Corsários e piratas: um vector da expansão marítima de ... - Carmo Serén.pdf · 2...
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Corsrios e piratas: um vector da expanso martima de quatrocentos
Maria do Carmo Sern 1. Referncias
Nos primeiros anos da Peregrinao, quando Ferno Mendes Pinto presta servio ao
governador de Malaca Ferno Pinto, vemos surgir a aventura de um outro capito, Antnio
Pinto que, roubado na fazenda com que ia traficar, rapidamente se transforma em pirata,
absorvendo com toda a facilidade as armadilhas, roubo e assassnio que faziam o dia a dia do
ndico.
Neste Oceano e, brevemente, no Pacfico, era como ladres e piratas que os portugueses eram
entendidos; Mendes Pinto ouviu-o muitas vezes, nomeadamente quando andava no mar. E
com a naturalidade do hbito que apoia as solues de pirataria como complemento do domnio
portugus ou de cada um, num espao onde apenas a extrema dureza permite a sobrevivncia.
A conquista de um espao martimo, que os portugueses ensaiam decisivamente no sculo XIII,
fazia-se, naturalmente, a cargo de indivduos e instituies de suporte, Na sociedade regulada
pelos direitos feudais e/ou senhoriais, apesar do peso que na Pennsula o poder real tinha obtido
na Reconquista, muitos filhos segundos e terceiros, na quint ou no casal, no senhorio ou no
concelho, ficavam fora do sistema. E, se nem todas as ambies eram consentidas pela tradio,
a iniciativa pessoal era tambm e necessariamente, a regra. Viver de justas e torneios, ser
almocreve ou cabaneiro fazem parte destas solues de excepo que a sociedade permite. A
cabotagem foi um complemento que rapidamente surgiu para uma troca que tambm pagava
direitos; a navegao comercial, nomeadamente a partir dos portos de Porto, de Cister, no Lis,
Lisboa, Lagos, Faro e Tavira desenvolve-se atravs de responsabilidades pessoais, bolsas e
apoios que o rei consente e onde, raramente se insere. Mas a lei da Almotaaria de Afonso III, de
1253, no apenas mostra o interesse no comrcio do poder real, como sobressai a tentativa j
muito clara de encaminhar esse comrcio para uma via martima, onde o reino surge como
intermedirio entre as Rotas, (povoaes muulmanas) do sul de Espanha e Norte de frica e
o resto da Europa.
A Guerra dos Cem Anos um factor de desequilbrio do comrcio; sabe-se como D. Dinis, j
possuidor de uma forte armada de gals, organizada pelos genoveses de Pessanha, teria dado
apoio martimo ao Prncipe Negro e, como, j no sculo XIV, frequentando as naus e fustas
portuguesas tanto o Mediterrneo como o Mar do Norte, na perturbao da guerra, Afonso IV
apoia o projecto genovs de conquista das Canrias, orientado acima de tudo para a captura de
escravos ilhus para a produo do acar do Mediterrneo que, de resto, muito provavelmente,
j se ir produzir no Algarve no sculo XV.
Nos projectos martimos genoveses a captura de escravos o que hoje consideramos uma sada
da Crise, tanto econmica como demogrfica. O conhecido mapa catalo, inserindo, com ntida
insuficincia de localizao os arquiplagos da Madeira (Leamo) e Aores, (Azores),
demonstram que as ilhas atlnticas teriam sido avistadas e serviriam mesmo, eventualmente, de
local de paragem e abastecimento de gua. Vitorino Magalhes Godinho em A economia dos
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Descobrimentos Henriquinos admite que Porto Santo e os Aores poderiam ter-se tornado
escala de piratas e corsrios. Refere ainda, que casas senhoriais e cavaleiros, uns e outros
buscam enriquecer pelo corso e pelo roubo, (pgina 80), porque o roubo e o corso so
preferveis pelo cavaleiro para aumentar a sua casa do que a compra ou o simples
acrescentamento, (pgina 104).
Era assim que o mar se entendia, rodeando um bloco de terras centrais, (Europa, sia e frica
at o limite conhecido raiando o equador), semeado de ilhas, como os mapas de Ptolomeu
recuperados pelos rabes mostravam e como corria na imaginao que criara os mapa em T,
com centro no Mediterrneo, evocando a Cidade de Deus, onde no faltava a linha do den a
Jerusalm; at finais do sculo XV um mar de costas, um mar de comrcio e um mar de corso.
Por vezes, o barco, (Fonseca, 2005) tanto mercante como pirata, conforme a poca do ano.
() Assim, conclui Ado da Fonseca, o grande mrito do Infante D. Henrique ter sido de dar
expresso poltica nacional a uma prtica martima j existente, (p. 96).
O corsrio conhece e domina as rotas que os navios percorrem e tem ainda necessidade se
conhecer refgios que outros desconhecem, mantendo-os secretos. E, com isso, ganha
experincia militar, de surpresa e de fuga que, neste novo meio, o martimo, tambm
experincia nutica. Acoitando-se no mar alto, saber da necessidade de mapas que indiquem a
latitude, que se ir determinar com o uso de tbuas de declinao solar, mas que se vai
conhecendo emprica e naturalmente, ensaiando ou anotando. A pirataria e o corso exigem
instrumentos de numerao e de medida, j que a partilha se faz internamente. Parece claro que
esta experincia de corso ou simples pirataria que proporciona um primeiro conhecimento
aprofundado do mar, das distncias, das correntes, da posio do Sol e das estrelas, que surgem
mais altas ou mais baixas no horizonte, conforme os lugares so mais a norte ou mais a sul no
Atlntico.
Ora o corso torna-se uma constante com o desenvolvimento do comrcio martimo em tempo de
guerra ou conflitos. Sempre houve pirataria no Mediterrneo e no norte atlntico. No estreito de
Gibraltar torna-se intenso com o desenvolvimento da captura de escravos e o comrcio
martimo de longo trato. H um grande entreposto de escravos, fundamentalmente negros e
marroquinos em Valncia, tal como havia um entreposto de escravos brancos em Kiev, o que
justificou o uso da palavra eslavo que se tornou escravo. A, cristos e muulmanos, ainda antes
dos turcos dominarem o Mediterrneo oriental perseguem-se mutuamente em guerra de corso.
Desde 1410 h cada vez mais corsrios portugueses a perseguirem barcos dos mouros de Fez e
de Granada. Os primeiros navegadores henriquinos no fazem mais do que alargar o espao do
Estreito at o Atlntico; a costa ocidental africana representava o domnio de um espao onde
circulavam os navios espanhis de regresso, com escravos das Canrias, de novo em parte
ocupadas no incio do sculo XV. A partir de ento o corso e a pirataria valem mais do que o
comrcio. So navios de particulares nobres e, por vezes, da burguesia. Para a nobreza trata-se
de um meio militar de enfrentar a crise. E a a historiografia da poca tem razo, (apesar do
panegrico a D. Henrique e retirando mritos a D. Pedro), um dos motivos da conquista de
Ceuta, (que poderia, de resto, ter sido Granada), a luta de corso contra os piratas do norte de
Africa e granadinos que assaltavam as costas alentejanas e algarvias. Os dois filhos de D. Joo I,
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D. Henrique e D. Pedro tiveram empresas de corso. D. Henrique tornar-se-ia o concessionrio
de todo o comrcio na costa africana e ilhas, organizando a as operaes de corso. O rei, de
resto, tambm tinha os seus corsrios dEl Rei. Havia mesmo, como em Gnova, empresas de
corso, de cavaleiros e burgueses.
At 1443, quem quisesse podia empreender viagens de pirataria ou corso e de explorao
geogrfica a Marrocos ou costa africana do Atlntico. O Estado, para todos eles cobrava a
percentagem do corso, (um quinto das mercadorias), mas o rei ficava ainda com a moeda e
armas apreendidas. Mercadores, cavaleiros e escudeiros praticavam-no particularmente e os
grandes senhores investiam capitais nas expedies de corso, como os filhos do rei ou a prpria
Coroa. Em 1433 D. Pedro e D. Henrique conseguem o favor rgio de ficar isentos de pagamento
ao Estado do quinto do corso, (mas no do quinto do comrcio). O quinto da pirataria torna-se
to vulgar que regular as percentagens atribudas durante todo o curso das Descobertas e
ocupao ultramarina.
Em 1443 D. Henrique consegue o controlo sobre todas as viagens das Canrias e ao sul do
Bojador e recebe um quarto (e no um quinto) das viagens de comrcio, descoberta e corso.
Controlo que em parte fico, porque o corso particular portugus, castelhano e genovs
continua a efectuar-se, pois s um tero das chamadas viagens de descoberta pertencem
directamente ao infante; este tipo de viagem acabou por ser a forma de oficializar as
descobertas, quando se verifica que o Infante fornece navios e compensaes de tipo econmico
e social, com lugares na Casa do Infante, enobrecimento e postos na administrao do Estado. O
Infante, como concessionrio oficial, apropria-se dos sucessos, quase sempre fazendo o
descobridor cavaleiro ou escudeiro da sua casa ducal ou da Ordem de Cristo que administra.
Esta pluralidade de iniciativas, suas ou alheias prolongam-se at sua morte em 1460. Depois
da morte do Infante, (1460 ou 1462). o rei passa a enviar uma caravela a fiscalizar o comrcio e
evitar o contrabando. H agora uma maior disciplina, interditos, regras e regimentos; a Coroa
administrava directamente o comrcio centrado em Arguim, anteriormente cedido ao Infante.
As casas senhoriais que j usufruem de dependentes para as tripulaes e as ordens militares,
como Avis, Santiago ou Ordem de Cristo, porque verdadeiras milcias do reino, so
precisamente as que melhor podem armar navios e participar em sociedades de corso e de
descoberta. O Infante, como concessionrio, aceitava as suas iniciativas, recebendo o seu quinto
ou quarto, mas a organizao e a rota eram praticamente livres.
Assim, o corso e a pirataria so um recurso muito comum, no apenas no Mediterrneo e no
estreito de Gibraltar, mas tambm no Atlntico. Sabe-se o caso daquela caravela pirata de
Ferno Coutinho que levado Casa da Cmara do Porto, em 1410, (data anterior mudana da
Era). O mestre da caravela, Pro Afonso, fora preso por pirataria na costa irlandesa, tendo o seu
navio embargado. Era acusado de diversos malefcios como o da sua tripulao ter raptado uma
mulher casada e outras mulheres e de se ter apropriado de panos de Irlanda, desaparelhado um
navio e maltratado a sua tripulao. Ferno Coutinho, bem conhecido da Cmara por outras
questes, nomeadamente por teimar em construir casa nos arrabaldes, fundaria o convento de
Monchique e pertencia famlia do marechal que iria morrer em Tnger.
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Crescentemente a iniciativa do Estado ir sobrepor-se s vrias liberdades. So criadas armadas
de costa para patrulhamento do estreito. J em 1441 Fernando de Castro, (da Covilh, um dos
descendentes de D. Ins) e amigo do Infante, morre, ao largo de S. Vicente, em luta naval contra
corsrios genoveses. Teixeira da Mota faz uma ligao consistente sobre a relao indita que se
d entre a cincia nutica que de emprica passa a terica com matemticos, gegrafos e
astrnomos. No s a adopo da caravela para o Atlntico parece resultar destas experincias
corsrias, como as solues para traar percursos no alto mar (o conhecimento de ilhas de
arribao, dos alseos, que obrigam a desvios largos da costa; quando h ventos alisados de
quadrante oeste
possvel regressar Europa, vindo da costa africana. Ento as viagens seguem para Noroeste
ganhando latitude at apanharem os ventos do leste e com eles que se regressa. No caminho
deste percurso ficam os Aores, que bem se conhecem antes de se tentar dobrar o Cabo Bojador.
S uma forma emprica teria permitido saber dos alseos, regime de ventos e de correntes, forma
mais natural em viagens de corso procura de bases permanentes, mas secretas. o algarvio
Diogo de Silves que chega oficialmente aos Aores e a tambm explora as pescarias, o que nos
diz do recurso a viagens de corso e pirataria como alternativa em tempo de esgotamento de
recursos.
Os mapas portugueses vo anotar estas alteraes tcnica do Mediterrneo, que j usa a
bssola sobre a rosa dos ventos desenhada sobre um crculo que representa o horizonte,
acrescentando a navegao pelo Sol e, mais tarde, pelo Cruzeiro do Sul e outros astros, da
navegao pela Estrela Polar. Usa-se naturalmente o j muito conhecido astrolbio para medir a
altura do Sol, mas os portugueses vo esvazi-lo, deixando apenas o limbo graduado, o anel
suspenso e a base parada. Bastava para pesar o Sol: at a expresso nutica tem cunho
emprico. O contexto pois de ensaios e erros, bem adaptado aos navios corsrios que tambm
podem ser navios de comrcio e, quando os benefcios so tentadores, de descobrimento.
Avanam no mar alto porque necessrio e os pilotos fazem navegao de conhecimento
acumulado. H, obviamente caravelas e barcas fornecidas de bons tcnicos, nomeadamente
quando pertencem a sociedades corsrias de grandes senhores, como as do Infante D. Pedro e,
mais tarde, a grandes armadores de navios que tm monoplio de corso como D. lvaro de
Castro, o Conde de Monsanto, o duque de Bragana, ou o bispo de Silves, (que tratou da
organizao e apetrechamento da cruzada contra os turcos com o Papa e que mudando o papa e
as intenes da Santa S, foi aproveitada para conquistas no Norte de frica); ou ainda
armadores e presidentes de sociedades como D. Fernando, irmo de Afonso V, afilhado e
herdeiro de D. Henrique. Com esta duplicidade de interesses, os navios corsrios podiam anexar
especialistas de cincia nutica e mesmo cientistas. De resto Ceuta tornara-se uma base naval do
corso portugus para intercepo do trfego comercial muulmano
O recrutamento de marinheiros especializados, dos capites, pilotos e das tropas, (com D. Joo
II os navios j esto artilhados e transportam bombardeiros), faz-se, antes de tudo, nas milcias
das ordens de Cristo e Santiago. A Ordem de Cristo dispunha de grandes capitais, mas no tanto
como os que a Ordem de Santiago conseguir na administrao de D. Fernando, j enriquecida e
protegida com a administrao anterior do prprio rei. Mas logo aps a conquista de Ceuta, o
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Infante D. Henrique possua uma armada corsria com a qual os capites de Ceuta faziam
incurses diversas, atacando navios muulmanos, nomeadamente de Fez. Na Crnica de Zurara
sobre o Conde D. Pedro de Meneses l-se como Gonalo Velho filhou um carraco carregado
de trigo; como sada de Larache os portugueses filharam um caravo com loua de Mlaga, uma
fusta, 2 caracas que vinham de Tnger, um barinel que levava trigo para Granada, um caravo
com cavalos, manteiga e mel para Gibraltar. Nos dois volumes da obra sucedem-se os captulos
que incluem referncias a uma actividade sistemtica, muita dela por iniciativa dos mais
destemidos, revelando que os portugueses praticavam mais pirataria e corso navegao
comercial do que actividades militares; Ceuta tornara-se a base naval dessa iniciativa
portuguesa. So fundamentalmente homens das milcias Diogo Co, da ordem de Santiago, -
distinguira-se no cerco da Guin pelos espanhis que vinham buscar ouro e escravos;
Bartolomeu Perestrelo, de origem italiana, que era fidalgo da casa do Infante D. Joo,
administrador da Ordem de Santiago. Vaz Teixeira tinha um genro genovs, Micer Joo, que
explorava a cana de acar do Algarve em nome do rei. Tudo se ligava, a realeza, os servios dos
Infantes, as milcias das Ordens, o corso nacional e mediterrnico, mercadores e espies de
Veneza e de Gnova e os interesses das grandes casas nacionais.
So homens da ordem de Santiago Guterres Coutinho, filho do marechal Ferno Coutinho, (que
ser implicado na conspirao contra o rei) e tambm Pedro de Albuquerque, Estvo da Gama,
(pai), Diogo Fernandes de Almeida, Joo de Sousa ou Gaspar de Juzarte.
Quando D. Joo, ainda prncipe, dirige as viagens na costa africana, j nomeara pilotos como
Joo Santiago, que seria piloto de Diogo Co ou Bartolomeu Dias, oferecendo-lhes o quinto para
as presas a tomar. Bartolomeu Dias navegara por conta de mercadores italianos em barcos
corsrios, o que explica a sua tenacidade com a tripulao na sua passagem do Cabo. Ferno
Gonalves, chefe de caravela do Infante D. Fernando, em luta corsria, capturara em 1459 um
navio italiano ao largo de Pisa.
D. Fernando fora feito administrador da ordem de Santiago com 11 anos e a Ordem de Cristo a
partir de 1461. Esta Ordem tem a principal milcia portuguesa e uma escola de guerra. Liga-se
aos Cunhas, (Nuno da Cunha e Tristo da Cunha) e a ela pertencem os trs irmos Faria, de
vora, (Garcia, Loureno e Anto), que o rei protege, D. Pedro de Noronha, D. Duarte de
Meneses, Ferno de Mascarenhas, capito da Guarda pessoal de D. Joo II ou Afonso de
Albuquerque. atravs da Ordem que as famlias proscritas com D. Joo I recuperam o seu
lugar social. D. Fernando era ainda o maior armador de barcos corsrios portugueses no
Mediterrneo e tinha relaes de amizade com muitos chefes corsrios, mesmo estrangeiros,
como se prova, quando da sua viagem rebelde a Ceuta, o seu acolhimento no navio do corsrio
Peroso.
As Ordens manifestam-se como um dos mais fortes elementos do senhorealismo que se reanima
e agita, j que s grandes famlias ducais da Casa Real, Viseu e Coimbra, a Coroa acrescenta o
ducado de Bragana. D. Joo II compreendeu-o bem e evitou que o cargo de administrao das
ordens ficasse fora dos filhos do rei e mantendo-a na sua mo. Evitaria mesmo passar as Ordens
para o seu filho Afonso, mesmo aps o casamento. Situao que os reis que lhe seguem iro
manter.
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Quer a realeza, quer as Ordens chamam a si corsrios particulares, introduzindo-os nas suas
organizaes e sociedades. Joo Gonalves Zarco, de Azurara, Vila do Conde, onde havia
estaleiros que, tal como em Matosinhos e Porto, produziam caravelas, acabar na Casa do
Infante D. Henrique. Entretanto casara com a filha de Rodrigues de S, que D. Joo I fizera
donatrio de Matosinhos, aps a sua participao valente no Cerco de Lisboa, para onde levara
os seus navios. D. Henrique, depois de ceder a Zarco um navio, assegura-lhe um ttulo de
nobreza e oferece-lhe a donataria de Porto Santo e de parte da Madeira. No h fonte que
assegure haver um servio de descobrimento (ou ocupao) dos Aores e da Madeira, que bem
se conheciam, embora D. Henrique inclua as ilhas nas terras a cristianizar, quando relata ao
Papado a sua inteno. S surgem pedidos de colonizao, interesse que o pai de Zarco, (Joo
Afonso, o vedor da Fazenda de D. Joo I que inspira a conquista de Ceuta a D. Joo I) lhe teria
despertado. a Coroa que assegura a colonizao da Madeira, sob a direco de Joo Afonso.
Vinte anos depois a Madeira tem 150 herdades e cerca de 4000 habitantes. Os Zarco, j com o
ttulo de Cmara, manter-se-o na ilha, embora regressem sistematicamente a Matosinhos e
Lea da Palmeira. Simo da Cmara, seu neto, que apoia com navios seus, sitos em Lea, a
reconquista de Arzila, possua uma riqueza imensa que os rendimentos da donataria da Madeira
no explicava; antes da embaixada de D. Manuel Santa S, Simo da Cmara enviara uma sua
que excedia o luxo e os presentes enviados pelo rei. Tambm Bartolomeu Dias, um homem
prtico e com experincia de corso procedia com observao orientada. Era um homem de
caravela, mas conhecia cartografia e descobriu a simetria dos ventos do quadrante sul em
relao com o quadrante norte e assim pode dobrar o Cabo. No seu regresso da passagem do
Cabo encontra Pacheco Pereira em Cabo Verde e faz com ele o levantamento em latitude da
costa de frica; Pacheco Pereira era um homem culto, navegador e diplomata, mas Bartolomeu
Dias era um homem do mar. Ento j os cartgrafos e os construtores de navios se reuniam na
Casa da Guin e da Mina, com o cosmgrafo mor, Pedro Nunes.
Esta mistura de interesses corsrios, comerciais e de descoberta oficial inclua alguns agentes de
Gnova e Veneza. Talvez que alguns dos homens que o Infante recrutou ou financiou tivessem
sido espies das suas cidades, mas muitos eram j corsrios. Cadamosto procura ouro e
malagueta, Uso di Mar ou Nola esto mais interessados na captura de escravos, negcio ainda
interessante antes de D. Joo II fazer dele monoplio rgio. De resto a Zarco e Bartolomeu
Perestrelo interessava tambm, inicialmente, o sangue de drago, para a tinturaria, que existe
no arquiplago da Madeira e se encontrar tambm em Cabo Verde, para onde Zarco prepara
expedies de descoberta de ilhas. E Tristo Vaz Teixeira introduz, por intermdio do seu genro
genovs Micer Joo, o acar na Madeira; o Infante ajuda a trazer canas da Siclia. C j se
produzia no Algarve e nas terras do duque de Coimbra, o Infante D. Pedro. Os interesses do
acar ligavam-se, como se sabe, captura de escravos.
At cerca de 1440 o corso vale ainda mais do que o comrcio, ligando-se lhe frequentemente.
Desde 1448/9 a pirataria no litoral do Sahara e da Guin proibida. Do mesmo modo se probe
a cedncia comercial de armas a rabes. Com os monoplios rgios do ouro da Mina, escravos e
especiarias africanas e marfim, a vigilncia mais dura e a pirataria mais difcil. No entanto a
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pirataria era ainda um modo de vida para os filhos segundos da nobreza e burgueses
aventureiros, o que trazia crescentes represlias da concorrncia martima: entre 1385 e 1456
dos 46 navios pirateados na rea da Flandres e Inglaterra, 83% so de portugueses.
Com a regncia de D. Pedro o corso deixa de ser oficial, como uma das medidas para tornar os
achamentos geogrficos um potencial comercial. Mas continua a pirataria, o que leva muitos
corsrios a alistarem-se em navios italianos. J em 1516 uma frota da Companhia espanhola de
Cristbal Haro, que fazia negcios com a Serra Leoa, atacada e pilhada por um pirata
portugus, (V.M.G. Ensaios, p. 218). Os espanhis declaram um prejuzo de 16.000 ducados.
Os Haro reclamam e pedem auxlio ao imperador Maximiliano e governadora da Flandres,
Margarida de ustria, mas D. Manuel no os atendeu. Compreende-se porque os Haro
organizam a viagem de Ferno de Magalhes.
A gerao de D. Joo II enriquecera e por vezes enobrecera-se em lugares da milcia, das
viagens, do corso e da administrao.Com D. Manuel enfileira para as lutas no ndico ou
Pacfico e no Brasil. Os comandantes dos navios so agora nobres e diplomatas e no homens de
caravela. Como Vasco da Gama ou lvares Cabral. J no se trata de proteger ou captar o
comrcio no Estreito. A Rota do Cabo uma rota de imprio, protegida; define-se um comrcio
que se tornar em breve escala mundial. O ingresso nas Ordens Militares fez muitas carreiras,
como as dos Meneses, dos Mascarenhas, dos Albuquerque, dos Castro. Aguardam apenas os
cargos rgios para enriquecer a sua casa ou a sua glria. No s a pequena nobreza que assim
ganha o seu sustento e tambm pretende enriquecer, fazendo-se militar que embarca ou
eventualmente, comerciante se souber explorar o seu quinto. As ndias, antes dos Brass, era
uma alternativa de vida quase sempre compensadora. As milcias j no se formam nas Ordens,
as carreiras militares fazem-se nas praas do Norte de frica, que so as grandes escolas de
guerra e atravs dessa via, da administrao colonial.
Em breve D. Joo III esvazia de sentido militar as Ordens e tambm as praas de Africa, como
preparadores de milcias. As armadas seguiam desprotegidas para o ndico, frequentemente
assaltadas pela pirataria do Norte europeu.
Os tempos abertos dos achamentos abrigam agora esses piratas de futuros centros da
economia-mundo, que perseguem os navios da prata espanhola e os galees portugueses de uma
pimenta embaratecida, do cravo e, muito em breve, do acar de cana do comrcio triangular.
Experincia e recursos empricos: navegao e cartografia
Pirataria e corso exigem, no sculo XV, navios rpidos e leves, com espao suficiente para uma
vintena de homens armados e armazm para produtos, e, naturalmente, portos de abrigo
seguros pelo desconhecimento ou dificuldade de rotas e, j no final de sculo, navios equipados
com artilharia. Condies que se encontravam nos navios de boca fechada, portanto mais
protegidos, como os caravelos, espcie de caravela pequena, de cerca de 20 metros de
comprimento e uns 6 metros de boca, levando 40 a 50 tonis de gua e com cobertura; com dois
mastros, tinham velas latinas e regra geral no tinham castelo popa, mas admite-se que para a
faina de corso seria indispensvel constru-lo, para melhor vigilncia, j que no havia cesto da
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verga. Levavam 25 homens. A caravela seria o navio adoptado, (como era uma caravela o navio
pirata apresado na Irlanda, atrs referido). A caravela mediterrnica, (mourisca), coberta, seria
sucessivamente dotada de qualidades de navegao para o Atlntico, ganhando velocidade,
segurana com o bordo alto e, principalmente podia zombar do vento, navegando facilmente
bolina. Usava velas latinas, trs mastros, de ordem decrescente de tamanho, castelo r, tinha
de 20 a 30 metros de comprimento, 6 a 8 de boca e um porte mximo de 80 tonis e usava
remos quando necessrio. Em temporal a manobra dos latinos, (as velas dispostas de proa
popa, munidas de cabos terminais, -escotas-, que soltando-as ou segurando-as, do um maior
ngulo vela e, passando-a para o outro bordo, adaptam-se direco do vento que movimenta
o navio), porque as velas pesam de gua e preciso lev-las para o outro bordo, muito
perigosa, mas a nica maneira der navegar contra o vento, bolinando.
O pano redondo, (velas quadrangulares ou trapezoidais) que, para procurar a orientao do
vento exigia bracear a verga onde se enverga a vela, com pequenos cabos terminais, apenas
define um pequeno ngulo de cada bordo. Assim, com velas de pano redondo navega-se mais
rapidamente mas com ventos feio, sendo quase impossvel faz-lo com ventos contrrios, o
que as velas latinas permitem, mas gastando mais tempo, pois seguem aos zigue-zagues.
Em viagens de fuga, de pirataria ou corso, levavam-se os dois tipo de velas, que se armavam
conforme a situao. Com esta experincia ir incorporar-se, depois, um sistema de velas
redondas e latinas. Naturalmente, o grande objectivo era estudar o sistema de ventos, para
procurar a curva mais propcia rota que permitia usar a vela redonda, - maior rapidez e
segurana; qualquer sistema de velas seria enrolado quando as correntes por si s faziam correr
o navio. Saber da direco de ventos e correntes no Atlntico um perodo de observaes
empricas minucioso e a sua anotao, mesmo oral, a nica salvaguarda para estas profisses de
risco. A adaptao da caravela ao Atlntico portuguesa e ter sido ensaiada no oficialmente;
em breve, na segunda metade do sculo XV os pases martimos compram em Portugal as suas
caravelas.
Nesta primeira fase do conhecimento do Oceano, em que se entrelaam aces privadas de
descoberta da costa africana e redescoberta ou descoberta de ilhas atlnticas, com encomendas
da ordem de Cristo e D. Henrique, a ordem de Santiago com a sua aco de corso concertada, a
nova poltica de comrcio e colonizao de D. Pedro e D. Joo, ainda infante, o objectivo traar
os desvios que permitem aproveitar ventos e correntes e desenvolver uma prtica que se insere
nas vicissitudes do corso que desde o incio do sculo, mesmo antes de Ceuta, se efectuava no
Estreito e na captura de escravos para as plantaes de acar, que levara genoveses, aragoneses
e portugueses s Canrias. Na volta das Canrias inseriam-se, naturalmente, aqueles rumores de
existncia de ilhas que os mapas mediterrnicos apontavam. Lugares que apenas lendas
naufrgios evocavam e que os pilotos de carreira podiam conhecer, mas evitavam, navegando
sempre pela segurana das costas traadas nos portulanos, sem sair da sua rota.
A elaborao das cartas de navegar usufrui destas experincias que melhor se adaptam
cartografia de Ptolomeu do que a um traado linear das costas; os portulanos so um registo que
continua, de certo modo, a linearidade dos mapas romanos, que executavam cartas horizontais,
com a representao linear do Imprio.
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1. Mapa romano, (Londres); deve ler-se como uma s gravura contnua.
Durante a Idade Mdia os mapas-mundi pareciam representar a Cidade de Deus, variando na
imaginao mas no no propsito de manter o ideal bblico da Criao e dos lugares sagrados:
no centro Jerusalm, no prolongamento do Paraso.
Actualizao de um mapa medieval em T
O Mar Negro, o Mar Vermelho e o Mediterrneo definem um T de guas; a Terra, plana,
rodeada de um mar onde abundam ilhas, incluindo a Irlanda e a Inglaterra.
Mas desde o sculo XIII j se efectuavam no Mediterrneo cartas geogrficas tendo como
modelo o mapa-mundi de Cludio Ptolomeu, destacando no Norte de frica os dois motivos
maiores de interesse comercial: as caravanas saharianas e o local do rei do ouro, que levar
cidade de Tombuctu, fundada por missionrios muulmanos, em 1079. So portulanos que
surgem do contacto com o conhecimento rabe e judaico; usam-se com a bssola, que o
Mediterrneo parece ter adaptado dos chineses, (embora j os vickings usassem uma agulha de
magnetite envolta em gordura, flutuando numa vasilha de gua.) H uma tradio catal que
actualizara as cartas cartaginesas, (portulano de Angelino Dulcezo, 1339) e uma tradio
maiorquina e italiana mais perto de Ptolomeu, (Mapa de Abrao Cresques, de 1375). O sistema
de produo de mapas, em quadrcula permitiam a sua reproduo em qualquer tamanho e
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assim o mapa de Cresques ainda repetido em carta mais simplificada, feita para Carlos V, no
sculo XVI. Mapas como este deviam circular largamente, com a sua indicao, um pouco
deslocada, das ilhas da Madeira e Porto Santo e os Aores, apenas com duas ilhas.
Usava-se o quadrante, desde h muito, mas a marcao das latitudes nas cartas portuguesas
exigia o conhecimento das medidas da altura do Sol a uma certa hora no meridiano de origem,
(um lugar determinado e conhecido) comparando a altura dele no mar. At ao ltimo quartel do
sculo XV as latitudes no so lanadas, apesar de se estimar o lugar pela altura do Sol e das
estrelas. Para isso foi necessrio o levantamento da medida do Sol nos pontos de referncia que
se iam descobrindo, trabalho que conhecemos ser feito em frica por Joo Vizinho e Duarte
Pacheco Pereira, estabelecendo os meridianos da foz dos rios africanos. Faz-se a escala dos
mapas com graus iguais e marcao dos paralelos, o equador e os trpicos. So cartas de rumos
e distncias, inovadoras, que a Europa vai copiar fielmente durante mais de meio sculo e de
que o portugus Planisfrio de Cantino, (1502) exemplo. Desde o ltimo quartel de sculo a
meados do sculo XVI h referncia a cerca de 50 cartgrafos portugueses, mas s se conhecem
coleces 39 atlas e 82 mapas avulsos. Mas fez-se o indito levantamento de 60.000
quilmetros de costa, o que implica um conhecimento prvio j estabelecido. Com D. Joo II os
Regimentos nos navios tornam-se obrigatrios (da medida do Sol, da Estrela Polar, da latitude
da altura da Estrela Polar, dos Mares, da altura do plo pelo Cruzeiro do Sul)
J na segunda metade do sculo XV comea a correco das cartas devido declinao
magntica. Com o Tratado da Esfera de Pedro Nunes, (que tambm fizera prtica em navios) as
cartas tornam-se mais correctas e influenciam decisivamente o globo de Mercator e a cartografia
alem. De resto os cartgrafos e cosmgrafos portugueses, (tal como os pilotos) circulavam
pelas cortes europeias, contratados pelos governantes.
Os cosmgrafos Francisco e Rui Faleiro encontram-se ao servio de Carlos V em 1518; Jorge
Reinel, em 1519 em Sevilha, (a conclui em 1528 uma carta universal); e Diogo Ribeiro, em 1520,
entre outros. Em 1547 Diogo Homem est homiziado em Inglaterra e em Anturpia Andr
Homem conclui uma carta iluminada, antes de em Paris, em 1565 traar um mapa-mundi. Dois
anos depois est ao servio de Frana Bartolomeu Velho e em 1570 Diogo Homem conclui em
Veneza um mapa da Europa e outros trabalhos cartogrficos. O cartgrafo e piloto Simo
Fernandes serve a Inglaterra em 1573.
Escudeiros e cavaleiros-mercadores procura de honra e fazenda teriam arriscado a pirataria e
o corso, com os mapas que se conheciam, para empresas portuguesas, mas tambm para as
aragonesas e italianas; as empresas de corso eram, de facto, uma milcia militar. Tero sido os
corsrios e os piratas que iniciam o perodo da adaptao das caravelas ao mar alto, que se
estende at Bartolomeu Dias e se liga ao conhecimento das voltas a dar no Oceano para
descobrir ventos e correntes que permitem o avano em velas redondas. Os primeiros ensaios
organizados parecem ligar-se precisamente guerra de corso na volta das Canrias, onde a
temvel corrente das Canrias, que corria para o sul, afastava das costas da Mina e da Guin os
navios; a volta da Mina e a volta da Guin, levando longe e em arco desde a costa, ter-se-iam
definido nas vicissitudes do corso para travar os navios espanhis. Tnger ser a nova base da
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pirataria e corso, quando os espanhis tentam o comrcio no litoral africano para captar ouro e
escravos e o corso de proteco se torna imperativo, mesmo aps o Tratado de Alcovas.
Caravelas de Ferno Gomes so atacadas e uma armada espanhola de 35 navios, com ouro da
Mina e escravos teve de ser perseguida e em parte apresada.
Quando o conhecimento de ventos e correntes e a fixao das latitudes entra nas cartas, a
caravela, demasiado pequena, deixa de se usar como navio principal; passa a navio de apoio e
transporte de gua e alimentos. Coincide com a entrega das armadas de conquista de mercados,
dirigidas por nobres diplomatas, embora especialistas na guerra. Com eles navegam homens da
cincia. Outros so mesmo cientistas, como D. Joo de Castro, que fora aluno de Pedro Nunes.
O grande mrito do Estado portugus foi saber aproveitar aquelas prticas e conhecimento
emprico que permitiu acelerar o trabalho cientfico das descobertas. No Mediterrneo o corso
mantm-se contra os Turcos. No ndico, deparando-se com uma organizada pirataria dos mares,
- os reinos da costa africana eram estados-piratas, como Melinde, a nova gerao de
marinheiros rapidamente se integrou na modalidade, onde entra pela fora do seu
conhecimento de armas de fogo. Na segunda metade do sculo XVI e, nomeadamente em todo o
sculo XVII, piratas e corsrios das novas economias mundo, Inglaterra, Holanda e tambm a
Frana, enxameiam os oceanos que os portugueses abriram ao mercado escala mundial.
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