Cory Doctorow - Pequeno Irmão (Little Brother)

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Livro lançado em 2008, disponível em www.craphound.com/littlebrother/download. Tradução de 2010 do Grupo Digital Source.Responsável pelo lançamento – *Blakbird*Versão doc – http://www.4shared.com/file/BPfsj4j9/Cory_Doctorow_-_Pequeno_Irmao_.htmlVersão pdf - http://www.4shared.com/file/ZOCYE9rs/Cory_Doctorow_-_Pequeno_Irmao_.htmlVersão txt - http://www.4shared.com/file/efS-Abvr/Cory_Doctorow_-_Pequeno_Irmao_.html

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PEQUENO IRMO - CORY DOCTOROW [email protected]

PRIMEIRO, LEIA ISSO AQUI. Este livro foi originalmente distribudo sob uma licena Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 3.0. Isso significa que Voc livre para: Compartilhar, copiar, distribuir e transmitir esta obra Criar obras derivadas Sob as seguintes condies: Atribuio. Voc deve dar crdito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante. (mas no de forma a entender que ele endossou ou colaborou para isso). Uso No-Comercial. Voc no pode utilizar esta obra com finalidades comerciais. Compartilhamento pela mesma Licena. Se voc alterar, transformar, ou criar outra obra com base nesta, voc s poder distribuir a obra resultante sob uma licena idntica a esta. Para cada novo uso ou distribuio, voc deve deixar claro para outros os termos da licena desta obra. A melhor maneira para fazer isso atravs do link http://craphound.com/littlebrother Qualquer uma destas condies pode ser renunciada, desde que voc obtenha permisso do autor.

Veja, ao final deste artigo, mais informaes legais. (Nota do tradutor: Mais informaes sobre esta licena, no site da Creative Commons: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/ )

INTRODUO

Eu escrevi Pequeno Irmo em um ataque de fria entre 7 de maio de 2007 e 2 de julho de 2007; exatamente oito semanas desde o dia em que comecei e o dia que terminei. (Alice, para quem o livro dedicado, teve que me agentar digitando o capitulo final s 5 da manh em nosso hotel em Roma, onde celebrvamos nosso aniversrio de casamento.) Sempre sonhei com um livro assim, que se materializasse, pronto, saindo da ponta dos meus dedos, sem suor, sem sofrimento mas no foi exatamente to divertido quanto eu pensei que seria. Houve dias que escrevi 10.000 palavras, debruado sobre meu teclado em aeroportos, em trens, em txis - qualquer lugar que eu pudesse digitar. O livro tentava sair da minha cabea, no importando que para isso eu deixasse de dormir, perdesse refeies e que meus amigos comeassem a perguntar se eu estava com problemas. Quando meu pai era um jovem estudante universitrio em 1960, ele era um dos poucos sujeitos da contracultura que pensava que os computadores eram algo de bom. Para a maioria dos jovens daquela poca, os computadores representavam a desumanizao da sociedade. Os estudantes da universidade seriam reduzidos a nmeros em um carto perfurado, onde estava escrito No curve, no fure, no dobre ou rasgue, levando a alguns estudantes usarem um broche onde se lia Sou um estudante, no curve, no fure, no dobre ou rasgue. Computadores eram vistos como um meio para facilitar com que as autoridades dominassem o povo, fazendo-o obedecer s suas vontades. Quando eu tinha 17 anos, o mundo parecia caminhar para ser mais livre. O muro de Berlin estava prestes a cair. Computadores - que tinha at ento sido uma coisa de nerds esquisitos - estavam em toda parte e o modem que eu usava para me conectar com BBS (Bulletin board system) locais agora permitia que me conectasse com o mundo inteiro atravs da Internet e de servios online como GEnie. Minha

longa experincia de vida como um ativista sofreu uma acelerao absurda quando vi que o principal problema com o ativismo, a organizao, estava se tornando mais fcil. (Ainda me lembro da primeira vez que passei a usar um banco de dados de mail-list ao invs dos endereos de correspondncia escritos a mo). Na Unio Sovitica as ferramentas de comunicao eram usadas para levar informao - e revoluo - aos cantos mais distantes do maior estado autoritrio que o planeta j viu. Porm, 17 anos depois, as coisas esto bem diferentes. Os computadores esto sendo utilizados para nos espionar, nos controlar e nos espiar. A Agncia de Segurana Nacional (NSA) tem ilegalmente usado grampos telefnicos para gravar todo o EUA e ainda o fazem. Companhias de aluguel de veculos, de transporte de massa e autoridades de trnsito observam nossos movimentos, agindo como delatores para bisbilhoteiros, policiais e bandidos que conseguem informaes nossas atravs de acesso a bancos de dados. A Administrao de Segurana dos Transportes mantm uma lista de pessoas que, apesar de nunca terem sido presas por qualquer crime, so consideradas perigosas demais para voar. O contedo desta lista secreto. A orientao que a criou secreta. O critrio para ser adicionado a esta lista secreto. Nesta lista existem crianas de 4 anos, e senadores Americanos e veteranos condecorados - heris de guerra. Quem tem 17 anos hoje em dia, entende facilmente como um computador pode ser perigoso. Eles nasceram sob o pesadelo do autoritarismo dos anos 60. As sedutoras caixinhas sobre suas mesas e em seus bolsos acompanham cada movimento que fazem, os encurrala, sistematicamente os impede de alcanar a liberdade que eu gozei na minha juventude. E tem mais: as crianas so claramente usadas como cobaias de um novo tipo de Estado tecnolgico que est se aproximando, um mundo onde tirar uma foto ser tanto pirataria (em um cinema, museu ou at mesmo na Starbucks) quanto terrorismo (em um espao pblico), mas onde podemos ser fotografados, seguidos e

catalogados centenas de vezes por dia por cada ditadorzinho, policial, burocrata e dono de loja. Um mundo em que qualquer medida, incluindo tortura, pode ser justificada apenas agitando as mos e gritando Terrorismo! 11/9! Terrorismo! at que todos aqueles que discordam sejam calados. No precisamos ir por este caminho. Se voc ama a sua liberdade, se voc pensa que a privacidade dignifica a condio humana, luta pelo direito de ficar em paz, pelo direito de explorar suas idias (por mais malucas que sejam) desde que no magoe outras pessoas, ento voc tem uma causa pela qual lutar, pelas crianas que tm seus web-browsers (navegadores) e celulares usados para prend-los e segui-los por ai. Se voc acredita que podemos consertar o que est errado com dilogo - ao invs de censura - ento voc est no caminho certo. Se voc acredita em uma sociedade com leis, um lugar onde nossos legisladores precisam nos dizer as regras, e tem que seguir tambm estas leis, ento voc parte da luta para que todas as crianas possam viver sob os mesmos direitos que os adultos. Este livro tenciona ser parte da discusso sobre o significado de uma sociedade de informao: ela pressupe o controle total ou a liberdade? No se trata de um substantivo, mas de um verbo. Algo que voc faz.

FAA ALGUMA COISA! Este livro tem a inteno de ser algo que voc possa fazer, no somente algo para ser lido. A tecnologia que aparece neste livro real ou quase. Voc pode constru-la. Pode dividi-la com outros, e transform-la (veja A COISA DOS DIREITOS AUTORAIS a embaixo). Voc pode usar as idias para incendiar discusses importantes para acabar com a censura e ter uma Internet livre, mesmo que seu governo, seu patro ou seu colgio no queiram. FAA! O pessoal do Instructables criou alguns manuais sobre como construir a tecnologia neste livro. fcil e muito divertido. No h nada que recompense tanto no mundo quanto fazer coisas que tornam as pessoas mais livres.

http://www.instructables.com/member/w1n5t0n/ Discusses: H um manual do educador para este livro, que o meu editor, Tor compilou com toneladas de idias para serem usadas na sala de aula, para ler em grupo e em discusses caseiras. Combater a censura: O eplogo deste livro traz vrios recursos para ampliar sua liberdade online, bloqueando bisbilhoteiros e impedindo bloqueio de contedo. Quanto mais gente souber disso, melhor.

SUAS HISTRIAS Estou juntando histrias de pessoas que usaram a tecnologia para vencer quando confrontados com uma autoridade abusiva. Vou incluir as melhores histrias em um eplogo especial da edio britnica (veja abaixo) deste livro, e vou coloc-

las online tambm. Enviem suas histrias para [email protected] com o assunto "Abuses of Authority" (Abusos de Autoridade).

GR-BRETANHA Sou canadense e morei em diversos lugares (incluindo So Francisco, o cenrio de Little Brother), e hoje vivo em Londres, Inglaterra, com minha esposa Alice e nossa pequena filha Poesy. Moro na Inglaterra h cinco anos e penso que amo este pais, mas tem uma coisa que sempre me incomodou: meus livros no esto disponveis aqui. Algumas lojas mantm estoques importados dos EUA, mas eu no tenho uma editora britnica. Mas isso mudou! A HapperColins Inglesa comprou os direitos deste livro (assim como do meu prximo livro, For the Win) e ele ser publicado pouco depois da edio Americana, em 17 de Novembro de 2008 (um dia depois da minha volta da lua-de-mel!) Fico muito contente com isso. No apenas por finalmente ter meus livros vendidos na terra que escolhi viver, mas tambm porque estou criando uma filha aqui, caramba, e a vigilncia e a mania por controle neste pas comea a dar nos nervos! Parece que a polcia e o sistema de governo se apaixonaram pelo reconhecimento por DNA, impresses digitais e gravao de vdeo de todos aqueles que algum dia possam fazer algo de errado. No comeo de 2008, a autoridade maior da Scotland Yard (polcia inglesa) props seriamente que se coletasse o DNA de crianas de 5 anos que se mostrassem perigosas, pois elas cresceriam e provavelmente se tornariam criminosos. Na semana seguinte a polcia londrina espalhou psteres sugerindo que todas as pessoas que podem pagar por pequenas cmeras de vigilncia so, provavelmente, terroristas. A Amrica no o nico pas que perdeu a cabea na ultima dcada.

Precisamos ter esta conversa com todo o planeta. Como eu disse, a edio britnica estar venda em 17 de Novembro (ISBN: 978-0-00-728842-7). Ainda haver uma edio limitada, com uma capa diferenciada, para as pessoas que enxergam os livros como se fossem itens de coleo. Se quiser saber mais detalhes, escreva um email para [email protected] o assunto LITTLE BROTHER UK EDITION.

OUTRAS EDIES Meu agente Russel Galen (e seu assistente Danny Baror) fez um excelente trabalho na pr-venda de direitos de Little Brother em vrios idiomas e formatos. Informaes mais atualizadas voc encontrar em

http://craphound.com/littlebrother/download. Audiobook da Random House. Uma das condies do meu contrato com a Random House era de que eles no poderiam disponibilizar o udio-livro usando do sistema DRM (Digital Rights Management), que pretende controlar o uso e a cpia. Isso quer dizer que voc no encontrar o udio-livro de Little Brother para Audible e iTunes, pois a Audible se recusa a vender livros sem o sistema DRM (mesmo que o autor no queira) e iTunes s funciona com udios-livro da Audible. De qualquer maneira, voc pode comprar o arquivo em formato MP3 diretamente da RandomHouse. Meu agente para direitos no estrangeiro j pr-vendeu edies para a Grcia, Rssia, Frana e Noruega. No tenho as datas de lanamento, mas eu informarei atravs do site quando estiver disponvel. Voc tambm pode se inscrever na minha mala-direta, para maiores informaes.

A COISA DOS DIREITOS AUTORAIS A licena da Creative Commons que utilizo no meu livro Little Brother provavelmente serve como dica de que eu tenho uma viso um pouco no-ortodoxa sobre direitos autorais. Aqui vai o que eu penso a respeito disso, em poucas palavras: Com apenas um pouco se chega longe, mais do que isso exagero. Gosto do fato de que os direitos autorais me permitem vender os direitos para meus editores e para a indstria de cinema e por ai vai. bom, pois eles no podem simplesmente pegar minhas coisas sem permisso e ficarem ricos com isso sem me dar uma parte disso. Tenho plenas condies para negociar com estas companhias, possuo um bom agente e uma dcada de experincia com leis de direito autorais e licenciamento (inclusive no cargo de delegado da WIPO, uma agncia da UN que trata sobre ameaa aos direitos autorais mundiais). Alm do mais, mesmo se eu vender cinqenta ou cem edies diferentes de Little Brother (o que seria estar no topo, um milionsimo de toda fico vendida) ainda assim teria uma centena de negociaes que eu precisaria gerenciar. Odeio o fato de que fs que querem fazer aquilo que os leitores sempre fizeram, tenham que jogar pelas mesmas leis que todos aqueles poderosos agentes e advogados. uma coisa estpida dizer que uma classe escolar tenha que falar com um advogado de uma empresa global gigantesca, para encenar uma pea sobre um livro meu. ridculo dizer que pessoas que querem emprestar uma cpia eletrnica do meu livro para um amigo, precisem de uma licena para isso. Emprestar livros algo mais antigo do que qualquer editor no planeta e uma coisa bacana! Recentemente vi Neil Gaiman dar uma entrevista em que respondia para algum como ele se sentia a respeito da pirataria de seus livros. Ele disse, Levante a mo se voc descobriu seu escritor favorito de graa, por que algum te emprestou uma cpia ou ganhou de algum? Agora levante a mo se voc descobriu seu escritor predileto numa prateleira de livraria e teve que pagar por isso.

A audincia preponderante disse ter descoberto seus autores prediletos de graa, por ter ganhado um livro ou recebido emprestado. Quando se trata dos meus escritores preferidos no h limite. Comprarei sempre cada livro que eles publicarem, apenas para t-los. (s vezes compro mais do que um, apenas para poder presentear amigos que eu penso que precisam ler aquele livro!) Pago para vlos vivos. Compro camisetas com a capa dos livros impressas. Neil continuou dizendo que parte de uma tribo de leitores, uma pequena minoria de pessoas pelo mundo que tm prazer ao ler, e compram livros porque amam livros. Uma coisa que ele sabe sobre as pessoas que baixam seus livros na Internet sem permisso que so leitores, pessoas que amam os livros. Aqueles que estudam os hbitos de pessoas que compram msica descobriram algo curioso. Os maiores piratas so tambm aqueles que mais gastam. Se voc pirateia msica a noite toda, existe a chance de que voc tambm seja uma dessas poucas pessoas que vo a uma loja de discos (lembra-se delas?) durante o dia. Voc provavelmente vai a shows no fim de semana, e provavelmente acompanha msica. Se voc membro de uma tribo de viciados em msica, voc faz coisas que tm a ver com a msica, desde cantar no chuveiro a pagar por uma cpia em vinil de um raro disco pirata vindo do leste europeu, de uma das suas bandas favoritas de death-metal. A mesma coisa acontece com os livros. Trabalhei em livrarias, sebos e bibliotecas. J acessei sites piratas de e-books (bookwarez?) on-line. Sou um viciado em livros e vou a feiras de livros por diverso. E sabe o que mais? So as mesmas pessoas em todos estes lugares: Pessoas que amam os livros e que fazem tudo que se pode fazer com um livro. Eu compro edies malucas, edies horrveis chinesas dos meus livros prediletos, por que so malucas e horrveis e ficam muitos bem entre as outras oito ou nove edies que eu paguei destes mesmos livros. Procuro por livros na biblioteca, no Google, quando preciso de uma citao, carrego

uma dezena deles no meu celular e centenas no meu laptop e tenho (hoje) mais de 10.000 livros guardados em um armazm em Londres, Los Angeles e Toronto. Se eu pudesse emprestar todos os meus livros fsicos, sem abrir mo da posse deles, eu o faria. O fato de eu poder fazer isso com uma cpia digital no um erro. uma caracterstica e uma das melhores. Fico embaraado ao ver todos estes escritores e msicos e artistas expressando pesar pelo fato de que a arte possui esta incmoda caracterstica, esta capacidade de ser compartilhada. como assistir donos de restaurante chorando por causa da nova mquina de comida grtis e que ir alimentar um mundo de gente faminta, e por que ela os forar a reconsiderar seus modelos de negcios. Sim, ir requerer muito deles, mas no vamos perder de vista o que mais interessa: Comida grtis! O acesso universal ao conhecimento da humanidade est em nossas mos pela primeira vez na histria do mundo. Isso no algo ruim. No caso de no ser o bastante para voc, aqui est o que considero a minha grande jogada, o porqu dar e-books faz sentido hoje. Dar e-books me proporciona uma satisfao artstica, moral e comercial. A questo comercial aquela que mais freqentemente vem tona: como dar seus livros de graa e ainda assim ganhar dinheiro? Para mim, e para a maioria dos escritores, o grande problema no a pirataria, mas o anonimato. (Agradeo a Tim OReilly por este precioso aforismo). Todas as pessoas que deixam de comprar um livro hoje, na maioria, no o compram por nunca terem ouvido falar que ele existe, no por que ganharam uma cpia de graa. Os mega-hiper-mais-vendidos livros de FC vendem meio milho de cpias - em um mundo em que um evento como a San Diego Comic Con sozinho

recebe 175 mil pessoas, d para imaginar que a maioria das pessoas que gostam de FC (e junto a isso coisas como quadrinhos, games, Linux e por ai vai) na verdade no compram livros. Meu interesse maior trazer maiores audincias para dentro deste crculo, mais do que garantir que cada um compre um ingresso para entrar. E-books so verbos, no substantivos. Voc os copia, da natureza deles. E muitas das cpias tm um destino, uma pessoa para a qual elas foram planejadas, uma transferncia manual de uma pessoa para outra, guardando uma recomendao intima entre duas pessoas que confiam umas na outras o suficiente para trocar bits. Este o tipo de coisa com que os autores (deveriam) sonham. Fazendo meus livros disponveis para serem passados frente, torno mais fcil para as pessoas que gostam deles ajudarem a outras pessoas a tambm gostarem deles. E tem mais: eu no vejo e-books substituindo os livros de papel para a maioria das pessoas. E no por que a tela do monitor no seja boa o bastante; se voc for como eu, voc j deve passar horas em frente a uma, lendo textos. Mas por mais que voc goste desta literatura de computador, menos provavelmente voc ir ler longos textos na tela, por que as pessoas que gostam de ficar na frente da tela fazem muitas outras coisas ao mesmo tempo. Ns estamos no Messenger, escrevendo email, e usamos os navegadores de um milho de maneiras diferentes. Temos os games rodando por detrs e infinitas possibilidades de msicas para ouvir. Quanto mais coisa voc faz com seu computador, voc se dedica a menos coisas, pois a cada seis ou sete minutos comea algo diferente. Isso faz com que o computador seja um meio extremamente ineficaz para longas leituras, a no ser que voc possua a autodisciplina de um monge. A boa notcia (para os escritores) que isso significa que os e-books acabam sendo um incentivo a comprar o livro impresso (que , afinal de contas, mais barato, fcil de ter e de usar) do que o seu substituto.

Voc provavelmente vai ler o bastante do livro na tela para perceber que precisa o ler no papel. Ento e-books vendem livros. Todo escritor que eu soube que distribuiu ebooks para promover seus livros voltou a faz-lo de novo. Este o lado comercial de dar e-books de graa. Agora o lado artstico. Estamos no sculo vinte e um. Copiar coisas nunca mais ser mais difcil do que j hoje (se isso acontecer ser por que a civilizao chegou ao seu fim e neste ponto, este ser o menor dos problemas) Discos rgidos no sero mais enormes, caros ou com menor capacidade. As redes no sero mais lentas e difceis de acessar. Se voc estiver fazendo arte sem levar em considerao de que ela ser copiada, ento realmente voc no estar fazendo arte para o sculo vinte e um. Existe algo encantador sobre fazer um trabalho que voc no quer que seja copiado, da mesma maneira que legal ir at uma vila dos pioneiros e ver como o ferreiro colocava ferraduras em um cavalo em sua forja tradicional. Mas dificilmente voc vai achar que isso possa ser contemporneo. Sou um escritor de fico cientifica. o meu trabalho escrever sobre o futuro ou ao menos sobre o presente. Arte que no se supe ser copiada coisa do passado. Finalmente, vamos ver pelo lado moral. Copiar natural. como ns aprendemos (copiando nossos pais e as pessoas ao nosso redor). A primeira histria que escrevi quando tinha seis anos, era uma verso excitante de Guerra nas Estrelas (Star Wars), que eu acabara de ver no cinema. Agora que a Internet (a mais eficiente mquina copiadora do mundo) se tornou presente em toda parte, nosso instinto de copiar s aparecer mais e mais. No h como impedir meus leitores de copiar meus livros e, se eu o fizesse, seria um hipcrita. Quando eu tinha 17 anos, eu gravava fitas, xerocava livros, tudo que eu podia. Se a Internet existisse na poca, eu estaria usando-a para copiar o tanto quanto eu pudesse.

No h como parar com isso, e as pessoas que tentarem terminar com isso estaro fazendo um mal maior do que a pirataria jamais o far. A ridcula guerra sagrada da indstria de discos contra aqueles que compartilham arquivos (mais de 20 mil fs de msica processados e contando) exemplifica o absurdo da coisa toda. Se a escolha est entre permitir a cpia ou partir bufando contra tudo e contra todos, eu escolho a primeira.

DOAES E UMA PALAVRA AOS PROFESSORES E BIBLIOTECRIOS Toda vez que coloco um livro online de graa, recebo emails de leitores que querem mandar-me uma doao em dinheiro pelo livro. Aprecio o esprito generoso destas pessoas, mas no estou interessado em dinheiro de doaes, porque meus editores so muito importantes para mim. Eles contribuem imensamente para com o livro, tornando-o conhecido, apresentando-o a outros leitores que eu nunca conseguiria alcanar, me ajudando a fazer mais com o meu trabalho. No tenho interesse de tirar os mritos deles. Mas acho que encontrei uma maneira de direcionar esta generosidade para algo positivo. O negcio o seguinte: Existe um monte de professores e bibliotecrios que adoraria receber exemplares desse livro para suas crianas, mas no tem grana para isso (os professores nos EUA gastam por volta de 1.200 dlares do prprio bolso com material escolar e o oramento da escola no cobre as despesas ou as reembolsa. Por este motivo eu patrocino uma classe da escola elementar Ivanho, na minha velha vizinhana em Los Angeles; voc tambm pode adotar uma classe.) Existe esta gente toda que generosamente quer me pagar em agradecimento pelos meus e-books gratuitos. Minha proposta juntar as duas coisas.

Se voc um professor ou bibliotecrio e quer um exemplar em papel deste livro, escreva um email para [email protected], com seu nome e o nome e endereo da sua escola, e eu colocarei em meu site para que potenciais doadores possam ver. Se voc gostou da verso eletrnica do livro e quer doar em retribuio, procure por um professor(a) ou uma biblioteca que queira ajudar. Ento entre no site da Amazon, ou na BarnesNoble ou seu site de venda de livros predileto e compre o livro. Mande uma cpia do recibo para [email protected] para minha assistente Olga. Se desejar agir de forma annima e no quiser que saibamos de sua generosidade, agradecemos de qualquer maneira. No sei se isso ir terminar com centenas, dezenas ou algumas poucos exemplares sendo enviados desta forma, mas eu tenho grande esperana de que funcione.

DEDICATRIA Para Alice, que me completa.

COMENTRIOS Uma histria sobre uma rebelio geek tecnolgica necessria e perigosa como compartilhar arquivos, liberdade de opinio e uma garrafa de gua em um avio. - Scott Westerfeld, autor de UGLIES e EXTRAS

Posso falar sobre Little Brother em termos de especulao poltica corajosa ou sobre o uso brilhante da tecnologia: cada uma delas faz do livro uma leitura obrigatria. Fiquei assombrado com a universalidade do rito de passagem de Marcus e sua luta, uma experincia que qualquer adolescente hoje ir passar quando chegar o momento em que tiver que escolher seu caminho na vida e como alcan-lo. - Steven C Gould, autor de JUMPER e REFLEX

Eu recomendo Little Brother mais do que qualquer outro livro que eu li esse ano e gostaria de coloc-lo nas mos de tantos meninos e meninas inteligentes de 13 anos quanto eu pude, porque eu penso que isso pode mudar vidas. Porque algumas crianas, talvez poucas, no sero as mesmas aps terminar de ler este livro. Talvez elas mudem politicamente, talvez tecnologicamente falando. Talvez seja o primeiro livro de suas vidas que iro amar e que despertaro o geek que vive dentro delas. Talvez elas queiram argumentar ou discordar dele. Talvez elas queiram ligar seus computadores e procurarem o que h por ai. Eu no sei. Ele me fez querer ter 13 anos de novo e poder o ler pela primeira vez, e sair por a fazendo o mundo um lugar melhor ou ainda mais estranho e esquisito. um livro maravilhoso e muito importante, na maneira que aborda falhas sem sentido. - Neil Gaiman, autor de ANANSI BOYS

Little Brother uma aventura assustadoramente real sobre como a tecnologia pode ser abusiva e utilizada erroneamente para aprisionar Americanos inocentes. Um adolescente se transforma de hacker em um heri que se dispe a enfrentar

sozinho o governo por seus direitos bsicos liberdade. Este livro um cheio de ao, com histrias de coragem, tecnologia e demonstrao de desobedincia digital como forma de protesto civil. - Bunnie Huang, autor de HACKING THE XBOX

Cory Doctorow um contador de histrias rpido e vibrante que pega todos os detalhes de uma realidade alternativa e oferece um nova viso de como este jogo pode ser jogado no contexto de um ataque terrorista. Little Brother um romance brilhante com argumentos ousados: jogadores de vdeo-game e hackers podem ser a nossa melhor esperana para o futuro. - Jane McGonical, Designer, I Love Bees

O livro certo no tempo certo do autor certo - e no inteiramente por coincidncia, o melhor livro de Cory Doctorow tambm - John Scalzi, autor de OLD MAN'S WAR

sobre crescer em um futuro prximo em que as coisas continuam indo de um jeito que esto indo hoje e sobre hacking se tornar algo habitual, mas principalmente sobre crescer e de mudar e olhar para o mudo e perguntar o que voc pode fazer a respeito. A voz dos adolescentes perfeita para isso. No consegui parar de ler e eu amei o livro. - Jo Walton, autor de FARTHING

Um irmo mais novo e digno para 1984 de George Orwell. Little Brother de Cory Doctorow vivo, precoce e o mais importante, um tanto assustador. - Brian K Vaughn, autor de Y: THE LAST MAN

"Little Brother" soa como um aviso otimista. uma extrapolao a partir de eventos atuais para nos lembrar das ameaas nossa liberdade. Mas tambm ressalta que ela ultimamente reside em nossas atitudes e aes como indivduos. Neste mundo cada vez mais autoritrio, eu espero especialmente que os adolescentes e os jovens o leiam e convenam seus iguais, seus pais e professores sobre a necessidade de ficar atentos. - Dan Gillmor, autor de WE, THE MEDIA

SOBRE AS DEDICATRIAS PARA AS LIVRARIAS Cada captulo do livro dedicado a uma livraria diferente. Uma livraria que eu adoro, que me ajudou a descobrir os livros que abriram a minha cabea, e que me ajudou na minha carreira. Estas lojas no me pagaram nada por isso, eu sequer disse a elas o que faria, mas me pareceu que era a coisa certa a se fazer. Por fim, espero que voc leia este e-book e decida comprar a verso em papel, e s faz sentido dizer isso, sugerindo alguns lugares onde voc poder encontr-lo.

CAPITULO 1

Este captulo dedicado BakkaPhoenix Books em Toronto, Canad. Bakka a livraria dedicada fico cientfica mais antiga do mundo, e me fez o mutante que sou hoje. Entrei nela por volta dos 10 anos, e pedi algumas recomendaes. Tanya Huff (que no era a escritora famosa que hoje) me levou at a seo de usados e colocou em minhas mos um exemplar de Little Fuzzy de H.Beam Piper e mudou para sempre a minha vida. O tempo passou e, quando eu tinha 18 anos, eu trabalhava na Bakka; assumi o lugar de Tanya quando ela se aposentou para se dedicar a escrever em tempo integral e aprendi lies para uma vida toda sobre como e porque as pessoas compram livros. Acho que todo escritor deveria trabalhar em uma livraria (e muitos trabalharam na Bakka. No aniversrio de 30 anos da livraria, eles fizeram uma antologia dos escritores que trabalharam na Bakka, que inclua trabalhos de Michelle Sagara (ou Michelle West), Tanya Huff, Nalo Hopkinson, Tara Tallan e eu!) BakkaPhoenix Books: 697 Queen Street West, Toronto ON Canada M6J1E6, +1 416 963 9993

Sou um veterano na escola Csar Chvez, no ensolarado distrito da Misso, em So Francisco. E isto me faz uma das pessoas mais vigiadas do mundo. Meu nome Marcus Yallow, mas antes da historia comear, eu era W1N5T0N. Pronuncia-se Winston. No pronuncie como Dblio-um-ene-cinco-t-zero-ene - a no ser que voc seja um oficial de disciplina sem noo que no sabe de nada e que ainda chama a Internet de a super-via da informao.

Eu conheo uma destas pessoas sem noo e seu nome Fred Benson, um dos trs vice-diretores da Csar Chvez. Ele um ser humano desprezvel. Mas se voc vai ter um carcereiro, melhor que seja um idiota do que algum que saiba das coisas. Marcus Yallow ele disse no sistema de som em uma sexta-feira pela manh. O sistema de som da escola no propriamente muito legal, e quando voc combina com o habitual balbuciar de Benson, voc consegue sons que mais parecem algum com problemas em digerir um burrito estragado do que um aviso escolar. Mas os seres humanos so bons em identificar seus nomes no meio da confuso sonora - uma questo de sobrevivncia. Agarrei minha mochila e guardei dentro o laptop, meio aberto - eu no queria perder os meus downloads e me preparei para o inevitvel. Venha imediatamente ao escritrio da administrao. Minha professora de estudos sociais, Senhorita Galvez, olhou pra mim e eu para ela. O sujeito estava pegando no meu p s por que eu atravessava os firewalls da escola como se fossem feitos de guardanapos molhados, enganava o software de reconhecimento e detonava os chips delatores que eles usam para nos rastrear. Senhorita Galvez legal, de qualquer modo nunca me causou problemas (principalmente quando eu a ajudo com seu webmail, para que ela consiga falar com seu irmo que est servindo no Iraque.) Meu mano Darryl me beliscou o traseiro quando passei por ele. Conheo Darryl desde o tempo que usvamos fraldas e fugamos da creche; e eu sempre estava nos metendo ou nos tirando de confuses. Levantei meus braos sobre minha cabea como um boxeador ao vencer uma luta e caminhei para fora da classe comeando meu trajeto de humilhao como um condenado at o escritrio.

Estava no meio do caminho quando meu celular tocou. Era um daqueles telefones baratos e configurveis, muy proibido na escola - mas por que isso iria me impedir? Me enfiei num banheiro e me fechei numa cabine central, (a cabine mais longe estava sempre cheia por que muitos a procuravam, querendo escapar do cheiro ruim e das coisas mais repugnantes - a jogatina e a higiene ficavam nas cabines do meio) Verifiquei o celular - meu PC de casa me mandara um email para dizer que tinha algo de novo acontecendo em Harajuku Fun Madness, que era o melhor jogo jamais inventado. Comecei a rir. Passar as sextas na escola era um tdio e fiquei feliz em ter uma desculpa para escapar dali. Arrastei-me pelo resto do caminho at o escritrio de Benson e acenei para ele enquanto entrava em sua sala. Se no Dablio-um-ene-cinco-t-zero-ene, ele disse. Frederick Benson nmero de seguro social 545-03-2343, data de nascimento 15 de Agosto de 1962, nome de solteiro da me Di Bona, natural de Petaluna - um pouco mais alto que eu. Tenho 1,73 enquanto ele mede 2,01. E seus dias de basquetebol na faculdade haviam ficado a muito para trs, de forma que os msculos peitorais haviam se tornado frouxos peitinhos perceptveis atravs de sua camisa plo, brinde de uma empresa pontocom. Ele sempre parecia pronto para chutar seu traseiro e ainda elevava a voz para aumentar o efeito dramtico. Ambas estratgias haviam comeado a perder sua eficcia devido repetio. Desculpa, mas no sei quem este seu R2D2. W1n5t0n. Ele disse, soletrando de novo. Olhou-me de esguelha, desconfiado, e esperou que eu me acalmasse. Era claro que era o meu Nick h anos, e era a identidade que eu usava quando fiz minhas contribuies ao campo da pesquisa de segurana aplicada. Voc sabe, como escapar da escola e desabilitar o

rastreio do meu telefone. Mas ele no sabia ento que este era meu nick. S um pequeno grupo de pessoas tinha essa informao, gente confivel. Hum, no tem nenhuma campainha tocando Eu disse. Eu fizera um bom trabalho por a, com aquele nick - tinha orgulho de ter liquidado aqueles delatores mas se ele fosse capaz de juntar as duas identidades, ento eu estava ferrado. Ningum na escola me chamava de W1n5t0n ou mesmo Winston. Nem meus amigos. Eu era apenas Marcus. Benson protegeu-se atrs de sua mesa e seu anel de grau batia nervosamente na mesa. Isso sempre acontecia quando as coisas estavam pretas para ele. Os jogadores de pquer chamavam isso de dica - algo que ajuda voc a saber o que est se passando dentro da cabea do adversrio. Eu conhecia todas as dicas de Benson de trs para frente. Marcus, espero que voc perceba que a situao muito sria. Perceberei assim que me explicar do que se trata, senhor. Eu sempre dizia senhor para uma autoridade quando eu estava sendo irnico com ela. Era a minha dica. Ele balanou a cabea e olhou para baixo. Outra dica. Daqui a pouco ele iria comear a gritar comigo. Escute aqui, garoto! J hora de voc se tocar que sabemos tudo o que voc anda fazendo e que no seremos tolerantes! Voc vai ter com sorte se no for expulso antes desta conversa terminar. Voc quer se formar? Senhor Benson, o senhor ainda no me explicou qual o problema... Ele socou a mesa e apontou para mim. O problema, Senhor Espertinho, que voc se envolveu em uma conspirao criminosa para subverter o sistema de segurana da escola e forneceu dispositivos de

contramedida para seus amigos estudantes. Voc sabe que conversamos com Graciella Uriarte semana passada sobre o uso de um de seus dispositivos. Uriarte tinha sido enganada. Comprara um bloqueador de rdio de uma espelunca perto da estao BART (Bay Area Rapid Transit) na rua 16 e ele deixou de funcionar bem na entrada da escola. No era minha culpa, mas tive pena dela. E o senhor pensa que estou envolvido nisso? Temos informaes confiveis de que voc o W1N5T0N (novamente ele soletrou e eu comecei a imaginar se ele no tinha percebido ainda de que o 1 era I e o 5 um S). Ns sabemos que este tal de W1N5T0N responsvel pelo roubo dos testes standard no ano passado. No verdade eu no tinha feito isso, mas era o tipo de coisa que voc gosta que seja dito de voc, como um elogio. Alm do mais, este fato suscetvel a muitos anos de deteno, a no ser que coopere comigo. O senhor tem informaes confiveis? Eu gostaria de v-las! Ele me encarou. Sua atitude no vai ajud-lo. Se existe uma prova, senhor, acho que devia chamar a polcia e entregar a coisa para eles. Parece coisa sria, e eu no gostaria de ficar no caminho de uma investigao apropriada pelas autoridades responsveis. Quer que chame a polcia. E meus pais, eu acho. Seria melhor assim. Ns ficamos nos encarando atravs da mesa. Ele esperava que eu me entregasse assim que soltou a bomba sobre mim. Eu no me dobrei. Eu tinha um truque para desarmar gente como Benson: eu olhava levemente para a direita das

suas cabeas e pensava nos versos de velhas canes irlandesas, do tipo que tem trezentos versos. Isso me fazia parecer perfeitamente controlado e despreocupado. E a asa veio do pssaro, e o pssaro veio do ovo, e o ovo estava no ninho, e o ninho estava na folhagem, e a folhagem estava no galho, e o galho estava no ramo, e o ramo estava no tronco, o tronco est na rvore, a rvores esto no pntano, o pntano no vale - ho! Pode voltar para a sua classe. Eu o chamarei assim que a polcia estiver pronta para falar com voc. Vai chamar agora a polcia? O processo para chamar a polcia complicado. Eu esperava poder resolver isso de forma clara e rpida. Mas j que voc insiste Eu posso esperar enquanto o senhor os chama. No me importo. Ele bateu seu anel novamente e eu esperei a exploso. Saia daqui! Saia do meu escritrio, seu miservel! Sa, mantendo minha expresso neutra. Ele no iria chamar os tiras. Se ele tivesse provas suficientes para ir at a polcia, ele teria feito isso primeiro. Ele me odiava. Ento imagino que tivesse ouvido algum boato e esperava me assustar o bastante para que eu o confirmasse. Fui seguindo pelo corredor, leve e solto, mantendo o passo para evitar as cmeras de vigilncia. Elas tinham sido instaladas um ano antes e eu amava enganlas. Algum tempo atrs nos tnhamos cmeras de reconhecimento facial cobrindo cada espao pblico das escolas, mas a corte julgou como anti-constitucional. Ento Benson e outros administradores paranicos gastaram o dinheiro dos nossos computadores escolares comprando aquelas cmeras idiotas que deveriam ser capazes de acompanhar as pessoas. T certo, me engana que eu gosto!

Voltei para a classe e me sentei. Senhorita Galvez me recebeu preocupada. Desempacotei o computador escolar modelo standard e entrei no modo sala de aula. Estes computadores eram a tecnologia mais delatora que havia: registravam cada tecla apertada, vigiavam o trfego da rede procurando palavras chaves suspeitas, contavam cada clique, mantendo registro de cada pensamento que voc colocasse na rede. Ns j tnhamos isso quando eu era calouro, e levava pouco mais de um ms para perder a graa. Uma vez que as pessoas percebiam que estes laptops grtis trabalhavam para os omi e exibiam uma lista sem fim de anncios odiosos quando se ligava, eles passaram a parecer pesados e incmodos. Crackear meu computador escolar foi fcil. O crack ficava online e no precisava fazer muito mais - s baixar uma imagem para um DVD, queim-lo, inseri-lo e dar boot, enquanto se apertava varias teclas ao mesmo tempo. O DVD fazia o resto: instalava um monte de programas que ficavam escondidos na mquina mesmo quando a comisso educacional fazia seu acesso dirio remoto para checar a integridade dela. Agora mesmo eu fazia um update do software para driblar os testes mais recentes da comisso, mas isso era um preo pequeno a se pagar para se ter um pouco de controle da coisa. Disparei meu IMParanoid, um messanger instantneo secreto que eu usava quando queria ter uma conversa sem ser registrado bem no meio da aula. Darryl j tava logado. >O jogo est de p! Tem alguma coisa de sinistro acontecendo com o Harajuku Fun Madness. T dentro? >De jeito nenhum. Se eu for pego, estou frito. Cara, voc sabe. Deixa pra depois da escola. >Voc tem o recreio e a sala de estudos, certo? So duas horas. Tempo bastante pr sair fora e voltar antes que eles percebam. Vou levar o time completo.

Harajuku Fun Madness era o melhor jogo j lanado. Eu sei que eu j disse isso, mas no custa repetir. um ARG, um game de realidade alternativa. A histria era sobre uma gangue de adolescentes japoneses transados que descobre uma pedra de cura miraculosa em um templo em Harajuku. Esse era o lugar onde os japoneses adolescentes espertos haviam inventado toda e qualquer subcultura dos ltimos dez anos. Eles so ento caados por monges do mal, a Yakusa (Mfia japonesa), aliengenas, inspetores de impostos, pais e uma inteligncia artificial canalha. No jogo havia mensagens codificadas que ns precisvamos decodificar e outras pistas. Imagine a melhor tarde que voc j passou na vida vagabundeando pelas ruas da cidade, encontrando todo tipo de gente estranha, dinheiro de mentira maneiro e lojas iradas. Agora acrescente uma caada que requer que voc pesquise uns filmes antigos muito loucos, msicas e toda cultura jovem ao redor do planeta, atravs do tempo e do espao. E uma competio, onde o time vencedor ganha o prmio de dez dias em Tquio, curtindo em Harajuku, passeando por Akirabara, e levando para casa todo o Astro Boy que puder comer, exceto aquele chamado Atom Boy no Japo. Isso era Harajuku Fun Madness e uma vez que voc resolve um enigma ou dois, voc no precisa voltar atrs nunca mais. >No cara, no mesmo! Nem vem! >Eu preciso de voc, D. Voc o melhor que eu tenho. Eu juro. A gente sai e volta e ningum vai saber. Voc sabe que eu consigo fazer isso. >Eu sei que pode. >Ento voc t dentro? >Caramba, no!

>Vamos l, Darryl! Voc no vai pro seu leito de morte desejando ter passado mais tempo estudando. >Nem vou pro meu leito de morte esperando ter passado mais tempo em ARG tambm. >T, mas pense... voc pode ir pro seu leito de morte desejando ter passado mais tempo com Vanessa Pak? Vanessa fazia parte do meu time. Ela tinha vindo de uma escola particular para moas de East Bay, mas eu sabia que ela estava querendo escapar e ir para a Misso comigo. Darryl tinha uma queda por ela h anos, mesmo antes que a puberdade a favorecesse em abundncia com seus presentes. Darryl se apaixonara por ela. Triste verdade. >Voc no presta. > Voc vem? Ele olhou para mim e balanou a cabea. Ento concordou. Pisquei para ele e comecei a trabalhar para juntar meu time. # Nem sempre estive metido com ARG. Eu tinha um segredo obscuro. Eu costumava ser um LARPeiro. LARP significava Jogo de Representao e Interpretao de Personagens; nele voc anda por a vestindo fantasias, falando com sotaque, fingindo ser um super-espio, um vampiro, ou um cavaleiro medieval. como Roube a Bandeira combinado com monster-drag, com uma pitada de Drama Club. E os melhores eram aqueles em que jogvamos em acampamentos fora da cidade, em Sonoma ou na Pennsula. Esses picos de trs dias costumavam ser barra, marchas de um dia inteiro, batalhas com espadas de bambu, atirando feitios uns nos outros gritando Bola de Fogo e coisas assim. Muito divertido, se voc um tanto

bobo. Nem de perto to escroto quanto se sentar numa mesa apinhada de latas de diet Coke e miniaturas pintadas e ficar falando sobre o que o seu elfo vai fazer; era algo bem mais fsico do que ficar em casa em mouse-coma, diante de um game multi-jogadores estpido. A coisa que me deixava mal de verdade eram os mini-games em hotis. Toda vez que um conveno de Fico Cientfica chegava nossa cidade, alguns LARPeiros conseguiam convenc-los a realizar mini-games de seis horas durante a conveno, meio que aproveitando o espao alugado deles. Ter um bando de garotos entusiasmados, vestindo fantasias e correndo por toda parte acabava dando um pouco de animao ao evento, e ns podamos ter nossa festa no meio de pessoas mais socialmente depravadas do que ns mesmos. O problema com os hotis que eles costumam ter um monte de gente que no est l para jogar - e no falo s do pessoal da fico cientfica. Pessoas normais, quero dizer. Vindas de lugares que os nomes terminam com muitas vogais, pessoas de frias. E algumas vezes, estas pessoas no compreendem que se trata de um jogo. Bom, vamos deixar assim, ok? # A aula terminou em dez minutos e no me deixou tempo suficiente para me preparar. A primeira coisa a ser feita era tratar das cmeras do corredor. Como eu disse, elas haviam comeado como cmeras de reconhecimento facial, mas ento foram decretadas como anti-constitucionais. Pelo que sei, nenhuma corte determinou sequer se estas cmeras de acompanhamento eram legais, e at eles decidirem, continuvamos dando um jeito nelas. Galope uma palavra engraada para um jeito de andar. As pessoas eram boas em identificar jeitos de andar - a prxima vez que for viajar para um acampamento, preste ateno no movimento da lanterna enquanto um camarada seu

vem em sua direo. Existe uma grande chance de voc identific-lo apenas pelo movimento da luz, pelo jeito caracterstico de subir e descer que diz ao nosso crebro de macaco que uma pessoa se aproximando. O software de reconhecimento de galope tira fotos do seu movimento, tentando isol-lo nas fotos como silhuetas e ento tenta comparar a silhueta num banco de dados pra ver quem voc. um identificador biomtrico, como impresso digital ou scan de retina, mas tem bem mais choques do que estes outros. Um choque biomtrico se d quando se encontra mais do que uma combinao possvel. Apenas voc possui a sua impresso digital, mas sua maneira de andar pode ser imitada por outros. No exatamente, claro. Seu caminhar, centmetro a centmetro, pessoal e somente seu. O problema que ele muda, de acordo com seu cansao, ou devido ao material de que o cho feito, do jeito que mexe o tornozelo machucado no basquete, ou se est com um tnis diferente. Ento o sistema policia seu perfil, procurando pessoas que caminhem do jeito que voc caminha. E tem um monte de gente que anda como voc. E mais, fcil andar diferente do normal - basta tirar um p do sapato. claro voc sempre andar como voc anda com um sapato apenas. Neste caso, ento as cmeras eventualmente vo ver que ainda voc. Por este motivo eu prefiro injetar uma pequena randomicidade em meus ataques ao reconhecimento de galope. Eu coloco uma mo cheia de cascalhos em cada p de tnis. Barato e efetivo e nunca dois passos se parecem com outro. Alm disso, voc ganha uma tima massagem reflexolgica dos ps neste processo. (Estou brincando. Reflexologia sobre o uso cientifico do reconhecimento de galope) As cmeras costumam disparar um alarme a cada vez que algum noreconhecido entra no campus. As nossas no funcionam assim.

Os alarmes so desligados a cada dez minutos. Quando o carteiro entra, quando um pai ou me aparece no ptio, quando algum l da rua entra na quadra de basquete, quando um aluno aparece com um tnis novo. Ento basta tentar saber quem est aonde e quando. Se algum passa pelos portes da escola durante a aula, seu andar checado para ver se combina com o andar de algum aluno seno o alarme dispara! A Escola Chvez cercada por canteiros de cascalhos. Eu costumo ter sempre um punhado de pedras na mochila, para o caso de ser preciso. Silenciosamente, passei para Darryl dez ou quinze destas pequenas miserveis e ns enchemos nossos tnis com elas. A aula estava prestes a acabar e percebi que ainda no tinha checado o site do Harajuku Fun Madness para ver onde estava a prxima pista! Tinha ficado focado demais no lance da fuga e no me preocupei em saber para onde iramos. Voltei-me para o teclado do PC escolar. O navegador (web-browser) que usvamos vinha com a mquina. Era uma verso limitada e controlada do Internet Explorer, a bosta de um crashware da Microsoft que ningum com menos de 40 anos usava voluntariamente. Eu tinha uma copia do Firefox no meu drive USB j preparado do meu jeito, mas no era o bastante - o PC escolar rodava Windows Vista 4School, um antigo sistema operacional desenhado para dar aos administradores escolares a iluso de que controlavam os programas que seus alunos podiam usar. Mas o Vista4School era seu pior inimigo. Havia um monte de programas que ele no te deixava encerrar - protetores com senhas, softwares de censura - e estes rodavam em um modo especial que era invisvel ao sistema. No dava para desativlos porque voc sequer conseguia encontr-los.

Qualquer programa cujo nome comeasse com $SYS$ invisvel para o sistema operacional. No aparece em listas do contedo do disco rgido ou num monitor de processos. Ento a minha copia do Firefox se chamava $SYS$Firefox - e quando eu a ativa, ela se tornava invisvel ao Windows e aos softwares de deteco e busca da rede. Neste instante eu j tinha um navegador independente rodando. Eu precisava de uma conexo de rede independente tambm. A rede da escola registrava cada entrada e sada do sistema, o que pssimo se voc est planejando entrar no site do Harajuku Fun Machine atrs de alguma diverso extra-curricular. A resposta era algo chamado de TOR - The Onion Router (O roteador cebola). Um roteador cebola um site de internet que pega pedidos de acessos a pginas da web e os passa atravs de outro roteador e para outro roteador at que um deles decide finalmente pegar a pgina e traz-la de volta at voc pelas camadas da cebola. O trfego pelos roteadores cebola criptografado, o que significa que a escola no consegue ver o que voc est procurando, e as camadas da cebola no sabem para quem esto trabalhando. So milhes de ns - o programa fora criado para o Escritrio de Pesquisa Naval dos Estados Unidos para ajudar pessoas afetadas por softwares de censura em pases como Sria e China, o que significava que era perfeito para ser operado no confinamento da mdia das escolas Americanas. Tor funcionava por que a escola tinha uma lista negra de sites de contedo proibido e os endereos dos ns mudavam o tempo todo; no tinha como a escola manter uma lista atualizada de todos eles. Firefox e TOR me transformavam no homem invisvel, impenetrvel aos xeretas do Comit Escolar, livre para visitar o Harajuku Fun Machine e ver o que estava rolando. Havia uma nova pista. Como todas as pistas do HFM, havia um componente fsico, online e mental. O componente online era um quebra-cabeas que devia ser resolvido, o que requeria que voc pesquisasse a resposta em um bando de charadas

obscuras. Este pacote inclua um bom nmero de perguntas sobre tramas de djinshi -- livros de quadrinhos desenhados por fs de mang (histrias de quadrinho japonesas). Eles podiam ser to grandes quanto o quadrinho original que os inspirou, mas bem mais esquisitos, com outras histrias combinadas e algumas vezes com canes e outras coisas bem idiotas. Histrias de amor aos montes, claro. Todo mundo gostava de ver seu personagem de quadrinhos favorito amarrado. Eu iria resolver os enigmas depois, quando chegasse em casa. Eram mais fceis de resolver junto com a turma toda, baixando toneladas de arquivos de djinshi e vasculhando-os atrs das respostas do quebra-cabea. Tinha acabado de salvar todas as pistas quando a campainha soou e comeamos nossa fuga. Disfaradamente, com minhas botas curtas Blindstones australianas cheias de cascalho, timas para correr e escalar, com seu design botoutirou sem laos, bastante conveniente devido aos nmero sem fim de detectores de metal que estavam por ai. Ns tambm tnhamos que evitar a vigilncia fsica, mas isso se tornava mais fcil na medida em que acrescentavam outra camada de bisbilhotice - todas as campainhas e buzinas acalmavam nossa amada escola com uma falsa sensao de segurana. Deslizamos na multido dos corredores, em direo minha sada favorita. Na metade do caminho, Darryl chiou Caracas! Eu esqueci, t com um livro da biblioteca na minha mochila. T brincando Falei, e empurrei-o pra dentro do banheiro mais perto. Livros de biblioteca eram m noticia. Todos tinham um arphid - uma lingeta identificadora de radiofreqncia - colada, que tornava possvel aos bibliotecrios checar os livros atravs de uma leitora e a estante de livros sabia se o livro estava ou no em seu lugar. Mas isso tambm permitia que a escola soubesse onde voc estava o tempo inteiro. Era outra daquelas aberturas na lei, as cortes de justia no permitiam que

as escolas usassem as arphids para rastreamento de alunos, apenas dos livros da biblioteca e usar estes registros para dizer a eles quem estava carregando qual livro. Eu tinha um pequeno Faraday de bolso na mochila - pequenas pastas cobertas com fios de cobre que efetivamente bloqueavam sinais de radio, silenciando arphids. Mas os de bolso eram feitos para neutralizar cartes de identificao e etiquetas transponders, no livros. Introduo Fsica? Eu gemi Esse livro era do tamanho de um dicionrio!

CAPTULO 2

Este captulo dedicado Amazon.com, o maior site de vendas de livros pela internet do mundo. A Amazon uma loja fantstica onde voc pode conseguir praticamente qualquer livro j publicado (e tudo mais, desde laptops a grelhas) onde eles levaram as recomendaes ao seu ponto mais alto, onde eles permitem que fregueses se comuniquem diretamente com outros fregueses e constantemente inventam novas e melhores maneiras de conectar livros e leitores. A Amazon sempre me tratou como ouro - o fundador, Jeff Bezos, at colocou uma nota sua em uma reviso de leitor para meu primeiro romance - e eu compro neles adoidado (olhando minha planilha, parece que eu compro algo l a cada seis dias, aproximadamente.). A Amazon reinventou o processo de venda de livros no sculo vinte e no consigo pensar em um grupo melhor de pessoas para encarar esta espinhosa tarefa.

Estou pensando em estudar fsica quando for para Berkeley disse Darryl. Seu pai ensinava na Universidade da Califrnia em Berkeley,o que significa que ele ganharia uma bolsa de estudos quando fosse para l. E nunca houve nenhuma dvida na famlia de Darryl sobre em que faculdade ele iria estudar. Legal, mas voc no podia pesquisar online? Meu pai disse que eu devia ler este livro. Alm disso, eu no planejei cometer nenhum crime hoje.

Escapar da escola no crime. uma infrao. So coisas totalmente diferentes. Marcus, o que vamos fazer? Bem, se eu no consigo esconder o livro, ento vou precisar deton-lo! Matar arphids era uma arte pouco conhecida. Nenhum comerciante queria que fregueses maliciosos andassem pelo shopping deixando para trs um monte de mercadorias lobotomizadas sem seu cdigo em barra invisvel, ento a indstria havia se recusado a criar um sinal assassino, com o qual voc poderia desligar um arphid. Com a ferramenta certa era possvel reprogram-lo, mas eu odiava fazer isso com os livros da biblioteca. No era como arrancar pginas de um livro, mas ainda assim era ruim, pois um livro com o arphid reprogramado no poderia voltar biblioteca, pois no poderia ser mais encontrado. Seria como transform-lo numa agulha em um palheiro. Aquela situao s me deixou com uma sada: detonar a coisa. Literalmente, 30 segundos em um forno de microondas acabariam com qualquer arphid no mercado. Como o arphid no responderia quando fosse checado de volta na biblioteca, ento eles simplesmente mandariam imprimir um novo para o livro, o recodificariam no catlogo informativo de livros e ele voltaria para as prateleiras. Tudo que precisvamos era de um forno de microondas. Espere uns dois minutos e a sala dos professores estar vazia, eu disse. Darryl agarrou o livro e seguiu para a porta: Esquea, nem pensar. Vou para a aula. Agarrei-o pelo ombro, forando-o a ficar. Vamos l D, calma. Vai dar tudo certo!

A sala dos professores? Se liga, Marcus. Se me pegarem mais uma vez, sou expulso. Voc me ouviu? Expulso. No vo te pegar!, eu disse. Se havia um lugar onde voc no acharia um professor era a sala dos professores. Vamos l na volta. A sala tinha uma pequena cozinha em um dos lados, com sua entrada particular para aqueles que queriam apenas pegar uma xcara de caf. O forno de microondas - que cheirava a pipoca e sopa pronta - ficava em cima de um frigobar. Darryl suspirou e eu pensei rpido: Olha, o sinal j vai tocar. Se voc for para a sala de estudo agora, vai perder o barco. Melhor no aparecer por a. Posso entrar e sair de qualquer sala no campus, Darryl. Voc sabe que eu posso. Vou te proteger, mano> Ele suspirou de novo. Esta era uma das dicas de Darryl: sempre que ele comeava a suspirar,estava prestes a concordar. Simbora, disse, e samos Foi perfeito. Passamos pelas salas, pegamos as escadas dos fundos para o poro e samos pelas escadas da frente bem diante da sala dos professores. Nenhum som vinha de trs da porta; eu girei a maaneta e empurrei Darryl para dentro antes de fechar a porta. O livro coube direitinho dentro do microondas, que parecia mais sujo do que da ultima vez. Eu costumava vir ali para us-lo. Cuidadosamente, embrulhei o livro em papel toalha antes de coloc-lo dentro. Cara, estes professores so uns porcos, falei. Darryl, plido e tenso, nada disse.

O arphid morreu soltando fagulhas, o que foi muito legal (No tanto quanto o efeito que conseguimos quando se aquece um cacho de uvas congelado, que era algo realmente inacreditvel.) Agora, podamos escapar do campus em perfeito anonimato. Darryl abriu a porta e saiu, comigo em seus calcanhares. Um segundo depois, ele estava pisando meus tnis, me empurrando com os cotovelos enquanto voltvamos para a pequena cozinha de onde tnhamos acabado de sair. Volta, rpido! o Charles! Sussurrou nervoso. Charles Walker: no digo mais nada. Estvamos na mesma srie e eu o conhecia h tanto tempo quanto Darryl, mas a semelhana acabava por a. Charles sempre fra grande para a sua idade, e agora que estava jogando futebol Americano, ficara ainda maior. Ele tinha problemas srios de controle de raiva: graas a ele, eu perdi um dente de leite na terceira srie. Ele tinha conseguido no ficar em apuros sendo o maior dedo duro da escola. Era uma pssima combinao: um brigo que era tambm alcagete, que tinha um enorme prazer em levar aos professores qualquer infrao que encontrasse. Benson amava Charles. Charles havia deixado transparecer que tinha algum tipo de problema de bexiga o que dava a ele a licena para andar pelos corredores da Chvez, durante as aulas, procurando algum que pudesse delatar. A ltima vez que Charles me arranjara problemas tinha terminado comigo desistindo de uma partida de LARP. No tinha a inteno de deixar que ele me pegasse de novo. O que ele est fazendo? Ele est vindo para c, o que est fazendo. Darryl disse tremendo.

OK, t na hora de contramedidas de emergncia. Peguei meu telefone. Tinha planejado isso com antecedncia. Charles nunca me pegaria de novo. Passei um email para o servidor de casa e ele comeou a agir. Segundos depois, o telefone de Charles zuniu espetacularmente. Eu tinha toneladas de chamadas simultneas aleatrias e mensagens de texto prontas para serem enviadas, causando gorjeios e trinares o bastante para obrig-lo a desligar e continuar desligando sem parar. O ataque era acompanhado de um botnet, o que fazia com que me sentisse mal, mas era por uma boa causa. Botnets infectavam computadores por toda a vida. Quando voc pega um worm ou um vrus, seu computador manda uma mensagem para um canal de chat de IRC (Internet Relay Chat). A mensagem diz ao botmaster - o cara que soltou o vrus - que o computador est pronto para ser invadido por ele. Botnets so extremamente poderosos, pois podem comprometer milhares e at centenas de milhares de computadores, espalhando-se por toda internet, pegando as conexes de banda-larga mais apetitosas nos PCs caseiros mais potentes. Estes PCs normalmente funcionam de acordo com a vontade de seus donos, mas quando um botmaster os aciona, eles surgem como zumbis prontos para obedecer a suas ordens. Haviam tantos PCs infectados na internet que o preo de usar seus servios por uma hora ou duas em uma botnet caiu. A maioria destas coisas trabalhava para aqueles que espalhavam spam, distribuindo spambots e enchendo sua caixa de entrada de correio com anncios de plulas para os ossos ou novos vrus que podem te infectar e recrutar sua mquina para juntar-se botnet. Eu usei apenas 10 segundos do tempo de trs mil PCs ordenando que cada um mandasse uma mensagem de texto ou chamada de voz para o telefone de Charles, cujo nmero eu tirara de uma caderneta de notas fedorenta da mesa de Benson, durante uma visita infeliz ao seu escritrio.

No preciso dizer que o telefone de Charles no estava equipado para lidar com isso. Primeiro a memria de seu telefone encheu-se de SMSes (torpedos), o que causou o acionamento das rotinas de operao que precisavam fazer coisas como controlar a campainha e registrar cada um dos nmeros de retorno das chamadas fictcias (voc sabe que muito fcil de gerar um nmero de retorno falso em uma chamada? Existem umas cinqenta maneiras de se fazer isso - procure no Google SPOOF CALLER ID) Charles parou embasbacado e passou a bater furioso no aparelho. Suas sobrancelhas finas se mexiam e contorciam como se estivesse lutando contra demnios que haviam se apoderado de seu aparelho mais pessoal. O plano estava funcionando bem, mas ele no estava fazendo o que eu achava que iria fazer em seguida - supostamente ele deveria ir para algum lugar se sentar e tentar consertar seu telefone. Darryl bateu no meu ombro e eu afastei-me da brecha aberta da porta. O que ele est fazendo? Perguntou Darryl sussurrando. Eu bloqueei o telefone dele, mas ele est s parado l, ao invs de ir embora. No seria fcil colocar aquela coisa para funcionar de novo. Uma vez que sua memria estivesse completamente cheia, seria difcil recuperar o cdigo para apagar as mensagens falsas e no havia jeito fcil de apagar as mensagens de texto naquele aparelho, o jeito era apagar uma por uma de milhares de mensagens. .Darryl assumiu meu lugar na porta, espiando pela brecha. Um segundo depois seus ombros comearam a tremer. Fiquei assustando imaginando que ele estava entrando em pnico; mas quando ele se voltou, vi que estava rindo tanto que lgrimas corriam em suas bochechas. Galvez acabou de ferr-lo por ficar no corredor durante sua aula. Ela estava adorando.

Apertamos as mos solenemente e voltamos para o corredor, direto para as escadas, dando a volta e seguindo pela porta dos fundos, passando a cerca e saindo em direo ao sol maravilhoso naquela tarde na Misso. A rua Valencia nunca me pareceu to linda. Olhei meu relgio e gritei: Vambora! O resto da galera vai nos encontrar nos bondes em vinte minutos.

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Van nos reconheceu primeiro. Ela estava no meio de um grupo de turistas coreanos, que era uma das suas maneiras prediletas de se camuflar quando fugia da escola. Desde que o monitoramento da cabulagem se tornou parte da internet, nosso mundo cheio de donos de lojas intrometidos e xeretas que se encarregam de nos delatar na rede para os administradores escolares. Ela saiu da multido e se juntou ao bando. Darryl tinha uma queda por Van desde sempre e ela era doce o bastante para fingir que no sabia disso. Ela me abraou e foi em direo a Darryl, lhe dando um rpido beijo fraternal no rosto que o fez ficar vermelho at as orelhas. Os dois faziam uma dupla engraada. Darryl era um pouquinho gordo, mas nada demais, e ficava vermelho a cada vez que ficava excitado. J tinha barba desde que os nossos 14 anos, mas graas a Deus ele comeou a se barbear aps um breve perodo chamado por ns de Os anos Lincoln. E ele era alto. Muito, muito alto. Alto como um jogador de basquete. Van era quase meia cabea mais baixa do que eu, magra com cabelos compridos negros elaboradamente loucos, cheios de tranas em penteados que ela pesquisava na rede. Sua pele era ligeiramente bronzeada, olhos negros e ela adorava

anis de vidro imensos, do tamanho de rabanetes, que faziam barulho quando ela danava. Cad Jolu? Perguntou. Como vai,Van? Perguntou Darryl com uma voz esganada. Ele sempre estava um passo atrs na conversa, quando Van estava perto. T legal D. Como vai o seu mundinho? Oh, ela era malvada, malvada mesmo. Darryl quase desmaiou. Jolu o salvou de uma desgraa social prestes a ocorrer. Apareceu usando uma jaqueta de basquetebol vrios nmeros maior que o seu, tnis bacanas e um bon do seu lutador mascarado mexicano predileto. El Santo Junior, virado ao contrrio. Jolu se chamava Jose Luis Torrez, e completava o quarteto. Ele vinha de uma escola catlica super-restrita em Outer Richmond, ento no tinha sido fcil escapar de l. Mas ele sempre conseguia. Ningum era to bom em escapar da escola como nosso Jolu. Ele gostava da jaqueta, pois o fazia passar por gente comum - alm de parecer estilosa em certas partes da cidade - e escondia seu uniforme escolar, que seria um alerta para os idiotas xeretas que tinham o nmero do servio de caa-gazeteiros armazenado em seus telefones. Quem est pronto para ir? perguntei, e todos disseram ok. Tirei o meu telefone e mostrei o mapa que eu havia baixado no BART. Assim que eu puder agir, voltamos para o Nikko e vamos ao OFarrel, e seguimos pela esquerda at Van Ness. L, em algum lugar, vamos encontrar o sinal wireless. Van fez uma careta. uma parte asquerosa de Tenderloin. Eu no podia argumentar com ela. Aquela rea de So Francisco era das mais escrotas - voc vai para a entrada da frente do Hilton e encontra aquela coisa pra

turista, como as estaes finais dos bondes e restaurantes familiares. Na direo contrria vai parar no Loin, para onde vo todos os travestis e prostitutas, cafetes casca-grossa, vendedores de drogas e onde todos aqueles sem-teto da cidade se concentram. Nenhum de ns tinha idade o bastante para fazer parte do que eles vendiam e compravam, apesar de haver vrias prostitutas adolescentes batalhando em seus negcios pelo Loin. Olhe pelo lado positivo. A nica vez que voc precisa ir naquelas bandas luz do sol. Nenhum dos outros jogadores chegar perto de l at amanh de manh. Isso, em termos de ARG, se chama uma vantagem inicial monstruosa. Jolu riu. Voc faz isso parecer como boa coisa. Ele disse. Estamos nessa juntos, eu disse. Vamos ficar falando ou vamos vencer? disse Van. Depois de mim, ela era a jogadora mais durona do nosso grupo. Leva a srio a coisa de vencer. Samos dali, quatro bons amigos, em seu caminho para decodificar uma pista, ganhar o jogo - e perder para sempre tudo aquilo que estimvamos.

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O componente fsico da pista de hoje era um grupo de coordenadas de GPS havia coordenadas para a maioria das grandes cidades onde HFM era jogado - onde encontraramos um ponto com acesso ao sinal de WiFi. Aquele sinal estava sendo deliberadamente interferido por outro ponto de WiFi prximo que estava escondido de maneira a no poder ser encontrado por buscadores de WiFi convencionais, pequenos o bastante para pendurar num chaveiro e que diziam quando voc estava dentro do alcance de um ponto de acesso aberto para uso gratuito.

Ns tnhamos que rastrear a localizao do ponto de acesso escondido medindo a fora da interferncia sobre aquele visvel encontrando o ponto onde ele misteriosamente enfraquecia. L acharamos outra pista - a ltima vez tinha sido um dia de graa no Anzu, o pretensioso restaurante de Sushi no hotel Nikko em Tenderloin. (Lombo macio) O Nikko pertencia Japan Airlines, um dos patrocinadores da Harajuku Fun Madness, e o staff fez uma tremenda confuso conosco quando ns finalmente encontramos a pista. Deram-nos tigelas e mais tigelas de miso (sopa) e nos fizeram provar uni, que era sushi feito de ourio do mar, que tinha textura de queijo derretido e um cheiro de coc de cachorro. Mas o gosto era bom. Foi o que o Darryl me disse: eu no comeria aquela porcaria de jeito nenhum. Encontrei o sinal do WiFi com o buscador de WiFi do meu telefone a trs quadras subindo a OFarrel, logo antes da rua Hyde, em frente ao suspeito Salo de Massagem Asitico, que tinha um sinal luminoso vermelho piscando FECHADO na janela. O nome da rede era HarajukuFM, ento sabamos que estvamos no caminho certo. Se estiver l dentro, eu no vou entrar disse Darryl. Vocs esto com seus buscadores de WiFi? eu perguntei. Darryl e Van tinham buscadores internos nos telefones, enquanto Jolu, que era chique demais para carregar um telefone maior do que seu dedo mindinho, tinha um pequeno buscador direcional no chaveiro. Ok, vamos entrar e ver o que achamos. Estamos procurando uma queda abrupta de sinal que fica pior medida que nos aproximamos. Dei um passo para trs e acabei pisando no p de algum. Uma voz feminina disse cai fora e me virei com medo de alguma viciada me esfaquear por ter quebrado seus saltos.

Ao invs disso, dei de cara com algum da minha idade. Ela tinha os cabelos cor-de-rosa-choque e uma cara de roedor, com enormes culos de sol, que eram praticamente culos de pilotos da fora area. Vestia tiras rasgadas sobre um vestido preto vovozinha, decorado por montes de pequenos brinquedos de personagens de anime (desenho animado japoneses) presos por alfinetes, velhos lideres mundiais e emblemas de Soda-pop estrangeiros. Levantou a cmera e tirou uma foto minha e da turma. Sorria! ela disse. Voc est no Candid Snitch-Camera. Nem vem! eu disse. Voc no vai... Eu vou. ela disse. Vou mandar esta foto para o Caa-Gazeteiros em trinta segundos, a menos que vocs trs larguem esta pista e deixem que eu e meus amigos continuemos daqui. Podem voltar em uma hora e ela ser toda sua. Acho mais do que justo. Olhei para trs e vi outras trs meninas no mesmo estilo - uma de cabelo azul, outra verde e outra prpura. Quem vocs pensam que so? O esquadro Picol-4sabores? Somos o time que ir chutar o traseiro do seu time no Harajuku Fun Madness ela disse. E eu sou aquela que est prestes a mandar a sua foto e lhe trazer muitos problemas... Atrs de mim senti Van comear a recuar. Sua escola apenas para meninas era notria pelas brigas e eu tinha certeza de que ela estava prestes a partir para cima da guria. Ento, o mundo mudou para sempre. Sentimos primeiro aquele movimento do cimento sob nossos ps, que todo californiano conhece instintivamente - terremoto. Minha primeira idia, como

sempre, foi a de fugir: Quando estiver em apuros, corra e grite. Mas o fato era que ns j nos encontrvamos no lugar mais seguro possvel: no estvamos dentro de um prdio que poderia desabar, ou no meio da rua onde estilhaos poderiam nos atingir. Terremotos so assustadoramente silenciosos - pelo menos a principio - mas este no. Foi alto, um inacreditvel rugido mais alto do que qualquer coisa que eu tivesse ouvido antes. To doloroso que me fez cair de joelhos - e no fui o nico.Darryl bateu no meu brao e apontou para os prdios e vimos uma gigantesca nuvem escura vindo da regio nordeste, da Baa. Houve outro trovo e a nuvem nos alcanou, aquela coisa escura que crescemos vendo em filmes. Ouvimos mais troves e sentimos mais tremores. Cabeas apareceram nas janelas por toda rua. Olhvamos em silncio para a nuvem em forma de cogumelo. Ento comearam as sirenes. J tinha ouvido sirenes assim antes - eles testavam as sirenes da defesa civil nas tardes de tera. Mas s tinha ouvido sirenes fora de hora em filmes antigos sobre a guerra e em vdeo games, quando algum est bombardeando do alto outro jogador. Sirenes de ataque areo. Aquele som woooooo fez tudo menos real. Sigam imediatamente para os abrigos. Foi como a voz de Deus vindo de todas as partes. Havia alto-falantes em postes, algo que eu nunca tinha reparado, e todos foram acionados ao mesmo tempo. Sigam imediatamente para os abrigos. Abrigos? Olhvamos confusos uns para os outros. Que abrigos? A nuvem se expandia. Seria nuclear? Ser que estvamos respirando pela ultima vez? A garota de cabelo rosa agarrou suas amigas e partiu correndo rua abaixo de volta para a estao BART ao p das colinas.

SIGAM IMEDIATAMENTE PARA OS ABRIGOS. Agora os alto-falantes berravam e um monte de turistas passou correndo. Voc sempre pode identificar os turistas, aqueles que pensam CALIFORNIA = CALOR e passam seus feriados em So Francisco congelando em seus shorts e camisetas, correndo em todas as direes. Vamos embora! Daryl gritou em meu ouvido, um pouco mais audvel do que as sirenes, que se juntavam as tradicionais sirenes da polcia. Uma dzia de carros da polcia local passou gritando por ns. SIGAM IMEDIATAMENTE PARA OS ABRIGOS. Vamos para a estao BART gritei. Meus amigos concordaram. Corremos.

CAPTULO 3

Este captulo dedicado a Bordlands Books de So Francisco, uma magnfica loja independente de livros de fico cientfica. Bordelands se situa do outro lado da rua onde fica a fictcia escola Cesar Chvez, que aparece em Pequeno Irmo. Ela no notria somente por seus eventos, noites de autgrafos, clubes do livro e coisas assim, mas tambm por seu incrvel gato egpcio careca chamado Ripley, que vive empoleirado como um grgula no computador da loja. Bordelands a livraria mais amigvel que voc pode encontrar, cheia de recantos confortveis para sentarse e ler, com atendentes maravilhosos e conhecedores de tudo que se pode saber sobre fico cientifica. Melhor ainda, aceitam encomendas do meu livro (pela internet ou por telefone) e mantm alguns por l para eu assinar, quando passo pela loja e enviam para os Estados Unidos inteiro sem custo. Borderlands Books: 866 Valencia Ave, So Francisco CA USA 94110 +1 888 893 4008

Passamos por muita gente no caminho da estao Bart na rua Powell. Corriam ou caminhavam, os rostos plidos e silenciosos, ou gritando em pnico. Sem-teto agachados nas entradas dos prdios olhando com medo para tudo, enquanto uma prostituta negra e alta gritava algo para dois caras de bigodes. medida que ficvamos mais prximos da Bart, aumentava o nmero de pessoas. Quando chegamos aos degraus da estao j era uma cena de multido, as pessoas lutavam tentando subir as escadas estreitas. Algum acertou minha cara e outro algum me empurrava pelas costas. Darryl ainda estava do meu lado - ele era grande o bastante, difcil de ser empurrado e Jolu bem a direita dele, meio que se segurando nele. Consegui ver

Vanessa a poucos metros dali, presa no meio do povo. Se dana! Eu ouvi Van gritando. Seu tarado! Tira as mos de mim! Consegui me mexer e vi Van olhando feio para um cara mais velho de terno e que ria para ela. Ela mexia em sua bolsa e eu sabia o que ela estava procurando. No jogue o spray paralisante nele! Gritei acima da zoeira. Vai acertar a gente tambm. Bastou a meno da palavra paralisante para que o cara fizesse uma careta de horror e recuasse, sumindo em meio a multido que continuava a avanar. Acima das cabeas, consegui ver uma dona de meia-idade num vestido hippie vacilar e cair. Ela gritou enquanto caa e vi que lutava para tentar ficar de p, mas no podia, a presso da multido era mais forte. Assim que consegui chegar perto dela, eu me curvei para ajud-la e quase ca sobre ela. Acabei pisando em seu estmago quando a multido me empurrou, mas no vi se ela sentiu algo. Eu estava mais assustado do que nunca. Havia gente gritando por toda parte e mais corpos no cho e a presso que vinha trs era impiedosa como a de um trator. A nica coisa que eu podia fazer era ficar em p. Ns estvamos na rea de acesso onde ficavam as catracas de entrada. De qualquer forma era melhor ali - o espao enclausurado ecoava as vozes ao redor como um rugir que fazia minha cabea doer e o cheiro de todos aqueles corpos fez com que me sentisse claustrofbico como nunca imaginei. O povo ainda se comprimia nas escadas e mais gente estava sendo espremida nas roletas e alm, pelas escadas rolantes que levavam s plataformas, e estava claro para mim que aquilo no acabaria bem. Vamos tentar sair daqui? Eu disse para Darryl. Sim, aqui t brabo! Ele disse.

Olhei para Vanessa, mas no havia como ela me ouvir. Consegui pegar meu telefone e enviei uma mensagem de texto para ela. >Estamos indo embora. Vi que ela sentiu o vibrador de seu telefone e olhou para baixo e ento para mim e concordou vigorosamente. Darryl, neste meio tempo, j tinha avisado Jolu. Qual o plano? gritou Darryl no meu ouvido. Temos que voltar! eu gritei, apontando para a desumana massa de corpos que se empurrava. No d! Ele disse. Vai ficar pior se a gente esperar mais! Ele deu de ombros. Van batalhava para chegar perto de mim e me agarrou pelo pulso. Eu peguei Darryl e Darryl agarrou a mo de Jolu, e juntos ns avanamos empurrando a multido. No foi fcil. Nos movamos a trs centmetros por minuto no incio, depois mais lentamente e da mais lento ainda quando chegamos s escadas. As pessoas pelas quais passamos no se mostravam muito felizes com o empurra-empurra. Um casal nos xingou e um cara me olhou como se estivesse prestes a me socar se conseguisse libertar os braos. Passamos por mais pessoas cadas, mas no havia como ajudar. Naquele momento eu nem pensava em ajudar algum. Tudo que eu pensava era arranjar espao na nossa frente para poder nos mover, com Darryl apertando meu pulso e eu trazendo Van agarrada atrs de mim. Saltamos livres como rolhas de champanhe uma eternidade depois, piscando em meio luz esfumaada e cinza. As sirenes de ataque areo ainda berravam e o choro das sirenes dos veculos de emergncia rasgando a rua do Mercado eram ainda mais altas. J no havia quase ningum nas ruas - apenas o povo desesperanado que

tentava chegar aos abrigos. Muitos choravam. Apontei para alguns bancos vazios que usualmente ficavam cheios de mendigos bbados de vinho. Fomos at l, com a fumaa e as sirenes nos fazendo arquear e segurar uns nos ombros dos outros. Assim que chegamos aos bancos, Darryl desmaiou. Todos gritamos e Vanessa o segurou e o virou. Sua camisa estava vermelha na lateral e a mancha se alargava. Ela levantou a camisa, revelando um corte profundo e longo. Algum maluco o esfaqueou! Jolu disse com os punhos cerradas. Deus, isso loucura! Darryl gemeu e olhou para ns, para o seu lado e sua cabea pendeu. Vanessa tirou a jaqueta jeans e a camisa de algodo que estava por baixo. Com ela pressionou o lado do corpo de Darryl. Pegue a cabea dele ela disse para mim Deixe ela levantada. E disse para Jolu: Levante seus ps - arranje alguma coisa, um casaco, para pr embaixo. Jolu obedeceu rpido. A me de Vanessa era enfermeira e ela tinha passado por treinamento de primeiros socorros em um acampamento de frias. Ela gostava de fazer piada das pessoas que prestavam socorros ruins nos filmes. Eu estava muito feliz em t-la conosco. Ficamos sentados durante bastante tempo, segurando a camisa contra a lateral do corpo de Darryl. Ns continuvamos insistindo em que ele estava bem e que ns o levaramos dali e Van continuava nos mandando calar a boca e ficar quietos antes que ela nos batesse. Que tal ligarmos para 911 (a emergncia)? Jolu perguntou.

Eu me senti como um idiota. Peguei o telefone e teclei 911. O som de resposta sequer foi de ocupado - mas como uma lamento de dor vindo do sistema telefnico. No se consegue sons como este a no ser que trs milhes de pessoas estejam ligando para o mesmo nmero ao mesmo tempo. Quem precisa de botnets quando se tem terroristas? E a Wikipdia? Perguntou Jolu. Sem telefone, sem dados. Respondi. E quanto a eles? Darryl disse apontando para a rua. Eu olhei para onde apontava pensando se ele delirava, vendo um policial ou um paramdico que no estava l. T tudo bem, camarada, descanse. Falei. No, seu idiota, os tiras nos carros. L! Ele estava certo. A cada cinco segundos um carro de polcia, uma ambulncia ou um caminho de bombeiros passava. Com Van, colocamos Darryl de p e caminhamos at a rua do Mercado. O primeiro veiculo a passar com a sirene berrando - uma ambulncia - sequer diminuiu a velocidade. Nem o carro da polcia que passou ou o caminho de bombeiros, e nenhuma das trs viaturas da polcia seguintes. Darryl no estava bem - o rosto estava plido e o suter de Van estava empapado de sangue. Eu estava cheio destes carros passando sem parar. Quando o carro seguinte apareceu na rua, eu caminhei para o meio da rua, balanando os braos acima da cabea, gritando PARE. O carro sacolejou freando e somente ento eu percebi que no se tratava de um carro da polcia, ambulncia ou de bombeiros. Era um jipe militar, como um Hummer blindado, s que sem insgnias militares nele. O carro parou bem na minha frente, e eu saltei para trs e perdi meu

equilbrio e acabei caindo. Senti que as portas se abriram e ento foi uma confuso de botas movendo-se perto de mim. Olhei para cima e vi um bando de sujeitos parecendo militares em macaces, carregando grandes e enormes rifles e usando mscaras contra gases. Tinham os rostos pintados. Quase no tive tempo de olhar para eles antes dos rifles estarem apontados para mim. Nunca tinha olhado para a mira de uma arma antes, mas tudo que ouviu falar a respeito verdade. Voc congela, o tempo pra e seu corao comea a bater em seus ouvidos. Abri a boca e a fechei e ento lentamente eu ergui as mos. O homem sem rosto e sem olhos acima de mim continuava a manter sua arma apontada. Eu nem respirava. Van gritava algo e Jolu estava berrando e eu olhei para eles num segundo e foi quando algum colocou um saco na minha cabea e o amarrou apertado sobre minha traquia, to rpido e com tanta fora que mal pude respirar antes. Fui empurrado rudemente e algo me prendeu os pulsos juntos e apertados, como se fosse um fio para empacotar, quase cruelmente. Gritei e minha voz foi abafada. Estava numa escurido total e tentava ouvir o que estava acontecendo com meus amigos. Ouvi-os gritando atravs do tecido de camuflagem do saco e ento estava sendo colocado de p pelos pulsos, os braos levados as costas, meus ombros doendo. Tropecei, ento uma mo empurrou minha cabea para baixo e fui colocado dentro do Hummer. Outros corpos eram empurrados para dentro junto de mim. Pessoal? gritei, e ouvi uma pancada na minha cabea . Ouvi Jolu responder, e ouvi a pancada como se ele fosse punido tambm. Minha cabea parecia um gongo. Ei!Eu disse para os soldados. Ei, me ouam! Ns somos apenas estudantes.

Eu fiz sinal para vocs porque meu amigo estava sangrando. Algum o esfaqueou! Eu no tinha idia do quanto eles estavam conseguindo me ouvir atravs do saco camuflado. Eu continuei falando: Ouam - isso algum tipo de malentendido. Ns estvamos levando nosso amigo para o hospital... Algum me acertou na cabea novamente. Senti algo como um basto ou parecido - fui mais duro do que qualquer coisa que j me tivessem batido antes. Meus olhos se encheram de lgrimas e eu literalmente perdi a respirao por causa da dor. Um momento depois, recuperei a respirao, mas no disse mais nada. Aprendera a lio. Quem eram estes palhaos? Eles no usavam insgnias. Talvez fossem terroristas. Eu nunca tinha acreditado antes nesta historia de terroristas - quer dizer, eu sabia de forma abstrata que existiam terroristas em algum aparte do mundo, mas no que representassem um risco para mim. Havia milhares de maneiras de ser morto - comeando por ser atropelado por algum dirigindo bbado e velozmente a caminho de Valencia - o que era infinitamente mais possvel do que terroristas. Terroristas matavam menos gente do que quedas no banheiro e eletrocues acidentais. Me preocupar com eles sempre me pareceu to til quanto ter medo de ser atingido por um raio. Sentado na traseira do Hummer, com minha cabea num saco, minhas mos presas atrs das costas, enquanto era jogado de um lado para outro com machucados na cabea, terrorismo de repente me pareceu um risco maior. O carro acelerava e freava e saltava colina acima. Imaginei que estvamos indo para Nob Hill, e pelo ngulo de subida, parecia que amos pelo pior caminho pela rua Powell, pensei.

Agora estvamos descendo. Se meu mapa mental estava certo, amos em direo ao Embarcadouro dos Pescadores. Voc consegue barcos por l, para escapar. Isso batia com a hiptese do terrorismo. Mas por que diabos terroristas iriam raptar um bando de estudantes? Paramos no meio de uma descida. O motor morreu e as portas se abriram. Algum me arrastou pelos braos para a rua, ento me soltou no cho pavimentado. Segundos depois, eu estava sendo levado por uma escada de metal, que batia em meus joelhos. As mos nas minhas costas me deram outra sacudida. Fiquei de p cauteloso, sem poder usar as mos. Estava no terceiro degrau, indo para o quarto, mas no havia quarto degrau. Ca de novo, mas outras mos me pegaram puxandome por um piso de ao e ento me foraram a ficar de joelhos e prenderam minhas mos em alguma coisa atrs de mim. Outros movimentos e a sensao de que corpos eram colocados ao meu lado. Murmrios e gemidos. Ento um longo silncio, uma eternidade nas trevas dentro do saco, respirando meu prprio exalar, ouvindo minha prpria respirao. # De alguma forma consegui dormir l, de joelhos e com a circulao das pernas cortada, minha cabea na penumbra do tecido de lona. Meu corpo havia disparado um ano do suprimento de adrenalina na minha corrente sangunea no espao de trinta minutos, e quando aquela coisa lhe dava a fora para virar automveis e saltar prdios altssimos o preo era sempre alto. Acordei com algum puxando o capuz da minha cabea. Eles no eram nem grosseiros nem cuidadosos - apenas impessoais. Como algum do Mcdonalds colocando os hambrgueres juntos. A luz na sala era to brilhante que tive que fechar os olhos, mas lentamente pude abri-los aos poucos e ento olhar ao redor.

Estvamos na traseira de um grande caminho de 16 rodas. Pude ver o lugar dos eixos e o intervalo regular entre eles. Mas a traseira do caminho tinha sido modificada para ser alguma coisa entre posto de comando e crcere. Mesas de ao seguiam as paredes e painis de instrumentos e monitores finos presas a braos articulados que os permitiam ser posicionados em semicrculo ao redor dos operadores. Cada mesa possua uma bela cadeira de escritrio em sua frente, enfeitadas com manoplas para ajuste milimtrico do assento assim como inclinao. E havia a parte das celas, na frente do caminho, do lado mais distante das portas, grades de ao de um lado a outro do veiculo, e dentro destas jaulas estavam os prisioneiros. Encontrei Van e Jolu bem direita. Darryl poderia estar entre os outros algemados na traseira, mas era impossvel ter certeza - havia muitas pessoas bloqueando minha viso. Aquilo fedia a suor e medo. Vanessa olhou para mim e mordeu o lbio. Estava apavorada. Eu tambm estava. E Jolu tambm, seus olhos no paravam de um lado para outro. E no era s isso, eu precisava mijar logo! Procurei ao redor por nossos raptores. At ento eu tinha evitado olhar diretamente para eles, do mesmo jeito que voc no olha para a escurido de um armrio, quando sua mente lhe diz ter visto um monstro l dentro. Voc no quer saber se voc est certo. Mas eu precisava dar uma olhada melhor nos panacas que nos seqestraram. Eu precisava saber se eram terroristas. Eu no sabia como um terrorista se parecia, apesar dos programas de tev se esforarem para faz-los parecidos com rabes de pele morena, barbudos e roupas de algodo que ficavam quase penduradas aos ombros. Nossos capturadores no eram assim. Eles poderiam estar se exibindo no show de intervalo do Superbowl. Pareciam Americanos comuns, de um jeito difcil de

definir exatamente. Queixudos, baixos, cortes de cabelo que no eram militares. Brancos e negros, homens e mulheres, e sorriam livremente uns para os outros sentados na traseira do caminho, brincando e bebendo caf em copos descartveis. Eles no eram rabes vindos do Afeganisto, pareciam mais turistas do Nebraska. Olhei para um deles, uma jovem branca com cabelo castanho e que parecia um pouco mais velha do que eu, do tipo atraente, de uma maneira poderosa. Se voc olha para algum por muito tempo, essa pessoa eventualmente ir olhar para voc. Ela o fez e seu rosto mudou totalmente de configurao, para uma maneira desapaixonada, quase um rob. O sorriso desapareceu em um instante. Ei! eu disse. Olhe, eu no entendo o que est se passando aqui, mas eu realmente preciso urinar, sabe? Ela olhou direto atravs de mim, como se no ouvisse. Estou falando srio, se no for ao banheiro logo, vamos ter um acidente horrvel. Vai comear a cheirar muito mal isso aqui, t sabendo? Ela se virou para os colegas, um grupinho de trs deles, e comearam a conversar baixo. No dava para ouvi-los devido ao barulho dos ventiladores dos computadores. Ela ento se virou para mim e disse: Segure por mais dez minutos e voc vai poder mijar. Acho que no vou conseguir segurar mais dez minutos. eu disse demonstrando mais urgncia do que era verdade, fazendo uma voz sofrida. srio, senhorita, agora ou nunca. Ela balanou a cabea e me olhou como se eu fosse um idiota pattico. Ela e seus amigos trocaram mais algumas palavras e ento um deles veio dos fundos. Era velho, talvez uns trinta anos e bem grande, como se malhasse. Ele parecia chins ou

coreano - mesmo Van no sabia dizer a diferena muitas vezes - mas com aquele comportamento que eu no podia deixar de reconhecer que era de Americano. Ele tirou a jaqueta e pude ver seus apetrechos. Reconheci uma pistola, um tazer e uma lata que podia ser spray de pimenta ou gs paralisante. No me arranje problemas. ele disse. Nenhum problema. eu concordei. Ele tocou alguma coisa no cinto e as algemas que me prendiam parede nas minhas costas se abriram, meus braos subitamente caram frouxos atrs. Era como se ele usasse um cinto de utilidades do Batman - controle remoto sem fio para as algemas! Fazia sentido, pensei, voc no quer se debruar sobre seus prisioneiros com todo aquele armamento mortal ao alcance dos olhos - eles poderiam agarrar sua arma com os dentes e puxar o gatilho com a lngua ou algo assim. Minhas mos ainda estavam presas atrs por tiras de plstico e agora que eu no estava seguro pelas algemas, senti como se minhas pernas tivessem virado papa devido ao fato de terem ficado muito tempo naquela posio. O que se seguiu foi longo, mas breve tambm, basicamente eu ca de cara ao cho, mexendo as pernas fracas enquanto tentava ficar de p. O cara ento me agarrou, me colocando de p e eu andei feito um palhao para um pequeno reservado em formato de caixa logo ali. Tentei enxergar Darryl nos fundos, mas ele podia ser qualquer um dos cinco ou seis desmoronados ali. Ou nenhum deles. Entre ai disse o sujeito. Mostrei os pulsos. Por favor, pode tirar?. Meus dedos pareciam salsichas prpuras devido s horas amarrados pelas tiras de plstico. Ele no fez nada.

Olhe falei tentando no parecer sarcstico ou irritado (o que no era fcil). Olhe, voc libera meus pulsos ou vou precisar de sua ajuda. Uma visita ao banheiro no algo que possa ser feito com as mos amarradas. Algum no caminho riu baixo. O cara no gostava de mim, eu podia dizer isso pelo jeito que os msculos de seu maxilar se retesavam. Cara, este pessoal no estava para brincadeiras. Ele mexeu no cinto e pegou um pequeno estojo de mil e uma utilidades. Puxou dele algo como uma faca e cortou o plstico e minhas mos ficaram livres. Obrigado Falei. Ele me empurrou para dentro do banheiro. Minhas mos estavam imprestveis, como bolos de barro na ponta dos pulsos. Quando estiquei os dedos, eles latejaram de um jeito que quase chorei de dor. Baixei o assento, baixei as calas e sentei nele. No confiava em mim o bastante para ficar de p. Esvaziei a minha bexiga e chegou a vez dos meus olhos. Curvei-me chorando silenciosamente e indo para frente e para trs enquanto as lagrimas rolavam sem parar. E tudo que eu podia fazer era continuar chorando - cobrei minha boca e abafei os sons. No queria dar a eles esta satisfao. Por fim, acabei de mijar, gritei e o cara comeou a bater na porta. Limpei meu rosto o melhor que pude com a toalha de papel, enfiei tudo na privada e dei descarga, ento olhando a volta procurando uma pia achei apenas uma embalagem de presso de um higienizador de mos coberta com uma lista dos bio-agentes que continha. Joguei um pouco nas mos e sa. O que voc estava fazendo l? o cara disse. Usando o banheiro eu disse. Ele me virou e prendeu minhas mos com um novo par de tiras. Meus pulsos haviam inchado desde que o ltimo par havia sido tirado e as novas doeram muito mais na pele macia, mas eu me recusei a dar a ele o