CORPO EDITORIAL · (UNICHRISTUS-E) Prof. Dr. Pedro Ivo ... como pode ser fundamental para melhores...
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CORPO EDITORIAL
Wanda Helena Mendes Muniz Falcão
(UFSC)
EDITORA-CHEFE
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Amanda Carolina Buttendorff Rodrigues Beckers
(PUC-PR)
SECRETÁRIA DE EDIÇÃO
Email: [email protected]
Victor Araújo de Menezes
(UFSC)
REVISOR DE LÍNGUA INGLESA
Email: [email protected]
Cassiano Calegari
(Editora Deviant/RS)
RESPONSÁVEL TÉCNICO
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(UFF)
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Profa. Dra. Gleisse Ribeiro Alves (UniCEUB)
Prof. Dr. Gustavo Ferreira Ribeiro (UniCEUB)
Prof. Me. Hális Alves do Nascimento França
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Profa. Me. Laura Madrid Sartoretto (FAPA- RS)
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MG/UFMG)
Prof. Dr. Luiz Daniel Jatobá França (UnB)
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Prof. Me. Marconi Neves Macedo (UFRN)
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(UNICHRISTUS-E)
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(FAAO-AC)
Prof. Dr. Roberto Goulart Menezes (UnB)
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(UFRJ/IDEG)
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(PUC-MG)
Prof. Me. Tiago Vinicius Zanella (CEDIN-MG)
Prof. Me. Thiago Anastácio Carcará (FATEPI/FGV)
Prof. Me. Thiago Assunção (UniCuritiba – PR)
Prof. Dr. Victor Leandro Chaves Gomes (UFF)
Prof. Dr. Vitelio Marcos Brustolin (UFF)
PARECERISTAS
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Deborah Silva do Monte (UFGD)
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Guilherme Moreira Leite de Mello (UC – Portugal)
Isabela Souza Alcantara (UFBA)
Jessika Tessaro Rucks (UFRGS)
Juliana Melo Tsuruda (PUC-SP)
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Maria Marlene Escher Furtado (UFOPA)
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Renan Batista Jark (UFSC)
Roberto Rodolfo Georg Uebel (UFRGS)
Rômulo Magalhães Fernandes (PUC-MG)
Sophia Luiza Zaia (LSE – Reino Unido)
Sue Coccaro (UL – Portugal)
Vítor Lopes Andrade (UFSC)
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Revista Diplomatize, v. 5, n. 3, jul/dez. 2017
João Pessoa – Paraíba – Brasil
ISSN 2447-987X
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APRESENTAÇÃO
Esta edição da Revista Diplomatize (ISSN 2447-987X) traz ao leitor seu 5º volume
com textos de autores brasileiros e de outros países latino-americanos para (re)discutir
temáticas pertinentes aos universos das Relações Internacionais e do Direito Internacional.
Na primeira seção “Artigo convidado” temos ensaio do Prof. Dr. Marcelo Gullo
Omodeo (Universidad de Lanús – Argentina) acerca das problemáticas e estruturas das
Relações Internacionais como disciplina. Neste sentido, temos um mergulho em pontos de
tensão como a própria origem do interesse por estes estudos, a sua denominação e
estruturação em caráter epitesmológico.
Em “Resenha Crítica” há a contribuição dos autores Pablo César Rosales Zamora
(MRE-Peru) e de Hanna Luiza Abinader Porto (UNAMA) sobre críticas e observações ao
livro “Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes internacionales más
graves”, escrito pelo professor peruano José Burneo Labrín. A obra que se debruça sobre
temas e casos envolvendo crimes contra humanidade, crimes de agressão, crimes de
guerra, seus atores e instituições.
A terceira parte corresponde ao Dossiê coordenado pelo Prof. Dr. Luis Alexandre
Carta Winter (PUC-PR). A temática-chave é “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS)” e abrigou três artigos de autores que elgeram as pautas da inclusão digital, das
migrações e do acesso à energia elétrica em município baiano. Estes textos, conforme a
ementa do dossiê, visam discutir alguns dos 17 objetivos de forma mais próxima as
realidades brasileiras e, deste modo, fomentar ao leitor a reflexão sobre a sua
importância.
Em diálogo com este tema do dossiê temos a entrevista com a presidente da
Comissão Pacto Global da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-
PR). A advogada respondeu às questões elaboradas pela Equipe Editorial da Diplomatize,
transitando pela exposição das propostas e atividades da Comissão, pela relevância de
prática que possibilitem a concretização dos ODS e dos princípios do Pacto Global da ONU,
como isto, como pode ser fundamental para melhores atuações de advogados e na
formação dos estudantes dos cursos de Direito.
Por último, temos a seção voltada para os textos submetidos e avaliados
vinculados às linhas editoriais da Revista, quais sejam, “Direitos Humanos na conjuntura
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internacional” e “Desenvolvimento socioeconômico no plano internacional”. Os artigos
científicos têm o escopo de trazer resultados de pesquisas realizadas por pesquisadores,
professores, alunos de graduação, pós-graduação, mestres e doutores de instituições das
cinco regiões do Brasil; questões como migrações, refúgio, pobreza, desenvolvimento,
copperação sul-sul, regimes, estratégias políticas oceânicas e comerciais, além de justiça
de transição na Argentina foram trabalhadas ao longo deste volume.
Deixamos o convite para a leitura da mais nova edição da Revista Diplomatize e o
agradecimento a todos que colaboraram com as avaliações e discussões fomentadas ao
largo deste número!
João Pessoa/Paraíba, 30 de dezembro de 2017.
Saudações,
Wanda Helena Mendes Muniz Falcão1
Editora-chefe
Amanda Carolina Buttendorf Rodrigues Beckers2
Secretária de edição
1 Professora de Direito Internacional do curso Consulado Jurídico (EaD), em São Paulo. Doutoranda e mestre
em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Direito pelo Centro Universitário da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (UniFACISA). Pesquisadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (NEJUSCA/UFSC). Diretora de Publicações (gestões 2016/2017 e 2017/2018 - atual) e Coordenadora de Pesquisa e Produção Acadêmica (gestões 2014/2015 e 2015/2016) da Academia Nacional de Estudos Transnacionais (ANET). Membro da Rede de Pesquisa em Paz, Conflitos e Estudos Críticos em Segurança (PCECS). Editora-chefe da Revista Diplomatize. 2 Advogada e professora universitária no Paraná. Doutoranda em Direito na Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUC-PR). Mestre em Direitos Humanos e Políticas Públicas na PUC-PR. Especialista em Direito, Logística e Negócios Internacionais pela PUC-PR. Especialista em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela Uninter. Bacharel em Direito pela PUC-PR. Pesquisadora do NEADI “Núcleo de Estudos Avançados de Direito Internacional e Desenvolvimento Sustentável”. Membro da ANET - Academia Nacional de Estudos Transnacionais. Secretária de edição da Revista Diplomatize.
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APRESENTAÇÃO 4 ENTREVISTA 8
ARTIGO CONVIDADO Los problemas básicos de las Relaciones Internacionales como disciplina de estudio The basic problems of International Relations as a study discipline Marcelo Gullo Omodeo (UL – Argentina)
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RESENHA CRÍTICA Resenha crítica do livro “Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes internacionales más graves” (2017) Critical Book Review: “Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes internacionales más graves” (2017) Hanna Luiza Abinader Porto (UNAMA) e Pablo César Rosales Zamora (MRE-Peru)
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DOSSIÊ “OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL” Coordenação: Prof. Dr. Luis Alexandre Carta Winter (PUC-PR)
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: Direito à informação e inclusão digital (ODS 4) Sustainable Development Goals: The right to information and digital inclusion (SDG 4) Alan José de Oliveira Teixeira (UniCuritiba-PR)
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A Lei de Migração, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as consequências no cotidiano jurídico nacional Migration Law, Sustainable Development Goals and consequences in the national daily legal context Rogério do Nascimento Carvalho (UNICALDAS-GO)
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Eletrificação rural descentralizada em Correntina/BA Decentralized Rural Electrification in Correntina/B Tales Guimarães Ferreira (UnB)
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ARTIGOS – LINHAS EDITORIAIS Convergência internacional do direito da concorrência: Desafios aos países em desenvolvimento International convergence in the competition law: challenges to developing countries Bruno Braz de Castro (UFMG)
94
El histórico de la gestión de las fronteras externas em la Unión Europea y las rutas de migración irregulares The management history of the European Union external frontiers and the irregular migration routes Nicole Marie Trevisan (PUC-PR)
113
Questões humanas: O deslocamento de pessoas venezuelanas e as implicações na órbita legal internaciona Human questions: The Venezuela’s people displacement and the international legal orbit implications Madson Soares Lobato (UNAMA)
127
A responsabilidade internacional do Estado e a violação dos direitos humanos trabalhistas The international responsibility of the State and the violation of human labor rights Marcos César Botelho (UENP) e Djeison Tabisz (UENP)
141
A ilicitude das políticas geradoras de refugiados perante o Direito Internacional The illegality of the refugees generating policies towards International Law 155
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Amael Notini Moreira Bahia (UFMG) Mudança ou complementariedade: O papel do Novo Banco de Desenvolvimento no campo do financiamento ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva crítica Change or complementarity: the role of the New Development Bank in the development financing field from a critical perspective Tom Claudino dos Santos (UFSC)
170
A questão da personalidade jurídica das empresas transnacioanis no Direito Internacional Público The question of the legal personality of the transnational companies in Public International Law Gustavo Leite Neves da Luz (FAP-CE) e Pedro Jorge Monteiro Brito (FAP-CE)
186
É o Brasil um global player oceânico? Uma análise da atuação brasileira nos ocenaos através do complexo de regimes Is Brazil an oceanic global player? An analysis of the brazilian acting in oceans through the regime complex Igor Magri de Queiroz (UnB)
201
A cooperação europeia para a redução da pobreza: O programa de Estado para a redução da pobreza e para o desenvolvimento do Azerbaijão para o período de 2008 a 2015 e suas nuances históricas The european cooperation for poverty reduction: Azerbaijan’s State Program on poverty reduction and sustainable development from 2008 to 2015 and it’s historical nuances Vinícius Silva Santana (UFBA)
219
As mães da Praça de Maio e a Embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires: Os desaparecidos da Ditadura civil-militar argentina (1976-1983) The mothers of the Plaza de Mayo and the Embassy of the United States in Buenos Aires: The missing persons of the Argentinian civil-military dictatorship (1976-1983) Gabriel Roberto Dauer (ACNUR-Brasil)
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Burocratização no processo de acesso à OMC Bureaucracy on the process of access to the WTO Marco Antonio Viegas de Oliveira (IBMEC-MG)
250
O discurso do desenvolvimento e a cooperação sul-sul: A cooperação técnica Brasil-África em agricultura The development discourse and the South-South cooperation: Brazil-Africa technical cooperation in agriculture Gabriel Thomas Dotta (UniCuritiba-PR)
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ENTREVISTA COM A PRESIDENTE DA COMISSÃO DO PACTO GLOBAL DA
OAB/PR
O volume 5 da Revista Diplomatize apresenta a entrevista realizada, via e-mail, com a
senhora advogada Jaqueline Lobo da Rosa, presidente da Comissão Pacto Global da OAB
seccional Paraná, acerca do trabalho realizado e as perspectivas sobre os Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável da ONU .
As perguntas foram realizadas por Wanda Helena Mendes Muniz Falcão e Amanda Carolina
Rodrigues Buttendorff Beckers, editora-chefe e secretária de edição, respectivamente.
1) Como surgiu a ideia da criação da Comissão do Pacto Global junto a OAB-PR?
Resposta: Primeiramente, a ideia de adesão ao Pacto Global da ONU teve origem no parecer
elaborado pela Comissão Estadual da Mulher Advogada e encaminhado ao Presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Paraná, em 2015, ressaltando a importância e
a repercussão do tema. E, em 2 de agosto de 2016, a OAB/PR efetivamente aderiu à Rede
Brasil do Pacto Global, sendo que o assunto ficou, em um primeiro momento, sob
responsabilidade da Comissão da Mulher Advogada. Contudo, consciente da relevância do
tema, e visando o efetivo engajamento de todos os advogados e advogadas paranaenses aos
10 Princípios do Pacto Global em suas operações, de modo a impactar, positivamente, e
contribuir sobremaneira para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, livre,
sustentável, igualitária e democrática, a OAB/PR criou a Comissão do Pacto Global, em 2 de
outubro de 2017.
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2) Como a Comissão pode ser um instrumento catalisador para os diálogos com o Direito
Internacional e as questões brasileiras? Há experiências semelhantes em outras
seccionais?
Resposta: É hora de perceber que a comunidade internacional está atenta às muitas
condições que devem ser implementadas pelos diferentes Estados (países), para que o
desenvolvimento almejado e alcançado não seja vinculado ao crescimento econômico. Uma
nação desenvolvida carece de ações em várias frentes. Estas frentes estão representadas em
cada um dos ODS. A Comissão do Pacto Global da OAB/PR tem um papel essencial na
aproximação das exigências internacionais com a atuação de nosso Estado brasileiro. Afinal,
é composta por representantes daqueles que são essenciais para a concretização da justiça
social e econômica, que é o fim maior da implementação dos ODS. A OAB/PR foi a primeira
seccional a aderir ao Pacto Global e não tem conhecimento se há experiências semelhantes
em outras seccionais.
3) De que forma os advogados podem contribuir para a implementação dos 10 Princípios e
dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)? São encontradas resistências?
Resposta: A contribuição dos advogados se dá, em primeiro lugar, na condição de cidadãos
interessados na evolução das condições de vida em nossa sociedade. Como profissionais, no
entanto, sua atuação é essencial. Especialmente nas relações estabelecidas com seus
clientes, os advogados podem sugerir a adoção de práticas condizentes com os 10 Princípios
do Pacto Global e dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e evitar outras
que ofendam os direitos humanos, as normas que regem as relações de trabalho, as que
regem nossa relação com o meio-ambiente ou as que indicam as medidas anticorrupção.
Quanto ao segundo questionamento, não há que se falar em resistências, mas há falta de
conhecimento sobre os Princípios do Pacto Global e dos ODS, o que motiva a Comissão do
Pacto Global a realizar o engajamento de outras comissões da OAB/PR, bem como de outros
advogados e escritórios acerca do tema, no sentido de propagar todas essas informações,
incentivando-os e inspirando-os à adoção de ações nesse sentido.
4) Qual a importância dos Princípios do Pacto Global e dos ODS para a sociedade? Quais
seriam os entraves para que a Agenda 2030 das Nações Unidas seja materializada pelos
Estados?
Resposta: Os Princípios do Pacto Global e dos ODS são de extrema importância, pois
interagem com a realidade contemporânea dos países e das pessoas, marcada pela
desordem econômica, social e ambiental. Tais princípios definem prioridades e buscam
soluções para esta desordem, contribuindo para criar uma sociedade mais justa, igualitária e
sustentável. E as organizações da sociedade civil, o setor privado e a população em geral
precisam assumir um protagonismo nesse cenário, com o intuito de criar uma nova
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realidade e mudar os paradigmas que permita o crescimento sustentável, a fim de garantir
um futuro com dignidade e oportunidades para as próximas gerações, considerando os
limites do planeta. Os entraves para que a Agenda 2030 das Nações Unidas seja
materializada são vários, entre eles o não comprometimento do Estado; a ausência de
políticas públicas; a falta de informação e educação da sociedade; a não conscientização da
sociedade; a ausência de comprometimento de todos os atores envolvidos no processo,
entre outros.
5) Dentre os 17 objetivos (dos ODS) qual o que teria maior dificuldade para concretização
no cenário brasileiro?
Resposta: Cada um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) possui metas
específicas e ambiciosas e são inter-relacionados entre si. Portanto, difícil apontar apenas
um ODS. O ODS1 (Erradicação da Pobreza) e ODS2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável) são
prioritários no cenário brasileiro, ante a triste realidade atualmente enfrentada. Mas a
implementação do ODS8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico) contribui
indiretamente para o ODS 1 e o ODS2. Da mesma forma o ODS10 (Redução das
Desigualdades) e ODS4 (Educação de Qualidade) auxilia para a efetivação dos ODS antes
mencionados. Portanto, os objetivos não podem ser alcançados isoladamente, devendo ser
alcançáveis conjuntamente.
6) Sendo a OAB-PR signatária do Pacto Global, como foi realizada a recepção dos relatórios
(Communication on Engagement – COE) pela ONU sobre as atividades realizadas? Já
podem ser apontados os efeitos desta comunicação para a sociedade?
Resposta: O relatório (Communication on Engagement – COE), que deve ser entregue a cada
dois anos, será apresentado apenas em agosto de 2.018. Portanto, ainda não temos como
apontar eventuais efeitos desta comunicação à sociedade. Contudo, vale ressaltar que os
relatórios apresentados por outros signatários do Pacto Global têm efeitos positivos à
sociedade, pois relatam diversas ações praticadas em prol dos direitos humanos, direitos do
trabalho, proteção ao meio-ambiente e combate à corrupção. E estas ações servem como
exemplos a serem replicados pela e para sociedade.
7) Olhando para o quadro do ensino jurídico e das Faculdades de Direito no Brasil, o
estudo e a reflexão sobre os ODS podem impulsionar uma nova face para a atuação dos
futuros juristas?
Resposta: Não há dúvidas de que o estudo e a reflexão dos ODS terá um impacto na atuação
dos novos profissionais da área do Direito, que tem uma função social de fortalecer a
cidadania e os direitos humanos. Os ODS exigem da comunidade, empresas e Estados
atuação preventiva. Essa já é uma grande mudança em tempos de judicialização da vida. A
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efetivação dos ODS demanda uma atuação proativa, que dá preferência à implementação de
políticas públicas, à atuação política e a elaboração legislativa. Há, assim, muito espaço para
os futuros juristas.
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ARTIGO CONVIDADO
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LOS PROBLEMAS BÁSICOS DE LAS RELACIONES INTERNACIONALES COMO
DISCIPLINA DE ESTUDIO
THE BASIC PROBLEMS OF INTERNATIONAL RELATIONS AS A STUDY DISCIPLINE
Marcelo Gullo Omodeo3
1 INTRODUCCIÓN: EL PROBLEMA DEL ORIGEN
Auguste Comte sostenía que, para conocer una ciencia, había que conocer su origen
e historia, rastrear su ascendencia. “No se conoce una ciencia sino se conoce su historia”.[2]
Es por ese motivo que resulta relevante destacar que así como la Ciencia Política puede
rastrear su ascendencia hasta Platón y Aristóteles, las Relaciones Internacionales pueden
rastrear la propia hasta Tucídides (460a.C – 395ª.C) y Polibio de Megalópolis (200ª.C –
118ª.C) y luego, en los viejos maestros de la geopolítica – Friedrich Ratzel (1844‐1904),
Alfred Mahan (1840-1914), Rudolf Kjellén (1864‐1922), Halford MacKinder (1861‐1947) y
Karl Haushofer (1869‐1946). Sin duda alguna, con todos sus errores y limitaciones, la
Geopolítica puede ser considerada la fuente moderna en la que abrevaron las Relaciones
Internacionales como disciplina de estudio y los estados más poderosos para delinear las
grandes líneas estratégicas de acción de sus respectivas políticas exteriores[3]. Pero, ese
importante hecho no será reconocido porque la Geopolítica se transformó, después de
1945, en una especie de “disciplina maldita”, a pesar de que todas las grandes potencias,
después de Segunda Guerra Mundial, han seguido, en gran medida, fundando sus afanes
hegemónicos en supuestos de indiscutible naturaleza geopolítica.[4] Importa destacar
además, porque es un hecho totalmente desconocido por los académicos europeos y
norteamericanos, y aún por muchos o más bien por la mayoría de los latinoamericanos que,
las Relaciones Internacionales pueden rastrear también, su ascendencia, en el pensamiento
de algunos de los más importantes hombres de la llamada Generación Latinoamericana del
900, integrada entre otros, por el uruguayo José Enrique Rodó (1871-1917), el mexicano José
Vasconcelos (1882-1959), y los argentinos Manuel Ugarte (1875- 1951) y José Ingenieros
(1877-1925).[5] Hijos intelectuales de la Generación del 900 son, entre otros, el político e
intelectual peruano Víctor Raúl Haya de la Torre[6] y el pensador uruguayo Alberto Methol
Ferré (1929-2009) creador de la Teoría de los Estados Continentales y de notable influencia
en el pensamiento geopolítico del Papa Francisco.[7]
3 Doctor en Ciencia Política por la Universidad del Salvador (Argentina). Magister en Relaciones Internacionales
por el Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, de la Universidad de Ginebra (Suíça). Graduado en Estudios Internacionales por la Escuela Diplomática de Madrid (Espanha). Licenciado en Ciencia Política por la Universidad Nacional de Rosario (Argentina). Discípulo del politólogo brasileño Helio Jaguaribe y del sociólogo y teólogo uruguayo Alberto Methol Ferré. Asesor en materia de Relaciones Internacionales de la Federación Latinoamericana de Trabajadores de la Educación y la Cultura (FLATEC). Profesor de la Universidad Nacional de Lanús (Argentina) y, de la Escuela Superior de Guerra en la Maestría en Estrategia y Geopolítica. Miembro fundador del Instituto de Revisionismo Histórico Nacional e Iberoamericano Manuel Dorrego.
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Explicitada, entonces, la ascendencia de las Relaciones Internacionales, conviene
precisar que éstas nacieron, como disciplina académica, en el viejo continente. Sin duda
alguna los estudios de Relaciones Internacionales nacen, como disciplina académica, en Gran
Bretaña, formalmente como una consecuencia del terrible trauma que había provocado en
la sociedad europea la Primera Guerra Mundial y, en sustancia, por la necesidad de la elite
inglesa de reflexionar sobre el cómo detener el notorio declive del poder británico que había
necesitado, para derrotar al desafiante imperio alemán, de la imprescindible participación
de los Estados Unidos de Norteamérica, en la Gran Guerra. Es, precisamente, entonces, al
final de la Primera Guerra Mundial, que las Relaciones Internacionales nacen como disciplina
científica autónoma. La primera cátedra de Relaciones Internacionales se creó en
Aberystwyth en el país de Gales, en 1919, siendo su profesor titular Sir Alfred Eckhard
Zimmern. Al poco tiempo Oxford y la London School of Economics (LSE) crean sus
respectivas cátedras de Relaciones Internacionales. La cátedra de Aberystwyth fue
financiada por Lord David Davies, un importante industrial gales y las cátedras de Oxford y
de la LSE, por Montague Burton, un reconocido comerciante de Londres. Las tres cátedras
británicas – y el entonces, recientemente creado “Royal Institute of International Affaires” –
estaban imbuídas del mismo objetivo: entender los cambios que se estaban produciendo en
el sistema internacional y saber, en consecuencia, qué debía hacer Gran Bretaña para
recuperar y mantener su poder, en el nuevo escenario internacional.[8] Por otra parte, la
necesidad de formar cuadros político-diplomáticos – el funcionariado internacional- para la
recientemente creada Sociedad de Naciones -que los políticos e intelectuales más liberales
imaginaban como el embrión de un futuro gobierno mundial- llevó, a la creación, en la
ciudad de Ginebra, del primer Instituto Universitario consagrado plenamente al estudio de
las Relaciones Internacionales: el Institut Universitaire de Hautes Etudes Internationales
(IUHEI) fundado, en 1927, en Suiza por iniciativa del rector de la Universidad de Ginebra, el
profesor de Historia Económica, William Rappard (1883-1958). Importa destacar que el
IUHEI nace apadrinado políticamente por el presidente Wilson, en estrecha relación
institucional con la Sociedad de Naciones y, financiado por la Fundación Rockefeller. Su
primer director fue el profesor Paul Mantoux, especializado en Historia Económica.
Los intelectuales liberales más destacados de Europa fueron los primeros
profesores del IUHEI entre ellos, el historiador Guglielmo Ferrero (1871-1942), el gran jurista
Hans Kelsen (1881-1973) y el economista Ludwig von Mises (1881-1973).
El primer cuerpo de profesores del IUHEI creyó encontrar, por entonces, en la
creación de los organismos internacionales, en la formación de un funcionariado
internacional cosmopolita y, en el establecimiento del libre comercio a nivel mundial, las
condiciones que hicieran, por fin posible, el establecimiento de una paz universal durable. El
libre comercio era, para la mayoría de los profesores del IUHEI, la mejor herramienta posible
para garantizar la paz mundial.
Con el paso del tiempo, cuatro miembros del cuerpo de profesores del IUHEI
recibirían el premio Nobel de economía: Gunnar Myrdal, Friedrich von Hayek, Maurice Allais
y Robert Mundell. Dictaron cursos en el IUHEI los más eminentes intelectuales de la época
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como Raymond Aron, René Cassin, Luigi Einaudi, John Kenneth Galbraith, G. P. Gooch,
Gottfried Haberler, Friedrich von Hayek, Hersch Lauterpacht, Lord McNair, Gunnar Myrdal,
Harold Nicolson, Philip Noel Baker, Pierre Renouvin, Lionel Robbins, Jean de Salis, Carlo
Sforza y Jacob Viner. Importa destacar que Hans Morgenthau (1904-1980), -a quien puede
considerarse junto con Raymond Aron (1905-1983), como el padre fundador de las
Relaciones Internacionales como disciplina científica-[9] durante su permanencia en Ginebra,
no fue profesor del IUHEI pero estuvo ligado íntimamente al Instituto y dejo en él, una
impronta imborrable.[10]
No deja de ser interesante – y relevante – destacar la creación, en la República
Argentina, más precisamente en la ciudad de Rosario, el 17 de agosto de 1920, de la
Licenciatura en Diplomacia en la Facultad de Ciencias Económicas, Comerciales y Políticas
(FCECP). Será también la FCECP de Rosario, a partir de 1927, la primera Facultad en
Latinoamérica en expedir el título de doctor en Diplomacia, produciéndose la primera
colación de grado, el 21 de septiembre de 1932.[11] Resulta políticamente relevante
destacar que la Licenciatura en Diplomacia y el Doctorado en Diplomacia fueron creadas en
la ciudad de Rosario y no Buenos Aires, capital de la República.[12]
Importa precisar que el estallido de la Segunda Guerra Mundial congeló el
desarrollo de las Relaciones Internacionales en el viejo continente y éstas, cruzando el
Atlántico, ni bien finalizada la guerra, tendrán un segundo nacimiento, en los Estados
Unidos, tan deslumbrante -por el grado de desarrollo y profundidad alcanzado en el estudio-
que hará olvidar el nacimiento europeo. Es por eso que, comúnmente, suele considerarse,
siguiendo a Stanley Hoffmann, a las Relaciones Internacionales como una ciencia social
norteamericana.
Al renacer, en los Estados Unidos, el estudio de las Relaciones internacionales, éste,
adquirirá características que lo acompañarán hasta nuestros días:
1) El exagerado énfasis puesto en los estudios que tratan sólo sobre el presente.
2) El deficiente conocimiento de la Historia Universal.
3) La carencia de estudios suficientes sobre la relación entre los fuertes y los
débiles.
Por otra parte, este segundo nacimiento, explosivo y deslumbrante, de las
Relaciones Internacionales como disciplina de estudio en los Estados Unidos y, el enorme y
bien logrado prestigio de sus universidades, provocó seis consecuencias, en el resto del
mundo:
1) Que la producción teórica norteamericana reinara de forma absoluta en el
universo académico internacional y que, por lógica consecuencia, en la mayoría de las
universidades del mundo, las Relaciones Internacionales fuesen analizadas mediante el uso
de las teorías producidas en las altas casas de excelencia de los Estados Unidos.
2) Que los textos que se utilizan, en la mayoría de carreras de Relaciones
Internacionales en todas las Universidades del mundo, sobre todo en materia de Teoría de
las Relaciones Internacionales, salvo contadas excepciones, sean los de los grandes
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estudiosos norteamericanos o europeos residentes en los Estados Unidos, que concibieron
sus ensayos a partir de mediados del siglo XX.
3) Que los Estados Unidos se convirtieran en una gran “Meca” para quienes
buscaban formarse – y especializarse – en el estudio de las Relaciones Internacionales.
4) Que los estudiantes extranjeros que regresaban a sus respectivos países de
origen – luego de haberse formado y especializado en las Universidades norteamericanas-
llevasen consigo la peculiar forma estadounidense de concebir el estudio de las Relaciones
Internacionales, concepción según la cual estudiar Relaciones Internacionales, es casi un
sinónimo de estudiar Teoría de las Relaciones Internacionales.
5) Que se produjera un seguimiento irreflexivo, por parte de los académicos
residentes fuera de los Estados Unidos, de los debates y categorías en boga producidos, en
las prestigiosas universidades norteamericanas.
6) Que el inglés se convirtiera en la lengua franca de las Relaciones Internacionales.
Stanley Hoffmann, en su brillante estudio “Essays in the Theory and Practice of
International Politics” advierte claramente que, una de las características problemáticas que
afligen a las Relaciones Internacionales -íntimamente ligada no, a la naturaleza de las
mismas, sino al hecho de que la disciplina nació en los Estados Unidos y tiene, todavía, allí su
principal residencia – consiste en el exagerado acento puesto sobre el presente, en la
preponderancia de los estudios que tratan tan sólo el presente nudo.[13] Para Hoffmann,
esta es una debilidad muy seria que, “conduce no sólo a desestimar todo un patrimonio de
experiencias pasadas –aquellas de los sistemas imperiales anteriores, de los sistemas de
relaciones interestatales fuera de Europa, de la formulación de políticas exteriores en
organizaciones políticas internas muy diferentes de las contemporáneas- sino a una
verdadera deficiencia en nuestra comprensión del sistema internacional del presente.
Debido a que tenemos una base inadecuada de comparación, estamos tentados a exagerar
ya sea una continuidad con un pasado que conocemos mal, o la originalidad radical del
presente, según estemos más impactados por las características que juzgamos permanentes,
o por aquellas que no creemos que hayan existido antes. Y sin embargo, un examen más
riguroso del pasado quizá revele que lo que percibimos como nuevo realmente no lo es, y
que algunas de las características tradicionales son mucho más complejas de lo que
pensamos. Hay muchas razones para esta imperfección. Una es el temor de volver a caer en
la historia: el temor de que si estudiamos el pasado en profundidad, puede que
encontremos difícil hacer generalizaciones y en el caso de las categorizaciones, que las
hallemos interminables o carentes de sentido, y puede que perdamos el hilo de la ciencia.
Una razón que se relaciona con esto es el hecho de que los científicos políticos
norteamericanos no reciben entrenamiento suficiente en historia o en lenguas extranjeras,
indispensables para trabajar sobre las pasadas relaciones entre estados. Una tercera razón
se encuentra en las circunstancias mismas del nacimiento de la ciencia y su desarrollo. En
cierta forma, la pregunta clave no ha sido ¿qué debemos saber?, sino ¿qué deberíamos
hacer? Sobre los rusos, los chinos, la bomba, los productores de petróleo.”[14]
17
Por otra parte – según Hoffmann- otro problema de las Relaciones Internacionales
esencialmente ligado, no a la naturaleza de las mismas, sino al hecho del segundo
nacimiento de la disciplina en los Estados Unidos -y que conduce a una verdadera deficiencia
en la comprensión del sistema internacional- consiste en la falta de estudios suficientes
sobre el funcionamiento de la jerarquía internacional, o si se prefiere, de la naturaleza de las
relaciones entre los débiles y los fuertes. Este hecho llevó, naturalmente, a que la cuestión
del cómo y bajo qué condiciones, los débiles han sido capaces de contrarrestar su
inferioridad, no haya estado en el centro de la investigación científica.
A diferencia de lo que acontece en otras partes del mundo, en los Estados Unidos
para la mayoría de los investigadores y profesores que integran el mundo académico la
especificidad del trabajo de los expertos en Relaciones Internacionales es, “producir
conocimiento para consumo del Estado”.[15]
Para la mayoría de los académicos norteamericanos “la utilidad social de los
estudios de Relaciones Internacionales está en producir conocimientos que puedan ser
ofrecido a las instituciones del Estado, para que los hombres que las dirigen puedan tomar
las decisiones más convenientes a los intereses del Estado al que sirven.”[16] Es por ello
que, a diferencia de la mayoría de los países, en los Estados Unidos “el mundo académico es
parte del Estado y trabaja para proveerle conocimientos que puedan fortalecerlo”.[17]
En los Estados Unidos, no existe ninguna especie de pudor en los académicos en
trabajar para las instituciones del Estado incluido los órganos de inteligencia y espionaje.
“Servir al Departamento de Estado, a la CIA o a cualquier otra agencia de seguridad,
inteligencia y espionaje no es motivo de espanto o desdén entre los académicos
estadounidenses”[18], sino motivo de orgullo.
Es por eso que, es imprescindible, comprender -como también destaca Hoffmann-
que, cuando los expertos en Relaciones Internacionales en México, en Buenos Aires, en Río
de Janeiro, en Berlín o en Pekín, reflejan y siguen, más o menos servilmente y con algún
retraso, las “modas” norteamericanas – los debates y las categorías de análisis en boga- al
hacerlo, reflejan, y sirven también, muy a menudo, al interés político de los Estados Unidos,
aumentando su poder blando, dada la conexión existente en dicho país entre el mundo
académico y el mundo del poder que coloca a los más brillantes académicos e investigadores
no meramente en los “pasillos” del poder sino también, en la “cocina” del poder.[19]
Por último importa destacar, paradojalmente, como un problema para el estudio de
las Relaciones Internacionales, el hecho de que el inglés se haya convertido en la lengua
franca de la disciplina. El profesor británico Arthur John Richard Groom, en su libro
“Contemporary International Relations; A Guide to Theory”, afirma que, no sólo el inglés es
la lengua franca de las Relaciones Internacionales sino que, el hecho de que los cimientos de
la disciplina hayan sido asentados con una argamasa de molde anglosajón, convirtió el
predominio de la lengua inglesa, en las Relaciones Internacionales como disciplina de
estudio, en un hecho irreversible e inevitable. [20]
Como destacan Williams Gonçalves y Leonardo Valente “El síntoma más notorio de
la introducción de elementos culturales norteamericanos por medio de las Relaciones
18
Internacionales, como nos advierte Groom, es la presentación de la evolución de esta
disciplina de estudio en debates paradigmáticos. Las etapas del progreso de las Relaciones
Internacionales son exhaustivamente expuestas por todos los estudios teóricos de la
disciplina. Esto constituyó un auténtico ‘mantra’ siempre presente en los numerosos
manuales producidos por los académicos anglosajones. Para muchos, el conocimiento de
esas etapas o el contenido básico de cada uno de los paradigmas, llega a ser considerado
como una señal distintiva de inclusión en el área académica de las Relaciones
Internacionales. Aquellos que pretenden ser reconocidos como académicos del área y por
ventura revelan desconocimiento sobre el orden de la evolución de los paradigmas o no se
muestran capaces de citar los nombres de los estudiosos norteamericanos más destacados
en cada una de esas etapas y sus respectivas obras, tienen su reputación de estudiosos de
las Relaciones Internacionales colocada en duda” [21]
Por otra parte, Groom al mismo tiempo que considera a la lengua inglesa como
indisociable de las Relaciones Internacionales, afirma que, en virtud de su estructura, de sus
metáforas y de su vocabulario, cualquier lengua – en este caso el inglés- impone
inexorablemente un modelo de pensamiento, una forma de pensar y razonar que refleja
siempre, una cultura particular y esto sucede con el inglés respecto de las Relaciones
Internacionales a pesar de que la vocación de las Relaciones Internacionales sea realizar una
sociología política de la sociedad global.
Por eso, los académicos que, en cualquier parte del mundo, se lanzan al análisis de
las Relaciones Internacionales, usando principalmente los estudios teóricos formulados por
los académicos angloparlantes, no pueden escapar al constreñimiento de percibir la
realidad de las Relaciones Internacionales según el entendimiento de esos teóricos
anglosajones al respecto de lo que es relevante o no, en esa realidad y que debe, por
consiguiente, ser concebido o no, como objeto científico de estudio.
Sagazmente, los profesores brasileños Williams Gonçalves y Leonardo Valente
concluyen que, la reflexión efectuada por Groom, no sólo es muy pertinente sino que no
hay ninguna manera de refutarla ni rechazarla. Como también observa Groom – afirman
Gonçalves y Valente aunque los textos de los académicos anglosajones “sean traducidos a
otras lenguas, las marcas de la manera anglosajona de expresarse y de pensar no
desaparecen en el texto traducido”,[22] creando, según nuestro entender, de esa forma, un
condicionamiento inconsciente, y casi inevitable, en todos los expertos en Relaciones
Internacionales en cualquier parte del mundo en que se encuentren, que de esa forma
observan y analizan la realidad internacional con ojos y cabezas anglosajonas y no con
cabeza propia. Hecho éste, que provoca, a su vez que, involuntariamente, reflejen los
intereses políticos de las potencias anglosajonas en el escenario internacional, así como su
correspondiente escala de valores.
Importa destacar que, en América Latina, intentaron observar y analizar la realidad
internacional con ojos y cabeza propia, intelectuales como Raúl Scalabrini Ortiz, Arturo
Jauretche, José Hernández Arregui, Felipe Herrera, Raúl Prebisch, Jorge Abelardo Ramos,
Alberto Methol Ferre, Andrés Soliz Rada, Aldo Ferrer, Paulo Schilling, Fernando Henrique
19
Cardoso y Enzo Faletto entre otros. Más específicamente, desde las Relaciones
Internacionales como disciplina de estudio, intentaron realizar esa misma tarea Juan Carlos
Puig, Bruno Boloña, Luiz Alberto Moniz Bandeira, Helio Jaguaribe y Amado Cervo. [23]
2 EL PROBLEMA DE LA FALTA DE SITUACIONALIDAD
El breve relato histórico que hemos realizado sobre el origen de las Relaciones
Internacionales como disciplina de estudio comprueba que las Relaciones Internacionales
nacieron como una reflexión realizada primero, por el poder británico y luego por el
norteamericano, para alcanzar determinados fines políticos.
Esta irrefutable comprobación demuestra, a su vez, la necesidad de realizar
siempre – cuando éstas se estudian fuera de los Estados Unidos – una “reflexión situada”
sobre las Relaciones Internacionales como disciplina de estudio.
Sin embargo, esta necesaria “reflexión situada”, no es generalmente realizada por
los expertos en Relaciones Internacionales de otras nacionalidades, afincados fuera de los
Estados Unidos que, de esa forma reflejan –como sostiene Hoffmann- más o menos
“servilmente” y con algún retraso, las “modas” norteamericanas – los debates y las
categorías de análisis en boga – y al hacerlo, reflejan, y sirven también, al interés político de
los Estados Unidos, dada la conexión existente, en dicho país, entre el mundo académico
tanto con el Departamento de Estado, como con las distintas agencias de inteligencia y
espionaje, lo que hace que un gran número de académicos e investigadores no deambulen
por los “pasillos” del poder sino, que participen, con orgullo, de la “cocina” misma del
poder. [24]
Importa destacar que el acto reflejo, de los expertos en Relaciones Internacionales
fuera de los Estados Unidos, de seguir los debates y las categorías de “moda” en ese país da,
también, como resultado “mallas curriculares, especialmente en Teoría de las Relaciones
Internacionales, de una narración caótica, descontextualizada, sin tiempo-espacio y menos
con un hilo conceptual, excepto la narración. Y la novedad incesante de la ‘aparición’ de
nuevas ‘teorías’ que forman parte de la narración continua, y que son abordadas como si se
tratase de la teoría de la relatividad de Einstein. Basta observar someramente la temática en
América Latina de los Congresos de Relaciones Internacionales y Ciencia Política, para
comprobar lo antedicho. Siempre, una jerarquización positivista, es tácita a sus
programas.”[25] Agudamente, señala Barrios que, en Iberoamérica, para cualquier
científico de las Relaciones Internacionales, el hecho de no subordinarse a los debates y
categorías de moda, ni a sus premisas tácitas “puede conducir al aislamiento del sistema
meritocrático científico.”[26]
En la gran mayoría de las carreras de Relaciones Internacionales –que en los últimos
20 años han proliferado en todas partes del mundo- en raras ocasiones se les advierte a los
estudiantes que las Relaciones Internacionales, no pueden ser consideradas una ciencia
pura, es decir incontaminada y al resguardo de los vaivenes de la historia y la “facticidad”.
Tampoco se les advierte que no es posible realizar una “aproximación objetiva” si por ello se
20
entiende la carencia de toda proyección o influencia de valores (personales y sociales),
sobre los investigadores, las teorías o los sistemas; y que tampoco hay “consideración
desinteresada”, porque nadie más interesado y situado, que el sujeto humano. Debemos
entonces, pensar desde lo “universal situado”, en realizar una lectura de las Relaciones
Internacionales “culturalmente situada”.[27]
No renunciamos a explicar el sistema en su conjunto, no renunciamos a la
pretensión de universalidad del conocimiento, ni estamos dispuestos a asumir una posición
relativista. Una “universalidad situada” supone que miramos, observamos, siempre, desde
un ángulo. No se puede nunca, ver todos los ángulos al mismo tiempo. Siempre vemos en
perspectiva y el lugar desde donde miramos y observamos, genera categorías. Además, es
razonable y deseable que, el observador dirija su mirada hacia los problemas que la situación
personal o comunitaria, plantea.
Así, mientras los grandes pensadores de Estados Unidos y Europa, están hoy
preocupados por las causas de la decadencia de las grandes potencias en el transcurso de la
historia de la humanidad nosotros, deberíamos dirigir nuestra mirada hacia los hechos – las
causas y origen- que permitieron que, esos mismos estados – de los cuales ellos estudian las
causas de la decadencia- se convirtieran en grandes potencias. La necesidad conduce
imperceptible y naturalmente, nuestra mirada histórica – si no estamos subordinados
ideológicamente- hacia las causas de la decadencia o hacia las causas de la grandeza
dependiendo, lógicamente, del lugar del planeta donde se desarrolla nuestra existencia y
dependiendo de la comunidad política de la cual nos sentimos afectivamente, parte
indisoluble.
Se desprende, entonces, que necesitamos un corpus epistémico que permita dar
cuenta de nuestra perspectiva pero preciso es advertir que, los corpus epistémicos, no se
prestan ni se alquilan: se construyen.[28]
Siguiendo el pensamiento de Mario Casalla creemos que: “Toda reflexión está
situada y es, desde esa situación concreta, a partir de la cual se establecen y se abordan los
denominados hechos. Trátase así de una doble situacionalidad: la del investigador frente al
hecho (en el doble sentido que esta palabra tiene) y la de éste, respecto de sí mismo. No hay
investigadores ni hechos aislados y el problema de la búsqueda de la pureza o de la
objetividad – en el sentido casi religioso con que este término es pronunciado en el credo
positivista y neopositivista- es tan ingenuo como imposible…todo pensar (lo advierta o no lo
advierta; lo asuma o no lo asuma,) es un pensar de y desde, una situación (a la vez, personal
e histórica), y que ésta lo realimenta permanentemente. Esto no significa, ni siquiera
aproximadamente, que el ‘hecho’ en particular deba ser reemplazado por la situación que lo
acompaña. Muy por el contrario, lo que queremos significar es la imposibilidad de abstraer
la situación, de quitar del medio – sin más y bajo el benemérito manto del ‘rigor científico’-
la estructura dentro de la cual algo es lo que es.” [29]
A esta altura de nuestro razonamiento debemos aclarar que, para realizar una
“lectura culturalmente situada” del pensamiento producido en el marco de las Relaciones
Internacionales como disciplina de estudio, debemos precisar que “la situación no es el
21
conjunto pre-fabricado de circunstancias que rodean al hecho (una obra, un autor, una
idea)…Situar un pensamiento es comprenderlo dentro de aquella estructura histórica ( es
decir no meramente formal) en relación con la cual éste se expresa y dentro de la cual
adquiere su especificidad.”[30]
Todo el pensamiento producido en el marco de las Relaciones Internacionales
como disciplina científica, es un discurso situado. Esto significa que: todo pensamiento es
discurso de una determinada situación, tanto como su trascendencia y voluntad de
superación:
El pensamiento es así, un modo determinado de la praxis – nunca por ende, simplemente teórico o puro-. Y así como la situación no es una estructura formal, tampoco es una suerte de ente ‘explicatio’ que -desde lo ‘general’- da cuenta de lo particular. Ni las ‘condiciones objetivas’ a las que cierto positivismo y marxismo (del siglo pasado pero también de éste) aluden cuando desean explicar por qué las cosas suceden tal como suceden. Aquel juego que hemos descripto de totalización y transcendencia, de singularidad y alteridad, de vaivén entre lo fáctico y lo hipotético, no pueden ser reducidos a universalismos, trascendentalismos, ni estructuralismos de nueva o vieja especie.[31]
Todo estudioso de las Relaciones Internacionales piensa y escribe (lo asuma o no lo
asuma), desde una región subordinante, una región autónoma, o una región subordinada y,
su producción intelectual (lo advierta o no lo advierta), puede servir para perpetuar la
situación de subordinación o para superarla.
Acertadamente, afirma Stanley Hoffmann que “a los académicos no les gusta
pensar sobre su dependencia intelectual del status de su país, y sobre las ambiciones de su
elite politíca, ello perturba su sentido de pertenecer a una comunidad científica,
cosmopolita y libre de ataduras…Y sin embargo, el vínculo existe. Y a veces es reforzado por
arreglos institucionales.” [32]
3 EL PROBLEMA DE LA NOMINACIÓN
Lo primero que llama la atención a quien se acerca al estudio de las Relaciones
Internacionales es la existencia, junto al término relaciones internacionales, de otros
términos tales como, “estudios internacionales”, “política internacional” o “política
mundial”, que se utilizan en el ámbito académico, para denominar la misma disciplina de
estudio.
Si bien estos términos son, vulgarmente utilizados, muchas veces, como sinónimos
es evidente que esa pluralidad de denominaciones tiene su origen en planteamientos
epistemológicos y metodológicos contrapuestos.
Si antes mismo de comenzar el estudio de las Relaciones Internacionales nos
hallamos, entonces, ante el problema de la existencia de una pluralidad de nominaciones
para la misma disciplina hay otro problema que salta a la vista y es que, cuando utilizamos
la palabra “nación” estamos forzando el significado de la palabra nación. El mismo problema
22
se plantea cuando se intenta definir el concepto de “escenario internacional” o “sistema
internacional”. Dado que, por un lado, muchos de los denominados estados nacionales, a lo
largo de la historia, han estado conformados por varias naciones y que, por otro parte,
existen o podrían existir naciones fragmentadas en varios estados. Para muchos
intelectuales y políticos tal es el caso, por ejemplo, de la nación árabe o de la nación
hispanoamericana.[33]
Es fácil, entonces, cuando se analizan las diversas y más clásicas definiciones de las
Relaciones Internacionales como disciplina de estudio, llegar a la conclusión de que todos los
autores han “forzado” el significado de la palabra nación.
Por otra parte, las naciones o los estados, no son los únicos actores de las
Relaciones Internacionales.
Planteado así el problema, estamos ante la disyuntiva de optar, entre el uso de un
nombre consagrado, el de relaciones internacionales – forzando el significado de la palabra
nación – o crear un nuevo nombre para nuestra disciplina de estudio. Nosotros, por razones
de orden práctico, preferimos optar por la primera alternativa. [34]
4 EL PROBLEMA DE LA DELIMITACIÓN DEL OBJETO DE ESTUDIO
Cuando hablamos de relaciones internacionales, ¿de qué tipo de relaciones estamos
hablando? Tanto para Aron como para Morgenthau, cuando hablamos de relaciones
internacionales nos referimos, fundamentalmente, a relaciones políticas. Mientras que para
George Schwarzenberger, Marcel Merle, y Antonio Truyol, el estudio de las Relaciones
Internacionales debe abarcar todo tipo de vínculos existentes entre los estados o entre los
individuos o grupos políticos o no políticos, siempre que se establezcan a través de las
fronteras que separan a las naciones.
En la vereda opuesta a Schwarzenberger, Merle, y Truyol, Enrique Peltzer sostiene,
a su entender, que es importante no caer en el tan frecuente error de confundir a las
Relaciones Internacionales, como disciplina, con el estudio de la Sociología Internacional.
Así, afirma Peltzer, desde su particular punto de vista que, mientras la Sociología
Internacional pone su centro de atención en las relaciones no políticas e incluye, por
ejemplo, las relaciones culturales o deportivas, que puedan existir entre personas o grupos
de personas que pertenecen a distintas unidades políticas, las Relaciones Internacionales se
centran en el estudio de las relaciones con significación política que se producen entre las
distintas unidades que conforman el escenario internacional.
Por otra parte, Enrique Peltzer afirma que resulta conveniente precisar que, a
diferencia del Derecho Internacional, el objeto formal de las Relaciones Internacionales, no
es la justicia, sino el poder. A diferencia del Derecho Internacional, sostiene Peltzer, las
Relaciones Internacionales lo que tratan de comprender “son las relaciones de poder, no las
normas a las que puedan o deban sujetarse esas relaciones.” [35]
Siguiendo el camino marcado por Aron y Morgenthau, Enrique Peltzer cree que las
Relaciones Internacionales circunscriben su campo de acción al de la vida política, dejando
23
fuera de su área específica de estudio, las innumerables relaciones no políticas que se
pueden establecer entre las distintas unidades que conforman el sistema internacional.
Es en ese sentido que Peltzer afirma: “Esta delimitación no supone ignorar la
existencia de otras relaciones externas, no políticas, ni siquiera menospreciar su importancia
o su interés; pero conviene dejar su estudio en la esfera de la sociología, o en las de cada
una de las distintas disciplinas específicas que tienen atingencia con el contenido de cada
tipo de relación; así la filosofía de la cultura podrá ocuparse de las relaciones puramente
culturales; la medicina, de las relaciones sanitarias ; la economía, de las comerciales y
financieras…Por cierto que en la medida en que estas relaciones se vean involucradas en
asuntos de índole política caerán, inexorablemente, bajo la lupa de las relaciones
internacionales, pero ello será consecuencia de la sustancia política latente en cada caso, y
solamente, en tanto eso ocurra”. [36]
Resulta evidente que la posición sostenida, entre otros autores, por Aron,
Morgenthau o Peltzer, de separar las Relaciones Internacionales tanto de la Sociología
Internacional, como de la Economía Internacional, como del Derecho Internacional, podría
ser objetada a partir de la dificultad real de establecer una frontera nítida entre estas
disciplinas y las Relaciones Internacionales. Sin embargo, Raymond Aron se defiende de esa
objeción afirmando que: “esa dificultad es real pero que cometeríamos un error grave si
exageramos su importancia porque ninguna disciplina científica posee una frontera
nítidamente trazada que las separe de las otras.”[37]
Creemos que un ejemplo, puede echar luz sobre este debate.
Así, por ejemplo, el estudio de la FIFA, el organismo rector del fútbol mundial, en
principio, queda excluido del campo de estudio de las Relaciones Internacionales.
Sin embargo el caso no sería tal si, por ejemplo, una unidad política decidiera
inmiscuirse, de forma indirecta y encubierta, en los asuntos de esta organización a fin de
cooptarla con el objeto de “usar”, hipotéticamente, su enorme volumen de ingresos para
financiar actividades de índole netamente políticas en cualquier lugar del orbe o bien que,
otra hipotética unidad política haga uso de la misma entidad, para dañar el prestigio político
del gobierno de una unidad política rival, fomentando, por ejemplo, una investigación
judicial tendiente a demostrar que la unidad política rival, consiguió ser la anfitriona del
torneo mundial de futbol, mediante maniobras delictivas de compra de votos.
Así, sólo en tales casos teóricos, el estudio de la FIFA, caería bajo la lupa de estudio,
de las Relaciones Internacionales.
5 EL PROBLEMA DE LAS TRES DIMENSIONES DE UNA ÚNICA REALIDAD
Ahora bien, sin ánimos de zanjar el debate anteriormente expuesto, cabe aclarar
que, en el escenario internacional, la dimensión política – de las relaciones que se
establecen entre todos los actores del sistema internacional- se encuentra profundamente
interrelacionada con las otras dos grandes dimensiones que conforman la vida
internacional: la cultural y la económica.
24
Estas tres dimensiones están estrechamente interrelacionadas, influenciándose
mutuamente, una a la otra pero, importa destacar que, las influencias son asimétricas.
Así, la dimensión política influencia a la económica más de lo que es influenciada
por ésta pero, a su vez, la dimensión cultural influencia a la política más de lo que es
influenciada por ésta.
En cada una de estas dimensiones se desarrolla un proceso histórico, tendiendo el
proceso cultural a ser, de ordinario, más lento que los otros dos. Así, mientras la dimensión
económica se cruza, frecuentemente, en el corto y mediano plazo, con la dimensión política,
la dimensión cultural, se entrecruza con la económica y la política sólo, en el largo plazo.
Sin embargo, es preciso tener en cuenta que, es en la dimensión cultural donde se
generan las mega-categorías, las grandes categorías de análisis metapolíticas, que
condicionan las acciones concretas tanto de la llamada política nacional, como de la
denominada política internacional.[38]
Estas categorías conforman un mundo categorial – igualitarismo, identidad,
homogeneización, uniformidad, multiculturalismo, memoria, progreso, consenso, derechos
humanos, pueblos originarios, pluralismo, relativismo, mundo único- que, si bien no se
percibe en forma inmediata sino sólo por sus efectos, provoca un “megacondicionamiento”
de la vida política y económica, tanto a nivel estadual como internacional. Y así como la
dimensión cultural – los hechos que en ella se producen- condiciona, en el largo plazo
megaestratégico- a la dimensión política, ésta, condiciona a su vez, en el largo plazo
estratégico, a la dimensión económica.
6 EL PROBLEMA DE LA IDENTIFICACIÓN DE LOS ACTORES
Uno de los problemas fundamentales de las Relaciones Internacionales es el de la
identificación de los actores, dado que los comportamientos, los sistemas, las estructuras,
los procesos de interacción, no pueden ser correctamente analizados sí, previamente, los
actores no son claramente identificados. Errar en la identificación de los actores lleva,
inexorablemente, a un análisis equivocado. Errar en la individualización de los actores es
errar en todo. [39]
Es por ello que no es un dato menor resaltar que, en el mundo académico, a la hora
de definir qué se entiende por actor internacional, la amplitud de criterios sea palpable.
Así, mientras que para Raymond Aron, Pierre Renouvin y Jean-Baptiste Duroselle,
sólo son actores de las Relaciones Internacionales las colectividades políticas
territorialmente organizadas, para Marcial Merle: “por actor, hay que entender toda
autoridad, todo organismo, todo grupo e, incluso, en el caso límite, toda persona, capaz de
desempeñar una función, en el campo social; en nuestro caso concreto en la escena
internacional”.[40]
En la misma línea de interpretación que Marcial Merle, los profesores Philippe
Braillard y Mohammad-Reza Djalili, afirman que es preciso entender como actor de las
25
Relaciones Internacionales, “toda autoridad, todo organismo, todo grupo y también a toda
persona susceptible de jugar un rol en el escenario internacional”[41]
Por su parte, Esther Barbé afirma que, “el actor internacional es aquella unidad del
sistema internacional (entidad, grupo, individuo) que goza de habilidad para movilizar
recursos que le permitan alcanzar sus objetivos, que tiene capacidad para ejercer influencia
sobre otros actores del sistema y que goza de cierta autonomía.”[42]
Mientras que, por otra parte encontramos que, según los criterios elaborados por
Bruce Russett y Harvey Starr, la calidad de actor internacional estaría dada por 4 elementos
o condiciones indispensables: 1) Que la unidad lleve a cabo funciones continuas y
significativas en el sentido de impacto continuado en el sistema interestatal; 2) Que la
unidad sea tomada en consideración por parte de los elaboradores de la política exterior de
los estados; 3) Que la acción de la unidad tenga un impacto en la formación de la política
exterior de un estado; 4) Que la unidad tenga autonomía – libertad de acción- a la hora de
tomar sus decisiones.[43]
Por otra parte, Marcial Merle, divide a los actores internacionales en tres grandes
grupos: “los estados, las organizaciones internacionales (que se dividen en organizaciones
intergubernamentales y las organizaciones no gubernamentales compuestas por individuos y
grupos de carácter privado) y las fuerzas transnacionales”[44] comprendiendo éstas – según
Merle- a los “movimientos y a las corrientes de solidaridad de origen privado que tratan de
establecer a través de las fronteras y que tienden a hacer valer o imponer su punto de vista
en el sistema internacional.” [45]
Para Fulvio Attiná “El campo de las Relaciones Internacionales, si bien surgió
merced a la necesidad de información sobre las opciones y el comportamiento de los
Estados, en un sistema internacional en proceso de cambio, no está constituido sólo por las
relaciones entre los Estados y sus gobiernos. Hay otros sujetos individuales y colectivos,
institucionales, organizados o no, que son fundamentales para el sistema internacional.
Dicho de otra forma, ya no se trata únicamente de un sistema internacional, sino que nos
las habemos con un sistema transnacional o, para emplear un término aún más
comprensible, con un sistema global, o sea, con un sistema en el cual la demarcación entre
lo interno y lo internacional es, aún, muy tenue”. [46]
Por último, importa destacar la posición de la escuela neo-marxista encabezada por
Immanuel Wallerstein.[47] Para Wallerstein, que elabora la llamada teoría del sistema-
mundo, las Relaciones Internacionales tienen una naturaleza de clase y es por esto que los
principales actores de las relaciones internacionales no son los Estados-nación, ni las
organizaciones intergubernamentales, ni las organizaciones no gubernamentales. Para
Wallerstein, los actores reales de las relaciones internacionales son las clases globales: la
burguesía mundial y el proletariado mundial.
Para sostener su afirmación, Wallerstein argumenta que la anarquía en las
relaciones internacionales -proclamada por los realistas- es tan sólo una fachada que oculta
que la lógica del capitalismo, está por encima de los intereses nacionales de los estados. Para
26
Wallerstein, las decisiones básicas en las Relaciones Internacionales, no son tomadas por los
gobiernos y los estados, sino por la élite mundial cosmopolita capitalista, compuesta por
representantes de varias naciones y pueblos.
Para Wallerstein, los procesos de lucha de clases se despliegan en las relaciones
internacionales, por lo que las relaciones internacionales son un área de confrontación entre
dos fuerzas transnacionales supranacionales, la burguesía mundial y el proletariado mundial:
ellas son, en realidad los principales actores de las relaciones internacionales y no los
estados o las organizaciones internacionales.
Sin lugar a dudas, Wallerstein acierta en identificar a la burguesía mundial como
actor de las relaciones internacionales a partir de la plena conformación del sistema
capitalista mundial pero, su dogmatismo ideológico, le impide observar que la realidad nos
indica que la burguesía mundial no impone automáticamente su voluntad a los estados y
que las elites políticas no son siempre, aunque lo sean muy a menudo, una simple correa de
transmisión de la voluntad de la burguesía mundial.
Creemos que, las definiciones que hemos expuesto o son confusas o no identifican
nítidamente a todos los actores que existen y que han existido y que ello, lleva a un
deficiente análisis del sistema internacional, de las estructuras y de los procesos de
interacción. Entre los dos extremos marcados por Hans Morgenthau, Raymond Aron, Pierre
Renouvin y Jean Baptiste Duroselle para quienes el Estado-Nación, es el único actor de las
Relaciones Internacionales y Emmanuel Wallerstein para quien la burguesía mundial y el
proletariado mundial son los dos verdaderos actores del sistema internacional,
independientemente de la división formal del sistema mundo en estados nacionales, es que
es preciso reflexionar, sin dogmatismo ideológico, para identificar a los actores principales,
es decir a los actores realmente relevantes, de las relaciones internacionales.
Sin duda alguna, las definiciones expuestas no dan cuenta, de forma precisa de
todos los actores que han jugado un rol decisivo en la historia de las relaciones
internacionales. Quienes han dirigido el destino de los estados, han experimentado en carne
propia – y han dejado muchas veces testimonio de ello es sus memorias- que, conduciendo
el destino de sus naciones, han tenido que enfrentarse a otros actores que no constituyen
entidades estatales, ni clases sociales, ni organizaciones intergubernamentales, ni ONGs
pero que, en especiales ocasiones, tienen tanto o más poder, que cualquier estado.[48]
7 LOS ACTORES ORIGINARIOS Y LOS TIPOS IDEALES
En tanto disciplina académica, las Relaciones Internacionales constituyen una
ciencia relativamente nueva, cuyo objeto de estudio es, no obstante, muy antiguo. El
hombre, sin embargo, tardará mucho tiempo, en percatarse de ello. También, aquellos a
quienes hoy, llamamos actores de las Relaciones Internacionales, existieron desde los
tiempos más remotos.
Cuando los distintos grupos de familias nómades, que lentamente estaban
poblando la superficie de la tierra, se agruparon entre sí para dar origen a distintas tribus, se
27
produjo la aparición de la primera unidad política concreta de la historia de la humanidad.
Mientras en la familia, el factor aglutinante fundamental era el afectivo-biológico, en la
tribu, el factor aglutinante esencial será el político-biológico. Cuando algunas de las tribus
nómades se hicieron sedentarias, construyendo aldeas y luego pequeñas ciudades, se
constituyeron en Unidades Políticas Con Asiento Territorial (UPCAT), y comenzó a plantearse
el problema de las relaciones entre las distintas unidades políticas con asiento territorial y
entre éstas, y aquellos pueblos que aún, se mantenían nómades.[49]
Las unidades políticas -con asiento territorial- más fuertes, tratarán de someter a las
más débiles y ambas, fuertes y débiles, sufrirán el ataque de las Unidades Políticas Sin
Asiento Territorial (UPSAT), que estarán, en un principio interesadas, primordialmente, en el
saqueo de las riquezas y el sometimiento – pero, sin la pretensión del dominio efectivo
formal del territorio – de las unidades políticas asentadas territorialmente. Comenzó,
entonces, el ominoso juego entre la dominación y la liberación, que continúa hasta nuestros
días.
Quedaron así y desde entonces, constituidos los dos grandes tipos ideales de
aquello que, comúnmente, se denomina actores de las Relaciones Internacionales y que,
tomando distintas formas a través de la historia, llegan hasta el presente:
A.) las Unidades Políticas Con Asiento Territorial (UPCAT)
B.) las Unidades Políticas Sin Asiento Territorial (UPSAT)
El concepto de UPCAT, comprende a cualquier colectividad política organizada que
posea el dominio efectivo de un territorio y, el de UPSAT a cualquier individuo o grupo de
individuos (organizados formal o informalmente), que, sin poseer –ni interesarles- el
dominio efectivo formal de un territorio, intentan para cumplir sus fines, cualesquiera sean
estos, imponer su voluntad a las UPCAT. No importa cuáles sean los fines últimos –
religiosos, filantrópicos, económicos- de un individuo o de un grupo de individuos, si
intentan cumplir los mismos a través de la imposición de su voluntad a todas las UPCAT
presentes en el escenario internacional o a un grupo de ellas, ese individuo o ese grupo de
individuos se convierte, de facto, en un actor de las Relaciones Internacionales.
Así, mientras el concepto UPCAT nos permite abarcar tanto a las ciudades
mesopotámicas de Ur, Lagash, y Uruk, a las polis griegas, al califato islámico, al imperio
incaico, al persa o al romano, como a los actuales estados-nación, el concepto de UPSAT nos
permite incluir, desde los antiguos pueblos nómades, hasta la moderna oligarquía financiera
internacional.
Además, el concepto de UPSAT nos permite contener a organizaciones, e incluso
individuos que –aunque sólo en especiales ocasiones históricas debido a su poder, prestigio
o riqueza- son actores reales, aunque a veces pasen desapercibidos, de la política
internacional, como el Vaticano o la Masonería, la Comisión Trilateral o el Club Bilderberg,
Al Qaeda o la Royal Dutch Shell, George Soros o el Dalái Lama.
28
Desde otra perspectiva, puede afirmarse que, en la actualidad, las UPCAT son
actores directos del escenario internacional mientras que las UPSAT, constituyen
fundamentalmente los actores indirectos de dicho escenario.
Los actores indirectos, son los que influencian en el sistema internacional
principalmente. a través de los actores directos, para moldear y organizar el sistema, a fin de
que éste responda a sus intereses, con el objeto de crear un orden favorable a sus fines y
objetivos.
Generalmente, estos actores indirectos, intentan imponer su voluntad a través de
las UPCAT más poderosas, estableciendo con ellas, una alianza estratégica, o cooptando,
directamente, a la clase dirigente de las principales UPCAT para ponerlas totalmente a su
servicio.
Por ejemplo, la oligarquía financiera internacional, como actor indirecto, consolidó,
en 1815, después de la derrota de Napoleón, una sólida alianza con la elite de conducción
del Imperio Británico y luego, al observar el vertiginoso ascenso del poder norteamericano y,
el lento declive del poder británico, buscó rápidamente, en 1911, establecer la alianza con la
clase política estadounidense dado que, los Estados Unidos, ya se perfilaban como el
principal candidato para sustituir a Gran Bretaña, como la principal potencia mundial.
Este tipo de alianza, es de fundamental importancia para las UPSAT y en particular
para el poder financiero internacional, dado que las UPCAT, en el transcurso de la evolución
histórica, lograron monopolizar el uso de la violencia legal y concentrar en sus manos el
poder punitivo consecuente. Resulta evidente que, si bien el poder financiero internacional,
ahora puede operar en el sistema internacional de forma directa, a través de los llamados
“golpes de mercado”, necesita todavía de la alianza con la UPCAT más poderosa para
imponer sanciones y disciplinar, con el uso de la fuerza a aquellas UPCAT díscolas que no
aceptan las reglas de juego económicas que la oligarquía financiera internacional ha logrado
imponer al conjunto de UPCAT, que integran el sistema internacional.
Simplemente, a modo de ejemplo de la importancia de los actores indirectos -
importancia a veces ignorada o menospreciada, por muchos expertos en Relaciones
Internacionales-, conviene recordar la siguiente anécdota: ¿Cuántas divisiones tiene el
Papa?, preguntó con desprecio Stalin en Yalta, durante la reunión de los llamados tres
grandes – Churchill, Roosevelt y Stalin- que, en Crimea, en febrero de 1945 – teniendo
como telón de fondo el antiguo palacio de verano de los zares de Rusia- tenía como objetivo
decidir el destino del mundo.[50] Ciertamente la respuesta se hizo esperar pero, 35 años
después de Yalta, la dirigencia soviética supo que el Papa tenía muchas divisiones, tres
décadas después de que Stalin formulara su pregunta, la dirigencia soviética experimentó,
en carne propia, que el Vaticano era un actor de peso. en el sistema internacional. [51]
8 EL PROBLEMA DE LA DEFINICIÓN
Resulta fácil constatar la existencia de numerosas definiciones muy diversas y
contradictorias entre ellas, en lo que respecta al término Relaciones Internacionales. Por
29
otra parte, también podemos comprobar la existencia de muchas posturas antagónicas
sobre cuál es el objeto de estudio de las Relaciones Internacionales. Así, por ejemplo, por
citar sólo algunas de las definiciones más clásicas y relevantes, encontramos que, para Hans
Morgenthau la disciplina de las Relaciones Internacionales – a las cuales él prefiere
denominar como la Ciencia de la Política Internacional – se ocupa de “detectar y entender
las fuerzas que movilizan las relaciones políticas entre las naciones y comprender los modos
por los cuales estas fuerzas actúan entre sí, sobre las relaciones políticas internacionales y
sobre las instituciones”.[52]
Para Morgenthau, la política internacional, como toda política implica, siempre, en
todo espacio y tiempo histórico, “una lucha por el poder[53]”, independientemente de los
fines que persigan los distintos gobernantes de las naciones. Es en tal sentido que afirma:
“No importa cuáles sean los fines últimos de la política internacional: el poder siempre será
el objetivo inmediato. Los estadistas y la gente común pueden proponerse como objetivo
final la búsqueda de la libertad, la seguridad, la prosperidad o el propio poder. Pueden
definir sus propósitos en términos religiosos, filosóficos, económicos o sociales…pueden
tratar de proveer a su realización a través de medios no políticos tales como la cooperación
técnica con otras naciones… Pero apenas intentan cumplir sus metas recurriendo a la política
internacional se ven embarcados en la lucha por el poder. Los cruzados querían libertar los
santos lugares de la dominación infiel; Woodrow Wilson quería que el mundo fuese un lugar
más seguro para las democracias; los nazis querían abrir Europa oriental a la colonización
germana, dominar Europa y conquistar el mundo. Desde el momento en que todos ellos
eligieron el poder para conseguir sus fines, se convirtieron en actores de la escena
internacional.” [54]
Si el realismo político de Hans Morgenthau, considera las Relaciones Internacionales
como política internacional, y, por lo tanto, dentro del ámbito exclusivo de la Ciencia
Política, en la vereda opuesta, George Schwarzenberger define el estudio de las Relaciones
Internacionales como una rama de la Sociología que se ocupa de la Sociedad Internacional:
“El estudio de las relaciones internacionales – afirma Schwarzenberger– es la rama de la
sociología que trata de las sociedad internacional.” [55]
En tal sentido, para Schwarzenberger “El campo de la ciencia de las relaciones
internacionales es la sociedad internacional. Sus temas son la evolución y estructura de la
sociedad internacional; los individuos y grupos que se hallan activa o pasivamente
implicados en este complejo social; los tipos de conducta en el medio internacional; las
fuerzas que dirigen la acción en la esfera internacional y las pautas de las cosas que hayan
de ocurrir en el ámbito internacional.” [56]
Es en ese sentido que Schwarzenberger define a las Relaciones Internacionales
como, “las relaciones entre grupos, entre grupos e individuos y entre individuos que afectan
esencialmente a la sociedad internacional como tal.”[57]
Por otra parte, para Raymond Aron, el más importante representante de la
sociología histórica, las Relaciones Internacionales se caracterizan por ser relaciones entre
unidades políticas que aún se encuentran en estado de naturaleza.
30
Para Raymond Aron, que realiza una interpretación sociológica del realismo político,
Las relaciones internacionales son, por definición, la relación entre naciones. Pero en este caso, el término nación…equivale a cualquier colectividad política, territorialmente organizada…Las relaciones internacionales son las relaciones entre unidades políticas, este último concepto abarca las ciudades griegas, el imperio romano o el egipcio, tanto como las monarquías europeas, las repúblicas burguesas o las democracias populares…Las relaciones entre estados, las relaciones propiamente interestatales, constituyen la esencia de las relaciones internacionales (y) las relaciones interestatales presentan un rasgo original que las distingue de todas las otras relaciones sociales (dado que) las relaciones entre estados comportan por esencia, la alternativa de la guerra y de la paz…(las Relaciones Internacionales) se ocupan de las relaciones entre unidades políticas donde cada una reivindica el derecho de hacer justicia por sus propias manos y donde cada una se reserva la decisión de combatir o no combatir. [58]
Casi en la misma línea de pensamiento que Raymond Aron, Pierre Renouvin y Jean-
Baptiste Duroselle, consideran que, “el estudio de las relaciones internacionales se ocupa,
sobre todo, de analizar y de explicar las relaciones entre las comunidades políticas
organizadas dentro de un territorio, es decir entre los estados…por lo tanto es la acción de
los Estados la que se encuentra en el centro de las Relaciones Internacionales.” [59]
Por su parte, Stanley Hoffmann, próximo al pensamiento de Aron, pero
poniendo mayor acento en el plano filosófico-normativo, sostiene que, “la disciplina de las
Relaciones Internacionales se ocupa de los factores y actividades que afectan a la política
exterior y al poder de las unidades básicas en que está dividido el mundo.”[60]
En las antípodas de las definiciones dadas por Aron, Hoffmann, Renouvin y
Duroselle, se encuentra la expuesta por Antonio Truyol y Serra, para quien no es posible
equiparar o identificar a las Relaciones Internacionales, con las relaciones interestatales.
Para Truyol y Serra, las Relaciones Internacionales comprenden todas “aquellas relaciones
entre individuos y colectividades humanas que en su génesis y su eficacia no se agotan en el
seno de una comunidad diferenciada y considerada un todo, que fundamentalmente pero
no exclusivamente, es la comunidad política o Estado, sino que trascienden sus límites.” [61]
Siguiendo con el repaso de las definiciones dadas por algunos de los más
prestigiosos estudiosos de las Relaciones Internacionales, encontramos que, para Charles
Anthony Woodward Manning, el término Relaciones Internacionales “designa a toda
manifestación del comportamiento humano que, naciendo del lado de una frontera, ejerce
una acción sobre el comportamiento humano, del otro lado de esa frontera.”[62]
Para James Rosenau, el concepto de Relaciones Internacionales abarca
una amplia gama de actividades, ideas y bienes que cruzan las fronteras nacionales; es decir las Relaciones Internacionales, comprenden intercambios sociales, culturales, económicos y políticos que se dan tanto en situaciones ad hoc, como en contextos institucionales.[63]
31
Para Kal Holsti, el concepto de “Relaciones Internacionales hace referencia a todas
las formas de interacción entre miembros de sociedades separadas, estén o no propiciadas
por un gobierno.”[64]
Para Manuel Medina, el estudio de las Relaciones Internacionales abarca, “las
relaciones sociales y políticas que trascienden del ámbito de las sociedades nacionales. Los
fenómenos de política internacional, y las interacciones económicas, sociales y culturales
entre distintos entes políticos independientes, constituyen el contenido propio de la
disciplina.”[65]
Por otra parte, para Quincy Wright “las Relaciones Internacionales, en cuanto
disciplina que contribuye a la comprensión, predicción, valoración y control de las relaciones
entre los Estados y de la comunidad universal es, al mismo tiempo, una historia, una ciencia,
una filosofía y un arte.”[66]
En el debate que venimos exponiendo, resulta interesante observar la postura de
Philippe Braillard y Mohammad-Reza Djalili, quienes sostienen:
Tradicionalmente, las Relaciones Internacionales fueron consideras como el conjunto de lazos, de relaciones y de contactos que se establecían entre los Estados… (lazos, relaciones y contactos) devinientes de la política exterior de estos últimos…Ahora bien, aunque el Estado conserve todavía un rol central en la vida internacional, sería ilusorio reducir esta última solamente a las relaciones interestatales, particularmente en una época donde numerosos procesos económicos y culturales escapan, en gran medida, a los controles gubernamentales… Las Relaciones Internacionales pueden, entonces, ser definidas como el conjunto de relaciones y comunicaciones susceptibles de tener una dimensión política que se establecen entre grupos sociales y que atraviesan las fronteras. [67]
“En definitiva – sostiene Fulvio Attiná -, las Relaciones Internacionales son,
efectivamente, una ciencia de la política global – es decir, de la política entre Estados y de la
política que va más allá de los Estados – , en tanto que analizan y explican quien decide y
quien obedece, cómo y respecto a qué, en el sistema mundial…quien decide y quien
obedece son Estados , o bien actores no estatales, que desempeñan roles diferentes en el
proceso político – o sea, roles de líder, de desafiante, de secuaz o de gorrón (freerider)” [68]
Entendemos que estas definiciones resultan, en cierta medida, insatisfactorias en
tanto que, las que más se acercan a la comprensión de la sustancia real de las Relaciones
Internacionales, más lejos están de la captación de todos los actores concretos de las
Relaciones Internacionales, mientras que, las que más se acercan en la captación de los
actores, más se alejan de la comprensión de la sustancia real.
Es, por lógica consecuencia, entonces, que creemos necesaria la elaboración de una
nueva definición que, sin violar el sentido común acerca de la esencia y el objeto de la
disciplina, nos dé al mismo tiempo, una idea más precisa de la sustancia real de las
relaciones internacionales y una visión más abarcadora, de los actores que la componen y
animan.
32
9 EN BUSCA DE UNA NUEVA DEFINICIÓN
En todas las teorías políticas – hecho que incluye lógicamente a todas las teorías de
las Relaciones Internacionales- subyace, como punto de partida, explícito o implícito, una
determinada concepción del hombre. Toda teoría política está informada por una cierta
antropología filosófica, vale decir por una respuesta sobre el hombre, su origen y fin.
Podemos considerar, sin caer en una simplificación exagerada que las dos teorías
madres de las relaciones internacionales son el realismo y el idealismo.
El realismo encuentra su progenitor en Hobbes y el idealismo, en Locke.
Así, mientras para Hobbes, el hombre es lobo del hombre, para Locke, el hombre es
naturalmente bueno y altruista. Rousseau, dirá luego que el hombre es bueno por
naturaleza y la sociedad lo hace malo. Será, la concepción rousseauniana del hombre el
punto de partida de la teoría marxista y neo marxistas.
En nuestra concepción, el hombre está lejos de ser lobo del hombre pero, tampoco,
es un ser naturalmente bueno y altruista. El hombre, animal sociable por naturaleza, está
siempre tironeado por el mal, aunque sin dejar de ser solicitado por el bien. El hombre, a
través de su inteligencia, puede captar la verdad y, a través de su voluntad, perseguir el bien
por lo que el hombre es perfectible, por la realización del paradigma de las virtudes.
En consecuencia, los males social-políticos y los remedios a esos males, sólo se
esclarecen a la luz de la estructura interna del hombre, de suerte que éste lleva, en su
conducta, el destino de lo social; los males sociales, no acosan al hombre sólo y
principalmente desde afuera, sino que germinan dentro suyo, por el egoísmo que arraiga en
la concupiscencia, y se irradian desde adentro hacia el exterior.[69]
El hombre, animal sociable por naturaleza, solicitado por el bien y dotado por su
inteligencia, para captar la verdad, tiende siempre, no sólo a analizar y descubrir la realidad
social que lo rodea, tal cual es, sino a reflexionar sobre cómo debería ser y, a través de su
voluntad, tiende a la realización del deber ser.
En nuestro criterio, la principal característica inalterable de las relaciones
internacionales, a lo largo de la historia, reside en el hecho de la existencia, en todo
escenario regional o internacional, de una unidad política – o de un grupo de unidades
políticas – que intenta imponer su voluntad a las otras unidades políticas que se ven
obligadas, de esa forma, a optar entre la sumisión (subordinación) o la resistencia
(insubordinación).
Tal es la hipótesis sobre la que reposan, conceptualmente, las relaciones
internacionales. Tal es la sustancia de las Relaciones internacionales.
Es por eso que podemos afirmar que, en la dimensión del ser, el estudio de las
Relaciones Internacionales consiste, en sustancia y principalmente, aunque no
exclusivamente, en el estudio de las relaciones de subordinación e insubordinación entre las
distintas Unidades Políticas Con Asiento Territorial (UPCAT) que conforman el escenario
33
internacional y el estudio de las relaciones de subordinación e insubordinación entre éstas y
las Unidades Políticas Sin Asiento Territorial (UPSAT). [70]
Mientras que, en la dimensión del deber ser, el estudio de las Relaciones
Internacionales, consiste en el estudio del pensamiento y las acciones posibles para pasar
de la confrontación, a la solidaridad, es decir en el estudio del pensamiento y las acciones
posibles, para la construcción de una comunidad universal organizada de pueblos.
Y es, justamente, en el plano del deber ser, donde el estudio de las Relaciones
Internacionales encuentra su razón práctica última, su misión trascendente, su razón
metafísica.
10 LA ESENCIA DE LA HISTORIA DE LAS RELACIONES INTERNACIONALES
Como ya afirmásemos, el concepto de UPCAT, abarca desde las ciudades
mesopotámicas a las polis griegas, del imperio romano al imperio chino, del imperio azteca
al imperio inca, de la monarquía saudita a la República Popular China, de la República
Federal Alemana a la Federación Rusa. Mientras que, el concepto de UPSAT, abarca tanto a
los antiguos pueblos nómades como a la oligarquía financiera internacional, a la Masonería o
al Vaticano, a David Rockefeller o a la Madre Teresa de Calcuta.
Así contempladas las Relaciones Internacionales se observa, desde la antigüedad
oriental a nuestros días, el hecho de que esas relaciones se caracterizan primordialmente
por ser relaciones de subordinación, en que se diferencian unidades políticas subordinantes
y unidades políticas subordinadas.
Este hecho lleva a la formación, en cada ecúmene y en cada periodo histórico, de un
sistema en el que la unidad política o las unidades políticas, que intentan imponer su
voluntad, se transforman en unidades políticas subordinantes, las unidades políticas que
logran resistir el intento de imposición de la voluntad en unidades políticas autónomas, las
que no logran resistir la imposición de la voluntad en unidades políticas subordinadas y las
que, luego de haber sido sometidas, intentan recuperar su autonomía, en unidades políticas
rebeldes o insubordinadas.
La historia de las Relaciones Internacionales es, entonces, en sustancia y
principalmente – aunque no exclusivamente- la historia de las políticas llevadas a cabo por
las UPCAT y las UPSAT en la prosecución de sus propios intereses, generalmente, en
conflicto de unas contra otras: de UPCAT contra UPCAT y de las UPSAT contra las UPCAT.
Conflicto, importa precisar, provocado principalmente por:
A) Los sucesivos intentos de las unidades políticas con asiento territorial más
poderosas por alcanzar – subordinando a las otras unidades – la hegemonía regional o
universal y, por la resistencia (insubordinación) que oponen algunas unidades en aras de
mantener su autonomía o recuperarla.
B) Los sucesivos intentos de las unidades políticas sin asiento territorial, más
poderosas, para imponer – subordinando a las UPCAT- sea a sus intereses económicos o a
34
sus particulares visiones de cómo organizar la sociedad, el estado y el sistema internacional y
por la resistencia (insubordinación) que oponen algunas unidades a dicho fin.
NOTAS DE FÍN
[2] COMTE, Auguste, citado por BALZACQ, Thierry y RAMEL, Fréderic, Traté de Relacions
Internationales, Paris, Ed. Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 2013, p.
37.
[3] PELTZER, Enrique, Cómo se juega el poder mundial. Teorías de las relaciones políticas
externas, Buenos Aires, Ed. Abaco, 1994, p. 47.
[4] TRIAS, Vivian, Imperialismo y Geopolítica en América Latina, Buenos Aires, Ed. Cimarrón,
1973, p. 7.
[5] BERNAL MEZA, Raúl, América Latina en el mundo. El pensamiento latinoamericano y la
teoría de las relaciones internacionales, Buenos Aires, Ed. Grupo Editor Latinoamericano,
2013.
[6] GULLO, Marcelo, Haya de la Torre: La lucha por la Patria Grande, Remedios de Escalda,
Ed, Universidad Nacional de Lanús, 2013.
[7] GULLO, Marcelo, El pensamiento geopolítico del Papa Francisco, Revista Mundorama,
18/3/2013, El pensamiento geopolítico del Papa Francisco, por Marcelo Gullo.
[8] ATTINÁ, Fulvio, El sistema global, Introducción a las relaciones internacionales, Barcelona,
Ed. Paidós, 2001, p. 19.
[9] PELTZER, Enrique, op. cit, p. 33.
[10] BALZACQ Thierry y RAMEL Frédéric, Traité de Relations Internationales, op.cit., p. 221.
[11] DE MARCO, Miguel Ángel (h), Universidad y política exterior: La formación de expertos y
diplomáticos en la Universidad Nacional del Litoral, sede Rosario, 1920-1968, en RAPOPORT,
Mario (compilador) Historia oral de la política exterior argentina (1930-1966), Buenos Aires,
Ed. Octubre, 2015.
[12] En la década de 1920, Rosario era una ciudad cosmopolita que experimentaba su edad
de oro. La ciudad contaba, por entonces, con 250.730 habitantes y, su crecimiento
demográfico en esos años era superior al de Buenos Aires, Londres, Roma, Nueva York,
Múnich y París. Por la importancia de su puerto y de su Bolsa de Cereales era conocida como
la “Chicago de la República Argentina”. Desde el punto de vista político, la creación de la
Licenciatura y el Doctorado en Diplomacia en la ciudad de Rosario significó un desafío, por
parte de la burguesía mercantil rosarina, a la oligarquía porteña que gozaba del monopolio
de la representación exterior de la República Argentina pues de su seno salían los
embajadores y cónsules que eran nombrados por el poder ejecutivo, que tenía en cuenta
para realizar tales nombramientos, no ya la preparación profesional o intelectual del
nominado, sino su prosapia oligárquica. La pretensión de la burguesía mercantil rosarina era
que los licenciados y doctores en Diplomacia de la FCECP de Rosario fueran, en mérito de
sus estudios universitarios, los únicos profesionales habilitados, para ejercer la función
diplomática.
35
[13].“Los científicos de la política –sostiene Hoffmann- interesados por los asuntos
internacionales se han concentrado en la política de la era de posguerra; y cuando se han
dedicado al pasado, con demasiado frecuencia lo han hecho en forma muy resumida, yo
diría en estilo de esbozo colegial, o de la manera denunciada hace ya tiempo por Barrington
Moore Jr., que consiste en alimentar computadoras con datos sacados de su contexto. Esta
es una debilidad muy seria…”. HOFFMANN, Stanley, Jano y Minerva. Ensayos sobre la guerra
y la paz, Buenos Aires, Grupo Editor Latinoamericano, 1991, págs. 33 y 34.
[14] HOFFMANN, Stanley, op.cit., págs. 33 y 34.
[15] GONÇALVES, Williams y VALENTE MONTEIRO, Leonardo, “O monopolio das teorías
anglo-saxas no estudo das Relaçoes Internacionais”,
http://seculoxxi.espm.br/index.php/xxi/article/viewFile/107/108, p 56.
[16] Ibíd., p.58.
[17] Ibíd.,p. 58.
[18] Ibíd.,p. 58.
[19] HOFFMANN, Stanley, op.cit., pág., 25.
[20] GROOM, A. J. R., LIGHT, Margot. Contemporary International Relations: A Guide to
Theory. London, Ed. Pinrer, 1994, p. 219.
[21] GONÇALVES , Williams y VALENTE MONTEIRO, Leonardo, op. cit, p 9.
[22]Ibíd, p. 60.
[23] Acerca de los autores latinoamericanos que están intentando una reflexión sobre la
posibilidad y/o necesidad de una teorización latinoamericana de las relaciones
internacionales, Eduardo Devés-Valdés, realizó un interesante relevamiento. Devés, realiza
un análisis de la bibliografía publicada por parte los autores latinoamericanos, desde años
2000, en adelante. Devés ahonda, acerca de los criterios para pensar los asuntos
internacionales-mundiales, particularmente en el ámbito de las relaciones internacionales.
[24] Cabe recordar, sólo a modo de ejemplo, que el profesor Hans Morgenthau (1904 –
1980), tuvo una gran influencia en las administraciones de Franklin D. Roosevelt y la de
Harry Truman. Más tarde, al principio de la Guerra Fría, Morgenthau se convirtió en asesor
del Departamento de Estado y, durante la administración de John F. Kennedy, en 1960, se
convirtió en un asesor directo del presidente. A su vez, el profesor Samuel Huntington
(1927– 2008), Director del Instituto John M. Olin de Estudios Estratégicos de la Universidad
de Harvard, fue asesor del presidente Lyndon B. Johnson y coautor, en 1968, del plan para
bombardear las zonas rurales de Vietnam, como manera de forzar a los partidarios del
Vietcong a desplazarse a las ciudades. Huntington, también fue miembro del Consejo de
Seguridad Nacional de la Casa Blanca, la Presidential Task Force on International
Development, la Commission on the United States-Latin American Relationships y la
Comission on Integrated Long Term Strategy. Durante la administración Carter, Huntington
fue el White House Coordinator of Security Planning for the National Security Council. En
1976, fue corredactor del informe sobre “La Gobernabilidad de las Democracias”, publicado
por la Comisión Trilateral. Por otra parte, el profesor Zbigniew Brzezinski, nacido en Polonia
(1928-2017) y nacionalizado ciudadano norteamericano en 1958, comenzó a participar de la
36
cocina del poder cuando, en 1960, fue consultor en materia de política exterior del
candidato presidencial, por entonces senador, John F. Kennedy. Luego se incorporó al
Consejo de Planificación Política del Departamento de Estado y fue uno de los redactores del
discurso “construcción de puentes” pronunciado por el presidente Lyndon Johnson, el 7 de
octubre de 1966. Tras asesorar al Vicepresidente Hubert Humphrey en las elecciones
presidenciales de 1968, fue contratado por el banquero David Rockefeller para ayudarle a
crear una organización que fomentara la cooperación entre EE. UU., Europa, y Japón: la
Comisión Trilateral, de la que Brzezinski sería su primer director. A finales de 1975, la
Comisión Trilateral lo recomendó al entonces gobernador Jimmy Carter, para asesorar a su
campaña presidencial en materia de política exterior. Tras la victoria electoral del candidato
demócrata, el presidente Carter lo nombró su Consejero de Seguridad Nacional (1977-1981)
y, en tal puesto, Brzezinski fue el autor de la estrategia de presionar a Saddam Hussein,
para que atacara a Irán. Por fin hasta poco antes de su muerte, Zbigniew Brzezinski fue
miembro de la junta directiva del Consejo de Relaciones Exteriores, del Consejo Atlántico y
del National Endowment for Democracy así como del Center for Strategic and International
Studies. Para cerrar esta breve nominación de académicos ligados al mundo del poder en los
Estados Unidos nos parece importante destacar que otro importante miembro de la “cocina
del poder” en los Estados Unidos, el profesor Graham Allison, ha estado profundamente
involucrado con la política de defensa de los Estados Unidos desde que trabajó como asesor
y consultor del Pentágono en la década de 1960. Allison ha sido, también, miembro de la
Junta de política de defensa del Secretario de Defensa de los Estados Unidos desde 1985.
Fue asesor especial del Secretario de Defensa entre 1985 y 1987. Asimismo, de 1993 a 1994,
coordinó la política y estrategia de los Estados Unidos hacia la antigua Unión Soviética. En
esta enumeración sólo se citan, a modo de ejemplo, algunos académicos ligados al mundo
de la política efectiva. La lista es mucho más extensa.
[25] BARRIOS, Miguel, Una geopolítica desde A. Latina para romper el imperialismo cultural
de las relaciones internacionales. http://alainet.org/active/73474&lang=es
[26] BARRIOS, Miguel, op.cit.
[27] El concepto de “universal situado” fue acuñado por primera vez por el filósofo argentino
Mario Casalla en su obra “Razón y liberación. Notas para una filosofía latinoamericana”, que
fue publicada en Buenos Aires, en el año 1973. Cuatro años más tarde Casalla formuló el
método de la “lectura culturalmente situada”, en su libro “Crisis de Europa y reconstrucción
del hombre. Un estudio sobre M Heidegger” y realizó una nueva ampliación del mismo es
sus obras “Tecnología y pobreza. La modernización vista en perspectiva latinoamericana”
publicada en 1988 y en “América en el pensamiento de Hegel. Admiración y rechazo”
publicada en 1992.
[28] CHÁVEZ, Fermín, Epistemología para la periferia, Remedios de Escalada, Ed Universidad
Nacional de Lanús, 2012.
[29]. CASALLA, Mario, La filosofía latinoamericana como ejercicio de lo universal situado,
Bahía Blanca, Revista Cuaderno del Sur de la Universidad Nacional del Sur, nº 33, 2004, págs.
59 y 60.
37
[30] Ibíd., p. 61.
[31] Ibíd., p. 62.
[32] HOFFMANN, Stanley, op.cit, p. 25.
[33] Entre los intelectuales y políticos árabes que, inspirados en Fichte – quien sostuvo la
existencia de la nación alemana antes de que Alemania lograra su unidad nacional-
afirmaron la existencia de una nación árabe dividida en varios estados, merecen citarse a
Michel Aflaq, (1910-1989), Salah Al-Din Al-Bitar(1912-1980) y Zaki al-Arzuzi (1899-1968).
Entre los intelectuales y políticos que sostienen la existencia de una nación
hispanoamericana, iberoamericana o latinoamericana balcanizada artificialmente luego de la
guerra de independencia de España, se encuentran, entre otros, José Enrique Rodó, Manuel
Ugarte, José Vasconcelos, Gabriela Mistral, Manuel García Calderón, José Ingenieros, Alfredo
Palacios, Salvador Mendieta, Víctor Raúl Haya de la Torre, Juan Domingo Perón, Antenor
Orrego, Joaquín Edwards Bello, Felipe Herrera, Jorge Abelardo Ramos, Hernández Arregui,
Alberto Methol Ferre, Hugo Chávez, Ignacio Tejerino Carreras, Alberto Buela, Mario Casalla,
Miguel Barrios, Pedro Godoy, Andrés Soliz Rada, Gilberto Vasconcelos, Marcelo Gullo
Omodeo y Jorge Bergoglio, el actual Papa Francisco.
[34] Un pormenorizado análisis de la disyuntiva que hemos planteado podemos encontrarlo
en PELTZER, Enrique, op.cit., págs 29 a 32.
[35] PELTZER, Enrique, op.cit., p. 45.
[36]. Ibíd., p 100.
[37].ARON, Raymond, Paix et guerre entre les nations, Ed. Calmann-Lévy, Paris, 1984, p. 17.
[38]. Entendemos y usamos la noción de “categoría” en sentido análogo al expresado tanto
por Aristóteles como por Kant. Digamos al pasar que las categorías permiten al hombre
llegar a conocer el mundo que le rodea, (en nuestro caso el escenario o sistema
internacional) pues el proceso de la cognición de un objeto no es un simple acto mecánico
mediante el cual la realidad se refleja en la conciencia del hombre, sino, un proceso
complejo en virtud del cual el conocimiento de lo singular, de la experiencia, se interpreta
mediante lo general.
[39] BRAILLARD, Philippe y DJALILI, Mohammad-Reza , Les Relations Internationales, Paris,
Ed. Presses Universitaires de France, 1988, p. 30.
[40]. MERLE, Marcial, Sociología de las relaciones internacionales, Ed. Alianza, Madrid, 1978,
p. 341.
[41] BRAILLARD, Philippe y DJALILI, Mohammad-Reza, op. cit. p. 30.
[42]. BARBE, Esther, Relaciones Internacionales, Ed. Tecnos, Madrid, 2007, p 117.
[43]. RUSSETT, Bruce, STARR, Harvey, World Politics. The Menu for Choise, Ed. Freeman and
Company, Nueva York, 1989, p. 65.
[44]. BARBE, Esther, op.cit. , p. 121.
[45]. MERLE, Marcial, op.cit., p 411.
[46] ATTINÁ, Fulvio, op. cit, p. 28.
[47] Immanuel Wallerstein, desarrolló su teoría del sistema mundo en cuatro obras
fundamentales: A world-system perspective on the social sciences. The capitalist world-
38
economy, Cambridge, Ed. Cambridge University, 1979. El moderno sistema mundial. La
agricultura capitalista y los orígenes de la economíamundo europea en el siglo XVI, Madrid,
Siglo Veintiuno Editores.1979, Impensar las ciencias sociales, México, Siglo Veintiuno
Editores, 1999. Análisis del sistema mundo. Una introducción, México, Siglo Veintiuno
Editores, 2005.
[48] Uno de los líderes políticos que dejó testimonio en sus libros de que conduciendo el
destino de su nación, tuvo que enfrentarse a actores no estatales que poseían tanto o más
poder que cualquier estado, fue el tres veces presidente constitucional de la República
Argentina, el General Juan Domingo Perón. El General Perón relata en su libro “Del poder al
exilio. Como y quienes me derrocaron”, el rol jugado por la Masonería, en el golpe de estado
que, el 16 de septiembre de 1955, puso a fin a su gobierno e instauró una dictadura militar
autoproclamada “Revolución Libertadora”. PERÓN, Juan Domingo, Del poder al exilio. Cómo
y quienes me derrocaron, Buenos Aires, Ed. Síntesis, 1982.
[49] Probablemente los Sumerios, pueblo nómade de las orillas del Mar Caspio, se
transformaron en sedentarios, en el año 3500 (AC), en la parte sur de la Mesopotamia (
conformada por los ríos Éufrates y Tigris) fundando ciudades independientes entre sí,
gobernadas por un “rey-sacerdote” denominado “patesi”. Ur, fue, en un comienzo, la
principal ciudad de los sumerios que impuso su dominio sobre las otras ciudades. Luego se
impuso Lagash, y a ella le suceden Uruk y Nippur. Hacia el 2300 (AC), bandas nómades de
beduinos semitas – entre los que se destacan los Acadios y los Amorreos- comienzan a
atacar a las prósperas ciudades-estados sumerias. Luego los Amorreos, convirtiéndose al
sedentarismo, fundan a orillas del río Éufrates, la ciudad de Babilonia. Es altamente probable
por ejemplo que el paso del nomadismo al sedentarismo se haya dado en el valle del Río
Amarillo, en China, tanto como en la llanura del río Indo, en India aproximadamente hacia el
año 3000 (AC). En el Asia Menor a orillas del río Halys, los pueblos arios se convirtieron al
sedentarismo alrededor del año 2000 (AC).
[50] Sobre la Conferencia de Yalta ver: CONTE, Arthur, Yalta ou le Partage du Monde, Paris,
Ed. Laffont, 1970.
[51] El 16 de octubre de 1978, el arzobispo de Cracovia, Karol Wojtyla (1920-2005) fue
elegido Papa, tomando el nombre de Juan Pablo II. A partir de ese momento, la Iglesia
polaca participó, activamente, en la organización de un sindicato clandestino como
herramienta de lucha contra el régimen comunista en Polonia. El 3 de junio de 1979, durante
su visita a Polonia, Juan Pablo II pronuncia un discurso en Gniezno, que marcó el inicio de la
caída de la cortina de hierro que entonces dividía a Europa. En 1980, en los astilleros Lenin
de Gdansk, el líder obrero Lech Walesa funda el sindicato clandestino Solidaridad. Juan
Pablo II había ideado una jugada política magistral: desafiar a la URSS -que se presentaba al
mundo como la expresión máxima de la revolución de los trabajadores- con y desde un
movimiento formado exclusivamente por trabajadores. El 2 de julio 1980, el gobierno polaco
anunció aumentos masivos de los precios de los alimentos, hecho que presentó la ocasión
perfecta para el estallido de una huelga general promovida, indirectamente, por la Iglesia
Católica. La amplitud de la revuelta obrera, en la que muy pronto se introdujeron demandas
39
políticas, llevó a que el gobierno, finalmente, cediera y firmara un acuerdo con los
representantes obreros permitiendo a los trabajadores el derecho de organizarse
libremente. El Comité de Huelga se transformó en una federación de sindicatos dirigida por
el electricista Lech Walesa. Más de 10 millones de polacos se adhirieron, entonces, al
movimiento Solidaridad. Ante las amenazas soviéticas, el gobierno polaco impuso la ley
marcial y el general Jaruselzski, estableció una dictadura militar prohibiendo al sindicato
Solidaridad y encarcelando a Walesa. En 1988, una nueva oleada de malestar social
desencadenó, una vez más, una serie de huelgas. El gobierno comunista se vio, de nuevo,
obligado a negociar con Walesa y otros líderes sindicales católicos. Solidaridad volvió a la
legalidad y se convocaron elecciones en las que el sindicato, que participaba como coalición
política, obtuvo una abrumadora mayoría. Tadeusz Mazowiecki, compañero de Walesa, fue
nombrado primer ministro de Polonia en 1989. Fue el inicio de la oleada democrática que
puso fin a los gobiernos comunistas en Europa central y oriental en 1989.
[52] MORGENTHAU, Hans, Política entre las naciones. La lucha por el poder y la paz, Grupo
Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1986, p. 27.
[53]Ibid, p. 41.
[54] Ibid., p.41.
[55]SCHWARZENBERGER, Georg. Power Politics: A Study of World Society. Ed. Stevens,
London, 1964, p. 8.
[56] Ibíd., p. 3.
[57] Ibíd., p. 4.
[58] ARON, Raymond, op.cit., pags16 a 20.
[59] RENOUVIN, Pierre y DUROSELLE, Jean-Baptiste, Introduction a l’histoire des relations
internationales, Ed. Armand Colin, Paris, 1991, p. 1,
[60] HOFFMANN, Stanley, Teorías contemporáneas sobre las relaciones internacionales, Ed.
Tecnos, Madrid, 1979, p. 24.
[61]TRUYOL Y SERRA, Antonio, La teoría de las Relaciones Internacionales como sociología
(Introducción al estudio de las Relaciones Internacionales) , Ed. Instituto de Estudios
Políticos, Madrid, 1973, p. 24.
[62]WODWARD MANNING, Charles Anthony, Les sciences sociales dans l’enseignement
supérieur. Relations Internationales, Unesco, París, 1954, p. 12.
[63]ROSENAU, James, International Relations, en J Krieger (comp.).The Oxford Companion to
Politics of the World, Oxford UP, Nueva York, 1993, p. 455.
[64]HOLSTI, Kal, International Politics. A framework for analysis, Ed.Prentice Hall, Englewood
Cliffs, 1992, p. 10.
[65]MEDINA, Manuel, La teoría de las relaciones internacionales, Ed.Seminarios y Ediciones,
Madrid, 1973, p. 25.
[66].WRIGHT, Quincy, The Study of International Relations, Ed. Appleton-Century-Crofts,
Nueva York, 1955, p. 481.
[67] BRAILLARD, Philippe y DJALILI, Mohammad-Reza, op.cit., p. 3.
[68] ATTINÁ, Fulvio, op.cit., p. 29.
40
[69] SAMPAY Arturo, Obras escogidas, Remedios de Escalada, Ed. Universidad Nacional de
Lanús, 2013, p. 27.
[70] Nuestra definición no excluye, por cierto, el estudio de los procesos de cooperación y/o
integración.
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42
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WRIGHT, Quincy. The Study of International Relations, Ed. Appleton-Century-Crofts, Nueva
York, 1955.
43
RESENHA CRÍTICA
44
RESENHA CRÍTICA DO LIVRO “DERECHO PENAL INTERNACIONAL: GENEALOGÍA
DE LOS CRÍMENES INTERNACIONALES MÁS GRAVES”
CRITICAL REVIEW OF THE BOOK "DERECHO PENAL INTERNACIONAL: GENEALOGÍA DE LOS CRÍMENES INTERNACIONALES MÁS GRAVES "
Hanna Luiza Abinader Porto4
Pablo César Rosales Zamora5
LABRIN, José Burneo. Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes
internacionales más graves. Lima/PER: Pontificia Universidad Catolica de Peru, 2017.
Recentemente, foi publicado pela editora da Pontifícia Universidade Católica do
Peru (PUCP) o livro “Derecho Penal Internacional: Genealogía de los crímenes
internacionales más graves”, escrito pelo professor José Burneo Labrín, doutor em Direito
pela Universidade Católica de Lovaina, tendo estudado pós-graduação em Direitos Humanos
na Universidade Católica de Lyon. Atualmente, desempenha o cargo de professor ordinário
do Departamento de Direito da PUCP, onde leciona os cursos de Direitos Humanos e Direito
Penal Internacional.
O livro aborda o tema de Direito Penal Internacional (DPI) com base na experiência
como docente universitário do autor na matéria. Trata, especificamente, sobre os crimes de
genocídio, lesão à humanidade, crimes de guerra e de agressão, considerados os mais graves
pelo Estatuto de Roma da Corte Penal Internacional.
A ideia principal da obra é proporcionar uma visão geral sobre o DPI, sobretudo no
Peru – país do autor, por ser uma disciplina relativamente recente no ramo do direito
internacional, surgindo a partir da segunda metade do século XX (BURNEO, 2017, p. 13).
O livro parte de uma extensa introdução sobre os antecedentes e a noção do direito
penal internacional (capítulo I), a estrutura do Estatuto de Roma (capítulo II), com a
indicação de conceitos-chaves para compreensão do tema, como as normas de jus cogens,
anistia e a criação dos tribunais penais internacionais.
Nos capítulos seguintes, passa então a expor detalhadamente, inclusive com o
desenvolvimento histórico, sobre os quatro crimes internacionais mais graves, sendo eles o
genocídio (capítulo III), crimes de lesão à humanidade (capítulo IV), crimes de guerra
(capítulo V) e o crime de agressão (capítulo VI).
A obra é dirigida aos estudantes de Direito, juristas e profissionais da área.Não se
trata, entretanto, de um “livro de ensinamentos”, de onde didaticamente o autor vai
4 Estudante de Direito na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) em intercâmbio na Faculdade de Direito
da Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUC-P). 5 Licenciado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUC-P). Mestre em Ciência Política com
menção em Relações Internacionais da mesma instituição. Assessor jurídico do Ministério de Relações Exteriores do Peru.
45
trazendo luz aos temas sem desenvolvê-los. Ao contrário, é uma obra valiosa por sua
complexidade e abrangência de conteúdo, onde o escritor busca discorrer de forma clara,
precisa e embasada suas declarações.
O livro constitui um aporte em direito internacional para academia peruana, posto
que é a primeira obra de um autor peruano como manual introdutório do DPI. Nesse
sentido, deve-se lembrar que muito da literatura em língua espanhola a que se tem acesso
no Peru é de autores colombianos como Ávila Roldán (2015); espanhóis, como Matus (2008);
mexicanos, como Dondé Matute (2012); ou traduzidos, como Ambos (2005), Werle (2011),
Chehtman (2015); sendo escasso o número de obras peruanas, entre os quais destacam as
obras de Delgado Neyra (2016) e Pérez-León Acevedo (2008). Nesse contexto, este livro será
pelos próximos anos uma referência obrigatória nas universidades peruanas, para aqueles
que querem começar com os estudos introdutórios do DPI.
Não obstante, é possível também fazer algumas críticas construtivas ao texto. A
primeira delas é que não se termina de explanar o nome do livro. A genealogia é o estudo
das origens de um determinado assunto. O título que se expressa como “a genealogia dos
crimes internacionais mais graves” não é uma tarefa nova na matéria do DPI. Por exemplo,
essa mesma aproximação é realizada pelo professor Werle (2011) ou Dondé Matute (2012)
para cada crime internacional. Em todo caso, devido ao título, deveria se explicitar na
introdução qual seria a conseqüência metodológica específica de uma aproximação
“genealógica”.
A segunda crítica é relacionada com a falta de uniformidade no tratamento dos
temas. Nesse sentido, seria preferível que o texto considere as contribuições mais recentes
da Comissão do Direito Internacional (CDI) no direito internacional consuetudinário e o ius
cogens e, na área do DPI, os desenvolvimentos sobre o crime de lesão à humanidade[1].
Também se observam alguns tratamentos descontínuos v.gr. na referência nas normas de
ius cogens e as normas convencionais, em quanto tudo poderia, para nossa apreciação, ser
tratado em uma única seção (Cfr. pp. 24-25 e p. 50).
Ademais, o leitor pode perceber que o autor enfatiza mais o desenvolvimento de
alguns capítulos em detrimento a outros, transparecendo a quem o lê, por momentos, que a
obra é mais um reflexo de sua apreciação pessoal do que sobre DPI.
A continuação, nós queremos proferir alguns comentários gerais sobre cada
capítulo do livro. No primeiro capítulo, a seção sobre tribunais internacionais (BURNEO,
2017, p. 39-49) resulta, em nossa opinião incompleta[2]. Por outra parte, a seção sobre a
anistia, que é baseada na tese de mestrado do autor, é extensa e repete temas tratados em
outras seções do livro (BURNEO, 2017, p. 63-99).
O segundo capítulo, por sua vez, embora didático, também se observa que por
momentos, o texto se torna meramente descritivo sem que haja uma adição da apreciação
do autor.
O terceiro capítulo referente ao genocídio resulta muito interessante quando faz
uma apresentação completa da jurisprudência da Corte Internacional de Justiça na matéria
(BURNEO, 2017, p. 151 – 161), mas tivesse sido necessário, ademais de analisar o problema
46
do genocídio político (BURNEO, 2017, p. 161 – 180), o tópico do genocídio cultural, que tem
despertado a interesse da comunidade acadêmica (NOVIC, 2016).
Tanto para este capítulo três como para o seguinte, teria sido interessante também
empregar mais citações de jurisprudência dos tribunais penais internacionais ad hoc.
Por outro lado, para o quarto capítulo sobre crime de lesão à humanidade, seria
interessante uma maior reflexão sobre a conexão entre os tribunais regionais de direitos
humanos e a noção do crime de lesão à humanidade (BURNEO, 2017, p.220-221, 263-266).
A respeito do quinto capítulo, sobre crimes de guerra, não há uma genealogia
abrangente sobre esse crime, e tampouco se utiliza a jurisprudência da Corte Penal
Internacional – por isso, achamos que não trata sobre os crimes contra os bens culturais-[3].
Por fim, o capítulo sobre o crime de agressão demonstra descontinuidade com os
outros capítulos específicos sobre crimes internacionais, uma vez que realiza uma
“genealogia” ao abordar a importância do crime no Estatuto de Roma. Por último, achamos
que para uma próxima edição do livro deve ser escrito um capítulo conclusivo que analise o
futuro do DPI.
Outra crítica a se considerar versa especificamente sobre a bibliografia do texto que
não considera muitas das contribuições recentes do DPI. Deve-se apreciar que esteramo do
direito internacional público tem um desenvolvimento recente: a Corte Penal Internacional
emitiu sua primeira sentença em 2012, e logo após esse tempo a produção na matéria do
DPI chamou a atenção dos especialistas. Lamentavelmente o livro omite, por exemplo,
aportes acadêmicos essenciais de caráter geral, como o “Cassese’s International Criminal
Law” (Cassese, Gaeta: 2013) ou “Introduction to International Criminal Law” (Bassiouni:
2013); ou de caráter específico, como o grande livro “Genocide in International Law: The
Crime of Crimes” (Schabas: 2009).
Unido à falta de mais bibliografia especializada, achamos também importante a
atualização de conteúdos. Por exemplo, quando se fala sobre os tribunais criados pelo
Conselho de Segurança (BURNEO, 2017, p. 34, 48, 86 – 87, 106) não se faz referência ao
“Mecanismo para os Tribunais Penais Internacionais” que supõe a continuação do Tribunal
Penal para a Antiga Yugoslávia ou Tribunal Penal para Ruanda.
Também resulta importante ressaltar que, para uma próxima edição, se
recomendaria indicar apenas uma quantidade aproximada dos Estados partes do Estatuto de
Roma, visto que este é um fato sujeito a possíveis mudanças (BURNEO, 2017, p.102)
Estes defeitos também não devem ser escusas para destacar algumas virtudes do
livro. Em primeiro lugar, a redação utiliza uma linguagem compreensível e tem uma boa
estrutura, proporcionando ao leitor clareza para identificar rapidamente o alcance da análise
preterida (BURNEO,2017, p. 7-12).
Outrossim, o texto utiliza muitas citações interessantes que têm sido traduzidas,
fazendo-o com que seja mais acessível aos estudantes. Por outra parte, observam-se muitas
alusões à legislação peruana (BURNEO, 2017, p. 31, 60 – 62,180, 267-268, 274-276),à
jurisprudência de nossos tribunais (BURNEO, 2017, p. 239 – 252) e à Comissão da Verdade e
47
Reconciliação (BURNEO, 2017, p. 302-303), o qual resulta importante para demonstrar que o
DPI e o direito internacional público têm aplicabilidade real.
Por derradeiro, destaca-se a vontade significativa do autor ao buscar contribuir
como crescimento da doutrina nacional em direito penal internacional. Com isso,
acreditamos que os erros identificados podem ser melhorados numa seguinte edição do
livro, que seguramente cobrirá nossas expectativas como público leitor.
NOTAS DE FIM
[1] Pode-se indagar sobre o trabalho da CDI a partir do relatório da 69° sessão (2017).
Disponível em: <http://legal.un.org/ilc/reports/2017/>
[2] Veja-se em comparação a obra de Merrills “International Dispute Settlement” (2017).
[3] Veja-se o caso Al-Mahdi. Disponível em: <https://www.icc-cpi.int/mali/al-mahdi>
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WERLE, Gerhard. Tratado de derecho penal internacional, 2° Ed., Madrid: Tirant lo blanch,
2011.
49
Dossiê “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”
Prof. Dr. Luis Alexandre Carta Winter (PUC-PR)
50
Dossiê “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”
Prof. Dr. Luis Alexandre Carta Winter (PUC-PR)6
Coordenação
EMENTA
“Podemos mudar o Mundo, acabando com a pobreza, fome, promovendo o
bem estar, assegurando um a educação de qualidade, gestão sustentável, água
e saneamento para todos, energia elétrica, crescimento econômico sustentado,
pleno emprego, infraestruturas inovadoras e sustentáveis, reduzir a
desigualdade, tornar as cidades e assentamentos sustentáveis e seguros,
estabelecer padrões de produção e consumos sustentáveis, combater a
mudança climática, e seus impactos, conservar oceanos, mares e suas riquezas,
recuperar o ecossistemas, combater a desertificação e degradação da terra,
promover sociedades pacíficas, responsáveis e inclusivas, implementar e
revitalizar parcerias globais para o desenvolvimento sustentável; estes são, os
17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Eles externam um esforço
conjunto das Nações Unidas, trabalhando com governos, sociedade civil e
outros para criar medidas efetivas, para além do discurso, pautados em ações
pró-ativas. O desafio do autores aqui, é retratarem o que está sendo feito. Que
os impulsos gerados por essa gigantesca mobilização redundem em boas
práticas e na conscientização que se nada for feito, Gaia morre!”.
6 Possui Graduação em Direito na Universidade Federal do Paraná (1984), Especialização em Filosofia da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1988), Mestrado em Integração Latino - Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (2001) e Doutorado em Integração da América Latina pelo USP/PROLAM (2008). Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná na graduação (onde foi Coordenador entre 1987 a 1989), na pós lato sensu onde coordena a especialização em Direito, logística e negócios internacionais, e no strito sensu, no mestrado e doutorado, e da Unicuritiba, no Curso de Relações Internacionais, na graduação e na pós. Ex-professor titular e ex-Coordenador "(2005-2010) do Curso de Direito da Faculdade Internacional de Curitiba. Advogado militante desde 1984 e consultor jurídico, atuando principalmente nos seguintes temas e áreas: contratos; integração regional; Mercosul; relações internacionais; direito marítimo;direitos humanos;direito humanitário; legislação aduaneira; direito internacional econômico e direito internacional.Coordenador do NEADI (www.neadi.com.br). Membro de Centro de Letras do Paraná e do Instituto de Advogados do Paraná.
51
OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DIREITO À INFORMAÇÃO E
INCLUSÃO DIGITAL (ODS 4)
SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS: THE RIGHT TO INFORMATION AND
DIGITAL INCLUSION (SDG 4)
Alan José de Oliveira Teixeira7
Resumo: O advento das tecnologias de informação e comunicação proporcionou a
ampliação dos ambientes de interação social, especialmente no que se refere à educação e à
cidadania. Redes sociais, websites, tecnologias de multimídia, dentre outras inovações
informáticas, tornaram mais acessíveis a informação, a participação cidadã e a educação
fundamental. Todavia, concomitante às facilidades informáticas surge um fenômeno social:
a exclusão digital. Assim, o presente artigo científico tenciona-se a analisar o fenômeno da
exclusão digital tendo em conta o movimento oposto, qual seja, a inclusão digital. Além
disso, os estudos se desenvolveram frente à dignidade humana e ao objetivo de
desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, que prevê a educação inclusiva. Para o
desenvolvimento do presente trabalho utilizou-se de bibliografia especializada, textos
jurídico-normativos, assim como dados estatísticos. Averiguou-se a necessidade de
aprimoramento das principais políticas públicas hoje utilizadas e do reconhecimento da
inclusão digital como direito fundamental, com o escopo de proporcionar a maximização da
cidadania e promover uma educação de qualidade.
Palavras-chave: Inclusão digital; Educação digital; Dignidade humana; Direito à informação.
Abstract: The advent of information and communication technologies has provided a
broadening of social interaction environments, especially in education and citizenship. Social
networks, websites, multimedia technologies, among other informatics innovations, have
made information, citizen participation and fundamental education more accessible.
However, concomitant with computer facilities, there is a social phenomenon: digital
exclusion. Therefore, the present scientific article intends to analyze the phenomenon of
digital exclusion considering the opposite movement, the digital inclusion. In addition,
studies have developed in the face of human dignity and the United Nation’s goal of
sustainable development, which provides for inclusive education. For the development of
the present work we used specialized bibliography, legal-normative texts, as well as
statistical data. The need to improve the main public policies used today and the recognition
of digital inclusion as a fundamental right, with the aim of maximizing citizenship and
promoting a quality education, was investigated.
7 Graduando em Direito no Centro Universitário de Curitiba (UniCuritiba). Pesquisador do projeto do grupo de
pesquisa: “Agenda Global 2030: transnacionalização e novos direitos sociais na perspectiva constitucional brasileira”, no UniCuritiba.
52
Keywords: Digital inclusion; Digital education; Human dignity; Right to information.
1 INTRODUÇÃO
Observa-se, na contemporaneidade, um intensivo processo de informatização no
Brasil e no mundo. Serviços públicos são prestados via web, as redes sociais ocupam
significativo espaço na vida social dos indivíduos, o que torna inevitável a necessidade de
adaptação do cidadão às novas tecnologias de informação e comunicação. Nessa
perspectiva, surge o fenômeno social da exclusão digital, que reacende o debate da inclusão
digital e políticas públicas sobre a temática, que é de interesse geral.
As escolas públicas brasileira são desprovidas de infraestrutura que proporcione o
estudo e o acesso, pelos alunos e professores, às novas tecnologias informáticas. Assim,
surgem programas sociais, que apesar dos legítimos objetivos iniciais, mostram-se
insuficientes para suprir o problema da exclusão digital, que acarreta em diversas
desigualdades na sociedade.
Nesta toada, o presente texto pretende investigar como mitigar os efeitos da
exclusão digital, analisando a inclusão digital e respectivas políticas públicas implementadas
até o momento no Brasil, como o processo de informatização ocorre com relação ao acesso
à informação, bem como a possibilidade de adotar a inclusão digital como direito, a fim de
que possa ser frontalmente exigido na ordem jurídica nacional. Além disso, a presente
pesquisa desenvolve-se à luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização
das Nações Unidas, enfatizando-se o Objetivo 4, a educação inclusiva.
2 DIREITO À INFORMAÇÃO NO BRASIL
Preliminarmente, faz-se necessária a distinção entre o direito à informação no
âmbito público e o direito à informação no âmbito privado. O direito à informação no
âmbito público pode ser entendido como aquele disciplinado pela lei nº 12.527/11, que visa
dispor, principalmente, sobre o acesso à informação na Administração Pública, portanto,
regulamenta o inciso XXXIII, do art. 5º, da Constituição da República.
É, por exemplo, a possibilidade de o cidadão observar a atividade da Administração
Pública e peticionar junto aos órgãos públicos, solicitando informações (MELLO, 2008, p.
114). O direito à informação no âmbito privado perfaz-se na boa-fé (GOMES, 2008, p. 45),
que segundo o art. 113, do Código Civil de 2002, deve permear os negócios jurídicos, o que
abrange as relações negociais, contratuais etc.
A Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), em seu art. 4º, incisos III e IV,
também prevê a boa-fé e a necessidade de plena informação entre as partes envolvidas no
negócio jurídico. Ademais, o acesso à informação possui previsão genérica no art. 5º, inciso
XIV, da Constituição vigente, que se limita a resguardar o sigilo da fonte e, solenemente,
garantir a todos o acesso à informação.
53
Todavia, o direito à informação no Brasil está imerso em um ordenamento jurídico
que pretende consubstanciar os direitos dos indivíduos, de modo a alcançar a cidadania
plena. Por conseguinte, a mera previsão legal sem o efetivo acesso à informação primária
não cumpre com o escopo da ordem jurídica brasileira.
Hoje, a informação é fundamentalmente digital, o que enseja a inclusão dos
digitalmente excluídos, pois, de outra forma, sua cidadania seria negligenciada. Com o
advento da Lei Complementar nº 131/09, os portais da transparência foram criados, a fim de
disponibilizar, para os cidadãos, o acesso às informações de gestão pública. Os diários
oficiais dos governos permitem a visualização das leis e normativas do poder público. Há
apenas um detalhe: essa informação é digital e, portanto, nesse caso, disponibilizada na
internet.
2.1 Conceito
Existem diferentes acepções doutrinárias acerca do direito à informação, dentre
elas, a desenvolvida pelo professor José Afonso da Silva (2014, p. 262-263), que subdivide
esse instituto jurídico em: liberdade de informar, remetendo-se à comunicação; e às
informações prestadas pelo poder público. In verbis:
No capítulo da comunicação (arts. 220 a 224), preordena a liberdade de informar
completada com a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV). No mesmo art. 5º,
XIV e XXXIII, já temos a dimensão coletiva do direito à informação. O primeiro declara
assegurado a todos o acesso à informação. E o interesse geral contraposto ao interesse
individual da manifestação de opinião, ideias e pensamento, veiculados pelos meios de
comunicação social. Daí por que a liberdade de informação deixara de ser mera função
individual para tornar-se função social.
O constitucionalista, como exposto, concebe que o direito à informação resta
pontualmente previsto na Lei Maior. Nessa passagem, ressalta o direito à informação como
direito individual. Abaixo, o professor expõe o que seria esse direito face ao poder público,
expressando o caráter coletivo deste:
O outro dispositivo trata de direito à informação mais específico, quando estatui
que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular,
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Aí,
como se vê do enunciado, amalgamam-se interesses particulares, coletivos e gerais, donde
se tem que não se trata de mero direito individual (SILVA, 2014, p. 262-263).
Em obra de direito comparado, Toby Mendel (2009, p. 162) também doutrina sobre
o direito à informação. Na análise a que se prestou, esse estudioso reafirma o acesso à
informação como integrante do direito ora em estudo, pressupõe este como um direito
humano, além de acrescentar o aspecto da liberdade de expressão:
Estes benefícios utilitaristas do direito à informação são reconhecidos desde de,
pelo menos, 1776, quando o conceito encontrou reconhecimento legislativo pela primeira
54
vez na Suécia. De origem bem mais recente, contudo, é o reconhecimento do direito à
informação como um direito humano fundamental, um aspecto do direito de liberdade de
expressão que, ao amparo do direito internacional, garante não apenas o direito de
transmitir, mas também de buscar e receber informações e ideias.
Marise Baesso Tristão e Christina Ferrar Musse (2013, p. 45), consoante às teorias
supramencionadas, afirmam que o direito à informação “[…] se refere à liberdade de ser
informado e também de informar, ou seja, de se expressar.”
Assim, a informação como direito fundamental é uma construção histórica, possui
previsão constitucional e infraconstitucional expressa, em termos de Brasil e, ainda, é
máxima pacífica perante os juristas nacionais. Paulo Bonavides (2004, p. 571), inclusive,
aprofunda-se na classificação do instituto, e percebe o direito à informação como um direito
de quarta geração.
Conforme abordado no item antecedente, a informação, na atual conjuntura social,
é principalmente digital. Isso ocorre tanto por questões de facilidade do compartilhamento
de dados e de comunicação à distância, quanto por necessidades profissionais e
educacionais, devidamente proporcionadas pelo desenvolvimento científico e tecnológico. É
nesse contexto que a inclusão e educação daqueles desprovidos de informação digital torna-
se uma exigência e um direito social do cidadão brasileiro.
2.2 Inclusão e acesso à informação digital
O acesso à informação digital, embora componente da inclusão digital, não implica
necessariamente na inclusão dos usuários das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC). Existem outros fatores conducentes à inclusão.
É, por exemplo, a capacidade que teria um indivíduo de utilizar as TICs
conscientemente, criticamente e com responsabilidade, o que engloba habilitação e
conhecimento (WARSCHAUER apud GONÇALVES, 2008, p. 28).
Igualmente plausível é sustentar que a inclusão e, ainda, em contraponto a esta
última, a exclusão (digital) existe além da ideia de dentro e fora, mas abrange todo o
complexo envoltório do sujeito, suas particularidades culturais, linguísticas, com o escopo de
atenuar a desigualdade (BUZATO, 2008, p. 326). Nesta toada, como ensina Victor Gonçalves
(2011, p. 58), “A inclusão digital para índios mexicanos é diferente para o homem que vive
na periferia de São Paulo.”
Pierre Lévy (1993, p. 196), originariamente, disserta a respeito:
Devemos antes entender um acesso a todos aos processos de inteligência coletiva, quer dizer, ao ciberespaço como sistema aberto de autocartografia dinâmica do real, de expressão das singularidades, de elaboração dos problemas, de confecção do laço social pela aprendizagem recíproca, e de livre navegação nos saberes. A perspectiva aqui traçada não incita de forma alguma a deixar o território para perder-se no “virtual”, nem a que um deles “imite” o outro, mas antes a utilizar o virtual para habitar ainda melhor o território, para tornar-se seu cidadão por inteiro.”
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A partir de dados do IBGE analisados pela TELECO, em que se buscou aferir a
quantidade de usuários de internet no Brasil, é possível afirmar que, embora existam
milhares de cidadãos com acesso à internet, também existem milhares sem esse acesso.
A título de exemplificação, em 2015, 57,5% da população foi considerada usuária
dos serviços de internet (TELECO, 2015), ao passo que a população que se enquadra no
percentual restante não é considerada usuária desses serviços. Isso sem ter em conta que a
terminologia “usuário” não abarca a concepção de inclusão digital.
Além disso, neste seguimento, de acordo com o Índice de Oportunidade Digital mais
recente da União Internacional de Telecomunicação (2007), o Brasil ainda não consta no rol
de países cuja a oportunidade digital é satisfatória. Esse índice mede os seguintes aspectos:
acessibilidade às TIC a preços acessíveis, residências equipadas com dispositivos TIC,
cidadãos com dispositivos móveis TIC e, por fim, o uso de banda larga.
O Brasil, depois de sofrer quedas no ranking de TI do Fórum Econômico Mundial em
2014 (WORLD ECONOMIC FORUM, 2017), voltou a subir no ranking, em 2016, apesar de
manter determinadas áreas estagnadas e cair em outras (WORLD ECONOMIC FORUM, 2017,
p. 44).
Em uma análise cuidadosa dos dados supracitados é possível afirmar que, apesar de
melhor posicionado no ranking de TI do Fórum Econômico Mundial em 2016, não houve, em
qualquer cenário, progresso. O ocorrido se deu em virtude de piora nos índices dos demais
países estudados, e não em resultados positivos das políticas públicas adotadas pelo Brasil.
Houve, certamente, um aumento no número de usuários, como é a tendência
mundial. Todavia, as políticas públicas, a infraestrutura, a regulamentação, etc., em âmbito
nacional, ainda são passíveis de questionamento.
Destarte, inclusão e acesso à informação digital são interdependentes entre si,
sendo plenamente constatável que a inexistência de um faz com que o outro pereça.
Constatável porquanto o indivíduo, em dimensões nacionais e internacionais, mal tem o
acesso às tecnologias de informação e comunicação, o que se dirá de ter o uso consciente e
crítico, que advêm de uma educação e cultura a serem construídas e orientadas na
informatividade?
2.3 Cidadania no meio digital
A cidadania, historicamente, foi concebida de maneiras diversas nas diferentes
sociedades. No ocidente, as cidades-estados gregas, no geral, a título de ilustração, Atenas,
restringia a cidadania aos homens, nascidos atenienses e maiores de dezoito anos.
Em dimensões ocidentais, o conceito de cidadania foi se tornando mais amplo,
especialmente com a Revolução Francesa de 1789, embora ainda restrito aos homens e, em
algumas sociedades, à condição socioeconômica. Contemporânea e sociologicamente,
Marshall concebe a cidadania como status, instituição e igualdade em direitos e obrigações
(MARSHALL, 1967, p. 76).
56
Hoje, a cidadania é mais ampla e democrática, sendo direito social, como assevera
Nelson Dacio Tomazi (2010, p. 139):
Ser cidadão é ter a garantia de todos os direitos civis, políticos e sociais que asseguram a possibilidade de uma vida plena. Esses direitos não foram conferidos, mas exigidos, integrados e assumidos pelas leis, pelas autoridades e pela população em geral. A cidadania também não é dada, mas construída em um processo de organização, participação e intervenção social de indivíduos ou de grupos sociais. Só na constante vigilância dos atos cotidianos o cidadão pode apropriar-se desses direitos, fazendo-os valer de fato. Se não houver essa exigência, eles ficarão no papel.
No Brasil, a cidadania é constitucionalmente assegurada a ponto de a Carta Magna
ser apelidada de Constituição Cidadã. Sufrágio universal (art. 14, caput), publicidade nos atos
da Administração Pública (art. 37, caput), acesso à informação (art. 5º, XIV e LXXII), dentre
outros direitos constitucionalmente previstos, explicitam o caráter cidadão da Constituição.
Todavia, percebe-se uma tendência à informatização não apenas das comunicações
e relações sociais (GONÇALVES, 2011, p. 62), por meio das redes sociais e páginas da web,
mas dos próprios serviços e informações públicas. Isso amplia a esfera da cidadania, que
hoje não se cumpre desvinculada, mas interligada às redes informáticas e às TIC.
A Imprensa Nacional oficial, que por intermédio do Diário Oficial da União publica a
legislação federal, decretos da presidência da república, normativas e atos relativos ao
interesse nacional, etc., é plenamente informatizada.
Como a redação do art. 3º da LINDB[2] se efetivaria sem a disponibilização pública
da lei? O meio mais eficaz de se concretizar isso é a internet. Mediante a internet é possível
não apenas disponibilizar a legislação, mas vincular as legislações que sejam correlatas.
Os portais da transparência, em especial, o Portal da Transparência do Governo
Federal, são totalmente imersos na web. O fim último da transparência é evitar a alienação
do cidadão alimentando a internet com informações públicas sobre a execução
orçamentária.
Alguns Institutos de Identificação, órgãos geralmente vinculados às secretarias de
segurança pública dos estados, como no Paraná, possibilitam o agendamento prévio do
atendimento, via internet.
Esses foram alguns exemplos de como o meio digital é parte da cidadania brasileira
na atualidade, o que enseja a inclusão digital. Não obstante o acesso às TIC seja
imprescindível, o uso despreparado não permite o verdadeiro exercício da cidadania – é
necessária a educação digital de jovens e adultos.
3 EDUCAÇÃO DIGITAL E POLÍTICAS PÚBLICAS
No plano jurídico, a educação é um direito social e, portanto, um direito humano
fundamental.[3] Além disso, é dever do Estado e da família, “[…] visando ao pleno
57
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho”.[4] Em sentido abrangente, ainda, a educação
[…] deve ter um espectro amplo, desenvolvendo o ser humano em todas as suas facetas, efetivamente o preparando para a vida social, a familiar, para o trabalho e, de modo especial, para o exercício da cidadania. Nesse sentido, relevante se mostram ainda, a educação ambiental, a educação inclusiva, a educação do consumidor, que se inserem no contexto da vida moderna como uma exigência, com a consciência dos indivíduos sobre a busca constante de desenvolvimento econômico-social, sem deixar de proteger o meio-ambiente, sem deixar de enxergar as pessoas diferentes por qualquer razão, como iguais detentores de direitos etc. Ensinar isso hoje é garantir o sucesso das futuras gerações, pois a humanidade deve se desenvolver respeitando valores que nos são caros (JÚNIOR, 2009, p. 107).
Não obstante, o presente texto pretende tratar da educação (digital) promovida na
seara do ensino fundamental e médio – o que abarca a educação de jovens e adultos – nas
escolas públicas brasileiras, tendo em vista o propósito teórico de educação inclusiva,
considerando, ainda, que a educação digital ressignifica a função da tecnologia na vida
humana, proporcionando mudanças sociais no cotidiano escolar (PACHECO, 2011, p. 45).
Nesse prisma, Márcia Arantes Buiatti Pacheco (2011, p. 130) entende que a educação digital
[…] compreende a apreensão do discurso da tecnologia, não apenas no domínio operacional da máquina, e não somente na qualificação do sujeito para o mundo do trabalho, mas também na competência de o mesmo julgar a importância da tecnologia digital e suas finalidades relacionadas a uma perspectiva de inclusão/alfabetização digital, de políticas públicas e também de construção e cidadania.
Assim, a educação digital perfaz-se no complexo de políticas públicas, educação
básica e cidadania. O modo de efetivar a cidadania, especialmente com as novas tecnologias,
pode se ampliar e incluir muitas populações.
Todavia, a educação mostra-se o caminho mais sólido para isso, o que se maximiza
por meio de políticas públicas. As políticas públicas são prestações positivas do Estado,
sendo política pública “[…] a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou
através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. ” (PETERS apud SOUZA, 2006,
p. 24).
Nota-se que as políticas públicas voltadas para a educação e inclusão digital, até
hoje, visam associar as tecnologias digitais às práticas pedagógicas, bem como promover o
acesso às TIC (PALÚ, 2016, p. 20). Nesse passo, faz-se necessário inquirir as principais
políticas públicas que se destinam à educação digital, dentre elas, o ProInfo.
O Programa Nacional de Tecnologias na Educação (ProInfo), foi instituído em 1997,
por intermédio da Portaria n° 522 do Ministério da Educação e do Desporto. Como consta do
art. 1º da referida normativa, a finalidade era de “[…] disseminar o uso pedagógico das
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tecnologias de informática e telecomunicações nas escolas públicas de ensino fundamental e
médio pertencentes às redes estadual e municipal.” (BRASIL, 1997).
Em 2007, o Programa passou a ser denominado Programa Nacional de Tecnologia
Educacional, dessa vez “[…] sendo redefinido como um programa educacional que busca
promover o uso pedagógico da informática na rede pública de educação básica. ” (BASNIAK,
2016, p. 202). Da página oficial do Ministério da Educação extrai-se a composição do
programa em comento:
O MEC desenvolve, por meio do Proinfo Integrado, cursos de formação voltados
para o uso didático-pedagógico das tecnologias da informação e comunicação (TIC) no
cotidiano escolar. A oferta de cursos está articulada à distribuição de equipamentos
tecnológicos nas escolas e de conteúdos e recursos multimídia e digitais no Portal do
Professor, na TV Escola, no projeto DVD Escola, no portal Domínio Público e no Banco
Internacional de Objetos Educacionais (FILIZOLA, 2013).
Todavia, os entes federativos, os Estados, Municípios e Distrito Federal, partícipes,
devem assegurar a estrutura adequada aos moldes do Programa; além disso, exige-se
turmas com, no mínimo, 30 (trinta) alunos matriculados, as escolas não devem possuir
laboratório de informática e precisam ter energia elétrica (BASNIAK, 2016).
Nesse ponto, pode residir um obstáculo: se, nos mais favoráveis cenários, existem
escolas desprovidas de infraestrutura elétrica, como é que se cogita dispensá-las de
programas de aprimoramento e modernização por meio da educação digital? Além de
implicar na exclusão de algumas escolas, esse critério torna ainda mais destoante a realidade
das escolas públicas no Brasil.
Com relação ao segundo critério, o critério da inexistência de laboratórios, registre-
se que mesmo em instituições de ensino que, penosamente, se têm computadores, ou estes
são absurdamente antigos, ou os alunos ainda se revezam entre o mouse e o teclado.
As escolas são selecionadas através de dados do Censo Escolar e do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), sendo priorizada as que tiveram IDEB abaixo de
2 (BASNIAK, 2016). Um critério coerente, pois visa a igualdade simples.
Com a implementação do Programa nas escolas selecionadas, além da implantação,
nos computadores, do sistema operacional Linux Ubuntu, espera-se que os laboratórios do
ProInfo sejam de dois formatos:
ProInfo Urbano (composto por: 1 servidor de rede, 15 estações para o laboratório
de informática, 2 estações para área administrativa, monitores LCD, 1 roteador wireless, 1
impressora a laser) e Rural (composto por: 1 servidor, 4 estações, monitores LCD, 1
impressora a jato de tinta). As estações consistem em multiterminais, uma tecnologia
desenvolvida pela Universidade Federal do Paraná que consiste em ligar vários monitores,
teclados e mouses em um único terminal (BASNIAK, 2016, p. 202).
Conforme sobredito, em 2007 o ProInfo sofreu implementações, dentre elas a
instituição do ProInfo integrado, cujo propósito foi a “[…] formação voltada para o uso
didático-pedagógico das tecnologias da informação e comunicação no cotidiano escolar”
(BASNIAK, 2016, p. 203).
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Outra implementação foi o Programa Um Computador por Aluno (PROUCA), que foi
pré-implantado em 2007, sendo finalmente criado pela Lei n° 12.249/2010, disciplinado a
partir do art. 6º dessa lei. Consta do art. 7º da mencionada lei os objetivos do programa,
dentre os quais, a promoção da inclusão digital nas escolas públicas mediante a aquisição de
aparelhos informatizados. [5]
Maria Ivete Basniak e Maria Tereza Carneiro Soares, em recente trabalho cientifico,
realizaram um levantamento de teses e dissertações publicadas nos últimos 12 (doze) anos,
com o escopo de analisar os efeitos do ProInfo.
Das conclusões as quais chegaram, extrai-se que: (1) os recursos tecnológicos não
são tratados como instrumentos de ensino, prevalecendo o caráter instrucionalista das
aulas, sem aproveitar as potencialidades que as tecnologias podem proporcionar ao ensino;
(2) há morosidade na implementação do ProInfo e da disponibilização da infraestrutura
prevista; (3) a disponibilização de equipamentos não garante a qualidade da educação; (4)
existem interesses econômicos por detrás das políticas do programa; (5) é necessária a
formação continuada do professor, além de aprimoramento na qualificação daqueles que se
destinam a qualificar o educador (BASNIAK, 2016). Sobre essa última máxima, escrevem:
Há necessidade de que as políticas de formação de professores e de tecnologias na
educação apresentem propostas que atendam à demanda de legitimar a formação contínua
do professor atrelada à carreira docente, a qual deve se dar no decorrer do seu trabalho, e
não de forma esporádica e descontextualizada de sua rotina profissional (BASNIAK, 2016, p.
211).
Ou seja, o ProInfo como política pública ampliou as possibilidades dentro e fora de
sala de aula, pretendeu disponibilizar as novas tecnologias, além de oferecer cursos aos
professores para a educação digital. Porém, ainda existem diversos pontos a serem
aperfeiçoados, muitos deles já dispersos no teor deste texto. O ProInfo ainda não possibilita
a inclusão digital, que está além do acesso, enseja educação e cultura digitais, além de
necessitar de maior cogência para a sua possível universalização, isto porque a adoção do
programa está no âmbito da discricionariedade dos entes federados.
4 AGENDA GLOBAL 2030: OBJETIVO 4 PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS 4)
A Agenda 2030 é uma declaração que foi adotada e ratificada por 193 países-
membros das Nações Unidas, como o Brasil, no ano de 2015. Tem origem nos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM), que deveriam ter sido atingidos naquele ano. Nesse
Documento, existem dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), assim
como as respectivas 169 metas. Tais objetivos devem ser atingidos até o ano de 2030 (ONU
BRASIL, 2017a).
Dentre os ODS, existe o ODS 4, que trata da educação inclusiva, foco deste texto.
Mais especificamente, o ODS 4, tendo em vista a educação de qualidade, possui o seguinte
enunciado: “Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (ONU BRASIL, 2017b).
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Das metas relativas ao ODS em tela, destaca-se a 4.1 como sendo a mola propulsora
da inclusão digital na educação básica: “4.1 Até 2030, garantir que todas as meninas e
meninos completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que
conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes”, e, na mesma seara, o 4.c, que
dita:
Até 2030, substancialmente aumentar o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento (ONU BRASIL, 2017b).
Este último item é de suma importância, pois, como aventado, a qualificação dos
professores é fator determinante na educação de qualidade, especialmente educação
digital. Nas ações voltadas para o cumprimento do Plano Nacional da Educação (PNE) e do
ODS 4 no Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU) assevera:
O PNE está diretamente ligado ao ODS 04 (Educação de Qualidade) e prevê a garantia de direito à educação básica de qualidade, de ampliação das oportunidades educacionais, de redução das desigualdades e de valorização dos profissionais de educação, dentre outros objetivos (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2016, p. 18-19).
Nesse passo, a educação digital, como promotora das oportunidades educacionais
e, ainda, a inclusão digital como redutora das desigualdades, são perspectivas educacionais
de relevância prática para a consecução dos fins do ODS 4 no Brasil.
5 DIGNIDADE HUMANA E INCLUSÃO DIGITAL
5.1 Dignidade da pessoa humana
Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o princípio/norma da
dignidade da pessoa humana consta do art. 1º, inciso III, da Carta Magna. Construção
histórica cujo início é impreciso, a dignidade é pauta de discussões desde a antiguidade
clássica. Todavia, a ideia de uma dignidade especificamente humana cria contornos durante
a idade moderna, sendo produto do humanismo renascentista que se consolidou com o
iluminismo (WEYNE, 2013, p. 30).
Além disso, é intrínseco aos progressos históricos a morosidade, sendo-lhes
inerentes “[…] adaptações subsequentes às invenções de novos paradigmas aplicados a fatos
antigos, recomposições desses fatos em um novo sistema em torno de um novo núcleo
dotado de sentido” (PECES-BARBA apud WEYNE, 2013, p. 50), o que expõe o caráter
dinâmico e contextualizável do princípio em tela.
Na modernidade, a ideia de dignidade humana origina-se da associação com a ideia
de ética segundo a qual “[…] a consciência é a principal fonte moral, de modo que todo ser
61
humano pode, através dela, determinar por si só o que é bom e o que é mau, como se a sua
“voz” fosse única e original em cada indivíduo” (WEYNE, 2013, p. 79-80).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH), em seu Preâmbulo,
também reconhece a dignidade humana como sendo inerente a todos: “Considerando que o
reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus
direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. ”
(ONU, 2014, p. 2).
Assim, não obstante se reconheça a disparidade de conceitos, apresentam-se, nesse
texto, algumas perspectivas sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, tal como a
defendida por José Joaquim Gomes Canotilho (apud SILVA, 2014, p. 107), que entende que a
dignidade humana transcende a concepção de direitos individuais, sendo direito social.
Daniel Sarmento (2016) ensina que a dignidade humana é a fonte dos direitos
fundamentais não enumerados na Constituição da República, possuindo caráter integrador
da ordem jurídica nacional. Com relação ao conteúdo desse princípio, afirma:
[…] detectam-se cinco componentes básicos da dignidade: valor intrínseco, autonomia (privada e pública), igualdade, mínimo existencial e reconhecimento. A igualdade, porém, já é completamente abarcada pelo princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF). Assim, o conteúdo fundamental do princípio da dignidade humana na ordem jurídica brasileira abrange quatro componentes: valor intrínseco da pessoa, autonomia, mínimo existencial e reconhecimento (SARMENTO, 2016, p. 327).
Há quem sustente, ainda, que a dignidade da pessoa humana se consubstancia nos
direitos sociais. O presente trabalho parte dessa ideia, a fim de investigá-la e identificar suas
nuances no que diz respeito à inclusão digital.
Diante de todo o exposto, a exclusão digital não casa com a dignidade humana, do
contrário: “A exclusão digital implica exclusão social, uma vez que as principais atividades
econômicas, relacionais, governamentais e culturais migram para o ciberespaço” (FREIRE,
2011, p. 4433), ou seja, não há que se falar em cidadania sem inclusão digital. Não há que se
falar em educação sem inclusão digital. Não há que se falar em dignidade humana sem
inclusão digital.
5.2 Inclusão digital
Até aqui, expôs-se e dissertou-se a respeito da educação digital, do acesso à
informação (digital), da dignidade humana, das políticas públicas, e diluiu-se a discussão
sobre inclusão digital. Todas essas outras acepções e modos de promover a inclusão são
pressupostos da inclusão digital. Contudo, faz-se necessária uma incursão em ideias finais, a
fim de se clarear o argumento da inclusão digital.
Victor Hugo Pereira Gonçalves entende a inclusão digital como direito. Por
conseguinte, defende que esta coexiste com os direitos fundamentais – é um direito
62
humano fundamental –, bem como proporciona palco para efetivá-los. Sobre a terminologia
e no que implica a inclusão digital, afirma:
A terminologia inclusão digital contém esta carga valorativa e histórica que é transferida à necessidade que os cidadãos possuem de estar inseridos no contexto do mundo digital, em termos de acesso à informação e ao conhecimento, bem como à produção de conteúdos relevantes. Assim, a inclusão digital pode efetivar, de fato, nas lutas, embates e desvelamentos que fomenta uma possibilidade de realização de todos os direitos fundamentais decorrentes das liberdades de expressão, comunicação, informação, acesso à educação, cultura, novas formas de participação política. Novas formas de relação entre governantes e governados. Nesta perspectiva axiológica, a inclusão digital pode ser apropriada pelas pessoas, diferentemente da posse dos produtos e das tecnologias para a superação de determinadas condições sociais, econômicas e históricas (GONÇALVES, 2011, p. 108-109).
Diante disso, a inclusão digital é um direito entre direitos (GONÇALVES, 2011), faz
parte de um processo de educação, e enseja conhecimento e habilidades capazes de
promover o senso crítico.
Além disso, não se trata apenas de disponibilizar as TCI, mas de capacitar os
usuários, com a finalidade de lhes proporcionar o uso consciente, pois, como se viu, existem
no Brasil, hoje, inúmeros instrumentos de controle público no meio digital, e estes podem
otimizar e maximizar a cidadania.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evidente informatização dos serviços públicos, da educação em geral, dos
processos de interação social, dentre outros temas e subtemas, foi temática abordada em
diversos tópicos desta pesquisa.
A informação, sob a perspectiva digital, deve ser para todos, especialmente quando
serviços públicos são prestados no meio digital. Certidões negativas, programas sociais,
orçamento público, legislação, demandas judiciais, dentre outros exemplos, viabilizam e
desafogam a máquina estatal, proporcionam facilidades tanto aos administrados, quanto à
Administração Pública.
Todavia, nada disso pode ser efetivo sem o acesso à informação, que no âmbito
digital se dá através das tecnologias de informação e comunicação. O Brasil, com as atuais
políticas públicas, pode dar conta dessas desigualdades. Porém, existe um outro direito
visceralmente ligado à informação digital: a inclusão digital.
A inclusão digital enseja políticas públicas de educação digital. Nesse âmbito, não
devem focar apenas na disponibilização, por exemplo, às escolas, de televisões adaptadas a
tecnologias de compartilhamento de mídia e laboratórios de informática: se os alunos não
souberem utilizar crítica e minimamente esses instrumentos tecnológicos, não há inclusão
63
digital. Há acesso, há instrumentalização e multiplicidade de equipamentos para as aulas,
mas não educação digital.
A efetividade das políticas públicas analisadas, sustenta-se, inexiste pelo fato de a
implantação de políticas emancipatórias residirem no âmbito da discricionariedade dos
gestores dos entes federados.
O ProInfo, a título de ilustração, não é obrigatório aos Estados e Municípios. Além
disso, para a prestação desses serviços públicos, é necessária a coalização entre Governo
federal e os entes envolvidos, sob pena de se tornar um desserviço e atividade onerosa
demais ao poder público e à população.
Outro aspecto a ser considerado é a capacitação dos profissionais da educação. O
ProInfo já proporciona isso, mas, ainda assim, cabe ao profissional ir atrás. E os profissionais
vão. Todavia, possuem horários de aula a cumprir, horas-atividade, além do fato de se
presumir conhecimento básico em informática. Propõe-se, para isso, o seguinte: horários
acessíveis aos profissionais, bem como cursos em todos os níveis de aprendizagem.
A inclusão digital, na perspectiva deste texto, foi enfrentada como direito humano
fundamental. Não apenas pelo fato de que sua ausência impossibilita atualmente uma vida
digna – o que, por si só, é suficiente para legitimar a relevância da discussão –, mas também
por ser exigência em dimensão internacional: desde a formulação das metas do milênio tem-
se como objetivo a promoção de oportunidades para o aprendizado tecnológico atrelado à
qualidade de ensino (GONÇALVES, 2011, p. 56).
A agenda global 2030, que sucedeu as metas do milênio, consubstancia a exigência
no objetivo nº 4 para o desenvolvimento sustentável, que prevê a educação inclusiva. Nesta
perspectiva, a inclusão digital está para o direito à educação, direito constitucionalmente
garantido na ordem jurídica nacional, e positivado na ordem jurídica transnacional.
NOTAS DE FIM
[2] “Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. BRASIL.
Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 de setembro de
1942.
[3] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 10ª Ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. Capítulo 5.
[4] Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
[5] Art. 7o O Prouca tem o objetivo de promover a inclusão digital nas escolas das redes
públicas de ensino federal, estadual, distrital, municipal ou nas escolas sem fins lucrativos de
64
atendimento a pessoas com deficiência, mediante a aquisição e a utilização de soluções de
informática, constituídas de equipamentos de informática, de programas de computador
(software) neles instalados e de suporte e assistência técnica necessários ao seu
funcionamento. BRASIL. Lei nº 12.249 de 11 de Junho de 2010. Institui o Regime Especial de
Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura da Indústria Petrolífera nas Regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste – REPENEC; cria o Programa Um Computador por Aluno –
PROUCA… Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 14 de junho de 2010.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/lei/l12249.htm>.
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67
A LEI DE MIGRAÇÃO, OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E
AS CONSEQUÊNCIAS NO COTIDIANO JURÍDICO NACIONAL
MIGRATION LAW, SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS AND CONSEQUENCES
IN THE NATIONAL DAILY LEGAL CONTEXT
Rogério do Nascimento Carvalho8
Resumo: Este artigo tem o objetivo de propor uma discussão sobre a nova lei de migração
brasileira, promulgada em maio de 2017. Para isso, utiliza-se da abordagem de aspectos
sobre migrações e seus fluxos no país como componente formador de sua população.
Referido artigo foi desenvolvido com metodologia descritiva, com conceitos extraídos de
autores renomados e com o uso de revisão bibliográfica. Os resultados encontrados indicam
a necessidade perene do Estado brasileiro promover leis que possam atender aos princípios
basilares dos direitos humanos e, na medida do possível, atualizar a legislação com foco a
promover progressos e certezas e não deixar itens importantes para regulamentações
futuras. Baseado no referencial teórico das migrações, o eixo motriz deste artigo demonstra
que no mundo competitivo atual, a diferença entre sucesso e o fracasso está na adoção de
legislações coerentes e inclusivas, com respeito a valores universais. Concluiu-se que a
adoção da nova legislação não olha de fato a realidade e é confusa em aspectos que
poderiam ser definidos e estão a ser pautados por regulamentação futura.
Palavras-chave: Migrações. Desenvolvimento sustentável. Lei n.13.445/2017.
Abstract: This article aims to propose a discussion about the new brazilian migration law,
promulgated in May 2017. For this purpose, the approach of aspects of migration and its
flows in the country has shaped it´s own population upgrowth. This article was developed by
descriptive methodology, concepts extracted from renowned authors and with the
application of bibliographic review. The results indicate the need for the brazilian State to
promote laws that can recognize the basic principles of human rights and, as far as possible,
to update the legislation with focus on promoting progress and certainty and not leaving
important items for future regulations. Based on the theoretical reference of migration, the
driving force of this article shows that in today's competitive world, the difference between
success and failure lies on the adoption of coherent and inclusive legislation with respect for
the universal values. The conclusion is that the adoption of this new legislation does not
really reflect reality and is confusing over aspects that should be already defined but are
being enforced by future regulation.
8 Mestre em Estratégia Marítima pela Escola de Guerra Naval. Pesquisador da UNIFESP - Campus Osasco no
grupo de pesquisa “massacres e genocídios na Era contemporânea”. Professor universitário na UNICALDAS/Goiás. Advogado.
68
Keywords: Migrations. Sustainable development. Federal law 13.445/2017.
1 INTRODUÇÃO
Uma das grandes questões que permeiam o embate entre os chefes de Estado,
atualmente, reside no crescimento da problemática dos deslocamentos populacionais
forçadas em diversas regiões do globo. O que leva a atual crise imigração em que países
europeus, Estados Unidos da América se veem no dilema em que há um longo caminho a
percorrer para a solução definitiva deste problema. Este artigo busca analisar sob a égide
dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [1] da Organização das Nações Unidas com o
papel do Brasil para auxiliar nesta questão traçando paralelos com a política adotada e
verificar a real eficácia de normativos que foram atualizadas com intuito de mostrar sintonia
junto aos itens elencados naquele dispositivo.
Quando da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável o
objetivo primaz é o de garantir apoio dos países signatários para implementação e
acompanhamento cuja finalidade seja a promoção da inserção de regiões mais carentes com
o uso de ações nas áreas de saúde, educação, relações de trabalho, cidadania, acessibilidade
à direitos básicos, como também trata de questões mais recentes que impactam o globo
como as mudanças climáticas e o meio ambiente, tendo em vista os efeitos danosos da não
aplicação correta de uma política eficaz que possa atender os anseios daqueles que mais
precisam.
O problema, entretanto, segue sem aparente solução. No Brasil, com o advento da
Lei 13.445, de 2017, estabelece-se regras que são dúbias, ao mesmo tempo, mostram
evolução ao Estatuto do Estrangeiro [2], mas em pontos específicos denota-se acirramento
conservador no tocante à matéria.
Socorrendo-nos ao auxílio da história, depreende-se que o Brasil deve também ao
imigrante, sobretudo desde o século XIX a força de sua mola propulsora e da mescla das
populações indígenas, africanas e europeias, bem como de outras partes do globo que
permite ao país ostentar.
O debate proposto neste artigo sobre a adoção da nova lei de imigração e sua
adequação ou não aos princípios proposto pela ONU trazem questionamentos perenes na
evolução ao tratamento dispensado pelo Estado brasileiro aos imigrantes de sua
regularização em território nacional.
O ponto inicial para este diálogo está circunscrito na análise da Lei 13445 que
entrou em vigor no dia 21 de novembro de 2017, substituindo o Estatuto de Estrangeiro (Lei
6815/80) oriunda do período do regime militar brasileiro (1964-1985) e, apresentar quais
pontos a nova legislação trouxe avanços e os problemas de sua implementação e
interpretação no cotidiano jurídico.
69
Sinteticamente, a nova lei condiciona a órgãos ministeriais a análise e concessão de
vistos, que em conjunto regulamentação as condições objetivas para a permanência em
território nacional, conforme reza o art. 7 [3] do dispositivo legal vigente (BRASIL, 2017a).
Portanto, questões importantes e basilares emergem deste ditame legal. Primeiro,
estaríamos diante de um quadro evolutivo ao tratamento de imigrantes no território
nacional? Segundo, em quais medidas o Estado brasileiro incorporou da ONU em relação ao
desenvolvimento de metas globais? Estas questões serão respondidas basicamente sob a
ótica de três pilares: 1) a evolução do tratamento do Estado brasileiro na questão legal
migratória, notadamente da Lei 13445/17; 2) ditames da ONU no tocante ao
desenvolvimento humano e 3) principais desafios da presente legislação.
Seguindo a estrutura proposta para este diálogo é imperioso destacar em primeira
mão que os movimentos contínuos de imigração global levam aos lucros exorbitantes às
empresas e a Estados nacionais, pois destes advém o poder centralizado. Levando-se em
consideração que um dos principais meios que vão legitimar o poder político do Estado é o
excedente produtivo aliado ao fortalecimento da burguesia, serão dados indispensáveis para
debatermos a importância da imigração, notadamente, em território nacional.
2 IMPACTO DA MIGRAÇÃO NO BRASIL
A imigração branca europeia avança em território brasileiro quando há a
promulgação da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. Até então, o negro escravizado
transportado compulsoriamente ao Brasil, tinha a função de substituir a mão-de-obra
indígena que fora frustrada sua instituição para o trabalho. Nestes dois processos históricos,
a vinda do negro escravo e do branco europeu é nítida a conotação de servir para a
produção de riquezas e, consequentemente ocupação do território nacional.
Portanto, o impacto da imigração neste período histórico tem o fulcro de atender o
processo de desenvolvimento econômico. Para entendermos melhor este impacto do século
XIXI, Fernandes (1972) sobre a migração europeia aduz “ ela ajudou a acelerar, a partir da
década de 1880, a desagregação do regime servil” (FERNANDES, 1972, p.122). Fernandes
(1972) ressalta a forma do porquê ocorreu a imigração europeia em território brasileiro, com
objetivo primaz de branquear a população, homogeneizando-a como política de Estado, ou
seja, este processo tem o animus de formar um país que privilegiasse o cruzamento das
raças indígenas (aculturada), africana (com o fim do tráfico negreiro e após o fim da
escravidão) e a europeia que visava preservar a moral do país.
Relevante destacar que os processos migratórios visam atender a estratégia de
sobrevivência de populações que não conseguem se fixar em seu território e ficam a mercê
de discriminação em terras alheias. A guisa de exemplo, remontemo-nos à colonização do
continente americano que sofreu ondas migratórias com o objetivo de exploração de
riquezas e transportá-las para suas metrópoles. No caso brasileiro, este panorama é
facilmente visualizado pela adoção do trabalho escravo negro que perdurou oficialmente até
13 de maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea pela princesa Izabel de Bragança,
70
então regente do Império do Brasil, devido à viagem do Imperador Dom Pedro II à Europa e,
após, a proclamação da República, em 1889, a adoção da forma mais consistente de
trabalhadores europeus que vieram ao país pela imigração para trabalho no campo e nas
cidades.
Digno de notar que nesta época o país não tinha preocupação com o acolhimento
de refugiados, mas sim em acolher pessoas que pudessem oferecer sua força de trabalho e
assim gerar progresso econômico. No século XIX, a política migratória era aberta de maneira
favorável às pessoas de “cor branca” em detrimento, por exemplo, aos africanos como meio
de melhorar a qualidade da população.
Com o advento do período da I Guerra Mundial (1914-1919) e da Segunda Guerra
Mundial (1939-45) e o consequente alinhamento do Brasil à política dos Estados Unidos da
América há o privilégio em receber refugiados anticomunistas, por isso, alemães, poloneses
e japoneses são vistos pelas autoridades nacionais como elementos de desconfiguração do
povo brasileiro, o que levou o então Getúlio Vargas, no período do Estado Novo (1930-1945)
a editar o Decreto 3010/1938 que visava controlar os ditos “estrangeiros” (BRASIL, 1938),
com o fito de afastar certos grupos étnicos, incentivando a entrada de grupos não
problemáticos dentro da análise da geopolítica [4] americana da época o que levou o Brasil
a fixar quotas de recebimentos de determinados povos. O isolamento de determinados
grupos de migrações como japoneses e judeus é levado a cabo seguindo propaganda oficial,
na qual seriam indesejáveis (HAAG, 2012) pois o projeto de política imigratória do Estado
Novo visava a assimilação na sociedade brasileira de imigrantes “bons” (HAAG, 2012) que
poderiam permanecer em território nacional com o objetivo velado pelo governo de
miscigenação da população “para levar ao progresso do país no espaço de 50 anos sob a
justificativa de desenvolvimento da sociedade”. (HAAG, 2012, não paginada).
3 A QUESTÃO DAS MIGRAÇÕES E A RESPOSTA DO DIREITO
Dentre as questões que assumem relativas importâncias no começo deste século, as
migrações aparecem em destaque, justamente com as reivindicações territoriais e
intolerâncias religiosas, as mudanças climáticas e o acesso a recursos naturais. Estas são
questões não podem ser olhadas de forma isoladas, pois muitas vezes são complementares
ou até mesmo subsequentes, o que leva países como o Brasil a assumir maiores
responsabilidades ou protagonismo global, visto que possuímos a capacidade de absolver
migrantes que fogem dos conflitos e das intolerâncias e, de sermos reconhecido como país
pacifista no campo de Relações Internacionais, pelo fato do Brasil ser um país miscigenado
em sua origem.
Os problemas que outros países sofrem, aqui podem ser anulados ou reduzidos de
forma considerável, apesar dos apelos contidos à propagação da xenofobia e da restrição do
recebimento de estrangeiros.
Percebemos então, que o direito oferece uma resposta dúbia, entre avanços e
retrocessos a lei de migração demonstra que o Estado brasileiro se mostra mais disposto
71
com as questões de cunho trabalhistas e fiscal em contrapartida às questões de cunho
humanitário e social, o que pode sinaliza a continuidade na luta de entidades sociais e de
defesa dos migrantes à espera de derrubada dos vetos presidenciais (em número de vinte da
lei), o que se mostra complexo devido o apoio da base governista no Congresso Nacional.
Outro caminho é o de esperar a regulamentação dos itens que não estão claramente
definidos em lei pelas instâncias interministeriais, porém, em alguns casos a urgência e
relevância deste vácuo pode levar a análise ao Poder Judiciário.
A pendência judicial a ser criada por esta lei de migração diz respeito a resolução ou
não dos conflitos em matéria migratória. As incertezas e as regulamentações a serem
exaradas pelos órgãos envolvidos no campo das imigrações no Brasil podem levar ao
crescimento e agravamento das situações individuais que em outra leitura poderá levar a
ineficácia do direito e da legislação aqui analisada. Tecnicamente, a adoção de uma
legislação pressupõe inovações e avanços para suplantar a tensão social. Portanto, a eficácia
do direito está intimamente ligada à sua renovação conforme a demanda social em um dado
momento histórico, ou seja, fluidez das estruturas sociais e do próprio direito, para a
manutenção da sociedade pacificada.
A eficácia de uma determinada legislação depende também se os direitos nela
embutidos limite de cumprir a sua função social. No caso em tela, averígua-se os problemas
migratórios de cunho ilegal podem ser melhor controlados, bem como respeito às diretrizes
preconizadas pela Organização das Nações Unidas. Digno de nota de que estabelecer
diretrizes globais exige sacrifício para adequação as legislações nacionais, pois
Os Estados administram o tema migratório em bases unilaterais, o que leva a falta de coerência entre os sistemas de governança global, regional e nacional a um afastamento da estrutura vinculante da ONU, associado à paralela predominância de processos informais. No plano nacional, o atual regime internacional não estimula a consolidação, pelos Estados, de políticas migratórias coerentes e multifacetadas, que contribuam para reduzir a intensidade de fluxos migratórios irregulares – o que se daria pela regularização das migrações – ou para a proteção dos migrantes e sua integração efetiva nas sociedades de destino (FARIA, 2015, p. 174).
Entretanto, os problemas reais aqui apresentados, cujas contradições e lacunas
podem levar a ineficácia da legislação, porque o direito sobreposto não oferece respostas
capazes para os problemas cotidianos, sobretudo se olharmos para a estrutura da sociedade
brasileira que se vê no dilema de arregimentar seu ordenamento jurídico de forma a não
atender aos anseios da sociedade que segue em constantes mudanças e, portanto, a
legislação não se mostra a contento a pujança social.
Atualmente a transformação acelerada da sociedade brasileira e a sua instabilidade
de cunho econômico traz dificuldades em sedimentar comportamentos criando expectativas
e aprofundando a desigualdade social e, com a produção de legislação que não atendem aos
anseios sociais, poderá levar aos tribunais judiciais a interpretação final a ser seguida. Porém
os Tribunais vivem atualmente uma sobrecarga de processos, o que gera morosidade no
72
julgamento dos feitos e por isso, o ativismo judicial oriundo da lacuna legislativa pode levar a
paralisia do próprio direito, levando a descrença da sociedade brasileira em seus órgãos de
poder.
4 OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, A QUESTÃO MIGRATÓRIA E SUA
RECEPÇÃO PELO NORMATIVO NACIONAL
Os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) surgiu em 2015 e sucedem os
objetivos de desenvolvimento do milênio. Sua principal tarefa visa conclamar governos e
sociedade civil organizada para direcionar as políticas públicas no sentido de diminuir a
extrema pobreza no mundo, proporcionando um aumento qualitativo de regiões mais
carentes do globo e que possuem restrições de conectividade, ou seja, a tentativa benéfica é
a de aproximar pessoas, países e continentes.
Dentre os 17 (dezessete) objetivos de desenvolvimento sustentável vamos expor neste artigo a análise estampada no objetivo 10 (dez), em especial no item 7 (sete) assim expõe:
Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles (...) 10.7 facilitar a migração e a mobilidade ordenada, segura, regular e responsável de pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas de migração planejadas e bem geridas (BRASIL, 2016, não paginado).
Circunscrito o objetivo e o foco a ser analisado, cabe-nos neste momento dissecar
dentre o objetivo preconizado pelas Nações Unidas com a atitude do governo brasileiro e o
caminho que tem definido para conseguir cumprir o ditame acima exposto.
O fato incontestável é analisar os vocábulos expostos, quais sejam, “facilitar a
migração (...) por meio de implementação de políticas de migração planejadas e bem
geridas” (BRASIL, 2016) e confrontar se estes ditames estão ou não sendo atendidos pelo
legislador nacional. Diante desta realidade, houve a inovação no sistema legal advinda da Lei
13445/17, porém esta não traduz ao cumprimento às quais o Estado brasileiro se obrigou
junto as Nações Unidas e consequentemente aos demais países participantes deste
organismo internacional.
Hodiernamente, os vetos dos dispositivos da Lei 13445/17 através da mensagem nº
163 (BRASIL, 2017b) possuem o viés econômico e estão na contramão dos ditames nas quais
o país é conhecido dentre as nações, mas visivelmente assistimos à imposição da pauta de
grupos ligados à direita, que articulam diversas reformas e mudanças no cotidiano nacional,
sendo a lei de migrações apenas mais um item dentro deste “pacote” que atinge vários
países em todos os cantos do globo.
O aumento da influência desses grupos anti-imigração é visível em governantes
como o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, de diversos líderes
europeus e até mesmo de lideranças partidárias que mesmo sem conquistarem o poder por
meio do voto, arrastam para si considerável parcela da população, como Jean Le Pen e Marie
Le Pen, na França. O perigo aqui está na propagação ideológica desses grupos, que
73
promovem conflitos e geram cada vez mais agravamento da questão migratória, da qual o
Brasil não está ileso.
Analisando minuciosamente a nova lei de migração, chama-nos a atenção a
motivação presidencial ao vetar o dispositivo que proporcionaria aos povos indígenas e das
populações tradicionais o direito a livre circulação em suas terras, invocando a unidade de
território nacional, bem como a competência da União, no controle e entrada de saída de
pessoas, inclusive indígenas (BRASIL, 2017b).
Arrepia-nos as motivações da Presidência da República ao vetar dispositivos que
permitiria aos imigrantes ingressar no serviço público via concurso, pelo fato de não estar
conforme aos ditames de interesse nacional (BRASIL, 2017b), bem como o Ministério da
Fazenda de vetar aos visitantes o acesso a saúde já outorgado pela legislação do Sistema
Único de Saúde (SUS), como também a assistência social e a previdência social sob a
motivação de que a concessão desses direitos “representam pressões fiscais adicionais à
União e aos demais entes nacionais, prejudicando a adequações das despesas públicas ao
limites de gastos constitucionalmente previsto, recomendando assim, seu veto”
(BRASIL,2017b, não paginado).
É lamentável, porém, que outros vetos a Lei 13445/17 seja permeada de
protecionismo sem fundamento lógico, pois como justificar a não extensão de visto com
base em reunião familiar, a criança ou adolescente com dependência afetiva sob o
argumento de facilitar ou permitir o sequestro internacional de menores. (BRASIL,2017b)
Acresce-se ao acima exposto que a pressão migratória no Brasil não é significativa,
aliás, perde o país por não receber maiores fluxos de imigrantes e refugiados. Contudo,
devemos compreender que o espírito da lei no seu tempo advém no momento controverso
na política nacional. Fatores como o impeachment da então Presidente Dilma Rousseff
(2011-2016) e, por conseguinte assunção do atual mandatário Michel Temer, trouxeram
mudanças significativas de posturas ideológicas, que não se fazem sentir somente em
território nacional, está presente nos demais países da América do Sul e da América Latina,
bem como nos EUA e Europa.
A guinada conservadora nos últimos anos pode ser traduzida no crescimento e no
fomento as manifestações racistas, xenofóbicas, e de intolerância religiosa que levam a
diagnosticar o retrocesso na legislação migratória que enfrentará questionamentos judiciais
ante aos Tribunais e, ainda não encontra eco nos ditames assumidos pelo Estado brasileiro
junto aos objetivos de desenvolvimento sustentável preconizado pela Organização das
Nações Unidas.
Se por um lado as negociações da agenda pós-2015 no que tange a redução
desigualdade preconiza o respeito aos costumes e tradições indígenas, promovendo a estes
o desenvolvimento sustentável, assegurar a oportunidades e acessibilidade ao trabalho, aos
serviços de saúde, proteção e participação social para a sua inclusão (BRASIL, 2017b). Estes
itens se contrapõem com o exarado pela legislação migratória em vigor. É dentro deste
panorama que ao confrontarmos essas duas realidades, percebemos que o Estado brasileiro
74
não vem cumprindo “in totum” com os elementos substantivos para implementar os
objetivos de desenvolvimento sustentável.
Ao monitorar a evolução do tema migratório no Brasil, percebemos que não houve
saltos qualitativos no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Isto se
deve ao reordenamento do discurso governamental em posicionar a segurança nacional e
econômica como imperativos de prosseguir avançando nestes campos.
A política restritiva migratória brasileira não encontra eco na doutrina nacional, pois
o Brasil precisa entender a necessidade de acolher migrantes sem restrições ou vincular a
intempéries econômicas. Há de se advertir que colocar obstáculos legais a consecução de
direitos está na contramão nos esforços que as nações soberanas precisam fazer para
minimizar este drama atual vivido pela sociedade moderna.
Diante do processo irreversível de globalização, os Estados não devem mais agir de
forma isolacionista, mas cooperativista, no sentido de solidariedade entre eles para
resolução dos problemas da humanidade, principalmente no que diz respeito à consecução
da paz. Estados solidários e cooperativos mutuamente se ajudam e, portanto, evitam
conflitos armados e guerras que produzem, em certa medida, um grande fluxo de
refugiados. É, a nosso ver, a maior demonstração de grandeza e soberania estatais
(FERNANDES; SILVEIRA, 2017, p.174).
Se solidariedade entre as nações deve ser a tônica da questão migratória, a
legislação precisa observar o cumprimento e efetivação de direitos sem a estes tornar
intransponível. De fato, os motivos que levaram o governo brasileiro a vetar dispositivos da
nova lei de imigração atendem a anseios que vão contra a efetivação da aplicação dos
direitos humanos, das quais o Brasil é signatário, em especial, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948.
Segundo Hesburgh (1980), o grande problema da Declaração Universal dos Direitos
Humanos reside no fato de que precisa ser rigorosamente aplicada por todos os países do
globo, tornando a liberdade um valor incomensurável e respeitado, para haver o respeito à
igualdade e, assim, alcançar a igualdade de oportunidades.
Cançado Trindade (2015) reafirma os ditames expostos acima ao sublimar a
solidariedade dentre as nações frente a razão de Estado, limitando-a toda vez que o
interesse coletivo clamar por soluções que mereçam a tomada conjunta de decisões dos
países – e este é o desafio da atualidade, pois
seu denominador comum tem sido a atenção especial às condições de vida da população (particularmente dos grupos vulneráveis, em necessidade especial de proteção), daí resultando o reconhecimento universal da necessidade de situar os seres humanos de modo definitivo no centro de todo processo de desenvolvimento (TRINDADE, 2015, p. 126).
Para Doring (1989) o olhar sobre as migrações possui dois aspectos e está
conectado com a situação econômica de um país. Quando determinada sociedade não se
encontra em crise, as migrações tem o condão de integração entre os povos, aproximando
75
governos e tradições, bem como ampliando interesses recíprocos; porém, quando o país
receptor encontra-se em fragilidade econômica percebe-se a adoção de políticas restritivas
e, no seio social, comportamentos contrários e de rechaçamento aos imigrantes.
No caso brasileiro, Doring (1989) ressalta que as migrações foram positivas e
trouxeram aproximações com os respectivos governos, dos povos que aqui escolheram para
viver, o que corrobora com a manutenção das relações cordiais e intercâmbio cultural no
mundo atual.
Sublinhando as lacunas deste labirinto jurídico, atentemo-nos ao cerne de questão
migratória. O porquê deste retrocesso deve ser compreendido em primeiro lugar pela
inserção do país dentro do contexto capitalista global e, portanto, sensível aos impactos
promovidos pelas mudanças orquestradas pelos países mais ricos e por suas grandes
corporações; em segundo lugar, a guinada política provocada pelo processo de mudança
abrupta em 2016 reordena a motivação ideológica no processo de elaboração legislativa, o
que auxilia a entendermos as violações que levam a ditames excludentes de cidadania a
migrantes.
Como já explicitado, o país não possui condições de forma individual de aplicar a
política que mais lhe convenha se esta não estiver conforme os ditames do poder financeiro
global e do mercado, que efetivamente detém o poder e ditam regras que os estados
soberanos devem seguir. Desta forma, esta pactuação prescinde revisão de pautas
progressistas, ceifando conquistas históricas com intuito de demonstrar força e poder. Cabe
à sociedade civil organizada denunciar estas tratativas e, por conseguinte, exigir alterações
legais como forma de respeitar aplicação dos direitos humanos.
5 A GLOBALIZAÇÃO, O IMPACTO NAS MIGRAÇÕES E OS DESAFIOS FUTUROS DO BRASIL
Bauman (2001) utiliza o fenômeno da Globalização para mencionar dentre outros
problemas do mundo atual, a questão das migrações. Para o autor, por maior que seja a boa
vontade da Organização das Nações Unidas em estabelecer metas de desenvolvimento
sustentável, há um problema crítico que se deve ao fato de não haver legislação global que a
impeça de proibir comandantes e políticos a recorrerem ao uso da força. Forças de países
que não adentram a um sistema de compromisso e levam a atitudes unilaterais em face de
povos oprimidos e, por conseguinte, ao deslocamento de civis em flagrante desrespeito aos
direitos humanos. O foco destas intermitências está em eliminar os obstáculos no caminho
para uma liberdade global de forças econômicas, sem barreiras comerciais.
Atualmente a onda de migrações que permeia o globo e também o Brasil é reflexo
do processo de globalização econômica, pois estes migrantes, em sua grande parte são
trabalhadores e respondem pela internacionalização do mercado de trabalho. O capitalismo
é um sistema que oprime os países e cidadãos, pois ao mesmo tempo que obriga a seus
países a abrirem suas fronteiras em relação a circulação de bens, com vistas a facilitar a
liberdade de capital mas, por outro lado, dificulta a entrada de mão-de-obra para trabalhar,
ou seja, o capital pressupõe para geração de lucros de grandes empresas a abertura
76
irrestrita e as nações coíbem e dificultam a entrada de pessoas até mesmo como resposta à
sua demanda interna.
Se a globalização permite a livre circulação de pessoas e bens, questiona Bauman
(2001) sobre o porquê de assistimos sucessivas crises que envolvem deslocamento cada vez
maiores de população civil e, por outro lado, acompanhado pelo consequente
endurecimento das políticas migratórias e de asilo. O capitalismo gera expectativas não
confiáveis no tocante à manutenção do emprego e os anseios do indivíduo, e a partir deste
panorama inicia-se o desmantelamento pela velocidade proporcionada pela globalização
que atinge a amplia seu campo, o que vai exigir segurança em escala cada vez maior para
situações rotineiras dada falta de confiança.
Neste ponto, Ribeiro (2015) em um revisionismo histórico nos relembra que o Brasil
sempre fora visto como um país que tinha a missão de servir a outras nações, ou seja, ao
consumo externo e, que neste processo que se utiliza a exportação de pau-de-tinta
passando pelas culturas de algodão, café e soja sem se esquecer da exploração de ouro e
minérios cujo fulcro serve para ornamentar a infraestrutura de países desenvolvidos,
utilizamos como força motriz a mão-de-obra indígena e negra.
A missão do país, portanto, está em olhar internamente e reordenar as forças
produtivas com fulcro a atender as necessidades basilares da população, o que não vem
sendo feito. Com isso, ficamos à mercê das nações mais ricas e na periferia do capitalismo
global, pois não desfrutamos das riquezas que produzimos e a potencialidade nacional se vê
eclipsada porque as elites que dominam o país optaram por seguir esta sistemática, pois
assim mantém seu status de dominação política e cultural.
Respondendo as questões apresentadas na introdução denotamos que o Estado
brasileiro na adoção da nova lei de migração evoluiu em parte ao tratamento ofertado
àqueles que buscam o abrigo da legislação brasileira. Devemos nos ater as condições que
colocam o país na mira da cobiça internacional, pois como é cediço, a dimensão continental
permeada de riquezas de inestimável valor fazem do Brasil alvo e destino cada vez mais de
pessoas que buscam aqui permanecer, por isso deve o governo orquestrar de maneira eficaz
recursos promovendo a integração e a cidadania, pois como relembra Arendt (2000), a
cidadania prescinde de direitos, portanto a perda da cidadania é também a perda de
direitos, ou seja, podemos dessumir destes pensamentos de que não importa se o migrante
é cidadão mas é necessário reafirmar direitos em qualquer parte do globo, sem exceção.
Neste aspecto, restringir direitos como a atual lei propõe, em certos aspectos, é à medida
que fere o exercício pleno da cidadania.
A Organização das Nações Unidas chamou para si uma responsabilidade de grande
monta. Compor, dentro do aspecto jurídico ditames que possam estabelecer coerências
entre normas de direito interno, que envolvem o Estado e o cidadão; direito internacional,
que envolve os Estados soberanos e o direito contemporâneo que aponta a forma como o
Estado deve atuar com as migrações; sem sobra de dúvida um dos grandes desafios postos à
mesa de negociações entre as nações. A ONU não possui mandato para promover
77
ingerências internas, mas possui capacidade de fomentar consciência positiva nos
governantes para que estes procedam com as alterações legislativas.
Já o papel do Brasil na gestão das migrações mostra como os governantes não
compreendem totalmente a realidade posta e com a tendência da guinada à direita, corre-se
o risco de haver radicalização e agravamento do problema. Há de se observar que a atual
crise migratória é oportunidade ímpar para o país angariar solidariedade e, portanto,
avançar no cenário internacional.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Organização das Nações Unidas atualmente encontra-se em momento delicado,
pois se vê exprimida dentre países com gana de obter cada vez mais poder e, por
conseguinte, assistimos paulatinamente sua incapacidade de interferir em conflitos,
portanto, mesmo que as ações do objetivo de desenvolvimento sustentável sejam louváveis
do ponto de vista da preservação do direito internacional, mas, principalmente no campo da
proteção dos direitos humanos em escala global.
Diante do exposto, percebemos que a dificuldade de coordenar políticas em escala
global é tarefa árdua para organismos internacionais que prescindem da força, que não
possuem, no sentido de obrigar Estados a buscar o cumprimento de metas visando o
desenvolvimento sustentável.
Neste interim, países como o Brasil aparecem na vanguarda da esteira de proteção
de direitos humanos, bem como ao mesmo tempo é capaz de elaborar legislações confusas e
de aplicabilidade contida, a depender de regulamentação de instrumentos ordinários,
deixando inseguras migrantes que precisam de agilidade e de acolhimento.
O problema central apontado por este artigo faz menção a correlação entre a nova
lei de imigração e os objetivos exarados pela Organização das Nações Unidas no tocante ao
desenvolvimento sustentável e percebemos que não há convergência na maioria dos
dispositivos legais, inclusive apresentando retrocesso a outros ordenamentos jurídicos
nacionais, por exemplo, na área da saúde pública, onde já estava sedimentado o
atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a todo migrante, sem exceção.
Analisando os motivos que levaram ao veto presidencial destes dispositivos,
encontramos o ápice do trabalho aqui exposto, pois notadamente há uma vinculação com os
Ministérios da Fazenda, Justiça e do Trabalho, bem como o Gabinete de Segurança
Institucional que primam referidas atitudes com o viés de economia dos cofres públicos,
defesa do trabalho ao nacional e de segurança da nação.
Ora, a história se repete mais uma vez. Mais um novo ciclo se abre ao Brasil e a
oportunidade pode ser perdida. Ao buscarmos explicações na história, depreendemos que a
nação gerida pela mistura do negro, branco e indígena, sofreu mutação coordenada por
políticas públicas no passado para branqueamento da população para estarmos mais
próximos do colonizador europeu.
78
O legislador decerto se olvida de que somos resultados das políticas passadas.
Evitar, barrar ou postergar entrada de migrantes em território nacional impede que haja
uma tentativa de miscigenação e agregar valor à população brasileira. A nova lei de
migração, no entanto, apresenta um quadro inexistente, pois no país os migrantes não
afetam substancialmente o mercado de trabalho e a pressão migratória no montante da
população é irrisória.
É importante ressaltar que o Brasil não figura na lista dos países que mais recebe
migrantes no mundo; aliás, os problemas migratórios mostram nossa incapacidade de
receber pessoas, bem como a parca e antiquada infraestrutura, mas o governo, inapto para
produzir mudanças, expõe a sociedade um discurso, mas na prática está alinhado com os
pensamentos de fundo capitalista, priorizando recebimento de mão-de-obra, e os inservíveis
para o mercado de trabalho, segundo seu julgamento, colocando seres humanos como
responsáveis pela crise, quando na verdade não se pode efetuar restrição ao recebimento
de refugiados.
O retrato do que está sendo feito no Brasil em relação à nova lei de migração não
condiz com a aplicação de boas práticas, pois demonstra discriminação inconteste que a
autoridade poderá perpetrar por meio discricionário. Diante deste panorama, Gaia poderá
sofrer duras consequências, visto que as ações tomadas não refletem a natureza do povo
brasileiro de acolhedor. Infelizmente para mudar a consciência dos governantes haverá de
serem afastados sentimentos retrógados e protecionistas para haver sucesso da
implementação dos objetivos de desenvolvimento sustentável preconizado pela Organização
das Nações Unidas.
O esforço da sociedade civil organizada se encontra no dilema atual diante do
crescimento de posições xenófobas e de valorização de discursos nacionalistas, o que auxilia
no entendimento que atualmente gera conflitos no globo e que provoca o agravamento da
atual crise migratória. A falta de perspectiva seja de trabalho ou oriundo de conflitos ou até
mesmo intolerância religiosa é o ponto de partida para o problema do êxodo de milhares de
pessoas.
Os países desenvolvidos ou em desenvolvimento, que atualmente não vivem em
época de bonança econômica, fecham suas portas e não absolvem estas pessoas que fogem
de seus países. A restrição, no caso brasileiro, se dá pela via da supressão de direitos
basilares através da Lei 13.445 de 2017 e até mesmo pela lacuna de regulamentação, o que
poderá causar insegurança jurídica no trato com os migrantes. Certamente estas questões
serão pautadas pelos Tribunais, mas até a decisão final vir à tona o sofrimento de milhares
de pessoas se fará presente e, neste ponto, Gaia sofrerá com o tratamento ofertado pelo
Estado brasileiro a seus pares.
Nada é mais estranho na configuração atual da sociedade brasileira permitir estas
atrocidades no campo dos direitos humanos. O retrocesso é patente, porém, há formas de
haver novas articulações e voltarmos aos ditames exarados pelos objetivos de
desenvolvimento sustentável. Cientes de que o ator global supranacional não reúne
condições de obrigar nações a modificar seus códigos internos com a finalidade de atender o
79
benefício para todos, mas se faz necessário efetuar negociações constantes e vínculos mais
profundos com a sociedade global para permitir uma maior conscientização, sensibilizando
os atores políticos e afastando destes a cobiça de cunho capitalista e financeira – só assim a
esperança de manter Gaia viva será realmente considerada e salva da ganância que
atualmente impera no corpo político e econômico do globo.
Inadmissível o texto legal que priorize cerceamento de circulação de migrantes, esta
é uma verdadeira quimera, pois demonstra o amadorismo do país que busca inserir e ter voz
mais ativa dentro das Relações Internacionais; porém, ao destruir conquistas anteriores,
dificilmente obterá a concordância das demais nações. A pergunta que nossos governantes
deveriam responder neste caso quando elaboram ordenamentos imprecisos e contestação
consistente é a de saber se o governo brasileiro realmente quer proteger os migrantes ou se
defender dos mesmos, pois o estado democrático de direito deve rechaçar estabelecimento
de barreiras e, sim cooperar com outros atores governamentais e não governamentais, bem
como em parceria com a sociedade civil com vistas a amenizar este que será sem sombra de
dúvida um dos grandes legados deste início de século.
NOTAS DE FIM
[1] Propostos por ocasião da Cúpula da Organização das Nações Unidas para o
desenvolvimento sustentável, ocorrida entre os dias 25 a 27 de setembro de 2015, na cidade
de Nova Iorque, Estados Unidos da América, onde foram traçados 17 (dezessete) objetivos e
169 (cento e sessenta e nove) metas por 193 (cento e noventa e três) Estados- membros.
[2] Lei 6.815 de 19 de agosto de 1980 que foi revogada pela Lei 13.445/17.
[3] Art. 7o O visto será concedido por embaixadas, consulados-gerais, consulados, vice-
consulados e, quando habilitados pelo órgão competente do Poder Executivo, por escritórios
comerciais e de representação do Brasil no exterior. Parágrafo único. Excepcionalmente, os
vistos diplomáticos, oficial e de cortesia poderão ser concedidos no Brasil. (BRASIL, 2017a,
não paginado).
[4] Área de conhecimento multidisciplinar que busca traçar componentes da realidade do
espaço geográfico de uma localidade circunscrita que serve para determinar as estratégias
de ação do poder político decisório.
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80
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81
ELETRIFICAÇÃO RURAL DESCENTRALIZADA EM CORRENTINA/BA
DECENTRALIZED RURAL ELECTRIFICATION IN CORRENTINA/BA
Tales Guimarães Ferreira9
Resumo: Hoje em dia, muitas comunidades rurais vivem sem acesso a energia elétrica, pois
as redes de distribuição de energia elétrica não chegam até suas propriedades, geralmente
pelo alto preço de expansão dessas redes, o que leva a população do meio rural a buscar
alternativas muitas vezes caras e de baixa qualidade para suprir suas necessidades. Nesse
contexto, a Eletrificação Rural Descentralizada (ERD) pode ser uma alternativa para
satisfazer essas necessidades que normalmente exigem potências muito baixas, para as
quais a expansão da rede elétrica não é justificada, devido aos altos custos. Na literatura,
observa-se muitos projetos de ERD orientados a uma tecnologia, geralmente a fotovoltaica.
Porém, esses projetos não levam em conta as particularidades de cada região nem as
diferentes demandas dos usuários. Pensando nisso, o presente artigo propõe uma análise
minuciosa das necessidades de uma propriedade rural, especificamente do sítio Veredão,
localizado no município de Correntina/BA, com o objetivo de sugerir um sistema que
satisfaça as demandas dos habitantes por energia da melhor forma possível, observando
fatores tecnológicos, ambientais, sociais e econômicos. Para isso, são usadas partes da
metodologia de desenvolvimento de produtos, especificamente o Projeto Informacional,
para transformar as necessidades dos clientes do sistema proposto em requisitos de produto
e para analisar o desempenho de alternativas tecnológicas existentes em atender a essas
necessidades.
Palavras-chave: Eletrificação Rural Descentralizada. Processo de Desenvolvimento de
Produtos. Sistema Fotovoltaico. Turbina Hidrocinética.
Abstract: Nowadays, many rural communities live without access to electricity, since
electricity distribution networks do not reach their properties, generally due to the high
price of expansion of these networks, which causes the rural population to seek alternatives
often expensive and low quality to meet your needs. In this context, Decentralized Rural
Electrification (ERD) can be an alternative to satisfy those needs that usually require very low
power, for which the expansion of the electricity grid is not justified due to the high costs. In
the literature, many ERD projects are focused on a technology, usually photovoltaic.
However, these projects do not take into account the particularities of each region or the
different demands of users. With this in mind, this article proposes a detailed analysis of the
needs of a rural property, specifically the Veredão site, located in the municipality of
Correntina / BA, with the aim of suggesting a system that satisfies the inhabitants' demands
9 Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Brasília (2017), com experiência na área de
Engenharia Elétrica, especificamente em Energias Renováveis.
82
for energy in the best possible way, observing technological, environmental, social and
economic factors. To this end, parts of the product development methodology, specifically
the Informational Project, are used to transform the needs of the proposed system
customers into product requirements and to analyze the performance of existing technology
alternatives to meet those needs.
Keywords: Decentralized Rural Electrification, Product Development Process. Photovoltaic
System. Hydrokinetic Turbine.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo foi inspirado na ideia de pensar o fornecimento de energia elétrica de
uma forma diferente da usual. Geralmente, os projetos focam somente em análises de
viabilidade técnica e econômica, porém, é necessário também pensar nos impactos sociais e
ambientais causados pela geração e uso das diversas formas de energia.
Sabe-se que a população rural possui demandas básicas de uso de energia. Além
disso, a difusão da modernidade no meio rural tem gerado novos padrões de consumo.
Porém, muitas comunidades rurais sofrem com a falta de energia, pois as redes de
distribuição não chegam até suas propriedades, geralmente pelo alto preço de expansão das
mesmas. Essa situação leva a população do meio rural a buscar alternativas muitas vezes
caras e de baixa qualidade para suprir suas demandas, contribuindo para o enfraquecimento
da base socioeconômica das famílias rurais (DE GOUVELLO; MAIGNE, 2003 e PEREIRA, 2011).
Nesse contexto, a eletrificação rural descentralizada (ERD) tem potencial para
resolver esse problema de falta de energia oferecendo um retorno tecnológico flexível para
se ajustar a necessidades de potências baixas. (SCHWADE; ZDANOWICZ, 2013 e SEIFER;
TRIGOSO, 2012).
A maioria dos projetos de eletrificação rural focam em apenas uma tecnologia
(geralmente a fotovoltaica), mas, uma combinação das tecnologias disponíveis é, em nível
técnico, a solução que mais satisfatoriamente atenderá o maior número de clientes (DE
GOUVELLO; MAIGNE, 2003). Por isso, é necessário pensar na ERD sem focar na fonte
energética, mas no serviço por ela prestado (SEIFER; TRIGOSO, 2012).
Além disso, o ser humano deve apostar em uma variedade de tecnologias
alternativas de geração de energia para realizar a transição da atual matriz energética
baseada em combustíveis fósseis para uma matriz baseada em energias limpas com o
objetivo de enfrentar a constante ameaça do aquecimento global (LAWS; EPPS, 2016).
Pesquisadores afirmam que promover a implementação de novas tecnologias em
comunidades tradicionais e a apropriação dos sistemas de geração de energia elétrica por
estas comunidades exige conhecimento prévio sobre as mesmas (FEDRIZZI, ZILLES, 2003;
HAHN, CONDORI, SCHMIDT, 1998 e RIBEIRO et al., 2013). Portanto, com o objetivo de
conhecer melhor as necessidades da população rural, foi realizado um estudo exploratório
em regiões rurais nos estados da Bahia (Correntina), Goiás (Alto Paraíso de Goiás e Colinas
83
do Sul) e Distrito Federal (Rota do Cavalo). Diversas propriedades rurais foram visitadas e,
através de entrevistas, buscou-se vivenciar um pouco da vida no campo e conhecer seus
habitantes, entendendo melhor suas demandas. Após o estudo, o sítio Veredão, localizado
no município de Correntina, na Bahia, foi escolhido como foco desse trabalho
principalmente por ser o local com maior dificuldade de acesso à energia elétrica dentre os
visitados e, também, por já ter uma ligação com a Universidade de Brasília.
2 HISTÓRICO E CARACTERIZAÇÃO DO SÍTIO VEREDÃO (CORRENTINA/BA)
O sítio Veredão é o local de residência de Leia Van Den Beusch, funcionária
aposentada do Hospital Universitário de Brasília (HUB). O local possui uma conexão de longa
data com a Universidade de Brasília (UnB). Tudo começou no início da década de 1990,
quando o marido de Leia, Edgard Van Den Beusch, ex-professor de medicina da UnB e do
Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e ex-funcionário do HUB, propôs a pesquisadores
da Faculdade de Tecnologia da UnB a construção de uma turbina que aproveitasse a energia
mecânica do Rio das Éguas, afluente do Rio Corrente e que passa em frente à casa de Leia,
para gerar eletricidade para o posto de saúde construído por ele mesmo, por meio do qual
Edgard prestava atendimento médico à comunidade (TURBINA, 2007 e TURBINA, 2004).
Com apoio da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC),
a partir de 1991, os pesquisadores do Departamento de Engenharia Mecânica da UnB
começaram a experimentar turbinas hidrocinéticas que pudessem obter energia elétrica
através do rio que passava ao lado do local onde fora construído o posto de saúde. O
primeiro protótipo gerava 12 V em corrente contínua, alimentando somente algumas
lâmpadas. Já o segundo protótipo, conseguia gerar 220 V em corrente alternada, suprindo
uma boa parte da demanda do posto de saúde. Finalmente em 1995 foi construída uma
turbina que chegou a funcionar durante cerca de quinze anos (ELS, et al., 2003; ELS; BRASIL
JUNIOR, 2015; ELS; CAMPOS; SALOMON, 2005; TURBINA, 2007 e TURBINA, 2004). Além
disso, outras formas de geração de energia elétrica já foram instaladas no sítio Veredão
antes e depois da turbina hidrocinética, como painéis fotovoltaicos e gerador a diesel com
gaseificador de biomassa.
Atualmente o posto de saúde encontra-se desativado e a casa de Leia está sem
energia elétrica. O acesso à água se dá através de uma bomba d’água movida a gasolina e o
preparo de alimentos é feito com fogão convencional a gás, que gastam, em média, um litro
de gasolina por mês e quatro botijões de gás por ano, respectivamente. A Sra. Van Den
Beusch mora sozinha no sítio e recebe visitas esporádicas dos familiares que vêm para
passar feriados e temporadas.
Baseado em estudos realizados, as tecnologias com maior potencial de geração de
energia limpa no local do sítio são: energia solar e hidrocinética. (CEPEL, ELETROBRÁS, 2000;
COELBA, 2001; e FELIZOLA, MAROCCOLO e FONSECA, 2007).
2.1 METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS
84
Nesse trabalho, para realizar o dimensionamento de um sistema de geração
específico para o sítio Veredão, serão utilizadas ferramentas da metodologia de
desenvolvimento de produtos proposta por Rozenfeld, et al. (2006). Especificamente,
ferramentas do Projeto Informacional.
Baseado no que foi apresentado nesta introdução, este artigo tem como objetivo
dimensionar um sistema de geração para eletrificação rural descentralizada que atenda às
principais necessidades energéticas do sítio Veredão (localizado no município de Correntina,
Bahia) observando fatores tecnológicos, ambientais, sociais e econômicos. Visando
proporcionar soluções energéticas específicas para cada um dos seus usos finais, evitando a
fixação em soluções comuns.
3 CICLO DE VIDA DO SISTEMA E CLIENTES
Baseado nas etapas genéricas do Processo de Desenvolvimento de Produtos
mostradas por Rozenfeld et al. (2006, p. 217), pode-se definir o ciclo de vida de um sistema
de Eletrificação Rural Descentralizada a partir das seguintes etapas: Projeto; Montagem e
instalação; Operação; Manutenção e Descarte.
3.2 Identificação das necessidades dos clientes
Neste artigo obteve-se dados tanto de fontes primárias quanto de fontes
secundárias. Os dados de fontes primárias foram resultados de observações de campo e
entrevistas realizadas com populações rurais em visitas às regiões de Correntina/BA, Alto
Paraíso de Goiás, Colinas do Sul/GO e Rota do Cavalo/DF. Já os dados de fontes secundárias
foram obtidos através de uma revisão bibliográfica de trabalhos publicados sobre o tema de
eletrificação rural.
3.2.1 Levantamento de dados secundários
Foi feita uma busca na bibliografia de autores que relataram experiências de
instalações de sistemas de geração de energia elétrica em comunidades isoladas com o
objetivo de identificar lições aprendidas já relatadas (FEDRIZZI, ZILLES, 2013; FEDRIZZI,
SAUER, 2003; BARBOSA, et al., 2003; e NASCIMENTO, et al., 2003). A Tabela 1 abaixo, mostra
as necessidades dos clientes extraídas dos dados secundários levantados.
85
Tabela 1: Dados secundários transformados em necessidades dos clientes. (Fonte: o próprio
autor)
3.2.2 Entrevistas e observações de campo
Foram feitas entrevistas presenciais qualitativas com o objetivo de levantar as
necessidades dos clientes e entender o modo de vida da população rural. Em seguida, as
necessidades levantadas foram transformadas em requisitos de clientes.
As entrevistas e observações de campo (fontes de dados primários) mostraram que,
no sítio Veredão, os principais usos de energia dizem respeito a: bombeamento de água para
consumo, iluminação, comunicação, transporte e preparo de alimentos. Além disso, as
conversas também demonstraram o desejo da moradora do sítio por maior fornecimento de
energia para poder ligar mais eletrodomésticos (geladeira, liquidificador e ferro de passar
roupa foram destacados como os mais importantes), além do desejo de ter um sistema de
irrigação e uma chocadeira de ovos de galinha.
As entrevistas realizadas nas outras comunidades rurais, que já são eletrificadas,
permitiu perceber desejos que podem vir a se tornar necessidades futuras após o acesso
dela à energia elétrica de melhor qualidade. Essas necessidades estão relacionadas ao
acesso a outros meios de comunicação (telefone, TV a cabo e internet) e a mais opções de
eletrodomésticos (máquina de lavar, freezer, ventilador, chuveiro elétrico e aparelho de
som).
Com base nas falas da moradora do sítio Veredão sobre os tipos de
eletroeletrônicos que a mesma gostaria de usufruir e na observação dos eletrodomésticos
presentes nas casas de comunidades já eletrificadas, é possível fazer uma ligação com o tipo
de serviço de energia relacionados a esses equipamentos. A conexão é demonstrada na
Tabela 2 abaixo, em que são exibidos os equipamentos e os respectivos serviços de energia
relacionados a estes.
86
Tabela 2: Transformação do desejo de equipamento em serviço de energia. (Fonte: o próprio
autor).
3.2.3 Necessidades e requisitos dos clientes
Baseado nos dados secundários, é possível identificar as necessidades mais genéricas dos
clientes de cada fase do ciclo de vida, descritas na linguagem dos próprios clientes. A partir
disso, é possível transformar as necessidades de clientes em requisitos, conforme mostrado
na Tabela 3.
87
Tabela 3: Necessidades dos clientes de cada fase do ciclo de vida do sistema (Fonte: o
próprio autor).
A Tabela 3 mostra as fases do ciclo de vida do sistema, os clientes de cada fase, as
necessidades de cada cliente e os requisitos dos clientes. O requisito “Gerar vento” se refere
à função desempenhada pelo ventilador, enquanto o requisito “Esquentar água” diz respeito
à água para banho, já o requisito “Triturar alimentos” refere-se ao que geralmente é feito
pelo liquidificador.
3.3 SUBSISTEMAS
88
É possível perceber que os requisitos de 14 a 25 (mostrados na Tabela 3) poderão
ser supridos por um ou mais subsistemas de energia. A Tabela 4 mostra quais tecnologias
apresentam melhor desempenho para atender cada subsistema, em que “CC” significa
eletricidade em corrente contínua e “CA” eletricidade em corrente alternada.
Tabela 4: Subsistemas e alternativas tecnológicas (Fonte: o próprio autor).
Figura 1: Turbina Hidrocinética em funcionamento (Fonte: PANORAMIO, 2016).
89
Figura 2: Painel fotovoltaico em telhado (Fonte: CRESESB, 2016).
4 ESCOLHA DAS TECNOLOGIAS A SEREM USADAS
O sistema de irrigação por gravidade demonstrou ser o mais adequado para atender
o requisito de “Controlar irrigação”, graças ao seu baixíssimo custo e eficiência.
Os subsistemas “Lavar roupa”, “Gerar vento”, “Conservar alimentos”, “Triturar
alimentos”, “Passar roupa” e “Esquentar água” serão escolhidos para serem supridos por
energia elétrica em CA, pois as altas potências requeridas por equipamentos que
desempenham essas funções poderiam encarecer demais um sistema em corrente contínua
(CC) além de que equipamentos desse tipo alimentados por CC são difíceis de achar ou não
existem no mercado brasileiro. A tecnologia mais sustentável e disponível localmente para
fornecer eletricidade em CA é a turbina hidrocinética. A turbina de 1,8 kW instalada por
último na propriedade pode ser reaproveitada para suprir essas cargas elétricas.
A melhor opção para fornecer energia em CC, de modo a minimizar os impactos
ambientais e suprir os requisitos “Entretenimento/comunicação” e “Iluminação”, é utilizar
módulos fotovoltaicos para ligar um som, um sistema de internet e lâmpadas de LED em
corrente contínua, sem necessidade de inversor.
Os subsistemas de bombeamento de água e de preparo de alimentos já possuem
soluções aplicadas no sítio, por isso não é necessário fazer escolhas para esses requisitos,
mas a utilização de forno solar pode trazer economias e menores impactos ao meio
ambiente e, no futuro, quando mudanças ou reposições forem executadas, pode ser
interessante analisar novamente a possibilidade do bombeamento solar ou roda d’água.
Pelos mesmos motivos, também podem ser analisadas a possibilidade de usar o sistema de
aquecimento solar térmico convencional ou de baixo custo para suprir a demanda de
esquentar a água do chuveiro.
Além disso, conforme mostrado na Tabela 3, é preciso capacitar os usuários e
operadores do sistema. Moradores da comunidade interessados em aprender sobre o
90
funcionamento do sistema podem ser convidados a participar de capacitações no sítio
Veredão para que possam ser capazes de realizar serviços de manutenção no sistema
instalado no sítio. Essas pessoas podem até mesmo se tornar agentes para a disseminação
das tecnologias na região.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fornecimento de energia elétrica a comunidades isoladas possui desafios
tecnológicos, de infraestrutura (estradas) e geográficos (baixa densidade populacional). Esse
trabalho provou que é possível projetar soluções que atendam às demandas energéticas
dessas comunidades sem a necessidade de recorrer a receitas prontas. Ao invés disso, é
dever dos projetistas procurar ouvir os usuários finais e buscar maneiras personalizadas de
enfrentar os desafios do acesso universal à energia.
Finalmente, o objetivo deste trabalho foi atingido no que se refere ao
desenvolvimento de uma solução específica de atendimento de demanda de energia para o
sítio Veredão, pensando cada tecnologia de geração de energia de forma a atender o seu
uso final e sem se prender a soluções comuns. O sistema projetado utiliza fontes de energia
renováveis disponíveis localmente, promovendo o desenvolvimento local e suprindo a
demanda de energia completamente.
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Roteiro: Càssia Van Den Beusch. Imagens: Gilson J. Silva, Ivo Agerkop e Raquel Barreto.
Edição Final: Gil Acauã. Trilha Musical: Naldo Maranhão, Edson Catendé e Zé Miguel.
Coordenação: Rudi Henri Van Els, Clóvis Oliveira e Lúcio Benedito. Consultoria: Lúcia Tereza
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93
ARTIGOS
LINHAS EDITORIAIS
94
CONVERGÊNCIA INTERNACIONAL DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA: DESAFIOS
AOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
INTERNATIONAL CONVERGENCE IN THE COMPETITION LAW: CHALLENGES TO
DEVELOPING COUNTRIES
Bruno Braz de Castro10
Resumo: O presente artigo avalia os desafios colocados aos países em desenvolvimento no
âmbito das iniciativas de convergência internacional do direito da concorrência. Após
delinear as questões econômicas que impelem as iniciativas de convergência, o trabalho
apresenta os mecanismos institucionais de sua promoção, observando a proeminência de
instâncias informais e de “soft law”. Neste ponto, o desafio é garantir a legitimidade jurídica
e política da incorporação das recomendações produzidas em instâncias informais. Em
seguida, o artigo apresenta os mecanismos substanciais de convergência, destacando o
papel da análise econômica, apresentada como linguagem universal apta a atuar como
“motor” da convergência. O desafio, quanto a isso, é identificar inconsistências entre as
premissas ideológicas das teorias econômicas, as escolhas políticas já consagradas no
ordenamento jurídico e as peculiaridades da realidade econômica de cada país em
desenvolvimento.
Palavras-chave: Direito da Concorrência; Convergência; Países em Desenvolvimento.
Abstract: This paper assesses the challenges to developing countries regarding the initiatives
on the international convergence of competition law. After tracing the economic issues
motivating convergence initiatives, the paper presents the institutional vehicles of its
promotion, in which informal and “soft law” institutions prevail. The challenge to developing
countries, in this matter, is to assure the legal and political legitimacy of incorporating the
recommendations issued by these informal organizations. Next, the article presents the
substantial mecanisms of convergence, highlighting the role of economic analysis, presented
as a universal language able to drive the convergence. The challenge, on this issue, is to be
aware of inconsistencies between the ideological premises of economic theories, the
political choices established on the legal order and the economic reality of each developing
country.
Keywords: Competition Law; Convergence; Developing Countries.
1 INTRODUÇÃO
10
Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Prêmio IBRAC/ESSO (edição de 2008) de monografias em Direito da Concorrência (2º Lugar - Categoria Graduação). Prêmio Literário CIEE/CADE (edição de 2009 - tema "Sham Litigation"- 1º Lugar).
95
A internacionalização das práticas econômicas tem motivado iniciativas de
promoção da convergência[1] entre as legislações concorrenciais[2] ao redor do mundo. Se a
dissuasão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento inviabilizou a convergência por
vias formais e compulsórias, redes tecnocráticas, o “soft law” e instituições informais têm
florescido. Nesse caso, cabe aos países em desenvolvimento garantir a legitimidade
democrática da adesão a recomendações oriundas das instituições em questão, verificando
também a especificidade política de modelos econômicos aparentemente neutros. O
presente artigo analisa essa questão.
A efetivação de políticas públicas de defesa da concorrência é algo bastante
disseminado entre os países em desenvolvimento, que já constituem três quartos do grupo
dos mais de cem países possuidores de algum tipo de legislação com esse caráter (HAZEL,
2015, p. 276). O contexto de introdução de políticas concorrrenciais é variado, mas,
geralmente, relaciona-se ao processo de liberalização econômica por que passaram os países
em desenvolvimento no final do século XX como, no caso dos países latinoamericanos, as
reformas estruturais adotadas sob a égide do Consenso de Washington (PEÑA, 2006)[3].
Não obstante a efetivação desse tipo de política pública tenha ocorrido em sintonia
com estímulos internacionais, observa-se variação em seu conteúdo entre as jurisdições.
Destacam-se as diferentes abordagens quanto à finalidade do direito concorrencial ou, em
outras palavras, ao objetivo que uma determinada sociedade pretende alcançar com a
regulação da atividade competitiva empresarial, determinando a licitude ou ilicitude de
condutas[4].
Entre os países e comunidades de países desenvolvidos, dois pólos, os Estados
Unidos da América e a União Europeia, destacam-se como visões distintas sobre a finalidade
do antitruste contemporâneo (GAL, 2004). De um lado do Atlântico, o modelo
estadunidense, por decisiva influência da Escola de Chicago (a partir da década de 1970),
orienta-se à maximização do bem-estar do consumidor (eficiência econômica alocativa)
(FARRELL; KATZ, 2006). Do outro, o sistema europeu orienta-se primordialmente à proteção
do processo competitivo e da preservação da rivalidade nos mercados (DREXL, 2015). A
repercussão dessas diferenças é marcante na análise de condutas empresariais: se se define
que o bem-estar do consumidor, em sentido próprio ou impróprio, é a finalidade do
antitruste, um parâmetro de ilegalidade baseado no prejuízo aos consumidores (elevação de
preços) parece razoável. Se, por outro, entende-se que a finalidade do antitruste é a
proteção da rivalidade para preservação da estrutura da concorrência, pode haver violações
à lei mesmo quando não há dano direto ao consumidor.
As legislações dos países em desenvolvimento, por sua vez, exibem um rol
diversificado de finalidades para o direito concorrencial, incluindo preocupações com a
proteção de pequenas empresas, desenvolvimento econômico, interesse público, redução
de desigualdades, dentre outras [5]. Observa-se, em outras palavras, uma pluralidade de
finalidades não baseadas no conceito de eficiência econômica, sendo que, em muitos desses
países – especialmente aqueles sob influência do sistema europeu – identifica-se também
96
um foco na preservação da rivalidade e proteção do processo competitivo (OSTI, 2015, p.
257). Identifica-se, de modo geral, uma preocupação maior com a redução de desigualdades,
promoção do desenvolvimento econômico e da eficiência em longo prazo, em vez de um
foco estrito na eficiência estática de curto prazo [6] (BAKHOUM, 2011; FOX, 2007; SINGH,
2004).
O avanço da globalização, contudo, tem sido o motor para as iniciativas no sentido
da convergência das políticas de defesa da concorrência ao redor do mundo. Tal
convergência comparece como preocupação premente na medida em que a ascensão de
mercados globais acarretou o surgimento de “monopolistas sem fronteiras” (a expressão é
de SOKOL, 2007, p. 52), cujas práticas acarretam efeitos através de diversas jurisdições, com
importantes impactos também para os países em desenvolvimento. Destacam-se, em
especial: os cartéis “puros” (ou “hard core”) internacionais [7]; fusões e aquisições
internacionais[8]; e práticas exclusionárias[9].
A emergência de tais práticas internacionais levanta preocupações relacionadas à
existência – e ao conteúdo – de políticas de defesa da concorrência ao redor do mundo.
Uma estratégia comum para controle das práticas econômicas internacionais, por
alguns países, é a aplicação extraterritorial da lei de defesa da concorrência, com recurso à
“teoria dos efeitos”, segundo a qual uma prática será punida independentemente de sua
localização geográfica, desde que gere efeitos anticompetitivos na jurisdição em questão. A
aplicação extraterritorial da lei, contudo, acarreta a possibilidade de que uma prática
encontre-se sujeita a diversas jurisdições, simultaneamente, elevando riscos de resultados
contraditórios e elevando os custos de transação das práticas em questão (BUDZINSKI, 2008,
p. 40) [10].
A aplicação extraterritorial da lei enfrenta, também, obstáculos relacionados à
obtenção de evidências e implementação das decisões obtidas, já que as práticas não se
encontram localizadas no território do órgão que proferiu a decisão. Por essa razão, países
com mercados domésticos mais importantes – e que possuam, por exemplo, mais ativos das
empresas envolvidas na prática anticompetitiva em seu território, ou despertem mais
interesse no acesso a seus mercados e, portanto, no compliance – acabam por ter mais
sucesso nessa empreitada: daí deriva uma espécie de “duopólio” entre Estados Unidos e
União Europeia na aplicação da legislação antitruste em mercados globais, com participação
apenas marginal de algumas jurisdições emergentes, revelando uma assimetria de poder na
aplicação extraterritorial da lei [11], que tende a prejudicar os países em desenvolvimento.
Dessa disparidade, resulta o risco de a aplicação extraterritorial da legislação
antitruste ser parcial, por considerar apenas os efeitos econômicos no mercado doméstico
da jurisdição em questão, e não seu impacto global: é possível que determinada fusão seja
positiva, sob o ponto de vista global, mas gere prejuízos locais, ou vice-versa. (BUDZINSKI,
2008, p. 38).
Nesse contexto, também se discutem as oportunidades de aplicação estratégica da
legislação concorrencial, através de imunidades à legislação antitruste (como a fornecida a
cartéis de exportação em alguns países), aplicação seletiva da lei em prol de determinados
97
grupos de empresas, ou quaisquer outras estratégias de elevação do bem-estar econômico
nacional em detrimento do bem-estar econômico internacional (FOX, 2000, p. 1.795).
Essas questões motivam as iniciativas de convergência no antitruste. Nesse ponto,
observa-se que instrumentos tradicionais – como no âmbito de organizações internacionais
e tratados regionais ou bilaterais – obtiveram sucesso muito limitado, ao passo que a
liderança nesse processo é detida por instituições informais e pela soft law.
2 MECANISMOS INSTITUCIONAIS DE CONVERGÊNCIA
Embora tentativas de implementação de uma política internacional vinculante de
defesa da concorrência não sejam um fenômeno recente [12], não se pode dizer que
tenham sido bem-sucedidas. O Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), de 1947, não
possuía disposições relativas à defesa da concorrência, e tentativas de acordo internacional
sobre o tema, nos anos subsequentes, não foram bem-sucedidas (UTTON, 2006, p. 107). No
âmbito da OMC, temas como o tratamento a cartéis, fusões e abuso de posição dominante,
de modo geral, permaneceram externos aos acordos firmados na Rodada do Uruguai, com
exceção de disposições específicas em tratados setoriais como o GATS e o TRIPS (UTTON,
2006, p. 111).
Em 1996, por iniciativa da União Europeia, a Conferência Ministerial de Cingapura
da OMC decidiu incluir, no âmbito das iniciativas denominadas “questões de Cingapura”, a
instituição de um Grupo de Trabalho para análise da interação entre concorrência e
comércio internacional. Os trabalhos do Grupo foram marcados por severas discordâncias, o
que tornou impossível uma abordagem universalista que impusesse regras idênticas a todos
países signatários, ou previsse a criação de uma autoridade antitruste global e, mesmo com
a redução de seu escopo, levou ao abandono da iniciativa [13] (WOOLCOCK, 2003, p. 253).
Um elemento de destaque sobre essa iniciativa de inclusão da pauta antitruste na
OMC – que contou com a liderança da Comunidade Europeia, e já sofria, desde o princípio,
oposição dos Estados Unidos da América (BUDZINSKI, 2008, p. 138) – é que ela foi objeto de
rejeição, também, por muitos países em desenvolvimento [14]. A oposição dos países em
desenvolvimento baseou-se na preocupação com os custos administrativos e políticos de sua
implementação (WOOLCOCK, 2003, p. 253), temor por sanções pela OMC em caso de falhas
na efetivação da lei (DREXL, 2004, p. 436) e, de modo mais marcante, preocupação com
restrições ao escopo de políticas industriais disponíveis para a promoção da competitividade
internacional de suas empresas domésticas [15] (BUDZINSKI, 2008, p. 137; DREXL, 2004, p.
436).
Após o relativo insucesso dessa empreitada, não se identificaram iniciativas
relevantes de inclusão de regras concorrenciais vinculantes pela OMC (MARQUIS, 2015, p.
170)[16].
Diante da dificuldade em estabelecimento de regras internacionais vinculantes para
o direito da concorrência, a convergência tem sido, de modo mais importante, processada
por iniciativas de soft law (ou “quase-direito”): regras não-vinculantes, como
98
recomendações, guias e padrões, no âmbito de instituições (formais e informais) como a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização das
Nações Unidas (ONU) e a International Competition Network (ICN)[17].
As iniciativas no âmbito da OCDE ocupam-se da produção de Recomendações e
outros documentos voltados à delimitação de melhores práticas e padrões de atuação
pública em temas relacionados à defesa da concorrência . Embora critique-se a menor
expressividade da influência dos países desenvolvidos na composição da OCDE[18], os
documentos produzidos no âmbito do órgão constituem diretrizes bastante utilizadas na
análise de questões concorrenciais e, embora não-vinculantes, possuem influência
considerável em áreas procedimentais como a conformação de sistemas de cooperação
bilateral em matéria concorrencial. Nas questões substanciais (conteúdo da legislação),
contudo, observa-se que a implementação das recomendações da entidade pelos países-
membros é bastante limitada (SOKOL, 2007, p. 48; UTTON, 2006, p. 109).
Outro fórum importante é a UNCTAD, que, já em 1980, publicou o Conjunto de
Princípios e Regras Multilateralmente Consentidos para o Controle de Práticas Empresariais
Restritivas (“Conjunto”) e, no mesmo ano, publicou uma Lei-Modelo de Concorrência.
A atuação da UNCTAD, em diversas ocasiões, foi pautada pela participação dos
países em desenvolvimento (MITSCHKE, 2008, p. 41; SINGH, 2004). É notável, nesse sentido,
o posicionamento apresentado pela coalizão de países em desenvolvimento chamada
“Grupo dos 77”[19] por ocasião das negociações para formulação do Conjunto e da Lei-
Modelo acima mencionados, pleiteando uma política concorrencial internacional pautada
por maior deferência a suas preocupações desenvolvimentistas[20]. Na conclusão dessas
negociações, o Conjunto e a Lei-Modelo não representaram a visão do Grupo dos 77, e Sokol
(2007) analisa que o consenso foi obtido graças à adoção de disposições não vinculantes e
vagas que, em razão da pressão dos EUA, não articularam uma visão sobre o antitruste
internacional, focando na política doméstica (SOKOL, 2007, p. 48). O Conjunto e a Lei-
Modelo tiveram influência muito limitada no desenvolvimento do antitruste (BUDZINSKI,
2008, p. 142; UTTON, 2006, p. 108).
Assumiu a dianteira, nesse processo, a Rede Internacional de Concorrência
(International Competition Network – ICN). A ICN representa a concretização da visão dos
Estados Unidos da América para antitruste internacional. Havendo sido tradicionalmente
refratários à perda de soberania em questões concorrenciais, os EUA decidiram focar sua
atuação medidas de convergência por meio de soft law e da assistência técnica[21].
A ICN é uma rede “virtual”, por não possuir um corpo permanente e não ser
baseada em um tratado internacional, e promove a cooperação voluntária entre seus
membros (mais de cem autoridades de defesa da concorrência), com participação também
de representantes dos órgãos internacionais e consultores não-governamentais do setor
privado (FOX, 2009, p. 160) para, dentre outros objetivos, expedir guias e recomendações
consensuais de melhores práticas. A adesão aos guias e recomendações é voluntária, mas o
fato de constituírem um padrão de excelência – a partir do qual a eficiência da autoridade
99
concorrencial pode ser aferida – traduz-se em um importante estímulo para sua
incorporação (BUDZINSKI, 2008, p. 144).
O caráter informal e voluntário da ICN é uma das razões de seu sucesso, de modo
que o órgão vem se alçando como o fórum dominante para iniciativas de convergência no
direito concorrencial (MARQUIS, 2015, p. 160). Em especial, o sucesso na criação de uma
cultura comum de concorrência (BUDZINSKI, 2012, p. 15) é considerado fundamental a
qualquer tentativa futura de convergência através de estruturas internacionais vinculantes
[22].
A existência de instâncias informais de produção de soft law no direito
internacional, em paralelo a instituições formais – i.e., organizações formadas através de
contratos entre Estados – vem-se intensificando nos últimos anos (WESSEL, 2014, p. 6),
como estratégia para solução do travamento das negociações, em diversas matérias,
observado no âmbito de organizações internacionais (HALE; HELD, 2012, p. 170). Instituições
como a ICN configuram uma instância informal transgovernamental: embora franqueada a
participação do setor privado, os Estados permanecem no centro das atividades; a
cooperação, contudo, ocorre entre reguladores nacionais (técnicos), em vez de diplomatas
(HALE; HELD, 2012, p. 171).
Essa mudança de eixo – dos representantes políticos para os técnicos – causa
algumas perplexidades ao entendimento tradicional sobre a legitimidade política de
iniciativas internacionais. Embora, por princípio, as recomendações obtidas no âmbito de
órgãos como a ICN não sejam vinculantes, é possível conceber que tenham influência na
atuação dos reguladores nacionais, em instâncias como a interpretação da lei posta ou a
seleção das prioridades de aplicação da lei diante de orçamentos limitados (foco em
determinado tipo de conduta, por exemplo). Se isso é verdade – o material produzido no
âmbito da ICN tem influência efetiva na aplicação do direito concorrencial nos países
membros – surgem preocupações sobre a legitimidade política de um conteúdo normativo
produzido por técnicos, ao invés de representantes políticos formais[23].
Slaughter (2004a) relata também que redes informais de cooperação são criticadas
pelo fato de que, em face da desigualdade global, esses arranjos tecnocráticos privilegiam as
nações de que se origina o saber técnico[24]. Quanto a esse ponto, Djelic e Kleiner (2006)
observam que, a despeito do caráter horizontal da estrutura da ICN, os processos
deliberativos refletem disparidades de poder, recursos e tradição antitruste entre os países
participantes, com primazia da visão antitruste dos EUA: “a posição proeminente dos
autoridades antitruste e firmas de advocacia dos EUA na ICN sugere que é improvável que o
‘Evangelho’ da concorrência de lá divirja demais do dogma antitruste dos EUA” (DJELIC;
KLEINER, 2006, p. 305) [25].
É certo que essa preocupação é válida quando se trata do direito da concorrência,
haja vista a profunda carga ideológica que subjaz questões aparentemente técnicas, nessa
área [26]. Tais diferenças ideológicas são, inclusive, uma das razões do fracasso de muitas
iniciativas no âmbito de outros órgãos, o que também explica a própria criação da ICN como
rede informal.
100
Esse tipo de questão não é, contudo, apto a, por si só, descreditar iniciativas no
âmbito da ICN, especialmente em vista do caráter não vinculante das recomendações. É
importante, contudo, cautela, por parte das autoridades antitruste, na ocasião de incorporar
recomendações a sua política de aplicação e interpretação da legislação doméstica: arranjos
tecnocráticos necessitam respeitar as escolhas políticas já consagradas no ordenamento
jurídico pátrio [27].
3 MECANISMOS SUBSTANCIAIS DE CONVERGÊNCIA
No tocante aos mecanismos substanciais de convergência, será útil o conceito de
isomorfismo referido por Poli (2015, p. 69-72): o processo por meio do qual uma instituição
tende a emular estruturas, rotinas e valores de outra instituição semelhante, o que pode
acontecer em três contextos, não excludentes: coercitivo, traduzido em pressões formais ou
informais de conformação a determinados padrões[28]; mimético, quando uma instituição
emula práticas bem-sucedidas em instituições estrangeiras, em cenários de incerteza [29]; e
normativo, implementado por meio da profissionalização dos tomadores de decisão, em
instituições universitárias ou redes profissionais[30], com vistas à criação de uma formação
comum, homogeneizando as visões sobre problemas e suas respectivas soluções (POLI,
2015, p. 70).
Entre esses três mecanismos de promoção do isomorfismo no direito concorrencial,
Poli (2015, p. 157) destaca que as dimensões mimética e normativa têm maior
proeminência, com a participação de instituições como a ICN e a OCDE [31]. De fato, como
visto, boa parte das iniciativas contemporâneas em prol da convergência da política
internacional de defesa da concorrência vêm-se processando, como visto, através de
mecanismos de construção de uma “cultura comum” (ou “alinhamento cognitivo”, nos
termos de GERBER, 2014, p. 04) entre reguladores domésticos ao redor do mundo.
A meta, em longo prazo, para essas instituições, não é somente harmonizar
aspectos procedimentais do antitruste entre os países envolvidos, mas obter uma
harmonização dos padrões substanciais de análise (seu conteúdo). Espera-se que a soft law,
nesse caso, torne-se hard law no futuro[32].
Construir um consenso em torno desses padrões de análise, contudo, implica em
harmonização normativa do entendimento sobre a finalidade do direito concorrencial. Para
esse objetivo, as iniciativas acima analisadas evidenciam uma disputa entre Estados Unidos e
União Europeia para a liderança na convergência da política de defesa da concorrência ao
redor do mundo [33].
Entre os países em desenvolvimento, verificar a adesão ao paradigma europeu ou
estadunidense depende do nível de análise. Gal e Padilla (2010), analisando o que chamam
de “fenômeno do seguidor” – segundo o qual a defesa da concorrência, em um país, é
modelada com base em um ordenamento jurídico estrangeiro – identificam dois níveis de
comportamento de seguidor: o primeiro nível é o transplante legislativo, segundo o qual a
101
legislação positiva e o desenho institucional de um país são “transplantados” para o
ordenamento jurídico do país de destino, que ocorre no momento da formulação da lei; o
segundo é o transplante de interpretações da lei, que ocorre permanentemente (GAL;
PADILLA, 2010, p. 900). Nesse segundo tipo de transplante é que se insere a importação de
teorias – acadêmicas e jurisprudenciais – estrangeiras acerca do conteúdo e finalidades da
legislação concorrencial, bem como entendimentos sobre as prioridades da política de
aplicação da lei (enforcement).
No nível legislativo e do desenho institucional, é geralmente reconhecida a
influência preponderante do modelo europeu na conformação dos sistemas de defesa da
concorrência em vários países em desenvolvimento: o foco europeu em maior abertura dos
mercados e preservação da rivalidade pareceu mais atraente a países em desenvolvimento,
na formulação de suas próprias leis, do que um foco estrito em eficiência estática agregada
(MARQUIS, 2015, p. 202; PEÑA, 2006, p. 739; POLI, 2015, p. 157)[34].
No nível da interpretação da lei, contudo, o que se observa é que a teoria antitruste
estadunidense – especificamente, a análise econômica do direito antitruste nos moldes da
Escola de Chicago[35] – vem ganhando terreno e assumindo uma posição hegemônica entre
teóricos e aplicadores do direito concorrencial ao redor do mundo (PEÑA, 2006, p. 738).
Gerber (2014) demonstra que boa parte dos esforços de convergência internacional
partem da premissa de que a análise econômica do direito concorrencial poderia fornecer
uma base comum a todas as jurisdições. Esse tipo de argumento costuma ser articulado em
prol de uma postura “universalista” com relação a esses modelos econômicos, que
pressupõe sua aplicabilidade a todo e qualquer configuração socioeconômica ao redor do
mundo, independentemente de diferenças contextuais e institucionais (GERBER, 2008, p. 23;
PRIEST, 2012). Nesse universalismo, o conceito econômico de “bem-estar do consumidor”
seria o motor da harmonização do antitruste global (DREXL, 2015, p. 265)[36].
A convergência em direção à análise econômica do direito é predicada na
“microeconomização” do direito concorrencial (BUCH-HANSEN; WIGGER, 2011, p. 107).
Trata-se, aqui, de promover o foco exclusivo da análise de condutas econômicas nos termos
do modelo neoclássico do bem-estar econômico, com exclusão de quaisquer outras
considerações econômicas e sociais, como questões macroeconômicas, de política industrial,
de eficiência dinâmica, questões distributivas, ambientais ou outras preocupações com a
acumulação de poder econômico privado.
O direito concorrencial constitui, contudo, o ordenamento jurídico da distribuição e
uso do poder econômico privado, afetando interesses – muitas vezes contrapostos – de
diversas categorias, como empresários, consumidores, trabalhadores e a coletividade como
um todo (WIGGER, 2009, p. 253). O tratamento jurídico de tais interesses – definir quais são
legítimos, ou não – é mediada, necessariamente, por uma visão de mundo (ideologia) sobre
a organização ideal dos mercados em determinada ordem econômica e, especialmente,
sobre o papel do Estado nesse processo.
A negação desse caráter “político-jurídico” encerra o risco de excluir, da arena de
deliberação coletiva, questões que – não obstante seu caráter técnico e complexo – tocam
102
em escolhas políticas fundamentais[37]. A promoção de uma convergência da legislação
concorrencial que não leve em consideração a potencial pluralidade de visões políticas sobre
a finalidade do direito da concorrência, entre as diferentes jurisdições ao redor do mundo,
pode resultar na formulação de políticas públicas desconectadas da realidade econômica dos
países em desenvolvimento, ou das escolhas políticas consagradas na ordem jurídica dessas
nações.
Além da questão da realidade econômica, a importação de modelos estrangeiros
incorre no risco, também, de desconsiderar o que Gerber (2008) chama de “inserção
institucional” da Economia. No contexto da defesa da concorrência a Economia não é
aplicada em um “vácuo”, mas inserida em um contexto institucional marcado por um feixe
de regras jurídicas procedimentais e substanciais (GERBER, 2008, p. 24). Dentre tais regras,
incluem-se especialmente aquelas sobre a própria finalidade do direito concorrencial, que
informa a determinação jurídica acerca de quais tipos de efeitos econômicos são
considerados desejáveis ou indesejáveis pelo ordenamento jurídico [38].
Dessa forma, a aplicação de um modelo econômico, em cada jurisdição, é
intermediada por regras procedimentais e substanciais, o que torna a importação de
precedentes algo delicado. Fatores decisivos para um precedente, em certa nação, podem
ser específicos àquele ordenamento jurídico, não decorrendo exatamente do modelo
econômico “puro” em questão. A adoção acrítica de precedentes estrangeiros encerra o
risco de desestimular o aprendizado institucional e a criação de práticas mais adequadas ao
contexto local [39].
Outra questão a se considerar é que, mesmo entre os próprios países
desenvolvidos, ainda não há consenso sobre aspectos importantes da conformação da
política de defesa da concorrência – como suas finalidades e padrões para ilicitude de
práticas exclusionárias, por exemplo – o que coloca em dúvida a possibilidade de
convergência ao redor do mundo (MARQUIS, 2015, p. 159). Ao mesmo tempo, a indefinição
entre os países desenvolvidos oferece uma oportunidade para que os países em
desenvolvimento desenvolvam suas próprias abordagens, ou escolham, dentre as
alternativas teóricas vigentes em outras jurisdições, aquelas que se compatibilizem com sua
realidade jurídica e econômica. Entre isomorfismo e inovação institucional, é desejável é que
o duopólio Estados Unidos – União Europeia no “mercado” de teorias antitruste torne-se
cada vez mais parecido com um oligopólio, à medida que jurisdições emergentes, como o
Brasil, vêm crescendo de importância na aplicação internacional da política de defesa da
concorrência (KOVACIC, 2015, p. 1158).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A convergência entre as legislações de defesa da concorrência ao redor do mundo é
uma medida que interessa, em maior ou menor medida, tanto a países desenvolvidos
quanto aos países em desenvolvimento. Isso não significa que os interesses de ambos os
103
grupos de países sejam coincidentes: as divergências são visíveis no insucesso de vias
formais e de “hard law” para harmonização dessa política pública ao redor do mundo.
As vias informais e de “soft law”, não obstante constituam importante fórum para
inovação e aprendizado mútuo, não são inofensivas: a criação de uma cultura comum entre
técnicos e a expedição de recomendações, mesmo que não coercitivas, pode ter influência
decisiva na interpretação da legislação concorrencial e na seleção das prioridades de
atuação em determinado país. Se a análise econômica tem servido como veículo para a
construção de uma “cultura comum” da concorrência, em bases científicas, é necessário
observar que modelos econômicos não existem num “vácuo”. No direito concorrencial, área
profundamente marcada por questões ideológicas sobre a relação entre Estado e empresa, a
aplicação de modelos econômicos é intermediada por pressupostos e objetivos intimamente
ligados às peculiaridades e escolhas políticas consagradas em cada ordenamento jurídico.
Em ambos os casos, então, fica evidente que a Ciência Econômica não pode
substituir o Direito (ou prescindir dele): a uniformização de procedimentos de análise de
práticas empresariais, com recurso à teoria econômica, não ocorrerá em atropelo à visão
política que cada comunidade estabelece com relação a sua atividade econômica.
NOTAS DE FIM
[1] Por convergência, entende-se a redução ou eliminação de diferenças entre legislações
concorrenciais, o que, conforme Cheng (2012, p. 440) pode ocorrer nos níveis procedimental
(regras relacionadas às rotinas de análise), substantivo (critérios de aferição de
legalidade/ilegalidade de práticas) e normativo (normas culturais e entendimento social
quanto à concorrência, abrangendo o entendimento sobre a finalidade dessa política
econômica, percepção de justo e injusto, etc.).
[2] A legislação concorrencial (ou “antitruste”) disciplina a atividade empresal e define o uso
e abuso de poder econômico. Pode ser implementada de modo preventivo, no controle de
fusões e aquisições, e repressivo, no controle de práticas que vulnerem a livre concorrência,
a exemplo de práticas que desestimulam a rivalidade (como cartéis) ou práticas que
irrazoavelmente a dificultem ou a impeçam (como contratos de exclusividade, preços
predatórios, dentre muitas outras).
[3] Isso é verdadeiro mesmo em países como o Brasil – em que o abuso de poder econômico
comparece como objeto de preocupação jurídica desde as Constituições de 1937 e 1946,
com destaque à Lei Federal nº 4.137 de 1962, que criou o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE). Não obstante a existência de legislação anterior, é geralmente
reconhecido que a implementação de um sistema efetivo de defesa da concorrência só
aconteceu a partir de reformas iniciadas na década de 1990 (FORGIONI, 2012, p. 84-119).
[4] Essa é uma escolha fundamental a toda aplicação posterior da lei, já que a desejabilidade
de determinada prática econômica – e, igualmente, de determinada medida estatal em
resposta a tal prática – será apurada na medida em que contribui ou prejudica a
concretização da finalidade da legislação em questão. É a partir daí, igualmente, que a
104
autoridade responsável pela aplicação da lei irá determinar prioridades de atuação e prestar
contas sobre a efetividade da política pública (STUCKE, 2012, p. 558).
[5] Levantamento realizado por Waked (2015) identifica, dentre muitas outras, doze
principais finalidades expressas na legislação de 50 países em desenvolvimento: “proteção
do interesse do consumidor; interesse público; concorrência; eficiência econômica;
eliminação de práticas empresariais restritivas; liberdade econômica; proteção de pequenas
empresas; progresso e desenvolvimento; justiça e equidade; escolha do consumidor; preços
competitivos; concorrência em mercados internacionais” (WAKED, 2015, p. 980).
[6] Esse debate é resumido por Fox nos seguintes termos: “Países desenvolvidos
frequentemente insistem que o antitruste é apenas para eficiência e bem-estar do
consumidor, e que qualquer foco mais amplo irá proteger pequenos concorrentes e afogar a
economia em ineficiências. Países em desenvolvimento respondem que seu antitruste deve
abordar questões de distribuição e poder” (FOX, 2007, p. 101, tradução livre).
[7] São acordos de fixação direta de preços, quantidades, fraudes em compras públicas ou
divisão de mercado entre produtores de diversos países, com efeitos em mais de uma
jurisdição (DO, 2010, p. 135) , acarretando substanciais prejuízos aos países em
desenvolvimento. Só na América Latina, o volume de transações afetadas por distorções de
cartéis internacionais entre 1990-2007 é estimado entre US$ 0,5 e US$2 trilhões (CONNOR,
2008, p. 43). Cf. também (LEVENSTEIN; SUSLOW, 2004, p. 821).
[8] As fusões – de modo geral, operações em que duas ou mais entidades empresariais
independentes submetem-se ao controle de uma só entidade – têm experimentado grande
intensificação ao longo das últimas décadas (MAKAEW, 2012, p. 1). Os impactos
concorrenciais dessas práticas, em nível global, são ambíguos. Embora, a princípio, avalia-se
que as fusões tiveram efeitos pró-competitivos em muitas situações – por atuarem na
abertura e expansão de mercados anteriormente dominados por estruturas nacionais
entrincheiradas – a continuada intensificação dessa prática acarreta a preocupação com o
surgimento de posições dominantes globais (BUDZINSKI, 2008, p. 22). Do ponto de vista dos
países em desenvolvimento, igualmente, identificam-se ambiguidades. Cf. (DO, 2010;
SOKOL, 2007).
[9] Práticas econômicas cujo objetivo é impedir ou dificultar a entrada e permanência de
rivais em determinado mercado – cujos efeitos atravessam diferentes jurisdições
(BUDZINSKI, 2008, p. 18). Quanto aos países em desenvolvimento, observa-se que os
impactos de práticas exclusionárias podem ser ainda mais preocupantes para suas
economias que para os países desenvolvidos, tendo em vista o menor dinamismo de suas
economias para correção de eventuais distorções (BRUSICK; EVENETT, 2008, p. 271).
[10] No caso das fusões internacionais, por exemplo, é possível que uma determinada fusão
gere efeitos econômicos negativos em um determinado mercado nacional, mas seja
considerada benéfica em outras nações; há o risco de aprovação sob uma jurisdição e
rejeição sob outra, ou da imposição de remédios incoerentes.
[11] A assimetria de poder na aplicação extraterritorial da legislação antitruste tende a
impactar negativamente países em desenvolvimento: como estes, tipicamente, possuem
105
limitado poder de investigação e implementação de suas decisões, seu escopo de ação é
restrito em face de práticas que gerem prejuízos a seus mercados internos mas, ao mesmo
tempo, sejam consideradas positivas para as jurisdições dos países desenvolvidos
(BUDZINSKI, 2008, p. 39).(SOKOL, 2007, p. 61).
[12] A Carta de Havana (1948), que representou o documento final das negociações com
vistas à fundação da Organização Internacional do Comércio (OIC), incluía, em seu Capítulo
V, a previsão de uma política geral de combate a práticas empresariais restritivas à
concorrência, de monopolização ou restrição do acesso a mercados, incluindo cartéis, abuso
de direitos de propriedade intelectual, práticas discriminatórias, dentre outras (UTTON,
2006, p. 107).
[13] A Declaração de Doha de 2001 reduziu o escopo do grupo a pontos de menor
controvérsia (questões procedimentais/institucionais e o combate a cartéis “puros”) e, ainda
assim, a ausência de acordos levou a OMC, na Conferência de Cancún em 2003, retirar o
antitruste de sua agenda (SOKOL, 2007, p. 51).
[14] A rejeição à pauta antitruste pelos países em desenvolvimento, em primeiro lugar, deve
ser compreendida em um contexto mais amplo de rejeição às Questões de Cingapura como
um todo (STEWART, 2004, p. 7). Não obstante esse elemento contextual, o conteúdo da
proposta também foi objeto de rejeição específica por parte de alguns países em
desenvolvimento.
[15] Em especial, discutiram-se as repercussões da adoção do princípio da não-discriminação
– segundo o qual a legislação antitruste nacional não poderia conferir tratamento
discriminatório com base no país de origem da empresa.
[16] Isso não quer dizer, contudo, que tentativas de convergência da política antitruste
deixaram de se processar por outros mecanismos formais. Um desses meios é a inserção de
disposições concorrenciais em tratados bilaterais e regionais, cujo conteúdo pode incorporar
desde a cooperação técnica e a troca de informações até a aplicação da política por um
órgão supranacional (como no caso da União Europeia), mas que, geralmente, possuem
escopo muito limitado e não-vinculante (MARQUIS, 2015, p. 174 et seq.).
[17] O conceito de soft law é entendido em contraposição ao de hard law: Abbott e Snidal
(2009, p. 421) (2009, p. 421)(2009, p. 421)(2009, p. 421)(2009, p. 421)definem a hard law
como regras (1) dotadas de caráter vinculante, (2) estabelecidas com precisão e que (3)
atribuem competência a um órgão para interpretação e aplicação de suas obrigações;
constituem soft law os arranjos em que pelo menos um desses três elementos esteja
ausente.
[18] Dado o fato de que a maioria dos membros da OCDE é constituída por países
desenvolvidos, que têm o poder de determinar as prioridades da entidade, Sokol (2007)
critica o Organização por se tratar “essencialmente [de] um clube dos países desenvolvidos,
que definem a agenda da organização” (SOKOL, 2007, p. 48), o que contribui para uma
menor adesão a suas recomendações por parte dos países em desenvolvimento.
[19] O “Grupo dos 77”, ampla coalizão de países em desenvolvimento – incluindo o Brasil –
formada ao final da Primeira Sessão da UNCTAD em 1964, orientava-se ao objetivo de
106
fundação de uma “Nova Ordem Econômica Internacional”, constituindo uma reação do
então “Terceiro Mundo” à conjuntura política e econômica vigente – caracterizada, na visão
do grupo, por trocas internacionais desiguais, obstáculos estruturais para desenvolvimento
da economia doméstica, agravamento da pobreza, alto endividamento público e
crescimento econômico reduzido nesses países, com um programa amplo que abordava
diversos itens do comércio internacional (HAIGHT, 1975, p. 592).
[20] As propostas do Grupo de 77 orientavam-se a um maior controle de práticas restritivas
de empresas transnacionais – com maior tolerância às práticas das indústrias domésticas dos
países em desenvolvimento, com vistas à sua maturação e ao aumento de sua participação
no comércio internacional (SOKOL, 2007, p. 48) – e com comprometimento dos países
desenvolvidos no controle de condutas de empresas transnacionais que prejudicassem os
países em desenvolvimento (OESTERLE, 1981, p. 19).
[21] Cf. Slaughter (2004b, p. 296), Marquis (2015, p. 173), Sokol (2007, p. 52) e Budzinski
(2008, p. 143).
[22] Sobre a convergência por meio da “cultura comum”, dissertam Djelic e Kleiner: “Uma
vez que uma base comum de princípios foi estabilizada e cristalizada – uma vez que, em
outras palavras, o estágio de profunda ‘comunhão’ filosófica é atingida – padrões
homogêneos, normas e práticas devem-se seguir tanto mais naturalmente e facilmente. A
ligação entre criar regras e seguir regras nesse tipo de cenário é o mecanismo de socialização
especialmente com processos associados de ‘identificar e envergonhar’ […]. O impacto desse
tipo de mecanismo pode vir devagar. Mas, em longo prazo, ele pode ser mais adequado que
a pressão externa ou coerção por trazer efetiva homogenização e coordenação de padrões e
práticas” (DJELIC; KLEINER, 2006, p. 305 – Tradução livre).
[23] Sobre instituições transnacionais em geral, Hale e Held (2012, p. 178) avaliam que
algumas instituições transnacionais possuem vantagens, como o potencial de amenizar o
“déficit democrático” de deliberações internacionais, por incluírem, em suas discussões,
representantes dos diversos grupos de interesse envolvidos. Por outro lado, os autores
ponderam que a transferência do poder de decisão para tecnocratas ou agentes privados,
em lugar de representantes políticos tradicionais, levanta preocupações de legitimidade
política.
[24] Slaughter assim resume as críticas:“transferir a autoridade para tecnocratas significa
privilegiar as visões daquelas nações que possuem tecnocratas – inevitavelmente, as nações
mais desenvolvidas” (SLAUGHTER, 2004a, p. 221, tradução livre).
[25] A análise de Buch-Hansen e Wigger é marcante, a esse respeito: “A ICN constituiu o
meio perfeito de difusão de normas comuns e padrões procedimentais, permitindo que as
autoridades concorrenciais dos EUA e UE assumissem o papel de ‘chefes da socialização’. […]
Assim, em vez de ser uma rede horizontal de iguais’, a ICN incorporou desigualdades de
poder estrutural mais amplas. Isso é também refletido no uso de linguagem similar àquela
usada no campo de auxílio ao desenvolvimento, incluindo noções de ‘construção de
capacidades’, ‘assistência técnica’, ‘advocacia de política pública’ e a recomendação de
‘catálogos de melhores práticas’ […] – todas noções que sugerem uma agência doadora
107
matura ajudando uma agência jovem, inexperiente, em impôr estruturas institucionais para
regular a concorrência. A direção da convergência é de natureza neoliberal de modo
inerente” (BUCH-HANSEN; WIGGER, 2011, p. 134 – Tradução Livre).
[26] Cf. Bakhoum: “Dependendo do ponto de vista pelo qual a legislação concorrencial é
analisada, a ICN pode ser retratada como um anjo, trabalhando pela convergência na prática
da legislação concorrencial, ou o demônio, uma ferramenta usada por jurisdições vançadas
para ditar seus princípios de legislação concorrencial para países em desenvolvimento.
Países em desenvolvimento, por diversas razões, não são nada influentes dentro da ICN”
(BAKHOUM, 2011, p. 534 – Tradução Livre).
[27] Slaughter (2004a, p. 259), ademais, analisando as redes cooperativas de modo geral,
aponta como possíveis soluções para esse problema: transparência das atividades, inclusão
de pontos de vista diversos, inclusão do Legislativo em redes de cooperação, igualdade
deliberativa e a estipulação de regimes gerais de governança que garantam que as
atividades dessas redes mantenham accountability democrático.
[28] Essa dimensão é mais sutil no caso do direito concorrencial brasileiro. Embora haja, na
História, exemplos de imposição coercitiva de legislação antitruste (como na Alemanha e
Japão no Pós-Guerra), outros mecanismos de pressão informal, menos drásticos, são mais
efetivos. Como exemplo mais aplicável ao caso dos países em desenvolvimento, como o
Brasil, a inserção da defesa da concorrência como requisito de condicionalidade para novos
empréstimos do Banco Mundial é um exemplo eloqüente (POLI, 2015, p. 156).
[29] É comum e compreensível que nos países em desenvolvimento, como o Brasil, em que a
defesa da concorrência foi implementada “de fora para dentro” – sem, portanto, uma
tradição consolidada com relação ao tema na comunidade jurídica pátria – o recurso a
precedentes e teoria estrangeiros constituam importante forma de legitimação das decisões.
[30] Sobre o poder das redes profissionais em promover isomorfismo, observa Wigger:
“Coalisões de militância ou redes transnacionais, similarmente a comunidades epistêmicas,
por sua vez, são frequentemente conceituadas como sendo fundadas em ‘conhecimento
consensual’ e/ou comprometidas a produzir ‘conhecimento codificado e profissionalmente
constituído’, enquanto compartilhando um conjunto comum de crenças normativas e
causais, incluindo uma crença em relações de causa-e-efeito e uma pretensão de autoridade
em como esse conhecimento relevante à política pública precisa ser aplicado” (WIGGER,
2009, p. 257 – Tradução Livre).
[31] Ainda quanto à profissionalização, Poli analisa que a ICN e a OCDE têm servido como
rede de troca de informações e promoção de isomorfismo normativo (POLI, 2015, p.
71;142), com influência na recente reforma legislativa brasileira que culminou na
promulgação da Lei Federal nº 12.529/2011 (POLI, 2015, p. 157).
[32] Cf. Bakhoum: “Entretanto, quando a convergência vai além da proximidade de alguns
princípios não-disputados e a substância da legislação concorrencial, especialmente para
países em desenvolvimento, ela torna-se problemática. Definir e influenciar regras
concorrenciais de seus Estados Membro parece ser para onde a ICN está se encaminhando.
[…] Aquilo a que países em desenvolvimento e alguns países desenvolvidos se opuseram na
108
OMC parece estar lentamente e desapercebidamente abrindo caminho pela ICN.
Convergência dentro da ICN é obtida essencialmente por meio de soft law com as melhores
práticas que membros são encorajados a implementar. Com uma força difusa e muito
persuasiva, a soft law tende a se tornar hard law quando adotada” (BAKHOUM, 2011, p. 574
– Tradução Livre).
[33] Contemporaneamente, muito embora jurisdições de outros países tenham
experimentado um crescimento em sua importância global, os pólos estadunidense e
europeu seguem dominantes nesse processo (MARQUIS, 2015, p. 166).Cf. Gerber: “Para
muitos apoiadores dessa estratégia, um benefício adicional da convergência é que ela pode
ser esperada a guiar os Estados em direção a um modelo ‘melhor’ de legislação
concorrencial” (GERBER, 2014, p. 7 – Tradução Livre). Cf. também Fox, que observa, no
mesmo sentido, que essa redução de diferenças tem uma direção definida pelos modelos
dominantes no mundo: “Convergência sugere padrões universais, ou pelo menos normas
universais aplicadas em modos comuns. A expressão ‘padrões universais’ normalmente se
refere aos padrões dos Estados Unidos e Europa, que se tornaram os modelos dominante
para o mundo” (FOX, 2007, p. 5 – Tradução Livre).
[34] Ainda nesse nível, contudo, é também possível observar o transplante de importantes
institutos do direito estadunidense, como o acordo de leniência (MARQUIS, 2015, p. 202).
[35] Tais moldes podem ser resumidos, conforme Gerber, na atribuição um papel normativo
a uma teoria específica da Ciência Econômica: por “análise econômica”, entenda-se, então, a
aplicação de um arranjo específico de conceitos da teoria econômica neoclássica como
pedra-de-toque para a aferição da legalidade de práticas empresariais. Assim, uma prática é
indesejável somente quando resulta em uma redução da eficiência econômica, entendida
como bem-estar do consumidor (GERBER, 2014, p. 7).
[36] Gerber analisa que a ascensão desses conceitos como ponto focal da convergência
internacional se deve à importância dos Estados Unidos no antitruste global (GERBER, 2004,
p. 8). No mesmo sentido, Sokol (2007) conclui, sobre os resultados da atuação desse país no
cenário internacional, que “a voz dos Estados Unidos persuadiu as organizações a adotarem
uma visão do antitruste que aceita, em um nível básico, os pilares da revolução antitruste da
Escola de Chicago, que são baseados em preço, quantidade e qualidade” (SOKOL, 2007, p.
52, tradução livre). Waller (2010), igualmente, descreve como a análise econômica do
direito, a partir de Chicago, vem-se espalhando de forma “viral” a outras áreas do direito e a
outras jurisdições, de modo que “um crescente número de países está criando, analisando e
aplicando a lei com um olhar na direção de suas consequências econômicas, geralmente
definida em termos de eficiência alocativa e maximização da riqueza” (WALLER, 2010, p.
368, tradução livre).
[37] Em nível internacional, por exemplo, Slaughter (2004a) relata que os críticos de redes
informais de cooperação técnica, como a ICN, apontam o risco de que essas redes
constituam instâncias de “elitismo tecnocrático” em que especialistas de formação
semelhante sejam socializados de modo a “acreditar que trade-offs profundamente políticos
109
são escolhas valorativamente neutras, com base em expertise ‘objetiva’” (SLAUGHTER,
2004a, p. 219, tradução livre), contornando preocupações políticas.
[38] Também é a opinião de Bakhoum: “A legislação concorrencial se apóia em uma
teoria econômica que influencia em grande medida o meio pelo qual é aplicada. Considerar
a Economia como a força motora da legislação concorrencial leva ao argumento de que a
eficiência deve ser a única preocupação do direito concorrencial. Essa abordagem e
percepção da concorrência parece estar bem aceita na legislação concorrencial moderna em
países desenvolvidos. A Economia, contudo, não opera num vácuo. Assim, o contexto local
determina a uma certa medida a probabilidade de que uma dada teoria iria produzir os
resultados esperados. Contexto importa na legislação concorrencial. Isso é particularmente
verdadeiro no caso de países em desenvolvimento cujos contextos sócio-econômicos,
políticos, legais e culturais diferem daqueles do mundo desenvolvido. Uma legislação
concorrencial adequada aos países em desenvolvimento deve levar totalmente em conta seu
contexto local” (BAKHOUM, 2011, p. 496 – Tradução Livre).
[39] Svetiev (2013) descreve que autoridades concorrenciais de países em desenvolvimento
tendem à incorporação de rotinas de análise e prioridades de aplicação da lei já
estabelecidas em seus homólogos de países desenvolvidos. Essa importação, prossegue o
autor, tende a gerar a petrificação das atividades da autoridade concorrencial em torno
dessas categorias estrangeiras, limitando o aprendizado institucional e a construção de
conceitos e rotinas próprios. Essa obstacularização do aprendizado próprio é potencialmente
nociva, quando limita a capacidade de a autoridade antitruste formular uma política própria
de aplicação da lei, que leve em conta os problemas peculiares do contexto de
desenvolvimento local de cada país (SVETIEV, 2013, p. 225).
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113
EL HISTÓRICO DE LA GESTIÓN DE LAS FRONTERAS EXTERNAS EN LA UNIÓN
EUROPEA Y LAS RUTAS DE MIGRACIÓN IRREGULARES
THE MANAGEMENT HISTORY OF THE EUROPEAN UNION EXTERNAL
FRONTIERS AND THE IRREGULAR MIGRATION ROUTES
Nicole Marie Trevisan11
Resumo: Los gobiernos de los Estados Miembros de la Unión Europea buscan una gestión
eficaz de control de sus fronteras exteriores, el conjunto de políticas y actuaciones, el
llamado ‘Espacio de Libertad, Seguridad y Justicia’, con la incorporación por el Tratado de
Ámsterdam, el acervo Schengen fue un impulso político para que más adelante fuese creado
las policías de fronteras y la agencia Frontex, con la coordinación técnica adicional a los
países que sufren grandes presiones migratorias. Los conflictos armados representan una
complejidad de elementos, factores transfronterizos, interés económico e intervención de
actores estatales y no estatales, que requieren apoyo político, recursos financieros y
humanos como una respuesta a la actual crisis humanitaria; a menudo causan
desplazamientos masivos de civiles más allá de las fronteras nacionales, destacando rutas
irregulares que aumentan conforme la voluntad de protección por un lado y la
desesperación del otro.
Palavras-chave: Unión Europea; Frontex; Acervo Schengen; Fronteras exteriores.
Abstract: Os Governos dos Estados-Membros da União Europeia buscam uma gestão eficaz
de controle de suas fronteiras externas, o conjunto de políticas e ações, o chamado ‘Espaço
de Liberdade, Segurança e Justiça’, implementado pelo Tratado de Amsterdam, o acervo de
Schengen foi um impulso político para que posteriormente fossem criadas as polícias de
fronteiras e a agência Frontex, com a coordenação técnica adicional aos países que sofrem
grandes pressões migratórias. Os conflitos armados representam uma complexidade de
elementos, fatores transfronteiriços, interesses econômicos e intervenção de atores estatais
não estatais, que exigem apoio político, recursos financeiros e humanos como uma resposta
a atual crise humanitária; muitas vezes causam grandes deslocamentos de civis além das
fronteiras nacionais, evidenciadas rotas irregulares que aumentam conforme a vontade de
proteção de um lado e o desespero de outro.
Keywords: União Europeia; Frontex; Espaço Schengen; Fronteiras exteriores.
11
Mestranda em Direitos Humanos e Políticas Públicas pela PUCPR. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa NEADI (Núcleo de Estudos de Direito Internacional e Desenvolvimento Sustentável) da PUCPR. Pós-Graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro) e em Direito Internacional pela Faculdade Damásio (São Paulo). Graduada em Direito pela PUCPR.
114
1 INTRODUCCIÓN
El territorio de protección y el mantenimiento de orden interno siempre se ha
basado en la existencia de fuerzas militares y policiales capaces de poner fin a los enemigos
externos e internos del estado. Los Estados tienen la obligación legal de garantizar que las
fuerzas armadas tienen el conocimiento del derecho de los conflictos armados y los
principios humanitarios universales en todos los niveles de mando, y aplicarlas en cada
situación.
El control de la frontera conjuga en la Unión Europea (UE) la eliminación de la
frontera interior con el crecimiento eficaz de la gestión de las fronteras exteriores, es eso
que buscan los gobiernos de los Estados Miembros (EEMM). Después del acuerdo Schengen,
la importancia de las agencias que trabajan para que la circulación de personas sea regular y
bien ordenada se ha convertido en esencial. El art. 77 del Tratado de Funcionamiento de la
Unión Europea (TFUE)[2] objetiva la ausencia de control de las personas en la circulación
interna de la UE y las condiciones de nacionales de terceros países al cruce de las fronteras
externas, así como los sistemas de vigilancias. La relación y colaboración de los terceros
estados es muy importante, para que haya la readmisión en sus países para aquellos que no
cumplan las condiciones de entrada, permanencia y residencia en un estado miembro.
Las fronteras engloban el llamado espacio de Libertad, Seguridad y Justicia (ELSJ) de
la UE. Son aspectos que tratan al mismo tiempo la relación política entre los EEMM,
respectando las exigencias y acuerdos de la EU (derechos fundamentales del ser humano) y
el núcleo duro de la soberanía, cuando decide sobre quien puede entrar, permanecer en el
estado.
Las políticas de acuerdo (art.80 TFUE)[3], deben seguir el principio de solidaridad,
reparto de responsabilidad y de financiación entre los EEMM, por lo cual llevó a la creación
de agencias de control fronterizo, como la Agencia Europea de Fronteras (Frontex) con
asistencia y financiación y más reciente, el Fondo para las fronteras exteriores, el Fondo
europeo para los refugiados, el Fondo europeo para el retorno y Fondo para la integración.
Los problemas políticos y sociales, como el hambre, la falta de oportunidades, las
guerras, el terrorismo y la crisis, conducen a Miles de personas cada año a cruzar las
fronteras en busca de una nueva vida. ¿Cómo evitar las numerosas muertes que ese proceso
genera?, ¿Cómo conciliar la dignidad de tratamiento con un control eficaz? El tema es digno
de estudio, ya que la Europa enfrenta un gran problema, cada vez se evidencia más, cuando
parte de esas personas adentran en su zona de manera irregular
2 GESTIÓN DE LAS FRONTERAS EM LA UNIÓN EUROPEA
2.1 EVOLUCIÓN HISTÓRICA
Las cuestiones de seguridad interna tienen sus primeros movimientos en los años
setenta con el ‘grupo TREVI’ en respuesta a la amenaza terrorista, un grupo que cooperó
115
informalmente con agencias y policías de los Estados que hacían parte de la Comunidad
Económica Europea (CEE).
Un otro marco fue el Convenio de Schengen, creado en junio de 1985, con la
participación de Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Francia y Alemania, la aplicación 5 años más
tarde y entrada en vigor el 26/3/1995, con más países participando, Italia, Portugal, España,
Grecia, Austria, Dinamarca, Finlandia, Suecia, Islandia y Noruega. Era objetivo, la supresión
gradual de los controles de las fronteras interiores y la conversión de la atención a las
exteriores, fronteras comunes. Las normas y reglamentos componen el ‘acervo Schengen’.
El Tratado de Maastricht de 1992 dio un impulso de acuerdos informales cuanto a la
temática de la justicia e interior, con la creación de tres pilares, el tercero compone la
cooperación policial y judicial penal (Titulo VI del Tratado de la UE). En el Tratado de
Ámsterdam parte de las competencias del tercero pilar fueran trasferidos al primer pilar,
que corresponde a la circulación de las personas, conocida como comunitarización de las
materias de asilo, inmigración y cooperación judicial civil. De acuerdo con BERMEJO
CASADO[4]; a través de los controles de las fronteras, visando los nacionales de terceros
estados, los refugiados, los pedidos de asilo, las políticas de inmigración como la
reunificación de las familias, permiso de entrada y residencia. La cuestión de inmigración,
asilo y visado estaba a cargo del Comité Estratégico sobre inmigración, fronteras y asilo. El
Espacio de Libertad, Seguridad y Justicia (ELSJ), con la incorporación por el Tratado de
Ámsterdam del acervo Schengen fue un impulso político para que más adelante fuese
creado las policías de fronteras y la agencia Frontex.
Algunos Consejos sucederán para lidiar con el tema, el de Laeken en 2001 fue lo
más importante en el sentido de que las acciones siguientes, de la gestión de la frontera
exterior como actividad común de la UE, avanzaran.
Después de los acontecimientos terroristas de septiembre de 2001 en los Estados
Unidos, la Comisión concretamente lanza una ‘gestión integrada de frontera (IBM- sigla en
inglés Integrated Border Management), considerado el procedente de la Frontex. Aún según
BERMEJO CASADO[5], los EEMM deberían crear una Unidad Común de Expertos en
Fronteras Exteriores (UCEFE) con otras medidas pertinentes: 1- Mecanismos comunes y
operativos de concertación y cooperación, incluido el cambio de informaciones y datos entre
ellos; 2- Acuerdo sobre la evaluación e integrado de riegos (aeropuertos y marítimos); 3-
Equipos para actuar en las fronteras, formación de guardias, uso de satélites, entre otros
equipamientos. Son medidas para luchar contra la inmigración ilegal y el tráfico de seres
humanos Aparece una nueva estructura, una guardia europea de fronteras, futura Frontex.
En mayo de 2002 fue presentado un estudio de viabilidad sobre la policía europea
de fronteras en la Conferencia de Roma. Algunos países no quisieran (ejemplo el Reino
Unido) en crear la Guardia, pero los argumentos a favor en general fueran más fuertes,
aumentaría la integración política, el principio de la solidaridad al compartir encargos, el
cambio de experiencias y conocimientos. Las reglas fueran codificadas, crearan la UCEFE
(sigla en inglés- External Borders Practioners Common Unit) con el régimen de
compartimiento financiero y de la policía fronteriza.
116
El Consejo de Sevilla de junio de 2002, lanzó el plan para la gestión de las fronteras
externas y recomendó que los estados intentasen hacer cooperaciones con estados terceros
para tratar de los flujos migratorios.
La UCEFE tenía muchas limitaciones en los centros nacionales, la Comisión quiso
complementar el carácter operacional con respuestas rápidas en casos de emergencias y
ponerlo como un órgano permanente, preparando expertos enviados por los estados. El
Consejo Europeo en Salónica empezó una estructura comunitaria de operación y el
Parlamento en septiembre de 2003 presentó un informe sobre la viabilidad de control de las
fronteras políticas, estableciendo áreas prioritarias como la identificación de las rutas de
inmigración ilegal, la cooperación con terceros países, estructuras operativas efectivas,
imponer la mejor tecnología, y aspectos legales de los controles en las fronteras marítimas.
Fueran puestos centros de coordinación operativa en las fronteras marítimas con la
creación de la Agencia Europea para la Gestión de la Cooperación Operativa en las Fronteras
Exteriores- FRONTEX.
2.2 ACUERDO SCHENGEN
Al crear el espacio de libertad, seguridad y justicia, ocurrió el control sistemático de
los que atraviesan las fronteras exteriores. En los años ochenta los Estados miembros,
compuestos por la Bélgica, Francia, Alemania, Luxemburgo y los Países Bajos, decidieron
crear un territorio sin fronteras interiores; los primeros acuerdos fueron firmados en un o
pueblo luxemburgués de Schengen, un territorio garantizado de la libre circulación de
personas. La Convención[6] que complemento el acuerdo original, entró en vigor en 1995,
abolió los controles en las fronteras interiores y creó una frontera exterior única. El Tratado
de Ámsterdam, de 1999, la cooperación intergubernamental se incorporó en el marco de la
UE. El 15 de marzo de 2006, el acuerdo comunitario (Código Schengen), n562/2006 del
Parlamento y del Consejo.
El código[7] describe cuales son los espacios que actúa, en el artículo 2, las fronteras
terrestres de los Estados miembros, incluidas las fronteras fluviales, lacustres y marítimas,
así como los aeropuertos y puertos marítimos, fluviales y lacustres siempre que no sean
fronteras interiores y describe lo que corresponde las fronteras interiores. En el mismo
artículo están las condiciones de entrada, tener los documentos pertinentes que permitan el
cruce de las fronteras, un visado válido, condiciones de estancia y disponer de los medios
necesarios de subsistencia; estar excluidos del listado del Sistema de Información Schengen
y no suponer un peligro para el orden público, la seguridad pública o para las relaciones
internacionales de uno de los Estados miembros.
El Reglamento en nada modifica el concepto de que, tanto las fronteras exteriores
como las interiores continúan siendo determinadas por cada Estado miembro, así como la
entrada, permanencia y residencia de un extranjero.
Los países Schengen tienen que ofrecer personal y recursos suficientes para
garantizar un bon nivel y uniforme de control en las fronteras exteriores del espacio
117
Schengen; que comprende 44.000 km de fronteras marítimas exteriores y 9.000 km de
fronteras terrestres de 26 países (entre ellos países asociados que no hacen parte de la
comunidad)[8].
El 6 de noviembre de 2013 publicaron en el Diario Oficial de la Unión Europea
(DOUE), los nuevos Reglamentos sobre fronteras en la Unión Europea y el espacio Schengen
y su aplicación: Reglamento (UE)1051/2013 del Parlamento Europeo y del Consejo, de 22 de
octubre de 2013, por el que se modifica el Reglamento (CE)562/2006 con el fin de establecer
normas comunes relativas al restablecimiento temporal de controles fronterizos en las
fronteras interiores en circunstancias excepcionales; el Reglamento (UE)1052/2013 del
Parlamento Europeo y del Consejo, de 22 de octubre de 2013, por el que se crea un Sistema
Europeo de Vigilancia de Fronteras (Eurosur) y el Reglamento (UE)1053/2013 del Consejo, de
7 de octubre de 2013, por el que se establece un mecanismo de evaluación y seguimiento
para verificar la aplicación del acervo de Schengen, y se deroga la Decisión[9] del Comité
Ejecutivo de 16 de septiembre de 1998 relativa a la creación de una Comisión permanente
de evaluación y aplicación de Schengen.
2.3 FRONTEX
Desde el ELSJ y el acuerdo Schengen, era necesario articular el asunto inmigratorio,
de asilo y frontera. La libre circulación de personas ha sido una consecuencia de la
integración europea desde la década de 1950. Los cuatro fundamentos de la Unión en el
Tratado de Roma de 1957 son la libre circulación de personas, capitales, mercancía y
servicios.
Antes de la Frontex, había seis centros que trataban del asunto: Centro de Análisis
de Riesgo, Centro para las fronteras terrestres, Centro de las Fronteras del aire, Centro de
Fronteras del mar Oeste (Madrid, España), Centro de Fronteras del mar este, Centro de
Formación Ad- hoc para la Formación Profesional y Centro de Excelencia.
Con el intuito de mejorar las acciones y trabajos del Órgano Común, en el 26
octubre 2004, fue creada la Agencia Europea para la Gestión de la Cooperación Operativa en
las Fronteras Exteriores de los Estados miembros de la Unión Europea (Frontex) por el
Reglamento (CE) 2007/2004[10].
Frontex ayuda a las autoridades fronterizas de los diferentes países de la UE
trabajan juntos. Las áreas de actividad son: Operaciones Conjuntas – Planes
de Frontex, coordina, ejecuta y evalúa las operaciones conjuntas llevadas a
cabo con el personal y los equipos de los Estados miembros en las fronteras
exteriores (mar, tierra y aire) [11].
Las competencias analiza BERMEJO CASADO[12] son: “1- mejora de la coordinación de la
cooperación operativa en materia de fronteras exteriores; 2- asistencia y ayuda en términos
de formación de los guardias de fronteras; 3- análisis de riesgos; 4- seguimiento del estado
de la investigación en fronteras externas; 5- asistencia a los Estados Miembros de carácter
118
técnico y operativo en circunstancias que lo demanden; 6- realización de un inventario del
equipamiento de los estados, y 7- coordinación de las operaciones conjuntas de retorno”. Su
meta es la cooperación con terceros estados e integración horizontal de las medidas en las
fronteras.
La Comisión creó un Sistema de vigilancia de Fronteras Europeo (EUROSUR) para
actuar en el Sur de la Europa. Tomaran la decisión de añadir a la Frontex el trato de las
aduanas, además de propuestas de operaciones en conjunto con la Red Europea de
Vigilancia de Fronteras, como una ventaja a los RABIT (patrullas de intervención rápida).
En 2010 el Reglamento de la Frontex estaba en reforma, verificaran que faltaba
personal, organización de las operaciones, escasez de recursos y la necesidad de trabajar en
conjunto con el Comité Permanente de Seguridad Interior (COSI) que el Tratado de Lisboa
encargaba del cuidado de las instituciones y agencias de seguridad interior de la Unión
Europea.
La Frontex se encarga de elaborar normas comunes de formación con una base de
entrenamiento para los guardias de fronteras en la Unión, análisis de inteligencia sobre la
situación actual en las fronteras exteriores, investigación de control de fronteras de Europa y
el mundo de la investigación, equipos de la guardia de fronteras europeas (EBGT) y una
extensa base de datos de los equipos disponibles que reúne a especialistas de recursos
humanos y técnicos de toda la UE; ayudar a los Estados miembros en las operaciones
conjuntas de retorno, cuando los Estados miembros toman la decisión de regresar a los
extranjeros en situación irregular, que no han podido salir voluntariamente y respeto de los
derechos fundamentales y la dignidad humana.
La Frontex mantiene contacto con otros medios de la UE que participan de la
temática del espacio de libertad, seguridad y justicia, como Europol, la EASO, Eurojust, FRA o
CEPOL; con las autoridades aduaneras y las autoridades de control de fronteras de los países
que no pertenece al espacio Schengen, especialmente los países donde ocurren las rutas de
tránsito de la migración irregular.
Las Operaciones tienen la base un informe de análisis de riesgos anual que analiza el
riesgo futuro de la migración irregular y la delincuencia transfronteriza en la frontera
exterior de la UE. Ocurren reuniones anuales con los Estados miembros de la agencia y son
hechas propuestas de prioridades y cuáles son los recursos posibles para que una rápida
respuesta sea efectuada. Según el sito de noticias de la Comisión Europea, en la actualidad
hay 4 operaciones en marcha: ‘Eneas’, en el mar Jónico, entre Italia y Grecia, interceptan
también las llegadas procedentes de Turquía y Egipto; ‘Hermes’, en el mar de Sicilia, entre
Italia, Malta, Túnez y Libia; ‘Indalo’, en las aguas del Mediterráneo entre España, por un lado,
y, por otro, Marruecos y Argelia; ‘Mar Poseidón’, en las aguas del mar Egeo frente a
Grecia[13].
2.4 INMIGRACIÓN IRREGULAR
119
Los inmigrantes conforman un colectivo que se encuentra en situación de
vulnerabilidad. Esta situación es determinante a la hora decidir migrar, incluso
clandestinamente. Durante su estancia irregular, está expuesto a la discriminación y
vulneración de sus derechos fundamentales. Normalmente el ordenamiento jurídico de los
Estados contempla la expulsión por incumplimiento de los requisitos exigidos para entrar o
permanecer en su territorio, analiza PÉREZ GONZÁLEZ[14].
Hoy en día es la mayor crisis de refugiados desde la Segunda Guerra Mundial según
datos del ACNUR[15], unos sesenta millones de personas que dejaron sus países. La
continuación de los viejos conflictos y la aparición de nuevas guerras, obligan a las personas
que ya no tienen sus derechos de ciudadanía a moverse, porque han perdido la protección
del estado. Según Godoy, son casi veinte millones de personas que tuvieron que abandonar
su país en busca de asilo en otro país, cruzando una frontera internacional, siendo
perseguido por causa de sus opiniones políticas, raza, nacionalidad, religión, porque
pertenecen un grupo social, o porque huyen de un conflicto armado.
El conflicto y la violencia indiscriminada en el Medio Oriente han creado
necesidades humanitarias sin precedentes. La falta de perspectiva para la paz y la estabilidad
en la región en un futuro próximo ofrece pocas esperanzas. La región fue testigo de la mayor
desplazamiento interno y externo, con un gran número de refugiados y desplazados internos
en necesidad de ayuda humanitaria directa.
El Derecho Internacional tiene un importante papel en configurar un concreto y
claro régimen jurídico de los movimientos migratorios, así como la ayuda de las instituciones
de derechos humanos con la debida orientación para que nadie permanezca en un estado
personal violado.
Cuanto a la cuestión de las fronteras marítimas, la gran cantidad de personas que
llegan en Europa, ponen de manifesto como los Estados aprovechan la indefinición de las
normas internacionales a la obligación de desembarcar a los inmigrantes interceptados,
sobre todo si están en aguas no sometidas a jurisdicción de ningún Estado. Los Estados han
tenido a la regulación unilateral de los requisitos que han de cumplirse para la autorización
de la presencia de los extranjeros en su territorio.
La UE tiene un sistema de patrullaje en las costas en cooperación con países
africanos y la coordinación de la frontex. Las entradas son por gran mayoría vía aeropuertos
y estas personas poseían los documentos válidos y visado por el período cuando entraran.
En el mapa y tabella siguiente las rutas más conocidas, nacionalidades y la división de los
más de 65 mil cruces ilegales en la ‘Análisis de riesgo anual de la Frontex’[16].
Según Eurostat, casi 250.000 personas son objeto de este tipo de órdenes (de
volver) cada año. La gran mayoría de ellos abandonan voluntariamente. Sin embargo,
cuando los inmigrantes que residen ilegalmente niegan a cumplir, pueden ser devueltos a la
fuerza como último recurso. Las operaciones de retorno por lo tanto están organizadas por
las autoridades de migración para las personas que son objeto de las decisiones de retorno
individuales tomadas por un tribunal u órgano administrativo competente en un Estado
miembro de la UE.
120
Mapa de las Rutas Migratorias en la EU/ tierra y mar
Fuente: FRONTEX[17].
El reportaje de la revista electrónica ‘Presseurop’[18], informa que el año de 2013,
80% de los inmigrantes en Europa entró por las fronteras de Grecia vía Turquía; muchos de
ellos traídos por las manos de traficantes de personas, otros que requieren asilo, como
afeganos e iraquíes. El gobierno griego pidió ayuda a la Comisión y en respuesta, después de
observado es una frontera muy mal supervisionada y que Grecia no podría sola cuidar dese
asunto, se le enviaran equipos de los ‘Rabit’, de intervención rápida.
Según las Naciones Unidas para nueve de cada diez inmigrantes ilegales detenidos
por la policía en Europa son interceptados en Grecia. El jefe de la Especial de Derechos
Humanos de las Naciones Unidas Manfred Nowak[19] visitó recientemente la capital griega,
y encontró los solicitantes de asilo detenidos en condiciones de trato inhumano y
degradante.
Según el reportaje de la Europress[20] La Unión Europea han intervenido
especialmente las fronteras de España, Italia y Malta con patrullas marítimas para cerrar
esas rutas en el Mediterráneo por lo cual causado este crecimiento de llegadas en la Grecia.
Son 11 kilómetros de la frontera exterior de la UE en ciertos puntos, están sin vigilancia,
facilitando la entrada de los migrantes. Algunos emigrantes están haciendo huelgas de
hambre para protestar de los tratos inhumanos en estas regiones.
121
Algunos datos[21] de 2016 de tragedias en la frontera europea, desde 1988,
muestran que al menos 27.382 inmigrantes han sido muertos tratando de entrar en el
continente, sea ahogados en el mar, en el deserto por deshidratación, asfixiados en
camiones, congelados en aviones o matados por militares.
La Comisión Europea[22] informa que la Eurosur, previsión para el fin de 2013, va
ayudar a detectar y a prestar ayuda a las pequeñas embarcaciones en emergencia de
emigrantes y a prevenir crímenes transfronterizos, con “el respeto absoluto de los derechos
fundamentales”, dijo la comisaria de Interior, Cecilia Malmström. La Eurosur será una red de
comunicación protegida por los diferentes países y los datos recorridos se comunicarán a
Frontex que tiene sus instrumentos de vigilancia.
Participaran desde diciembre de 2013, España, Eslovaquia, Eslovenia, Bulgaria,
Croacia, Chipre, Estonia, Finlandia, Francia, Grecia, Hungría, Italia, Letonia, Lituania, Malta,
Polonia, Portugal, Rumania, también Noruega que pertenece al espacio Schengen; el año de
2014, Bélgica, Alemania, Países Bajos y Suecia. Manuel Barroso, presidente de la Comisión
Europea había dicho que la carga de concesiones de asilo tiene que ser compartida entre los
países, cerca de 70% de los pedidos fueran concebidos por Alemania, Francia, Suecia, Reino
Unido y Bélgica.
Incidentes en diversos campos se multiplicaron. Expulsiones, inéditos hasta ahora,
ponen en marcha un cambio radical en la política migratoria de la UE. En 2016, la UE
experimentó otro año de intensa presión migratoria en su exterior fronteras. Estados
miembros informaron más de 511. 000 detecciones de ilegal cruce de fronteras, que
corresponde a aproximadamente 382.000 nuevas llegadas de África, Medio Oriente y Asia.
Esto fue una disminución significativa en comparación con 2015, cuando más de un millón
de migrantes vino a la UE. Sin embargo, la general situación en las fronteras exteriores de
Europa sigue siendo desafiante. La disminución en las llegadas fue principalmente causada
por un menor número de inmigrantes que llegan a Grecia desde Turquía. Esta caída fue un
resultado de la declaración UE-Turquía de marzo 2016 y la introducción de un estricto
control fronterizo medidas en los Balcanes Occidentales países, lo que efectivamente cerró
la ruta de los Balcanes. La UE aprobó por unanimidad un acuerdo con Turquía para detener
el flujo de inmigrantes ilegales que llegan a Europa. Muy criticada por organizaciones de
derechos humanos, como el ACNUR, tienen miedo que Turquía haga regresar a sus países no
sólo los inmigrantes económicos, sino también a los refugiados.
Como resultado de la declaración UE-Turquía[23], migrantes que llegaron a la Las
islas griegas después del 20 de marzo regresó a Turquía. De hecho, desde abril 2016, Frontex
apoyó a las autoridades griegas en los migrantes que regresaban, se emitieron decisiones de
devolución. Si bien el número de migrantes de Asia y Medio Oriente disminuyeron, 2016 fue
marcado con un aumento en migratorias de África, en particular en la ruta de Libia a Italia.
Italia vio el mayor número de llegadas registradas alrededor de 182.000, con un significativo
aumento en el número de migrantes de África Occidental. Trágicamente, a pesar del rescate
esfuerzos de Frontex, la costa italiana Guardia y Marina, Operación EUNAVFOR Med y la
asistencia de muchas ONG y buques comerciales, varios miles de migrantes haciendo el
122
cruce sobrepoblado y no apto para navegar botes de goma perdieron sus vidas en el
Mediterráneo.
También hubo un aumento en el contrabando de personas, muchos de los
migrantes usaron documentos falsificados, esto sigue siendo un desafío para la frontera
autoridades. Durante todo el año, Frontex (desde octubre de 2016, la frontera europea y
Agencia de la Guardia Costera) ha desplegado consistentemente entre 1.000 y 1.500
fronteras guardias en las fronteras exteriores de la UE.
Fabrice Leggeri, director ejecutivo de la Frontex[24], dice que la cooperación con los
países de origen y tránsito de migrantes es uno de los elementos clave de una migración
exitosa administración. Del intercambio de información a la cooperación en devoluciones,
Frontex ha extendido su alcance más allá Europa. En 2016, Frontex implemento su primer
oficial de enlace a Turquía. Este año, se desplegarán oficiales de enlace de Frontex a los
países prioritarios en África y los Balcanes occidentales. El año de 2015, la Agencia también
aumentó sus actividades en el área de regresa, devolviendo más de 10.000 extranjeros de la
UE con decisiones de asilo negativo o sin derecho a permanecer en la UE.
Las devoluciones siguen siendo una prioridad en 2017, un grupo de expertos de
retorno recién creado está ahora a disposición de los Estados miembros organizando
operaciones de retorno. En 2016, además de la gestión de la migración, Frontex comenzó a
recopilar y procesar datos personales para el análisis de riesgo propósitos y en apoyo de
investigaciones criminales. Lo que permite un acercamiento cooperación con Europol y la
seguridad y las agencias de aplicación de la ley de la UE y los Estados miembros. El aumento
de los ataques terroristas de los últimos años hace con que los países requieran una mejor
identificación de los inmigrantes que llegan a las fronteras exteriores con el objetivo de
distinguir claramente los refugiados que necesitan de protección, de los migrantes
económicos. Los recientes ataques terroristas en Francia, Bélgica y Alemania demuestran
que la gestión de fronteras tiene una componente de seguridad importante.
3 CONCLUSIÓN
Dada la presión migratoria sostenida en las fronteras externas, es evidente que el
desafío acuciante para el control fronterizo las autoridades. Una prevención efectiva alivia la
presión a las fronteras, si bien que las medidas concretas dependerán en última instancia de
los tipos de flujos migratorios y la situación política en el último país de partida. Con las
dificultades asociadas con la detección y registro adecuados y de una gran cantidad de
llegadas, existe un riesgo que las personas que representan una amenaza a la seguridad
pueden entrar en la UE. Varios eventos trágicos dentro de la UE también han demostrado
que la gestión de fronteras tiene un importante componente de seguridad. El mayor
número de personas vulnerables declaradas las personas en la frontera también hacen es
muy claro que la detección efectiva de personas traficadas con fines de explotación sexual,
trabajo forzoso y otros fines sigue siendo un gran desafío para la frontera autoridades. De
hecho, las propias víctimas a menudo no son conscientes de su destino cuando llegan al
123
tránsito o al destino países. Por lo tanto, ofrecer asistencia a ellas, se muestra de extrema
importancia, debido a la mayor movilidad humana ya visto en la historia.
Los trágicos acontecimientos recientes en la costa del Mediterráneo muestran que
todavía hay mucho que hacer para evitar que esto suceda tan a menudo. La cooperación
entre los estados miembros y acuerdos con terceros estados es muy importante para evitar
el avanzo ilegal. Parece que las medidas adoptadas pela Frontex al mismo tiempo que con
los estudios, expande el conocimiento de todos con lo que sucede en las fronteras, debe
haber un límite para que no haya la infracción de los tratados y convenios firmados por la UE
cuanto al cumplimento de los derechos humanos de cualquier persona que decida salir de su
país de origen o residencia y adentrar en otro de su libre elección. Es necesario pensar en
formas alternativas de responder a estas personas y hacer de la migración un camino seguro
y ordenado.
NOTAS DE FÍN
[2] Disponible en Web: <http://eur-
lex.europa.eu/legalcontent/ES/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT &from=ES > Fecha de
consulta: 12 de Enero de 2017.
[3]Disponible en Web: <http://eur-lex.europa.eu/legal-
content/ES/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT &from=ES> Fecha de consulta: 12 de Enero de
2017.
[4] BERMEJO CASADO, Rut, “El proceso de institucionalización de la cooperación en la
gestión operativa de las fronteras externas de la EU: La creación de Frontex”, Revista CIDOB
d’Afers Internacionals, Octubre 2010, núm. 91, p. 31.
[5] BERMEJO CASADO, Rut, “El proceso de institucionalización de la cooperación en la
gestión operativa de las fronteras externas de la EU: La creación de Frontex”, Revista CIDOB
d’Afers Internacionals, Octubre 2010, núm. 91, p. 37.
[6] Disponible en Web: <http://www.frontex.europa.eu/> Fecha de consulta: 02 de febrero
de 2017.
[7] Disponible en
Web:<http://europa.eu/legislation_summaries/justice_freedom_security/free_movement_
of_per sons_asylum_immigration/l14514_es.htm> Fecha de consulta: 17 de Octubre de
2016.
[8] OLESTI RAYO, Andreu, “El spacio Schengen y la reinstauración de los controles en las
fronteras interiores de los Estados miembros de la Unión Europea”, REAF, Abril 2012, núm.
15, p. 44-84.
[9] Disponible en Web: < http://publications.europa.eu/official/index_es.htm> Fecha de
consulta: 14 de diciembre de 2016.
[10] Disponible en Web: < http://eur-lex.europa.eu/legal-
content/ES/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT& from=ES> Fecha de consulta: 12 de Enero de
2017.
124
[11] Ibidem.
[12] BERMEJO CASADO, Rut, “El proceso de institucionalización de la cooperación en la
gestión operativa de las fronteras externas de la EU: La creación de Frontex”, Revista CIDOB
d’Afers Internacionals, octubre 2010, núm. 91, p. 53-54.
[13] Disponible en Web: <http://ec.europa.eu/spain/actualidad-y-prensa/noticias/asuntos-
institucionales/lampedu sa_es.htm> Fecha de consulta: 27 de Octubre de 2016.
[14] PÉREZ GONZÁLEZ, Carmén, Migraciones irregulares y Derecho Internacional: Gestión de
los flujos migratorios, devolución de extranjeros en situación administrativa irregular y
Derecho Internacional de los Derechos Humanos, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2012, p.39.
[15] ACNUR. Disponible en Web:
<http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/
Publicaciones/2012/8989> Fecha de consulta: 4 de febrero de 2017.
[16] Disponible en Web: <http://www.frontex.europa.eu/> Fecha de consulta: 02 de Febrero
de 2017.
[17] FRONTEX. Disponible en Web: < http://frontex.europa.eu/trends-and-routes/migratory-
routes-map/ > Fecha de consulta: 7 de febrero de 2017.
[18] Disponible en Web:<http://ec.europa.eu/spain/actualidad-y-prensa/noticias/asuntos-
institucionales/lampedusa _es.htm> Fecha de consulta: 27 de Octubre de 2016.
[19] Disponible en Web: <http://www.frontex.europa.eu/> Fecha de consulta: 07 de febrero
de 2017.
[20] Disponible en Web: <http://www.presseurop.eu/it/content/article/371431-frontex-
militarizza-il-confine> Fecha de consulta: 27 de Octubre de 2016.
[21] Disponible en Web:< http://fortresseurope.blogspot.com.br/p/la-fortezza.html > Fecha
de consulta: 27 de febrero de 2017.
[22] Disponible en Web:<http://ec.europa.eu/spain/actualidad-y-
prensa/noticias/asuntosinstitucionales/lampedusa_ es.htm> Fecha de consulta: 27 de
Octubre de 2016.
[23] Disponible en
Web:<http://frontex.europa.eu/assets/Publications/Risk_Analysis/Annual_Risk_Analysis_20
17.pdf > Fecha de consulta: 29 de Octubre de 2017.
[24] Disponible en
Web:<http://frontex.europa.eu/assets/Publications/Risk_Analysis/Annual_Risk_Analysis_20
17.pdf > Fecha de consulta: 29 de Octubre de 2017.
REFERÊNCIAS
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126
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127
QUESTÕES HUMANAS: O DESLOCAMENTO DE PESSOAS VENEZUELANAS E AS
IMPLICAÇÕES NA ÓRBITA LEGAL INTERNACIONAL
HUMAN ISSUES: THE DISPLACEMENT OF VENEZUELAN PEOPLE AND THE IMPLICATIONS IN THE INTERNATIONAL LEGAL ORBIT
Madson Soares Lobato12
Resumo: Pretende-se com este artigo demonstrar através da realização de análises teórico-
acadêmica da situação vivenciada por muitos venezuelanos que estão saindo do seu local de
morada, muitas vezes berço de seus nascimentos, para outras localidades extranacionais,
uma das quais o Estado Brasileiro. Abordar-se-á as motivações, ou seja, as questões de
cunho econômico-político que os levam a tomar essa decisão. Outrossim, far-se-á um breve
exame na construção histórica da República Bolivariana da Venezuela para tentar entender a
conjuntura atual. Ademais, destacar-se-á o papel do Brasil, enquanto país vizinho, no
acolhimento dos cidadãos em situação de vulnerabilidade, além das Instituições
Internacionais e Nacionais para concretizar os postulados direitos humanos fundamentais.
Palavras-chave: Venezuela; Deslocamento Humano; Direitos Humanos.
Abstract: This article intends to demonstrate through theoretical-academic analysis the
situation experienced by many Venezuelans who are leaving their place of residence, often
birthplace, to other foreign locations, one of which is the Brazilian State . They will address
the motivations, that is, the economic-political issues that lead them to make that decision.
In addition, a brief examination of the historical construction of the Bolivarian Republic of
Venezuela will be made to try to understand the current situation. In addition, the role of
Brazil, as a neighboring country, will be highlighted in the reception of citizens in situations
of vulnerability, in addition to the International and National Institutions to realize the
fundamental human rights postulates
Keywords: Venezuela; Human Displacement; Human Rights.
1 INTRODUÇÃO
A investigação acadêmica será realizada a partir de análises bibliográficas de livros,
artigos e também do campo de estudo empírico, as matérias de cunho jornalístico, cujas
indagações descritivas procurarão examinar as implicações governamentais em seus vieses
teórico (jurídico) e prático (social), além de seus liames. Serão de utilização as mais
12
Acadêmico do Curso de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade da Amazônia – ICJ, UNAMA (2015-2019). Estagiário voluntário no Projeto de Extensão Economia Solidária (PEES-PA).
128
diversificadas fontes de informações com o escopo de não prosperar uma sobre a outra, mas
realizando a ponderação dos elementos constitutivos, na sagaz pesquisa por conhecimentos
históricos formadores de repercussões no presente.
São diversificados os objetivos pré-existentes e pretendidos por essa produção
acadêmica em forma de artigo, tais como: conhecer a realidade vivida por pessoas em
situação de refúgio; analisar os parâmetros normativos que o ordenamento jurídico pátrio
dispõe para os casos; correlacionar diferentes ordens jurídicas, tanto nacionais quanto
internacionais quando consagram direitos para os indivíduos em refúgio; discutir o papel do
Brasil e das Instituições na tentativa de resolução dos conflitos. Não obstante, descrever as
mais recentes fases políticas venezuelanas e seus efeitos sociais.
A grande proposta ao nascermos e crescermos é ter uma vida de sucesso repleta de
conquistas pessoais, ser amado, ter uma boa instrução, um lar, um excelente trabalho, uma
família que te acolha e logo depois construir sua própria família, ou não, mas isso cabe a
cada um escolher como quer viver, parte do direito de liberdade, classificado
doutrinariamente como direito de 1° geração o qual o Estado-Nação deve
assegurar/garantir. Agora, você já pensou em não ter seus direitos reconhecidos ou não
poder definir o tipo de vida que queres levar ou ainda não conseguir mais habitar em sua
moradia por questões político-econômico-social? Não?! Pois pense.
O regime democrático caracteriza-se por ter em sua essência a participação da
população como um todo nas tomadas de decisões para que assim o Estado se organize e
sirva para o seu fim social. Quando isso não ocorre ou quando o processo de escolha é
duvidoso, gera consequentemente, uma crise de legitimidade institucional, ficando o modo
de governar inviável, insustentável, causando aos representados prejuízos em seu meio de
vida, seja por fatores econômicos ou até mesmo no modelo de administrar. Resta a pessoa,
desse modo, a única saída de abandonar sua forma de viver deixando tudo o que
conquistara na esperança de ter um futuro melhor em outro lugar diferente.
O escopo acadêmico é realizar uma investigação de qual seria a condição jurídica
dos chegados do País Venezuela, se são imigrantes ou refugiados, além do mais, conhecer o
aparato legal que o ordenamento jurídico brasileiro dispõe para essas situações, seus
procedimentos e consequências jurídicas. Não obstante, analisar a função dos organismos
internacionais e do Mercado Comum do Sul- MERCOSUL neste cenário de evacuação em
busca de melhorias na condição de vida presenciado pelo País.
Compreende-se que a solução de “deixar tudo por conta deles, afinal faz parte da
sua soberania” não cabe quando há uma ruptura da ordem constitucional com a convocação
do Poder Constituinte Revolucionário para uma proposta de criação de uma nova
Constituição [1], não se sabendo se a democracia-participação popular- e os direitos
fundamentais dos cidadãos serão devidamente respeitados na nova órbita constitucional.
2 A VENEZUELA: GOVERNO, ECONOMIA E A SITUAÇÃO SOCIAL
129
2.1 Breves Dados
A República Bolivariana da Venezuela é um país sul-americano que tem como
capital a cidade de Caracas, seu grande centro econômico urbano nacional. Apresenta um
território que abrange cerca de 912.050 km² e com uma população aproximadamente de
49,05 milhões de pessoas (dados de 2016). A população é uma miscigenação de Ameríndios,
povos nativos da América do Sul conhecidos pelos colonizadores por “índios” e brancos
europeus provenientes da Espanha, sendo isso o fator determinante para que a língua falada
oficialmente seja o espanhol.[2]
Pelo solo venezuelano ter como formação uma grande jazida de petróleo, país
membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo- OPEP, os grandes conflitos
exteriores dar-se-á por esse intento, os maciços interesses políticos internacionais pela forte
movimentação econômica da matéria-prima.
2.2 O Governo de Hugo Chávez: O nascimento do Chavismo
Antes de adentrar e conhecer o governo de Chaves faz-se necessário de forma
sucinta a análise do governo que o antecedeu e deu-lhe forças para que mais tarde se
tornar-se o Presidente. A figura política mencionada é de Carlos André Pérez.
O primeiro governo de Pérez fora entre 1974 e 1979 e o grande destaque que se faz
é na política pública de nacionalização do petróleo e na formação/fundação da estatal de
Petróleos da Venezuela- PDVSA. A tomada política deixou o Presidente em relevância
fazendo com que ele ganhasse enorme prestigio da população pelos meios de comunicação
midiática mostrarem o Presidente trabalhando em prol de todos e nas melhorias que a
política iria fazer com a economia nacional. A grande movimentação econômica do petróleo
com constantes exportações a preços favoráveis fizera com que a Venezuela adquirisse um
apelido popular de “Venezuela Saudita”, em alusão à Arábia Saudita grande movimentadora
do produto no oriente médio.
A popularidade e aprovação do Presidente fez com que ele tomasse notoriedade
tanto do ponto de vista interno, isto é, em seu próprio território de governo, quanto em
outros Estados Soberanos, como; Cuba e Nicarágua. Assim sendo, em 1988 Peréz ganha as
eleições pelo Partido Ação Democrática, mas o que ninguém esperava era o movimento
popular como ondas de intensos protestos chamado e conhecido mundialmente como
“Caracazo” de 1989.[3]
Os constantes protestos eram devido a um pacote de redução de gastos para tentar
saldar a extensa dívida externa no País. Deixou como infeliz herança histórica 276 mortos em
confronto e um saldo público negativo de US$ 150 milhões em perdas. O governo de Pérez
não ficou bem visto e muito menos bem quisto pelo povo após esses fatos históricos. O que
o esperava mais tarde em 1992 foram duas tentativas de golpe de estado que fora vencido
graças as tropas fieis ao seu governo e um processo de “impeachment” esse por ele
invencível por restar comprovado os desvios de verbas públicas.[4]
130
2.3 O surgimento de Hugo Chávez: A ascensão
Os fortes protestos característicos do governo Pérez foram liderados por um ainda
não tão conhecido tenente-coronel que fazia longos discursos criticando a forma de
governar do Presidente, ganhando aos poucos a evidência que necessitava para sua
posterior candidatura. Hugo fora sentenciado a pena privativa de liberdade de mais de dois
anos por ser figura importante na segunda tentava de golpe de estado e mesmo após isso
ainda era aclamado pelo povo como grande líder político por defender os interesses
nacionais e dos pobres, menos favorecidos economicamente. [5]
Nas eleições presidenciais venezuelana de 1998, Hugo Chávez fora eleito com 56,6%
dos votos e um dos seus atos como agora presidente foi adotar uma nova constituição
alargando seus poderes como chefe de governo transformando o mandato de cinco para
seis anos e admitindo a reeleição, uma “sacada de mestre”, em razão de que em 2000
tornou-se novamente o presidente do povo recebendo do pleito 60% dos votos válidos. [6]
Em decorrência da faculdade governista de adequar suas políticas ao pensamento
de esquerda a cobiça de Hugo Chávez era implantar em seu país o “socialismo do século
XXI”, mas não logrou êxito, pois a estrutura estatal não melhorou da forma esperada e em
2001 e 2002 os oposicionistas do governo chavista realizaram passeatas e paralisações
nacionais, além de uma tentativa de golpe de Estado que não se confirmou isto associado as
forças armadas e parte da população pobre que se sentia representada pelo seu governo.
2.4 Governo Chavista: A mão de ferro e o declínio
Hugo Chávez em 2007 convocou referendo para examinar sua proposta para a
possibilidade de reeleições presidenciais por tempo indeterminado, mas sofre uma
relevante derrota visto que não fora aprovado. Entretanto, não satisfeito com o resultado e
exercendo seu poder influenciador convoca Assembleia Geral para a análise da mesma
questão. E em 2009, as reeleições indeterminadas foram aprovadas por 54,8% dos votantes
e isso gerou uma visível separação nacional e descontentamento dos opositores em situação
desfavorável. A ditadura Chavista de punho de ferro. [7]
A condição do Presidente tornou-se complicada, porém essas não de cunho político,
mas de aspecto físico. O presidente Hugo Chávez é diagnosticado com câncer e falece com
seus 58 anos de idade em 5 de março de 2013 depois de lutar por mais de um ano do mal,
bem próximo de completar 20 anos de chavismos. O que resta de seu governo? Foram os
pensamentos que nortearam todos na época. [8]
3 O GOVERNO DE NICOLÁS MADURO: O HERDEIRO POLÍTICO
3.1 Antecedentes históricos
131
Durante sua trajetória política e em seus últimos desejos para o futuro
venezuelano, Hugo Chávez deixa Nicolás Maduro, seu vice-presidente, como um candidato
para assumir seu “legado” político e todos os seus projetos. Anunciado o falecimento do
presidente, a Constituição da Venezuela prevê em seu artigo 233, in verbis;
Cuando se produzca la falta absoluta del Presidente o Presidenta de la República
durante los primeros cuatro años del período constitucional, se procederá a una nueva
elección universal y directa dentro de los treinta días consecutivos siguientes. Mientras se
elige y toma posesión el nuevo Presidente o Presidenta, se encargará de la Presidencia de la
República el Vicepresidente Ejecutivo o Vicepresidenta Ejecutiva.
Fazendo uma apuração do artigo mencionado anteriormente o vice-presidente
convocará novas eleições para a função presidencial no prazo constitucional de 30 dias.
Nicolás Maduro é o principal personagem para compor a presidência venezuelana e
continuar a realizar o projeto de governo de Chávez, e assim o faz. Torna-se candidato pelo
Partido Socialista Unido da Venezuela-PSUV para concorrer.
3.2 A eleição de Maduro e a Venezuela Atual
Em 15 de abril de 2013 é eleito como sucessor de Hugo Chávez o 48° presidente
venezuelano, a revolução bolivariana continua agora em definitivo, o período de governo
provisório de Maduro se encerra. Com um ganho nas urnas de 50,66% dos votos e com a
participação de 78,71% dos venezuelanos votantes, o governo Maduro entra no poder. Com
o histórico de sindicalista e socialista, Maduro, terá que garantir os propósitos de seu
padrinho político. [9]
O poder de governar se tem em mãos, todavia, não é só com isso que se faz um
presidente ter êxito e realizar a função de garantia do bem comum social. Os reflexos da
continuidade governista chavista têm suas dificuldades em governar, a inflexibilidade do
Presidente aliado com sua maneira autoritária de se comportar politicamente atrai conflitos
nas ruas. A insatisfação popular e oposicionista, a mudança no ordenamento jurídico
venezuelano com a provável alteração constitucional para o mantimento no poder com a
eleição de uma Assembleia Nacional governista com poderes ilimitados são fatores para o
aprofundamento da crise política e econômica. O desconforto interno e
externo/internacional é notável, e os que mais sofrem são os cidadãos governados por essa
situação de descontrole institucional, a saída? A busca por novos caminhos fora do país, o
instinto de sobrevivência é ativo e a esperança de um futuro promissor não se apaga.
4 IMIGRANTE X REFUGIADOS: O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E O
INTERNACIONAL
Imigrantes e refugiados são duas expressões que se ajustam para falar de
deslocamento, a saída de pessoas do seu local de origem para destino diferente, este
internacional, mas o significado, a finalidade se distinguem e não devem ser confundidas.
132
Como anota Hannah Arendt ao dispor sobre refugiados, “A verdadeira dificuldade quando se
trata de refugiados, reside no fato de que a situação é insolúvel no interior da velha
organização estatal dos povos”.[10]
Imigrantes, são pessoas que saem do seu território/país para se estabelecerem em
outro, só que essa decisão foi tomada por conta própria, não houve uma grande influência
externa, e se existiu a motivação não fora política, racial e ideológica, podendo, em muitos
casos, ser climática, pessoal, a procura de um melhor posicionamento de vida e etc.
O Brasil possui a lei n° 13.345, de 24 de maio de 2017 do governo de Michel Temer,
por sinal recentíssima, que institui a Migração, e em seu artigo 1° destaca: ”Esta Lei dispõe
sobre os direitos e os deveres do migrante e do visitante, regula a entrada e estada no País e
estabelece princípios e diretrizes para a política pública pra os emigrantes.”
E continua, no parágrafo único do mesmo artigo, trata de conceituar os termos para
os fins de aplicação legal. No inciso II conceitua o que seriam os imigrantes, in verbis:
“Imigrante: pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece
temporariamente ou definitivamente no Brasil.”
O primeiro destaque que se faz na lei é o termo “trabalha”, nota-se que para fins
legais o imigrante deve se estabelecer no Brasil na condição de trabalhador, todavia a lei faz
uma alternância na colocação da conjunção “ou”, isto é, o imigrante é aquele que trabalha
ou reside, temporariamente ou definitivamente. Por condições de regularidade situacional e
jurídica é necessário, segundo o artigo 5° e 6° da lei, documentos e vistos.
Refugiados são pessoas que deixam seu país de origem como forma de escapar da
perseguição política, religiosa, racial ou até mesmo de guerra. O estado de desesperança e
medo são presentes, a situação é bastante delicada.
A Convenção relativa ao “status” dos refugiados de 1951 conceitua a linha de
aplicação da norma dispondo em seu artigo 1°:
A expressão refugiados se aplica a qualquer pessoa, que em virtude de fundado medo de sofrer perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, participação em determinado grupo social ou consciência política, se encontra fora do país do qual é nacional e está impossibilitado, ou em virtude desse fundado medo, não deseja se entrega à proteção desse país.
A Convenção de 1951, juntamente com o Protocolo de 1967 são os principais
instrumentos internacionais estabelecidos para a proteção dos refugiados contando com a
participação de mais de 140 países signatários, segundo o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados- ACNUR, a qual conceitua-se como organização humanitária,
apolítica e social, possuidora de dois objetivos básicos: proteger o homem, a mulher e a
criança sem situação de refúgio e buscar soluções duradouras para que possam reconstruir
suas vidas em ambiente habitável. [11]
O Brasil é signatário da Convenção de 1951 acorrida em Genebra, o Congresso
Nacional por meio do Decreto Legislativo n° 11, de 7 de julho de 1960 ratifica a Convenção
133
assinada pelo Brasil em 15 de julho de 1952. Não obstante, em 28 de janeiro de 1961 pelo
Decreto 50.215 o então presidente Juscelino Kubitschek decreta de maneira definitiva,
promulgando-a. A partir disso, o Brasil passa a fazer parte da órbita de proteção dos direitos
humanos internacionais para os refugiados.
Entretanto, o Brasil não ratifica a Convenção de 51 de forma integral, são retirados
os artigos 15 e 17. O primeiro sobre os direitos de associação, a saber:
Os Estados Contratantes concederão aos refugiados que residem regularmente em seu território, no que concerne às associações sem fins políticos nem lucrativos e aos sindicatos profissionais, o tratamento mais favorável concedido aos nacionais de um país estrangeiro, nas mesmas circunstâncias.
Outrossim, o artigo 17, cujo assunto abordado são os direitos profissionais de
emprego remunerado, dispõe:
Os Estados Contratantes darão a todo refugiado que resida regularmente no seu território o tratamento mais favorável dado, nas mesmas circunstâncias, aos nacionais de um país estrangeiro no que concerne ao exercício de uma atividade profissional assalariada […]
Ademais, na esfera brasileira de legalidade consta em nosso cenário jurídico atual a
lei n° 9.474, de 22 de julho de 1997 do governo de Fernando Henrique Cardoso que define
mecanismos para a implementação do Estatuto do Refugiados. Para os efeitos legais de
conceituação e caracterização é disposto logo no artigo 1°, incisos I, II e III do Estatuto como
o indivíduo é reconhecido como um refugiado, in verbis:
Devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de
nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; Não tendo
nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou
não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; Devido
a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de
nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
Nota-se com uma primeira leitura que o conceito é proveniente da própria
Convenção de 1951, todavia, de forma mais abrangente no decorrer dos incisos, como é o
caso de “grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país
[…]”. A norma brasileira tem fins mais alargados e os direitos humanos são representados,
pelo menos na positividade normativa, em primeiro momento.
Os direitos à documentação para a regularidade jurídicas-situacional, a não
deportação ou expulsão do território brasileiro, art. 7°, § 1° e art. 36, a garantia da extensão
para o reconhecimento dos efeitos da lei para cônjuges, aos ascendentes e descendentes e
os demais membros do grupo familiar, art. 2°, além da criação do Comitê Nacional para os
Refugiados- CONARE ligado ao Ministério da Justiça, art. 11, são exemplificativamente
134
assegurados pelo Estatuto dos Refugiados, um ganho para a esfera humanitária da
sociedade.
5 DESTINO VENEZUELANO: O BRASIL
Um conjunto de reportagens exibidas pelo Jornal Hoje da emissora nacional Globo
nos dias 14 e 15 de agosto deste ano revelam a realidade de pessoas provenientes da
Venezuela que motivadas pela esperança em ter uma vida melhor para si e para sua família
passam ao atravessar a fronteira com o Brasil.
A cidade de Pacaraima em Roraima, estado brasileiro, faz fronteira com a Venezuela
e todos os dias há pessoas que tentam um futuro melhor aqui no Brasil pedindo refúgio no
posto de atendimento da Polícia Federal. São pessoas de todas as origens; negros, mulatos,
índios; de todas as formas; sozinhos, em casal, com os filhos ou um conjunto de povo, o caso
de tribos indígenas, buscando sua melhoria.
A cidade fronteiriça tem seu aumento populacional duplicado e os reflexos na
saúde, educação, segurança e transporte são logo notados por todos, brasileiros e
venezuelanos. A falta de estrutura para abrigar os refugiados os levam a habitar em locais
abandonados e insalubres, a falta de medicamentos para o tratamento dos doentes, o
número de médicos que não suporta a demanda, a insegurança vivida na rua por busca de
dinheiro e pertences alheios para o sustento, são exemplos da realidade atualmente vivida.
Por conta dessa série de acontecimentos muitos deixam a cidade a procura da capital, Boa
Vista.[12]
A capital por conter constantes movimentações econômicas é destino de muitos
venezuelanos, mas nem todos conseguem se instalarem adequadamente, a saída é ficar
alojados em abrigos improvisados, os centros de acolhimento. O que se nota na reportagem
é a prostituição como meio alternativo para as mulheres jovens que não conseguiram
emprego e passam por dificuldades financeiras. Eram estudantes em seu país e passam a
exercer a atividade sexual por troca de moeda brasileira, a alternativa que encontraram para
a sobrevivência em campo desconhecido, o Brasil.
Algumas pessoas ao serem indagadas pelo repórter José Roberto Burnier sobre sua
condição de vida na Venezuela foram incisivas ao comentarem que há uma profunda
escassez de alimentos e os que ainda têm são vendidos a preços exorbitantes, devido ao
alastre da crise econômica geradora da inflação do País e a desvalorização da moeda
(Bolívar). A maioria não consegue comprar por falta de recursos e trabalho para a sua
obtenção, a consequência disso são conflitos nas ruas contra o governo e o aumento da
criminalidade, uma cadeia de fatores fruto do modo de governar presidencial.
A realidade vivida no Brasil pelos venezuelanos também não garante condições
boas de subsistência , grande parte que chega tem dificuldades com o nosso idioma, pouca
formação acadêmica e não conseguem garantir o seu sustento imediato, os desempregos
vividos tanto pelos brasileiros quanto por eles, recém-chegados, é real e do ponto de vista
da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental de formação constitucional[13], é
135
absurda, em razão de estarem em condição de refúgio e ainda terem que se submeter à
situação de rua. Mas o porquê de viver nessa condição? A resposta está na esperança, na
liberdade permitida. Nas palavras de venezuelanos traduzidas: – “Nascemos de novo no
Brasil”, “Aqui comemos! ”.
É importante fazer um realce da significativa ação humanitária que grupos religiosos
e voluntários, isso, pessoas que dispõe do seu tempo livre para ajudar o outro, não
importando a origem, a cor, a personalidade, mas o puro objetivo de ajudar. Para a
sociedade atual individualista é um grande passo para a construção de um país melhor,
quiçá um mundo de harmonia. A distribuição de alimentos e abrigos são as principais ações,
entretanto não se limitam apenas a isso.[14]
O Município, Estado e União/Federação precisam se reunirem para analisar a
situação de refugiados no Brasil com o objetivo de controlar, não a entrada, mas para uma
melhor administração da situação, a ajuda é imprescindível e as consequências são legais da
omissão.[15]
6 EM BUSCA DE SOLUÇÕES: OS SUJEITOS HISTÓRICOS-SOCIAIS
6.1 O Vaticano se pronuncia: O Papa conciliador
Na difícil realidade vivida por significativa parte dos venezuelanos, faz-se necessário
a complexa procura por personagens que queiram se habilitar a ter tons de conciliação, isto
é, tomarem para si a tarefa de buscar resoluções para a causa. O Papa Francisco, como
grande líder católico, pronunciou-se em viagem que deseja que a Venezuela respeite os
direitos humanos de seus cidadãos, e não parou por aí, dispôs da Santa Sé, em referência ao
Vaticano, para a participação da tentativa de dissolução dos conflitos político-sociais com
reverberação nos direitos mínimos humanitários. Em apoio, Argentina, Brasil, Chile,
Colômbia, Costa Rica, Peru e Uruguai emitiram comunicado ratificando os desejos do
Pontífice.[16]
6.2 A reação americana: Atribuições da OEA
A Organização dos Estados Americanos- OEA perante o estado das coisas na
Venezuela tinha o dever de se pronunciar e assim o fez. Fundada em 1948 com a assinatura
da Carta de OEA, vigorando em 1951, tem como objetivos pilares a Democracia, os Direitos
Humanos, a Segurança e o Desenvolvimento. Proporciona aos Estados-membros uma ordem
de paz e de justiça para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender
a soberania, sua integridade territorial e sua independência, artigo 1° da Carta. [17]
O Estado Mexicano toma frente ao sugerir a condenação Venezuelana para a
emissão de resolução contra o Governo Maduro. Os principais pontos abordados são: a
libertação dos presos políticos; o fim da violência e a não realização de Assembleia Nacional
136
Constituinte, tentativa de mudança constitucional. O que não se esperava, é fato, foi a
reprovação da medida sugerida.
Eram necessários para a aprovação 23 votos, obtiveram apenas 20, foram 5 contras
e 8 abstenções. Nicarágua, Bolívia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas e, por
último, Dominica foram os Países contra a resolução. Equador, El Salvador, República
Dominicana, Haiti, Granada, Suriname, Trinidad e Tobago e, por fim, Antígua e Barbuda
formaram os Países que se privaram de “tomar partido”, isso apontado por muitos devido à
forte influência das dívidas petrolíferas que os países possuem com a Venezuela. [18]
Nota-se que apesar do poder econômico, territorial e populacional, as consideradas
“potências” da organização americana não conseguiram obter seu intento. Após isso,
entretanto, a Venezuela, na figura de sua chanceler Delcy Rodríguez, anuncia sua retirada da
OEA.[19]
6.3 O MERCOSUL em ação
É datado o dia 13 de agosto de 2012, em Brasília, o ingresso da Venezuela no bloco
econômico do Sul da América, tornando-se membro efetiva. Nas palavras de Hugo Chávez: –
“Faz tempo que a Venezuela deve entrar no Mercosul. Mas como está escrito na bíblia, tudo
o que vai ocorrer sob o sol tem sua hora.” Em entrevista coletiva realizada no Palácio do
Planalto. [20]
O Mercado Comum do Sul por comportar como membro a Venezuela não poderia
deixar de agir no que diz respeito às condições políticas e sociais presentes, como forma de
desmotivar o governo atual de Maduro, aprova no dia 5 de agosto deste ano a suspensão
dos direitos políticos por “ruptura da ordem democrática”. Tem seus direitos como membro
bloqueados até que voltem ao status quo no campo de representação democrática, a
unanimidade determina, Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Ao conhecer da ordem o
Presidente Maduro se pronuncia: – “A Venezuela nunca saíra do Bloco”.[21] As sanções
adotadas não são de caráter comercial, pois pioraria a situação já difícil na Venezuela, mas
não é defeso a aplicação de sanções de maneira uniliteral.
6.4 O papel brasileiro: Observação ou Mediação?
No dia 23 de julho deste ano foi realizada uma entrevista na Globonews no
programa Painel, cuja finalidade era analisar a conjuntura política e social da Venezuela e
discutir o papel brasileiro nesse cenário. Estavam presentes, Alberto Pfeifer, Coordenador do
Grupo de Pesquisa da USP, Oliver Stuenkel, Professor de Relações Internacionais da
Fundação Getúlio Vargas e Ricardo Sennes, Cientista Político.
Apresentado, segundo eles, que o Brasil perdeu o tempo necessário para agir em
prol dos cidadãos e da ordem constitucional venezuelana. A estratégia política foi de tomar
atitude de passividade e auxiliar caso alguma Intuição, como a Organização das Nações
137
Unidas, tomasse a dianteira do projeto solucionador dos conflitos. Na visão deles é
improvável que o Brasil seja o líder na busca de meios de resoluções, assim finalizam.
Entendemos que não se trata de um ou outro Estado a tomada única de decisão, é
preciso o apoio de todos ou de uma significativa parte objetivando um efeito capaz de sanar
integralmente o estado de descontrole vivido na Venezuela. Caso o Brasil tome para si a
responsabilidade de líder que assim o faça, mas com a reponsabilidade para o bem comum e
em respeito aos princípios internacionais.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em linhas terminativas de investigação científica pode-se inferir a partir do
aprofundamento da pesquisa que apesar do Estado ter como pilar a promoção do bem
comum, muitas vezes esse objetivo não é alcançado por conta de deliberações políticas que
não satisfazem a todos, gerando em consequência dos atos dilemas de cunho econômico
com efeitos em esferas sociais.
A situação difícil vivida por pessoas em situação de refúgio é real e deve ser tratada
com a máxima cautela, garantindo os direitos fundamentais dos indivíduos descritos em
cartas, convenção e ordens internacionais. Faz-se indispensável a tomada de decisão por
organismos capazes de resolver a crise existente, fundado no mandamento maior de
dignidade, cogente em casos de violação de direitos conquistados a base de muitas lutas no
decorrer da história humana.
Os princípios, as regras, as leis, o ordenamento só farão valer suas funções
declaratória, assecuratória e coercitiva caso sejam aplicados como assim dispõem, não
meras “escrituras” com uma quantidade ampla de direitos elencados se uma pessoa em
circunstância de vulnerabilidade não é permitida usufruí-los, privada de seus direitos, muita
das vezes pelo próprio Estado.
Nesse sentido, é imprescindível a ação da camada conjunta da sociedade,
excluindo-se as fronteiras e com o auxílio da tecnologia, a busca por mecanismos efetivos.
Perante uma sociedade desigual que a cada tempo passado quer retomar ou ser mais
individualista [22] todo o esforço em prol social é mais que louvável.
NOTAS DE FIM
[1] G1 GLOBO, Maduro convoca assembleia constituinte. Disponível em:
<http://gi.globo.com/mundo/noticia/maduro-convoca-assembleia-cidada-para-nova-
contituicao.ghtml> Acesso em: ago. de 2017.
[2] FREITAS, Eduardo. A Venezuela. Disponível em:
<https.www.brasilescola.uol.com.br/geografia. Acesso em: ago. de 2017.
[3] A título de curiosidade, a sétima arte retrata o movimento de protestos em um filme de
nome “El Caracazo” de 2005.
138
[4] ULTIMO SEGUNDO, morre o ex-presidente da Venezuela Carlos Andrés Peréz. Disponível
em: <https/www.ultimosegundo.ig.com.br/mundo/morre-o-expresidente-da-vezuela>
Acesso em: ago. de 2017.
[5] Faz-se uma ressalva que a defensa dos pobres é uma grande “jogada” política devido à
profunda e gigantesca desigualdade sociais em países subdesenvolvidos. O número de
hipossuficientes é incomparável ao número de pessoas com uma situação regular de vida.
Transferindo essa ideia para a prática política há um ganho elevado de votos.
[6] PRADO, Ana. O que você precisa saber sobre Hugo Chávez e a Venezuela. Disponível em:
<www.guiadoestudante.abril.com.br/venezuela> Acesso em: ago. de 2017.
[7] É certo que falar em “ditadura” pode ocasionar o pensamento de parcialidade científica,
mas não resta outro termo que melhor se adequa aos fatos vivenciados no país vizinho. O
poder “sem limite” é perigoso e espantoso para as noções de direitos mínimos humanos.
[8] G1 GLOBO. A morte de Hugo Chávez. Disponível em:
<www.g1.globo.com/mundo/noticia/morre-aos-58-anos-hugo-chaves> Acesso em ago. de
2017.
[9] UOL NOTÌCIAS. Nicolas Maduro é eleito presidente da Venezuela e se mantém no cargo.
Disponível: <https://www.noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-
noticias/venezuela/nicolas-maduro> Acesso em ago. de 2017.
[10] ARENDT, Hannah, Auschiwitz et Jérusalem, Paris, Deuxtemps Tierce, 1991, 138.
[11] ACNUR. O que é a Convenção de 1951. Disponível em:
<https://www.acnur.org/portugues/infomacao-geral/o-que-e-a-convencao-de-1951> Acesso
em: ago. de 2017
[12] G1 GLOBO. A chegada de venezuelanos em Pacaraima. Disponível em: <
https://www.g1.globo.com/rr/roraima/roraima-tv/vidos/v/venezuela> Acesso em: ago. de
2017.
[13] Carta Magna de 1988, artigo 1°, inciso III.
[14] Merece o total apoio, o grito de esperança ressurge, a vida continua.
[15] Ratificação da Convenção das Organizações Unidas Sobre Refugiados que o Brasil é
signatários desde 1960.
[16] MEZA, Alfredo. Papa Francisco pede “soluções negociadas” para a crise na Venezuela.
Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/01/internacional/1493603788_709176.html>
Acesso em: ago. de 2017
[17] OEA. Sobre a OEA: Quem Somos. Disponível em: <https://oas.org/pt/sobre/quem-
somos/asp> Acesso: ago. de 2017
[18] LAFUENTE, Javier; GARCÍA, Jacobo. Pequenos Países derrotam potencias e evitam revés
da Venezuela na OEA. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/20/internacional/1497983612_957635.html>
Acesso em: ago. 2017.
139
[19] ALONSO, Nicolás; MEZA, Alfredo. Venezuela anuncia sua retirada da OEA. Disponível
em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/27/internacional/1493246051_378028.html>
Acesso em: ago. de 2017
[20] TERRA UOL. Para Chávez, Mercosul permitirá à Venezuela ‘sair do modelo petroleiro’.
Disponível em: <https://terra.com.br/noticias/mundo/para/chavez-mercosul-permitira-a-
venezuela-sair-de-modelo-petroleiro> Acesso em: ago. de 2017
[21] BAZZO, Gabriela; FRANCO, Marina. Mercosul suspende direitos políticos da Venezuela
por ‘ruptura da ordem democrática’. Disponível em:
<https://g1.globo.com/mundo/noticia/mercosul-suspende-direitos-politicos-da-venezuela-
por-ruptura-da-ordem-democratica.html> Acesso em: ago. de 2017.
[22] SENRA, Ricardo. ‘Sou nazista, sim’: o protesto da extrema-direita dos EUA contra
negros, imigrantes, gays e judeus. Disponível em:
<htpps://www.bbc.com/portuguese/amp/internacional-40910927> Acesso em: ago. de
2017.
REFERÊNCIAS
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<https://www.acnur.org/portugues/infomacao-geral/o-que-e-a-convencao-de-1951> Acesso
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ALONSO, Nicolás; MEZA, Alfredo. Venezuela anuncia sua retirada da OEA. Disponível em:
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ARENDT, Hannah. Auschiwitz et Jérusalem. Paris, Deuxtemps Tierce, 1991
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos
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BAZZO, Gabriela; FRANCO, Marina. Mercosul suspende direitos políticos da Venezuela por
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141
A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO E A VIOLAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS TRABALHISTAS
THE INTERNATIONAL RESPONSIBILITY OF THE STATE AND THE VIOLATION OF
HUMAN LABOR RIGHTS
Marcos César Botelho13
Djeison Tabisz14
Resumo: considerando o atual cenário mundial de recessão econômica em que muitos
governos visam reestabelecer o crescimento econômico a qualquer custo, quase que
invariavelmente acabam por atacar direitos humanos, principalmente os sociais como é o
caso do direito do trabalho, que vem sofrendo ataques em âmbito interno pelos governos
que buscam de alguma forma restringir a dita recessão econômica, objetiva-se assim
demonstrar como tais atos podem ensejar a responsabilização do estado em âmbito
internacional pela violação à proteção dos direitos humanos. Para tanto, procede-se à
pesquisa bibliográfica em livros, revistas, periódicos e artigos sobre direito internacional
público e do direito em geral, lançando-se mão do método indutivo. Desse modo, observa-se
que ao longo da pesquisa se vislumbra a possibilidade de responsabilização de um estado
frente a grave violação dos direitos humanos e que o direito do trabalho se insere em tal
conceito, o que permite concluir que o ente que excluir ou mesmo diminuir a proteção
destes direitos trabalhistas pode ser responsabilizado internacionalmente.
Palavras-chave: direito internacional; proteção internacional; direitos humanos,
responsabilidade internacional; direito do trabalho.
Abstract: Considering the current world scenario of economic recession in which many
governments aim to reestablish economic growth at any cost, they almost invariably end up
13
Doutor em Direito Constitucional no programa da Instituição Toledo de Ensino/Bauru-SP (2011). Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (2008). Atualmente é advogado da união - Advocacia-Geral da União, lotado na Procuradoria Seccional da União em Campinas/SP. Atuou na Coordenação de Propositura de Ações Não Pró-ativas e de Acompanhamento de Ações Penais, Coordenação de Patrimônio Público e Coordenação Trabalhista na Procuradoria-Regional da União da 3ª Região SP/MS e na Procuradoria-Seccional da União em Marília/SP. Foi Coordenador-Geral de Atos Normativos, Coordenador-Geral de Contencioso Judicial e Coordenador-Geral de Exame de Procedimentos Administrativos, todos na Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa. Foi consultor jurídico da delegação brasileira que participou da Convenção sobre Responsabilidade por atos criminosos por pessoal em missões de manutenção de paz. Foi membro-suplente do Ministério da Defesa no Grupo de Trabalho formado pelos membros da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN) e pela Advocacia-Geral da União instituído para elaborar proposta de tópicos que deverão constar de um Projeto de Lei para a Defesa da Soberania e do Estado Democrático de Direito. É professor adjunto vinculado aos programas de mestrado e doutorado em ciências jurídicas na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). 14
Advogado. Graduado em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).
142
attacking human rights, especially social ones such as labor law, which almost invariably
suffers attacks at the internal level, by governments that seek to restrict the economic
recession in some way, it aims to demonstrate how such acts can lead to the accountability
of such a state in the international arena for the violation of the protection of human rights.
To do so, we proceed to the bibliographic research in books, magazines, periodicals and
articles on public international law and law in general, using the inductive method. In this
way, it can be observed that, during the research, the possibility of a state being held
accountable for the serious violation of human rights can be seen and that labor law is
included in this concept, which allows to conclude that the entity that excludes or even
diminishing the protection of these labor rights can be blamed internationally.
Keywords: international law; international protection; human rights; international
responsibility; labour law.
1 INTRODUÇÃO
Um dos mais importantes institutos de direito internacional é a responsabilidade.
Conceitua-la é uma tarefa um tanto complexa, mas necessária para que se possa chegar à
ideia de como um ente estatal soberano, em regra, pode ser responsabilizado em âmbito
internacional pelo descumprimento de normas deste nível, costumes ou mesmo pelo dano
causado a outro ente ou pessoa.
Os tratados em matéria internacional também merecem destaque posto que
obrigam um estado ao seu cumprimento e que a sua violação pode ensejar a dita
responsabilização internacional daquele estado.
Aspecto que merece destaque também o fato de que os tratados possuem, por
força da norma prevista na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, superioridade
em relação às normas de direito interno, o que significa que a supremacia das normas de
direito internacional e a sua consequente prevalência diante de um eventual conflito com as
normas de direito interno.
Neste sentido, as normas de proteção aos direitos humanos em âmbito
internacional são de grande importância, visto que possuem sistemas proteção de alcance
mundial, bem como no plano regional.
Questão importante a ser debatida é se o direito do trabalho está neste âmbito de
proteção e se um estado que o viole, produzindo normas internas que ensejem a exclusão
ou mesmo a diminuição de direitos dos trabalhadores está inserida nesta proteção e poderia
caracterizar a violação de direitos humanos e subsequentemente ensejar a responsabilidade
do estado que adotar tal conduta.
É neste sentido, portanto, que se desenvolverá o presente estudo ao se dedicar à
análise da responsabilidade internacional do estado em face de sua conduta, mesmo que
interna, de violação de direitos humanos.
143
2 A RESPONSABILIZAÇÃO INTERNACIONAL DO ESTADO: CONCEITO E FORMAS DE
RESPONSABILIZAÇÃO
É importante destacar que a responsabilidade de um Estado frente à comunidade
internacional ganha especial destaque frente a grave violação de direitos humanos
decorrente de políticas econômicas voltadas à promoção do mercado. Hobsbawn (2007, p.
11), por exemplo, assevera que a promoção, e consequente proteção, do mercado livre
global trouxeram consequências para os sistemas de proteção de bem-estar social.
Neste cenário, a análise da responsabilidade internacional do Estado é de suma
importância, tendo em vista que o exercício da jurisdição pelos organismos internacionais
poderá gerar eventuais conflitos com entes estatais, na medida em que haverá uma
mitigação da soberania interna.
Surge, portanto, a necessidade de compreensão do fenômeno da responsabilização
internacional de um Estado, considerando a generalidade e a abstração das normas de
direito internacional, bem como o fato de serem elaboradas conjuntamente por sujeitos de
direito internacional público que se encontram formalmente no mesmo plano de igualdade,
de forma a abranger a comunidade internacional com uma variabilidade considerável de
meios para que se coíbam os possíveis descumprimentos (MAZZUOLI, 2015, p. 613).
Ademais, importante destacar que a responsabilidade internacional é conceito intuitivo, já
que “[…] na medida em que ações são praticadas violando direitos alheios, compete àquele
que causou o dano o dever de repará-lo” (GUERRA, 2017, p. 181).
Com base nisto é possível identificar que quando um Estado viola qualquer norma
de direito internacional, ocasionando algum tipo de dano, quer em âmbito coletivo, quer
individual, deve ele responder pela conduta perpetrada, pois a responsabilidade
internacional “Trata-se de obrigação de um Estado em reparar e satisfazer outro Estado em
razão da produção de um dano” (GUERRA, 2017, p. 181).
Assim, é possível se conceber a responsabilização internacional, mesmo que de
forma ainda precária, considerando a escassez de meios de coação dos Estados para o
cumprimento destas normas, muito mais como responsabilização coletiva do que individual,
e a sua finalidade é “[…] em última análise, reparar e satisfazer, respectivamente, os danos
materiais e éticos sofridos por um Estado em decorrência de atos praticados por outro”
(MAZZUOLI, 2015, p. 613-614).
Do conceito de Mazzuoli, é possível de se entender, em um primeiro momento, que
a responsabilização internacional de um Estado ocorreria somente em relação a atos
praticados por este em relação a outro Ente ou organismo de âmbito internacional.
Contudo, não se pode restringir o alcance do instituto. Como bem observa Paulo
Henrique Gonçalves Portela (2015, p. 381), a tradição ocorre neste sentido, ou seja, da
responsabilização não se referir diretamente ao indivíduo, mas que a possibilidade disto
acontecer hoje é bem mais real, como ele bem observa:
144
Entretanto, já há possibilidades de a pessoa humana responsabilizar diretamente o ente estatal na ordem internacional. É o caso, por exemplo, dos mecanismos existentes dentro da União Europeia e da Organização dos Estados Americanos (OEA), que permitem que indivíduos pleiteiem as devidas reparações pelo descumprimento, por parte dos Estados, das normas internacionais de direitos humanos (PORTELA, 2015, p. 381).
O Estado sempre será responsável quando a sua conduta se caracterizar em um ato
ilícito segundo as normas de direito internacional, gerando o dever de uma reparação
adequada ao dano causado (REZEK, 2016, p. 336). Logo, a ideia de responsabilidade
internacional centra-se na conduta ilícita causadora de dano, seja coletivamente ou no plano
individual.
No plano regional, por exemplo, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
prevê o dever dos Estados-partes de respeitar direitos e liberdades reconhecidos no
documento internacional e a garantir o seu pleno e livre exercício por toda a pessoa que
esteja sujeita à sua jurisdição. Ou seja, não se pode excluir da proteção qualquer cidadão
(GOMES; MAZZUOLI, 2013, p. 29), o que leva à conclusão de que eventual conduta ilícita
estatal é passível de responsabilização internacional[1].
Assim:
A Convenção, quando garante “a toda pessoa” que esteja sujeita à jurisdição do Estado o livre e pleno exercício dos direitos nela consagrados, está a visualizar o papel do Estado sob a ótica ex parte Populi (ou seja, tendo como ponto de partida interesses da pessoa) e não sob a ótica ex parte principis (que leva em consideração apenas os interesses do governo). Assim, se o Estado não tomar ações concretas que garantam às pessoas os direitos consagrados no instrumento internacional, ficam abertas aos cidadãos as portas da jurisdição internacional, que deverá tomar as medidas pertinentes. (GOMES; MAZZUOLI, 2013, p. 30).
É a partir desse pressuposto que se desenvolverá a análise, considerando-se a
possibilidade de responsabilidade do Estado quando a sua conduta ilícita ocasionar dano
seja para outro Estado, seja para um indivíduo.
2.1 Características e formas de responsabilização estatal no âmbito internacional
Como já ressaltado antes, os meios de coação em relação a um Ente Estatal são
ainda bastantes escassos no âmbito internacional, o que acaba dificultando muitas vezes o
cumprimento de decisões que responsabilizem o Estado. Consequentemente, a força
cogente do arcabouço normativo internacional resta mitigada, gerando constantes violações
de normas de direito internacional contra indivíduos ou grupos minoritários e vulneráveis.
Não obstante a isto, é possível analisar algumas características sobre o instituto e
alguns instrumentos que podem contribuir para a sua efetividade no cenário atual, bem
como de algumas melhorias que podem ser implementadas nos sistemas existentes.
145
Um destaque importante a esta linha de raciocínio é a questão de a
responsabilização de um determinado ente poder ocorrer somente em face de um tratado
para o qual este voluntariamente se vinculou. É neste sentido, pois que Paulo Henrique
Gonçalves Portela (2015, p. 382) ensina ao afirmar que “O instituto da responsabilidade
internacional visa a garantir o cumprimento das obrigações com as quais os Estados e os
organismos internacionais livremente se submeteram quando se vinculam a tratados”. Ou
seja, “[…] o princípio fundamental da justiça traduz-se concretamente na obrigação de
manter os compromissos assumidos” (GUERRA, 2017, p. 182), pois não é possível
responsabilizar o Estado com fundamento em uma diploma normativo internacional ao qual
ele não se submeteu.
Ademais, a responsabilidade internacional é sempre institucional. O que significa
dizer que a responsabilização recairá sobre o Estado, mesmo que o ato danoso ou violador
seja praticado por pessoa particular, mas nos interesses ou a serviço daquele. É o
entendimento compartilhado por Portela (2015, p. 382). No mesmo sentido, Rezek (2016, p.
338) assevera que a responsabilidade do Estado surge pela conduta de seus órgãos de
qualquer natureza ou nível hierárquico, sendo que “A ação hostil de particulares não
compromete, por si mesma, a responsabilidade internacional do Estado: este incorrerá em
ilícito somente quando faltar a seus deveres elementares de prevenção e repressão” (REZEK,
2016, p. 338).
Este último ponto é fundamental para o entendimento acerca da responsabilização
do Estado quando há violação de normas de direito internacional às quais voluntariamente
se vinculou. Na expressão de Portela (2015, p. 382) a responsabilização tratada neste âmbito
não é penal, mas tratando-se de instituto que objetiva reparar um prejuízo, possuindo, de
forma comparada ao ordenamento jurídico brasileiro, uma natureza de reparação cível.
Outro aspecto importante é verificar que a responsabilidade do ente estatal pode
advir da prática de um ato comisso ou omissivo, a saber, da prática de uma ação de fazer ou
em razão de um ente deixar de praticar aquilo com o que havia previamente concordado em
âmbito internacional (PORTELA, 2015, p. 382). Assim, lembra Guerra (2017, p. 181-182) que:
A convivência pacífica e a observância das normas internacionais devem ser levadas a bom termo por todos aqueles que fazem parte da sociedade internacional. […]Se ocorrer o caso de o Estado ir de encontro às obrigações convencionais ou consuetudinárias que lhe são impostas pelo Direito Internacional, deve avocar a responsabilidade dos seus atos ou omissões e sujeitar-se às sanções cabíveis. (grifamos).
Pode ainda ser decorrente de violação de tratado internacional ou de costume
internacional. Também pode decorrer da prática de ato pelo próprio governo do Estado ou
de pessoas diretamente a este vinculada, ou ainda de particulares que exercem função que
seria típica do Estado ou por ele de alguma maneira delegada (PORTELA, 2015, p. 382).
Conforme já salientado, em conformidade com as normas de direito internacional
público contemporâneo, não apenas o Estado pode figurar como ofensor, mas é possível
também enquadrar indivíduos, organismos internacionais e sujeitos de direito internacional
146
em geral (REZEK, 2016, p. 338-339). Neste sentido, por exemplo, a Corte de Haia entendeu
que o Irã era responsável pela violência cometida por particulares contra a embaixada
americana em 1979, tendo em vista que o estado iraniano possuía os meios necessários ao
controle da jurisdição (REZEK, 2016, p. 339).
Igualmente, cite-se que no conceito de ato ilícito estão abarcados os atos
legislativos e judiciais (GUERRA, 2017, p. 185). Como enfatizado em Portela (2015, p. 381-
382) se um Estado se presta a violação massiva de direitos humanos e fundamentais, a este
pouco importa a estrutura judicial competente para que se possam coibir tais atos
violadores, como muitos exemplos em termos de regimes ditatoriais militares, muito
presentes na América Latina na segunda metade do século XX.
É também neste sentido que Danielle Annoni enfatiza a questão da
responsabilização internacional de um Estado ao citar julgados da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, observe:
Outro exemplo, de denegação da justiça recentemente analisado por órgãos internacionais de direitos humanos foi o caso Genie Lacayo, no qual a Nicarágua foi acusada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos de delonga injustificada na prolação de sentenças contra os responsáveis pelo desaparecimento e morte de Jean Paul Genie Lacayo. A corte considerou que o prazo de mais de cinco anos sem sentença final não é razoável, violando a Convenção Americana em seu art. 8º, § 1º (ANNONI, 2009, p. 51).
Cumpre ainda destacar mais uma hipótese citada também por Danielle Annoni
(2009, p. 52) que é o caso Villagrán Morales y otros, em que a Guatemala foi processada pela
Comissão Interamericana de Direitos Humanos em um caso de ato judicial injusto. O caso se
referia à absolvição de acusados de cometerem assassinato contra cinco meninos de rua
guatemaltecos, o que no entendimento da Comissão, violou o dever de garantia dos direitos
humanos.
Neste mesmo ponto é possível identificar outra característica do instituto da
responsabilidade internacional, qual seja poder ser ela a título comissivo ou omissivo, o que
quer dizer que o Estado poderá ser responsabilizado quando praticar ato ilícito e também,
quando deixar de praticar ato com o qual tenha se obrigado internacionalmente (PORTELA,
2015, p. 382).
Em que pesem as discussões sobre a temática referida, é preciso ainda destacar que
três são os elementos essenciais da responsabilidade internacional: o ato ilícito, a
imputabilidade e o dano.
No que se refere ao ato ilícito, refere-se a violação de norma internacional, de
maneira que, é de grande importância destacar, “[…] não há escusa para o ato
internacionalmente ilícito no argumento de sua licitude ante a ordem jurídica local” (REZEK,
2017, p. 284).
147
De modo que se faz imperativo na colocação de Rezek (2017, p. 284) que a ilicitude
ocorra em face de violação de dispositivo de direito internacional como, por exemplo:
princípios gerais, costumes, disposição de tratado que esteja vigente, etc.
Interessante ainda se faz o exposto por Mazzuoli (2015, p. 621-622) considerando a
chamada responsabilidade internacional por risco admitida em casos extremos de violação
que causam danos graves a pessoas e ao meio ambiente, em que o dano é retirado desta
fórmula para responsabilização, restando assim somente a o ato ilícito e a imputabilidade.
Ainda sobre a questão, Danielle Annoni (2009, p. 48) engloba o conceito de
imputabilidade dentro do próprio ato ilícito, ao se referir a elementos subjetivos, que seria a
identificação do Estado responsável pela violação, e elementos objetivos, que seria a
identificação de nexo entre a conduta do Estado e a violação danosa.
Cumpre ainda destacar o conceito trazido por Paulo Borba Casella, Hildebrando
Accioly e G. E do Nascimento e Silva:
Ato ilícito é o que viola os deveres ou obrigações internacionais do estado, quer se trate de fato positivo, quer de fato negativo, isto é, de omissão. Tais obrigações não resultam apenas de tratados ou convenções, uma vez que podem decorrer também do costume ou dos princípios gerais do direito (CASELLA et. al., 2011, p. 385. Grifo do autor).
Já no que se refere à imputabilidade, o conceito abrange a responsabilidade do
estado, como tal. O que quer dizer em linhas gerais, a identificação do sujeito responsável
pela violação danosa em âmbito internacional. Mazzuoli (2015, p. 622) conceitua também
como nexo causal.
O terceiro elemento a ser considerado é o dano. O dano como se considerada na
doutrina civilista interna, é a consequência gravosa do ato ilícito praticado pelo estado,
tornando de alguma forma mais onerosa à situação do estado violado, ou do indivíduo
atingido. O dano pode ser perpetrado pelo próprio estado ou por terceiro que o faz em
nome deste (MAZZUOLI, 2015, p. 623). Ainda na expressão de Danielle Annoni:
O dano passa a ser inerente à comprovação do fato internacionalmente ilícito, o que equivale a uma absorção do dano pelo conceito de ilicitude. Portanto, a posição da Comissão de Direito Internacional de considerar toda a violação à norma jurídica um dano, assegura que, constatada a violação de direitos humanos, passa o lesado a ter o direito à reparação. Desse modo, somente o dano considerado como dano jurídico é integrante da responsabilidade internacional do Estado. Logo, há sempre dano quando não há, aparentemente, dano, material a ser reparado (ANNONI, 2009, p. 53).
Assim, é possível se identificar que a responsabilidade internacional é mais acurada
quando se trata da proteção de direitos humanos, o que é bastante relevante para a
conclusão deste trabalho.
Existem, contudo, ainda alguns pressupostos que precisam ser atendidos para que a
demanda possa ser aceita.
148
Com base nisto é possível identificar que um Estado para que possa ser
responsabilizado, deve ser nacional do Estado reclamante. O que significa que para que
possa ser a queixa admissível, deve a vítima ser cidadã do país que possui a competência
para reclamar (MAZZUOLI, 2015, p. 619). Em princípio isto pode sugerir que há um
empecilho quando a pessoa que é vítima é da mesma nacionalidade que o país ofensor, o
que pode claramente ocorrer quando se tratarem de direitos trabalhistas. O fato é que,
como será adiante desenvolvido, esta matéria é afeta ao sistema internacional de proteção
dos direitos humanos, de modo que é garantia universal do indivíduo, o acesso à justiça
quando o próprio estado de sua naturalidade o negar.
Um segundo pressuposto a ser superado para a admissibilidade de tais litígios é o
do esgotamento das vias judicias do estado de origem, vale dizer: “[…] ter esgotado os
recurso internos (administrativos ou judiciais) disponíveis para a salvaguarda dos seus
direitos violados” (MAZZUOLI, 2015, p. 619).
De certa forma é interessante que isto seja necessário posto que por vezes o
próprio poder judiciário ou a seara administrativa pode ser moroso a ponto de causar danos
irreversíveis aos direitos humanos, de modo que assim mesmo pode ensejar o acionamento
da via jurídica internacional (MAZZUOLI, 2015, p. 620).
Um terceiro e último pressuposto é o de que a vítima não tenha de alguma forma
concorrido para a conduta delituosa ensejadora de dano. Ou seja, se a vítima de alguma
contribuiu para o ato, extinta estará à possibilidade de responsabilização internacional do
estado (MAZZUOLI, 2015, p. 620).
Com base nisto, e tendo em mente os conceitos até agora desenvolvidos, é
necessária uma análise acerca da proteção em nível internacional dos direitos humanos,
bem como de tratados e convenções que sejam a este tema pertinente, vale dizer no âmbito
dos chamados direitos sociais, mais especificamente da seara trabalhista, e disto se ocupará
o próximo tópico.
3 OS TRATADOS E A HIERARQUIA EM RELAÇÃO ÀS NORMAS DE DIREITO INTERNO – A
EFETIVA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Como visto anteriormente, a responsabilização de um estado pode ocorrer frente à
violação de normas internacionais, o que abrange inclusive os costumes e os princípios
gerais de direito. Ademais, foi possível identificar também o interesse maior quando as ditas
violações se referirem ao âmbito de proteção dos direitos humanos, quando o dano pode
ser até mesmo presumido.
Os tratados são fontes do direito internacional de elevada importância. Com a
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 foram codificadas as normas de
direito internacional costumeiras até então vigentes e também posteriormente
complementada pela Convenção sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações
Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1986. (CASELLA et al., 2011, p. 154).
149
Assim, Rezek (2017, p. 14) define que: “Tratado é todo acordo formal concluído
entre pessoas jurídicas de direito internacional público e destinado a produzir efeitos
jurídicos”. Para Guerra (2017, p. 96):
Tratado é termo genérico que pode servir para designar um acordo entre dois ou mais Estados para regular um assunto, determinar seus direitos e obrigações, assim como as regras de conduta que devem seguir, mas em nenhum caso é aplicável a um acordo entre um Estado e uma pessoa privada.
Sobre a questão conceitual ainda, Paulo Henrique Gonçalves Portela ensina
conforme a própria citada Convenção de Viena, e desta parte sua conceituação ao
considerar alguns aspectos nela definidos, como a de que são acordos celebrados entre os
Estados e por eles mesmos elaboradas, o que reforça a sua exigibilidade, são escritos e
acordados entre entes estatais soberanos, em regra, e também regidos pelas normas de
direito público internacional (PORTELA, 2015, p. 86).
No que tange a questão da exigibilidade de um tratado, não se pode falar em
obrigar um estado ao cumprimento de um tratado sem que este tenha ao menos
concordado formalmente com ele. É o que ensina Guerra (2017, p. 96), para quem a
primeira condição para a celebração de um tratado é a manifestação de vontade de dois ou
mais sujeitos. Logo, “Não se trata, portanto, de um ato unilateral em que basta a
manifestação da vontade de apenas uma das partes para que haja a produção de efeitos
jurídicos na órbita jurídica internacional.” (GUERRA, 2017, p. 96).
Vale também ressaltar que para o direito internacional, não importa de que forma
serão as normas do tratado incorporadas ao direito interno, mas uma vez assentido, ela já é
considerada como parte do acordo e de fato incorporada ao ordenamento interno daquele
estado, desde que obedecidas às formalidades necessárias à sua vigência, posto que norma
interna que contrarie o preceito desse não pode vislumbrar esquiva ao cumprimento
daquele (REZEK, 2010, p. 78).
Neste sentido, Portela (2015, p. 109) ensina sobre a vigência diferida e a vigência
contemporânea dos tratados. Este trata da entrada em vigor no momento em as partes
acordam o texto do tratado e a ele se vinculam pela assinatura. Quanto àquela, se
configuram quando o próprio texto do tratado estabelece um prazo para sua entrada em
vigor.
É digno de se mencionar ainda o artigo 26 da Convenção de Viena de 1969 que diz:
“Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”. (CAMARA,
2015).
A questão da exigibilidade resta evidente. O estado signatário deve cumprir o
acordado. Entretanto, para os fins do presente estudo, merecem destaque as normas
internacionais de proteção dos direitos humanos, sendo possível reconhecer um sistema de
proteção internacional dos direitos humanos de âmbito mundial.
150
Este sistema de proteção ganha destaque em razão dos horrores perpetrados na
Segunda Guerra Mundial (CASELLA; SILVA; ACCIOLY, 2011, p. 491), com os direitos humanos
ganhando força expressiva no átimo seguinte, ante a constatação da necessidade de
proteção. Houve a necessidade de desenvolvimento de teorias jurídicas comprometidas com
os valores humanitários, sobretudo porque o nazismo promoveu a uma “legalização do mal”
(MARMELSTEIN, 2011, p. 3). Segundo Flávia Piovesan (2006, p. 8), a internacionalização dos
direitos humanos é fruto de um momento histórico peculiar e recente, surgindo a partir do
Pós-Guerra como uma resposta às atrocidades cometidas pelo regime nazista.
Contudo a proteção de tais direitos não se encerra apenas neste sistema. De tal
sorte que como bem expresso, a coexistência dos sistemas mundial e regionais é
perfeitamente aceitável (CASELLA; SILVA; ACCIOLY, 2011, p. 497).
Fala-se assim no sistema europeu que funciona dentro do Conselho da Europa e se
esteia na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais de 1950, Carta Social Europeia de 1961e de diversos Protocolos adicionais.
Este sistema conta ainda, com uma corte especializada: a Corte Europeia de Direitos
Humanos (CASELLA; SILVA; ACCIOLY, 2011, p. 496-497).
Há também o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. Este é
composto por quatro expressões normativas principais: a Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem, a Carta de Organização dos Estados Americanos, a Convenção
Americana de Direitos Humanos e o Protocolo relativo aos direitos sociais e econômicos.
Neste sistema, a vítima ou seu representante pode peticionar junto à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos que apreciará a sua admissibilidade e se for o caso,
apresentará o caso à Corte Interamericana dos Direitos Humanos (CASELLA; SILVA; ACCIOLY,
2011, p. 499-500).
Há ainda um terceiro sistema regional, o sistema africano. Este está inserido na
nova União Africana e está baseada na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de
1981 e em seu Protocolo Adicional de 1998 que estabeleceu a primeira corte de direitos
humanos e sua proteção em nível internacional da África e que veio a funcionar no ano de
2004 (CASELLA et al., 2011, p. 501).
Neste sentido como oportunamente ensina Danielle Annoni (2009, p. 111) é preciso
que se reconheçam os direitos humanos, de cidadania e sua relação com a justiça, não mais
apenas como direitos do cidadão tão somente, mas como algo imanentemente ligado ao
próprio ser humano e desde tempos imemoriais ligados ao âmbito de exigibilidade deste, ou
seja, inerentes ao ser humano. E é nisto que reside, em resumo à questão processualística
da proteção destes direitos no âmbito internacional, que é o acesso à justiça nos termos de
duração razoável, de imparcialidade e do próprio acesso, com um direito humano, portanto.
Assim, é possível concluir que os tratados são desde logo exigíveis dos Estados
signatários não importando se haja norma de direito interno que o contrarie, que também a
proteção dos direitos humanos em âmbito internacional é de grande destaque, justamente
na direção de sua importância e exigibilidade e que são meios adequados também em
151
complemento ao considerado no tópico anterior, de se exigir a devida reparação de um
estado em caso de descumprimento.
4 QUESTÕES TRABALHISTAS NA SEARA INTERNACIONAL: RESPONSABILIZAÇÃO EM CASO
DE GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos sociais são parte fundamental da historiografia, da concepção e da
concretude dos direitos humanos. São ditos direitos de prestação positiva, que exigem um
comportamento positivo do Estado em face da possibilidade de que se não respeitados,
podem fazer com que pessoas ou coletividades sofram intenso dano que dificilmente poderá
ser reparado. Na valiosa lição de Ingo Sarlet: “Não se cuida mais, portanto, de liberdade do e
perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado” (SARLET, 2012, p. 33).
Assim, como bem lembra Leonardo Augusto Gonçalves (2013, p. 72) os direitos
fundamentais, vale dizer os direitos humanos, foram elevados a um grau de elevada
importância, fato que fez com que fosse assim também sobrelevado à proteção além do
próprio estado, merecendo então a proteção internacional.
Nesta linha de raciocínio é preciso que se destaque que o direito do trabalho
também foi elevado a esta proteção, como a própria Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 (DUDH, 2009, p. 12).
Tal importância deste direito social é ressaltada em face da consolidação da Carta
Internacional de Direitos Sociais Trabalhistas sob a intensa atividade da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), assim como a Declaração Referente aos Fins e Objetivos da
Organização Internacional do Trabalho (Declaração da Filadélfia), a Declaração da OIT sobre
os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e também a Agenda do Trabalho Decente
(DELGADO; AMORIM, 2014, p. 28-29).
Alguns dos pontos que merecem destaque, necessariamente na chamada
Declaração da Filadélfia é a desmercantilização do trabalho em um nível máximo
desvinculando-o da sociedade capitalista (DELGADO; AMORIM, 2014, p. 29).
Rodolfo Arango (2005, p 37), com percuciente clareza esclarece que, os direitos
sociais são direitos fundamentais, sendo, por conseguinte, direitos subjetivos com um alto
grau de importância.
Um marco de extrema importância foi a elaboração da Declaração de 1998, ou
Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Nesta reúnem-
se alguns dos assuntos mais importantes referentes à proteção internacional dos direitos
trabalhistas, tornando-se verdadeiramente os Direitos Humanos dos Trabalhadores,
consolidando a proteção à posição de centralidade à liberdade de associação e de
negociação coletiva, eliminação de todas as formas de trabalhos forçados, a extinção do
trabalho infantil e também a eliminação da discriminação no emprego (DELGADO; AMORIM,
2014, p. 29).
152
Há ainda uma recomendação da OIT, a de número 198 que trata da fixação em
âmbito interno de uma política de proteção àqueles vinculados em uma relação trabalhista,
bem como a de determinação de existência desta relação (DELGADO; AMORIM, 2014, p. 30).
Sobre a fundamentação ontológica do direito trabalhista como merecedor da
proteção em âmbito internacional está a colocação de Maurício Godinho Delgado (2016, p.
86) ao afirmar que: “A conquista da afirmação da dignidade da pessoa humana não mais
podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo,
naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e
social”.
Vale ainda dizer que a OIT possui um procedimento específico em caso de violação
de normas trabalhistas internacionais por determinado Estado. Em verdade são dois
procedimentos que a Constituição da OIT prevê: a reclamação e a queixa. Assim, quando um
estado-membro não assegurar o devido cumprimento de uma convenção da qual é
signatário, uma organização de trabalhadores pode dirigir uma Reclamação dirigida à
Repartição Internacional do Trabalho (RIT) (PORTELA, 2015, p. 470).
A outra opção refere-se a quando outro Estado-membro pode envia a RIT uma
queixa, quando outro Estado-membro deixa de cumprir as normas de um tratado de direito
internacional do trabalho (PORTELA, 2015, p. 470).
Cumpre destacar, portanto, que a OIT é composta por recomendações e
convenções, e que estas convenções em nada diferem dos tratados multilaterais de direito
internacional aplicando-se a eles todas as normas aplicáveis àqueles, como bem expressa
Portela (2015, p. 474).
O artigo 7º do protocolo adicional (Protocolo de San Salvador) à Convenção
Interamericana de Direitos Humanos afirma que é dever dos Estados signatários garantir
condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho, obrigando-os a garantir o gozo do
direito ao trabalho nestas condições através da aprovação e adequação de normas do direito
interno.
Assim, o documento internacional proclama a necessidade de se assegurar uma
remuneração justa aos trabalhadores, apta a promover condições de subsistência digna para
ele e sua família.
Neste cenário, é dever dos Estados promover medidas legislativas, políticas públicas
e prática judicial que seja compatível com o primado internacional da proteção ao direito do
trabalho. Políticas econômicas não podem incentivar a diminuição de empregos ou
promover qualquer enfraquecimento que seja da rede de proteção aos trabalhadores.
Na base de políticas econômicas e sociais devem estar presente princípios voltados
à proteção do emprego e a consolidação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Neste
sentido é que a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais ou Declaração dos
Direitos Sociais dos Trabalhadores adotada na Conferência Americana do Rio de Janeiro,
ocorrida em 1947, prevê que o trabalho é uma função social que goza da proteção especial
do Estado, não devendo ser considerado um artigo de comércio. Ademais, prevê que os
153
direitos consagrados em favor dos trabalhadores são irrenunciáveis e que as leis que os
reconheçam beneficiam a todos habitantes do território, sejam nacionais ou estrangeiros.
Há, portanto, diversos instrumentos normativos que preveem normas de proteção
ao trabalhador e que promovem o direito ao trabalho, os quais se violados por um Estado
tem força normativa para gerar a responsabilidade do ente estatal no plano internacional.
No plano processual, é preciso considerar que existe o procedimento previsto no âmbito da
OIT, que não exclui a responsabilidade internacional do Estado respeitada os seus
pressupostos processuais de admissibilidade.
A promoção da proteção e garantias ao trabalhador exige dos Estados signatários
dos instrumentos normativos internacionais a implementação séria e comprometida com a
promoção dos direitos fundamentais sociais, compromisso que deve passar pela execução
de políticas públicas, legislativas e prática judiciária que atentem para os princípios e regras
de proteção ao trabalho.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No âmbito dos direitos sociais, o direito do trabalho ocupa uma posição relevante,
considerando que no âmbito internacional possui uma organização internacional voltada
somente para a proteção das normas a este vinculadas.
A questão que se impôs neste trabalho, a de saber acerca de possibilidade de
responsabilização internacional de um estado em face da desobediência de tratados em
matéria trabalhista e da subsequente grave violação dos direitos humanos.
Sobre isto, o estudo do instituto da responsabilidade internacional do estado e de
suas características essenciais foi fundamental para que se pudesse concluir a respeito da
referida questão.
Também o estudo do instituto do tratado, de âmbito internacional foi necessário
para que pudesse entender que um tratado depois de assinado pelas partes, possui
essencialmente hierarquia em relação às normas de direito interno, visto que depois de
aceito pelos Estados, não importa que haja norma de direito interno com este conflitante.
Finalmente os estudos sobre o direito do trabalho em nível internacional e sua
respectiva normatização formam uma corroboração sobre como a violação destas normas
por um estado-membro enseja sua responsabilização internacional.
Assim, se um estado por motivos quaisquer que sejam deixa de cumprir normas
internacionais trabalhistas às quais ele voluntariamente se vinculou, poderá ser
responsabilizado, independentemente dos procedimentos previstos na OIT, e isto, pode ser
feito nas cortes de sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, visto que as
normas internacionais existentes ensejam a proteção de direitos humanos.
NOTA DE FIM
154
[1] Conferir: CDHI, Caso Velásquez Rodriguez vs. Honduras, Mérito, sentença de 29 de julho
de 1988, Série C, n. 4, parágrafo 166; CDHI, Caso Godinez Cruz vs. Honduras, Mérito,
sentença de 20 de janeiro de 1989, Série C, n. 5, parágrafo 175.
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São Paulo: Malheiros, 2009.
155
A ILICITUDE DAS POLÍTICAS GERADORAS DE REFUGIADOS PERANTE O DIREITO
INTERNACIONAL
THE ILLEGALITY OF THE REFUGEES GENERATING POLICIES TOWARDS
INTERNATIONAL LAW
Amael Notini Moreira Bahia15
Resumo: O presente artigo visa considerar a ilegalidade da geração dos fluxos massivos de
refugiados de forma a possibilitar a responsabilização internacional do Estado. Para tanto,
foram analisados o ato da geração dos fluxos em si enquanto violação de normas
convencionais de direitos humanos e de um potencial direito costumeiro internacional no
âmbito do direito internacional dos refugiados. Em suma, conclui-se que não seria possível
gerar um fluxo massivo de refugiados sem contrariar os mecanismos legais existentes de
direitos humanos, mesmo que essas normas tenham uma incidência limitada por se
tratarem de normas convencionais. Além disso, apesar da existência de uma movimentação
dos Estados para proibir a geração dos fluxos massivos de refugiados, não é possível
argumentar acerca de uma norma que vincule os Estados no âmbito do Direito Internacional
consuetudinário.
Palavras-chave: Fluxos Massivos de Refugiados; Direitos Humanos; Direito Internacional dos
Refugiados.
Abstract: The present paper analyses the illegality of the generation of massive refugee
flows as a means for considering the State’s responsibility. In this sense, the study was
focused on the act of the generation of the massive flows itself, as a violation of human
rights law and international customary law obligations in the realm of international refugee
law. In sum, the paper concludes that it would be impossible to generate a massive flow of
refugees without violating the existing human rights conventions, even if these rules have
limits to their implementation, as they are conventional rules. In addition, even if it is
possible to perceive a movement of the States in order to prohibit the generation of massive
refugee flows, a customary rule in this regard has not been consolidated.
Keywords: Massive Refugee Flows; Human Rights; International Refugee Law.
1 INTRODUÇÃO
15
Graduando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador na UFMG e no centro de Direito Internacional (CEDIN). Estagiário da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais.
156
A garantia básica de direitos humanos, até mesmo nos limites mínimos das
obrigações essenciais dos Estados, encontra-se em um momento de crise. Essa instabilidade
é estrutural e advém das desigualdades econômicas e sociais no âmbito interno dos Estados,
se manifestando também no contexto da comunidade internacional. Esse problema se
apresenta também na questão dos refugiados, visto que a maioria desses se concentra nos
países em desenvolvimento. [1]
De acordo com a Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR),
em 2011, os países em desenvolvimento hospedavam cerca de 80% dos refugiados que se
enquadravam no mandato da organização. [2] Isso acontece devido ao fato de que esses
países dividem limites fronteiriços com outros países de semelhante instabilidade econômica
e social, assim como demonstrado por um relatório efetuado para o Banco Mundial em
2010.[3] O estudo evidenciou que, em 2009, a maior parte dos refugiados encontrava-se no
Oriente Médio, no Norte da África, no Sul da Ásia e na África Subsaariana,[4] regiões de
grande instabilidade não só econômica, mas também política.
Considerando tal contexto de grave crise de refugiados, torna-se fundamental
analisar se a criação de fluxo de refugiados configura ou não um ilícito internacional, para
que se possa vislumbrar a responsabilidade internacional do Estado.
Desse modo, o princípio da responsabilidade estatal estabelece que um Estado seja
responsabilizado pelos seus atos internacionalmente ilícitos que violem suas obrigações
perante outros sujeitos de Direito Internacional.[5] Apesar de tal princípio ser um dos mais
consolidados sob a égide do Direito Internacional, esse teve sua aplicação limitada em
relação à questão dos refugiados na medida em que, tradicionalmente, a formação de fluxos
de refugiados não era vista como uma problemática que envolvesse Estados.[6]
Contudo, com o advento da Segunda Guerra Mundial e o crescente fluxo
transfronteiriço de pessoas em busca de refúgio, surgiram novas situações legais, sociais e
econômicas que alteraram significativamente a dinâmica das relações não só entre Estados,
mas também entre os Estados e os indivíduos. Desse modo, paralelamente ao surgimento de
mecanismos de proteção direta dos indivíduos por meio das convenções de direitos
humanos, tais como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR), o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais (ICESCR) e a Convenção relativa
ao Estatuto dos Refugiados,[7] a consideração da responsabilidade estatal pela geração de
fluxos de refugiados como meio preventivo de proteção também emergia no âmbito do
direito internacional do século XX.[8]
O presente artigo visa, assim, analisar a temática das políticas geradoras de fluxos
de refugiados por meio da consideração da responsabilização estatal com base no ato em si
enquanto violação das normas de direito internacional. Essa análise perpassará a
observância de normas convencionais de direitos humanos e a potencial formação de
normas costumeiras relacionadas ao surgimento de fluxos massivos de refugiados.
2 A POLÍTICA GERADORA DE REFUGIADOS COMO VIOLAÇÃO DE OBRIGAÇÕES
CONVENCIONAIS
157
Apesar do enorme progresso realizado no que tange à proteção dos refugiados por
normas internacionais, não existem normas gerais que permitam que as vítimas de
perseguição responsabilizem o Estado por seus atos.[9] Existem, no entanto, sistemas
especiais de normas que permitem aos refugiados exigir reparações pelos danos sofridos em
decorrência das violações de obrigações convencionais assumidas pelos Estados, tal como é
o caso da ICCPR, da ICESCR, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, da
Convenção Europeia de Direitos Humanos, e da Carta Africana de Direitos Humanos e dos
Povos.[10]
As obrigações do Estado perante as convenções internacionais de direitos humanos
limitam o seu poder discricionário de implementar políticas públicas que possam dar ensejo
à fluxos massivos de refugiados.[11] Infelizmente, essa proteção não é absoluta. Nesse
sentido, Aga Khan, em seu relatório de 1981 referente à “Questão da Violação de Direitos
Humanos e Liberdades Fundamentais”, cujo foco era a relação entre os direitos humanos e
os êxodos em massa, demonstrou que a maior parte dos países nos quais surgiram fluxos
massivos de pessoas não haviam ratificado as convenções aplicáveis de direitos
humanos.[12] Assim, Khan analisou a questão factual dos refugiados perante à Declaração
Universal de Direitos Humanos, um instrumento internacional que, apesar de seu
imensurável valor simbólico, não vincula os Estados.[13] Esse estudo evidenciou um lógica
moral, e não legal, de evitar os fluxos massivos de refugiados por meio do respeito aos
direitos humanos.[14]
Apesar dessa realidade ter se alterado radicalmente nos últimos 30 anos – na
medida em que a os tratados de direitos humanos começaram a lograr grande aceitação
internacional, de forma que mais de 195 Estados ratificaram pelo menos uma das seis
principais convenções multilaterais de direitos humanos -,[15] os direitos previstos em
alguns desses tratados, como na ICESCR, ainda apresentam um alcance limitado, uma vez
que estão sujeitos à um sistema de desenvolvimento progressivo de direitos, o qual
estabelece que os Estados devem assegurar os direitos garantidos nessas convenções de
acordo com a disponibilidade de recursos para tal.[16] Desse modo, ainda que tal
relativização dos direitos não possa ultrapassar as obrigações essenciais do Estado,
permanece uma controvérsia acerca de qual seria o nível aceitável de negligência de um
Estado em relação a cada direito específico, o que dificulta sua responsabilização.
Aliada às convenções internacionais de direitos humanos e apesar de suas
limitações, a emergência dos indivíduos como sujeitos de Direito Internacional possibilitou
um novo âmbito de responsabilização do Estado perante seus atos internacionalmente
ilícitos, visto que os indivíduos passaram a poder exigir seus direitos por meio dos tribunais
de direitos humanos.[17] Essa capacidade de personalidade jurídica internacional
possibilitou a consolidação dos direitos humanos por meio da sua observância direta e pela
maior acessibilidade dos afetados pela violação dessas normas a tribunais internacionais.[18]
Nesse sentido, o direito de não se tornar um refugiado pode ser construído a partir,
por exemplo, das cláusulas respectivas da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e
158
da Convenção Europeia de Direitos Humanos, semelhantes ao artigo 12, parágrafo 4, da
ICCPR, que estipula que a ninguém será negado arbitrariamente o direito de entrada em seu
próprio país.[19]
Uma importante decisão que ilustra tal enunciado é a Comunidade de Moiwana v.
Suriname, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que se relaciona ao massacre de
uma pequena vila pelo Suriname no ano de 1986. Nesse caso, o direito de retorno foi
interpretado de forma substantiva, de forma que a ausência de investigações do massacre e
a falta de uma garantia de proteção impediram o retorno dos residentes da região atacada,
gerando assim uma violação da Convenção Interamericana.[20] Tal caso apresenta grande
relevância na jurisprudência internacional, uma vez que estabeleceu a obrigação de um
Estado de criar as condições necessárias ao retorno de seus cidadãos perseguidos,
abrangendo, assim, um direito do exilado em não temer seu retorno.[21] A forma idônea de
garantir essas condições necessárias engloba, mas não se limita à, eliminar as causas que
geraram o fluxo de refugiados.
Outro importante direito a ser garantido pelo Estado é o da liberdade de
movimento e residência,[22] o qual seria violado pela criação de um fluxo de refugiados. Isso
se torna evidente na decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Denizci v.
Chipre, que envolvia a expulsão forçada de algumas pessoas de origem turca do norte da
ilha.[23] A Corte considerou nesse caso que a restrição da liberdade dos indivíduos afetados
foi uma clara violação dos direitos garantidos a eles pelo Protocolo no. 4 da Convenção
Europeia de Direitos Humanos.[24]
Por outro lado, a jurisprudência da Corte Europeia também demonstra as limitações
desse sistema para a proteção dos indivíduos contra as arbitrariedades do Estado, que
podem culminar na geração dos fluxos de refugiados. Essa limitação é relativa à jurisdição
dos sistemas de proteção dos direitos humanos em um caráter regional, que se restringe aos
países que não são os principais responsáveis pelos fluxos de refugiados.[25] Acusações
contra a Turquia, por exemplo, foram consideradas inadmissíveis pelo fato desse país não
ser signatário do Protocolo da Convenção Europeia de Direitos Humanos.[26] A Turquia
ainda é um caso excepcional por fazer parte da Convenção Europeia, demonstrando uma
expansão do conceito geográfico referente à Europa, mas ainda demonstra a limitação da
aplicação dos direitos humanos como meio de proteção aos indivíduos.
No entanto, as maiores limitações do sistema de proteção convencional, que incita
a responsabilidade estatal por meio de reivindicações individuais em tribunais
internacionais, são a capacidade de prover remédios jurídicos a todos os afetados em casos
de fuga em massa e o fato de tal sistema atuar apenas posteriormente à fuga dos indivíduos
por motivos de perseguição, visto que é necessário o esgotamento dos recursos domésticos
antes da possibilidade de levar o caso a um tribunal internacional, o qual se revela enquanto
um requerimento praticamente inatingível para uma pessoa que começou a ser perseguida e
teme por sua vida.[27]
Cabe ainda considerar a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados no mesmo
contexto jurídico das convenções de direitos humanos.[28] Essa convenção possui uma
159
delimitação restrita dos indivíduos a serem tutelados por ela, e estabelece que serão
considerados como refugiados apenas aqueles que tenham fundamentado medo de
perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social
particular ou opinião política.[29] Dessa forma, o critério objetivo necessário à
caracterização de um indivíduo como refugiado pode ser concretizado na forma de uma
violação sistemática de direitos humanos, a qual é uma forma de perseguição.[30] É
importante notar, entretanto, que nos casos relacionados à violação sistemática de direitos
humanos, o ato de perseguição em si é um ilícito internacional que contraria os direitos dos
indivíduos no âmbito do Direito Internacional, sendo irrelevante se o fluxo de refugiados
chega a surgir de fato. A responsabilidade do Estado, portanto, advém de seu ato em si, e
não dos efeitos causados por ele em outros Estados.[31]
Nesse viés, ressalta-se a violação sistemática dos direitos econômicos, sociais e
culturais, que não configuram uma ordem expressa de expulsão, mas torna a situação de
sobrevivência de um determinado grupo tão precária que não seria razoável presumir que
ele permaneceria no território que costumava ocupar.[32] Essas violações que tornam a vida
insustentável para um grupo particular podem ser evidenciadas nas obrigações essenciais da
ICESCR, tais como o direito a um padrão adequado de vida, que inclui o acesso à comida,
vestimentas e moradia, como também o direito ao máximo padrão atingível de saúde
mental e física.[33] Dessa forma, apesar de não haver qualquer provisão expressa acerca da
proibição da geração de fluxos massivos de refugiados nas principais convenções de direitos
humanos, não seria possível gerar tal fluxo sem violar as normas previstas nelas.
Além disso, de acordo com Tomuschat, as obrigações convencionais de direitos
humanos têm também um viés de proteção da paz, englobando assim os possíveis efeitos
que suas violações acarretariam para outros Estados, assim como pode ser observado nos
preâmbulos da Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da
ICCPR e da ICESCR.[34] Nesse sentido, essas normas não existem apenas em vista de
proteger seus destinatários diretos, mas também foram concebidas como meios de proteção
da paz, na medida em que previnem que os efeitos do desrespeito às necessidades básicas
do ser humano criem uma instabilidade em um Estado que se espalhe gradualmente pela
região do globo que ele ocupa. Essa perspectiva permite que os Estados, como membros da
comunidade internacional, tenham a prerrogativa de invocar a responsabilidade estatal do
Estado que emprega as políticas geradoras de fluxos massivos de refugiados na medida em
que têm o objetivo de proteger um interesse coletivo.[35]
Dessa forma, é possível perceber que as convenções de direitos humanos
possibilitam a responsabilização dos Estados perante o Direito Internacional pela
perseguição sistemática de indivíduos, que culminam frequentemente em fluxos massivos
de refugiados. Não seria possível gerar tais fluxos sem violar os dispositivos presentes nessas
convenções, de forma que o sistema de proteção dos direitos humanos cria um arcabouço
jurídico de caráter preventivo no que se refere à produção dos fluxos massivos de
refugiados. No entanto, faz-se necessário ressaltar as limitações jurisdicionais relativas ao
caráter regional de algumas convenções de direitos humanos, além dos limites processuais
160
dos tribunais competentes, que estabelecem a necessidade do exaurimento dos meios
domésticos de reparação antes do recurso aos remédios internacionais, privilégio esse do
qual a maioria dos refugiados não têm a possibilidade de desfrutar.
Ademais, apenas a responsabilização pode, por vezes, não ser o meio mais eficiente
para lidar com essa questão quando o Estado que viola esses direitos estiver em uma
situação tão crítica a ponto de não possuir recursos de fato para lidar com a situação. Nesse
caso, uma atuação da comunidade internacional para auxiliar o Estado seria essencial para
evitar não só a violação de direitos humanos, mas a geração de um fluxo de refugiados.
Como a violação de direitos humanos tem um forte efeito nos movimentos de refugiados,
um monitoramento desses direitos é essencial para a prevenção de crises internacionais
relacionadas a esses fluxos de pessoas.[36]
3 A FORMAÇÃO DE UMA NORMA COSTUMEIRA NO ÂMBITO DO DIREITO INTERNACIONAL
DOS REFUGIADOS
O costume é uma fonte primária de Direito Internacional, juntamente com os
tratados e os princípios gerais do direito.[37] Essa fonte se caracteriza pelos seus elementos
objetivo e subjetivo, os quais conjuntamente demonstram a existência de uma norma
consuetudinária, mas individualmente não apresentam caráter vinculante aos Estados.[38]
O elemento objetivo do costume é a prática reiterada, que consiste em atos físicos,
declarações, protestos, atuação no âmbito de organizações internacionais e afins.[39] A
prática reiterada não necessita de ser universal,[40] porém, deve ser extensa e uniforme,
devendo considerar especialmente a prática dos Estados mais afetados.[41] O elemento
subjetivo, por sua vez, é o reconhecimento da prática como vinculante, e consiste na
atuação do Estado de forma independente de outros motivos de ação, tais como a cortesia e
as obrigações convencionais.[42] Esse elemento pode ser demonstrado por meio de
protestos diplomáticos, opiniões de especialistas da área jurídica de um Estado e resoluções
de órgãos deliberativos de organizações internacionais.[43] Desse modo, considerando tal
arcabouço conceitual, existe certa divergência na doutrina acerca da existência de uma
norma costumeira de direito internacional que crie obstáculos legais à implementação de
políticas responsáveis pela geração do fluxo massivo de refugiados.[44]
Historicamente, houve o desenvolvimento de uma desaprovação dos Estados à
geração dos fluxos de refugiados, tanto pela questão humanitária quanto pela flagrante
violação dos direitos dos Estados que recebiam os fluxos massivos de refugiados. Essa
aversão pode ser traçada até o século XIX, quando o Presidente Harrison declarou ao
congresso americano o embaraço da nação norte-americana diante da geração de
refugiados na Rússia. Em tal ocasião, o presidente afirmou que:
O banimento, por decreto ou por métodos mais indiretos, de um número tão
grande de homens e mulheres não é uma questão local. Um decreto para abandonar um
país é, na natureza das coisas, uma ordem para adentrar outro. Essa consideração, assim
161
como as sugestões de humanidade, dão uma ampla base para o protesto que apresentamos
à Rússia.[45]
Em mesmo sentido, as resoluções da Assembleia das Nações Unidas, referentes à
“Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados”, idealizadas
pela Alemanha, consistiram em um movimento de combate às causas dos fluxos massivos de
refugiados. Esse movimento se inicia pela resolução 35/124, que “fortemente condena todas
as políticas de regimes opressivos e racistas, como também a agressão, dominação
estrangeira e ocupação externa, que são primariamente responsáveis pelo fluxo massivo de
refugiados pelo mundo, e cujo resultado é o sofrimento desumano”.[46]
Os comentários dos Estados à tais resoluções demonstram a difusão na comunidade
internacional dessa concepção de aparente ilegalidade, ou pelo menos do reconhecimento
da questão dos fluxos massivos como uma questão regional que clama por uma atuação
conjunta dos Estados para impedir a ocorrência de novos fluxos. Muitos Estados se
pronunciaram com o intuito de criar uma conduta que fosse condizente com os princípios
estipulados na Carta da Organização das Nações Unidas, sendo que a violação destes seria
responsável pela limitação de direitos humanos básicos e, portanto, uma potencial causa
geradora de fluxos.[47]
Após a análise dos comentários recebidos, especialmente em relação à resolução
35/124, foi decidido que se criasse um Grupo de Especialistas Governamentais para estudar
meios de acabar com os fluxos de refugiados com base na cooperação internacional.[48]
Considerando, assim, as opiniões dos Estados, houve aqueles que defendiam uma
solução do problema dos refugiados por meio da prevenção, que consistiria no combate às
causas responsáveis por eles.[49] Esse combate estaria relacionado à atuação da
comunidade internacional com o intuito de garantir o respeito aos direitos humanos antes
que a precarização das condições de vida culminassem em um fluxo de pessoas, assim como
o monitoramento de outras causas que poderiam potencialmente forçar pessoas a cruzar
fronteiras em busca de refúgio. Outros Estados, por sua vez, afirmaram que o problema dos
refugiados seria apenas estrutural e poderia ser resolvido apenas com uma transformação
do sistema internacional.[50]
Desse modo, a conclusão obtida pelo Grupo foi que, apesar da existência de
instrumentos que impeçam juridicamente a implementação de políticas geradoras de
refugiados, tais como a Carta da ONU, a Declaração dos Direitos Humanos e a Declaração
dos Princípios de Direito Internacional relacionados às Relações Amigáveis e a Cooperação
entre Estados, a eficácia desses instrumentos é minada pela falta de observância dos
princípios e normas neles dispostos.[51] Em vista de contornar esse problema, o Grupo
favoreceu o princípio da responsabilidade estatal em detrimento do princípio da não-
intervenção, ao constatar que a criação de fluxos massivos de refugiados coloca em perigo a
“paz e segurança internacional”, sendo assim uma violação direta à Carta da ONU. Uma
resposta internacional à tal conduta visaria, assim, terminar um ato internacionalmente
ilícito, e não interferir nos assuntos internos de um Estado.[52]
162
A prática estatal é, portanto, controversa, considerando que, mesmo havendo
múltiplas resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral das Nações Unidas
clamando e vinculando os Estados a garantir a efetiva repatriação e a eliminar as causas
geradoras de refugiados,[53] há uma constante resistência dos mesmos em cumprir com tais
resoluções.
Nesse sentido, podem ser citados alguns exemplos de flagrante violação dos
instrumentos e princípios internacionais que corroboram com um combate às práticas
geradoras de refugiados. Como o caso da Bulgária, que na década de 1980, implementou
diversas políticas discriminatórias contra uma população minoritária de descendência turca,
que culminou na expulsão dessa população do território búlgaro.[54] Situações similares
ainda ocorreram em Gana (1969), Uganda (1972), Nigéria (1983/1985) e na República
Dominicana (1991).[55]
Contudo, existem por outro lado, exemplos de práticas estatais que se relacionam à
prevenção dos fluxos massivos de refugiados por meio da eliminação das causas
responsáveis pelo seu surgimento. De fato, uma das justificativas mais utilizadas pela
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para implementar operações militares no
Kosovo foi a prevenção de novos fluxos de pessoas da região dos Balcãs.[56] Já a invasão do
Paquistão pela Índia em 1971 foi influenciada pelos grandes custos angariados pela recepção
de refugiados que surgiram após a independência de Bangladesh.[57] A mesma situação se
configura na invasão norte-americana no Haiti em 1994.[58]
Dessa forma, é possível observar uma compreensão foi difundida na comunidade
internacional acerca da ilegalidade das causas que geram deliberadamente fluxos massivos
de refugiados na década de 1980, e que existiria uma prerrogativa de ação em vista de
prevenir que esses fluxos causassem uma instabilidade na paz regional. No entanto, a prática
estatal não acompanhou essa compreensão jurídica, como evidenciado pelas controvérsias
do final do século XX.
Posteriormente, as convenções relativas aos direitos humanos ganharam grande
aceitação na comunidade internacional e impossibilitaram a implementação de políticas
geradoras de fluxos massivos de refugiados, visto que tais políticas seriam incompatíveis
com muitas obrigações provenientes desses tratados. Nesse contexto, houve uma
progressiva redução das políticas geradoras dos fluxos de refugiados, e atualmente a maioria
absoluta dos refugiados advém de conflitos armados.[59] Dessa forma, não é possível
atribuir a atual ausência de tais políticas à compreensão das mesmas como ilícitas, mas,
provavelmente, à aceitação generalizada das normas de direitos humanos, tais como o
direito de entrada, livre movimentação e residência.
Um costume não pode ser construído a partir dos atos emergentes da adequação às
obrigações convencionais de um Estado.[60] Sendo assim, a atual prática de não criar
políticas geradoras de fluxos de refugiados é inconclusiva. Portanto, não é possível
estabelecer uma base sólida para justificar a existência de um costume que vede a
instauração de políticas que tenham como efeito os fluxos massivos de refugiados.
163
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista dos elementos expostos no presente artigo, é possível perceber que os
instrumentos internacionais de direitos humanos providenciam um certo grau de proteção
aos indivíduos, mesmo que estes instrumentos estejam sujeitos às limitações referentes à
sua aplicação e efetividade. Essa proteção, apesar de não ser explícita, evidencia-se
tangencialmente em outras obrigações convencionais dos Estados no âmbito dos direitos
humanos, tais como o direito de entrada, livre movimentação e residência. Provisões
similares dispostas em diversos tratados de direitos humanos possibilitam interpretações
análogas, considerando a jurisprudência disposta nos tribunais responsáveis por analisar tais
normas, o que permite uma rede mais uniforme de proteção dos indivíduos.
No âmbito do direito consuetudinário internacional, é possível observar que
ocorreu no século XX uma movimentação dos Estados em voga de proibir as políticas
geradoras de fluxos massivos de refugiados, que, infelizmente, não foram concretizadas pela
prática estatal reiterada. Com o surgimento e propagação universal dos direitos humanos na
seara internacional, tornaram-se incomuns os atos implementados por Estados que visassem
a geração desses fluxos, o que estaria implícito nas obrigações dos mesmos enquanto
vinculados pelas convenções de direitos humanos. Dessa forma, não há que se falar em
obrigações costumeiras nesse mérito, visto que a prática estatal decorre em grande parte de
obrigações convencionais, e não de uma compreensão da prática como um ilícito
internacional.
A proteção proveniente das convenções de direitos humanos não é absoluta ou
infalível, mas representa uma importante ferramenta de autoafirmação dos indivíduos
perante os Estados. Dadas as limitações jurisdicionais e processuais dessas obrigações, cabe
aos Estados ampliar e dinamizar essa rede de proteção para que haja de fato uma proteção
devida das populações fragilizadas pelo Direito Internacional.
NOTAS DE FIM
[1] ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS. UNHCR Global Trends:
Forced Displacement in 2015. p. 16. Disponível em: http://www.unhcr.org/576408cd7.pdf.
Acesso em 10/05/2017.
[2] ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS. The State of the World’s
Refugees: In Search of Solidarity. 2012. p. 29. Disponível em:
http://www.unhcr.org/4fc5ceca9.pdf. Acesso em 10/05/2017.
[3] GOMEZ, Margarita Puerto; CHRISTENSEN, Asger. The Impacts of Refugees on Neighboring
Countries: A Development Chalenge. 2010. p. 3. Disponível em:
http://siteresources.worldbank.org/EXTWDR2011/Resources/6406082-
1283882418764/WDR_Background_Paper_Refugees.pdf. Acesso em 10/05/2017.
[4] Ibid. p. 6.
164
[5] COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. Projeto dos Artigos sobre a Responsabilidade
dos Estados por seus Atos Internacionalmente Ilícitos. Nova York: Organização das Nações
Unidas, 2001. p. 32-33.
[6] HATHAWAY, James. Reconceiving Refugee Law as Human Rights Protection. Journal of
Refugee Studies. v. 4. n. 2 p. 113-131. 1991. p.118; DOWTY, Alan. LOESCHER, Gil., Refugee
Flows as Grounds for International Action. In: International Security, Vol. 21, No. 1.
Cambridge: MIT Press, 1996. p. 45.
[7] Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 16 de dezembro de 1966; Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais, 16 de dezembro de 1966;
Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, 28 de julho de 1951.
[8] HOFMANN, Rainer. Refugee-Generating Policies and the Law of State Responsibility. p.
705. Disponível em: http://www.zaoerv.de/45_1985/45_1985_4_t_694_713.pdf. Acesso em
25/05/2017.
[9] CASANOVAS, Oriol. La Protection Internationale des Refugiés et des Personnes Déplacées
dans les Conflits Armés. p.146. In: Collected Courses of the Hague Academy of International
Law. Vol.309. The Hague: Martinus Nijhoff, 2003.
[10] Ibid.
[11] Ibid.
[12] KHAN, Sadruddin Aga. Question of the Violation of Human Rights and Fundamental
Freedoms in Any Part of the World, with Particular Reference to Colonial and Other
Dependent Countries and Territories. E/CN.4/1503. 31 December 1981. p. 11.
[13] Ibid.
[14] LEE, Luke. Towards a World Without Refugees: The United Nations Group of
Governmental Experts on International Co-operation to Avert New Flows of Refugees. 1987.
op. cit. p. 324
[15] GORLICK, Brian. Human Rights and refugees: enhancing protection through
international human rights law. Nordic Journal of International Law. Vol. 69. no. 2. p. 1-52.
2000. p. 12.
[16] Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais, 16 de dezembro de
1966. op. cit. art. 2 (1).
[17] BROWNLIE, Ian. International Law at the Fiftieth Anniversary of the United Nations:
General Course on Public International Law. p. 62. In: Collected Courses of the Hague
Academy of International Law, Vol. 255, The Hague: Martinus Nijhoff, 1995.
[18] CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. International Law for Humankind: Towards a
New Jus Gentium: General Course on Public International Law. p. 265. In: Collected Courses
of the Hague Academy of International Law. Vol.316. The Hague: Martinus Nijhoff, 2005.
[19] Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 16 de dezembro de 1966. op. cit. art.
12 (4); Convenção Interamericana de Direitos Humanos, 22 de novembro de 1969, art. 22
(5); Protocolo No. 4 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades
Fundamentais, 16 de setembro de 1963. art. 3; Carta Africana de Direitos Humanos e dos
Povos, 27 de junho de 1981. art. 12 (2).
165
[20] CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Comunidade de Moiwana v.
Suriname. São José, 15 de junho de 2005. p. 51.
[21] PROCACCINI, Karl. Constructing the Right “Not to Be Made a Refugee” at the European
and Inter-American Courts of Human Rights. Harvard Human Rights Journal. Vol. 22. p. 271-
291. 2009. p. 281.
[22] Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 16 de dezembro de 1966. op. cit. art.
12 (1); Convenção Interamericana de Direitos Humanos, 22 de novembro de 1969, art. 22
(1); Protocolo No. 4 à Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades
Fundamentais, 16 de setembro de 1963. art. 2 (1); Carta Africana de Direitos Humanos e dos
Povos, 27 de junho de 1981. art. 12 (1).
[23] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Denizci v. Chipre. Estrasburgo, 23 de maio de
2001.
[24] Ibid. p. 81.
[25] PROCACCINI, Karl. Constructing the Right “Not to Be Made a Refugee” at the European
and Inter-American Courts of Human Rights. 2009. op. cit. p. 291.
[26] CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS. Eugenia Michaelidou Developments, Ltd. v.
Turquia. Estrasburgo, 31 de julho de 2001. p. 4.
[27] PROCACCINI, Karl. Constructing the Right “Not to Be Made a Refugee” at the European
and Inter-American Courts of Human Rights. 2009. op. cit. p. 277.
[28] CLARK, Tom; CRÉPEAU, François. Mainstreaming Refugee Rights. The 1951 Refugee
Convention and International Human Rights Law. Netherlands Quarterly of Human Rights.
Vol. 17/4. p. 389-410. 1999. p. 408.
[29] Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, 28 de julho de 1951. op. cit. art. 1 (2).
[30] AUSTRÁLIA. Federal Court of Australia. Kuthyar v. Minister for Immigration and
Multicultural Affairs, Sidney, 11 de fevereiro de 2000. p. 79; CANADÁ. Supreme Court.
Canada (Attorney General) v. Ward, Otawa, 30 de junho de 1993. p. 733.
[31] HOFFMAN. Rainer. Refugee-Generating Policies and the Law of State Responsibility. op.
cit. p.709.
[32] HENCKAERTS, Jean-Marie. Mass Expulsion in Modern International Law and Practice.
The Hague: Martinus Nijhoff, 1995. p. 109.
[33] Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais, 16 de dezembro de
1966. art. 11, 12.
[34] TOMUSCHAT, Christian. State Responsibility and the Country of Origin. p. 72. In:
DEBBAS, Vera Gowlland. The Problem of Refugees in the Light of Contemporary
International Law Issues. Genebra: Graduate Institute of International Studies, 1994.
[35] CASANOVAS, Oriol. La Protection Internationale des Refugiés et des Personnes
Déplacées dans les Conflits Armés. 2003. op. cit. p.152.
[36] APODACA. Clair. Human Rights Abuses: Precursor to Refugee Flight? Journal of Refugee
Studies. Vol. 11. p. 80-93. 1998. p. 89
[37] Estatuto da Corte Internacional de Justiça, 26 de junho de 1945. art. 38 (b).
[38] Ibid.
166
[39] WOOD, Michael. Second report on identification of customary international law.
Resolução A/CN.4/672. 2014. p. 23, 27.
[40] CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. North Sea Continental Shelf Cases. Alemanha v.
Dinamarca/Países Baixos. Haia, 20 de fevereiro de 1969. p. 43.
[41] Ibid.
[42] Ibid. p. 46-48.
[43] Ibid. p. 61, 65.
[44] CASANOVAS, Oriol. La Protection Internationale des Refugiés et des Personnes
Déplacées dans les Conflits Armés. 2003. op. cit. p.149.
[45] JENNINGS. Yewdall. Some International Law Aspects of the Refugee Question. British
Yearbook of International Law. Vol. 20. p. 98-114. 1939. p. 112.
[46] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Cooperação
Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução 35/124. 1980.
[47] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Relatório do
Secretário Geral sobre Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de
Refugiados. Resolução 36/582. 1981; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-
Geral das Nações Unidas. Relatório do Secretário Geral sobre Cooperação Internacional para
Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução 36/582/Add.1. 1981; ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Relatório do Secretário Geral
sobre Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução
37/416. 1982; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Relatório do Secretário Geral sobre Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos
Massivos de Refugiados. Resolução 37/416/Add.1. 1982; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Relatório do Secretário Geral sobre
Cooperação Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução
38/274. 1983.
[48] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Cooperação
Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados. Resolução 36/148. 1981.
[49] Austrália, Áustria, Bélgica, China, Costa Rica, Dinamarca, Egito, França, Alemanha,
Grécia, Irlanda, Itália, Japão, Países Baixos, Nova Zelândia, Noruega, Omã, Qatar, Síria, Reino
Unido, Estados Unidos da América, Suécia, Canadá, Kampuchea Democrático, Paquistão,
Filipinas.
[50] Índia, União Soviética, Cuba, Bangladesh, Equador.
[51] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia-Geral das Nações Unidas. Cooperação
Internacional para Evitar Novos Fluxos Massivos de Refugiados: Nota do Secretário Geral.
Resolução 41/324. 1986.
[52] LEE, Luke. Towards a World Without Refugees: The United Nations Group of
Governmental Experts on International Co-operation to Avert New Flows of Refugees. 1987.
op. cit. p. 332.
167
[53] CZAPLINSKI. Wladyslaw; STURMA, Parvel. La responsabilité des États pour les flux de
refugies qu’ils ont provoques. In: Annuaire Français de Droit International, Vol. 40. p. 156-
169. 1994. p. 160.
[54] HENCKAERTS, Jean-Marie. Mass Expulsion in Modern International Law and Practice.
1995. op. cit. p. 111.
[55] Ibid. p. 113.
[56] SALEHYAN, Idean. The Externalities of Civil Strife: Refugees as a Source of International
Conflict. American Journal of Political Science. Vol. 52. no.4. p. 787-801. 2008. p. 787.
[57] Ibid. p. 792.
[58] Ibid. p. 787.
[59] ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS. UNHCR Global Trends:
Forced Displacement in 2015. op. cit. p. 14-15.
[60] WOOD, Michael. Second report on identification of customary international law. 2014.
op. cit. p. 48-49.
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A/CN.4/672. 2014.
170
MUDANÇA OU COMPLEMENTARIDADE: O PAPEL DO NOVO BANCO DE
DESENVOLVIMENTO NO CAMPO DO FINANCIAMENTO AO
DESENVOLVIMENTO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
CHANGE OR COMPLEMENTARITY: THE ROLE OF THE NEW DEVELOPMENT
BANK IN THE DEVELOPMENT FINANCING FIELD FROM A CRITICAL
PERSPECTIVE
Tom Claudino dos Santos16
Resumo: O presente trabalho se propõe a demonstrar se a criação do Novo Banco de
Desenvolvimento indica uma mudança estrutural do regime de financiamento ao
desenvolvimento. Inicialmente, realizou-se uma sucinta revisão teórica relativa as
perspectivas adotadas para a compreensão das Organizações Internacionais, notadamente a
perspectiva neogramsciana de Relações Internacionais. Segue-se uma reconstituição
histórica do contexto que deu origem ao NBD com o objetivo de pontuar as rachaduras na
ordem neoliberal e a falta de legitimidade das principais Organizações Internacionais frente
aos países de baixa e média renda. A partir da delimitação destes contornos gerais, analisou-
se o desenho institucional do banco e suas principais características. Neste sentido, foram
elencados os principais desafios que o NBD deve enfrentar devido a sua configuração
institucional. Por fim, apresentou-se uma discussão acerca da capacidade da nova instituição
de representar uma mudança do regime de financiamento e, num âmbito mais geral, da
ordem global. Argumenta-se que o banco não assinala uma ruptura com a ordem existente,
mas o aprofundamento da mesma.
Palavras-chave: Organizações Internacionais; Bancos Multilaterais de Desenvolvimento;
BRICS
Abstract: The following paper aims to answer if the creation of the New Development Bank
indicates a structural change in the regime of development finance. Initially a brief
theoretical review is carried regarding the perspectives that were adopted in order to
understand the International Organizations, mainly the neogramscian perspective on
International Relations. Following, a brief historical reconstitution of the context that
originated the ND is made with the objetive of pointing the cracks in the neoliberal order
and the lack of legimaticy of the main International Organizations to médium and low
income countries. From the deliniation of this general outlines, the institutional design and
the main characteristics of it are analysed. In this regard, the main challenges of the NDB 16
Mestrando em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e em International macroeconomics and financial policies na Université Paris 13 (Paris-Nord). Graduado em Relações Internacionais na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
171
were pointed given its institutional configuration. Finally, a discussion was presented
regarding the capacity of the new institutions of representing a change in the regime of
finance and, in a broader way, of the global order. It is argued that the bank does not
indicate a rupture with the existing order, but its deepening.
Keywords: International Organizations. Multilateral Development Banks; BRICS.
1 INTRODUÇÃO
Após 2008, o mundo foi inundado com um sentimento de mudança. A crise
financeira, a qual teve origem nos EUA e que se espalhou pelas fronteiras globais com
rapidez, trazia à tona questões relacionadas a capacidade dos norte-americanos de
manterem seu status de potência dominante. A crise em si não foi um momento de ruptura,
mas indicava um sentimento de que a hegemonia [1] americana mostrava sinais de fraqueza
que impossibilitavam sua manutenção no longo prazo. Neste contexto, as instituições [2] de
Bretton Woods (BW), notadamente o Grupo Banco Mundial[3] e o Fundo Monetário
Internacional, eram apontados pelos países emergentes[4] como elementos que já não eram
mais capazes de refletir a distribuição de poder contemporânea.
A conjuntura na qual as instituições de BW foram criadas, na qual os EUA detinha
uma quantidade desproporcional dos recursos mundiais, já não era mais condizente com a
emergência de novos atores e dinâmicas de acumulação. Os países emergentes, em especial
o bloco com maior dinamismo dentro desta categoria, os BRICS, assumiram relevância
econômica nas últimas décadas devido a processos de desenvolvimento econômico
virtuosos[5], movimento que foi acompanhado de tentativas de galgar maior
representatividade política internacionalmente. As Organizações Internacionais (OIs) de BW,
apesar de tentativas de acomodar tais mudanças, se mostraram incapazes de atender as
demandas dos players emergentes.
Frente a este cenário, os BRICS se articularam para criar novas instituições que
estivessem em sintonia com seus interesses. Na VI cúpula dos BRICS realizada em Fortaleza
em julho 2014, foi criado o Novo Banco de Desenvolvimento – NBD (Conhecido
informalmente como “Banco dos BRICS). Parte da literatura disponível interpretou a criação
da nova organização com otimismo, principalmente no sentido de a mesma se propor a ser
uma opção complementar às instituições de BW em áreas onde há déficit de financiamento,
como na área de infraestrutura e desenvolvimento sustentável (PEREIRA, MILAN, HAFFNER,
2015; ABDENUR, FOLLY, 2015; BIWAS, 2015; COZENDEY, 2015; BAUMANN, 2015). Outros, no
entanto, viram a criação do mesmo com certo ceticismo, principalmente por ser uma
instituição que nasce com orçamento pequeno, onde existem uma série de incertezas em
relação ao modus operandi e ao próprio processo de institucionalização dos BRICS
(HUMPHREY, 2015).
Neste contexto, torna-se necessário explorar a conjuntura no qual a instituição
surge, mas, principalmente, interpretar como a sua criação pode alterar o campo do
172
desenvolvimento internacional e quais as implicações deste para o futuro da governança
global. Primeiramente, faz-se uma sucinta revisão teórica da abordagem de Robert Cox
(1981;1983; 1992) sobre o papel das OIs na construção de uma ordem hegemônica. Em
seguida, busca-se compreender o contexto histórico no qual o NBD surge, principalmente no
sentido de apontar que a criação do mesmo não foi algo espontâneo, mas fruto de uma série
de processos de mudanças materiais e intersubjetivas na ordem global[6]. Após esta etapa,
analisam-se as principais características institucionais do banco com o objetivo de traçar se o
mesmo configura como uma instituição com potencial para inovar o regime de
financiamento ao desenvolvimento. Por fim, são discutidas questões relacionadas ao futuro
da governança global frente à emergência de novos atores dentro da ordem estabelecida.
2 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
O presente artigo visa compreender se o Novo Banco de Desenvolvimento
representa uma mudança estrutural no regime atual das organizações de financiamento ao
desenvolvimento internacional. Logo, faz-se necessário, em um primeiro momento, abordar
as perspectivas teóricas utilizadas para buscar entender o papel das OIs na construção de
uma ordem hegemônica.
Durante décadas uma fatia considerável da literatura de Relações Internacionais se
debruçou sobre o tema das OIs Robert O. Keohane (1988) propõe duas abordagens que
resumem as principais perspectivas teóricas em relação ao estudo das mesmas: a
abordagem “racionalista” e a abordagem “reflexiva”. A primeira foca a análise de
organizações à partir da premissa de que os atores são racionais e buscam, através das
organizações internacionais, minimizar custos de transação e procurar soluções aos
problemas de ação coletiva. A segunda abordagem, denominada por Keohane (1988) de
reflexiva, parte de uma visão sociológica que leva em conta fatores intersubjetivos,
associados a capacidades materiais, para explicar a formação e eficácia de organizações
internacionais. Neste contexto, a teoria preocupa-se não somente com um breve recorte da
realidade, mas procura ampliar as lentes de análise para embarcar o complexo da forças
políticas, econômicas, ideacionais e sociais como um todo e como elas se relacionam com a
ordem existente. Em resumo, a primeira abordagem explica as relações dos atores dentro de
uma estrutura, enquanto a segunda questiona a estrutura em si. No presente trabalho, opta-
se pela segunda.
Antes de abordar a questão das organizações internacionais na teoria de Cox
(1981), a qual é utilizada neste trabalho, é necessário discorrer sobre o conceito de
hegemonia na sua obra. Para o autor, que parte de bases gramscianas, a hegemonia não
pode ser explicada somente como um relação de dominação derivada de capacidades
materiais. Ela é mais complexa no sentido de ter em si aspectos intersubjetivos e
ideológicos, utilizados para garantir a conivência de entes mais fracos que identificam nos
interesses do mais forte os valores que supostamente são coletivos. A chave desta definição
é que o dominado não compreende plenamente as relações de poder subjacentes a
173
determinada ordem por entender que aquela ordem o beneficia, enquanto na realidade ela
perpetua as relações assimétricas sem que a coerção tenha de ser utilizada. Quando o
consenso é forjado, tem-se uma ordem hegemônica. Quando as relações de poder tornam-
se visíveis, e cada vez mais a coerção substitui o consenso, a ordem pode ser interpretada
como não hegemônica (COX, 1981; 1983).
As OIs, neste contexto, são entendidas como um reflexo[7] das relações de poder
vigentes dentro de determinada estrutura histórica[8] e são responsáveis por criar o
consenso em torno dos interesses hegemônicos. As mesmas desempenham um papel
fundamental como “um mecanismo através do qual normas universais da hegemonia
mundial são expressas” (COX, 1983, p.62)[9], ou seja, elas criam as condições para que a
dominação seja exercida de modo legítimo, sem que a força tenha de ser empregada e
valores universais possam forjados com o propósito de obscurecer as relações de poder
existentes. Neste sentido, parte do papel das OI’s é cooptar as ideias que não estão em
sintonia com esta ordem e absorvê-las com o intuito de homogeneizar o espectro de
percepções a cerca da ordem mundial.
Feitos estes contornos, a próxima sessão identifica, a partir da perspectiva de Cox
(1981, 1983, 1989), os principais traços da ordem que deu origem ao Novo Banco de
Desenvolvimento. Neste sentido, busca-se demonstrar como as OI’s que emergiram no pós-
segunda guerra falharam, principalmente após os anos 1970, em criar as bases para uma
dominação hegemônica.
3 O CONTEXTO POLÍTICO E ECONÔMICO QUE LEVOU A CRIAÇÃO DO NBD
De acordo com Cox (1989), a ordem que emergiu do pós-segunda guerra era
hegemônica. Ela se assentava em um contrato social que garantia condições de bem-estar e
pleno emprego associado ao crescimento econômico. Como pano de fundo havia um acordo
construído entre os governos, empresas e trabalhadores que garantia a qualidade de vida
através da geração de empregos estáveis, aliada a regulação governamental da economia a
partir do controle da demanda e a proteção de choques externos. Esta ordem social
começou a ser afetada conforme o contrato entre governos e trabalhadores foi ajustado
frente as demandas de internacionalização da produção industrial, que logo foi
acompanhada por flexibilizações nas barreiras aos fluxos de capital financeiro e produtivo,
levando assim a desintegração da mesma.
A ordem contemporânea pode ser descrita como uma ordem neoliberal não
hegemônica marcada pela transnacionalização do capital e pela crescente papel das finanças
a partir dos anos 1970 (HELLEINER, 1994). A ordem é caracterizada como não hegemônica
porque não há um consenso global em torno das premissas neoliberais no sentido de que
estas representam os interesses gerais, uma vez que durante décadas o processo de
homogeneização em torno dos seus interesses foi marcado por crises, protestos e tentativas
de freá-la, principalmente nos países periféricos, vítimas da crise da dívida nos anos 1980 e
dos abalos econômicos dos anos 1990.
174
Na esfera das organizações internacionais, a adoção do receituário neoliberal criou
uma agenda que promovia ativamente a prudência macroeconômica, a austeridade, a
liberalização financeira, privatizações e a redução da atividade do Estado no âmbito
econômico, todas estas entendidas como pré-condições para o desenvolvimento[10]
(PENDER, 2001; RUKERT, 2007). Tal agenda, quando aplicada em países de baixa e média
renda, promoveu um processo de ajuste a lógica neoliberal com consequências
contraditórias como aumento da desigualdade, crises financeiras e da capacidade do Estado
de atuar como promotor do desenvolvimento econômico (COELHO, 2012). Frente a falta de
legitimidade de OI’s em relação à parcelas de países de baixa e média renda, tentativas de
revisar práticas ligadas a imposição de condicionalidades, como Comprehensive
Development Framework no Banco Mundial, foram implementadas. O modelo de
desenvolvimento destas instituições também passou a contar com maior participação de
inputs de atores da sociedade civil e dos Estados que recebiam os empréstimos, além de
uma atuação que tinha o combate à pobreza como foco (PENDER, 2001; RUKERT, 2007).
Apesar da mudança progressiva para uma perspectiva mais holística de
desenvolvimento, o discurso neoliberal se manteve presente nas práticas e nos discursos
que guiam as instituições, e a carga ideológica e impositiva ainda presente nos processos
decisórios e na estrutura de governança se fazem presentes constantemente. Neste sentido,
Pender (2001) chama a atenção como as condicionalidades foram adaptadas a demandas
por ambientes domésticos favoráveis a “boas práticas”, ou seja, políticas favoráveis a
orientação neoliberal das instituições. Em termos de concentração do poder decisório, outra
ponto frequentemente levantado por países de baixa e média renda, somente em janeiro de
2016 é que a implementação da reforma das quotas do FMI[11] entraram em vigor, após
longos anos de espera, direcionando 6% do total de cotas para os países em
desenvolvimento, mas mantendo o poder de veto dos Estados Unidos (STUENKEL, 2016). No
BIRD, principal instituição do Grupo Banco Mundial, os EUA ainda detinham 16,63% dos
votos em 2016 (WORLDBANK, 2016).
Outra limitação das instituições ocidentais que deve ser mencionado é o processo
burocrático para assumir empréstimos, o qual é um obstáculo considerável na perspectiva
dos países tomadores. A imposição de salvaguardas, múltiplas análises dos projetos e
preparação de documentos faz com que um projeto leve em média 28 meses, desde a sua
concepção ao desembolso dos recursos. Em uma entrevista com mais de 100 oficiais em 10
países da AL, a dificuldade imposta pela burocracia na tomada de empréstimos foi elencada
como o principal desestimulo para o requerimento de maiores empréstimos. Ainda em outra
entrevista com clientes do BIRD, oficiais dos países tomadores disseram que havia uma
hierarquia explícita na hora de procurar empréstimos para infraestrutura: fontes
domésticas, doadores bilaterais, bancos regionais e, por último, o Banco Mundial
(HUMPHREY, 2015).
Os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD) ocidentais, além de
institucionalizar relações de poder e visões de desenvolvimento alheias a realidade
enfrentada pela maioria dos país, não atendem as necessidades de financiamento globais,
175
principalmente em um setor chave: infraestrutura. Nas décadas de 1950 e 1960, por
exemplo, mais de 70% das operações do Banco Mundial eram para projetos de
infraestrutura, enquanto atualmente esta porcentagem permanece entre 30-40%, sem que
boa parte dos gargalos de infraestrutura em países de baixa e média renda tenham sido
sanados. Dados estimam que haja um déficit de aproximadamente U$ 1 trilhão por ano de
investimento neste setor no âmbito global, o que justifica o nascimento de uma série de
bancos de desenvolvimento nos últimos anos frente ao nicho existente (HUMPHREY, 2015).
Neste contexto, nota-se que a ordem e as instituições que se estabeleceram após os
anos 1970 não lograram o consenso em torno da sua atuação. Em decorrência disto,
agrupamentos que questionavam as propostas econômicas e ideológicas predominantes
surgiram e ganharam força, como o Movimento dos Países Não-Alinhados ou o Grupo dos 77
(G-77), mas nunca o suficiente para desafiar se configurar como uma desafio a ordem
existente. Após o fim da disputa entre Estados Unidos e União Soviética, no entanto, houve
uma flexibilização das relações de poder que permitia o surgimento de novos atores e
propostas que, apoiadas em recursos materiais, tinham a chance de se agrupar e propor
reformas com o intuito de criar uma governança internacional mais representativa
(ABDENUR, FOLLY, 2015). A consequência mais evidente deste processo foi o surgimento do
grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Apesar de o acrônimo BRIC[12] ter sido forjado por um analista de investimentos, o
agrupamento de países é tanto econômico como político. Em relação ao âmbito econômico,
boa parte da legitimidade do grupo se assenta nas capacidades materiais destes países, que
somam, juntos, 42% da população mundial e 21% PIB total mundial, além de deterem
aproximadamente U$4,4 trilhões em reservas internacionais (ABDENUR, FOLLY, 2015;
PASUMARTI, 2013 apud PEREIRA, MILAN, HAFFNER, 2015). No âmbito político, desde a sua
criação, em 2001, e principalmente depois das primeiras reuniões de cúpula no nível de
chefes de Estado, em 2009, o grupo tem promovido a institucionalização do bloco através de
uma agenda de cooperação cada vez mais ampla, que passou a envolver temas como
desenvolvimento, agricultura, segurança, economia e educação.
Como consequência deste processo, percebe-se no grupo a concepção de novas
ideias relacionadas ao desenvolvimento, reforçadas principalmente após a crise de 2008.
Ainda que hajam significativas diferenças entre as concepções de desenvolvimento dos
membros dos BRICS, todos, de maneira mais ou menos coesa, partem da premissa de
defender uma cooperação ao desenvolvimento horizontal, baseada em princípios de
igualdade, interesse mútuo e respeito pela soberania. Seja através da cooperação técnica do
Brasil, ou através dos créditos subsidiados em troca de commodities chineses, o espectro da
cooperação ao desenvolvimento nos BRICS se diferencia das prescrições do Comitê de
Assistência ao Desenvolvimento (DAC), da OCDE, por focar nas necessidades e na autonomia
dos países que recebem o auxilio e no aspecto de ganhos mútuos, sem que haja uma relação
de imposição ou dominação implícita na relação entre os países (ABDENUR, FOLLY, 2015;
QUADIR, 2013).
176
Por fim, defende-se que, ao aliar os aspectos mencionados a partir de uma
interpretação neogramsciana, existem elementos suficientes para argumentar que há uma
mudança significativa em termos da distribuição das capacidades materiais, representada na
emergência econômica dos BRICS, das imagens coletivas, relativas a novas concepções de
desenvolvimento, e a cerca da ordem mundial[13] e do conjunto de instituições que atuam
globalmente, concretizada com o surgimento das novas instituições criadas por países
emergentes. Logo, faz-se necessário compreender como um dos principais reflexos destas
mudanças foi criado e opera: o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido
informalmente como Banco dos BRICS. Neste sentido, a próxima sessão analisa as principais
características do banco em relação ao seu design institucional.
4 O NOVO BANCO DE DESENVOLVIMENTO: ENTRE AS POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DO
SEU DESIGN INSTITUCIONAL
O projeto de criação do banco teve início em 2012 durante a IV cúpula dos BRICS
em Nova Délhi, na Índia. Na cúpula do ano seguinte, na África do Sul, o projeto ganhou força
e na VI cúpula dos BRICS em Julho de 2014, em Fortaleza, o acordo constitutivo do “Novo
Banco de Desenvolvimento” era firmado pelos líderes dos países em questão, com capital
autorizado de U$100 bilhões, capital subscrito de U$50 bilhões[14] e sede em Xangai[15]
(BRICS, 2014). O primeiro artigo do “Acordo sobre o Novo Banco de Desenvolvimento”,
assinado pelos Estados membros em Julho de 2014, estabelece alguns dos princípios do
NBD. O objetivo do banco é definido como o de “(…) mobilizar recursos para projetos de
infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos BRICS e em outras economias emergentes
e países em desenvolvimento para complementar os esforços existentes de instituições
financeiras multilaterais e regionais para o crescimento e desenvolvimento global” (BRICS,
2014, p.1). Para atingir este objetivo, o banco pretende desembolsar empréstimos, garantias
e outros instrumentos financeiros (BRICS, 2014).
Ao contrário da retórica de inovação institucional amplamente difundida, a
estrutura de governança é basicamente a mesma de outros Bancos de Desenvolvimento
Multilaterais (Multilateral Development Banks – MDB). O Banco terá um Conselho
Administrativo (Board of Administration), um Presidente, Vice-Presidente e um Conselho de
Governadores (Board of Governors) (BRICS, 2014). As quotas de participação serão dividas
igualmente entre os membros a partir da sua respectiva contribuição com capital (idêntica
entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), sendo que no mínimo 55% das ações do
banco devem ficar com os BRICS. Além disto, nenhum membro que não participou da
fundação do banco poder deter mais do que 7% dos votos e membros não tomadores de
empréstimos não podem deter mais do 20% do total do poder de voto (BRICS, 2014). Na
prática, estas limitações implicam no controle do bloco sobre as decisões do banco. Apesar
de não ser inesperado o fato de que os países fundadores queiram exercer algum tipo de
predominância na nova instituição, autores como Humphrey (2015) apontam para a
177
similaridade da estrutura de governança do banco comparadas aquelas de Bretton Woods,
principalmente em termos da centralização de poder em torno de alguns países.
O fato de que cada membro dos BRICS terá a mesma percentagem do capital
subscrito inicial, ou seja, cada país contribuirá igualmente com U$10 bilhões, é, ao mesmo
tempo, uma afirmação de igualdade política e uma limitação ao escopo do banco. Ao igualar
a mesma percentagem do capital subscrito para cada membro, atesta-se que, independente
do tamanho do PIB de cada membro, há igualdade no processo decisório e na governança
entre os membros do bloco. Da outra parte, limita-se o tamanho da quantia inicial a
substancial diferença entre seus membros. A África do Sul, por exemplo, tem reservas
internacionais 90 vezes menores do que aquelas chinesas[16]. Caso o NBD fosse realmente
atender as pretensões de causar um impacto significativo no financiamento ao
desenvolvimento, a quantidade de desembolsos teria de ser significativamente maior
(HUMPHREY, 2015).
Em relação ao tema, Griffith-Jones (2014) elabora alguns possíveis cenários de
como se darão os desembolsos do banco. Ao adotar-se uma perspectiva que leve em
consideração uma atenção cuidadosa da avaliação de risco por parte das agências de rating
internacionais, o banco pode adotar uma estratégia de baixa alavancagem, na qual os
empréstimos somariam U$2,4 bilhões ao ano nos próximos dez anos. Numa estimativa mais
abrangente, que leve em consideração menos a nota das agências e mais sua capacidade de
alavancagem, o banco poderia emprestar algo em torno de U$7 bilhões ao ano, também
assumindo a maturidade de 10 anos dos empréstimos. Neste sentido, existem expectativas
de que o banco siga um perfil menos conservador do que seus pares ocidentais, dado que o
seu presidente afirma constantemente a necessidade de ‘demonstrar maior apetite ao
risco’(NBD, 2015, p.1)[17]
É necessário, no entanto, compreender os números propostos por Griffith-Jones
(2014) e o discurso do presidente da instituição em um contexto mais amplo. Em ambos os
cenários, a quantidade ainda é considerada baixa frente aos U$40,8 bilhões de empréstimos
por parte do Banco Mundial feitos em 2013 (ADBDENUR, FOLLY, 2015). Mesmo em
comparação a bancos de desenvolvimento nacionais, as cifras do banco parecem eclipsadas.
Neste mesmo ano, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
desembolsou US88 bilhões de dólares, enquanto China Development Bank realizou
empréstimos na ordem de U$1,15 trilhões, sendo U$319,8 localizados fora da China. O
ChinaEXIM Bank, por sua vez, se comprometeu a emprestar U$150,8 bilhões, e desembolsou
U$129,2 bilhões (SNELL, 2016). Intrinsicamente ligada a questão dos montantes a serem
desembolsados, um dos principais fatores que ditarão o futuro do banco é a credibilidade do
mesmo frente aos seus membros e a comunidade internacional.
Como pontuado por Biswas (2015), é inevitável que o NBD busque uma avaliação de
risco semelhante a das instituições existentes[18] para viabilizar sua atuação dado que parte
dos seus recursos precisa ser levantado junto ao mercado financeiro. O NDB, frente ao que
as evidencias indicam, não gozará de um perfil financeiro tão favorável frente as agências
internacionais devido ao perfil dos estados membros e a própria falta de um histórico de
178
empréstimos. Uma opção possível a tradicional dependência do mercado de capitais privado
internacional é o financiamento nos mercados dos países membros, principalmente no
mercado da dívida chinês. Nos primeiros meses de 2016, o banco emitiu títulos da dívida de
3 bilhões de renminbi ($449 milhões), avaliados como AAA por agências de rating chinesas e
tendo como fiador o Bank of China (ZHOU, 2016). Isto sinaliza uma menor dependência do
mercado internacional e um movimento rumo utilização do mercado financeiro chinês para
financiar as atividades do banco, o que pode ser entendido como um importante passo na
internacionalização do sistema financeiro chinês, uma menor dependência do mercado de
capitais ocidental mas, ao mesmo tempo, um indício da dominação chinesa sobre NDB.
Apesar da possibilidade de uma predominância chinesa na instituição, espera-se
que haja uma redução na condicionalidade política dos empréstimos e que, por efeito, todo
o processo seja mais rápido e menos burocratizado[19]. Este fator pode ser um elemento
atrativo para países de baixa renda que historicamente foram forçados a aceitar as
condicionalidades do FMI e Banco Mundial, na qual os empréstimos eram condicionados a
mudanças políticas e econômicas. De Acordo com Cozendey (2015, p.120), a concepção do
NBD é que o mesmo seja um “[…] banco de projetos específicos a serem avaliados em seus
termos”, ou seja, não haverá amplo setor de pesquisas e cada projeto será avaliado pela sua
viabilidade, tendo em conta o respeito a soberania nacional e a autodeterminação do países
que vão assumir o empréstimo.
Neste âmbito, surgem questões relacionadas a como as experiências individuais de
cada país dos BRICS serão incorporadas no modus operandi do banco. De um lado, há as
vantagens evidentes derivadas das experiências nacionais com bancos de desenvolvimento
nos países membros, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e Banco de Desenvolvimento Chinês, do qual tem-se uma história de experiências
positivas. No entanto, como pontuado pela Oxfam (2014), ambos os bancos nacionais
focaram suas atuações em projetos estatais de infraestrutura de larga escala, habitualmente
com as “campeãs nacionais” dos respectivos países. Segundo este perspectiva, ao focar a
concessão de empréstimos somente a projetos desta natureza, pode-se gerar impactos
ambientais, populacionais e bolsões de pobreza, o que desafia a própria tese de que
infraestrutura está relacionada ao desenvolvimento econômico, além da possibilidade de a
economia tornar-se excessivamente dependente de um punhado de empresas.[20] Estas
preocupações, dentre outras, foram expressas em uma carta elaborada por diversas
entidades da sociedade civil direcionada a diretoria do banco, na qual as mesmas se
mostravam (BORGES, p.3): “[…] profundamente preocupadas que o Banco esteja operando
sem um engajamento necessário com a sociedade civil e parece estar selecionando projetos
sem um quadro de políticas capaz de identificar riscos sociais e ambientais para prevenir
danos’”[21]
Por fim, a falta de diálogo com entidades da sociedade civil se coliga ao que muitos
interpretam como uma série de incertezas em relação a atuação do banco e as intenções de
seus membros. De um lado, há características tidas como positivas para os países
emergentes, como anúncios de que o banco realizaria operações em moedas locais e haveria
179
a tentativa coletiva de distanciar-se do dólar como moeda de reserva internacional, a
disponibilidade de mais capital para infraestrutura, o respeito a soberania e a promoção de
uma cooperação ao desenvolvimento mais horizontal. Do outro, existem receios de uma
possível dominação chinesa, aliada a um congelamento do poder nas mãos dos países
membros, a baixa quantia de capital comparável a outras instituições, a dificuldade de
financiamento nos mercados internacionais e complexidade de operar com um corpo de
funcionários reduzido (COOPER, FAROOQ, 2015). Esta sessão elencou as principais
características institucionais do NBD com o intuito de demonstrar desafios a sua atuação.
Feitos estes desenhos gerais, parte-se para a próxima sessão, que visa discutir a emergência
de novos atores e o futuro da governança global, tendo o NBD como ponto de partida.
5 O NDB, OS BRICS E A GOVERNANÇA GLOBAL
Traçadas as linhas de investigação das sessões anteriores, a principal pergunta que
pretende-se responder nesta sessão é se o NBD representa a emergência de uma mudança
estrutural do regime de financiamento ao desenvolvimento. Defende-se que o banco, apesar
de forçar as instituições existentes a internalizarem as demandas de um número maior de
atores, não dispõe da capacidade de se apresentar como uma ruptura em relação ao regime
existente. O próprio NBD, ao mesmo tempo que diz querer criar as próximas práticas do
financiamento ao desenvolvimento, atesta seu papel de complementaridade em relação as
instituições existentes (BRICS, 2014). Logo, pode-se afirmar, baseado na análise das sessões
anteriores, que os BRICS não representam em si uma nova fase hegemônica, a criação de um
novo bloco histórico ou uma ruptura com a ordem anterior. Pelo contrário, as evidências
indicam que emergência do NBD sugere uma tentativa de galgar representatividade na
governança global neoliberal e, consequentemente, reforçá-la, ainda que com elementos
particulares.
De um lado, o fato de o banco se propor a assumir uma estrutura institucional que
preze pela velocidade e pelo foco em necessidades dos países emergentes pode ser
encarado como positivo a partir da perspectiva dos mesmos, dado que o espectro de opções
de financiamento internacionais se ampliam e a tradição de excesso de burocracia típica das
instituições de ocidentais é contestada. Aliado a emergência de uma série de outras
iniciativas multilaterais, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura e novos
bancos regionais de desenvolvimento, o regime de financiamento ao desenvolvimento
indica estar progressivamente sendo flexibilizado no sentido de adotar práticas e normas
criadas por países em desenvolvimento.
Além disto, discutir a emergência de uma ordem menos hierárquica, ou mesmo de
um novo regime de financiamento ao desenvolvimento a partir da emergência de países
periféricos, contém em si uma contradição mais profunda. Por mais que os países do bloco
se apresentem como uma alternativa por negarem, em alguma medida, as prescrições de
desenvolvimento ocidentais, internamente os mesmos são marcados por altos níveis de
pobreza e desigualdade de renda. As elites econômicas e políticas destes países
180
frequentemente tem interesses transnacionais que se encontram mais em sintonia do que
dissonância com a ordem existente. O apoio delas para qualquer projeto político multilateral
que não esteja centrado em torno de seus interesses diretos frequentemente sofre barreiras
para aprovação política interna. Logo, uma governança internacional inclusiva possivelmente
seja mais um elemento retórico do que um objetivo político concreto de longo prazo. O que
transparece no caso do NBD, além do mais, é uma atuação que, apesar de mais horizontal
em relação a cooperação em certas áreas temáticas, indica novas relações de submissão e
controle, como o congelamento das cotas destinadas aos BRICS no interior do NDB ou a
própria falta de um diálogo transparente e amplo da instituição com entes da sociedade
civil. (CHANDHOKE, 2013; QUADIR, 2013).
Neste âmbito, a questão da legitimidade do NBD torna-se um elemento
fundamental para discutir a instituição. A partir de uma perspectiva de Cox e Schechter
(2002), a legitimidade deriva fundamentalmente da percepção de que o processo político
que guia as instituições espelha os desejos e anseios da sociedade civil[22], a qual se sente
retratada na figura dos seus representantes. Por outro lado, quando uma instituição se
afasta dos seus propósitos e é vista como ferramenta para interesses particulares, a
autoridade política detida pela instituição é delapidada. A confiança por parte dos países de
baixa e média renda nas organizações de Bretton Woods foi afetada exatamente por que
eles não se sentiam representados. Neste âmbito, o NBD tem o desafio de garantir que sua
atuação não seja vista, tanto pelos países de baixa e média renda quanto pela sociedade
civil, somente como uma ferramenta na mão de um grupo de países que quer galgar
posições na governança global existente, mas como um ator que de fato financie o
desenvolvimento sem a carga política e ideológica típica dos bancos de desenvolvimento já
existentes.
Por fim, embora os desafios levantados no presente trabalho sejam expressivos, o
simples fato que países emergentes se juntaram para criar uma instituição multilateral de
âmbito global é algo que pareceria improvável 15 anos atrás e indica mudanças significativas
na maneira que o campo do financiamento ao desenvolvimento se organiza, e, em um
perspectiva mais ampla, a ordem mundial subjacente ao mesmo. Por mais que existam
limitações estruturais a capacidade do NBD de se insular das práticas relacionadas a ordem
neoliberal, sua mera existência é a prova de que o futuro da governança global não deve ser
pensado somente a partir da reforma da instituições existentes. O NDB não marca a
mudança estrutural em favor de formas de financiamento que prezem pela justiça social,
pelo desenvolvimento autônomo e ou pela inclusão das minorias, mas é um sintoma de que
novas formas de organização internacional são concebíveis.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo deste trabalho foi contribuir, a partir de uma perspectiva critica,
para literatura que busca compreender o surgimento do NBD. Frente aquilo que foi exposto,
nota-se que o banco deve enfrentar uma série de desafios para estabelecer-se como um ator
181
relevante no campo do financiamento ao desenvolvimento internacional, principalmente
frente a sociedade civil, a qual até o momento foi relativamente desconsiderada no processo
de construção do mesmo. Do lado positivo, o banco assinala uma assinala uma maior
disponibilidade de capital para financiamento de infraestrutura, um desenho institucional
que preza pela rapidez e a institucionalização de princípios de desenvolvimento em sintonia
com práticas da cooperação Sul-Sul.
Pontua-se, entretanto, que apesar de refletir pressupostos que prezam pela
horizontalidade, outros aspectos do desenho institucional do NBD se assemelham ao de
outras instituições existentes, principalmente no que se refere a garantia de concentração
do poder de decisões nos membros fundadores. Estas características, aliadas ao fato de que
o volume dos empréstimos são pequenos se comparados ao de outros bancos multilaterais
de desenvolvimento, ou mesmo frente a bancos nacionais de desenvolvimento, levantam
questionamentos em relação a capacidade concreta do banco de causar um impacto
significativo no campo do financiamento ao desenvolvimento internacional.
Logo, a partir da discussão realizada neste trabalho, defende-se que o NDB é uma
iniciativa bem vinda, mas não é, em si, o reflexo de uma mudança estrutural no ordem
mundial. O mesmo é, acima de tudo, o reflexo de mudanças materiais e intersubjetivas
derivadas das fissuras da ordem neoliberal, a qual, no entanto, não dá sinais ser superada
por uma ordem diferente em sua essência. A fragmentação política, o crescimento da
desigualdade, o surgimento de movimentos de extrema direita, os conflitos nas periferias do
mundo, a precarização do trabalho e a remoção das últimas barreiras para que o capital
circule livremente continuam a ser traços particulares desta ordem que continuam a se
aprofundar. Nota-se, no entanto, que em uma época de instabilidade, tanto política quanto
econômica, novas instituições indicam que a realidade existente não é pré-condicionada ou
inevitável, mas é sujeita a as forças sociais que a formam. Portanto, um futuro diferente não
pode deixar de ser vislumbrado.
NOTAS DE FIM
[1] Segundo a perspectiva neogramsciana, a hegemonia é uma expressão da liderança de
uma classe projetada globalmente que logra o consenso da sua dominação através da
difusão de ideias, aliadas a capacidade material e as instituições. De maneira mais pontual,
segundo Cox (1981, p.139) “[…] a concept of hegemony […] is based on a coherent
conjuction or fit between a configuration of material power, the prevalent collective image
of world order (including certain norms) and a set of institutions which administer the order
with a certain semblance of universality”. A primeira sessão do presente trabalho discute o
conceito mais extensamente.
[2] Há um amplo debate em relação a diferença entre instituição e organização. Alguns
autores, como Lisa Martin e Beth Simmons (2013), definem as primeiras como regras,
formais e informais, que prescrevem papeis aos atores, determinam comportamentos
aceitáveis e criam expectativas. As segundas são entendidas como entidades, ou seja, a
182
estrutura física da organização com sede, funcionários, símbolos e atividades. Com o intuito
de evitar repetições, no texto ambos os termos são tratados como sinônimo de entidades.
[3] O Grupo Banco Mundial pode ser divido em cinco organizações: 1) O Banco Internacional
para a reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD); 2) A associação internacional de
desenvolvimento (AID); 3) A Corporação Financeira Internacional (CFI); 4) a Agência
Multilateral de Garantias de Investimentos (AMGI) e 5) o Centro Internacional para
Conciliação de Divergências nos Investimentos (WORLDBANK, 2016).
[4] Adota-se a definição de países emergentes (rising powers) forjada por Amrita Narlikar
(2013, p.1) – “Países Emergentes são aqueles estados que estabeleceram-se como atores de
relevância no sistema internacional, mas ainda não adquiram o poder de definir a agenda”.
[5] Destaca-se que, apesar do crescimento pronunciado da economia do bloco durante a
primeira década do século XXI, atualmente Brasil e Rússia se encontram numa profunda
recessão econômica. Paralelamente a isto, a África do Sul se mostra estagnada e a China
com uma diminuição das taxas de crescimento que beiraram os dois dígitos durante três
décadas. A Índia, apesar da conjuntura desfavorável do grupo, parece navegar nas
conturbadas águas internacionais com certo dinamismo. A desaceleração econômica do
bloco é interpretada como um dos maiores desafios à institucionalização dos BRICS, o que se
relaciona com as prospectivas futuras do banco.
[6] O conceito de ordem global na obra de Cox (1981) também deve ser pensado na
perspectiva de classes hegemônicas, e não de necessariamente de Estados. No presente
trabalho, ordem global e mundial são utilizados de maneira intercambiável.
[7] Esta perspectiva não implica, no entanto, que as instituições são somente um reflexo de
interesses da ordem hegemônica, mas também sistemas políticos que produzem políticas
públicas em resposta a inputs provenientes de uma série de atores internos e externos, que
eventualmente ganham vida própria, tornando-se um campo de batalha para tendências
contraditórias (COX, 1981).
[8] De acordo com Cox (1981, p.218) estruturas históricas são “[…] um quadro de uma
configuração particular de forças”, ou ainda, “[…] those persisting patterns of thought and
actions that define the frameworks within which people and states act.”(1992, p.165)
[9] (tradução nossa) “One mechanism through which the universal norms of a world
hegemony are expressed […]”
[10] Esta agenda é transmitida por aquilo que Cox (1987) chama de nébuleuse, ou seja, uma
classe internacionalizada que atua na formação do consenso em torno dos princípios
hegemônicos. Esta classe é formada tanto por funcionários de organizações internacionais
como por intelectuais, agentes privados e públicos ligados a ideologia neoliberal.
[11] Apesar de o presente trabalho focar em Bancos Multilaterais de Desenvolvimento,
utiliza-se o FMI como elemento que ilustra a concentração de poder em torno das
instituições de Bretton Woods.
[12] Somente em 2011 a África do Sul tornou-se o 5º membro oficial do grupo.
[13] Estas três esferas são, a partir da perspectiva neogramsciana, a chave pare
compreensão de mudança na ordem mundial. Para mais detalhes, ver Cox (1981).
183
[14] Dos U$50 bilhões, U$10 bilhões serão integralizados em 7 anos e U$40 bilhões serão de
chamada de capital (BRICS, 2014).
[15] Sobre as disputas internas para definir qual cidade seria a sede do banco, ver Cooper e
Farooq (2015).
[16] Segundo dados do FMI (2016), as reservas internacionais chinesas em dezembro de
2015 eram de 3,3 trilhões de dólares, enquanto as sul africanas eram de 38 bilhões.
[17] (tradução nossa) “It is imperative that MDBs demonstrate greater risk appetite and
avoid risk aversion”
[18] Graças a sua posição financeira saudável, diversidade de membros e governança sólida,
o Banco Mundial, por exemplo, detém uma nota AAA junto à Standard and Poor’s, o que
facilita operações financeiras no mercado de capitais internacional (BIWAS, 2015).
[19] Segundo o presidente do banco, K.V. Kamath, a expectativa é que o tempo desde a
concepção dos projetos até a aprovação dos empréstimos seja de 6 meses, em comparação
a média de 2 anos de outros bancos multilaterais de desenvolvimento (NDB, 2016).
[20] Não nega-se o papel fundamental que a infraestrutura tem em aumentar a
produtividade do trabalho e do capital e seus consequentes benefícios econômicos, mas sim
o foco de Bancos de Desenvolvimento Multilaterais em projetos de infraestrutura que não
necessariamente estavam em sintonia com os objetivos de desenvolvimento pontuais dos
países que recebiam os empréstimos e, frequentemente, tiveram spillovers negativos.
[21] (tradução nossa) ‘We are deeply concerned that the Bank is operating without
meaningful engagement with civil society and appears to be selecting projects without the
necessary policy framework to identify social and environmental risks and prevent harm’.
[22] A partir de uma perspectiva de tradição gramsciana, o conceito de sociedade civil é mais
elástico, mas, em linhas gerais, se relaciona ao espaço onde a ordem social se manifesta,
onde ordens são forjadas e substituídas.
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186
A QUESTÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS
NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
THE QUESTION OF THE LEGAL PERSONALITY OF THE TRANSNATIONAL
COMPANIES IN PUBLIC INTERNATIONAL LAW
Gustavo Leite Neves da Luz17
Pedro Jorge Monteiro Brito18
Resumo: O direito internacional até pouco tempo era um direito voltado exclusivamente aos
entes estatais; todavia, com o tempo foi-se flexibilizando a aceitação de outros entes de
personalidade jurídica Direito Internacional Público, como organizações internacionais,
indivíduos. Hoje, existe grande debate sobre a inserção de um novo sujeito dotado de
personalidade, as empresas transnacionais. O objetivo deste artigo é demonstrar a questão
da personalidade jurídica de direito internacional para as empresas transnacionais. Primeiro,
será demonstrada a questão da personalidade jurídica no campo do direito internacional
público; em seguida, é destacada a personalidade jurídica das empresas, em conjunto com
os fundamentos legais e teóricos que a fundamenta; e por fim, é destacado um trecho
reservado para o poderio das empresas multinacionais e a necessidade de regulamentação
deste poder, para em seguida serem destacadas as considerações finais. O artigo em
questão foi elaborado pelo método dedutivo e através de uma pesquisa documental e
bibliográfica.
Palavras-chave: Personalidade Jurídica; Direito Internacional Público; Empresas
Transnacionais.
Abstract: The international law until a few time ago was one species of law turned
exclusively to the stately beings; however, with time it was relaxing to accept other beings
with international law’s legal personality, as international organizations, individuals. Today,
exist one big debate about the insertion of a new subject endowed with personality, the
transnational companies. The objective of this article is to demonstrate the question about
the international law’s legal personality of the transnational companies. First, is highlighted
the question about the international public law’s personality field; after that, is shown the
companies’ legal personality, with the legal and theories fundaments; and at the end, is
highlighted one stretch reserved for the power of multinational companies and need of one
regulation of his power, for the next to be shown the final considerations. This article in
17
Graduando em Direito na Faculdade Paraíso do Ceará (FAP). Membro do grupo de pesquisa e extensão "Direitos Humanos e De(s)colonialidade na América Latina" 18
Professor do curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará (FAP). Especialista em Direitos Fundamentais na Universidade Regional do Cariri (URCA). Graduado em Direito na Universidade Regional do Cariri (URCA).
187
questions was elaborated by the deductive method and thought one documental and
bibliographic research.
Keywords: Legal Personality; International Public Law; Transnational Companies.
1 INTRODUÇÃO
No atual mundo globalizado, o sistema financeiro é interrompível e praticamente
autônomo. O capital das empresas multinacionais e transnacionais é negociado durante as
24 (vinte e quatro) horas em todos os dias, através de inúmeras transações comerciais que
movimentam bilhões em dinheiro em questão de segundos. A personalidade jurídica para os
sujeitos de Direito Internacional Público tem sido gerado debates por parte a doutrina
especializada principalmente no que diz respeito as Empresas Transnacionais ou
Multinacionais.
Este debate surge na necessidade de analisar a grande interferência das empresas
cada vez mais crescente no campo das relações internacionais e como consequência na
elaboração das normativas estabelecidas em tratados internacionais, tornando-se sujeitos
cada vez detentores de capacidade ativa no Direito das Gentes.
Sendo assim, no trabalho em questão, será analisada de forma breve no primeiro ponto a
questão dos sujeitos e da Personalidade Jurídica, demonstrando as três corrente atualmente
debatidas no campo da personalidade, para posteriormente ingressar na questão principal.
Para este trabalho adotaremos o conceito de Empresas multinacionais e transnacionais de
Frorisbal de Souza Del’Olmo (apud MAZZUOLI, 2015, P. 477) que afirma:
Entende-se por transnacionais as empresas constituídas sob as leis de determinado Estado que têm representações ou filiais em dois ou mais países, neles exercendo seu controle, acionário ou contratual, ainda que o seu capital provenha de um único Estado ou de uma única pessoa. Multinacionais, por sua vez, são as empresas cujo capital provém de mais de um Estado, podendo ser bilaterais (com capital proveniente de dois países) ou multilaterais (com capital proveniente de três ou mais Estados).
Para fins didáticos, neste trabalho utilizaremos ambos os conceitos como sendo
sinônimos. No segundo ponto será melhor trabalhada a questão da personalidade jurídica
das empresas transnacionais; demonstrando fundamentos teóricos e legais, tanto no direito
interno quanto na legislação alienígena, fundamentos para a sua personalidade.
Na terceira parte, é destaca a questão da extensão do poder das empresas transnacionais
que vem interferindo com grande evidencia nas relações internacionais e o porquê da
urgência de uma regulamentação de sua personalidade jurídica de direito internacional.
A metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho foi a pesquisa documental e
bibliográfica, através de livros, artigos e sites que tratam do respectivo tema para permitir
uma fundamentação teórica e legal sobre o tema; e ainda, permitir posteriores fontes de
pesquisa para os leitores deste trabalho.
188
2 OS SUJEITOS NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E A QUESTÃO DE SUA
PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
Nas relações internacionais recorrentes os sujeitos de direito internacional são
aqueles que se destacam por sua atuação na seara internacional com intuito de movimentar
os jogos e relações recorrentes para a preservação das suas relações no campo das relações
internacionais e o crescimento continuo econômico.
Em um conceito de caráter doutrinário, Mazzuoli (2015, p. 449) assevera que:
São, portanto, sujeitos do Direito Internacional Público todos aqueles entes ou entidades cujas condutas estão diretamente previstas pelo direito das gentes (ou, pelo menos, contidas no âmbito de certos direitos ou obrigações internacionais) e que têm a possibilidade de atuar (direta ou indiretamente) no plano internacional.
Esses sujeitos podem possuir duas qualidades na atuação internacional, a de
sujeitos ativos e passivo. A primeira qualidade, ativo, diz respeito a sua atuação, ou seja, os
sujeitos que possuem está qualidade são considerados os “verdadeiros” movimentadores do
Direito das Gentes, pois atuam para a movimentação das relações continuas como agentes
que produzem ações que venha a ter consequências; como maior exemplo os Estados, que
são os sujeitos par execellence.
Os passivos são propriamente aqueles sujeitos que atuam como receptores do
direito internacional público, como exemplos os indivíduos; são aqueles que têm sofrem as
consequências da atividade daqueles sujeitos ativos. Sendo de grande importância destacar
que, a qualidade de ativo não anula a de passivo e vice-versa; sendo assim, um sujeito pode
ter tanto a qualidade de sujeito passivo e ativo de forma simultânea.
Como caso onde essas duas qualidades se relacionam em harmonia, é no caso das pessoas
de Direito das Gentes. Pessoas são os seres ou organismos que tem tanto a sua conduta
regulamentada pelo direito internacional público como também podem pleitear concessões
de direitos e impor determinadas obrigações.
Infelizmente, a mera propriedade de sujeito e/ou pessoa não garante a sua
personalidade jurídica que é qualidade de agir internacionalmente. Como acontece com os
indivíduos que ela pode ser restrita, podendo ainda ter vários graus de capacidade de acordo
com a pessoa, sendo um exemplo recorrente o das Organizações Internacionais. Outra
possibilidade é a de que um a personalidade jurídica de Direito Interno não garante a
existência de uma personalidade jurídica de Direito Internacional Público, como acontece
com os órgãos ministeriais ou no caso das empresas, que será destacado em breve
(MAZZUOLI, 2015).
Outra questão de suma importância é a respeito da personalidade internacional e o
debate doutrinário que cerca este tema sobre quem realmente são os sujeitos com
personalidade jurídica de Direito Internacional Público. São apresentadas no total três
189
correntes, as correntes clássica, moderna e extensiva; cada uma defendida de forma
fervorosa por doutrinadores respeitados. Estas correntes apresentam fundamentos
totalmente válidos para a justificativa de sua supremacia.
A primeira corrente que justifica a personalidade, é baseada na teoria clássica do direito
internacional, defende que apenas os Estados e as Organizações Internacionais são sujeitos
de Direito Internacional Público, por possuírem a qualidade de tanto de sujeito ativo, v.g.
através da elaboração de tratados; bem como no polo passivo, por serem os principais
destinatários imediatos no plano internacional[1].
Até o fim da Segunda Guerra Mundial está era majoritária sobre a personalidade
jurídica no direito das gentes; todavia, com as grandes transformações ocorridas com o fim
da segunda ela vem cada vez mais perdendo sua força, sendo hoje a corrente minoritária
entre os internacionalistas.
Esta corrente tem como um dos doutrinadores defensores Francisco Rezek (2005, p.
152), onde o autor destaca a defesa de sua opção por esta corrente com fundamentos
concretos:
Mas se daí partimos para formular a tese de que a pessoa humana, além da personalidade jurídica que lhe reconhecem o direito nacional de seu Estado patrial e os dos demais Estados, tem ainda- em certa medida, dizem alguns- personalidade jurídica de direito internacional, enfrentaremos em nosso discurso humanista o incômodo de dever reconhecer que a empresa, a sociedade mercantil, a coisa juridicamente inventada com ânimo do lucro à luz das regras do direito privado de um país qualquer, também é – e em maior medida, e há mais tempo- uma personalidade do direito das gentes.
De fato o argumento utilizado para justificativa da não admissão de mais sujeitos,
como no caso indivíduos e empresas, é realmente forte; o poder dado a uma empresa seria
realmente forte, mas a respeito das empresas trataremos posteriormente neste trabalho.
A segunda corrente, chamada habitualmente de corrente moderna; admite que os Estados,
Organizações Internacionais e os Indivíduos como sujeitos de personalidade jurídica
internacional.
A tendência desta corrente de incorporar os indivíduos como sujeitos com
personalidade jurídica, é baseada nos fatos ocorridos pós-Segunda Guerra, como no caso da
quebra da personalidade jurídica para atingir os indivíduos durante o Tribunal de
Nuremberg; ou ainda, como hoje ocorre com o Tribunal Penal Internacional[2] (TPI).
Porém indivíduos não podem celebrar quaisquer tipos de tratado, mas há a possibilidade de
litigância internacional, atuando no processo como sujeito ativo. Como exemplo, existe a
possibilidade de indivíduos oriundos de países Latino-Americanos, desde que o Estado seja
parte no tratado constitutivo de tal Comissão, ingressarem à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, podendo o país signatário ser responsabilizado por determinado fato
ocorrido através de um parecer estabelecido pela comissão no caso especifico[3] (PORTELA,
2016).
190
Assim concordando com esse posicionamento Mazzuoli (2015, p. 471), destaca
que:
Tal se deu, principalmente, pela multiplicação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos concluídos nos últimos tempos, que estão a permitir expressamente, além do ingresso direto dos indivíduos às instâncias internacionais, que também sejam demandados perante cortes internacionais de direitos humanos, como é o caso do Tribunal Penal Internacional.
A grande maioria dos autores internacionalista acaba convertendo-se para esta
corrente pelo fato da inclusão dos indivíduos como com personalidade jurídica de Direito
das Gentes.
A terceira corrente, chamada de concepção extensiva, se baseia nas atuais
evoluções do Direito Internacional trazidas pelo início do século XXI, pela divisão cada vez
mais tênue entre o campo do público e do privado e ainda a tendências de englobar cada
vez mais situações e ramos que envolvam outros entes nas relações internacionais; e com
isso, esse entes passaram cada vez mais a serem sujeitos de direitos pelas normas
internacionais.
Esta corrente admite como sujeitos de personalidade jurídica de Direito
Internacional os Estados, Organizações Internacionais, Indivíduos e Empresas
Transnacionais.
Rezek (2005, p 153), continua a sua crítica a respeito da ideia da personalidade dos
indivíduos e das empresas destacando o fato de que tanto os indivíduos não são capazes de
ingressar com reclamar de forma livre, pois para isto é necessário que o Estado faça parte do
tratado constitutivos de determinado tribunal ou corte, a garantia dos direitos; não podendo
um brasileiro, por exemplo, caso o Brasil retirar-se da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, ingressar com uma reclamação na mesma, nem mesmo empresas estrangeiras
poderiam entrar com uma reclamação contra o ele.
Entretanto, nesta critica o autor acaba incidindo em erro, pois vai de encontro com
a ideia de que os indivíduos são sujeitos de Direito das Gentes, sendo que estes já fazem
parte do próprio conceito[4], pois o indivíduo é fim de todo o direito seja qual ramificações
for.
Já na questão da personalidade jurídica das empresas transnacionais o debate
doutrinário é bastante acirrado. Mesmo com as tendências cada vez maior de aceita-las
como sujeito de Direito das Gentes, ainda não é pacífico a aceitação como um sujeito pleno,
ou nem mesmo como um sujeito fragmentado, como será demostrado em seguida.
3 A PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO DAS EMPRESAS
MULTINACIONAIS E TRANSNACIONAIS
O debate doutrinário ainda é bastante recorrente na questão da personalidade
internacional das empresas transnacionais. Embora todos os sistemas jurídicos tenham
191
entrado em harmonia quanto à personalidade jurídica de Direito Interno, seja ele público ou
privado, como sujeitos dotados de personalidade; ainda existe uma relutância por parte dos
internacionalistas sobre o tema (DINIZ, 2010).
Os doutrinadores, na questão da pessoa jurídica, formularam diversas teorias a fim
de justificarem a natureza jurídica, as mais consideradas são: a teoria da ficção legal, teoria
da pessoa jurídica como realidade objetiva, teoria da pessoa jurídica como realidade técnica
e a teoria da instituição.
Segundo a teoria da ficção legal, a lei através de uma ficção jurídica cria a
personalidade, esta qual que esta não tem existência real, um mero ente em mundo virtual.
Este ente sendo criado com o intuito de atender aos interesses das pessoas “reais” de
direito. Sustentada por na época por Savigny, esta teoria já foi a majoritária durante a
segunda metade do século XIX, época de seu desenvolvimento; mas, hoje já é superada pela
a criação de novas teorias.
Na questão da segunda, esta sustenta que as pessoas jurídicas são verdadeiros
organismos vivos e reais, assim contrariando a ideia trazida anteriormente por Savigny;
porém criados pela sociedade, com uma autonomia individua, negando a personalidade
fruto da técnica jurídica. A teoria tem sua origem no direito alemão, sendo defendida por
autores como Gierke e Zitelmann.
A teoria da pessoa jurídica como realidade técnica, existe como um misto das
anteriores, para suprir os interesses humanos pela criação através das técnicas de produção
jurídica. Tal teoria é aceita no Brasil, como destacado no art. 45° do Código Civil:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.
Um ponto de vista que pode ser visto como obstáculo é a analise clássica do Direito
Internacional tendo como ponto de partida os Estados. Pois, na medida que eles são sujeitos
primários do Direto das gentes, gozadores de toda a amplitude da personalidade jurídica
internacional serão vistos de forma como exemplo a ser seguidos e comparados que
surgirem nas relações internacionais. Tanto que os Estados ainda continuam sendo os únicos
sujeitos plenos, nem mesmo as Organizações Internacionais se equiparam.
Diferente do que acaba ocorrendo no âmbito do Direito Interno, não existe um critérios para
que determinado sujeito possa conseguir a personalidade internacional e talvez isso possa,
talvez, futuramente, impedir a realização de um sistema internacional.
A justificativa de somente os Estados ainda serem considerados os únicos sujeitos
de direito internacional públicos plenos, tem suas origens na fase embrionária do Direito das
GenteS, que se deu durante o Positivismo Jurídico que reinava no século XIX, pois o este
192
Direito das Nações surgiu em pelo consentimento mútuo entre as nações fundadoras,
portanto de forma única os sujeitos que deram origem seriam os sujeitos exclusivamente de
Direito Internacional Público.
Uma breve analise da antropologia jurídica pode demonstrar as origens de um
sistema jurídico. Mesmo que esse sistema seja fundado em sobre tratados, costumes e
princípios gerais de direito; sem uma codificação per se.
Assim como ocorre no direito interno, onde os detentores da personalidade jurídica não
possuem as mesmas prerrogativas dependendo de suas características, na seara
internacional pode ser feito de forma análoga, sendo assim, não possuindo as mesmas
prerrogativas de um Estado soberano, mas também não tão limitadas quanto a dos
indivíduos.
É justificável que as Empresas sejam consideradas como sujeitos não formais[5], ou
fragmentados; pois com o surgimento da globalização, se tornou mais evidente a
necessidade de criar uma personalidade jurídicas para esses as Empresas Multinacionais,
mesmo que seja com o intuito de preservar o status dos atuais sujeitos.
Como tais Empresas estão diretamente envolvidas com uma das grandes consequências
desse movimento, que é o fenômeno econômico; tal fenômeno pode ser tanto benéfico, no
sentido melhorar as comunicações facilitando o acesso a informação ou tornando mais
eficiente os meios de produção; como maléficas com o alarmante aumento da desigualdade
e desastres ambientais, por exemplo (RIBEIRO, 2007). E por isso, se faz necessária a
integração de tais sujeitos no Direito Internacional Público[6].
Entretanto, como as empresas tem como a finalidade principal o lucro, e ainda tal
lucro é voltado para ganhos de particulares e não da coletividade, não devem as empresas
transnacionais terem o mesmo grau e poderes dentro do direito internacional público,
sendo necessário que não tenham as mesmas prerrogativas e direitos que os Estados ou
Organizações Internacionais possuem.
Analisando-se em âmbito nacional, o Brasil foi tardio em iniciar o reconhecimento
das pessoas jurídicas no direito interno, até o início do século XX não havia reconhecimento
algum; nem mesmo no Código Comercial de 1850 não previa qualquer destaque ao tema
sendo reconhecida somente pelo Decreto 1.102 de 21 de novembro de 1903, que
estabeleceu algumas regras para o estabelecimento das empresas de armazéns gerais;
destacando os direitos e obrigações destas e estabelecendo pela primeira vez a expressão
“pessoa jurídica”, no direito nacional, como nomenclatura dada às empresas do respectivo
decreto.
Em seguida, surgiu em 1907, o Decreto 1.637, reconhecendo a personalidade
jurídica dos sindicatos. No antigo Código Civil, de 1916, trazia o assunto nos artigos 16 e 20,
respectivamente. O atual Código Civil atual contemplou de forma ampla a personalidade
jurídica.
Entretanto, foi Teixeira de Freitas, no seu esboço de Código Civil, que é destacado
como fonte de referência para vários códigos da América Latina, mas infelizmente
menosprezado no Brasil; foi quem introduziu a teoria da personalidade jurídica, no direito
193
interno. Assim Requião (1998, p. 347) destaca que Freitas: “[…] apresentou a
regulamentação das pessoas jurídicas, incluindo as sociedades na categoria de pessoas […]”.
O esboço trazia em seu artigo 17 a situação onde prescrevia que as pessoas ou eram de
existência visível, ou de existência ideal, adquirindo os direitos que o respectivo código trazia
regulamentados e na forma que era determinado.
No campo da personalidade internacional, na legislação brasileira há casos que se
pode observar a admissão da personalidade jurídica de direito internacional de forma
implícita. O primeiro exemplo é no Código Civil de 2002 (CC/2002) onde em seu art. 42°
afirma que: “São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas
as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”.
Nesse caso a pessoa jurídica segundo Maria Helena Diniz (2010), pode ser
nacional[7] ou estrangeira, sendo esta pessoa vinculada e subordinada à ordem jurídica que
lhe permitiu a personalidade. E ainda complementa, afirmando que: “sem se ater, em regra,
a nacionalidade dos membros que a compõem e a origem do controle financeiro” (DINIZ,
2010, p. 89).
Sendo assim, possibilitando uma personalidade jurídica internacional de forma
indireta, mais especificamente de forma fragmentada como já destacamos a opinião de
Portela (2016).
Outra questão pode ser levantado do artigo 11° da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (LINDB) que diz:
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. § 1o Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira; […]
A regra do caput somente será aplicada para empresas com atividade continua no
Brasil, não sendo levado em conta meras atividades esporádicas. No mesmo sentido
Monaco, Jubilut (2012, p.108) complementam a ideias destacando que:
Tal critério tem respaldo internacional, uma vez que a Corte Internacional de Justiça, ao tratar do caso Barcelona-Traction, entendeu que os Estados que podem conceder proteção diplomática às pessoas jurídicas, e que, portanto, podem ser entendidos como os de sua nacionalidade, são aqueles nos quais a pessoa jurídica se constituiu ou onde está ́a sua sede social.
Sendo assim, seguindo este raciocínio o critério do caput do artigo em analise
garante tanto uma personalidade jurídica internacional como a capacidade internacional
para as empresas transnacionais.
Já em seu parágrafo 1°, o artigo em estudo destaca que caso uma empresa
internacional venha a abrir filial em território brasileiro está deverá ter aprovado seu
estatuto social ou ato constitutivo. Neste caso pode ser observado um caso criação de uma
194
nova personalidade jurídica mesmo que controlada pela sua originaria no país estrangeiro[8]
(DINIZ, 2010).
Há ainda os casos na legislação internacional que aceitam tais sujeitos como com
personalidade, no caso do NAFTA (North American Free Trade Agreement) em seu tratado
constitutivos, respectivamente em no capítulo XI, artigo 1.110°:
Article 1110: Expropriation and Compensation: 1. No Party may directly or indirectly nationalize or expropriate an investment of an investor of another Party in its territory or take a measure tantamount to nationalization or expropriation of such an investment (“expropriation”), except: (a) for a public purpose; (b) on a non-discriminatory basis; (c) in accordance with due process of law and Article 1105(1); and (d) on payment of compensation in accordance with paragraphs 2 through 6 […]
Neste artigo o tratado trouxe a questão das expropriações indiretas, que
praticamente lhe deu, de forma “indireta, a condição de sujeito de Direito das Gentes
(MAZZUOLI, 2015). Podendo em casos que surgirem conflitos entre Países e empresas, os
Estados serem acionados no caso de violação desse artigo[9].
As empresas hoje já podem celebrar algumas espécies de instrumentos jurídicos com os
Estados e Organizações Internacionais, que não são considerados tratados, mas contratos,
que são declarações de vontade, emitidas segundo o princípio da autonomia privada pelos
contratantes, na uniformidade com a ordem pública, destinada à regulamentação de
interesses e com intuito de adquirir, modificar ou extinguir direitos relações jurídicas de
natureza patrimonial, ou ainda os instrumentos não vinculantes, como protocolos de
intenções[10].
O que se aproxima bastante do que é o conceito de tratado, que é:
Tratado é todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinados a produzir efeitos jurídicos. Na afirmação clássica de Georges Scelle, o tratado internacional é em sim mesmo um simples instrumento; identificamo-lo por seu processo de produção e pela forma final, não pelo conteúdo. Este- como o da lei ordinária numa ordem jurídica interna- é variável ao extremo. Pelo efeito compromissivo e cogente que visa a produzir, o tratado dá cobertura legal à sua própria substância (REZEK, 2006, p.14).
Como pode se observar comparando os conceitos de tratado internacional e
contrato, é difícil não se observar a linha tênue que existe entre ambos. Dificultando ainda
mais o trabalho daqueles que negam a personalidade jurídica de Direito das Gentes para as
empresa.
Todavia, um ponto ressaltado por aqueles que negam a personalidade jurídica de
Direito das Gentes para as empresas transnacionais é forte, que é a questão da interferência
das empresas no campo do direito internacional público, como será destacado adiante.
195
4 IMPORTÂNCIA DA NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DE UMA REGULAMENTAÇÃO
DAS EMPRESAS TRANSNACIONAIS
O grande avanço de uma globalização capitalista é notória no mundo globalizado.
Principalmente na década de 70, sem dúvidas, impulsionado pelo período da política
internacional do Détente, as empresas internacionais começaram o início do fim dos
governos socialistas e que terminou com a Queda do Muro de Berlim (1989).
Assim destaca Cesarino (2012, p. 5):
Deste modo, a partir do início da década de 1990 e com a dinamização dos meios de comunicação, ocorreu a ruptura política e econômica do sistema socialista, e assim abriram-se as portas para uma “contra-revolução” do capitalismo. Esta ação acabou por confirmar o que Marx sinalizava (e condenava) em seus escritos, e possivelmente nunca o capitalismo tenha tido tanto poder de influência na sociedade como nos últimos vinte anos da história mundial contemporânea.
Com suas economias fragilizadas após a mudança de sistema políticos tais nações,
acabaram permitindo a grande proliferação daS empresas em diversos países, que faz com
que os Estados disputem de forma acirrada a estadia dessas empresas em seus territórios,
através de concessões para estas, que as vezes apenas dão vantagens exclusivamente para
as empresas. Como consequência os mercados que antes não eram explorados foram
tomados pelas empresas transnacionais, levando a uma rápida expansão desses
aglomerados empresarias em todo o mundo[11].
Esse fato leva à outro debate que é a exploração dos países subdesenvolvidos
pelas grandes potências. Pois as matrizes de grande parte das empresas multinacionais
localizam-se em países desenvolvidos, uma aliança político-econômica de dependência dois
países pobres para com os ricos. Dependência tão forte que chega ao ponto de alguns países
cederem parte de sua soberania para essas empresas e Estados para terem direito à
abertura de uma de suas subsidiarias, ou por patentes, que as vezes, são cedidas de forma
livre pelas empresas em seus países-cede e que tem altos custos para os explorados
(SARFATI, 2007).
Assim, as indústrias nacionais dos países que sofrem estes tipos de intervenções
acabam não desenvolvendo com força e nem tecnologias que promovam uma livre
concorrência justa. As filiais pertencentes aos países explorados acabam que se tornando
apenas mais uma das etapas no amplo sistema de barateamento dos custos de produção
para favorecerem os países com demanda dos produtos de qualidade e com baixos custos.
Outra questão que encontra-se intimamente ligada ao poder econômico é o poder
bélico. Na tentativa de impor sua força através de seu poder, verdadeiramente estrutural.
Em vários momentos históricos se presencia as variadas tentativas de se implementar este
poder em conjunto com a força militar, seja ela por intervenções armadas ou conflitos de
grande escala[12] (SAFARTI, 2007).
196
Outro método utilizado pelas empresas é o poder de brando. Que diz respeito ao
elo de ligação entre a empresas e os clientes, gerado através de meios de ganhar a sua
confiança por meio de sua qualidade no mercado; ou o mais utilizado, que é a criação de
uma marca. A marca acaba que substituindo o próprio produto, ganhando a credibilidade
como consenso na população, e com isto, se sobrepondo a concorrência no mercado
nacional.
A questão da justiça também é dificultada pelas empresas transnacionais.
Principalmente no âmbito das relações internacionais, as empresas, já possuem o poder
suficiente de contrariar organizações como Cruz Vermelha, Nações Unidas ou a Corte
Internacional de Justiça de diversas maneiras. Como na invalidação de tomadas desde a
invalidação de tomada de decisões que sejam desfavoráveis; até na questão da publicidade
de seus dados e informações que, em regra, deveriam ser públicas ou contrariando decisões
judiciais (CESARINO, 2012).
Com o que foi argumentado até este ponto, é certo o raciocínio de que as empresas
transnacionais necessitam de alguma espécie de regulamentação na seara internacional; e a
inclusão desses sujeitos como com personalidade jurídica de direito internacional público é
uma solução lógica.
Um ponto que justifica a personalização das empresas é a da própria preservação
dos Estados. Pois com a tendência cada vez mais evidente de privatização das áreas que
antes eram de competência dos Estados em conjunto com o aumento do poder dos
conglomerados Empresarias[13].
Pois permanecendo como está, não demorará até para que as empresas, como
em alguns países já acontece, principalmente subdesenvolvidos, que as Empresas comessem
a interferir na formação dos ordenamentos jurídicos para que sejam favoráveis a elas,
chegando ao até ao ponto de que o direito das gentes não possam mais impedi-las de
tomarem as rédeas do mundo.
Hoje, grupos de coalizão tanto favoráveis como desfavoráveis a atuação das
Empresas Multinacionais em seus territórios disputam o exercício dos poderes dos Estados.
Quando as atuações são favoráveis, como nos países desenvolvidos, pouca oposição é
encontrada; todavia nestes países quando o bem-estar é diminuído mesmo que
minimamente a oposição surge com grande força.
Nos países em que a intervenção das multinacionais afeta de forma negativa o
bem as políticas de bem estar-social, apesar de seu poder de influenciar, eles encontram
muitos grupos políticos, sindicais, nacionais e etc., que tendem, a mesmo que de forma
mínima, bloquear suas atividades, a nível nacional chegando até o internacional; porém, em
tais casos os grupos de oposição pouco fazem (SAFARTI, 2007).
Para uma melhor compreensão do tema, é válida a exemplificação de ambas as situações a
partir de dois casos significativos.
O primeiro é o caso onde o grupo fundamentalista islâmico Talibã, durante a
guerra do Afeganistão, ajudou os Estados Unidos a expulsarem as tropas soviéticas de seu
país, acabando assim a guerra civil. Posteriormente, após a tomada de poder pelo grupo na
197
década 1990, foi imposto um regime radical baseado em um islamismo distorcido na
tentativa de criar-se um Estado teocrático Islâmico.
O outro caso se trata de uma situação semelhante, porém sem bases tão radicais,
que ocorreu nos Estados Unidos. Alguns grupos nacionais organizaram-se para eleger
políticos conservadores e nacionalistas afim de criar uma cultura nacional baseada em um
patriotismo heroico inexistente, com valores cristãos e anglo-saxões. Utilizando-se de uma
segregação racial e cultural, não declarado aos negros e latinos; institucional e preservação
da hegemonia linguística (CESARINO, 2012).
Como se viu, a aversão ao poder das empresas pode ser de forma tão demasiada a
chegar ao ponto de total negação dos avanços tecnológicos, mais ao mesmo tempo se
utilizando destes para ser chegar ao objetivo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem argumentos tanto para aqueles que são favoráveis quanto os que são
contra a atribuição de personalidade. Os primeiros, destacando que, dada a personalidade
de direito internacional público para tais entes, irá regulamentar a atuação das empresas no
âmbito das relações internacionais, e como consequência, diminuirá a intervenção das
empresas nos campos de competência estatal.
Os desfavoráveis asseveram que com a regulamentação das empresas como um
sujeito dotado de personalidade jurídica de direito internacional público irá ceifar de vez a
existência dos Estados, que hoje já se encontram cada vez mais em crise.
Ambas as correntes opostas anteriormente destacadas possuem argumentações fortes e
justificáveis.
Todavia, mesmo em divergência de opiniões em um detalhe os dois lados
convergem; que é nítida a necessidade de uma regulamentação para as empresas
transnacionais e multinacionais na área do direito internacional.
Este tema ainda é bastante obscuro e por isso requer bastantes debates no campo
legislativo e doutrinário para que se chegue a algum consenso que venham a regulamentar
tais entes para atuarem de forma correta na esfera internacional.
NOTAS DE FIM
[1] “Para essa entendimento, seriam sujeitos de Direito Internacional apenas os Estados
soberanos (Estados), as Organizações Internacionais, os blocos regionais, a Santa Sé, o
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, os beligerantes, os insurgentes e algumas nações
em luta pela soberania” (PORTELA, 2016, p.155).
[2] Os indivíduos podem ser responsabilizados por quatro tipos de crimes; crimes de
agressão, crimes contra humanidade strictu sensu, crimes de guerra e crimes contra a paz
(MAZZUOLI, 2015).
198
[3] “Recorda-se que o ser humano não pode celebrar tratados e, nesse sentido, as normas
internacionais que lhe dizem respeito continuam sendo criadas pelos Estados e organizações
internacionais. Ao mesmo tempo, suas possibilidades de acesso direto aos foros
internacionais são ainda mais restritos que as dos Estado” (PORTELA. 2016, p.160).
[4] Segundo Mazzuoli (1025, p.83) o conceito de Direito Internacional é: “[…] um conjunto de
regras e princípios que disciplinam tanto as relações jurídicas dos Estados entre si, bem
como destes e outras entidades internacionais, como também em relação aos indivíduos”.
[5] “Poderiam ser considerados sujeitos não formais aqueles que, apesar de se situarem à
margem do Direito Internacional formal, participam de modo não regulamentado da cena
internacional, exercendo certa influência (positiva ou negativa) nas decisões da sociedade
internacional relativamente à ação e tomada de posições em assuntos de interesse global
(MAZZUOLI, 2015, p. 476-477).
[6] “As empresas, também referidas frequentemente como “pessoas jurídicas”, beneficiam-
se diretamente de normas internacionais, a exemplo daquelas que facilitam o comércio
internacional e os fluxos de investimentos. Ao mesmo tempo, têm obrigações fixadas pelo
Direito das Gentes, como os padrões internacionais mínimos, estabelecidos em tratados, em
matérias como trabalho e meio ambiente. Em alguns casos, as empresas têm acesso a
mecanismo internacionais de solução de controvérsias, como no MERCOSUL” (PORTELA,
2016, p. 161).
[7] Para tanto existem várias teorias, cada uma apontando um critério para a determinação
da nacionalidade, pelo estabelecimento de diferentes elementos de conexão. Entre os
principais critérios destacam-se: (i) a sede social – lex societatis; (ii) a nacionalidade dos
sócios; (iii) a nacionalidade dos diretores e gerentes; (iv) o local da subscrição do capital; (v)
local da exploração da atividade principal; (vi) local da constituição; (vii) domicílio social e
(viii) local da direção efetiva (MONACO; JUBILUT, 2012, p. 107).
[8] Nesse mesmo sentido, foi elaborado instrução normativa n° 7 de dezembro de 2013, pelo
Diretor do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) que Dispõe sobre os
pedidos de autorização para nacionalização ou instalação de filial, agência, sucursal ou
estabelecimento no País, por sociedade empresária estrangeira. Alterada pela Instrução
Normativa DREI nº 25, de 10 de setembro de 2014. Disponível em:
<http://drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/pasta-instrucoes-
normativas-em-vigor-04/in-07-2013-alterada-pela-in-25-2014.pdf>. Acesso em: 2 de mai. de
2017.
[9] O famoso caso da empresa norte-americana Metalclad Corporation versus Estados
Unidos Mexicanos, é um bom exemplo sobre a personalidade jurídica das empresas. Onde a
corporação ganhou uma ação na justiça contra o México por violar as normas sobre
investimento estabelecidas no capítulo XI do NAFTA, sendo condenado a pagar o valor de
18.68 bilhões de dólares. Disponível em: <http://www.italaw.com/cases/671>. Acesso em:
13 de abr. 2017.
[10] Nos Estados Unidos, o Judiciário tem conhecido ações apresentadas por cidadãos de
outros países contra EM’s. Eles pleiteiam reparações de danos causados por violações de
199
direitos humanos perpetrados por subsidiárias de EM’s americanas em outros Estados,
utilizando como fundamento jurídico o Alien Torts Claim Act (ATCA).
[11] O ex-Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, já afirmou diversas vezes sua opinião sobre o
crescimento dessas empresas, tanto em poder econômico como político; tornando-se cada
vez mais independentes e até mais poderosas que alguns Estados (RIBEIRO, 2007).
[12] Outra estratégia institucional usada em escala global, associada ao poder brando das
EMNs, é direcionar recursos para a filantropia2. Segundo Rondinelli (2002, p. 394), as EMNs,
juntamente com ricos executivos, têm cada vez mais assumido o papel público de
fornecimento de ajuda internacional através do desenvolvimento de programas
filantrópicos. Ainda, segundo o mesmo autor, as empresas são hoje responsáveis por cerca
de 87% da ajuda aos países pobres, com cerca de US$ 296 bilhões. São numerosos os
exemplos de filantropia apoiados pelas EMNs, dos quais se pode citar: a parceria Coca-Cola e
Rotary Internacional, para ajudar o governo da Índia a imunizar a população contra a
poliomielite; e o fundo da Nokia, de US$ 11 milhões, montado com a ajuda de seus
empregados voluntários, para ajudar a ensinar crianças com dificuldade de aprendizado na
África do Sul, China, México, Brasil, Inglaterra e Alemanha (RONDINELLI, 2002, p. 395. IN:
SAFARTI, 2007, p. 120).
[13] Há atitudes sendo tomadas, dentre elas destaca-se o trabalho da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em conjunto com diversas ONG’s e EM’s
para a elaboração de Códigos de Conduta aplicáveis a essas empresas. Esses Códigos
consistem em um conjunto de diretivas e princípios – inspirados no Global Compact criado
pela ONU31 – que devem ser observados tanto pela matriz quanto pelas subsidiárias
espalhadas pelos países. Contudo, têm caráter recomendatório, isto é, sua observância não
é exigida (RIBEIRO, 2007, p. 867- 868).
REFERÊNCIAS
BRASIL. Instrução Normativa DREI Nº 7, de 5 de dezembro de 2013. Disponível em:
<http://drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/pasta-instrucoes-
normativas-em-vigor-04/in-07-2013-alterada-pela-in-25-2014.pdf>. Acesso em: 02 de set.
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DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15. Ed. São Paulo – SP: Saraiva, 2010.
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200
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SARFATI, Gilberto, Os Limites do Poder das Empresas Multinacionais: O Caso do Protocolo
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THE NORTH AMERICAN FREE TRADE AGREEMENT (NAFTA). Disponível em:
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OLIVEIRA, Sávio Ferreira. Quem possui a personalidade jurídica no âmbito internacional de
acordo com o Direito Internacional Público. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov
2011. Disponível em:
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d=10736>. Acesso em: 13 de set. 2017.
201
É O BRASIL UM GLOBAL PLAYER OCEÂNICO? UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO
BRASILEIRA NOS OCEANOS ATRAVÉS DO COMPLEXO DE REGIMES
IS BRAZIL AN OCEANIC GLOBAL PLAYER? AN ANALYSIS OF THE BRAZILIAN
ACTING IN OCEANS THROUGH THE REGIME COMPLEX
Igor Magri de Queiroz19
Resumo: Há uma corrida por recursos em direção aos Oceanos. Isto é preocupante os
impactos causados, já que qualquer mudança brusca nesse sistema complexo pode trazer
consequências irreversíveis. Nesse sentido, a Agenda 2030 deu visibilidade às questões
oceânicas, estabelecendo no seu Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 uma agenda
voltada aos Oceanos. Assim, um novo ímpeto se dá em direção ao uso sustentável dos
Oceanos. Entretanto, alguns Estados atualmente são mais preponderantes nessas questões
do que outros. Isto é mais visível nas Zonas Além das Jurisdições Nacionais (ZAJN) – onde
Estado algum possui jurisdição e cuja governança se apresenta como fragmentada e
complexa, por conta da falta de um instrumento internacional compreensivo e sobreposição
de regimes. A atuação nas ZAJN depende principalmente de um fator, isto é, a detenção de
tecnologias capazes de permitirem a exploração nessa área. Portanto, essa pesquisa
pretende entender a posição do Brasil em relação às ZAJN nesse contexto de corrida para os
Oceanos. Tem-se como pergunta central a questão: o Brasil é um global player no complexo
de regimes para a ZAJN? Para tanto, a partir de uma pesquisa bibliográfica, discutir-se-á a
questão da Governança Global dos Oceanos, no escopo maior da Ordem Ambiental Global,
argumentando que ela deve tratar diversos regimes que se sobrepõem, que formam um
Complexo de Regimes nas ZAJN. A análise do Brasil nesse Complexo se dar através dos
regimes de Bioprospecção, Mineração e Pesca. Os resultados indicam que o Brasil não é um
global player oceânico, pois, faltam capacidades de atuação, principalmente tecnológicas.
Palavras-chave: Governança Global do Oceanos; Global Player Oceânico; Zona Além da
Jurisdição Nacional; Oceanos.
Abstract: There is a race for the Oceans. This is a pressing issue, much because any sudden
change in the complex system is likely to produce irreparable consequences. In this sense,
the 2030 Agenda is giving visibility to ocean issues, mostly visible in its Sustainable
Development Goal 14 – Life Below Water. However, some States are more preeminent than
others. This is more clear to see in the Areas Beyond National Jurisdiction (ABNJ) – where no
State has jurisdiction and its governance is fragmented and complex, that is because there is
no comprehensive international treaty but there is an overlap of regimes. The State
performance in the ABNJ depends mostly on one factor, that the holding of technologies
19
Graduando em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB).
202
enables the exploration in this area. Thus, this research intends to understand the Brazilian
position in relation to the ABNJ in the context of the race to the Oceans. As a research
question, we ask ‘is Brazil a global player in the complex of regimes of the ABNJ’? In order to
achieve it, through a bibliographical research, we discuss the Ocean Global Governance, in
the scope of the Global Environmental Order, arguing that it should deal with the overlap of
regimes, and hence form a Complex of Regimes in the ABNJ. The analysis in this Complex will
comprise the Bioprospecting, Mining and Fishing regimes. The results show that Brazil is not
an ocean global player, primarily because it lacks technological capacities to perform
adequately.
Keywords: Oceans; Ocean Global Governança; Ocean Global Player; Areas Beyond National
Jurisdiction.
1 INTRODUÇÃO
A agenda global de desenvolvimento tem evoluído e abarcado cada vez mais novas
problemáticas. O ano de 2015 é o marco para o fim dos Objetivos do Milênio e o começo
para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Desta vez são 17 objetivos, muito
mais abrangentes. Tendo em vista o objetivo 14 – vida abaixo d’água, ou melhor, Conservar
e Usar de Forma Sustentável os Oceanos e os Recursos Marinhos para Assegurar um
Desenvolvimento Sustentável, essa pesquisa tangencia esse objetivo ao tratar da atuação
brasileira nas questões oceânicas e a governança global ao seu redor. Os oceanos cobrem
cerca de 70% da superfície da Terra e é onde está localizada 97% da água do planeta, além
disso, cerca de 3 bilhões de pessoas dependem dos recursos retirados dos oceanos para a
sua sobrevivência. Mais do que isso, os oceanos são uma importante fonte para a segurança
alimentar, sendo uma das fontes mais promissoras de proteína de fonte animal, e da
segurança climática, pois funcionam como o maior sequestrador de carbono. Ainda, os
oceanos são fonte de riquezas naturais e biológicas, com uma capacidade “crescimento azul”
gigantesco, tendo em conta seu “produto marinho global” de 2,5 trilhões de dólares cada
ano, em que mais de dois terços dependem diretamente de condições saudáveis dos
oceanos, de acordo com o relatório “Reviving the Ocean Economy – The Case for Action
2015” da World Wild Life. Ou seja, os oceanos são fonte e vetor para o desenvolvimento.
Desta forma, os impactos das ações humanas têm sido sentidos cada vez mais
distantes de seu local de origem. Onde antes não se via conexões entre acontecimentos, já
se percebe a interconectividade e complexidade das realidades experienciadas, mesmo
separadas por um Oceano de distância. De fato, os efeitos da globalização se imiscuem nas
diversas áreas – não só – humanas, até mesmo na maneira de se encarar o mundo. É nesse
âmbito que uma agenda vem tomando espaço e adquirindo um campo de estudo bastante
amplo, principalmente nas Relações Internacionais: a questão do meio ambiente. Na
disciplina, essa preocupação adquiriu uma atenção fecunda, que possibilitou a criação de
abordagens e teorias para tratar dos problemas ambientais, muitas vezes globais por seus
203
efeitos. Entretanto, esses estudos sozinhos não foram (nem são) capazes de lidarem e
resolverem as dificuldades dos seus objetos de pesquisa. Foram, porém, capazes de indicar
caminhos para análise e lacunas a serem preenchidas por pesquisas futuras.
Uma das lacunas apontadas, portanto, é justamente a questão da Governança
Global dos Oceanos (GGO) para as zonas além da jurisdição nacional (ZAJN), principalmente
dada a sua importância ecológica, já que essa área cobre cerca de 60% da superfície
terrestre, compondo um sistema marinho rico em recursos naturais vivos e não-vivos,
conhecidos e desconhecidos. Assim, tendo em vista o debate acerca da definição de
“governança global”, dado a ascensão de novos players que questionam a ordem vigente,
esta ordem caracterizada principalmente por termos da OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico) (RÖHRKASTEN, 2014), a pesquisa se propõe a
entender a posição do Brasil nesta ordem, especificamente na questão dos oceanos.
Attravés da análise da sua inserção no complexo de regimes que compõe esta governança, a
pesquisa se propõe a responder a seguinte questão: o Brasil é um global player no complexo
de regimes para a ZAJN? Para responder à pergunta, o estudo foi feito a partir de uma
análise de dados de natureza qualitativa, que foram obtidos por meio de um levantamento
bibliográfico.
Desta forma, o artigo estará dividido em duas partes. Na seção um, a proposta é
revisitar a questão da Ordem Ambiental Global (OAG), com o enfoque na (a) problemática
oceânica das ZAJN, e (b) a sua dinâmica através do aporte teórico trazido pela teoria dos
regimes internacionais. Já na segunda seção, o foco cairá sobre o Brasil como ator global,
investigando (a) a existência de seu papel de player ambiental global e/ou (b) de player
global oceânico.
2 ORDEM AMBIENTAL GLOBAL: O CASO DAS ZONAS ALÉM DA JURISDIÇÃO NACIONAL
Como parte do processo de globalização, isto é, um processo histórico que envolve
uma transformação profunda, ou mudança fundamental, na escala espacial da organização
social, de modo a conectar comunidades e expandir as relações de poder entre as diversas
regiões e continentes (BAYLIS, et al., 2008), a OAG se difere da sua predecessora, a ordem
internacional1. Segundo Myint (2011), o processo de globalização leva em conta o bem ou
mal comum da humanidade em geral, enquanto que a internacionalização é liderada por
conta dos interesses nacionais ditado principalmente por Estados poderosos.
Desta forma, apesar da internacionalização se referir a um aumento da
interdependência, a sua ideia central é que o seu processo se mantenha entre as fronteiras
das unidades nacionais, diferentemente da globalização, em que a distinção entre o
doméstico e o externo se confunde (BAYLIS, et al., 2008). Portanto, de acordo com Hurrel
(1999), pensa-se cada vez mais que a ordem “envolve a criação de normas internacionais
que afetam profundamente as estruturas e a organização domésticas dos Estados, investem
indivíduos e grupos de estados de direitos e deveres, além de buscarem incorporar alguma
noção de bem comum global”. Entretanto, essa ordem global não é necessariamente
204
universal, fato demonstrado pelo estudo de Boulet et al. (2016). A partir de uma análise de
Acordos Ambientais Multilaterais (AAM) – convenções, protocolos, acordos, tratados, etc. –
ratificados durante 35 anos (1979-2014), os autores apontam que, devido a participação de
alguns Estados mais que outros, principalmente da União Europeia e seus Estados-membros
nos anos 90, a OAG possui uma característica forte ocidental liberal.
Uma pergunta surge: como lidar com os problemas ambientais globais? A próxima
subseção tratará deste tópico, com o enfoque na questão dos oceanos.
2.1 A Governança Global dos Oceanos
Objeto de discussões entre cientistas, questiona-se a existência de uma nova época
geológica, o Antropoceno, onde atividades humanas seriam o motor para as mudanças
ecológicas globais (MONASTERSKY, 2015; ROCKSTRÖM, 2009). Por exemplo, o estudo de
Speth e Haas (2006) aponta quatro tipos de desafios ambientais globais criados pelas
sociedades humanas: 1) abuso dos bens comuns – as zonas além da jurisdição nacional,
incluindo, por exemplo, o alto mar e a alta atmosfera; 2) poluição transfronteiriça
generalizada, assim como interferências em corredores ecológicos e apropriação de recursos
hídricos compartilhados; 3) ecossistemas nodais – aqui existe um grupo de atividades que
ameaçam bens de preocupação de governos e pessoas estrangeiras à “nacionalidade” onde
essas ameaças podem acontecer, sendo as florestas globais um exemplo; 4) problemas
estritamente locais ou nacionais que, entretanto, são tão compartilhados que os Estados
decidem resolvê-las conjuntamente, principalmente por conta da troca de informações.
Desta forma, como regular, proteger, conservar, conhecer, governar, etc., o meio ambiente
globalmente? Através da Governança Ambiental Global.
Com o relatório do Banco Mundial de 1989, o termo governança global, que
basicamente garante que um mundo formado por Estados soberanos governe sem um
governo, passa a se tornar legítimo no meio acadêmico e a evoluir com o passar do tempo,
tendo marco transformatório a Comissão Sobre Governança Global, com o seu relatório Our
Neighborhood (GONÇALVES, 2013; GONÇALVEZ, COSTA, 2011). Assim, governança global
inclui ações governamentais e processos, formais e informais, os quais comunidades utilizam
em seus interesses comuns, englobando o agir coletivo – sendo a governança global
ambiental a área de intersecção entre a política ambiental global e a governança global
(SPETH; HAAS, 2006). Portanto, a governança global é uma ordem intencional ao nível global
que limita e define as expectativas dos atores numa determinada área – neste estudo,
ambiental e oceânica –, criando um sistema de regras legítimas, que variam no grau de
institucionalização (BIERSTEKER, 2009). Desta forma, a importância da existência governança
é a mitigação da incerteza, que para o meio ambiente podem ser trágicas e irreversíveis.
Winchester ilustra bem esse ponto ao dizer que “if human institutions fail to act, the planet’s
natural systems will no doubt self-regulate, with unknown and potentially catastrophic
consequences” (2009, p. 17).
205
Retomando a questão do Antropoceno, certos autores defendem que seu início
estaria na mesma época das negociações da III Conferência das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar de 1973, culminando na CNUDM de 19822 (BARROS-PLATIAU, 2015). É neste
ínterim que surge a Governança Global dos Oceanos (GGO), isto é, a intersecção da política
ambiental oceânica e a governança global. Num planeta em que os oceanos cobrem cerca
70% da superfície terrestre, uma categoria analítica para esse assunto se torna
imprescindível, dado que a regulação desse bem global é complexa e fragmentada. Seguindo
o pensamento de Alfaia Júnior (2014, p. 79), a “fragmentação pode ser conceituada a partir
de uma concepção biológica, significando no campo da genética uma ‘fragmentação
cromossômica’ resultante de uma ‘ação externa’. Igualmente o conceito relaciona-se à
complexidade das questões e dos atores”. Assim, o autor esclarece que a fragmentação é o
processo relacionado aos
discursos ou “atos de fala” que compõem a diversidade temática própria da área ambiental. As incertezas científicas inerentes ao meio ambiente induzem os atores a, cada um a sua maneira, interpretar a realidade de acordo com suas experiências e práticas, fragmentando os discursos securitários e buscando legitimar – de forma unilateral – o que entendem por ameaças na área ambiental. Esse processo geralmente ocorre dentro de um nível mais elevado da unidade de análise estatal, os regimes e comunidades epistêmicas, que, por sua vez, influenciam o âmbito multilateral, mas sem uma hierarquia totalmente definida e mais porosa. Resulta daí uma série de iniciativas multilaterais, pouco coordenadas, cada uma com foco específico para um problema ambiental, o que conduz à atual superposição de normas e aprofunda a fragmentação (ALFAIA JÚNIOR, 2014, p. 79).
Tem-se em conta que para uma efetiva governança, o foco em uma só escala
(global, regional, local) não é suficiente, já que “many local interactions are caused by trends
and interactions at higher levels, which they in turn influence” (VAN DEN HOVE; MOREAU,
2007, p. 56). Assim se considera importante a participação e emergência de atores não-
estatais para construção e funcionamento da GGO. Isto é demonstrado pelo caso da
proposta originária do World Wildlife Fund (WWF) sobre a implementação da Área Marinha
Protegida (AMP) na Zona de Fratura Charlie-Gibbs, que foi levada a cabo no âmbito da
Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (OSPAR, sigla em inglês)
(FREESTONE, et al., 2014). Apesar disso, o estudo considera o papel estatal também
importante e essencial, demonstrado pelo mesmo exemplo anterior, pois mesmo que a
sugestão tenha vindo de uma ONG (Organização Não Governamental), o papel do Estado,
especificamente a Holanda – um lead state (SPETH; HAAS, 2006) –, em apoiar, defender e
convencer outros – Alemanha, França e Portugal – da importância da agenda, se tornou
imperioso para a implementação da AMP (FREESTONE, et al., 2014).
Entrentanto, a GGO apresenta-se como complexa e fragmentada e por esse motivo,
constata-se lacunas na sua atuação3. Mesmo assim, ela deve lidar com três grandes
desafios: 1) a ação antrópica predatória, principalmente para as ZAJN; 2) coordenação entre
206
as escalas de atuação; 3) manejo das conexões entre os sistemas naturais (ZONDERVAN,
2013). Portanto, concorda-se que o “concept of ocean governance is defined not only by
institutions, but also by diverse actors or stakeholders, rules and processes in ocean
management, and mechanism to solve conflicts of interest” (REPETTO, 2005, p. 18). A
próxima subseção, portanto, tratará da questão que trespassa todos esses desafios: as Zonas
Além da Jurisdição Nacional.
3 ALÉM DA JURISDIÇÃO DOS REGIMES INTERNACIONAIS: O COMPLEXO DE REGIMES
O Produto Marinho Bruto anual está na faixa de 2.5 trilhões de dólares, sendo que
três terços desse montante, para serem produzidos, demandam em condições saudáveis
para o crescimento “azul” (HOEGH-GULDBERG, 2015). Na corrida contínua para o mar, ondas
de interesse levaram a um excessivo uso dos recursos do mar (BARROS-PLATIAU, 2015). De
fato, isso ocorre em grande escala para as Zonas Além das Jurisdições Nacionais, Freestone
(2011, apud Freestone 2012) aponta algumas ameaças decorrente desse uso.
Primeiramente, as ZAJN cobrem grande parte do planeta terra e não se pode pensar nelas
como um deserto gelado e escuro (SCOVAZZI, 2013), diversas formas de vida, de
comprovado uso biotecnológico, vêm sendo descobertas em lugares antes pouco estudados,
como as fontes hidrotermais que, aliás, são ricas em minérios, como ouro. Depois, a
demanda por pescado tem aumentado, pressionando estoques em lugares cada vez mais
distantes, assim como espécies frágeis – o caso mais típico é o do peixe relógio, cuja idade
de maturação sexual deve ser cerca de 30 anos, logo, muito dificilmente reproduzindo de
modo frequente, fazendo com que a sua exploração deixe a espécie em vias de extinção.
Dados da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento
(UNCTAD, sigla em inglês) apontam que em 2013 o total de exportação mundial de peixes e
produtos pesqueiros foi estimado em 136 bilhões de dólares, um aumento anual de 12% nos
dez anos anteriores, sendo grande parte (75%) da destinação desses produtos para os países
desenvolvidos (UNCTAD, 2014). Já os dados da FAO apontam que a capturas de peixes
permaneceram relativamente estáticas desde 1980, sendo a aquicultura responsável por
grande parte da oferta de peixes para consumo humano (FAO, 2016), entretanto, ao olhar
para os estoques de peixes os dados se tornam preocupantes. Dos estoques de 2013, 58,1%
estavam totalmente explorados, enquanto somente 10,5% contavam como subexplorados
(FAO, 2016).
Além disso, outras atividades humanas têm aumentado consideravelmente, tal
como o aumento do transporte marítimo. Isso se demonstra pelo fato de que olhando
somente para o número de barcos pesqueiros, em 2014, existiam cerca de 4,6 milhões,
sendo sua distribuição geográfica a seguinte: Ásia com 75%, África 15%, América Latina e
Caribe 6%, América do Norte e Europa 2% (FAO, 2016); já a frota de comércio mundial
consistia em 89.364 barcos, sendo em ordem decrescente os países com as maiores frotas:
Grécia, Japão, China, Alemanha e Singapura (UNCTAD, 2015). Também é calculado que cerca
de 80% da troca de mercadorias mundial se dá por vias marítimas (UNCTAD, 2015).
207
Desta forma, os Oceanos são arena de várias das relações humanas, palco de
interesses coletivos e individuais, passível de ação coletiva, principalmente as ZAJN –
patrimônio comum da humanidade (PCH) –, por esse motivo, a adoção de regras comuns se
faz necessário: estas são os regimes internacionais (MORIN, 2015). Em uma definição mais
clássica, Stephen Krasner define regimes internacionais por “principles, norms, rules, and
decision-making procedures around which actor expectations converge in a given issue-
area” (1982, p. 185).
Morin (2015) ajuda a entender o significado desses regimes: eles funcionam como
variáveis intermediárias, isto é, de um lado elas refletem as estruturas – tal como a
distribuição de poder e ideias –, do outro elas afetam e constrangem as ações dos agentes,
dando margem para previsibilidade ao diminuir as incertezas; ainda, o autor reforça para
que não se confunda organização com a instituição dos regimes internacionais. Por exemplo,
no caso das florestas, existe um regime internacional desenvolvido por atores não estatais4,
porém, não há um instrumento do direito público internacional (MORIN, 2015).
É notável que a teoria passou por um processo de evolução desde a clássica
definição de Krasner5, há mais de 30 anos, em que novas abordagens surgiram, como a de
Keohane e Victor (2011), que revisitam a questão sob o conceito de complexo de regimes,
que será utilizado no estudo para entender a dinâmica institucional da GGO e o papel do
Brasil.
Para os autores de acima, o complexo de regimes está localizado em um continuum,
onde em um extremo estão instituições reguladoras internacionais abrangentes, e no outro,
arranjos altamente fragmentados, sendo que entre esses polos estão localizados os
complexos de regimes, que são “loosely coupled sets of specific regimes […], marked by
connections between the specific and relatively narrow regimes but the absence of an
overall architecture or hierarchy that structures the whole set. ” (KEOHANE; VICTOR, 2011,
p. 7-8). É interessante notar que Orsini, et al. (2013), relembram que em um complexo de
regimes os princípios, normas, regras e procedimentos sempre exibem um grau de
divergência com os seus regimes de base, sendo assim, a análise de regime é mais
recomendável para o estudo dos efeitos de um regime. Entretanto, o objetivo com o uso do
complexo de regimes para a Zona Além da Jurisdição Nacional neste estudo, após as 200
milhas, ou até depois de 350 milhas, no caso de extensão aprovada pela Comissão de Limites
da Plataforma Continental, é analisar a possível inserção brasileira como global player, ideia
que será desenvolvida na seção 2.
Ademais, o complexo de regimes pode ser construído cobrindo diferentes setores,
funções, áreas, ou mesmo lidando com diferentes categorias de atores internacionais
(ORSINI, et al., 2013). Por questões de escopo e espaço do estudo, serão escolhidos três
regimes internacionais que compõem o complexo de regimes para as ZAJN. Serão os regimes
base: bioprospecção, pesca e mineração dos fundos marinhos. A escolha desses regimes se
dá por eles envolverem atividades mais básicas e/ou promissoras para as ZAJN. Nota-se,
entretanto, que o complexo é constituído por uma gama muito maior de regimes, tais como
os regimes para a mudança climática; a segurança; a navegação; a biodiversidade; etc. Nota-
208
se também que a CNUDM é a instância na qual todos os regimes partem e/ou convergem,
não à toa alguns autores a chamam de Constituição dos Mares, sendo bastante importante
para o estado atual e futuro da GGO.
Para a bioprospecção um problema surge: não há um framework legal específico
para tratar dessa questão, nem na CNUDM, nem na Convenção sobre a Diversidade
Biológica, já que quando se negociava a CNUDM somente os recursos não vivos estavam na
mesa de negociação, o que resulta hoje que o regime de patrimônio comum da humanidade
não englobe os recursos não minerais da Área6 (SCOVAZZI, 2011). Tanto é que por esse
motivo que interpretações, como a dos EUA no BBNJ working group7, surgem para tentar
lidar com essa lacuna, afirmando que os recursos genéticos da ZAJN estão sob o princípio de
liberdade no alto mar, garantido pela CNUDM em seu art. 87, de modo que isso significaria
acesso e exploração irrestritos (WRIGHT, et al., 2014). Entretanto, da mesma forma que o
PCH não engloba os recursos não minerais, o regime de liberdade no alto mar não engloba
os recursos genéticos por razões cronológicas, já que os termos “bioprospecção” e “recursos
genéticos” nem são citados na CNUDM (SCOVAZZI, 2011). Mesmo assim, a CNUDM prevê
certos mecanismos que se aplicam aos recursos genéticos, ligados principalmente a
mineração, como a pesquisa científica marítima, a proteção de patrimônio cultural
subaquático e a preservação do meio ambiente marinho (SCOVAZZI, 2011).
Interessante notar que a bioprospecção, isto é, a busca por recursos genéticos de
valor comercial localizados na Área, pode ser visto como pesquisa científica marinha –
apesar da CNUDM não defini-la, de modo que os estados são obrigados a contribuir para a
humanidade como um todo pelo benefício obtido (SCOVAZZI, 2011). Ademais, por esse tipo
de biotecnologia ser de alto risco “it typically takes 15 years overall, and an investment of up
to US$ 1 billion, to go from research to commercial product […]. As a result the field is
dominated by relatively few nations.” (GLOBAL OCEAN COMISSION, 2013, p. 3). A taxa de
sucesso é extremamente baixa, beirando o 1 entre 250 mil amostras para o
desenvolvimento de uma nova droga (JUNIPER, 2013).
Já a pesca é fator de otimismo e preocupação. Se por um lado, pensa-se na pesca
como uma maneira de prover proteína animal para uma demanda crescente, do outro, os
impactos – como é o caso da pesca de arrasto e superexploração dos estoques de peixe –
deixam margem a preocupações ambientais, já que há muito a ser conhecido. Por exemplo,
Juniper (2013) aponta que das cerca de 1.750.000 espécies catalogadas, somente 14% delas
são de origem marinha. De qualquer forma, duas são as maneiras nas quais a pesca é
regulada nas ZAJN: através das Organizações Regionais de Gestão de Pesca (ORGP) e através
de um Estado de bandeira (flag state) de navio comercial, no qual navios registrados em
certo Estado devem que cumprir as leis da origem da licença, o que os autoriza a realizar
pesca nas ZAJN (DRUEL, et al., 2012). Contudo, a falta de uma definição clara para a ligação
com um Estado facilitou as bandeiras de conveniência (flags of convenience) (DRUEL, et al.,
2012), que é o caso quando o registro do navio é liberado de maneira fácil e com pouca
fiscalização, sendo o caso mais clássico o Panamá8. Isto faz com que navios não cumpram
determinadas regras (ambientais, laborais9, de manutenção, entre outras), navegando nos
209
altos mares depredando e dificultando a GGO, pois problemas com pesca ilegal, não
declarada e não regulamentada (INN), por exemplo, acabam tendo, em certa parte, como
origem as bandeiras de conveniência.
Já a mineração para as ZAJN é tida com base no princípio de patrimônio comum da
humanidade. Para Soares (2014, p. 291), a “Área não constitui […] um “bem público”, uma
vez que não se dá liberdade de acesso a seus recursos”, tendo em vista que a definição do
termo10 proíbe a apropriação dos recursos. Ainda, o autor explica que o PCH é ao mesmo
uma negativa e asserção de direitos, isto é, para a negativa “a Área não está sujeita a
pretensão de soberania em direito público nem a apropriação em direito privado”, ao passo
que a positiva, apesar dos Estados participarem da gestão e regulamentação das atividades
realizadas na Área, será através da maquinaria internacional onde essas faculdades serão
exercidas (SOARES, 2014). Ou seja, é a partir da Autoridade Internacional dos Fundos
Marinhos que os benefícios deverão ser compartilhados. Por fim, o mecanismo o qual a
Autoridade exerce suas atividades na Área foi denominado Empresa, a mesma que concede
as autorizações para os Estados atuarem no leito marinho, sendo que ao enviarem seus
pedidos, a Autoridade “designa uma superfície perfeitamente identificada por coordenadas
dividida em duas partes de valor econômico equivalente. Uma dessas partes será operada
pela Empresa”, pois, caso contrário, “esta seria mais simbólica do que real” (SOARES, 2014).
Explicitado o complexo de regimes escolhido e seus processos, a próxima seção
tratará da inserção brasileira neste interim.
4 O LUGAR DO BRASIL
O Brasil nunca esteve longe do mar, e o fato de cerca de 80% da sua população
viver em uma distância até 200 km da costa demonstra isto. De fato, a participação do Brasil
em regimes ambientais está ligada à sua condição de país emergente, soberano de grandes
riquezas naturais (BARROS-PLATIAU, 2010)11. A seção buscará trabalhar a sua atuação nos
regimes.
Parafraseando Hakim (2010, p. 49 apud MOURÓN; ONUKI, 2015), o lugar do Brasil
não é fácil de explicar. Porém, não impossível. De acordo com Ramalho (2016, p. 43-45), o
Brasil possui uma visão de governança global, sendo que se ela pudesse ser materializada
“the country would have a political role in international affairs in the coming years”, o que
revela uma “conservative approach, privileging sovereign states in international relations to
the detriment of non-state agents”, sendo a mudança nessa governança uma necessidade.
Dessa forma, o Brasil se vê como um ator para essa mudança, de modo que ele usaria da sua
credencial diplomática tradicional para oferecer estabilidade, tanto econômica como
política, através de instituições internacionais, acordos regionais e multilaterais, para
melhorar a efetividade das instituições multilaterais (RAMALHO, 2016). Isso se liga às ideias
de Flemes (2010), ao caracterizar o Brasil como potência intermediária, isto é, Estados que
não são grandes potências, mas tem influência internacional, de maneira que a sua meta se
torna a criação de uma estrutura comum de regras e instituições de governança global,
210
criando uma ordem de potências intermediárias em que o processo de tomada de decisão é
baseado nessas regras. Portanto, o Brasil ao procurar ser um papel político mais importante
no futuro, ele tenta através de uma multiinstitucionalização (Cone Sul, Unasul, Mercosul,
Conselho de Defesa Sul-Americano, etc.) controlar as contestações de sua liderança regional,
já que “uma América do Sul comparativamente estável pode ser um trampolim em direção a
um status autônomo de grande potência” (FLEMES, 2010). No entanto, esse papel de
liderança regional não é consensual, nem na realidade política, nem no meio acadêmico. O
estudo de Mourón e Onuki (2015) demonstra isso ao apontar três vertentes: os céticos, os
moderados e os otimistas. O primeiro grupo rechaça a ideia de liderança regional,
considerando-a muito apressada; o segundo grupo vê no governo a vontade de tornar o país
num líder, tendo o processo de consolidação avançado e recuado em certos aspectos, sendo
que a sua posição continuaria a definir; já os últimos veem que o país possuiria poder
material, vontade política e consenso para assumir a liderança. Para os autores, a liderança
brasileira seria situacional, isto é, o Brasil teria a capacidade de atuação em determinadas
oportunidades para estruturar e reorientar a ordem política vigente, sendo capaz de guiar os
seguidores em momentos críticos, seja por meio de organismos reforçados por ele próprio,
seja por mediação direta (MOURÓN; ONUKI, 2015).
Já em relação aos interesses para o mar, domesticamente, o Brasil possui uma
Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM), de 2005, porém contando com uma
história anterior a ela. Atualmente, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar
(CIRM), liderada pelo comandante da Marinha, a Autoridade Marítima, é quem coordena os
assuntos relativos a consecução da PNRM. Atualmente, a CIRM coordena uma vasta gama de
programas e ações que tangem várias facetas dos Oceanos, são: Programa Antártico
Brasileiro (PROANTAR); o PNRM, – que se desdobra no Plano Nacional de Gerenciamento
Costeiro (PNGC), no Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC) e
no Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM), tendo vigência plurianual e conduz
programas e ações, que são ligados ao Plano Pluriannual da União (PPA) e seu orçamento.
Entretanto, a CIRM e seus programas vem sofrendo com cortes de orçamento, como se
percebe pelo “Relatório Sintético das Ações do PPG-Mar (Formação em Recursos Humanos
em Ciência do Mar): janeiro a abril de 2016”:
Se 2015 foi um ano que em parte frustrou os integrantes do PPG-Mar, assim como a comunidade acadêmica deste domínio, é preciso ter claro que o novo ano será crucial para a continuidade de suas atividades. […] Nada disso será possível, no entanto, se os recursos financeiros necessários não forem disponibilizados em tempo hábil, comprometendo o objetivo maior de reconhecimento das Ciências do Mar como uma área com identidade própria, e crucial para o futuro do país, que vem sendo perseguido nos últimos anos (SUBCOMISSÃO PARA O PLANO SETORIAL PARA OS RECURSOS DO MAR, 2016, p. 10).
De qualquer maneira, dois são os programas cuja atenção é voltada para ações
além da jurisdição nacional: o PROANTAR, estabelecido em 1982, e o Prosperação e
211
Exploração de Recursos Minerais da Área Internacional do Atlântico Sul e Equatorial
(PROAREA). E, de certa forma, também o Plano de Levantamento da Plataforma Continental
Brasileira, que estuda a possibilidade de expansão da PC sobre a atual Área.
Além disso, há um conceito central para projeção internacional futura do Brasil nas
questões oceânicas: a Amazônia Azul (BARROS, 2015), patenteada em 2010. Cunhada pelo
almirante Roberto de Guimaraes Carvalho, o conceito se refere a região marítima brasileira,
tanto o leito marinho como a coluna d’água, comparável a Amazônia Legal (Verde). Se
tornou de tão grande importância que mesmo a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro
Branco de Defesa fazem referência a ela.
5 PLAYER OCEÂNICO GLOBAL
5.1 Bioprospecção
Uma das atividades mais promissoras, porém, de longo termo e alto risco, é a
exploração dos recursos genéticos marinhos. A controvérsia acerca da sua regulação já foi
explicada acima.
Para a pesquisa de bioprospecção em alto mar, dois requerimentos básicos acabam
surgindo: embarcações capazes de fazer pesquisa em alto mar, de cerca de 60 metros, e
capacidade em catalogação de espécies (JUNIPER, 2013). Com o problema da indústria naval
brasileira – que será tratada abaixo –, o Brasil deveria recorrer ao aluguel desses navios caso
queira fazer esse tipo de pesquisa, no entanto, a sua diária pode chegar a cerca de 80 mil
dólares (GLOBAL OCEAN COMISSION, 2013). Arruda (2014, p. 42) nota o peso do fretamento
de navios para o comércio exterior brasileiro: “Em 2013, as despesas com fretes marítimos
chegaram a US$ 28 bilhões […]. Ademais, nos últimos 4 anos, esse custo do frete marítimo
internacional teve um aumento de 82%, sendo responsável por cerca de 6% do total do
comércio exterior”. Além disso, é interessante notar que as maiores embarcações de
pesquisa são de países detentores de tecnologias mais desenvolvidas – Rússia, União
Europeia e Estados Unidos ocupando os 3 primeiros lugares, respectivamente –, sendo que o
Brasil não aparece no pódio dos 13 primeiros (JUNIPER, 2013). Além disso, um estudo de
2011 apontou que as reivindicações de patentes também estão concentradas nos países
desenvolvidos, sendo 90% dos países detentores dos pedidos, são: EUA (199), Alemanha
(149), Japão, (128), França (34), Reino Unido (33), Dinamarca (24), Bélgica (17), Holanda (13),
Suíça (11), Noruega (9) (JUNIPER, 2013).
Em 2010, o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana da Saúde e o
Ministério da Ciência e Tecnologia publicaram uma série de textos básicos, chamada
Caracterização do Estado da Arte em Biotecnologia Marinha no Brasil. Uma das conclusões
do estudo é que, ao comparar as patentes mundiais e as brasileiras, o país apresenta baixo
número relativo (TEIXEIRA, 2010), corroborando os dados acima.
5.2 Pesca
212
As águas brasileiras têm poucas possibilidades de aumento na pesca, justamente
por causa do índice de salinidade e de alta temperatura que causa baixa concentração de
nutrientes, a exceção somente da pesca oceânica e a de anchoíta, no sul; sendo assim, é na
aquicultura que o Brasil possui potencial para desenvolver a produção em larga escala
(ARRUDA, 2014). Fato que se comprova pelo estudo da FAO, The State of World Fisheries de
2016, em que até 2025 espera-se um aumento de 104% na sua aquicultura brasileira, devido
a incentivos do mercado (FAO, 2016).
Portanto são duas as formas em que o Brasil pode participar da pesca na ZAJN:
através de ORGP e dos Estado de bandeira de um navio comercial. Depois da construção
naval ter passado por crise dos anos 1980 e 1990, a sua condição deteriorou-se, tanto que
somente 3% do comércio exterior seja transportado por navios com registro no Brasil
(ARRUDA, 2014), formando uma marinha mercante de somente 109 navios. No entanto, em
águas internacionais, o Brasil faz parte da: Comissão das Pescas do Pacífico Ocidental e
Central; Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos; da
Comissão Internacional para Conservação dos Atuns Atlânticos. Contudo, por grande parte
da pesca no Brasil ainda ser artesanal, pouco se utiliza as ZAJN para a pesca, carecendo de
investimentos pesados para que se possa computar uma atividade notável nessa área.
5.3 Mineração
É interessante notar que o Brasil tem tido uma visão voltada para a Área desde o
estabelecimento da LEPLAC, no final dos anos 80. A capacidade técnica do programa atingiu
um patamar tão elevado que se desenvolveu programas de cooperação técnica entre países
africanos banhados pelo Atlântico e o Brasil, de forma a ser possível compartilhar o modelo
brasileiro de levantamento da PC nesses países (ABDENUR; NETO, 2014). Portanto, a
manutenção da estabilidade no Atlântico Sul é fato imprescindível para a projeção brasileira
futura nas ZAJN, sendo as ZOPACAS (Zonas de Paz e Cooperação do Atlântico Sul)12 um
grande meio para a concretização desse resultado, área de influência brasileira (BRIGAGAO;
SEABRA 2011).
Em 2014, o Brasil foi autorizado a explorar o elevado Rio Grande, uma área de cerca
de 3 mil km2, que o país explorará durante 15 anos (2015-2030) o potencial econômico da
região (BRASIL.., 2014), espera-se um gasto de mais de 11 milhões de dólares para o
desenvolvimento do plano de trabalho (MELO, 2015). Entretano, esses período será utilizado
para o levantamente de dados prospectivos da região, não significando o seu efetivo uso. Os
planos do governo são de que, findo o prazo, renove-se o contrato com a Autoridade por
mais quinze anos e, de fato, comece as atividades mineradoras. Portanto, não pode se
esperar muita atividade nessa área por parte do Brasil por, pelo menos, nos próximos 15
anos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
213
A questão ambiental pede uma abordagem multidisciplinar, que considere vários
aspectos do objeto de forma a ter compatibilidade complexa, e as Relações Internacionais
oferecem uma boa oportunidade para tanto, dentro das ciências sociais e humanas, por ser
uma disciplina que, por natureza, procura ser multidisciplinar. É assim que conceitos como
Ordem Ambiental Global, não Internacional, surgem para explicar a dinâmica política global.
Já a Governança Ambiental Global aparece como um aporte para explicar o processo de
tomada de decisão dentro de uma área específica, através da criação de regras em comum.
Assim, os Oceanos possuem uma potencialidade de “crescimento azul” enorme,
tendo em vista o grande valor bruto do “produto marinho global”. Deve-se ter em vista que
a complexidade da realidade nem sempre pode ser expressa por números, por esse motivo,
é essencial ter um cuidado acerca do manuseio desses números.
Além disso, há uma ineficiência na GGO para a gestão dos recursos marinhos, vivos
e não vivos, demonstrado pelas ações antropogênicas danosas ao ambiente marinho. Ainda,
o espaço oceânico é tão vasto que diversos regimes atuam sobre as mesmas áreas
compartilhando parcialmente regras, princípios, normas e processos em comum, criando um
complexo de regimes para os Oceanos, entretanto, nem sempre efetivo.
Assim o papel do Brasil se torna claro pela análise de regimes: o país não exerce
papel de global player oceânico, já que nos regimes analisados a sua atuação era aquém do
necessário para se tornar um player de impacto global. Percebeu-se que em todos os
regimes, para se um player global, deve-se ter uma capacidade tecnológica considerável, de
forma que confiar na transferência de tecnologia é ilusório e ingênuo, devendo o país
desenvolver capacidades para atuação nos processos decisórios através da aquisição de
recursos para tanto. E, neste caso, somente políticas – assim como vontade política – a longo
prazo são capazes de mudar o cenário, pois o desenvolvimento de novas tecnologias
também é de longo prazo, sendo que mudanças nas estruturas que limitam esse
desenvolvimento são essenciais. Contudo, há reservas acerca afirmação de que, caso o Brasil
aumente sua participação nesses regimes, se torne automaticamente um global player,
tendo em vista a consideração de variáveis políticas nesse processo.
NOTAS DE FIM
[1] Alfaia Júnior define, a partir de Ribeiro (2001), que a ordem ambiental internacional
“caracteriza-se pela fragmentação e pelo realismo político, onde os Estados pautam suas
ações e iniciativas pela salvaguarda da soberania e dos interesses nacionais, expressa em
uma gama diversificada de instrumentos jurídicos no intuito de melhor gerir o meio
ambiente” (2014, p. 79)
[2] A Convenção aplica um framework legal para os Oceanos, regulando diversas atividades,
estabelecendo obrigações e direitos. No que concerne aos altos mares, a ZAJN, “all states
have the duty to take, and to cooperate with other states in taking, measures necessary for
their conservation” (GJERDE, 2006, p. 33).
[3] Conferir Gjerde (2008).
214
[4] Para maiores informações, cf. CARVALHO (2012)
[5] Para a discussão sobre a evolução da teoria dos regimes no escopo das mudanças
climáticas, cf. Capítulo 4, In: VIOLA et al. (2013).
[6] Termo utilizado para designar o leito marinho e o subsolo além dos limites da jurisdição
nacional.
[7] Sigla do “Ad Hoc Open-ended Informal Working Group to study issues relating to the
conservation and sustainable use of marine biological diversity beyond areas of national
jurisdiction”, estabelecido pela Resolução 59/24 de 17 de novembro de 2004 da Assembleia
Geral das Nações Unidas, voltado para o estudo de questão relacionadas a conservação e
uso sustentável da biodiversidade marinha além da jurisdição nacional.
[8] Cf. WHY… (2014).
[9] Para mais informações sobre a questão laboral e a indústria pesqueira, cf. GREENPEACE
(2014).
[10] Para uma maior discussão acerca dos conceitos aplicáveis aos recursos marinhos, cf.
OLIVEIRA; MALJEAN-DUBOIS (2015).
[11] Para uma discussão da questão da soberania sobre recursos na OAG, cf. RAZZAQUE
(2012).
[12] Para mais informações acerca das ZOPACAS, cf. ABDENUR; SOUZA NETO (2014); e
PEREIRA (2013).
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219
A COOPERAÇÃO EUROPEIA PARA A REDUÇÃO DA POBREZA: O PROGRAMA DE
ESTADO PARA A REDUÇÃO DA POBREZA E PARA O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL DO AZERBAIJÃO PARA O PERÍODO DE 2008 A 2015 E SUAS
NUANCES HISTÓRICAS
THE EUROPEAN COOPERATION FOR POVERTY REDUCTION: AZERBAIJAN’S
STATE PROGRAM ON POVERTY REDUCTION AND SUSTAINABLE
DEVELOPMENT FROM 2008 TO 2015 AND IT’S HISTORICAL NUANCES
Vinícius Silva Santana20
Resumo: As práticas cooperativas nas antigas repúblicas soviéticas se baseavam em um
modelo de cooperação diferente daquele que se desenvolveu nas nações capitalistas. No
Azerbaijão, após o colapso da União Soviética, a pobreza se exacerbou à medida que o
Estado perdia a sua função de provedor da satisfação das necessidades individuais e a
transferia para o mercado. Para se ajustar às novas práticas de cooperação, o Azerbaijão
teve de criar e fomentar uma estrutura voltada para o mercado e foi auxiliado pelas políticas
de cooperação europeia TACIS e ENP. No entanto, a cooperação por parte da comunidade
europeia não foi – e nem é – desinteressada: além do fomento pela eficácia e eficiência nos
projetos financiados ou apoiados pela Europa, o desenvolvimento de estruturas de mercado
responde às necessidades do capital estrangeiro enquanto se camuflam sob o conceito de
apropriação na cooperação. O Programa de Estado para a Redução da Pobreza e para o
Desenvolvimento Sustentável na República do Azerbaijão é um exemplo de como as políticas
de combate à pobreza no país do Cáucaso Sul visam não apenas reduzir a pobreza, mas
promover o desenvolvimento de acordo com as condicionalidades europeias para a
cooperação, mas cuja implementação aponta para um caminho independente traçado pela
nação azeri.
Palavras-chave: Cooperação europeia; Redução da Pobreza; Azerbaijão; ENP; SPPRSD
Abstract: The cooperative practices in the former Soviet republics were based in a model of
cooperation that differed from that one developed in the capitalist nations. In Azerbaijan,
after the collapse of the Soviet Union, poverty was exacerbated while the state lost its
function of providing for the needs of individuals and transferred this role to the market. To
adjust to the new cooperation practices, Azerbaijan had to create and foster a market-
20
Mestre em Relações Internacionais e Licenciado em Letras com Inglês pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Alumnus da Bolsa da Chancelaria Alemã para Futuros Líderes como Pesquisador Bolsista com projeto em Relações Internacionais, Políticas Públicas, Desenvolvimento, Sociedade Civil e Bancos Alimentares fomentado pela Alexander von Humboldt Stfitung/Foundation. Participou de um projeto em Raça, Desenvolvimento e Desigualdade na Vanderbilt University (Estados Unidos).
220
oriented structure with the support of European cooperation policies like TACIS and ENP.
The cooperation of the European community, however, was not – and is not – without
interest: beyond promoting efficacy and effectiveness in the projects financed or supported
by the European community, the development of market structures responds to the needs
of the foreign capital while camouflaged under the concept of appropriation in cooperation.
The State Program on Poverty Reduction and Sustainable Development in the Republic of
Azerbaijan is an example of how the policies for poverty reduction in the South Caucasian
country aim not only at reducing poverty, but to promote development in accordance with
the European conditionalities for cooperation, but whose implementation point to an
independent path drawn by the Azeri nation.
Keywords: European cooperation; poverty reduction; Azerbaijan; ENP; SPPRSD.
1 INTRODUÇÃO
Diz-se que o sistema capitalista, por ser um sistema de características
intrinsicamente global, depende, ao mesmo tempo da competição como estimulador da
produção e da cooperação entre os diferentes atores para que a competição tenha uma
mínima harmonia e para a própria acumulação do capital.
As práticas de cooperação no Azerbaijão tiveram a sua origem no modelo soviético
e se distinguia da cooperação que se desenvolvera no ocidente. Compreender as relações
entre nações da União Soviética (URSS) e o impacto da dissolução dos acordos cooperativos
entre elas sob o domínio da URSS se torna fundamental para observar o caminho tomado
após o início da transição para o sistema capitalista e seu modelo de desenvolvimento e
cooperação, que se desenvolveu a tal ponto de prezar, antes de tudo, pela eficiência e
eficácia dos projetos e dos atores da cooperação para o desenvolvimento. Tal zelo não é
desinteressado por parte das nações doadoras e provedoras de cooperação e vem, para as
nações recipientes, às custas do aparato estatal – fadado à estrutura corporativa e parcerias
público privadas – e travestido do direito de propriedade das políticas tal qual explicitado
pelos fóruns de alto nível sobre a ajuda externa. O que se vê, no entanto, é uma relação
singular onde os doadores mantêm, por meio das condicionalidades e das práticas que
representam o próprio direito de propriedade, o maior controle possível da aplicação da
cooperação (RIDDELL, 2008).
Numa nação onde a privatização se tornou o eixo central das políticas estatais para
manter a gestão, a noção de emprego como o principal garantidor de renda e,
consequentemente, de minimizador da pobreza é um dos temas centrais do Programa de
Estado para a Redução da Pobreza e para o Desenvolvimento Sustentável na República do
Azerbaijão (SPPRSD) 2008-2015.
Este artigo se estrutura para além deste tópico introdutório e das notas conclusivas,
de 3 tópicos numerados que discutem brevemente o modelo de cooperação soviética; a
221
evolução do modelo de cooperação ocidental e o debate sobre a eficácia e a eficiência da
ajuda externa; e o plano de ação do SPPRSD em relação com o receituário de eficácia e
eficiência como discutido nos fóruns de alto nível em Roma, Paris, Accra e Busan, bem como
seu desenvolvimento histórico.
2 A COOPERAÇÃO SOVIÉTICA
O modelo de desenvolvimento e de cooperação soviética não se baseava no lucro
para avaliar o seu sucesso. No entanto, a produção era voltada para a satisfação das
necessidades pessoais do indivíduo e, consequentemente, da sociedade soviética. Neste
modelo, o trabalho era considerado libertador, uma vez que os trabalhadores não mais
trabalhariam para dar lucro a um patrão, mas o resultado de seu trabalho seria convertido
em produto social[1] que, depois de acumulado, seria redistribuído por meio de uma divisão
centralizada para todos os participantes da produção em proporções mais ou menos iguais.
Em tese, a concorrência entre setores de produção deixou de existir e deu lugar à
cooperação harmoniosa dos diversos setores (TÍKHONOV, 1983).
No estágio mais avançado do socialismo, a União Soviética implementou as bases
adicionais do seu desenvolvimento para além da coletivização da agricultura, da
industrialização e do desenvolvimento do setor energético: uma estrutura multissetorial
desenvolvida, a integração das economias das repúblicas soviéticas, o alto nível da
produtividade por meio do trabalho qualificado, mecanizado e automatizado. Esta base
intensificou o processo de cooperação entre as nações da União Soviética, o que significou
para a República Soviética Socialista (RSS) do Azerbaijão além da exploração do seu petróleo
pela URSS, a garantia de acesso aos mercados soviéticos para a sua produção de romãs e
seus derivados e o acesso a bens que não eram produzidos em seu território (PAPAVA,
2005).
Para Lênin, antes mesmo da criação da União Soviética, a amizade e cooperação
econômica entre os povos da união era de importância primária para manter a
independência dos sovietes no contexto do imperialismo mundial (TÍKHONOV, 1983). Além
de ser “voluntária”, a União permitiria, naquele momento, reestabelecer as forças
produtivas destruídas no pós-guerra civil e pôr em prática o ideal soviético (produção, uso
das riquezas, extermínio da exploração do homem pelo homem etc), o que tornaria,
consequentemente, o nível de vida dos trabalhadores melhor e auxiliaria o desenvolvimento
multilateral da cultura de todas as nações e grupos étnicos.
O Tratado de Criação da União Soviética pregava, antes de tudo, pela cooperação
entre as nações da União para reconstruírem as suas economias que foram severamente
atingidas pela Guerra Civil à luz do desenvolvimento socialista e para a defesa da ideologia
soviética, assim como a sua soberania, tendo em vista a constante ameaça advinda do
campo capitalista. Só através da cooperação e do apoio mútuo entre as repúblicas e da
expansão do socialismo no âmbito internacional por meio da união do proletariado global
seria possível alcançar a paz. Foi também no tratado de criação da URSS que se declarou o
222
direito de autodeterminação dos povos e se definiu que a União fora criada voluntariamente
pelos povos que a compunham (TÍKHONOV, 1983).
Como supracitado, a cooperação com as outras repúblicas soviéticas, inicialmente,
e com outros países socialistas por meio da URSS, posteriormente, mantinham um mercado
para o qual a produção de Baku era destinada. Da mesma forma, a cooperação também
permitia à RSS do Azerbaijão e às outras nações mais pobres da URSS a se beneficiarem das
transferências monetárias advindas de Moscou e da divisão do produto social
(BRAITHWAITE, 1995). Quando da dissolução da União Soviética, todo o aparato
cooperativo, assim como o mercado garantido para os produtos do Azerbaijão desapareceu
gerando uma paralização de setores chaves da economia de diversas das nações soviéticas
(COMISSÃO EUROPEIA, 2011; PAPAVA, 2005).
O resultado do desaparecimento do bloco soviético foi a ampliação dos problemas
políticos, econômicos e sociais no Azerbaijão. No âmbito político, o desaparecimento
abrupto de um poder centralizador combinado com a falta de uma estrutura política local
consistente deixou o país em um vácuo. No tocante a economia, o colapso do sistema
comunista desintegrou as relações de cooperação entre empresas da União Soviética e o
incentivo para o consumo dos produtos locais e regionais. Como consequência, à exceção de
derivados de petróleo e gás e sua composição crua, os produtos e as empresas azeris, como,
por exemplo, a empresa química Azerkymia e as metalúrgicas Baku Steel Company e DHT
Metal JSC foram incapazes de competir com as demandas da competição internacional e se
viram fadadas à falência ou à sub-operação (PAPAVA, 2012). Por fim, em 1996, o PIB do
Azerbaijão apresentou um dos seus piores desempenhos, ao mesmo tempo em que o
primeiro senso relacionado a pobreza após a independência do país revelou que o nível de
pobreza no país atingira os 68,1% (BANCO MUNDIAL, 2009). Para nível de comparação, em
1989, dois anos antes de se tornar independente e iniciar o processo de transição, a
incidência da pobreza na República Soviética do Azerbaijão era de pouco mais de 33%, o que
já representava três vezes mais que a média de toda a União Soviética (BEZEMER, 2006). Tais
números apontam a situação agravante no âmbito social. Todos estes problemas foram
agravados com o início do conflito em Karabakh e a presença de refugiados e pessoas
deslocadas internamente (PDIs), além da alta emigração para a Rússia e a Turquia
(GARAGOZOV, 2012; COMISSÃO EUROPEIA, 2011).
Quando da queda da União Soviética, iniciou-se o período de transição no
Azerbaijão e conceitos e práticas ocidentais chegaram ao país. Compreender o modelo de
cooperação ocidental é, portanto, essencial para fazer uma análise coerente do Plano Estatal
sobre a pobreza lançado em 2008.
3 A COOPERAÇÃO OCIDENTAL
Historicamente, pode-se situar o início da cooperação em diferentes momentos. O
que distingue os diferentes momentos históricos é justamente a abordagem que se usa para
compreender a cooperação. Murphy (2014), por exemplo, argumenta que a gênese das
223
instituições internacionais no momento de concertação europeia pré-primeira guerra só foi
possível por conta das uniões públicas internacionais e de uma série de conferências
internacionais que sistematizaram acordos que geraram uma ordem política internacional.
Outras abordagens tendem a situar a gênese da cooperação internacional no período pós-
segunda guerra com o advento das organizações de Bretton Woods; Dehove (1998), no
entanto, à luz das organizações internacionais, critica tais abordagens e invoca o estudo da
fundação do Estado westfaliano como o momento preciso onde as condições necessárias
para o desenvolvimento das organizações internacionais se aglutinaram. Tavares e Belluzzo
(2004) creditam à própria formação da “primeira ‘economia mundo’ europeia” por meio do
capital mercantilista a formação de estruturas voltadas à cooperação, ainda no século XVI.
Estas estruturas, por sua vez, atingiram o seu grau mais elevado com a formação de um
poder hegemônico e a formação da Pax Brittanica no século XIX, substituída, no século XX
pela Pax Americana e seu modelo de cooperação que formou instituições supranacionais
para reverter os pilares do modelo anterior. As instituições supranacionais e as organizações
internacionais (estatais ou não) são, muitas das vezes, os vetores pelos quais os Estados
fomentam as suas estratégias de cooperação internacional.
Em A Political Theory of Foreign Aid, Hans Morgenthau (1962), descreve os
diferentes tipos de cooperação internacional reconhecidos e os analisa à luz do
desenvolvimento. Sendo a cooperação, em sua visão, um instrumento da política externa de
um dado país, o próprio fomento à ajuda externa refletia, segundo ele, as políticas
hegemônicas estadunidenses na tentativa de pavimentar, por meio de uma agenda mais
soft, o caminho que levaria ao preenchimento dos seus próprios interesses econômicos e/ou
políticos.
Os diferentes tipos de cooperação listadas por Morgenthau (1962) são: a
cooperação internacional humanitária; a cooperação internacional para a subsistência; o
suborno, a cooperação internacional para o prestígio; e a propriamente dita cooperação
internacional para o desenvolvimento. Por conta da natureza deste artigo, as três primeiras
formas de cooperação não serão analisadas aqui, mas cabe abrir um pequeno parêntese
para a cooperação para o prestígio antes de fazer uma análise própria da cooperação
internacional para o desenvolvimento.
Morgenthau (1962) demonstra que a cooperação internacional para o prestígio se
caracteriza pelas ações cooperativas de um Estado, pelas empresas e sua forma de negócios
e similares de uma determinada nação que não possuem qualquer impacto econômico
positivo. Uma outra maneira de entender a lógica do prestígio é unir a noção de
“necroeconomia”, desenvolvida por Papava (2005), e a noção de propaganda como um
influenciador psicológico. Segundo Papava, as nações da extinta União Soviética mantiveram
grandes empresas funcionando em sub-operação após a desintegração da URSS mesmo que
elas não tenham tido qualquer vantagem na competição internacional. No decorrer da
história, as empresas se viram fadadas à falência por serem atores centrais de uma
“economia morta”, mas enquanto estiveram em sub-funcionamento ainda simbolizavam a
fonte de crescimento daquelas nações para a esfera internacional. Segundo Morgenthau
224
(1962), este tipo de cooperação persiste porque os países menos desenvolvidos também
querem mostrar para o mundo que conseguiram algum grau de industrialização e estão
dispostos a tomar as medidas necessárias para este fim. Claro, isso não seria possível se o
conceito de desenvolvimento não se tornasse um lema de industrialização e acumulação a
ser seguido por todas as nações do eixo capitalista do mundo à época e, posteriormente,
inclusive, por aqueles países que se tornaram independentes da União Soviética. A principal
função deste tipo de cooperação é política e psicológica para ambos os envolvidos: a nação
recipiente obtém os meios necessários para elevar o seu prestígio no cenário internacional,
ainda que de pouco impacto, enquanto que a nação doadora recebe vantagens políticas
indiretas e, pode, inclusive, receber dividendos de um investimento barato e aumentar o seu
próprio prestígio.
Por fim, ao tratar de cooperação internacional para o desenvolvimento em
particular, Morgenthau (1962) afirma que esta é hoje a forma mais institucionalizada de
cooperação. Além de legitimar a noção de que os mais ricos devem auxiliar os mais pobres, a
ideologia por trás da cooperação para o desenvolvimento tornou as transferências mais
viáveis e racionalizadas.
É evidente que todos os tipos de cooperação internacional estão interligados de
certa forma, no entanto, a literatura disponível sobre o tema revela que
Economic thought, true to its prevailing academic tradition, tends to look at foreign aid as though it were a self-sufficient technical enterprise to be achieved with the instruments, and judged by the standards, of pure economics. And since Western economic development, from the first industrial revolution onwards, has been due to the formation of capital and the accumulation of technical knowledge, we have tended to assume that these two factors would by themselves provide the impetus for the economic development of the underdeveloped nations […] (MORGENTHAU, 1962, p. 304).
A noção de cooperação para o desenvolvimento está, para Morgenthau (1962),
conectada em acreditar que os países não-desenvolvidos não conseguem se desenvolver
porque lhes falta capital e know-how. Tal abordagem negligencia completamente os
problemas relacionados a material, problemas sociais, fardos políticos e outros tipos de
deficiência. Ainda, não se leva em questão a viabilidade do próprio desenvolvimento e do
modelo imposto às nações subdesenvolvidas que acabam por importar o modelo de
desenvolvimento do “centro” e a ele vantajoso como se fosse seu (RIST, 2002; STOKKE,
2005).
Discutindo o capitalismo e a sua natureza, Murphy (2014) – e também Wallerstein
(2006) – afirma que o sistema era expansionista e criava condições para o desenvolvimento
de um modelo propício em cada novo local onde chegava. Este modelo reflete até hoje as
preferencias, as leis e os hábitos sociais estadunidenses e eurocêntricos e requer, em alguns
casos, a mudança de status-quo político e/ou, mesmo, social, como no monopólio de terras
agrárias em alguns países; a manutenção do status-quo em outros; a prevenção de um
225
movimento revolucionário; e a adaptação moral e, ainda mais importante, da natureza
política da nação recipiente.
3.1. O fomento da eficácia e da eficiência da ajuda
Ao discutir sobre a cooperação internacional para o desenvolvimento e seus êxitos,
Morgenthau (1962, p. 307) afirma que
Its success depends in good measure not so much upon its soundness in strictly economic terms as upon intellectual, moral, and political preconditions, which are not susceptible to economic manipulation, if they are susceptible to manipulation from the outside at all.
Tal argumento pode ser refutado, atualmente, com os argumentos de Riddell (2008)
que diz que o maior problema da cooperação internacional atualmente está no total
controle das doações pelos doadores sem que haja liberdade aos beneficiários de fazer o
que é melhor com o auxílio disponível. A falta dessa liberdade gera um paradoxo dual onde
os doadores clamam a ineficiência do uso da cooperação pelos beneficiários e estes últimos
estão sempre a pedir mais acusando os primeiros de mesquinhos.
A falta de liberdade dos recipientes em Riddell remete ao conceito de apropriação e
ao debate do funcionamento ou não da cooperação internacional e da ajuda externa lido
como a eficácia e a eficiência da ajuda. Segundo Kraychete (2012), a forma de cooperar
sofreu modificações à medida em que a agenda do desenvolvimento foi sendo redefinida,
sendo já em 1996 a busca da eficácia e da eficiência “apontadas como o caminho para
recuperar o prestígio da cooperação internacional para o desenvolvimento” (p. 255), ainda
que só nos anos 2000 tal abordagem tenha sido de fato institucionalizada pelas organizações
internacionais por meio da Conferência Internacional sobre o Financiamento do
Desenvolvimento em 2002 em Monterrey, no México, que fora organizada pela Organização
das Nações Unidas (ONU).
Subsequentes à Conferência de Monterrey, os Fóruns de Alto Nível da ONU
resultaram na Declaração de Roma sobre a Harmonização (2003), na Declaração de Paris
sobre a Eficácia da Ajuda (2005), na Agenda de Ação de Accra (2008) e na Declaração de
Busan (2011). Em suma, todos os documentos gerados por estes fóruns de alto nível visavam
a harmonização das diversas políticas na busca da eficiência e eficácia dos projetos e na
própria avaliação da cooperação. Para Kraychete (2012, p. 255), as diretrizes decorrentes
dos fóruns:
implicaram em maior poder das organizações internacionais sobre os parceiros nacionais, assim como, a aplicação de metodologias de gestão de projetos tomadas de empréstimo das corporações privadas. Essas mudanças trouxeram implicações na forma de conceber e realizar a cooperação internacional para o desenvolvimento explicitadas a partir das
226
redefinições do papel a ser desempenhado pelo Estado, pelo mercado e pela sociedade civil.
Para além dos diferentes papeis a serem desempenhados pelos diferentes atores,
os documentos preveem também o direito à apropriação das políticas de desenvolvimento
por parte das nações receptoras de ajuda, enquanto as políticas do Banco Mundial
suprimem as relações de trabalho como o principal vetor de minoração da pobreza e
fomentam assistência focalizada aos mais pobres entre os pobres, afim de suprir as suas
necessidades mais básicas e de investir no capital humano e no empreendedorismo. Junto a
isso, as reformas necessárias (fomentadas por meio das condicionalidades da cooperação)
além de fomentarem o aumento da eficiência, retiram da responsabilidade do Estado a
promoção do desenvolvimento e a passam para os mercados (UNÁ, 2004).
4 A COOPERAÇÃO COMO MEIO DE COMBATE À POBREZA
Pode se dizer que o programa de Assistência Técnica para a Comunidade de Estados
Independentes e a Geórgia (TACIS[2]) é um marco para a cooperação internacional para o
desenvolvimento no Azerbaijão em relação ao combate à pobreza. Considerado o maior
programa de seu tipo na época, o TACIS tinha como objetivo auxiliar aos Estados integrantes
da Comunidade de Estados Independentes (CEI) e a Geórgia, também ex-república soviética,
a promoção do desenvolvimento de democracias pluralistas e, mais importante, desenvolver
estruturas funcionais e efetivas próprias de uma economia de mercado. Tais estruturas, por
sua vez, representando a quebra total com o modelo soviético de desenvolvimento, seriam
baseadas no empreendedorismo privado e na propriedade privada.
O financiamento do TACIS permitiu às nações integrantes do programa acesso a
aconselhamento, know-how e experiência prática (COMISSÃO EUROPEIA, 2017). Já em 2003,
a combinação de ações em setores diversos e o envolvimento dos Estados no processo de
decision-making e de administração dos programas que lhes diziam respeito auxiliavam a
forjar o conceito de apropriação das políticas pelas nações recipientes. Ao mesmo tempo,
havia uma pressão das organizações internacionais que cooperavam com o Azerbaijão em
relação a eficácia e eficiência dos seus projetos e do próprio funcionamento do aparato
estatal (REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2003).
No tocante à pobreza, os projetos do TACIS ajudaram a desenvolver o Programa de
Estado para a Redução da Pobreza e para o Desenvolvimento Econômico (State Program on
Poverty Reduction and Economic Development – SPPRED) cujo objetivo era garantir que os
benefícios sociais fossem direcionados aos mais pobres ao mesmo tempo em que as
políticas de privatização das propriedades e a adaptação às condições de mercado que já
haviam sido desenvolvidas no Azerbaijão promoviam o crescimento econômico. O
desenvolvimento de um sistema de assistência social ajustado às condições do mercado,
segundo o SPPRED, seguindo as recomendações do Banco Mundial, permitiriam aumentar a
eficiência das provisões sociais por meio da melhora da gestão e da administração do
227
sistema, que, recebendo know-how e assistência técnica europeus se assemelhou aos
programas vigentes na própria Europa.
Os reflexos das políticas do TACIS – e da aceitação das condições impostas pela
Europa pelo governo azeri – são traduzidos na Política de Vizinhança Europeia (European
Neighbourhood Policy, ENP) na qual o Azerbaijão foi incluído em 2006, ano da estreia da
política. Em suma, os países da ENP são encorajados a se alinharem às normas, condições e
regras da União Europeia (reformas políticas e governamentais, reformas econômicas e
questões relacionadas a mudanças positivas na gestão estatal e nos direitos humanos, além
do combate à corrupção) para criar um anel de estabilidade, democracia e prosperidade nas
vizinhanças do velho continente (HUG, 2012). Em contrapartida, a União Europeia provê aos
países da ENP assistência financeira para projetos de desenvolvimento e para levar a cabo as
suas próprias exigências.
Dois anos após a sua inclusão na Política de Vizinhança Europeia, o governo azeri,
por meio do SPPRSD, documento oficial do Programa de Estado para a Redução da Pobreza e
para o Desenvolvimento Sustentável na República do Azerbaijão para 2008 a 2015 (State
Program on Poverty Reduction and Sustainable Development in the Republic of Azerbaijan
for 2008-2015), se comprometeu a fazer a sua parte como signatário da Declaração do
Milênio para ajudar a cumprir os objetivos que foram reavaliados em 2015 – principalmente
em relação à fome e à pobreza.
O programa anterior, o SPPRED, conseguira manter a estabilidade macroeconômica
do país e assegurou um crescimento econômico dinâmico, cujos sucessos foram
direcionados para solucionar problemas sociais existentes e diminuir a pobreza no
Azerbaijão.
Além de o SPPRSD ter sido um programa continuado do SPPRED, ele buscava
alinhar-se com os Objetivos do Milênio por meio de políticas estatais e “alvos” específicos;
aos programas nacionais já existentes; e se baseou em um processo de monitoramento
participativo que incluiu, além do próprio governo, as atividades de organizações
internacionais e a sociedade civil (REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2008).
As políticas de eficácia e eficiência, discutidas nos diversos fóruns de alto nível da
ONU, estão refletidas em diversos pontos do plano de ação para a pobreza e o
desenvolvimento sustentável da República do Azerbaijão e refletem muito mais os
interesses europeus e estadunidenses no tocante da cooperação que o próprio interesse
nacional – que está travestido no documento.
Como supracitado, após a queda da União Soviética, o “novo” Estado do Azerbaijão
herdou o aparato político vigente no modelo soviético. Com ele, uma variedade de empresas
estatais que tinham mercado dentro da própria URSS devido às parcerias de cooperação das
próprias nações soviéticas onde, em tese, não havia concorrência, mas apoio mútuo
direcionado ao desenvolvimento do socialismo e, consequentemente, do comunismo. Para
Papava (2002), após a dissolução da União Soviética, as empresas estatais se aprofundaram
em uma crise porque não podiam competir com as empresas estrangeiras dentro de seu
próprio território devido ao seu alto custo de produção, repassado, sem o controle de
228
preços e subsídios do Estado socialista, ao consumidor final e à própria falta de
competitividade de seus produtos, geralmente defasados, de baixa tecnologia e qualidade e
sem qualquer mercado para o escoamento, completamente incompatíveis com o nível
internacional da época. Tal situação criou o que o autor denomina necroeconomia. Em
poucas palavras, e como explicitado acima, a necroeconomia se refere à impossibilidade de
recuperação de um setor de produção ou da economia per se, que, devido às práticas
institucionalizadas do comunismo – mas que pode, também, ser encontrada em outros casos
– está morta (PAPAVA, 2005, p. 31). A ineficiência do aparato produtivo das nações
soviéticas independentes se refletia, consequentemente, na destruição dos benefícios
sociais, na diminuição de acumulação de capital e na estagnação da economia.
O próprio Papava sugere que a privatização das empresas estatais seria o caminho
ideal para sair da crise exacerbada pela dissolução da União Soviética. No entanto, ele
defende que apenas as empresas que ainda não estavam “mortas” deveriam ser
privatizadas, enquanto outras deveriam dar lugar para que o capital estrangeiro pudesse
investir e modernizar o setor produtivo das nações do Cáucaso e, consequentemente, trazer
a devida eficiência de mercado que o sistema soviético ajudara a suprimir.
As políticas de privatização resultaram, segundo o SPPRSD, em mais de trinta mil
pequenas empresas e instalações estatais privatizadas no Azerbaijão, mais de 1500
empreendimentos de sociedades anônimas, incluindo, por exemplo, a AZAL – Azerbaijan
Airlines, e quase meio milhão de pessoas adquiriram propriedades e ações (REPÚBLICA DO
AZERBAIJÃO, 2008). O objetivo do SPPRSD era acelerar o segundo estágio das privatizações,
o que incluía a passagem de mais empreendimentos e instalações estatais de pequeno e
médio porte ao capital privado internacional, assim como trabalhar para manter o perfil
destes empreendimentos sob o poder do capital estrangeiro e, para promover um
desenvolvimento econômico mais dinâmico (e eficiente), iniciar o processo de privatização
de empresas de grande porte.
Não há dúvidas que algum nível de privatização era requerido das nações do
Cáucaso e da Comunidade dos Estados Independentes, uma vez que a situação econômica e
os indicadores socioeconômicos apresentavam queda e, devido à paralização da cooperação
entre repúblicas soviéticas, não havia possibilidade de manter uma administração eficiente
de todo o aparato econômico estatal (PRIVATIZATION PORTAL, 2017). O Azerbaijão tem
reagido a seu tempo em relação a isso e tem passado para as mãos do setor privado a tarefa
de manter o emprego, de investir e de aquecer setores diversos da economia. Para isso, o
governo azeri por meio do plano de ação do SPPRSD decidiu que:
In the area of improving privatization and management of state enterprises, the privatization process will be continued in sectors open for privatization in accordance with the approved state privatization programmes and transparency and efficiency in the privatization process will be ensured. Also, the process of privatization of state shares of “International Bank of Azerbaijan” will be finalized under the SPPRSD (REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2008, p. 12).
229
Após a conclusão do SPPRSD, o website oficial para atrair os investidores
estrangeiros, o Privatization Portal, listava 321 empresas e instituições disponíveis para o
investimento do capital internacional.
Para atrair o capital estrangeiro, no entanto, o Azerbaijão assume publicamente a
sua posição diante das demandas do capitalismo. Além de oferecer terras e
empreendimentos ao capital estrangeiro, o Azerbaijão vem implementando, com o auxílio
de organizações de cooperação internacional como a GIZ e a USAID diversas reformas, como
por exemplo as reformas necessárias para prover segurança ao mercado, a infraestrutura, a
padronização de standards ao modelo europeu e a continuação das reformas institucionais e
a melhora da boa governança.
A segurança ao mercado se baseia na proteção de direitos dos investidores, no
aumento da utilização do aparato corporativista da administração – o que claramente
denuncia a ideia de eficiência das empresas no setor governamental e assegura que não
apenas as informações sejam passadas de forma eficiente, mas também garantem a
manutenção de um mercado de empréstimos organizado e ampliam o número de ações.
Ainda, a própria eficiência e segurança do mercado é colocada nas mãos do capital
internacional, tal qual explicitado no SPPRSD.
As for developing the insurance market, legislation relating to insurance will be improved, insurance and re-insurance activity encouraged and a single register on foreign re-insurers and foreign insurance brokers created to adjust the insurance market to international standards and to increase its efficiency. In order to develop insurance activities research and specialized organizations, insurance associations will be established, state contro over insurance activities will be improved (REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2008, p. 11).
Também se previu, como continuação de projetos já existentes, a diminuição de
impostos para investidores assim como a redução da contribuição das empresas ao seguro
social obrigatório e a ampliação do sistema de transparência, eficiência e direcionamento do
processo orçamentário estatal com a Lei sobre o Sistema Orçamentário, o Código de
Impostos (Tax Code) e Programme on Introduction of National Accounting Standards, além
da continuação da informatização dos diversos sistemas governamentais.
No entanto, não apenas da eficiência corporativista de Estado e de um sistema que
lhes favoreça funciona o empreendedorismo privado. Por isso, o governo azeri investiu e
continuou investindo em infraestrutura econômica e social, especialmente nas regiões[3], o
que incluía transporte, saneamento básico, melhoras na irrigação, energia e nas instalações
educacionais e de saúde que, depois, seriam postas em “leilão”. Na lista de abril de 2017,
sete estabelecimentos do setor de saúde e dezenas de educação estavam prontos para
serem privatizadas, todos eles nas regiões, onde, em tese, a estrutura das instalações é mais
precária que aquela encontrada na capital Baku
230
Ainda, o desenvolvimento do capital humano se torna essencial não apenas para as
aspirações do governo azeri em diversificar a sua economia, que conta com mais da metade
de seus rendimentos do setor de petróleo e energia (COMISSÃO EUROPEIA, 2011), mas
também para gerar emprego nas regiões nos mais diversos setores. Para isso, diz o SPPRSD,
é imprescindível implementar três importantes medidas no setor de educação vocacional. A
primeira delas, estabelecer relações diretas entre o sistema de educação vocacional e os
empregadores, assim como o treinamento de especialistas. Muitas organizações
internacionais, como a alemã GIZ proveem expertise em educação vocacional no Azerbaijão.
No caso da GIZ especificamente, o seu último projeto estava voltado para a aviação o que
prepararia os estudantes da educação vocacional para não apenas se inserirem no mercado
de trabalho azeri para a Azerbaijan Airlines e suas empresas de cargo, mas eles também
estariam prontos para as empresas estrangeiras – companhias aéreas, cargo,
funcionalidades em aeroportos e afins – o que o relaciona com a segunda e terceira medidas
para a melhoria do sistema de educação vocacional no Azerbaijão, a criação de um sistema
de especialidades (NSS)[4] nacional baseado no sistema europeu e que seja comparável e
reconhecido internacionalmente e, ao mesmo tempo, condizente com o modelo de
desenvolvimento do país, a economia local e a sua esfera social.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como um todo, percebe-se que desde a sua independência e o início do processo
de transição, o Azerbaijão tem sido alvo de uma série de políticas condicionantes por parte
de atores internacionais, principalmente da União Europeia. O TACIS e o ENP são exemplos
da ênfase que se deu em modernizar a agricultura, continuar a industrialização – neste caso
voltada para o desenvolvimento de outros setores que não petrolíferos – e a sua abertura
para o mercado internacional. Este último, como se demonstrou ao longo do texto bastante
enfatizado.
O SPPRSD é composto de todo o receituário presente no debate de eficácia e
eficiência da ajuda, tornando o Estado o gestor de um aparato desenhado para beneficiar o
sistema de mercado, deixando para ele a tarefa de promover o desenvolvimento, ao mesmo
tempo que, com políticas focalizadas de minoração da pobreza, o Estado amplia o capital
social e o capital humano para a utilização do próprio mercado. Muito pouco se fala sobre o
efetivo combate à pobreza, onde, apenas alguns parágrafos são direcionados à efetiva
articulação do sistema de seguridade social, assistência social, refugiados e PDIs. A maior
parte deste discurso, por sua vez, reflete as melhorias históricas e a situação da época
guiando as políticas para o debate de gestão e de políticas focalizadas e seu monitoramento.
Com isso, o modelo de desenvolvimento ocidental se infiltra nos objetivos de Estado do
Azerbaijão e coloca a sua própria promoção como o objetivo principal a ser seguido.
Enquanto a União Europeia mantem as regras de adequação e boa governança –
fomentadas pelas organizações internacionais para o desenvolvimento –, Jacqueline Hale
(2012, p. 70) salienta que
231
Azerbaijan is neither an easy nor obvious partner in Europe’s project to integrate its neighbors. Geographically distant, lying on the shores of the Caspian, it has no direct border with the EU. The current government is ambivalent about the country’s European vocation and associated EU norms and values, despite Azerbaijan’s pre-Soviet heritage as the first Muslim democracy in the world. […] ENP’s complex policy mix of values and interests met resistance in Azerbaijan. It has proved the least willing of the South Caucasus neighbors to embrace the EU’s transformative agenda and socialization objectives [….], let alone objectives on human rights and democratization.
Muita da resistência azeri às políticas, não apenas da ENP, mas das próprias
condicionalidades não são apresentadas no SSPRSD, mas as semelhanças do plano de Estado
com o seu sucessor, o SSPRED, demonstram a lentidão com que as reformas têm sido
implementadas no país e o posicionamento neutro do Azerbaijão numa região marcada pelo
conflito territorial com a Armênia e pelo poder de influência da Rússia de um lado e do
Ocidente, especialmente da União Europeia, do outro. Ainda, forças de médio porte como o
Irã e a Turquia, fazem fronteira com o Cáucaso Sul. Enquanto a Armênia tem uma política
pró-Rússia e a Geórgia uma política pró-EU, o Azerbaijão se mantem na linha tênue entre as
grandes potências (HALBACH, 2012), onde, aparentemente, nem toda a individualidade da
nação foi suprimida e nem todas as condicionalidades ocidentais têm sido, de fato,
implementadas.
NOTAS DE FIM
[1] A grosso modo, o produto social soviético era todo o resultado produtivo de trabalho
antes de ser redistribuído pela economia planejada (TÍKHONOV, 1983).
[2] Sigla em inglês para Technical Assistance to the Commonwealth of Independent States
and Georgia.
[3] Regiões, para o governo azeri, denominam as zonas rurais e as zonas urbanas distantes
dos grandes centros.
[4] “NSS is a locally and internationally accepted multistage system used for measuring the
training results (both formal and informal) which are interrelated and where ratio between
all education and training diploma/certificates is established, i.e. interrelated achievements
made by trainees and graduates are measured through certificates and diplomas”
(REPÚBLICA DO AZERBAIJÃO, 2008, p. 17).
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AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO E A EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS EM BUENOS AIRES: OS DESAPARECIDOS DA DITADURA CIVIL-MILITAR ARGENTINA (1976-1983) THE MOTHERS OF THE PLAZA DE MAYO AND THE EMBASSY OF THE UNITED STATES IN BUENOS AIRES: THE MISSING PERSONS OF THE ARGENTINIAN CIVIL-MILITARY DICTATORSHIP (1976-1983)
Gabriel Roberto Dauer21
Resumo: Este artigo busca verificar quais foram as estratégias transnacionais de denúncia
das Mães da Praça de Maio na busca dos desaparecidos da ditadura civil-militar argentina de
1976-1983. Dentre os diversos contatos estabelecidos pelo grupo, a pesquisa foca-se na sua
relação com a Embaixada dos Estados Unidos da América em Buenos Aires para obter apoio
desse país. Conclui-se que as estratégias transnacionais das Mães da Praça de Maio para
chamar a atenção dos Estados Unidos da América ao caso dos desaparecidos obtiveram
maiores resultados durante a administração de Jimmy Carter, apesar do redirecionamento
de sua política externa devido a pressões internas. Entretanto, após a eleição de Ronald
Reagan, as táticas do grupo para obter auxílio do governo estadunidense foram barradas
pela diplomacia silenciosa da nova administração.
Palavras-chave: Argentina; Estados Unidos da América; Ditadura; Mães da Praça de Maio;
Desaparecidos.
Abstract: This article aims to verify what were the transnational strategies complaints made
from the Mothers of the Plaza de Mayo in the search for the disappeared during the
Argentinian civil-military dictatorship of 1976-1983. Among the various contacts established
by the group, this work focuses on its relationship with the United States of America
Embassy in Buenos Aires to obtain support from this country. It concludes that the
transnational strategies of the Mothers of the Plaza de Mayo used to draw the attention of
the United States of America to the case of the disappeared obtained greater results during
Jimmy Carter's administration, despite the redirection of his foreign policy caused by
domestic pressure. However, after Ronald Reagan's election, the group’s tactics to get aid
from the government of the United States of America were barred by the new
administration's silent diplomacy.
21
Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Realizou intercâmbio acadêmico na Universidad Nacional de Córdoba com bolsa da AUGM - Asociación de Universidades Grupo Montevideo na faculdade de História. Atualmente é estagiário no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Brasília.
235
Keywords: Argentina; United States of America; Dictatorship; Mothers of the Plaza de Mayo;
Disappeared.
1 INTRODUÇÃO
Durante as décadas de 1960 e 1980, as ditaduras civil-militares[1] criaram inimigos
internos para serem combatidos ao se utilizarem de novas tecnologias de ameaça, tortura,
controle social e desaparecimento. As justificativas da eliminação do outro pautavam-se na
Doutrina de Segurança Nacional (DSN) para a qual era necessário combater a subversão ao
seguir a lógica de reestruturar sociedades “doentes” pelo “mal comunista” (SZNAJDER, 2003;
NOVARO; PALERMO, 2003).
Na Argentina, a ditadura de 1976 a 1983 esteve sob o comando de uma Junta
Militar que tentou reestruturar e reestabelecer a ordem social. Naquele contexto, o Estado
argentino desmobilizou, repreendeu, assassinou, desapareceu e tentou desligar toda e
qualquer manifestação popular desalinhada de seu projeto (QUIROGA, 2005; CALVEIRO,
2006).
Com este enfoque, o presente artigo tem como objetivo descrever a trajetória
nacional e internacional das Mães da Praça de Maio, que desde 1976, são um dos grupos de
direitos humanos que buscam pelos desaparecidos. Em frente à Praça de Maio em Buenos
Aires e em outras regiões da Argentina e do mundo, essas mães reconfiguraram os espaços
públicos e construíram novos símbolos e instrumentos de denúncia durante seus protestos,
ao lado de diversos contatos internacionais (NAVARRO, 2001). Dentre esses contatos, foi
escolhida a Embaixada dos Estados Unidos (EUA) em Buenos Aires como ator para esta
análise.
A justificativa da seleção pauta-se que, na década de 1970, teria surgido um regime
de direitos humanos na agenda internacional, onde os EUA modificariam seu discurso anti-
comunista da Guerra Fria para uma política externa voltada aos direitos humanos
(SCHMIDLI, 2013). A Embaixada dos EUA em Buenos Aires foi um dos principais canais para
expor a questão dos desaparecidos na agenda dos direitos humanos e que as Madres
questionassem internacionalmente a retórica do Estado argentino de que não existiam
violações de direitos humanos no país (SCHMITZ; WALKER, 2004; SCHMIDLI, 2013).
Metodologicamente, para construir a relação entre as Mães da Praça de Maio e a
Embaixada dos EUA em Buenos Aires, foram analisados os telegramas entre a Embaixada
dos EUA em Buenos Aires e o Departamento de Estado dos EUA (DoS) durante 1976-1983,
disponibilizados no website do DoS (https://goo.gl/S5MqSe). A partir dos telegramas,
construiu-se a relação entre as Madres e a Embaixada. Desses documentos, foram extraídas
as denúncias das Madres à Embaixada em relação aos atos de repressão da Junta Militar, as
suas solicitações de apoio e a demanda por respostas dos EUA às ações do governo militar,
tanto como outras informações que ilustram a dissonância discursiva entre as Madres e a
Junta Militar em relação à questão dos direitos humanos e dos desaparecidos na Argentina.
236
Portanto, este artigo busca compreender quais foram as estratégias utilizadas e as
relações estabelecidas pelas Mães da Praça de Maio para tornar público o caso dos
desaparecidos do âmbito nacional ao transnacional durante a ditadura civil-militar argentina
de 1976-1983 e, em especial, foca-se na relação do grupo com a Embaixada dos EUA em
Buenos Aires. A indagação parte das estratégias de denúncia de movimentos sociais e em
suas relações com outros atores para obter informações a fim de alcançarem seus objetivos.
2 DO LOCAL AO GLOBAL: A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DAS MÃES DA PRAÇA DE MAIO E A
DENÚNCIA DO CASO DOS DESAPARECIDOS NO CENÁRIO INTERNACIONA
Em 10 de março de 1976, as Forças Armadas argentinas ocuparam o Congresso
Nacional e instauraram o Processo de Reorganização Nacional, constituindo um novo
sistema de dominação autoritária centralizado. Para Quiroga (2005, p. 43, tradução nossa),
as Forças Armadas foram os principais agentes que colocariam em prática os quatro
objetivos do Processo através de uma Junta Militar que seria responsável pela: “[…] 1)
restituição dos valores essenciais do Estado; 2) erradicação da subversão; 3) promoção do
desenvolvimento econômico; e 4) posterior restauração de uma democracia republicana”.
Na Argentina, o desaparecimento forçado e a tortura já eram utilizados antes de
1976 para combater à subversão. Entretanto, apenas no Processo que o desaparecimento
tornou-se na principal tática repressiva para reorganizar a sociedade argentina. Pilar Calveiro
(2006) afirma que o Estado argentino utilizava-se de um “poder desaparecedor”,
responsável por perseguir as organizações sociais e políticas de esquerda, confinando-as em
centros clandestinos de detenção. A estratégia, todavia, começou antes da Junta assumir o
poder. Em 1973, grupos paramilitares já estavam em diálogo com o Estado para eliminar a
subversão, como é o caso da Aliança Anticomunista Argentina ou a Triple A (AAA), durante o
governo de Isabel Perón. Em 1976, a violência atingiu todos os estratos da sociedade e o
“poder desaparecedor” foi institucionalizado implicitamente pelo governo militar.
Nesse contexto de repressão política e cerceamento das liberdades civis, surgiram
as Mães da Praça de Maio ou Madres de Plaza de Mayo. Em virtude das frustrantes visitas
aos oficiais do governo, representantes eclesiásticos e organismos de direitos humanos, em
30 de abril de 1977, mães de filhas e filhos desaparecidos encontraram-se pela primeira vez
na Praça de Maio (Plaza de Mayo) em Buenos Aires, capital da Argentina (NAVARRO, 2001).
As Madres, em sua maioria, eram donas de casa de meia-idade, parte da classe
média operária, das quais poucas terminaram os estudos secundários ou tiveram contato na
política. Sentadas nos bancos da praça, essas mulheres preenchiam solicitações de
entrevistas com o governo. Com o passar do tempo, as mães passaram a identificar-se
enquanto grupo e a autointitular-se como as Mães da Praça de Maio (BOUVARD, 1994;
NAVARRO, 2001).
Para entender como mulheres comuns, com pouco ou quase nenhum envolvimento
na política ocuparam as ruas em plena ditadura, discute-se acerca da identidade coletiva e
da ação coletiva na constituição de um movimento social. Alberto Melucci (2001) preocupa-
237
se em entender como os indivíduos compreendem a sua realidade por meio de práticas,
interpretações e símbolos produtores de cultura e significado. Por esse ângulo, analisa-se
como as Madres interpretavam a sua realidade enquanto mães que, afastadas de seus filhos,
descobriram em suas histórias a fonte de resistência necessária para combater a Junta
Militar através de táticas particulares. Assim posto, o conceito de identidade coletiva para
Melucci refere-se às interações compartilhadas entre indivíduos que são preocupados com
suas ações nos campos de oportunidades e constrangimentos que ocorrem. As ações são,
pois, processos de negociações construídas por relações que se repetem entre os indivíduos
(ou grupos) (MELUCCI, 2004).
A maternidade serve para observar a construção identitária das Madres. Antes da
institucionalização do grupo, cada mãe procurava individualmente pelos filhos
desaparecidos. Todavia, com o passar do tempo, perceberam que para enfrentar a Junta
Militar na descoberta da verdade, deveriam unir-se. A maternidade expressou a sua força e
passou a incorporar a identidade das Madres não como um fato isolado, individual, e sim,
compartilhado ao reconhecê-la como uma maternidade socializada e política, onde “[…]
cada Madre não era mais a mãe de apenas uma pessoa desaparecida; ao contrário, cada
Madre representava o universo de todas as mães de crianças desaparecidas, incluindo
aquelas mulheres que nunca se tornaram ativistas (BOSCO, 2001, p. 311, tradução nossa).
A maternidade enquanto elemento identitário das Madres não foi estática;
moldava-se conforme o contexto e as necessidades. Num primeiro estágio, a imagem
maternal de compaixão, sabedoria, carinho e cuidado facilitaram a ocupação dos espaços
públicos, ao alinhar-se às expectativas sociais que uma mãe deveria seguir. Não havia
grandes represálias do governo, mas existia certo descaso da população, a qual não só as
apoiava como também duvidava que seus filhos realmente não tivessem feito algo para
estarem desaparecidos. Fez-se necessário adotar uma posição mais assertiva enquanto mães
na cena pública, equilibrando-se a dupla jornada de donas de casa e ativistas de direitos
humanos (BOUVARD, 1994).
Localizada em frente ao palácio presidencial, a Praça de Maio tornou-se um lugar de
interações, disputas, negociações e oposições políticas às Madres. Nela, às 15:30 das
quintas-feiras, as Madres reuniam-se para compartilhar informações sobre seus filhos
desaparecidos. Marchar às quintas-feiras era estratégico, posto que a circulação de pessoas
nos sábados era baixa e a sexta-feira era vista como um dia de azar por algumas delas
(BOMBAL, 1992).
O propósito inicial das Madres não era realizar demonstrações públicas, mas
passaram a funcionar desse modo quando a polícia começou a ameaçá-las. Na Praça,
sentavam-se nos bancos ou ficavam em grupos para trocar informações ou discutir os nomes
de mulheres que adeririam à causa. Nesses encontros, foram notificadas pelos policiais que
não poderiam ficar em grupos. Contudo, não era proibida a circulação ao redor da Praça,
momento no qual as Madres somaram-se num ato de marcha local de trinta minutos no
sentido antihorário em torno da pirâmide da praça, constituindo seu novo espaço político. A
ação de circular carregava a simbologia de ir de encontro às ordens policiais e, na Praça de
238
Maio, demonstrar a persistência política das Madres, as quais unidas, registravam
simbolicamente a dúvida do paradeiro dos desaparecidos (BOMBAL, 1992; BOUVARD, 1994;
NAVARRO, 2001).
3 LAS LOCAS NO CENÁRIO INTERNACIONAL: A DENÚNCIA PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS
NACIONAIS
Em 1977, a conjuntura na Argentina era de extrema repressão e perseguição
política. As Madres não eram mais senhoras comuns, e sim, obstáculos do governo militar.
Perseguidas, ameaçadas psicologicamente e fisicamente pela Junta, decidiram procurar
outro público além da sociedade argentina para expor o caso dos desaparecidos: o exterior.
A Praça de Maio impulsionou as Madres ao cenário internacional. Parecia que por
todos os lados estavam encurraladas: as barreiras criadas pela burocracia estatal ao acesso
de seus direitos civis e jurídicos e a indiferença da Junta Militar, aliada a determinados
setores sociais, negava envolvimento com o caso dos desaparecidos, taxando-as de loucas.
Outra opção para obterem respaldo às suas respostas sobre o paradeiro dos desaparecidos,
além de criar novas oportunidades de denúncia, localizava-se nos canais internacionais.
A atuação das Madres encaixa-se como ativistas transnacionais pois direcionaram o
horizonte de sua denúncia ao âmbito internacional e estabeleceram laços com atores,
movimentos e organismos internacionais. Em suma, os ativistas transnacionais são
[…] indivíduos ou grupos que mobilizam domesticamente e internacionalmente recursos e oportunidades para avançar em suas reivindicações em nome de atores externos, contra oponentes externos, ou em favor de objetivos que possuem em comum com aliados transnacionais (TARROW, 2005, p. 43, tradução nossa).
Os ativistas transnacionais, enquanto grupos guiados por princípios morais, buscam
“[…] mover informações estrategicamente para ajudar a criar novos problemas e categorias
para persuadir, pressionar e ganhar influência perante organizações e governos muito mais
poderosos” (KECK; SIKKINK, 1998, p. 2, tradução nossa). A partir disso, formam-se as redes
transnacionais de advocacia que vão ao encontro das redes formadas pelas Madres
nacionalmente e internacionalmente.
As redes transnacionais de advocacia, segundo Keck e Sikkink (1999), são “formas
de organização caracterizadas por modelos voluntários, recíprocos e horizontais de
comunicação e troca”, chamam-se redes de advocacia por defenderem a “promoção de
causas, ideias, princípios e normas, e regularmente envolverem indivíduos defendendo
mudanças políticas que não podem ser facilmente relacionadas aos seus ‘interesses’” (p. 91,
tradução nossa). Segundo Della Porta e Tarrow (2005, p. 2-3, tradução nossa), as ações
coletivas transnacionais são caracterizadas como “[…] campanhas internacionais
coordenadas por redes de ativistas contra atores internacionais, outros estados, ou
instituições internacionais”.
239
Para ilustrar como as Madres romperam com o silêncio dos desaparecidos na
sociedade argentina e enfrentaram a Junta Militar, parte-se da teoria dos repertórios de
confronto político, para a qual as pessoas reivindicam algo coletivamente a outras pessoas,
cujos interesses seriam afetados se tais reivindicações fossem atendidas (McADAM et. al,
2009). As reivindicações vão desde pedidos, súplicas, ataques físicos, petições, palavras de
ordem[2] e manifestações. Portanto, para que haja confronto, é necessário haver uma
mobilização que crie meios e capacidades para a interação coletiva.
Os repertórios representam as ações dos movimentos sociais, constituídos por
práticas alternativas ao longo da história, com o objetivo de reivindicar um propósito num
embate de ideias inovadoras com seus opositores (McADAM et al., 2009). Ao ocuparem os
espaços públicos, as Madres desenvolveram amplos repertórios de confronto político, mas
nem sempre com a mesma intensidade positiva e chamativa para a população, sendo
necessária a modificação de suas táticas. Os confrontos políticos, localizados culturalmente e
socialmente nos indivíduos, não surgem de maneira isolada. Para Sidney Tarrow (2011, p.
16, tradução nossa), o confronto político surge “[…] em resposta às mudanças nas
oportunidades políticas e ameaças, quando os participantes percebem e respondem a uma
variedade de incentivos: materiais e ideológicos, partidários e baseados em grupos, de longa
data ou episódicos”.
3 LEGITIMAR E CONSOLIDAR A AÇÃO COLETIVA: O USO DE FRAMINGS OU
ENQUADRAMENTOS
Uma das maneiras de mover estrategicamente informações ocorre pelo
enquadramento ou framing. Para Keck e Sikkink (1998), o framing é o uso estratégico de
informações por atores, redes transnacionais de advocacia e demais grupos de pessoas para
chamar a atenção do público-alvo e persuadi-lo de que a estratégia utilizada é eficaz,
estimulando outras pessoas a tomarem uma atitude. No caso dos ativistas, há a identificação
de um problema que deve ser explicado de forma tal que as causas defendidas pelos grupos
sejam convincentes ao ponto de serem a causa de outros atores. Ademais, Benford e Snow
(2000) salientam que existem diversos tipos de framings. Os framings, ao tornarem os
acontecimentos significativos por permitirem que a experiência pessoal torne-se em ação,
produzem quadros de ação coletiva, que são “[…] ações orientadas por um conjunto de
crenças e significados que inspiram ou legitimam as atividades e campanhas de uma
organização de movimento social (OMS)” (BENFORD; SNOW, 2000, p. 614, tradução nossa).
No caso das Madres, destacam-se o enquadramento das emoções. Através da
maternidade e dos lenços na cabeça usados de forma político-tática, elas realinharam seus
sentimentos de raiva, tristeza, solidão e luto para chamar a atenção dos argentinos e de
atores internacionais. Consoante Jasper (1997), as emoções constroem as ideias, os
interesses e as identidades dos ativistas. Ao contrário do que alguns cientistas sociais
pensam, as emoções não são opostas à racionalidade, e sim, parte da ação racional. As
emoções não são apenas sensações corporais, são igualmente fruto de construções sociais e
240
“sentidas” de determinada maneira. Para Berbrier (1998), os objetivos dos atores podem ser
enquadrados ao lado de seus sentimentos, potencializando a sua ação coletiva ao passo que
esses mesmos sentimentos estão localizados numa determinada cultura em determinado
tempo e espaço.
4 A PRESSÃO INTERNACIONAL COMO ESTRATÉGIA DE DENÚNCIA: O EFEITO BUMERANGUE
Como as Madres ultrapassaram as fronteiras geográficas para denunciar
transnacionalmente as violações de direitos humanos na Argentina? No trabalho de Keck e
Sikkink (1998), as autoras buscam compreender de que maneira atores e grupos em
situações de repressão estatal recorrem a atores e outros canais internacionais para
pressionar seu Estado, como visto durante a vigência da Junta Militar na Argentina.
O modelo teórico criado pelas autoras chama-se the boomerang effect ou efeito
bumerangue: quando não se pode recorrer ao Estado – ou seja, os canais de relação Estado-
atores domésticos encontram-se bloqueados –, os atores e grupos nacionais apelam para
outros Estados, atores estatais e não-estatais fora de suas fronteiras nacionais para que se
pressione o Estado repressor desde fora, visando a promoção de seus objetivos políticos. O
efeito bumerangue alinha-se ao caso das Madres. Quando elas perceberam que a Junta
Militar não daria respostas sobre os desaparecidos, e sim, criaria diversos empecilhos para
deslegitimar suas demandas, decidiram lançar-se ao exterior. Nesse sentido, os movimentos
ou as redes transnacionais de advocacia, para alcançarem seus objetivos, podem pressionar,
persuadir e tornar públicos seus valores através de quatro estratégias:
a) política de informação – gerar informação para alcançar o maior impacto
possível. As Madres articularam-se nacionalmente e internacionalmente, ora pela
ramificação de seu movimento em outras cidades ao trocarem informações com outras
Madres, além do contato com ex-presos/desaparecidos e seus familiares ora por
testemunhos, ora em suas viagens à Europa, EUA e Organizações Internacionais (OIs)
(BOUVARD, 1994; BOSCO, 2001);
b) política simbólica – convencer o público sobre a importância das questões
levantadas pelo grupo através de símbolos, ações ou histórias. O framing das emoções
representa a carga simbólica utilizada pelas Madres para chamar atenção de maneira
imagética, como o uso das fraldas na cabeça e as marchas na Praça de Maio;
c) política de influência – é a construção de laços com atores relevantes,
aumentando-se a arena de atuação do grupo em locais mais difíceis de ganhar influência.
Para influenciar e introduzir a temática dos desaparecidos na agenda internacional, as
Madres contaram com o apoio de representantes diplomáticos da Europa, dos EUA e de OIs
(BOUVARD, 1994);
d) política de responsabilização – demandar respostas às questões dos grupos,
visando que governos e outros atores mudem suas posições ou políticas. Em 1976 e 1977,
241
embaixadores argentinos na Europa e nos EUA foram solicitados a prestar esclarecimentos
sobre a situação dos desaparecidos (BOUVARD, 1994).
O ativismo das Madres transnacionalizou-se desde o nacional e estabeleceu laços
com redes locais, internacionais e transnacionais. Nesse aspecto, alguns eventos foram
notórios para criar espaços estratégicos de suas ações à comunidade internacional. Dentre
esses a visita da Anistia Internacional em 1976, a Copa do Mundo em 1978, a visita da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados
Americanos (OEA) em 1979 e a Guerra das Malvinas, em 1982.
Portanto, observa-se que as Madres desafiaram a Junta Militar não apenas
nacionalmente, mas também internacionalmente. Com o passar do tempo, aprimoraram
suas táticas políticas e simbólicas na denúncia dos casos dos desaparecidos e receberam
convites para participar em conferências de direitos humanos pelo mundo (BOUVARD,
1994). A seguir, analisa-se a relação das Madres com a Embaixada dos EUA em Buenos Aires.
5 A RELAÇÃO ENTRE AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO E A EMBAIXADA DOS EUA EM BUENOS
AIRES
Segundo William M. Schmidli (2013), a tentativa de institucionalizar os direitos
humanos como parte integrante da política externa dos EUA começou no início da década de
1970. Lobistas e pessoal engajado nos direitos humanos em Washington e membros do
Congresso simpáticos à causa, propuseram uma política contrária à antiga visão
anticomunista de Dwight Eisenhower e Richard Nixon que até então guiava as diretrizes do
país.
5.1 O governo de Jimmy Carter: promessas, avanços e recuos da política externa
James Earl “Jimmy” Carter (1977-1981) propunha uma política externa voltada aos
direitos humanos, o que também fez necessário aproximar o governo dos movimentos de
direitos humanos. A preocupação em melhorar as relações com atores não-governamentais
deu-se pela crítica desses grupos em relação ao passado dos EUA, pois o país tinha apoiado a
instauração de governos militares na América Latina e violado direitos humanos na Guerra
do Vietnã. Exigia-se o reconhecimento dos erros do passado para que a política de direitos
humanos fosse realmente concreta, não apenas presente em discursos.
Contudo, no início de 1977, não estava claro como os direitos humanos seriam
implementados na política externa dos EUA (SKIDMORE, 1994). Dentre os encarregados na
institucionalização da política externa de direitos humanos estava Patricia Derian, designada
Coordenadora do Departamento de Estado para Direitos Humanos e Assuntos Humanitários.
Quando esteve na Embaixada dos EUA em Buenos Aires, os horríveis depoimentos
recolhidos por Derian fizeram com que trabalhasse de maneira ainda mais incisiva para,
através de seu poder e influência, redefinir a relação dos EUA com a Argentina. Iniciou-se um
242
processo de denúncia pública da violência cometida pela Junta Militar e bloqueio da
assistência econômico-militar dos EUA ao país pela emenda Humphrey-Kennedy de 1978
(SCHMIDLI, 2013).
A redução da ajuda econômica dos EUA à Argentina por causa de violações de
direitos humanos teriam enfurecido ainda mais a Junta Militar. Para a Junta, os cortes de
Carter não eram somente por uma questão de direitos humanos, mas devido a uma queda
na importância da Argentina na política externa dos EUA (DoS, 1977b).
Derian construiu vínculos com as Madres, sendo a principal articuladora entre a
política externa dos EUA e os movimentos de direitos humanos da Argentina. A Madre Alicia
Moreau de Justo, numa entrevista com Derian, disse que a situação na Argentina era
bárbara e necessitavam de ajuda externa, principalmente dos EUA. Diversas pessoas
recorreram à Derian para lhe contar as suas histórias e mostrar que as petições de habeas
corpus estavam sendo arquivadas pela Junta (SCHMIDLI, 2013).
As Madres, ao reunirem-se na Embaixada, construíram e estabeleceram laços com
os diplomatas estadunidenses. Numa dessas ocasiões, em janeiro de 1977, é evidente o uso
pelo grupo de um dos objetivos das redes transnacionais de advocacia: a política de
influência. Ao testemunharem sobre a situação na Argentina, elas advertiam aos EUA da
necessidade de constranger a Junta Militar. A Embaixada demonstrou a pressão da
administração Carter para a questão de direitos humanos e como a Junta preocupava-se
com a sua imagem: a pressão externa de cortes na ajuda militar dos EUA pela emenda
Humphrey-Kennedy auxiliaria a pressão interna para melhorar a situação de direitos
humanos na Argentina (DoS, 1977a).
A insatisfação da Junta Militar com os EUA ilustra a fase da negação ao ver que o
governo argentino passou a se preocupar com o impacto do ativismo das Madres. A
necessidade de ter que responder negativamente ou positivamente às acusações do grupo
constrangia à Argentina por infringir as regras do regime internacional de direitos humanos
que se consolidava no período. Em sua defesa, contestava a ingerência dos EUA por ferir a
sua soberania nacional, quando a Junta combatia o terrorismo em nome do “mal
comunista”.
A falta de consenso em como os EUA lidariam com os direitos humanos impediram
uma concepção clara da política a ser exercida durante a metade de 1977 (SCHMIDLI, 2013).
Segundo David Skidmore (1993), os principais obstáculos de Carter não eram internacionais,
e sim, nacionais: a baixa legitimidade e a baixa confiança no âmbito doméstico dificultavam
a institucionalização de uma política externa para os direitos humanos.
As pressões domésticas respondiam às pressões internacionais, mas reduziram a
margem de manobra política de Carter. Sua gestão enfrentou o problema de ajustar a queda
da hegemonia dos EUA. As dificuldades estruturais da política internacional, somadas à
pressão no Congresso, tornaram a política externa de Carter próxima da ala conservadora,
afastando-o de seus objetivos iniciais de se alinhar ao regime internacional de direitos
humanos da época e de institucionalizar nos EUA uma política externa para os direitos
humanos.
243
As intimidações do governo argentino contra as manifestações públicas das Madres
continuaram ao decorrer dos anos. Para a Embaixada, as prisões de seus membros
maculavam a imagem internacional do governo, pois os militares contrários às medidas da
Junta Militar queriam prejudicar as relações do país com um de seus principais parceiros, os
EUA. Um dos alvos dos militares dissidentes era Viola, o qual foi advertido a frear as
atividades da liberalização democrática em meados de 1981 (DoS, 1981a, 1981b).
Em novembro, as Madres pediram ao embaixador Raúl Castro uma reunião. O
grupo demonstrava a sua confiança nos EUA para auxiliá-las na busca por seus filhos: “[…]
estamos confiantes de que nossa esperança não vai se decepcionar com o interesse dos
Estados Unidos para apoiar os direitos humanos na Argentina” (DoS, 1977c, tradução nossa).
A expectativa das Madres, colocada sobre os EUA, condiz com as relações estabelecidas com
o corpo diplomático do país e com o comprometimento de Carter para com os direitos
humanos. Ao pressionar a Embaixada, as Madres utilizavam outra estratégia das redes
transnacionais de advocacia: a política de responsabilização, na qual são demandadas
respostas sobre o destino dos desaparecidos não apenas da Junta Militar, mas dos atores
internacionais que se comprometeram em respeitar as normas internacionais de direitos
humanos e apoiar o grupo.
No dia 8 de dezembro de 1977, o desaparecimento de 12 membros das Madres e
duas freiras francesas (Alicia Doman e Renee Duguet) foi a faísca para o início da queda da
imagem internacional da Junta Militar como isenta de responsabilidade sobre as violações
de direitos humanos. O caso também possibilitou novas estratégias de denúncia das Madres
com a ajuda internacional. O objetivo do encontro do grupo era reunir dinheiro para publicar
outro anúncio nos jornais da Argentina. Derian, preocupada, avisou à Embaixada de que o
caso apareceu no New York Times, um dos maiores jornais dos EUA (DoS, 1977d).
As informações que chegavam em Washington propiciaram novas sanções
econômicas à Argentina, o que para Derian significou redirecionar a atenção internacional
sobre a Junta Militar e conseguir concessões no âmbito dos direitos humanos nesse
processo. Com a medida Humphrey-Kennedy, a ajuda securitária e militar dos EUA ao país
terminaria dia 30 de setembro de 1978 devido às contínuas violações de direitos humanos e
restrições das liberdades civis pautadas numa política securitária, mesmo sem a suposta
ameaça terrorista. Na visão da Embaixada, a Junta Militar estaria mais preocupada com a
eliminação da subversão do que manter boas relações com os EUA (DoS, 1978a).
Entretanto, os esforços de Carter para constranger internacionalmente a imagem
da Argentina não diminuíram significativamente o número de desaparecidos. Durante seu
primeiro ano no governo, cerca de 80 por cento dos desaparecimentos ocorreram entre
1976 e 1977, e o número caiu pouco durante o início de 1978. A Argentina parecia sofrer
pouco com as pressões dos EUA por possuir outros parceiros econômico-militares, como a
Europa Ocidental e Israel, por exemplo (SCHMIDLI, 2013).
A suposta independência da Argentina seguia seu projeto de projeção internacional.
Conforme a Ata 75 de 7 de setembro de 1978 das reuniões da Junta Militar, as relações do
244
país deveriam buscar um papel significativo no âmbito internacional regional; recuperar sua
antiga presença e afirmar sua capacidade de expandir a sua cultura (ARGENTINA, 2014a).
Ao contrário do apoio da Embaixada prometido às Madres, a decisão dos EUA não
prezou pelos direitos humanos. As pressões internas sobre Carter fizeram com que sua
política externa voltasse a ser semelhante aos governos anteriores: defensiva e expansiva.
Ao priorizar as relações econômicas com a Argentina ao invés dos direitos humanos, os EUA
tornaram as atividades na Embaixada ainda mais delicadas durante 1979 (SCHMIDLI, 2013).
Os direitos humanos, dadas as dificuldades domésticas nos EUA, retornaram à periferia da
agenda de política externa do país antes mesmo de Ronald Reagan assumir a presidência.
5.2 O governo de Ronald Reagan e a diplomacia silenciosa
Durante a presidência de Ronald W. Reagan (1981-1989), o declínio da estratégia de
ajuste de Carter para uma política externa pautada na diplomacia preventiva e nos direitos
humanos aumentou. Os direitos humanos, temática que já deixara de ser prioridade nos
primeiros anos de sua gestão, foram afastados explicitamente da agenda política com o
governo de Reagan (SKIDMORE, 1993; SCHMIDLI, 2013).
Segundo John Dumbrell (1997), Reagan estava mais inclinado a recuperar o apoio
doméstico com políticas voltadas aos assuntos nacionais em vista a legitimar seu governo. As
principais preocupações do governo agora eram com a desregulamentação do mercado,
abertura comercial, aumento nos gastos bélicos para deter os avanços econômico-militares
da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a expansão do comunismo, controlar
o terrorismo e exaltar o nacionalismo democrático liberal. O novo Secretário de Estado,
Alexander Haig, foi responsável por realinhar a diplomacia preventiva de Carter a uma
diplomativa coercitiva: a interdependência não deveria ser vista como um fator limitante aos
EUA, e sim, uma oportunidade de expansão mundial da política externa do país (DUMBRELL,
1997).
Os empréstimos econômicos, comerciais e militares na gestão Reagan não eram
dependentes do status dos direitos humanos nos países com governos ditatoriais como
Carter propôs inicialmente pelo Ato de Ajuda Externa. Ou seja, a restrição de auxílio
econômico e militar aos países violadores de direitos humanos não seria um obstáculo às
relações bilaterais com os EUA; era, pois, uma clara demonstração de que os direitos
humanos não eram mais prioridade da agenda política do governo. Para a Junta Militar, isso
significou a possível retomada da inserção da Argentina na política internacional e o
reconhecimento da legitimidade do governo. Entretanto, um grande retrocesso aos olhos
dos organismos de direitos humanos e às perspectivas das Madres em terem o apoio dos
EUA.
Mesmo com a notoriedade internacional das Madres e o apoio de cerca de 36
membros do Congresso dos EUA, esse capital de política de influência doméstica nos EUA
estava em risco devido aos novos direcionamentos da administração de Reagan. Se antes já
existiam grandes dificuldades em institucionalizar uma política externa de direitos humanos,
245
vislumbrada pelas Madres e seus aliados nos EUA (Derian e Tex Harris), os congressistas pró-
direitos humanos enfrentaram ainda mais a oposição conservadora (DoS, 1981c).
Em 1981, Hebe de Bonafini e María Antokoletz foram aos EUA para se encontrar
com grupos de direitos humanos. Além de relatarem a existência de 40 novos casos de
desaparecidos em 1980, pressionaram o governo dos EUA a confirmar se a emenda
Humphrey-Kennedy cairia em desuso, mas foram informadas de que as vendas de insumos
militares seriam apenas pontuais (DoS, 1981e). Apesar da promessa dos EUA em manter a
emenda, a Embaixada notou que as mudanças na área de direitos humanos nos EUA
afetavam seu trabalho. Após alguns meses, Reagan articulou com sucesso toda a sua
influência política perante congressistas e empresários e fez com que o Congresso dos EUA
retirasse os embargos econômicos sobre a Argentina. Em 1981, a política de Carter de votar
contra empréstimos institucionais financeiros internacionais por causa de direitos humanos
no país foi extinguida (SCHMIDLI, 2013).
Após chegarem dos EUA, esperançosas de que haveria mudanças substanciais na
crise de direitos humanos, as Madres foram presas pela Força Aérea, que pegou seus
documentos pessoais, lista de desaparecidos e cartas de apoio ao grupo (DoS, 1981f). A
Embaixada, após ser informada pelas outras Madres sobre a detenção das líderes,
encarregou-se de entrar em contato com oficiais do governo argentino para reaver seus
itens pessoais, além de solicitar esclarecimentos sobre a ação ostensiva da Força Aérea (DoS,
1981g).
Na Praça de Maio, apesar das represálias dos militares, as marchas retomaram o
ritmo lentamente, pacíficas e sem acidentes, contando com a presença da Embaixada. O
objetivo era obter informações sobre os desaparecidos e libertar os presos políticos, acabar
com o Estado de Sítio e julgar os perpretadores. As Malvinas, dentre outros fatores, foi um
elemento legitimador da luta pelos direitos humanos dos grupos domésticos. Para as
Madres, representou um momento de crítica ao governo por uma ação incalculada, onde
diversos jovens despreparados morreram pela negligência da Junta Militar (DoS, 1981d;
1981h). Na visão dos EUA, a derrota da Junta Militar representou uma nova oportunidade
para pressionar o Congresso a apoiar os movimentos de direitos humanos argentinos e,
novamente, manter o órgão ativo, apesar do cercamento da oposição de Reagan (SCHMIDLI,
2013).
As críticas das Madres à conduta dos EUA para com os direitos humanos
continuaram. Em 1983, Bonafini participou de uma reunião com James Thyden, Diretor do
Escritório de Direitos Humanos dos EUA, afirmando que os EUA não estavam mais auxiliando
o grupo na busca de informações sobre desaparecidos e que doía ver o quão “[…] silenciosa
a administração de Reagan estava perante os direitos humanos, particularmente com os
desaparecidos na Argentina” (1983a, p.1, tradução nossa). Bonafini expôs a preocupação das
Madres de que os EUA não emitiram nenhuma posição sobre a Lei de Anistia (proclamada
em 23 de setembro) e que manter boas relações com a Junta Militar parecia ser mais
interessante à Reagan do que promover os direitos humanos na Argentina.
246
Em relação ao silêncio dos EUA, Thyden disse que a política de direitos humanos da
administração de Reagan acreditava numa diplomacia silenciosa ao invés do uso de
discursos públicos e que apoiava o retorno da democracia na Argentina. Informou também
que, apesar de Reagan não corresponder a todas as demandas das Madres, suas
preocupações eram consideradas pelos políticos em Washington (DoS, 1983a).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Unidas pela dor, as Mães da Praça de Maio enfrentaram a truculência da ditadura
civil-militar argentina em busca de seus filhos desaparecidos. Num contexto hostil, de
extrema repressão das liberdades político-civis, mulheres e mães com pouca instrução e/ou
envolvimento na política quebraram paradigmas que as confinavam no âmbito privado de
suas casas (BOUVARD, 1994). Contudo, a indiferença do governo militar e da sociedade
dificultavam as tentativas dos movimentos de direitos humanos de coletar informações
sobre o caso dos desaparecidos. Por isso, as Madres viram a necessidade de articular
internacionalmente a sua luta e os seus contatos para denunciar ao mundo as atrocidades
cometidas pelo governo militar. Esta pesquisa buscou, dentre os vários contatos
internacionais das Madres, investigar como elas utilizaram suas estratégias transnacionais
para conseguir o apoio dos EUA pela sua Embaixada em Buenos Aires, a fim de obter
respostas e informações sobre os desaparecidos.
Igualmente, houve a (re)ocupação dos espaços públicos, primordialmente pela
resistência na Praça de Maio. Embora tamanhas ações e exposições públicas para obterem
informações, as Madres recorrentemente ouviam do Estado que não se sabia onde os
desaparecidos estavam. Essa obstrução comunicativa entre a esfera governamental e as
Madres evidencia as estratégias de transnacionalizar sua luta do nacional ao internacional.
Ao final da presidência de Carter, nota-se o retorno da gramática dos direitos
humanos às margens da política externa dos EUA, dando início num processo contínuo de
desestabilização das oportunidades políticas que as Madres buscavam no país para
encontrar os desaparecidos. Novos acordos internacionais sobre armamentos, empréstimos
econômicos e financeiros foram assinados com a Argentina. A própria opinião pública
estadunidense demandava maior envolvimento com questões securitárias e menos com a
pauta de direitos humanos. Nesse contexto, as causas internas teriam sido os principais
fatores que dificultaram a institucionalização de uma política externa de direitos humanos,
dado o baixo capital político que Carter possuía no Congresso (SKIDMORE, 1993; SCHMIDLI,
2013).
Conforme os telegramas da Embaixada, apesar do escândalo do desaparecimento
de 12 membros das Madres e de duas freiras francesas (seguidas de assassinato), as
restrições comerciais e financeiras pelos EUA não continuaram. A maior parte dos
congressistas eleita sob a promoção dos direitos humanos mudou seu posicionamento por
causa das novas configurações de suas relações (retomada das relações com China e Oriente
Médio), ademais da escalada hostil da URSS perante o governo Carter. Havia uma
247
dissonância entre as decisões em Washington – aparentemente alheias aos direitos
humanos na Argentina – e a Embaixada em Buenos Aires, a qual mantinha seu contato e
apoio às Madres.
As Madres persistiam ao afirmar que a Junta ainda não divulgava informações
precisas sobre os desaparecidos. O acolhimento recebido pela Embaixada não parecia
exercer a mesma pressão de outrora. Com Reagan, as perspectivas de uma política externa
de direitos humanos pioraram ainda mais. Ao contrário de Carter, Reagan afirmava que a
década de 1970 tinha sido uma perda para a política internacional dos EUA, sendo
necessária a auto-renovação da hegemonia do país e o redirecionamento para problemas
domésticos (DUMBRELL, 1997). Em 1981, no início de seu mandato, uma de suas primeiras
medidas foi retirar os embargos econômicos à Argentina, causando grande preocupação ao
Departamento de Direitos Humanos (conduzido por Patricia Derian), à Embaixada e às
Madres.
As Madres demonstraram-se decepcionadas com a diplomacia silenciosa de
Reagan, a qual propunha negociações privadas sobre questões de violações de direitos
humanos ao invés de discussões públicas e transparentes. O grupo rebateu as justificativas
dos diplomatas por ver que se tratava de um retorno aos princípios de Henry Kissinger: os
direitos humanos eram tão importantes quanto quaisquer temáticas da política externa.
Para as Madres, o silêncio dos EUA representava o distanciamento do país com a causa de
direitos humanos que tanto havia sido promovida por Carter, além da conivência de Reagan
com as violações de direitos humanos na Argentina. Por conseguinte, as estratégias
transnacionais das Madres em buscar apoio externo através da Embaixada foram
paulatinamente constrangidas exatamente por uma de suas principais esperanças: a crença
numa política externa de direitos humanos dos EUA.
NOTAS DE FIM
[1] Destaca-se a participação civil na construção e sustentação das ditaduras militares. Sem o
apoio civil (elites políticas, empresariado e população) contesta-se a legitimidade e
durabilidade das ditaduras (SZNAJDER, 2003).
[2] As palavras de ordem das Madres surgiram para chamar a atenção da população, como
“Aparição com Vida” num protesto à Junta Militar, aos grupos políticos e organismos de
direitos humanos que persistiam em dizer que os desaparecidos estavam mortos. Em 1983,
ao final da ditadura, nas discussões sobre a responsabilidade pelos crimes cometidos, o
grupo utilizou a frase “Julgamento e Castigo para Todos os Culpados” (BOUVARD, 1994).
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250
BUROCRATIZAÇÃO NO PROCESSO DE ACESSÃO À OMC
BUREAUCRACY ON THE PROCESS OF ACCESS TO THE WTO
Marco Antonio Viegas de Oliveira22
Resumo: A Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em janeiro de 1995, ao longo
de sua história teve objetivos alcançar a liberalização do comércio mundial através do
estabelecimento e aplicação de regras para a remoção de barreiras. O principal problema
apresentado é de como a burocratização no processo de acessão tem dificultado a
concretização da OMC como uma Organização Internacional global e a falta de
adaptabilidade da organização para acolher economias não de mercado. É importante
analisar o porquê de uma organização nomeada mundial, não possui todos os Estados e
quais são os efeitos da não participação. Em conclusão o trabalho considera o potencial para
acessão global à OMC e os obstáculos à sua realização. Sendo grande parte dos potenciais
novos membros, Estados menos desenvolvidos, microestados e economias em transição.
Palavras-chave: Organização Mundial do Comércio; Acessão; Burocratização; Adesão Global.
Abstract: The World Trade Organization (WTO), established in January 1995, throughout its
history, has aimed to achieve the liberalization of world trade through the establishment and
application of rules for the removal of barriers. The main problem presented is how
bureaucratization in the accession process has made it difficult for WTO to achieve global
international organization status and the organization's lack of adaptability to accommodate
non-market economies. It is important to analyze the reason for an organization named
“World Trade” if it´s not composed of all States and what are the effects of non-
participation. In conclusion the study considers the potential for global membership to the
WTO and the obstacles to its achievement. A large proportion of potential new members are
less developed states, micro-states and economies in transition. All with individual
peculiarities, which must be taken into consideration.
Keywords: World Trade Organization; Accession; Bureaucratization; China; Global
Membership.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente a OMC conta com a participação de 164 membros plenos e 21
membros observadores. É importante destacar que a categoria de membros observadores é
reservada como estágio intermediário, já que os aceitos como tal são obrigados a começar
22
Graduando em Relações Internacionais no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC-MG).
251
as negociações de adesão dentro de cinco anos de se tornarem observadores. A OMC abriu
apenas uma exceção para a Santa Sé que, apesar de ser membro observador, não precisa
ambicionar a tornar-se membro pleno.
As pesquisas sobre o tema “Acessão” são de grande relevância para os estudos das
relações internacionais. Vários acadêmicos estudam o processo partindo de diferentes
perspectivas e comprovando diferentes teses sobre o processo. Como por exemplo os
argumentos clássicos para a acessão à uma organização internacional tem sido baseada
numa lógica funcionalista que os estados ganham benefícios da cooperação
institucionalizada que superam qualquer perda correspondente na soberania nacional. Outra
forma de analisar a importância e os principais efeitos das acessões são apresentados pelo
autores Mansfield e Pevehouse como função da participação dos Estados em transição nas
OIs para se comprometer mais credívelmente com as reformas democráticas liberais
(BRAZYS, 2014)
Trabalhos anteriores sobre a explicação da acessão à OMC concentraram na
explicação da duração do processo. Como por exemplo, os autores Davis e Wilf em 2012 no
seu artigo estudam a perspectiva sobre o tempo das negociações utilizando um modelo de
risco proporcional de Cox para analisar o “perigo” da acessão, com matriz de variáveis
independentes para explicar as diferenças no momento da decisão de acessão. Já o autor
Wong em 2008 no seu trabalho apresentou que as democracias tendem a ter períodos de
adesão mais curtos do que as não-democracias, enquanto o autor Jones em 2009 concluiu
que o aumento no número de acessos anteriores, aumentaram os níveis tarifários existentes
e os aumentos na participação dos governos. (BRAZYS, 2014)
Inspirado no trabalho dos autores (CATTANEO; BRAGA, 2009) sobre o processo, as
obrigações, os benefícios, os termos, as questões contenciosas e as implicações da acessão à
OMC. O presente trabalho vai além, sendo seu objetivo geral é analisar o processo de
acessão à OMC, comparando os meios de acessão do pelo GATT e pela Acordo da OMC,
apresentando as mudanças jurídicas no processo. Apresentar as funções e sua estrutura,
qual identifica a manutenção, apresentar as etapas de acessão levando em consideração os
protocolos especiais. Sendo o processo de acessão considerado ao longo dos anos com
maior complexidade para se fazer parte, o trabalho apresenta um capítulo sobre as
vantagens e as razões por não fazer parte.
Sendo que maioria dos membros que não fazem parte da organização países em
desenvolvimento, o trabalho dedica estuda quais são as implicações que dificultam o seu
processo. Além da dificuldade dos países em desenvolvimento, a participação das ENMs
assim como sua acessão é um campo qual o trabalho analisa o processo e as diferenças do
protocolo especial da acessão da China, as WTO-plus obligations.
O desenvolvimento do projeto foi baseado em um método descritivo e histórico,
para compreender o processo de acessão de novos membros na OMC. O método descritivo
apresenta a organização (OMC) em sua funcionalidade e finalidade, com o intuito de reger o
comércio internacional. A pesquisa apresentará um estudo de casos como exemplo para
compreensão do processo de acessão. Além da metodologia descritiva, foram utilizados
252
dados qualitativos para tentar responder à pergunta principal do projeto e apresentar os
impactos das diferenças dos processos de acessão em termos econômicos.
2 DIFERENÇAS NO PROCESSO DE ACESSÃO AO GATT E A OMC
Para fazer parte do GATT, o instrumento de acessão na época seguido era o
ARTIGO XXXIII – ADESÕES – Todo governo que não seja parte no presente Acordo ou que aja em nome de território aduaneiro distinto gozando de inteira autonomia na conduta de suas relações comerciais exteriores e de outras questões tratadas no presente Acordo, poderá aderir ao presente Acordo, por sua conta ou por conta desse território, em termos a serem ajustados entre esse governo e as Partes Contratantes. As decisões previstas no presente parágrafo serão tomadas pelas Partes Contratantes por maioria de dois terços. (ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS ADUANEIRAS E COMÉRCIO, 1947)
No GATT, existiam dois processos de acessão. O processo de acessão padrão estava
descrito no artigo XXXIII do acordo. Porém, a maior parte dos detalhes da acessão era
delegado ao grupo de trabalho (Working Party). Um grupo de membros existentes que
optou por supervisionar o processo de acessão de um novo requerente. O Grupo de
Trabalho e o país candidato realizavam consultas e negociavam uma programação sobre
acordos tarifário, que seria então apresentado ao Conselho Geral do GATT. O artigo XXXIII do
GATT exigia formalmente uma votação por maioria de dois terços para adotar o acordo,
embora, na prática, tivessem ocorrido poucos votos. (VANGRASSTEK, 2013)
Em seu período histórico de acessões, podemos identificar uma maneira diferente
de entrada a OMC. A maioria dos países em desenvolvimento diferentemente de acessão,
fizeram sucessão, principalmente os países em desenvolvimento. Utilizando os termos
especiais do artigo XXVI, que apresentava que os Estados que obterão independência de
suas colônias, pôs período de guerra, entraram para o GATT. Este processo se mostrou
muito menos rigoroso e reduziu os custos de entrada para os países elegíveis para aderir ao
Artigo XXVI do GATT em comparação com a maioria dos países que aderiram seguindo o
Artigo XXXIII (VANGRASSTEK, 2013). O resultado foi a entrada de novas economias, ajudando
no período de transição a obter acesso ao mercado assim como compartilhar de tarifas pré-
estabelecidas. Inclui grande parte dos países do Caribe e da África, bem como países da Ásia,
do Oriente Médio e também da Europa. Utilizando deste mecanismo, houve uma
diversificação no número de participantes na OMC, transformando para maioria dos
membros com status de em desenvolvimento. Em número, metade (64) dos 128 países que
aderiram ao GATT foram através de sucessão (VANGRASSTEK, 2013).
Atualmente não existe nenhum mecanismo que se equivale a este, como maneira
de se obter acesso a OMC. Com o passar do tempo a lista de concessões tarifárias para
entrar para o GATT foram aumentando, assim como seu número de participantes. Tornando
o processo mais complexo:
253
While there are a great many ways in which the WTO may be distinguished from GATT, the process of accession is one where the differences are in degree rather than kind. The accessions to the WTO cover a wider range of issues and tend to take much longer to complete, but the process is procedurally and politically quite similar to what it was in the late GATT period (VANGRASSTEK, 2013, p.122).[1]
Podemos identificar uma similaridade entre o processo de acessão ao GATT e a
OMC. Pois seguem os mesmos artigos, que são apresentados de forma breve e
consequentemente podemos notar a ausência de orientação sobre os termos a serem
acordados para a acessão, não apresentam as etapas processuais para futuros novos Estados
a seguir. Por isso, foram desenvolvidos documentos adicionais fornecendo aos possíveis
novos membros algumas orientações sobre o processo de acessão. Mesmo com estes
documentos existe uma notável complexidade dos desafios atuais, o processo de acessão à
OMC se apresenta como mais oneroso e com uma negociação de longo prazo.
The WTO Article 12 process is formally the same as the GATT Article 33 accession
process, but non-member countries acceding through the WTO Article 12 have a longer list
of required agreements to negotiate (including GATS, TRIMS, and TRIPS) before gaining WTO
membership (VANGRASSTEK, 2013, p.123)[2]
Alguns autores observaram que os compromissos negociados no protocolo de
adesão de países candidatos a OMC, ultrapassam as obrigações dos países membros da
organização.
O autor Collier, apresenta dois grupos divergentes de países em desenvolvimento
que fazem parte da organização.
The new members of the WTO are largely developing countries. However, they are not cohesive. To simplify, there are two substantial groups. One is made up of countries that are sufficiently integrated into the new world economy, and sufficiently large, to have a genuine interest in bargaining for reciprocal liberalization (free riders). The other group of developing countries consists of those that are for one reason or another sufficiently marginalized in the world economy that they do not have a realistic interest in bargaining over market access. (COLLIER, 2005, p.6)[3]
Conforme mencionado anteriormente, a participação dos países em
desenvolvimento na organização, aumentou com o passar do tempo. Tendo hoje um
número maior do que de países desenvolvidos. Porém nem todos seguem os mesmos
princípios.
Além da comparação do processo de acessão dos Estados via GATT e pelos
procedimentos de acessão da OMC, devemos analisar o fato que tanto o artigo XXIII do GATT
de 1947 como o artigo XII do Acordo de Marraquexe permite a adesão por “Estados” ou
“Território Aduaneiro Distinto” desde que o governo deste, tenha plena autonomia na
condução das suas relações externas e comerciais e nas outras matérias previstas no Acordo.
254
Diferente do artigo 4º da Carta das Nações Unidas qual permite a adesão apenas de
“Estados” que satisfazem os seus requisitos. Por esta razão o número de membros da OMC
é, portanto, consideravelmente mais amplo do que o da ONU. (TOOHEY, 2012)
For this reason, there are quite a number of current and potential WTO members that are unable to attain UN membership, but that are nonetheless very significant members of the WTO. Hong Kong and Macau are perfect examples — as Special Administrative Regions of the People’s Republic of China, they are not members of the UN, but are both original members of the WTO (TOOHEY; LISA, 2012, p.99)[4]
Além de Macau e Hong Kong, outra organização supranacional classificada como
território aduaneiro distinto, uma “União Económica e Monetária” conhecida como União
Europeia, é membro da OMC desde 1 de janeiro de 1995. Um membro da OMC, apesar de
ter apenas um estatuto de observador na ONU. Os seus 28 Estados-Membros são
igualmente membros da OMC por direito próprio. A U.E é uma única união aduaneira com
uma política comercial única e uma pauta separada. A Comissão Europeia, o braço
executivo, fala por todos os Estados-Membros da U.E em todas as reuniões da OMC.
3 IMPLICAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE ACESSÃO
O processo de Acessão pode ser apresentado como básico para qualquer tipo de
organização, porém apresenta vários desafios para os requerentes. Um alto nível de
conhecimento interno e capacidade é requerido pois deverá ser feita uma análise económica
significativa para incluir no memorando. Os Estados devem ter a capacidade de desenvolver
e administrar as leis e os processos necessários para cumprir as obrigações comerciais
negociadas, desta forma devem ter apoio interno para que a acessão ocorra mais rápido. É
necessário ter um corpo docente, com capacidade e habilidades para negociar com os
membros atuais, tendo amplo conhecimento sobre os acordos legais e os interesses
comerciais do Estado requerente, conforme apresentado anteriormente, os membros atuais
querem que os novos membros cumpram suas obrigações e procuram fazer maiores
demandas de acordo com seu próprio interesse. Os novos membros devem trabalhar para
garantir que os novos acordos para acessão não se tornem um processo com mais custos do
que os benefícios da participação. (I.I.S.D, 2002)
Levando em conta os desafios de acessão, à OMC oferece assistência técnica para o
processo, onde um corpo técnico pretende ajudar em vários pontos cruciais assim como
fornecer orientação de longo prazo. Porém vários observadores, reconhecem que o
processo de assistência técnica oferecido pela OMC é inadequado para a maioria dos países
em desenvolvimento e para outros que necessitam. Os novos membros estão cada vez mais
sujeitos a obrigações mais elevadas do que as previstas nos Acordos de 1994, com a inclusão
de mais serviços nos seus compromissos de liberalização.
255
As abordagens da assistência técnica são para as etapas de negociações,
averiguação e a formulação do memorando desta forma se limitando. Não são oferecidas
orientações sobre a compreensão das obrigações legais e sua relação com as questões
domésticas individuais. A assistência técnica não possui um objetivo mais amplo de
relacionar o processo de adesão aos diferentes aspectos sociais, ambientais e culturais,
como o conhecimento sobre a realidade do Estados requerentes e seus reais interesses.
Pouca assistência, se houver, está disponível para os impactos econômicos e de
sustentabilidade. O aumento dos recursos e uma melhor coordenação da assistência
interinstitucional são dois caminhos sugeridos para a melhoria. (I.I.S.D, 2002)
The process is administratively demanding, requiring the collation of many types of documents and the preparation of large dossiers of information about the trade regime including statistical information that may not have previously been collected.89 There are also requirements to translate large amounts of information into one of the working languages of the WTO (French, Spanish or English), which is very costly and requires highly skilled personnel, e. For negotiations, diplomats need not only to be skilled in the negotiation process, but also to have advanced knowledge of WTO principles and how these are translated into a domestic regulatory context. (TOOHEY, 2013, p.11) [5]
Outro desafio comum no processo, como apresentado anteriormente, são as
imposições pelo Estados membros, conhecidas como OMC-plus, na tentativa de alcançar o
maior número de concessões possível.
Os sucessos de acessão de 2012 não deve levar os observadores a subestimar as
barreiras para concluir com sucesso o processo de acessão. Os obstáculos processuais e
substanciais enfrentadas pela maioria dos não-membros são amplos e substanciais.
(TOOHEY, 2013)
Os membros da OMC contam com um mecanismo de optar por não reconhecer a
acessão de um novo membro. Referido no artigo XIII como ‘não conformidade’, a única
obrigação dos atuais membros é o dever de notificar a intenção de não conformidade a
Conferência Ministerial antes da aprovação. Exemplos de sua utilização são da Turquia para
com o processo da Armênia e por El Salvador em relação à China. Assim como pelos Estados
Unidos na acessão de muitas das economias em transição menores, como à Mongólia,
República do Quirguistão, Geórgia, Arménia, Moldávia e Vietnam. (TOOHEY, 2013)
Existe um sentido extraviado de que a acessão da China e Federação Russa,
completaram as principais negociações para economias em transição, embora a associação
de estados com economias em transição está longe de ser universal.
4 MOTIVOS PELA NÃO-UNIVERSALIZAÇÃO DA OMC
Em conclusão, a falta de representatividade da participação das principais
economias diminuíram a importância da presença dos Estados que não fazem parte.
256
Relatado por (JONES, 2001 apud TOOHEY, 2012) de acordo com estatísticas recentes, os
membros da OMC representam atualmente mais de 97% do comércio mundial.
Atualmente, existem 23 membros da ONU em várias etapas do processo de adesão:
Argélia, Andorra, Azerbaijão, Bahamas, Bielorrússia, Butão, Bósnia e Herzegovina, Comores,
Guiné Equatorial, Etiópia, Irão, Iraque, Cazaquistão, Libanês, República, Libéria, República da
Líbia, São Tomé e Príncipe, Sérvia, Seychelles, Sudão, República Árabe Síria, Uzbequistão e
Iémen. Esses Estados constituem 12,5% do Total da ONU. Há mais 14 que são membros da
ONU (sete por cento do total de membros da ONU), mas que não se candidataram à adesão
à OMC. Esses são Eritreia, Kiribati, República Democrática Popular da Coreia, Ilhas Marshall,
Micronésia, Mónaco, Nauru, Palau, San Marino, Somália, Sudão do Sul, Timor-Leste,
Turquemenistão e Tuvalu. (TOOHEY,2012)
Para autora (TOOHEY,2012) a adesão universal é um conceito regularmente
construído baseado nos processos de acessões, geralmente entendido como acesso de todos
os membros reconhecidos pelas nações unidas à OMC.
A OMC apresenta negócios em andamento para atingir a acessão total. Como
descrito por (JONES,2009 apud BRAZYS, 2014) a adesão universal estabeleceria uma base
global de acesso recíproco, institucionalizado e de mercado, baseada no princípio da não
discriminação, incorporado pelas relações comerciais ou princípios como nações mais
favorecidas e o princípio de tratamento nacional.
Ao identificar os Estados que não são membros, é possível identificar uma
tendência/identidade. Sendo as características principais; eles são pequenos, e muitas vezes
pobres, estados insulares. São Estados fechados em termos de partes de comércio global.
Alguns Estados possuem características mais específicas como Somália e Coreia do Norte
que, embora pobres, também são relativamente grandes, mas que também são dois dos
Estados mais politicamente problemáticos do sistema internacional, pode se entender que
fazer parte da organização não está dentro dos seus objetivos (BRAZYS, 2014)
Os custos financeiros do processo de acessão são fixos, independentemente do
tamanho de um Estado aplicante, desta forma o custo é proporcionalmente muito maior
para os pequenos estados.
Os pequenos Estados podem ser classificados pela pequena população e área de
extensão, muitas vezes Estados com baixos níveis de desenvolvimento. Porém os
microestados não são uniformes em seu grau de vulnerabilidade econômica. Um número de
microestados pode ser classificado como ambos com vulnerabilidade económica e baixo
nível de desenvolvimento como Tuvalu, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe, e Kiribati.
(BRAZYS, 2014)
Outro pequenos Estados como Mónaco, San Marino, Andorra, e as Bahamas são
extremamente países de alta renda com pequenas territórios e populações extremamente
pequenos conhecidos como paraísos fiscais. Com foco nos serviços financeiros
internacionais. Os perfis econômicos os classificam como Estados diferente dos outros
pequenos não membros. A decisão de não se tornar membro pode ser entendida pela
preocupação sobre a liberalização seus setores de serviços financeiros. (BRAZYS, 2014)
257
Alguns dos estados que não fazem parte da organização, contam com governos com
diferentes graus de autonomia e independência dos estados aos quais pertencem
oficialmente. Alguns destes territórios são elegíveis para adesão à OMC dependendo da
interpretação do art. XII exigência de “plena autonomia na condução de suas relações
comerciais” Muitos destes territórios têm, por exemplo, poder legislativos, judiciários e
alfandegários e podem afirmar que são elegíveis para acessão. Estados que tenham
declarado independência e tenham obtido reconhecimento, mas não são membros da ONU,
também podem ser elegíveis para adesão à OMC e Palestina, Kosovo, Chipre do Norte, e
Transnístria. (BRAZYS, 2014)
As “economias em transição” fazem parte de uma posição onde a política está
passando por mudança, de uma economia centralmente planificada para uma economia
descentralizada com base em princípios de mercado. Seis dos atuais não-membros são
considerados economias em transição por esta definição: Uzbequistão, Azerbaijão,
Bielorrússia, Cazaquistão, Turcomenistão e na Bósnia Herzegovina. Revendo as acessões do
passado das economias em transição, é claro que muitos legados de economias com
planejamento central complicaram o processo. Os altos níveis de propriedade estatal
tendem a não proporcionar um ambiente transparente qual a OMC exige dos Estados
aderentes. (TOOHEY,2012)
Caso os Estados não façam parte das instituições internacionais, os motivos podem
ser identificados como por escolha, indiferença ou barreiras. Os estados não apresentam
capacidade ou incentivos para se juntarem (não podem ou não querem) e / ou não tiveram
de enfrentar uma pressão externa significativa em tal direção. O aumento do número de
missões diplomáticas e do volume das exportações de produtos manufaturados aumentam a
probabilidade de seguir o caminho de acessão (BRAZYS, 2014).
A solução é possível resultado de concluir a participação universal de todos os
membros da OMC, seria ao invés de exigir compromissos conhecidos como “WTO-plus” na
liberalização de bens e serviços dos demais, os membros deveriam se concentrar em
explorar maneiras pelas quais instrumentos como o Tratamento Especial e Diferencial e / ou
a Ajuda para o Comércio podem colaborar para incorporar todos ao sistema de comércio
global. (BRAZYS, 2014)
Sendo os o benefício econômico de elevar o s status contando com universalização,
os ganhos práticos e econômicos são insignificantes, porém fornece benefícios significativos
para governança econômica global.
O impacto da presença dos Estados considerados pequenos podem ser notados
pelos grandes, conforme os autores Brazys e Toohey apresentam em seus trabalhos.
The impact of small states in international affairs can be significant and, as Panke
(2012) describes, small states can ‘punch above their weight’ in international relations. Small
states can shape outcomes, but only if they sit at the negotiating table.” (BRAZYS, 2014,
p.19)[6]
Sendo que o modelo de tomada de decisão na organização o consenso. As
participações de um grande número de membros muitas vezes dificultam avanços nas
258
negociações. Temos atualmente a congelamento da rodada de Doha dentro da OMC, com
pouca previsão de andamento, podemos identificá-la como resultado deste efeito.
Seguindo os mesmos erros cometidos durante a liga das nações, onde os pequenos
membros poderiam embargar as negociações das grandes potências. O mecanismo que
presume que qualquer membro possa negar a acessão de um possível novo membro, reflete
o mesmo erro. A não participação diminui os riscos e o número de concessões que são feitas
para receber apoio na tomada de decisão.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir o trabalho apresentou como o GATT-1947 se mostrou insuficiente para
lidar com os problemas da comércio internacional pelos novos desafios apresentados pela
globalização, pois não foi criada para ser global. As complexidades dos novos desafios não
eram compreendidas pelas regras estabelecidas em 1947. Na época poucos países em
desenvolvimento participavam do GATT, mesmo estes eram marginalizados ou escolhiam se
marginalizar, utilizando do princípio de tratamento especial.
A OMC acolheu as economias emergentes, e seu novo sistema de solução de
controvérsia possibilitou a contestação, de irregularidades cometidas pelas chamadas
grandes potências. Além do aumento do número economias em desenvolvimento, a
participação das economias não de mercado e em transição no início da OMC foi diferente
da participação das mesmas no GATT.
Podemos concluir que os artigos do processo de acessão via GATT e OMC
apresentam diversas similaridades. O Artigo XII da OMC é formalmente o mesmo que o
processo de adesão ao Artigo XXXIII do GATT, mas os países não-membros que querem
aderir através do Artigo XII atualmente da OMC têm uma lista mais longa de acordos
necessários para negociar. A participação dos países em desenvolvimento na organização,
aumentou com o passar do tempo, sendo hoje um número maior do que de países
desenvolvidos.
Em seu período histórico de acessões, podemos identificar uma maneira diferente
de entrada na organização. A maioria dos países em desenvolvimento concluíram o processo
por meio do mecanismo de sucessão, previsto no GATT. O aumento da participação no
período de 1960 a 1975 são dados pela entrada por meio de sucessão feito pelas antigas
colônias. A queda da União Soviética em 1990 e a criação da OMC em 1994 aumentaram
ainda mais o número de participantes da organização, seguindo os novos objetivos e
requerimentos.
A participação pode ser entendida como uma estratégia de política, para muitas
economias em transição, as acessões à OMC foram como solicitadas reformas para prevenir
um retorno ao modelo socialista. As ENMs apresentam diferentes níveis de interferência do
governo na economia, qual os impactos sobre o sistema multilateral de comércio, causa
dificuldades na aplicação das regras da OMC, o monopólio do comércio internacional por
parte dos governos; e a fixação centralizada de preços internos qual dificultava a
259
determinação do valor normal nas investigações antidumping. As presenças das ENMs nos
processos também alteram os processos acessão, pois necessitam de protocolos especiais.
As razões pela não participação na OMC, podem ser os custos financeiros do
processo de acessão são fixos, altos, as negociações são longas, e a organização oferece
pouca assistência técnica. Além da não participação pela escolha, indiferença ou barreiras.
Alguns Estados não apresentam capacidade ou incentivos para se juntarem (não podem ou
não querem) e / ou não tiveram de enfrentar uma pressão externa significativa em tal
direção.
A solução para obter o resultado de concluir a participação universal de todos os
membros da OMC, seria ao invés de exigir compromissos conhecidos como “WTO-plus” na
liberalização de bens e serviços dos demais, os membros deveriam se concentrar em
explorar maneiras pelas quais instrumentos como o Tratamento Especial e Diferencial e / ou
a Ajuda para o Comércio podem colaborar para incorporar todos ao sistema de comércio
global.
NOTAS DE FIM
[1] Embora existam muitas maneiras de distinguir a OMC do GATT, o processo de acessão é
aquele em que as diferenças são mais de grau em vez de tipo. As adesões à OMC cobrem um
leque mais amplo de questões e tendem a demorar muito mais tempo a serem concluídas,
mas o processo é politicamente bastante semelhante ao que era no final do período do
GATT (VANGRASSTEK, 2013, p.122, Tradução livre)
[2] O Artigo 12 da OMC é formalmente o mesmo que o processo de adesão ao Artigo 33 do
GATT, mas os países não-membros que querem aderir através do Artigo 12 atualmente da
OMC têm uma lista mais longa de acordos necessários para negociar (incluindo GATS, TRIMS
e TRIPS) (VANGRASSTEK, 2013, p.123, Tradução livre)
[3] Os novos membros da OMC são em grande parte países em desenvolvimento. No
entanto, eles não são coesos. Para simplificar, existem dois grupos substanciais. Um é
composto por países suficientemente integrados na nova economia mundial e
suficientemente grandes para ter um interesse genuíno em negociar a liberalização
recíproca. O outro grupo de países em desenvolvimento é constituído por aqueles que, por
uma ou outra razão, estão suficientemente marginalizados na economia mundial, que não
têm um interesse real na negociação sobre o acesso ao mercado. (COLLIER, 2005, p.6,
Tradução livre)
[4] Por esta razão, há uma série de membros e potenciais membros da OMC que não
conseguem atingir o status de membro da ONU, mas que, no entanto, são membros muito
importantes da OMC. Hong Kong e Macau são perfeitos exemplos – assim como a Regiões
Administrativas Especiais da República Popular da China, não são membros da ONU, mas
ambos são membros originais da OMC. (TOOHEY; LISA, 2012, p.99, Tradução livre)
[5] O processo pode ser entendido como exigente, pois requer muitos tipos de materiais. A
preparação de extensos registros de informações sobre o comércio, incluindo informação
260
estatística que podem não-ter-sido previamente coletadas. Os requisitos devem ser
traduzidos para uma das línguas oficiais da OMC (Francês, espanhol ou Inglês), qual requer
uma equipe técnica qualificada aumento os custos. Para as negociações, os diplomatas
devem apresentar além de habilidades para negociações, um conhecimento avançado dos
princípios da OMC e como podem ser utilizados a favor do Estado. (TOOHEY, 2013, p.11,
Tradução livre)
[6] Os impactos dos pequenos Estados nos assuntos internacionais podem ser significativos,
como Panke (2012) descreve, os pequenos Estados podem “dar um soco acima do seu peso”
nas relações internacionais. Os estados pequenos podem moldar resultados, mas somente
se sentarem na tabela negociando. (BRAZYS,2014, p.19, Tradução livre)
[7] Como Burke observa, nas negociações bilaterais “até mesmo um rato pode rugir” uma
indicação do poder que os membros incumbentes têm de potencialmente impedir a adesão
de um novo membro. (TOOHEY, 2012, p.102, Tradução livre)
REFERÊNCIAS
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<https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/historywto_e.pdf > Acesso em: 20 Nov.2016
262
O DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO E A COOPERAÇÃO SUL-SUL: A
COOPERAÇÃO TÉCNICA BRASIL-ÁFRICA EM AGRICULTURA
THE DEVELOPMENT DISCOURSE AND THE SOUTH-SOUTH COOPERATION:
BRAZIL-AFRICA TECHNICAL COOPERATION IN AGRICULTURE
Gabriel Thomas Dotta23
Resumo: A emergência da cooperação sul-sul surge como um desafio na análise do
desenvolvimento desde a consagrada literatura crítica que o entende como discurso
construído pelos países do Norte Global para fins de dominação. O presente trabalho
objetiva discutir de que forma a cooperação sul-sul pode ser entendida a partir dessa
literatura, utilizando como estudo de caso a cooperação técnica brasileira na África em
agricultura. A fim de atingir tal objetivo, o artigo percorre os principais pensamentos da
corrente que entende o desenvolvimento como discurso; confronta-os com a cooperação
sul-sul, em seus princípios fundamentais; e com o estudo de caso escolhido, representado
por quatro projetos de cooperação. Este percurso permitiu constatar que a cooperação
brasileira, e, por extensão, a cooperação sul-sul, são irredutíveis às conclusões da literatura
apresentada, em razão de características que tornam-na marcadamente diferente da
provisão de assistência pelo Norte: não são ubíquas as premissas de linearidade histórica e
despolitização e não há um projeto de governança. Ainda assim, na maioria dos projetos
brasileiros identificam-se muitas das premissas que sustentam as relações tradicionais
Norte-Sul, sobre as quais discute originalmente a literatura; sobretudo naqueles voltados
para a agricultura intensiva e executados sob liderança da Embrapa.
Palavras-chave: discurso do desenvolvimento; análise de discurso; cooperação sul-sul;
cooperação técnica brasileira; cooperação técnica em agricultura.
Abstract: The emergence of south-south cooperation arises as a challenge in the analysis of
development from the established critical literature which understands development as a
discourse produced by the countries of the Global North for domination purposes. The
present paper aims to discuss in which way can south-south cooperation be understood by
this literature, using as a case study Brazilian technical cooperation in Africa in the
agriculture sector. In order to achieve its objective, the paper goes through the main
thoughts of the school that understands development as a discourse; confronts it to south-
south cooperation, on its fundamental principles; and to the case study chosen, represented
by four cooperation projects. This trajectory allows concluding that Brazilian cooperation,
and, by extension, south-south cooperation, are irreducible to the conclusions of the
presented literature, due to characteristics that make it markedly different from the 23
Graduando em Relações Internacionais no Centro Universitário de Curitiba (UniCuritiba).
263
provision of assistance by the North: the premises of historical linearity and depoliticization
are not ubiquitous and there is no project of governance. Even so, in the majority of Brazilian
projects many of the premises that ground traditional North-South relations, about which
the literature originally discusses, are identified; notably, in those dedicated to intensive
agriculture and executed under the leadership of Embrapa.
Keywords: development discourse; discourse analysis; south-south cooperation; Brazilian
technical cooperation; technical cooperation in agriculture.
1 INTRODUÇÃO
Na década de 1990 surge, nos estudos sobre o desenvolvimento, uma
corrente crítica que se distancia do dogmatismo da economia política em favor da
abordagem linguística. Essa corrente, fortemente associada à antropologia e aos estudos
pós-coloniais, entende que o desenvolvimento é, antes de tudo, um discurso, em sentido
foucaultiano: um conjunto de enunciados que visam representar a realidade a partir de
tecnologias de saber-poder.
Para essa escola, tal discurso, fundado na leitura de que todos os povos possuem
um objetivo histórico de atingir a modernidade em moldes ocidentais, tem por objetivo
legitimar e deslegitimar práticas de forma a governar a periferia mundial. Seu principal
propagador seriam as burocracias dos países do Norte Global e das agências multilaterais
sob seu domínio, por meio da chamada “assistência” ou “cooperação para o
desenvolvimento”.
O fim do século passado, porém, viu surgir um novo fenômeno no
desenvolvimento: a emergência de países do chamado Sul Global, considerados não
plenamente desenvolvidos, como China, Índia e Brasil, enquanto provedores de cooperação
para o desenvolvimento. Mais que uma mudança de provedores, a modalidade sustenta-se
sobre princípios que criticam o modelo tradicional de provisão do desenvolvimento,
propondo-se como alternativa. Essa alteração traz questionamentos sobre a pertinência da
consagrada literatura que entende o desenvolvimento enquanto discurso produzido pelo
Norte para fins de governança.
O objetivo do presente trabalho é discutir de que forma a cooperação sul-sul pode
ser entendida a partir da perspectiva crítica que entende o desenvolvimento como discurso,
tendo como foco a cooperação técnica Brasil-África em agricultura. Para tanto, o trabalho
percorre a literatura pertinente à tese do discurso do desenvolvimento, tanto em sua faceta
epistemológica quanto empírica. Esta é então confrontada com a cooperação sul-sul, a partir
de seus princípios fundamentais; e com o caso concreto escolhido, tendo como referência
quatro projetos de cooperação. A escolha dos projetos teve em conta a amplitude de seu
impacto e a diversidade de atores executores e consequentes orientações políticas.
A primeira seção do artigo aborda o desenvolvimento enquanto discurso; a
segunda, a cooperação sul-sul e reflexões sobre a mesma desde a literatura crítica abordada;
264
e a terceira, dividida em duas subseções, aborda primeiro a cooperação técnica Brasil-África
em agricultura em seus aspectos objetivos, e, depois, aplica o referencial teórico ao caso
apresentado.
2 O DESENVOLVIMENTO ENQUANTO DISCURSO
Desde os anos de 1950, emergem como campo das ciências sociais os estudos sobre
o desenvolvimento. Entendendo o desenvolvimento como “a intervenção organizada nos
negócios coletivos a partir de um padrão de busca por melhoramento” (PIETERSE, 2010, p. 3,
tradução nossa), o campo debate quais as intervenções apropriadas para tal fim. Esses
estudos têm, tradicionalmente, seus fundamentos e método na economia política.
A partir da década de 1990, no entanto, em um processo que Cesarino (2012, p. 6)
qualifica como uma “virada foucaultiana nos estudos do desenvolvimento”, cresce uma
corrente crítica, originária da antropologia, que analisa o desenvolvimento desde a análise
do discurso. Conforme essa escola, o desenvolvimento é, antes de tudo, um discurso,
devendo ser entendido e desconstruído como tal. A primeira obra de grande impacto desse
campo foi o Anti-Politics Machine, de Ferguson (1990). Seu expoente, no entanto, foi Arturo
Escobar (1995), cuja obra Encountering Development: the Making and Unmaking of the
Third World é, segundo Ziai (2015), de longe a mais citada obra dentre as análises discursivas
do desenvolvimento.
Para Escobar (1995), assim como para outros autores (SACHS, 1996; ESTEVA, 1996),
o desenvolvimento enquanto discurso surge em 1949, no discurso de posse de Truman,
presidente dos Estados Unidos. Isso se dá quando o presidente declara o Hemisfério Sul
como “áreas subdesenvolvidas”, usando o termo pela primeira vez em âmbito político.
Nesse momento, o Terceiro Mundo é inventado (ESCOBAR, 1995) e se provê a base cognitiva
para um novo modo de se fazer relações entre Norte e Sul (SACHS, 1996).
Conforme Esteva (1996, p. 36, tradução nossa), “em 20 de janeiro de 1949, dois
bilhões de pessoas tornaram-se subdesenvolvidas. Deixaram de ser o que eram, em toda sua
diversidade, e se converteram em um espelho invertido da realidade dos outros”. Sob essa
perspectiva, o desenvolvimento “não é uma relação técnica ou conflito de classes”, e sim
“uma percepção que molda a realidade”, tendo como função “permitir que qualquer
intervenção seja santificada em nome de um objetivo superior” (SACHS, 1996, p. 5-7,
tradução nossa).
Esse discurso é construído sobre “a ideia de que todos os povos do planeta estão
em direção a um mesmo caminho”, de forma que todas as demais experiências históricas
“não são vistas como modos diversos e incomparáveis de existência, mas sim em termos de
‘carência’” (SACHS, 1996, p. 8, tradução nossa). Assim, apropria-se de uma noção orgânica,
linear e teleológica da história associada à ascensão do ocidente, em que seu modelo de
organização social é elevado à condição de norma histórica (CRUSH, 1995).
Essa noção teleológica se encontra nas próprias origens do conceito. Para Esteva
(1996), o “desenvolvimento” descrevia, tradicionalmente, o processo de cumprimento das
265
potencialidades das plantas e animais, que cresciam à sua forma correta, sem
abnormalidades. A palavra é, aos fins do século XVIII, transferida à esfera social com os
teóricos da História Universal, que relacionavam as idades da vida a supostas etapas da
história social. O conceito recebe ímpeto político já no processo de colonização europeia,
mas é no pós-guerra de Truman que é ressignificado enquanto doutrina e projeto em escala
global.
Se o desenvolvimento é discurso, seu poder é exercido de forma textual. Tal
exercício se dá pela criação da distinção entre Primeiro e Terceiro Mundo através de um
aparato hierarquizado de produção do conhecimento, que, por técnicas de poder, pela
produção e circulação de conhecimento, mantém e reforça essa distinção (ESCOBAR, 1995).
Trata-se de um processo de criação, por operações discursivas, de um Outro como inverso
[backwardness] de um Si, em que os problemas são lidos como desvios da norma do Si
(Ocidental), que pode ser denominado “medicalização do olhar político” (Id., p. 30).
Os atores primeiros desse processo são as burocracias dos Estados e agências da
cooperação para o desenvolvimento. O poder é exercido na forma como o desenvolvimento
é escrito, narrado e dito, de forma a “construir o mundo como um terreno que requer
administração e intervenção”, objetivando “persuadir que é assim, e não de outra forma,
que o mundo é e deve ser administrado” (CRUSH, 1995, p. 3-5).
Isso se dá através de uma linguagem que retira os objetos de suas histórias e os
reinsere em tipologias que “definem a priori o que são, onde estão e para onde devem ir”
(Id., p. 8). Trata-se da “falsificação da realidade”, em que há a ocultação de sua
complexidade e sua substituição por um único fragmento, isolado, elevado a ponto de
referência (ESTEVA, 1996).
Dessa forma, como postula Crush (1995, p. 21), “o poder do desenvolvimento é o
poder de generalizar, homogeneizar e objetificar”. Poder que é capaz de “integrar,
administrar e controlar países e populações” (ESCOBAR, 1995, p. 25) e que cria um espaço
epistemológico que impede que alternativas sejam sequer imaginadas.[1]
Ziai (2015, p. 2) identifica como a principal crítica a esses estudos a perda de foco na
materialidade. Porém, se o discurso legitima certas intervenções e práticas (materiais)
enquanto exclui outras, trata-se de uma crítica inconsistente. Ademais, conforme Escobar
(1995), o desenvolvimento, embora se articule em torno de uma construção fictícia (o
subdesenvolvimento), assenta-se sobre certa materialidade (as condições que o
“caracterizam”). Há um relevante corpo bibliográfico que aplica essa perspectiva a estudos
empíricos.
A própria obra precursora do campo, de Ferguson (1990), fundamenta-se em uma
etnografia sobre um projeto de desenvolvimento comandado pelo Banco Mundial e pela
Agência Canadense de Desenvolvimento no Lesoto, na África. Entendendo que o discurso é
produzido pelo que chama “máquina do desenvolvimento” (Id., p. 28), representada pelas
burocracias dos países do Norte e das agências internacionais, o autor analisa a construção
discursiva do Lesoto, de seus problemas e quais as práticas decorrentes.
266
Ferguson (1990) conclui que a construção discursiva do país, produzido como
aborígene, agrícola e dotado de uma economia que responde a uma governamentalidade
que pode ser exercida de forma burocrática, se dá de forma a “maximizar o potencial da
máquina do desenvolvimento” (p. 71). Os agentes despolitizam a questão da pobreza,
traduzindo uma complexa rede de relações sócio-políticas em “questões técnicas”, que
merecem soluções técnicas, através do destaque de certos aspectos e apagamento de
outros (p. 88).
Outro eixo de análises empíricas refere-se aos trabalhos que analisam as
construções identitárias no desenvolvimento. Maria Eriksson Baaz (2005 apud ZIAI, S/D, p.
14), analisando a prática europeia na Tanzânia, descobre que os projetos de
desenvolvimento constroem a tipologia “os africanos”, associada à irracionalidade e a “uma
etapa diferente da ‘ilustração’ [enlightenment]”; um Outro em oposição a um Si
“esclarecido”.
Outra crítica identificada por Ziai (2015) é a de que a perspectiva discursiva
homogeneizaria um campo diverso de enunciados muito diferentes, já que embora os
autores entendam que haja variações no discurso do desenvolvimento ao longo do tempo,
defendem que essas não alteraram a sua formação discursiva (ESCOBAR, 1995; CRUSH,
1995).
Para Gasper (1996), no entanto, tal abordagem é problemática. Segundo o autor,
ainda que possa haver uma profunda continuidade no discurso do desenvolvimento, aqueles
autores “concedem a um tipo ideal de uma parte do discurso do desenvolvimento […] o
estatuto de descrição real do todo”, de que resulta uma “hiper-simplificação […] de campos
discursivos complexos” (p. 21). O autor usa como exemplo a ênfase no processo de
despolitização, que para ele não daria conta dos aspectos de condicionalidade dos direitos
humanos na cooperação contemporânea, ou dos discursos alternativos de ONGs em nível
local. Assim, para ele seria mais apropriado se falar, em vez, em discursos do
desenvolvimento.
3 A COOPERAÇÃO SUL-SUL: PERSPECTIVAS DESDE A ANÁLISE DO DISCURSO DO DISCURSO
Desde que Truman coloca a questão do desenvolvimento como responsabilidade
global, emerge uma burocracia dedicada a esse fim (BARBOSA, 2015). Em 1961 é fundada a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), reunindo os Estados
Unidos e países europeus. Essa instituição, por meio de seu órgão especializado, o Comitê de
Assistência ao Desenvolvimento (CAD), passa a definir o que é ou não assistência ao
desenvolvimento e a criar princípios e procedimentos para tais relações.
Nas décadas seguintes, toda matéria pertinente à promoção do desenvolvimento é
regulada pelo referido órgão, restrito aos “países desenvolvidos”, e fundamentado em uma
distinção estrita entre doadores e receptores (FEJERSKOV et al., 2016). É apenas
recentemente que países de fora da OCDE-CAD passam a impor-se como atores na
promoção do desenvolvimento, no fenômeno que passa a denominar-se cooperação sul-sul.
267
Segundo a UNDESA (2014), alguns dos fatores que explicam o fenômeno são o
aumento do comércio entre países do Sul e iniciativas das “potências emergentes” em se
impor na arquitetura de governança global. Quadir (2013) associa o fenômeno de forma
mais ampla a um declínio do poder relativo dos poderes ocidentais tradicionais.
Barbosa (2015) traça as origens da cooperação sul-sul à Conferência de Bandung de
1955, que reúne países asiáticos e africanos de forma a enfatizar a necessidade de
cooperação em áreas de interesses comuns. Essa ideia teria sido fortalecida pelo Movimento
dos Não Alinhados de 1961, que se opunha ao alinhamento automático às superpotências
da Guerra Fria, e pelo Grupo dos 77, em 1964, coalizão de países do Sul no âmbito da
regulação econômica multilateral. O Plano de Buenos Aires de 1978 marcou o
reconhecimento formal da modalidade. Finalmente, a ascensão das potências emergentes
consolidou a pauta. Todo esse processo estaria marcado pela noção de solidariedade entre
as nações do Sul Global.
A cooperação sul-sul dobrou entre 2006 e 2011 (UNDESA, 2014). Quadir (2013)
identifica que os países que mais se destacam são, de longe, China e Índia; seguidos por
Brasil, África do Sul e reinos do Golfo. O autor associa a emergência dos primeiros a um
recente vertiginoso crescimento econômico aliado a um desejo de colocar-se como
potência.
A substituição do termo “assistência” por “cooperação” para o desenvolvimento
bem indica a mudança pretendida pela modalidade.[2] Conforme Barbosa (2015), há uma
série de princípios que operacionalizam a ideia: solidariedade, horizontalidade, benefício
mútuo e não-interferência em assuntos domésticos. Esses países colocam que esses
princípios estariam ausentes na cooperação Norte-Sul, em que há a imposição de um
modelo de desenvolvimento concebido a priori pelos doadores e sem consideração dos
interesses da outra parte. Um exemplo seriam os projetos da OCDE dos anos 1990, que
focavam na boa governança, requerendo dos receptores uma série de reformas estruturais.
Dessa forma, a cooperação sul-sul constantemente enfatiza que seus projetos
respondem às demandas dos países requisitantes (demand-driven) e sem condicionalidades.
Por isso, tais projetos respeitariam as estratégias de desenvolvimento de cada país
envolvido, sem impor um modelo concebido em outra realidade (UNDESA, 2014).
Os princípios esposados pela cooperação sul-sul, se de fato aplicados, tornam
questionáveis algumas premissas da literatura consagrada do desenvolvimento como
discurso. A ênfase em projetos orientados pela demanda, em vez de problemáticas e
soluções construídas pelo doador, aliada à questão de não-interferência doméstica,
questiona a ideia de “produção” do desenvolvimento desde uma burocracia tida como
externa à realidade em que atua para fins de governança. Assim, não havendo uma
separação estrita entre aqueles que constroem o desenvolvimento e as intervenções
políticas que dele decorrem e aqueles que seriam seus objetos, o discurso do
desenvolvimento torna-se difuso.
268
Para Escobar (1995), porém, uma das características da “era do desenvolvimento” é
a de que o Sul, até então objeto do desenvolvimento, passa a ver e definir a si mesmo a
partir de sua constelação semântica, “internalizando” o discurso. Esteva (1995) defende que
seria impossível existir um “desenvolvimento endógeno”, posto que, se endógeno,
decorrente de sistemas de valores específicos, nada garante que haja um desenvolvimento.
Embora essas perspectivas sejam bastante acertadas, adotá-las integralmente, aqui,
implicaria considerar como iguais um processo em que determinado modelo é imposto e
outro em que a definição do desenvolvimento é protagonizada por países periféricos em
favor próprio.
Fejerskov et al. (2016) identificam duas abordagens centrais a respeito dos “novos
atores” do desenvolvimento. A primeira foca em seu potencial de mudança como alternativa
política à OCDE. A segunda, na dinâmica do desenvolvimento, que teria caráter
homogeneizador, restringindo os atores na medida em que ingressam no campo. Para eles,
uma posição intermediária seria o reconhecimento de um quadro complexo em que os
novos atores e a pressão sistêmica afetam-se mutuamente.
Quadir (2013) é um dos autores que destaca a mudança. Para ele um dos fatores
que a torna plausível é a emergência da China e da Índia como financiadores de peso, na
busca por reconhecimento como alternativas ao sistema financeiro dominado pelo
Ocidente. Esses países têm alocado um montante impressionante de recursos como
empréstimos concessionais[3] aos governos do Sul Global, cedidos de forma “menos
preocupadas com estruturantes econômicas e questões de política interna” (p. 12),
permitindo que os países construam políticas de desenvolvimento a partir de preocupações
nacionais.
Finalmente, é pertinente a crítica de Fejerskov et al. (2016) com relação à categoria
de “novos atores”. Para eles, esses países têm quadros institucionais diversos, decorrentes
de suas respectivas agendas de política doméstica, histórias organizacionais e culturas,
influenciando diretamente suas preferências e mecanismos de alocação. Assim, cada país
traz em sua atuação o histórico de um contexto particular de se lidar tanto com o manejo da
matéria internacional quanto do desenvolvimento. Por isso, é preciso evitar a generalização
de experiências da cooperação sul-sul; em vez, cabendo uma análise caso-a-caso.
4 A COOPERAÇÃO TÉCNICA BRASIL-ÁFRICA EM AGRICULTURA E O DISCURSO DO
DESENVOLVIMENTO
4.1 A cooperação técnica Brasil-África em agricultura: narrativa e prática
O Brasil insere-se nas discussões sobre cooperação sul-sul aos fins da década de
1970, na elaboração do Plano de Bueno Aires. A partir de então, torna-se ativo na pauta,
culminando com a criação da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) em 1987, de que o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento foi importante parceiro (CHEDIEK,
2017).
269
A ABC estabelece que o Brasil orienta-se pelo “desenvolvimento integral dos
parceiros […] crescimento sustentável […] inclusão social e respeito ao meio ambiente” (IPEA
& ABC, 2010, p. 34). Dentre as múltiplas modalidades de cooperação, no Brasil a que mais se
destaca é a cooperação técnica: “partilha de conhecimentos, técnicas e tecnologias testadas
e validadas dentro do Brasil e que são adaptadas para o país beneficiário” (CABRAL, S/D, p.
10).
No Governo Lula, o fenômeno ganha ímpeto inédito. Entre 2005 e 2009, o
montante de recursos destinado à cooperação técnica, científica e tecnológica mais que
triplicou (IPEA & ABC, 2010). No Governo Dilma, observa-se forte queda entre 2011 e 2012,
com retomada em 2013, mas que não chega mais ao ápice, atingido em 2010 (IPEA & ABC,
2016).
O avanço foi fortemente marcado por motivações políticas, como a busca por
oportunidades de investimento para a indústria nacional, a garantia de acesso a mercados
emergentes e a afirmação enquanto ator internacional. Ainda, a narrativa de solidariedade
inerente à cooperação sul-sul se aliou ao discurso de política externa de Lula e o
reconhecimento dos sucessos do país em questões sociais pelo Banco Mundial conferiu
legitimidade às suas iniciativas (CABREL et al., 2013; BARBOSA, 2015; CHEDIEK, 2017).
Barbosa (2015) identifica alguns enunciados que subjazem a narrativa da
cooperação brasileira: a exaustão dos modelos do Norte; a união do Sul por uma ordem
internacional mais justa; e o Brasil como um “amigo” que ajuda os demais. Por outro lado,
Cabral (S/D) chama a atenção para a ausência de orientações brasileiras específicas em
torno dos objetivos, prioridades e critérios de distribuição da cooperação.
Até 2013, último ano analisado pelo IPEA, ações de cooperação técnica haviam sido
implementadas em 128 países (IPEA & ABC, 2016). Geograficamente, a maior parte é
direcionada à África, seguida da América Latina e Caribe; destacam-se, especialmente, os
países de língua portuguesa, sobretudo Guiné Bissau, Moçambique e Angola (IPEA & ABC,
2010). Setorialmente, a área mais robusta é a agricultura, seguida por saúde e educação; na
agricultura, o maior alvo é Moçambique (BARBOSA, 2015).
Duas questões se sobressaem na cooperação brasileira em agricultura recente. A
primeira é a transição de um foco em “projetos pontuais” a “projetos estruturantes”, de
ação continuada visando à sustentabilidade institucional, incluindo, por exemplo, elaboração
de políticas públicas para o outro país (CABRAL, S/D, p. 15).
A segunda é a multiplicidade de atores envolvidos. Cabral (Id.) identifica a atuação
de mais de vinte instituições, das quais Milhorance (2013) destaca a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Ministério do Desenvolvimento
Social, o Ministério da Educação, universidades e movimentos sociais.[4]
Destaca-se sobremaneira a Embrapa, que entre 2011 e 2013 foi a instituição que
mais recebeu recursos para execução de cooperação, de todos os setores (IPEA & ABC,
2016). Entre 2006 e 2016, envolveu-se em cerca de 350 ações de cooperação técnica (LOPES,
270
2017). Apenas entre 2011 e 2013, a Embrapa atuou diretamente em 49 países (IPEA & ABC,
2016).
O resultado da execução de projetos por instituições tão diversas quanto o MAPA e
a Embrapa, associados à agroindústria do cultivo em larga escala, intensivo em capital e
voltado para o mercado internacional, e o MDA e os movimentos sociais, associados à
agricultura familiar, de subsistência e agroecologia, resulta, como se verá, em uma
cooperação multiforme. Para isso contribui a mencionada ausência de diretrizes
centralizadas e a fraqueza institucional da ABC, que, embora incumbida da coordenação, não
passa de um departamento do Ministério das Relações Exteriores (MRE), sem autonomia
financeira ou política.
Para Milhorance (2013, p. 11), o caráter multiforme dessa cooperação teria origem
no próprio modelo agrícola brasileiro, de “duas agriculturas”, em que coexistem “a
agricultura capitalista patronal e a pequena produção de subsistência de caráter camponês”,
ambas legitimadas por políticas públicas de apoio estatal.
Para a parte final da consecução do objetivo deste artigo, foram escolhidos quatro
projetos concernentes ao tema, descritos na sequência. Sua escolha justifica-se pela
amplitude do seu impacto e diversidade das suas orientações políticas, conforme os atores
executores. No ponto seguinte (4.2) o referencial teórico será discutido no âmbito dos
projetos apresentados.
O Cotton-4 é considerado um dos casos de maior sucesso da cooperação brasileira
(LOPES, 2017). O projeto, sob liderança da Embrapa, deu-se entre 2009 e 2013 tendo como
objetos Benin, Burkina Faso, Chade e Mali. Objetivou a revitalização da cadeia produtiva do
algodão nesses países, de forma a incrementar a produtividade, cuja fraqueza resultaria do
uso de “técnicas agrícolas tradicionais”. Para tanto, os métodos foram a introdução do
melhoramento genético, do manejo integrado de pragas e do sistema plantio direto.
O segundo projeto também de liderança da Embrapa é o Prosavana, que tem por
alvo Moçambique e envolve também o Japão, buscando “melhorar e modernizar a
agricultura para aumentar a produtividade” (BARBOSA, 2015, p. 43). Prevê o fortalecimento
dos direitos individuais sobre a terra, o avanço tecnológico, o uso de sementes de qualidade
e fertilizantes químicos e um sistema de informação mercadológica.
O projeto visa facilitar a agricultura intensiva, atraindo investidores estrangeiros por
meio do Fundo de Nacala e prevendo a incorporação dos agricultores de subsistência da
densamente povoada região-alvo em Moçambique a um sistema de agricultura por contrato
(Id.). Iniciado em 2011, ainda se encontra em implementação.
De forma contrastante, o Programa de Aquisição de Alimentos África (PAA) visa
fortalecer a agricultura familiar e o consumo de alimentos, sobretudo em escolas,
produzidos localmente (MILHORANCE, 2013). Tem por objetos Etiópia, Malaui,
Moçambique, Níger e Senegal, sendo implementado desde 2012 (ONU BRASIL, 2017).
Em 2011, iniciou-se um projeto na África do Sul e Moçambique da ABC em parceria
com o Movimento Popular Camponês e o Mulheres Camponesas do Brasil. Visa à
271
recuperação e uso de sementes nativas para produção em sistemas agroecológicos. O último
registro da implementação data de 2013 (SECRETARIA DE GOVERNO, 2013).
A despeito da distribuição aqui feita, há que se ter claro que o número de iniciativas
em agricultura familiar é extremamente baixo em comparação às de agricultura intensiva,
conforme atesta a predominância da Embrapa na execução da cooperação.
4.2 A cooperação Brasil-África em agricultura e o discurso do desenvolvimento
Como visto, uma das características do discurso do desenvolvimento é a
“tecnificação” das questões político-sociais. Embora a priori uma cooperação técnica pareça
indicativa desse processo, sustentaremos que ele não é ubíquo. Assim, a “técnica” a que
reporta o título da cooperação brasileira não é igual ao conceito teórico da técnica enquanto
oposto do político.
Há dois estudos que aplicam a literatura do discurso do desenvolvimento à
cooperação técnica brasileira. Cesarino (2012), partindo dos estudos de Ferguson (1995),
conclui por sua inaplicabilidade ao caso brasileiro. Para a autora, o referido estudo, que
parte da cooperação Norte-Sul, trata do nível da policy, o “aparato institucional do
desenvolvimento” (2012, p. 8), que, lá, se sobrepõe aos níveis de princípios e prática
operacional.
Dessa forma, na cooperação provida pelo Norte, há um aparato burocrático de
cooperação para o desenvolvimento “depois de décadas de operação, auto-referido”
(CESARINO, 2012, p. 12), que opera em lógica própria. Essa hegemonia de uma “burocracia
autônoma” não existiria no Brasil, em que há um “raquitismo” da policy, que não é
autônoma ou profissionalizada. Assim, a cooperação se dá numa “dinâmica de interação
entre princípios, policy e prática operacional” (Id., p. 10).
Já Barbosa (2015), após trabalho etnográfico em Moçambique, defende que as
conclusões apresentadas tanto por Escobar (1995), sobre o saber-poder do
desenvolvimento, quanto por Ferguson (1990), sobre sua operacionalidade nos projetos
Norte-Sul, são identificáveis no Prosavana. A análise dos demais projetos a partir do
referencial teórico abordado pode melhor esclarecer as diferentes conclusões do autor e de
Cesarino (2012).
Conforme visto, o discurso do desenvolvimento baseia-se numa leitura de que todo
o mundo estaria em uma mesma linha histórica, que vai do tradicional ao moderno e sendo
o avanço natural e desejável. Em razão disso, os povos são usurpados de sua
heterogeneidade cultural e definidos em termos de carência de desenvolvimento.
Barbosa (2015) comprova a presença dessa narrativa no Prosavana. O autor
demonstra a forma como Moçambique é retratado em termos de “inverso” (p. 65), sendo
mesmo definido a partir de seu “atraso agrícola com relação ao Brasil” (p. 45). O projeto
justifica-se pela “necessidade de modernização”. O mesmo ocorre no Cotton-4, uma vez que
propõe reformar um sistema cuja fraqueza residiria nas “técnicas tradicionais”.
272
No entanto, seria um equívoco afirmar que a mesma narrativa encontra-se presente
nos projetos do PAA e das sementes. Pode-se mesmo argumentar que estes partem de uma
premissa anti-modernista, quando contrários à introdução de certas tecnologias e na defesa
na produção e consumo comunitários. Diferente do Prosavana e do Cotton-4, as
comunidades-alvo não são retratadas em termos de “carência” tecnológica e de
produtividade, mas sim de busca por autossuficiência. E para Esteva (1996), por exemplo, o
fortalecimento local-comunitário é o principal antídoto à máquina desenvolvimentista.
Assim, a penetração do discurso do desenvolvimento unilinear, se é que sequer
existe no segundo caso, se dá de forma incomparável. E mesmo no primeiro caso, parece
inapropriado falar em governança com que o discurso justifica intervencionismos. Inexistem
nesses projetos condicionalidades estruturais, como a reestruturação administrativa.
Há que se notar que o Cotton-4 surge a partir de uma reclamação desses países na
Organização Mundial do Comércio; e a própria Embrapa recebe solicitações diretas de
governos nacionais (LOPES, 2017). Decorre que, mesmo nesses projetos, são muitos os casos
que resultam de uma genuína exigência local; e não exógena. Nesse contexto, tratar da
“internalização” (ESCOBAR, 1995) do discurso desde um anti-modernismo excessivo que
trate da demanda desses países como ilegítima por ser o discurso do desenvolvimento
construído no Norte, seria incorrer no neocolonialismo que a crítica visa combater.
Outro premissa do discurso do desenvolvimento é a despolitização: a criação de
problemas técnicos para os quais há soluções técnicas. Barbosa (2015) demonstra que essa é
uma das premissas do Prosavana, sustentado sobre a narrativa de que a desnutrição e a
pobreza são resultados da ineficiência agrícola resumida à ausência de tecnologia[5]. O
mesmo se aplica ao Cotton-4, cuja solução às mazelas dos países são tecnológicas. Os
problemas são recortados de seus âmbitos político-sociais e movidos para o âmbito
supostamente neutro da ciência.
Uma questão que se destaca no caso brasileiro é que diferente de uma burocracia
que construa soluções, tem-se a “exportação” de soluções, programas implementados
internamente. Isso não invalida, porém, seu caráter despolitizante: não apenas os problemas
são tecnificados, há ainda uma deslocalização das políticas públicas brasileiras de seus
contextos sociais, culturais e políticos originais (MILHORANCE, 2013).
Nos projetos agroecológicos, no entanto, parece novamente um equívoco afirmar
que existe tal premissa. Não há que falar em “despolitização” em um projeto que estimule
uma cadeia de autossuficiência em que a pequena produção familiar abasteça as escolas
locais, sem abordagens tecnológicas. Também aqui as narrativas e práticas que permeiam o
PAA e o projeto de sementes destoam daquelas que justificam o Prosavana e o Cotton+4.
Assim, a análise dos casos selecionados a partir dos fundamentos teóricos
apresentados leva a algumas constatações. Primeiro, como atesta a divergência dos
projetos, há que se concordar com Cesarino (2012) que a cooperação brasileira não pode ser
igualada àquela provida pelo Norte, por ser sua prática fortemente influenciada por visões
de mundo de atores múltiplos e conflitantes, ausente uma burocracia auto-referida.
273
Não obstante, isso não quer dizer que na cooperação brasileira não sejam repetidos
alguns padrões levantados pela corrente crítica. Estes são observados em dois dos projetos
levantados. Uma hipótese seria a de que a Embrapa, condutora daqueles, enquanto
entidade mais robusta e experiente da cooperação brasileira, tenha desenvolvido um modus
operandi próprio de cooperação que se assemelha ao das agências do Norte. Posto que a
maioria dos projetos brasileiros são conduzidos pela instituição, pode-se afirmar que
também a grande parte da cooperação brasileira encaixa-se parcialmente na crítica
apresentada.
Uma questões que destoa é o caráter de “governança” pela intervenção justificada
pelo desenvolvimento, uma vez que, além da inexistência de condicionalidades, mesmo nos
projetos da Embrapa há um componente de demanda em que, ainda que despolitizante, o
ímpeto é genuíno nos países receptores. Naturalmente, isso não quer dizer que tal caráter
inexista nas relações Norte-Sul a que se refere originalmente a literatura.
Por fim, a existência de projetos alternativos, menos associáveis ao discurso do
desenvolvimento, ainda que minoritários, demonstra, para além do que a cooperação sul-sul
é, também seu potencial, enquanto provedora de uma cooperação que não objetifique seus
alvos em uma linearidade entre o “atrasado” e o “avançado”, que reconheça as
particularidades e inspirações socioculturais dos diferentes povos e que não perpetue as
estruturas internas de dominação pelo congelamento das mazelas sociais em esferas
“técnicas”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crescente espaço ocupado pelos países do Sul na cooperação para o
desenvolvimento motivou uma reflexão que visou compreender de que forma esse
fenômeno pode ser entendido a partir da crítica teórica que identifica o desenvolvimento
como discurso construído pelo Norte para fins de governança, utilizando como lastro a
cooperação técnica Brasil-África em agricultura. Animada por este objetivo, foi percorrida a
literatura pertinente ao discurso do desenvolvimento e confrontada com a cooperação sul-
sul como um todo e com o caso concreto brasileiro, representado por quatro projetos de
cooperação e tendo a análise como eixos norteadores as noções de linearidade histórica,
governança e despolitização.
Concluiu-se que se os princípios esboçados pela narrativa da cooperação sul-sul
forem aplicados, sobretudo os da orientação pela demanda e da não-interferência em
assuntos domésticos, o fenômeno destoa das conclusões da literatura consagrada em
análise de discurso. Isso pois, de forma geral, apagam a separação entre aqueles que
constroem o discurso e intervenções decorrentes e aqueles que seriam seu objeto. No
entanto, há que se questionar até que ponto tais princípios são de fato aplicados nas
práticas concretas.
274
No recorte escolhido, foi possível concluir que há práticas conflitantes. Dos projetos
analisados, nem todos são passíveis da referida crítica, na medida em que há casos em que
as premissas da linearidade histórica e da despolitização não estão presentes. Mais ainda,
mesmo nos em que estão, é questionável se falar em governança, posto que há
genuinamente um caráter de demanda e aplicação da não-interferência.
Não obstante, alguns dos projetos, nomeadamente os de liderança da Embrapa,
reproduzem alguns dos padrões da cooperação tradicional sobre a que se debruça a
literatura referenciada. Se, por um lado, projetos desse caráter são predominantes no leque
da cooperação brasileira, a existência de alternativas demonstra que a integridade da
cooperação brasileira não pode ser reduzida à crítica, e, por extensão, nem a integridade da
cooperação sul-sul.
Por fim, abre-se uma série de possibilidades de investigação que lancem maior luz
ao tema. Primeiro, é cabível maior atenção a projetos como o PAA, sobre os quais não há
etnografias ou pesquisas empíricas. Segundo, sobre a possibilidade de extensão dessas
conclusões aos demais líderes do Sul, sobretudo China e Índia. Terceiro, sobre a forma com
que os países do Norte têm reagido a tais inovações desde o Sul. Finalmente, sobre a forma
com que se pode potencializar as possibilidades emancipadoras da cooperação sul-sul,
rompendo com as amarras de poder com que lida a literatura do discurso do
desenvolvimento.
NOTAS DE FIM
[1] Neste ponto, é interessante apresentar a crítica colocada por Escobar (1995) aos teóricos
da dependência, que, para ele, operam desde o mesmo espaço discursivo do
desenvolvimento, acatando de forma acrítica um discurso construído pelo Norte e
reforçando o sistema de poder que acaba por subjugar a periferia.
[2] Barbosa (2015) destaca que cada vez mais os países do Norte tem aderido à linguagem
do Sul, abandonando o termo “assistência” ou “ajuda” [aid] em nome da “cooperação”, de
forma que, hoje, a literatura refere-se tanto às relações tradicionais quanto às sul-sul como
cooperação para o desenvolvimento.
[3] Empréstimos concessionais são, conforme IPEA & ABC (2016, p. 162), os que “têm
condições muito mais favoráveis que aquelas dos empréstimos em termos ordinários […]
apresentam taxas de juros substancialmente baixas, e, em alguns casos, estão isentos de
juros, além de os prazos para amortização serem notadamente longos”.
[4] Não há estatísticas sobre a cooperação desde a chegada de Michel Temer à presidência.
No entanto, algumas alterações nos atores são observáveis. O MDA foi extinto em 2016,
passando suas competências a se concentrar em uma Secretaria da Casa Civil. Somado à
reorientação na Secretaria-Geral da Presidência, protagonista no diálogo com a sociedade
civil, esse fato deve indicar novas tendências à cooperação em agricultura.
[5] Note-se que a sociedade civil moçambicana questiona que o problema da fome possa ser
resolvido por um projeto de produtividade; argumentando mesmo que, ao instituir a grande
275
propriedade intensiva em capital, com foco na exportação, piore a questão da segurança
alimentar, instituindo a dependência ao mercado internacional e assimetria das relações
investidor internacional-trabalhador rural (BARBOSA, 2015, p. 57-8)
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Thiago Pinto. Brazil’s south-south cooperation and development: the case of a
rural development programme in Mozambique. 2015. 86 pp. Dissertação (Master of Arts em
Relações Internacionais) – University of Potsdam, Free University of Berlin e Humboldt-
University of Berlin, Berlim, 2015. Disponível em:
<http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/wp-content/uploads/2016/01/Thiago-Pinto-
Barbosa-MA-thesis-Anonymisierte-Version.pdf>. Último acesso em: 19 nov2017.
CABRAL, Lídia. Cooperação Brasil-África para o desenvolvimento: caracterização, tendências
e desafios. Textos Cindes, n. 26. S/D. Disponível em:
<http://www10.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2012/09904.pdf>. Último acesso em: 04 Nov 2017
_________; SHANKLAND, Alex; FAVARETO, Arilson; VAZ, Alcides Costa. Brazil-Africa
Agricultural Cooperation Encounters: Drivers, Narratives and Imaginaries of Africa and
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