CRACK Reducao de Que Danos Para Criancas e Adolescentes
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CRACK: Reduo de que danos para crianas e adolescentes?
Gilberto Lucio da Silva1
Os operrios de uma fbrica procuram a direo para reivindicar. Dizem que os operrios
esto morrendo em razo das condies insalubres de trabalho e que a fbrica polui o
ambiente. Porm, no lugar de se bater contra o patro, pedir condies de trabalho
respirveis, e respeito com a sade do trabalhador, solicitam unicamente mscaras para
impedir que eles absorvam a fumaa txica. Isto o papel da Reduo de Danos. Impede
que as questes centrais sejam enfrentadas e se contenta com usar mscaras para impedir
que a pessoa morra mais cedo (CAVALCANTI, 2008).
Todos os estudos demonstram que as drogas consumidas por via fumada so as
mais aditivas (que produzem dependncia rpida). O crack, um subproduto da cocana,
uma das substncias com maior potncia de induo do usurio ao vcio. Apresenta um
curto tempo entre a administrao e o efeito, cerca de oito segundos, muito mais rpido
quanto comparado a outras formas de uso da cocana (via endovenosa, 30 segundos, e
intranasal, 120 segundos.). E embora a nicotina (presente no cigarro) seja a substncia de
maior potencial para causar dependncia, capaz de induzi-la em um de cada trs usurios,ela no causa tantas e to graves alteraes de comportamento num curto prazo.
O crack propicia a liberao rpida de dopamina, um neurotransmissor que ativa as
regies do crebro que levam dependncia. Como parmetro de comparao observa-se
que a concentrao basal deste neurotransmissor durante o uso da droga quase seis vezes
mais alta do que aquela obtida no prazer sexual. E por mais que as reaes ao efeito
possam variar em cada indivduo, a capacidade de estimulao do crack estrutura um
comportamento semelhante aos camundongos na gaiola de Skinner, condicionados de
modo operante, apertando a alavanca compulsivamente para escapar dos choques
(desprazer) e receber a gota de gua ou alimento (prazer), mesmo quando j no h mais
fome, sede ou descargas eltricas.
1 Psiclogo, Analista Ministerial em Psicologia do Ministrio Pblico de Pernambuco, Analista Judicirio rea Psicologia, do Poder Judicirio do Estado de Pernambuco, representante regional da AssociaoBrasileira de Estudos do lcool e outras Drogas, membro do Conselho Estadual de Polticas sobre Drogasde Pernambuco, membro da Comisso de Penas e Medidas Alternativas do Ministrio da Justia.
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Seu uso resulta em intensa euforia, sensao de onipotncia e autoconfiana, mas
tambm pode surgir um medo poderoso, que faz o usurio se sentir perseguido at pelos
prprios temores internos. comum, por exemplo, ver usurios nos espaos de consumo
nas grandes cidades literalmente examinando obstinadamente o cho, com receio de ter
deixado alguma pedra para trs, esquecida ou furtada por outro usurio. A prpria
substncia induz crises paranicas intensas, que se agravam com o uso crnico devido
sensibilizao dos receptores dopaminrgicos.
O crack uma mercadoria facilmente transportvel e acessvel, e de baixo preo.
Seu padro de consumo do tipo binge (padro repetitivo), que pode durar dias, durante
os quais o usurio no se alimenta, no cuida da higiene bsica ou da aparncia, e sequer
dorme. Isto faz com que o mercado se expanda muito rapidamente, e, na maioria dos casos
em contextos de misria e em territrios onde o Estado no se faz presente de forma
significativa para a comunidade.
Levantamento recente, realizado em Ribeiro Preto-SP, revelou que os usurios de
crack constituem a maior parte dos atendidos no Centro de Atendimento Psicossocial em
lcool e Drogas (CAPSAD). Nos primeiros seis meses de 2009, dos 10.500 atendimentos
realizados no CAPSAD, 6.825 foram relativos a dependentes de crack, que, quase na
totalidade dos casos, combinam seu uso a outras drogas. E este quantitativo vem
aumentando. Em todo o ano passado, foram 17.707 atendimentos, dos quais 50% eram
referentes a usurios de crack. Em 2006 o total de dependentes com este perfil era de 4.269
pessoas. Mais grave ainda, o perfil dos usurios sofreu alterao, migrando da faixa de 30 a
45 anos para o intervalo entre 19 e 30 anos, indicando um uso cada vez mais precoce.
Entre crianas e adolescentes em situao de rua, a tendncia de aumento do
consumo de crack foi progressiva. No nordeste, destaca-se que o consumo de cocana-
crack era insignificante at 1997 (em torno de 1%), mas subiu em 2003 em Fortaleza para
10,3% e em Recife para 20,3%, provavelmente associado ao aumento na disponibilidadede derivados da coca nesta regio (NOTO et al., 2003).
Sobre a violncia associada ao crack, estudo do Dr. Marcelo Ribeiro, pesquisador
da Universidade Federal de So Paulo, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria,
revela que quase 70% dos usurios morrem de causas no naturais, sendo as mais
frequentes as mortes por homicdio (56,6%), overdose (8,7%) e afogamento (4,3%)
(RIBEIRO et al., 2006).
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Em recente estudo transversal realizado com usurios de crack do sexo masculino
internados na Unidade de Desintoxicao do Hospital Psiquitrico So Pedro de Porto
Alegre (RS), constatou-se ser frequente a presena de antecedentes criminais em
dependentes de crack, e esta varivel estava relacionada a mais sintomas de ansiedade, de
depresso e a fissura mais intensa (GUIMARES et al., 2008).
A avaliao do comportamento sexual, risco para HIV e soroprevalncia entre 109
usurios de cocana e 132 de crack, concluiu que mesmo quando o usurio de crack tem
acesso a informaes sobre HIV/AIDS, no as utilizam para modificar comportamentos de
risco (AZEVEDO et al., 2007).
Em Recife, apesar da importncia da pesquisa situacional para balizar as polticas
pblicas, os seis CAPSAD existentes no tm apresentado estatsticas de seus
atendimentos e os resultados alcanados pelas prticas adotadas, muito embora os fatores
de adeso ao tratamento sejam conhecidos. Duailibi et al. (2008) estimam relao positiva
entre multiplicidade de propostas de atendimento (farmacoterapia, encaminhamento a
grupos de ajuda mtua, atendimento s mes, atendimento de famlia, atendimento mdico
geral) e a melhora da adeso ao tratamento. Para os autores, usurios de cocana e crack
necessitam, sobretudo, de abordagens mais intensivas e prolongadas que os dependentes de
outras substncias.
Em um Estado, como Pernambuco, aonde s em 2008 morreram mais de trs mil
jovens, em sua maioria consumidores de mltiplas drogas, associados ou no ao
narcotrfico, a mera publicao de leis com aes que prometem empoderar os jovens
termina por larg-los prpria sorte. Estudo sobre a situao de vulnerabilidade de morte
em adolescentes por homicdios em Porto Alegre (RS) expe que tanto adolescentes quanto
adultos jovens representam uma populao exposta ao risco de morte por homicdios, pois
o uso do crack leva ao roubo, violncia e ao endividamento com traficantes
(GUIMARES et. al., op. cit.). O mesmo estudo revela que, dentre as principais causasdos homicdios, encontra-se vingana, participao em assaltos ou queima de arquivo pelo
envolvimento com drogas.
No mbito do atendimento scio-educativo, levantamento de 2003, realizado pelo
Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) com adolescentes privados de liberdade,
indicava que 85% eram usurios de drogas, e consumiam, de modo combinado ou no,
maconha (67,1%), cocana/crack (31,3%) e lcool (32,4%). Os dados coletados nas visitas
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de inspeo da equipe do Centro de Apoio Operacional s Promotorias de Justia da
Infncia e da Juventude (CAOPIJ), realizadas nas unidades scio-educativas em
Pernambuco no binio 2008-2009, apontam que em torno de 90% dos jovens e
adolescentes em conflito com a lei, que cumprem medida de internao ou internao
provisria, so poliusurios. E por que isto acontece?
Uma criteriosa reviso da literatura em base de dados (MEDLINE, LILACS e
Biblioteca Cochrane), e no Banco de Teses da CAPES, informa que habitualmente, o
usurio de crack poliusurio ou tem antecedente de consumo de outras substncias, e
que o perfil de pacientes que procuram tratamento revela que eles utilizam com frequncia
especialmente o lcool, o tabaco e a maconha (DUAILIBI et al., op. cit.). Tambm o
estudo coordenado por Guimares et al. (op. cit.) destaca como significativa a utilizao de
tabaco e maconha concomitante ao uso do crack. O uso de uma droga pode intensificar a
dependncia de outra, instalando um padro de dependncia cruzada.
Um excelente exemplo deste risco foi exposto por especialista brasileira em
reduo de danos, que trabalha h mais de duas dcadas com usurios pobres e
marginalizados nas ruas de Paris, atuando em programas de distribuio de seringas na
capital francesa (CAVALCANTI, op. cit.). Essa especialista detectou que o uso de herona
injetvel estava extremamente reduzido at o aparecimento do crack, mas que nos ltimos
anos os usurios de crack esto utilizando a herona para administrar a disforia e a
compulso que se segue euforia. Isto se atribui a evidncia de que se o indivduo usar
apenas crack ele rapidamente se inviabiliza fsica, psicolgica e socialmente. Devido
impossibilidade de administrar a descida (o craving, que especialmente longo com esta
droga) consumindo mais crack, e uma vez que a mdia de consumo de quinze minutos, o
que existe a utilizao de outras substncias para administrar a descida. Na Frana, a
herona injetvel, em Pernambuco, provavelmente a maconha.
Baseando-se no princpio, no apenas tico, de que o prprio uso de drogas porcrianas e adolescentes um dano extremamente importante, com consequncias imediatas
e que se prolonga para toda uma vida, se vida mais houver, aes em "reduo de danos"
que ensinem ao adolescente usurio de crack a conviver melhor com os apetrechos de uso,
criar 'vnculo emocional' com o seu cachimbo, e que priorizem a produo de cartilhas que
orientem o adolescente a como usar de modo seguro lcool e outras drogas, dificilmente
podem ser consideradas benficas para um indivduo em fase de maturao cerebral.
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Segundo Dr. Raul Caetano, Professor de Cincias da Sade e Psiquiatria e Diretor da
Escola de Profisses de Sade da Universidade do Texas, a adoo de uma nica metodologia
preventivo-teraputica como resposta ao problema de uso de drogas e lcool
problemtica por duas razes:
1. O governo visto como apoiador de um tipo particular de interveno,oferecendo assim um manto aprovador e protetivo a um mtodo as expensas de
outros, muito embora tal escolha no seja, em absoluto, baseada em evidncias
cientificas, pois no h muita diferena na efetividade de diferentes tipos de
tratamento e preveno. A cincia indica a adoo de vrias polticas em conjunto;
2. O apoio governamental a um mtodo particular (reduo de danos) se faz deforma indiscriminada, aparentemente sem avaliao da propriedade da aplicao do
mtodo a grupos especficos, como o caso dos adolescentes brasileiros.
Isto pode ser visto na mensagem de algumas cartilhas produzidas pelo Governo
Federal, que foram inicialmente destinadas para adolescentes, onde sugerido diretamente
a eles como beber e usar drogas de maneira "segura", contrariando a considervel
evidncia cientifica no suporte dos benefcios do limite de idade para beber (CAETANO,
2008).
Como destacado anteriormente, para dependentes de crack o tratamento
invariavelmente costuma ser longo e no h sucesso sem muita persistncia. Mas quem
acede ao sistema de tratamento que est a? Algum equipamento (palavra da moda para
identificar unidades de sade) funciona 24 horas, todos os dias da semana? Quantos leitos
hospitalares esto disponveis no Estado para tratamento intensivo do usurio de crack?
Ademais, se a resposta diante do crack no apenas mdica, ela tampouco apenas
social. Segundo CAVALCANTI (op. cit.), informao no igual preveno. Para ela, a
motivao do comportamento no reside no conhecimento, e sim na afetividade,
implicando que a informao por si s no produz mudanas durveis no comportamentodo usurio. Para a especialista a questo dramtica do crack o encontro violento da
misria, da excluso social e da delinquncia associada, pois o usurio precisa obter algo
que possa trocar pela droga. E busca este algo de qualquer forma, em qualquer momento,
contra quem for.
A partir do exposto, seria oportuno perguntar: Algum CAPSAD que conheamos
prioriza um atendimento social que inclua demandas bsicas do usurio de modo a
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proporcionar a adeso? Algum destes equipamentos conta com o apoio da comunidade de
seu distrito para aes de apoio e incluso? Os mais de quarenta agentes de reduo de
danos contratados pela Prefeitura da Cidade do Recife tm pelo menos tentado entrar em
zonas de bairros pobres do Recife, de modo a melhorar as condies de vida pelo
atendimento dos usurios? Afinal, eles esto onde o povo est? Se eles optarem por esperar
que o usurio procure espontaneamente os servios de atendimento, isto pode significar
aguardar pelo desespero absoluto, ou pela seleo natural do trfico.
preciso, sobretudo, estabelecer critrios para a preveno universal e em
populaes especiais (mulheres grvidas, crianas e adolescentes), os quais excluem a
reduo de danos tica e cientificamente. Prevenir o uso de drogas no meramente
reduzir danos, mas a Promoo de Fatores de Proteo - com base, inclusive, nas
definies de Sade que emanam da Constituio Federal e de acordos internacionais dos
quais o Brasil signatrio.
Em Pernambuco, apesar dos milhes gastos em contrataes de "especialistas",
projetos e propaganda sobre aes em reduo de danos, quem acolhe e cuida dos
dependentes graves so as entidades religiosas, que no usam esta estratgia de modo
algum. Os prprios CAPSAD, talvez por reconhecer que os protocolos atuais no
funcionam para pacientes graves, tm encaminhado os casos difceis para as Comunidades
Teraputicas sustentadas por grupos religiosos.
E, definitivamente, o desfecho do atendimento no pode ser o critrio que alguns
supervisores das equipes de sade tm apresentado como sendo de progresso, do
diagnstico de CID 10: F19 (Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de
mltiplas drogas e ao uso de outras substncias psicoativas) para o CID 10: F12
(Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de canabinides).
Ao final, observa-se que estas prticas parecem ter por base uma tese que s viceja
no Brasil: Todos vo se drogar mais cedo ou mais tarde, ento no h nada a fazer a no serreduzir danos associados... Ento, para qu restringir acessibilidade de crianas ao
consumo de lcool, proibir comerciais de cigarro, estabelecer idade limite para beber?
O consenso cientfico atual impe a adoo de boas prticas de preveno,
intervenes universais recomendadas, que incluem o controle da disponibilidade e uma
mensagem clara de no beber. Gastar os parcos recursos pblicos implementando polticas
que ensinam ao jovem como beber moderadamente, como ser "amigo" do traficante, enfim,
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como ser ousado em um mundo sem razo, caminhar, no mnimo, para bem longe da
cincia. E pelo que aqui foi exposto, facilmente constatado que a reduo dos danos
desejada por alguns tcnicos e gestores no est altura dos danos encontrados. Talvez
sirva apenas para reduzir o evidente mal estar de no saber o que fazer para cuidar de fato,
acolhendo o doente sem tratar a doena.
Fontes consultadas:
AZEVEDO, R. C. S. de; BOTEGA, N. J.; GUIMARES, L. A. M. Crack users, sexualbehavior and risk of HIV infection. Rev. Bras. Psiquiatr., Mar 2007, vol.29, no.1, p.26-30.
CAETANO, R. A indstria do lcool e a promoo da cincia.Addiction, 103, 175-178. Disponvel em: . Acesso em: 12 dez. 2008.
CAVALCANTI, L. Juventude e o uso de crack: desafios para as polticas pblicas.Seminrio Juventude Hoje, Recife, 21 de novembro de 2007 (Transcrio integral).
DIAS, J. C. Tratamento da dependncia de crack. XXI Jornada Alagoana de SadeMental. I Simpsio Alagoano de Dependncia Qumica ABEAD. Maio de 2008.Disponvel em CD-ROOM.
DUAILIBI, R. B.; RIBEIRO, M.; LARANJEIRA, R. Perfil dos usurios de cocana ecrack no Brasil. Disponvel em: . Acesso em 29dez. 2008.
GUIMARES, C. F.; SANTOS, D. V. dos; FREITAS, R. C. de; ARAUJO, R. B. Perfil dousurio de crack e fatores relacionados criminalidade em unidade de internaopara desintoxicao no Hospital Psiquitrico So Pedro de Porto Alegre (RS) . RevPsiquiatr RS. 2008; 30(2)10.
KESSLER, F. Epidemia do crack. VII Simpsio Internacional sobre lcool e outrasDrogas. Rio de Janeiro/RJ. 06 a 08 de novembro de 2008. Disponvel em CD-ROOM.
MPPE. Relatrios de Inspeo s Unidades de Internao e Internao Provisria daFundao de Atendimento Socioeducativo 2008-2009. Centro de Apoio Operacional asPromotorias de Justia da Infncia e da Juventude - CAOPIJ. Recife, 2009.
NOTO A. R. et alii. Levantamento nacional sobre uso de drogas entre crianas eadolescentes em situao de rua nas 27 capitais brasileiras 2003. So Paulo: SENAD/ CEBRID; 2003.
RIBEIRO, M.; DUNN, J.; SESSO, R.; DIAS, A. C.; LARANJEIRA, R. Causes of deathamong crack cocaine users. Rev. Bras. Psiquiatr., Sept 2006, vol.28, no.3, p.196-202.