desde otra perspectiva, puede afirmarse que, en la actualidad, las UPCAT son

actores directos del escenario internacional mientras que las UPSAT, constituyen

fundamentalmente los actores indirectos de dicho escenario.

Los actores indirectos, son los que influencian en el sistema internacional

principalmente. a través de los actores directos, para moldear y organizar el sistema, a fin de

que éste responda a sus intereses, con el objeto de crear un orden favorable a sus fines y

objetivos.

Generalmente, estos actores indirectos, intentan imponer su voluntad a través de

las UPCAT más poderosas, estableciendo con ellas, una alianza estratégica, o cooptando,

directamente, a la clase dirigente de las principales UPCAT para ponerlas totalmente a su

servicio.

Por ejemplo, la oligarquía financiera internacional, como actor indirecto, consolidó,

en 1815, después de la derrota de Napoleón, una sólida alianza con la elite de conducción

del Imperio Británico y luego, al observar el vertiginoso ascenso del poder norteamericano y,

el lento declive del poder británico, buscó rápidamente, en 1911, establecer la alianza con la

clase política estadounidense dado que, los Estados Unidos, ya se perfilaban como el

principal candidato para sustituir a Gran Bretaña, como la principal potencia mundial.

Este tipo de alianza, es de fundamental importancia para las UPSAT y en particular

para el poder financiero internacional, dado que las UPCAT, en el transcurso de la evolución

histórica, lograron monopolizar el uso de la violencia legal y concentrar en sus manos el

poder punitivo consecuente. Resulta evidente que, si bien el poder financiero internacional,

ahora puede operar en el sistema internacional de forma directa, a través de los llamados

“golpes de mercado”, necesita todavía de la alianza con la UPCAT más poderosa para

imponer sanciones y disciplinar, con el uso de la fuerza a aquellas UPCAT díscolas que no

aceptan las reglas de juego económicas que la oligarquía financiera internacional ha logrado

imponer al conjunto de UPCAT, que integran el sistema internacional.

Simplemente, a modo de ejemplo de la importancia de los actores indirectos -

importancia a veces ignorada o menospreciada, por muchos expertos en Relaciones

Internacionales-, conviene recordar la siguiente anécdota: ¿Cuántas divisiones tiene el

Papa?, preguntó con desprecio Stalin en Yalta, durante la reunión de los llamados tres

grandes – Churchill, Roosevelt y Stalin- que, en Crimea, en febrero de 1945 – teniendo

como telón de fondo el antiguo palacio de verano de los zares de Rusia- tenía como objetivo

decidir el destino del mundo.[50] Ciertamente la respuesta se hizo esperar pero, 35 años

después de Yalta, la dirigencia soviética supo que el Papa tenía muchas divisiones, tres

décadas después de que Stalin formulara su pregunta, la dirigencia soviética experimentó,

en carne propia, que el Vaticano era un actor de peso. en el sistema internacional. [51]

8 EL PROBLEMA DE LA DEFINICIÓN

Resulta fácil constatar la existencia de numerosas definiciones muy diversas y

contradictorias entre ellas, en lo que respecta al término Relaciones Internacionales. Por

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otra parte, también podemos comprobar la existencia de muchas posturas antagónicas

sobre cuál es el objeto de estudio de las Relaciones Internacionales. Así, por ejemplo, por

citar sólo algunas de las definiciones más clásicas y relevantes, encontramos que, para Hans

Morgenthau la disciplina de las Relaciones Internacionales – a las cuales él prefiere

denominar como la Ciencia de la Política Internacional – se ocupa de “detectar y entender

las fuerzas que movilizan las relaciones políticas entre las naciones y comprender los modos

por los cuales estas fuerzas actúan entre sí, sobre las relaciones políticas internacionales y

sobre las instituciones”.[52]

Para Morgenthau, la política internacional, como toda política implica, siempre, en

todo espacio y tiempo histórico, “una lucha por el poder[53]”, independientemente de los

fines que persigan los distintos gobernantes de las naciones. Es en tal sentido que afirma:

“No importa cuáles sean los fines últimos de la política internacional: el poder siempre será

el objetivo inmediato. Los estadistas y la gente común pueden proponerse como objetivo

final la búsqueda de la libertad, la seguridad, la prosperidad o el propio poder. Pueden

definir sus propósitos en términos religiosos, filosóficos, económicos o sociales…pueden

tratar de proveer a su realización a través de medios no políticos tales como la cooperación

técnica con otras naciones… Pero apenas intentan cumplir sus metas recurriendo a la política

internacional se ven embarcados en la lucha por el poder. Los cruzados querían libertar los

santos lugares de la dominación infiel; Woodrow Wilson quería que el mundo fuese un lugar

más seguro para las democracias; los nazis querían abrir Europa oriental a la colonización

germana, dominar Europa y conquistar el mundo. Desde el momento en que todos ellos

eligieron el poder para conseguir sus fines, se convirtieron en actores de la escena

internacional.” [54]

Si el realismo político de Hans Morgenthau, considera las Relaciones Internacionales

como política internacional, y, por lo tanto, dentro del ámbito exclusivo de la Ciencia

Política, en la vereda opuesta, George Schwarzenberger define el estudio de las Relaciones

Internacionales como una rama de la Sociología que se ocupa de la Sociedad Internacional:

“El estudio de las relaciones internacionales – afirma Schwarzenberger– es la rama de la

sociología que trata de las sociedad internacional.” [55]

En tal sentido, para Schwarzenberger “El campo de la ciencia de las relaciones

internacionales es la sociedad internacional. Sus temas son la evolución y estructura de la

sociedad internacional; los individuos y grupos que se hallan activa o pasivamente

implicados en este complejo social; los tipos de conducta en el medio internacional; las

fuerzas que dirigen la acción en la esfera internacional y las pautas de las cosas que hayan

de ocurrir en el ámbito internacional.” [56]

Es en ese sentido que Schwarzenberger define a las Relaciones Internacionales

como, “las relaciones entre grupos, entre grupos e individuos y entre individuos que afectan

esencialmente a la sociedad internacional como tal.”[57]

Por otra parte, para Raymond Aron, el más importante representante de la

sociología histórica, las Relaciones Internacionales se caracterizan por ser relaciones entre

unidades políticas que aún se encuentran en estado de naturaleza.

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Para Raymond Aron, que realiza una interpretación sociológica del realismo político,

Las relaciones internacionales son, por definición, la relación entre naciones. Pero en este caso, el término nación…equivale a cualquier colectividad política, territorialmente organizada…Las relaciones internacionales son las relaciones entre unidades políticas, este último concepto abarca las ciudades griegas, el imperio romano o el egipcio, tanto como las monarquías europeas, las repúblicas burguesas o las democracias populares…Las relaciones entre estados, las relaciones propiamente interestatales, constituyen la esencia de las relaciones internacionales (y) las relaciones interestatales presentan un rasgo original que las distingue de todas las otras relaciones sociales (dado que) las relaciones entre estados comportan por esencia, la alternativa de la guerra y de la paz…(las Relaciones Internacionales) se ocupan de las relaciones entre unidades políticas donde cada una reivindica el derecho de hacer justicia por sus propias manos y donde cada una se reserva la decisión de combatir o no combatir. [58]

Casi en la misma línea de pensamiento que Raymond Aron, Pierre Renouvin y Jean-

Baptiste Duroselle, consideran que, “el estudio de las relaciones internacionales se ocupa,

sobre todo, de analizar y de explicar las relaciones entre las comunidades políticas

organizadas dentro de un territorio, es decir entre los estados…por lo tanto es la acción de

los Estados la que se encuentra en el centro de las Relaciones Internacionales.” [59]

Por su parte, Stanley Hoffmann, próximo al pensamiento de Aron, pero

poniendo mayor acento en el plano filosófico-normativo, sostiene que, “la disciplina de las

Relaciones Internacionales se ocupa de los factores y actividades que afectan a la política

exterior y al poder de las unidades básicas en que está dividido el mundo.”[60]

En las antípodas de las definiciones dadas por Aron, Hoffmann, Renouvin y

Duroselle, se encuentra la expuesta por Antonio Truyol y Serra, para quien no es posible

equiparar o identificar a las Relaciones Internacionales, con las relaciones interestatales.

Para Truyol y Serra, las Relaciones Internacionales comprenden todas “aquellas relaciones

entre individuos y colectividades humanas que en su génesis y su eficacia no se agotan en el

seno de una comunidad diferenciada y considerada un todo, que fundamentalmente pero

no exclusivamente, es la comunidad política o Estado, sino que trascienden sus límites.” [61]

Siguiendo con el repaso de las definiciones dadas por algunos de los más

prestigiosos estudiosos de las Relaciones Internacionales, encontramos que, para Charles

Anthony Woodward Manning, el término Relaciones Internacionales “designa a toda

manifestación del comportamiento humano que, naciendo del lado de una frontera, ejerce

una acción sobre el comportamiento humano, del otro lado de esa frontera.”[62]

Para James Rosenau, el concepto de Relaciones Internacionales abarca

una amplia gama de actividades, ideas y bienes que cruzan las fronteras nacionales; es decir las Relaciones Internacionales, comprenden intercambios sociales, culturales, económicos y políticos que se dan tanto en situaciones ad hoc, como en contextos institucionales.[63]

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Para Kal Holsti, el concepto de “Relaciones Internacionales hace referencia a todas

las formas de interacción entre miembros de sociedades separadas, estén o no propiciadas

por un gobierno.”[64]

Para Manuel Medina, el estudio de las Relaciones Internacionales abarca, “las

relaciones sociales y políticas que trascienden del ámbito de las sociedades nacionales. Los

fenómenos de política internacional, y las interacciones económicas, sociales y culturales

entre distintos entes políticos independientes, constituyen el contenido propio de la

disciplina.”[65]

Por otra parte, para Quincy Wright “las Relaciones Internacionales, en cuanto

disciplina que contribuye a la comprensión, predicción, valoración y control de las relaciones

entre los Estados y de la comunidad universal es, al mismo tiempo, una historia, una ciencia,

una filosofía y un arte.”[66]

En el debate que venimos exponiendo, resulta interesante observar la postura de

Philippe Braillard y Mohammad-Reza Djalili, quienes sostienen:

Tradicionalmente, las Relaciones Internacionales fueron consideras como el conjunto de lazos, de relaciones y de contactos que se establecían entre los Estados… (lazos, relaciones y contactos) devinientes de la política exterior de estos últimos…Ahora bien, aunque el Estado conserve todavía un rol central en la vida internacional, sería ilusorio reducir esta última solamente a las relaciones interestatales, particularmente en una época donde numerosos procesos económicos y culturales escapan, en gran medida, a los controles gubernamentales… Las Relaciones Internacionales pueden, entonces, ser definidas como el conjunto de relaciones y comunicaciones susceptibles de tener una dimensión política que se establecen entre grupos sociales y que atraviesan las fronteras. [67]

“En definitiva – sostiene Fulvio Attiná -, las Relaciones Internacionales son,

efectivamente, una ciencia de la política global – es decir, de la política entre Estados y de la

política que va más allá de los Estados – , en tanto que analizan y explican quien decide y

quien obedece, cómo y respecto a qué, en el sistema mundial…quien decide y quien

obedece son Estados , o bien actores no estatales, que desempeñan roles diferentes en el

proceso político – o sea, roles de líder, de desafiante, de secuaz o de gorrón (freerider)” [68]

Entendemos que estas definiciones resultan, en cierta medida, insatisfactorias en

tanto que, las que más se acercan a la comprensión de la sustancia real de las Relaciones

Internacionales, más lejos están de la captación de todos los actores concretos de las

Relaciones Internacionales, mientras que, las que más se acercan en la captación de los

actores, más se alejan de la comprensión de la sustancia real.

Es, por lógica consecuencia, entonces, que creemos necesaria la elaboración de una

nueva definición que, sin violar el sentido común acerca de la esencia y el objeto de la

disciplina, nos dé al mismo tiempo, una idea más precisa de la sustancia real de las

relaciones internacionales y una visión más abarcadora, de los actores que la componen y

animan.

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9 EN BUSCA DE UNA NUEVA DEFINICIÓN

En todas las teorías políticas – hecho que incluye lógicamente a todas las teorías de

las Relaciones Internacionales- subyace, como punto de partida, explícito o implícito, una

determinada concepción del hombre. Toda teoría política está informada por una cierta

antropología filosófica, vale decir por una respuesta sobre el hombre, su origen y fin.

Podemos considerar, sin caer en una simplificación exagerada que las dos teorías

madres de las relaciones internacionales son el realismo y el idealismo.

El realismo encuentra su progenitor en Hobbes y el idealismo, en Locke.

Así, mientras para Hobbes, el hombre es lobo del hombre, para Locke, el hombre es

naturalmente bueno y altruista. Rousseau, dirá luego que el hombre es bueno por

naturaleza y la sociedad lo hace malo. Será, la concepción rousseauniana del hombre el

punto de partida de la teoría marxista y neo marxistas.

En nuestra concepción, el hombre está lejos de ser lobo del hombre pero, tampoco,

es un ser naturalmente bueno y altruista. El hombre, animal sociable por naturaleza, está

siempre tironeado por el mal, aunque sin dejar de ser solicitado por el bien. El hombre, a

través de su inteligencia, puede captar la verdad y, a través de su voluntad, perseguir el bien

por lo que el hombre es perfectible, por la realización del paradigma de las virtudes.

En consecuencia, los males social-políticos y los remedios a esos males, sólo se

esclarecen a la luz de la estructura interna del hombre, de suerte que éste lleva, en su

conducta, el destino de lo social; los males sociales, no acosan al hombre sólo y

principalmente desde afuera, sino que germinan dentro suyo, por el egoísmo que arraiga en

la concupiscencia, y se irradian desde adentro hacia el exterior.[69]

El hombre, animal sociable por naturaleza, solicitado por el bien y dotado por su

inteligencia, para captar la verdad, tiende siempre, no sólo a analizar y descubrir la realidad

social que lo rodea, tal cual es, sino a reflexionar sobre cómo debería ser y, a través de su

voluntad, tiende a la realización del deber ser.

En nuestro criterio, la principal característica inalterable de las relaciones

internacionales, a lo largo de la historia, reside en el hecho de la existencia, en todo

escenario regional o internacional, de una unidad política – o de un grupo de unidades

políticas – que intenta imponer su voluntad a las otras unidades políticas que se ven

obligadas, de esa forma, a optar entre la sumisión (subordinación) o la resistencia

(insubordinación).

Tal es la hipótesis sobre la que reposan, conceptualmente, las relaciones

internacionales. Tal es la sustancia de las Relaciones internacionales.

Es por eso que podemos afirmar que, en la dimensión del ser, el estudio de las

Relaciones Internacionales consiste, en sustancia y principalmente, aunque no

exclusivamente, en el estudio de las relaciones de subordinación e insubordinación entre las

distintas Unidades Políticas Con Asiento Territorial (UPCAT) que conforman el escenario

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internacional y el estudio de las relaciones de subordinación e insubordinación entre éstas y

las Unidades Políticas Sin Asiento Territorial (UPSAT). [70]

Mientras que, en la dimensión del deber ser, el estudio de las Relaciones

Internacionales, consiste en el estudio del pensamiento y las acciones posibles para pasar

de la confrontación, a la solidaridad, es decir en el estudio del pensamiento y las acciones

posibles, para la construcción de una comunidad universal organizada de pueblos.

Y es, justamente, en el plano del deber ser, donde el estudio de las Relaciones

Internacionales encuentra su razón práctica última, su misión trascendente, su razón

metafísica.

10 LA ESENCIA DE LA HISTORIA DE LAS RELACIONES INTERNACIONALES

Como ya afirmásemos, el concepto de UPCAT, abarca desde las ciudades

mesopotámicas a las polis griegas, del imperio romano al imperio chino, del imperio azteca

al imperio inca, de la monarquía saudita a la República Popular China, de la República

Federal Alemana a la Federación Rusa. Mientras que, el concepto de UPSAT, abarca tanto a

los antiguos pueblos nómades como a la oligarquía financiera internacional, a la Masonería o

al Vaticano, a David Rockefeller o a la Madre Teresa de Calcuta.

Así contempladas las Relaciones Internacionales se observa, desde la antigüedad

oriental a nuestros días, el hecho de que esas relaciones se caracterizan primordialmente

por ser relaciones de subordinación, en que se diferencian unidades políticas subordinantes

y unidades políticas subordinadas.

Este hecho lleva a la formación, en cada ecúmene y en cada periodo histórico, de un

sistema en el que la unidad política o las unidades políticas, que intentan imponer su

voluntad, se transforman en unidades políticas subordinantes, las unidades políticas que

logran resistir el intento de imposición de la voluntad en unidades políticas autónomas, las

que no logran resistir la imposición de la voluntad en unidades políticas subordinadas y las

que, luego de haber sido sometidas, intentan recuperar su autonomía, en unidades políticas

rebeldes o insubordinadas.

La historia de las Relaciones Internacionales es, entonces, en sustancia y

principalmente – aunque no exclusivamente- la historia de las políticas llevadas a cabo por

las UPCAT y las UPSAT en la prosecución de sus propios intereses, generalmente, en

conflicto de unas contra otras: de UPCAT contra UPCAT y de las UPSAT contra las UPCAT.

Conflicto, importa precisar, provocado principalmente por:

A) Los sucesivos intentos de las unidades políticas con asiento territorial más

poderosas por alcanzar – subordinando a las otras unidades – la hegemonía regional o

universal y, por la resistencia (insubordinación) que oponen algunas unidades en aras de

mantener su autonomía o recuperarla.

B) Los sucesivos intentos de las unidades políticas sin asiento territorial, más

poderosas, para imponer – subordinando a las UPCAT- sea a sus intereses económicos o a

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sus particulares visiones de cómo organizar la sociedad, el estado y el sistema internacional y

por la resistencia (insubordinación) que oponen algunas unidades a dicho fin.

NOTAS DE FÍN

[2] COMTE, Auguste, citado por BALZACQ, Thierry y RAMEL, Fréderic, Traté de Relacions

Internationales, Paris, Ed. Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 2013, p.

37.

[3] PELTZER, Enrique, Cómo se juega el poder mundial. Teorías de las relaciones políticas

externas, Buenos Aires, Ed. Abaco, 1994, p. 47.

[4] TRIAS, Vivian, Imperialismo y Geopolítica en América Latina, Buenos Aires, Ed. Cimarrón,

1973, p. 7.

[5] BERNAL MEZA, Raúl, América Latina en el mundo. El pensamiento latinoamericano y la

teoría de las relaciones internacionales, Buenos Aires, Ed. Grupo Editor Latinoamericano,

2013.

[6] GULLO, Marcelo, Haya de la Torre: La lucha por la Patria Grande, Remedios de Escalda,

Ed, Universidad Nacional de Lanús, 2013.

[7] GULLO, Marcelo, El pensamiento geopolítico del Papa Francisco, Revista Mundorama,

18/3/2013, El pensamiento geopolítico del Papa Francisco, por Marcelo Gullo.

[8] ATTINÁ, Fulvio, El sistema global, Introducción a las relaciones internacionales, Barcelona,

Ed. Paidós, 2001, p. 19.

[9] PELTZER, Enrique, op. cit, p. 33.

[10] BALZACQ Thierry y RAMEL Frédéric, Traité de Relations Internationales, op.cit., p. 221.

[11] DE MARCO, Miguel Ángel (h), Universidad y política exterior: La formación de expertos y

diplomáticos en la Universidad Nacional del Litoral, sede Rosario, 1920-1968, en RAPOPORT,

Mario (compilador) Historia oral de la política exterior argentina (1930-1966), Buenos Aires,

Ed. Octubre, 2015.

[12] En la década de 1920, Rosario era una ciudad cosmopolita que experimentaba su edad

de oro. La ciudad contaba, por entonces, con 250.730 habitantes y, su crecimiento

demográfico en esos años era superior al de Buenos Aires, Londres, Roma, Nueva York,

Múnich y París. Por la importancia de su puerto y de su Bolsa de Cereales era conocida como

la “Chicago de la República Argentina”. Desde el punto de vista político, la creación de la

Licenciatura y el Doctorado en Diplomacia en la ciudad de Rosario significó un desafío, por

parte de la burguesía mercantil rosarina, a la oligarquía porteña que gozaba del monopolio

de la representación exterior de la República Argentina pues de su seno salían los

embajadores y cónsules que eran nombrados por el poder ejecutivo, que tenía en cuenta

para realizar tales nombramientos, no ya la preparación profesional o intelectual del

nominado, sino su prosapia oligárquica. La pretensión de la burguesía mercantil rosarina era

que los licenciados y doctores en Diplomacia de la FCECP de Rosario fueran, en mérito de

sus estudios universitarios, los únicos profesionales habilitados, para ejercer la función

diplomática.

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[13].“Los científicos de la política –sostiene Hoffmann- interesados por los asuntos

internacionales se han concentrado en la política de la era de posguerra; y cuando se han

dedicado al pasado, con demasiado frecuencia lo han hecho en forma muy resumida, yo

diría en estilo de esbozo colegial, o de la manera denunciada hace ya tiempo por Barrington

Moore Jr., que consiste en alimentar computadoras con datos sacados de su contexto. Esta

es una debilidad muy seria…”. HOFFMANN, Stanley, Jano y Minerva. Ensayos sobre la guerra

y la paz, Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1991, págs. 33 y 34.

[14] HOFFMANN, Stanley, op.cit., págs. 33 y 34.

[15] GONÇALVES, Williams y VALENTE MONTEIRO, Leonardo, “O monopolio das teorías

anglo-saxas no estudo das Relaçoes Internacionais”,

http://seculoxxi.espm.br/index.php/xxi/article/viewFile/107/108, p 56.

[16] Ibíd., p.58.

[17] Ibíd.,p. 58.

[18] Ibíd.,p. 58.

[19] HOFFMANN, Stanley, op.cit., pág., 25.

[20] GROOM, A. J. R., LIGHT, Margot. Contemporary International Relations: A Guide to

Theory. London, Ed. Pinrer, 1994, p. 219.

[21] GONÇALVES , Williams y VALENTE MONTEIRO, Leonardo, op. cit, p 9.

[22]Ibíd, p. 60.

[23] Acerca de los autores latinoamericanos que están intentando una reflexión sobre la

posibilidad y/o necesidad de una teorización latinoamericana de las relaciones

internacionales, Eduardo Devés-Valdés, realizó un interesante relevamiento. Devés, realiza

un análisis de la bibliografía publicada por parte los autores latinoamericanos, desde años

2000, en adelante. Devés ahonda, acerca de los criterios para pensar los asuntos

internacionales-mundiales, particularmente en el ámbito de las relaciones internacionales.

[24] Cabe recordar, sólo a modo de ejemplo, que el profesor Hans Morgenthau (1904 –

1980), tuvo una gran influencia en las administraciones de Franklin D. Roosevelt y la de

Harry Truman. Más tarde, al principio de la Guerra Fría, Morgenthau se convirtió en asesor

del Departamento de Estado y, durante la administración de John F. Kennedy, en 1960, se

convirtió en un asesor directo del presidente. A su vez, el profesor Samuel Huntington

(1927– 2008), Director del Instituto John M. Olin de Estudios Estratégicos de la Universidad

de Harvard, fue asesor del presidente Lyndon B. Johnson y coautor, en 1968, del plan para

bombardear las zonas rurales de Vietnam, como manera de forzar a los partidarios del

Vietcong a desplazarse a las ciudades. Huntington, también fue miembro del Consejo de

Seguridad Nacional de la Casa Blanca, la Presidential Task Force on International

Development, la Commission on the United States-Latin American Relationships y la

Comission on Integrated Long Term Strategy. Durante la administración Carter, Huntington

fue el White House Coordinator of Security Planning for the National Security Council. En

1976, fue corredactor del informe sobre “La Gobernabilidad de las Democracias”, publicado

por la Comisión Trilateral. Por otra parte, el profesor Zbigniew Brzezinski, nacido en Polonia

(1928-2017) y nacionalizado ciudadano norteamericano en 1958, comenzó a participar de la

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cocina del poder cuando, en 1960, fue consultor en materia de política exterior del

candidato presidencial, por entonces senador, John F. Kennedy. Luego se incorporó al

Consejo de Planificación Política del Departamento de Estado y fue uno de los redactores del

discurso “construcción de puentes” pronunciado por el presidente Lyndon Johnson, el 7 de

octubre de 1966. Tras asesorar al Vicepresidente Hubert Humphrey en las elecciones

presidenciales de 1968, fue contratado por el banquero David Rockefeller para ayudarle a

crear una organización que fomentara la cooperación entre EE. UU., Europa, y Japón: la

Comisión Trilateral, de la que Brzezinski sería su primer director. A finales de 1975, la

Comisión Trilateral lo recomendó al entonces gobernador Jimmy Carter, para asesorar a su

campaña presidencial en materia de política exterior. Tras la victoria electoral del candidato

demócrata, el presidente Carter lo nombró su Consejero de Seguridad Nacional (1977-1981)

y, en tal puesto, Brzezinski fue el autor de la estrategia de presionar a Saddam Hussein,

para que atacara a Irán. Por fin hasta poco antes de su muerte, Zbigniew Brzezinski fue

miembro de la junta directiva del Consejo de Relaciones Exteriores, del Consejo Atlántico y

del National Endowment for Democracy así como del Center for Strategic and International

Studies. Para cerrar esta breve nominación de académicos ligados al mundo del poder en los

Estados Unidos nos parece importante destacar que otro importante miembro de la “cocina

del poder” en los Estados Unidos, el profesor Graham Allison, ha estado profundamente

involucrado con la política de defensa de los Estados Unidos desde que trabajó como asesor

y consultor del Pentágono en la década de 1960. Allison ha sido, también, miembro de la

Junta de política de defensa del Secretario de Defensa de los Estados Unidos desde 1985.

Fue asesor especial del Secretario de Defensa entre 1985 y 1987. Asimismo, de 1993 a 1994,

coordinó la política y estrategia de los Estados Unidos hacia la antigua Unión Soviética. En

esta enumeración sólo se citan, a modo de ejemplo, algunos académicos ligados al mundo

de la política efectiva. La lista es mucho más extensa.

[25] BARRIOS, Miguel, Una geopolítica desde A. Latina para romper el imperialismo cultural

de las relaciones internacionales. http://alainet.org/active/73474&lang=es

[26] BARRIOS, Miguel, op.cit.

[27] El concepto de “universal situado” fue acuñado por primera vez por el filósofo argentino

Mario Casalla en su obra “Razón y liberación. Notas para una filosofía latinoamericana”, que

fue publicada en Buenos Aires, en el año 1973. Cuatro años más tarde Casalla formuló el

método de la “lectura culturalmente situada”, en su libro “Crisis de Europa y reconstrucción

del hombre. Un estudio sobre M Heidegger” y realizó una nueva ampliación del mismo es

sus obras “Tecnología y pobreza. La modernización vista en perspectiva latinoamericana”

publicada en 1988 y en “América en el pensamiento de Hegel. Admiración y rechazo”

publicada en 1992.

[28] CHÁVEZ, Fermín, Epistemología para la periferia, Remedios de Escalada, Ed Universidad

Nacional de Lanús, 2012.

[29]. CASALLA, Mario, La filosofía latinoamericana como ejercicio de lo universal situado,

Bahía Blanca, Revista Cuaderno del Sur de la Universidad Nacional del Sur, nº 33, 2004, págs.

59 y 60.

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[30] Ibíd., p. 61.

[31] Ibíd., p. 62.

[32] HOFFMANN, Stanley, op.cit, p. 25.

[33] Entre los intelectuales y políticos árabes que, inspirados en Fichte – quien sostuvo la

existencia de la nación alemana antes de que Alemania lograra su unidad nacional-

afirmaron la existencia de una nación árabe dividida en varios estados, merecen citarse a

Michel Aflaq, (1910-1989), Salah Al-Din Al-Bitar(1912-1980) y Zaki al-Arzuzi (1899-1968).

Entre los intelectuales y políticos que sostienen la existencia de una nación

hispanoamericana, iberoamericana o latinoamericana balcanizada artificialmente luego de la

guerra de independencia de España, se encuentran, entre otros, José Enrique Rodó, Manuel

Ugarte, José Vasconcelos, Gabriela Mistral, Manuel García Calderón, José Ingenieros, Alfredo

Palacios, Salvador Mendieta, Víctor Raúl Haya de la Torre, Juan Domingo Perón, Antenor

Orrego, Joaquín Edwards Bello, Felipe Herrera, Jorge Abelardo Ramos, Hernández Arregui,

Alberto Methol Ferre, Hugo Chávez, Ignacio Tejerino Carreras, Alberto Buela, Mario Casalla,

Miguel Barrios, Pedro Godoy, Andrés Soliz Rada, Gilberto Vasconcelos, Marcelo Gullo

Omodeo y Jorge Bergoglio, el actual Papa Francisco.

[34] Un pormenorizado análisis de la disyuntiva que hemos planteado podemos encontrarlo

en PELTZER, Enrique, op.cit., págs 29 a 32.

[35] PELTZER, Enrique, op.cit., p. 45.

[36]. Ibíd., p 100.

[37].ARON, Raymond, Paix et guerre entre les nations, Ed. Calmann-Lévy, Paris, 1984, p. 17.

[38]. Entendemos y usamos la noción de “categoría” en sentido análogo al expresado tanto

por Aristóteles como por Kant. Digamos al pasar que las categorías permiten al hombre

llegar a conocer el mundo que le rodea, (en nuestro caso el escenario o sistema

internacional) pues el proceso de la cognición de un objeto no es un simple acto mecánico

mediante el cual la realidad se refleja en la conciencia del hombre, sino, un proceso

complejo en virtud del cual el conocimiento de lo singular, de la experiencia, se interpreta

mediante lo general.

[39] BRAILLARD, Philippe y DJALILI, Mohammad-Reza , Les Relations Internationales, Paris,

Ed. Presses Universitaires de France, 1988, p. 30.

[40]. MERLE, Marcial, Sociología de las relaciones internacionales, Ed. Alianza, Madrid, 1978,

p. 341.

[41] BRAILLARD, Philippe y DJALILI, Mohammad-Reza, op. cit. p. 30.

[42]. BARBE, Esther, Relaciones Internacionales, Ed. Tecnos, Madrid, 2007, p 117.

[43]. RUSSETT, Bruce, STARR, Harvey, World Politics. The Menu for Choise, Ed. Freeman and

Company, Nueva York, 1989, p. 65.

[44]. BARBE, Esther, op.cit. , p. 121.

[45]. MERLE, Marcial, op.cit., p 411.

[46] ATTINÁ, Fulvio, op. cit, p. 28.

[47] Immanuel Wallerstein, desarrolló su teoría del sistema mundo en cuatro obras

fundamentales: A world-system perspective on the social sciences. The capitalist world-

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economy, Cambridge, Ed. Cambridge University, 1979. El moderno sistema mundial. La

agricultura capitalista y los orígenes de la economíamundo europea en el siglo XVI, Madrid,

Siglo Veintiuno Editores.1979, Impensar las ciencias sociales, México, Siglo Veintiuno

Editores, 1999. Análisis del sistema mundo. Una introducción, México, Siglo Veintiuno

Editores, 2005.

[48] Uno de los líderes políticos que dejó testimonio en sus libros de que conduciendo el

destino de su nación, tuvo que enfrentarse a actores no estatales que poseían tanto o más

poder que cualquier estado, fue el tres veces presidente constitucional de la República

Argentina, el General Juan Domingo Perón. El General Perón relata en su libro “Del poder al

exilio. Como y quienes me derrocaron”, el rol jugado por la Masonería, en el golpe de estado

que, el 16 de septiembre de 1955, puso a fin a su gobierno e instauró una dictadura militar

autoproclamada “Revolución Libertadora”. PERÓN, Juan Domingo, Del poder al exilio. Cómo

y quienes me derrocaron, Buenos Aires, Ed. Síntesis, 1982.

[49] Probablemente los Sumerios, pueblo nómade de las orillas del Mar Caspio, se

transformaron en sedentarios, en el año 3500 (AC), en la parte sur de la Mesopotamia (

conformada por los ríos Éufrates y Tigris) fundando ciudades independientes entre sí,

gobernadas por un “rey-sacerdote” denominado “patesi”. Ur, fue, en un comienzo, la

principal ciudad de los sumerios que impuso su dominio sobre las otras ciudades. Luego se

impuso Lagash, y a ella le suceden Uruk y Nippur. Hacia el 2300 (AC), bandas nómades de

beduinos semitas – entre los que se destacan los Acadios y los Amorreos- comienzan a

atacar a las prósperas ciudades-estados sumerias. Luego los Amorreos, convirtiéndose al

sedentarismo, fundan a orillas del río Éufrates, la ciudad de Babilonia. Es altamente probable

por ejemplo que el paso del nomadismo al sedentarismo se haya dado en el valle del Río

Amarillo, en China, tanto como en la llanura del río Indo, en India aproximadamente hacia el

año 3000 (AC). En el Asia Menor a orillas del río Halys, los pueblos arios se convirtieron al

sedentarismo alrededor del año 2000 (AC).

[50] Sobre la Conferencia de Yalta ver: CONTE, Arthur, Yalta ou le Partage du Monde, Paris,

Ed. Laffont, 1970.

[51] El 16 de octubre de 1978, el arzobispo de Cracovia, Karol Wojtyla (1920-2005) fue

elegido Papa, tomando el nombre de Juan Pablo II. A partir de ese momento, la Iglesia

polaca participó, activamente, en la organización de un sindicato clandestino como

herramienta de lucha contra el régimen comunista en Polonia. El 3 de junio de 1979, durante

su visita a Polonia, Juan Pablo II pronuncia un discurso en Gniezno, que marcó el inicio de la

caída de la cortina de hierro que entonces dividía a Europa. En 1980, en los astilleros Lenin

de Gdansk, el líder obrero Lech Walesa funda el sindicato clandestino Solidaridad. Juan

Pablo II había ideado una jugada política magistral: desafiar a la URSS -que se presentaba al

mundo como la expresión máxima de la revolución de los trabajadores- con y desde un

movimiento formado exclusivamente por trabajadores. El 2 de julio 1980, el gobierno polaco

anunció aumentos masivos de los precios de los alimentos, hecho que presentó la ocasión

perfecta para el estallido de una huelga general promovida, indirectamente, por la Iglesia

Católica. La amplitud de la revuelta obrera, en la que muy pronto se introdujeron demandas

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políticas, llevó a que el gobierno, finalmente, cediera y firmara un acuerdo con los

representantes obreros permitiendo a los trabajadores el derecho de organizarse

libremente. El Comité de Huelga se transformó en una federación de sindicatos dirigida por

el electricista Lech Walesa. Más de 10 millones de polacos se adhirieron, entonces, al

movimiento Solidaridad. Ante las amenazas soviéticas, el gobierno polaco impuso la ley

marcial y el general Jaruselzski, estableció una dictadura militar prohibiendo al sindicato

Solidaridad y encarcelando a Walesa. En 1988, una nueva oleada de malestar social

desencadenó, una vez más, una serie de huelgas. El gobierno comunista se vio, de nuevo,

obligado a negociar con Walesa y otros líderes sindicales católicos. Solidaridad volvió a la

legalidad y se convocaron elecciones en las que el sindicato, que participaba como coalición

política, obtuvo una abrumadora mayoría. Tadeusz Mazowiecki, compañero de Walesa, fue

nombrado primer ministro de Polonia en 1989. Fue el inicio de la oleada democrática que

puso fin a los gobiernos comunistas en Europa central y oriental en 1989.

[52] MORGENTHAU, Hans, Política entre las naciones. La lucha por el poder y la paz, Grupo

Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1986, p. 27.

[53]Ibid, p. 41.

[54] Ibid., p.41.

[55]SCHWARZENBERGER, Georg. Power Politics: A Study of World Society. Ed. Stevens,

London, 1964, p. 8.

[56] Ibíd., p. 3.

[57] Ibíd., p. 4.

[58] ARON, Raymond, op.cit., pags16 a 20.

[59] RENOUVIN, Pierre y DUROSELLE, Jean-Baptiste, Introduction a l’histoire des relations

internationales, Ed. Armand Colin, Paris, 1991, p. 1,

[60] HOFFMANN, Stanley, Teorías contemporáneas sobre las relaciones internacionales, Ed.

Tecnos, Madrid, 1979, p. 24.

[61]TRUYOL Y SERRA, Antonio, La teoría de las Relaciones Internacionales como sociología

(Introducción al estudio de las Relaciones Internacionales) , Ed. Instituto de Estudios

Políticos, Madrid, 1973, p. 24.

[62]WODWARD MANNING, Charles Anthony, Les sciences sociales dans l’enseignement

supérieur. Relations Internationales, Unesco, París, 1954, p. 12.

[63]ROSENAU, James, International Relations, en J Krieger (comp.).The Oxford Companion to

Politics of the World, Oxford UP, Nueva York, 1993, p. 455.

[64]HOLSTI, Kal, International Politics. A framework for analysis, Ed.Prentice Hall, Englewood

Cliffs, 1992, p. 10.

[65]MEDINA, Manuel, La teoría de las relaciones internacionales, Ed.Seminarios y Ediciones,

Madrid, 1973, p. 25.

[66].WRIGHT, Quincy, The Study of International Relations, Ed. Appleton-Century-Crofts,

Nueva York, 1955, p. 481.

[67] BRAILLARD, Philippe y DJALILI, Mohammad-Reza, op.cit., p. 3.

[68] ATTINÁ, Fulvio, op.cit., p. 29.

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[69] SAMPAY Arturo, Obras escogidas, Remedios de Escalada, Ed. Universidad Nacional de

Lanús, 2013, p. 27.

[70] Nuestra definición no excluye, por cierto, el estudio de los procesos de cooperación y/o

integración.

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RESENHA CRÍTICA

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RESENHA CRÍTICA DO LIVRO “DERECHO PENAL INTERNACIONAL: GENEALOGÍA

DE LOS CRÍMENES INTERNACIONALES MÁS GRAVES”

CRITICAL REVIEW OF THE BOOK "DERECHO PENAL INTERNACIONAL: GENEALOGÍA DE LOS CRÍMENES INTERNACIONALES MÁS GRAVES "

Hanna Luiza Abinader Porto4

Pablo César Rosales Zamora5

LABRIN, José Burneo. Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes

internacionales más graves. Lima/PER: Pontificia Universidad Catolica de Peru, 2017.

Recentemente, foi publicado pela editora da Pontifícia Universidade Católica do

Peru (PUCP) o livro “Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes

internacionales más graves”, escrito pelo professor José Burneo Labrín, doutor em Direito

pela Universidade Católica de Lovaina, tendo estudado pós-graduação em Direitos Humanos

na Universidade Católica de Lyon. Atualmente, desempenha o cargo de professor ordinário

do Departamento de Direito da PUCP, onde leciona os cursos de Direitos Humanos e Direito

Penal Internacional.

O livro aborda o tema de Direito Penal Internacional (DPI) com base na experiência

como docente universitário do autor na matéria. Trata, especificamente, sobre os crimes de

genocídio, lesão à humanidade, crimes de guerra e de agressão, considerados os mais graves

pelo Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional.

A ideia principal da obra é proporcionar uma visão geral sobre o DPI, sobretudo no

Peru – país do autor, por ser uma disciplina relativamente recente no ramo do direito

internacional, surgindo a partir da segunda metade do século XX (BURNEO, 2017, p. 13).

O livro parte de uma extensa introdução sobre os antecedentes e a noção do direito

penal internacional (capítulo I), a estrutura do Estatuto de Roma (capítulo II), com a

indicação de conceitos-chaves para compreensão do tema, como as normas de jus cogens,

anistia e a criação dos tribunais penais internacionais.

Nos capítulos seguintes, passa então a expor detalhadamente, inclusive com o

desenvolvimento histórico, sobre os quatro crimes internacionais mais graves, sendo eles o

genocídio (capítulo III), crimes de lesão à humanidade (capítulo IV), crimes de guerra

(capítulo V) e o crime de agressão (capítulo VI).

A obra é dirigida aos estudantes de Direito, juristas e profissionais da área.Não se

trata, entretanto, de um “livro de ensinamentos”, de onde didaticamente o autor vai

4 Estudante de Direito na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) em intercâmbio na Faculdade de Direito

da Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUC-P). 5 Licenciado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUC-P). Mestre em Ciência Política com

menção em Relações Internacionais da mesma instituição. Assessor jurídico do Ministério de Relações Exteriores do Peru.

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trazendo luz aos temas sem desenvolvê-los. Ao contrário, é uma obra valiosa por sua

complexidade e abrangência de conteúdo, onde o escritor busca discorrer de forma clara,

precisa e embasada suas declarações.

O livro constitui um aporte em direito internacional para academia peruana, posto

que é a primeira obra de um autor peruano como manual introdutório do DPI. Nesse

sentido, deve-se lembrar que muito da literatura em língua espanhola a que se tem acesso

no Peru é de autores colombianos como Ávila Roldán (2015); espanhóis, como Matus (2008);

mexicanos, como Dondé Matute (2012); ou traduzidos, como Ambos (2005), Werle (2011),

Chehtman (2015); sendo escasso o número de obras peruanas, entre os quais destacam as

obras de Delgado Neyra (2016) e Pérez-León Acevedo (2008). Nesse contexto, este livro será

pelos próximos anos uma referência obrigatória nas universidades peruanas, para aqueles

que querem começar com os estudos introdutórios do DPI.

Não obstante, é possível também fazer algumas críticas construtivas ao texto. A

primeira delas é que não se termina de explanar o nome do livro. A genealogia é o estudo

das origens de um determinado assunto. O título que se expressa como “a genealogia dos

crimes internacionais mais graves” não é uma tarefa nova na matéria do DPI. Por exemplo,

essa mesma aproximação é realizada pelo professor Werle (2011) ou Dondé Matute (2012)

para cada crime internacional. Em todo caso, devido ao título, deveria se explicitar na

introdução qual seria a conseqüência metodológica específica de uma aproximação

“genealógica”.

A segunda crítica é relacionada com a falta de uniformidade no tratamento dos

temas. Nesse sentido, seria preferível que o texto considere as contribuições mais recentes

da Comissão do Direito Internacional (CDI) no direito internacional consuetudinário e o ius

cogens e, na área do DPI, os desenvolvimentos sobre o crime de lesão à humanidade[1].

Também se observam alguns tratamentos descontínuos v.gr. na referência nas normas de

ius cogens e as normas convencionais, em quanto tudo poderia, para nossa apreciação, ser

tratado em uma única seção (Cfr. pp. 24-25 e p. 50).

Ademais, o leitor pode perceber que o autor enfatiza mais o desenvolvimento de

alguns capítulos em detrimento a outros, transparecendo a quem o lê, por momentos, que a

obra é mais um reflexo de sua apreciação pessoal do que sobre DPI.

A continuação, nós queremos proferir alguns comentários gerais sobre cada

capítulo do livro. No primeiro capítulo, a seção sobre tribunais internacionais (BURNEO,

2017, p. 39-49) resulta, em nossa opinião incompleta[2]. Por outra parte, a seção sobre a

anistia, que é baseada na tese de mestrado do autor, é extensa e repete temas tratados em

outras seções do livro (BURNEO, 2017, p. 63-99).

O segundo capítulo, por sua vez, embora didático, também se observa que por

momentos, o texto se torna meramente descritivo sem que haja uma adição da apreciação

do autor.

O terceiro capítulo referente ao genocídio resulta muito interessante quando faz

uma apresentação completa da jurisprudência da Corte Internacional de Justiça na matéria

(BURNEO, 2017, p. 151 – 161), mas tivesse sido necessário, ademais de analisar o problema

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do genocídio político (BURNEO, 2017, p. 161 – 180), o tópico do genocídio cultural, que tem

despertado a interesse da comunidade acadêmica (NOVIC, 2016).

Tanto para este capítulo três como para o seguinte, teria sido interessante também

empregar mais citações de jurisprudência dos tribunais penais internacionais ad hoc.

Por outro lado, para o quarto capítulo sobre crime de lesão à humanidade, seria

interessante uma maior reflexão sobre a conexão entre os tribunais regionais de direitos

humanos e a noção do crime de lesão à humanidade (BURNEO, 2017, p.220-221, 263-266).

A respeito do quinto capítulo, sobre crimes de guerra, não há uma genealogia

abrangente sobre esse crime, e tampouco se utiliza a jurisprudência da Corte Penal

Internacional – por isso, achamos que não trata sobre os crimes contra os bens culturais-[3].

Por fim, o capítulo sobre o crime de agressão demonstra descontinuidade com os

outros capítulos específicos sobre crimes internacionais, uma vez que realiza uma

“genealogia” ao abordar a importância do crime no Estatuto de Roma. Por último, achamos

que para uma próxima edição do livro deve ser escrito um capítulo conclusivo que analise o

futuro do DPI.

Outra crítica a se considerar versa especificamente sobre a bibliografia do texto que

não considera muitas das contribuições recentes do DPI. Deve-se apreciar que esteramo do

direito internacional público tem um desenvolvimento recente: a Corte Penal Internacional

emitiu sua primeira sentença em 2012, e logo após esse tempo a produção na matéria do

DPI chamou a atenção dos especialistas. Lamentavelmente o livro omite, por exemplo,

aportes acadêmicos essenciais de caráter geral, como o “Cassese’s International Criminal

Law” (Cassese, Gaeta: 2013) ou “Introduction to International Criminal Law” (Bassiouni:

2013); ou de caráter específico, como o grande livro “Genocide in International Law: The

Crime of Crimes” (Schabas: 2009).

Unido à falta de mais bibliografia especializada, achamos também importante a

atualização de conteúdos. Por exemplo, quando se fala sobre os tribunais criados pelo

Conselho de Segurança (BURNEO, 2017, p. 34, 48, 86 – 87, 106) não se faz referência ao

“Mecanismo para os Tribunais Penais Internacionais” que supõe a continuação do Tribunal

Penal para a Antiga Yugoslávia ou Tribunal Penal para Ruanda.

Também resulta importante ressaltar que, para uma próxima edição, se

recomendaria indicar apenas uma quantidade aproximada dos Estados partes do Estatuto de

Roma, visto que este é um fato sujeito a possíveis mudanças (BURNEO, 2017, p.102)

Estes defeitos também não devem ser escusas para destacar algumas virtudes do

livro. Em primeiro lugar, a redação utiliza uma linguagem compreensível e tem uma boa

estrutura, proporcionando ao leitor clareza para identificar rapidamente o alcance da análise

preterida (BURNEO,2017, p. 7-12).

Outrossim, o texto utiliza muitas citações interessantes que têm sido traduzidas,

fazendo-o com que seja mais acessível aos estudantes. Por outra parte, observam-se muitas

alusões à legislação peruana (BURNEO, 2017, p. 31, 60 – 62,180, 267-268, 274-276),à

jurisprudência de nossos tribunais (BURNEO, 2017, p. 239 – 252) e à Comissão da Verdade e

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Reconciliação (BURNEO, 2017, p. 302-303), o qual resulta importante para demonstrar que o

DPI e o direito internacional público têm aplicabilidade real.

Por derradeiro, destaca-se a vontade significativa do autor ao buscar contribuir

como crescimento da doutrina nacional em direito penal internacional. Com isso,

acreditamos que os erros identificados podem ser melhorados numa seguinte edição do

livro, que seguramente cobrirá nossas expectativas como público leitor.

NOTAS DE FIM

[1] Pode-se indagar sobre o trabalho da CDI a partir do relatório da 69° sessão (2017).

Disponível em: <http://legal.un.org/ilc/reports/2017/>

[2] Veja-se em comparação a obra de Merrills “International Dispute Settlement” (2017).

[3] Veja-se o caso Al-Mahdi. Disponível em: <https://www.icc-cpi.int/mali/al-mahdi>

REFERÊNCIAS

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dogmática, Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2005.

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más graves, Lima: Fondo Editorial PUCP, 2017.

CASSESE, Antonio; GAETA, Paola. Cassese’s International Criminal Law, 3ra. Ed., Oxford:

Oxford University Press, 2013.

CHEHTMAN, Alejandro (Ed.). Problemas estructurales de Derecho Penal internacional,

Madrid: Marcial Pons, 2015.

DELGADO NEYRA, Paulo César. Crímenes Internacionales: Implementación del Estatuto de

Roma al Código Penal Peruano. Lima: Motivensa, 2016.

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Editores, 2012.

LABRIN, José Burneo. Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes

internacionales más graves. Lima/PER: Pontificia Universidad Catolica de Peru, 2017.

MATUS, Jean Pierre. La transformación de la teoría del delito en el derecho penal

internacional, Barcelona: Atelier, 2008.

MERRILLS, J. G. International Dispute Settlement, 6° Ed., Cambridge: Cambridge University

Press, 2017.

NOVIC, Elisa. The Concept of Cultural Genocide, Oxford: Oxford University Press, 2016.

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PÉREZ-LEÓN ACEVEDO, Juan Pablo. La responsabilidad internacional del individuo por

crímenes de guerra, Lima: Ara, 2008.

WERLE, Gerhard. Tratado de derecho penal internacional, 2° Ed., Madrid: Tirant lo blanch,

2011.

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Dossiê “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”

Prof. Dr. Luis Alexandre Carta Winter (PUC-PR)

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Dossiê “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”

Prof. Dr. Luis Alexandre Carta Winter (PUC-PR)6

Coordenação

EMENTA

“Podemos mudar o Mundo, acabando com a pobreza, fome, promovendo o

bem estar, assegurando um a educação de qualidade, gestão sustentável, água

e saneamento para todos, energia elétrica, crescimento econômico sustentado,

pleno emprego, infraestruturas inovadoras e sustentáveis, reduzir a

desigualdade, tornar as cidades e assentamentos sustentáveis e seguros,

estabelecer padrões de produção e consumos sustentáveis, combater a

mudança climática, e seus impactos, conservar oceanos, mares e suas riquezas,

recuperar o ecossistemas, combater a desertificação e degradação da terra,

promover sociedades pacíficas, responsáveis e inclusivas, implementar e

revitalizar parcerias globais para o desenvolvimento sustentável; estes são, os

17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Eles externam um esforço

conjunto das Nações Unidas, trabalhando com governos, sociedade civil e

outros para criar medidas efetivas, para além do discurso, pautados em ações

pró-ativas. O desafio do autores aqui, é retratarem o que está sendo feito. Que

os impulsos gerados por essa gigantesca mobilização redundem em boas

práticas e na conscientização que se nada for feito, Gaia morre!”.

6 Possui Graduação em Direito na Universidade Federal do Paraná (1984), Especialização em Filosofia da

Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1988), Mestrado em Integração Latino - Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (2001) e Doutorado em Integração da América Latina pelo USP/PROLAM (2008). Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná na graduação (onde foi Coordenador entre 1987 a 1989), na pós lato sensu onde coordena a especialização em Direito, logística e negócios internacionais, e no strito sensu, no mestrado e doutorado, e da Unicuritiba, no Curso de Relações Internacionais, na graduação e na pós. Ex-professor titular e ex-Coordenador "(2005-2010) do Curso de Direito da Faculdade Internacional de Curitiba. Advogado militante desde 1984 e consultor jurídico, atuando principalmente nos seguintes temas e áreas: contratos; integração regional; Mercosul; relações internacionais; direito marítimo;direitos humanos;direito humanitário; legislação aduaneira; direito internacional econômico e direito internacional.Coordenador do NEADI (www.neadi.com.br). Membro de Centro de Letras do Paraná e do Instituto de Advogados do Paraná.

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OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DIREITO À INFORMAÇÃO E

INCLUSÃO DIGITAL (ODS 4)

SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS: THE RIGHT TO INFORMATION AND

DIGITAL INCLUSION (SDG 4)

Alan José de Oliveira Teixeira7

Resumo: O advento das tecnologias de informação e comunicação proporcionou a

ampliação dos ambientes de interação social, especialmente no que se refere à educação e à

cidadania. Redes sociais, websites, tecnologias de multimídia, dentre outras inovações

informáticas, tornaram mais acessíveis a informação, a participação cidadã e a educação

fundamental. Todavia, concomitante às facilidades informáticas surge um fenômeno social:

a exclusão digital. Assim, o presente artigo científico tenciona-se a analisar o fenômeno da

exclusão digital tendo em conta o movimento oposto, qual seja, a inclusão digital. Além

disso, os estudos se desenvolveram frente à dignidade humana e ao objetivo de

desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, que prevê a educação inclusiva. Para o

desenvolvimento do presente trabalho utilizou-se de bibliografia especializada, textos

jurídico-normativos, assim como dados estatísticos. Averiguou-se a necessidade de

aprimoramento das principais políticas públicas hoje utilizadas e do reconhecimento da

inclusão digital como direito fundamental, com o escopo de proporcionar a maximização da

cidadania e promover uma educação de qualidade.

Palavras-chave: Inclusão digital; Educação digital; Dignidade humana; Direito à informação.

Abstract: The advent of information and communication technologies has provided a

broadening of social interaction environments, especially in education and citizenship. Social

networks, websites, multimedia technologies, among other informatics innovations, have

made information, citizen participation and fundamental education more accessible.

However, concomitant with computer facilities, there is a social phenomenon: digital

exclusion. Therefore, the present scientific article intends to analyze the phenomenon of

digital exclusion considering the opposite movement, the digital inclusion. In addition,

studies have developed in the face of human dignity and the United Nation’s goal of

sustainable development, which provides for inclusive education. For the development of

the present work we used specialized bibliography, legal-normative texts, as well as

statistical data. The need to improve the main public policies used today and the recognition

of digital inclusion as a fundamental right, with the aim of maximizing citizenship and

promoting a quality education, was investigated.

7 Graduando em Direito no Centro Universitário de Curitiba (UniCuritiba). Pesquisador do projeto do grupo de

pesquisa: “Agenda Global 2030: transnacionalização e novos direitos sociais na perspectiva constitucional brasileira”, no UniCuritiba.

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Keywords: Digital inclusion; Digital education; Human dignity; Right to information.

1 INTRODUÇÃO

Observa-se, na contemporaneidade, um intensivo processo de informatização no

Brasil e no mundo. Serviços públicos são prestados via web, as redes sociais ocupam

significativo espaço na vida social dos indivíduos, o que torna inevitável a necessidade de

adaptação do cidadão às novas tecnologias de informação e comunicação. Nessa

perspectiva, surge o fenômeno social da exclusão digital, que reacende o debate da inclusão

digital e políticas públicas sobre a temática, que é de interesse geral.

As escolas públicas brasileira são desprovidas de infraestrutura que proporcione o

estudo e o acesso, pelos alunos e professores, às novas tecnologias informáticas. Assim,

surgem programas sociais, que apesar dos legítimos objetivos iniciais, mostram-se

insuficientes para suprir o problema da exclusão digital, que acarreta em diversas

desigualdades na sociedade.

Nesta toada, o presente texto pretende investigar como mitigar os efeitos da

exclusão digital, analisando a inclusão digital e respectivas políticas públicas implementadas

até o momento no Brasil, como o processo de informatização ocorre com relação ao acesso

à informação, bem como a possibilidade de adotar a inclusão digital como direito, a fim de

que possa ser frontalmente exigido na ordem jurídica nacional. Além disso, a presente

pesquisa desenvolve-se à luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização

das Nações Unidas, enfatizando-se o Objetivo 4, a educação inclusiva.

2 DIREITO À INFORMAÇÃO NO BRASIL

Preliminarmente, faz-se necessária a distinção entre o direito à informação no

âmbito público e o direito à informação no âmbito privado. O direito à informação no

âmbito público pode ser entendido como aquele disciplinado pela lei nº 12.527/11, que visa

dispor, principalmente, sobre o acesso à informação na Administração Pública, portanto,

regulamenta o inciso XXXIII, do art. 5º, da Constituição da República.

É, por exemplo, a possibilidade de o cidadão observar a atividade da Administração

Pública e peticionar junto aos órgãos públicos, solicitando informações (MELLO, 2008, p.

114). O direito à informação no âmbito privado perfaz-se na boa-fé (GOMES, 2008, p. 45),

que segundo o art. 113, do Código Civil de 2002, deve permear os negócios jurídicos, o que

abrange as relações negociais, contratuais etc.

A Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), em seu art. 4º, incisos III e IV,

também prevê a boa-fé e a necessidade de plena informação entre as partes envolvidas no

negócio jurídico. Ademais, o acesso à informação possui previsão genérica no art. 5º, inciso

XIV, da Constituição vigente, que se limita a resguardar o sigilo da fonte e, solenemente,

garantir a todos o acesso à informação.

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Todavia, o direito à informação no Brasil está imerso em um ordenamento jurídico

que pretende consubstanciar os direitos dos indivíduos, de modo a alcançar a cidadania

plena. Por conseguinte, a mera previsão legal sem o efetivo acesso à informação primária

não cumpre com o escopo da ordem jurídica brasileira.

Hoje, a informação é fundamentalmente digital, o que enseja a inclusão dos

digitalmente excluídos, pois, de outra forma, sua cidadania seria negligenciada. Com o

advento da Lei Complementar nº 131/09, os portais da transparência foram criados, a fim de

disponibilizar, para os cidadãos, o acesso às informações de gestão pública. Os diários

oficiais dos governos permitem a visualização das leis e normativas do poder público. Há

apenas um detalhe: essa informação é digital e, portanto, nesse caso, disponibilizada na

internet.

2.1 Conceito

Existem diferentes acepções doutrinárias acerca do direito à informação, dentre

elas, a desenvolvida pelo professor José Afonso da Silva (2014, p. 262-263), que subdivide

esse instituto jurídico em: liberdade de informar, remetendo-se à comunicação; e às

informações prestadas pelo poder público. In verbis:

No capítulo da comunicação (arts. 220 a 224), preordena a liberdade de informar

completada com a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV). No mesmo art. 5º,

XIV e XXXIII, já temos a dimensão coletiva do direito à informação. O primeiro declara

assegurado a todos o acesso à informação. E o interesse geral contraposto ao interesse

individual da manifestação de opinião, ideias e pensamento, veiculados pelos meios de

comunicação social. Daí por que a liberdade de informação deixara de ser mera função

individual para tornar-se função social.

O constitucionalista, como exposto, concebe que o direito à informação resta

pontualmente previsto na Lei Maior. Nessa passagem, ressalta o direito à informação como

direito individual. Abaixo, o professor expõe o que seria esse direito face ao poder público,

expressando o caráter coletivo deste:

O outro dispositivo trata de direito à informação mais específico, quando estatui

que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular,

coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,

ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Aí,

como se vê do enunciado, amalgamam-se interesses particulares, coletivos e gerais, donde

se tem que não se trata de mero direito individual (SILVA, 2014, p. 262-263).

Em obra de direito comparado, Toby Mendel (2009, p. 162) também doutrina sobre

o direito à informação. Na análise a que se prestou, esse estudioso reafirma o acesso à

informação como integrante do direito ora em estudo, pressupõe este como um direito

humano, além de acrescentar o aspecto da liberdade de expressão:

Estes benefícios utilitaristas do direito à informação são reconhecidos desde de,

pelo menos, 1776, quando o conceito encontrou reconhecimento legislativo pela primeira

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vez na Suécia. De origem bem mais recente, contudo, é o reconhecimento do direito à

informação como um direito humano fundamental, um aspecto do direito de liberdade de

expressão que, ao amparo do direito internacional, garante não apenas o direito de

transmitir, mas também de buscar e receber informações e ideias.

Marise Baesso Tristão e Christina Ferrar Musse (2013, p. 45), consoante às teorias

supramencionadas, afirmam que o direito à informação “[…] se refere à liberdade de ser

informado e também de informar, ou seja, de se expressar.”

Assim, a informação como direito fundamental é uma construção histórica, possui

previsão constitucional e infraconstitucional expressa, em termos de Brasil e, ainda, é

máxima pacífica perante os juristas nacionais. Paulo Bonavides (2004, p. 571), inclusive,

aprofunda-se na classificação do instituto, e percebe o direito à informação como um direito

de quarta geração.

Conforme abordado no item antecedente, a informação, na atual conjuntura social,

é principalmente digital. Isso ocorre tanto por questões de facilidade do compartilhamento

de dados e de comunicação à distância, quanto por necessidades profissionais e

educacionais, devidamente proporcionadas pelo desenvolvimento científico e tecnológico. É

nesse contexto que a inclusão e educação daqueles desprovidos de informação digital torna-

se uma exigência e um direito social do cidadão brasileiro.

2.2 Inclusão e acesso à informação digital

O acesso à informação digital, embora componente da inclusão digital, não implica

necessariamente na inclusão dos usuários das Tecnologias de Informação e Comunicação

(TIC). Existem outros fatores conducentes à inclusão.

É, por exemplo, a capacidade que teria um indivíduo de utilizar as TICs

conscientemente, criticamente e com responsabilidade, o que engloba habilitação e

conhecimento (WARSCHAUER apud GONÇALVES, 2008, p. 28).

Igualmente plausível é sustentar que a inclusão e, ainda, em contraponto a esta

última, a exclusão (digital) existe além da ideia de dentro e fora, mas abrange todo o

complexo envoltório do sujeito, suas particularidades culturais, linguísticas, com o escopo de

atenuar a desigualdade (BUZATO, 2008, p. 326). Nesta toada, como ensina Victor Gonçalves

(2011, p. 58), “A inclusão digital para índios mexicanos é diferente para o homem que vive

na periferia de São Paulo.”

Pierre Lévy (1993, p. 196), originariamente, disserta a respeito:

Devemos antes entender um acesso a todos aos processos de inteligência coletiva, quer dizer, ao ciberespaço como sistema aberto de autocartografia dinâmica do real, de expressão das singularidades, de elaboração dos problemas, de confecção do laço social pela aprendizagem recíproca, e de livre navegação nos saberes. A perspectiva aqui traçada não incita de forma alguma a deixar o território para perder-se no “virtual”, nem a que um deles “imite” o outro, mas antes a utilizar o virtual para habitar ainda melhor o território, para tornar-se seu cidadão por inteiro.”

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A partir de dados do IBGE analisados pela TELECO, em que se buscou aferir a

quantidade de usuários de internet no Brasil, é possível afirmar que, embora existam

milhares de cidadãos com acesso à internet, também existem milhares sem esse acesso.

A título de exemplificação, em 2015, 57,5% da população foi considerada usuária

dos serviços de internet (TELECO, 2015), ao passo que a população que se enquadra no

percentual restante não é considerada usuária desses serviços. Isso sem ter em conta que a

terminologia “usuário” não abarca a concepção de inclusão digital.

Além disso, neste seguimento, de acordo com o Índice de Oportunidade Digital mais

recente da União Internacional de Telecomunicação (2007), o Brasil ainda não consta no rol

de países cuja a oportunidade digital é satisfatória. Esse índice mede os seguintes aspectos:

acessibilidade às TIC a preços acessíveis, residências equipadas com dispositivos TIC,

cidadãos com dispositivos móveis TIC e, por fim, o uso de banda larga.

O Brasil, depois de sofrer quedas no ranking de TI do Fórum Econômico Mundial em

2014 (WORLD ECONOMIC FORUM, 2017), voltou a subir no ranking, em 2016, apesar de

manter determinadas áreas estagnadas e cair em outras (WORLD ECONOMIC FORUM, 2017,

p. 44).

Em uma análise cuidadosa dos dados supracitados é possível afirmar que, apesar de

melhor posicionado no ranking de TI do Fórum Econômico Mundial em 2016, não houve, em

qualquer cenário, progresso. O ocorrido se deu em virtude de piora nos índices dos demais

países estudados, e não em resultados positivos das políticas públicas adotadas pelo Brasil.

Houve, certamente, um aumento no número de usuários, como é a tendência

mundial. Todavia, as políticas públicas, a infraestrutura, a regulamentação, etc., em âmbito

nacional, ainda são passíveis de questionamento.

Destarte, inclusão e acesso à informação digital são interdependentes entre si,

sendo plenamente constatável que a inexistência de um faz com que o outro pereça.

Constatável porquanto o indivíduo, em dimensões nacionais e internacionais, mal tem o

acesso às tecnologias de informação e comunicação, o que se dirá de ter o uso consciente e

crítico, que advêm de uma educação e cultura a serem construídas e orientadas na

informatividade?

2.3 Cidadania no meio digital

A cidadania, historicamente, foi concebida de maneiras diversas nas diferentes

sociedades. No ocidente, as cidades-estados gregas, no geral, a título de ilustração, Atenas,

restringia a cidadania aos homens, nascidos atenienses e maiores de dezoito anos.

Em dimensões ocidentais, o conceito de cidadania foi se tornando mais amplo,

especialmente com a Revolução Francesa de 1789, embora ainda restrito aos homens e, em

algumas sociedades, à condição socioeconômica. Contemporânea e sociologicamente,

Marshall concebe a cidadania como status, instituição e igualdade em direitos e obrigações

(MARSHALL, 1967, p. 76).

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Hoje, a cidadania é mais ampla e democrática, sendo direito social, como assevera

Nelson Dacio Tomazi (2010, p. 139):

Ser cidadão é ter a garantia de todos os direitos civis, políticos e sociais que asseguram a possibilidade de uma vida plena. Esses direitos não foram conferidos, mas exigidos, integrados e assumidos pelas leis, pelas autoridades e pela população em geral. A cidadania também não é dada, mas construída em um processo de organização, participação e intervenção social de indivíduos ou de grupos sociais. Só na constante vigilância dos atos cotidianos o cidadão pode apropriar-se desses direitos, fazendo-os valer de fato. Se não houver essa exigência, eles ficarão no papel.

No Brasil, a cidadania é constitucionalmente assegurada a ponto de a Carta Magna

ser apelidada de Constituição Cidadã. Sufrágio universal (art. 14, caput), publicidade nos atos

da Administração Pública (art. 37, caput), acesso à informação (art. 5º, XIV e LXXII), dentre

outros direitos constitucionalmente previstos, explicitam o caráter cidadão da Constituição.

Todavia, percebe-se uma tendência à informatização não apenas das comunicações

e relações sociais (GONÇALVES, 2011, p. 62), por meio das redes sociais e páginas da web,

mas dos próprios serviços e informações públicas. Isso amplia a esfera da cidadania, que

hoje não se cumpre desvinculada, mas interligada às redes informáticas e às TIC.

A Imprensa Nacional oficial, que por intermédio do Diário Oficial da União publica a

legislação federal, decretos da presidência da república, normativas e atos relativos ao

interesse nacional, etc., é plenamente informatizada.

Como a redação do art. 3º da LINDB[2] se efetivaria sem a disponibilização pública

da lei? O meio mais eficaz de se concretizar isso é a internet. Mediante a internet é possível

não apenas disponibilizar a legislação, mas vincular as legislações que sejam correlatas.

Os portais da transparência, em especial, o Portal da Transparência do Governo

Federal, são totalmente imersos na web. O fim último da transparência é evitar a alienação

do cidadão alimentando a internet com informações públicas sobre a execução

orçamentária.

Alguns Institutos de Identificação, órgãos geralmente vinculados às secretarias de

segurança pública dos estados, como no Paraná, possibilitam o agendamento prévio do

atendimento, via internet.

Esses foram alguns exemplos de como o meio digital é parte da cidadania brasileira

na atualidade, o que enseja a inclusão digital. Não obstante o acesso às TIC seja

imprescindível, o uso despreparado não permite o verdadeiro exercício da cidadania – é

necessária a educação digital de jovens e adultos.

3 EDUCAÇÃO DIGITAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

No plano jurídico, a educação é um direito social e, portanto, um direito humano

fundamental.[3] Além disso, é dever do Estado e da família, “[…] visando ao pleno

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desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação

para o trabalho”.[4] Em sentido abrangente, ainda, a educação

[…] deve ter um espectro amplo, desenvolvendo o ser humano em todas as suas facetas, efetivamente o preparando para a vida social, a familiar, para o trabalho e, de modo especial, para o exercício da cidadania. Nesse sentido, relevante se mostram ainda, a educação ambiental, a educação inclusiva, a educação do consumidor, que se inserem no contexto da vida moderna como uma exigência, com a consciência dos indivíduos sobre a busca constante de desenvolvimento econômico-social, sem deixar de proteger o meio-ambiente, sem deixar de enxergar as pessoas diferentes por qualquer razão, como iguais detentores de direitos etc. Ensinar isso hoje é garantir o sucesso das futuras gerações, pois a humanidade deve se desenvolver respeitando valores que nos são caros (JÚNIOR, 2009, p. 107).

Não obstante, o presente texto pretende tratar da educação (digital) promovida na

seara do ensino fundamental e médio – o que abarca a educação de jovens e adultos – nas

escolas públicas brasileiras, tendo em vista o propósito teórico de educação inclusiva,

considerando, ainda, que a educação digital ressignifica a função da tecnologia na vida

humana, proporcionando mudanças sociais no cotidiano escolar (PACHECO, 2011, p. 45).

Nesse prisma, Márcia Arantes Buiatti Pacheco (2011, p. 130) entende que a educação digital

[…] compreende a apreensão do discurso da tecnologia, não apenas no domínio operacional da máquina, e não somente na qualificação do sujeito para o mundo do trabalho, mas também na competência de o mesmo julgar a importância da tecnologia digital e suas finalidades relacionadas a uma perspectiva de inclusão/alfabetização digital, de políticas públicas e também de construção e cidadania.

Assim, a educação digital perfaz-se no complexo de políticas públicas, educação

básica e cidadania. O modo de efetivar a cidadania, especialmente com as novas tecnologias,

pode se ampliar e incluir muitas populações.

Todavia, a educação mostra-se o caminho mais sólido para isso, o que se maximiza

por meio de políticas públicas. As políticas públicas são prestações positivas do Estado,

sendo política pública “[…] a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou

através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. ” (PETERS apud SOUZA, 2006,

p. 24).

Nota-se que as políticas públicas voltadas para a educação e inclusão digital, até

hoje, visam associar as tecnologias digitais às práticas pedagógicas, bem como promover o

acesso às TIC (PALÚ, 2016, p. 20). Nesse passo, faz-se necessário inquirir as principais

políticas públicas que se destinam à educação digital, dentre elas, o ProInfo.

O Programa Nacional de Tecnologias na Educação (ProInfo), foi instituído em 1997,

por intermédio da Portaria n° 522 do Ministério da Educação e do Desporto. Como consta do

art. 1º da referida normativa, a finalidade era de “[…] disseminar o uso pedagógico das

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tecnologias de informática e telecomunicações nas escolas públicas de ensino fundamental e

médio pertencentes às redes estadual e municipal.” (BRASIL, 1997).

Em 2007, o Programa passou a ser denominado Programa Nacional de Tecnologia

Educacional, dessa vez “[…] sendo redefinido como um programa educacional que busca

promover o uso pedagógico da informática na rede pública de educação básica. ” (BASNIAK,

2016, p. 202). Da página oficial do Ministério da Educação extrai-se a composição do

programa em comento:

O MEC desenvolve, por meio do Proinfo Integrado, cursos de formação voltados

para o uso didático-pedagógico das tecnologias da informação e comunicação (TIC) no

cotidiano escolar. A oferta de cursos está articulada à distribuição de equipamentos

tecnológicos nas escolas e de conteúdos e recursos multimídia e digitais no Portal do

Professor, na TV Escola, no projeto DVD Escola, no portal Domínio Público e no Banco

Internacional de Objetos Educacionais (FILIZOLA, 2013).

Todavia, os entes federativos, os Estados, Municípios e Distrito Federal, partícipes,

devem assegurar a estrutura adequada aos moldes do Programa; além disso, exige-se

turmas com, no mínimo, 30 (trinta) alunos matriculados, as escolas não devem possuir

laboratório de informática e precisam ter energia elétrica (BASNIAK, 2016).

Nesse ponto, pode residir um obstáculo: se, nos mais favoráveis cenários, existem

escolas desprovidas de infraestrutura elétrica, como é que se cogita dispensá-las de

programas de aprimoramento e modernização por meio da educação digital? Além de

implicar na exclusão de algumas escolas, esse critério torna ainda mais destoante a realidade

das escolas públicas no Brasil.

Com relação ao segundo critério, o critério da inexistência de laboratórios, registre-

se que mesmo em instituições de ensino que, penosamente, se têm computadores, ou estes

são absurdamente antigos, ou os alunos ainda se revezam entre o mouse e o teclado.

As escolas são selecionadas através de dados do Censo Escolar e do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), sendo priorizada as que tiveram IDEB abaixo de

2 (BASNIAK, 2016). Um critério coerente, pois visa a igualdade simples.

Com a implementação do Programa nas escolas selecionadas, além da implantação,

nos computadores, do sistema operacional Linux Ubuntu, espera-se que os laboratórios do

ProInfo sejam de dois formatos:

ProInfo Urbano (composto por: 1 servidor de rede, 15 estações para o laboratório

de informática, 2 estações para área administrativa, monitores LCD, 1 roteador wireless, 1

impressora a laser) e Rural (composto por: 1 servidor, 4 estações, monitores LCD, 1

impressora a jato de tinta). As estações consistem em multiterminais, uma tecnologia

desenvolvida pela Universidade Federal do Paraná que consiste em ligar vários monitores,

teclados e mouses em um único terminal (BASNIAK, 2016, p. 202).

Conforme sobredito, em 2007 o ProInfo sofreu implementações, dentre elas a

instituição do ProInfo integrado, cujo propósito foi a “[…] formação voltada para o uso

didático-peda­gógico das tecnologias da informação e comunicação no cotidiano escolar”

(BASNIAK, 2016, p. 203).

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Outra implementação foi o Programa Um Computador por Aluno (PROUCA), que foi

pré-implantado em 2007, sendo finalmente criado pela Lei n° 12.249/2010, disciplinado a

partir do art. 6º dessa lei. Consta do art. 7º da mencionada lei os objetivos do programa,

dentre os quais, a promoção da inclusão digital nas escolas públicas mediante a aquisição de

aparelhos informatizados. [5]

Maria Ivete Basniak e Maria Tereza Carneiro Soares, em recente trabalho cientifico,

realizaram um levantamento de teses e dissertações publicadas nos últimos 12 (doze) anos,

com o escopo de analisar os efeitos do ProInfo.

Das conclusões as quais chegaram, extrai-se que: (1) os recursos tecnológicos não

são tratados como instrumentos de ensino, prevalecendo o caráter instrucionalista das

aulas, sem aproveitar as potencialidades que as tecnologias podem proporcionar ao ensino;

(2) há morosidade na implementação do ProInfo e da disponibilização da infraestrutura

prevista; (3) a disponibilização de equipamentos não garante a qualidade da educação; (4)

existem interesses econômicos por detrás das políticas do programa; (5) é necessária a

formação continuada do professor, além de aprimoramento na qualificação daqueles que se

destinam a qualificar o educador (BASNIAK, 2016). Sobre essa última máxima, escrevem:

Há necessidade de que as políticas de formação de professores e de tecnologias na

educação apresentem propostas que atendam à demanda de legitimar a forma­ção contínua

do professor atrelada à carreira docente, a qual deve se dar no decorrer do seu trabalho, e

não de forma esporádica e descontextualizada de sua rotina profissional (BASNIAK, 2016, p.

211).

Ou seja, o ProInfo como política pública ampliou as possibilidades dentro e fora de

sala de aula, pretendeu disponibilizar as novas tecnologias, além de oferecer cursos aos

professores para a educação digital. Porém, ainda existem diversos pontos a serem

aperfeiçoados, muitos deles já dispersos no teor deste texto. O ProInfo ainda não possibilita

a inclusão digital, que está além do acesso, enseja educação e cultura digitais, além de

necessitar de maior cogência para a sua possível universalização, isto porque a adoção do

programa está no âmbito da discricionariedade dos entes federados.

4 AGENDA GLOBAL 2030: OBJETIVO 4 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS 4)

A Agenda 2030 é uma declaração que foi adotada e ratificada por 193 países-

membros das Nações Unidas, como o Brasil, no ano de 2015. Tem origem nos Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio (ODM), que deveriam ter sido atingidos naquele ano. Nesse

Documento, existem dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), assim

como as respectivas 169 metas. Tais objetivos devem ser atingidos até o ano de 2030 (ONU

BRASIL, 2017a).

Dentre os ODS, existe o ODS 4, que trata da educação inclusiva, foco deste texto.

Mais especificamente, o ODS 4, tendo em vista a educação de qualidade, possui o seguinte

enunciado: “Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover

oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (ONU BRASIL, 2017b).

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Das metas relativas ao ODS em tela, destaca-se a 4.1 como sendo a mola propulsora

da inclusão digital na educação básica: “4.1 Até 2030, garantir que todas as meninas e

meninos completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que

conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes”, e, na mesma seara, o 4.c, que

dita:

Até 2030, substancialmente aumentar o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento (ONU BRASIL, 2017b).

Este último item é de suma importância, pois, como aventado, a qualificação dos

professores é fator determinante na educação de qualidade, especialmente educação

digital. Nas ações voltadas para o cumprimento do Plano Nacional da Educação (PNE) e do

ODS 4 no Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU) assevera:

O PNE está diretamente ligado ao ODS 04 (Educação de Qualidade) e prevê a garantia de direito à educação básica de qualidade, de ampliação das oportunidades educacionais, de redução das desigualdades e de valorização dos profissionais de educação, dentre outros objetivos (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2016, p. 18-19).

Nesse passo, a educação digital, como promotora das oportunidades educacionais

e, ainda, a inclusão digital como redutora das desigualdades, são perspectivas educacionais

de relevância prática para a consecução dos fins do ODS 4 no Brasil.

5 DIGNIDADE HUMANA E INCLUSÃO DIGITAL

5.1 Dignidade da pessoa humana

Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o princípio/norma da

dignidade da pessoa humana consta do art. 1º, inciso III, da Carta Magna. Construção

histórica cujo início é impreciso, a dignidade é pauta de discussões desde a antiguidade

clássica. Todavia, a ideia de uma dignidade especificamente humana cria contornos durante

a idade moderna, sendo produto do humanismo renascentista que se consolidou com o

iluminismo (WEYNE, 2013, p. 30).

Além disso, é intrínseco aos progressos históricos a morosidade, sendo-lhes

inerentes “[…] adaptações subsequentes às invenções de novos paradigmas aplicados a fatos

antigos, recomposições desses fatos em um novo sistema em torno de um novo núcleo

dotado de sentido” (PECES-BARBA apud WEYNE, 2013, p. 50), o que expõe o caráter

dinâmico e contextualizável do princípio em tela.

Na modernidade, a ideia de dignidade humana origina-se da associação com a ideia

de ética segundo a qual “[…] a consciência é a principal fonte moral, de modo que todo ser

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humano pode, através dela, determinar por si só o que é bom e o que é mau, como se a sua

“voz” fosse única e original em cada indivíduo” (WEYNE, 2013, p. 79-80).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH), em seu Preâmbulo,

também reconhece a dignidade humana como sendo inerente a todos: “Considerando que o

reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus

direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. ”

(ONU, 2014, p. 2).

Assim, não obstante se reconheça a disparidade de conceitos, apresentam-se, nesse

texto, algumas perspectivas sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, tal como a

defendida por José Joaquim Gomes Canotilho (apud SILVA, 2014, p. 107), que entende que a

dignidade humana transcende a concepção de direitos individuais, sendo direito social.

Daniel Sarmento (2016) ensina que a dignidade humana é a fonte dos direitos

fundamentais não enumerados na Constituição da República, possuindo caráter integrador

da ordem jurídica nacional. Com relação ao conteúdo desse princípio, afirma:

[…] detectam-se cinco componentes básicos da dignidade: valor intrínseco, autonomia (privada e pública), igualdade, mínimo existencial e reconhecimento. A igualdade, porém, já é completamente abarcada pelo princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF). Assim, o conteúdo fundamental do princípio da dignidade humana na ordem jurídica brasileira abrange quatro componentes: valor intrínseco da pessoa, autonomia, mínimo existencial e reconhecimento (SARMENTO, 2016, p. 327).

Há quem sustente, ainda, que a dignidade da pessoa humana se consubstancia nos

direitos sociais. O presente trabalho parte dessa ideia, a fim de investigá-la e identificar suas

nuances no que diz respeito à inclusão digital.

Diante de todo o exposto, a exclusão digital não casa com a dignidade humana, do

contrário: “A exclusão digital implica exclusão social, uma vez que as principais atividades

econômicas, relacionais, governamentais e culturais migram para o ciberespaço” (FREIRE,

2011, p. 4433), ou seja, não há que se falar em cidadania sem inclusão digital. Não há que se

falar em educação sem inclusão digital. Não há que se falar em dignidade humana sem

inclusão digital.

5.2 Inclusão digital

Até aqui, expôs-se e dissertou-se a respeito da educação digital, do acesso à

informação (digital), da dignidade humana, das políticas públicas, e diluiu-se a discussão

sobre inclusão digital. Todas essas outras acepções e modos de promover a inclusão são

pressupostos da inclusão digital. Contudo, faz-se necessária uma incursão em ideias finais, a

fim de se clarear o argumento da inclusão digital.

Victor Hugo Pereira Gonçalves entende a inclusão digital como direito. Por

conseguinte, defende que esta coexiste com os direitos fundamentais – é um direito

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humano fundamental –, bem como proporciona palco para efetivá-los. Sobre a terminologia

e no que implica a inclusão digital, afirma:

A terminologia inclusão digital contém esta carga valorativa e histórica que é transferida à necessidade que os cidadãos possuem de estar inseridos no contexto do mundo digital, em termos de acesso à informação e ao conhecimento, bem como à produção de conteúdos relevantes. Assim, a inclusão digital pode efetivar, de fato, nas lutas, embates e desvelamentos que fomenta uma possibilidade de realização de todos os direitos fundamentais decorrentes das liberdades de expressão, comunicação, informação, acesso à educação, cultura, novas formas de participação política. Novas formas de relação entre governantes e governados. Nesta perspectiva axiológica, a inclusão digital pode ser apropriada pelas pessoas, diferentemente da posse dos produtos e das tecnologias para a superação de determinadas condições sociais, econômicas e históricas (GONÇALVES, 2011, p. 108-109).

Diante disso, a inclusão digital é um direito entre direitos (GONÇALVES, 2011), faz

parte de um processo de educação, e enseja conhecimento e habilidades capazes de

promover o senso crítico.

Além disso, não se trata apenas de disponibilizar as TCI, mas de capacitar os

usuários, com a finalidade de lhes proporcionar o uso consciente, pois, como se viu, existem

no Brasil, hoje, inúmeros instrumentos de controle público no meio digital, e estes podem

otimizar e maximizar a cidadania.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A evidente informatização dos serviços públicos, da educação em geral, dos

processos de interação social, dentre outros temas e subtemas, foi temática abordada em

diversos tópicos desta pesquisa.

A informação, sob a perspectiva digital, deve ser para todos, especialmente quando

serviços públicos são prestados no meio digital. Certidões negativas, programas sociais,

orçamento público, legislação, demandas judiciais, dentre outros exemplos, viabilizam e

desafogam a máquina estatal, proporcionam facilidades tanto aos administrados, quanto à

Administração Pública.

Todavia, nada disso pode ser efetivo sem o acesso à informação, que no âmbito

digital se dá através das tecnologias de informação e comunicação. O Brasil, com as atuais

políticas públicas, pode dar conta dessas desigualdades. Porém, existe um outro direito

visceralmente ligado à informação digital: a inclusão digital.

A inclusão digital enseja políticas públicas de educação digital. Nesse âmbito, não

devem focar apenas na disponibilização, por exemplo, às escolas, de televisões adaptadas a

tecnologias de compartilhamento de mídia e laboratórios de informática: se os alunos não

souberem utilizar crítica e minimamente esses instrumentos tecnológicos, não há inclusão

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digital. Há acesso, há instrumentalização e multiplicidade de equipamentos para as aulas,

mas não educação digital.

A efetividade das políticas públicas analisadas, sustenta-se, inexiste pelo fato de a

implantação de políticas emancipatórias residirem no âmbito da discricionariedade dos

gestores dos entes federados.

O ProInfo, a título de ilustração, não é obrigatório aos Estados e Municípios. Além

disso, para a prestação desses serviços públicos, é necessária a coalização entre Governo

federal e os entes envolvidos, sob pena de se tornar um desserviço e atividade onerosa

demais ao poder público e à população.

Outro aspecto a ser considerado é a capacitação dos profissionais da educação. O

ProInfo já proporciona isso, mas, ainda assim, cabe ao profissional ir atrás. E os profissionais

vão. Todavia, possuem horários de aula a cumprir, horas-atividade, além do fato de se

presumir conhecimento básico em informática. Propõe-se, para isso, o seguinte: horários

acessíveis aos profissionais, bem como cursos em todos os níveis de aprendizagem.

A inclusão digital, na perspectiva deste texto, foi enfrentada como direito humano

fundamental. Não apenas pelo fato de que sua ausência impossibilita atualmente uma vida

digna – o que, por si só, é suficiente para legitimar a relevância da discussão –, mas também

por ser exigência em dimensão internacional: desde a formulação das metas do milênio tem-

se como objetivo a promoção de oportunidades para o aprendizado tecnológico atrelado à

qualidade de ensino (GONÇALVES, 2011, p. 56).

A agenda global 2030, que sucedeu as metas do milênio, consubstancia a exigência

no objetivo nº 4 para o desenvolvimento sustentável, que prevê a educação inclusiva. Nesta

perspectiva, a inclusão digital está para o direito à educação, direito constitucionalmente

garantido na ordem jurídica nacional, e positivado na ordem jurídica transnacional.

NOTAS DE FIM

[2] “Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. BRASIL.

Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito

Brasileiro. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 de setembro de

1942.

[3] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

Constitucional. 10ª Ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. Capítulo 5.

[4] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,

seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. BRASIL.

Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da

República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

[5] Art. 7o O Prouca tem o objetivo de promover a inclusão digital nas escolas das redes

públicas de ensino federal, estadual, distrital, municipal ou nas escolas sem fins lucrativos de

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atendimento a pessoas com deficiência, mediante a aquisição e a utilização de soluções de

informática, constituídas de equipamentos de informática, de programas de computador

(software) neles instalados e de suporte e assistência técnica necessários ao seu

funcionamento. BRASIL. Lei nº 12.249 de 11 de Junho de 2010. Institui o Regime Especial de

Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura da Indústria Petrolífera nas Regiões

Norte, Nordeste e Centro-Oeste – REPENEC; cria o Programa Um Computador por Aluno –

PROUCA… Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 14 de junho de 2010.

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A LEI DE MIGRAÇÃO, OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E

AS CONSEQUÊNCIAS NO COTIDIANO JURÍDICO NACIONAL

MIGRATION LAW, SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS AND CONSEQUENCES

IN THE NATIONAL DAILY LEGAL CONTEXT

Rogério do Nascimento Carvalho8

Resumo: Este artigo tem o objetivo de propor uma discussão sobre a nova lei de migração

brasileira, promulgada em maio de 2017. Para isso, utiliza-se da abordagem de aspectos

sobre migrações e seus fluxos no país como componente formador de sua população.

Referido artigo foi desenvolvido com metodologia descritiva, com conceitos extraídos de

autores renomados e com o uso de revisão bibliográfica. Os resultados encontrados indicam

a necessidade perene do Estado brasileiro promover leis que possam atender aos princípios

basilares dos direitos humanos e, na medida do possível, atualizar a legislação com foco a

promover progressos e certezas e não deixar itens importantes para regulamentações

futuras. Baseado no referencial teórico das migrações, o eixo motriz deste artigo demonstra

que no mundo competitivo atual, a diferença entre sucesso e o fracasso está na adoção de

legislações coerentes e inclusivas, com respeito a valores universais. Concluiu-se que a

adoção da nova legislação não olha de fato a realidade e é confusa em aspectos que

poderiam ser definidos e estão a ser pautados por regulamentação futura.

Palavras-chave: Migrações. Desenvolvimento sustentável. Lei n.13.445/2017.

Abstract: This article aims to propose a discussion about the new brazilian migration law,

promulgated in May 2017. For this purpose, the approach of aspects of migration and its

flows in the country has shaped it´s own population upgrowth. This article was developed by

descriptive methodology, concepts extracted from renowned authors and with the

application of bibliographic review. The results indicate the need for the brazilian State to

promote laws that can recognize the basic principles of human rights and, as far as possible,

to update the legislation with focus on promoting progress and certainty and not leaving

important items for future regulations. Based on the theoretical reference of migration, the

driving force of this article shows that in today's competitive world, the difference between

success and failure lies on the adoption of coherent and inclusive legislation with respect for

the universal values. The conclusion is that the adoption of this new legislation does not

really reflect reality and is confusing over aspects that should be already defined but are

being enforced by future regulation.

8 Mestre em Estratégia Marítima pela Escola de Guerra Naval. Pesquisador da UNIFESP - Campus Osasco no

grupo de pesquisa “massacres e genocídios na Era contemporânea”. Professor universitário na UNICALDAS/Goiás. Advogado.

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Keywords: Migrations. Sustainable development. Federal law 13.445/2017.

1 INTRODUÇÃO

Uma das grandes questões que permeiam o embate entre os chefes de Estado,

atualmente, reside no crescimento da problemática dos deslocamentos populacionais

forçadas em diversas regiões do globo. O que leva a atual crise imigração em que países

europeus, Estados Unidos da América se veem no dilema em que há um longo caminho a

percorrer para a solução definitiva deste problema. Este artigo busca analisar sob a égide

dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [1] da Organização das Nações Unidas com o

papel do Brasil para auxiliar nesta questão traçando paralelos com a política adotada e

verificar a real eficácia de normativos que foram atualizadas com intuito de mostrar sintonia

junto aos itens elencados naquele dispositivo.

Quando da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável o

objetivo primaz é o de garantir apoio dos países signatários para implementação e

acompanhamento cuja finalidade seja a promoção da inserção de regiões mais carentes com

o uso de ações nas áreas de saúde, educação, relações de trabalho, cidadania, acessibilidade

à direitos básicos, como também trata de questões mais recentes que impactam o globo

como as mudanças climáticas e o meio ambiente, tendo em vista os efeitos danosos da não

aplicação correta de uma política eficaz que possa atender os anseios daqueles que mais

precisam.

O problema, entretanto, segue sem aparente solução. No Brasil, com o advento da

Lei 13.445, de 2017, estabelece-se regras que são dúbias, ao mesmo tempo, mostram

evolução ao Estatuto do Estrangeiro [2], mas em pontos específicos denota-se acirramento

conservador no tocante à matéria.

Socorrendo-nos ao auxílio da história, depreende-se que o Brasil deve também ao

imigrante, sobretudo desde o século XIX a força de sua mola propulsora e da mescla das

populações indígenas, africanas e europeias, bem como de outras partes do globo que

permite ao país ostentar.

O debate proposto neste artigo sobre a adoção da nova lei de imigração e sua

adequação ou não aos princípios proposto pela ONU trazem questionamentos perenes na

evolução ao tratamento dispensado pelo Estado brasileiro aos imigrantes de sua

regularização em território nacional.

O ponto inicial para este diálogo está circunscrito na análise da Lei 13445 que

entrou em vigor no dia 21 de novembro de 2017, substituindo o Estatuto de Estrangeiro (Lei

6815/80) oriunda do período do regime militar brasileiro (1964-1985) e, apresentar quais

pontos a nova legislação trouxe avanços e os problemas de sua implementação e

interpretação no cotidiano jurídico.

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Sinteticamente, a nova lei condiciona a órgãos ministeriais a análise e concessão de

vistos, que em conjunto regulamentação as condições objetivas para a permanência em

território nacional, conforme reza o art. 7 [3] do dispositivo legal vigente (BRASIL, 2017a).

Portanto, questões importantes e basilares emergem deste ditame legal. Primeiro,

estaríamos diante de um quadro evolutivo ao tratamento de imigrantes no território

nacional? Segundo, em quais medidas o Estado brasileiro incorporou da ONU em relação ao

desenvolvimento de metas globais? Estas questões serão respondidas basicamente sob a

ótica de três pilares: 1) a evolução do tratamento do Estado brasileiro na questão legal

migratória, notadamente da Lei 13445/17; 2) ditames da ONU no tocante ao

desenvolvimento humano e 3) principais desafios da presente legislação.

Seguindo a estrutura proposta para este diálogo é imperioso destacar em primeira

mão que os movimentos contínuos de imigração global levam aos lucros exorbitantes às

empresas e a Estados nacionais, pois destes advém o poder centralizado. Levando-se em

consideração que um dos principais meios que vão legitimar o poder político do Estado é o

excedente produtivo aliado ao fortalecimento da burguesia, serão dados indispensáveis para

debatermos a importância da imigração, notadamente, em território nacional.

2 IMPACTO DA MIGRAÇÃO NO BRASIL

A imigração branca europeia avança em território brasileiro quando há a

promulgação da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. Até então, o negro escravizado

transportado compulsoriamente ao Brasil, tinha a função de substituir a mão-de-obra

indígena que fora frustrada sua instituição para o trabalho. Nestes dois processos históricos,

a vinda do negro escravo e do branco europeu é nítida a conotação de servir para a

produção de riquezas e, consequentemente ocupação do território nacional.

Portanto, o impacto da imigração neste período histórico tem o fulcro de atender o

processo de desenvolvimento econômico. Para entendermos melhor este impacto do século

XIXI, Fernandes (1972) sobre a migração europeia aduz “ ela ajudou a acelerar, a partir da

década de 1880, a desagregação do regime servil” (FERNANDES, 1972, p.122). Fernandes

(1972) ressalta a forma do porquê ocorreu a imigração europeia em território brasileiro, com

objetivo primaz de branquear a população, homogeneizando-a como política de Estado, ou

seja, este processo tem o animus de formar um país que privilegiasse o cruzamento das

raças indígenas (aculturada), africana (com o fim do tráfico negreiro e após o fim da

escravidão) e a europeia que visava preservar a moral do país.

Relevante destacar que os processos migratórios visam atender a estratégia de

sobrevivência de populações que não conseguem se fixar em seu território e ficam a mercê

de discriminação em terras alheias. A guisa de exemplo, remontemo-nos à colonização do

continente americano que sofreu ondas migratórias com o objetivo de exploração de

riquezas e transportá-las para suas metrópoles. No caso brasileiro, este panorama é

facilmente visualizado pela adoção do trabalho escravo negro que perdurou oficialmente até

13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea pela princesa Izabel de Bragança,

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então regente do Império do Brasil, devido à viagem do Imperador Dom Pedro II à Europa e,

após, a proclamação da República, em 1889, a adoção da forma mais consistente de

trabalhadores europeus que vieram ao país pela imigração para trabalho no campo e nas

cidades.

Digno de notar que nesta época o país não tinha preocupação com o acolhimento

de refugiados, mas sim em acolher pessoas que pudessem oferecer sua força de trabalho e

assim gerar progresso econômico. No século XIX, a política migratória era aberta de maneira

favorável às pessoas de “cor branca” em detrimento, por exemplo, aos africanos como meio

de melhorar a qualidade da população.

Com o advento do período da I Guerra Mundial (1914-1919) e da Segunda Guerra

Mundial (1939-45) e o consequente alinhamento do Brasil à política dos Estados Unidos da

América há o privilégio em receber refugiados anticomunistas, por isso, alemães, poloneses

e japoneses são vistos pelas autoridades nacionais como elementos de desconfiguração do

povo brasileiro, o que levou o então Getúlio Vargas, no período do Estado Novo (1930-1945)

a editar o Decreto 3010/1938 que visava controlar os ditos “estrangeiros” (BRASIL, 1938),

com o fito de afastar certos grupos étnicos, incentivando a entrada de grupos não

problemáticos dentro da análise da geopolítica [4] americana da época o que levou o Brasil

a fixar quotas de recebimentos de determinados povos. O isolamento de determinados

grupos de migrações como japoneses e judeus é levado a cabo seguindo propaganda oficial,

na qual seriam indesejáveis (HAAG, 2012) pois o projeto de política imigratória do Estado

Novo visava a assimilação na sociedade brasileira de imigrantes “bons” (HAAG, 2012) que

poderiam permanecer em território nacional com o objetivo velado pelo governo de

miscigenação da população “para levar ao progresso do país no espaço de 50 anos sob a

justificativa de desenvolvimento da sociedade”. (HAAG, 2012, não paginada).

3 A QUESTÃO DAS MIGRAÇÕES E A RESPOSTA DO DIREITO

Dentre as questões que assumem relativas importâncias no começo deste século, as

migrações aparecem em destaque, justamente com as reivindicações territoriais e

intolerâncias religiosas, as mudanças climáticas e o acesso a recursos naturais. Estas são

questões não podem ser olhadas de forma isoladas, pois muitas vezes são complementares

ou até mesmo subsequentes, o que leva países como o Brasil a assumir maiores

responsabilidades ou protagonismo global, visto que possuímos a capacidade de absolver

migrantes que fogem dos conflitos e das intolerâncias e, de sermos reconhecido como país

pacifista no campo de Relações Internacionais, pelo fato do Brasil ser um país miscigenado

em sua origem.

Os problemas que outros países sofrem, aqui podem ser anulados ou reduzidos de

forma considerável, apesar dos apelos contidos à propagação da xenofobia e da restrição do

recebimento de estrangeiros.

Percebemos então, que o direito oferece uma resposta dúbia, entre avanços e

retrocessos a lei de migração demonstra que o Estado brasileiro se mostra mais disposto

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com as questões de cunho trabalhistas e fiscal em contrapartida às questões de cunho

humanitário e social, o que pode sinaliza a continuidade na luta de entidades sociais e de

defesa dos migrantes à espera de derrubada dos vetos presidenciais (em número de vinte da

lei), o que se mostra complexo devido o apoio da base governista no Congresso Nacional.

Outro caminho é o de esperar a regulamentação dos itens que não estão claramente

definidos em lei pelas instâncias interministeriais, porém, em alguns casos a urgência e

relevância deste vácuo pode levar a análise ao Poder Judiciário.

A pendência judicial a ser criada por esta lei de migração diz respeito a resolução ou

não dos conflitos em matéria migratória. As incertezas e as regulamentações a serem

exaradas pelos órgãos envolvidos no campo das imigrações no Brasil podem levar ao

crescimento e agravamento das situações individuais que em outra leitura poderá levar a

ineficácia do direito e da legislação aqui analisada. Tecnicamente, a adoção de uma

legislação pressupõe inovações e avanços para suplantar a tensão social. Portanto, a eficácia

do direito está intimamente ligada à sua renovação conforme a demanda social em um dado

momento histórico, ou seja, fluidez das estruturas sociais e do próprio direito, para a

manutenção da sociedade pacificada.

A eficácia de uma determinada legislação depende também se os direitos nela

embutidos limite de cumprir a sua função social. No caso em tela, averígua-se os problemas

migratórios de cunho ilegal podem ser melhor controlados, bem como respeito às diretrizes

preconizadas pela Organização das Nações Unidas. Digno de nota de que estabelecer

diretrizes globais exige sacrifício para adequação as legislações nacionais, pois

Os Estados administram o tema migratório em bases unilaterais, o que leva a falta de coerência entre os sistemas de governança global, regional e nacional a um afastamento da estrutura vinculante da ONU, associado à paralela predominância de processos informais. No plano nacional, o atual regime internacional não estimula a consolidação, pelos Estados, de políticas migratórias coerentes e multifacetadas, que contribuam para reduzir a intensidade de fluxos migratórios irregulares – o que se daria pela regularização das migrações – ou para a proteção dos migrantes e sua integração efetiva nas sociedades de destino (FARIA, 2015, p. 174).

Entretanto, os problemas reais aqui apresentados, cujas contradições e lacunas

podem levar a ineficácia da legislação, porque o direito sobreposto não oferece respostas

capazes para os problemas cotidianos, sobretudo se olharmos para a estrutura da sociedade

brasileira que se vê no dilema de arregimentar seu ordenamento jurídico de forma a não

atender aos anseios da sociedade que segue em constantes mudanças e, portanto, a

legislação não se mostra a contento a pujança social.

Atualmente a transformação acelerada da sociedade brasileira e a sua instabilidade

de cunho econômico traz dificuldades em sedimentar comportamentos criando expectativas

e aprofundando a desigualdade social e, com a produção de legislação que não atendem aos

anseios sociais, poderá levar aos tribunais judiciais a interpretação final a ser seguida. Porém

os Tribunais vivem atualmente uma sobrecarga de processos, o que gera morosidade no

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julgamento dos feitos e por isso, o ativismo judicial oriundo da lacuna legislativa pode levar a

paralisia do próprio direito, levando a descrença da sociedade brasileira em seus órgãos de

poder.

4 OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, A QUESTÃO MIGRATÓRIA E SUA

RECEPÇÃO PELO NORMATIVO NACIONAL

Os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) surgiu em 2015 e sucedem os

objetivos de desenvolvimento do milênio. Sua principal tarefa visa conclamar governos e

sociedade civil organizada para direcionar as políticas públicas no sentido de diminuir a

extrema pobreza no mundo, proporcionando um aumento qualitativo de regiões mais

carentes do globo e que possuem restrições de conectividade, ou seja, a tentativa benéfica é

a de aproximar pessoas, países e continentes.

Dentre os 17 (dezessete) objetivos de desenvolvimento sustentável vamos expor neste artigo a análise estampada no objetivo 10 (dez), em especial no item 7 (sete) assim expõe:

Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles (...) 10.7 facilitar a migração e a mobilidade ordenada, segura, regular e responsável de pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas de migração planejadas e bem geridas (BRASIL, 2016, não paginado).

Circunscrito o objetivo e o foco a ser analisado, cabe-nos neste momento dissecar

dentre o objetivo preconizado pelas Nações Unidas com a atitude do governo brasileiro e o

caminho que tem definido para conseguir cumprir o ditame acima exposto.

O fato incontestável é analisar os vocábulos expostos, quais sejam, “facilitar a

migração (...) por meio de implementação de políticas de migração planejadas e bem

geridas” (BRASIL, 2016) e confrontar se estes ditames estão ou não sendo atendidos pelo

legislador nacional. Diante desta realidade, houve a inovação no sistema legal advinda da Lei

13445/17, porém esta não traduz ao cumprimento às quais o Estado brasileiro se obrigou

junto as Nações Unidas e consequentemente aos demais países participantes deste

organismo internacional.

Hodiernamente, os vetos dos dispositivos da Lei 13445/17 através da mensagem nº

163 (BRASIL, 2017b) possuem o viés econômico e estão na contramão dos ditames nas quais

o país é conhecido dentre as nações, mas visivelmente assistimos à imposição da pauta de

grupos ligados à direita, que articulam diversas reformas e mudanças no cotidiano nacional,

sendo a lei de migrações apenas mais um item dentro deste “pacote” que atinge vários

países em todos os cantos do globo.

O aumento da influência desses grupos anti-imigração é visível em governantes

como o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, de diversos líderes

europeus e até mesmo de lideranças partidárias que mesmo sem conquistarem o poder por

meio do voto, arrastam para si considerável parcela da população, como Jean Le Pen e Marie

Le Pen, na França. O perigo aqui está na propagação ideológica desses grupos, que

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promovem conflitos e geram cada vez mais agravamento da questão migratória, da qual o

Brasil não está ileso.

Analisando minuciosamente a nova lei de migração, chama-nos a atenção a

motivação presidencial ao vetar o dispositivo que proporcionaria aos povos indígenas e das

populações tradicionais o direito a livre circulação em suas terras, invocando a unidade de

território nacional, bem como a competência da União, no controle e entrada de saída de

pessoas, inclusive indígenas (BRASIL, 2017b).

Arrepia-nos as motivações da Presidência da República ao vetar dispositivos que

permitiria aos imigrantes ingressar no serviço público via concurso, pelo fato de não estar

conforme aos ditames de interesse nacional (BRASIL, 2017b), bem como o Ministério da

Fazenda de vetar aos visitantes o acesso a saúde já outorgado pela legislação do Sistema

Único de Saúde (SUS), como também a assistência social e a previdência social sob a

motivação de que a concessão desses direitos “representam pressões fiscais adicionais à

União e aos demais entes nacionais, prejudicando a adequações das despesas públicas ao

limites de gastos constitucionalmente previsto, recomendando assim, seu veto”

(BRASIL,2017b, não paginado).

É lamentável, porém, que outros vetos a Lei 13445/17 seja permeada de

protecionismo sem fundamento lógico, pois como justificar a não extensão de visto com

base em reunião familiar, a criança ou adolescente com dependência afetiva sob o

argumento de facilitar ou permitir o sequestro internacional de menores. (BRASIL,2017b)

Acresce-se ao acima exposto que a pressão migratória no Brasil não é significativa,

aliás, perde o país por não receber maiores fluxos de imigrantes e refugiados. Contudo,

devemos compreender que o espírito da lei no seu tempo advém no momento controverso

na política nacional. Fatores como o impeachment da então Presidente Dilma Rousseff

(2011-2016) e, por conseguinte assunção do atual mandatário Michel Temer, trouxeram

mudanças significativas de posturas ideológicas, que não se fazem sentir somente em

território nacional, está presente nos demais países da América do Sul e da América Latina,

bem como nos EUA e Europa.

A guinada conservadora nos últimos anos pode ser traduzida no crescimento e no

fomento as manifestações racistas, xenofóbicas, e de intolerância religiosa que levam a

diagnosticar o retrocesso na legislação migratória que enfrentará questionamentos judiciais

ante aos Tribunais e, ainda não encontra eco nos ditames assumidos pelo Estado brasileiro

junto aos objetivos de desenvolvimento sustentável preconizado pela Organização das

Nações Unidas.

Se por um lado as negociações da agenda pós-2015 no que tange a redução

desigualdade preconiza o respeito aos costumes e tradições indígenas, promovendo a estes

o desenvolvimento sustentável, assegurar a oportunidades e acessibilidade ao trabalho, aos

serviços de saúde, proteção e participação social para a sua inclusão (BRASIL, 2017b). Estes

itens se contrapõem com o exarado pela legislação migratória em vigor. É dentro deste

panorama que ao confrontarmos essas duas realidades, percebemos que o Estado brasileiro

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não vem cumprindo “in totum” com os elementos substantivos para implementar os

objetivos de desenvolvimento sustentável.

Ao monitorar a evolução do tema migratório no Brasil, percebemos que não houve

saltos qualitativos no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Isto se

deve ao reordenamento do discurso governamental em posicionar a segurança nacional e

econômica como imperativos de prosseguir avançando nestes campos.

A política restritiva migratória brasileira não encontra eco na doutrina nacional, pois

o Brasil precisa entender a necessidade de acolher migrantes sem restrições ou vincular a

intempéries econômicas. Há de se advertir que colocar obstáculos legais a consecução de

direitos está na contramão nos esforços que as nações soberanas precisam fazer para

minimizar este drama atual vivido pela sociedade moderna.

Diante do processo irreversível de globalização, os Estados não devem mais agir de

forma isolacionista, mas cooperativista, no sentido de solidariedade entre eles para

resolução dos problemas da humanidade, principalmente no que diz respeito à consecução

da paz. Estados solidários e cooperativos mutuamente se ajudam e, portanto, evitam

conflitos armados e guerras que produzem, em certa medida, um grande fluxo de

refugiados. É, a nosso ver, a maior demonstração de grandeza e soberania estatais

(FERNANDES; SILVEIRA, 2017, p.174).

Se solidariedade entre as nações deve ser a tônica da questão migratória, a

legislação precisa observar o cumprimento e efetivação de direitos sem a estes tornar

intransponível. De fato, os motivos que levaram o governo brasileiro a vetar dispositivos da

nova lei de imigração atendem a anseios que vão contra a efetivação da aplicação dos

direitos humanos, das quais o Brasil é signatário, em especial, a Declaração Universal dos

Direitos Humanos de 1948.

Segundo Hesburgh (1980), o grande problema da Declaração Universal dos Direitos

Humanos reside no fato de que precisa ser rigorosamente aplicada por todos os países do

globo, tornando a liberdade um valor incomensurável e respeitado, para haver o respeito à

igualdade e, assim, alcançar a igualdade de oportunidades.

Cançado Trindade (2015) reafirma os ditames expostos acima ao sublimar a

solidariedade dentre as nações frente a razão de Estado, limitando-a toda vez que o

interesse coletivo clamar por soluções que mereçam a tomada conjunta de decisões dos

países – e este é o desafio da atualidade, pois

seu denominador comum tem sido a atenção especial às condições de vida da população (particularmente dos grupos vulneráveis, em necessidade especial de proteção), daí resultando o reconhecimento universal da necessidade de situar os seres humanos de modo definitivo no centro de todo processo de desenvolvimento (TRINDADE, 2015, p. 126).

Para Doring (1989) o olhar sobre as migrações possui dois aspectos e está

conectado com a situação econômica de um país. Quando determinada sociedade não se

encontra em crise, as migrações tem o condão de integração entre os povos, aproximando

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governos e tradições, bem como ampliando interesses recíprocos; porém, quando o país

receptor encontra-se em fragilidade econômica percebe-se a adoção de políticas restritivas

e, no seio social, comportamentos contrários e de rechaçamento aos imigrantes.

No caso brasileiro, Doring (1989) ressalta que as migrações foram positivas e

trouxeram aproximações com os respectivos governos, dos povos que aqui escolheram para

viver, o que corrobora com a manutenção das relações cordiais e intercâmbio cultural no

mundo atual.

Sublinhando as lacunas deste labirinto jurídico, atentemo-nos ao cerne de questão

migratória. O porquê deste retrocesso deve ser compreendido em primeiro lugar pela

inserção do país dentro do contexto capitalista global e, portanto, sensível aos impactos

promovidos pelas mudanças orquestradas pelos países mais ricos e por suas grandes

corporações; em segundo lugar, a guinada política provocada pelo processo de mudança

abrupta em 2016 reordena a motivação ideológica no processo de elaboração legislativa, o

que auxilia a entendermos as violações que levam a ditames excludentes de cidadania a

migrantes.

Como já explicitado, o país não possui condições de forma individual de aplicar a

política que mais lhe convenha se esta não estiver conforme os ditames do poder financeiro

global e do mercado, que efetivamente detém o poder e ditam regras que os estados

soberanos devem seguir. Desta forma, esta pactuação prescinde revisão de pautas

progressistas, ceifando conquistas históricas com intuito de demonstrar força e poder. Cabe

à sociedade civil organizada denunciar estas tratativas e, por conseguinte, exigir alterações

legais como forma de respeitar aplicação dos direitos humanos.

5 A GLOBALIZAÇÃO, O IMPACTO NAS MIGRAÇÕES E OS DESAFIOS FUTUROS DO BRASIL

Bauman (2001) utiliza o fenômeno da Globalização para mencionar dentre outros

problemas do mundo atual, a questão das migrações. Para o autor, por maior que seja a boa

vontade da Organização das Nações Unidas em estabelecer metas de desenvolvimento

sustentável, há um problema crítico que se deve ao fato de não haver legislação global que a

impeça de proibir comandantes e políticos a recorrerem ao uso da força. Forças de países

que não adentram a um sistema de compromisso e levam a atitudes unilaterais em face de

povos oprimidos e, por conseguinte, ao deslocamento de civis em flagrante desrespeito aos

direitos humanos. O foco destas intermitências está em eliminar os obstáculos no caminho

para uma liberdade global de forças econômicas, sem barreiras comerciais.

Atualmente a onda de migrações que permeia o globo e também o Brasil é reflexo

do processo de globalização econômica, pois estes migrantes, em sua grande parte são

trabalhadores e respondem pela internacionalização do mercado de trabalho. O capitalismo

é um sistema que oprime os países e cidadãos, pois ao mesmo tempo que obriga a seus

países a abrirem suas fronteiras em relação a circulação de bens, com vistas a facilitar a

liberdade de capital mas, por outro lado, dificulta a entrada de mão-de-obra para trabalhar,

ou seja, o capital pressupõe para geração de lucros de grandes empresas a abertura

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irrestrita e as nações coíbem e dificultam a entrada de pessoas até mesmo como resposta à

sua demanda interna.

Se a globalização permite a livre circulação de pessoas e bens, questiona Bauman

(2001) sobre o porquê de assistimos sucessivas crises que envolvem deslocamento cada vez

maiores de população civil e, por outro lado, acompanhado pelo consequente

endurecimento das políticas migratórias e de asilo. O capitalismo gera expectativas não

confiáveis no tocante à manutenção do emprego e os anseios do indivíduo, e a partir deste

panorama inicia-se o desmantelamento pela velocidade proporcionada pela globalização

que atinge a amplia seu campo, o que vai exigir segurança em escala cada vez maior para

situações rotineiras dada falta de confiança.

Neste ponto, Ribeiro (2015) em um revisionismo histórico nos relembra que o Brasil

sempre fora visto como um país que tinha a missão de servir a outras nações, ou seja, ao

consumo externo e, que neste processo que se utiliza a exportação de pau-de-tinta

passando pelas culturas de algodão, café e soja sem se esquecer da exploração de ouro e

minérios cujo fulcro serve para ornamentar a infraestrutura de países desenvolvidos,

utilizamos como força motriz a mão-de-obra indígena e negra.

A missão do país, portanto, está em olhar internamente e reordenar as forças

produtivas com fulcro a atender as necessidades basilares da população, o que não vem

sendo feito. Com isso, ficamos à mercê das nações mais ricas e na periferia do capitalismo

global, pois não desfrutamos das riquezas que produzimos e a potencialidade nacional se vê

eclipsada porque as elites que dominam o país optaram por seguir esta sistemática, pois

assim mantém seu status de dominação política e cultural.

Respondendo as questões apresentadas na introdução denotamos que o Estado

brasileiro na adoção da nova lei de migração evoluiu em parte ao tratamento ofertado

àqueles que buscam o abrigo da legislação brasileira. Devemos nos ater as condições que

colocam o país na mira da cobiça internacional, pois como é cediço, a dimensão continental

permeada de riquezas de inestimável valor fazem do Brasil alvo e destino cada vez mais de

pessoas que buscam aqui permanecer, por isso deve o governo orquestrar de maneira eficaz

recursos promovendo a integração e a cidadania, pois como relembra Arendt (2000), a

cidadania prescinde de direitos, portanto a perda da cidadania é também a perda de

direitos, ou seja, podemos dessumir destes pensamentos de que não importa se o migrante

é cidadão mas é necessário reafirmar direitos em qualquer parte do globo, sem exceção.

Neste aspecto, restringir direitos como a atual lei propõe, em certos aspectos, é à medida

que fere o exercício pleno da cidadania.

A Organização das Nações Unidas chamou para si uma responsabilidade de grande

monta. Compor, dentro do aspecto jurídico ditames que possam estabelecer coerências

entre normas de direito interno, que envolvem o Estado e o cidadão; direito internacional,

que envolve os Estados soberanos e o direito contemporâneo que aponta a forma como o

Estado deve atuar com as migrações; sem sobra de dúvida um dos grandes desafios postos à

mesa de negociações entre as nações. A ONU não possui mandato para promover

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ingerências internas, mas possui capacidade de fomentar consciência positiva nos

governantes para que estes procedam com as alterações legislativas.

Já o papel do Brasil na gestão das migrações mostra como os governantes não

compreendem totalmente a realidade posta e com a tendência da guinada à direita, corre-se

o risco de haver radicalização e agravamento do problema. Há de se observar que a atual

crise migratória é oportunidade ímpar para o país angariar solidariedade e, portanto,

avançar no cenário internacional.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Organização das Nações Unidas atualmente encontra-se em momento delicado,

pois se vê exprimida dentre países com gana de obter cada vez mais poder e, por

conseguinte, assistimos paulatinamente sua incapacidade de interferir em conflitos,

portanto, mesmo que as ações do objetivo de desenvolvimento sustentável sejam louváveis

do ponto de vista da preservação do direito internacional, mas, principalmente no campo da

proteção dos direitos humanos em escala global.

Diante do exposto, percebemos que a dificuldade de coordenar políticas em escala

global é tarefa árdua para organismos internacionais que prescindem da força, que não

possuem, no sentido de obrigar Estados a buscar o cumprimento de metas visando o

desenvolvimento sustentável.

Neste interim, países como o Brasil aparecem na vanguarda da esteira de proteção

de direitos humanos, bem como ao mesmo tempo é capaz de elaborar legislações confusas e

de aplicabilidade contida, a depender de regulamentação de instrumentos ordinários,

deixando inseguras migrantes que precisam de agilidade e de acolhimento.

O problema central apontado por este artigo faz menção a correlação entre a nova

lei de imigração e os objetivos exarados pela Organização das Nações Unidas no tocante ao

desenvolvimento sustentável e percebemos que não há convergência na maioria dos

dispositivos legais, inclusive apresentando retrocesso a outros ordenamentos jurídicos

nacionais, por exemplo, na área da saúde pública, onde já estava sedimentado o

atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a todo migrante, sem exceção.

Analisando os motivos que levaram ao veto presidencial destes dispositivos,

encontramos o ápice do trabalho aqui exposto, pois notadamente há uma vinculação com os

Ministérios da Fazenda, Justiça e do Trabalho, bem como o Gabinete de Segurança

Institucional que primam referidas atitudes com o viés de economia dos cofres públicos,

defesa do trabalho ao nacional e de segurança da nação.

Ora, a história se repete mais uma vez. Mais um novo ciclo se abre ao Brasil e a

oportunidade pode ser perdida. Ao buscarmos explicações na história, depreendemos que a

nação gerida pela mistura do negro, branco e indígena, sofreu mutação coordenada por

políticas públicas no passado para branqueamento da população para estarmos mais

próximos do colonizador europeu.

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O legislador decerto se olvida de que somos resultados das políticas passadas.

Evitar, barrar ou postergar entrada de migrantes em território nacional impede que haja

uma tentativa de miscigenação e agregar valor à população brasileira. A nova lei de

migração, no entanto, apresenta um quadro inexistente, pois no país os migrantes não

afetam substancialmente o mercado de trabalho e a pressão migratória no montante da

população é irrisória.

É importante ressaltar que o Brasil não figura na lista dos países que mais recebe

migrantes no mundo; aliás, os problemas migratórios mostram nossa incapacidade de

receber pessoas, bem como a parca e antiquada infraestrutura, mas o governo, inapto para

produzir mudanças, expõe a sociedade um discurso, mas na prática está alinhado com os

pensamentos de fundo capitalista, priorizando recebimento de mão-de-obra, e os inservíveis

para o mercado de trabalho, segundo seu julgamento, colocando seres humanos como

responsáveis pela crise, quando na verdade não se pode efetuar restrição ao recebimento

de refugiados.

O retrato do que está sendo feito no Brasil em relação à nova lei de migração não

condiz com a aplicação de boas práticas, pois demonstra discriminação inconteste que a

autoridade poderá perpetrar por meio discricionário. Diante deste panorama, Gaia poderá

sofrer duras consequências, visto que as ações tomadas não refletem a natureza do povo

brasileiro de acolhedor. Infelizmente para mudar a consciência dos governantes haverá de

serem afastados sentimentos retrógados e protecionistas para haver sucesso da

implementação dos objetivos de desenvolvimento sustentável preconizado pela Organização

das Nações Unidas.

O esforço da sociedade civil organizada se encontra no dilema atual diante do

crescimento de posições xenófobas e de valorização de discursos nacionalistas, o que auxilia

no entendimento que atualmente gera conflitos no globo e que provoca o agravamento da

atual crise migratória. A falta de perspectiva seja de trabalho ou oriundo de conflitos ou até

mesmo intolerância religiosa é o ponto de partida para o problema do êxodo de milhares de

pessoas.

Os países desenvolvidos ou em desenvolvimento, que atualmente não vivem em

época de bonança econômica, fecham suas portas e não absolvem estas pessoas que fogem

de seus países. A restrição, no caso brasileiro, se dá pela via da supressão de direitos

basilares através da Lei 13.445 de 2017 e até mesmo pela lacuna de regulamentação, o que

poderá causar insegurança jurídica no trato com os migrantes. Certamente estas questões

serão pautadas pelos Tribunais, mas até a decisão final vir à tona o sofrimento de milhares

de pessoas se fará presente e, neste ponto, Gaia sofrerá com o tratamento ofertado pelo

Estado brasileiro a seus pares.

Nada é mais estranho na configuração atual da sociedade brasileira permitir estas

atrocidades no campo dos direitos humanos. O retrocesso é patente, porém, há formas de

haver novas articulações e voltarmos aos ditames exarados pelos objetivos de

desenvolvimento sustentável. Cientes de que o ator global supranacional não reúne

condições de obrigar nações a modificar seus códigos internos com a finalidade de atender o

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benefício para todos, mas se faz necessário efetuar negociações constantes e vínculos mais

profundos com a sociedade global para permitir uma maior conscientização, sensibilizando

os atores políticos e afastando destes a cobiça de cunho capitalista e financeira – só assim a

esperança de manter Gaia viva será realmente considerada e salva da ganância que

atualmente impera no corpo político e econômico do globo.

Inadmissível o texto legal que priorize cerceamento de circulação de migrantes, esta

é uma verdadeira quimera, pois demonstra o amadorismo do país que busca inserir e ter voz

mais ativa dentro das Relações Internacionais; porém, ao destruir conquistas anteriores,

dificilmente obterá a concordância das demais nações. A pergunta que nossos governantes

deveriam responder neste caso quando elaboram ordenamentos imprecisos e contestação

consistente é a de saber se o governo brasileiro realmente quer proteger os migrantes ou se

defender dos mesmos, pois o estado democrático de direito deve rechaçar estabelecimento

de barreiras e, sim cooperar com outros atores governamentais e não governamentais, bem

como em parceria com a sociedade civil com vistas a amenizar este que será sem sombra de

dúvida um dos grandes legados deste início de século.

NOTAS DE FIM

[1] Propostos por ocasião da Cúpula da Organização das Nações Unidas para o

desenvolvimento sustentável, ocorrida entre os dias 25 a 27 de setembro de 2015, na cidade

de Nova Iorque, Estados Unidos da América, onde foram traçados 17 (dezessete) objetivos e

169 (cento e sessenta e nove) metas por 193 (cento e noventa e três) Estados- membros.

[2] Lei 6.815 de 19 de agosto de 1980 que foi revogada pela Lei 13.445/17.

[3] Art. 7o O visto será concedido por embaixadas, consulados-gerais, consulados, vice-

consulados e, quando habilitados pelo órgão competente do Poder Executivo, por escritórios

comerciais e de representação do Brasil no exterior. Parágrafo único. Excepcionalmente, os

vistos diplomáticos, oficial e de cortesia poderão ser concedidos no Brasil. (BRASIL, 2017a,

não paginado).

[4] Área de conhecimento multidisciplinar que busca traçar componentes da realidade do

espaço geográfico de uma localidade circunscrita que serve para determinar as estratégias

de ação do poder político decisório.

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ELETRIFICAÇÃO RURAL DESCENTRALIZADA EM CORRENTINA/BA

DECENTRALIZED RURAL ELECTRIFICATION IN CORRENTINA/BA

Tales Guimarães Ferreira9

Resumo: Hoje em dia, muitas comunidades rurais vivem sem acesso a energia elétrica, pois

as redes de distribuição de energia elétrica não chegam até suas propriedades, geralmente

pelo alto preço de expansão dessas redes, o que leva a população do meio rural a buscar

alternativas muitas vezes caras e de baixa qualidade para suprir suas necessidades. Nesse

contexto, a Eletrificação Rural Descentralizada (ERD) pode ser uma alternativa para

satisfazer essas necessidades que normalmente exigem potências muito baixas, para as

quais a expansão da rede elétrica não é justificada, devido aos altos custos. Na literatura,

observa-se muitos projetos de ERD orientados a uma tecnologia, geralmente a fotovoltaica.

Porém, esses projetos não levam em conta as particularidades de cada região nem as

diferentes demandas dos usuários. Pensando nisso, o presente artigo propõe uma análise

minuciosa das necessidades de uma propriedade rural, especificamente do sítio Veredão,

localizado no município de Correntina/BA, com o objetivo de sugerir um sistema que

satisfaça as demandas dos habitantes por energia da melhor forma possível, observando

fatores tecnológicos, ambientais, sociais e econômicos. Para isso, são usadas partes da

metodologia de desenvolvimento de produtos, especificamente o Projeto Informacional,

para transformar as necessidades dos clientes do sistema proposto em requisitos de produto

e para analisar o desempenho de alternativas tecnológicas existentes em atender a essas

necessidades.

Palavras-chave: Eletrificação Rural Descentralizada. Processo de Desenvolvimento de

Produtos. Sistema Fotovoltaico. Turbina Hidrocinética.

Abstract: Nowadays, many rural communities live without access to electricity, since

electricity distribution networks do not reach their properties, generally due to the high

price of expansion of these networks, which causes the rural population to seek alternatives

often expensive and low quality to meet your needs. In this context, Decentralized Rural

Electrification (ERD) can be an alternative to satisfy those needs that usually require very low

power, for which the expansion of the electricity grid is not justified due to the high costs. In

the literature, many ERD projects are focused on a technology, usually photovoltaic.

However, these projects do not take into account the particularities of each region or the

different demands of users. With this in mind, this article proposes a detailed analysis of the

needs of a rural property, specifically the Veredão site, located in the municipality of

Correntina / BA, with the aim of suggesting a system that satisfies the inhabitants' demands

9 Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Brasília (2017), com experiência na área de

Engenharia Elétrica, especificamente em Energias Renováveis.

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for energy in the best possible way, observing technological, environmental, social and

economic factors. To this end, parts of the product development methodology, specifically

the Informational Project, are used to transform the needs of the proposed system

customers into product requirements and to analyze the performance of existing technology

alternatives to meet those needs.

Keywords: Decentralized Rural Electrification, Product Development Process. Photovoltaic

System. Hydrokinetic Turbine.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo foi inspirado na ideia de pensar o fornecimento de energia elétrica de

uma forma diferente da usual. Geralmente, os projetos focam somente em análises de

viabilidade técnica e econômica, porém, é necessário também pensar nos impactos sociais e

ambientais causados pela geração e uso das diversas formas de energia.

Sabe-se que a população rural possui demandas básicas de uso de energia. Além

disso, a difusão da modernidade no meio rural tem gerado novos padrões de consumo.

Porém, muitas comunidades rurais sofrem com a falta de energia, pois as redes de

distribuição não chegam até suas propriedades, geralmente pelo alto preço de expansão das

mesmas. Essa situação leva a população do meio rural a buscar alternativas muitas vezes

caras e de baixa qualidade para suprir suas demandas, contribuindo para o enfraquecimento

da base socioeconômica das famílias rurais (DE GOUVELLO; MAIGNE, 2003 e PEREIRA, 2011).

Nesse contexto, a eletrificação rural descentralizada (ERD) tem potencial para

resolver esse problema de falta de energia oferecendo um retorno tecnológico flexível para

se ajustar a necessidades de potências baixas. (SCHWADE; ZDANOWICZ, 2013 e SEIFER;

TRIGOSO, 2012).

A maioria dos projetos de eletrificação rural focam em apenas uma tecnologia

(geralmente a fotovoltaica), mas, uma combinação das tecnologias disponíveis é, em nível

técnico, a solução que mais satisfatoriamente atenderá o maior número de clientes (DE

GOUVELLO; MAIGNE, 2003). Por isso, é necessário pensar na ERD sem focar na fonte

energética, mas no serviço por ela prestado (SEIFER; TRIGOSO, 2012).

Além disso, o ser humano deve apostar em uma variedade de tecnologias

alternativas de geração de energia para realizar a transição da atual matriz energética

baseada em combustíveis fósseis para uma matriz baseada em energias limpas com o

objetivo de enfrentar a constante ameaça do aquecimento global (LAWS; EPPS, 2016).

Pesquisadores afirmam que promover a implementação de novas tecnologias em

comunidades tradicionais e a apropriação dos sistemas de geração de energia elétrica por

estas comunidades exige conhecimento prévio sobre as mesmas (FEDRIZZI, ZILLES, 2003;

HAHN, CONDORI, SCHMIDT, 1998 e RIBEIRO et al., 2013). Portanto, com o objetivo de

conhecer melhor as necessidades da população rural, foi realizado um estudo exploratório

em regiões rurais nos estados da Bahia (Correntina), Goiás (Alto Paraíso de Goiás e Colinas

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do Sul) e Distrito Federal (Rota do Cavalo). Diversas propriedades rurais foram visitadas e,

através de entrevistas, buscou-se vivenciar um pouco da vida no campo e conhecer seus

habitantes, entendendo melhor suas demandas. Após o estudo, o sítio Veredão, localizado

no município de Correntina, na Bahia, foi escolhido como foco desse trabalho

principalmente por ser o local com maior dificuldade de acesso à energia elétrica dentre os

visitados e, também, por já ter uma ligação com a Universidade de Brasília.

2 HISTÓRICO E CARACTERIZAÇÃO DO SÍTIO VEREDÃO (CORRENTINA/BA)

O sítio Veredão é o local de residência de Leia Van Den Beusch, funcionária

aposentada do Hospital Universitário de Brasília (HUB). O local possui uma conexão de longa

data com a Universidade de Brasília (UnB). Tudo começou no início da década de 1990,

quando o marido de Leia, Edgard Van Den Beusch, ex-professor de medicina da UnB e do

Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e ex-funcionário do HUB, propôs a pesquisadores

da Faculdade de Tecnologia da UnB a construção de uma turbina que aproveitasse a energia

mecânica do Rio das Éguas, afluente do Rio Corrente e que passa em frente à casa de Leia,

para gerar eletricidade para o posto de saúde construído por ele mesmo, por meio do qual

Edgard prestava atendimento médico à comunidade (TURBINA, 2007 e TURBINA, 2004).

Com apoio da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC),

a partir de 1991, os pesquisadores do Departamento de Engenharia Mecânica da UnB

começaram a experimentar turbinas hidrocinéticas que pudessem obter energia elétrica

através do rio que passava ao lado do local onde fora construído o posto de saúde. O

primeiro protótipo gerava 12 V em corrente contínua, alimentando somente algumas

lâmpadas. Já o segundo protótipo, conseguia gerar 220 V em corrente alternada, suprindo

uma boa parte da demanda do posto de saúde. Finalmente em 1995 foi construída uma

turbina que chegou a funcionar durante cerca de quinze anos (ELS, et al., 2003; ELS; BRASIL

JUNIOR, 2015; ELS; CAMPOS; SALOMON, 2005; TURBINA, 2007 e TURBINA, 2004). Além

disso, outras formas de geração de energia elétrica já foram instaladas no sítio Veredão

antes e depois da turbina hidrocinética, como painéis fotovoltaicos e gerador a diesel com

gaseificador de biomassa.

Atualmente o posto de saúde encontra-se desativado e a casa de Leia está sem

energia elétrica. O acesso à água se dá através de uma bomba d’água movida a gasolina e o

preparo de alimentos é feito com fogão convencional a gás, que gastam, em média, um litro

de gasolina por mês e quatro botijões de gás por ano, respectivamente. A Sra. Van Den

Beusch mora sozinha no sítio e recebe visitas esporádicas dos familiares que vêm para

passar feriados e temporadas.

Baseado em estudos realizados, as tecnologias com maior potencial de geração de

energia limpa no local do sítio são: energia solar e hidrocinética. (CEPEL, ELETROBRÁS, 2000;

COELBA, 2001; e FELIZOLA, MAROCCOLO e FONSECA, 2007).

2.1 METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS

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Nesse trabalho, para realizar o dimensionamento de um sistema de geração

específico para o sítio Veredão, serão utilizadas ferramentas da metodologia de

desenvolvimento de produtos proposta por Rozenfeld, et al. (2006). Especificamente,

ferramentas do Projeto Informacional.

Baseado no que foi apresentado nesta introdução, este artigo tem como objetivo

dimensionar um sistema de geração para eletrificação rural descentralizada que atenda às

principais necessidades energéticas do sítio Veredão (localizado no município de Correntina,

Bahia) observando fatores tecnológicos, ambientais, sociais e econômicos. Visando

proporcionar soluções energéticas específicas para cada um dos seus usos finais, evitando a

fixação em soluções comuns.

3 CICLO DE VIDA DO SISTEMA E CLIENTES

Baseado nas etapas genéricas do Processo de Desenvolvimento de Produtos

mostradas por Rozenfeld et al. (2006, p. 217), pode-se definir o ciclo de vida de um sistema

de Eletrificação Rural Descentralizada a partir das seguintes etapas: Projeto; Montagem e

instalação; Operação; Manutenção e Descarte.

3.2 Identificação das necessidades dos clientes

Neste artigo obteve-se dados tanto de fontes primárias quanto de fontes

secundárias. Os dados de fontes primárias foram resultados de observações de campo e

entrevistas realizadas com populações rurais em visitas às regiões de Correntina/BA, Alto

Paraíso de Goiás, Colinas do Sul/GO e Rota do Cavalo/DF. Já os dados de fontes secundárias

foram obtidos através de uma revisão bibliográfica de trabalhos publicados sobre o tema de

eletrificação rural.

3.2.1 Levantamento de dados secundários

Foi feita uma busca na bibliografia de autores que relataram experiências de

instalações de sistemas de geração de energia elétrica em comunidades isoladas com o

objetivo de identificar lições aprendidas já relatadas (FEDRIZZI, ZILLES, 2013; FEDRIZZI,

SAUER, 2003; BARBOSA, et al., 2003; e NASCIMENTO, et al., 2003). A Tabela 1 abaixo, mostra

as necessidades dos clientes extraídas dos dados secundários levantados.

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Tabela 1: Dados secundários transformados em necessidades dos clientes. (Fonte: o próprio

autor)

3.2.2 Entrevistas e observações de campo

Foram feitas entrevistas presenciais qualitativas com o objetivo de levantar as

necessidades dos clientes e entender o modo de vida da população rural. Em seguida, as

necessidades levantadas foram transformadas em requisitos de clientes.

As entrevistas e observações de campo (fontes de dados primários) mostraram que,

no sítio Veredão, os principais usos de energia dizem respeito a: bombeamento de água para

consumo, iluminação, comunicação, transporte e preparo de alimentos. Além disso, as

conversas também demonstraram o desejo da moradora do sítio por maior fornecimento de

energia para poder ligar mais eletrodomésticos (geladeira, liquidificador e ferro de passar

roupa foram destacados como os mais importantes), além do desejo de ter um sistema de

irrigação e uma chocadeira de ovos de galinha.

As entrevistas realizadas nas outras comunidades rurais, que já são eletrificadas,

permitiu perceber desejos que podem vir a se tornar necessidades futuras após o acesso

dela à energia elétrica de melhor qualidade. Essas necessidades estão relacionadas ao

acesso a outros meios de comunicação (telefone, TV a cabo e internet) e a mais opções de

eletrodomésticos (máquina de lavar, freezer, ventilador, chuveiro elétrico e aparelho de

som).

Com base nas falas da moradora do sítio Veredão sobre os tipos de

eletroeletrônicos que a mesma gostaria de usufruir e na observação dos eletrodomésticos

presentes nas casas de comunidades já eletrificadas, é possível fazer uma ligação com o tipo

de serviço de energia relacionados a esses equipamentos. A conexão é demonstrada na

Tabela 2 abaixo, em que são exibidos os equipamentos e os respectivos serviços de energia

relacionados a estes.

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Tabela 2: Transformação do desejo de equipamento em serviço de energia. (Fonte: o próprio

autor).

3.2.3 Necessidades e requisitos dos clientes

Baseado nos dados secundários, é possível identificar as necessidades mais genéricas dos

clientes de cada fase do ciclo de vida, descritas na linguagem dos próprios clientes. A partir

disso, é possível transformar as necessidades de clientes em requisitos, conforme mostrado

na Tabela 3.

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Tabela 3: Necessidades dos clientes de cada fase do ciclo de vida do sistema (Fonte: o

próprio autor).

A Tabela 3 mostra as fases do ciclo de vida do sistema, os clientes de cada fase, as

necessidades de cada cliente e os requisitos dos clientes. O requisito “Gerar vento” se refere

à função desempenhada pelo ventilador, enquanto o requisito “Esquentar água” diz respeito

à água para banho, já o requisito “Triturar alimentos” refere-se ao que geralmente é feito

pelo liquidificador.

3.3 SUBSISTEMAS

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É possível perceber que os requisitos de 14 a 25 (mostrados na Tabela 3) poderão

ser supridos por um ou mais subsistemas de energia. A Tabela 4 mostra quais tecnologias

apresentam melhor desempenho para atender cada subsistema, em que “CC” significa

eletricidade em corrente contínua e “CA” eletricidade em corrente alternada.

Tabela 4: Subsistemas e alternativas tecnológicas (Fonte: o próprio autor).

Figura 1: Turbina Hidrocinética em funcionamento (Fonte: PANORAMIO, 2016).

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Figura 2: Painel fotovoltaico em telhado (Fonte: CRESESB, 2016).

4 ESCOLHA DAS TECNOLOGIAS A SEREM USADAS

O sistema de irrigação por gravidade demonstrou ser o mais adequado para atender

o requisito de “Controlar irrigação”, graças ao seu baixíssimo custo e eficiência.

Os subsistemas “Lavar roupa”, “Gerar vento”, “Conservar alimentos”, “Triturar

alimentos”, “Passar roupa” e “Esquentar água” serão escolhidos para serem supridos por

energia elétrica em CA, pois as altas potências requeridas por equipamentos que

desempenham essas funções poderiam encarecer demais um sistema em corrente contínua

(CC) além de que equipamentos desse tipo alimentados por CC são difíceis de achar ou não

existem no mercado brasileiro. A tecnologia mais sustentável e disponível localmente para

fornecer eletricidade em CA é a turbina hidrocinética. A turbina de 1,8 kW instalada por

último na propriedade pode ser reaproveitada para suprir essas cargas elétricas.

A melhor opção para fornecer energia em CC, de modo a minimizar os impactos

ambientais e suprir os requisitos “Entretenimento/comunicação” e “Iluminação”, é utilizar

módulos fotovoltaicos para ligar um som, um sistema de internet e lâmpadas de LED em

corrente contínua, sem necessidade de inversor.

Os subsistemas de bombeamento de água e de preparo de alimentos já possuem

soluções aplicadas no sítio, por isso não é necessário fazer escolhas para esses requisitos,

mas a utilização de forno solar pode trazer economias e menores impactos ao meio

ambiente e, no futuro, quando mudanças ou reposições forem executadas, pode ser

interessante analisar novamente a possibilidade do bombeamento solar ou roda d’água.

Pelos mesmos motivos, também podem ser analisadas a possibilidade de usar o sistema de

aquecimento solar térmico convencional ou de baixo custo para suprir a demanda de

esquentar a água do chuveiro.

Além disso, conforme mostrado na Tabela 3, é preciso capacitar os usuários e

operadores do sistema. Moradores da comunidade interessados em aprender sobre o

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funcionamento do sistema podem ser convidados a participar de capacitações no sítio

Veredão para que possam ser capazes de realizar serviços de manutenção no sistema

instalado no sítio. Essas pessoas podem até mesmo se tornar agentes para a disseminação

das tecnologias na região.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fornecimento de energia elétrica a comunidades isoladas possui desafios

tecnológicos, de infraestrutura (estradas) e geográficos (baixa densidade populacional). Esse

trabalho provou que é possível projetar soluções que atendam às demandas energéticas

dessas comunidades sem a necessidade de recorrer a receitas prontas. Ao invés disso, é

dever dos projetistas procurar ouvir os usuários finais e buscar maneiras personalizadas de

enfrentar os desafios do acesso universal à energia.

Finalmente, o objetivo deste trabalho foi atingido no que se refere ao

desenvolvimento de uma solução específica de atendimento de demanda de energia para o

sítio Veredão, pensando cada tecnologia de geração de energia de forma a atender o seu

uso final e sem se prender a soluções comuns. O sistema projetado utiliza fontes de energia

renováveis disponíveis localmente, promovendo o desenvolvimento local e suprindo a

demanda de energia completamente.

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ARTIGOS

LINHAS EDITORIAIS

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CONVERGÊNCIA INTERNACIONAL DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA: DESAFIOS

AOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

INTERNATIONAL CONVERGENCE IN THE COMPETITION LAW: CHALLENGES TO

DEVELOPING COUNTRIES

Bruno Braz de Castro10

Resumo: O presente artigo avalia os desafios colocados aos países em desenvolvimento no

âmbito das iniciativas de convergência internacional do direito da concorrência. Após

delinear as questões econômicas que impelem as iniciativas de convergência, o trabalho

apresenta os mecanismos institucionais de sua promoção, observando a proeminência de

instâncias informais e de “soft law”. Neste ponto, o desafio é garantir a legitimidade jurídica

e política da incorporação das recomendações produzidas em instâncias informais. Em

seguida, o artigo apresenta os mecanismos substanciais de convergência, destacando o

papel da análise econômica, apresentada como linguagem universal apta a atuar como

“motor” da convergência. O desafio, quanto a isso, é identificar inconsistências entre as

premissas ideológicas das teorias econômicas, as escolhas políticas já consagradas no

ordenamento jurídico e as peculiaridades da realidade econômica de cada país em

desenvolvimento.

Palavras-chave: Direito da Concorrência; Convergência; Países em Desenvolvimento.

Abstract: This paper assesses the challenges to developing countries regarding the initiatives

on the international convergence of competition law. After tracing the economic issues

motivating convergence initiatives, the paper presents the institutional vehicles of its

promotion, in which informal and “soft law” institutions prevail. The challenge to developing

countries, in this matter, is to assure the legal and political legitimacy of incorporating the

recommendations issued by these informal organizations. Next, the article presents the

substantial mecanisms of convergence, highlighting the role of economic analysis, presented

as a universal language able to drive the convergence. The challenge, on this issue, is to be

aware of inconsistencies between the ideological premises of economic theories, the

political choices established on the legal order and the economic reality of each developing

country.

Keywords: Competition Law; Convergence; Developing Countries.

1 INTRODUÇÃO

10

Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Prêmio IBRAC/ESSO (edição de 2008) de monografias em Direito da Concorrência (2º Lugar - Categoria Graduação). Prêmio Literário CIEE/CADE (edição de 2009 - tema &quot;Sham Litigation&quot;- 1º Lugar).

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A internacionalização das práticas econômicas tem motivado iniciativas de

promoção da convergência[1] entre as legislações concorrenciais[2] ao redor do mundo. Se a

dissuasão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento inviabilizou a convergência por

vias formais e compulsórias, redes tecnocráticas, o “soft law” e instituições informais têm

florescido. Nesse caso, cabe aos países em desenvolvimento garantir a legitimidade

democrática da adesão a recomendações oriundas das instituições em questão, verificando

também a especificidade política de modelos econômicos aparentemente neutros. O

presente artigo analisa essa questão.

A efetivação de políticas públicas de defesa da concorrência é algo bastante

disseminado entre os países em desenvolvimento, que já constituem três quartos do grupo

dos mais de cem países possuidores de algum tipo de legislação com esse caráter (HAZEL,

2015, p. 276). O contexto de introdução de políticas concorrrenciais é variado, mas,

geralmente, relaciona-se ao processo de liberalização econômica por que passaram os países

em desenvolvimento no final do século XX como, no caso dos países latinoamericanos, as

reformas estruturais adotadas sob a égide do Consenso de Washington (PEÑA, 2006)[3].

Não obstante a efetivação desse tipo de política pública tenha ocorrido em sintonia

com estímulos internacionais, observa-se variação em seu conteúdo entre as jurisdições.

Destacam-se as diferentes abordagens quanto à finalidade do direito concorrencial ou, em

outras palavras, ao objetivo que uma determinada sociedade pretende alcançar com a

regulação da atividade competitiva empresarial, determinando a licitude ou ilicitude de

condutas[4].

Entre os países e comunidades de países desenvolvidos, dois pólos, os Estados

Unidos da América e a União Europeia, destacam-se como visões distintas sobre a finalidade

do antitruste contemporâneo (GAL, 2004). De um lado do Atlântico, o modelo

estadunidense, por decisiva influência da Escola de Chicago (a partir da década de 1970),

orienta-se à maximização do bem-estar do consumidor (eficiência econômica alocativa)

(FARRELL; KATZ, 2006). Do outro, o sistema europeu orienta-se primordialmente à proteção

do processo competitivo e da preservação da rivalidade nos mercados (DREXL, 2015). A

repercussão dessas diferenças é marcante na análise de condutas empresariais: se se define

que o bem-estar do consumidor, em sentido próprio ou impróprio, é a finalidade do

antitruste, um parâmetro de ilegalidade baseado no prejuízo aos consumidores (elevação de

preços) parece razoável. Se, por outro, entende-se que a finalidade do antitruste é a

proteção da rivalidade para preservação da estrutura da concorrência, pode haver violações

à lei mesmo quando não há dano direto ao consumidor.

As legislações dos países em desenvolvimento, por sua vez, exibem um rol

diversificado de finalidades para o direito concorrencial, incluindo preocupações com a

proteção de pequenas empresas, desenvolvimento econômico, interesse público, redução

de desigualdades, dentre outras [5]. Observa-se, em outras palavras, uma pluralidade de

finalidades não baseadas no conceito de eficiência econômica, sendo que, em muitos desses

países – especialmente aqueles sob influência do sistema europeu – identifica-se também

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um foco na preservação da rivalidade e proteção do processo competitivo (OSTI, 2015, p.

257). Identifica-se, de modo geral, uma preocupação maior com a redução de desigualdades,

promoção do desenvolvimento econômico e da eficiência em longo prazo, em vez de um

foco estrito na eficiência estática de curto prazo [6] (BAKHOUM, 2011; FOX, 2007; SINGH,

2004).

O avanço da globalização, contudo, tem sido o motor para as iniciativas no sentido

da convergência das políticas de defesa da concorrência ao redor do mundo. Tal

convergência comparece como preocupação premente na medida em que a ascensão de

mercados globais acarretou o surgimento de “monopolistas sem fronteiras” (a expressão é

de SOKOL, 2007, p. 52), cujas práticas acarretam efeitos através de diversas jurisdições, com

importantes impactos também para os países em desenvolvimento. Destacam-se, em

especial: os cartéis “puros” (ou “hard core”) internacionais [7]; fusões e aquisições

internacionais[8]; e práticas exclusionárias[9].

A emergência de tais práticas internacionais levanta preocupações relacionadas à

existência – e ao conteúdo – de políticas de defesa da concorrência ao redor do mundo.

Uma estratégia comum para controle das práticas econômicas internacionais, por

alguns países, é a aplicação extraterritorial da lei de defesa da concorrência, com recurso à

“teoria dos efeitos”, segundo a qual uma prática será punida independentemente de sua

localização geográfica, desde que gere efeitos anticompetitivos na jurisdição em questão. A

aplicação extraterritorial da lei, contudo, acarreta a possibilidade de que uma prática

encontre-se sujeita a diversas jurisdições, simultaneamente, elevando riscos de resultados

contraditórios e elevando os custos de transação das práticas em questão (BUDZINSKI, 2008,

p. 40) [10].

A aplicação extraterritorial da lei enfrenta, também, obstáculos relacionados à

obtenção de evidências e implementação das decisões obtidas, já que as práticas não se

encontram localizadas no território do órgão que proferiu a decisão. Por essa razão, países

com mercados domésticos mais importantes – e que possuam, por exemplo, mais ativos das

empresas envolvidas na prática anticompetitiva em seu território, ou despertem mais

interesse no acesso a seus mercados e, portanto, no compliance – acabam por ter mais

sucesso nessa empreitada: daí deriva uma espécie de “duopólio” entre Estados Unidos e

União Europeia na aplicação da legislação antitruste em mercados globais, com participação

apenas marginal de algumas jurisdições emergentes, revelando uma assimetria de poder na

aplicação extraterritorial da lei [11], que tende a prejudicar os países em desenvolvimento.

Dessa disparidade, resulta o risco de a aplicação extraterritorial da legislação

antitruste ser parcial, por considerar apenas os efeitos econômicos no mercado doméstico

da jurisdição em questão, e não seu impacto global: é possível que determinada fusão seja

positiva, sob o ponto de vista global, mas gere prejuízos locais, ou vice-versa. (BUDZINSKI,

2008, p. 38).

Nesse contexto, também se discutem as oportunidades de aplicação estratégica da

legislação concorrencial, através de imunidades à legislação antitruste (como a fornecida a

cartéis de exportação em alguns países), aplicação seletiva da lei em prol de determinados

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grupos de empresas, ou quaisquer outras estratégias de elevação do bem-estar econômico

nacional em detrimento do bem-estar econômico internacional (FOX, 2000, p. 1.795).

Essas questões motivam as iniciativas de convergência no antitruste. Nesse ponto,

observa-se que instrumentos tradicionais – como no âmbito de organizações internacionais

e tratados regionais ou bilaterais – obtiveram sucesso muito limitado, ao passo que a

liderança nesse processo é detida por instituições informais e pela soft law.

2 MECANISMOS INSTITUCIONAIS DE CONVERGÊNCIA

Embora tentativas de implementação de uma política internacional vinculante de

defesa da concorrência não sejam um fenômeno recente [12], não se pode dizer que

tenham sido bem-sucedidas. O Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), de 1947, não

possuía disposições relativas à defesa da concorrência, e tentativas de acordo internacional

sobre o tema, nos anos subsequentes, não foram bem-sucedidas (UTTON, 2006, p. 107). No

âmbito da OMC, temas como o tratamento a cartéis, fusões e abuso de posição dominante,

de modo geral, permaneceram externos aos acordos firmados na Rodada do Uruguai, com

exceção de disposições específicas em tratados setoriais como o GATS e o TRIPS (UTTON,

2006, p. 111).

Em 1996, por iniciativa da União Europeia, a Conferência Ministerial de Cingapura

da OMC decidiu incluir, no âmbito das iniciativas denominadas “questões de Cingapura”, a

instituição de um Grupo de Trabalho para análise da interação entre concorrência e

comércio internacional. Os trabalhos do Grupo foram marcados por severas discordâncias, o

que tornou impossível uma abordagem universalista que impusesse regras idênticas a todos

países signatários, ou previsse a criação de uma autoridade antitruste global e, mesmo com

a redução de seu escopo, levou ao abandono da iniciativa [13] (WOOLCOCK, 2003, p. 253).

Um elemento de destaque sobre essa iniciativa de inclusão da pauta antitruste na

OMC – que contou com a liderança da Comunidade Europeia, e já sofria, desde o princípio,

oposição dos Estados Unidos da América (BUDZINSKI, 2008, p. 138) – é que ela foi objeto de

rejeição, também, por muitos países em desenvolvimento [14]. A oposição dos países em

desenvolvimento baseou-se na preocupação com os custos administrativos e políticos de sua

implementação (WOOLCOCK, 2003, p. 253), temor por sanções pela OMC em caso de falhas

na efetivação da lei (DREXL, 2004, p. 436) e, de modo mais marcante, preocupação com

restrições ao escopo de políticas industriais disponíveis para a promoção da competitividade

internacional de suas empresas domésticas [15] (BUDZINSKI, 2008, p. 137; DREXL, 2004, p.

436).

Após o relativo insucesso dessa empreitada, não se identificaram iniciativas

relevantes de inclusão de regras concorrenciais vinculantes pela OMC (MARQUIS, 2015, p.

170)[16].

Diante da dificuldade em estabelecimento de regras internacionais vinculantes para

o direito da concorrência, a convergência tem sido, de modo mais importante, processada

por iniciativas de soft law (ou “quase-direito”): regras não-vinculantes, como

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recomendações, guias e padrões, no âmbito de instituições (formais e informais) como a

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização das

Nações Unidas (ONU) e a International Competition Network (ICN)[17].

As iniciativas no âmbito da OCDE ocupam-se da produção de Recomendações e

outros documentos voltados à delimitação de melhores práticas e padrões de atuação

pública em temas relacionados à defesa da concorrência . Embora critique-se a menor

expressividade da influência dos países desenvolvidos na composição da OCDE[18], os

documentos produzidos no âmbito do órgão constituem diretrizes bastante utilizadas na

análise de questões concorrenciais e, embora não-vinculantes, possuem influência

considerável em áreas procedimentais como a conformação de sistemas de cooperação

bilateral em matéria concorrencial. Nas questões substanciais (conteúdo da legislação),

contudo, observa-se que a implementação das recomendações da entidade pelos países-

membros é bastante limitada (SOKOL, 2007, p. 48; UTTON, 2006, p. 109).

Outro fórum importante é a UNCTAD, que, já em 1980, publicou o Conjunto de

Princípios e Regras Multilateralmente Consentidos para o Controle de Práticas Empresariais

Restritivas (“Conjunto”) e, no mesmo ano, publicou uma Lei-Modelo de Concorrência.

A atuação da UNCTAD, em diversas ocasiões, foi pautada pela participação dos

países em desenvolvimento (MITSCHKE, 2008, p. 41; SINGH, 2004). É notável, nesse sentido,

o posicionamento apresentado pela coalizão de países em desenvolvimento chamada

“Grupo dos 77”[19] por ocasião das negociações para formulação do Conjunto e da Lei-

Modelo acima mencionados, pleiteando uma política concorrencial internacional pautada

por maior deferência a suas preocupações desenvolvimentistas[20]. Na conclusão dessas

negociações, o Conjunto e a Lei-Modelo não representaram a visão do Grupo dos 77, e Sokol

(2007) analisa que o consenso foi obtido graças à adoção de disposições não vinculantes e

vagas que, em razão da pressão dos EUA, não articularam uma visão sobre o antitruste

internacional, focando na política doméstica (SOKOL, 2007, p. 48). O Conjunto e a Lei-

Modelo tiveram influência muito limitada no desenvolvimento do antitruste (BUDZINSKI,

2008, p. 142; UTTON, 2006, p. 108).

Assumiu a dianteira, nesse processo, a Rede Internacional de Concorrência

(International Competition Network – ICN). A ICN representa a concretização da visão dos

Estados Unidos da América para antitruste internacional. Havendo sido tradicionalmente

refratários à perda de soberania em questões concorrenciais, os EUA decidiram focar sua

atuação medidas de convergência por meio de soft law e da assistência técnica[21].

A ICN é uma rede “virtual”, por não possuir um corpo permanente e não ser

baseada em um tratado internacional, e promove a cooperação voluntária entre seus

membros (mais de cem autoridades de defesa da concorrência), com participação também

de representantes dos órgãos internacionais e consultores não-governamentais do setor

privado (FOX, 2009, p. 160) para, dentre outros objetivos, expedir guias e recomendações

consensuais de melhores práticas. A adesão aos guias e recomendações é voluntária, mas o

fato de constituírem um padrão de excelência – a partir do qual a eficiência da autoridade

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concorrencial pode ser aferida – traduz-se em um importante estímulo para sua

incorporação (BUDZINSKI, 2008, p. 144).

O caráter informal e voluntário da ICN é uma das razões de seu sucesso, de modo

que o órgão vem se alçando como o fórum dominante para iniciativas de convergência no

direito concorrencial (MARQUIS, 2015, p. 160). Em especial, o sucesso na criação de uma

cultura comum de concorrência (BUDZINSKI, 2012, p. 15) é considerado fundamental a

qualquer tentativa futura de convergência através de estruturas internacionais vinculantes

[22].

A existência de instâncias informais de produção de soft law no direito

internacional, em paralelo a instituições formais – i.e., organizações formadas através de

contratos entre Estados – vem-se intensificando nos últimos anos (WESSEL, 2014, p. 6),

como estratégia para solução do travamento das negociações, em diversas matérias,

observado no âmbito de organizações internacionais (HALE; HELD, 2012, p. 170). Instituições

como a ICN configuram uma instância informal transgovernamental: embora franqueada a

participação do setor privado, os Estados permanecem no centro das atividades; a

cooperação, contudo, ocorre entre reguladores nacionais (técnicos), em vez de diplomatas

(HALE; HELD, 2012, p. 171).

Essa mudança de eixo – dos representantes políticos para os técnicos – causa

algumas perplexidades ao entendimento tradicional sobre a legitimidade política de

iniciativas internacionais. Embora, por princípio, as recomendações obtidas no âmbito de

órgãos como a ICN não sejam vinculantes, é possível conceber que tenham influência na

atuação dos reguladores nacionais, em instâncias como a interpretação da lei posta ou a

seleção das prioridades de aplicação da lei diante de orçamentos limitados (foco em

determinado tipo de conduta, por exemplo). Se isso é verdade – o material produzido no

âmbito da ICN tem influência efetiva na aplicação do direito concorrencial nos países

membros – surgem preocupações sobre a legitimidade política de um conteúdo normativo

produzido por técnicos, ao invés de representantes políticos formais[23].

Slaughter (2004a) relata também que redes informais de cooperação são criticadas

pelo fato de que, em face da desigualdade global, esses arranjos tecnocráticos privilegiam as

nações de que se origina o saber técnico[24]. Quanto a esse ponto, Djelic e Kleiner (2006)

observam que, a despeito do caráter horizontal da estrutura da ICN, os processos

deliberativos refletem disparidades de poder, recursos e tradição antitruste entre os países

participantes, com primazia da visão antitruste dos EUA: “a posição proeminente dos

autoridades antitruste e firmas de advocacia dos EUA na ICN sugere que é improvável que o

‘Evangelho’ da concorrência de lá divirja demais do dogma antitruste dos EUA” (DJELIC;

KLEINER, 2006, p. 305) [25].

É certo que essa preocupação é válida quando se trata do direito da concorrência,

haja vista a profunda carga ideológica que subjaz questões aparentemente técnicas, nessa

área [26]. Tais diferenças ideológicas são, inclusive, uma das razões do fracasso de muitas

iniciativas no âmbito de outros órgãos, o que também explica a própria criação da ICN como

rede informal.

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Esse tipo de questão não é, contudo, apto a, por si só, descreditar iniciativas no

âmbito da ICN, especialmente em vista do caráter não vinculante das recomendações. É

importante, contudo, cautela, por parte das autoridades antitruste, na ocasião de incorporar

recomendações a sua política de aplicação e interpretação da legislação doméstica: arranjos

tecnocráticos necessitam respeitar as escolhas políticas já consagradas no ordenamento

jurídico pátrio [27].

3 MECANISMOS SUBSTANCIAIS DE CONVERGÊNCIA

No tocante aos mecanismos substanciais de convergência, será útil o conceito de

isomorfismo referido por Poli (2015, p. 69-72): o processo por meio do qual uma instituição

tende a emular estruturas, rotinas e valores de outra instituição semelhante, o que pode

acontecer em três contextos, não excludentes: coercitivo, traduzido em pressões formais ou

informais de conformação a determinados padrões[28]; mimético, quando uma instituição

emula práticas bem-sucedidas em instituições estrangeiras, em cenários de incerteza [29]; e

normativo, implementado por meio da profissionalização dos tomadores de decisão, em

instituições universitárias ou redes profissionais[30], com vistas à criação de uma formação

comum, homogeneizando as visões sobre problemas e suas respectivas soluções (POLI,

2015, p. 70).

Entre esses três mecanismos de promoção do isomorfismo no direito concorrencial,

Poli (2015, p. 157) destaca que as dimensões mimética e normativa têm maior

proeminência, com a participação de instituições como a ICN e a OCDE [31]. De fato, como

visto, boa parte das iniciativas contemporâneas em prol da convergência da política

internacional de defesa da concorrência vêm-se processando, como visto, através de

mecanismos de construção de uma “cultura comum” (ou “alinhamento cognitivo”, nos

termos de GERBER, 2014, p. 04) entre reguladores domésticos ao redor do mundo.

A meta, em longo prazo, para essas instituições, não é somente harmonizar

aspectos procedimentais do antitruste entre os países envolvidos, mas obter uma

harmonização dos padrões substanciais de análise (seu conteúdo). Espera-se que a soft law,

nesse caso, torne-se hard law no futuro[32].

Construir um consenso em torno desses padrões de análise, contudo, implica em

harmonização normativa do entendimento sobre a finalidade do direito concorrencial. Para

esse objetivo, as iniciativas acima analisadas evidenciam uma disputa entre Estados Unidos e

União Europeia para a liderança na convergência da política de defesa da concorrência ao

redor do mundo [33].

Entre os países em desenvolvimento, verificar a adesão ao paradigma europeu ou

estadunidense depende do nível de análise. Gal e Padilla (2010), analisando o que chamam

de “fenômeno do seguidor” – segundo o qual a defesa da concorrência, em um país, é

modelada com base em um ordenamento jurídico estrangeiro – identificam dois níveis de

comportamento de seguidor: o primeiro nível é o transplante legislativo, segundo o qual a

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legislação positiva e o desenho institucional de um país são “transplantados” para o

ordenamento jurídico do país de destino, que ocorre no momento da formulação da lei; o

segundo é o transplante de interpretações da lei, que ocorre permanentemente (GAL;

PADILLA, 2010, p. 900). Nesse segundo tipo de transplante é que se insere a importação de

teorias – acadêmicas e jurisprudenciais – estrangeiras acerca do conteúdo e finalidades da

legislação concorrencial, bem como entendimentos sobre as prioridades da política de

aplicação da lei (enforcement).

No nível legislativo e do desenho institucional, é geralmente reconhecida a

influência preponderante do modelo europeu na conformação dos sistemas de defesa da

concorrência em vários países em desenvolvimento: o foco europeu em maior abertura dos

mercados e preservação da rivalidade pareceu mais atraente a países em desenvolvimento,

na formulação de suas próprias leis, do que um foco estrito em eficiência estática agregada

(MARQUIS, 2015, p. 202; PEÑA, 2006, p. 739; POLI, 2015, p. 157)[34].

No nível da interpretação da lei, contudo, o que se observa é que a teoria antitruste

estadunidense – especificamente, a análise econômica do direito antitruste nos moldes da

Escola de Chicago[35] – vem ganhando terreno e assumindo uma posição hegemônica entre

teóricos e aplicadores do direito concorrencial ao redor do mundo (PEÑA, 2006, p. 738).

Gerber (2014) demonstra que boa parte dos esforços de convergência internacional

partem da premissa de que a análise econômica do direito concorrencial poderia fornecer

uma base comum a todas as jurisdições. Esse tipo de argumento costuma ser articulado em

prol de uma postura “universalista” com relação a esses modelos econômicos, que

pressupõe sua aplicabilidade a todo e qualquer configuração socioeconômica ao redor do

mundo, independentemente de diferenças contextuais e institucionais (GERBER, 2008, p. 23;

PRIEST, 2012). Nesse universalismo, o conceito econômico de “bem-estar do consumidor”

seria o motor da harmonização do antitruste global (DREXL, 2015, p. 265)[36].

A convergência em direção à análise econômica do direito é predicada na

“microeconomização” do direito concorrencial (BUCH-HANSEN; WIGGER, 2011, p. 107).

Trata-se, aqui, de promover o foco exclusivo da análise de condutas econômicas nos termos

do modelo neoclássico do bem-estar econômico, com exclusão de quaisquer outras

considerações econômicas e sociais, como questões macroeconômicas, de política industrial,

de eficiência dinâmica, questões distributivas, ambientais ou outras preocupações com a

acumulação de poder econômico privado.

O direito concorrencial constitui, contudo, o ordenamento jurídico da distribuição e

uso do poder econômico privado, afetando interesses – muitas vezes contrapostos – de

diversas categorias, como empresários, consumidores, trabalhadores e a coletividade como

um todo (WIGGER, 2009, p. 253). O tratamento jurídico de tais interesses – definir quais são

legítimos, ou não – é mediada, necessariamente, por uma visão de mundo (ideologia) sobre

a organização ideal dos mercados em determinada ordem econômica e, especialmente,

sobre o papel do Estado nesse processo.

A negação desse caráter “político-jurídico” encerra o risco de excluir, da arena de

deliberação coletiva, questões que – não obstante seu caráter técnico e complexo – tocam

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em escolhas políticas fundamentais[37]. A promoção de uma convergência da legislação

concorrencial que não leve em consideração a potencial pluralidade de visões políticas sobre

a finalidade do direito da concorrência, entre as diferentes jurisdições ao redor do mundo,

pode resultar na formulação de políticas públicas desconectadas da realidade econômica dos

países em desenvolvimento, ou das escolhas políticas consagradas na ordem jurídica dessas

nações.

Além da questão da realidade econômica, a importação de modelos estrangeiros

incorre no risco, também, de desconsiderar o que Gerber (2008) chama de “inserção

institucional” da Economia. No contexto da defesa da concorrência a Economia não é

aplicada em um “vácuo”, mas inserida em um contexto institucional marcado por um feixe

de regras jurídicas procedimentais e substanciais (GERBER, 2008, p. 24). Dentre tais regras,

incluem-se especialmente aquelas sobre a própria finalidade do direito concorrencial, que

informa a determinação jurídica acerca de quais tipos de efeitos econômicos são

considerados desejáveis ou indesejáveis pelo ordenamento jurídico [38].

Dessa forma, a aplicação de um modelo econômico, em cada jurisdição, é

intermediada por regras procedimentais e substanciais, o que torna a importação de

precedentes algo delicado. Fatores decisivos para um precedente, em certa nação, podem

ser específicos àquele ordenamento jurídico, não decorrendo exatamente do modelo

econômico “puro” em questão. A adoção acrítica de precedentes estrangeiros encerra o

risco de desestimular o aprendizado institucional e a criação de práticas mais adequadas ao

contexto local [39].

Outra questão a se considerar é que, mesmo entre os próprios países

desenvolvidos, ainda não há consenso sobre aspectos importantes da conformação da

política de defesa da concorrência – como suas finalidades e padrões para ilicitude de

práticas exclusionárias, por exemplo – o que coloca em dúvida a possibilidade de

convergência ao redor do mundo (MARQUIS, 2015, p. 159). Ao mesmo tempo, a indefinição

entre os países desenvolvidos oferece uma oportunidade para que os países em

desenvolvimento desenvolvam suas próprias abordagens, ou escolham, dentre as

alternativas teóricas vigentes em outras jurisdições, aquelas que se compatibilizem com sua

realidade jurídica e econômica. Entre isomorfismo e inovação institucional, é desejável é que

o duopólio Estados Unidos – União Europeia no “mercado” de teorias antitruste torne-se

cada vez mais parecido com um oligopólio, à medida que jurisdições emergentes, como o

Brasil, vêm crescendo de importância na aplicação internacional da política de defesa da

concorrência (KOVACIC, 2015, p. 1158).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A convergência entre as legislações de defesa da concorrência ao redor do mundo é

uma medida que interessa, em maior ou menor medida, tanto a países desenvolvidos

quanto aos países em desenvolvimento. Isso não significa que os interesses de ambos os

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grupos de países sejam coincidentes: as divergências são visíveis no insucesso de vias

formais e de “hard law” para harmonização dessa política pública ao redor do mundo.

As vias informais e de “soft law”, não obstante constituam importante fórum para

inovação e aprendizado mútuo, não são inofensivas: a criação de uma cultura comum entre

técnicos e a expedição de recomendações, mesmo que não coercitivas, pode ter influência

decisiva na interpretação da legislação concorrencial e na seleção das prioridades de

atuação em determinado país. Se a análise econômica tem servido como veículo para a

construção de uma “cultura comum” da concorrência, em bases científicas, é necessário

observar que modelos econômicos não existem num “vácuo”. No direito concorrencial, área

profundamente marcada por questões ideológicas sobre a relação entre Estado e empresa, a

aplicação de modelos econômicos é intermediada por pressupostos e objetivos intimamente

ligados às peculiaridades e escolhas políticas consagradas em cada ordenamento jurídico.

Em ambos os casos, então, fica evidente que a Ciência Econômica não pode

substituir o Direito (ou prescindir dele): a uniformização de procedimentos de análise de

práticas empresariais, com recurso à teoria econômica, não ocorrerá em atropelo à visão

política que cada comunidade estabelece com relação a sua atividade econômica.

NOTAS DE FIM

[1] Por convergência, entende-se a redução ou eliminação de diferenças entre legislações

concorrenciais, o que, conforme Cheng (2012, p. 440) pode ocorrer nos níveis procedimental

(regras relacionadas às rotinas de análise), substantivo (critérios de aferição de

legalidade/ilegalidade de práticas) e normativo (normas culturais e entendimento social

quanto à concorrência, abrangendo o entendimento sobre a finalidade dessa política

econômica, percepção de justo e injusto, etc.).

[2] A legislação concorrencial (ou “antitruste”) disciplina a atividade empresal e define o uso

e abuso de poder econômico. Pode ser implementada de modo preventivo, no controle de

fusões e aquisições, e repressivo, no controle de práticas que vulnerem a livre concorrência,

a exemplo de práticas que desestimulam a rivalidade (como cartéis) ou práticas que

irrazoavelmente a dificultem ou a impeçam (como contratos de exclusividade, preços

predatórios, dentre muitas outras).

[3] Isso é verdadeiro mesmo em países como o Brasil – em que o abuso de poder econômico

comparece como objeto de preocupação jurídica desde as Constituições de 1937 e 1946,

com destaque à Lei Federal nº 4.137 de 1962, que criou o Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE). Não obstante a existência de legislação anterior, é geralmente

reconhecido que a implementação de um sistema efetivo de defesa da concorrência só

aconteceu a partir de reformas iniciadas na década de 1990 (FORGIONI, 2012, p. 84-119).

[4] Essa é uma escolha fundamental a toda aplicação posterior da lei, já que a desejabilidade

de determinada prática econômica – e, igualmente, de determinada medida estatal em

resposta a tal prática – será apurada na medida em que contribui ou prejudica a

concretização da finalidade da legislação em questão. É a partir daí, igualmente, que a

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autoridade responsável pela aplicação da lei irá determinar prioridades de atuação e prestar

contas sobre a efetividade da política pública (STUCKE, 2012, p. 558).

[5] Levantamento realizado por Waked (2015) identifica, dentre muitas outras, doze

principais finalidades expressas na legislação de 50 países em desenvolvimento: “proteção

do interesse do consumidor; interesse público; concorrência; eficiência econômica;

eliminação de práticas empresariais restritivas; liberdade econômica; proteção de pequenas

empresas; progresso e desenvolvimento; justiça e equidade; escolha do consumidor; preços

competitivos; concorrência em mercados internacionais” (WAKED, 2015, p. 980).

[6] Esse debate é resumido por Fox nos seguintes termos: “Países desenvolvidos

frequentemente insistem que o antitruste é apenas para eficiência e bem-estar do

consumidor, e que qualquer foco mais amplo irá proteger pequenos concorrentes e afogar a

economia em ineficiências. Países em desenvolvimento respondem que seu antitruste deve

abordar questões de distribuição e poder” (FOX, 2007, p. 101, tradução livre).

[7] São acordos de fixação direta de preços, quantidades, fraudes em compras públicas ou

divisão de mercado entre produtores de diversos países, com efeitos em mais de uma

jurisdição (DO, 2010, p. 135) , acarretando substanciais prejuízos aos países em

desenvolvimento. Só na América Latina, o volume de transações afetadas por distorções de

cartéis internacionais entre 1990-2007 é estimado entre US$ 0,5 e US$2 trilhões (CONNOR,

2008, p. 43). Cf. também (LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 821).

[8] As fusões – de modo geral, operações em que duas ou mais entidades empresariais

independentes submetem-se ao controle de uma só entidade – têm experimentado grande

intensificação ao longo das últimas décadas (MAKAEW, 2012, p. 1). Os impactos

concorrenciais dessas práticas, em nível global, são ambíguos. Embora, a princípio, avalia-se

que as fusões tiveram efeitos pró-competitivos em muitas situações – por atuarem na

abertura e expansão de mercados anteriormente dominados por estruturas nacionais

entrincheiradas – a continuada intensificação dessa prática acarreta a preocupação com o

surgimento de posições dominantes globais (BUDZINSKI, 2008, p. 22). Do ponto de vista dos

países em desenvolvimento, igualmente, identificam-se ambiguidades. Cf. (DO, 2010;

SOKOL, 2007).

[9] Práticas econômicas cujo objetivo é impedir ou dificultar a entrada e permanência de

rivais em determinado mercado – cujos efeitos atravessam diferentes jurisdições

(BUDZINSKI, 2008, p. 18). Quanto aos países em desenvolvimento, observa-se que os

impactos de práticas exclusionárias podem ser ainda mais preocupantes para suas

economias que para os países desenvolvidos, tendo em vista o menor dinamismo de suas

economias para correção de eventuais distorções (BRUSICK; EVENETT, 2008, p. 271).

[10] No caso das fusões internacionais, por exemplo, é possível que uma determinada fusão

gere efeitos econômicos negativos em um determinado mercado nacional, mas seja

considerada benéfica em outras nações; há o risco de aprovação sob uma jurisdição e

rejeição sob outra, ou da imposição de remédios incoerentes.

[11] A assimetria de poder na aplicação extraterritorial da legislação antitruste tende a

impactar negativamente países em desenvolvimento: como estes, tipicamente, possuem

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limitado poder de investigação e implementação de suas decisões, seu escopo de ação é

restrito em face de práticas que gerem prejuízos a seus mercados internos mas, ao mesmo

tempo, sejam consideradas positivas para as jurisdições dos países desenvolvidos

(BUDZINSKI, 2008, p. 39).(SOKOL, 2007, p. 61).

[12] A Carta de Havana (1948), que representou o documento final das negociações com

vistas à fundação da Organização Internacional do Comércio (OIC), incluía, em seu Capítulo

V, a previsão de uma política geral de combate a práticas empresariais restritivas à

concorrência, de monopolização ou restrição do acesso a mercados, incluindo cartéis, abuso

de direitos de propriedade intelectual, práticas discriminatórias, dentre outras (UTTON,

2006, p. 107).

[13] A Declaração de Doha de 2001 reduziu o escopo do grupo a pontos de menor

controvérsia (questões procedimentais/institucionais e o combate a cartéis “puros”) e, ainda

assim, a ausência de acordos levou a OMC, na Conferência de Cancún em 2003, retirar o

antitruste de sua agenda (SOKOL, 2007, p. 51).

[14] A rejeição à pauta antitruste pelos países em desenvolvimento, em primeiro lugar, deve

ser compreendida em um contexto mais amplo de rejeição às Questões de Cingapura como

um todo (STEWART, 2004, p. 7). Não obstante esse elemento contextual, o conteúdo da

proposta também foi objeto de rejeição específica por parte de alguns países em

desenvolvimento.

[15] Em especial, discutiram-se as repercussões da adoção do princípio da não-discriminação

– segundo o qual a legislação antitruste nacional não poderia conferir tratamento

discriminatório com base no país de origem da empresa.

[16] Isso não quer dizer, contudo, que tentativas de convergência da política antitruste

deixaram de se processar por outros mecanismos formais. Um desses meios é a inserção de

disposições concorrenciais em tratados bilaterais e regionais, cujo conteúdo pode incorporar

desde a cooperação técnica e a troca de informações até a aplicação da política por um

órgão supranacional (como no caso da União Europeia), mas que, geralmente, possuem

escopo muito limitado e não-vinculante (MARQUIS, 2015, p. 174 et seq.).

[17] O conceito de soft law é entendido em contraposição ao de hard law: Abbott e Snidal

(2009, p. 421) (2009, p. 421)(2009, p. 421)(2009, p. 421)(2009, p. 421)definem a hard law

como regras (1) dotadas de caráter vinculante, (2) estabelecidas com precisão e que (3)

atribuem competência a um órgão para interpretação e aplicação de suas obrigações;

constituem soft law os arranjos em que pelo menos um desses três elementos esteja

ausente.

[18] Dado o fato de que a maioria dos membros da OCDE é constituída por países

desenvolvidos, que têm o poder de determinar as prioridades da entidade, Sokol (2007)

critica o Organização por se tratar “essencialmente [de] um clube dos países desenvolvidos,

que definem a agenda da organização” (SOKOL, 2007, p. 48), o que contribui para uma

menor adesão a suas recomendações por parte dos países em desenvolvimento.

[19] O “Grupo dos 77”, ampla coalizão de países em desenvolvimento – incluindo o Brasil –

formada ao final da Primeira Sessão da UNCTAD em 1964, orientava-se ao objetivo de

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fundação de uma “Nova Ordem Econômica Internacional”, constituindo uma reação do

então “Terceiro Mundo” à conjuntura política e econômica vigente – caracterizada, na visão

do grupo, por trocas internacionais desiguais, obstáculos estruturais para desenvolvimento

da economia doméstica, agravamento da pobreza, alto endividamento público e

crescimento econômico reduzido nesses países, com um programa amplo que abordava

diversos itens do comércio internacional (HAIGHT, 1975, p. 592).

[20] As propostas do Grupo de 77 orientavam-se a um maior controle de práticas restritivas

de empresas transnacionais – com maior tolerância às práticas das indústrias domésticas dos

países em desenvolvimento, com vistas à sua maturação e ao aumento de sua participação

no comércio internacional (SOKOL, 2007, p. 48) – e com comprometimento dos países

desenvolvidos no controle de condutas de empresas transnacionais que prejudicassem os

países em desenvolvimento (OESTERLE, 1981, p. 19).

[21] Cf. Slaughter (2004b, p. 296), Marquis (2015, p. 173), Sokol (2007, p. 52) e Budzinski

(2008, p. 143).

[22] Sobre a convergência por meio da “cultura comum”, dissertam Djelic e Kleiner: “Uma

vez que uma base comum de princípios foi estabilizada e cristalizada – uma vez que, em

outras palavras, o estágio de profunda ‘comunhão’ filosófica é atingida – padrões

homogêneos, normas e práticas devem-se seguir tanto mais naturalmente e facilmente. A

ligação entre criar regras e seguir regras nesse tipo de cenário é o mecanismo de socialização

especialmente com processos associados de ‘identificar e envergonhar’ […]. O impacto desse

tipo de mecanismo pode vir devagar. Mas, em longo prazo, ele pode ser mais adequado que

a pressão externa ou coerção por trazer efetiva homogenização e coordenação de padrões e

práticas” (DJELIC; KLEINER, 2006, p. 305 – Tradução livre).

[23] Sobre instituições transnacionais em geral, Hale e Held (2012, p. 178) avaliam que

algumas instituições transnacionais possuem vantagens, como o potencial de amenizar o

“déficit democrático” de deliberações internacionais, por incluírem, em suas discussões,

representantes dos diversos grupos de interesse envolvidos. Por outro lado, os autores

ponderam que a transferência do poder de decisão para tecnocratas ou agentes privados,

em lugar de representantes políticos tradicionais, levanta preocupações de legitimidade

política.

[24] Slaughter assim resume as críticas:“transferir a autoridade para tecnocratas significa

privilegiar as visões daquelas nações que possuem tecnocratas – inevitavelmente, as nações

mais desenvolvidas” (SLAUGHTER, 2004a, p. 221, tradução livre).

[25] A análise de Buch-Hansen e Wigger é marcante, a esse respeito: “A ICN constituiu o

meio perfeito de difusão de normas comuns e padrões procedimentais, permitindo que as

autoridades concorrenciais dos EUA e UE assumissem o papel de ‘chefes da socialização’. […]

Assim, em vez de ser uma rede horizontal de iguais’, a ICN incorporou desigualdades de

poder estrutural mais amplas. Isso é também refletido no uso de linguagem similar àquela

usada no campo de auxílio ao desenvolvimento, incluindo noções de ‘construção de

capacidades’, ‘assistência técnica’, ‘advocacia de política pública’ e a recomendação de

‘catálogos de melhores práticas’ […] – todas noções que sugerem uma agência doadora

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matura ajudando uma agência jovem, inexperiente, em impôr estruturas institucionais para

regular a concorrência. A direção da convergência é de natureza neoliberal de modo

inerente” (BUCH-HANSEN; WIGGER, 2011, p. 134 – Tradução Livre).

[26] Cf. Bakhoum: “Dependendo do ponto de vista pelo qual a legislação concorrencial é

analisada, a ICN pode ser retratada como um anjo, trabalhando pela convergência na prática

da legislação concorrencial, ou o demônio, uma ferramenta usada por jurisdições vançadas

para ditar seus princípios de legislação concorrencial para países em desenvolvimento.

Países em desenvolvimento, por diversas razões, não são nada influentes dentro da ICN”

(BAKHOUM, 2011, p. 534 – Tradução Livre).

[27] Slaughter (2004a, p. 259), ademais, analisando as redes cooperativas de modo geral,

aponta como possíveis soluções para esse problema: transparência das atividades, inclusão

de pontos de vista diversos, inclusão do Legislativo em redes de cooperação, igualdade

deliberativa e a estipulação de regimes gerais de governança que garantam que as

atividades dessas redes mantenham accountability democrático.

[28] Essa dimensão é mais sutil no caso do direito concorrencial brasileiro. Embora haja, na

História, exemplos de imposição coercitiva de legislação antitruste (como na Alemanha e

Japão no Pós-Guerra), outros mecanismos de pressão informal, menos drásticos, são mais

efetivos. Como exemplo mais aplicável ao caso dos países em desenvolvimento, como o

Brasil, a inserção da defesa da concorrência como requisito de condicionalidade para novos

empréstimos do Banco Mundial é um exemplo eloqüente (POLI, 2015, p. 156).

[29] É comum e compreensível que nos países em desenvolvimento, como o Brasil, em que a

defesa da concorrência foi implementada “de fora para dentro” – sem, portanto, uma

tradição consolidada com relação ao tema na comunidade jurídica pátria – o recurso a

precedentes e teoria estrangeiros constituam importante forma de legitimação das decisões.

[30] Sobre o poder das redes profissionais em promover isomorfismo, observa Wigger:

“Coalisões de militância ou redes transnacionais, similarmente a comunidades epistêmicas,

por sua vez, são frequentemente conceituadas como sendo fundadas em ‘conhecimento

consensual’ e/ou comprometidas a produzir ‘conhecimento codificado e profissionalmente

constituído’, enquanto compartilhando um conjunto comum de crenças normativas e

causais, incluindo uma crença em relações de causa-e-efeito e uma pretensão de autoridade

em como esse conhecimento relevante à política pública precisa ser aplicado” (WIGGER,

2009, p. 257 – Tradução Livre).

[31] Ainda quanto à profissionalização, Poli analisa que a ICN e a OCDE têm servido como

rede de troca de informações e promoção de isomorfismo normativo (POLI, 2015, p.

71;142), com influência na recente reforma legislativa brasileira que culminou na

promulgação da Lei Federal nº 12.529/2011 (POLI, 2015, p. 157).

[32] Cf. Bakhoum: “Entretanto, quando a convergência vai além da proximidade de alguns

princípios não-disputados e a substância da legislação concorrencial, especialmente para

países em desenvolvimento, ela torna-se problemática. Definir e influenciar regras

concorrenciais de seus Estados Membro parece ser para onde a ICN está se encaminhando.

[…] Aquilo a que países em desenvolvimento e alguns países desenvolvidos se opuseram na

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OMC parece estar lentamente e desapercebidamente abrindo caminho pela ICN.

Convergência dentro da ICN é obtida essencialmente por meio de soft law com as melhores

práticas que membros são encorajados a implementar. Com uma força difusa e muito

persuasiva, a soft law tende a se tornar hard law quando adotada” (BAKHOUM, 2011, p. 574

– Tradução Livre).

[33] Contemporaneamente, muito embora jurisdições de outros países tenham

experimentado um crescimento em sua importância global, os pólos estadunidense e

europeu seguem dominantes nesse processo (MARQUIS, 2015, p. 166).Cf. Gerber: “Para

muitos apoiadores dessa estratégia, um benefício adicional da convergência é que ela pode

ser esperada a guiar os Estados em direção a um modelo ‘melhor’ de legislação

concorrencial” (GERBER, 2014, p. 7 – Tradução Livre). Cf. também Fox, que observa, no

mesmo sentido, que essa redução de diferenças tem uma direção definida pelos modelos

dominantes no mundo: “Convergência sugere padrões universais, ou pelo menos normas

universais aplicadas em modos comuns. A expressão ‘padrões universais’ normalmente se

refere aos padrões dos Estados Unidos e Europa, que se tornaram os modelos dominante

para o mundo” (FOX, 2007, p. 5 – Tradução Livre).

[34] Ainda nesse nível, contudo, é também possível observar o transplante de importantes

institutos do direito estadunidense, como o acordo de leniência (MARQUIS, 2015, p. 202).

[35] Tais moldes podem ser resumidos, conforme Gerber, na atribuição um papel normativo

a uma teoria específica da Ciência Econômica: por “análise econômica”, entenda-se, então, a

aplicação de um arranjo específico de conceitos da teoria econômica neoclássica como

pedra-de-toque para a aferição da legalidade de práticas empresariais. Assim, uma prática é

indesejável somente quando resulta em uma redução da eficiência econômica, entendida

como bem-estar do consumidor (GERBER, 2014, p. 7).

[36] Gerber analisa que a ascensão desses conceitos como ponto focal da convergência

internacional se deve à importância dos Estados Unidos no antitruste global (GERBER, 2004,

p. 8). No mesmo sentido, Sokol (2007) conclui, sobre os resultados da atuação desse país no

cenário internacional, que “a voz dos Estados Unidos persuadiu as organizações a adotarem

uma visão do antitruste que aceita, em um nível básico, os pilares da revolução antitruste da

Escola de Chicago, que são baseados em preço, quantidade e qualidade” (SOKOL, 2007, p.

52, tradução livre). Waller (2010), igualmente, descreve como a análise econômica do

direito, a partir de Chicago, vem-se espalhando de forma “viral” a outras áreas do direito e a

outras jurisdições, de modo que “um crescente número de países está criando, analisando e

aplicando a lei com um olhar na direção de suas consequências econômicas, geralmente

definida em termos de eficiência alocativa e maximização da riqueza” (WALLER, 2010, p.

368, tradução livre).

[37] Em nível internacional, por exemplo, Slaughter (2004a) relata que os críticos de redes

informais de cooperação técnica, como a ICN, apontam o risco de que essas redes

constituam instâncias de “elitismo tecnocrático” em que especialistas de formação

semelhante sejam socializados de modo a “acreditar que trade-offs profundamente políticos

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são escolhas valorativamente neutras, com base em expertise ‘objetiva’” (SLAUGHTER,

2004a, p. 219, tradução livre), contornando preocupações políticas.

[38] Também é a opinião de Bakhoum: “A legislação concorrencial se apóia em uma

teoria econômica que influencia em grande medida o meio pelo qual é aplicada. Considerar

a Economia como a força motora da legislação concorrencial leva ao argumento de que a

eficiência deve ser a única preocupação do direito concorrencial. Essa abordagem e

percepção da concorrência parece estar bem aceita na legislação concorrencial moderna em

países desenvolvidos. A Economia, contudo, não opera num vácuo. Assim, o contexto local

determina a uma certa medida a probabilidade de que uma dada teoria iria produzir os

resultados esperados. Contexto importa na legislação concorrencial. Isso é particularmente

verdadeiro no caso de países em desenvolvimento cujos contextos sócio-econômicos,

políticos, legais e culturais diferem daqueles do mundo desenvolvido. Uma legislação

concorrencial adequada aos países em desenvolvimento deve levar totalmente em conta seu

contexto local” (BAKHOUM, 2011, p. 496 – Tradução Livre).

[39] Svetiev (2013) descreve que autoridades concorrenciais de países em desenvolvimento

tendem à incorporação de rotinas de análise e prioridades de aplicação da lei já

estabelecidas em seus homólogos de países desenvolvidos. Essa importação, prossegue o

autor, tende a gerar a petrificação das atividades da autoridade concorrencial em torno

dessas categorias estrangeiras, limitando o aprendizado institucional e a construção de

conceitos e rotinas próprios. Essa obstacularização do aprendizado próprio é potencialmente

nociva, quando limita a capacidade de a autoridade antitruste formular uma política própria

de aplicação da lei, que leve em conta os problemas peculiares do contexto de

desenvolvimento local de cada país (SVETIEV, 2013, p. 225).

REFERÊNCIAS

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EL HISTÓRICO DE LA GESTIÓN DE LAS FRONTERAS EXTERNAS EN LA UNIÓN

EUROPEA Y LAS RUTAS DE MIGRACIÓN IRREGULARES

THE MANAGEMENT HISTORY OF THE EUROPEAN UNION EXTERNAL

FRONTIERS AND THE IRREGULAR MIGRATION ROUTES

Nicole Marie Trevisan11

Resumo: Los gobiernos de los Estados Miembros de la Unión Europea buscan una gestión

eficaz de control de sus fronteras exteriores, el conjunto de políticas y actuaciones, el

llamado ‘Espacio de Libertad, Seguridad y Justicia’, con la incorporación por el Tratado de

Ámsterdam, el acervo Schengen fue un impulso político para que más adelante fuese creado

las policías de fronteras y la agencia Frontex, con la coordinación técnica adicional a los

países que sufren grandes presiones migratorias. Los conflictos armados representan una

complejidad de elementos, factores transfronterizos, interés económico e intervención de

actores estatales y no estatales, que requieren apoyo político, recursos financieros y

humanos como una respuesta a la actual crisis humanitaria; a menudo causan

desplazamientos masivos de civiles más allá de las fronteras nacionales, destacando rutas

irregulares que aumentan conforme la voluntad de protección por un lado y la

desesperación del otro.

Palavras-chave: Unión Europea; Frontex; Acervo Schengen; Fronteras exteriores.

Abstract: Os Governos dos Estados-Membros da União Europeia buscam uma gestão eficaz

de controle de suas fronteiras externas, o conjunto de políticas e ações, o chamado ‘Espaço

de Liberdade, Segurança e Justiça’, implementado pelo Tratado de Amsterdam, o acervo de

Schengen foi um impulso político para que posteriormente fossem criadas as polícias de

fronteiras e a agência Frontex, com a coordenação técnica adicional aos países que sofrem

grandes pressões migratórias. Os conflitos armados representam uma complexidade de

elementos, fatores transfronteiriços, interesses econômicos e intervenção de atores estatais

não estatais, que exigem apoio político, recursos financeiros e humanos como uma resposta

a atual crise humanitária; muitas vezes causam grandes deslocamentos de civis além das

fronteiras nacionais, evidenciadas rotas irregulares que aumentam conforme a vontade de

proteção de um lado e o desespero de outro.

Keywords: União Europeia; Frontex; Espaço Schengen; Fronteiras exteriores.

11

Mestranda em Direitos Humanos e Políticas Públicas pela PUCPR. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa NEADI (Núcleo de Estudos de Direito Internacional e Desenvolvimento Sustentável) da PUCPR. Pós-Graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro) e em Direito Internacional pela Faculdade Damásio (São Paulo). Graduada em Direito pela PUCPR.

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1 INTRODUCCIÓN

El territorio de protección y el mantenimiento de orden interno siempre se ha

basado en la existencia de fuerzas militares y policiales capaces de poner fin a los enemigos

externos e internos del estado. Los Estados tienen la obligación legal de garantizar que las

fuerzas armadas tienen el conocimiento del derecho de los conflictos armados y los

principios humanitarios universales en todos los niveles de mando, y aplicarlas en cada

situación.

El control de la frontera conjuga en la Unión Europea (UE) la eliminación de la

frontera interior con el crecimiento eficaz de la gestión de las fronteras exteriores, es eso

que buscan los gobiernos de los Estados Miembros (EEMM). Después del acuerdo Schengen,

la importancia de las agencias que trabajan para que la circulación de personas sea regular y

bien ordenada se ha convertido en esencial. El art. 77 del Tratado de Funcionamiento de la

Unión Europea (TFUE)[2] objetiva la ausencia de control de las personas en la circulación

interna de la UE y las condiciones de nacionales de terceros países al cruce de las fronteras

externas, así como los sistemas de vigilancias. La relación y colaboración de los terceros

estados es muy importante, para que haya la readmisión en sus países para aquellos que no

cumplan las condiciones de entrada, permanencia y residencia en un estado miembro.

Las fronteras engloban el llamado espacio de Libertad, Seguridad y Justicia (ELSJ) de

la UE. Son aspectos que tratan al mismo tiempo la relación política entre los EEMM,

respectando las exigencias y acuerdos de la EU (derechos fundamentales del ser humano) y

el núcleo duro de la soberanía, cuando decide sobre quien puede entrar, permanecer en el

estado.

Las políticas de acuerdo (art.80 TFUE)[3], deben seguir el principio de solidaridad,

reparto de responsabilidad y de financiación entre los EEMM, por lo cual llevó a la creación

de agencias de control fronterizo, como la Agencia Europea de Fronteras (Frontex) con

asistencia y financiación y más reciente, el Fondo para las fronteras exteriores, el Fondo

europeo para los refugiados, el Fondo europeo para el retorno y Fondo para la integración.

Los problemas políticos y sociales, como el hambre, la falta de oportunidades, las

guerras, el terrorismo y la crisis, conducen a Miles de personas cada año a cruzar las

fronteras en busca de una nueva vida. ¿Cómo evitar las numerosas muertes que ese proceso

genera?, ¿Cómo conciliar la dignidad de tratamiento con un control eficaz? El tema es digno

de estudio, ya que la Europa enfrenta un gran problema, cada vez se evidencia más, cuando

parte de esas personas adentran en su zona de manera irregular

2 GESTIÓN DE LAS FRONTERAS EM LA UNIÓN EUROPEA

2.1 EVOLUCIÓN HISTÓRICA

Las cuestiones de seguridad interna tienen sus primeros movimientos en los años

setenta con el ‘grupo TREVI’ en respuesta a la amenaza terrorista, un grupo que cooperó

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informalmente con agencias y policías de los Estados que hacían parte de la Comunidad

Económica Europea (CEE).

Un otro marco fue el Convenio de Schengen, creado en junio de 1985, con la

participación de Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Francia y Alemania, la aplicación 5 años más

tarde y entrada en vigor el 26/3/1995, con más países participando, Italia, Portugal, España,

Grecia, Austria, Dinamarca, Finlandia, Suecia, Islandia y Noruega. Era objetivo, la supresión

gradual de los controles de las fronteras interiores y la conversión de la atención a las

exteriores, fronteras comunes. Las normas y reglamentos componen el ‘acervo Schengen’.

El Tratado de Maastricht de 1992 dio un impulso de acuerdos informales cuanto a la

temática de la justicia e interior, con la creación de tres pilares, el tercero compone la

cooperación policial y judicial penal (Titulo VI del Tratado de la UE). En el Tratado de

Ámsterdam parte de las competencias del tercero pilar fueran trasferidos al primer pilar,

que corresponde a la circulación de las personas, conocida como comunitarización de las

materias de asilo, inmigración y cooperación judicial civil. De acuerdo con BERMEJO

CASADO[4]; a través de los controles de las fronteras, visando los nacionales de terceros

estados, los refugiados, los pedidos de asilo, las políticas de inmigración como la

reunificación de las familias, permiso de entrada y residencia. La cuestión de inmigración,

asilo y visado estaba a cargo del Comité Estratégico sobre inmigración, fronteras y asilo. El

Espacio de Libertad, Seguridad y Justicia (ELSJ), con la incorporación por el Tratado de

Ámsterdam del acervo Schengen fue un impulso político para que más adelante fuese

creado las policías de fronteras y la agencia Frontex.

Algunos Consejos sucederán para lidiar con el tema, el de Laeken en 2001 fue lo

más importante en el sentido de que las acciones siguientes, de la gestión de la frontera

exterior como actividad común de la UE, avanzaran.

Después de los acontecimientos terroristas de septiembre de 2001 en los Estados

Unidos, la Comisión concretamente lanza una ‘gestión integrada de frontera (IBM- sigla en

inglés Integrated Border Management), considerado el procedente de la Frontex. Aún según

BERMEJO CASADO[5], los EEMM deberían crear una Unidad Común de Expertos en

Fronteras Exteriores (UCEFE) con otras medidas pertinentes: 1- Mecanismos comunes y

operativos de concertación y cooperación, incluido el cambio de informaciones y datos entre

ellos; 2- Acuerdo sobre la evaluación e integrado de riegos (aeropuertos y marítimos); 3-

Equipos para actuar en las fronteras, formación de guardias, uso de satélites, entre otros

equipamientos. Son medidas para luchar contra la inmigración ilegal y el tráfico de seres

humanos Aparece una nueva estructura, una guardia europea de fronteras, futura Frontex.

En mayo de 2002 fue presentado un estudio de viabilidad sobre la policía europea

de fronteras en la Conferencia de Roma. Algunos países no quisieran (ejemplo el Reino

Unido) en crear la Guardia, pero los argumentos a favor en general fueran más fuertes,

aumentaría la integración política, el principio de la solidaridad al compartir encargos, el

cambio de experiencias y conocimientos. Las reglas fueran codificadas, crearan la UCEFE

(sigla en inglés- External Borders Practioners Common Unit) con el régimen de

compartimiento financiero y de la policía fronteriza.

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El Consejo de Sevilla de junio de 2002, lanzó el plan para la gestión de las fronteras

externas y recomendó que los estados intentasen hacer cooperaciones con estados terceros

para tratar de los flujos migratorios.

La UCEFE tenía muchas limitaciones en los centros nacionales, la Comisión quiso

complementar el carácter operacional con respuestas rápidas en casos de emergencias y

ponerlo como un órgano permanente, preparando expertos enviados por los estados. El

Consejo Europeo en Salónica empezó una estructura comunitaria de operación y el

Parlamento en septiembre de 2003 presentó un informe sobre la viabilidad de control de las

fronteras políticas, estableciendo áreas prioritarias como la identifi­cación de las rutas de

inmigración ilegal, la cooperación con terceros países, estructuras operativas efectivas,

imponer la mejor tecnología, y aspectos legales de los controles en las fronteras marítimas.

Fueran puestos centros de coordinación operativa en las fronteras marítimas con la

creación de la Agencia Europea para la Gestión de la Cooperación Operativa en las Fronteras

Exteriores- FRONTEX.

2.2 ACUERDO SCHENGEN

Al crear el espacio de libertad, seguridad y justicia, ocurrió el control sistemático de

los que atraviesan las fronteras exteriores. En los años ochenta los Estados miembros,

compuestos por la Bélgica, Francia, Alemania, Luxemburgo y los Países Bajos, decidieron

crear un territorio sin fronteras interiores; los primeros acuerdos fueron firmados en un o

pueblo luxemburgués de Schengen, un territorio garantizado de la libre circulación de

personas. La Convención[6] que complemento el acuerdo original, entró en vigor en 1995,

abolió los controles en las fronteras interiores y creó una frontera exterior única. El Tratado

de Ámsterdam, de 1999, la cooperación intergubernamental se incorporó en el marco de la

UE. El 15 de marzo de 2006, el acuerdo comunitario (Código Schengen), n562/2006 del

Parlamento y del Consejo.

El código[7] describe cuales son los espacios que actúa, en el artículo 2, las fronteras

terrestres de los Estados miembros, incluidas las fronteras fluviales, lacustres y marítimas,

así como los aeropuertos y puertos marítimos, fluviales y lacustres siempre que no sean

fronteras interiores y describe lo que corresponde las fronteras interiores. En el mismo

artículo están las condiciones de entrada, tener los documentos pertinentes que permitan el

cruce de las fronteras, un visado válido, condiciones de estancia y disponer de los medios

necesarios de subsistencia; estar excluidos del listado del Sistema de Información Schengen

y no suponer un peligro para el orden público, la seguridad pública o para las relaciones

internacionales de uno de los Estados miembros.

El Reglamento en nada modifica el concepto de que, tanto las fronteras exteriores

como las interiores continúan siendo determinadas por cada Estado miembro, así como la

entrada, permanencia y residencia de un extranjero.

Los países Schengen tienen que ofrecer personal y recursos suficientes para

garantizar un bon nivel y uniforme de control en las fronteras exteriores del espacio

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Schengen; que comprende 44.000 km de fronteras marítimas exteriores y 9.000 km de

fronteras terrestres de 26 países (entre ellos países asociados que no hacen parte de la

comunidad)[8].

El 6 de noviembre de 2013 publicaron en el Diario Oficial de la Unión Europea

(DOUE), los nuevos Reglamentos sobre fronteras en la Unión Europea y el espacio Schengen

y su aplicación: Reglamento (UE)1051/2013 del Parlamento Europeo y del Consejo, de 22 de

octubre de 2013, por el que se modifica el Reglamento (CE)562/2006 con el fin de establecer

normas comunes relativas al restablecimiento temporal de controles fronterizos en las

fronteras interiores en circunstancias excepcionales; el Reglamento (UE)1052/2013 del

Parlamento Europeo y del Consejo, de 22 de octubre de 2013, por el que se crea un Sistema

Europeo de Vigilancia de Fronteras (Eurosur) y el Reglamento (UE)1053/2013 del Consejo, de

7 de octubre de 2013, por el que se establece un mecanismo de evaluación y seguimiento

para verificar la aplicación del acervo de Schengen, y se deroga la Decisión[9] del Comité

Ejecutivo de 16 de septiembre de 1998 relativa a la creación de una Comisión permanente

de evaluación y aplicación de Schengen.

2.3 FRONTEX

Desde el ELSJ y el acuerdo Schengen, era necesario articular el asunto inmigratorio,

de asilo y frontera. La libre circulación de personas ha sido una consecuencia de la

integración europea desde la década de 1950. Los cuatro fundamentos de la Unión en el

Tratado de Roma de 1957 son la libre circulación de personas, capitales, mercancía y

servicios.

Antes de la Frontex, había seis centros que trataban del asunto: Centro de Análisis

de Riesgo, Centro para las fronteras terrestres, Centro de las Fronteras del aire, Centro de

Fronteras del mar Oeste (Madrid, España), Centro de Fronteras del mar este, Centro de

Formación Ad- hoc para la Formación Profesional y Centro de Excelencia.

Con el intuito de mejorar las acciones y trabajos del Órgano Común, en el 26

octubre 2004, fue creada la Agencia Europea para la Gestión de la Cooperación Operativa en

las Fronteras Exteriores de los Estados miembros de la Unión Europea (Frontex) por el

Reglamento (CE) 2007/2004[10].

Frontex ayuda a las autoridades fronterizas de los diferentes países de la UE

trabajan juntos. Las áreas de actividad son: Operaciones Conjuntas – Planes

de Frontex, coordina, ejecuta y evalúa las operaciones conjuntas llevadas a

cabo con el personal y los equipos de los Estados miembros en las fronteras

exteriores (mar, tierra y aire) [11].

Las competencias analiza BERMEJO CASADO[12] son: “1- mejora de la coordinación de la

cooperación operativa en materia de fronteras exte­riores; 2- asistencia y ayuda en términos

de formación de los guardias de fronteras; 3- análisis de riesgos; 4- seguimiento del estado

de la investigación en fronteras externas; 5- asistencia a los Estados Miembros de carácter

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técnico y operativo en circunstancias que lo demanden; 6- realización de un inventario del

equipamiento de los estados, y 7- coordinación de las operaciones conjuntas de retorno”. Su

meta es la cooperación con terceros estados e integración horizontal de las medidas en las

fronteras.

La Comisión creó un Sistema de vigilancia de Fronteras Europeo (EUROSUR) para

actuar en el Sur de la Europa. Tomaran la decisión de añadir a la Frontex el trato de las

aduanas, además de propuestas de operaciones en conjunto con la Red Europea de

Vigilancia de Fronteras, como una ventaja a los RABIT (patrullas de intervención rápida).

En 2010 el Reglamento de la Frontex estaba en reforma, verificaran que faltaba

personal, organización de las operaciones, escasez de recursos y la necesidad de trabajar en

conjunto con el Comité Permanente de Seguridad Interior (COSI) que el Tratado de Lisboa

encargaba del cuidado de las instituciones y agencias de seguridad interior de la Unión

Europea.

La Frontex se encarga de elaborar normas comunes de formación con una base de

entrenamiento para los guardias de fronteras en la Unión, análisis de inteligencia sobre la

situación actual en las fronteras exteriores, investigación de control de fronteras de Europa y

el mundo de la investigación, equipos de la guardia de fronteras europeas (EBGT) y una

extensa base de datos de los equipos disponibles que reúne a especialistas de recursos

humanos y técnicos de toda la UE; ayudar a los Estados miembros en las operaciones

conjuntas de retorno, cuando los Estados miembros toman la decisión de regresar a los

extranjeros en situación irregular, que no han podido salir voluntariamente y respeto de los

derechos fundamentales y la dignidad humana.

La Frontex mantiene contacto con otros medios de la UE que participan de la

temática del espacio de libertad, seguridad y justicia, como Europol, la EASO, Eurojust, FRA o

CEPOL; con las autoridades aduaneras y las autoridades de control de fronteras de los países

que no pertenece al espacio Schengen, especialmente los países donde ocurren las rutas de

tránsito de la migración irregular.

Las Operaciones tienen la base un informe de análisis de riesgos anual que analiza el

riesgo futuro de la migración irregular y la delincuencia transfronteriza en la frontera

exterior de la UE. Ocurren reuniones anuales con los Estados miembros de la agencia y son

hechas propuestas de prioridades y cuáles son los recursos posibles para que una rápida

respuesta sea efectuada. Según el sito de noticias de la Comisión Europea, en la actualidad

hay 4 operaciones en marcha: ‘Eneas’, en el mar Jónico, entre Italia y Grecia, interceptan

también las llegadas procedentes de Turquía y Egipto; ‘Hermes’, en el mar de Sicilia, entre

Italia, Malta, Túnez y Libia; ‘Indalo’, en las aguas del Mediterráneo entre España, por un lado,

y, por otro, Marruecos y Argelia; ‘Mar Poseidón’, en las aguas del mar Egeo frente a

Grecia[13].

2.4 INMIGRACIÓN IRREGULAR

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Los inmigrantes conforman un colectivo que se encuentra en situación de

vulnerabilidad. Esta situación es determinante a la hora decidir migrar, incluso

clandestinamente. Durante su estancia irregular, está expuesto a la discriminación y

vulneración de sus derechos fundamentales. Normalmente el ordenamiento jurídico de los

Estados contempla la expulsión por incumplimiento de los requisitos exigidos para entrar o

permanecer en su territorio, analiza PÉREZ GONZÁLEZ[14].

Hoy en día es la mayor crisis de refugiados desde la Segunda Guerra Mundial según

datos del ACNUR[15], unos sesenta millones de personas que dejaron sus países. La

continuación de los viejos conflictos y la aparición de nuevas guerras, obligan a las personas

que ya no tienen sus derechos de ciudadanía a moverse, porque han perdido la protección

del estado. Según Godoy, son casi veinte millones de personas que tuvieron que abandonar

su país en busca de asilo en otro país, cruzando una frontera internacional, siendo

perseguido por causa de sus opiniones políticas, raza, nacionalidad, religión, porque

pertenecen un grupo social, o porque huyen de un conflicto armado.

El conflicto y la violencia indiscriminada en el Medio Oriente han creado

necesidades humanitarias sin precedentes. La falta de perspectiva para la paz y la estabilidad

en la región en un futuro próximo ofrece pocas esperanzas. La región fue testigo de la mayor

desplazamiento interno y externo, con un gran número de refugiados y desplazados internos

en necesidad de ayuda humanitaria directa.

El Derecho Internacional tiene un importante papel en configurar un concreto y

claro régimen jurídico de los movimientos migratorios, así como la ayuda de las instituciones

de derechos humanos con la debida orientación para que nadie permanezca en un estado

personal violado.

Cuanto a la cuestión de las fronteras marítimas, la gran cantidad de personas que

llegan en Europa, ponen de manifesto como los Estados aprovechan la indefinición de las

normas internacionales a la obligación de desembarcar a los inmigrantes interceptados,

sobre todo si están en aguas no sometidas a jurisdicción de ningún Estado. Los Estados han

tenido a la regulación unilateral de los requisitos que han de cumplirse para la autorización

de la presencia de los extranjeros en su territorio.

La UE tiene un sistema de patrullaje en las costas en cooperación con países

africanos y la coordinación de la frontex. Las entradas son por gran mayoría vía aeropuertos

y estas personas poseían los documentos válidos y visado por el período cuando entraran.

En el mapa y tabella siguiente las rutas más conocidas, nacionalidades y la división de los

más de 65 mil cruces ilegales en la ‘Análisis de riesgo anual de la Frontex’[16].

Según Eurostat, casi 250.000 personas son objeto de este tipo de órdenes (de

volver) cada año. La gran mayoría de ellos abandonan voluntariamente. Sin embargo,

cuando los inmigrantes que residen ilegalmente niegan a cumplir, pueden ser devueltos a la

fuerza como último recurso. Las operaciones de retorno por lo tanto están organizadas por

las autoridades de migración para las personas que son objeto de las decisiones de retorno

individuales tomadas por un tribunal u órgano administrativo competente en un Estado

miembro de la UE.

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Mapa de las Rutas Migratorias en la EU/ tierra y mar

Fuente: FRONTEX[17].

El reportaje de la revista electrónica ‘Presseurop’[18], informa que el año de 2013,

80% de los inmigrantes en Europa entró por las fronteras de Grecia vía Turquía; muchos de

ellos traídos por las manos de traficantes de personas, otros que requieren asilo, como

afeganos e iraquíes. El gobierno griego pidió ayuda a la Comisión y en respuesta, después de

observado es una frontera muy mal supervisionada y que Grecia no podría sola cuidar dese

asunto, se le enviaran equipos de los ‘Rabit’, de intervención rápida.

Según las Naciones Unidas para nueve de cada diez inmigrantes ilegales detenidos

por la policía en Europa son interceptados en Grecia. El jefe de la Especial de Derechos

Humanos de las Naciones Unidas Manfred Nowak[19] visitó recientemente la capital griega,

y encontró los solicitantes de asilo detenidos en condiciones de trato inhumano y

degradante.

Según el reportaje de la Europress[20] La Unión Europea han intervenido

especialmente las fronteras de España, Italia y Malta con patrullas marítimas para cerrar

esas rutas en el Mediterráneo por lo cual causado este crecimiento de llegadas en la Grecia.

Son 11 kilómetros de la frontera exterior de la UE en ciertos puntos, están sin vigilancia,

facilitando la entrada de los migrantes. Algunos emigrantes están haciendo huelgas de

hambre para protestar de los tratos inhumanos en estas regiones.

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Algunos datos[21] de 2016 de tragedias en la frontera europea, desde 1988,

muestran que al menos 27.382 inmigrantes han sido muertos tratando de entrar en el

continente, sea ahogados en el mar, en el deserto por deshidratación, asfixiados en

camiones, congelados en aviones o matados por militares.

La Comisión Europea[22] informa que la Eurosur, previsión para el fin de 2013, va

ayudar a detectar y a prestar ayuda a las pequeñas embarcaciones en emergencia de

emigrantes y a prevenir crímenes transfronterizos, con “el respeto absoluto de los derechos

fundamentales”, dijo la comisaria de Interior, Cecilia Malmström. La Eurosur será una red de

comunicación protegida por los diferentes países y los datos recorridos se comunicarán a

Frontex que tiene sus instrumentos de vigilancia.

Participaran desde diciembre de 2013, España, Eslovaquia, Eslovenia, Bulgaria,

Croacia, Chipre, Estonia, Finlandia, Francia, Grecia, Hungría, Italia, Letonia, Lituania, Malta,

Polonia, Portugal, Rumania, también Noruega que pertenece al espacio Schengen; el año de

2014, Bélgica, Alemania, Países Bajos y Suecia. Manuel Barroso, presidente de la Comisión

Europea había dicho que la carga de concesiones de asilo tiene que ser compartida entre los

países, cerca de 70% de los pedidos fueran concebidos por Alemania, Francia, Suecia, Reino

Unido y Bélgica.

Incidentes en diversos campos se multiplicaron. Expulsiones, inéditos hasta ahora,

ponen en marcha un cambio radical en la política migratoria de la UE. En 2016, la UE

experimentó otro año de intensa presión migratoria en su exterior fronteras. Estados

miembros informaron más de 511. 000 detecciones de ilegal cruce de fronteras, que

corresponde a aproximadamente 382.000 nuevas llegadas de África, Medio Oriente y Asia.

Esto fue una disminución significativa en comparación con 2015, cuando más de un millón

de migrantes vino a la UE. Sin embargo, la general situación en las fronteras exteriores de

Europa sigue siendo desafiante. La disminución en las llegadas fue principalmente causada

por un menor número de inmigrantes que llegan a Grecia desde Turquía. Esta caída fue un

resultado de la declaración UE-Turquía de marzo 2016 y la introducción de un estricto

control fronterizo medidas en los Balcanes Occidentales países, lo que efectivamente cerró

la ruta de los Balcanes. La UE aprobó por unanimidad un acuerdo con Turquía para detener

el flujo de inmigrantes ilegales que llegan a Europa. Muy criticada por organizaciones de

derechos humanos, como el ACNUR, tienen miedo que Turquía haga regresar a sus países no

sólo los inmigrantes económicos, sino también a los refugiados.

Como resultado de la declaración UE-Turquía[23], migrantes que llegaron a la Las

islas griegas después del 20 de marzo regresó a Turquía. De hecho, desde abril 2016, Frontex

apoyó a las autoridades griegas en los migrantes que regresaban, se emitieron decisiones de

devolución. Si bien el número de migrantes de Asia y Medio Oriente disminuyeron, 2016 fue

marcado con un aumento en migratorias de África, en particular en la ruta de Libia a Italia.

Italia vio el mayor número de llegadas registradas alrededor de 182.000, con un significativo

aumento en el número de migrantes de África Occidental. Trágicamente, a pesar del rescate

esfuerzos de Frontex, la costa italiana Guardia y Marina, Operación EUNAVFOR Med y la

asistencia de muchas ONG y buques comerciales, varios miles de migrantes haciendo el

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cruce sobrepoblado y no apto para navegar botes de goma perdieron sus vidas en el

Mediterráneo.

También hubo un aumento en el contrabando de personas, muchos de los

migrantes usaron documentos falsificados, esto sigue siendo un desafío para la frontera

autoridades. Durante todo el año, Frontex (desde octubre de 2016, la frontera europea y

Agencia de la Guardia Costera) ha desplegado consistentemente entre 1.000 y 1.500

fronteras guardias en las fronteras exteriores de la UE.

Fabrice Leggeri, director ejecutivo de la Frontex[24], dice que la cooperación con los

países de origen y tránsito de migrantes es uno de los elementos clave de una migración

exitosa administración. Del intercambio de información a la cooperación en devoluciones,

Frontex ha extendido su alcance más allá Europa. En 2016, Frontex implemento su primer

oficial de enlace a Turquía. Este año, se desplegarán oficiales de enlace de Frontex a los

países prioritarios en África y los Balcanes occidentales. El año de 2015, la Agencia también

aumentó sus actividades en el área de regresa, devolviendo más de 10.000 extranjeros de la

UE con decisiones de asilo negativo o sin derecho a permanecer en la UE.

Las devoluciones siguen siendo una prioridad en 2017, un grupo de expertos de

retorno recién creado está ahora a disposición de los Estados miembros organizando

operaciones de retorno. En 2016, además de la gestión de la migración, Frontex comenzó a

recopilar y procesar datos personales para el análisis de riesgo propósitos y en apoyo de

investigaciones criminales. Lo que permite un acercamiento cooperación con Europol y la

seguridad y las agencias de aplicación de la ley de la UE y los Estados miembros. El aumento

de los ataques terroristas de los últimos años hace con que los países requieran una mejor

identificación de los inmigrantes que llegan a las fronteras exteriores con el objetivo de

distinguir claramente los refugiados que necesitan de protección, de los migrantes

económicos. Los recientes ataques terroristas en Francia, Bélgica y Alemania demuestran

que la gestión de fronteras tiene una componente de seguridad importante.

3 CONCLUSIÓN

Dada la presión migratoria sostenida en las fronteras externas, es evidente que el

desafío acuciante para el control fronterizo las autoridades. Una prevención efectiva alivia la

presión a las fronteras, si bien que las medidas concretas dependerán en última instancia de

los tipos de flujos migratorios y la situación política en el último país de partida. Con las

dificultades asociadas con la detección y registro adecuados y de una gran cantidad de

llegadas, existe un riesgo que las personas que representan una amenaza a la seguridad

pueden entrar en la UE. Varios eventos trágicos dentro de la UE también han demostrado

que la gestión de fronteras tiene un importante componente de seguridad. El mayor

número de personas vulnerables declaradas las personas en la frontera también hacen es

muy claro que la detección efectiva de personas traficadas con fines de explotación sexual,

trabajo forzoso y otros fines sigue siendo un gran desafío para la frontera autoridades. De

hecho, las propias víctimas a menudo no son conscientes de su destino cuando llegan al

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tránsito o al destino países. Por lo tanto, ofrecer asistencia a ellas, se muestra de extrema

importancia, debido a la mayor movilidad humana ya visto en la historia.

Los trágicos acontecimientos recientes en la costa del Mediterráneo muestran que

todavía hay mucho que hacer para evitar que esto suceda tan a menudo. La cooperación

entre los estados miembros y acuerdos con terceros estados es muy importante para evitar

el avanzo ilegal. Parece que las medidas adoptadas pela Frontex al mismo tiempo que con

los estudios, expande el conocimiento de todos con lo que sucede en las fronteras, debe

haber un límite para que no haya la infracción de los tratados y convenios firmados por la UE

cuanto al cumplimento de los derechos humanos de cualquier persona que decida salir de su

país de origen o residencia y adentrar en otro de su libre elección. Es necesario pensar en

formas alternativas de responder a estas personas y hacer de la migración un camino seguro

y ordenado.

NOTAS DE FÍN

[2] Disponible en Web: <http://eur-

lex.europa.eu/legalcontent/ES/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT &from=ES > Fecha de

consulta: 12 de Enero de 2017.

[3]Disponible en Web: <http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/ES/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT &from=ES> Fecha de consulta: 12 de Enero de

2017.

[4] BERMEJO CASADO, Rut, “El proceso de institucionalización de la cooperación en la

gestión operativa de las fronteras externas de la EU: La creación de Frontex”, Revista CIDOB

d’Afers Internacionals, Octubre 2010, núm. 91, p. 31.

[5] BERMEJO CASADO, Rut, “El proceso de institucionalización de la cooperación en la

gestión operativa de las fronteras externas de la EU: La creación de Frontex”, Revista CIDOB

d’Afers Internacionals, Octubre 2010, núm. 91, p. 37.

[6] Disponible en Web: <http://www.frontex.europa.eu/> Fecha de consulta: 02 de febrero

de 2017.

[7] Disponible en

Web:<http://europa.eu/legislation_summaries/justice_freedom_security/free_movement_

of_per sons_asylum_immigration/l14514_es.htm> Fecha de consulta: 17 de Octubre de

2016.

[8] OLESTI RAYO, Andreu, “El spacio Schengen y la reinstauración de los controles en las

fronteras interiores de los Estados miembros de la Unión Europea”, REAF, Abril 2012, núm.

15, p. 44-84.

[9] Disponible en Web: < http://publications.europa.eu/official/index_es.htm> Fecha de

consulta: 14 de diciembre de 2016.

[10] Disponible en Web: < http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/ES/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT& from=ES> Fecha de consulta: 12 de Enero de

2017.

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[11] Ibidem.

[12] BERMEJO CASADO, Rut, “El proceso de institucionalización de la cooperación en la

gestión operativa de las fronteras externas de la EU: La creación de Frontex”, Revista CIDOB

d’Afers Internacionals, octubre 2010, núm. 91, p. 53-54.

[13] Disponible en Web: <http://ec.europa.eu/spain/actualidad-y-prensa/noticias/asuntos-

institucionales/lampedu sa_es.htm> Fecha de consulta: 27 de Octubre de 2016.

[14] PÉREZ GONZÁLEZ, Carmén, Migraciones irregulares y Derecho Internacional: Gestión de

los flujos migratorios, devolución de extranjeros en situación administrativa irregular y

Derecho Internacional de los Derechos Humanos, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2012, p.39.

[15] ACNUR. Disponible en Web:

<http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/

Publicaciones/2012/8989> Fecha de consulta: 4 de febrero de 2017.

[16] Disponible en Web: <http://www.frontex.europa.eu/> Fecha de consulta: 02 de Febrero

de 2017.

[17] FRONTEX. Disponible en Web: < http://frontex.europa.eu/trends-and-routes/migratory-

routes-map/ > Fecha de consulta: 7 de febrero de 2017.

[18] Disponible en Web:<http://ec.europa.eu/spain/actualidad-y-prensa/noticias/asuntos-

institucionales/lampedusa _es.htm> Fecha de consulta: 27 de Octubre de 2016.

[19] Disponible en Web: <http://www.frontex.europa.eu/> Fecha de consulta: 07 de febrero

de 2017.

[20] Disponible en Web: <http://www.presseurop.eu/it/content/article/371431-frontex-

militarizza-il-confine> Fecha de consulta: 27 de Octubre de 2016.

[21] Disponible en Web:< http://fortresseurope.blogspot.com.br/p/la-fortezza.html > Fecha

de consulta: 27 de febrero de 2017.

[22] Disponible en Web:<http://ec.europa.eu/spain/actualidad-y-

prensa/noticias/asuntosinstitucionales/lampedusa_ es.htm> Fecha de consulta: 27 de

Octubre de 2016.

[23] Disponible en

Web:<http://frontex.europa.eu/assets/Publications/Risk_Analysis/Annual_Risk_Analysis_20

17.pdf > Fecha de consulta: 29 de Octubre de 2017.

[24] Disponible en

Web:<http://frontex.europa.eu/assets/Publications/Risk_Analysis/Annual_Risk_Analysis_20

17.pdf > Fecha de consulta: 29 de Octubre de 2017.

REFERÊNCIAS

AGENCIA DE LA ONU PARA LOS REFUGIADOS (ACNUR). La situación de los refugiados en el mundo: En busca de la solidaridad. Disponible en Web: <http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/Publicaciones/2012/8989> Fecha de consulta: 4 de febrero de 2017. BERMEJO CASADO, Rut, El proceso de institucionalización de la cooperación en la gestión operativa de las fronteras externas de la EU: La creación de Frontex, Revista CIDOB d’Afers

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125

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QUESTÕES HUMANAS: O DESLOCAMENTO DE PESSOAS VENEZUELANAS E AS

IMPLICAÇÕES NA ÓRBITA LEGAL INTERNACIONAL

HUMAN ISSUES: THE DISPLACEMENT OF VENEZUELAN PEOPLE AND THE IMPLICATIONS IN THE INTERNATIONAL LEGAL ORBIT

Madson Soares Lobato12

Resumo: Pretende-se com este artigo demonstrar através da realização de análises teórico-

acadêmica da situação vivenciada por muitos venezuelanos que estão saindo do seu local de

morada, muitas vezes berço de seus nascimentos, para outras localidades extranacionais,

uma das quais o Estado Brasileiro. Abordar-se-á as motivações, ou seja, as questões de

cunho econômico-político que os levam a tomar essa decisão. Outrossim, far-se-á um breve

exame na construção histórica da República Bolivariana da Venezuela para tentar entender a

conjuntura atual. Ademais, destacar-se-á o papel do Brasil, enquanto país vizinho, no

acolhimento dos cidadãos em situação de vulnerabilidade, além das Instituições

Internacionais e Nacionais para concretizar os postulados direitos humanos fundamentais.

Palavras-chave: Venezuela; Deslocamento Humano; Direitos Humanos.

Abstract: This article intends to demonstrate through theoretical-academic analysis the

situation experienced by many Venezuelans who are leaving their place of residence, often

birthplace, to other foreign locations, one of which is the Brazilian State . They will address

the motivations, that is, the economic-political issues that lead them to make that decision.

In addition, a brief examination of the historical construction of the Bolivarian Republic of

Venezuela will be made to try to understand the current situation. In addition, the role of

Brazil, as a neighboring country, will be highlighted in the reception of citizens in situations

of vulnerability, in addition to the International and National Institutions to realize the

fundamental human rights postulates

Keywords: Venezuela; Human Displacement; Human Rights.

1 INTRODUÇÃO

A investigação acadêmica será realizada a partir de análises bibliográficas de livros,

artigos e também do campo de estudo empírico, as matérias de cunho jornalístico, cujas

indagações descritivas procurarão examinar as implicações governamentais em seus vieses

teórico (jurídico) e prático (social), além de seus liames. Serão de utilização as mais

12

Acadêmico do Curso de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade da Amazônia – ICJ, UNAMA (2015-2019). Estagiário voluntário no Projeto de Extensão Economia Solidária (PEES-PA).

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diversificadas fontes de informações com o escopo de não prosperar uma sobre a outra, mas

realizando a ponderação dos elementos constitutivos, na sagaz pesquisa por conhecimentos

históricos formadores de repercussões no presente.

São diversificados os objetivos pré-existentes e pretendidos por essa produção

acadêmica em forma de artigo, tais como: conhecer a realidade vivida por pessoas em

situação de refúgio; analisar os parâmetros normativos que o ordenamento jurídico pátrio

dispõe para os casos; correlacionar diferentes ordens jurídicas, tanto nacionais quanto

internacionais quando consagram direitos para os indivíduos em refúgio; discutir o papel do

Brasil e das Instituições na tentativa de resolução dos conflitos. Não obstante, descrever as

mais recentes fases políticas venezuelanas e seus efeitos sociais.

A grande proposta ao nascermos e crescermos é ter uma vida de sucesso repleta de

conquistas pessoais, ser amado, ter uma boa instrução, um lar, um excelente trabalho, uma

família que te acolha e logo depois construir sua própria família, ou não, mas isso cabe a

cada um escolher como quer viver, parte do direito de liberdade, classificado

doutrinariamente como direito de 1° geração o qual o Estado-Nação deve

assegurar/garantir. Agora, você já pensou em não ter seus direitos reconhecidos ou não

poder definir o tipo de vida que queres levar ou ainda não conseguir mais habitar em sua

moradia por questões político-econômico-social? Não?! Pois pense.

O regime democrático caracteriza-se por ter em sua essência a participação da

população como um todo nas tomadas de decisões para que assim o Estado se organize e

sirva para o seu fim social. Quando isso não ocorre ou quando o processo de escolha é

duvidoso, gera consequentemente, uma crise de legitimidade institucional, ficando o modo

de governar inviável, insustentável, causando aos representados prejuízos em seu meio de

vida, seja por fatores econômicos ou até mesmo no modelo de administrar. Resta a pessoa,

desse modo, a única saída de abandonar sua forma de viver deixando tudo o que

conquistara na esperança de ter um futuro melhor em outro lugar diferente.

O escopo acadêmico é realizar uma investigação de qual seria a condição jurídica

dos chegados do País Venezuela, se são imigrantes ou refugiados, além do mais, conhecer o

aparato legal que o ordenamento jurídico brasileiro dispõe para essas situações, seus

procedimentos e consequências jurídicas. Não obstante, analisar a função dos organismos

internacionais e do Mercado Comum do Sul- MERCOSUL neste cenário de evacuação em

busca de melhorias na condição de vida presenciado pelo País.

Compreende-se que a solução de “deixar tudo por conta deles, afinal faz parte da

sua soberania” não cabe quando há uma ruptura da ordem constitucional com a convocação

do Poder Constituinte Revolucionário para uma proposta de criação de uma nova

Constituição [1], não se sabendo se a democracia-participação popular- e os direitos

fundamentais dos cidadãos serão devidamente respeitados na nova órbita constitucional.

2 A VENEZUELA: GOVERNO, ECONOMIA E A SITUAÇÃO SOCIAL

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2.1 Breves Dados

A República Bolivariana da Venezuela é um país sul-americano que tem como

capital a cidade de Caracas, seu grande centro econômico urbano nacional. Apresenta um

território que abrange cerca de 912.050 km² e com uma população aproximadamente de

49,05 milhões de pessoas (dados de 2016). A população é uma miscigenação de Ameríndios,

povos nativos da América do Sul conhecidos pelos colonizadores por “índios” e brancos

europeus provenientes da Espanha, sendo isso o fator determinante para que a língua falada

oficialmente seja o espanhol.[2]

Pelo solo venezuelano ter como formação uma grande jazida de petróleo, país

membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo- OPEP, os grandes conflitos

exteriores dar-se-á por esse intento, os maciços interesses políticos internacionais pela forte

movimentação econômica da matéria-prima.

2.2 O Governo de Hugo Chávez: O nascimento do Chavismo

Antes de adentrar e conhecer o governo de Chaves faz-se necessário de forma

sucinta a análise do governo que o antecedeu e deu-lhe forças para que mais tarde se

tornar-se o Presidente. A figura política mencionada é de Carlos André Pérez.

O primeiro governo de Pérez fora entre 1974 e 1979 e o grande destaque que se faz

é na política pública de nacionalização do petróleo e na formação/fundação da estatal de

Petróleos da Venezuela- PDVSA. A tomada política deixou o Presidente em relevância

fazendo com que ele ganhasse enorme prestigio da população pelos meios de comunicação

midiática mostrarem o Presidente trabalhando em prol de todos e nas melhorias que a

política iria fazer com a economia nacional. A grande movimentação econômica do petróleo

com constantes exportações a preços favoráveis fizera com que a Venezuela adquirisse um

apelido popular de “Venezuela Saudita”, em alusão à Arábia Saudita grande movimentadora

do produto no oriente médio.

A popularidade e aprovação do Presidente fez com que ele tomasse notoriedade

tanto do ponto de vista interno, isto é, em seu próprio território de governo, quanto em

outros Estados Soberanos, como; Cuba e Nicarágua. Assim sendo, em 1988 Peréz ganha as

eleições pelo Partido Ação Democrática, mas o que ninguém esperava era o movimento

popular como ondas de intensos protestos chamado e conhecido mundialmente como

“Caracazo” de 1989.[3]

Os constantes protestos eram devido a um pacote de redução de gastos para tentar

saldar a extensa dívida externa no País. Deixou como infeliz herança histórica 276 mortos em

confronto e um saldo público negativo de US$ 150 milhões em perdas. O governo de Pérez

não ficou bem visto e muito menos bem quisto pelo povo após esses fatos históricos. O que

o esperava mais tarde em 1992 foram duas tentativas de golpe de estado que fora vencido

graças as tropas fieis ao seu governo e um processo de “impeachment” esse por ele

invencível por restar comprovado os desvios de verbas públicas.[4]

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2.3 O surgimento de Hugo Chávez: A ascensão

Os fortes protestos característicos do governo Pérez foram liderados por um ainda

não tão conhecido tenente-coronel que fazia longos discursos criticando a forma de

governar do Presidente, ganhando aos poucos a evidência que necessitava para sua

posterior candidatura. Hugo fora sentenciado a pena privativa de liberdade de mais de dois

anos por ser figura importante na segunda tentava de golpe de estado e mesmo após isso

ainda era aclamado pelo povo como grande líder político por defender os interesses

nacionais e dos pobres, menos favorecidos economicamente. [5]

Nas eleições presidenciais venezuelana de 1998, Hugo Chávez fora eleito com 56,6%

dos votos e um dos seus atos como agora presidente foi adotar uma nova constituição

alargando seus poderes como chefe de governo transformando o mandato de cinco para

seis anos e admitindo a reeleição, uma “sacada de mestre”, em razão de que em 2000

tornou-se novamente o presidente do povo recebendo do pleito 60% dos votos válidos. [6]

Em decorrência da faculdade governista de adequar suas políticas ao pensamento

de esquerda a cobiça de Hugo Chávez era implantar em seu país o “socialismo do século

XXI”, mas não logrou êxito, pois a estrutura estatal não melhorou da forma esperada e em

2001 e 2002 os oposicionistas do governo chavista realizaram passeatas e paralisações

nacionais, além de uma tentativa de golpe de Estado que não se confirmou isto associado as

forças armadas e parte da população pobre que se sentia representada pelo seu governo.

2.4 Governo Chavista: A mão de ferro e o declínio

Hugo Chávez em 2007 convocou referendo para examinar sua proposta para a

possibilidade de reeleições presidenciais por tempo indeterminado, mas sofre uma

relevante derrota visto que não fora aprovado. Entretanto, não satisfeito com o resultado e

exercendo seu poder influenciador convoca Assembleia Geral para a análise da mesma

questão. E em 2009, as reeleições indeterminadas foram aprovadas por 54,8% dos votantes

e isso gerou uma visível separação nacional e descontentamento dos opositores em situação

desfavorável. A ditadura Chavista de punho de ferro. [7]

A condição do Presidente tornou-se complicada, porém essas não de cunho político,

mas de aspecto físico. O presidente Hugo Chávez é diagnosticado com câncer e falece com

seus 58 anos de idade em 5 de março de 2013 depois de lutar por mais de um ano do mal,

bem próximo de completar 20 anos de chavismos. O que resta de seu governo? Foram os

pensamentos que nortearam todos na época. [8]

3 O GOVERNO DE NICOLÁS MADURO: O HERDEIRO POLÍTICO

3.1 Antecedentes históricos

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Durante sua trajetória política e em seus últimos desejos para o futuro

venezuelano, Hugo Chávez deixa Nicolás Maduro, seu vice-presidente, como um candidato

para assumir seu “legado” político e todos os seus projetos. Anunciado o falecimento do

presidente, a Constituição da Venezuela prevê em seu artigo 233, in verbis;

Cuando se produzca la falta absoluta del Presidente o Presidenta de la República

durante los primeros cuatro años del período constitucional, se procederá a una nueva

elección universal y directa dentro de los treinta días consecutivos siguientes. Mientras se

elige y toma posesión el nuevo Presidente o Presidenta, se encargará de la Presidencia de la

República el Vicepresidente Ejecutivo o Vicepresidenta Ejecutiva.

Fazendo uma apuração do artigo mencionado anteriormente o vice-presidente

convocará novas eleições para a função presidencial no prazo constitucional de 30 dias.

Nicolás Maduro é o principal personagem para compor a presidência venezuelana e

continuar a realizar o projeto de governo de Chávez, e assim o faz. Torna-se candidato pelo

Partido Socialista Unido da Venezuela-PSUV para concorrer.

3.2 A eleição de Maduro e a Venezuela Atual

Em 15 de abril de 2013 é eleito como sucessor de Hugo Chávez o 48° presidente

venezuelano, a revolução bolivariana continua agora em definitivo, o período de governo

provisório de Maduro se encerra. Com um ganho nas urnas de 50,66% dos votos e com a

participação de 78,71% dos venezuelanos votantes, o governo Maduro entra no poder. Com

o histórico de sindicalista e socialista, Maduro, terá que garantir os propósitos de seu

padrinho político. [9]

O poder de governar se tem em mãos, todavia, não é só com isso que se faz um

presidente ter êxito e realizar a função de garantia do bem comum social. Os reflexos da

continuidade governista chavista têm suas dificuldades em governar, a inflexibilidade do

Presidente aliado com sua maneira autoritária de se comportar politicamente atrai conflitos

nas ruas. A insatisfação popular e oposicionista, a mudança no ordenamento jurídico

venezuelano com a provável alteração constitucional para o mantimento no poder com a

eleição de uma Assembleia Nacional governista com poderes ilimitados são fatores para o

aprofundamento da crise política e econômica. O desconforto interno e

externo/internacional é notável, e os que mais sofrem são os cidadãos governados por essa

situação de descontrole institucional, a saída? A busca por novos caminhos fora do país, o

instinto de sobrevivência é ativo e a esperança de um futuro promissor não se apaga.

4 IMIGRANTE X REFUGIADOS: O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E O

INTERNACIONAL

Imigrantes e refugiados são duas expressões que se ajustam para falar de

deslocamento, a saída de pessoas do seu local de origem para destino diferente, este

internacional, mas o significado, a finalidade se distinguem e não devem ser confundidas.

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Como anota Hannah Arendt ao dispor sobre refugiados, “A verdadeira dificuldade quando se

trata de refugiados, reside no fato de que a situação é insolúvel no interior da velha

organização estatal dos povos”.[10]

Imigrantes, são pessoas que saem do seu território/país para se estabelecerem em

outro, só que essa decisão foi tomada por conta própria, não houve uma grande influência

externa, e se existiu a motivação não fora política, racial e ideológica, podendo, em muitos

casos, ser climática, pessoal, a procura de um melhor posicionamento de vida e etc.

O Brasil possui a lei n° 13.345, de 24 de maio de 2017 do governo de Michel Temer,

por sinal recentíssima, que institui a Migração, e em seu artigo 1° destaca: ”Esta Lei dispõe

sobre os direitos e os deveres do migrante e do visitante, regula a entrada e estada no País e

estabelece princípios e diretrizes para a política pública pra os emigrantes.”

E continua, no parágrafo único do mesmo artigo, trata de conceituar os termos para

os fins de aplicação legal. No inciso II conceitua o que seriam os imigrantes, in verbis:

“Imigrante: pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece

temporariamente ou definitivamente no Brasil.”

O primeiro destaque que se faz na lei é o termo “trabalha”, nota-se que para fins

legais o imigrante deve se estabelecer no Brasil na condição de trabalhador, todavia a lei faz

uma alternância na colocação da conjunção “ou”, isto é, o imigrante é aquele que trabalha

ou reside, temporariamente ou definitivamente. Por condições de regularidade situacional e

jurídica é necessário, segundo o artigo 5° e 6° da lei, documentos e vistos.

Refugiados são pessoas que deixam seu país de origem como forma de escapar da

perseguição política, religiosa, racial ou até mesmo de guerra. O estado de desesperança e

medo são presentes, a situação é bastante delicada.

A Convenção relativa ao “status” dos refugiados de 1951 conceitua a linha de

aplicação da norma dispondo em seu artigo 1°:

A expressão refugiados se aplica a qualquer pessoa, que em virtude de fundado medo de sofrer perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, participação em determinado grupo social ou consciência política, se encontra fora do país do qual é nacional e está impossibilitado, ou em virtude desse fundado medo, não deseja se entrega à proteção desse país.

A Convenção de 1951, juntamente com o Protocolo de 1967 são os principais

instrumentos internacionais estabelecidos para a proteção dos refugiados contando com a

participação de mais de 140 países signatários, segundo o Alto Comissariado das Nações

Unidas para os Refugiados- ACNUR, a qual conceitua-se como organização humanitária,

apolítica e social, possuidora de dois objetivos básicos: proteger o homem, a mulher e a

criança sem situação de refúgio e buscar soluções duradouras para que possam reconstruir

suas vidas em ambiente habitável. [11]

O Brasil é signatário da Convenção de 1951 acorrida em Genebra, o Congresso

Nacional por meio do Decreto Legislativo n° 11, de 7 de julho de 1960 ratifica a Convenção

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assinada pelo Brasil em 15 de julho de 1952. Não obstante, em 28 de janeiro de 1961 pelo

Decreto 50.215 o então presidente Juscelino Kubitschek decreta de maneira definitiva,

promulgando-a. A partir disso, o Brasil passa a fazer parte da órbita de proteção dos direitos

humanos internacionais para os refugiados.

Entretanto, o Brasil não ratifica a Convenção de 51 de forma integral, são retirados

os artigos 15 e 17. O primeiro sobre os direitos de associação, a saber:

Os Estados Contratantes concederão aos refugiados que residem regularmente em seu território, no que concerne às associações sem fins políticos nem lucrativos e aos sindicatos profissionais, o tratamento mais favorável concedido aos nacionais de um país estrangeiro, nas mesmas circunstâncias.

Outrossim, o artigo 17, cujo assunto abordado são os direitos profissionais de

emprego remunerado, dispõe:

Os Estados Contratantes darão a todo refugiado que resida regularmente no seu território o tratamento mais favorável dado, nas mesmas circunstâncias, aos nacionais de um país estrangeiro no que concerne ao exercício de uma atividade profissional assalariada […]

Ademais, na esfera brasileira de legalidade consta em nosso cenário jurídico atual a

lei n° 9.474, de 22 de julho de 1997 do governo de Fernando Henrique Cardoso que define

mecanismos para a implementação do Estatuto do Refugiados. Para os efeitos legais de

conceituação e caracterização é disposto logo no artigo 1°, incisos I, II e III do Estatuto como

o indivíduo é reconhecido como um refugiado, in verbis:

Devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,

nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de

nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; Não tendo

nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou

não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; Devido

a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de

nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Nota-se com uma primeira leitura que o conceito é proveniente da própria

Convenção de 1951, todavia, de forma mais abrangente no decorrer dos incisos, como é o

caso de “grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país

[…]”. A norma brasileira tem fins mais alargados e os direitos humanos são representados,

pelo menos na positividade normativa, em primeiro momento.

Os direitos à documentação para a regularidade jurídicas-situacional, a não

deportação ou expulsão do território brasileiro, art. 7°, § 1° e art. 36, a garantia da extensão

para o reconhecimento dos efeitos da lei para cônjuges, aos ascendentes e descendentes e

os demais membros do grupo familiar, art. 2°, além da criação do Comitê Nacional para os

Refugiados- CONARE ligado ao Ministério da Justiça, art. 11, são exemplificativamente

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assegurados pelo Estatuto dos Refugiados, um ganho para a esfera humanitária da

sociedade.

5 DESTINO VENEZUELANO: O BRASIL

Um conjunto de reportagens exibidas pelo Jornal Hoje da emissora nacional Globo

nos dias 14 e 15 de agosto deste ano revelam a realidade de pessoas provenientes da

Venezuela que motivadas pela esperança em ter uma vida melhor para si e para sua família

passam ao atravessar a fronteira com o Brasil.

A cidade de Pacaraima em Roraima, estado brasileiro, faz fronteira com a Venezuela

e todos os dias há pessoas que tentam um futuro melhor aqui no Brasil pedindo refúgio no

posto de atendimento da Polícia Federal. São pessoas de todas as origens; negros, mulatos,

índios; de todas as formas; sozinhos, em casal, com os filhos ou um conjunto de povo, o caso

de tribos indígenas, buscando sua melhoria.

A cidade fronteiriça tem seu aumento populacional duplicado e os reflexos na

saúde, educação, segurança e transporte são logo notados por todos, brasileiros e

venezuelanos. A falta de estrutura para abrigar os refugiados os levam a habitar em locais

abandonados e insalubres, a falta de medicamentos para o tratamento dos doentes, o

número de médicos que não suporta a demanda, a insegurança vivida na rua por busca de

dinheiro e pertences alheios para o sustento, são exemplos da realidade atualmente vivida.

Por conta dessa série de acontecimentos muitos deixam a cidade a procura da capital, Boa

Vista.[12]

A capital por conter constantes movimentações econômicas é destino de muitos

venezuelanos, mas nem todos conseguem se instalarem adequadamente, a saída é ficar

alojados em abrigos improvisados, os centros de acolhimento. O que se nota na reportagem

é a prostituição como meio alternativo para as mulheres jovens que não conseguiram

emprego e passam por dificuldades financeiras. Eram estudantes em seu país e passam a

exercer a atividade sexual por troca de moeda brasileira, a alternativa que encontraram para

a sobrevivência em campo desconhecido, o Brasil.

Algumas pessoas ao serem indagadas pelo repórter José Roberto Burnier sobre sua

condição de vida na Venezuela foram incisivas ao comentarem que há uma profunda

escassez de alimentos e os que ainda têm são vendidos a preços exorbitantes, devido ao

alastre da crise econômica geradora da inflação do País e a desvalorização da moeda

(Bolívar). A maioria não consegue comprar por falta de recursos e trabalho para a sua

obtenção, a consequência disso são conflitos nas ruas contra o governo e o aumento da

criminalidade, uma cadeia de fatores fruto do modo de governar presidencial.

A realidade vivida no Brasil pelos venezuelanos também não garante condições

boas de subsistência , grande parte que chega tem dificuldades com o nosso idioma, pouca

formação acadêmica e não conseguem garantir o seu sustento imediato, os desempregos

vividos tanto pelos brasileiros quanto por eles, recém-chegados, é real e do ponto de vista

da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental de formação constitucional[13], é

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absurda, em razão de estarem em condição de refúgio e ainda terem que se submeter à

situação de rua. Mas o porquê de viver nessa condição? A resposta está na esperança, na

liberdade permitida. Nas palavras de venezuelanos traduzidas: – “Nascemos de novo no

Brasil”, “Aqui comemos! ”.

É importante fazer um realce da significativa ação humanitária que grupos religiosos

e voluntários, isso, pessoas que dispõe do seu tempo livre para ajudar o outro, não

importando a origem, a cor, a personalidade, mas o puro objetivo de ajudar. Para a

sociedade atual individualista é um grande passo para a construção de um país melhor,

quiçá um mundo de harmonia. A distribuição de alimentos e abrigos são as principais ações,

entretanto não se limitam apenas a isso.[14]

O Município, Estado e União/Federação precisam se reunirem para analisar a

situação de refugiados no Brasil com o objetivo de controlar, não a entrada, mas para uma

melhor administração da situação, a ajuda é imprescindível e as consequências são legais da

omissão.[15]

6 EM BUSCA DE SOLUÇÕES: OS SUJEITOS HISTÓRICOS-SOCIAIS

6.1 O Vaticano se pronuncia: O Papa conciliador

Na difícil realidade vivida por significativa parte dos venezuelanos, faz-se necessário

a complexa procura por personagens que queiram se habilitar a ter tons de conciliação, isto

é, tomarem para si a tarefa de buscar resoluções para a causa. O Papa Francisco, como

grande líder católico, pronunciou-se em viagem que deseja que a Venezuela respeite os

direitos humanos de seus cidadãos, e não parou por aí, dispôs da Santa Sé, em referência ao

Vaticano, para a participação da tentativa de dissolução dos conflitos político-sociais com

reverberação nos direitos mínimos humanitários. Em apoio, Argentina, Brasil, Chile,

Colômbia, Costa Rica, Peru e Uruguai emitiram comunicado ratificando os desejos do

Pontífice.[16]

6.2 A reação americana: Atribuições da OEA

A Organização dos Estados Americanos- OEA perante o estado das coisas na

Venezuela tinha o dever de se pronunciar e assim o fez. Fundada em 1948 com a assinatura

da Carta de OEA, vigorando em 1951, tem como objetivos pilares a Democracia, os Direitos

Humanos, a Segurança e o Desenvolvimento. Proporciona aos Estados-membros uma ordem

de paz e de justiça para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender

a soberania, sua integridade territorial e sua independência, artigo 1° da Carta. [17]

O Estado Mexicano toma frente ao sugerir a condenação Venezuelana para a

emissão de resolução contra o Governo Maduro. Os principais pontos abordados são: a

libertação dos presos políticos; o fim da violência e a não realização de Assembleia Nacional

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Constituinte, tentativa de mudança constitucional. O que não se esperava, é fato, foi a

reprovação da medida sugerida.

Eram necessários para a aprovação 23 votos, obtiveram apenas 20, foram 5 contras

e 8 abstenções. Nicarágua, Bolívia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas e, por

último, Dominica foram os Países contra a resolução. Equador, El Salvador, República

Dominicana, Haiti, Granada, Suriname, Trinidad e Tobago e, por fim, Antígua e Barbuda

formaram os Países que se privaram de “tomar partido”, isso apontado por muitos devido à

forte influência das dívidas petrolíferas que os países possuem com a Venezuela. [18]

Nota-se que apesar do poder econômico, territorial e populacional, as consideradas

“potências” da organização americana não conseguiram obter seu intento. Após isso,

entretanto, a Venezuela, na figura de sua chanceler Delcy Rodríguez, anuncia sua retirada da

OEA.[19]

6.3 O MERCOSUL em ação

É datado o dia 13 de agosto de 2012, em Brasília, o ingresso da Venezuela no bloco

econômico do Sul da América, tornando-se membro efetiva. Nas palavras de Hugo Chávez: –

“Faz tempo que a Venezuela deve entrar no Mercosul. Mas como está escrito na bíblia, tudo

o que vai ocorrer sob o sol tem sua hora.” Em entrevista coletiva realizada no Palácio do

Planalto. [20]

O Mercado Comum do Sul por comportar como membro a Venezuela não poderia

deixar de agir no que diz respeito às condições políticas e sociais presentes, como forma de

desmotivar o governo atual de Maduro, aprova no dia 5 de agosto deste ano a suspensão

dos direitos políticos por “ruptura da ordem democrática”. Tem seus direitos como membro

bloqueados até que voltem ao status quo no campo de representação democrática, a

unanimidade determina, Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Ao conhecer da ordem o

Presidente Maduro se pronuncia: – “A Venezuela nunca saíra do Bloco”.[21] As sanções

adotadas não são de caráter comercial, pois pioraria a situação já difícil na Venezuela, mas

não é defeso a aplicação de sanções de maneira uniliteral.

6.4 O papel brasileiro: Observação ou Mediação?

No dia 23 de julho deste ano foi realizada uma entrevista na Globonews no

programa Painel, cuja finalidade era analisar a conjuntura política e social da Venezuela e

discutir o papel brasileiro nesse cenário. Estavam presentes, Alberto Pfeifer, Coordenador do

Grupo de Pesquisa da USP, Oliver Stuenkel, Professor de Relações Internacionais da

Fundação Getúlio Vargas e Ricardo Sennes, Cientista Político.

Apresentado, segundo eles, que o Brasil perdeu o tempo necessário para agir em

prol dos cidadãos e da ordem constitucional venezuelana. A estratégia política foi de tomar

atitude de passividade e auxiliar caso alguma Intuição, como a Organização das Nações

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Unidas, tomasse a dianteira do projeto solucionador dos conflitos. Na visão deles é

improvável que o Brasil seja o líder na busca de meios de resoluções, assim finalizam.

Entendemos que não se trata de um ou outro Estado a tomada única de decisão, é

preciso o apoio de todos ou de uma significativa parte objetivando um efeito capaz de sanar

integralmente o estado de descontrole vivido na Venezuela. Caso o Brasil tome para si a

responsabilidade de líder que assim o faça, mas com a reponsabilidade para o bem comum e

em respeito aos princípios internacionais.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas terminativas de investigação científica pode-se inferir a partir do

aprofundamento da pesquisa que apesar do Estado ter como pilar a promoção do bem

comum, muitas vezes esse objetivo não é alcançado por conta de deliberações políticas que

não satisfazem a todos, gerando em consequência dos atos dilemas de cunho econômico

com efeitos em esferas sociais.

A situação difícil vivida por pessoas em situação de refúgio é real e deve ser tratada

com a máxima cautela, garantindo os direitos fundamentais dos indivíduos descritos em

cartas, convenção e ordens internacionais. Faz-se indispensável a tomada de decisão por

organismos capazes de resolver a crise existente, fundado no mandamento maior de

dignidade, cogente em casos de violação de direitos conquistados a base de muitas lutas no

decorrer da história humana.

Os princípios, as regras, as leis, o ordenamento só farão valer suas funções

declaratória, assecuratória e coercitiva caso sejam aplicados como assim dispõem, não

meras “escrituras” com uma quantidade ampla de direitos elencados se uma pessoa em

circunstância de vulnerabilidade não é permitida usufruí-los, privada de seus direitos, muita

das vezes pelo próprio Estado.

Nesse sentido, é imprescindível a ação da camada conjunta da sociedade,

excluindo-se as fronteiras e com o auxílio da tecnologia, a busca por mecanismos efetivos.

Perante uma sociedade desigual que a cada tempo passado quer retomar ou ser mais

individualista [22] todo o esforço em prol social é mais que louvável.

NOTAS DE FIM

[1] G1 GLOBO, Maduro convoca assembleia constituinte. Disponível em:

<http://gi.globo.com/mundo/noticia/maduro-convoca-assembleia-cidada-para-nova-

contituicao.ghtml> Acesso em: ago. de 2017.

[2] FREITAS, Eduardo. A Venezuela. Disponível em:

<https.www.brasilescola.uol.com.br/geografia. Acesso em: ago. de 2017.

[3] A título de curiosidade, a sétima arte retrata o movimento de protestos em um filme de

nome “El Caracazo” de 2005.

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[4] ULTIMO SEGUNDO, morre o ex-presidente da Venezuela Carlos Andrés Peréz. Disponível

em: <https/www.ultimosegundo.ig.com.br/mundo/morre-o-expresidente-da-vezuela>

Acesso em: ago. de 2017.

[5] Faz-se uma ressalva que a defensa dos pobres é uma grande “jogada” política devido à

profunda e gigantesca desigualdade sociais em países subdesenvolvidos. O número de

hipossuficientes é incomparável ao número de pessoas com uma situação regular de vida.

Transferindo essa ideia para a prática política há um ganho elevado de votos.

[6] PRADO, Ana. O que você precisa saber sobre Hugo Chávez e a Venezuela. Disponível em:

<www.guiadoestudante.abril.com.br/venezuela> Acesso em: ago. de 2017.

[7] É certo que falar em “ditadura” pode ocasionar o pensamento de parcialidade científica,

mas não resta outro termo que melhor se adequa aos fatos vivenciados no país vizinho. O

poder “sem limite” é perigoso e espantoso para as noções de direitos mínimos humanos.

[8] G1 GLOBO. A morte de Hugo Chávez. Disponível em:

<www.g1.globo.com/mundo/noticia/morre-aos-58-anos-hugo-chaves> Acesso em ago. de

2017.

[9] UOL NOTÌCIAS. Nicolas Maduro é eleito presidente da Venezuela e se mantém no cargo.

Disponível: <https://www.noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-

noticias/venezuela/nicolas-maduro> Acesso em ago. de 2017.

[10] ARENDT, Hannah, Auschiwitz et Jérusalem, Paris, Deuxtemps Tierce, 1991, 138.

[11] ACNUR. O que é a Convenção de 1951. Disponível em:

<https://www.acnur.org/portugues/infomacao-geral/o-que-e-a-convencao-de-1951> Acesso

em: ago. de 2017

[12] G1 GLOBO. A chegada de venezuelanos em Pacaraima. Disponível em: <

https://www.g1.globo.com/rr/roraima/roraima-tv/vidos/v/venezuela> Acesso em: ago. de

2017.

[13] Carta Magna de 1988, artigo 1°, inciso III.

[14] Merece o total apoio, o grito de esperança ressurge, a vida continua.

[15] Ratificação da Convenção das Organizações Unidas Sobre Refugiados que o Brasil é

signatários desde 1960.

[16] MEZA, Alfredo. Papa Francisco pede “soluções negociadas” para a crise na Venezuela.

Disponível em:

<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/01/internacional/1493603788_709176.html>

Acesso em: ago. de 2017

[17] OEA. Sobre a OEA: Quem Somos. Disponível em: <https://oas.org/pt/sobre/quem-

somos/asp> Acesso: ago. de 2017

[18] LAFUENTE, Javier; GARCÍA, Jacobo. Pequenos Países derrotam potencias e evitam revés

da Venezuela na OEA. Disponível em:

<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/20/internacional/1497983612_957635.html>

Acesso em: ago. 2017.

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[19] ALONSO, Nicolás; MEZA, Alfredo. Venezuela anuncia sua retirada da OEA. Disponível

em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/27/internacional/1493246051_378028.html>

Acesso em: ago. de 2017

[20] TERRA UOL. Para Chávez, Mercosul permitirá à Venezuela ‘sair do modelo petroleiro’.

Disponível em: <https://terra.com.br/noticias/mundo/para/chavez-mercosul-permitira-a-

venezuela-sair-de-modelo-petroleiro> Acesso em: ago. de 2017

[21] BAZZO, Gabriela; FRANCO, Marina. Mercosul suspende direitos políticos da Venezuela

por ‘ruptura da ordem democrática’. Disponível em:

<https://g1.globo.com/mundo/noticia/mercosul-suspende-direitos-politicos-da-venezuela-

por-ruptura-da-ordem-democratica.html> Acesso em: ago. de 2017.

[22] SENRA, Ricardo. ‘Sou nazista, sim’: o protesto da extrema-direita dos EUA contra

negros, imigrantes, gays e judeus. Disponível em:

<htpps://www.bbc.com/portuguese/amp/internacional-40910927> Acesso em: ago. de

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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

TERRA UOL. Para Chávez, Mercosul permitirá à Venezuela ‘sair do modelo petroleiro’.

Disponível em: <https://terra.com.br/noticias/mundo/para/chavez-mercosul-permitira-a-

venezuela-sair-de-modelo-petroleiro> Acesso em: ago. de 2017

ULTIMO SEGUNDO, morre o ex-presidente da Venezuela Carlos Andrés Peréz. Disponível

em: <https/www.ultimosegundo.ig.com.br/mundo/morre-o-expresidente-da-vezuela>

Acesso em: ago. de 2017.

UOL NOTÍCIAS. Nicolas Maduro é eleito presidente da Venezuela e se mantém no cargo.

Disponível em: <https://www.noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-

noticias/venezuela/nicolas-maduro> Acesso em ago. de 2017.

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A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO E A VIOLAÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS TRABALHISTAS

THE INTERNATIONAL RESPONSIBILITY OF THE STATE AND THE VIOLATION OF

HUMAN LABOR RIGHTS

Marcos César Botelho13

Djeison Tabisz14

Resumo: considerando o atual cenário mundial de recessão econômica em que muitos

governos visam reestabelecer o crescimento econômico a qualquer custo, quase que

invariavelmente acabam por atacar direitos humanos, principalmente os sociais como é o

caso do direito do trabalho, que vem sofrendo ataques em âmbito interno pelos governos

que buscam de alguma forma restringir a dita recessão econômica, objetiva-se assim

demonstrar como tais atos podem ensejar a responsabilização do estado em âmbito

internacional pela violação à proteção dos direitos humanos. Para tanto, procede-se à

pesquisa bibliográfica em livros, revistas, periódicos e artigos sobre direito internacional

público e do direito em geral, lançando-se mão do método indutivo. Desse modo, observa-se

que ao longo da pesquisa se vislumbra a possibilidade de responsabilização de um estado

frente a grave violação dos direitos humanos e que o direito do trabalho se insere em tal

conceito, o que permite concluir que o ente que excluir ou mesmo diminuir a proteção

destes direitos trabalhistas pode ser responsabilizado internacionalmente.

Palavras-chave: direito internacional; proteção internacional; direitos humanos,

responsabilidade internacional; direito do trabalho.

Abstract: Considering the current world scenario of economic recession in which many

governments aim to reestablish economic growth at any cost, they almost invariably end up

13

Doutor em Direito Constitucional no programa da Instituição Toledo de Ensino/Bauru-SP (2011). Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (2008). Atualmente é advogado da união - Advocacia-Geral da União, lotado na Procuradoria Seccional da União em Campinas/SP. Atuou na Coordenação de Propositura de Ações Não Pró-ativas e de Acompanhamento de Ações Penais, Coordenação de Patrimônio Público e Coordenação Trabalhista na Procuradoria-Regional da União da 3ª Região SP/MS e na Procuradoria-Seccional da União em Marília/SP. Foi Coordenador-Geral de Atos Normativos, Coordenador-Geral de Contencioso Judicial e Coordenador-Geral de Exame de Procedimentos Administrativos, todos na Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa. Foi consultor jurídico da delegação brasileira que participou da Convenção sobre Responsabilidade por atos criminosos por pessoal em missões de manutenção de paz. Foi membro-suplente do Ministério da Defesa no Grupo de Trabalho formado pelos membros da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN) e pela Advocacia-Geral da União instituído para elaborar proposta de tópicos que deverão constar de um Projeto de Lei para a Defesa da Soberania e do Estado Democrático de Direito. É professor adjunto vinculado aos programas de mestrado e doutorado em ciências jurídicas na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). 14

Advogado. Graduado em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).

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attacking human rights, especially social ones such as labor law, which almost invariably

suffers attacks at the internal level, by governments that seek to restrict the economic

recession in some way, it aims to demonstrate how such acts can lead to the accountability

of such a state in the international arena for the violation of the protection of human rights.

To do so, we proceed to the bibliographic research in books, magazines, periodicals and

articles on public international law and law in general, using the inductive method. In this

way, it can be observed that, during the research, the possibility of a state being held

accountable for the serious violation of human rights can be seen and that labor law is

included in this concept, which allows to conclude that the entity that excludes or even

diminishing the protection of these labor rights can be blamed internationally.

Keywords: international law; international protection; human rights; international

responsibility; labour law.

1 INTRODUÇÃO

Um dos mais importantes institutos de direito internacional é a responsabilidade.

Conceitua-la é uma tarefa um tanto complexa, mas necessária para que se possa chegar à

ideia de como um ente estatal soberano, em regra, pode ser responsabilizado em âmbito

internacional pelo descumprimento de normas deste nível, costumes ou mesmo pelo dano

causado a outro ente ou pessoa.

Os tratados em matéria internacional também merecem destaque posto que

obrigam um estado ao seu cumprimento e que a sua violação pode ensejar a dita

responsabilização internacional daquele estado.

Aspecto que merece destaque também o fato de que os tratados possuem, por

força da norma prevista na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, superioridade

em relação às normas de direito interno, o que significa que a supremacia das normas de

direito internacional e a sua consequente prevalência diante de um eventual conflito com as

normas de direito interno.

Neste sentido, as normas de proteção aos direitos humanos em âmbito

internacional são de grande importância, visto que possuem sistemas proteção de alcance

mundial, bem como no plano regional.

Questão importante a ser debatida é se o direito do trabalho está neste âmbito de

proteção e se um estado que o viole, produzindo normas internas que ensejem a exclusão

ou mesmo a diminuição de direitos dos trabalhadores está inserida nesta proteção e poderia

caracterizar a violação de direitos humanos e subsequentemente ensejar a responsabilidade

do estado que adotar tal conduta.

É neste sentido, portanto, que se desenvolverá o presente estudo ao se dedicar à

análise da responsabilidade internacional do estado em face de sua conduta, mesmo que

interna, de violação de direitos humanos.

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2 A RESPONSABILIZAÇÃO INTERNACIONAL DO ESTADO: CONCEITO E FORMAS DE

RESPONSABILIZAÇÃO

É importante destacar que a responsabilidade de um Estado frente à comunidade

internacional ganha especial destaque frente a grave violação de direitos humanos

decorrente de políticas econômicas voltadas à promoção do mercado. Hobsbawn (2007, p.

11), por exemplo, assevera que a promoção, e consequente proteção, do mercado livre

global trouxeram consequências para os sistemas de proteção de bem-estar social.

Neste cenário, a análise da responsabilidade internacional do Estado é de suma

importância, tendo em vista que o exercício da jurisdição pelos organismos internacionais

poderá gerar eventuais conflitos com entes estatais, na medida em que haverá uma

mitigação da soberania interna.

Surge, portanto, a necessidade de compreensão do fenômeno da responsabilização

internacional de um Estado, considerando a generalidade e a abstração das normas de

direito internacional, bem como o fato de serem elaboradas conjuntamente por sujeitos de

direito internacional público que se encontram formalmente no mesmo plano de igualdade,

de forma a abranger a comunidade internacional com uma variabilidade considerável de

meios para que se coíbam os possíveis descumprimentos (MAZZUOLI, 2015, p. 613).

Ademais, importante destacar que a responsabilidade internacional é conceito intuitivo, já

que “[…] na medida em que ações são praticadas violando direitos alheios, compete àquele

que causou o dano o dever de repará-lo” (GUERRA, 2017, p. 181).

Com base nisto é possível identificar que quando um Estado viola qualquer norma

de direito internacional, ocasionando algum tipo de dano, quer em âmbito coletivo, quer

individual, deve ele responder pela conduta perpetrada, pois a responsabilidade

internacional “Trata-se de obrigação de um Estado em reparar e satisfazer outro Estado em

razão da produção de um dano” (GUERRA, 2017, p. 181).

Assim, é possível se conceber a responsabilização internacional, mesmo que de

forma ainda precária, considerando a escassez de meios de coação dos Estados para o

cumprimento destas normas, muito mais como responsabilização coletiva do que individual,

e a sua finalidade é “[…] em última análise, reparar e satisfazer, respectivamente, os danos

materiais e éticos sofridos por um Estado em decorrência de atos praticados por outro”

(MAZZUOLI, 2015, p. 613-614).

Do conceito de Mazzuoli, é possível de se entender, em um primeiro momento, que

a responsabilização internacional de um Estado ocorreria somente em relação a atos

praticados por este em relação a outro Ente ou organismo de âmbito internacional.

Contudo, não se pode restringir o alcance do instituto. Como bem observa Paulo

Henrique Gonçalves Portela (2015, p. 381), a tradição ocorre neste sentido, ou seja, da

responsabilização não se referir diretamente ao indivíduo, mas que a possibilidade disto

acontecer hoje é bem mais real, como ele bem observa:

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Entretanto, já há possibilidades de a pessoa humana responsabilizar diretamente o ente estatal na ordem internacional. É o caso, por exemplo, dos mecanismos existentes dentro da União Europeia e da Organização dos Estados Americanos (OEA), que permitem que indivíduos pleiteiem as devidas reparações pelo descumprimento, por parte dos Estados, das normas internacionais de direitos humanos (PORTELA, 2015, p. 381).

O Estado sempre será responsável quando a sua conduta se caracterizar em um ato

ilícito segundo as normas de direito internacional, gerando o dever de uma reparação

adequada ao dano causado (REZEK, 2016, p. 336). Logo, a ideia de responsabilidade

internacional centra-se na conduta ilícita causadora de dano, seja coletivamente ou no plano

individual.

No plano regional, por exemplo, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos

prevê o dever dos Estados-partes de respeitar direitos e liberdades reconhecidos no

documento internacional e a garantir o seu pleno e livre exercício por toda a pessoa que

esteja sujeita à sua jurisdição. Ou seja, não se pode excluir da proteção qualquer cidadão

(GOMES; MAZZUOLI, 2013, p. 29), o que leva à conclusão de que eventual conduta ilícita

estatal é passível de responsabilização internacional[1].

Assim:

A Convenção, quando garante “a toda pessoa” que esteja sujeita à jurisdição do Estado o livre e pleno exercício dos direitos nela consagrados, está a visualizar o papel do Estado sob a ótica ex parte Populi (ou seja, tendo como ponto de partida interesses da pessoa) e não sob a ótica ex parte principis (que leva em consideração apenas os interesses do governo). Assim, se o Estado não tomar ações concretas que garantam às pessoas os direitos consagrados no instrumento internacional, ficam abertas aos cidadãos as portas da jurisdição internacional, que deverá tomar as medidas pertinentes. (GOMES; MAZZUOLI, 2013, p. 30).

É a partir desse pressuposto que se desenvolverá a análise, considerando-se a

possibilidade de responsabilidade do Estado quando a sua conduta ilícita ocasionar dano

seja para outro Estado, seja para um indivíduo.

2.1 Características e formas de responsabilização estatal no âmbito internacional

Como já ressaltado antes, os meios de coação em relação a um Ente Estatal são

ainda bastantes escassos no âmbito internacional, o que acaba dificultando muitas vezes o

cumprimento de decisões que responsabilizem o Estado. Consequentemente, a força

cogente do arcabouço normativo internacional resta mitigada, gerando constantes violações

de normas de direito internacional contra indivíduos ou grupos minoritários e vulneráveis.

Não obstante a isto, é possível analisar algumas características sobre o instituto e

alguns instrumentos que podem contribuir para a sua efetividade no cenário atual, bem

como de algumas melhorias que podem ser implementadas nos sistemas existentes.

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Um destaque importante a esta linha de raciocínio é a questão de a

responsabilização de um determinado ente poder ocorrer somente em face de um tratado

para o qual este voluntariamente se vinculou. É neste sentido, pois que Paulo Henrique

Gonçalves Portela (2015, p. 382) ensina ao afirmar que “O instituto da responsabilidade

internacional visa a garantir o cumprimento das obrigações com as quais os Estados e os

organismos internacionais livremente se submeteram quando se vinculam a tratados”. Ou

seja, “[…] o princípio fundamental da justiça traduz-se concretamente na obrigação de

manter os compromissos assumidos” (GUERRA, 2017, p. 182), pois não é possível

responsabilizar o Estado com fundamento em uma diploma normativo internacional ao qual

ele não se submeteu.

Ademais, a responsabilidade internacional é sempre institucional. O que significa

dizer que a responsabilização recairá sobre o Estado, mesmo que o ato danoso ou violador

seja praticado por pessoa particular, mas nos interesses ou a serviço daquele. É o

entendimento compartilhado por Portela (2015, p. 382). No mesmo sentido, Rezek (2016, p.

338) assevera que a responsabilidade do Estado surge pela conduta de seus órgãos de

qualquer natureza ou nível hierárquico, sendo que “A ação hostil de particulares não

compromete, por si mesma, a responsabilidade internacional do Estado: este incorrerá em

ilícito somente quando faltar a seus deveres elementares de prevenção e repressão” (REZEK,

2016, p. 338).

Este último ponto é fundamental para o entendimento acerca da responsabilização

do Estado quando há violação de normas de direito internacional às quais voluntariamente

se vinculou. Na expressão de Portela (2015, p. 382) a responsabilização tratada neste âmbito

não é penal, mas tratando-se de instituto que objetiva reparar um prejuízo, possuindo, de

forma comparada ao ordenamento jurídico brasileiro, uma natureza de reparação cível.

Outro aspecto importante é verificar que a responsabilidade do ente estatal pode

advir da prática de um ato comisso ou omissivo, a saber, da prática de uma ação de fazer ou

em razão de um ente deixar de praticar aquilo com o que havia previamente concordado em

âmbito internacional (PORTELA, 2015, p. 382). Assim, lembra Guerra (2017, p. 181-182) que:

A convivência pacífica e a observância das normas internacionais devem ser levadas a bom termo por todos aqueles que fazem parte da sociedade internacional. […]Se ocorrer o caso de o Estado ir de encontro às obrigações convencionais ou consuetudinárias que lhe são impostas pelo Direito Internacional, deve avocar a responsabilidade dos seus atos ou omissões e sujeitar-se às sanções cabíveis. (grifamos).

Pode ainda ser decorrente de violação de tratado internacional ou de costume

internacional. Também pode decorrer da prática de ato pelo próprio governo do Estado ou

de pessoas diretamente a este vinculada, ou ainda de particulares que exercem função que

seria típica do Estado ou por ele de alguma maneira delegada (PORTELA, 2015, p. 382).

Conforme já salientado, em conformidade com as normas de direito internacional

público contemporâneo, não apenas o Estado pode figurar como ofensor, mas é possível

também enquadrar indivíduos, organismos internacionais e sujeitos de direito internacional

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em geral (REZEK, 2016, p. 338-339). Neste sentido, por exemplo, a Corte de Haia entendeu

que o Irã era responsável pela violência cometida por particulares contra a embaixada

americana em 1979, tendo em vista que o estado iraniano possuía os meios necessários ao

controle da jurisdição (REZEK, 2016, p. 339).

Igualmente, cite-se que no conceito de ato ilícito estão abarcados os atos

legislativos e judiciais (GUERRA, 2017, p. 185). Como enfatizado em Portela (2015, p. 381-

382) se um Estado se presta a violação massiva de direitos humanos e fundamentais, a este

pouco importa a estrutura judicial competente para que se possam coibir tais atos

violadores, como muitos exemplos em termos de regimes ditatoriais militares, muito

presentes na América Latina na segunda metade do século XX.

É também neste sentido que Danielle Annoni enfatiza a questão da

responsabilização internacional de um Estado ao citar julgados da Corte Interamericana de

Direitos Humanos, observe:

Outro exemplo, de denegação da justiça recentemente analisado por órgãos internacionais de direitos humanos foi o caso Genie Lacayo, no qual a Nicarágua foi acusada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos de delonga injustificada na prolação de sentenças contra os responsáveis pelo desaparecimento e morte de Jean Paul Genie Lacayo. A corte considerou que o prazo de mais de cinco anos sem sentença final não é razoável, violando a Convenção Americana em seu art. 8º, § 1º (ANNONI, 2009, p. 51).

Cumpre ainda destacar mais uma hipótese citada também por Danielle Annoni

(2009, p. 52) que é o caso Villagrán Morales y otros, em que a Guatemala foi processada pela

Comissão Interamericana de Direitos Humanos em um caso de ato judicial injusto. O caso se

referia à absolvição de acusados de cometerem assassinato contra cinco meninos de rua

guatemaltecos, o que no entendimento da Comissão, violou o dever de garantia dos direitos

humanos.

Neste mesmo ponto é possível identificar outra característica do instituto da

responsabilidade internacional, qual seja poder ser ela a título comissivo ou omissivo, o que

quer dizer que o Estado poderá ser responsabilizado quando praticar ato ilícito e também,

quando deixar de praticar ato com o qual tenha se obrigado internacionalmente (PORTELA,

2015, p. 382).

Em que pesem as discussões sobre a temática referida, é preciso ainda destacar que

três são os elementos essenciais da responsabilidade internacional: o ato ilícito, a

imputabilidade e o dano.

No que se refere ao ato ilícito, refere-se a violação de norma internacional, de

maneira que, é de grande importância destacar, “[…] não há escusa para o ato

internacionalmente ilícito no argumento de sua licitude ante a ordem jurídica local” (REZEK,

2017, p. 284).

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De modo que se faz imperativo na colocação de Rezek (2017, p. 284) que a ilicitude

ocorra em face de violação de dispositivo de direito internacional como, por exemplo:

princípios gerais, costumes, disposição de tratado que esteja vigente, etc.

Interessante ainda se faz o exposto por Mazzuoli (2015, p. 621-622) considerando a

chamada responsabilidade internacional por risco admitida em casos extremos de violação

que causam danos graves a pessoas e ao meio ambiente, em que o dano é retirado desta

fórmula para responsabilização, restando assim somente a o ato ilícito e a imputabilidade.

Ainda sobre a questão, Danielle Annoni (2009, p. 48) engloba o conceito de

imputabilidade dentro do próprio ato ilícito, ao se referir a elementos subjetivos, que seria a

identificação do Estado responsável pela violação, e elementos objetivos, que seria a

identificação de nexo entre a conduta do Estado e a violação danosa.

Cumpre ainda destacar o conceito trazido por Paulo Borba Casella, Hildebrando

Accioly e G. E do Nascimento e Silva:

Ato ilícito é o que viola os deveres ou obrigações internacionais do estado, quer se trate de fato positivo, quer de fato negativo, isto é, de omissão. Tais obrigações não resultam apenas de tratados ou convenções, uma vez que podem decorrer também do costume ou dos princípios gerais do direito (CASELLA et. al., 2011, p. 385. Grifo do autor).

Já no que se refere à imputabilidade, o conceito abrange a responsabilidade do

estado, como tal. O que quer dizer em linhas gerais, a identificação do sujeito responsável

pela violação danosa em âmbito internacional. Mazzuoli (2015, p. 622) conceitua também

como nexo causal.

O terceiro elemento a ser considerado é o dano. O dano como se considerada na

doutrina civilista interna, é a consequência gravosa do ato ilícito praticado pelo estado,

tornando de alguma forma mais onerosa à situação do estado violado, ou do indivíduo

atingido. O dano pode ser perpetrado pelo próprio estado ou por terceiro que o faz em

nome deste (MAZZUOLI, 2015, p. 623). Ainda na expressão de Danielle Annoni:

O dano passa a ser inerente à comprovação do fato internacionalmente ilícito, o que equivale a uma absorção do dano pelo conceito de ilicitude. Portanto, a posição da Comissão de Direito Internacional de considerar toda a violação à norma jurídica um dano, assegura que, constatada a violação de direitos humanos, passa o lesado a ter o direito à reparação. Desse modo, somente o dano considerado como dano jurídico é integrante da responsabilidade internacional do Estado. Logo, há sempre dano quando não há, aparentemente, dano, material a ser reparado (ANNONI, 2009, p. 53).

Assim, é possível se identificar que a responsabilidade internacional é mais acurada

quando se trata da proteção de direitos humanos, o que é bastante relevante para a

conclusão deste trabalho.

Existem, contudo, ainda alguns pressupostos que precisam ser atendidos para que a

demanda possa ser aceita.

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Com base nisto é possível identificar que um Estado para que possa ser

responsabilizado, deve ser nacional do Estado reclamante. O que significa que para que

possa ser a queixa admissível, deve a vítima ser cidadã do país que possui a competência

para reclamar (MAZZUOLI, 2015, p. 619). Em princípio isto pode sugerir que há um

empecilho quando a pessoa que é vítima é da mesma nacionalidade que o país ofensor, o

que pode claramente ocorrer quando se tratarem de direitos trabalhistas. O fato é que,

como será adiante desenvolvido, esta matéria é afeta ao sistema internacional de proteção

dos direitos humanos, de modo que é garantia universal do indivíduo, o acesso à justiça

quando o próprio estado de sua naturalidade o negar.

Um segundo pressuposto a ser superado para a admissibilidade de tais litígios é o

do esgotamento das vias judicias do estado de origem, vale dizer: “[…] ter esgotado os

recurso internos (administrativos ou judiciais) disponíveis para a salvaguarda dos seus

direitos violados” (MAZZUOLI, 2015, p. 619).

De certa forma é interessante que isto seja necessário posto que por vezes o

próprio poder judiciário ou a seara administrativa pode ser moroso a ponto de causar danos

irreversíveis aos direitos humanos, de modo que assim mesmo pode ensejar o acionamento

da via jurídica internacional (MAZZUOLI, 2015, p. 620).

Um terceiro e último pressuposto é o de que a vítima não tenha de alguma forma

concorrido para a conduta delituosa ensejadora de dano. Ou seja, se a vítima de alguma

contribuiu para o ato, extinta estará à possibilidade de responsabilização internacional do

estado (MAZZUOLI, 2015, p. 620).

Com base nisto, e tendo em mente os conceitos até agora desenvolvidos, é

necessária uma análise acerca da proteção em nível internacional dos direitos humanos,

bem como de tratados e convenções que sejam a este tema pertinente, vale dizer no âmbito

dos chamados direitos sociais, mais especificamente da seara trabalhista, e disto se ocupará

o próximo tópico.

3 OS TRATADOS E A HIERARQUIA EM RELAÇÃO ÀS NORMAS DE DIREITO INTERNO – A

EFETIVA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Como visto anteriormente, a responsabilização de um estado pode ocorrer frente à

violação de normas internacionais, o que abrange inclusive os costumes e os princípios

gerais de direito. Ademais, foi possível identificar também o interesse maior quando as ditas

violações se referirem ao âmbito de proteção dos direitos humanos, quando o dano pode

ser até mesmo presumido.

Os tratados são fontes do direito internacional de elevada importância. Com a

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 foram codificadas as normas de

direito internacional costumeiras até então vigentes e também posteriormente

complementada pela Convenção sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações

Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986. (CASELLA et al., 2011, p. 154).

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Assim, Rezek (2017, p. 14) define que: “Tratado é todo acordo formal concluído

entre pessoas jurídicas de direito internacional público e destinado a produzir efeitos

jurídicos”. Para Guerra (2017, p. 96):

Tratado é termo genérico que pode servir para designar um acordo entre dois ou mais Estados para regular um assunto, determinar seus direitos e obrigações, assim como as regras de conduta que devem seguir, mas em nenhum caso é aplicável a um acordo entre um Estado e uma pessoa privada.

Sobre a questão conceitual ainda, Paulo Henrique Gonçalves Portela ensina

conforme a própria citada Convenção de Viena, e desta parte sua conceituação ao

considerar alguns aspectos nela definidos, como a de que são acordos celebrados entre os

Estados e por eles mesmos elaboradas, o que reforça a sua exigibilidade, são escritos e

acordados entre entes estatais soberanos, em regra, e também regidos pelas normas de

direito público internacional (PORTELA, 2015, p. 86).

No que tange a questão da exigibilidade de um tratado, não se pode falar em

obrigar um estado ao cumprimento de um tratado sem que este tenha ao menos

concordado formalmente com ele. É o que ensina Guerra (2017, p. 96), para quem a

primeira condição para a celebração de um tratado é a manifestação de vontade de dois ou

mais sujeitos. Logo, “Não se trata, portanto, de um ato unilateral em que basta a

manifestação da vontade de apenas uma das partes para que haja a produção de efeitos

jurídicos na órbita jurídica internacional.” (GUERRA, 2017, p. 96).

Vale também ressaltar que para o direito internacional, não importa de que forma

serão as normas do tratado incorporadas ao direito interno, mas uma vez assentido, ela já é

considerada como parte do acordo e de fato incorporada ao ordenamento interno daquele

estado, desde que obedecidas às formalidades necessárias à sua vigência, posto que norma

interna que contrarie o preceito desse não pode vislumbrar esquiva ao cumprimento

daquele (REZEK, 2010, p. 78).

Neste sentido, Portela (2015, p. 109) ensina sobre a vigência diferida e a vigência

contemporânea dos tratados. Este trata da entrada em vigor no momento em as partes

acordam o texto do tratado e a ele se vinculam pela assinatura. Quanto àquela, se

configuram quando o próprio texto do tratado estabelece um prazo para sua entrada em

vigor.

É digno de se mencionar ainda o artigo 26 da Convenção de Viena de 1969 que diz:

“Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”. (CAMARA,

2015).

A questão da exigibilidade resta evidente. O estado signatário deve cumprir o

acordado. Entretanto, para os fins do presente estudo, merecem destaque as normas

internacionais de proteção dos direitos humanos, sendo possível reconhecer um sistema de

proteção internacional dos direitos humanos de âmbito mundial.

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Este sistema de proteção ganha destaque em razão dos horrores perpetrados na

Segunda Guerra Mundial (CASELLA; SILVA; ACCIOLY, 2011, p. 491), com os direitos humanos

ganhando força expressiva no átimo seguinte, ante a constatação da necessidade de

proteção. Houve a necessidade de desenvolvimento de teorias jurídicas comprometidas com

os valores humanitários, sobretudo porque o nazismo promoveu a uma “legalização do mal”

(MARMELSTEIN, 2011, p. 3). Segundo Flávia Piovesan (2006, p. 8), a internacionalização dos

direitos humanos é fruto de um momento histórico peculiar e recente, surgindo a partir do

Pós-Guerra como uma resposta às atrocidades cometidas pelo regime nazista.

Contudo a proteção de tais direitos não se encerra apenas neste sistema. De tal

sorte que como bem expresso, a coexistência dos sistemas mundial e regionais é

perfeitamente aceitável (CASELLA; SILVA; ACCIOLY, 2011, p. 497).

Fala-se assim no sistema europeu que funciona dentro do Conselho da Europa e se

esteia na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades

Fundamentais de 1950, Carta Social Europeia de 1961e de diversos Protocolos adicionais.

Este sistema conta ainda, com uma corte especializada: a Corte Europeia de Direitos

Humanos (CASELLA; SILVA; ACCIOLY, 2011, p. 496-497).

Há também o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. Este é

composto por quatro expressões normativas principais: a Declaração Americana dos Direitos

e Deveres do Homem, a Carta de Organização dos Estados Americanos, a Convenção

Americana de Direitos Humanos e o Protocolo relativo aos direitos sociais e econômicos.

Neste sistema, a vítima ou seu representante pode peticionar junto à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos que apreciará a sua admissibilidade e se for o caso,

apresentará o caso à Corte Interamericana dos Direitos Humanos (CASELLA; SILVA; ACCIOLY,

2011, p. 499-500).

Há ainda um terceiro sistema regional, o sistema africano. Este está inserido na

nova União Africana e está baseada na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de

1981 e em seu Protocolo Adicional de 1998 que estabeleceu a primeira corte de direitos

humanos e sua proteção em nível internacional da África e que veio a funcionar no ano de

2004 (CASELLA et al., 2011, p. 501).

Neste sentido como oportunamente ensina Danielle Annoni (2009, p. 111) é preciso

que se reconheçam os direitos humanos, de cidadania e sua relação com a justiça, não mais

apenas como direitos do cidadão tão somente, mas como algo imanentemente ligado ao

próprio ser humano e desde tempos imemoriais ligados ao âmbito de exigibilidade deste, ou

seja, inerentes ao ser humano. E é nisto que reside, em resumo à questão processualística

da proteção destes direitos no âmbito internacional, que é o acesso à justiça nos termos de

duração razoável, de imparcialidade e do próprio acesso, com um direito humano, portanto.

Assim, é possível concluir que os tratados são desde logo exigíveis dos Estados

signatários não importando se haja norma de direito interno que o contrarie, que também a

proteção dos direitos humanos em âmbito internacional é de grande destaque, justamente

na direção de sua importância e exigibilidade e que são meios adequados também em

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complemento ao considerado no tópico anterior, de se exigir a devida reparação de um

estado em caso de descumprimento.

4 QUESTÕES TRABALHISTAS NA SEARA INTERNACIONAL: RESPONSABILIZAÇÃO EM CASO

DE GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos sociais são parte fundamental da historiografia, da concepção e da

concretude dos direitos humanos. São ditos direitos de prestação positiva, que exigem um

comportamento positivo do Estado em face da possibilidade de que se não respeitados,

podem fazer com que pessoas ou coletividades sofram intenso dano que dificilmente poderá

ser reparado. Na valiosa lição de Ingo Sarlet: “Não se cuida mais, portanto, de liberdade do e

perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado” (SARLET, 2012, p. 33).

Assim, como bem lembra Leonardo Augusto Gonçalves (2013, p. 72) os direitos

fundamentais, vale dizer os direitos humanos, foram elevados a um grau de elevada

importância, fato que fez com que fosse assim também sobrelevado à proteção além do

próprio estado, merecendo então a proteção internacional.

Nesta linha de raciocínio é preciso que se destaque que o direito do trabalho

também foi elevado a esta proteção, como a própria Declaração Universal dos Direitos

Humanos de 1948 (DUDH, 2009, p. 12).

Tal importância deste direito social é ressaltada em face da consolidação da Carta

Internacional de Direitos Sociais Trabalhistas sob a intensa atividade da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), assim como a Declaração Referente aos Fins e Objetivos da

Organização Internacional do Trabalho (Declaração da Filadélfia), a Declaração da OIT sobre

os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e também a Agenda do Trabalho Decente

(DELGADO; AMORIM, 2014, p. 28-29).

Alguns dos pontos que merecem destaque, necessariamente na chamada

Declaração da Filadélfia é a desmercantilização do trabalho em um nível máximo

desvinculando-o da sociedade capitalista (DELGADO; AMORIM, 2014, p. 29).

Rodolfo Arango (2005, p 37), com percuciente clareza esclarece que, os direitos

sociais são direitos fundamentais, sendo, por conseguinte, direitos subjetivos com um alto

grau de importância.

Um marco de extrema importância foi a elaboração da Declaração de 1998, ou

Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Nesta reúnem-

se alguns dos assuntos mais importantes referentes à proteção internacional dos direitos

trabalhistas, tornando-se verdadeiramente os Direitos Humanos dos Trabalhadores,

consolidando a proteção à posição de centralidade à liberdade de associação e de

negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalhos forçados, a extinção do

trabalho infantil e também a eliminação da discriminação no emprego (DELGADO; AMORIM,

2014, p. 29).

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Há ainda uma recomendação da OIT, a de número 198 que trata da fixação em

âmbito interno de uma política de proteção àqueles vinculados em uma relação trabalhista,

bem como a de determinação de existência desta relação (DELGADO; AMORIM, 2014, p. 30).

Sobre a fundamentação ontológica do direito trabalhista como merecedor da

proteção em âmbito internacional está a colocação de Maurício Godinho Delgado (2016, p.

86) ao afirmar que: “A conquista da afirmação da dignidade da pessoa humana não mais

podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo,

naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e

social”.

Vale ainda dizer que a OIT possui um procedimento específico em caso de violação

de normas trabalhistas internacionais por determinado Estado. Em verdade são dois

procedimentos que a Constituição da OIT prevê: a reclamação e a queixa. Assim, quando um

estado-membro não assegurar o devido cumprimento de uma convenção da qual é

signatário, uma organização de trabalhadores pode dirigir uma Reclamação dirigida à

Repartição Internacional do Trabalho (RIT) (PORTELA, 2015, p. 470).

A outra opção refere-se a quando outro Estado-membro pode envia a RIT uma

queixa, quando outro Estado-membro deixa de cumprir as normas de um tratado de direito

internacional do trabalho (PORTELA, 2015, p. 470).

Cumpre destacar, portanto, que a OIT é composta por recomendações e

convenções, e que estas convenções em nada diferem dos tratados multilaterais de direito

internacional aplicando-se a eles todas as normas aplicáveis àqueles, como bem expressa

Portela (2015, p. 474).

O artigo 7º do protocolo adicional (Protocolo de San Salvador) à Convenção

Interamericana de Direitos Humanos afirma que é dever dos Estados signatários garantir

condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho, obrigando-os a garantir o gozo do

direito ao trabalho nestas condições através da aprovação e adequação de normas do direito

interno.

Assim, o documento internacional proclama a necessidade de se assegurar uma

remuneração justa aos trabalhadores, apta a promover condições de subsistência digna para

ele e sua família.

Neste cenário, é dever dos Estados promover medidas legislativas, políticas públicas

e prática judicial que seja compatível com o primado internacional da proteção ao direito do

trabalho. Políticas econômicas não podem incentivar a diminuição de empregos ou

promover qualquer enfraquecimento que seja da rede de proteção aos trabalhadores.

Na base de políticas econômicas e sociais devem estar presente princípios voltados

à proteção do emprego e a consolidação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Neste

sentido é que a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais ou Declaração dos

Direitos Sociais dos Trabalhadores adotada na Conferência Americana do Rio de Janeiro,

ocorrida em 1947, prevê que o trabalho é uma função social que goza da proteção especial

do Estado, não devendo ser considerado um artigo de comércio. Ademais, prevê que os

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direitos consagrados em favor dos trabalhadores são irrenunciáveis e que as leis que os

reconheçam beneficiam a todos habitantes do território, sejam nacionais ou estrangeiros.

Há, portanto, diversos instrumentos normativos que preveem normas de proteção

ao trabalhador e que promovem o direito ao trabalho, os quais se violados por um Estado

tem força normativa para gerar a responsabilidade do ente estatal no plano internacional.

No plano processual, é preciso considerar que existe o procedimento previsto no âmbito da

OIT, que não exclui a responsabilidade internacional do Estado respeitada os seus

pressupostos processuais de admissibilidade.

A promoção da proteção e garantias ao trabalhador exige dos Estados signatários

dos instrumentos normativos internacionais a implementação séria e comprometida com a

promoção dos direitos fundamentais sociais, compromisso que deve passar pela execução

de políticas públicas, legislativas e prática judiciária que atentem para os princípios e regras

de proteção ao trabalho.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No âmbito dos direitos sociais, o direito do trabalho ocupa uma posição relevante,

considerando que no âmbito internacional possui uma organização internacional voltada

somente para a proteção das normas a este vinculadas.

A questão que se impôs neste trabalho, a de saber acerca de possibilidade de

responsabilização internacional de um estado em face da desobediência de tratados em

matéria trabalhista e da subsequente grave violação dos direitos humanos.

Sobre isto, o estudo do instituto da responsabilidade internacional do estado e de

suas características essenciais foi fundamental para que se pudesse concluir a respeito da

referida questão.

Também o estudo do instituto do tratado, de âmbito internacional foi necessário

para que pudesse entender que um tratado depois de assinado pelas partes, possui

essencialmente hierarquia em relação às normas de direito interno, visto que depois de

aceito pelos Estados, não importa que haja norma de direito interno com este conflitante.

Finalmente os estudos sobre o direito do trabalho em nível internacional e sua

respectiva normatização formam uma corroboração sobre como a violação destas normas

por um estado-membro enseja sua responsabilização internacional.

Assim, se um estado por motivos quaisquer que sejam deixa de cumprir normas

internacionais trabalhistas às quais ele voluntariamente se vinculou, poderá ser

responsabilizado, independentemente dos procedimentos previstos na OIT, e isto, pode ser

feito nas cortes de sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, visto que as

normas internacionais existentes ensejam a proteção de direitos humanos.

NOTA DE FIM

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[1] Conferir: CDHI, Caso Velásquez Rodriguez vs. Honduras, Mérito, sentença de 29 de julho

de 1988, Série C, n. 4, parágrafo 166; CDHI, Caso Godinez Cruz vs. Honduras, Mérito,

sentença de 20 de janeiro de 1989, Série C, n. 5, parágrafo 175.

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155

A ILICITUDE DAS POLÍTICAS GERADORAS DE REFUGIADOS PERANTE O DIREITO

INTERNACIONAL

THE ILLEGALITY OF THE REFUGEES GENERATING POLICIES TOWARDS

INTERNATIONAL LAW

Amael Notini Moreira Bahia15

Resumo: O presente artigo visa considerar a ilegalidade da geração dos fluxos massivos de

refugiados de forma a possibilitar a responsabilização internacional do Estado. Para tanto,

foram analisados o ato da geração dos fluxos em si enquanto violação de normas

convencionais de direitos humanos e de um potencial direito costumeiro internacional no

âmbito do direito internacional dos refugiados. Em suma, conclui-se que não seria possível

gerar um fluxo massivo de refugiados sem contrariar os mecanismos legais existentes de

direitos humanos, mesmo que essas normas tenham uma incidência limitada por se

tratarem de normas convencionais. Além disso, apesar da existência de uma movimentação

dos Estados para proibir a geração dos fluxos massivos de refugiados, não é possível

argumentar acerca de uma norma que vincule os Estados no âmbito do Direito Internacional

consuetudinário.

Palavras-chave: Fluxos Massivos de Refugiados; Direitos Humanos; Direito Internacional dos

Refugiados.

Abstract: The present paper analyses the illegality of the generation of massive refugee

flows as a means for considering the State’s responsibility. In this sense, the study was

focused on the act of the generation of the massive flows itself, as a violation of human

rights law and international customary law obligations in the realm of international refugee

law. In sum, the paper concludes that it would be impossible to generate a massive flow of

refugees without violating the existing human rights conventions, even if these rules have

limits to their implementation, as they are conventional rules. In addition, even if it is

possible to perceive a movement of the States in order to prohibit the generation of massive

refugee flows, a customary rule in this regard has not been consolidated.

Keywords: Massive Refugee Flows; Human Rights; International Refugee Law.

1 INTRODUÇÃO

15

Graduando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador na UFMG e no centro de Direito Internacional (CEDIN). Estagiário da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais.

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A garantia básica de direitos humanos, até mesmo nos limites mínimos das

obrigações essenciais dos Estados, encontra-se em um momento de crise. Essa instabilidade

é estrutural e advém das desigualdades econômicas e sociais no âmbito interno dos Estados,

se manifestando também no contexto da comunidade internacional. Esse problema se

apresenta também na questão dos refugiados, visto que a maioria desses se concentra nos

países em desenvolvimento. [1]

De acordo com a Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),

em 2011, os países em desenvolvimento hospedavam cerca de 80% dos refugiados que se

enquadravam no mandato da organização. [2] Isso acontece devido ao fato de que esses

países dividem limites fronteiriços com outros países de semelhante instabilidade econômica

e social, assim como demonstrado por um relatório efetuado para o Banco Mundial em

2010.[3] O estudo evidenciou que, em 2009, a maior parte dos refugiados encontrava-se no

Oriente Médio, no Norte da África, no Sul da Ásia e na África Subsaariana,[4] regiões de

grande instabilidade não só econômica, mas também política.

Considerando tal contexto de grave crise de refugiados, torna-se fundamental

analisar se a criação de fluxo de refugiados configura ou não um ilícito internacional, para

que se possa vislumbrar a responsabilidade internacional do Estado.

Desse modo, o princípio da responsabilidade estatal estabelece que um Estado seja

responsabilizado pelos seus atos internacionalmente ilícitos que violem suas obrigações

perante outros sujeitos de Direito Internacional.[5] Apesar de tal princípio ser um dos mais

consolidados sob a égide do Direito Internacional, esse teve sua aplicação limitada em

relação à questão dos refugiados na medida em que, tradicionalmente, a formação de fluxos

de refugiados não era vista como uma problemática que envolvesse Estados.[6]

Contudo, com o advento da Segunda Guerra Mundial e o crescente fluxo

transfronteiriço de pessoas em busca de refúgio, surgiram novas situações legais, sociais e

econômicas que alteraram significativamente a dinâmica das relações não só entre Estados,

mas também entre os Estados e os indivíduos. Desse modo, paralelamente ao surgimento de

mecanismos de proteção direta dos indivíduos por meio das convenções de direitos

humanos, tais como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR), o Pacto

Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais (ICESCR) e a Convenção relativa

ao Estatuto dos Refugiados,[7] a consideração da responsabilidade estatal pela geração de

fluxos de refugiados como meio preventivo de proteção também emergia no âmbito do

direito internacional do século XX.[8]

O presente artigo visa, assim, analisar a temática das políticas geradoras de fluxos

de refugiados por meio da consideração da responsabilização estatal com base no ato em si

enquanto violação das normas de direito internacional. Essa análise perpassará a

observância de normas convencionais de direitos humanos e a potencial formação de

normas costumeiras relacionadas ao surgimento de fluxos massivos de refugiados.

2 A POLÍTICA GERADORA DE REFUGIADOS COMO VIOLAÇÃO DE OBRIGAÇÕES

CONVENCIONAIS

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Apesar do enorme progresso realizado no que tange à proteção dos refugiados por

normas internacionais, não existem normas gerais que permitam que as vítimas de

perseguição responsabilizem o Estado por seus atos.[9] Existem, no entanto, sistemas

especiais de normas que permitem aos refugiados exigir reparações pelos danos sofridos em

decorrência das violações de obrigações convencionais assumidas pelos Estados, tal como é

o caso da ICCPR, da ICESCR, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, da

Convenção Europeia de Direitos Humanos, e da Carta Africana de Direitos Humanos e dos

Povos.[10]

As obrigações do Estado perante as convenções internacionais de direitos humanos

limitam o seu poder discricionário de implementar políticas públicas que possam dar ensejo

à fluxos massivos de refugiados.[11] Infelizmente, essa proteção não é absoluta. Nesse

sentido, Aga Khan, em seu relatório de 1981 referente à “Questão da Violação de Direitos

Humanos e Liberdades Fundamentais”, cujo foco era a relação entre os direitos humanos e

os êxodos em massa, demonstrou que a maior parte dos países nos quais surgiram fluxos

massivos de pessoas não haviam ratificado as convenções aplicáveis de direitos

humanos.[12] Assim, Khan analisou a questão factual dos refugiados perante à Declaração

Universal de Direitos Humanos, um instrumento internacional que, apesar de seu

imensurável valor simbólico, não vincula os Estados.[13] Esse estudo evidenciou um lógica

moral, e não legal, de evitar os fluxos massivos de refugiados por meio do respeito aos

direitos humanos.[14]

Apesar dessa realidade ter se alterado radicalmente nos últimos 30 anos – na

medida em que a os tratados de direitos humanos começaram a lograr grande aceitação

internacional, de forma que mais de 195 Estados ratificaram pelo menos uma das seis

principais convenções multilaterais de direitos humanos -,[15] os direitos previstos em

alguns desses tratados, como na ICESCR, ainda apresentam um alcance limitado, uma vez

que estão sujeitos à um sistema de desenvolvimento progressivo de direitos, o qual

estabelece que os Estados devem assegurar os direitos garantidos nessas convenções de

acordo com a disponibilidade de recursos para tal.[16] Desse modo, ainda que tal

relativização dos direitos não possa ultrapassar as obrigações essenciais do Estado,

permanece uma controvérsia acerca de qual seria o nível aceitável de negligência de um

Estado em relação a cada direito específico, o que dificulta sua responsabilização.

Aliada às convenções internacionais de direitos humanos e apesar de suas

limitações, a emergência dos indivíduos como sujeitos de Direito Internacional possibilitou

um novo âmbito de responsabilização do Estado perante seus atos internacionalmente

ilícitos, visto que os indivíduos passaram a poder exigir seus direitos por meio dos tribunais

de direitos humanos.[17] Essa capacidade de personalidade jurídica internacional

possibilitou a consolidação dos direitos humanos por meio da sua observância direta e pela

maior acessibilidade dos afetados pela violação dessas normas a tribunais internacionais.[18]

Nesse sentido, o direito de não se tornar um refugiado pode ser construído a partir,

por exemplo, das cláusulas respectivas da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e

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da Convenção Europeia de Direitos Humanos, semelhantes ao artigo 12, parágrafo 4, da

ICCPR, que estipula que a ninguém será negado arbitrariamente o direito de entrada em seu

próprio país.[19]

Uma importante decisão que ilustra tal enunciado é a Comunidade de Moiwana v.

Suriname, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que se relaciona ao massacre de

uma pequena vila pelo Suriname no ano de 1986. Nesse caso, o direito de retorno foi

interpretado de forma substantiva, de forma que a ausência de investigações do massacre e

a falta de uma garantia de proteção impediram o retorno dos residentes da região atacada,

gerando assim uma violação da Convenção Interamericana.[20] Tal caso apresenta grande

relevância na jurisprudência internacional, uma vez que estabeleceu a obrigação de um

Estado de criar as condições necessárias ao retorno de seus cidadãos perseguidos,

abrangendo, assim, um direito do exilado em não temer seu retorno.[21] A forma idônea de

garantir essas condições necessárias engloba, mas não se limita à, eliminar as causas que

geraram o fluxo de refugiados.

Outro importante direito a ser garantido pelo Estado é o da liberdade de

movimento e residência,[22] o qual seria violado pela criação de um fluxo de refugiados. Isso

se torna evidente na decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Denizci v.

Chipre, que envolvia a expulsão forçada de algumas pessoas de origem turca do norte da

ilha.[23] A Corte considerou nesse caso que a restrição da liberdade dos indivíduos afetados

foi uma clara violação dos direitos garantidos a eles pelo Protocolo no. 4 da Convenção

Europeia de Direitos Humanos.[24]

Por outro lado, a jurisprudência da Corte Europeia também demonstra as limitações

desse sistema para a proteção dos indivíduos contra as arbitrariedades do Estado, que

podem culminar na geração dos fluxos de refugiados. Essa limitação é relativa à jurisdição

dos sistemas de proteção dos direitos humanos em um caráter regional, que se restringe aos

países que não são os principais responsáveis pelos fluxos de refugiados.[25] Acusações

contra a Turquia, por exemplo, foram consideradas inadmissíveis pelo fato desse país não

ser signatário do Protocolo da Convenção Europeia de Direitos Humanos.[26] A Turquia

ainda é um caso excepcional por fazer parte da Convenção Europeia, demonstrando uma

expansão do conceito geográfico referente à Europa, mas ainda demonstra a limitação da

aplicação dos direitos humanos como meio de proteção aos indivíduos.

No entanto, as maiores limitações do sistema de proteção convencional, que incita

a responsabilidade estatal por meio de reivindicações individuais em tribunais

internacionais, são a capacidade de prover remédios jurídicos a todos os afetados em casos

de fuga em massa e o fato de tal sistema atuar apenas posteriormente à fuga dos indivíduos

por motivos de perseguição, visto que é necessário o esgotamento dos recursos domésticos

antes da possibilidade de levar o caso a um tribunal internacional, o qual se revela enquanto

um requerimento praticamente inatingível para uma pessoa que começou a ser perseguida e

teme por sua vida.[27]

Cabe ainda considerar a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados no mesmo

contexto jurídico das convenções de direitos humanos.[28] Essa convenção possui uma

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delimitação restrita dos indivíduos a serem tutelados por ela, e estabelece que serão

considerados como refugiados apenas aqueles que tenham fundamentado medo de

perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social

particular ou opinião política.[29] Dessa forma, o critério objetivo necessário à

caracterização de um indivíduo como refugiado pode ser concretizado na forma de uma

violação sistemática de direitos humanos, a qual é uma forma de perseguição.[30] É

importante notar, entretanto, que nos casos relacionados à violação sistemática de direitos

humanos, o ato de perseguição em si é um ilícito internacional que contraria os direitos dos

indivíduos no âmbito do Direito Internacional, sendo irrelevante se o fluxo de refugiados

chega a surgir de fato. A responsabilidade do Estado, portanto, advém de seu ato em si, e

não dos efeitos causados por ele em outros Estados.[31]

Nesse viés, ressalta-se a violação sistemática dos direitos econômicos, sociais e

culturais, que não configuram uma ordem expressa de expulsão, mas torna a situação de

sobrevivência de um determinado grupo tão precária que não seria razoável presumir que

ele permaneceria no território que costumava ocupar.[32] Essas violações que tornam a vida

insustentável para um grupo particular podem ser evidenciadas nas obrigações essenciais da

ICESCR, tais como o direito a um padrão adequado de vida, que inclui o acesso à comida,

vestimentas e moradia, como também o direito ao máximo padrão atingível de saúde

mental e física.[33] Dessa forma, apesar de não haver qualquer provisão expressa acerca da

proibição da geração de fluxos massivos de refugiados nas principais convenções de direitos

humanos, não seria possível gerar tal fluxo sem violar as normas previstas nelas.

Além disso, de acordo com Tomuschat, as obrigações convencionais de direitos

humanos têm também um viés de proteção da paz, englobando assim os possíveis efeitos

que suas violações acarretariam para outros Estados, assim como pode ser observado nos

preâmbulos da Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da

ICCPR e da ICESCR.[34] Nesse sentido, essas normas não existem apenas em vista de

proteger seus destinatários diretos, mas também foram concebidas como meios de proteção

da paz, na medida em que previnem que os efeitos do desrespeito às necessidades básicas

do ser humano criem uma instabilidade em um Estado que se espalhe gradualmente pela

região do globo que ele ocupa. Essa perspectiva permite que os Estados, como membros da

comunidade internacional, tenham a prerrogativa de invocar a responsabilidade estatal do

Estado que emprega as políticas geradoras de fluxos massivos de refugiados na medida em

que têm o objetivo de proteger um interesse coletivo.[35]

Dessa forma, é possível perceber que as convenções de direitos humanos

possibilitam a responsabilização dos Estados perante o Direito Internacional pela

perseguição sistemática de indivíduos, que culminam frequentemente em fluxos massivos

de refugiados. Não seria possível gerar tais fluxos sem violar os dispositivos presentes nessas

convenções, de forma que o sistema de proteção dos direitos humanos cria um arcabouço

jurídico de caráter preventivo no que se refere à produção dos fluxos massivos de

refugiados. No entanto, faz-se necessário ressaltar as limitações jurisdicionais relativas ao

caráter regional de algumas convenções de direitos humanos, além dos limites processuais

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dos tribunais competentes, que estabelecem a necessidade do exaurimento dos meios

domésticos de reparação antes do recurso aos remédios internacionais, privilégio esse do

qual a maioria dos refugiados não têm a possibilidade de desfrutar.

Ademais, apenas a responsabilização pode, por vezes, não ser o meio mais eficiente

para lidar com essa questão quando o Estado que viola esses direitos estiver em uma

situação tão crítica a ponto de não possuir recursos de fato para lidar com a situação. Nesse

caso, uma atuação da comunidade internacional para auxiliar o Estado seria essencial para

evitar não só a violação de direitos humanos, mas a geração de um fluxo de refugiados.

Como a violação de direitos humanos tem um forte efeito nos movimentos de refugiados,

um monitoramento desses direitos é essencial para a prevenção de crises internacionais

relacionadas a esses fluxos de pessoas.[36]

3 A FORMAÇÃO DE UMA NORMA COSTUMEIRA NO ÂMBITO DO DIREITO INTERNACIONAL

DOS REFUGIADOS

O costume é uma fonte primária de Direito Internacional, juntamente com os

tratados e os princípios gerais do direito.[37] Essa fonte se caracteriza pelos seus elementos

objetivo e subjetivo, os quais conjuntamente demonstram a existência de uma norma

consuetudinária, mas individualmente não apresentam caráter vinculante aos Estados.[38]

O elemento objetivo do costume é a prática reiterada, que consiste em atos físicos,

declarações, protestos, atuação no âmbito de organizações internacionais e afins.[39] A

prática reiterada não necessita de ser universal,[40] porém, deve ser extensa e uniforme,

devendo considerar especialmente a prática dos Estados mais afetados.[41] O elemento

subjetivo, por sua vez, é o reconhecimento da prática como vinculante, e consiste na

atuação do Estado de forma independente de outros motivos de ação, tais como a cortesia e

as obrigações convencionais.[42] Esse elemento pode ser demonstrado por meio de

protestos diplomáticos, opiniões de especialistas da área jurídica de um Estado e resoluções

de órgãos deliberativos de organizações internacionais.[43] Desse modo, considerando tal

arcabouço conceitual, existe certa divergência na doutrina acerca da existência de uma

norma costumeira de direito internacional que crie obstáculos legais à implementação de

políticas responsáveis pela geração do fluxo massivo de refugiados.[44]

Historicamente, houve o desenvolvimento de uma desaprovação dos Estados à

geração dos fluxos de refugiados, tanto pela questão humanitária quanto pela flagrante

violação dos direitos dos Estados que recebiam os fluxos massivos de refugiados. Essa

aversão pode ser traçada até o século XIX, quando o Presidente Harrison declarou ao

congresso americano o embaraço da nação norte-americana diante da geração de

refugiados na Rússia. Em tal ocasião, o presidente afirmou que:

O banimento, por decreto ou por métodos mais indiretos, de um número tão

grande de homens e mulheres não é uma questão local. Um decreto para abandonar um

país é, na natureza das coisas, uma ordem para adentrar outro. Essa consideração, assim

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161

como as sugestões de humanidade, dão uma ampla base para o protesto que apresentamos

à Rússia.[45]

Em mesmo sentido, as resoluções da Assembleia das Nações Unidas, referentes à

“Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados”, idealizadas

pela Alemanha, consistiram em um movimento de combate às causas dos fluxos massivos de

refugiados. Esse movimento se inicia pela resolução 35/124, que “fortemente condena todas

as políticas de regimes opressivos e racistas, como também a agressão, dominação

estrangeira e ocupação externa, que são primariamente responsáveis pelo fluxo massivo de

refugiados pelo mundo, e cujo resultado é o sofrimento desumano”.[46]

Os comentários dos Estados à tais resoluções demonstram a difusão na comunidade

internacional dessa concepção de aparente ilegalidade, ou pelo menos do reconhecimento

da questão dos fluxos massivos como uma questão regional que clama por uma atuação

conjunta dos Estados para impedir a ocorrência de novos fluxos. Muitos Estados se

pronunciaram com o intuito de criar uma conduta que fosse condizente com os princípios

estipulados na Carta da Organização das Nações Unidas, sendo que a violação destes seria

responsável pela limitação de direitos humanos básicos e, portanto, uma potencial causa

geradora de fluxos.[47]

Após a análise dos comentários recebidos, especialmente em relação à resolução

35/124, foi decidido que se criasse um Grupo de Especialistas Governamentais para estudar

meios de acabar com os fluxos de refugiados com base na cooperação internacional.[48]

Considerando, assim, as opiniões dos Estados, houve aqueles que defendiam uma

solução do problema dos refugiados por meio da prevenção, que consistiria no combate às

causas responsáveis por eles.[49] Esse combate estaria relacionado à atuação da

comunidade internacional com o intuito de garantir o respeito aos direitos humanos antes

que a precarização das condições de vida culminassem em um fluxo de pessoas, assim como

o monitoramento de outras causas que poderiam potencialmente forçar pessoas a cruzar

fronteiras em busca de refúgio. Outros Estados, por sua vez, afirmaram que o problema dos

refugiados seria apenas estrutural e poderia ser resolvido apenas com uma transformação

do sistema internacional.[50]

Desse modo, a conclusão obtida pelo Grupo foi que, apesar da existência de

instrumentos que impeçam juridicamente a implementação de políticas geradoras de

refugiados, tais como a Carta da ONU, a Declaração dos Direitos Humanos e a Declaração

dos Princípios de Direito Internacional relacionados às Relações Amigáveis e a Cooperação

entre Estados, a eficácia desses instrumentos é minada pela falta de observância dos

princípios e normas neles dispostos.[51] Em vista de contornar esse problema, o Grupo

favoreceu o princípio da responsabilidade estatal em detrimento do princípio da não-

intervenção, ao constatar que a criação de fluxos massivos de refugiados coloca em perigo a

“paz e segurança internacional”, sendo assim uma violação direta à Carta da ONU. Uma

resposta internacional à tal conduta visaria, assim, terminar um ato internacionalmente

ilícito, e não interferir nos assuntos internos de um Estado.[52]

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162

A prática estatal é, portanto, controversa, considerando que, mesmo havendo

múltiplas resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral das Nações Unidas

clamando e vinculando os Estados a garantir a efetiva repatriação e a eliminar as causas

geradoras de refugiados,[53] há uma constante resistência dos mesmos em cumprir com tais

resoluções.

Nesse sentido, podem ser citados alguns exemplos de flagrante violação dos

instrumentos e princípios internacionais que corroboram com um combate às práticas

geradoras de refugiados. Como o caso da Bulgária, que na década de 1980, implementou

diversas políticas discriminatórias contra uma população minoritária de descendência turca,

que culminou na expulsão dessa população do território búlgaro.[54] Situações similares

ainda ocorreram em Gana (1969), Uganda (1972), Nigéria (1983/1985) e na República

Dominicana (1991).[55]

Contudo, existem por outro lado, exemplos de práticas estatais que se relacionam à

prevenção dos fluxos massivos de refugiados por meio da eliminação das causas

responsáveis pelo seu surgimento. De fato, uma das justificativas mais utilizadas pela

Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para implementar operações militares no

Kosovo foi a prevenção de novos fluxos de pessoas da região dos Balcãs.[56] Já a invasão do

Paquistão pela Índia em 1971 foi influenciada pelos grandes custos angariados pela recepção

de refugiados que surgiram após a independência de Bangladesh.[57] A mesma situação se

configura na invasão norte-americana no Haiti em 1994.[58]

Dessa forma, é possível observar uma compreensão foi difundida na comunidade

internacional acerca da ilegalidade das causas que geram deliberadamente fluxos massivos

de refugiados na década de 1980, e que existiria uma prerrogativa de ação em vista de

prevenir que esses fluxos causassem uma instabilidade na paz regional. No entanto, a prática

estatal não acompanhou essa compreensão jurídica, como evidenciado pelas controvérsias

do final do século XX.

Posteriormente, as convenções relativas aos direitos humanos ganharam grande

aceitação na comunidade internacional e impossibilitaram a implementação de políticas

geradoras de fluxos massivos de refugiados, visto que tais políticas seriam incompatíveis

com muitas obrigações provenientes desses tratados. Nesse contexto, houve uma

progressiva redução das políticas geradoras dos fluxos de refugiados, e atualmente a maioria

absoluta dos refugiados advém de conflitos armados.[59] Dessa forma, não é possível

atribuir a atual ausência de tais políticas à compreensão das mesmas como ilícitas, mas,

provavelmente, à aceitação generalizada das normas de direitos humanos, tais como o

direito de entrada, livre movimentação e residência.

Um costume não pode ser construído a partir dos atos emergentes da adequação às

obrigações convencionais de um Estado.[60] Sendo assim, a atual prática de não criar

políticas geradoras de fluxos de refugiados é inconclusiva. Portanto, não é possível

estabelecer uma base sólida para justificar a existência de um costume que vede a

instauração de políticas que tenham como efeito os fluxos massivos de refugiados.

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163

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista dos elementos expostos no presente artigo, é possível perceber que os

instrumentos internacionais de direitos humanos providenciam um certo grau de proteção

aos indivíduos, mesmo que estes instrumentos estejam sujeitos às limitações referentes à

sua aplicação e efetividade. Essa proteção, apesar de não ser explícita, evidencia-se

tangencialmente em outras obrigações convencionais dos Estados no âmbito dos direitos

humanos, tais como o direito de entrada, livre movimentação e residência. Provisões

similares dispostas em diversos tratados de direitos humanos possibilitam interpretações

análogas, considerando a jurisprudência disposta nos tribunais responsáveis por analisar tais

normas, o que permite uma rede mais uniforme de proteção dos indivíduos.

No âmbito do direito consuetudinário internacional, é possível observar que

ocorreu no século XX uma movimentação dos Estados em voga de proibir as políticas

geradoras de fluxos massivos de refugiados, que, infelizmente, não foram concretizadas pela

prática estatal reiterada. Com o surgimento e propagação universal dos direitos humanos na

seara internacional, tornaram-se incomuns os atos implementados por Estados que visassem

a geração desses fluxos, o que estaria implícito nas obrigações dos mesmos enquanto

vinculados pelas convenções de direitos humanos. Dessa forma, não há que se falar em

obrigações costumeiras nesse mérito, visto que a prática estatal decorre em grande parte de

obrigações convencionais, e não de uma compreensão da prática como um ilícito

internacional.

A proteção proveniente das convenções de direitos humanos não é absoluta ou

infalível, mas representa uma importante ferramenta de autoafirmação dos indivíduos

perante os Estados. Dadas as limitações jurisdicionais e processuais dessas obrigações, cabe

aos Estados ampliar e dinamizar essa rede de proteção para que haja de fato uma proteção

devida das populações fragilizadas pelo Direito Internacional.

NOTAS DE FIM

[1] ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS. UNHCR Global Trends:

Forced Displacement in 2015. p. 16. Disponível em: http://www.unhcr.org/576408cd7.pdf.

Acesso em 10/05/2017.

[2] ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS. The State of the World’s

Refugees: In Search of Solidarity. 2012. p. 29. Disponível em:

http://www.unhcr.org/4fc5ceca9.pdf. Acesso em 10/05/2017.

[3] GOMEZ, Margarita Puerto; CHRISTENSEN, Asger. The Impacts of Refugees on Neighboring

Countries: A Development Chalenge. 2010. p. 3. Disponível em:

http://siteresources.worldbank.org/EXTWDR2011/Resources/6406082-

1283882418764/WDR_Background_Paper_Refugees.pdf. Acesso em 10/05/2017.

[4] Ibid. p. 6.

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164

[5] COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Projeto dos Artigos sobre a Responsabilidade

dos Estados por seus Atos Internacionalmente Ilícitos. Nova York: Organização das Nações

Unidas, 2001. p. 32-33.

[6] HATHAWAY, James. Reconceiving Refugee Law as Human Rights Protection. Journal of

Refugee Studies. v. 4. n. 2 p. 113-131. 1991. p.118; DOWTY, Alan. LOESCHER, Gil., Refugee

Flows as Grounds for International Action. In: International Security, Vol. 21, No. 1.

Cambridge: MIT Press, 1996. p. 45.

[7] Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 16 de dezembro de 1966; Pacto

Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais, 16 de dezembro de 1966;

Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, 28 de julho de 1951.

[8] HOFMANN, Rainer. Refugee-Generating Policies and the Law of State Responsibility. p.

705. Disponível em: http://www.zaoerv.de/45_1985/45_1985_4_t_694_713.pdf. Acesso em

25/05/2017.

[9] CASANOVAS, Oriol. La Protection Internationale des Refugiés et des Personnes Déplacées

dans les Conflits Armés. p.146. In: Collected Courses of the Hague Academy of International

Law. Vol.309. The Hague: Martinus Nijhoff, 2003.

[10] Ibid.

[11] Ibid.

[12] KHAN, Sadruddin Aga. Question of the Violation of Human Rights and Fundamental

Freedoms in Any Part of the World, with Particular Reference to Colonial and Other

Dependent Countries and Territories. E/CN.4/1503. 31 December 1981. p. 11.

[13] Ibid.

[14] LEE, Luke. Towards a World Without Refugees: The United Nations Group of

Governmental Experts on International Co-operation to Avert New Flows of Refugees. 1987.

op. cit. p. 324

[15] GORLICK, Brian. Human Rights and refugees: enhancing protection through

international human rights law. Nordic Journal of International Law. Vol. 69. no. 2. p. 1-52.

2000. p. 12.

[16] Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais, 16 de dezembro de

1966. op. cit. art. 2 (1).

[17] BROWNLIE, Ian. International Law at the Fiftieth Anniversary of the United Nations:

General Course on Public International Law. p. 62. In: Collected Courses of the Hague

Academy of International Law, Vol. 255, The Hague: Martinus Nijhoff, 1995.

[18] CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. International Law for Humankind: Towards a

New Jus Gentium: General Course on Public International Law. p. 265. In: Collected Courses

of the Hague Academy of International Law. Vol.316. The Hague: Martinus Nijhoff, 2005.

[19] Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 16 de dezembro de 1966. op. cit. art.

12 (4); Convenção Interamericana de Direitos Humanos, 22 de novembro de 1969, art. 22

(5); Protocolo No. 4 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades

Fundamentais, 16 de setembro de 1963. art. 3; Carta Africana de Direitos Humanos e dos

Povos, 27 de junho de 1981. art. 12 (2).

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165

[20] CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Comunidade de Moiwana v.

Suriname. São José, 15 de junho de 2005. p. 51.

[21] PROCACCINI, Karl. Constructing the Right “Not to Be Made a Refugee” at the European

and Inter-American Courts of Human Rights. Harvard Human Rights Journal. Vol. 22. p. 271-

291. 2009. p. 281.

[22] Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 16 de dezembro de 1966. op. cit. art.

12 (1); Convenção Interamericana de Direitos Humanos, 22 de novembro de 1969, art. 22

(1); Protocolo No. 4 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades

Fundamentais, 16 de setembro de 1963. art. 2 (1); Carta Africana de Direitos Humanos e dos

Povos, 27 de junho de 1981. art. 12 (1).

[23] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Denizci v. Chipre. Estrasburgo, 23 de maio de

2001.

[24] Ibid. p. 81.

[25] PROCACCINI, Karl. Constructing the Right “Not to Be Made a Refugee” at the European

and Inter-American Courts of Human Rights. 2009. op. cit. p. 291.

[26] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Eugenia Michaelidou Developments, Ltd. v.

Turquia. Estrasburgo, 31 de julho de 2001. p. 4.

[27] PROCACCINI, Karl. Constructing the Right “Not to Be Made a Refugee” at the European

and Inter-American Courts of Human Rights. 2009. op. cit. p. 277.

[28] CLARK, Tom; CRÉPEAU, François. Mainstreaming Refugee Rights. The 1951 Refugee

Convention and International Human Rights Law. Netherlands Quarterly of Human Rights.

Vol. 17/4. p. 389-410. 1999. p. 408.

[29] Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, 28 de julho de 1951. op. cit. art. 1 (2).

[30] AUSTRÁLIA. Federal Court of Australia. Kuthyar v. Minister for Immigration and

Multicultural Affairs, Sidney, 11 de fevereiro de 2000. p. 79; CANADÁ. Supreme Court.

Canada (Attorney General) v. Ward, Otawa, 30 de junho de 1993. p. 733.

[31] HOFFMAN. Rainer. Refugee-Generating Policies and the Law of State Responsibility. op.

cit. p.709.

[32] HENCKAERTS, Jean-Marie. Mass Expulsion in Modern International Law and Practice.

The Hague: Martinus Nijhoff, 1995. p. 109.

[33] Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais, 16 de dezembro de

1966. art. 11, 12.

[34] TOMUSCHAT, Christian. State Responsibility and the Country of Origin. p. 72. In:

DEBBAS, Vera Gowlland. The Problem of Refugees in the Light of Contemporary

International Law Issues. Genebra: Graduate Institute of International Studies, 1994.

[35] CASANOVAS, Oriol. La Protection Internationale des Refugiés et des Personnes

Déplacées dans les Conflits Armés. 2003. op. cit. p.152.

[36] APODACA. Clair. Human Rights Abuses: Precursor to Refugee Flight? Journal of Refugee

Studies. Vol. 11. p. 80-93. 1998. p. 89

[37] Estatuto da Corte Internacional de Justiça, 26 de junho de 1945. art. 38 (b).

[38] Ibid.

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166

[39] WOOD, Michael. Second report on identification of customary international law.

Resolução A/CN.4/672. 2014. p. 23, 27.

[40] CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. North Sea Continental Shelf Cases. Alemanha v.

Dinamarca/Países Baixos. Haia, 20 de fevereiro de 1969. p. 43.

[41] Ibid.

[42] Ibid. p. 46-48.

[43] Ibid. p. 61, 65.

[44] CASANOVAS, Oriol. La Protection Internationale des Refugiés et des Personnes

Déplacées dans les Conflits Armés. 2003. op. cit. p.149.

[45] JENNINGS. Yewdall. Some International Law Aspects of the Refugee Question. British

Yearbook of International Law. Vol. 20. p. 98-114. 1939. p. 112.

[46] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Cooperação

Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução 35/124. 1980.

[47] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Relatório do

Secretário Geral sobre Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de

Refugiados. Resolução 36/582. 1981; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-

Geral das Nações Unidas. Relatório do Secretário Geral sobre Cooperação Internacional para

Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução 36/582/Add.1. 1981; ORGANIZAÇÃO

DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Relatório do Secretário Geral

sobre Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução

37/416. 1982; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Relatório do Secretário Geral sobre Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos

Massivos de Refugiados. Resolução 37/416/Add.1. 1982; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES

UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Relatório do Secretário Geral sobre

Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução

38/274. 1983.

[48] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Cooperação

Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução 36/148. 1981.

[49] Austrália, Áustria, Bélgica, China, Costa Rica, Dinamarca, Egito, França, Alemanha,

Grécia, Irlanda, Itália, Japão, Países Baixos, Nova Zelândia, Noruega, Omã, Qatar, Síria, Reino

Unido, Estados Unidos da América, Suécia, Canadá, Kampuchea Democrático, Paquistão,

Filipinas.

[50] Índia, União Soviética, Cuba, Bangladesh, Equador.

[51] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Cooperação

Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados: Nota do Secretário Geral.

Resolução 41/324. 1986.

[52] LEE, Luke. Towards a World Without Refugees: The United Nations Group of

Governmental Experts on International Co-operation to Avert New Flows of Refugees. 1987.

op. cit. p. 332.

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167

[53] CZAPLINSKI. Wladyslaw; STURMA, Parvel. La responsabilité des États pour les flux de

refugies qu’ils ont provoques. In: Annuaire Français de Droit International, Vol. 40. p. 156-

169. 1994. p. 160.

[54] HENCKAERTS, Jean-Marie. Mass Expulsion in Modern International Law and Practice.

1995. op. cit. p. 111.

[55] Ibid. p. 113.

[56] SALEHYAN, Idean. The Externalities of Civil Strife: Refugees as a Source of International

Conflict. American Journal of Political Science. Vol. 52. no.4. p. 787-801. 2008. p. 787.

[57] Ibid. p. 792.

[58] Ibid. p. 787.

[59] ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS. UNHCR Global Trends:

Forced Displacement in 2015. op. cit. p. 14-15.

[60] WOOD, Michael. Second report on identification of customary international law. 2014.

op. cit. p. 48-49.

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MUDANÇA OU COMPLEMENTARIDADE: O PAPEL DO NOVO BANCO DE

DESENVOLVIMENTO NO CAMPO DO FINANCIAMENTO AO

DESENVOLVIMENTO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA CRÍTICA

CHANGE OR COMPLEMENTARITY: THE ROLE OF THE NEW DEVELOPMENT

BANK IN THE DEVELOPMENT FINANCING FIELD FROM A CRITICAL

PERSPECTIVE

Tom Claudino dos Santos16

Resumo: O presente trabalho se propõe a demonstrar se a criação do Novo Banco de

Desenvolvimento indica uma mudança estrutural do regime de financiamento ao

desenvolvimento. Inicialmente, realizou-se uma sucinta revisão teórica relativa as

perspectivas adotadas para a compreensão das Organizações Internacionais, notadamente a

perspectiva neogramsciana de Relações Internacionais. Segue-se uma reconstituição

histórica do contexto que deu origem ao NBD com o objetivo de pontuar as rachaduras na

ordem neoliberal e a falta de legitimidade das principais Organizações Internacionais frente

aos países de baixa e média renda. A partir da delimitação destes contornos gerais, analisou-

se o desenho institucional do banco e suas principais características. Neste sentido, foram

elencados os principais desafios que o NBD deve enfrentar devido a sua configuração

institucional. Por fim, apresentou-se uma discussão acerca da capacidade da nova instituição

de representar uma mudança do regime de financiamento e, num âmbito mais geral, da

ordem global. Argumenta-se que o banco não assinala uma ruptura com a ordem existente,

mas o aprofundamento da mesma.

Palavras-chave: Organizações Internacionais; Bancos Multilaterais de Desenvolvimento;

BRICS

Abstract: The following paper aims to answer if the creation of the New Development Bank

indicates a structural change in the regime of development finance. Initially a brief

theoretical review is carried regarding the perspectives that were adopted in order to

understand the International Organizations, mainly the neogramscian perspective on

International Relations. Following, a brief historical reconstitution of the context that

originated the ND is made with the objetive of pointing the cracks in the neoliberal order

and the lack of legimaticy of the main International Organizations to médium and low

income countries. From the deliniation of this general outlines, the institutional design and

the main characteristics of it are analysed. In this regard, the main challenges of the NDB 16

Mestrando em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e em International macroeconomics and financial policies na Université Paris 13 (Paris-Nord). Graduado em Relações Internacionais na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

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were pointed given its institutional configuration. Finally, a discussion was presented

regarding the capacity of the new institutions of representing a change in the regime of

finance and, in a broader way, of the global order. It is argued that the bank does not

indicate a rupture with the existing order, but its deepening.

Keywords: International Organizations. Multilateral Development Banks; BRICS.

1 INTRODUÇÃO

Após 2008, o mundo foi inundado com um sentimento de mudança. A crise

financeira, a qual teve origem nos EUA e que se espalhou pelas fronteiras globais com

rapidez, trazia à tona questões relacionadas a capacidade dos norte-americanos de

manterem seu status de potência dominante. A crise em si não foi um momento de ruptura,

mas indicava um sentimento de que a hegemonia [1] americana mostrava sinais de fraqueza

que impossibilitavam sua manutenção no longo prazo. Neste contexto, as instituições [2] de

Bretton Woods (BW), notadamente o Grupo Banco Mundial[3] e o Fundo Monetário

Internacional, eram apontados pelos países emergentes[4] como elementos que já não eram

mais capazes de refletir a distribuição de poder contemporânea.

A conjuntura na qual as instituições de BW foram criadas, na qual os EUA detinha

uma quantidade desproporcional dos recursos mundiais, já não era mais condizente com a

emergência de novos atores e dinâmicas de acumulação. Os países emergentes, em especial

o bloco com maior dinamismo dentro desta categoria, os BRICS, assumiram relevância

econômica nas últimas décadas devido a processos de desenvolvimento econômico

virtuosos[5], movimento que foi acompanhado de tentativas de galgar maior

representatividade política internacionalmente. As Organizações Internacionais (OIs) de BW,

apesar de tentativas de acomodar tais mudanças, se mostraram incapazes de atender as

demandas dos players emergentes.

Frente a este cenário, os BRICS se articularam para criar novas instituições que

estivessem em sintonia com seus interesses. Na VI cúpula dos BRICS realizada em Fortaleza

em julho 2014, foi criado o Novo Banco de Desenvolvimento – NBD (Conhecido

informalmente como “Banco dos BRICS). Parte da literatura disponível interpretou a criação

da nova organização com otimismo, principalmente no sentido de a mesma se propor a ser

uma opção complementar às instituições de BW em áreas onde há déficit de financiamento,

como na área de infraestrutura e desenvolvimento sustentável (PEREIRA, MILAN, HAFFNER,

2015; ABDENUR, FOLLY, 2015; BIWAS, 2015; COZENDEY, 2015; BAUMANN, 2015). Outros, no

entanto, viram a criação do mesmo com certo ceticismo, principalmente por ser uma

instituição que nasce com orçamento pequeno, onde existem uma série de incertezas em

relação ao modus operandi e ao próprio processo de institucionalização dos BRICS

(HUMPHREY, 2015).

Neste contexto, torna-se necessário explorar a conjuntura no qual a instituição

surge, mas, principalmente, interpretar como a sua criação pode alterar o campo do

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desenvolvimento internacional e quais as implicações deste para o futuro da governança

global. Primeiramente, faz-se uma sucinta revisão teórica da abordagem de Robert Cox

(1981;1983; 1992) sobre o papel das OIs na construção de uma ordem hegemônica. Em

seguida, busca-se compreender o contexto histórico no qual o NBD surge, principalmente no

sentido de apontar que a criação do mesmo não foi algo espontâneo, mas fruto de uma série

de processos de mudanças materiais e intersubjetivas na ordem global[6]. Após esta etapa,

analisam-se as principais características institucionais do banco com o objetivo de traçar se o

mesmo configura como uma instituição com potencial para inovar o regime de

financiamento ao desenvolvimento. Por fim, são discutidas questões relacionadas ao futuro

da governança global frente à emergência de novos atores dentro da ordem estabelecida.

2 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA CRÍTICA

O presente artigo visa compreender se o Novo Banco de Desenvolvimento

representa uma mudança estrutural no regime atual das organizações de financiamento ao

desenvolvimento internacional. Logo, faz-se necessário, em um primeiro momento, abordar

as perspectivas teóricas utilizadas para buscar entender o papel das OIs na construção de

uma ordem hegemônica.

Durante décadas uma fatia considerável da literatura de Relações Internacionais se

debruçou sobre o tema das OIs Robert O. Keohane (1988) propõe duas abordagens que

resumem as principais perspectivas teóricas em relação ao estudo das mesmas: a

abordagem “racionalista” e a abordagem “reflexiva”. A primeira foca a análise de

organizações à partir da premissa de que os atores são racionais e buscam, através das

organizações internacionais, minimizar custos de transação e procurar soluções aos

problemas de ação coletiva. A segunda abordagem, denominada por Keohane (1988) de

reflexiva, parte de uma visão sociológica que leva em conta fatores intersubjetivos,

associados a capacidades materiais, para explicar a formação e eficácia de organizações

internacionais. Neste contexto, a teoria preocupa-se não somente com um breve recorte da

realidade, mas procura ampliar as lentes de análise para embarcar o complexo da forças

políticas, econômicas, ideacionais e sociais como um todo e como elas se relacionam com a

ordem existente. Em resumo, a primeira abordagem explica as relações dos atores dentro de

uma estrutura, enquanto a segunda questiona a estrutura em si. No presente trabalho, opta-

se pela segunda.

Antes de abordar a questão das organizações internacionais na teoria de Cox

(1981), a qual é utilizada neste trabalho, é necessário discorrer sobre o conceito de

hegemonia na sua obra. Para o autor, que parte de bases gramscianas, a hegemonia não

pode ser explicada somente como um relação de dominação derivada de capacidades

materiais. Ela é mais complexa no sentido de ter em si aspectos intersubjetivos e

ideológicos, utilizados para garantir a conivência de entes mais fracos que identificam nos

interesses do mais forte os valores que supostamente são coletivos. A chave desta definição

é que o dominado não compreende plenamente as relações de poder subjacentes a

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determinada ordem por entender que aquela ordem o beneficia, enquanto na realidade ela

perpetua as relações assimétricas sem que a coerção tenha de ser utilizada. Quando o

consenso é forjado, tem-se uma ordem hegemônica. Quando as relações de poder tornam-

se visíveis, e cada vez mais a coerção substitui o consenso, a ordem pode ser interpretada

como não hegemônica (COX, 1981; 1983).

As OIs, neste contexto, são entendidas como um reflexo[7] das relações de poder

vigentes dentro de determinada estrutura histórica[8] e são responsáveis por criar o

consenso em torno dos interesses hegemônicos. As mesmas desempenham um papel

fundamental como “um mecanismo através do qual normas universais da hegemonia

mundial são expressas” (COX, 1983, p.62)[9], ou seja, elas criam as condições para que a

dominação seja exercida de modo legítimo, sem que a força tenha de ser empregada e

valores universais possam forjados com o propósito de obscurecer as relações de poder

existentes. Neste sentido, parte do papel das OI’s é cooptar as ideias que não estão em

sintonia com esta ordem e absorvê-las com o intuito de homogeneizar o espectro de

percepções a cerca da ordem mundial.

Feitos estes contornos, a próxima sessão identifica, a partir da perspectiva de Cox

(1981, 1983, 1989), os principais traços da ordem que deu origem ao Novo Banco de

Desenvolvimento. Neste sentido, busca-se demonstrar como as OI’s que emergiram no pós-

segunda guerra falharam, principalmente após os anos 1970, em criar as bases para uma

dominação hegemônica.

3 O CONTEXTO POLÍTICO E ECONÔMICO QUE LEVOU A CRIAÇÃO DO NBD

De acordo com Cox (1989), a ordem que emergiu do pós-segunda guerra era

hegemônica. Ela se assentava em um contrato social que garantia condições de bem-estar e

pleno emprego associado ao crescimento econômico. Como pano de fundo havia um acordo

construído entre os governos, empresas e trabalhadores que garantia a qualidade de vida

através da geração de empregos estáveis, aliada a regulação governamental da economia a

partir do controle da demanda e a proteção de choques externos. Esta ordem social

começou a ser afetada conforme o contrato entre governos e trabalhadores foi ajustado

frente as demandas de internacionalização da produção industrial, que logo foi

acompanhada por flexibilizações nas barreiras aos fluxos de capital financeiro e produtivo,

levando assim a desintegração da mesma.

A ordem contemporânea pode ser descrita como uma ordem neoliberal não

hegemônica marcada pela transnacionalização do capital e pela crescente papel das finanças

a partir dos anos 1970 (HELLEINER, 1994). A ordem é caracterizada como não hegemônica

porque não há um consenso global em torno das premissas neoliberais no sentido de que

estas representam os interesses gerais, uma vez que durante décadas o processo de

homogeneização em torno dos seus interesses foi marcado por crises, protestos e tentativas

de freá-la, principalmente nos países periféricos, vítimas da crise da dívida nos anos 1980 e

dos abalos econômicos dos anos 1990.

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Na esfera das organizações internacionais, a adoção do receituário neoliberal criou

uma agenda que promovia ativamente a prudência macroeconômica, a austeridade, a

liberalização financeira, privatizações e a redução da atividade do Estado no âmbito

econômico, todas estas entendidas como pré-condições para o desenvolvimento[10]

(PENDER, 2001; RUKERT, 2007). Tal agenda, quando aplicada em países de baixa e média

renda, promoveu um processo de ajuste a lógica neoliberal com consequências

contraditórias como aumento da desigualdade, crises financeiras e da capacidade do Estado

de atuar como promotor do desenvolvimento econômico (COELHO, 2012). Frente a falta de

legitimidade de OI’s em relação à parcelas de países de baixa e média renda, tentativas de

revisar práticas ligadas a imposição de condicionalidades, como Comprehensive

Development Framework no Banco Mundial, foram implementadas. O modelo de

desenvolvimento destas instituições também passou a contar com maior participação de

inputs de atores da sociedade civil e dos Estados que recebiam os empréstimos, além de

uma atuação que tinha o combate à pobreza como foco (PENDER, 2001; RUKERT, 2007).

Apesar da mudança progressiva para uma perspectiva mais holística de

desenvolvimento, o discurso neoliberal se manteve presente nas práticas e nos discursos

que guiam as instituições, e a carga ideológica e impositiva ainda presente nos processos

decisórios e na estrutura de governança se fazem presentes constantemente. Neste sentido,

Pender (2001) chama a atenção como as condicionalidades foram adaptadas a demandas

por ambientes domésticos favoráveis a “boas práticas”, ou seja, políticas favoráveis a

orientação neoliberal das instituições. Em termos de concentração do poder decisório, outra

ponto frequentemente levantado por países de baixa e média renda, somente em janeiro de

2016 é que a implementação da reforma das quotas do FMI[11] entraram em vigor, após

longos anos de espera, direcionando 6% do total de cotas para os países em

desenvolvimento, mas mantendo o poder de veto dos Estados Unidos (STUENKEL, 2016). No

BIRD, principal instituição do Grupo Banco Mundial, os EUA ainda detinham 16,63% dos

votos em 2016 (WORLDBANK, 2016).

Outra limitação das instituições ocidentais que deve ser mencionado é o processo

burocrático para assumir empréstimos, o qual é um obstáculo considerável na perspectiva

dos países tomadores. A imposição de salvaguardas, múltiplas análises dos projetos e

preparação de documentos faz com que um projeto leve em média 28 meses, desde a sua

concepção ao desembolso dos recursos. Em uma entrevista com mais de 100 oficiais em 10

países da AL, a dificuldade imposta pela burocracia na tomada de empréstimos foi elencada

como o principal desestimulo para o requerimento de maiores empréstimos. Ainda em outra

entrevista com clientes do BIRD, oficiais dos países tomadores disseram que havia uma

hierarquia explícita na hora de procurar empréstimos para infraestrutura: fontes

domésticas, doadores bilaterais, bancos regionais e, por último, o Banco Mundial

(HUMPHREY, 2015).

Os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD) ocidentais, além de

institucionalizar relações de poder e visões de desenvolvimento alheias a realidade

enfrentada pela maioria dos país, não atendem as necessidades de financiamento globais,

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principalmente em um setor chave: infraestrutura. Nas décadas de 1950 e 1960, por

exemplo, mais de 70% das operações do Banco Mundial eram para projetos de

infraestrutura, enquanto atualmente esta porcentagem permanece entre 30-40%, sem que

boa parte dos gargalos de infraestrutura em países de baixa e média renda tenham sido

sanados. Dados estimam que haja um déficit de aproximadamente U$ 1 trilhão por ano de

investimento neste setor no âmbito global, o que justifica o nascimento de uma série de

bancos de desenvolvimento nos últimos anos frente ao nicho existente (HUMPHREY, 2015).

Neste contexto, nota-se que a ordem e as instituições que se estabeleceram após os

anos 1970 não lograram o consenso em torno da sua atuação. Em decorrência disto,

agrupamentos que questionavam as propostas econômicas e ideológicas predominantes

surgiram e ganharam força, como o Movimento dos Países Não-Alinhados ou o Grupo dos 77

(G-77), mas nunca o suficiente para desafiar se configurar como uma desafio a ordem

existente. Após o fim da disputa entre Estados Unidos e União Soviética, no entanto, houve

uma flexibilização das relações de poder que permitia o surgimento de novos atores e

propostas que, apoiadas em recursos materiais, tinham a chance de se agrupar e propor

reformas com o intuito de criar uma governança internacional mais representativa

(ABDENUR, FOLLY, 2015). A consequência mais evidente deste processo foi o surgimento do

grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Apesar de o acrônimo BRIC[12] ter sido forjado por um analista de investimentos, o

agrupamento de países é tanto econômico como político. Em relação ao âmbito econômico,

boa parte da legitimidade do grupo se assenta nas capacidades materiais destes países, que

somam, juntos, 42% da população mundial e 21% PIB total mundial, além de deterem

aproximadamente U$4,4 trilhões em reservas internacionais (ABDENUR, FOLLY, 2015;

PASUMARTI, 2013 apud PEREIRA, MILAN, HAFFNER, 2015). No âmbito político, desde a sua

criação, em 2001, e principalmente depois das primeiras reuniões de cúpula no nível de

chefes de Estado, em 2009, o grupo tem promovido a institucionalização do bloco através de

uma agenda de cooperação cada vez mais ampla, que passou a envolver temas como

desenvolvimento, agricultura, segurança, economia e educação.

Como consequência deste processo, percebe-se no grupo a concepção de novas

ideias relacionadas ao desenvolvimento, reforçadas principalmente após a crise de 2008.

Ainda que hajam significativas diferenças entre as concepções de desenvolvimento dos

membros dos BRICS, todos, de maneira mais ou menos coesa, partem da premissa de

defender uma cooperação ao desenvolvimento horizontal, baseada em princípios de

igualdade, interesse mútuo e respeito pela soberania. Seja através da cooperação técnica do

Brasil, ou através dos créditos subsidiados em troca de commodities chineses, o espectro da

cooperação ao desenvolvimento nos BRICS se diferencia das prescrições do Comitê de

Assistência ao Desenvolvimento (DAC), da OCDE, por focar nas necessidades e na autonomia

dos países que recebem o auxilio e no aspecto de ganhos mútuos, sem que haja uma relação

de imposição ou dominação implícita na relação entre os países (ABDENUR, FOLLY, 2015;

QUADIR, 2013).

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Por fim, defende-se que, ao aliar os aspectos mencionados a partir de uma

interpretação neogramsciana, existem elementos suficientes para argumentar que há uma

mudança significativa em termos da distribuição das capacidades materiais, representada na

emergência econômica dos BRICS, das imagens coletivas, relativas a novas concepções de

desenvolvimento, e a cerca da ordem mundial[13] e do conjunto de instituições que atuam

globalmente, concretizada com o surgimento das novas instituições criadas por países

emergentes. Logo, faz-se necessário compreender como um dos principais reflexos destas

mudanças foi criado e opera: o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido

informalmente como Banco dos BRICS. Neste sentido, a próxima sessão analisa as principais

características do banco em relação ao seu design institucional.

4 O NOVO BANCO DE DESENVOLVIMENTO: ENTRE AS POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DO

SEU DESIGN INSTITUCIONAL

O projeto de criação do banco teve início em 2012 durante a IV cúpula dos BRICS

em Nova Délhi, na Índia. Na cúpula do ano seguinte, na África do Sul, o projeto ganhou força

e na VI cúpula dos BRICS em Julho de 2014, em Fortaleza, o acordo constitutivo do “Novo

Banco de Desenvolvimento” era firmado pelos líderes dos países em questão, com capital

autorizado de U$100 bilhões, capital subscrito de U$50 bilhões[14] e sede em Xangai[15]

(BRICS, 2014). O primeiro artigo do “Acordo sobre o Novo Banco de Desenvolvimento”,

assinado pelos Estados membros em Julho de 2014, estabelece alguns dos princípios do

NBD. O objetivo do banco é definido como o de “(…) mobilizar recursos para projetos de

infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos BRICS e em outras economias emergentes

e países em desenvolvimento para complementar os esforços existentes de instituições

financeiras multilaterais e regionais para o crescimento e desenvolvimento global” (BRICS,

2014, p.1). Para atingir este objetivo, o banco pretende desembolsar empréstimos, garantias

e outros instrumentos financeiros (BRICS, 2014).

Ao contrário da retórica de inovação institucional amplamente difundida, a

estrutura de governança é basicamente a mesma de outros Bancos de Desenvolvimento

Multilaterais (Multilateral Development Banks – MDB). O Banco terá um Conselho

Administrativo (Board of Administration), um Presidente, Vice-Presidente e um Conselho de

Governadores (Board of Governors) (BRICS, 2014). As quotas de participação serão dividas

igualmente entre os membros a partir da sua respectiva contribuição com capital (idêntica

entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), sendo que no mínimo 55% das ações do

banco devem ficar com os BRICS. Além disto, nenhum membro que não participou da

fundação do banco poder deter mais do que 7% dos votos e membros não tomadores de

empréstimos não podem deter mais do 20% do total do poder de voto (BRICS, 2014). Na

prática, estas limitações implicam no controle do bloco sobre as decisões do banco. Apesar

de não ser inesperado o fato de que os países fundadores queiram exercer algum tipo de

predominância na nova instituição, autores como Humphrey (2015) apontam para a

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similaridade da estrutura de governança do banco comparadas aquelas de Bretton Woods,

principalmente em termos da centralização de poder em torno de alguns países.

O fato de que cada membro dos BRICS terá a mesma percentagem do capital

subscrito inicial, ou seja, cada país contribuirá igualmente com U$10 bilhões, é, ao mesmo

tempo, uma afirmação de igualdade política e uma limitação ao escopo do banco. Ao igualar

a mesma percentagem do capital subscrito para cada membro, atesta-se que, independente

do tamanho do PIB de cada membro, há igualdade no processo decisório e na governança

entre os membros do bloco. Da outra parte, limita-se o tamanho da quantia inicial a

substancial diferença entre seus membros. A África do Sul, por exemplo, tem reservas

internacionais 90 vezes menores do que aquelas chinesas[16]. Caso o NBD fosse realmente

atender as pretensões de causar um impacto significativo no financiamento ao

desenvolvimento, a quantidade de desembolsos teria de ser significativamente maior

(HUMPHREY, 2015).

Em relação ao tema, Griffith-Jones (2014) elabora alguns possíveis cenários de

como se darão os desembolsos do banco. Ao adotar-se uma perspectiva que leve em

consideração uma atenção cuidadosa da avaliação de risco por parte das agências de rating

internacionais, o banco pode adotar uma estratégia de baixa alavancagem, na qual os

empréstimos somariam U$2,4 bilhões ao ano nos próximos dez anos. Numa estimativa mais

abrangente, que leve em consideração menos a nota das agências e mais sua capacidade de

alavancagem, o banco poderia emprestar algo em torno de U$7 bilhões ao ano, também

assumindo a maturidade de 10 anos dos empréstimos. Neste sentido, existem expectativas

de que o banco siga um perfil menos conservador do que seus pares ocidentais, dado que o

seu presidente afirma constantemente a necessidade de ‘demonstrar maior apetite ao

risco’(NBD, 2015, p.1)[17]

É necessário, no entanto, compreender os números propostos por Griffith-Jones

(2014) e o discurso do presidente da instituição em um contexto mais amplo. Em ambos os

cenários, a quantidade ainda é considerada baixa frente aos U$40,8 bilhões de empréstimos

por parte do Banco Mundial feitos em 2013 (ADBDENUR, FOLLY, 2015). Mesmo em

comparação a bancos de desenvolvimento nacionais, as cifras do banco parecem eclipsadas.

Neste mesmo ano, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)

desembolsou US88 bilhões de dólares, enquanto China Development Bank realizou

empréstimos na ordem de U$1,15 trilhões, sendo U$319,8 localizados fora da China. O

ChinaEXIM Bank, por sua vez, se comprometeu a emprestar U$150,8 bilhões, e desembolsou

U$129,2 bilhões (SNELL, 2016). Intrinsicamente ligada a questão dos montantes a serem

desembolsados, um dos principais fatores que ditarão o futuro do banco é a credibilidade do

mesmo frente aos seus membros e a comunidade internacional.

Como pontuado por Biswas (2015), é inevitável que o NBD busque uma avaliação de

risco semelhante a das instituições existentes[18] para viabilizar sua atuação dado que parte

dos seus recursos precisa ser levantado junto ao mercado financeiro. O NDB, frente ao que

as evidencias indicam, não gozará de um perfil financeiro tão favorável frente as agências

internacionais devido ao perfil dos estados membros e a própria falta de um histórico de

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empréstimos. Uma opção possível a tradicional dependência do mercado de capitais privado

internacional é o financiamento nos mercados dos países membros, principalmente no

mercado da dívida chinês. Nos primeiros meses de 2016, o banco emitiu títulos da dívida de

3 bilhões de renminbi ($449 milhões), avaliados como AAA por agências de rating chinesas e

tendo como fiador o Bank of China (ZHOU, 2016). Isto sinaliza uma menor dependência do

mercado internacional e um movimento rumo utilização do mercado financeiro chinês para

financiar as atividades do banco, o que pode ser entendido como um importante passo na

internacionalização do sistema financeiro chinês, uma menor dependência do mercado de

capitais ocidental mas, ao mesmo tempo, um indício da dominação chinesa sobre NDB.

Apesar da possibilidade de uma predominância chinesa na instituição, espera-se

que haja uma redução na condicionalidade política dos empréstimos e que, por efeito, todo

o processo seja mais rápido e menos burocratizado[19]. Este fator pode ser um elemento

atrativo para países de baixa renda que historicamente foram forçados a aceitar as

condicionalidades do FMI e Banco Mundial, na qual os empréstimos eram condicionados a

mudanças políticas e econômicas. De Acordo com Cozendey (2015, p.120), a concepção do

NBD é que o mesmo seja um “[…] banco de projetos específicos a serem avaliados em seus

termos”, ou seja, não haverá amplo setor de pesquisas e cada projeto será avaliado pela sua

viabilidade, tendo em conta o respeito a soberania nacional e a autodeterminação do países

que vão assumir o empréstimo.

Neste âmbito, surgem questões relacionadas a como as experiências individuais de

cada país dos BRICS serão incorporadas no modus operandi do banco. De um lado, há as

vantagens evidentes derivadas das experiências nacionais com bancos de desenvolvimento

nos países membros, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES) e Banco de Desenvolvimento Chinês, do qual tem-se uma história de experiências

positivas. No entanto, como pontuado pela Oxfam (2014), ambos os bancos nacionais

focaram suas atuações em projetos estatais de infraestrutura de larga escala, habitualmente

com as “campeãs nacionais” dos respectivos países. Segundo este perspectiva, ao focar a

concessão de empréstimos somente a projetos desta natureza, pode-se gerar impactos

ambientais, populacionais e bolsões de pobreza, o que desafia a própria tese de que

infraestrutura está relacionada ao desenvolvimento econômico, além da possibilidade de a

economia tornar-se excessivamente dependente de um punhado de empresas.[20] Estas

preocupações, dentre outras, foram expressas em uma carta elaborada por diversas

entidades da sociedade civil direcionada a diretoria do banco, na qual as mesmas se

mostravam (BORGES, p.3): “[…] profundamente preocupadas que o Banco esteja operando

sem um engajamento necessário com a sociedade civil e parece estar selecionando projetos

sem um quadro de políticas capaz de identificar riscos sociais e ambientais para prevenir

danos’”[21]

Por fim, a falta de diálogo com entidades da sociedade civil se coliga ao que muitos

interpretam como uma série de incertezas em relação a atuação do banco e as intenções de

seus membros. De um lado, há características tidas como positivas para os países

emergentes, como anúncios de que o banco realizaria operações em moedas locais e haveria

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a tentativa coletiva de distanciar-se do dólar como moeda de reserva internacional, a

disponibilidade de mais capital para infraestrutura, o respeito a soberania e a promoção de

uma cooperação ao desenvolvimento mais horizontal. Do outro, existem receios de uma

possível dominação chinesa, aliada a um congelamento do poder nas mãos dos países

membros, a baixa quantia de capital comparável a outras instituições, a dificuldade de

financiamento nos mercados internacionais e complexidade de operar com um corpo de

funcionários reduzido (COOPER, FAROOQ, 2015). Esta sessão elencou as principais

características institucionais do NBD com o intuito de demonstrar desafios a sua atuação.

Feitos estes desenhos gerais, parte-se para a próxima sessão, que visa discutir a emergência

de novos atores e o futuro da governança global, tendo o NBD como ponto de partida.

5 O NDB, OS BRICS E A GOVERNANÇA GLOBAL

Traçadas as linhas de investigação das sessões anteriores, a principal pergunta que

pretende-se responder nesta sessão é se o NBD representa a emergência de uma mudança

estrutural do regime de financiamento ao desenvolvimento. Defende-se que o banco, apesar

de forçar as instituições existentes a internalizarem as demandas de um número maior de

atores, não dispõe da capacidade de se apresentar como uma ruptura em relação ao regime

existente. O próprio NBD, ao mesmo tempo que diz querer criar as próximas práticas do

financiamento ao desenvolvimento, atesta seu papel de complementaridade em relação as

instituições existentes (BRICS, 2014). Logo, pode-se afirmar, baseado na análise das sessões

anteriores, que os BRICS não representam em si uma nova fase hegemônica, a criação de um

novo bloco histórico ou uma ruptura com a ordem anterior. Pelo contrário, as evidências

indicam que emergência do NBD sugere uma tentativa de galgar representatividade na

governança global neoliberal e, consequentemente, reforçá-la, ainda que com elementos

particulares.

De um lado, o fato de o banco se propor a assumir uma estrutura institucional que

preze pela velocidade e pelo foco em necessidades dos países emergentes pode ser

encarado como positivo a partir da perspectiva dos mesmos, dado que o espectro de opções

de financiamento internacionais se ampliam e a tradição de excesso de burocracia típica das

instituições de ocidentais é contestada. Aliado a emergência de uma série de outras

iniciativas multilaterais, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e novos

bancos regionais de desenvolvimento, o regime de financiamento ao desenvolvimento

indica estar progressivamente sendo flexibilizado no sentido de adotar práticas e normas

criadas por países em desenvolvimento.

Além disto, discutir a emergência de uma ordem menos hierárquica, ou mesmo de

um novo regime de financiamento ao desenvolvimento a partir da emergência de países

periféricos, contém em si uma contradição mais profunda. Por mais que os países do bloco

se apresentem como uma alternativa por negarem, em alguma medida, as prescrições de

desenvolvimento ocidentais, internamente os mesmos são marcados por altos níveis de

pobreza e desigualdade de renda. As elites econômicas e políticas destes países

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frequentemente tem interesses transnacionais que se encontram mais em sintonia do que

dissonância com a ordem existente. O apoio delas para qualquer projeto político multilateral

que não esteja centrado em torno de seus interesses diretos frequentemente sofre barreiras

para aprovação política interna. Logo, uma governança internacional inclusiva possivelmente

seja mais um elemento retórico do que um objetivo político concreto de longo prazo. O que

transparece no caso do NBD, além do mais, é uma atuação que, apesar de mais horizontal

em relação a cooperação em certas áreas temáticas, indica novas relações de submissão e

controle, como o congelamento das cotas destinadas aos BRICS no interior do NDB ou a

própria falta de um diálogo transparente e amplo da instituição com entes da sociedade

civil. (CHANDHOKE, 2013; QUADIR, 2013).

Neste âmbito, a questão da legitimidade do NBD torna-se um elemento

fundamental para discutir a instituição. A partir de uma perspectiva de Cox e Schechter

(2002), a legitimidade deriva fundamentalmente da percepção de que o processo político

que guia as instituições espelha os desejos e anseios da sociedade civil[22], a qual se sente

retratada na figura dos seus representantes. Por outro lado, quando uma instituição se

afasta dos seus propósitos e é vista como ferramenta para interesses particulares, a

autoridade política detida pela instituição é delapidada. A confiança por parte dos países de

baixa e média renda nas organizações de Bretton Woods foi afetada exatamente por que

eles não se sentiam representados. Neste âmbito, o NBD tem o desafio de garantir que sua

atuação não seja vista, tanto pelos países de baixa e média renda quanto pela sociedade

civil, somente como uma ferramenta na mão de um grupo de países que quer galgar

posições na governança global existente, mas como um ator que de fato financie o

desenvolvimento sem a carga política e ideológica típica dos bancos de desenvolvimento já

existentes.

Por fim, embora os desafios levantados no presente trabalho sejam expressivos, o

simples fato que países emergentes se juntaram para criar uma instituição multilateral de

âmbito global é algo que pareceria improvável 15 anos atrás e indica mudanças significativas

na maneira que o campo do financiamento ao desenvolvimento se organiza, e, em um

perspectiva mais ampla, a ordem mundial subjacente ao mesmo. Por mais que existam

limitações estruturais a capacidade do NBD de se insular das práticas relacionadas a ordem

neoliberal, sua mera existência é a prova de que o futuro da governança global não deve ser

pensado somente a partir da reforma da instituições existentes. O NDB não marca a

mudança estrutural em favor de formas de financiamento que prezem pela justiça social,

pelo desenvolvimento autônomo e ou pela inclusão das minorias, mas é um sintoma de que

novas formas de organização internacional são concebíveis.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal objetivo deste trabalho foi contribuir, a partir de uma perspectiva critica,

para literatura que busca compreender o surgimento do NBD. Frente aquilo que foi exposto,

nota-se que o banco deve enfrentar uma série de desafios para estabelecer-se como um ator

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181

relevante no campo do financiamento ao desenvolvimento internacional, principalmente

frente a sociedade civil, a qual até o momento foi relativamente desconsiderada no processo

de construção do mesmo. Do lado positivo, o banco assinala uma assinala uma maior

disponibilidade de capital para financiamento de infraestrutura, um desenho institucional

que preza pela rapidez e a institucionalização de princípios de desenvolvimento em sintonia

com práticas da cooperação Sul-Sul.

Pontua-se, entretanto, que apesar de refletir pressupostos que prezam pela

horizontalidade, outros aspectos do desenho institucional do NBD se assemelham ao de

outras instituições existentes, principalmente no que se refere a garantia de concentração

do poder de decisões nos membros fundadores. Estas características, aliadas ao fato de que

o volume dos empréstimos são pequenos se comparados ao de outros bancos multilaterais

de desenvolvimento, ou mesmo frente a bancos nacionais de desenvolvimento, levantam

questionamentos em relação a capacidade concreta do banco de causar um impacto

significativo no campo do financiamento ao desenvolvimento internacional.

Logo, a partir da discussão realizada neste trabalho, defende-se que o NDB é uma

iniciativa bem vinda, mas não é, em si, o reflexo de uma mudança estrutural no ordem

mundial. O mesmo é, acima de tudo, o reflexo de mudanças materiais e intersubjetivas

derivadas das fissuras da ordem neoliberal, a qual, no entanto, não dá sinais ser superada

por uma ordem diferente em sua essência. A fragmentação política, o crescimento da

desigualdade, o surgimento de movimentos de extrema direita, os conflitos nas periferias do

mundo, a precarização do trabalho e a remoção das últimas barreiras para que o capital

circule livremente continuam a ser traços particulares desta ordem que continuam a se

aprofundar. Nota-se, no entanto, que em uma época de instabilidade, tanto política quanto

econômica, novas instituições indicam que a realidade existente não é pré-condicionada ou

inevitável, mas é sujeita a as forças sociais que a formam. Portanto, um futuro diferente não

pode deixar de ser vislumbrado.

NOTAS DE FIM

[1] Segundo a perspectiva neogramsciana, a hegemonia é uma expressão da liderança de

uma classe projetada globalmente que logra o consenso da sua dominação através da

difusão de ideias, aliadas a capacidade material e as instituições. De maneira mais pontual,

segundo Cox (1981, p.139) “[…] a concept of hegemony […] is based on a coherent

conjuction or fit between a configuration of material power, the prevalent collective image

of world order (including certain norms) and a set of institutions which administer the order

with a certain semblance of universality”. A primeira sessão do presente trabalho discute o

conceito mais extensamente.

[2] Há um amplo debate em relação a diferença entre instituição e organização. Alguns

autores, como Lisa Martin e Beth Simmons (2013), definem as primeiras como regras,

formais e informais, que prescrevem papeis aos atores, determinam comportamentos

aceitáveis e criam expectativas. As segundas são entendidas como entidades, ou seja, a

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estrutura física da organização com sede, funcionários, símbolos e atividades. Com o intuito

de evitar repetições, no texto ambos os termos são tratados como sinônimo de entidades.

[3] O Grupo Banco Mundial pode ser divido em cinco organizações: 1) O Banco Internacional

para a reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD); 2) A associação internacional de

desenvolvimento (AID); 3) A Corporação Financeira Internacional (CFI); 4) a Agência

Multilateral de Garantias de Investimentos (AMGI) e 5) o Centro Internacional para

Conciliação de Divergências nos Investimentos (WORLDBANK, 2016).

[4] Adota-se a definição de países emergentes (rising powers) forjada por Amrita Narlikar

(2013, p.1) – “Países Emergentes são aqueles estados que estabeleceram-se como atores de

relevância no sistema internacional, mas ainda não adquiram o poder de definir a agenda”.

[5] Destaca-se que, apesar do crescimento pronunciado da economia do bloco durante a

primeira década do século XXI, atualmente Brasil e Rússia se encontram numa profunda

recessão econômica. Paralelamente a isto, a África do Sul se mostra estagnada e a China

com uma diminuição das taxas de crescimento que beiraram os dois dígitos durante três

décadas. A Índia, apesar da conjuntura desfavorável do grupo, parece navegar nas

conturbadas águas internacionais com certo dinamismo. A desaceleração econômica do

bloco é interpretada como um dos maiores desafios à institucionalização dos BRICS, o que se

relaciona com as prospectivas futuras do banco.

[6] O conceito de ordem global na obra de Cox (1981) também deve ser pensado na

perspectiva de classes hegemônicas, e não de necessariamente de Estados. No presente

trabalho, ordem global e mundial são utilizados de maneira intercambiável.

[7] Esta perspectiva não implica, no entanto, que as instituições são somente um reflexo de

interesses da ordem hegemônica, mas também sistemas políticos que produzem políticas

públicas em resposta a inputs provenientes de uma série de atores internos e externos, que

eventualmente ganham vida própria, tornando-se um campo de batalha para tendências

contraditórias (COX, 1981).

[8] De acordo com Cox (1981, p.218) estruturas históricas são “[…] um quadro de uma

configuração particular de forças”, ou ainda, “[…] those persisting patterns of thought and

actions that define the frameworks within which people and states act.”(1992, p.165)

[9] (tradução nossa) “One mechanism through which the universal norms of a world

hegemony are expressed […]”

[10] Esta agenda é transmitida por aquilo que Cox (1987) chama de nébuleuse, ou seja, uma

classe internacionalizada que atua na formação do consenso em torno dos princípios

hegemônicos. Esta classe é formada tanto por funcionários de organizações internacionais

como por intelectuais, agentes privados e públicos ligados a ideologia neoliberal.

[11] Apesar de o presente trabalho focar em Bancos Multilaterais de Desenvolvimento,

utiliza-se o FMI como elemento que ilustra a concentração de poder em torno das

instituições de Bretton Woods.

[12] Somente em 2011 a África do Sul tornou-se o 5º membro oficial do grupo.

[13] Estas três esferas são, a partir da perspectiva neogramsciana, a chave pare

compreensão de mudança na ordem mundial. Para mais detalhes, ver Cox (1981).

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[14] Dos U$50 bilhões, U$10 bilhões serão integralizados em 7 anos e U$40 bilhões serão de

chamada de capital (BRICS, 2014).

[15] Sobre as disputas internas para definir qual cidade seria a sede do banco, ver Cooper e

Farooq (2015).

[16] Segundo dados do FMI (2016), as reservas internacionais chinesas em dezembro de

2015 eram de 3,3 trilhões de dólares, enquanto as sul africanas eram de 38 bilhões.

[17] (tradução nossa) “It is imperative that MDBs demonstrate greater risk appetite and

avoid risk aversion”

[18] Graças a sua posição financeira saudável, diversidade de membros e governança sólida,

o Banco Mundial, por exemplo, detém uma nota AAA junto à Standard and Poor’s, o que

facilita operações financeiras no mercado de capitais internacional (BIWAS, 2015).

[19] Segundo o presidente do banco, K.V. Kamath, a expectativa é que o tempo desde a

concepção dos projetos até a aprovação dos empréstimos seja de 6 meses, em comparação

a média de 2 anos de outros bancos multilaterais de desenvolvimento (NDB, 2016).

[20] Não nega-se o papel fundamental que a infraestrutura tem em aumentar a

produtividade do trabalho e do capital e seus consequentes benefícios econômicos, mas sim

o foco de Bancos de Desenvolvimento Multilaterais em projetos de infraestrutura que não

necessariamente estavam em sintonia com os objetivos de desenvolvimento pontuais dos

países que recebiam os empréstimos e, frequentemente, tiveram spillovers negativos.

[21] (tradução nossa) ‘We are deeply concerned that the Bank is operating without

meaningful engagement with civil society and appears to be selecting projects without the

necessary policy framework to identify social and environmental risks and prevent harm’.

[22] A partir de uma perspectiva de tradição gramsciana, o conceito de sociedade civil é mais

elástico, mas, em linhas gerais, se relaciona ao espaço onde a ordem social se manifesta,

onde ordens são forjadas e substituídas.

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A QUESTÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS

NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

THE QUESTION OF THE LEGAL PERSONALITY OF THE TRANSNATIONAL

COMPANIES IN PUBLIC INTERNATIONAL LAW

Gustavo Leite Neves da Luz17

Pedro Jorge Monteiro Brito18

Resumo: O direito internacional até pouco tempo era um direito voltado exclusivamente aos

entes estatais; todavia, com o tempo foi-se flexibilizando a aceitação de outros entes de

personalidade jurídica Direito Internacional Público, como organizações internacionais,

indivíduos. Hoje, existe grande debate sobre a inserção de um novo sujeito dotado de

personalidade, as empresas transnacionais. O objetivo deste artigo é demonstrar a questão

da personalidade jurídica de direito internacional para as empresas transnacionais. Primeiro,

será demonstrada a questão da personalidade jurídica no campo do direito internacional

público; em seguida, é destacada a personalidade jurídica das empresas, em conjunto com

os fundamentos legais e teóricos que a fundamenta; e por fim, é destacado um trecho

reservado para o poderio das empresas multinacionais e a necessidade de regulamentação

deste poder, para em seguida serem destacadas as considerações finais. O artigo em

questão foi elaborado pelo método dedutivo e através de uma pesquisa documental e

bibliográfica.

Palavras-chave: Personalidade Jurídica; Direito Internacional Público; Empresas

Transnacionais.

Abstract: The international law until a few time ago was one species of law turned

exclusively to the stately beings; however, with time it was relaxing to accept other beings

with international law’s legal personality, as international organizations, individuals. Today,

exist one big debate about the insertion of a new subject endowed with personality, the

transnational companies. The objective of this article is to demonstrate the question about

the international law’s legal personality of the transnational companies. First, is highlighted

the question about the international public law’s personality field; after that, is shown the

companies’ legal personality, with the legal and theories fundaments; and at the end, is

highlighted one stretch reserved for the power of multinational companies and need of one

regulation of his power, for the next to be shown the final considerations. This article in

17

Graduando em Direito na Faculdade Paraíso do Ceará (FAP). Membro do grupo de pesquisa e extensão "Direitos Humanos e De(s)colonialidade na América Latina" 18

Professor do curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará (FAP). Especialista em Direitos Fundamentais na Universidade Regional do Cariri (URCA). Graduado em Direito na Universidade Regional do Cariri (URCA).

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187

questions was elaborated by the deductive method and thought one documental and

bibliographic research.

Keywords: Legal Personality; International Public Law; Transnational Companies.

1 INTRODUÇÃO

No atual mundo globalizado, o sistema financeiro é interrompível e praticamente

autônomo. O capital das empresas multinacionais e transnacionais é negociado durante as

24 (vinte e quatro) horas em todos os dias, através de inúmeras transações comerciais que

movimentam bilhões em dinheiro em questão de segundos. A personalidade jurídica para os

sujeitos de Direito Internacional Público tem sido gerado debates por parte a doutrina

especializada principalmente no que diz respeito as Empresas Transnacionais ou

Multinacionais.

Este debate surge na necessidade de analisar a grande interferência das empresas

cada vez mais crescente no campo das relações internacionais e como consequência na

elaboração das normativas estabelecidas em tratados internacionais, tornando-se sujeitos

cada vez detentores de capacidade ativa no Direito das Gentes.

Sendo assim, no trabalho em questão, será analisada de forma breve no primeiro ponto a

questão dos sujeitos e da Personalidade Jurídica, demonstrando as três corrente atualmente

debatidas no campo da personalidade, para posteriormente ingressar na questão principal.

Para este trabalho adotaremos o conceito de Empresas multinacionais e transnacionais de

Frorisbal de Souza Del’Olmo (apud MAZZUOLI, 2015, P. 477) que afirma:

Entende-se por transnacionais as empresas constituídas sob as leis de determinado Estado que têm representações ou filiais em dois ou mais países, neles exercendo seu controle, acionário ou contratual, ainda que o seu capital provenha de um único Estado ou de uma única pessoa. Multinacionais, por sua vez, são as empresas cujo capital provém de mais de um Estado, podendo ser bilaterais (com capital proveniente de dois países) ou multilaterais (com capital proveniente de três ou mais Estados).

Para fins didáticos, neste trabalho utilizaremos ambos os conceitos como sendo

sinônimos. No segundo ponto será melhor trabalhada a questão da personalidade jurídica

das empresas transnacionais; demonstrando fundamentos teóricos e legais, tanto no direito

interno quanto na legislação alienígena, fundamentos para a sua personalidade.

Na terceira parte, é destaca a questão da extensão do poder das empresas transnacionais

que vem interferindo com grande evidencia nas relações internacionais e o porquê da

urgência de uma regulamentação de sua personalidade jurídica de direito internacional.

A metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho foi a pesquisa documental e

bibliográfica, através de livros, artigos e sites que tratam do respectivo tema para permitir

uma fundamentação teórica e legal sobre o tema; e ainda, permitir posteriores fontes de

pesquisa para os leitores deste trabalho.

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2 OS SUJEITOS NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E A QUESTÃO DE SUA

PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Nas relações internacionais recorrentes os sujeitos de direito internacional são

aqueles que se destacam por sua atuação na seara internacional com intuito de movimentar

os jogos e relações recorrentes para a preservação das suas relações no campo das relações

internacionais e o crescimento continuo econômico.

Em um conceito de caráter doutrinário, Mazzuoli (2015, p. 449) assevera que:

São, portanto, sujeitos do Direito Internacional Público todos aqueles entes ou entidades cujas condutas estão diretamente previstas pelo direito das gentes (ou, pelo menos, contidas no âmbito de certos direitos ou obrigações internacionais) e que têm a possibilidade de atuar (direta ou indiretamente) no plano internacional.

Esses sujeitos podem possuir duas qualidades na atuação internacional, a de

sujeitos ativos e passivo. A primeira qualidade, ativo, diz respeito a sua atuação, ou seja, os

sujeitos que possuem está qualidade são considerados os “verdadeiros” movimentadores do

Direito das Gentes, pois atuam para a movimentação das relações continuas como agentes

que produzem ações que venha a ter consequências; como maior exemplo os Estados, que

são os sujeitos par execellence.

Os passivos são propriamente aqueles sujeitos que atuam como receptores do

direito internacional público, como exemplos os indivíduos; são aqueles que têm sofrem as

consequências da atividade daqueles sujeitos ativos. Sendo de grande importância destacar

que, a qualidade de ativo não anula a de passivo e vice-versa; sendo assim, um sujeito pode

ter tanto a qualidade de sujeito passivo e ativo de forma simultânea.

Como caso onde essas duas qualidades se relacionam em harmonia, é no caso das pessoas

de Direito das Gentes. Pessoas são os seres ou organismos que tem tanto a sua conduta

regulamentada pelo direito internacional público como também podem pleitear concessões

de direitos e impor determinadas obrigações.

Infelizmente, a mera propriedade de sujeito e/ou pessoa não garante a sua

personalidade jurídica que é qualidade de agir internacionalmente. Como acontece com os

indivíduos que ela pode ser restrita, podendo ainda ter vários graus de capacidade de acordo

com a pessoa, sendo um exemplo recorrente o das Organizações Internacionais. Outra

possibilidade é a de que um a personalidade jurídica de Direito Interno não garante a

existência de uma personalidade jurídica de Direito Internacional Público, como acontece

com os órgãos ministeriais ou no caso das empresas, que será destacado em breve

(MAZZUOLI, 2015).

Outra questão de suma importância é a respeito da personalidade internacional e o

debate doutrinário que cerca este tema sobre quem realmente são os sujeitos com

personalidade jurídica de Direito Internacional Público. São apresentadas no total três

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correntes, as correntes clássica, moderna e extensiva; cada uma defendida de forma

fervorosa por doutrinadores respeitados. Estas correntes apresentam fundamentos

totalmente válidos para a justificativa de sua supremacia.

A primeira corrente que justifica a personalidade, é baseada na teoria clássica do direito

internacional, defende que apenas os Estados e as Organizações Internacionais são sujeitos

de Direito Internacional Público, por possuírem a qualidade de tanto de sujeito ativo, v.g.

através da elaboração de tratados; bem como no polo passivo, por serem os principais

destinatários imediatos no plano internacional[1].

Até o fim da Segunda Guerra Mundial está era majoritária sobre a personalidade

jurídica no direito das gentes; todavia, com as grandes transformações ocorridas com o fim

da segunda ela vem cada vez mais perdendo sua força, sendo hoje a corrente minoritária

entre os internacionalistas.

Esta corrente tem como um dos doutrinadores defensores Francisco Rezek (2005, p.

152), onde o autor destaca a defesa de sua opção por esta corrente com fundamentos

concretos:

Mas se daí partimos para formular a tese de que a pessoa humana, além da personalidade jurídica que lhe reconhecem o direito nacional de seu Estado patrial e os dos demais Estados, tem ainda- em certa medida, dizem alguns- personalidade jurídica de direito internacional, enfrentaremos em nosso discurso humanista o incômodo de dever reconhecer que a empresa, a sociedade mercantil, a coisa juridicamente inventada com ânimo do lucro à luz das regras do direito privado de um país qualquer, também é – e em maior medida, e há mais tempo- uma personalidade do direito das gentes.

De fato o argumento utilizado para justificativa da não admissão de mais sujeitos,

como no caso indivíduos e empresas, é realmente forte; o poder dado a uma empresa seria

realmente forte, mas a respeito das empresas trataremos posteriormente neste trabalho.

A segunda corrente, chamada habitualmente de corrente moderna; admite que os Estados,

Organizações Internacionais e os Indivíduos como sujeitos de personalidade jurídica

internacional.

A tendência desta corrente de incorporar os indivíduos como sujeitos com

personalidade jurídica, é baseada nos fatos ocorridos pós-Segunda Guerra, como no caso da

quebra da personalidade jurídica para atingir os indivíduos durante o Tribunal de

Nuremberg; ou ainda, como hoje ocorre com o Tribunal Penal Internacional[2] (TPI).

Porém indivíduos não podem celebrar quaisquer tipos de tratado, mas há a possibilidade de

litigância internacional, atuando no processo como sujeito ativo. Como exemplo, existe a

possibilidade de indivíduos oriundos de países Latino-Americanos, desde que o Estado seja

parte no tratado constitutivo de tal Comissão, ingressarem à Comissão Interamericana de

Direitos Humanos, podendo o país signatário ser responsabilizado por determinado fato

ocorrido através de um parecer estabelecido pela comissão no caso especifico[3] (PORTELA,

2016).

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Assim concordando com esse posicionamento Mazzuoli (2015, p. 471), destaca

que:

Tal se deu, principalmente, pela multiplicação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos concluídos nos últimos tempos, que estão a permitir expressamente, além do ingresso direto dos indivíduos às instâncias internacionais, que também sejam demandados perante cortes internacionais de direitos humanos, como é o caso do Tribunal Penal Internacional.

A grande maioria dos autores internacionalista acaba convertendo-se para esta

corrente pelo fato da inclusão dos indivíduos como com personalidade jurídica de Direito

das Gentes.

A terceira corrente, chamada de concepção extensiva, se baseia nas atuais

evoluções do Direito Internacional trazidas pelo início do século XXI, pela divisão cada vez

mais tênue entre o campo do público e do privado e ainda a tendências de englobar cada

vez mais situações e ramos que envolvam outros entes nas relações internacionais; e com

isso, esse entes passaram cada vez mais a serem sujeitos de direitos pelas normas

internacionais.

Esta corrente admite como sujeitos de personalidade jurídica de Direito

Internacional os Estados, Organizações Internacionais, Indivíduos e Empresas

Transnacionais.

Rezek (2005, p 153), continua a sua crítica a respeito da ideia da personalidade dos

indivíduos e das empresas destacando o fato de que tanto os indivíduos não são capazes de

ingressar com reclamar de forma livre, pois para isto é necessário que o Estado faça parte do

tratado constitutivos de determinado tribunal ou corte, a garantia dos direitos; não podendo

um brasileiro, por exemplo, caso o Brasil retirar-se da Corte Interamericana de Direitos

Humanos, ingressar com uma reclamação na mesma, nem mesmo empresas estrangeiras

poderiam entrar com uma reclamação contra o ele.

Entretanto, nesta critica o autor acaba incidindo em erro, pois vai de encontro com

a ideia de que os indivíduos são sujeitos de Direito das Gentes, sendo que estes já fazem

parte do próprio conceito[4], pois o indivíduo é fim de todo o direito seja qual ramificações

for.

Já na questão da personalidade jurídica das empresas transnacionais o debate

doutrinário é bastante acirrado. Mesmo com as tendências cada vez maior de aceita-las

como sujeito de Direito das Gentes, ainda não é pacífico a aceitação como um sujeito pleno,

ou nem mesmo como um sujeito fragmentado, como será demostrado em seguida.

3 A PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO DAS EMPRESAS

MULTINACIONAIS E TRANSNACIONAIS

O debate doutrinário ainda é bastante recorrente na questão da personalidade

internacional das empresas transnacionais. Embora todos os sistemas jurídicos tenham

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entrado em harmonia quanto à personalidade jurídica de Direito Interno, seja ele público ou

privado, como sujeitos dotados de personalidade; ainda existe uma relutância por parte dos

internacionalistas sobre o tema (DINIZ, 2010).

Os doutrinadores, na questão da pessoa jurídica, formularam diversas teorias a fim

de justificarem a natureza jurídica, as mais consideradas são: a teoria da ficção legal, teoria

da pessoa jurídica como realidade objetiva, teoria da pessoa jurídica como realidade técnica

e a teoria da instituição.

Segundo a teoria da ficção legal, a lei através de uma ficção jurídica cria a

personalidade, esta qual que esta não tem existência real, um mero ente em mundo virtual.

Este ente sendo criado com o intuito de atender aos interesses das pessoas “reais” de

direito. Sustentada por na época por Savigny, esta teoria já foi a majoritária durante a

segunda metade do século XIX, época de seu desenvolvimento; mas, hoje já é superada pela

a criação de novas teorias.

Na questão da segunda, esta sustenta que as pessoas jurídicas são verdadeiros

organismos vivos e reais, assim contrariando a ideia trazida anteriormente por Savigny;

porém criados pela sociedade, com uma autonomia individua, negando a personalidade

fruto da técnica jurídica. A teoria tem sua origem no direito alemão, sendo defendida por

autores como Gierke e Zitelmann.

A teoria da pessoa jurídica como realidade técnica, existe como um misto das

anteriores, para suprir os interesses humanos pela criação através das técnicas de produção

jurídica. Tal teoria é aceita no Brasil, como destacado no art. 45° do Código Civil:

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Um ponto de vista que pode ser visto como obstáculo é a analise clássica do Direito

Internacional tendo como ponto de partida os Estados. Pois, na medida que eles são sujeitos

primários do Direto das gentes, gozadores de toda a amplitude da personalidade jurídica

internacional serão vistos de forma como exemplo a ser seguidos e comparados que

surgirem nas relações internacionais. Tanto que os Estados ainda continuam sendo os únicos

sujeitos plenos, nem mesmo as Organizações Internacionais se equiparam.

Diferente do que acaba ocorrendo no âmbito do Direito Interno, não existe um critérios para

que determinado sujeito possa conseguir a personalidade internacional e talvez isso possa,

talvez, futuramente, impedir a realização de um sistema internacional.

A justificativa de somente os Estados ainda serem considerados os únicos sujeitos

de direito internacional públicos plenos, tem suas origens na fase embrionária do Direito das

GenteS, que se deu durante o Positivismo Jurídico que reinava no século XIX, pois o este

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Direito das Nações surgiu em pelo consentimento mútuo entre as nações fundadoras,

portanto de forma única os sujeitos que deram origem seriam os sujeitos exclusivamente de

Direito Internacional Público.

Uma breve analise da antropologia jurídica pode demonstrar as origens de um

sistema jurídico. Mesmo que esse sistema seja fundado em sobre tratados, costumes e

princípios gerais de direito; sem uma codificação per se.

Assim como ocorre no direito interno, onde os detentores da personalidade jurídica não

possuem as mesmas prerrogativas dependendo de suas características, na seara

internacional pode ser feito de forma análoga, sendo assim, não possuindo as mesmas

prerrogativas de um Estado soberano, mas também não tão limitadas quanto a dos

indivíduos.

É justificável que as Empresas sejam consideradas como sujeitos não formais[5], ou

fragmentados; pois com o surgimento da globalização, se tornou mais evidente a

necessidade de criar uma personalidade jurídicas para esses as Empresas Multinacionais,

mesmo que seja com o intuito de preservar o status dos atuais sujeitos.

Como tais Empresas estão diretamente envolvidas com uma das grandes consequências

desse movimento, que é o fenômeno econômico; tal fenômeno pode ser tanto benéfico, no

sentido melhorar as comunicações facilitando o acesso a informação ou tornando mais

eficiente os meios de produção; como maléficas com o alarmante aumento da desigualdade

e desastres ambientais, por exemplo (RIBEIRO, 2007). E por isso, se faz necessária a

integração de tais sujeitos no Direito Internacional Público[6].

Entretanto, como as empresas tem como a finalidade principal o lucro, e ainda tal

lucro é voltado para ganhos de particulares e não da coletividade, não devem as empresas

transnacionais terem o mesmo grau e poderes dentro do direito internacional público,

sendo necessário que não tenham as mesmas prerrogativas e direitos que os Estados ou

Organizações Internacionais possuem.

Analisando-se em âmbito nacional, o Brasil foi tardio em iniciar o reconhecimento

das pessoas jurídicas no direito interno, até o início do século XX não havia reconhecimento

algum; nem mesmo no Código Comercial de 1850 não previa qualquer destaque ao tema

sendo reconhecida somente pelo Decreto 1.102 de 21 de novembro de 1903, que

estabeleceu algumas regras para o estabelecimento das empresas de armazéns gerais;

destacando os direitos e obrigações destas e estabelecendo pela primeira vez a expressão

“pessoa jurídica”, no direito nacional, como nomenclatura dada às empresas do respectivo

decreto.

Em seguida, surgiu em 1907, o Decreto 1.637, reconhecendo a personalidade

jurídica dos sindicatos. No antigo Código Civil, de 1916, trazia o assunto nos artigos 16 e 20,

respectivamente. O atual Código Civil atual contemplou de forma ampla a personalidade

jurídica.

Entretanto, foi Teixeira de Freitas, no seu esboço de Código Civil, que é destacado

como fonte de referência para vários códigos da América Latina, mas infelizmente

menosprezado no Brasil; foi quem introduziu a teoria da personalidade jurídica, no direito

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interno. Assim Requião (1998, p. 347) destaca que Freitas: “[…] apresentou a

regulamentação das pessoas jurídicas, incluindo as sociedades na categoria de pessoas […]”.

O esboço trazia em seu artigo 17 a situação onde prescrevia que as pessoas ou eram de

existência visível, ou de existência ideal, adquirindo os direitos que o respectivo código trazia

regulamentados e na forma que era determinado.

No campo da personalidade internacional, na legislação brasileira há casos que se

pode observar a admissão da personalidade jurídica de direito internacional de forma

implícita. O primeiro exemplo é no Código Civil de 2002 (CC/2002) onde em seu art. 42°

afirma que: “São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas

as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”.

Nesse caso a pessoa jurídica segundo Maria Helena Diniz (2010), pode ser

nacional[7] ou estrangeira, sendo esta pessoa vinculada e subordinada à ordem jurídica que

lhe permitiu a personalidade. E ainda complementa, afirmando que: “sem se ater, em regra,

a nacionalidade dos membros que a compõem e a origem do controle financeiro” (DINIZ,

2010, p. 89).

Sendo assim, possibilitando uma personalidade jurídica internacional de forma

indireta, mais especificamente de forma fragmentada como já destacamos a opinião de

Portela (2016).

Outra questão pode ser levantado do artigo 11° da Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro (LINDB) que diz:

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. § 1o Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira; […]

A regra do caput somente será aplicada para empresas com atividade continua no

Brasil, não sendo levado em conta meras atividades esporádicas. No mesmo sentido

Monaco, Jubilut (2012, p.108) complementam a ideias destacando que:

Tal critério tem respaldo internacional, uma vez que a Corte Internacional de Justiça, ao tratar do caso Barcelona-Traction, entendeu que os Estados que podem conceder proteção diplomática às pessoas jurídicas, e que, portanto, podem ser entendidos como os de sua nacionalidade, são aqueles nos quais a pessoa jurídica se constituiu ou onde está ́a sua sede social.

Sendo assim, seguindo este raciocínio o critério do caput do artigo em analise

garante tanto uma personalidade jurídica internacional como a capacidade internacional

para as empresas transnacionais.

Já em seu parágrafo 1°, o artigo em estudo destaca que caso uma empresa

internacional venha a abrir filial em território brasileiro está deverá ter aprovado seu

estatuto social ou ato constitutivo. Neste caso pode ser observado um caso criação de uma

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nova personalidade jurídica mesmo que controlada pela sua originaria no país estrangeiro[8]

(DINIZ, 2010).

Há ainda os casos na legislação internacional que aceitam tais sujeitos como com

personalidade, no caso do NAFTA (North American Free Trade Agreement) em seu tratado

constitutivos, respectivamente em no capítulo XI, artigo 1.110°:

Article 1110: Expropriation and Compensation: 1. No Party may directly or indirectly nationalize or expropriate an investment of an investor of another Party in its territory or take a measure tantamount to nationalization or expropriation of such an investment (“expropriation”), except: (a) for a public purpose; (b) on a non-discriminatory basis; (c) in accordance with due process of law and Article 1105(1); and (d) on payment of compensation in accordance with paragraphs 2 through 6 […]

Neste artigo o tratado trouxe a questão das expropriações indiretas, que

praticamente lhe deu, de forma “indireta, a condição de sujeito de Direito das Gentes

(MAZZUOLI, 2015). Podendo em casos que surgirem conflitos entre Países e empresas, os

Estados serem acionados no caso de violação desse artigo[9].

As empresas hoje já podem celebrar algumas espécies de instrumentos jurídicos com os

Estados e Organizações Internacionais, que não são considerados tratados, mas contratos,

que são declarações de vontade, emitidas segundo o princípio da autonomia privada pelos

contratantes, na uniformidade com a ordem pública, destinada à regulamentação de

interesses e com intuito de adquirir, modificar ou extinguir direitos relações jurídicas de

natureza patrimonial, ou ainda os instrumentos não vinculantes, como protocolos de

intenções[10].

O que se aproxima bastante do que é o conceito de tratado, que é:

Tratado é todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinados a produzir efeitos jurídicos. Na afirmação clássica de Georges Scelle, o tratado internacional é em sim mesmo um simples instrumento; identificamo-lo por seu processo de produção e pela forma final, não pelo conteúdo. Este- como o da lei ordinária numa ordem jurídica interna- é variável ao extremo. Pelo efeito compromissivo e cogente que visa a produzir, o tratado dá cobertura legal à sua própria substância (REZEK, 2006, p.14).

Como pode se observar comparando os conceitos de tratado internacional e

contrato, é difícil não se observar a linha tênue que existe entre ambos. Dificultando ainda

mais o trabalho daqueles que negam a personalidade jurídica de Direito das Gentes para as

empresa.

Todavia, um ponto ressaltado por aqueles que negam a personalidade jurídica de

Direito das Gentes para as empresas transnacionais é forte, que é a questão da interferência

das empresas no campo do direito internacional público, como será destacado adiante.

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4 IMPORTÂNCIA DA NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DE UMA REGULAMENTAÇÃO

DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS

O grande avanço de uma globalização capitalista é notória no mundo globalizado.

Principalmente na década de 70, sem dúvidas, impulsionado pelo período da política

internacional do Détente, as empresas internacionais começaram o início do fim dos

governos socialistas e que terminou com a Queda do Muro de Berlim (1989).

Assim destaca Cesarino (2012, p. 5):

Deste modo, a partir do início da década de 1990 e com a dinamização dos meios de comunicação, ocorreu a ruptura política e econômica do sistema socialista, e assim abriram-se as portas para uma “contra-revolução” do capitalismo. Esta ação acabou por confirmar o que Marx sinalizava (e condenava) em seus escritos, e possivelmente nunca o capitalismo tenha tido tanto poder de influência na sociedade como nos últimos vinte anos da história mundial contemporânea.

Com suas economias fragilizadas após a mudança de sistema políticos tais nações,

acabaram permitindo a grande proliferação daS empresas em diversos países, que faz com

que os Estados disputem de forma acirrada a estadia dessas empresas em seus territórios,

através de concessões para estas, que as vezes apenas dão vantagens exclusivamente para

as empresas. Como consequência os mercados que antes não eram explorados foram

tomados pelas empresas transnacionais, levando a uma rápida expansão desses

aglomerados empresarias em todo o mundo[11].

Esse fato leva à outro debate que é a exploração dos países subdesenvolvidos

pelas grandes potências. Pois as matrizes de grande parte das empresas multinacionais

localizam-se em países desenvolvidos, uma aliança político-econômica de dependência dois

países pobres para com os ricos. Dependência tão forte que chega ao ponto de alguns países

cederem parte de sua soberania para essas empresas e Estados para terem direito à

abertura de uma de suas subsidiarias, ou por patentes, que as vezes, são cedidas de forma

livre pelas empresas em seus países-cede e que tem altos custos para os explorados

(SARFATI, 2007).

Assim, as indústrias nacionais dos países que sofrem estes tipos de intervenções

acabam não desenvolvendo com força e nem tecnologias que promovam uma livre

concorrência justa. As filiais pertencentes aos países explorados acabam que se tornando

apenas mais uma das etapas no amplo sistema de barateamento dos custos de produção

para favorecerem os países com demanda dos produtos de qualidade e com baixos custos.

Outra questão que encontra-se intimamente ligada ao poder econômico é o poder

bélico. Na tentativa de impor sua força através de seu poder, verdadeiramente estrutural.

Em vários momentos históricos se presencia as variadas tentativas de se implementar este

poder em conjunto com a força militar, seja ela por intervenções armadas ou conflitos de

grande escala[12] (SAFARTI, 2007).

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Outro método utilizado pelas empresas é o poder de brando. Que diz respeito ao

elo de ligação entre a empresas e os clientes, gerado através de meios de ganhar a sua

confiança por meio de sua qualidade no mercado; ou o mais utilizado, que é a criação de

uma marca. A marca acaba que substituindo o próprio produto, ganhando a credibilidade

como consenso na população, e com isto, se sobrepondo a concorrência no mercado

nacional.

A questão da justiça também é dificultada pelas empresas transnacionais.

Principalmente no âmbito das relações internacionais, as empresas, já possuem o poder

suficiente de contrariar organizações como Cruz Vermelha, Nações Unidas ou a Corte

Internacional de Justiça de diversas maneiras. Como na invalidação de tomadas desde a

invalidação de tomada de decisões que sejam desfavoráveis; até na questão da publicidade

de seus dados e informações que, em regra, deveriam ser públicas ou contrariando decisões

judiciais (CESARINO, 2012).

Com o que foi argumentado até este ponto, é certo o raciocínio de que as empresas

transnacionais necessitam de alguma espécie de regulamentação na seara internacional; e a

inclusão desses sujeitos como com personalidade jurídica de direito internacional público é

uma solução lógica.

Um ponto que justifica a personalização das empresas é a da própria preservação

dos Estados. Pois com a tendência cada vez mais evidente de privatização das áreas que

antes eram de competência dos Estados em conjunto com o aumento do poder dos

conglomerados Empresarias[13].

Pois permanecendo como está, não demorará até para que as empresas, como

em alguns países já acontece, principalmente subdesenvolvidos, que as Empresas comessem

a interferir na formação dos ordenamentos jurídicos para que sejam favoráveis a elas,

chegando ao até ao ponto de que o direito das gentes não possam mais impedi-las de

tomarem as rédeas do mundo.

Hoje, grupos de coalizão tanto favoráveis como desfavoráveis a atuação das

Empresas Multinacionais em seus territórios disputam o exercício dos poderes dos Estados.

Quando as atuações são favoráveis, como nos países desenvolvidos, pouca oposição é

encontrada; todavia nestes países quando o bem-estar é diminuído mesmo que

minimamente a oposição surge com grande força.

Nos países em que a intervenção das multinacionais afeta de forma negativa o

bem as políticas de bem estar-social, apesar de seu poder de influenciar, eles encontram

muitos grupos políticos, sindicais, nacionais e etc., que tendem, a mesmo que de forma

mínima, bloquear suas atividades, a nível nacional chegando até o internacional; porém, em

tais casos os grupos de oposição pouco fazem (SAFARTI, 2007).

Para uma melhor compreensão do tema, é válida a exemplificação de ambas as situações a

partir de dois casos significativos.

O primeiro é o caso onde o grupo fundamentalista islâmico Talibã, durante a

guerra do Afeganistão, ajudou os Estados Unidos a expulsarem as tropas soviéticas de seu

país, acabando assim a guerra civil. Posteriormente, após a tomada de poder pelo grupo na

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década 1990, foi imposto um regime radical baseado em um islamismo distorcido na

tentativa de criar-se um Estado teocrático Islâmico.

O outro caso se trata de uma situação semelhante, porém sem bases tão radicais,

que ocorreu nos Estados Unidos. Alguns grupos nacionais organizaram-se para eleger

políticos conservadores e nacionalistas afim de criar uma cultura nacional baseada em um

patriotismo heroico inexistente, com valores cristãos e anglo-saxões. Utilizando-se de uma

segregação racial e cultural, não declarado aos negros e latinos; institucional e preservação

da hegemonia linguística (CESARINO, 2012).

Como se viu, a aversão ao poder das empresas pode ser de forma tão demasiada a

chegar ao ponto de total negação dos avanços tecnológicos, mais ao mesmo tempo se

utilizando destes para ser chegar ao objetivo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existem argumentos tanto para aqueles que são favoráveis quanto os que são

contra a atribuição de personalidade. Os primeiros, destacando que, dada a personalidade

de direito internacional público para tais entes, irá regulamentar a atuação das empresas no

âmbito das relações internacionais, e como consequência, diminuirá a intervenção das

empresas nos campos de competência estatal.

Os desfavoráveis asseveram que com a regulamentação das empresas como um

sujeito dotado de personalidade jurídica de direito internacional público irá ceifar de vez a

existência dos Estados, que hoje já se encontram cada vez mais em crise.

Ambas as correntes opostas anteriormente destacadas possuem argumentações fortes e

justificáveis.

Todavia, mesmo em divergência de opiniões em um detalhe os dois lados

convergem; que é nítida a necessidade de uma regulamentação para as empresas

transnacionais e multinacionais na área do direito internacional.

Este tema ainda é bastante obscuro e por isso requer bastantes debates no campo

legislativo e doutrinário para que se chegue a algum consenso que venham a regulamentar

tais entes para atuarem de forma correta na esfera internacional.

NOTAS DE FIM

[1] “Para essa entendimento, seriam sujeitos de Direito Internacional apenas os Estados

soberanos (Estados), as Organizações Internacionais, os blocos regionais, a Santa Sé, o

Comitê Internacional da Cruz Vermelha, os beligerantes, os insurgentes e algumas nações

em luta pela soberania” (PORTELA, 2016, p.155).

[2] Os indivíduos podem ser responsabilizados por quatro tipos de crimes; crimes de

agressão, crimes contra humanidade strictu sensu, crimes de guerra e crimes contra a paz

(MAZZUOLI, 2015).

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[3] “Recorda-se que o ser humano não pode celebrar tratados e, nesse sentido, as normas

internacionais que lhe dizem respeito continuam sendo criadas pelos Estados e organizações

internacionais. Ao mesmo tempo, suas possibilidades de acesso direto aos foros

internacionais são ainda mais restritos que as dos Estado” (PORTELA. 2016, p.160).

[4] Segundo Mazzuoli (1025, p.83) o conceito de Direito Internacional é: “[…] um conjunto de

regras e princípios que disciplinam tanto as relações jurídicas dos Estados entre si, bem

como destes e outras entidades internacionais, como também em relação aos indivíduos”.

[5] “Poderiam ser considerados sujeitos não formais aqueles que, apesar de se situarem à

margem do Direito Internacional formal, participam de modo não regulamentado da cena

internacional, exercendo certa influência (positiva ou negativa) nas decisões da sociedade

internacional relativamente à ação e tomada de posições em assuntos de interesse global

(MAZZUOLI, 2015, p. 476-477).

[6] “As empresas, também referidas frequentemente como “pessoas jurídicas”, beneficiam-

se diretamente de normas internacionais, a exemplo daquelas que facilitam o comércio

internacional e os fluxos de investimentos. Ao mesmo tempo, têm obrigações fixadas pelo

Direito das Gentes, como os padrões internacionais mínimos, estabelecidos em tratados, em

matérias como trabalho e meio ambiente. Em alguns casos, as empresas têm acesso a

mecanismo internacionais de solução de controvérsias, como no MERCOSUL” (PORTELA,

2016, p. 161).

[7] Para tanto existem várias teorias, cada uma apontando um critério para a determinação

da nacionalidade, pelo estabelecimento de diferentes elementos de conexão. Entre os

principais critérios destacam-se: (i) a sede social – lex societatis; (ii) a nacionalidade dos

sócios; (iii) a nacionalidade dos diretores e gerentes; (iv) o local da subscrição do capital; (v)

local da exploração da atividade principal; (vi) local da constituição; (vii) domicílio social e

(viii) local da direção efetiva (MONACO; JUBILUT, 2012, p. 107).

[8] Nesse mesmo sentido, foi elaborado instrução normativa n° 7 de dezembro de 2013, pelo

Diretor do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) que Dispõe sobre os

pedidos de autorização para nacionalização ou instalação de filial, agência, sucursal ou

estabelecimento no País, por sociedade empresária estrangeira. Alterada pela Instrução

Normativa DREI nº 25, de 10 de setembro de 2014. Disponível em:

<http://drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/pasta-instrucoes-

normativas-em-vigor-04/in-07-2013-alterada-pela-in-25-2014.pdf>. Acesso em: 2 de mai. de

2017.

[9] O famoso caso da empresa norte-americana Metalclad Corporation versus Estados

Unidos Mexicanos, é um bom exemplo sobre a personalidade jurídica das empresas. Onde a

corporação ganhou uma ação na justiça contra o México por violar as normas sobre

investimento estabelecidas no capítulo XI do NAFTA, sendo condenado a pagar o valor de

18.68 bilhões de dólares. Disponível em: <http://www.italaw.com/cases/671>. Acesso em:

13 de abr. 2017.

[10] Nos Estados Unidos, o Judiciário tem conhecido ações apresentadas por cidadãos de

outros países contra EM’s. Eles pleiteiam reparações de danos causados por violações de

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direitos humanos perpetrados por subsidiárias de EM’s americanas em outros Estados,

utilizando como fundamento jurídico o Alien Torts Claim Act (ATCA).

[11] O ex-Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, já afirmou diversas vezes sua opinião sobre o

crescimento dessas empresas, tanto em poder econômico como político; tornando-se cada

vez mais independentes e até mais poderosas que alguns Estados (RIBEIRO, 2007).

[12] Outra estratégia institucional usada em escala global, associada ao poder brando das

EMNs, é direcionar recursos para a filantropia2. Segundo Rondinelli (2002, p. 394), as EMNs,

juntamente com ricos executivos, têm cada vez mais assumido o papel público de

fornecimento de ajuda internacional através do desenvolvimento de programas

filantró­picos. Ainda, segundo o mesmo autor, as empresas são hoje responsáveis por cerca

de 87% da ajuda aos países pobres, com cerca de US$ 296 bilhões. São numerosos os

exemplos de filantropia apoiados pelas EMNs, dos quais se pode citar: a parceria Coca-Cola e

Rotary Internacional, para ajudar o governo da Índia a imunizar a população contra a

poliomielite; e o fundo da Nokia, de US$ 11 milhões, montado com a ajuda de seus

empregados voluntá­rios, para ajudar a ensinar crianças com dificuldade de aprendizado na

África do Sul, China, México, Brasil, Inglaterra e Alemanha (RONDINELLI, 2002, p. 395. IN:

SAFARTI, 2007, p. 120).

[13] Há atitudes sendo tomadas, dentre elas destaca-se o trabalho da Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em conjunto com diversas ONG’s e EM’s

para a elaboração de Códigos de Conduta aplicáveis a essas empresas. Esses Códigos

consistem em um conjunto de diretivas e princípios – inspirados no Global Compact criado

pela ONU31 – que devem ser observados tanto pela matriz quanto pelas subsidiárias

espalhadas pelos países. Contudo, têm caráter recomendatório, isto é, sua observância não

é exigida (RIBEIRO, 2007, p. 867- 868).

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É O BRASIL UM GLOBAL PLAYER OCEÂNICO? UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO

BRASILEIRA NOS OCEANOS ATRAVÉS DO COMPLEXO DE REGIMES

IS BRAZIL AN OCEANIC GLOBAL PLAYER? AN ANALYSIS OF THE BRAZILIAN

ACTING IN OCEANS THROUGH THE REGIME COMPLEX

Igor Magri de Queiroz19

Resumo: Há uma corrida por recursos em direção aos Oceanos. Isto é preocupante os

impactos causados, já que qualquer mudança brusca nesse sistema complexo pode trazer

consequências irreversíveis. Nesse sentido, a Agenda 2030 deu visibilidade às questões

oceânicas, estabelecendo no seu Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 uma agenda

voltada aos Oceanos. Assim, um novo ímpeto se dá em direção ao uso sustentável dos

Oceanos. Entretanto, alguns Estados atualmente são mais preponderantes nessas questões

do que outros. Isto é mais visível nas Zonas Além das Jurisdições Nacionais (ZAJN) – onde

Estado algum possui jurisdição e cuja governança se apresenta como fragmentada e

complexa, por conta da falta de um instrumento internacional compreensivo e sobreposição

de regimes. A atuação nas ZAJN depende principalmente de um fator, isto é, a detenção de

tecnologias capazes de permitirem a exploração nessa área. Portanto, essa pesquisa

pretende entender a posição do Brasil em relação às ZAJN nesse contexto de corrida para os

Oceanos. Tem-se como pergunta central a questão: o Brasil é um global player no complexo

de regimes para a ZAJN? Para tanto, a partir de uma pesquisa bibliográfica, discutir-se-á a

questão da Governança Global dos Oceanos, no escopo maior da Ordem Ambiental Global,

argumentando que ela deve tratar diversos regimes que se sobrepõem, que formam um

Complexo de Regimes nas ZAJN. A análise do Brasil nesse Complexo se dar através dos

regimes de Bioprospecção, Mineração e Pesca. Os resultados indicam que o Brasil não é um

global player oceânico, pois, faltam capacidades de atuação, principalmente tecnológicas.

Palavras-chave: Governança Global do Oceanos; Global Player Oceânico; Zona Além da

Jurisdição Nacional; Oceanos.

Abstract: There is a race for the Oceans. This is a pressing issue, much because any sudden

change in the complex system is likely to produce irreparable consequences. In this sense,

the 2030 Agenda is giving visibility to ocean issues, mostly visible in its Sustainable

Development Goal 14 – Life Below Water. However, some States are more preeminent than

others. This is more clear to see in the Areas Beyond National Jurisdiction (ABNJ) – where no

State has jurisdiction and its governance is fragmented and complex, that is because there is

no comprehensive international treaty but there is an overlap of regimes. The State

performance in the ABNJ depends mostly on one factor, that the holding of technologies

19

Graduando em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB).

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enables the exploration in this area. Thus, this research intends to understand the Brazilian

position in relation to the ABNJ in the context of the race to the Oceans. As a research

question, we ask ‘is Brazil a global player in the complex of regimes of the ABNJ’? In order to

achieve it, through a bibliographical research, we discuss the Ocean Global Governance, in

the scope of the Global Environmental Order, arguing that it should deal with the overlap of

regimes, and hence form a Complex of Regimes in the ABNJ. The analysis in this Complex will

comprise the Bioprospecting, Mining and Fishing regimes. The results show that Brazil is not

an ocean global player, primarily because it lacks technological capacities to perform

adequately.

Keywords: Oceans; Ocean Global Governança; Ocean Global Player; Areas Beyond National

Jurisdiction.

1 INTRODUÇÃO

A agenda global de desenvolvimento tem evoluído e abarcado cada vez mais novas

problemáticas. O ano de 2015 é o marco para o fim dos Objetivos do Milênio e o começo

para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Desta vez são 17 objetivos, muito

mais abrangentes. Tendo em vista o objetivo 14 – vida abaixo d’água, ou melhor, Conservar

e Usar de Forma Sustentável os Oceanos e os Recursos Marinhos para Assegurar um

Desenvolvimento Sustentável, essa pesquisa tangencia esse objetivo ao tratar da atuação

brasileira nas questões oceânicas e a governança global ao seu redor. Os oceanos cobrem

cerca de 70% da superfície da Terra e é onde está localizada 97% da água do planeta, além

disso, cerca de 3 bilhões de pessoas dependem dos recursos retirados dos oceanos para a

sua sobrevivência. Mais do que isso, os oceanos são uma importante fonte para a segurança

alimentar, sendo uma das fontes mais promissoras de proteína de fonte animal, e da

segurança climática, pois funcionam como o maior sequestrador de carbono. Ainda, os

oceanos são fonte de riquezas naturais e biológicas, com uma capacidade “crescimento azul”

gigantesco, tendo em conta seu “produto marinho global” de 2,5 trilhões de dólares cada

ano, em que mais de dois terços dependem diretamente de condições saudáveis dos

oceanos, de acordo com o relatório “Reviving the Ocean Economy – The Case for Action

2015” da World Wild Life. Ou seja, os oceanos são fonte e vetor para o desenvolvimento.

Desta forma, os impactos das ações humanas têm sido sentidos cada vez mais

distantes de seu local de origem. Onde antes não se via conexões entre acontecimentos, já

se percebe a interconectividade e complexidade das realidades experienciadas, mesmo

separadas por um Oceano de distância. De fato, os efeitos da globalização se imiscuem nas

diversas áreas – não só – humanas, até mesmo na maneira de se encarar o mundo. É nesse

âmbito que uma agenda vem tomando espaço e adquirindo um campo de estudo bastante

amplo, principalmente nas Relações Internacionais: a questão do meio ambiente. Na

disciplina, essa preocupação adquiriu uma atenção fecunda, que possibilitou a criação de

abordagens e teorias para tratar dos problemas ambientais, muitas vezes globais por seus

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efeitos. Entretanto, esses estudos sozinhos não foram (nem são) capazes de lidarem e

resolverem as dificuldades dos seus objetos de pesquisa. Foram, porém, capazes de indicar

caminhos para análise e lacunas a serem preenchidas por pesquisas futuras.

Uma das lacunas apontadas, portanto, é justamente a questão da Governança

Global dos Oceanos (GGO) para as zonas além da jurisdição nacional (ZAJN), principalmente

dada a sua importância ecológica, já que essa área cobre cerca de 60% da superfície

terrestre, compondo um sistema marinho rico em recursos naturais vivos e não-vivos,

conhecidos e desconhecidos. Assim, tendo em vista o debate acerca da definição de

“governança global”, dado a ascensão de novos players que questionam a ordem vigente,

esta ordem caracterizada principalmente por termos da OCDE (Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico) (RÖHRKASTEN, 2014), a pesquisa se propõe a

entender a posição do Brasil nesta ordem, especificamente na questão dos oceanos.

Attravés da análise da sua inserção no complexo de regimes que compõe esta governança, a

pesquisa se propõe a responder a seguinte questão: o Brasil é um global player no complexo

de regimes para a ZAJN? Para responder à pergunta, o estudo foi feito a partir de uma

análise de dados de natureza qualitativa, que foram obtidos por meio de um levantamento

bibliográfico.

Desta forma, o artigo estará dividido em duas partes. Na seção um, a proposta é

revisitar a questão da Ordem Ambiental Global (OAG), com o enfoque na (a) problemática

oceânica das ZAJN, e (b) a sua dinâmica através do aporte teórico trazido pela teoria dos

regimes internacionais. Já na segunda seção, o foco cairá sobre o Brasil como ator global,

investigando (a) a existência de seu papel de player ambiental global e/ou (b) de player

global oceânico.

2 ORDEM AMBIENTAL GLOBAL: O CASO DAS ZONAS ALÉM DA JURISDIÇÃO NACIONAL

Como parte do processo de globalização, isto é, um processo histórico que envolve

uma transformação profunda, ou mudança fundamental, na escala espacial da organização

social, de modo a conectar comunidades e expandir as relações de poder entre as diversas

regiões e continentes (BAYLIS, et al., 2008), a OAG se difere da sua predecessora, a ordem

internacional1. Segundo Myint (2011), o processo de globalização leva em conta o bem ou

mal comum da humanidade em geral, enquanto que a internacionalização é liderada por

conta dos interesses nacionais ditado principalmente por Estados poderosos.

Desta forma, apesar da internacionalização se referir a um aumento da

interdependência, a sua ideia central é que o seu processo se mantenha entre as fronteiras

das unidades nacionais, diferentemente da globalização, em que a distinção entre o

doméstico e o externo se confunde (BAYLIS, et al., 2008). Portanto, de acordo com Hurrel

(1999), pensa-se cada vez mais que a ordem “envolve a criação de normas internacionais

que afetam profundamente as estruturas e a organização domésticas dos Estados, investem

indivíduos e grupos de estados de direitos e deveres, além de buscarem incorporar alguma

noção de bem comum global”. Entretanto, essa ordem global não é necessariamente

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universal, fato demonstrado pelo estudo de Boulet et al. (2016). A partir de uma análise de

Acordos Ambientais Multilaterais (AAM) – convenções, protocolos, acordos, tratados, etc. –

ratificados durante 35 anos (1979-2014), os autores apontam que, devido a participação de

alguns Estados mais que outros, principalmente da União Europeia e seus Estados-membros

nos anos 90, a OAG possui uma característica forte ocidental liberal.

Uma pergunta surge: como lidar com os problemas ambientais globais? A próxima

subseção tratará deste tópico, com o enfoque na questão dos oceanos.

2.1 A Governança Global dos Oceanos

Objeto de discussões entre cientistas, questiona-se a existência de uma nova época

geológica, o Antropoceno, onde atividades humanas seriam o motor para as mudanças

ecológicas globais (MONASTERSKY, 2015; ROCKSTRÖM, 2009). Por exemplo, o estudo de

Speth e Haas (2006) aponta quatro tipos de desafios ambientais globais criados pelas

sociedades humanas: 1) abuso dos bens comuns – as zonas além da jurisdição nacional,

incluindo, por exemplo, o alto mar e a alta atmosfera; 2) poluição transfronteiriça

generalizada, assim como interferências em corredores ecológicos e apropriação de recursos

hídricos compartilhados; 3) ecossistemas nodais – aqui existe um grupo de atividades que

ameaçam bens de preocupação de governos e pessoas estrangeiras à “nacionalidade” onde

essas ameaças podem acontecer, sendo as florestas globais um exemplo; 4) problemas

estritamente locais ou nacionais que, entretanto, são tão compartilhados que os Estados

decidem resolvê-las conjuntamente, principalmente por conta da troca de informações.

Desta forma, como regular, proteger, conservar, conhecer, governar, etc., o meio ambiente

globalmente? Através da Governança Ambiental Global.

Com o relatório do Banco Mundial de 1989, o termo governança global, que

basicamente garante que um mundo formado por Estados soberanos governe sem um

governo, passa a se tornar legítimo no meio acadêmico e a evoluir com o passar do tempo,

tendo marco transformatório a Comissão Sobre Governança Global, com o seu relatório Our

Neighborhood (GONÇALVES, 2013; GONÇALVEZ, COSTA, 2011). Assim, governança global

inclui ações governamentais e processos, formais e informais, os quais comunidades utilizam

em seus interesses comuns, englobando o agir coletivo – sendo a governança global

ambiental a área de intersecção entre a política ambiental global e a governança global

(SPETH; HAAS, 2006). Portanto, a governança global é uma ordem intencional ao nível global

que limita e define as expectativas dos atores numa determinada área – neste estudo,

ambiental e oceânica –, criando um sistema de regras legítimas, que variam no grau de

institucionalização (BIERSTEKER, 2009). Desta forma, a importância da existência governança

é a mitigação da incerteza, que para o meio ambiente podem ser trágicas e irreversíveis.

Winchester ilustra bem esse ponto ao dizer que “if human institutions fail to act, the planet’s

natural systems will no doubt self-regulate, with unknown and potentially catastrophic

consequences” (2009, p. 17).

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Retomando a questão do Antropoceno, certos autores defendem que seu início

estaria na mesma época das negociações da III Conferência das Nações Unidas sobre o

Direito do Mar de 1973, culminando na CNUDM de 19822 (BARROS-PLATIAU, 2015). É neste

ínterim que surge a Governança Global dos Oceanos (GGO), isto é, a intersecção da política

ambiental oceânica e a governança global. Num planeta em que os oceanos cobrem cerca

70% da superfície terrestre, uma categoria analítica para esse assunto se torna

imprescindível, dado que a regulação desse bem global é complexa e fragmentada. Seguindo

o pensamento de Alfaia Júnior (2014, p. 79), a “fragmentação pode ser conceituada a partir

de uma concepção biológica, significando no campo da genética uma ‘fragmentação

cromossômica’ resultante de uma ‘ação externa’. Igualmente o conceito relaciona-se à

complexidade das questões e dos atores”. Assim, o autor esclarece que a fragmentação é o

processo relacionado aos

discursos ou “atos de fala” que compõem a diversidade temática própria da área ambiental. As incertezas científicas inerentes ao meio ambiente induzem os atores a, cada um a sua maneira, interpretar a realidade de acordo com suas experiências e práticas, fragmentando os discursos securitários e buscando legitimar – de forma unilateral – o que entendem por ameaças na área ambiental. Esse processo geralmente ocorre dentro de um nível mais elevado da unidade de análise estatal, os regimes e comunidades epistêmicas, que, por sua vez, influenciam o âmbito multilateral, mas sem uma hierarquia totalmente definida e mais porosa. Resulta daí uma série de iniciativas multilaterais, pouco coordenadas, cada uma com foco específico para um problema ambiental, o que conduz à atual superposição de normas e aprofunda a fragmentação (ALFAIA JÚNIOR, 2014, p. 79).

Tem-se em conta que para uma efetiva governança, o foco em uma só escala

(global, regional, local) não é suficiente, já que “many local interactions are caused by trends

and interactions at higher levels, which they in turn influence” (VAN DEN HOVE; MOREAU,

2007, p. 56). Assim se considera importante a participação e emergência de atores não-

estatais para construção e funcionamento da GGO. Isto é demonstrado pelo caso da

proposta originária do World Wildlife Fund (WWF) sobre a implementação da Área Marinha

Protegida (AMP) na Zona de Fratura Charlie-Gibbs, que foi levada a cabo no âmbito da

Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (OSPAR, sigla em inglês)

(FREESTONE, et al., 2014). Apesar disso, o estudo considera o papel estatal também

importante e essencial, demonstrado pelo mesmo exemplo anterior, pois mesmo que a

sugestão tenha vindo de uma ONG (Organização Não Governamental), o papel do Estado,

especificamente a Holanda – um lead state (SPETH; HAAS, 2006) –, em apoiar, defender e

convencer outros – Alemanha, França e Portugal – da importância da agenda, se tornou

imperioso para a implementação da AMP (FREESTONE, et al., 2014).

Entrentanto, a GGO apresenta-se como complexa e fragmentada e por esse motivo,

constata-se lacunas na sua atuação3. Mesmo assim, ela deve lidar com três grandes

desafios: 1) a ação antrópica predatória, principalmente para as ZAJN; 2) coordenação entre

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as escalas de atuação; 3) manejo das conexões entre os sistemas naturais (ZONDERVAN,

2013). Portanto, concorda-se que o “concept of ocean governance is defined not only by

institutions, but also by diverse actors or stakeholders, rules and processes in ocean

management, and mechanism to solve conflicts of interest” (REPETTO, 2005, p. 18). A

próxima subseção, portanto, tratará da questão que trespassa todos esses desafios: as Zonas

Além da Jurisdição Nacional.

3 ALÉM DA JURISDIÇÃO DOS REGIMES INTERNACIONAIS: O COMPLEXO DE REGIMES

O Produto Marinho Bruto anual está na faixa de 2.5 trilhões de dólares, sendo que

três terços desse montante, para serem produzidos, demandam em condições saudáveis

para o crescimento “azul” (HOEGH-GULDBERG, 2015). Na corrida contínua para o mar, ondas

de interesse levaram a um excessivo uso dos recursos do mar (BARROS-PLATIAU, 2015). De

fato, isso ocorre em grande escala para as Zonas Além das Jurisdições Nacionais, Freestone

(2011, apud Freestone 2012) aponta algumas ameaças decorrente desse uso.

Primeiramente, as ZAJN cobrem grande parte do planeta terra e não se pode pensar nelas

como um deserto gelado e escuro (SCOVAZZI, 2013), diversas formas de vida, de

comprovado uso biotecnológico, vêm sendo descobertas em lugares antes pouco estudados,

como as fontes hidrotermais que, aliás, são ricas em minérios, como ouro. Depois, a

demanda por pescado tem aumentado, pressionando estoques em lugares cada vez mais

distantes, assim como espécies frágeis – o caso mais típico é o do peixe relógio, cuja idade

de maturação sexual deve ser cerca de 30 anos, logo, muito dificilmente reproduzindo de

modo frequente, fazendo com que a sua exploração deixe a espécie em vias de extinção.

Dados da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento

(UNCTAD, sigla em inglês) apontam que em 2013 o total de exportação mundial de peixes e

produtos pesqueiros foi estimado em 136 bilhões de dólares, um aumento anual de 12% nos

dez anos anteriores, sendo grande parte (75%) da destinação desses produtos para os países

desenvolvidos (UNCTAD, 2014). Já os dados da FAO apontam que a capturas de peixes

permaneceram relativamente estáticas desde 1980, sendo a aquicultura responsável por

grande parte da oferta de peixes para consumo humano (FAO, 2016), entretanto, ao olhar

para os estoques de peixes os dados se tornam preocupantes. Dos estoques de 2013, 58,1%

estavam totalmente explorados, enquanto somente 10,5% contavam como subexplorados

(FAO, 2016).

Além disso, outras atividades humanas têm aumentado consideravelmente, tal

como o aumento do transporte marítimo. Isso se demonstra pelo fato de que olhando

somente para o número de barcos pesqueiros, em 2014, existiam cerca de 4,6 milhões,

sendo sua distribuição geográfica a seguinte: Ásia com 75%, África 15%, América Latina e

Caribe 6%, América do Norte e Europa 2% (FAO, 2016); já a frota de comércio mundial

consistia em 89.364 barcos, sendo em ordem decrescente os países com as maiores frotas:

Grécia, Japão, China, Alemanha e Singapura (UNCTAD, 2015). Também é calculado que cerca

de 80% da troca de mercadorias mundial se dá por vias marítimas (UNCTAD, 2015).

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Desta forma, os Oceanos são arena de várias das relações humanas, palco de

interesses coletivos e individuais, passível de ação coletiva, principalmente as ZAJN –

patrimônio comum da humanidade (PCH) –, por esse motivo, a adoção de regras comuns se

faz necessário: estas são os regimes internacionais (MORIN, 2015). Em uma definição mais

clássica, Stephen Krasner define regimes internacionais por “principles, norms, rules, and

decision-making procedures around which actor expectations converge in a given issue-

area” (1982, p. 185).

Morin (2015) ajuda a entender o significado desses regimes: eles funcionam como

variáveis intermediárias, isto é, de um lado elas refletem as estruturas – tal como a

distribuição de poder e ideias –, do outro elas afetam e constrangem as ações dos agentes,

dando margem para previsibilidade ao diminuir as incertezas; ainda, o autor reforça para

que não se confunda organização com a instituição dos regimes internacionais. Por exemplo,

no caso das florestas, existe um regime internacional desenvolvido por atores não estatais4,

porém, não há um instrumento do direito público internacional (MORIN, 2015).

É notável que a teoria passou por um processo de evolução desde a clássica

definição de Krasner5, há mais de 30 anos, em que novas abordagens surgiram, como a de

Keohane e Victor (2011), que revisitam a questão sob o conceito de complexo de regimes,

que será utilizado no estudo para entender a dinâmica institucional da GGO e o papel do

Brasil.

Para os autores de acima, o complexo de regimes está localizado em um continuum,

onde em um extremo estão instituições reguladoras internacionais abrangentes, e no outro,

arranjos altamente fragmentados, sendo que entre esses polos estão localizados os

complexos de regimes, que são “loosely coupled sets of specific regimes […], marked by

connections between the specific and relatively narrow regimes but the absence of an

overall architecture or hierarchy that structures the whole set. ” (KEOHANE; VICTOR, 2011,

p. 7-8). É interessante notar que Orsini, et al. (2013), relembram que em um complexo de

regimes os princípios, normas, regras e procedimentos sempre exibem um grau de

divergência com os seus regimes de base, sendo assim, a análise de regime é mais

recomendável para o estudo dos efeitos de um regime. Entretanto, o objetivo com o uso do

complexo de regimes para a Zona Além da Jurisdição Nacional neste estudo, após as 200

milhas, ou até depois de 350 milhas, no caso de extensão aprovada pela Comissão de Limites

da Plataforma Continental, é analisar a possível inserção brasileira como global player, ideia

que será desenvolvida na seção 2.

Ademais, o complexo de regimes pode ser construído cobrindo diferentes setores,

funções, áreas, ou mesmo lidando com diferentes categorias de atores internacionais

(ORSINI, et al., 2013). Por questões de escopo e espaço do estudo, serão escolhidos três

regimes internacionais que compõem o complexo de regimes para as ZAJN. Serão os regimes

base: bioprospecção, pesca e mineração dos fundos marinhos. A escolha desses regimes se

dá por eles envolverem atividades mais básicas e/ou promissoras para as ZAJN. Nota-se,

entretanto, que o complexo é constituído por uma gama muito maior de regimes, tais como

os regimes para a mudança climática; a segurança; a navegação; a biodiversidade; etc. Nota-

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se também que a CNUDM é a instância na qual todos os regimes partem e/ou convergem,

não à toa alguns autores a chamam de Constituição dos Mares, sendo bastante importante

para o estado atual e futuro da GGO.

Para a bioprospecção um problema surge: não há um framework legal específico

para tratar dessa questão, nem na CNUDM, nem na Convenção sobre a Diversidade

Biológica, já que quando se negociava a CNUDM somente os recursos não vivos estavam na

mesa de negociação, o que resulta hoje que o regime de patrimônio comum da humanidade

não englobe os recursos não minerais da Área6 (SCOVAZZI, 2011). Tanto é que por esse

motivo que interpretações, como a dos EUA no BBNJ working group7, surgem para tentar

lidar com essa lacuna, afirmando que os recursos genéticos da ZAJN estão sob o princípio de

liberdade no alto mar, garantido pela CNUDM em seu art. 87, de modo que isso significaria

acesso e exploração irrestritos (WRIGHT, et al., 2014). Entretanto, da mesma forma que o

PCH não engloba os recursos não minerais, o regime de liberdade no alto mar não engloba

os recursos genéticos por razões cronológicas, já que os termos “bioprospecção” e “recursos

genéticos” nem são citados na CNUDM (SCOVAZZI, 2011). Mesmo assim, a CNUDM prevê

certos mecanismos que se aplicam aos recursos genéticos, ligados principalmente a

mineração, como a pesquisa científica marítima, a proteção de patrimônio cultural

subaquático e a preservação do meio ambiente marinho (SCOVAZZI, 2011).

Interessante notar que a bioprospecção, isto é, a busca por recursos genéticos de

valor comercial localizados na Área, pode ser visto como pesquisa científica marinha –

apesar da CNUDM não defini-la, de modo que os estados são obrigados a contribuir para a

humanidade como um todo pelo benefício obtido (SCOVAZZI, 2011). Ademais, por esse tipo

de biotecnologia ser de alto risco “it typically takes 15 years overall, and an investment of up

to US$ 1 billion, to go from research to commercial product […]. As a result the field is

dominated by relatively few nations.” (GLOBAL OCEAN COMISSION, 2013, p. 3). A taxa de

sucesso é extremamente baixa, beirando o 1 entre 250 mil amostras para o

desenvolvimento de uma nova droga (JUNIPER, 2013).

Já a pesca é fator de otimismo e preocupação. Se por um lado, pensa-se na pesca

como uma maneira de prover proteína animal para uma demanda crescente, do outro, os

impactos – como é o caso da pesca de arrasto e superexploração dos estoques de peixe –

deixam margem a preocupações ambientais, já que há muito a ser conhecido. Por exemplo,

Juniper (2013) aponta que das cerca de 1.750.000 espécies catalogadas, somente 14% delas

são de origem marinha. De qualquer forma, duas são as maneiras nas quais a pesca é

regulada nas ZAJN: através das Organizações Regionais de Gestão de Pesca (ORGP) e através

de um Estado de bandeira (flag state) de navio comercial, no qual navios registrados em

certo Estado devem que cumprir as leis da origem da licença, o que os autoriza a realizar

pesca nas ZAJN (DRUEL, et al., 2012). Contudo, a falta de uma definição clara para a ligação

com um Estado facilitou as bandeiras de conveniência (flags of convenience) (DRUEL, et al.,

2012), que é o caso quando o registro do navio é liberado de maneira fácil e com pouca

fiscalização, sendo o caso mais clássico o Panamá8. Isto faz com que navios não cumpram

determinadas regras (ambientais, laborais9, de manutenção, entre outras), navegando nos

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altos mares depredando e dificultando a GGO, pois problemas com pesca ilegal, não

declarada e não regulamentada (INN), por exemplo, acabam tendo, em certa parte, como

origem as bandeiras de conveniência.

Já a mineração para as ZAJN é tida com base no princípio de patrimônio comum da

humanidade. Para Soares (2014, p. 291), a “Área não constitui […] um “bem público”, uma

vez que não se dá liberdade de acesso a seus recursos”, tendo em vista que a definição do

termo10 proíbe a apropriação dos recursos. Ainda, o autor explica que o PCH é ao mesmo

uma negativa e asserção de direitos, isto é, para a negativa “a Área não está sujeita a

pretensão de soberania em direito público nem a apropriação em direito privado”, ao passo

que a positiva, apesar dos Estados participarem da gestão e regulamentação das atividades

realizadas na Área, será através da maquinaria internacional onde essas faculdades serão

exercidas (SOARES, 2014). Ou seja, é a partir da Autoridade Internacional dos Fundos

Marinhos que os benefícios deverão ser compartilhados. Por fim, o mecanismo o qual a

Autoridade exerce suas atividades na Área foi denominado Empresa, a mesma que concede

as autorizações para os Estados atuarem no leito marinho, sendo que ao enviarem seus

pedidos, a Autoridade “designa uma superfície perfeitamente identificada por coordenadas

dividida em duas partes de valor econômico equivalente. Uma dessas partes será operada

pela Empresa”, pois, caso contrário, “esta seria mais simbólica do que real” (SOARES, 2014).

Explicitado o complexo de regimes escolhido e seus processos, a próxima seção

tratará da inserção brasileira neste interim.

4 O LUGAR DO BRASIL

O Brasil nunca esteve longe do mar, e o fato de cerca de 80% da sua população

viver em uma distância até 200 km da costa demonstra isto. De fato, a participação do Brasil

em regimes ambientais está ligada à sua condição de país emergente, soberano de grandes

riquezas naturais (BARROS-PLATIAU, 2010)11. A seção buscará trabalhar a sua atuação nos

regimes.

Parafraseando Hakim (2010, p. 49 apud MOURÓN; ONUKI, 2015), o lugar do Brasil

não é fácil de explicar. Porém, não impossível. De acordo com Ramalho (2016, p. 43-45), o

Brasil possui uma visão de governança global, sendo que se ela pudesse ser materializada

“the country would have a political role in international affairs in the coming years”, o que

revela uma “conservative approach, privileging sovereign states in international relations to

the detriment of non-state agents”, sendo a mudança nessa governança uma necessidade.

Dessa forma, o Brasil se vê como um ator para essa mudança, de modo que ele usaria da sua

credencial diplomática tradicional para oferecer estabilidade, tanto econômica como

política, através de instituições internacionais, acordos regionais e multilaterais, para

melhorar a efetividade das instituições multilaterais (RAMALHO, 2016). Isso se liga às ideias

de Flemes (2010), ao caracterizar o Brasil como potência intermediária, isto é, Estados que

não são grandes potências, mas tem influência internacional, de maneira que a sua meta se

torna a criação de uma estrutura comum de regras e instituições de governança global,

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criando uma ordem de potências intermediárias em que o processo de tomada de decisão é

baseado nessas regras. Portanto, o Brasil ao procurar ser um papel político mais importante

no futuro, ele tenta através de uma multiinstitucionalização (Cone Sul, Unasul, Mercosul,

Conselho de Defesa Sul-Americano, etc.) controlar as contestações de sua liderança regional,

já que “uma América do Sul comparativamente estável pode ser um trampolim em direção a

um status autônomo de grande potência” (FLEMES, 2010). No entanto, esse papel de

liderança regional não é consensual, nem na realidade política, nem no meio acadêmico. O

estudo de Mourón e Onuki (2015) demonstra isso ao apontar três vertentes: os céticos, os

moderados e os otimistas. O primeiro grupo rechaça a ideia de liderança regional,

considerando-a muito apressada; o segundo grupo vê no governo a vontade de tornar o país

num líder, tendo o processo de consolidação avançado e recuado em certos aspectos, sendo

que a sua posição continuaria a definir; já os últimos veem que o país possuiria poder

material, vontade política e consenso para assumir a liderança. Para os autores, a liderança

brasileira seria situacional, isto é, o Brasil teria a capacidade de atuação em determinadas

oportunidades para estruturar e reorientar a ordem política vigente, sendo capaz de guiar os

seguidores em momentos críticos, seja por meio de organismos reforçados por ele próprio,

seja por mediação direta (MOURÓN; ONUKI, 2015).

Já em relação aos interesses para o mar, domesticamente, o Brasil possui uma

Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM), de 2005, porém contando com uma

história anterior a ela. Atualmente, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar

(CIRM), liderada pelo comandante da Marinha, a Autoridade Marítima, é quem coordena os

assuntos relativos a consecução da PNRM. Atualmente, a CIRM coordena uma vasta gama de

programas e ações que tangem várias facetas dos Oceanos, são: Programa Antártico

Brasileiro (PROANTAR); o PNRM, – que se desdobra no Plano Nacional de Gerenciamento

Costeiro (PNGC), no Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC) e

no Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM), tendo vigência plurianual e conduz

programas e ações, que são ligados ao Plano Pluriannual da União (PPA) e seu orçamento.

Entretanto, a CIRM e seus programas vem sofrendo com cortes de orçamento, como se

percebe pelo “Relatório Sintético das Ações do PPG-Mar (Formação em Recursos Humanos

em Ciência do Mar): janeiro a abril de 2016”:

Se 2015 foi um ano que em parte frustrou os integrantes do PPG-Mar, assim como a comunidade acadêmica deste domínio, é preciso ter claro que o novo ano será crucial para a continuidade de suas atividades. […] Nada disso será possível, no entanto, se os recursos financeiros necessários não forem disponibilizados em tempo hábil, comprometendo o objetivo maior de reconhecimento das Ciências do Mar como uma área com identidade própria, e crucial para o futuro do país, que vem sendo perseguido nos últimos anos (SUBCOMISSÃO PARA O PLANO SETORIAL PARA OS RECURSOS DO MAR, 2016, p. 10).

De qualquer maneira, dois são os programas cuja atenção é voltada para ações

além da jurisdição nacional: o PROANTAR, estabelecido em 1982, e o Prosperação e

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Exploração de Recursos Minerais da Área Internacional do Atlântico Sul e Equatorial

(PROAREA). E, de certa forma, também o Plano de Levantamento da Plataforma Continental

Brasileira, que estuda a possibilidade de expansão da PC sobre a atual Área.

Além disso, há um conceito central para projeção internacional futura do Brasil nas

questões oceânicas: a Amazônia Azul (BARROS, 2015), patenteada em 2010. Cunhada pelo

almirante Roberto de Guimaraes Carvalho, o conceito se refere a região marítima brasileira,

tanto o leito marinho como a coluna d’água, comparável a Amazônia Legal (Verde). Se

tornou de tão grande importância que mesmo a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro

Branco de Defesa fazem referência a ela.

5 PLAYER OCEÂNICO GLOBAL

5.1 Bioprospecção

Uma das atividades mais promissoras, porém, de longo termo e alto risco, é a

exploração dos recursos genéticos marinhos. A controvérsia acerca da sua regulação já foi

explicada acima.

Para a pesquisa de bioprospecção em alto mar, dois requerimentos básicos acabam

surgindo: embarcações capazes de fazer pesquisa em alto mar, de cerca de 60 metros, e

capacidade em catalogação de espécies (JUNIPER, 2013). Com o problema da indústria naval

brasileira – que será tratada abaixo –, o Brasil deveria recorrer ao aluguel desses navios caso

queira fazer esse tipo de pesquisa, no entanto, a sua diária pode chegar a cerca de 80 mil

dólares (GLOBAL OCEAN COMISSION, 2013). Arruda (2014, p. 42) nota o peso do fretamento

de navios para o comércio exterior brasileiro: “Em 2013, as despesas com fretes marítimos

chegaram a US$ 28 bilhões […]. Ademais, nos últimos 4 anos, esse custo do frete marítimo

internacional teve um aumento de 82%, sendo responsável por cerca de 6% do total do

comércio exterior”. Além disso, é interessante notar que as maiores embarcações de

pesquisa são de países detentores de tecnologias mais desenvolvidas – Rússia, União

Europeia e Estados Unidos ocupando os 3 primeiros lugares, respectivamente –, sendo que o

Brasil não aparece no pódio dos 13 primeiros (JUNIPER, 2013). Além disso, um estudo de

2011 apontou que as reivindicações de patentes também estão concentradas nos países

desenvolvidos, sendo 90% dos países detentores dos pedidos, são: EUA (199), Alemanha

(149), Japão, (128), França (34), Reino Unido (33), Dinamarca (24), Bélgica (17), Holanda (13),

Suíça (11), Noruega (9) (JUNIPER, 2013).

Em 2010, o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana da Saúde e o

Ministério da Ciência e Tecnologia publicaram uma série de textos básicos, chamada

Caracterização do Estado da Arte em Biotecnologia Marinha no Brasil. Uma das conclusões

do estudo é que, ao comparar as patentes mundiais e as brasileiras, o país apresenta baixo

número relativo (TEIXEIRA, 2010), corroborando os dados acima.

5.2 Pesca

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As águas brasileiras têm poucas possibilidades de aumento na pesca, justamente

por causa do índice de salinidade e de alta temperatura que causa baixa concentração de

nutrientes, a exceção somente da pesca oceânica e a de anchoíta, no sul; sendo assim, é na

aquicultura que o Brasil possui potencial para desenvolver a produção em larga escala

(ARRUDA, 2014). Fato que se comprova pelo estudo da FAO, The State of World Fisheries de

2016, em que até 2025 espera-se um aumento de 104% na sua aquicultura brasileira, devido

a incentivos do mercado (FAO, 2016).

Portanto são duas as formas em que o Brasil pode participar da pesca na ZAJN:

através de ORGP e dos Estado de bandeira de um navio comercial. Depois da construção

naval ter passado por crise dos anos 1980 e 1990, a sua condição deteriorou-se, tanto que

somente 3% do comércio exterior seja transportado por navios com registro no Brasil

(ARRUDA, 2014), formando uma marinha mercante de somente 109 navios. No entanto, em

águas internacionais, o Brasil faz parte da: Comissão das Pescas do Pacífico Ocidental e

Central; Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos; da

Comissão Internacional para Conservação dos Atuns Atlânticos. Contudo, por grande parte

da pesca no Brasil ainda ser artesanal, pouco se utiliza as ZAJN para a pesca, carecendo de

investimentos pesados para que se possa computar uma atividade notável nessa área.

5.3 Mineração

É interessante notar que o Brasil tem tido uma visão voltada para a Área desde o

estabelecimento da LEPLAC, no final dos anos 80. A capacidade técnica do programa atingiu

um patamar tão elevado que se desenvolveu programas de cooperação técnica entre países

africanos banhados pelo Atlântico e o Brasil, de forma a ser possível compartilhar o modelo

brasileiro de levantamento da PC nesses países (ABDENUR; NETO, 2014). Portanto, a

manutenção da estabilidade no Atlântico Sul é fato imprescindível para a projeção brasileira

futura nas ZAJN, sendo as ZOPACAS (Zonas de Paz e Cooperação do Atlântico Sul)12 um

grande meio para a concretização desse resultado, área de influência brasileira (BRIGAGAO;

SEABRA 2011).

Em 2014, o Brasil foi autorizado a explorar o elevado Rio Grande, uma área de cerca

de 3 mil km2, que o país explorará durante 15 anos (2015-2030) o potencial econômico da

região (BRASIL.., 2014), espera-se um gasto de mais de 11 milhões de dólares para o

desenvolvimento do plano de trabalho (MELO, 2015). Entretano, esses período será utilizado

para o levantamente de dados prospectivos da região, não significando o seu efetivo uso. Os

planos do governo são de que, findo o prazo, renove-se o contrato com a Autoridade por

mais quinze anos e, de fato, comece as atividades mineradoras. Portanto, não pode se

esperar muita atividade nessa área por parte do Brasil por, pelo menos, nos próximos 15

anos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A questão ambiental pede uma abordagem multidisciplinar, que considere vários

aspectos do objeto de forma a ter compatibilidade complexa, e as Relações Internacionais

oferecem uma boa oportunidade para tanto, dentro das ciências sociais e humanas, por ser

uma disciplina que, por natureza, procura ser multidisciplinar. É assim que conceitos como

Ordem Ambiental Global, não Internacional, surgem para explicar a dinâmica política global.

Já a Governança Ambiental Global aparece como um aporte para explicar o processo de

tomada de decisão dentro de uma área específica, através da criação de regras em comum.

Assim, os Oceanos possuem uma potencialidade de “crescimento azul” enorme,

tendo em vista o grande valor bruto do “produto marinho global”. Deve-se ter em vista que

a complexidade da realidade nem sempre pode ser expressa por números, por esse motivo,

é essencial ter um cuidado acerca do manuseio desses números.

Além disso, há uma ineficiência na GGO para a gestão dos recursos marinhos, vivos

e não vivos, demonstrado pelas ações antropogênicas danosas ao ambiente marinho. Ainda,

o espaço oceânico é tão vasto que diversos regimes atuam sobre as mesmas áreas

compartilhando parcialmente regras, princípios, normas e processos em comum, criando um

complexo de regimes para os Oceanos, entretanto, nem sempre efetivo.

Assim o papel do Brasil se torna claro pela análise de regimes: o país não exerce

papel de global player oceânico, já que nos regimes analisados a sua atuação era aquém do

necessário para se tornar um player de impacto global. Percebeu-se que em todos os

regimes, para se um player global, deve-se ter uma capacidade tecnológica considerável, de

forma que confiar na transferência de tecnologia é ilusório e ingênuo, devendo o país

desenvolver capacidades para atuação nos processos decisórios através da aquisição de

recursos para tanto. E, neste caso, somente políticas – assim como vontade política – a longo

prazo são capazes de mudar o cenário, pois o desenvolvimento de novas tecnologias

também é de longo prazo, sendo que mudanças nas estruturas que limitam esse

desenvolvimento são essenciais. Contudo, há reservas acerca afirmação de que, caso o Brasil

aumente sua participação nesses regimes, se torne automaticamente um global player,

tendo em vista a consideração de variáveis políticas nesse processo.

NOTAS DE FIM

[1] Alfaia Júnior define, a partir de Ribeiro (2001), que a ordem ambiental internacional

“caracteriza-se pela fragmentação e pelo realismo político, onde os Estados pautam suas

ações e iniciativas pela salvaguarda da soberania e dos interesses nacionais, expressa em

uma gama diversificada de instrumentos jurídicos no intuito de melhor gerir o meio

ambiente” (2014, p. 79)

[2] A Convenção aplica um framework legal para os Oceanos, regulando diversas atividades,

estabelecendo obrigações e direitos. No que concerne aos altos mares, a ZAJN, “all states

have the duty to take, and to cooperate with other states in taking, measures necessary for

their conservation” (GJERDE, 2006, p. 33).

[3] Conferir Gjerde (2008).

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[4] Para maiores informações, cf. CARVALHO (2012)

[5] Para a discussão sobre a evolução da teoria dos regimes no escopo das mudanças

climáticas, cf. Capítulo 4, In: VIOLA et al. (2013).

[6] Termo utilizado para designar o leito marinho e o subsolo além dos limites da jurisdição

nacional.

[7] Sigla do “Ad Hoc Open-ended Informal Working Group to study issues relating to the

conservation and sustainable use of marine biological diversity beyond areas of national

jurisdiction”, estabelecido pela Resolução 59/24 de 17 de novembro de 2004 da Assembleia

Geral das Nações Unidas, voltado para o estudo de questão relacionadas a conservação e

uso sustentável da biodiversidade marinha além da jurisdição nacional.

[8] Cf. WHY… (2014).

[9] Para mais informações sobre a questão laboral e a indústria pesqueira, cf. GREENPEACE

(2014).

[10] Para uma maior discussão acerca dos conceitos aplicáveis aos recursos marinhos, cf.

OLIVEIRA; MALJEAN-DUBOIS (2015).

[11] Para uma discussão da questão da soberania sobre recursos na OAG, cf. RAZZAQUE

(2012).

[12] Para mais informações acerca das ZOPACAS, cf. ABDENUR; SOUZA NETO (2014); e

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A COOPERAÇÃO EUROPEIA PARA A REDUÇÃO DA POBREZA: O PROGRAMA DE

ESTADO PARA A REDUÇÃO DA POBREZA E PARA O DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL DO AZERBAIJÃO PARA O PERÍODO DE 2008 A 2015 E SUAS

NUANCES HISTÓRICAS

THE EUROPEAN COOPERATION FOR POVERTY REDUCTION: AZERBAIJAN’S

STATE PROGRAM ON POVERTY REDUCTION AND SUSTAINABLE

DEVELOPMENT FROM 2008 TO 2015 AND IT’S HISTORICAL NUANCES

Vinícius Silva Santana20

Resumo: As práticas cooperativas nas antigas repúblicas soviéticas se baseavam em um

modelo de cooperação diferente daquele que se desenvolveu nas nações capitalistas. No

Azerbaijão, após o colapso da União Soviética, a pobreza se exacerbou à medida que o

Estado perdia a sua função de provedor da satisfação das necessidades individuais e a

transferia para o mercado. Para se ajustar às novas práticas de cooperação, o Azerbaijão

teve de criar e fomentar uma estrutura voltada para o mercado e foi auxiliado pelas políticas

de cooperação europeia TACIS e ENP. No entanto, a cooperação por parte da comunidade

europeia não foi – e nem é – desinteressada: além do fomento pela eficácia e eficiência nos

projetos financiados ou apoiados pela Europa, o desenvolvimento de estruturas de mercado

responde às necessidades do capital estrangeiro enquanto se camuflam sob o conceito de

apropriação na cooperação. O Programa de Estado para a Redução da Pobreza e para o

Desenvolvimento Sustentável na República do Azerbaijão é um exemplo de como as políticas

de combate à pobreza no país do Cáucaso Sul visam não apenas reduzir a pobreza, mas

promover o desenvolvimento de acordo com as condicionalidades europeias para a

cooperação, mas cuja implementação aponta para um caminho independente traçado pela

nação azeri.

Palavras-chave: Cooperação europeia; Redução da Pobreza; Azerbaijão; ENP; SPPRSD

Abstract: The cooperative practices in the former Soviet republics were based in a model of

cooperation that differed from that one developed in the capitalist nations. In Azerbaijan,

after the collapse of the Soviet Union, poverty was exacerbated while the state lost its

function of providing for the needs of individuals and transferred this role to the market. To

adjust to the new cooperation practices, Azerbaijan had to create and foster a market-

20

Mestre em Relações Internacionais e Licenciado em Letras com Inglês pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Alumnus da Bolsa da Chancelaria Alemã para Futuros Líderes como Pesquisador Bolsista com projeto em Relações Internacionais, Políticas Públicas, Desenvolvimento, Sociedade Civil e Bancos Alimentares fomentado pela Alexander von Humboldt Stfitung/Foundation. Participou de um projeto em Raça, Desenvolvimento e Desigualdade na Vanderbilt University (Estados Unidos).

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oriented structure with the support of European cooperation policies like TACIS and ENP.

The cooperation of the European community, however, was not – and is not – without

interest: beyond promoting efficacy and effectiveness in the projects financed or supported

by the European community, the development of market structures responds to the needs

of the foreign capital while camouflaged under the concept of appropriation in cooperation.

The State Program on Poverty Reduction and Sustainable Development in the Republic of

Azerbaijan is an example of how the policies for poverty reduction in the South Caucasian

country aim not only at reducing poverty, but to promote development in accordance with

the European conditionalities for cooperation, but whose implementation point to an

independent path drawn by the Azeri nation.

Keywords: European cooperation; poverty reduction; Azerbaijan; ENP; SPPRSD.

1 INTRODUÇÃO

Diz-se que o sistema capitalista, por ser um sistema de características

intrinsicamente global, depende, ao mesmo tempo da competição como estimulador da

produção e da cooperação entre os diferentes atores para que a competição tenha uma

mínima harmonia e para a própria acumulação do capital.

As práticas de cooperação no Azerbaijão tiveram a sua origem no modelo soviético

e se distinguia da cooperação que se desenvolvera no ocidente. Compreender as relações

entre nações da União Soviética (URSS) e o impacto da dissolução dos acordos cooperativos

entre elas sob o domínio da URSS se torna fundamental para observar o caminho tomado

após o início da transição para o sistema capitalista e seu modelo de desenvolvimento e

cooperação, que se desenvolveu a tal ponto de prezar, antes de tudo, pela eficiência e

eficácia dos projetos e dos atores da cooperação para o desenvolvimento. Tal zelo não é

desinteressado por parte das nações doadoras e provedoras de cooperação e vem, para as

nações recipientes, às custas do aparato estatal – fadado à estrutura corporativa e parcerias

público privadas – e travestido do direito de propriedade das políticas tal qual explicitado

pelos fóruns de alto nível sobre a ajuda externa. O que se vê, no entanto, é uma relação

singular onde os doadores mantêm, por meio das condicionalidades e das práticas que

representam o próprio direito de propriedade, o maior controle possível da aplicação da

cooperação (RIDDELL, 2008).

Numa nação onde a privatização se tornou o eixo central das políticas estatais para

manter a gestão, a noção de emprego como o principal garantidor de renda e,

consequentemente, de minimizador da pobreza é um dos temas centrais do Programa de

Estado para a Redução da Pobreza e para o Desenvolvimento Sustentável na República do

Azerbaijão (SPPRSD) 2008-2015.

Este artigo se estrutura para além deste tópico introdutório e das notas conclusivas,

de 3 tópicos numerados que discutem brevemente o modelo de cooperação soviética; a

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evolução do modelo de cooperação ocidental e o debate sobre a eficácia e a eficiência da

ajuda externa; e o plano de ação do SPPRSD em relação com o receituário de eficácia e

eficiência como discutido nos fóruns de alto nível em Roma, Paris, Accra e Busan, bem como

seu desenvolvimento histórico.

2 A COOPERAÇÃO SOVIÉTICA

O modelo de desenvolvimento e de cooperação soviética não se baseava no lucro

para avaliar o seu sucesso. No entanto, a produção era voltada para a satisfação das

necessidades pessoais do indivíduo e, consequentemente, da sociedade soviética. Neste

modelo, o trabalho era considerado libertador, uma vez que os trabalhadores não mais

trabalhariam para dar lucro a um patrão, mas o resultado de seu trabalho seria convertido

em produto social[1] que, depois de acumulado, seria redistribuído por meio de uma divisão

centralizada para todos os participantes da produção em proporções mais ou menos iguais.

Em tese, a concorrência entre setores de produção deixou de existir e deu lugar à

cooperação harmoniosa dos diversos setores (TÍKHONOV, 1983).

No estágio mais avançado do socialismo, a União Soviética implementou as bases

adicionais do seu desenvolvimento para além da coletivização da agricultura, da

industrialização e do desenvolvimento do setor energético: uma estrutura multissetorial

desenvolvida, a integração das economias das repúblicas soviéticas, o alto nível da

produtividade por meio do trabalho qualificado, mecanizado e automatizado. Esta base

intensificou o processo de cooperação entre as nações da União Soviética, o que significou

para a República Soviética Socialista (RSS) do Azerbaijão além da exploração do seu petróleo

pela URSS, a garantia de acesso aos mercados soviéticos para a sua produção de romãs e

seus derivados e o acesso a bens que não eram produzidos em seu território (PAPAVA,

2005).

Para Lênin, antes mesmo da criação da União Soviética, a amizade e cooperação

econômica entre os povos da união era de importância primária para manter a

independência dos sovietes no contexto do imperialismo mundial (TÍKHONOV, 1983). Além

de ser “voluntária”, a União permitiria, naquele momento, reestabelecer as forças

produtivas destruídas no pós-guerra civil e pôr em prática o ideal soviético (produção, uso

das riquezas, extermínio da exploração do homem pelo homem etc), o que tornaria,

consequentemente, o nível de vida dos trabalhadores melhor e auxiliaria o desenvolvimento

multilateral da cultura de todas as nações e grupos étnicos.

O Tratado de Criação da União Soviética pregava, antes de tudo, pela cooperação

entre as nações da União para reconstruírem as suas economias que foram severamente

atingidas pela Guerra Civil à luz do desenvolvimento socialista e para a defesa da ideologia

soviética, assim como a sua soberania, tendo em vista a constante ameaça advinda do

campo capitalista. Só através da cooperação e do apoio mútuo entre as repúblicas e da

expansão do socialismo no âmbito internacional por meio da união do proletariado global

seria possível alcançar a paz. Foi também no tratado de criação da URSS que se declarou o

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direito de autodeterminação dos povos e se definiu que a União fora criada voluntariamente

pelos povos que a compunham (TÍKHONOV, 1983).

Como supracitado, a cooperação com as outras repúblicas soviéticas, inicialmente,

e com outros países socialistas por meio da URSS, posteriormente, mantinham um mercado

para o qual a produção de Baku era destinada. Da mesma forma, a cooperação também

permitia à RSS do Azerbaijão e às outras nações mais pobres da URSS a se beneficiarem das

transferências monetárias advindas de Moscou e da divisão do produto social

(BRAITHWAITE, 1995). Quando da dissolução da União Soviética, todo o aparato

cooperativo, assim como o mercado garantido para os produtos do Azerbaijão desapareceu

gerando uma paralização de setores chaves da economia de diversas das nações soviéticas

(COMISSÃO EUROPEIA, 2011; PAPAVA, 2005).

O resultado do desaparecimento do bloco soviético foi a ampliação dos problemas

políticos, econômicos e sociais no Azerbaijão. No âmbito político, o desaparecimento

abrupto de um poder centralizador combinado com a falta de uma estrutura política local

consistente deixou o país em um vácuo. No tocante a economia, o colapso do sistema

comunista desintegrou as relações de cooperação entre empresas da União Soviética e o

incentivo para o consumo dos produtos locais e regionais. Como consequência, à exceção de

derivados de petróleo e gás e sua composição crua, os produtos e as empresas azeris, como,

por exemplo, a empresa química Azerkymia e as metalúrgicas Baku Steel Company e DHT

Metal JSC foram incapazes de competir com as demandas da competição internacional e se

viram fadadas à falência ou à sub-operação (PAPAVA, 2012). Por fim, em 1996, o PIB do

Azerbaijão apresentou um dos seus piores desempenhos, ao mesmo tempo em que o

primeiro senso relacionado a pobreza após a independência do país revelou que o nível de

pobreza no país atingira os 68,1% (BANCO MUNDIAL, 2009). Para nível de comparação, em

1989, dois anos antes de se tornar independente e iniciar o processo de transição, a

incidência da pobreza na República Soviética do Azerbaijão era de pouco mais de 33%, o que

já representava três vezes mais que a média de toda a União Soviética (BEZEMER, 2006). Tais

números apontam a situação agravante no âmbito social. Todos estes problemas foram

agravados com o início do conflito em Karabakh e a presença de refugiados e pessoas

deslocadas internamente (PDIs), além da alta emigração para a Rússia e a Turquia

(GARAGOZOV, 2012; COMISSÃO EUROPEIA, 2011).

Quando da queda da União Soviética, iniciou-se o período de transição no

Azerbaijão e conceitos e práticas ocidentais chegaram ao país. Compreender o modelo de

cooperação ocidental é, portanto, essencial para fazer uma análise coerente do Plano Estatal

sobre a pobreza lançado em 2008.

3 A COOPERAÇÃO OCIDENTAL

Historicamente, pode-se situar o início da cooperação em diferentes momentos. O

que distingue os diferentes momentos históricos é justamente a abordagem que se usa para

compreender a cooperação. Murphy (2014), por exemplo, argumenta que a gênese das

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instituições internacionais no momento de concertação europeia pré-primeira guerra só foi

possível por conta das uniões públicas internacionais e de uma série de conferências

internacionais que sistematizaram acordos que geraram uma ordem política internacional.

Outras abordagens tendem a situar a gênese da cooperação internacional no período pós-

segunda guerra com o advento das organizações de Bretton Woods; Dehove (1998), no

entanto, à luz das organizações internacionais, critica tais abordagens e invoca o estudo da

fundação do Estado westfaliano como o momento preciso onde as condições necessárias

para o desenvolvimento das organizações internacionais se aglutinaram. Tavares e Belluzzo

(2004) creditam à própria formação da “primeira ‘economia mundo’ europeia” por meio do

capital mercantilista a formação de estruturas voltadas à cooperação, ainda no século XVI.

Estas estruturas, por sua vez, atingiram o seu grau mais elevado com a formação de um

poder hegemônico e a formação da Pax Brittanica no século XIX, substituída, no século XX

pela Pax Americana e seu modelo de cooperação que formou instituições supranacionais

para reverter os pilares do modelo anterior. As instituições supranacionais e as organizações

internacionais (estatais ou não) são, muitas das vezes, os vetores pelos quais os Estados

fomentam as suas estratégias de cooperação internacional.

Em A Political Theory of Foreign Aid, Hans Morgenthau (1962), descreve os

diferentes tipos de cooperação internacional reconhecidos e os analisa à luz do

desenvolvimento. Sendo a cooperação, em sua visão, um instrumento da política externa de

um dado país, o próprio fomento à ajuda externa refletia, segundo ele, as políticas

hegemônicas estadunidenses na tentativa de pavimentar, por meio de uma agenda mais

soft, o caminho que levaria ao preenchimento dos seus próprios interesses econômicos e/ou

políticos.

Os diferentes tipos de cooperação listadas por Morgenthau (1962) são: a

cooperação internacional humanitária; a cooperação internacional para a subsistência; o

suborno, a cooperação internacional para o prestígio; e a propriamente dita cooperação

internacional para o desenvolvimento. Por conta da natureza deste artigo, as três primeiras

formas de cooperação não serão analisadas aqui, mas cabe abrir um pequeno parêntese

para a cooperação para o prestígio antes de fazer uma análise própria da cooperação

internacional para o desenvolvimento.

Morgenthau (1962) demonstra que a cooperação internacional para o prestígio se

caracteriza pelas ações cooperativas de um Estado, pelas empresas e sua forma de negócios

e similares de uma determinada nação que não possuem qualquer impacto econômico

positivo. Uma outra maneira de entender a lógica do prestígio é unir a noção de

“necroeconomia”, desenvolvida por Papava (2005), e a noção de propaganda como um

influenciador psicológico. Segundo Papava, as nações da extinta União Soviética mantiveram

grandes empresas funcionando em sub-operação após a desintegração da URSS mesmo que

elas não tenham tido qualquer vantagem na competição internacional. No decorrer da

história, as empresas se viram fadadas à falência por serem atores centrais de uma

“economia morta”, mas enquanto estiveram em sub-funcionamento ainda simbolizavam a

fonte de crescimento daquelas nações para a esfera internacional. Segundo Morgenthau

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(1962), este tipo de cooperação persiste porque os países menos desenvolvidos também

querem mostrar para o mundo que conseguiram algum grau de industrialização e estão

dispostos a tomar as medidas necessárias para este fim. Claro, isso não seria possível se o

conceito de desenvolvimento não se tornasse um lema de industrialização e acumulação a

ser seguido por todas as nações do eixo capitalista do mundo à época e, posteriormente,

inclusive, por aqueles países que se tornaram independentes da União Soviética. A principal

função deste tipo de cooperação é política e psicológica para ambos os envolvidos: a nação

recipiente obtém os meios necessários para elevar o seu prestígio no cenário internacional,

ainda que de pouco impacto, enquanto que a nação doadora recebe vantagens políticas

indiretas e, pode, inclusive, receber dividendos de um investimento barato e aumentar o seu

próprio prestígio.

Por fim, ao tratar de cooperação internacional para o desenvolvimento em

particular, Morgenthau (1962) afirma que esta é hoje a forma mais institucionalizada de

cooperação. Além de legitimar a noção de que os mais ricos devem auxiliar os mais pobres, a

ideologia por trás da cooperação para o desenvolvimento tornou as transferências mais

viáveis e racionalizadas.

É evidente que todos os tipos de cooperação internacional estão interligados de

certa forma, no entanto, a literatura disponível sobre o tema revela que

Economic thought, true to its prevailing academic tradition, tends to look at foreign aid as though it were a self-sufficient technical enterprise to be achieved with the instruments, and judged by the standards, of pure economics. And since Western economic development, from the first industrial revolution onwards, has been due to the formation of capital and the accumulation of technical knowledge, we have tended to assume that these two factors would by themselves provide the impetus for the economic development of the underdeveloped nations […] (MORGENTHAU, 1962, p. 304).

A noção de cooperação para o desenvolvimento está, para Morgenthau (1962),

conectada em acreditar que os países não-desenvolvidos não conseguem se desenvolver

porque lhes falta capital e know-how. Tal abordagem negligencia completamente os

problemas relacionados a material, problemas sociais, fardos políticos e outros tipos de

deficiência. Ainda, não se leva em questão a viabilidade do próprio desenvolvimento e do

modelo imposto às nações subdesenvolvidas que acabam por importar o modelo de

desenvolvimento do “centro” e a ele vantajoso como se fosse seu (RIST, 2002; STOKKE,

2005).

Discutindo o capitalismo e a sua natureza, Murphy (2014) – e também Wallerstein

(2006) – afirma que o sistema era expansionista e criava condições para o desenvolvimento

de um modelo propício em cada novo local onde chegava. Este modelo reflete até hoje as

preferencias, as leis e os hábitos sociais estadunidenses e eurocêntricos e requer, em alguns

casos, a mudança de status-quo político e/ou, mesmo, social, como no monopólio de terras

agrárias em alguns países; a manutenção do status-quo em outros; a prevenção de um

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movimento revolucionário; e a adaptação moral e, ainda mais importante, da natureza

política da nação recipiente.

3.1. O fomento da eficácia e da eficiência da ajuda

Ao discutir sobre a cooperação internacional para o desenvolvimento e seus êxitos,

Morgenthau (1962, p. 307) afirma que

Its success depends in good measure not so much upon its soundness in strictly economic terms as upon intellectual, moral, and political preconditions, which are not susceptible to economic manipulation, if they are susceptible to manipulation from the outside at all.

Tal argumento pode ser refutado, atualmente, com os argumentos de Riddell (2008)

que diz que o maior problema da cooperação internacional atualmente está no total

controle das doações pelos doadores sem que haja liberdade aos beneficiários de fazer o

que é melhor com o auxílio disponível. A falta dessa liberdade gera um paradoxo dual onde

os doadores clamam a ineficiência do uso da cooperação pelos beneficiários e estes últimos

estão sempre a pedir mais acusando os primeiros de mesquinhos.

A falta de liberdade dos recipientes em Riddell remete ao conceito de apropriação e

ao debate do funcionamento ou não da cooperação internacional e da ajuda externa lido

como a eficácia e a eficiência da ajuda. Segundo Kraychete (2012), a forma de cooperar

sofreu modificações à medida em que a agenda do desenvolvimento foi sendo redefinida,

sendo já em 1996 a busca da eficácia e da eficiência “apontadas como o caminho para

recuperar o prestígio da cooperação internacional para o desenvolvimento” (p. 255), ainda

que só nos anos 2000 tal abordagem tenha sido de fato institucionalizada pelas organizações

internacionais por meio da Conferência Internacional sobre o Financiamento do

Desenvolvimento em 2002 em Monterrey, no México, que fora organizada pela Organização

das Nações Unidas (ONU).

Subsequentes à Conferência de Monterrey, os Fóruns de Alto Nível da ONU

resultaram na Declaração de Roma sobre a Harmonização (2003), na Declaração de Paris

sobre a Eficácia da Ajuda (2005), na Agenda de Ação de Accra (2008) e na Declaração de

Busan (2011). Em suma, todos os documentos gerados por estes fóruns de alto nível visavam

a harmonização das diversas políticas na busca da eficiência e eficácia dos projetos e na

própria avaliação da cooperação. Para Kraychete (2012, p. 255), as diretrizes decorrentes

dos fóruns:

implicaram em maior poder das organizações internacionais sobre os parceiros nacionais, assim como, a aplicação de metodologias de gestão de projetos tomadas de empréstimo das corporações privadas. Essas mudanças trouxeram implicações na forma de conceber e realizar a cooperação internacional para o desenvolvimento explicitadas a partir das

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redefinições do papel a ser desempenhado pelo Estado, pelo mercado e pela sociedade civil.

Para além dos diferentes papeis a serem desempenhados pelos diferentes atores,

os documentos preveem também o direito à apropriação das políticas de desenvolvimento

por parte das nações receptoras de ajuda, enquanto as políticas do Banco Mundial

suprimem as relações de trabalho como o principal vetor de minoração da pobreza e

fomentam assistência focalizada aos mais pobres entre os pobres, afim de suprir as suas

necessidades mais básicas e de investir no capital humano e no empreendedorismo. Junto a

isso, as reformas necessárias (fomentadas por meio das condicionalidades da cooperação)

além de fomentarem o aumento da eficiência, retiram da responsabilidade do Estado a

promoção do desenvolvimento e a passam para os mercados (UNÁ, 2004).

4 A COOPERAÇÃO COMO MEIO DE COMBATE À POBREZA

Pode se dizer que o programa de Assistência Técnica para a Comunidade de Estados

Independentes e a Geórgia (TACIS[2]) é um marco para a cooperação internacional para o

desenvolvimento no Azerbaijão em relação ao combate à pobreza. Considerado o maior

programa de seu tipo na época, o TACIS tinha como objetivo auxiliar aos Estados integrantes

da Comunidade de Estados Independentes (CEI) e a Geórgia, também ex-república soviética,

a promoção do desenvolvimento de democracias pluralistas e, mais importante, desenvolver

estruturas funcionais e efetivas próprias de uma economia de mercado. Tais estruturas, por

sua vez, representando a quebra total com o modelo soviético de desenvolvimento, seriam

baseadas no empreendedorismo privado e na propriedade privada.

O financiamento do TACIS permitiu às nações integrantes do programa acesso a

aconselhamento, know-how e experiência prática (COMISSÃO EUROPEIA, 2017). Já em 2003,

a combinação de ações em setores diversos e o envolvimento dos Estados no processo de

decision-making e de administração dos programas que lhes diziam respeito auxiliavam a

forjar o conceito de apropriação das políticas pelas nações recipientes. Ao mesmo tempo,

havia uma pressão das organizações internacionais que cooperavam com o Azerbaijão em

relação a eficácia e eficiência dos seus projetos e do próprio funcionamento do aparato

estatal (REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2003).

No tocante à pobreza, os projetos do TACIS ajudaram a desenvolver o Programa de

Estado para a Redução da Pobreza e para o Desenvolvimento Econômico (State Program on

Poverty Reduction and Economic Development – SPPRED) cujo objetivo era garantir que os

benefícios sociais fossem direcionados aos mais pobres ao mesmo tempo em que as

políticas de privatização das propriedades e a adaptação às condições de mercado que já

haviam sido desenvolvidas no Azerbaijão promoviam o crescimento econômico. O

desenvolvimento de um sistema de assistência social ajustado às condições do mercado,

segundo o SPPRED, seguindo as recomendações do Banco Mundial, permitiriam aumentar a

eficiência das provisões sociais por meio da melhora da gestão e da administração do

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sistema, que, recebendo know-how e assistência técnica europeus se assemelhou aos

programas vigentes na própria Europa.

Os reflexos das políticas do TACIS – e da aceitação das condições impostas pela

Europa pelo governo azeri – são traduzidos na Política de Vizinhança Europeia (European

Neighbourhood Policy, ENP) na qual o Azerbaijão foi incluído em 2006, ano da estreia da

política. Em suma, os países da ENP são encorajados a se alinharem às normas, condições e

regras da União Europeia (reformas políticas e governamentais, reformas econômicas e

questões relacionadas a mudanças positivas na gestão estatal e nos direitos humanos, além

do combate à corrupção) para criar um anel de estabilidade, democracia e prosperidade nas

vizinhanças do velho continente (HUG, 2012). Em contrapartida, a União Europeia provê aos

países da ENP assistência financeira para projetos de desenvolvimento e para levar a cabo as

suas próprias exigências.

Dois anos após a sua inclusão na Política de Vizinhança Europeia, o governo azeri,

por meio do SPPRSD, documento oficial do Programa de Estado para a Redução da Pobreza e

para o Desenvolvimento Sustentável na República do Azerbaijão para 2008 a 2015 (State

Program on Poverty Reduction and Sustainable Development in the Republic of Azerbaijan

for 2008-2015), se comprometeu a fazer a sua parte como signatário da Declaração do

Milênio para ajudar a cumprir os objetivos que foram reavaliados em 2015 – principalmente

em relação à fome e à pobreza.

O programa anterior, o SPPRED, conseguira manter a estabilidade macroeconômica

do país e assegurou um crescimento econômico dinâmico, cujos sucessos foram

direcionados para solucionar problemas sociais existentes e diminuir a pobreza no

Azerbaijão.

Além de o SPPRSD ter sido um programa continuado do SPPRED, ele buscava

alinhar-se com os Objetivos do Milênio por meio de políticas estatais e “alvos” específicos;

aos programas nacionais já existentes; e se baseou em um processo de monitoramento

participativo que incluiu, além do próprio governo, as atividades de organizações

internacionais e a sociedade civil (REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2008).

As políticas de eficácia e eficiência, discutidas nos diversos fóruns de alto nível da

ONU, estão refletidas em diversos pontos do plano de ação para a pobreza e o

desenvolvimento sustentável da República do Azerbaijão e refletem muito mais os

interesses europeus e estadunidenses no tocante da cooperação que o próprio interesse

nacional – que está travestido no documento.

Como supracitado, após a queda da União Soviética, o “novo” Estado do Azerbaijão

herdou o aparato político vigente no modelo soviético. Com ele, uma variedade de empresas

estatais que tinham mercado dentro da própria URSS devido às parcerias de cooperação das

próprias nações soviéticas onde, em tese, não havia concorrência, mas apoio mútuo

direcionado ao desenvolvimento do socialismo e, consequentemente, do comunismo. Para

Papava (2002), após a dissolução da União Soviética, as empresas estatais se aprofundaram

em uma crise porque não podiam competir com as empresas estrangeiras dentro de seu

próprio território devido ao seu alto custo de produção, repassado, sem o controle de

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preços e subsídios do Estado socialista, ao consumidor final e à própria falta de

competitividade de seus produtos, geralmente defasados, de baixa tecnologia e qualidade e

sem qualquer mercado para o escoamento, completamente incompatíveis com o nível

internacional da época. Tal situação criou o que o autor denomina necroeconomia. Em

poucas palavras, e como explicitado acima, a necroeconomia se refere à impossibilidade de

recuperação de um setor de produção ou da economia per se, que, devido às práticas

institucionalizadas do comunismo – mas que pode, também, ser encontrada em outros casos

– está morta (PAPAVA, 2005, p. 31). A ineficiência do aparato produtivo das nações

soviéticas independentes se refletia, consequentemente, na destruição dos benefícios

sociais, na diminuição de acumulação de capital e na estagnação da economia.

O próprio Papava sugere que a privatização das empresas estatais seria o caminho

ideal para sair da crise exacerbada pela dissolução da União Soviética. No entanto, ele

defende que apenas as empresas que ainda não estavam “mortas” deveriam ser

privatizadas, enquanto outras deveriam dar lugar para que o capital estrangeiro pudesse

investir e modernizar o setor produtivo das nações do Cáucaso e, consequentemente, trazer

a devida eficiência de mercado que o sistema soviético ajudara a suprimir.

As políticas de privatização resultaram, segundo o SPPRSD, em mais de trinta mil

pequenas empresas e instalações estatais privatizadas no Azerbaijão, mais de 1500

empreendimentos de sociedades anônimas, incluindo, por exemplo, a AZAL – Azerbaijan

Airlines, e quase meio milhão de pessoas adquiriram propriedades e ações (REPÚBLICA DO

AZERBAIJÃO, 2008). O objetivo do SPPRSD era acelerar o segundo estágio das privatizações,

o que incluía a passagem de mais empreendimentos e instalações estatais de pequeno e

médio porte ao capital privado internacional, assim como trabalhar para manter o perfil

destes empreendimentos sob o poder do capital estrangeiro e, para promover um

desenvolvimento econômico mais dinâmico (e eficiente), iniciar o processo de privatização

de empresas de grande porte.

Não há dúvidas que algum nível de privatização era requerido das nações do

Cáucaso e da Comunidade dos Estados Independentes, uma vez que a situação econômica e

os indicadores socioeconômicos apresentavam queda e, devido à paralização da cooperação

entre repúblicas soviéticas, não havia possibilidade de manter uma administração eficiente

de todo o aparato econômico estatal (PRIVATIZATION PORTAL, 2017). O Azerbaijão tem

reagido a seu tempo em relação a isso e tem passado para as mãos do setor privado a tarefa

de manter o emprego, de investir e de aquecer setores diversos da economia. Para isso, o

governo azeri por meio do plano de ação do SPPRSD decidiu que:

In the area of improving privatization and management of state enterprises, the privatization process will be continued in sectors open for privatization in accordance with the approved state privatization programmes and transparency and efficiency in the privatization process will be ensured. Also, the process of privatization of state shares of “International Bank of Azerbaijan” will be finalized under the SPPRSD (REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2008, p. 12).

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Após a conclusão do SPPRSD, o website oficial para atrair os investidores

estrangeiros, o Privatization Portal, listava 321 empresas e instituições disponíveis para o

investimento do capital internacional.

Para atrair o capital estrangeiro, no entanto, o Azerbaijão assume publicamente a

sua posição diante das demandas do capitalismo. Além de oferecer terras e

empreendimentos ao capital estrangeiro, o Azerbaijão vem implementando, com o auxílio

de organizações de cooperação internacional como a GIZ e a USAID diversas reformas, como

por exemplo as reformas necessárias para prover segurança ao mercado, a infraestrutura, a

padronização de standards ao modelo europeu e a continuação das reformas institucionais e

a melhora da boa governança.

A segurança ao mercado se baseia na proteção de direitos dos investidores, no

aumento da utilização do aparato corporativista da administração – o que claramente

denuncia a ideia de eficiência das empresas no setor governamental e assegura que não

apenas as informações sejam passadas de forma eficiente, mas também garantem a

manutenção de um mercado de empréstimos organizado e ampliam o número de ações.

Ainda, a própria eficiência e segurança do mercado é colocada nas mãos do capital

internacional, tal qual explicitado no SPPRSD.

As for developing the insurance market, legislation relating to insurance will be improved, insurance and re-insurance activity encouraged and a single register on foreign re-insurers and foreign insurance brokers created to adjust the insurance market to international standards and to increase its efficiency. In order to develop insurance activities research and specialized organizations, insurance associations will be established, state contro over insurance activities will be improved (REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2008, p. 11).

Também se previu, como continuação de projetos já existentes, a diminuição de

impostos para investidores assim como a redução da contribuição das empresas ao seguro

social obrigatório e a ampliação do sistema de transparência, eficiência e direcionamento do

processo orçamentário estatal com a Lei sobre o Sistema Orçamentário, o Código de

Impostos (Tax Code) e Programme on Introduction of National Accounting Standards, além

da continuação da informatização dos diversos sistemas governamentais.

No entanto, não apenas da eficiência corporativista de Estado e de um sistema que

lhes favoreça funciona o empreendedorismo privado. Por isso, o governo azeri investiu e

continuou investindo em infraestrutura econômica e social, especialmente nas regiões[3], o

que incluía transporte, saneamento básico, melhoras na irrigação, energia e nas instalações

educacionais e de saúde que, depois, seriam postas em “leilão”. Na lista de abril de 2017,

sete estabelecimentos do setor de saúde e dezenas de educação estavam prontos para

serem privatizadas, todos eles nas regiões, onde, em tese, a estrutura das instalações é mais

precária que aquela encontrada na capital Baku

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Ainda, o desenvolvimento do capital humano se torna essencial não apenas para as

aspirações do governo azeri em diversificar a sua economia, que conta com mais da metade

de seus rendimentos do setor de petróleo e energia (COMISSÃO EUROPEIA, 2011), mas

também para gerar emprego nas regiões nos mais diversos setores. Para isso, diz o SPPRSD,

é imprescindível implementar três importantes medidas no setor de educação vocacional. A

primeira delas, estabelecer relações diretas entre o sistema de educação vocacional e os

empregadores, assim como o treinamento de especialistas. Muitas organizações

internacionais, como a alemã GIZ proveem expertise em educação vocacional no Azerbaijão.

No caso da GIZ especificamente, o seu último projeto estava voltado para a aviação o que

prepararia os estudantes da educação vocacional para não apenas se inserirem no mercado

de trabalho azeri para a Azerbaijan Airlines e suas empresas de cargo, mas eles também

estariam prontos para as empresas estrangeiras – companhias aéreas, cargo,

funcionalidades em aeroportos e afins – o que o relaciona com a segunda e terceira medidas

para a melhoria do sistema de educação vocacional no Azerbaijão, a criação de um sistema

de especialidades (NSS)[4] nacional baseado no sistema europeu e que seja comparável e

reconhecido internacionalmente e, ao mesmo tempo, condizente com o modelo de

desenvolvimento do país, a economia local e a sua esfera social.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como um todo, percebe-se que desde a sua independência e o início do processo

de transição, o Azerbaijão tem sido alvo de uma série de políticas condicionantes por parte

de atores internacionais, principalmente da União Europeia. O TACIS e o ENP são exemplos

da ênfase que se deu em modernizar a agricultura, continuar a industrialização – neste caso

voltada para o desenvolvimento de outros setores que não petrolíferos – e a sua abertura

para o mercado internacional. Este último, como se demonstrou ao longo do texto bastante

enfatizado.

O SPPRSD é composto de todo o receituário presente no debate de eficácia e

eficiência da ajuda, tornando o Estado o gestor de um aparato desenhado para beneficiar o

sistema de mercado, deixando para ele a tarefa de promover o desenvolvimento, ao mesmo

tempo que, com políticas focalizadas de minoração da pobreza, o Estado amplia o capital

social e o capital humano para a utilização do próprio mercado. Muito pouco se fala sobre o

efetivo combate à pobreza, onde, apenas alguns parágrafos são direcionados à efetiva

articulação do sistema de seguridade social, assistência social, refugiados e PDIs. A maior

parte deste discurso, por sua vez, reflete as melhorias históricas e a situação da época

guiando as políticas para o debate de gestão e de políticas focalizadas e seu monitoramento.

Com isso, o modelo de desenvolvimento ocidental se infiltra nos objetivos de Estado do

Azerbaijão e coloca a sua própria promoção como o objetivo principal a ser seguido.

Enquanto a União Europeia mantem as regras de adequação e boa governança –

fomentadas pelas organizações internacionais para o desenvolvimento –, Jacqueline Hale

(2012, p. 70) salienta que

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Azerbaijan is neither an easy nor obvious partner in Europe’s project to integrate its neighbors. Geographically distant, lying on the shores of the Caspian, it has no direct border with the EU. The current government is ambivalent about the country’s European vocation and associated EU norms and values, despite Azerbaijan’s pre-Soviet heritage as the first Muslim democracy in the world. […] ENP’s complex policy mix of values and interests met resistance in Azerbaijan. It has proved the least willing of the South Caucasus neighbors to embrace the EU’s transformative agenda and socialization objectives [….], let alone objectives on human rights and democratization.

Muita da resistência azeri às políticas, não apenas da ENP, mas das próprias

condicionalidades não são apresentadas no SSPRSD, mas as semelhanças do plano de Estado

com o seu sucessor, o SSPRED, demonstram a lentidão com que as reformas têm sido

implementadas no país e o posicionamento neutro do Azerbaijão numa região marcada pelo

conflito territorial com a Armênia e pelo poder de influência da Rússia de um lado e do

Ocidente, especialmente da União Europeia, do outro. Ainda, forças de médio porte como o

Irã e a Turquia, fazem fronteira com o Cáucaso Sul. Enquanto a Armênia tem uma política

pró-Rússia e a Geórgia uma política pró-EU, o Azerbaijão se mantem na linha tênue entre as

grandes potências (HALBACH, 2012), onde, aparentemente, nem toda a individualidade da

nação foi suprimida e nem todas as condicionalidades ocidentais têm sido, de fato,

implementadas.

NOTAS DE FIM

[1] A grosso modo, o produto social soviético era todo o resultado produtivo de trabalho

antes de ser redistribuído pela economia planejada (TÍKHONOV, 1983).

[2] Sigla em inglês para Technical Assistance to the Commonwealth of Independent States

and Georgia.

[3] Regiões, para o governo azeri, denominam as zonas rurais e as zonas urbanas distantes

dos grandes centros.

[4] “NSS is a locally and internationally accepted multistage system used for measuring the

training results (both formal and informal) which are interrelated and where ratio between

all education and training diploma/certificates is established, i.e. interrelated achievements

made by trainees and graduates are measured through certificates and diplomas”

(REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2008, p. 17).

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AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO E A EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS EM BUENOS AIRES: OS DESAPARECIDOS DA DITADURA CIVIL-MILITAR ARGENTINA (1976-1983) THE MOTHERS OF THE PLAZA DE MAYO AND THE EMBASSY OF THE UNITED STATES IN BUENOS AIRES: THE MISSING PERSONS OF THE ARGENTINIAN CIVIL-MILITARY DICTATORSHIP (1976-1983)

Gabriel Roberto Dauer21

Resumo: Este artigo busca verificar quais foram as estratégias transnacionais de denúncia

das Mães da Praça de Maio na busca dos desaparecidos da ditadura civil-militar argentina de

1976-1983. Dentre os diversos contatos estabelecidos pelo grupo, a pesquisa foca-se na sua

relação com a Embaixada dos Estados Unidos da América em Buenos Aires para obter apoio

desse país. Conclui-se que as estratégias transnacionais das Mães da Praça de Maio para

chamar a atenção dos Estados Unidos da América ao caso dos desaparecidos obtiveram

maiores resultados durante a administração de Jimmy Carter, apesar do redirecionamento

de sua política externa devido a pressões internas. Entretanto, após a eleição de Ronald

Reagan, as táticas do grupo para obter auxílio do governo estadunidense foram barradas

pela diplomacia silenciosa da nova administração.

Palavras-chave: Argentina; Estados Unidos da América; Ditadura; Mães da Praça de Maio;

Desaparecidos.

Abstract: This article aims to verify what were the transnational strategies complaints made

from the Mothers of the Plaza de Mayo in the search for the disappeared during the

Argentinian civil-military dictatorship of 1976-1983. Among the various contacts established

by the group, this work focuses on its relationship with the United States of America

Embassy in Buenos Aires to obtain support from this country. It concludes that the

transnational strategies of the Mothers of the Plaza de Mayo used to draw the attention of

the United States of America to the case of the disappeared obtained greater results during

Jimmy Carter's administration, despite the redirection of his foreign policy caused by

domestic pressure. However, after Ronald Reagan's election, the group’s tactics to get aid

from the government of the United States of America were barred by the new

administration's silent diplomacy.

21

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Realizou intercâmbio acadêmico na Universidad Nacional de Córdoba com bolsa da AUGM - Asociación de Universidades Grupo Montevideo na faculdade de História. Atualmente é estagiário no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Brasília.

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Keywords: Argentina; United States of America; Dictatorship; Mothers of the Plaza de Mayo;

Disappeared.

1 INTRODUÇÃO

Durante as décadas de 1960 e 1980, as ditaduras civil-militares[1] criaram inimigos

internos para serem combatidos ao se utilizarem de novas tecnologias de ameaça, tortura,

controle social e desaparecimento. As justificativas da eliminação do outro pautavam-se na

Doutrina de Segurança Nacional (DSN) para a qual era necessário combater a subversão ao

seguir a lógica de reestruturar sociedades “doentes” pelo “mal comunista” (SZNAJDER, 2003;

NOVARO; PALERMO, 2003).

Na Argentina, a ditadura de 1976 a 1983 esteve sob o comando de uma Junta

Militar que tentou reestruturar e reestabelecer a ordem social. Naquele contexto, o Estado

argentino desmobilizou, repreendeu, assassinou, desapareceu e tentou desligar toda e

qualquer manifestação popular desalinhada de seu projeto (QUIROGA, 2005; CALVEIRO,

2006).

Com este enfoque, o presente artigo tem como objetivo descrever a trajetória

nacional e internacional das Mães da Praça de Maio, que desde 1976, são um dos grupos de

direitos humanos que buscam pelos desaparecidos. Em frente à Praça de Maio em Buenos

Aires e em outras regiões da Argentina e do mundo, essas mães reconfiguraram os espaços

públicos e construíram novos símbolos e instrumentos de denúncia durante seus protestos,

ao lado de diversos contatos internacionais (NAVARRO, 2001). Dentre esses contatos, foi

escolhida a Embaixada dos Estados Unidos (EUA) em Buenos Aires como ator para esta

análise.

A justificativa da seleção pauta-se que, na década de 1970, teria surgido um regime

de direitos humanos na agenda internacional, onde os EUA modificariam seu discurso anti-

comunista da Guerra Fria para uma política externa voltada aos direitos humanos

(SCHMIDLI, 2013). A Embaixada dos EUA em Buenos Aires foi um dos principais canais para

expor a questão dos desaparecidos na agenda dos direitos humanos e que as Madres

questionassem internacionalmente a retórica do Estado argentino de que não existiam

violações de direitos humanos no país (SCHMITZ; WALKER, 2004; SCHMIDLI, 2013).

Metodologicamente, para construir a relação entre as Mães da Praça de Maio e a

Embaixada dos EUA em Buenos Aires, foram analisados os telegramas entre a Embaixada

dos EUA em Buenos Aires e o Departamento de Estado dos EUA (DoS) durante 1976-1983,

disponibilizados no website do DoS (https://goo.gl/S5MqSe). A partir dos telegramas,

construiu-se a relação entre as Madres e a Embaixada. Desses documentos, foram extraídas

as denúncias das Madres à Embaixada em relação aos atos de repressão da Junta Militar, as

suas solicitações de apoio e a demanda por respostas dos EUA às ações do governo militar,

tanto como outras informações que ilustram a dissonância discursiva entre as Madres e a

Junta Militar em relação à questão dos direitos humanos e dos desaparecidos na Argentina.

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Portanto, este artigo busca compreender quais foram as estratégias utilizadas e as

relações estabelecidas pelas Mães da Praça de Maio para tornar público o caso dos

desaparecidos do âmbito nacional ao transnacional durante a ditadura civil-militar argentina

de 1976-1983 e, em especial, foca-se na relação do grupo com a Embaixada dos EUA em

Buenos Aires. A indagação parte das estratégias de denúncia de movimentos sociais e em

suas relações com outros atores para obter informações a fim de alcançarem seus objetivos.

2 DO LOCAL AO GLOBAL: A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DAS MÃES DA PRAÇA DE MAIO E A

DENÚNCIA DO CASO DOS DESAPARECIDOS NO CENÁRIO INTERNACIONA

Em 10 de março de 1976, as Forças Armadas argentinas ocuparam o Congresso

Nacional e instauraram o Processo de Reorganização Nacional, constituindo um novo

sistema de dominação autoritária centralizado. Para Quiroga (2005, p. 43, tradução nossa),

as Forças Armadas foram os principais agentes que colocariam em prática os quatro

objetivos do Processo através de uma Junta Militar que seria responsável pela: “[…] 1)

restituição dos valores essenciais do Estado; 2) erradicação da subversão; 3) promoção do

desenvolvimento econômico; e 4) posterior restauração de uma democracia republicana”.

Na Argentina, o desaparecimento forçado e a tortura já eram utilizados antes de

1976 para combater à subversão. Entretanto, apenas no Processo que o desaparecimento

tornou-se na principal tática repressiva para reorganizar a sociedade argentina. Pilar Calveiro

(2006) afirma que o Estado argentino utilizava-se de um “poder desaparecedor”,

responsável por perseguir as organizações sociais e políticas de esquerda, confinando-as em

centros clandestinos de detenção. A estratégia, todavia, começou antes da Junta assumir o

poder. Em 1973, grupos paramilitares já estavam em diálogo com o Estado para eliminar a

subversão, como é o caso da Aliança Anticomunista Argentina ou a Triple A (AAA), durante o

governo de Isabel Perón. Em 1976, a violência atingiu todos os estratos da sociedade e o

“poder desaparecedor” foi institucionalizado implicitamente pelo governo militar.

Nesse contexto de repressão política e cerceamento das liberdades civis, surgiram

as Mães da Praça de Maio ou Madres de Plaza de Mayo. Em virtude das frustrantes visitas

aos oficiais do governo, representantes eclesiásticos e organismos de direitos humanos, em

30 de abril de 1977, mães de filhas e filhos desaparecidos encontraram-se pela primeira vez

na Praça de Maio (Plaza de Mayo) em Buenos Aires, capital da Argentina (NAVARRO, 2001).

As Madres, em sua maioria, eram donas de casa de meia-idade, parte da classe

média operária, das quais poucas terminaram os estudos secundários ou tiveram contato na

política. Sentadas nos bancos da praça, essas mulheres preenchiam solicitações de

entrevistas com o governo. Com o passar do tempo, as mães passaram a identificar-se

enquanto grupo e a autointitular-se como as Mães da Praça de Maio (BOUVARD, 1994;

NAVARRO, 2001).

Para entender como mulheres comuns, com pouco ou quase nenhum envolvimento

na política ocuparam as ruas em plena ditadura, discute-se acerca da identidade coletiva e

da ação coletiva na constituição de um movimento social. Alberto Melucci (2001) preocupa-

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se em entender como os indivíduos compreendem a sua realidade por meio de práticas,

interpretações e símbolos produtores de cultura e significado. Por esse ângulo, analisa-se

como as Madres interpretavam a sua realidade enquanto mães que, afastadas de seus filhos,

descobriram em suas histórias a fonte de resistência necessária para combater a Junta

Militar através de táticas particulares. Assim posto, o conceito de identidade coletiva para

Melucci refere-se às interações compartilhadas entre indivíduos que são preocupados com

suas ações nos campos de oportunidades e constrangimentos que ocorrem. As ações são,

pois, processos de negociações construídas por relações que se repetem entre os indivíduos

(ou grupos) (MELUCCI, 2004).

A maternidade serve para observar a construção identitária das Madres. Antes da

institucionalização do grupo, cada mãe procurava individualmente pelos filhos

desaparecidos. Todavia, com o passar do tempo, perceberam que para enfrentar a Junta

Militar na descoberta da verdade, deveriam unir-se. A maternidade expressou a sua força e

passou a incorporar a identidade das Madres não como um fato isolado, individual, e sim,

compartilhado ao reconhecê-la como uma maternidade socializada e política, onde “[…]

cada Madre não era mais a mãe de apenas uma pessoa desaparecida; ao contrário, cada

Madre representava o universo de todas as mães de crianças desaparecidas, incluindo

aquelas mulheres que nunca se tornaram ativistas (BOSCO, 2001, p. 311, tradução nossa).

A maternidade enquanto elemento identitário das Madres não foi estática;

moldava-se conforme o contexto e as necessidades. Num primeiro estágio, a imagem

maternal de compaixão, sabedoria, carinho e cuidado facilitaram a ocupação dos espaços

públicos, ao alinhar-se às expectativas sociais que uma mãe deveria seguir. Não havia

grandes represálias do governo, mas existia certo descaso da população, a qual não só as

apoiava como também duvidava que seus filhos realmente não tivessem feito algo para

estarem desaparecidos. Fez-se necessário adotar uma posição mais assertiva enquanto mães

na cena pública, equilibrando-se a dupla jornada de donas de casa e ativistas de direitos

humanos (BOUVARD, 1994).

Localizada em frente ao palácio presidencial, a Praça de Maio tornou-se um lugar de

interações, disputas, negociações e oposições políticas às Madres. Nela, às 15:30 das

quintas-feiras, as Madres reuniam-se para compartilhar informações sobre seus filhos

desaparecidos. Marchar às quintas-feiras era estratégico, posto que a circulação de pessoas

nos sábados era baixa e a sexta-feira era vista como um dia de azar por algumas delas

(BOMBAL, 1992).

O propósito inicial das Madres não era realizar demonstrações públicas, mas

passaram a funcionar desse modo quando a polícia começou a ameaçá-las. Na Praça,

sentavam-se nos bancos ou ficavam em grupos para trocar informações ou discutir os nomes

de mulheres que adeririam à causa. Nesses encontros, foram notificadas pelos policiais que

não poderiam ficar em grupos. Contudo, não era proibida a circulação ao redor da Praça,

momento no qual as Madres somaram-se num ato de marcha local de trinta minutos no

sentido antihorário em torno da pirâmide da praça, constituindo seu novo espaço político. A

ação de circular carregava a simbologia de ir de encontro às ordens policiais e, na Praça de

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Maio, demonstrar a persistência política das Madres, as quais unidas, registravam

simbolicamente a dúvida do paradeiro dos desaparecidos (BOMBAL, 1992; BOUVARD, 1994;

NAVARRO, 2001).

3 LAS LOCAS NO CENÁRIO INTERNACIONAL: A DENÚNCIA PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS

NACIONAIS

Em 1977, a conjuntura na Argentina era de extrema repressão e perseguição

política. As Madres não eram mais senhoras comuns, e sim, obstáculos do governo militar.

Perseguidas, ameaçadas psicologicamente e fisicamente pela Junta, decidiram procurar

outro público além da sociedade argentina para expor o caso dos desaparecidos: o exterior.

A Praça de Maio impulsionou as Madres ao cenário internacional. Parecia que por

todos os lados estavam encurraladas: as barreiras criadas pela burocracia estatal ao acesso

de seus direitos civis e jurídicos e a indiferença da Junta Militar, aliada a determinados

setores sociais, negava envolvimento com o caso dos desaparecidos, taxando-as de loucas.

Outra opção para obterem respaldo às suas respostas sobre o paradeiro dos desaparecidos,

além de criar novas oportunidades de denúncia, localizava-se nos canais internacionais.

A atuação das Madres encaixa-se como ativistas transnacionais pois direcionaram o

horizonte de sua denúncia ao âmbito internacional e estabeleceram laços com atores,

movimentos e organismos internacionais. Em suma, os ativistas transnacionais são

[…] indivíduos ou grupos que mobilizam domesticamente e internacionalmente recursos e oportunidades para avançar em suas reivindicações em nome de atores externos, contra oponentes externos, ou em favor de objetivos que possuem em comum com aliados transnacionais (TARROW, 2005, p. 43, tradução nossa).

Os ativistas transnacionais, enquanto grupos guiados por princípios morais, buscam

“[…] mover informações estrategicamente para ajudar a criar novos problemas e categorias

para persuadir, pressionar e ganhar influência perante organizações e governos muito mais

poderosos” (KECK; SIKKINK, 1998, p. 2, tradução nossa). A partir disso, formam-se as redes

transnacionais de advocacia que vão ao encontro das redes formadas pelas Madres

nacionalmente e internacionalmente.

As redes transnacionais de advocacia, segundo Keck e Sikkink (1999), são “formas

de organização caracterizadas por modelos voluntários, recíprocos e horizontais de

comunicação e troca”, chamam-se redes de advocacia por defenderem a “promoção de

causas, ideias, princípios e normas, e regularmente envolverem indivíduos defendendo

mudanças políticas que não podem ser facilmente relacionadas aos seus ‘interesses’” (p. 91,

tradução nossa). Segundo Della Porta e Tarrow (2005, p. 2-3, tradução nossa), as ações

coletivas transnacionais são caracterizadas como “[…] campanhas internacionais

coordenadas por redes de ativistas contra atores internacionais, outros estados, ou

instituições internacionais”.

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Para ilustrar como as Madres romperam com o silêncio dos desaparecidos na

sociedade argentina e enfrentaram a Junta Militar, parte-se da teoria dos repertórios de

confronto político, para a qual as pessoas reivindicam algo coletivamente a outras pessoas,

cujos interesses seriam afetados se tais reivindicações fossem atendidas (McADAM et. al,

2009). As reivindicações vão desde pedidos, súplicas, ataques físicos, petições, palavras de

ordem[2] e manifestações. Portanto, para que haja confronto, é necessário haver uma

mobilização que crie meios e capacidades para a interação coletiva.

Os repertórios representam as ações dos movimentos sociais, constituídos por

práticas alternativas ao longo da história, com o objetivo de reivindicar um propósito num

embate de ideias inovadoras com seus opositores (McADAM et al., 2009). Ao ocuparem os

espaços públicos, as Madres desenvolveram amplos repertórios de confronto político, mas

nem sempre com a mesma intensidade positiva e chamativa para a população, sendo

necessária a modificação de suas táticas. Os confrontos políticos, localizados culturalmente e

socialmente nos indivíduos, não surgem de maneira isolada. Para Sidney Tarrow (2011, p.

16, tradução nossa), o confronto político surge “[…] em resposta às mudanças nas

oportunidades políticas e ameaças, quando os participantes percebem e respondem a uma

variedade de incentivos: materiais e ideológicos, partidários e baseados em grupos, de longa

data ou episódicos”.

3 LEGITIMAR E CONSOLIDAR A AÇÃO COLETIVA: O USO DE FRAMINGS OU

ENQUADRAMENTOS

Uma das maneiras de mover estrategicamente informações ocorre pelo

enquadramento ou framing. Para Keck e Sikkink (1998), o framing é o uso estratégico de

informações por atores, redes transnacionais de advocacia e demais grupos de pessoas para

chamar a atenção do público-alvo e persuadi-lo de que a estratégia utilizada é eficaz,

estimulando outras pessoas a tomarem uma atitude. No caso dos ativistas, há a identificação

de um problema que deve ser explicado de forma tal que as causas defendidas pelos grupos

sejam convincentes ao ponto de serem a causa de outros atores. Ademais, Benford e Snow

(2000) salientam que existem diversos tipos de framings. Os framings, ao tornarem os

acontecimentos significativos por permitirem que a experiência pessoal torne-se em ação,

produzem quadros de ação coletiva, que são “[…] ações orientadas por um conjunto de

crenças e significados que inspiram ou legitimam as atividades e campanhas de uma

organização de movimento social (OMS)” (BENFORD; SNOW, 2000, p. 614, tradução nossa).

No caso das Madres, destacam-se o enquadramento das emoções. Através da

maternidade e dos lenços na cabeça usados de forma político-tática, elas realinharam seus

sentimentos de raiva, tristeza, solidão e luto para chamar a atenção dos argentinos e de

atores internacionais. Consoante Jasper (1997), as emoções constroem as ideias, os

interesses e as identidades dos ativistas. Ao contrário do que alguns cientistas sociais

pensam, as emoções não são opostas à racionalidade, e sim, parte da ação racional. As

emoções não são apenas sensações corporais, são igualmente fruto de construções sociais e

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“sentidas” de determinada maneira. Para Berbrier (1998), os objetivos dos atores podem ser

enquadrados ao lado de seus sentimentos, potencializando a sua ação coletiva ao passo que

esses mesmos sentimentos estão localizados numa determinada cultura em determinado

tempo e espaço.

4 A PRESSÃO INTERNACIONAL COMO ESTRATÉGIA DE DENÚNCIA: O EFEITO BUMERANGUE

Como as Madres ultrapassaram as fronteiras geográficas para denunciar

transnacionalmente as violações de direitos humanos na Argentina? No trabalho de Keck e

Sikkink (1998), as autoras buscam compreender de que maneira atores e grupos em

situações de repressão estatal recorrem a atores e outros canais internacionais para

pressionar seu Estado, como visto durante a vigência da Junta Militar na Argentina.

O modelo teórico criado pelas autoras chama-se the boomerang effect ou efeito

bumerangue: quando não se pode recorrer ao Estado – ou seja, os canais de relação Estado-

atores domésticos encontram-se bloqueados –, os atores e grupos nacionais apelam para

outros Estados, atores estatais e não-estatais fora de suas fronteiras nacionais para que se

pressione o Estado repressor desde fora, visando a promoção de seus objetivos políticos. O

efeito bumerangue alinha-se ao caso das Madres. Quando elas perceberam que a Junta

Militar não daria respostas sobre os desaparecidos, e sim, criaria diversos empecilhos para

deslegitimar suas demandas, decidiram lançar-se ao exterior. Nesse sentido, os movimentos

ou as redes transnacionais de advocacia, para alcançarem seus objetivos, podem pressionar,

persuadir e tornar públicos seus valores através de quatro estratégias:

a) política de informação – gerar informação para alcançar o maior impacto

possível. As Madres articularam-se nacionalmente e internacionalmente, ora pela

ramificação de seu movimento em outras cidades ao trocarem informações com outras

Madres, além do contato com ex-presos/desaparecidos e seus familiares ora por

testemunhos, ora em suas viagens à Europa, EUA e Organizações Internacionais (OIs)

(BOUVARD, 1994; BOSCO, 2001);

b) política simbólica – convencer o público sobre a importância das questões

levantadas pelo grupo através de símbolos, ações ou histórias. O framing das emoções

representa a carga simbólica utilizada pelas Madres para chamar atenção de maneira

imagética, como o uso das fraldas na cabeça e as marchas na Praça de Maio;

c) política de influência – é a construção de laços com atores relevantes,

aumentando-se a arena de atuação do grupo em locais mais difíceis de ganhar influência.

Para influenciar e introduzir a temática dos desaparecidos na agenda internacional, as

Madres contaram com o apoio de representantes diplomáticos da Europa, dos EUA e de OIs

(BOUVARD, 1994);

d) política de responsabilização – demandar respostas às questões dos grupos,

visando que governos e outros atores mudem suas posições ou políticas. Em 1976 e 1977,

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embaixadores argentinos na Europa e nos EUA foram solicitados a prestar esclarecimentos

sobre a situação dos desaparecidos (BOUVARD, 1994).

O ativismo das Madres transnacionalizou-se desde o nacional e estabeleceu laços

com redes locais, internacionais e transnacionais. Nesse aspecto, alguns eventos foram

notórios para criar espaços estratégicos de suas ações à comunidade internacional. Dentre

esses a visita da Anistia Internacional em 1976, a Copa do Mundo em 1978, a visita da

Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados

Americanos (OEA) em 1979 e a Guerra das Malvinas, em 1982.

Portanto, observa-se que as Madres desafiaram a Junta Militar não apenas

nacionalmente, mas também internacionalmente. Com o passar do tempo, aprimoraram

suas táticas políticas e simbólicas na denúncia dos casos dos desaparecidos e receberam

convites para participar em conferências de direitos humanos pelo mundo (BOUVARD,

1994). A seguir, analisa-se a relação das Madres com a Embaixada dos EUA em Buenos Aires.

5 A RELAÇÃO ENTRE AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO E A EMBAIXADA DOS EUA EM BUENOS

AIRES

Segundo William M. Schmidli (2013), a tentativa de institucionalizar os direitos

humanos como parte integrante da política externa dos EUA começou no início da década de

1970. Lobistas e pessoal engajado nos direitos humanos em Washington e membros do

Congresso simpáticos à causa, propuseram uma política contrária à antiga visão

anticomunista de Dwight Eisenhower e Richard Nixon que até então guiava as diretrizes do

país.

5.1 O governo de Jimmy Carter: promessas, avanços e recuos da política externa

James Earl “Jimmy” Carter (1977-1981) propunha uma política externa voltada aos

direitos humanos, o que também fez necessário aproximar o governo dos movimentos de

direitos humanos. A preocupação em melhorar as relações com atores não-governamentais

deu-se pela crítica desses grupos em relação ao passado dos EUA, pois o país tinha apoiado a

instauração de governos militares na América Latina e violado direitos humanos na Guerra

do Vietnã. Exigia-se o reconhecimento dos erros do passado para que a política de direitos

humanos fosse realmente concreta, não apenas presente em discursos.

Contudo, no início de 1977, não estava claro como os direitos humanos seriam

implementados na política externa dos EUA (SKIDMORE, 1994). Dentre os encarregados na

institucionalização da política externa de direitos humanos estava Patricia Derian, designada

Coordenadora do Departamento de Estado para Direitos Humanos e Assuntos Humanitários.

Quando esteve na Embaixada dos EUA em Buenos Aires, os horríveis depoimentos

recolhidos por Derian fizeram com que trabalhasse de maneira ainda mais incisiva para,

através de seu poder e influência, redefinir a relação dos EUA com a Argentina. Iniciou-se um

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processo de denúncia pública da violência cometida pela Junta Militar e bloqueio da

assistência econômico-militar dos EUA ao país pela emenda Humphrey-Kennedy de 1978

(SCHMIDLI, 2013).

A redução da ajuda econômica dos EUA à Argentina por causa de violações de

direitos humanos teriam enfurecido ainda mais a Junta Militar. Para a Junta, os cortes de

Carter não eram somente por uma questão de direitos humanos, mas devido a uma queda

na importância da Argentina na política externa dos EUA (DoS, 1977b).

Derian construiu vínculos com as Madres, sendo a principal articuladora entre a

política externa dos EUA e os movimentos de direitos humanos da Argentina. A Madre Alicia

Moreau de Justo, numa entrevista com Derian, disse que a situação na Argentina era

bárbara e necessitavam de ajuda externa, principalmente dos EUA. Diversas pessoas

recorreram à Derian para lhe contar as suas histórias e mostrar que as petições de habeas

corpus estavam sendo arquivadas pela Junta (SCHMIDLI, 2013).

As Madres, ao reunirem-se na Embaixada, construíram e estabeleceram laços com

os diplomatas estadunidenses. Numa dessas ocasiões, em janeiro de 1977, é evidente o uso

pelo grupo de um dos objetivos das redes transnacionais de advocacia: a política de

influência. Ao testemunharem sobre a situação na Argentina, elas advertiam aos EUA da

necessidade de constranger a Junta Militar. A Embaixada demonstrou a pressão da

administração Carter para a questão de direitos humanos e como a Junta preocupava-se

com a sua imagem: a pressão externa de cortes na ajuda militar dos EUA pela emenda

Humphrey-Kennedy auxiliaria a pressão interna para melhorar a situação de direitos

humanos na Argentina (DoS, 1977a).

A insatisfação da Junta Militar com os EUA ilustra a fase da negação ao ver que o

governo argentino passou a se preocupar com o impacto do ativismo das Madres. A

necessidade de ter que responder negativamente ou positivamente às acusações do grupo

constrangia à Argentina por infringir as regras do regime internacional de direitos humanos

que se consolidava no período. Em sua defesa, contestava a ingerência dos EUA por ferir a

sua soberania nacional, quando a Junta combatia o terrorismo em nome do “mal

comunista”.

A falta de consenso em como os EUA lidariam com os direitos humanos impediram

uma concepção clara da política a ser exercida durante a metade de 1977 (SCHMIDLI, 2013).

Segundo David Skidmore (1993), os principais obstáculos de Carter não eram internacionais,

e sim, nacionais: a baixa legitimidade e a baixa confiança no âmbito doméstico dificultavam

a institucionalização de uma política externa para os direitos humanos.

As pressões domésticas respondiam às pressões internacionais, mas reduziram a

margem de manobra política de Carter. Sua gestão enfrentou o problema de ajustar a queda

da hegemonia dos EUA. As dificuldades estruturais da política internacional, somadas à

pressão no Congresso, tornaram a política externa de Carter próxima da ala conservadora,

afastando-o de seus objetivos iniciais de se alinhar ao regime internacional de direitos

humanos da época e de institucionalizar nos EUA uma política externa para os direitos

humanos.

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As intimidações do governo argentino contra as manifestações públicas das Madres

continuaram ao decorrer dos anos. Para a Embaixada, as prisões de seus membros

maculavam a imagem internacional do governo, pois os militares contrários às medidas da

Junta Militar queriam prejudicar as relações do país com um de seus principais parceiros, os

EUA. Um dos alvos dos militares dissidentes era Viola, o qual foi advertido a frear as

atividades da liberalização democrática em meados de 1981 (DoS, 1981a, 1981b).

Em novembro, as Madres pediram ao embaixador Raúl Castro uma reunião. O

grupo demonstrava a sua confiança nos EUA para auxiliá-las na busca por seus filhos: “[…]

estamos confiantes de que nossa esperança não vai se decepcionar com o interesse dos

Estados Unidos para apoiar os direitos humanos na Argentina” (DoS, 1977c, tradução nossa).

A expectativa das Madres, colocada sobre os EUA, condiz com as relações estabelecidas com

o corpo diplomático do país e com o comprometimento de Carter para com os direitos

humanos. Ao pressionar a Embaixada, as Madres utilizavam outra estratégia das redes

transnacionais de advocacia: a política de responsabilização, na qual são demandadas

respostas sobre o destino dos desaparecidos não apenas da Junta Militar, mas dos atores

internacionais que se comprometeram em respeitar as normas internacionais de direitos

humanos e apoiar o grupo.

No dia 8 de dezembro de 1977, o desaparecimento de 12 membros das Madres e

duas freiras francesas (Alicia Doman e Renee Duguet) foi a faísca para o início da queda da

imagem internacional da Junta Militar como isenta de responsabilidade sobre as violações

de direitos humanos. O caso também possibilitou novas estratégias de denúncia das Madres

com a ajuda internacional. O objetivo do encontro do grupo era reunir dinheiro para publicar

outro anúncio nos jornais da Argentina. Derian, preocupada, avisou à Embaixada de que o

caso apareceu no New York Times, um dos maiores jornais dos EUA (DoS, 1977d).

As informações que chegavam em Washington propiciaram novas sanções

econômicas à Argentina, o que para Derian significou redirecionar a atenção internacional

sobre a Junta Militar e conseguir concessões no âmbito dos direitos humanos nesse

processo. Com a medida Humphrey-Kennedy, a ajuda securitária e militar dos EUA ao país

terminaria dia 30 de setembro de 1978 devido às contínuas violações de direitos humanos e

restrições das liberdades civis pautadas numa política securitária, mesmo sem a suposta

ameaça terrorista. Na visão da Embaixada, a Junta Militar estaria mais preocupada com a

eliminação da subversão do que manter boas relações com os EUA (DoS, 1978a).

Entretanto, os esforços de Carter para constranger internacionalmente a imagem

da Argentina não diminuíram significativamente o número de desaparecidos. Durante seu

primeiro ano no governo, cerca de 80 por cento dos desaparecimentos ocorreram entre

1976 e 1977, e o número caiu pouco durante o início de 1978. A Argentina parecia sofrer

pouco com as pressões dos EUA por possuir outros parceiros econômico-militares, como a

Europa Ocidental e Israel, por exemplo (SCHMIDLI, 2013).

A suposta independência da Argentina seguia seu projeto de projeção internacional.

Conforme a Ata 75 de 7 de setembro de 1978 das reuniões da Junta Militar, as relações do

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país deveriam buscar um papel significativo no âmbito internacional regional; recuperar sua

antiga presença e afirmar sua capacidade de expandir a sua cultura (ARGENTINA, 2014a).

Ao contrário do apoio da Embaixada prometido às Madres, a decisão dos EUA não

prezou pelos direitos humanos. As pressões internas sobre Carter fizeram com que sua

política externa voltasse a ser semelhante aos governos anteriores: defensiva e expansiva.

Ao priorizar as relações econômicas com a Argentina ao invés dos direitos humanos, os EUA

tornaram as atividades na Embaixada ainda mais delicadas durante 1979 (SCHMIDLI, 2013).

Os direitos humanos, dadas as dificuldades domésticas nos EUA, retornaram à periferia da

agenda de política externa do país antes mesmo de Ronald Reagan assumir a presidência.

5.2 O governo de Ronald Reagan e a diplomacia silenciosa

Durante a presidência de Ronald W. Reagan (1981-1989), o declínio da estratégia de

ajuste de Carter para uma política externa pautada na diplomacia preventiva e nos direitos

humanos aumentou. Os direitos humanos, temática que já deixara de ser prioridade nos

primeiros anos de sua gestão, foram afastados explicitamente da agenda política com o

governo de Reagan (SKIDMORE, 1993; SCHMIDLI, 2013).

Segundo John Dumbrell (1997), Reagan estava mais inclinado a recuperar o apoio

doméstico com políticas voltadas aos assuntos nacionais em vista a legitimar seu governo. As

principais preocupações do governo agora eram com a desregulamentação do mercado,

abertura comercial, aumento nos gastos bélicos para deter os avanços econômico-militares

da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a expansão do comunismo, controlar

o terrorismo e exaltar o nacionalismo democrático liberal. O novo Secretário de Estado,

Alexander Haig, foi responsável por realinhar a diplomacia preventiva de Carter a uma

diplomativa coercitiva: a interdependência não deveria ser vista como um fator limitante aos

EUA, e sim, uma oportunidade de expansão mundial da política externa do país (DUMBRELL,

1997).

Os empréstimos econômicos, comerciais e militares na gestão Reagan não eram

dependentes do status dos direitos humanos nos países com governos ditatoriais como

Carter propôs inicialmente pelo Ato de Ajuda Externa. Ou seja, a restrição de auxílio

econômico e militar aos países violadores de direitos humanos não seria um obstáculo às

relações bilaterais com os EUA; era, pois, uma clara demonstração de que os direitos

humanos não eram mais prioridade da agenda política do governo. Para a Junta Militar, isso

significou a possível retomada da inserção da Argentina na política internacional e o

reconhecimento da legitimidade do governo. Entretanto, um grande retrocesso aos olhos

dos organismos de direitos humanos e às perspectivas das Madres em terem o apoio dos

EUA.

Mesmo com a notoriedade internacional das Madres e o apoio de cerca de 36

membros do Congresso dos EUA, esse capital de política de influência doméstica nos EUA

estava em risco devido aos novos direcionamentos da administração de Reagan. Se antes já

existiam grandes dificuldades em institucionalizar uma política externa de direitos humanos,

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vislumbrada pelas Madres e seus aliados nos EUA (Derian e Tex Harris), os congressistas pró-

direitos humanos enfrentaram ainda mais a oposição conservadora (DoS, 1981c).

Em 1981, Hebe de Bonafini e María Antokoletz foram aos EUA para se encontrar

com grupos de direitos humanos. Além de relatarem a existência de 40 novos casos de

desaparecidos em 1980, pressionaram o governo dos EUA a confirmar se a emenda

Humphrey-Kennedy cairia em desuso, mas foram informadas de que as vendas de insumos

militares seriam apenas pontuais (DoS, 1981e). Apesar da promessa dos EUA em manter a

emenda, a Embaixada notou que as mudanças na área de direitos humanos nos EUA

afetavam seu trabalho. Após alguns meses, Reagan articulou com sucesso toda a sua

influência política perante congressistas e empresários e fez com que o Congresso dos EUA

retirasse os embargos econômicos sobre a Argentina. Em 1981, a política de Carter de votar

contra empréstimos institucionais financeiros internacionais por causa de direitos humanos

no país foi extinguida (SCHMIDLI, 2013).

Após chegarem dos EUA, esperançosas de que haveria mudanças substanciais na

crise de direitos humanos, as Madres foram presas pela Força Aérea, que pegou seus

documentos pessoais, lista de desaparecidos e cartas de apoio ao grupo (DoS, 1981f). A

Embaixada, após ser informada pelas outras Madres sobre a detenção das líderes,

encarregou-se de entrar em contato com oficiais do governo argentino para reaver seus

itens pessoais, além de solicitar esclarecimentos sobre a ação ostensiva da Força Aérea (DoS,

1981g).

Na Praça de Maio, apesar das represálias dos militares, as marchas retomaram o

ritmo lentamente, pacíficas e sem acidentes, contando com a presença da Embaixada. O

objetivo era obter informações sobre os desaparecidos e libertar os presos políticos, acabar

com o Estado de Sítio e julgar os perpretadores. As Malvinas, dentre outros fatores, foi um

elemento legitimador da luta pelos direitos humanos dos grupos domésticos. Para as

Madres, representou um momento de crítica ao governo por uma ação incalculada, onde

diversos jovens despreparados morreram pela negligência da Junta Militar (DoS, 1981d;

1981h). Na visão dos EUA, a derrota da Junta Militar representou uma nova oportunidade

para pressionar o Congresso a apoiar os movimentos de direitos humanos argentinos e,

novamente, manter o órgão ativo, apesar do cercamento da oposição de Reagan (SCHMIDLI,

2013).

As críticas das Madres à conduta dos EUA para com os direitos humanos

continuaram. Em 1983, Bonafini participou de uma reunião com James Thyden, Diretor do

Escritório de Direitos Humanos dos EUA, afirmando que os EUA não estavam mais auxiliando

o grupo na busca de informações sobre desaparecidos e que doía ver o quão “[…] silenciosa

a administração de Reagan estava perante os direitos humanos, particularmente com os

desaparecidos na Argentina” (1983a, p.1, tradução nossa). Bonafini expôs a preocupação das

Madres de que os EUA não emitiram nenhuma posição sobre a Lei de Anistia (proclamada

em 23 de setembro) e que manter boas relações com a Junta Militar parecia ser mais

interessante à Reagan do que promover os direitos humanos na Argentina.

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Em relação ao silêncio dos EUA, Thyden disse que a política de direitos humanos da

administração de Reagan acreditava numa diplomacia silenciosa ao invés do uso de

discursos públicos e que apoiava o retorno da democracia na Argentina. Informou também

que, apesar de Reagan não corresponder a todas as demandas das Madres, suas

preocupações eram consideradas pelos políticos em Washington (DoS, 1983a).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Unidas pela dor, as Mães da Praça de Maio enfrentaram a truculência da ditadura

civil-militar argentina em busca de seus filhos desaparecidos. Num contexto hostil, de

extrema repressão das liberdades político-civis, mulheres e mães com pouca instrução e/ou

envolvimento na política quebraram paradigmas que as confinavam no âmbito privado de

suas casas (BOUVARD, 1994). Contudo, a indiferença do governo militar e da sociedade

dificultavam as tentativas dos movimentos de direitos humanos de coletar informações

sobre o caso dos desaparecidos. Por isso, as Madres viram a necessidade de articular

internacionalmente a sua luta e os seus contatos para denunciar ao mundo as atrocidades

cometidas pelo governo militar. Esta pesquisa buscou, dentre os vários contatos

internacionais das Madres, investigar como elas utilizaram suas estratégias transnacionais

para conseguir o apoio dos EUA pela sua Embaixada em Buenos Aires, a fim de obter

respostas e informações sobre os desaparecidos.

Igualmente, houve a (re)ocupação dos espaços públicos, primordialmente pela

resistência na Praça de Maio. Embora tamanhas ações e exposições públicas para obterem

informações, as Madres recorrentemente ouviam do Estado que não se sabia onde os

desaparecidos estavam. Essa obstrução comunicativa entre a esfera governamental e as

Madres evidencia as estratégias de transnacionalizar sua luta do nacional ao internacional.

Ao final da presidência de Carter, nota-se o retorno da gramática dos direitos

humanos às margens da política externa dos EUA, dando início num processo contínuo de

desestabilização das oportunidades políticas que as Madres buscavam no país para

encontrar os desaparecidos. Novos acordos internacionais sobre armamentos, empréstimos

econômicos e financeiros foram assinados com a Argentina. A própria opinião pública

estadunidense demandava maior envolvimento com questões securitárias e menos com a

pauta de direitos humanos. Nesse contexto, as causas internas teriam sido os principais

fatores que dificultaram a institucionalização de uma política externa de direitos humanos,

dado o baixo capital político que Carter possuía no Congresso (SKIDMORE, 1993; SCHMIDLI,

2013).

Conforme os telegramas da Embaixada, apesar do escândalo do desaparecimento

de 12 membros das Madres e de duas freiras francesas (seguidas de assassinato), as

restrições comerciais e financeiras pelos EUA não continuaram. A maior parte dos

congressistas eleita sob a promoção dos direitos humanos mudou seu posicionamento por

causa das novas configurações de suas relações (retomada das relações com China e Oriente

Médio), ademais da escalada hostil da URSS perante o governo Carter. Havia uma

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dissonância entre as decisões em Washington – aparentemente alheias aos direitos

humanos na Argentina – e a Embaixada em Buenos Aires, a qual mantinha seu contato e

apoio às Madres.

As Madres persistiam ao afirmar que a Junta ainda não divulgava informações

precisas sobre os desaparecidos. O acolhimento recebido pela Embaixada não parecia

exercer a mesma pressão de outrora. Com Reagan, as perspectivas de uma política externa

de direitos humanos pioraram ainda mais. Ao contrário de Carter, Reagan afirmava que a

década de 1970 tinha sido uma perda para a política internacional dos EUA, sendo

necessária a auto-renovação da hegemonia do país e o redirecionamento para problemas

domésticos (DUMBRELL, 1997). Em 1981, no início de seu mandato, uma de suas primeiras

medidas foi retirar os embargos econômicos à Argentina, causando grande preocupação ao

Departamento de Direitos Humanos (conduzido por Patricia Derian), à Embaixada e às

Madres.

As Madres demonstraram-se decepcionadas com a diplomacia silenciosa de

Reagan, a qual propunha negociações privadas sobre questões de violações de direitos

humanos ao invés de discussões públicas e transparentes. O grupo rebateu as justificativas

dos diplomatas por ver que se tratava de um retorno aos princípios de Henry Kissinger: os

direitos humanos eram tão importantes quanto quaisquer temáticas da política externa.

Para as Madres, o silêncio dos EUA representava o distanciamento do país com a causa de

direitos humanos que tanto havia sido promovida por Carter, além da conivência de Reagan

com as violações de direitos humanos na Argentina. Por conseguinte, as estratégias

transnacionais das Madres em buscar apoio externo através da Embaixada foram

paulatinamente constrangidas exatamente por uma de suas principais esperanças: a crença

numa política externa de direitos humanos dos EUA.

NOTAS DE FIM

[1] Destaca-se a participação civil na construção e sustentação das ditaduras militares. Sem o

apoio civil (elites políticas, empresariado e população) contesta-se a legitimidade e

durabilidade das ditaduras (SZNAJDER, 2003).

[2] As palavras de ordem das Madres surgiram para chamar a atenção da população, como

“Aparição com Vida” num protesto à Junta Militar, aos grupos políticos e organismos de

direitos humanos que persistiam em dizer que os desaparecidos estavam mortos. Em 1983,

ao final da ditadura, nas discussões sobre a responsabilidade pelos crimes cometidos, o

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250

BUROCRATIZAÇÃO NO PROCESSO DE ACESSÃO À OMC

BUREAUCRACY ON THE PROCESS OF ACCESS TO THE WTO

Marco Antonio Viegas de Oliveira22

Resumo: A Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em janeiro de 1995, ao longo

de sua história teve objetivos alcançar a liberalização do comércio mundial através do

estabelecimento e aplicação de regras para a remoção de barreiras. O principal problema

apresentado é de como a burocratização no processo de acessão tem dificultado a

concretização da OMC como uma Organização Internacional global e a falta de

adaptabilidade da organização para acolher economias não de mercado. É importante

analisar o porquê de uma organização nomeada mundial, não possui todos os Estados e

quais são os efeitos da não participação. Em conclusão o trabalho considera o potencial para

acessão global à OMC e os obstáculos à sua realização. Sendo grande parte dos potenciais

novos membros, Estados menos desenvolvidos, microestados e economias em transição.

Palavras-chave: Organização Mundial do Comércio; Acessão; Burocratização; Adesão Global.

Abstract: The World Trade Organization (WTO), established in January 1995, throughout its

history, has aimed to achieve the liberalization of world trade through the establishment and

application of rules for the removal of barriers. The main problem presented is how

bureaucratization in the accession process has made it difficult for WTO to achieve global

international organization status and the organization's lack of adaptability to accommodate

non-market economies. It is important to analyze the reason for an organization named

“World Trade” if it´s not composed of all States and what are the effects of non-

participation. In conclusion the study considers the potential for global membership to the

WTO and the obstacles to its achievement. A large proportion of potential new members are

less developed states, micro-states and economies in transition. All with individual

peculiarities, which must be taken into consideration.

Keywords: World Trade Organization; Accession; Bureaucratization; China; Global

Membership.

1 INTRODUÇÃO

Atualmente a OMC conta com a participação de 164 membros plenos e 21

membros observadores. É importante destacar que a categoria de membros observadores é

reservada como estágio intermediário, já que os aceitos como tal são obrigados a começar

22

Graduando em Relações Internacionais no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC-MG).

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as negociações de adesão dentro de cinco anos de se tornarem observadores. A OMC abriu

apenas uma exceção para a Santa Sé que, apesar de ser membro observador, não precisa

ambicionar a tornar-se membro pleno.

As pesquisas sobre o tema “Acessão” são de grande relevância para os estudos das

relações internacionais. Vários acadêmicos estudam o processo partindo de diferentes

perspectivas e comprovando diferentes teses sobre o processo. Como por exemplo os

argumentos clássicos para a acessão à uma organização internacional tem sido baseada

numa lógica funcionalista que os estados ganham benefícios da cooperação

institucionalizada que superam qualquer perda correspondente na soberania nacional. Outra

forma de analisar a importância e os principais efeitos das acessões são apresentados pelo

autores Mansfield e Pevehouse como função da participação dos Estados em transição nas

OIs para se comprometer mais credívelmente com as reformas democráticas liberais

(BRAZYS, 2014)

Trabalhos anteriores sobre a explicação da acessão à OMC concentraram na

explicação da duração do processo. Como por exemplo, os autores Davis e Wilf em 2012 no

seu artigo estudam a perspectiva sobre o tempo das negociações utilizando um modelo de

risco proporcional de Cox para analisar o “perigo” da acessão, com matriz de variáveis

independentes para explicar as diferenças no momento da decisão de acessão. Já o autor

Wong em 2008 no seu trabalho apresentou que as democracias tendem a ter períodos de

adesão mais curtos do que as não-democracias, enquanto o autor Jones em 2009 concluiu

que o aumento no número de acessos anteriores, aumentaram os níveis tarifários existentes

e os aumentos na participação dos governos. (BRAZYS, 2014)

Inspirado no trabalho dos autores (CATTANEO; BRAGA, 2009) sobre o processo, as

obrigações, os benefícios, os termos, as questões contenciosas e as implicações da acessão à

OMC. O presente trabalho vai além, sendo seu objetivo geral é analisar o processo de

acessão à OMC, comparando os meios de acessão do pelo GATT e pela Acordo da OMC,

apresentando as mudanças jurídicas no processo. Apresentar as funções e sua estrutura,

qual identifica a manutenção, apresentar as etapas de acessão levando em consideração os

protocolos especiais. Sendo o processo de acessão considerado ao longo dos anos com

maior complexidade para se fazer parte, o trabalho apresenta um capítulo sobre as

vantagens e as razões por não fazer parte.

Sendo que maioria dos membros que não fazem parte da organização países em

desenvolvimento, o trabalho dedica estuda quais são as implicações que dificultam o seu

processo. Além da dificuldade dos países em desenvolvimento, a participação das ENMs

assim como sua acessão é um campo qual o trabalho analisa o processo e as diferenças do

protocolo especial da acessão da China, as WTO-plus obligations.

O desenvolvimento do projeto foi baseado em um método descritivo e histórico,

para compreender o processo de acessão de novos membros na OMC. O método descritivo

apresenta a organização (OMC) em sua funcionalidade e finalidade, com o intuito de reger o

comércio internacional. A pesquisa apresentará um estudo de casos como exemplo para

compreensão do processo de acessão. Além da metodologia descritiva, foram utilizados

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dados qualitativos para tentar responder à pergunta principal do projeto e apresentar os

impactos das diferenças dos processos de acessão em termos econômicos.

2 DIFERENÇAS NO PROCESSO DE ACESSÃO AO GATT E A OMC

Para fazer parte do GATT, o instrumento de acessão na época seguido era o

ARTIGO XXXIII – ADESÕES – Todo governo que não seja parte no presente Acordo ou que aja em nome de território aduaneiro distinto gozando de inteira autonomia na conduta de suas relações comerciais exteriores e de outras questões tratadas no presente Acordo, poderá aderir ao presente Acordo, por sua conta ou por conta desse território, em termos a serem ajustados entre esse governo e as Partes Contratantes. As decisões previstas no presente parágrafo serão tomadas pelas Partes Contratantes por maioria de dois terços. (ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS ADUANEIRAS E COMÉRCIO, 1947)

No GATT, existiam dois processos de acessão. O processo de acessão padrão estava

descrito no artigo XXXIII do acordo. Porém, a maior parte dos detalhes da acessão era

delegado ao grupo de trabalho (Working Party). Um grupo de membros existentes que

optou por supervisionar o processo de acessão de um novo requerente. O Grupo de

Trabalho e o país candidato realizavam consultas e negociavam uma programação sobre

acordos tarifário, que seria então apresentado ao Conselho Geral do GATT. O artigo XXXIII do

GATT exigia formalmente uma votação por maioria de dois terços para adotar o acordo,

embora, na prática, tivessem ocorrido poucos votos. (VANGRASSTEK, 2013)

Em seu período histórico de acessões, podemos identificar uma maneira diferente

de entrada a OMC. A maioria dos países em desenvolvimento diferentemente de acessão,

fizeram sucessão, principalmente os países em desenvolvimento. Utilizando os termos

especiais do artigo XXVI, que apresentava que os Estados que obterão independência de

suas colônias, pôs período de guerra, entraram para o GATT. Este processo se mostrou

muito menos rigoroso e reduziu os custos de entrada para os países elegíveis para aderir ao

Artigo XXVI do GATT em comparação com a maioria dos países que aderiram seguindo o

Artigo XXXIII (VANGRASSTEK, 2013). O resultado foi a entrada de novas economias, ajudando

no período de transição a obter acesso ao mercado assim como compartilhar de tarifas pré-

estabelecidas. Inclui grande parte dos países do Caribe e da África, bem como países da Ásia,

do Oriente Médio e também da Europa. Utilizando deste mecanismo, houve uma

diversificação no número de participantes na OMC, transformando para maioria dos

membros com status de em desenvolvimento. Em número, metade (64) dos 128 países que

aderiram ao GATT foram através de sucessão (VANGRASSTEK, 2013).

Atualmente não existe nenhum mecanismo que se equivale a este, como maneira

de se obter acesso a OMC. Com o passar do tempo a lista de concessões tarifárias para

entrar para o GATT foram aumentando, assim como seu número de participantes. Tornando

o processo mais complexo:

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While there are a great many ways in which the WTO may be distinguished from GATT, the process of accession is one where the differences are in degree rather than kind. The accessions to the WTO cover a wider range of issues and tend to take much longer to complete, but the process is procedurally and politically quite similar to what it was in the late GATT period (VANGRASSTEK, 2013, p.122).[1]

Podemos identificar uma similaridade entre o processo de acessão ao GATT e a

OMC. Pois seguem os mesmos artigos, que são apresentados de forma breve e

consequentemente podemos notar a ausência de orientação sobre os termos a serem

acordados para a acessão, não apresentam as etapas processuais para futuros novos Estados

a seguir. Por isso, foram desenvolvidos documentos adicionais fornecendo aos possíveis

novos membros algumas orientações sobre o processo de acessão. Mesmo com estes

documentos existe uma notável complexidade dos desafios atuais, o processo de acessão à

OMC se apresenta como mais oneroso e com uma negociação de longo prazo.

The WTO Article 12 process is formally the same as the GATT Article 33 accession

process, but non-member countries acceding through the WTO Article 12 have a longer list

of required agreements to negotiate (including GATS, TRIMS, and TRIPS) before gaining WTO

membership (VANGRASSTEK, 2013, p.123)[2]

Alguns autores observaram que os compromissos negociados no protocolo de

adesão de países candidatos a OMC, ultrapassam as obrigações dos países membros da

organização.

O autor Collier, apresenta dois grupos divergentes de países em desenvolvimento

que fazem parte da organização.

The new members of the WTO are largely developing countries. However, they are not cohesive. To simplify, there are two substantial groups. One is made up of countries that are sufficiently integrated into the new world economy, and sufficiently large, to have a genuine interest in bargaining for reciprocal liberalization (free riders). The other group of developing countries consists of those that are for one reason or another sufficiently marginalized in the world economy that they do not have a realistic interest in bargaining over market access. (COLLIER, 2005, p.6)[3]

Conforme mencionado anteriormente, a participação dos países em

desenvolvimento na organização, aumentou com o passar do tempo. Tendo hoje um

número maior do que de países desenvolvidos. Porém nem todos seguem os mesmos

princípios.

Além da comparação do processo de acessão dos Estados via GATT e pelos

procedimentos de acessão da OMC, devemos analisar o fato que tanto o artigo XXIII do GATT

de 1947 como o artigo XII do Acordo de Marraquexe permite a adesão por “Estados” ou

“Território Aduaneiro Distinto” desde que o governo deste, tenha plena autonomia na

condução das suas relações externas e comerciais e nas outras matérias previstas no Acordo.

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Diferente do artigo 4º da Carta das Nações Unidas qual permite a adesão apenas de

“Estados” que satisfazem os seus requisitos. Por esta razão o número de membros da OMC

é, portanto, consideravelmente mais amplo do que o da ONU. (TOOHEY, 2012)

For this reason, there are quite a number of current and potential WTO members that are unable to attain UN membership, but that are nonetheless very significant members of the WTO. Hong Kong and Macau are perfect examples — as Special Administrative Regions of the People’s Republic of China, they are not members of the UN, but are both original members of the WTO (TOOHEY; LISA, 2012, p.99)[4]

Além de Macau e Hong Kong, outra organização supranacional classificada como

território aduaneiro distinto, uma “União Económica e Monetária” conhecida como União

Europeia, é membro da OMC desde 1 de janeiro de 1995. Um membro da OMC, apesar de

ter apenas um estatuto de observador na ONU. Os seus 28 Estados-Membros são

igualmente membros da OMC por direito próprio. A U.E é uma única união aduaneira com

uma política comercial única e uma pauta separada. A Comissão Europeia, o braço

executivo, fala por todos os Estados-Membros da U.E em todas as reuniões da OMC.

3 IMPLICAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE ACESSÃO

O processo de Acessão pode ser apresentado como básico para qualquer tipo de

organização, porém apresenta vários desafios para os requerentes. Um alto nível de

conhecimento interno e capacidade é requerido pois deverá ser feita uma análise económica

significativa para incluir no memorando. Os Estados devem ter a capacidade de desenvolver

e administrar as leis e os processos necessários para cumprir as obrigações comerciais

negociadas, desta forma devem ter apoio interno para que a acessão ocorra mais rápido. É

necessário ter um corpo docente, com capacidade e habilidades para negociar com os

membros atuais, tendo amplo conhecimento sobre os acordos legais e os interesses

comerciais do Estado requerente, conforme apresentado anteriormente, os membros atuais

querem que os novos membros cumpram suas obrigações e procuram fazer maiores

demandas de acordo com seu próprio interesse. Os novos membros devem trabalhar para

garantir que os novos acordos para acessão não se tornem um processo com mais custos do

que os benefícios da participação. (I.I.S.D, 2002)

Levando em conta os desafios de acessão, à OMC oferece assistência técnica para o

processo, onde um corpo técnico pretende ajudar em vários pontos cruciais assim como

fornecer orientação de longo prazo. Porém vários observadores, reconhecem que o

processo de assistência técnica oferecido pela OMC é inadequado para a maioria dos países

em desenvolvimento e para outros que necessitam. Os novos membros estão cada vez mais

sujeitos a obrigações mais elevadas do que as previstas nos Acordos de 1994, com a inclusão

de mais serviços nos seus compromissos de liberalização.

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As abordagens da assistência técnica são para as etapas de negociações,

averiguação e a formulação do memorando desta forma se limitando. Não são oferecidas

orientações sobre a compreensão das obrigações legais e sua relação com as questões

domésticas individuais. A assistência técnica não possui um objetivo mais amplo de

relacionar o processo de adesão aos diferentes aspectos sociais, ambientais e culturais,

como o conhecimento sobre a realidade do Estados requerentes e seus reais interesses.

Pouca assistência, se houver, está disponível para os impactos econômicos e de

sustentabilidade. O aumento dos recursos e uma melhor coordenação da assistência

interinstitucional são dois caminhos sugeridos para a melhoria. (I.I.S.D, 2002)

The process is administratively demanding, requiring the collation of many types of documents and the preparation of large dossiers of information about the trade regime including statistical information that may not have previously been collected.89 There are also requirements to translate large amounts of information into one of the working languages of the WTO (French, Spanish or English), which is very costly and requires highly skilled personnel, e. For negotiations, diplomats need not only to be skilled in the negotiation process, but also to have advanced knowledge of WTO principles and how these are translated into a domestic regulatory context. (TOOHEY, 2013, p.11) [5]

Outro desafio comum no processo, como apresentado anteriormente, são as

imposições pelo Estados membros, conhecidas como OMC-plus, na tentativa de alcançar o

maior número de concessões possível.

Os sucessos de acessão de 2012 não deve levar os observadores a subestimar as

barreiras para concluir com sucesso o processo de acessão. Os obstáculos processuais e

substanciais enfrentadas pela maioria dos não-membros são amplos e substanciais.

(TOOHEY, 2013)

Os membros da OMC contam com um mecanismo de optar por não reconhecer a

acessão de um novo membro. Referido no artigo XIII como ‘não conformidade’, a única

obrigação dos atuais membros é o dever de notificar a intenção de não conformidade a

Conferência Ministerial antes da aprovação. Exemplos de sua utilização são da Turquia para

com o processo da Armênia e por El Salvador em relação à China. Assim como pelos Estados

Unidos na acessão de muitas das economias em transição menores, como à Mongólia,

República do Quirguistão, Geórgia, Arménia, Moldávia e Vietnam. (TOOHEY, 2013)

Existe um sentido extraviado de que a acessão da China e Federação Russa,

completaram as principais negociações para economias em transição, embora a associação

de estados com economias em transição está longe de ser universal.

4 MOTIVOS PELA NÃO-UNIVERSALIZAÇÃO DA OMC

Em conclusão, a falta de representatividade da participação das principais

economias diminuíram a importância da presença dos Estados que não fazem parte.

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Relatado por (JONES, 2001 apud TOOHEY, 2012) de acordo com estatísticas recentes, os

membros da OMC representam atualmente mais de 97% do comércio mundial.

Atualmente, existem 23 membros da ONU em várias etapas do processo de adesão:

Argélia, Andorra, Azerbaijão, Bahamas, Bielorrússia, Butão, Bósnia e Herzegovina, Comores,

Guiné Equatorial, Etiópia, Irão, Iraque, Cazaquistão, Libanês, República, Libéria, República da

Líbia, São Tomé e Príncipe, Sérvia, Seychelles, Sudão, República Árabe Síria, Uzbequistão e

Iémen. Esses Estados constituem 12,5% do Total da ONU. Há mais 14 que são membros da

ONU (sete por cento do total de membros da ONU), mas que não se candidataram à adesão

à OMC. Esses são Eritreia, Kiribati, República Democrática Popular da Coreia, Ilhas Marshall,

Micronésia, Mónaco, Nauru, Palau, San Marino, Somália, Sudão do Sul, Timor-Leste,

Turquemenistão e Tuvalu. (TOOHEY,2012)

Para autora (TOOHEY,2012) a adesão universal é um conceito regularmente

construído baseado nos processos de acessões, geralmente entendido como acesso de todos

os membros reconhecidos pelas nações unidas à OMC.

A OMC apresenta negócios em andamento para atingir a acessão total. Como

descrito por (JONES,2009 apud BRAZYS, 2014) a adesão universal estabeleceria uma base

global de acesso recíproco, institucionalizado e de mercado, baseada no princípio da não

discriminação, incorporado pelas relações comerciais ou princípios como nações mais

favorecidas e o princípio de tratamento nacional.

Ao identificar os Estados que não são membros, é possível identificar uma

tendência/identidade. Sendo as características principais; eles são pequenos, e muitas vezes

pobres, estados insulares. São Estados fechados em termos de partes de comércio global.

Alguns Estados possuem características mais específicas como Somália e Coreia do Norte

que, embora pobres, também são relativamente grandes, mas que também são dois dos

Estados mais politicamente problemáticos do sistema internacional, pode se entender que

fazer parte da organização não está dentro dos seus objetivos (BRAZYS, 2014)

Os custos financeiros do processo de acessão são fixos, independentemente do

tamanho de um Estado aplicante, desta forma o custo é proporcionalmente muito maior

para os pequenos estados.

Os pequenos Estados podem ser classificados pela pequena população e área de

extensão, muitas vezes Estados com baixos níveis de desenvolvimento. Porém os

microestados não são uniformes em seu grau de vulnerabilidade econômica. Um número de

microestados pode ser classificado como ambos com vulnerabilidade económica e baixo

nível de desenvolvimento como Tuvalu, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe, e Kiribati.

(BRAZYS, 2014)

Outro pequenos Estados como Mónaco, San Marino, Andorra, e as Bahamas são

extremamente países de alta renda com pequenas territórios e populações extremamente

pequenos conhecidos como paraísos fiscais. Com foco nos serviços financeiros

internacionais. Os perfis econômicos os classificam como Estados diferente dos outros

pequenos não membros. A decisão de não se tornar membro pode ser entendida pela

preocupação sobre a liberalização seus setores de serviços financeiros. (BRAZYS, 2014)

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Alguns dos estados que não fazem parte da organização, contam com governos com

diferentes graus de autonomia e independência dos estados aos quais pertencem

oficialmente. Alguns destes territórios são elegíveis para adesão à OMC dependendo da

interpretação do art. XII exigência de “plena autonomia na condução de suas relações

comerciais” Muitos destes territórios têm, por exemplo, poder legislativos, judiciários e

alfandegários e podem afirmar que são elegíveis para acessão. Estados que tenham

declarado independência e tenham obtido reconhecimento, mas não são membros da ONU,

também podem ser elegíveis para adesão à OMC e Palestina, Kosovo, Chipre do Norte, e

Transnístria. (BRAZYS, 2014)

As “economias em transição” fazem parte de uma posição onde a política está

passando por mudança, de uma economia centralmente planificada para uma economia

descentralizada com base em princípios de mercado. Seis dos atuais não-membros são

considerados economias em transição por esta definição: Uzbequistão, Azerbaijão,

Bielorrússia, Cazaquistão, Turcomenistão e na Bósnia Herzegovina. Revendo as acessões do

passado das economias em transição, é claro que muitos legados de economias com

planejamento central complicaram o processo. Os altos níveis de propriedade estatal

tendem a não proporcionar um ambiente transparente qual a OMC exige dos Estados

aderentes. (TOOHEY,2012)

Caso os Estados não façam parte das instituições internacionais, os motivos podem

ser identificados como por escolha, indiferença ou barreiras. Os estados não apresentam

capacidade ou incentivos para se juntarem (não podem ou não querem) e / ou não tiveram

de enfrentar uma pressão externa significativa em tal direção. O aumento do número de

missões diplomáticas e do volume das exportações de produtos manufaturados aumentam a

probabilidade de seguir o caminho de acessão (BRAZYS, 2014).

A solução é possível resultado de concluir a participação universal de todos os

membros da OMC, seria ao invés de exigir compromissos conhecidos como “WTO-plus” na

liberalização de bens e serviços dos demais, os membros deveriam se concentrar em

explorar maneiras pelas quais instrumentos como o Tratamento Especial e Diferencial e / ou

a Ajuda para o Comércio podem colaborar para incorporar todos ao sistema de comércio

global. (BRAZYS, 2014)

Sendo os o benefício econômico de elevar o s status contando com universalização,

os ganhos práticos e econômicos são insignificantes, porém fornece benefícios significativos

para governança econômica global.

O impacto da presença dos Estados considerados pequenos podem ser notados

pelos grandes, conforme os autores Brazys e Toohey apresentam em seus trabalhos.

The impact of small states in international affairs can be significant and, as Panke

(2012) describes, small states can ‘punch above their weight’ in international relations. Small

states can shape outcomes, but only if they sit at the negotiating table.” (BRAZYS, 2014,

p.19)[6]

Sendo que o modelo de tomada de decisão na organização o consenso. As

participações de um grande número de membros muitas vezes dificultam avanços nas

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258

negociações. Temos atualmente a congelamento da rodada de Doha dentro da OMC, com

pouca previsão de andamento, podemos identificá-la como resultado deste efeito.

Seguindo os mesmos erros cometidos durante a liga das nações, onde os pequenos

membros poderiam embargar as negociações das grandes potências. O mecanismo que

presume que qualquer membro possa negar a acessão de um possível novo membro, reflete

o mesmo erro. A não participação diminui os riscos e o número de concessões que são feitas

para receber apoio na tomada de decisão.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir o trabalho apresentou como o GATT-1947 se mostrou insuficiente para

lidar com os problemas da comércio internacional pelos novos desafios apresentados pela

globalização, pois não foi criada para ser global. As complexidades dos novos desafios não

eram compreendidas pelas regras estabelecidas em 1947. Na época poucos países em

desenvolvimento participavam do GATT, mesmo estes eram marginalizados ou escolhiam se

marginalizar, utilizando do princípio de tratamento especial.

A OMC acolheu as economias emergentes, e seu novo sistema de solução de

controvérsia possibilitou a contestação, de irregularidades cometidas pelas chamadas

grandes potências. Além do aumento do número economias em desenvolvimento, a

participação das economias não de mercado e em transição no início da OMC foi diferente

da participação das mesmas no GATT.

Podemos concluir que os artigos do processo de acessão via GATT e OMC

apresentam diversas similaridades. O Artigo XII da OMC é formalmente o mesmo que o

processo de adesão ao Artigo XXXIII do GATT, mas os países não-membros que querem

aderir através do Artigo XII atualmente da OMC têm uma lista mais longa de acordos

necessários para negociar. A participação dos países em desenvolvimento na organização,

aumentou com o passar do tempo, sendo hoje um número maior do que de países

desenvolvidos.

Em seu período histórico de acessões, podemos identificar uma maneira diferente

de entrada na organização. A maioria dos países em desenvolvimento concluíram o processo

por meio do mecanismo de sucessão, previsto no GATT. O aumento da participação no

período de 1960 a 1975 são dados pela entrada por meio de sucessão feito pelas antigas

colônias. A queda da União Soviética em 1990 e a criação da OMC em 1994 aumentaram

ainda mais o número de participantes da organização, seguindo os novos objetivos e

requerimentos.

A participação pode ser entendida como uma estratégia de política, para muitas

economias em transição, as acessões à OMC foram como solicitadas reformas para prevenir

um retorno ao modelo socialista. As ENMs apresentam diferentes níveis de interferência do

governo na economia, qual os impactos sobre o sistema multilateral de comércio, causa

dificuldades na aplicação das regras da OMC, o monopólio do comércio internacional por

parte dos governos; e a fixação centralizada de preços internos qual dificultava a

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determinação do valor normal nas investigações antidumping. As presenças das ENMs nos

processos também alteram os processos acessão, pois necessitam de protocolos especiais.

As razões pela não participação na OMC, podem ser os custos financeiros do

processo de acessão são fixos, altos, as negociações são longas, e a organização oferece

pouca assistência técnica. Além da não participação pela escolha, indiferença ou barreiras.

Alguns Estados não apresentam capacidade ou incentivos para se juntarem (não podem ou

não querem) e / ou não tiveram de enfrentar uma pressão externa significativa em tal

direção.

A solução para obter o resultado de concluir a participação universal de todos os

membros da OMC, seria ao invés de exigir compromissos conhecidos como “WTO-plus” na

liberalização de bens e serviços dos demais, os membros deveriam se concentrar em

explorar maneiras pelas quais instrumentos como o Tratamento Especial e Diferencial e / ou

a Ajuda para o Comércio podem colaborar para incorporar todos ao sistema de comércio

global.

NOTAS DE FIM

[1] Embora existam muitas maneiras de distinguir a OMC do GATT, o processo de acessão é

aquele em que as diferenças são mais de grau em vez de tipo. As adesões à OMC cobrem um

leque mais amplo de questões e tendem a demorar muito mais tempo a serem concluídas,

mas o processo é politicamente bastante semelhante ao que era no final do período do

GATT (VANGRASSTEK, 2013, p.122, Tradução livre)

[2] O Artigo 12 da OMC é formalmente o mesmo que o processo de adesão ao Artigo 33 do

GATT, mas os países não-membros que querem aderir através do Artigo 12 atualmente da

OMC têm uma lista mais longa de acordos necessários para negociar (incluindo GATS, TRIMS

e TRIPS) (VANGRASSTEK, 2013, p.123, Tradução livre)

[3] Os novos membros da OMC são em grande parte países em desenvolvimento. No

entanto, eles não são coesos. Para simplificar, existem dois grupos substanciais. Um é

composto por países suficientemente integrados na nova economia mundial e

suficientemente grandes para ter um interesse genuíno em negociar a liberalização

recíproca. O outro grupo de países em desenvolvimento é constituído por aqueles que, por

uma ou outra razão, estão suficientemente marginalizados na economia mundial, que não

têm um interesse real na negociação sobre o acesso ao mercado. (COLLIER, 2005, p.6,

Tradução livre)

[4] Por esta razão, há uma série de membros e potenciais membros da OMC que não

conseguem atingir o status de membro da ONU, mas que, no entanto, são membros muito

importantes da OMC. Hong Kong e Macau são perfeitos exemplos – assim como a Regiões

Administrativas Especiais da República Popular da China, não são membros da ONU, mas

ambos são membros originais da OMC. (TOOHEY; LISA, 2012, p.99, Tradução livre)

[5] O processo pode ser entendido como exigente, pois requer muitos tipos de materiais. A

preparação de extensos registros de informações sobre o comércio, incluindo informação

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estatística que podem não-ter-sido previamente coletadas. Os requisitos devem ser

traduzidos para uma das línguas oficiais da OMC (Francês, espanhol ou Inglês), qual requer

uma equipe técnica qualificada aumento os custos. Para as negociações, os diplomatas

devem apresentar além de habilidades para negociações, um conhecimento avançado dos

princípios da OMC e como podem ser utilizados a favor do Estado. (TOOHEY, 2013, p.11,

Tradução livre)

[6] Os impactos dos pequenos Estados nos assuntos internacionais podem ser significativos,

como Panke (2012) descreve, os pequenos Estados podem “dar um soco acima do seu peso”

nas relações internacionais. Os estados pequenos podem moldar resultados, mas somente

se sentarem na tabela negociando. (BRAZYS,2014, p.19, Tradução livre)

[7] Como Burke observa, nas negociações bilaterais “até mesmo um rato pode rugir” uma

indicação do poder que os membros incumbentes têm de potencialmente impedir a adesão

de um novo membro. (TOOHEY, 2012, p.102, Tradução livre)

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O DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO E A COOPERAÇÃO SUL-SUL: A

COOPERAÇÃO TÉCNICA BRASIL-ÁFRICA EM AGRICULTURA

THE DEVELOPMENT DISCOURSE AND THE SOUTH-SOUTH COOPERATION:

BRAZIL-AFRICA TECHNICAL COOPERATION IN AGRICULTURE

Gabriel Thomas Dotta23

Resumo: A emergência da cooperação sul-sul surge como um desafio na análise do

desenvolvimento desde a consagrada literatura crítica que o entende como discurso

construído pelos países do Norte Global para fins de dominação. O presente trabalho

objetiva discutir de que forma a cooperação sul-sul pode ser entendida a partir dessa

literatura, utilizando como estudo de caso a cooperação técnica brasileira na África em

agricultura. A fim de atingir tal objetivo, o artigo percorre os principais pensamentos da

corrente que entende o desenvolvimento como discurso; confronta-os com a cooperação

sul-sul, em seus princípios fundamentais; e com o estudo de caso escolhido, representado

por quatro projetos de cooperação. Este percurso permitiu constatar que a cooperação

brasileira, e, por extensão, a cooperação sul-sul, são irredutíveis às conclusões da literatura

apresentada, em razão de características que tornam-na marcadamente diferente da

provisão de assistência pelo Norte: não são ubíquas as premissas de linearidade histórica e

despolitização e não há um projeto de governança. Ainda assim, na maioria dos projetos

brasileiros identificam-se muitas das premissas que sustentam as relações tradicionais

Norte-Sul, sobre as quais discute originalmente a literatura; sobretudo naqueles voltados

para a agricultura intensiva e executados sob liderança da Embrapa.

Palavras-chave: discurso do desenvolvimento; análise de discurso; cooperação sul-sul;

cooperação técnica brasileira; cooperação técnica em agricultura.

Abstract: The emergence of south-south cooperation arises as a challenge in the analysis of

development from the established critical literature which understands development as a

discourse produced by the countries of the Global North for domination purposes. The

present paper aims to discuss in which way can south-south cooperation be understood by

this literature, using as a case study Brazilian technical cooperation in Africa in the

agriculture sector. In order to achieve its objective, the paper goes through the main

thoughts of the school that understands development as a discourse; confronts it to south-

south cooperation, on its fundamental principles; and to the case study chosen, represented

by four cooperation projects. This trajectory allows concluding that Brazilian cooperation,

and, by extension, south-south cooperation, are irreducible to the conclusions of the

presented literature, due to characteristics that make it markedly different from the 23

Graduando em Relações Internacionais no Centro Universitário de Curitiba (UniCuritiba).

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provision of assistance by the North: the premises of historical linearity and depoliticization

are not ubiquitous and there is no project of governance. Even so, in the majority of Brazilian

projects many of the premises that ground traditional North-South relations, about which

the literature originally discusses, are identified; notably, in those dedicated to intensive

agriculture and executed under the leadership of Embrapa.

Keywords: development discourse; discourse analysis; south-south cooperation; Brazilian

technical cooperation; technical cooperation in agriculture.

1 INTRODUÇÃO

Na década de 1990 surge, nos estudos sobre o desenvolvimento, uma

corrente crítica que se distancia do dogmatismo da economia política em favor da

abordagem linguística. Essa corrente, fortemente associada à antropologia e aos estudos

pós-coloniais, entende que o desenvolvimento é, antes de tudo, um discurso, em sentido

foucaultiano: um conjunto de enunciados que visam representar a realidade a partir de

tecnologias de saber-poder.

Para essa escola, tal discurso, fundado na leitura de que todos os povos possuem

um objetivo histórico de atingir a modernidade em moldes ocidentais, tem por objetivo

legitimar e deslegitimar práticas de forma a governar a periferia mundial. Seu principal

propagador seriam as burocracias dos países do Norte Global e das agências multilaterais

sob seu domínio, por meio da chamada “assistência” ou “cooperação para o

desenvolvimento”.

O fim do século passado, porém, viu surgir um novo fenômeno no

desenvolvimento: a emergência de países do chamado Sul Global, considerados não

plenamente desenvolvidos, como China, Índia e Brasil, enquanto provedores de cooperação

para o desenvolvimento. Mais que uma mudança de provedores, a modalidade sustenta-se

sobre princípios que criticam o modelo tradicional de provisão do desenvolvimento,

propondo-se como alternativa. Essa alteração traz questionamentos sobre a pertinência da

consagrada literatura que entende o desenvolvimento enquanto discurso produzido pelo

Norte para fins de governança.

O objetivo do presente trabalho é discutir de que forma a cooperação sul-sul pode

ser entendida a partir da perspectiva crítica que entende o desenvolvimento como discurso,

tendo como foco a cooperação técnica Brasil-África em agricultura. Para tanto, o trabalho

percorre a literatura pertinente à tese do discurso do desenvolvimento, tanto em sua faceta

epistemológica quanto empírica. Esta é então confrontada com a cooperação sul-sul, a partir

de seus princípios fundamentais; e com o caso concreto escolhido, tendo como referência

quatro projetos de cooperação. A escolha dos projetos teve em conta a amplitude de seu

impacto e a diversidade de atores executores e consequentes orientações políticas.

A primeira seção do artigo aborda o desenvolvimento enquanto discurso; a

segunda, a cooperação sul-sul e reflexões sobre a mesma desde a literatura crítica abordada;

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e a terceira, dividida em duas subseções, aborda primeiro a cooperação técnica Brasil-África

em agricultura em seus aspectos objetivos, e, depois, aplica o referencial teórico ao caso

apresentado.

2 O DESENVOLVIMENTO ENQUANTO DISCURSO

Desde os anos de 1950, emergem como campo das ciências sociais os estudos sobre

o desenvolvimento. Entendendo o desenvolvimento como “a intervenção organizada nos

negócios coletivos a partir de um padrão de busca por melhoramento” (PIETERSE, 2010, p. 3,

tradução nossa), o campo debate quais as intervenções apropriadas para tal fim. Esses

estudos têm, tradicionalmente, seus fundamentos e método na economia política.

A partir da década de 1990, no entanto, em um processo que Cesarino (2012, p. 6)

qualifica como uma “virada foucaultiana nos estudos do desenvolvimento”, cresce uma

corrente crítica, originária da antropologia, que analisa o desenvolvimento desde a análise

do discurso. Conforme essa escola, o desenvolvimento é, antes de tudo, um discurso,

devendo ser entendido e desconstruído como tal. A primeira obra de grande impacto desse

campo foi o Anti-Politics Machine, de Ferguson (1990). Seu expoente, no entanto, foi Arturo

Escobar (1995), cuja obra Encountering Development: the Making and Unmaking of the

Third World é, segundo Ziai (2015), de longe a mais citada obra dentre as análises discursivas

do desenvolvimento.

Para Escobar (1995), assim como para outros autores (SACHS, 1996; ESTEVA, 1996),

o desenvolvimento enquanto discurso surge em 1949, no discurso de posse de Truman,

presidente dos Estados Unidos. Isso se dá quando o presidente declara o Hemisfério Sul

como “áreas subdesenvolvidas”, usando o termo pela primeira vez em âmbito político.

Nesse momento, o Terceiro Mundo é inventado (ESCOBAR, 1995) e se provê a base cognitiva

para um novo modo de se fazer relações entre Norte e Sul (SACHS, 1996).

Conforme Esteva (1996, p. 36, tradução nossa), “em 20 de janeiro de 1949, dois

bilhões de pessoas tornaram-se subdesenvolvidas. Deixaram de ser o que eram, em toda sua

diversidade, e se converteram em um espelho invertido da realidade dos outros”. Sob essa

perspectiva, o desenvolvimento “não é uma relação técnica ou conflito de classes”, e sim

“uma percepção que molda a realidade”, tendo como função “permitir que qualquer

intervenção seja santificada em nome de um objetivo superior” (SACHS, 1996, p. 5-7,

tradução nossa).

Esse discurso é construído sobre “a ideia de que todos os povos do planeta estão

em direção a um mesmo caminho”, de forma que todas as demais experiências históricas

“não são vistas como modos diversos e incomparáveis de existência, mas sim em termos de

‘carência’” (SACHS, 1996, p. 8, tradução nossa). Assim, apropria-se de uma noção orgânica,

linear e teleológica da história associada à ascensão do ocidente, em que seu modelo de

organização social é elevado à condição de norma histórica (CRUSH, 1995).

Essa noção teleológica se encontra nas próprias origens do conceito. Para Esteva

(1996), o “desenvolvimento” descrevia, tradicionalmente, o processo de cumprimento das

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potencialidades das plantas e animais, que cresciam à sua forma correta, sem

abnormalidades. A palavra é, aos fins do século XVIII, transferida à esfera social com os

teóricos da História Universal, que relacionavam as idades da vida a supostas etapas da

história social. O conceito recebe ímpeto político já no processo de colonização europeia,

mas é no pós-guerra de Truman que é ressignificado enquanto doutrina e projeto em escala

global.

Se o desenvolvimento é discurso, seu poder é exercido de forma textual. Tal

exercício se dá pela criação da distinção entre Primeiro e Terceiro Mundo através de um

aparato hierarquizado de produção do conhecimento, que, por técnicas de poder, pela

produção e circulação de conhecimento, mantém e reforça essa distinção (ESCOBAR, 1995).

Trata-se de um processo de criação, por operações discursivas, de um Outro como inverso

[backwardness] de um Si, em que os problemas são lidos como desvios da norma do Si

(Ocidental), que pode ser denominado “medicalização do olhar político” (Id., p. 30).

Os atores primeiros desse processo são as burocracias dos Estados e agências da

cooperação para o desenvolvimento. O poder é exercido na forma como o desenvolvimento

é escrito, narrado e dito, de forma a “construir o mundo como um terreno que requer

administração e intervenção”, objetivando “persuadir que é assim, e não de outra forma,

que o mundo é e deve ser administrado” (CRUSH, 1995, p. 3-5).

Isso se dá através de uma linguagem que retira os objetos de suas histórias e os

reinsere em tipologias que “definem a priori o que são, onde estão e para onde devem ir”

(Id., p. 8). Trata-se da “falsificação da realidade”, em que há a ocultação de sua

complexidade e sua substituição por um único fragmento, isolado, elevado a ponto de

referência (ESTEVA, 1996).

Dessa forma, como postula Crush (1995, p. 21), “o poder do desenvolvimento é o

poder de generalizar, homogeneizar e objetificar”. Poder que é capaz de “integrar,

administrar e controlar países e populações” (ESCOBAR, 1995, p. 25) e que cria um espaço

epistemológico que impede que alternativas sejam sequer imaginadas.[1]

Ziai (2015, p. 2) identifica como a principal crítica a esses estudos a perda de foco na

materialidade. Porém, se o discurso legitima certas intervenções e práticas (materiais)

enquanto exclui outras, trata-se de uma crítica inconsistente. Ademais, conforme Escobar

(1995), o desenvolvimento, embora se articule em torno de uma construção fictícia (o

subdesenvolvimento), assenta-se sobre certa materialidade (as condições que o

“caracterizam”). Há um relevante corpo bibliográfico que aplica essa perspectiva a estudos

empíricos.

A própria obra precursora do campo, de Ferguson (1990), fundamenta-se em uma

etnografia sobre um projeto de desenvolvimento comandado pelo Banco Mundial e pela

Agência Canadense de Desenvolvimento no Lesoto, na África. Entendendo que o discurso é

produzido pelo que chama “máquina do desenvolvimento” (Id., p. 28), representada pelas

burocracias dos países do Norte e das agências internacionais, o autor analisa a construção

discursiva do Lesoto, de seus problemas e quais as práticas decorrentes.

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Ferguson (1990) conclui que a construção discursiva do país, produzido como

aborígene, agrícola e dotado de uma economia que responde a uma governamentalidade

que pode ser exercida de forma burocrática, se dá de forma a “maximizar o potencial da

máquina do desenvolvimento” (p. 71). Os agentes despolitizam a questão da pobreza,

traduzindo uma complexa rede de relações sócio-políticas em “questões técnicas”, que

merecem soluções técnicas, através do destaque de certos aspectos e apagamento de

outros (p. 88).

Outro eixo de análises empíricas refere-se aos trabalhos que analisam as

construções identitárias no desenvolvimento. Maria Eriksson Baaz (2005 apud ZIAI, S/D, p.

14), analisando a prática europeia na Tanzânia, descobre que os projetos de

desenvolvimento constroem a tipologia “os africanos”, associada à irracionalidade e a “uma

etapa diferente da ‘ilustração’ [enlightenment]”; um Outro em oposição a um Si

“esclarecido”.

Outra crítica identificada por Ziai (2015) é a de que a perspectiva discursiva

homogeneizaria um campo diverso de enunciados muito diferentes, já que embora os

autores entendam que haja variações no discurso do desenvolvimento ao longo do tempo,

defendem que essas não alteraram a sua formação discursiva (ESCOBAR, 1995; CRUSH,

1995).

Para Gasper (1996), no entanto, tal abordagem é problemática. Segundo o autor,

ainda que possa haver uma profunda continuidade no discurso do desenvolvimento, aqueles

autores “concedem a um tipo ideal de uma parte do discurso do desenvolvimento […] o

estatuto de descrição real do todo”, de que resulta uma “hiper-simplificação […] de campos

discursivos complexos” (p. 21). O autor usa como exemplo a ênfase no processo de

despolitização, que para ele não daria conta dos aspectos de condicionalidade dos direitos

humanos na cooperação contemporânea, ou dos discursos alternativos de ONGs em nível

local. Assim, para ele seria mais apropriado se falar, em vez, em discursos do

desenvolvimento.

3 A COOPERAÇÃO SUL-SUL: PERSPECTIVAS DESDE A ANÁLISE DO DISCURSO DO DISCURSO

Desde que Truman coloca a questão do desenvolvimento como responsabilidade

global, emerge uma burocracia dedicada a esse fim (BARBOSA, 2015). Em 1961 é fundada a

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), reunindo os Estados

Unidos e países europeus. Essa instituição, por meio de seu órgão especializado, o Comitê de

Assistência ao Desenvolvimento (CAD), passa a definir o que é ou não assistência ao

desenvolvimento e a criar princípios e procedimentos para tais relações.

Nas décadas seguintes, toda matéria pertinente à promoção do desenvolvimento é

regulada pelo referido órgão, restrito aos “países desenvolvidos”, e fundamentado em uma

distinção estrita entre doadores e receptores (FEJERSKOV et al., 2016). É apenas

recentemente que países de fora da OCDE-CAD passam a impor-se como atores na

promoção do desenvolvimento, no fenômeno que passa a denominar-se cooperação sul-sul.

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Segundo a UNDESA (2014), alguns dos fatores que explicam o fenômeno são o

aumento do comércio entre países do Sul e iniciativas das “potências emergentes” em se

impor na arquitetura de governança global. Quadir (2013) associa o fenômeno de forma

mais ampla a um declínio do poder relativo dos poderes ocidentais tradicionais.

Barbosa (2015) traça as origens da cooperação sul-sul à Conferência de Bandung de

1955, que reúne países asiáticos e africanos de forma a enfatizar a necessidade de

cooperação em áreas de interesses comuns. Essa ideia teria sido fortalecida pelo Movimento

dos Não Alinhados de 1961, que se opunha ao alinhamento automático às superpotências

da Guerra Fria, e pelo Grupo dos 77, em 1964, coalizão de países do Sul no âmbito da

regulação econômica multilateral. O Plano de Buenos Aires de 1978 marcou o

reconhecimento formal da modalidade. Finalmente, a ascensão das potências emergentes

consolidou a pauta. Todo esse processo estaria marcado pela noção de solidariedade entre

as nações do Sul Global.

A cooperação sul-sul dobrou entre 2006 e 2011 (UNDESA, 2014). Quadir (2013)

identifica que os países que mais se destacam são, de longe, China e Índia; seguidos por

Brasil, África do Sul e reinos do Golfo. O autor associa a emergência dos primeiros a um

recente vertiginoso crescimento econômico aliado a um desejo de colocar-se como

potência.

A substituição do termo “assistência” por “cooperação” para o desenvolvimento

bem indica a mudança pretendida pela modalidade.[2] Conforme Barbosa (2015), há uma

série de princípios que operacionalizam a ideia: solidariedade, horizontalidade, benefício

mútuo e não-interferência em assuntos domésticos. Esses países colocam que esses

princípios estariam ausentes na cooperação Norte-Sul, em que há a imposição de um

modelo de desenvolvimento concebido a priori pelos doadores e sem consideração dos

interesses da outra parte. Um exemplo seriam os projetos da OCDE dos anos 1990, que

focavam na boa governança, requerendo dos receptores uma série de reformas estruturais.

Dessa forma, a cooperação sul-sul constantemente enfatiza que seus projetos

respondem às demandas dos países requisitantes (demand-driven) e sem condicionalidades.

Por isso, tais projetos respeitariam as estratégias de desenvolvimento de cada país

envolvido, sem impor um modelo concebido em outra realidade (UNDESA, 2014).

Os princípios esposados pela cooperação sul-sul, se de fato aplicados, tornam

questionáveis algumas premissas da literatura consagrada do desenvolvimento como

discurso. A ênfase em projetos orientados pela demanda, em vez de problemáticas e

soluções construídas pelo doador, aliada à questão de não-interferência doméstica,

questiona a ideia de “produção” do desenvolvimento desde uma burocracia tida como

externa à realidade em que atua para fins de governança. Assim, não havendo uma

separação estrita entre aqueles que constroem o desenvolvimento e as intervenções

políticas que dele decorrem e aqueles que seriam seus objetos, o discurso do

desenvolvimento torna-se difuso.

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Para Escobar (1995), porém, uma das características da “era do desenvolvimento” é

a de que o Sul, até então objeto do desenvolvimento, passa a ver e definir a si mesmo a

partir de sua constelação semântica, “internalizando” o discurso. Esteva (1995) defende que

seria impossível existir um “desenvolvimento endógeno”, posto que, se endógeno,

decorrente de sistemas de valores específicos, nada garante que haja um desenvolvimento.

Embora essas perspectivas sejam bastante acertadas, adotá-las integralmente, aqui,

implicaria considerar como iguais um processo em que determinado modelo é imposto e

outro em que a definição do desenvolvimento é protagonizada por países periféricos em

favor próprio.

Fejerskov et al. (2016) identificam duas abordagens centrais a respeito dos “novos

atores” do desenvolvimento. A primeira foca em seu potencial de mudança como alternativa

política à OCDE. A segunda, na dinâmica do desenvolvimento, que teria caráter

homogeneizador, restringindo os atores na medida em que ingressam no campo. Para eles,

uma posição intermediária seria o reconhecimento de um quadro complexo em que os

novos atores e a pressão sistêmica afetam-se mutuamente.

Quadir (2013) é um dos autores que destaca a mudança. Para ele um dos fatores

que a torna plausível é a emergência da China e da Índia como financiadores de peso, na

busca por reconhecimento como alternativas ao sistema financeiro dominado pelo

Ocidente. Esses países têm alocado um montante impressionante de recursos como

empréstimos concessionais[3] aos governos do Sul Global, cedidos de forma “menos

preocupadas com estruturantes econômicas e questões de política interna” (p. 12),

permitindo que os países construam políticas de desenvolvimento a partir de preocupações

nacionais.

Finalmente, é pertinente a crítica de Fejerskov et al. (2016) com relação à categoria

de “novos atores”. Para eles, esses países têm quadros institucionais diversos, decorrentes

de suas respectivas agendas de política doméstica, histórias organizacionais e culturas,

influenciando diretamente suas preferências e mecanismos de alocação. Assim, cada país

traz em sua atuação o histórico de um contexto particular de se lidar tanto com o manejo da

matéria internacional quanto do desenvolvimento. Por isso, é preciso evitar a generalização

de experiências da cooperação sul-sul; em vez, cabendo uma análise caso-a-caso.

4 A COOPERAÇÃO TÉCNICA BRASIL-ÁFRICA EM AGRICULTURA E O DISCURSO DO

DESENVOLVIMENTO

4.1 A cooperação técnica Brasil-África em agricultura: narrativa e prática

O Brasil insere-se nas discussões sobre cooperação sul-sul aos fins da década de

1970, na elaboração do Plano de Bueno Aires. A partir de então, torna-se ativo na pauta,

culminando com a criação da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) em 1987, de que o

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento foi importante parceiro (CHEDIEK,

2017).

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A ABC estabelece que o Brasil orienta-se pelo “desenvolvimento integral dos

parceiros […] crescimento sustentável […] inclusão social e respeito ao meio ambiente” (IPEA

& ABC, 2010, p. 34). Dentre as múltiplas modalidades de cooperação, no Brasil a que mais se

destaca é a cooperação técnica: “partilha de conhecimentos, técnicas e tecnologias testadas

e validadas dentro do Brasil e que são adaptadas para o país beneficiário” (CABRAL, S/D, p.

10).

No Governo Lula, o fenômeno ganha ímpeto inédito. Entre 2005 e 2009, o

montante de recursos destinado à cooperação técnica, científica e tecnológica mais que

triplicou (IPEA & ABC, 2010). No Governo Dilma, observa-se forte queda entre 2011 e 2012,

com retomada em 2013, mas que não chega mais ao ápice, atingido em 2010 (IPEA & ABC,

2016).

O avanço foi fortemente marcado por motivações políticas, como a busca por

oportunidades de investimento para a indústria nacional, a garantia de acesso a mercados

emergentes e a afirmação enquanto ator internacional. Ainda, a narrativa de solidariedade

inerente à cooperação sul-sul se aliou ao discurso de política externa de Lula e o

reconhecimento dos sucessos do país em questões sociais pelo Banco Mundial conferiu

legitimidade às suas iniciativas (CABREL et al., 2013; BARBOSA, 2015; CHEDIEK, 2017).

Barbosa (2015) identifica alguns enunciados que subjazem a narrativa da

cooperação brasileira: a exaustão dos modelos do Norte; a união do Sul por uma ordem

internacional mais justa; e o Brasil como um “amigo” que ajuda os demais. Por outro lado,

Cabral (S/D) chama a atenção para a ausência de orientações brasileiras específicas em

torno dos objetivos, prioridades e critérios de distribuição da cooperação.

Até 2013, último ano analisado pelo IPEA, ações de cooperação técnica haviam sido

implementadas em 128 países (IPEA & ABC, 2016). Geograficamente, a maior parte é

direcionada à África, seguida da América Latina e Caribe; destacam-se, especialmente, os

países de língua portuguesa, sobretudo Guiné Bissau, Moçambique e Angola (IPEA & ABC,

2010). Setorialmente, a área mais robusta é a agricultura, seguida por saúde e educação; na

agricultura, o maior alvo é Moçambique (BARBOSA, 2015).

Duas questões se sobressaem na cooperação brasileira em agricultura recente. A

primeira é a transição de um foco em “projetos pontuais” a “projetos estruturantes”, de

ação continuada visando à sustentabilidade institucional, incluindo, por exemplo, elaboração

de políticas públicas para o outro país (CABRAL, S/D, p. 15).

A segunda é a multiplicidade de atores envolvidos. Cabral (Id.) identifica a atuação

de mais de vinte instituições, das quais Milhorance (2013) destaca a Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

(MAPA), o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Ministério do Desenvolvimento

Social, o Ministério da Educação, universidades e movimentos sociais.[4]

Destaca-se sobremaneira a Embrapa, que entre 2011 e 2013 foi a instituição que

mais recebeu recursos para execução de cooperação, de todos os setores (IPEA & ABC,

2016). Entre 2006 e 2016, envolveu-se em cerca de 350 ações de cooperação técnica (LOPES,

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2017). Apenas entre 2011 e 2013, a Embrapa atuou diretamente em 49 países (IPEA & ABC,

2016).

O resultado da execução de projetos por instituições tão diversas quanto o MAPA e

a Embrapa, associados à agroindústria do cultivo em larga escala, intensivo em capital e

voltado para o mercado internacional, e o MDA e os movimentos sociais, associados à

agricultura familiar, de subsistência e agroecologia, resulta, como se verá, em uma

cooperação multiforme. Para isso contribui a mencionada ausência de diretrizes

centralizadas e a fraqueza institucional da ABC, que, embora incumbida da coordenação, não

passa de um departamento do Ministério das Relações Exteriores (MRE), sem autonomia

financeira ou política.

Para Milhorance (2013, p. 11), o caráter multiforme dessa cooperação teria origem

no próprio modelo agrícola brasileiro, de “duas agriculturas”, em que coexistem “a

agricultura capitalista patronal e a pequena produção de subsistência de caráter camponês”,

ambas legitimadas por políticas públicas de apoio estatal.

Para a parte final da consecução do objetivo deste artigo, foram escolhidos quatro

projetos concernentes ao tema, descritos na sequência. Sua escolha justifica-se pela

amplitude do seu impacto e diversidade das suas orientações políticas, conforme os atores

executores. No ponto seguinte (4.2) o referencial teórico será discutido no âmbito dos

projetos apresentados.

O Cotton-4 é considerado um dos casos de maior sucesso da cooperação brasileira

(LOPES, 2017). O projeto, sob liderança da Embrapa, deu-se entre 2009 e 2013 tendo como

objetos Benin, Burkina Faso, Chade e Mali. Objetivou a revitalização da cadeia produtiva do

algodão nesses países, de forma a incrementar a produtividade, cuja fraqueza resultaria do

uso de “técnicas agrícolas tradicionais”. Para tanto, os métodos foram a introdução do

melhoramento genético, do manejo integrado de pragas e do sistema plantio direto.

O segundo projeto também de liderança da Embrapa é o Prosavana, que tem por

alvo Moçambique e envolve também o Japão, buscando “melhorar e modernizar a

agricultura para aumentar a produtividade” (BARBOSA, 2015, p. 43). Prevê o fortalecimento

dos direitos individuais sobre a terra, o avanço tecnológico, o uso de sementes de qualidade

e fertilizantes químicos e um sistema de informação mercadológica.

O projeto visa facilitar a agricultura intensiva, atraindo investidores estrangeiros por

meio do Fundo de Nacala e prevendo a incorporação dos agricultores de subsistência da

densamente povoada região-alvo em Moçambique a um sistema de agricultura por contrato

(Id.). Iniciado em 2011, ainda se encontra em implementação.

De forma contrastante, o Programa de Aquisição de Alimentos África (PAA) visa

fortalecer a agricultura familiar e o consumo de alimentos, sobretudo em escolas,

produzidos localmente (MILHORANCE, 2013). Tem por objetos Etiópia, Malaui,

Moçambique, Níger e Senegal, sendo implementado desde 2012 (ONU BRASIL, 2017).

Em 2011, iniciou-se um projeto na África do Sul e Moçambique da ABC em parceria

com o Movimento Popular Camponês e o Mulheres Camponesas do Brasil. Visa à

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recuperação e uso de sementes nativas para produção em sistemas agroecológicos. O último

registro da implementação data de 2013 (SECRETARIA DE GOVERNO, 2013).

A despeito da distribuição aqui feita, há que se ter claro que o número de iniciativas

em agricultura familiar é extremamente baixo em comparação às de agricultura intensiva,

conforme atesta a predominância da Embrapa na execução da cooperação.

4.2 A cooperação Brasil-África em agricultura e o discurso do desenvolvimento

Como visto, uma das características do discurso do desenvolvimento é a

“tecnificação” das questões político-sociais. Embora a priori uma cooperação técnica pareça

indicativa desse processo, sustentaremos que ele não é ubíquo. Assim, a “técnica” a que

reporta o título da cooperação brasileira não é igual ao conceito teórico da técnica enquanto

oposto do político.

Há dois estudos que aplicam a literatura do discurso do desenvolvimento à

cooperação técnica brasileira. Cesarino (2012), partindo dos estudos de Ferguson (1995),

conclui por sua inaplicabilidade ao caso brasileiro. Para a autora, o referido estudo, que

parte da cooperação Norte-Sul, trata do nível da policy, o “aparato institucional do

desenvolvimento” (2012, p. 8), que, lá, se sobrepõe aos níveis de princípios e prática

operacional.

Dessa forma, na cooperação provida pelo Norte, há um aparato burocrático de

cooperação para o desenvolvimento “depois de décadas de operação, auto-referido”

(CESARINO, 2012, p. 12), que opera em lógica própria. Essa hegemonia de uma “burocracia

autônoma” não existiria no Brasil, em que há um “raquitismo” da policy, que não é

autônoma ou profissionalizada. Assim, a cooperação se dá numa “dinâmica de interação

entre princípios, policy e prática operacional” (Id., p. 10).

Já Barbosa (2015), após trabalho etnográfico em Moçambique, defende que as

conclusões apresentadas tanto por Escobar (1995), sobre o saber-poder do

desenvolvimento, quanto por Ferguson (1990), sobre sua operacionalidade nos projetos

Norte-Sul, são identificáveis no Prosavana. A análise dos demais projetos a partir do

referencial teórico abordado pode melhor esclarecer as diferentes conclusões do autor e de

Cesarino (2012).

Conforme visto, o discurso do desenvolvimento baseia-se numa leitura de que todo

o mundo estaria em uma mesma linha histórica, que vai do tradicional ao moderno e sendo

o avanço natural e desejável. Em razão disso, os povos são usurpados de sua

heterogeneidade cultural e definidos em termos de carência de desenvolvimento.

Barbosa (2015) comprova a presença dessa narrativa no Prosavana. O autor

demonstra a forma como Moçambique é retratado em termos de “inverso” (p. 65), sendo

mesmo definido a partir de seu “atraso agrícola com relação ao Brasil” (p. 45). O projeto

justifica-se pela “necessidade de modernização”. O mesmo ocorre no Cotton-4, uma vez que

propõe reformar um sistema cuja fraqueza residiria nas “técnicas tradicionais”.

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No entanto, seria um equívoco afirmar que a mesma narrativa encontra-se presente

nos projetos do PAA e das sementes. Pode-se mesmo argumentar que estes partem de uma

premissa anti-modernista, quando contrários à introdução de certas tecnologias e na defesa

na produção e consumo comunitários. Diferente do Prosavana e do Cotton-4, as

comunidades-alvo não são retratadas em termos de “carência” tecnológica e de

produtividade, mas sim de busca por autossuficiência. E para Esteva (1996), por exemplo, o

fortalecimento local-comunitário é o principal antídoto à máquina desenvolvimentista.

Assim, a penetração do discurso do desenvolvimento unilinear, se é que sequer

existe no segundo caso, se dá de forma incomparável. E mesmo no primeiro caso, parece

inapropriado falar em governança com que o discurso justifica intervencionismos. Inexistem

nesses projetos condicionalidades estruturais, como a reestruturação administrativa.

Há que se notar que o Cotton-4 surge a partir de uma reclamação desses países na

Organização Mundial do Comércio; e a própria Embrapa recebe solicitações diretas de

governos nacionais (LOPES, 2017). Decorre que, mesmo nesses projetos, são muitos os casos

que resultam de uma genuína exigência local; e não exógena. Nesse contexto, tratar da

“internalização” (ESCOBAR, 1995) do discurso desde um anti-modernismo excessivo que

trate da demanda desses países como ilegítima por ser o discurso do desenvolvimento

construído no Norte, seria incorrer no neocolonialismo que a crítica visa combater.

Outro premissa do discurso do desenvolvimento é a despolitização: a criação de

problemas técnicos para os quais há soluções técnicas. Barbosa (2015) demonstra que essa é

uma das premissas do Prosavana, sustentado sobre a narrativa de que a desnutrição e a

pobreza são resultados da ineficiência agrícola resumida à ausência de tecnologia[5]. O

mesmo se aplica ao Cotton-4, cuja solução às mazelas dos países são tecnológicas. Os

problemas são recortados de seus âmbitos político-sociais e movidos para o âmbito

supostamente neutro da ciência.

Uma questão que se destaca no caso brasileiro é que diferente de uma burocracia

que construa soluções, tem-se a “exportação” de soluções, programas implementados

internamente. Isso não invalida, porém, seu caráter despolitizante: não apenas os problemas

são tecnificados, há ainda uma deslocalização das políticas públicas brasileiras de seus

contextos sociais, culturais e políticos originais (MILHORANCE, 2013).

Nos projetos agroecológicos, no entanto, parece novamente um equívoco afirmar

que existe tal premissa. Não há que falar em “despolitização” em um projeto que estimule

uma cadeia de autossuficiência em que a pequena produção familiar abasteça as escolas

locais, sem abordagens tecnológicas. Também aqui as narrativas e práticas que permeiam o

PAA e o projeto de sementes destoam daquelas que justificam o Prosavana e o Cotton+4.

Assim, a análise dos casos selecionados a partir dos fundamentos teóricos

apresentados leva a algumas constatações. Primeiro, como atesta a divergência dos

projetos, há que se concordar com Cesarino (2012) que a cooperação brasileira não pode ser

igualada àquela provida pelo Norte, por ser sua prática fortemente influenciada por visões

de mundo de atores múltiplos e conflitantes, ausente uma burocracia auto-referida.

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Não obstante, isso não quer dizer que na cooperação brasileira não sejam repetidos

alguns padrões levantados pela corrente crítica. Estes são observados em dois dos projetos

levantados. Uma hipótese seria a de que a Embrapa, condutora daqueles, enquanto

entidade mais robusta e experiente da cooperação brasileira, tenha desenvolvido um modus

operandi próprio de cooperação que se assemelha ao das agências do Norte. Posto que a

maioria dos projetos brasileiros são conduzidos pela instituição, pode-se afirmar que

também a grande parte da cooperação brasileira encaixa-se parcialmente na crítica

apresentada.

Uma questões que destoa é o caráter de “governança” pela intervenção justificada

pelo desenvolvimento, uma vez que, além da inexistência de condicionalidades, mesmo nos

projetos da Embrapa há um componente de demanda em que, ainda que despolitizante, o

ímpeto é genuíno nos países receptores. Naturalmente, isso não quer dizer que tal caráter

inexista nas relações Norte-Sul a que se refere originalmente a literatura.

Por fim, a existência de projetos alternativos, menos associáveis ao discurso do

desenvolvimento, ainda que minoritários, demonstra, para além do que a cooperação sul-sul

é, também seu potencial, enquanto provedora de uma cooperação que não objetifique seus

alvos em uma linearidade entre o “atrasado” e o “avançado”, que reconheça as

particularidades e inspirações socioculturais dos diferentes povos e que não perpetue as

estruturas internas de dominação pelo congelamento das mazelas sociais em esferas

“técnicas”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescente espaço ocupado pelos países do Sul na cooperação para o

desenvolvimento motivou uma reflexão que visou compreender de que forma esse

fenômeno pode ser entendido a partir da crítica teórica que identifica o desenvolvimento

como discurso construído pelo Norte para fins de governança, utilizando como lastro a

cooperação técnica Brasil-África em agricultura. Animada por este objetivo, foi percorrida a

literatura pertinente ao discurso do desenvolvimento e confrontada com a cooperação sul-

sul como um todo e com o caso concreto brasileiro, representado por quatro projetos de

cooperação e tendo a análise como eixos norteadores as noções de linearidade histórica,

governança e despolitização.

Concluiu-se que se os princípios esboçados pela narrativa da cooperação sul-sul

forem aplicados, sobretudo os da orientação pela demanda e da não-interferência em

assuntos domésticos, o fenômeno destoa das conclusões da literatura consagrada em

análise de discurso. Isso pois, de forma geral, apagam a separação entre aqueles que

constroem o discurso e intervenções decorrentes e aqueles que seriam seu objeto. No

entanto, há que se questionar até que ponto tais princípios são de fato aplicados nas

práticas concretas.

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No recorte escolhido, foi possível concluir que há práticas conflitantes. Dos projetos

analisados, nem todos são passíveis da referida crítica, na medida em que há casos em que

as premissas da linearidade histórica e da despolitização não estão presentes. Mais ainda,

mesmo nos em que estão, é questionável se falar em governança, posto que há

genuinamente um caráter de demanda e aplicação da não-interferência.

Não obstante, alguns dos projetos, nomeadamente os de liderança da Embrapa,

reproduzem alguns dos padrões da cooperação tradicional sobre a que se debruça a

literatura referenciada. Se, por um lado, projetos desse caráter são predominantes no leque

da cooperação brasileira, a existência de alternativas demonstra que a integridade da

cooperação brasileira não pode ser reduzida à crítica, e, por extensão, nem a integridade da

cooperação sul-sul.

Por fim, abre-se uma série de possibilidades de investigação que lancem maior luz

ao tema. Primeiro, é cabível maior atenção a projetos como o PAA, sobre os quais não há

etnografias ou pesquisas empíricas. Segundo, sobre a possibilidade de extensão dessas

conclusões aos demais líderes do Sul, sobretudo China e Índia. Terceiro, sobre a forma com

que os países do Norte têm reagido a tais inovações desde o Sul. Finalmente, sobre a forma

com que se pode potencializar as possibilidades emancipadoras da cooperação sul-sul,

rompendo com as amarras de poder com que lida a literatura do discurso do

desenvolvimento.

NOTAS DE FIM

[1] Neste ponto, é interessante apresentar a crítica colocada por Escobar (1995) aos teóricos

da dependência, que, para ele, operam desde o mesmo espaço discursivo do

desenvolvimento, acatando de forma acrítica um discurso construído pelo Norte e

reforçando o sistema de poder que acaba por subjugar a periferia.

[2] Barbosa (2015) destaca que cada vez mais os países do Norte tem aderido à linguagem

do Sul, abandonando o termo “assistência” ou “ajuda” [aid] em nome da “cooperação”, de

forma que, hoje, a literatura refere-se tanto às relações tradicionais quanto às sul-sul como

cooperação para o desenvolvimento.

[3] Empréstimos concessionais são, conforme IPEA & ABC (2016, p. 162), os que “têm

condições muito mais favoráveis que aquelas dos empréstimos em termos ordinários […]

apresentam taxas de juros substancialmente baixas, e, em alguns casos, estão isentos de

juros, além de os prazos para amortização serem notadamente longos”.

[4] Não há estatísticas sobre a cooperação desde a chegada de Michel Temer à presidência.

No entanto, algumas alterações nos atores são observáveis. O MDA foi extinto em 2016,

passando suas competências a se concentrar em uma Secretaria da Casa Civil. Somado à

reorientação na Secretaria-Geral da Presidência, protagonista no diálogo com a sociedade

civil, esse fato deve indicar novas tendências à cooperação em agricultura.

[5] Note-se que a sociedade civil moçambicana questiona que o problema da fome possa ser

resolvido por um projeto de produtividade; argumentando mesmo que, ao instituir a grande

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propriedade intensiva em capital, com foco na exportação, piore a questão da segurança

alimentar, instituindo a dependência ao mercado internacional e assimetria das relações

investidor internacional-trabalhador rural (BARBOSA, 2015, p. 57-8)

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