Costa Andrade e Arlindo Barbeitos

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COSTA ANDRADE E ARLINDO BARBEITOS Costa Andrade é um dos poetas mais importantes de Angola, sobretudo nesse momento da guerra colonial, seja pela força do seu nacionalismo, seja pela visão crítica da situaç ão colonia l, seja pelo senti do agudo de liberda de. Diz-se ue el e é um lutador em todos os sentidos. !articipou ativamente da luta organizada de libertação angolana, tendo sido preso e e"ilado, passando por #isboa, $elgrado, %t&lia e $rasil. !or isso grande parte de sua obra é pub li cada no e"te rior, como Terra de Acácia s Rubr as '() * ou Tempo angolano em Itália '(+*. !ode-se definir Costa Andrade como o poeta de um povo em emergncia nacional, colocando-se numa lut a para lela e simult nea pol ítica/ a lut a pel a aui siç ão de seus meios originais de e"pressão. 0ua linguagem é desesperadamente e esperançosamente denunciadora. Onde estai s milhões de homens livres do mundo/ que não vedes morrer de  pé Angola inteira?/ orrer de pé pela liberdade/ or rer de pé por serem homens/ orrer de pé para serem homens? !"anto de Acusa#ão$ Costa Andrade é dono de uma poesia realista e contundente ue não permite malabarismos estilísticos. 0eu ponto de partida é o cotidiano angolano '()'início da luta armada* a 12 'i ndependncia*, o coti diano do infer no das guerril3as, ma rcado pel a e"ploração, pelo terror, pelo cerceamento de todas as liberdades. 4as o ue se apreende desse cotidiano são os elementos simples ue podem ser transformados pela mão do 3omem 5 e"plorado ao m&"imo na sua pr6pria dignidade 5 sempre movido pelo desejo de liberdade. 7esse sentido, o ue Costa Andrade desenvolve é uma poesia absolutamente engajada, trazendo no seu bojo a convicção de ue a palavra é transformadora para além do sono/ na ação/  A palavra escrita sob o muro/é apenas u m suspiro/evasão voando o sonho%//  A liberdade/e&iste sempre além dos muros/e os muros s' se destroem/com as mãos do  povo% Aí, fazendo de sua poesia um instrumento de den8ncia, termina pregando o 3omem total mente engajado 5 enuanto agente transformador da reali dade 5 para ue se possa ser totalmente livre. 9 3omem ue emerge da sua poesia é o 3omem do povo, o negro angolano, o oper&rio, a mul3er, a criança, a mãe, mas sempre investido de uma significação grupal, coletiva. A liberdade não pode ser uma conuista pessoal- ela é uma conuista do povo.  7esse conte"to poético 5 ue é um conte"to de luta 5 a morte se faz presente. :ntretanto, ela não tem nen3um sentido mítico, religioso, c3oroso. :la é sempre uma morte 3er6ica/ o indivíduo se agranda e se eterniza nos ue continuam a luta. (August o )gangul a*+,uero ver aqui/ -unto deste her'i silen cioso/ aos . anos/ os homens que olham de pé/ para a igualdade dos homens%// ,uero ver aqui /s obr e este chão manchado/do sangue de um -ovem de . anos/as mães dos meninos livres/da mesma idade%// ,uero ver aqui/-unto deste corpo des0eito/a disson1ncia dos que gritam contra a  guerra/aqui/ -unto ao peito cora-oso/dos que morrem aos . anos/os que 0alam de amanhã/ e pr omet em ho ri 2ont es %/ /,ue ro ver/ aq ui os ho mens qu e ente ndem os es pa #os/ e acompanh am os v3os c'smicos/ e transplanta m cora#ões/e deci0ram a eletr3nica do som/e cantam estra#alhando os diapasões/e pintam des4gnios/e ideologi2am as causas/0rente a este corpo es0acelado aos . anos%//Aqui /-unt o desta crian#a/ decepad a aos . anos/q uero ver os mares/os lagos/e os palmarese barquinhos de papel%// Aqui/as armas de todas as

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COSTA ANDRADE E ARLINDO BARBEITOS

COSTA ANDRADE E ARLINDO BARBEITOS

Costa Andrade um dos poetas mais importantes de Angola, sobretudo nesse momento da guerra colonial, seja pela fora do seu nacionalismo, seja pela viso crtica da situao colonial, seja pelo sentido agudo de liberdade. Diz-se que ele um lutador em todos os sentidos. Participou ativamente da luta organizada de libertao angolana, tendo sido preso e exilado, passando por Lisboa, Belgrado, Itlia e Brasil. Por isso grande parte de sua obra publicada no exterior, como Terra de Accias Rubras (61) ou Tempo angolano em Itlia (63).

Pode-se definir Costa Andrade como o poeta de um povo em emergncia nacional, colocando-se numa luta paralela e simultnea poltica: a luta pela aquisio de seus meios originais de expresso. Sua linguagem desesperadamente e esperanosamente denunciadora. Onde estais milhes de homens livres do mundo/ que no vedes morrer de p Angola inteira?/ Morrer de p pela liberdade/ Morrer de p por serem homens/ Morrer de p para serem homens? (Canto de Acusao)

Costa Andrade dono de uma poesia realista e contundente que no permite malabarismos estilsticos. Seu ponto de partida o cotidiano angolano (61(incio da luta armada) a 75 (independncia), o cotidiano do inferno das guerrilhas, marcado pela explorao, pelo terror, pelo cerceamento de todas as liberdades. Mas o que se apreende desse cotidiano so os elementos simples que podem ser transformados pela mo do homem explorado ao mximo na sua prpria dignidade sempre movido pelo desejo de liberdade. Nesse sentido, o que Costa Andrade desenvolve uma poesia absolutamente engajada, trazendo no seu bojo a convico de que a palavra transformadora para alm do sono: na ao: A palavra escrita sob o muro/ apenas um suspiro/evaso voando o sonho.//

A liberdade/existe sempre alm dos muros/e os muros s se destroem/com as mos do povo.

A, fazendo de sua poesia um instrumento de denncia, termina pregando o homem totalmente engajado enquanto agente transformador da realidade para que se possa ser totalmente livre.

O homem que emerge da sua poesia o homem do povo, o negro angolano, o operrio, a mulher, a criana, a me, mas sempre investido de uma significao grupal, coletiva. A liberdade no pode ser uma conquista pessoal- ela uma conquista do povo.

Nesse contexto potico que um contexto de luta a morte se faz presente. Entretanto, ela no tem nenhum sentido mtico, religioso, choroso. Ela sempre uma morte herica: o indivduo se agranda e se eterniza nos que continuam a luta.

Augusto Ngangula:Quero ver aqui/junto deste heri silencioso/aos 12 anos/os homens que olham de p/para a igualdade dos homens.// Quero ver aqui/sobre este cho manchado/do sangue de um jovem de 12 anos/as mes dos meninos livres/da mesma idade.// Quero ver aqui/junto deste corpo desfeito/a dissonncia dos que gritam contra a guerra/aqui/ junto ao peito corajoso/dos que morrem aos 12 anos/os que falam de amanh/

e prometem horizontes.//Quero ver/ aqui os homens que entendem os espaos/e acompanham os vos csmicos/e transplantam coraes/e decifram a eletrnica do som/e cantam estraalhando os diapases/e pintam desgnios/e ideologizam as causas/frente a este corpo esfacelado aos 12 anos.//Aqui/junto desta criana/decepada aos 12 anos/quero ver os mares/os lagos/e os palmarese barquinhos de papel.// Aqui/as armas de todas as origens/solidrias/da certeza das estradas e da vida.//Eu quero ver aqui/junto ao corpo frio que sorri/aos 12 anos/meninos com lpis e cadernos/para que aprendam/a escrever-lhe o nome simples.//E despido enfim/da raiva dos rochedos/o dia se preencha/de canes de roda/sobre o verde sempre jovem/em torno pedra erguida que recorda.

Sua poesia no de desespero, ela permeada pela certeza da vitria. o que lhe permite, s vezes, quebrar o realismo denunciador e engajado por traos lricos. Veja-se grata: grata esta certeza de encontrar/aps luas mais pesadas que cidades/ venceremos a palavra escrita em cada tronco/do Maiombe.//Caia um brao as pernas fiquem mulolas/farrapos de pele nas espinheiras/ os olhos no!// Os olhos vejam/a ambicionada luz que se negara/antes de Fevereiro.//Teus lbios molhados de poesia/ Condensada em gotas de cacimbo/ cantam com os rios.// Tmidos esto os seios das mes e as folhas verdes/ / os mortos/ agora j so vivos para sempre.

por esse caminho que, descortinando ao mximo a funo social da poesia, Costa Andrade a transforma em instrumento de luta e, mais do que isso, de conclamao luta armada pela liberdade.

A gerao de 70, depois da amordaada gerao de 60, comea a reavivar a atividade literria em Angola atravs de uma pgina de literatura e artes no jornal A Provncia de Angola. Era uma pgina marcada pelo nacionalismo tanto quanto a censura prvia permitia. Da vai surgir o Grupo Literrio Vector e a edio dos Cadernos Capricrnio, que abrem espao para novos escritores. quando chegam literatura Arlindo Barbeitos, Joo Maria Vilanova, David Mestre, entre outros. Essa perspectiva de ressurgimento sempre embalada pela guerrilha. Em abril de 74, h a queda do regime salazarista, em 75, h a independncia de Angola e inicia-se uma outra campanha militar (UNITAxMPLA) que ficou conhecida como a 2 Guerra de Libertao Nacional.

Neste momento, h o manifesto de Arnaldo Santos: Contra o medo a tortura/contra a opresso/ Contra o parasitismo a usura/Contra a explorao/ Contra o racismo o tribalismo/ contra a alienao/ contra a hipocrisia a mentira/contra a maquinao/ contra o separatismo o regionalismo/contra a diviso/ contra o imperialismo o nazi-fascismo/contra a escravido/contra o colonialismo e neo-colonialismo/contra a dominao/ ns /VANGUARDA REVOLUCIONRIA/LUTAREMOS/ ARMA NA MO LUTAREMOS/ AT A VITRIA FINAL.

Assim, a poesia de Arlindo Barbeitos, autor de Angola, Angol, Angolema (76) e Nzoji (79), toda marcada e alimentada pela situao da guerra colonial: Oh Monstro enorme/ Fecha nossa boca/ O nosso ventre falar/ Abre o nosso ventre/ O nosso cu falar/ Rebenta o nosso cu/ Os nossos dedos falaro/ Corta os nossos dedos/ Os nossos ossos falaro.

Nada mais pode calar o poeta. No h qualquer possibilidade de omisso. a que a poesia se insere como instrumento de luta.

De um modo geral, pode-se dizer que o discurso potico de Arlindo Barbeitos se organiza numa fala metafrica que evoca um tratamento estilstico silencioso, vale a fora expressiva da imagem: o/ menino/pequeno/muito pequeno/nu/todo nu/traz botas/botas muito grandes.

Retomando o dado histrico, em novembro de 1975, comea o confronto armado interno. O MPLA, ento chefiado por Agostinho Neto, com o auxlio da URSS, instala o governo oficial. Para se manter no poder, entretanto, precisa da interveno direta das tropas cubanas.

Em 10 de dezembro, 19 aniversrio de fundao do MPLA, com o pas parcialmente ocupado, os escritores angolanos, reunidos em Luanda, proclamam a sua Constituio. A, reconhecendo que a luta contra o colonialismo terminara e fora vencida, falam de uma nova batalha, travada pelo povo, no combate de sculos pela afirmao como nao livre na frica e no mundo, reafirmando:1 - A necessidade e urgncia de defender a dignidade e a especificidade cultural do homem angolano,em especial salvaguardar suas tradies culturais historicamente perspectivadas e garantidas por sculos de resistncia popular, e as conquistas culturais obtidas ao longo da luta pela independncia nacional;

2 - A necessidade e urgncia de activar, a partir dessas tradies e conquistas, o inventrio cultural do pas no contexto particular do renascimento cultural africano como contribuio original para um mundo verdadeiramente livre:

3 - A necessidade e urgncia de os escritores se organizarem coletivamente para prosseguirem nesta longa luta do nosso povo para a conquista de um futuro digno, liberto de todas as formas de alienao, explorao e dependncia, numa sociedade democrtica e progressista.

A 2 guerra colonial continua.