CRENÇAS SOBRE UMA LÍNGUA E CULTURA-ALVO (ALEMÃ) EM DIMENSÃO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LÍNGUA...

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS

    DEPARTAMENTO DE LETRASPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGSTICA

    CRENAS SOBRE UMA LNGUA E CULTURA-ALVO (ALEM) EMDIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LNGUA

    ESTRANGEIRA

    Cibele Ceclio de Faria Rozenfeld

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingstica da UniversidadeFederal de So Carlos, como parte dosrequisitos para obteno do Ttulo de Mestreem LingsticaLinha de Pesquisa: Ensino e Aprendizagemde LnguasOrientador: Prof. Dr. Nelson Viana

    So Carlos2007

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    Ficha catalogrfica elaborada pelo DePT daBiblioteca Comunitria da UFSCar

    R893clRozenfeld, Cibele Ceclio de Faria.

    Crenas sobre uma lngua e cultura-alvo (alem) emdimenso intercultural de ensino de lngua estrangeira /Cibele Ceclio de Faria Rozenfeld. -- So Carlos : UFSCar,2008.

    197 f.

    Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal de SoCarlos, 2007.

    1. Lingstica aplicada. 2. Lngua alem estudo eensino. 3. crena. 4. Interculturalidade. I. Ttulo.

    CDD: 418 (20a)

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    NC EX MIN DOR

    Prof Df Nelson Viana

    Prata Dra Selma Martins Meireles

    Prata Dra Sandra Regina Buttros Gattolin de Paula

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    Aos meus pais, Arura (in memorian) e Teresinha, porterem sempre acreditado em mim e me ensinado que navida, nada se consegue sem esforos, mas tudo possvel.

    Ao Henrique, meu grande companheiro, amigo, esposo etambm grande assessor para assuntos cibernticos,

    pelo constante incentivo, apoio e carinho, no s duranteeste trabalho, mas em todos os nossos anos deconvivncia.

    Aos meus filhos, por serem as pessoas maravilhosas queso, por me apoiarem, incentivarem, compreenderem asausncias, tornando assim possvel a realizao destetrabalho.

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    AGRADECIMENTOS

    minha me, pelo carinho incondicional e apoio emocional e logstico, sem os quais arealizao deste trabalho seria extremamente difcil;

    Ao meu pai (in memoriam), cuja honestidade, dedicao e constante luta pela famlia, nos deubases slidas para enfrentarmos dificuldades;

    Ao Henrique, companheiro de tantos anos, por estar sempre ao meu lado, me dando plenoapoio em minhas escolhas, tanto no campo prtico quanto afetivo;

    Aos meus filhos, Tales e Tati, que sempre torceram por mim, me dando foras para ir emfrente;

    Ao Jayme e Carminha, pelas muitas preces e vibraes positivas, que certamente me deram(e do) foras para viver;

    M (Mrcia), grande amiga, nhadae conselheira, por estar sempre pronta para me ajudar,me ouvir, pelos cafs, estmulos e pelas preciosas dicas, que enriqueceram imensamente estetrabalho e tornaram minha caminhada mais segura;

    Aos meus queridos irmos, Srgio (in memorian),Duda e Renato, que mesmo na distncia,sempre me incentivaram e torceram por mim;

    Ao Prof. Nelson Viana, pela constante pacincia nas minhas incertezas, pelo apoio, incentivo,pela orientao, dedicao, pelos preciosos conhecimentos transmitidos durante meu percursoacadmico e por ter sempre confiado em meu trabalho.

    A todos os meus amigos, amigas e familiares, que de alguma forma participaram deste meuprojeto e foram presentes me incentivando, dando foras e coragem, compartilhando comigo

    os bons e maus momentos durante esse tempo de trabalho. Obrigada queles que tanto meapoiaram!

    Carmen Zink, pela ajuda no impulso inicial;

    Ao Antonio Zuin e Andr Stahlhauer pelo importante apoio na fase que antecedeu o meuingresso no programa;

    Aos colegas e amigos de trabalho, Bi, Carlinha, Greice, Renata, Syl e Vado, por se mostraremsempre prestativos, compreenderem as ausncias, ajudarem nos momentos que precisei e portorcerem por mim;

    minha amiga Ana, Profa. Ana Maria de Senzi Moraes Pinto, por sua imensa contribuio,

    no medindo esforos para ajudar quando precisei, inclusive com emprstimos de textos de Ba Z!! Obrigada!

    Nilda, pelo apoio, carinho, pela dedicao, responsabilidade e compreenso.

    Ao Departamento de Letras e Pr-Reitoria de extenso da UFSCar, que possibilitaram arealizao do curso de extenso Alemo para Iniciantes;

    Aos Alunos do curso Alemo para Iniciantes pela pacincia e valiosa participao napesquisa;

    Gisele, pela seriedade na participao do grupo como alunaobservadora e pelasimportantes observaes;

    Lucia Alt, pela prontido em me ajudar na visita biblioteca e pelas dicas que muitocontriburam para o enriquecimento desta pesquisa;

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    Aos colegas que contriburam com envio de material (Tatiana, Kleber, Profa Ana MariaBarcelos, Profa. Ana Maria Chiarini, Carmen Zink);

    Sayuri, pela pacincia, disposio em ajudar e pelas importantes contribuies;

    PPGL, por tudo, Nani e Miriam, pelo comprometimento com todas as atividades de suaresponsabilidade.

    s professoras Sandra Regina Buttros Gattolin de Paula e Selma Martins Meireles, pelaspreciosas contribuies no exame de qualificao.

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    RESUMO

    Em um panorama histrico de ensino de lnguas estrangeiras (LE) podemos observar,

    a partir dos anos 70, uma mudana paradigmtica, em que os aspectos emocionais e afetivos

    dos aprendizes assumem posio relevante. Ocorre tanto um deslocamento do papel do

    professor, que passa de centralizador, detentor e transmissor de saberes, a facilitador do

    processo, quanto um deslocamento do papel do aluno, que passa a ser considerado como

    inserido em um contexto mais amplo de ensino e que ganha a possibilidade de participao

    ativa no processo de aprendizagem.

    Nesse contexto, o sistema de crenas ento percebido como fenmeno inerente aos

    fatores afetivos dos professores e/ou dos aprendizes e que vai exercer influncia no processo

    de ensino e aprendizagem sendo, portanto, de carter relevante.

    Nesta pesquisa, de natureza qualitativa e base etnogrfica, buscamos investigar e

    caracterizar as crenas de aprendizes de alemo quanto lngua e cultura-alvo, avaliar suas

    possveis origens e verificar como elas podem ser compreendidas pelo professor no processo

    de ensino/aprendizagem de LE.

    Para alcanar tais objetivos, buscamos respaldo terico nos estudos das crenas

    (Barcelos, 2004; Vieira-Abraho e Barcelos, 2006; Almeida Filho, 1999; Horwitz, 1999 e

    outros), nos pressupostos da interculturalidade no ensino de lnguas estrangeiras e da

    compreenso do que estranho (fremd) (Wierlacher, 1998, Weinrich, 1998, Kramsch, 1993

    e outros), focalizando principalmente o conceito de competncia intercultural (Volkmann,

    2002, Weier, 2002, Byram, 2000 e outros), entendendo-o como caminho capaz de fornecer

    subsdios tericos para a compreenso de nossas questes.

    Pretendemos contribuir com esta pesquisa para um melhor entendimento desse

    construto (crenas), o qual vem sendo intensamente pesquisado no campo de estudo do

    ensino de lnguas. Alm disso, buscaremos fornecer a professores de alemo como LE,subsdios para reflexo acerca da prtica com foco nos aprendizes e no ensino intercultural de

    LE.

    PALAVRAS-CHAVES: ensino de alemo; crenas; competncia intercultural

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    ABSTRACT

    In a historical overview of foreign language (FL) teaching, a pragmatic change can beobserved starting in the 1970s, in which the emotional and affective aspects of the learners

    take on a relevant position. This change involves a shift not only in the teachers role, which

    passes from that of centralizer, retainer and transmitter of knowledge to facilitator of the

    process, but also in that of the student, who is now seen to be inserted into a broader learning

    context and who has now gained the possibility of participating actively in the learning

    process.

    In this context, the belief system is perceived as a phenomenon inherent to theaffective processes of teachers and/or students, which influences the teaching and learning

    process and is therefore a relevant factor.

    In this research of a qualitative nature and ethnographic basis, we sought to investigate

    and characterize the beliefs of German language students concerning the language and target

    culture, evaluating their possible origins and how they could be understood by the teacher in

    the FL teaching/learning process.

    To achieve these objectives, we sought theoretical backing in belief studies (Barcelos,

    2004; Vieira-Abraho & Barcelos, 2006; Almeida Filho, 1999; Horwitz, 1999 and others) and

    in assumptions of the interculturality of foreign language teaching and of the understanding of

    what is foreign (fremd) (Wierlacher, 1998; Weinrich, 1998; Kramsch, 1993; and others).

    We focused primarily on the concept of intercultural competence (Volkmann, 2002; Weier,

    2002; Byram, 2000; and others), seeing it as a way to provide theoretical underpinnings to

    understand these issues.

    With this research, we hope to contribute to a better understanding of this construct

    (beliefs), which has been intensively investigated in the field of language teaching studies. In

    addition, we aim to provide teachers of German as a FL with critical reflections focusing on

    learners and on FL teaching as an intercultural practice.

    Keywords: German language teaching; beliefs; intercultural competence

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    SUMRIO

    LISTA DE TABELAS....................................................................................................................................9

    LISTA DE FIGURAS .......................................................... ............................................................... .........11CAPTULO 1 INTRODUO ....................................................... ......................................................... 14

    1.1. OHISTRICO DA PESQUISA .................................................................................................................16

    1.2.JUSTIFICATIVA.....................................................................................................................................19

    1.3.OBJETIVOS E QUESTES DE PESQUISA .................................................................................................23

    1.4.ORGANIZAO DA DISSERTAO........................................................................................................23

    CAPTULO 2 - PRESSUPOSTOS TERICOS................................................. ......................................26

    2.1.INVESTIGAO DAS CRENAS..............................................................................................................27

    2.1.1. Pesquisas sobre crenas: floresta terminolgica e definio utilizada neste estudo..................272.1.2. Implicaes das crenas para o processo de ensino e aprendizagem de LE.......... ....................36

    2.1.3. Breve histrico e abordagens das pesquisas em crenas no ensino e aprendizagem de LE.......40

    2.1.4. Crenas como produto scio-histrico-cultural ................................................................. ........47

    2.1.5. Crenas sobre a lngua e o povo alemo....................................................................................51

    2.2.LNGUA,CULTURA E DIMENSO INTERCULTURAL DE ENSINO DE LE..................................................61

    2.2.1. Conceito de lngua......................................................................................................................62

    2.2.2. Conceito de cultura.....................................................................................................................65

    2.2.3. Dimenso intercultural de ensino de LE.....................................................................................68

    2.2.4. O prprio e o estranho em LE: uma relao dicotmica ...........................................................73

    2.2.5. A competncia intercultural........................................................................................................78

    CAPTULO 3 METODOLOGIA ................................................... ......................................................... 86

    3.1.NATUREZA DA PESQUISA.....................................................................................................................86

    3.2.COLETA DE DADOS ..............................................................................................................................87

    3.2.1. Descrio do contexto da pesquisa.............................................................................................87

    3.2.2. Primeira Fase: instrumentos, procedimentos e participantes ....................................................93

    3.2.3. Segunda Fase: instrumentos, procedimentos e participantes.....................................................96

    CAPTULO 4 - ANLISE DOS DADOS........... ........................................................... ............................99

    4.1.CATEGORIZAO DAS CRENAS NO PRESENTE ESTUDO .....................................................................100

    4.2.APRIMEIRA FASE...............................................................................................................................105

    4.2.1. Anlise para agrupamento: seleo dos participantes do curso ..............................................106

    4.2.2. Anlise especfica: os candidatos ao curso ..................................................................... .........108

    4.2.2.1. Crenas quanto aos pases falantes da lngua alem.....................................................118

    4.2.2.2. Crenas especficas quanto lngua alem................................................... ................121

    4.2.2.3. Crenas quanto ao povo alemo e sua cultura ........................................................ ......127

    4.3.ASEGUNDA FASE...............................................................................................................................135 4.3.1. Caracterizao dos participantes do curso de extenso...........................................................136

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    4.3.2. Crenas dos participantes do curso de extenso na primeira fase...........................................139

    4.3.3. Crenas dos participantes do curso de extenso na segunda fase............................................145

    4.3.3.1 Crenas sobre a lngua alem.........................................................................................146

    4.3.3.2. Crenas quanto ao povo alemo....................................................................................160

    CAPTULO 5 - CONSIDERAES FINAIS ..................................................... ....................................170

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................... ...........................................180

    APNDICES...............................................................................................................................................187

    ANEXOS ........................................................ ........................................................... ..................................195

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Quadro de outros termos e definies .................................................................29Tabela 2: Quadro comparativo: atitudes e crenas.............................................................32

    Tabela 3: Tipos de Motivao .............................................................................................111

    Tabela 4: Tipos de Motivao dos participantes da 1 fase ..............................................112

    Tabela 5: Tipo de Motivao por estudante.......................................................................112

    Tabela 6: Formas de contato prvio 1 fase......................................................................114

    Tabela 7: Formas de relao atual com a lngua e povos falantes 1 fase .....................115

    Tabela 8: Interesse em conhecer a cultura dos povos 1 fase ........................................117

    Tabela 9: Referncia aos pases 1 fase .............................................................................119

    Tabela 10: Crenas quanto aos pases 1 fase .................................................................120

    Tabela 11: Fonte/crenas sobre a lngua 1 fase .............................................................122

    Tabela 12: Crenas tipicalizadas quanto lngua alem 1 fase...................................123

    Tabela 13: Crenas comparativas quanto lngua alem 1 fase .................................124

    Tabela 14: Crenas relativizadas quanto lngua alem 1 fase...................................125

    Tabela 15: Categorias de crenas quanto lngua por estudante 1 fase......................127

    Tabela 16: Referncia aos povos 1 fase ..........................................................................127

    Tabela 17: Fonte de referncia aos povos 1 fase............................................................128

    Tabela 18: Crenas Tipicalizadas quanto ao povo e a cultura 1 fase..........................129

    Tabela 19: Crenas Comparativas quanto ao povo 1 fase.............................................130

    Tabela 20: Crenas Relativizadas quanto ao povo 1 fase ..............................................131

    Tabela 21: Categorias de crenas quanto aos povos por estudante 1 fase...................134

    Tabela 22: Dados da Tabela 15 (crenas quanto lngua por estudante -1 fase) .........134

    Tabela 23: Tipos de motivao 2 fase .............................................................................137

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    Tabela 24: Contato prvio, relao atual com os povos e interesse 2 fase ..................138

    Tabela 25: Crenas quanto aos pases: dados dos alunos na 1 fase................................140

    Tabela 26: Crenas quanto lngua: dados da 1 fase dos alunos selecionados.............141

    Tabela 27: Categorias de crenas quanto lngua /participante na 1 fase...................142

    Tabela 28: Crenas sobre o povo e a cultura: dados da 1 fase dos alunos selecionados

    ................................................................................................................................................143

    Tabela 29: Categorias de crenas quanto ao povo/estudante: alunos na 1 fase ............144

    Tabela 30: Crenas quanto lngua/crenas quanto ao povo: alunos na 1 fase............ 144

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Representao da regio de mediao da CI ......................................................80Figura 2: Representao dos diferentes elementos envolvidos na CI................................81

    Figura 3: Representao do nvel de estudo e rea 1 fase ............................................108

    Figura 4: Representao grfica do conhecimento de LE 1 fase .................................109

    Figura 5: Representao do nvel de estudo e rea 2 fase ............................................136

    Figura 6 : Representao grfica do conhecimento de LE 2 fase ................................137

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    Convenes utilizadas na transcrio de dados gravados em udio e nos excertos dosquestionrios

    . pausa curta (equivale a pausa de respirao, geralmente marcada por vrgula na linguagem

    escrita)

    .. pausa mdia

    ... pausa longa

    ? interrogao

    - interrupo da fala

    ((inint)) ininteligvel

    (( )) relatos de ocorrncias no verbais

    P.: pesquisador/entrevistador

    (...) supresso de textos com informaes redundantes ou desnecessrias

    LETRA: letra correspondente inicial do nome do aluno do curso de extenso: excerto de

    discusso.

    Nr. X: nmero correspondente ao questionrio aplicado na fase inicial: excerto de

    questionrio

    Numeral-ordinal-aula(data): excerto de anotaes da aluna-observadora [por exemplo:

    Dcima-segunda-aula(07/05)]

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    LISTA DE ABREVIAES:

    LE: Lngua Estrangeira

    LM: Lngua Materna

    LA: Lingstica Aplicada

    PG: Ps-Graduao

    EI: Ensino Intercultural

    L2: Segunda Lngua

    CI: Competncia Intercultural

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    CAPTULO 1 INTRODUO

    Em um panorama histrico de ensino de lnguas estrangeiras (LE) podemos observar,a partir dos anos 70, uma transformao significativa nas bases tericas que fundamentavam o

    processo de ensino e aprendizagem de lngua estrangeira (LE). Estudiosos passam a discorrer

    sobre sua grande abrangncia, apontando para a relevncia do contexto scio-cultural, dos

    aspectos emocionais e afetivos de aprendizes e de professores, bem como para um

    deslocamento do papel do professor, o qual passa de centralizador, detentor e transmissor de

    saberes a, entre outras metforas, facilitador do processo. Ao mesmo tempo, aponta-se para a

    necessidade de deslocamento tambm do papel do aluno, o qual passa ento a ser considerado

    como indivduo inserido em um contexto amplo de ensino e a ter maior possibilidade de

    participao ativa no processo de aprendizagem.

    Esse fenmeno leva estudiosos da rea de Lingstica Aplicada (LA) elaborao de

    novas reflexes sobre o ensino de LE. Como resultado, temos o advento da abordagem

    comunicativa, que coloca em evidncia inmeros aspectos relevantes do processo de ensino e

    aprendizagem.

    Nessa perspectiva, o sistema de crenas reconhecido como fenmeno inerente aos

    fatores afetivos, dos professores e dos alunos, exercendo influncia no processo de ensino e

    aprendizagem, e considerado, portanto, de carter relevante.

    Verificamos a existncia de inmeras investigaes, em diferentes reas de

    conhecimento, como na Antropologia, Filosofia, Psicologia, Pedagogia ou Sociologia, com

    foco nas crenas. Na rea de ensino e aprendizagem de lnguas, o interesse por esse conceito

    tambm vem crescendo consideravelmente desde a dcada de 1980, levando a realizao de

    pesquisas, cujos objetivos convergem para a melhor compreenso do construto terico. A

    razo de tamanho interesse encontra-se no reconhecimento do sistema de crenas como

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    aspecto inerente ao universo pessoal de alunos e professores e que poder exercer influncia

    no processo de ensino e aprendizagem.

    Sendo assim, pretendemos nesta pesquisa estudar o construto crenas, buscando

    investigar e caracterizar crenas de aprendizes de alemo em relao lngua e cultura-alvo,

    avaliar suas possveis origens e verificar como elas podem ser compreendidas pelo professor

    no processo de ensino-aprendizagem de LE (alemo), a fim de buscar fornecer mais uma

    contribuio para o entendimento da complexa rede do processo. Alm disso, buscaremos

    fornecer a professores da rea especfica do ensino de alemo, novos subsdios para uma

    prtica reflexiva, tendo em vista as crenas sobre a lngua e a cultura-alem entre os alunos e

    suas possveis origens e implicaes.

    Analisaremos tambm os pressupostos tericos do ensino de LE em uma perspectiva

    intercultural, considerando-os importantes subsdios para a compreenso das crenas em

    questo. Para tanto, abordaremos, inicialmente, alguns conceitos de lngua e cultura, para, em

    seguida, analisarmos o processo de ensino de LE em uma dimenso intercultural. Buscaremos

    entender o sistema das crenas quanto lngua e cultura-alvo pelo vis do ensino de LE com

    base intercultural, que configura uma vertente terica contempornea que percebe a

    aprendizagem de lnguas como o encontro com o estranho, situado em relao dicotmica

    ao prprio. Abordaremos nessa perspectiva, os preceitos tericos de autores que se

    preocuparam com a integrao de aspectos culturais no ensino de lnguas, como Kramsch(1993), e com o papel da diversidade e da alteridade no ensino de lnguas estrangeiras, como

    por exemplo, Alois Wierlacher (1998, 1990) e Weinrich (1998).

    Nosso recorte focalizar tambm o conceito de Competncia Intercultural (Volkmann,

    2002, Weier, 2002, Byram, 2000) por acreditarmos que ele capaz de fornecer subsdios

    tericos para a compreenso das crenas de alunos quanto lngua e cultura-alvo. Aps a

    anlise dos dados, buscaremos estabelecer a relao entre as crenas sobre a lngua e cultura-

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    alvo e o processo de aquisio de competncia intercultural em uma dimenso intercultural de

    ensino.

    1.1. O Histrico da Pesquisa

    O presente trabalho surgiu a partir da percepo, na prtica de ensino de alemo como

    LE, de que existem freqentemente entre os aprendizes algumas crenas j arraigadas acerca

    da lngua e da cultura-alvo como, por exemplo, a de que o alemo seja uma lngua difcil,

    rspida ou agressiva. Algumas afirmaes recorrentes sobre a lngua e os alemes so, por

    exemplo, que as pessoas parecem estar brigando ao conversarem em alemo ou que alemo

    uma lngua agressiva, ou ainda que o povo alemo um povo frio, agressivo. Tal fenmeno

    verificado, com freqncia, especialmente entre alunos iniciantes de alemo.

    Sendo assim, considerei intrigante o fato de que, muitas vezes, esto presentes em sala

    de aula alunos que se propuseram a estudar uma lngua estrangeira, mesmo a considerando

    difcil, rspida, agressivae mesmo, eventualmente, imbudos de imagens estereotipadas e/ou

    depreciativas sobre o povo da cultura-alvo.

    Por ocasio de um evento promovido para professores de alemo, realizado pelo

    Instituto Goethe, ouvi de um colega uma observao que reforou meus questionamentos: ao

    falarmos sobre tais imagens de alunos sobre a lngua alem, ele afirmou: s vezes tenho a

    impresso de que meus alunos no gostam da lngua que esto aprendendo (sic).

    Acreditamos que uma das razes para a constituio dessa imagem do referido professor,

    sobre a atitude de seus alunos frente lngua alem, pode ser atribuda a discursos proferidos

    por seus alunos sobre a lngua e o povo alemo de forma recorrente.

    Trabalhando com alunos e tambm com professores de lngua alem na coordenao

    de cursos, pude observar alguns fatos que foram propulsores do meu interesse na pesquisa.

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    Tais fatos configuraram o nosso problema de pesquisa, e sero descritos de forma sucinta nos

    tpicos a seguir:

    a) existem pessoas, as quais, na busca pela aprendizagem de uma segunda lngua estrangeira,

    reconhecem a importncia do alemo no quadro poltico-econmico atual. Todavia, elas se

    sentem desmotivadas a aprend-lo, movidas pela crena de que o alemo uma lngua muito

    difcil, incompreensvel, impossvel, optando freqentemente pela aprendizagem de outra

    lngua estrangeira mais fcil e renunciando, assim, ao incio da aprendizagem do idioma

    alemo;

    b) existem outras pessoas, que, apesar de suas crenas (chamaremos inicialmente de

    estigmatizadas)1 de que, por exemplo, o idioma alemo difcil e o povo alemo, frio,

    agressivo, optam ainda assim pela aprendizagem da lngua, vislumbrando um diferencial no

    mercado de trabalho;

    c) tais pessoas, ao iniciarem a aprendizagem de alemo como LE, adentram a sala de aula

    imbudos de tais imagens estereotipadas sobre a lngua e o povo, antes mesmo de terem tido

    qualquer contato mais direto com o idioma e a cultura. Sendo assim, inferimos que tais

    imagens so constitudas no contexto scio-cultural em que esses alunos se encontram;

    d) ao expressarem suas crenas sobre a lngua, existe freqentemente entre alunos de alemo a

    associao da lngua com o povo (no raro com teor negativo, por exemplo: os alemes

    parecem estar sempre brigando, so agressivos);e) com relao recorrente caracterizao da lngua alem como sendo difcil, no

    encontramos estudos que demonstrem a legitimidade desta afirmao, levando-nos a crer que

    tal imagem possa representar um esteretipo. Alm disso, como professora de uma LE

    (alemo) e ex-aluna de outras (ingls e francs), acredito que cada lngua possui suas

    peculiaridades e dificuldades especficas. Todavia, algumas so fortemente estigmatizadas

    1As crenas aqui referidas, cuja configurao inclui caractersticas estigmatizadas, sero retomadas, descritas ediscutidas minuciosamente no item 4.1.

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    como fceis ou difceis. Acreditando que tais imagens possam exercer influncia no

    processo de aprendizagem, interessei-me por buscar e desenvolver estudos que apontassem

    para essas possveis implicaes;

    f) Alguns professores de alemo como LE, no possuem conhecimento das crenas de seus

    alunos e das implicaes dessas para o processo de aprendizagem. Por carecerem de tal

    conhecimento, adotam, por vezes, procedimentos em sala de aula que podem atuar como

    reforo para eventuais imagens estereotipadas, fato que acreditamos poder levar reduo da

    motivao para a aprendizagem.

    Tais razes foram as propulsoras para o desenvolvimento desta pesquisa, como uma

    tentativa de poder esclarecer minhas questes e contribuir com mais uma pea para o

    grande quebra-cabea do processo de ensino e aprendizagem de lnguas e, tambm, mais

    especificamente, para o ensino de alemo como LE.

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    1.2. Justificativa

    Toda viagem deve ser feita por livre escolha, paraque seja prazerosa. O primeiro sentimento queaparece dentro do carro ou do trem, quando este

    finalmente parte, define os que se seguem. Se umaviagem obrigatria, ou meramente profissional, ou

    seja, no se est absolutamente feliz por ela, entoela no . Se ela acontece por mero tdio, porquealgum simplesmente no sabe o que mais fazer,ento o primeiro tambm segue viagem. Ele abagagem, o destino que ser levado junto com oviajante e deslizado dentro da caixa de ao sobre os

    trilhos. (Bloch, 1998).

    2

    Bloch aponta em seu texto, intitulado A ptria estranha (Die fremde Heimat)3, para a

    importncia de se carregar bons sentimentos em uma viagem rumo a outra cultura.

    Acreditamos que esta metfora ilustra a relevncia do desvelamento (no sentido de sua

    conscientizao) das crenas de alunos para o ensino e aprendizagem de LE, tomando-se o

    contato com uma LE como um encontro com o estranho. Se no h curiosidade, interesse pelo

    desconhecido, se no h prazer, se em seu lugar h apenas obrigao, necessidade e desprazer,

    tais sentimentos acompanharo o aprendiz em sua viagem rumo aquisio da LE e ao

    conhecimento da nova cultura.

    Como j mencionado, o ensino de lnguas estrangeiras pautado apenas no aprendizado

    de estruturas lingsticas deu espao, j h algumas dcadas, a outro paradigma pedaggico, o

    qual toma a linguagem em sentido mais amplo e o processo de aprendizagem, como uma

    complexa rede, na qual inmeros aspectos esto envolvidos: os aspectos scio-culturais da

    lngua e cultura-alvo, da lngua e cultura-materna, o confronto de culturas, o universo scio-

    2Jede Reise muss freiwillig sein, um zu vergngen...Das erste Gefhl im Wagen oder Zug, wenn er endlichabfhrt, entscheidet ber das Kommende. Ist Reisen erzwungen oder Beruf, also nicht abbrechend-glcklich, so

    ist es keines. Geschieht es aus der Langeweile, weil einem sonst nichts mehr einfllt, so fhrt diese mit. Sie istdas Gepck und Geschick, das mit einem selber in der sthlernen Kiste ber die Schienen geschleift wird.3 No decorrer deste trabalho, as citaes referidas em lngua estrangeira, aparecero no corpo do texto emportugus, em traduo de nossa autoria. As citaes originais aparecero em nota de rodap.

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    cultural, afetivo e individual do aluno e do professor, bem como aspectos institucionais, todos

    de carter pertinente e inseridos em um abrangente processo de ensino e aprendizagem.

    Nessa perspectiva, cada aluno leva para a sala de aula o universo pessoal, incluindo

    viso de mundo, valores, marcas culturais, conjunto de crenas quanto ao processo de

    aprendizagem e ensino de uma LE e, sendo assim, tambm suas crenas quanto prpria

    lngua e cultura alvo.

    As crenas sobre o ensino e a aprendizagem de lnguas, no sentido de concepes

    populares sobre a melhor forma de se ensinar e aprender lnguas estrangeiras, assunto que

    desperta crescente interesse de pesquisadores da rea, como verificamos nos trabalhos de

    Felix (1998), Silva (2005), Barcelos (2004), Barcelos e Vieira-Abraho (2006), Borges (2007)

    e outros. Felix (1998), por exemplo, ressalta a existncia de grande preocupao por

    parte de pesquisadores em observar e classificar as crenas de professores e alunos para uma

    maior compreenso do processo de ensino e aprendizagem.

    As investigaes no campo das crenas de professores e alunos de lngua inglesa so

    inmeras. Analisando-se as contribuies, porm, percebe-se que as crenas quanto prpria

    lngua e cultura-alvo, permanecem pouco investigadas.

    Devido complexidade do tema crenas e tendo em vista a fora dos fatores

    contextuais, Barcelos e Vieira-Abraho (2006, p. 33-35) destacam alguns aspectos que ainda

    precisam ser investigados. As autoras afirmam que:[...] estudos poderiam investigar as crenas de alunos e professores em relao cultura da lngua-alvo, tendo em vista afirmaes de alunos e professores no contextobrasileiro...Isso implica investigar as crenas dentro de um contexto scio-histricomais amplo.

    Barcelos (2004, p.125), apresentando posio semelhante defendida por Breen

    (1985), que imprescindvel a compreenso do fato de que nenhuma instituio ou

    relacionamento humano pode ser adequadamente entendido, a menos que consideremos as

    suas expectativas, valores e crenas.

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    Barcelos e Vieira-Abraho (2006, p.33) sugerem ainda que sejam realizadas

    investigaes na rea do ensino e aprendizagem de outras lnguas estrangeiras, alm da lngua

    inglesa, e sobre as crenas mais comuns encontradas nos diversos contextos brasileiros. As

    autoras ressaltam a necessidade de se compreender melhor a relao entre contexto, crenas e

    aes, alm da necessidade de se investigar como acontece a transformao das crenas.

    A partir do desvelamento das crenas e interesses de alunos sobre a lngua e cultura-

    alvo, o professor poder conhecer um pouco mais do filtro afetivo4dos alunos e organizar

    procedimentos adequados, o que implicar tambm um desenvolvimento de sua competncia

    aplicada (Almeida Filho, 1993)5. A compreenso do sistema de crenas dos alunos sobre a

    lngua e a cultura poder possibilitar ao professor, intervir positivamente no processo de

    aprendizagem e buscar formas de despertar o interesse dos alunos no estabelecimento de

    contato com a lngua e a cultura-alvo e na aprendizagem da lngua.

    Mendes afirma que:

    [...] conhecer os aspectos que subjazem o interesse pela lngua-alvo, no s nosfornecer dados para traarmos o perfil dos candidatos a aprendizes, mas tambmnos prover de elementos para a elaborao de novas estratgias e procedimentos

    para a atuao do professor em sala de aula e para a construo de materiais dentrode uma abordagem comunicativa culturalmente sensvel. (Mendes, 2000)

    Outro aspecto que aponta para a relevncia desta pesquisa, que em contexto de

    ensino de LE, o professor ocupa hoje papel de mediador cultural e representante de uma

    cultura que, dentro de seu contexto scio-cultural, pode estar permeada por visesestereotipadas da lngua e cultura-alvo. O professor o ponto de encontro de culturas e

    fundamental a conscientizao deste seu papel social (desenvolvendo assim, tambm, a sua

    4Tomamos aqui o conceito de Krashen (1983), segundo o qual, o filtro afetivo composto pelos fatores

    emocionais do aluno como ansiedade, medo, interesse, motivao, etc.5A competncia aplicada refere-se, segundo Almeida Filho (1993, p. 21), quela que capacita o professor aensinar de acordo com o que sabe conscientemente (sub-competncia terica) permitindo a ele explicar complausibilidade porque ensina da maneira como ensina e porque obtm os resultados que obtm.

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    competncia profissional6), para que ele possa proporcionar aos alunos os meios para que

    possam avaliar generalizaes, refletir sobre conceitos estereotipados, preconceitos e tambm

    ampliar o seu auto-conhecimento. Sendo assim, o professor poder trabalhar no sentido de

    buscar conscientizar e desmistificar algumas crenas de seus alunos, levando-os (re)

    construo de novas percepes daprpriae da outracultura.

    Bolognini (1993) desenvolveu uma pesquisa bastante pertinente para o escopo deste

    trabalho. Nela a autora aborda os esteretipos existentes entre alunos de alemo, sobre o povo

    da cultura-alvo. Em seu estudo ela pde observar:

    ... que os alunos no vm totalmente vazios em relao cultura alem para a salade aula. O que ocorre o contrrio. Eles j tm formado um quadro de esteretipos,

    j tem suas crenas sobre o pas e o povo e tais esteretipos podem interferir nainterao(op.cit).

    O fato verificado pela autora foi tambm observado por ns e configurou-se como a

    grande mola propulsora desta pesquisa. A pergunta que nos instigou a desenvolver este estudo

    foi: que esteretipos e crenas sobre a lngua e cultura-alvo encontram-se entre alunos

    brasileiros de alemo?

    A autora advogou ainda a idia de que uma das funes do ensino de alemo

    oferecer a oportunidade para que seus alunos reavaliem seu quadro de esteretipos sobre a

    Alemanha (op.cit.). Compartilhamos essa viso e reiteramos ainda o papel central do

    professor nesse processo de reavaliao.

    Sendo assim, diante da indicao, em inmeros estudos, da possvel interferncia das

    crenas e dos esteretipos na interao e na aprendizagem, consideramos evidente a

    relevncia de um estudo minucioso do quadro das crenas. Por essa razo, pretendemos

    6

    A competncia profissionalrefere-se quela capaz de conscientizar os professores de seus deveres, potencial eimportncia social na rea de ensino de lnguas. (Almeida Filho, 1993, p. 21)

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    dedicar nosso estudo questo, especificamente, das crenas quanto lngua e cultura

    alem.

    1.3. Objetivos e Questes de pesquisa

    Tomando como pressuposto que o universo do aluno levado para a sala de aula, que

    ele influencia o processo de ensino e de aprendizagem e , portanto, pertinente para o

    professor, e tomando o sistema de crenas como parte desse universo, traamos como objetivo

    geral de nossa pesquisa, fazer uma investigao das crenas de alunos brasileiros de alemo,

    em curso iniciante, quanto lngua e cultura alem. Analisaremos as principais caractersticas

    das mesmas, buscando verificar, a partir delas, a existncia de possibilidade de categorizao.

    Alm disso, investigaremos suas possveis origens e como elas podem ser compreendidas pelo

    professor no processo de ensino-aprendizagem de LE e, especificamente, de lngua alem.

    Para atingirmos esses objetivos, formulamos as seguintes questes de pesquisa:

    1) Que crenas quanto lngua e cultura alem so levadas para a sala de aula por alunos,

    brasileiros, de cursos de alemo para iniciantes, quais as suas caractersticas e possveis

    origens?

    2) Quais as suas implicaes para o processo de aprendizagem de LE?

    3) Ocorrem variaes nas crenas quanto lngua e cultura-alvo no decorrer de um curso

    de alemo para iniciantes ou elas se mantm?

    A forma de organizao da dissertao ser apresentada no item a seguir.

    1.4. Organizao da Dissertao

    Esta dissertao est organizada em cinco captulos.

    No captulo 1, sobre o qual discorremos at o momento, apresentamos a

    contextualizao, as justificativas, os objetivos e as questes de pesquisa.

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    Para responder s ltimas, procuraremos entender o sistema das crenas quanto

    lngua e cultura-alvo pelo vis dos estudos do ensino de LE com base intercultural. Para tanto,

    apresentamos no captulo 2, o arcabouo que fornecer o respaldo terico pesquisa, dividido

    em duas grandes sees.

    Na primeira, nos ocupamos dos estudos das crenas. Apresentamos algumas

    investigaes realizadas na rea da Lingstica Aplicada (LA), bem como em outras reas do

    conhecimento, e verificamos suas implicaes para o processo de ensino e aprendizagem de

    LE.

    Na segunda seo focalizamos os pressupostos do ensino de LE em uma dimenso

    intercultural. Examinaremos como o ensino de lnguas, tomado como encontro de culturas,

    vem sendo tratado em uma abordagem intercultural, focalizando estudos que se ocuparam de

    questes acerca da interpretao do outro, em relao dicotmica ao prprio. Por fim,

    abordaremos a competncia intercultural, entendida como a capacidade, que poder favorecer

    a compreenso e o manejo das crenas quanto lngua e cultura-alvo.

    No captulo 3 abordaremos a metodologia que se apresentou como a mais condizente

    para a realizao desta pesquisa, abordando sua natureza, o contexto de investigao, os

    participantes, os instrumentos de coleta de dados e os procedimentos, nas diferentes fases.

    No captulo 4 apresentamos a anlise de dados da investigao. Iniciamos o captulo

    discorrendo sobre a categorizao das crenas proposta neste estudo e, em seguida,descrevemos o corpus organizado em duas fases: a primeira fase, que configurou o perodo de

    inscrio no curso de extenso, e a segunda fase, que foi marcada pelo perodo de realizao

    do curso.

    Finalizando, apresentamos no captulo 5 as consideraes finais deste estudo, nas

    quais sero descritas as concluses e discutidas algumas das implicaes das crenas sobre a

    lngua e cultura alem no processo de ensino e aprendizagem. Ainda nesse captulo,

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    apresentaremos algumas sugestes para futuras pesquisas na rea de ensino e aprendizagem

    de alemo.

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    CAPTULO 2 - PRESSUPOSTOS TERICOS

    Os pressupostos tericos desta pesquisa baseiam-se em estudos da rea deensino/aprendizagem de LE, que buscam o entendimento das crenas de alunos e/ou

    professores, assim como da relevncia de questes relacionadas percepo de uma lngua e

    cultura-alvo, enquanto estranhas (fremd), no processo de aprendizagem. Sendo assim,

    organizaremos o arcabouo terico em duas sees.

    Na primeira abordaremos as crenas, analisando inicialmente as diferentes definies e

    terminologias, utilizadas at o presente momento para caracterizar esse fenmeno.

    Verificaremos como ele vem sendo estudado nas diferentes reas de conhecimento e na LA e

    justificaremos, em seguida, a escolha desse referencial terico, analisando tambm as

    implicaes das crenas especficas no processo de aprendizagem de LE. Passaremos, ento,

    para a apresentao de um breve histrico das pesquisas em crenas, discutindo tambm as

    distintas abordagens em que se inserem as pesquisas.

    Tomando o fenmeno das crenascomo oriundo de relaes scio-culturais, em uma

    perspectiva de abordagem contextual7, apresentaremos estudos de vertentes tericas distintas

    que justificam esse pressuposto. Finalizaremos este bloco apresentando algumas pesquisas

    que abordam as crenas especficas sobre a lngua e a cultura alem a partir de termos como,

    por exemplo, imagens ou esteretipos.

    Na segunda seo discutiremos, inicialmente, algumas das diferentes concepes de

    lngua e cultura, a fim de compreender melhor os conceitos, aos quais nos referimos. Em

    seguida, discutiremos os preceitos tericos de autores que se preocuparam com a integrao

    de aspectos culturais no ensino de lnguas, como Kramsch (1993) e com o papel da

    diversidade e da alteridade no ensino de lnguas estrangeiras, como Alois Wierlacher (1998,

    7A abordagem contextualser discutida no item 2.1.3 deste estudo.

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    1990) e Weinrich (1998). Nosso recorte enfatizar ainda o conceito de competncia

    intercultural (Volkmann, 2002, Weier, 2002, Byram, 2000), por acreditarmos que ele capaz

    de fornecer subsdios para o entendimento das crenas de alunos quanto lngua-alvo e sua(s)

    e cultura (s).

    2.1. Investigao das crenas

    Analisaremos a seguir, como o conceito crenas vem sendo investigado, no apenas na

    rea de ensino e aprendizagem de lnguas, mas tambm em outras reas do conhecimento.

    2.1.1. Pesquisas sobre crenas: floresta terminolgica e definio

    utilizada neste estudo

    Encontramos em diferentes autores, de reas distintas, bem como na de ensino e

    aprendizagem de lnguas, notvel diversidade terminolgica para a descrio de fenmenos

    passveis de aproximao ao sentido das crenas quanto a aspectos do processo de

    aprendizagem de lnguas. Ao nos depararmos com tal abundncia de termos e conceitos,

    tambm chamada por Silva e Rocha (2007), citando Woods (1993), defloresta terminolgica,

    fomos buscar na literatura aquele que mais se aproxima s questes a serem investigadas

    nesta pesquisa. Sendo assim, iniciaremos este item, delineando o percurso da escolha do

    referencial terico e o finalizaremos apresentando uma definio que consideramos plausvel

    no mbito deste estudo.

    Barcelos (2004) e Silva e Rocha (2007) afirmam que Hosenfeld (1978) foi o primeiro

    pesquisador da rea de ensino de LE, a se interessar pelas crenas de aprendizes, se referindo

    a elas como Mini-teorias de aprendizagem de lnguas, e definindo-as como o conhecimento

    tcito dos alunos.

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    Alm de Hosenfeld, encontramos em Borges (2007, p.7) uma sntese de alguns dos

    autores que descreveram, a partir da dcada de 80, o fenmeno das crenas quanto

    aprendizagem, utilizando, todavia, outros termos, a saber:

    Filosofia de aprendizagem(Abraham e Vann, 1987): refere-se s crenas em relao

    maneira como a lngua funciona e adquirida;

    Crenas culturais(Gardner, 1988). Dizem respeito s expectativas de docentes, pais e

    alunos no que tange a tarefa de aprendizagem de uma segunda lngua,

    Teorias folclrico-lingsticas de aprendizagem (Miller e Ginsberg,1995): definidas

    como as idias que os alunos possuem em relao lngua e aprendizagem de lnguas.

    Barcelos (2004) apresenta, e Silva (2005, p.72) retoma, alm destes, ainda os seguintes

    termos para caracterizar as crenas sobre a aprendizagem de lnguas:

    Representaes dos aprendizes (Holec,1987, p.152): Suposies dos alunos sobre

    seus papis e funes dos professores e dos materiais de ensino.

    Conhecimento Metacognitivo (Wenden, 1986, p.163): Conhecimento estvel,

    declarvel, embora s vezes incorreto, que os aprendizes adquiriram sobre a lngua, a

    aprendizagem, e o processo de aprendizagem de lnguas, tambm referido como

    conhecimento ou conceitos sobre aprendizagem de lnguas

    Filosofia de aprendizes sobre a aprendizagem de lnguas (Abraham & Vann, 1987, p.

    95): Crenas sobre como a linguagem opera e, conseqentemente, sobre como ela aprendida

    Cultura de Aprender (Cortazzi & Jin, 1996, p. 230): Os aspectos culturais sobre o

    ensino e aprendizagem; o que as pessoas acreditam sobre atividades e processos normais e

    bons de aprendizagem, em que tais crenas tm origem.

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    Representaes(Riley, 1994, p.8): Idias populares sobre a natureza, estrutura e uso

    da lngua, relao entre linguagem e pensamento, linguagem e inteligncia e/ou linguagem e

    aprendizagem.

    Cultura de Aprendizagem (Riley, 1997, p.122): Um conjunto de representaes,

    crenas e valores relacionados aprendizagem que influencia diretamente o comportamento

    de aprendizagem dos alunos.

    Verificamos que os conceitos apresentados se relacionam, primordialmente,

    descrio das crenas sobre aspectos gerais do processo de ensino e aprendizagem de LE,

    como, por exemplo, as crenas do professor (ou do aluno) sobre como se d a aprendizagem

    ou sobre o papel da gramtica.

    As crenas no sentido das imagens que se tm sobre um objeto, pertinentes em

    relao ao escopo desta pesquisa, foram descritas por alguns autores da rea em que se insere

    este estudo, e tambm de outras reas do conhecimento, por termos que, geralmente, se

    apresentam em relao sinonmia. Na Tabela 1 apresentamos alguns deles e, tambm, suas

    definies.

    Tabela 1: Quadro de outros termos e definiesTermos e definies que podem ser usadas para as crenas quanto lngua e cultura-alvo

    Representao Social (Mascovici, citado porGabillon, 2005)

    A cognio humana no individual, masconstruda dentro de um grupo social. Ela age,

    em sua teoria, como suporte para muitaspalavras ou idias.

    Mitos (Viana,1993) Mitos so definidos como concepes

    populares estereotipadas.Esteretipos (Lippmann, 1922, citado por

    Rsch, 2003)So conceitos formulados segundo informaese estmulos do mundo exterior e um sistema de

    ordem determinado.

    Imaginrio (Le Goff, citado por Pesavento,1995)

    O imaginrio faz parte de um campo derepresentao e, como expresso do

    pensamento, se manifesta por imagens ediscursos que pretendem dar uma definio darealidade. Mas as imagens e discursos sobre oreal no so exatamente o real ou, em outras

    palavras, no so expresses literais darealidade, como um fiel espelho.

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    Cont. Tabela 1: Termos e definies que podem ser usadas para as crenas quanto lnguae cultura-alvo

    Imaginrio (Orlandi, 2003) Faz parte do referencial da anlise do discursoa distino entre o real e o imaginrio. Temosde um lado o texto, a descontinuidade como

    parte real do discurso e o imaginrio no nveldas representaes. O discurso funciona na

    articulao entre o real e o imaginrio.

    Senso Comum (Alves, 2003) Senso comum se refere quilo que no cincia, mas poder se transformar em tal,

    quando vier a ser refinado e disciplinado. Elefaz parte do dia-a-dia das pessoas. Podemos

    entender senso comum e cincia comoexpresses da mesma necessidade bsica, anecessidade de compreender o mundo, a fim

    de melhor viver e sobreviver.

    Atitude (Rokeach, 1981) Atitude uma organizao de crenas,relativamente duradoura, em torno de um

    objeto ou situao que predispe que seresponda de alguma forma preferencial.

    Dos termos citados, destacaremos mitos, esteretipos e atitudes, por acreditarmos ser

    bastante prximos ao sentido que buscamos.

    Os mitos so tidos por Viana (1993) como concepes populares estereotipadas e

    como fruto da falta de reflexo ou do desconhecimento. Em concordncia com essa viso,

    Carvalho (2000) afirma que os mitos costumam advir de concepes errneas e

    estereotipadas, s vezes veiculadas pela mdia e passadas de gerao para gerao, sem que as

    pessoas parem para refletir ou mesmo buscar na literatura especializada elementos que

    justifiquem ou no esses mitos.

    O esteretipo o conceito cientfico para uma viso no cientfica de mundo e de um

    objeto (Rsch, 2003). No uso corrente ele tomado como pr-conceito negativo, apesar de o

    termo no conter, em seu sentido, nem conotao positiva, nem negativa.

    Bausinger (2000, p. 7) afirma que os esteretipos, clichs, preconceitos no tratam

    questes a partir de anlises cuidadosas, mas so referidos pelo autor como sendo os culos

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    invisveis, os quais do cor realidade, mas freqentemente tambm a distorcem; aos quais,

    porm, as pessoas acostumam-se rapidamente.8

    Segundo princpio semelhante, Elias (1997, p. 28) aponta para a importncia de nos

    perguntarmos se no temos idias muitas vezes depreciativas ou degradantes de outros

    grupos em nossas cabeas e, ao encontrarmos pessoas desses grupos, se no procuramos,

    mesmo involuntariamente, a prova de que correto o quadro estereotipado do grupo que

    temos em mente. Exemplo disso fornecido pelo autor, judeu, quando afirma que durante

    sculos as igrejas fizeram de meus ancestrais judeus, responsveis pela crucificao de

    Jesus.

    Percebemos, no sentido de crenas que buscamos, grande aproximao tambm ao

    conceito de atitude, fato que gerou certa dvida quanto ao melhor termo a ser utilizado nesta

    pesquisa. So termos bastante prximos, em certos aspectos, levando alguns autores a nem

    mesmo fazerem a diferenciao entre eles (Silva, 2005, p. 62).

    Todavia, Rokeach (1981, p. 99) aponta para uma confuso conceitual acerca do termo

    atitude, por um desacordo quanto forma como o conceito deve ser diferenciado dos

    proximamente relacionados a ele. O autor sugere uma delimitao do uso amplo de

    terminologias.

    Para alguns autores, atitude difere de crenas por se relacionar com ao, pr-

    disposio favorvel ou desfavorvel, resposta preferencial (Bem, 2005; Rokeach, 1981;Baker, 1992).

    Segundo Bem (2005), atitude envolve gostar ou no gostar, o que leva a uma

    reao favorvel ou desfavorvel frente a objetos, pessoas, situaes ou qualquer outro

    aspecto do mundo, incluindo idias abstratas, polticas e sociais. Rokeach (1981, p. 98) reitera

    8[...]Klischees, Stereotypen, Vorturteile sind unsichtbare Brillen, welche die Wirklichkeit einfrben und oft auchverzerren, an die man sich aber schnell gewhnt.

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    que a atitude leva a uma resposta preferencial, positiva ou negativa, devido ao fato de que o

    objeto ou a situao de atitude afetivamente apreciado ou depreciado.

    Baker (1992, p. 11) afirma que a atitude no pode ser fcil e diretamente observvel,

    uma vez que os pensamentos e sentimentos de uma pessoa esto escondidos. Todavia, so

    latentes. Para a autora, a anlise das atitudes um caminho eficiente para se explicar modelos

    recorrentes de comportamento.

    A referida autora faz ainda em seu trabalho a distino entre atitude e opinio.

    Segundo ela, a opinio verbalizada e as atitudes, no verbais. Para ela, a atitude menos

    influenciada por fatores situacionais e pode ser medida (op. cit, 1992, p. 10-11).

    A fim de sintetizar a diferenciao entre os termos crenas e atitudes, apresentamos na

    Tabela 2 um quadro comparativo dos conceitos, com o propsito de elucidar as principais

    distines encontradas entre eles.

    Tabela 2: Quadro comparativo: atitudes e crenas

    (Fonte: Rokeach, 1981)

    Atitudes CrenasPouco influenciadas por fatores situacionais. So sociais e tambm individuais.

    Implicam aes. No necessariamente influenciam as aes.

    So latentes e no verbais. So freqentemente verbalizadas.

    Envolvem pr-disposio favorvel oudesfavorvel.

    Muitas vezes paradoxal ao.

    Conjunto relativamente duradouro e persistenteformado por experincias passadas.

    So dinmicas.

    Incorporam crenas, mas nem todas as crenasfazem parte, necessariamente, das atitudes.

    A partir das caractersticas expostas dos termos crenas e atitudes, consideramos o

    conceito crenas como sendo o mais adequado para a nossa pesquisa, uma vez que ele

    possibilita a referncia s percepes ou imagens de alunos quanto lngua e cultura-alvo e

    que no envolve, necessariamente, uma ao favorvel ou desfavorvel ao objeto. No mbito

    deste estudo, encontramos alunos de alemo que, apesar de apresentarem algumas crenas

    desfavorveis em relao lngua (ex: difcil) e ao povo (ex: frio), optaram por iniciar o

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    estudo, movidos por uma motivao extrnseca9, por mera curiosidade pela lngua ou pelo

    desafio de aprend-la. Tal fato pode, em alguns casos, indicar ao paradoxal crena. O

    desencontro entre crenas e aes foi descrito tambm por Barcelos e Vieira-Abraho (2006,

    p. 27).

    Alm disso, as percepes ou as imagens tidas sobre a lngua e cultura-alvo so

    freqentemente verbalizadas, so dinmicas e sociais, alm de tambm individuais.

    Pelas razes discorridas, acreditamos que o conceito de crenasseja adequado como

    subsdio terico para o desenvolvimento deste estudo, alm de ser um conceito j fortemente

    estabelecido no campo de estudos de ensino e aprendizagem de LE.

    Aps optarmos pela utilizao do termo crenas, buscamos investigar como este

    construto vem sendo estudado e definido.

    Verificamos que ele tem estreitos laos com os campos das cincias da cognio, da

    sociologia, da educao, da filosofia e da psicologia social. Filsofos e educadores como, por

    exemplo, Dewey (1933) e Peirce (1958), j discorreram sobre esse construto nas dcadas de

    30 e 50 respectivamente.

    Peirce (1958), citado por Silva (2005, p.67), define crenas como idias que se alojam

    na mente das pessoas, como hbitos, costumes, tradies, maneiras folclricas e populares de

    pensar.

    Dewey (1933) apresenta definio, asseverada tambm por Barcelos e Vieira-Abraho(2006, p.18), bastante pertinente ao nosso trabalho. Segundo o autor, as crenas constituem:

    ...uma forma de pensamento, construes da realidade, maneiras de ver e percebero mundo e seus fenmenos construdas a partir de nossas experincias e resultantes

    9Utilizaremos os conceitos de motivao intrnseca e extrnseca conforme descritos, na rea de ensino de LE, por Brown(2000). Segundo o autor, as aes movidas por uma motivao intrnseca so aquelas para as quais no h recompensaaparente seno a atividade em si. Comportamentos movidos por motivao intrnseca tm como objetivo recompensar e

    conseqncias internas, sentimentos de recompensa e autodeterminao. Por outro lado, comportamentos motivadosextrinsecamente, so desencadeados por antecipao de recompensa advinda de fora e localizada fora de si prprio.Recompensas tipicamente extrnsecas so, por exemplo, dinheiro, prmios, ttulos ou at certos tipos de feedback positivos(op.cit, 2000)

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    de um processo interativo de interpretao e re-significao. Como tal, as crenasso sociais (mas tambm individuais), dinmicas, contextuais e paradoxais.

    O autor destaca ainda a natureza dinmica das crenas e sua interrelao com o

    conhecimento ao afirmar que:

    [as crenas]...cobrem todos os assuntos para os quais ainda no dispomos deconhecimento certo, dando-nos confiana suficiente para agirmos, bem como osassuntos que aceitamos como verdadeiros, como conhecimento, mas que podem serquestionados no futuro.

    Rockeach (1968, p. 1-2) prope o conceito de crenas como sendo inferncias feitas

    por um observador sobre estados de expectativas bsicos.O autor afirma que as crenas no

    podem ser diretamente observadas (como os genes, os nutrons), mas podem serinferidas da

    melhor forma possvel com quaisquer artifcios psicolgicos disponveis, de todas as coisas

    que o crente diz ou faz.

    Abelson (1979), citado por Felix (1998), define crenas como proposies simples

    conscientes ou inconscientes, inferidas do que a pessoa diz fazer ou faz de fato.

    Bem (1970), estudioso do campo da psicologia, afirma que muitas de nossas crenas

    so produtos de contato direto com o objeto (crenas primrias e crenas de primeira ordem)

    e outras so tomadas como verdade e no percebemos que as temos (crenas de ordem zero).

    Para o autor, existem ainda as crenas baseadas em autoridade externa, que so

    fundamentadas no na experincia direta, mas no que nos dito. Tais crenas podem passar a

    ser questionadas com o tempo e divididas em outros tipos de crenas.

    Reafirmamos a partir da anlise minuciosa dos diferentes conceitos, a adequao do

    termo crenasno mbito desta pesquisa, visto que para a grande parte dos autores referidos,

    as crenas so definidas como um conjunto de idias, imagens pr-estabelecidas que se tem

    acerca de pessoas, um objeto ou um fenmeno. Alm disso, elas so consideradas sociais, mas

    tambm individuais, pois so construdas a partir de interaes.

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    Sendo assim, tomando como base as diferentes definies encontradas na literatura,

    formulamos a nossa definio de crenas para o sentido investigado nesta pesquisa.

    Entendemos as crenas de alunos quanto a uma lngua e cultura-alvo na aprendizagem

    de LE como sendo as imagens e o conjunto de idias pr-estabelecidas que se tem acerca de

    uma lngua e de uma cultura-alvo. Tais imagens so construdas a partir de experincias

    pessoais, processos interativos, acontecimentos histricos, sociais e resultam da interpretao

    pessoal de eventos. Elas podem ser constitudas aps o contato direto com o objeto, ser

    baseadas em discursos de outrem, ser tomadas como verdade, sem que se perceba sua

    existncia ou, ainda, ser resultantes da interpretao por comparao com outras lnguas e

    culturas estrangeiras e/ou com as prprias.

    Por terem origens essencialmente contextuais e interacionais, as crenas so

    dinmicas, podendo passar a ser questionadas e reformuladas no decorrer do tempo.

    Algumas crenas, no calcadas em contato direto, podem ter um forte componente de

    esteretipo. Estas so originadas em contexto scio-cultural especfico e constitudas a partir

    de discursos veiculados pela mdia, de dizeres de outrem, de interpretaes subjetivas e

    carecem de reflexo, configurando-se como crenas estereotipadas. Tais crenas sero de

    grande relevncia no mbito deste trabalho, visto que representam o ponto de partida da

    categorizao das crenas encontradas entre os participantes da pesquisa.

    Tendo discorrido sobre nosso percurso de escolha do referencial terico das crenas eapresentado nossa definio, passaremos ento para uma anlise das implicaes das crenas

    no processo de ensino e aprendizagem.

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    2.1.2. Implicaes das crenas para o processo de ensino e

    aprendizagem de LE.

    A influncia do sistema de crenas no processo, tanto de ensino quanto de

    aprendizagem de lnguas, atualmente incontestvel. Aprendizes e professores podem manter

    certas imagens quanto, por exemplo, ao processo de aquisio de LE, a metodologias de

    ensino, ao sucesso (ou insucesso) de certas estratgias de aprendizagem, existncia de

    aptido (ou falta dela) e, de grande relevncia para nosso trabalho, quanto natureza da

    lngua que esto estudando ou ensinando, ao seu grau de dificuldade ou, ainda, quanto

    cultura-alvo.

    Affonso (2003), pesquisadora da rea de educao, aponta em seu trabalho para o fato

    de que a resistncia em renunciar a conceitos antigos, pode muitas vezes dificultar a adoo

    de novas hipteses e posturas na aprendizagem. O processo de adoo de novas hipteses

    envolve, segundo a autora, no apenas a construo cognitiva ou racional dos sujeitos, mas

    tambm aspectos de outra natureza, como afetivos e socioculturais, referentes aos seus

    sentimentos, valores e crenas.

    A identificao das imagens sobre a lngua e a cultura-alvo, tomadas neste trabalho

    como crenas,e a reflexo acerca do impacto potencial que elas podem ter no processo de

    aprendizagem e no ensino da lngua, podem fornecer informaes importantes para a

    elaborao de prticas apropriadas de ensino (Breen, 2001, citado por Bernat, 2001). Por essa

    razo, de grande importncia que o professor reflita sobre as crenas de seus alunos, sobre

    suas possveis origens e verifique em que medida elas podero influenciar (negativa ou

    positivamente) o processo de aprendizagem.

    Tal importncia j foi apontada por autores que utilizaram outros termos para o

    fenmeno: fatores como as atitudes, imagens e motivao frente lngua e cultura-alvo j

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    foram descritas h algumas dcadas por diferentes autores como aspectos de grande

    relevncia para o processo de aprendizagem.

    Os estudos de Gardner e Lambert (1972, p. 135) sobre atitude e motivao foram de

    grande importncia na rea e postulam que o tipo de atitude envolvida na aprendizagem de LE

    pode produzir conseqncias distintas. Para eles, a imagem que se tem dos grupos falantes da

    lngua-alvo poder refletir negativa ou positivamente na aquisio de habilidades na lngua-

    alvo. Os autores afirmam em seus estudos que, se o aluno no possui uma disposio aberta e

    de simpatia para com a cultura-alvo, se suas atitudes so altamente etnocntricas e hostis, no

    haver grande progresso na aquisio de qualquer aspecto da lngua. Segundo afirmam os

    autores, nessa situao, o aluno no apenas ter uma percepo menos acurada da lngua,

    como tambm sua atitude negativa poder gerar certo grau de bloqueio aprendizagem.

    A identificao com o grupo da cultura-alvo foi foco de investigao tambm de

    Chiarini (2002). A autora desenvolveu um estudo com professores e formandos de lngua

    italiana, buscando analisar suas representaes quanto lngua-alvo, Itlia e ao professor da

    lngua. Ela demonstrou em seu trabalho, que o interesse pelo italiano como lngua-alvo est,

    de um lado, permeado pelo sonho, pela paixo por uma cultura, um pas e uma lngua de

    imigrantes ou de antepassados, mas por outro, tambm pela necessidade de responder ao fluxo

    acelerado de informaes, atravs da comunicao. Os dois tipos de interesse pela lngua

    italiana so coexistentes, freqentemente em sobreposio um ao outro.Chiarini (2002) afirma que as representaes e imagens que habitam a sala de aula

    tm efeitos considerveis no processo de ensino/aprendizagem. Nesse sentido, a autora

    ressalta que:

    [...] a conscincia de que caminhamos num terreno impregnado de afetividade e oreconhecimento das representaes envolvidas, alm de suas implicaes, imprescindvel para a motivao dos aprendizes e para a continuidade e sucesso do

    contrato pedaggico.

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    Existem no campo do ensino de lnguas inmeros autores que apontam para a

    importncia dos sentimentos diante da lngua e cultura-alvo. Brun (2004) afirma que a

    identificao com o nativo ou a lngua considerada condio de sucesso, Jakobovits (1971) e

    Kanno e Norton (2003) corroboram a importncia da identificao ou simpatia frente lngua

    e a cultura-alvo. Alm deles, Borges (2007, p.2), elencando tambm Tlio (1981), Barata

    (1999) e Sade (2003), compartilha a importncia de que os alunos se identifiquem

    positivamente com o grupo da cultura-alvo, para que estejam mais motivados a aprender a

    lngua-alvo. A autora salientou que se, ao contrrio, essa identificao for negativa, o aprendiz

    no estar receptivo a aprend-la

    Sobre os sentimentos dos alunos, Almeida Filho (1993, p.13) afirma que necessrio

    buscar conhecer as configuraes individuais dos filtros afetivos (as atitudes, motivaes,

    bloqueios, grau de identificao ou tolerncia com a cultura-alvo, capacidade de risco e

    nveis de ansiedade) de cada aprendiz e de cada professor. O autor destaca ainda, que

    aprender uma LE abrange configuraes especficas de afetividade (motivaes, capacidade

    de risco, grau de ansiedade, presso do grupo) com relao lngua que se deseja aprender.

    Segundo o autor, das configuraes de afetividade podem surgir motivao ou resistncia em

    variados matizes.

    Prabhu (1990) ressalta a importncia de aspectos afetivos como fatores relevantes ao

    processo de ensino e aprendizagem, quando afirma que o melhor mtodo depender defatores relacionados ao aluno (idade, aspiraes, experincia prvia de aprendizado, atitudes,

    crenas), ao professor (status, capacitao, crenas, autonomia), ao lado de caractersticas

    relacionadas situao social (lngua, poltica, ambiente lingstico, atitudes culturais e

    lingsticas, fatores econmicos e sociais) ou organizao educacional (objetivos

    instrucionais, tamanho da sala, limitao de tempo e recursos).

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    Barcelos (2006, p. 29) afirma que as crenas de alunos e professores sobre a aquisio

    de lnguas e suas aes moldam o contexto e so moldadas por ele. A autora afirma ainda que

    as crenas auxiliam os indivduos a compreenderem a si mesmos e aos outros, a se adaptarem

    ao mundo e a se identificarem com outros grupos. Tambm proporcionam estrutura, ordem,

    direo e valores compartilhados.

    Frente ao exposto, podemos concluir que a relevncia do desvelamento das crenas de

    alunos para o ensino e aprendizagem de LE decorre de quatro fatores principais:

    1) possibilidade de influncia das crenas no campo da afetividade: as crenas podero

    influenciar aspectos inerentes afetividade de alunos como a motivao, as atitudes, o grau

    de interesse, a ansiedade e valores;

    2)possibilidade de influncia das crenas nas aes: as crenas podem influenciar as aes,

    porm, podero, tambm, sofrer influncias durante o processo de ensino e aprendizagem,

    fato que reafirma a necessidade de seu desvelamento;

    3)necessidade do estabelecimento de procedimentos metodolgicos adequados aos alunos,

    com o intuito de promover baixo filtro afetivo10, melhor aprendizagem, respeito s

    diferenas: as crenas podero influenciar a maneira como se aprende e se ensina, pois

    interferem na interpretao de professores e alunos quanto s novas informaes.

    4) necessidade de reformulaes de eventuais imagens estereotipadas. importante que

    alunos e/ou professores reflitam sobre suas prprias crenas, a fim de buscarem, alm docrescimento profissional, tambm o pessoal, revendo esteretipos, valores e

    generalizaes.

    10Segundo Krashen (1983), pessoas com fatores afetivos favorveis (por exemplo, alto grau de motivao, baixaansiedade, etc) possuem um baixo filtro afetivo.

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    2.1.3. Breve histrico e abordagens das pesquisas em crenas no

    ensino e aprendizagem de LE

    O interesse por esse construto na rea de ensino e aprendizagem de lnguas iniciou-se

    nas dcadas de 70-80 no exterior, com os trabalhos de Holec, Horwitz e Wenden (citado por

    Barcelos, 2003), e na dcada de 90 no Brasil (Barcelos e Vieira-Abraho, 2006, p.18). A

    edio especial do peridico System (vol.27, n. 4) sobre crenas em 1999 e o primeiro

    simpsio sobre o tema em Tkio (AIPLA), foram importantes marcos na consolidao de

    pilares do construto (Barcelos, 2003, p. 7). Kalaja e Barcelos (2003) tambm reuniram

    importantes estudos sobre o tema, em uma publicao que em muito contribuiu para a

    descrio e compreenso das crenas quanto a aprendizagem e ensino de lnguas.

    A mudana do olhar para o processo de ensino e aprendizagem de LE, e no somente

    para o produto e, especialmente, para o papel do aluno, considerada a grande propulsora dos

    estudos das crenas. Larsen-Freeman (1998, citado por Barcelos, 2004) elencou cinco

    mudanas principais na viso do aluno:

    Anos 50: o aluno era visto como Mmico, pois dele era esperado que imitasse ocomportamento lingstico do professor;

    Anos 60: as faculdades mentais do aluno eram consideradas, o aluno passa a servisto como aluno cognitivo e dele espera-se ento que descubra as regraslingsticas;

    Anos 70: encontramos neste perodo o paradigma dos alunos afetivos e sociais.Gardner e Lambert influenciaram profundamente esta nova viso com seustrabalhos sobre atitude e motivao;

    Anos 80: Perodo caracterizado pelo aluno estratgico, pois passou-se areconhecer que existem diferentes estilos de aprendizagem, estratgias e que oaprendiz capaz de se engajar em aprendizagem autnoma;

    Anos 90: caracterizado pelo aluno poltico, uma vez que ele visto como possuidorde uma dimenso poltica.

    O termo crenas apareceu pela primeira vez no campo da LA, em 1985, com

    Horwitz, que descreveu as crenas como idias que os alunos possuem a respeito do que

    significa aprender uma lngua e do processo envolvido na aprendizagem(Barcelos, 2004).

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    Barcelos (2001, citado por Vieira-Abraho, 2006), tomando por base as definies,

    metodologias e relao entre crenas e aes, agrupou as pesquisas de crenas em trs

    abordagens distintas: abordagem normativa, abordagem metacognitiva e abordagem

    contextual. Segundo Barcelos (2004), inicia-se com Horwitz (1985) o que ela classifica como

    o primeiro momento das investigaes sobre as crenas quanto aprendizagem de LE.

    As pesquisas realizadas sob a primeira abordagem (normativa) no consideravam a

    perspectiva dos alunos e as crenas eram percebidas isoladamente umas das outras,

    fornecendo uma viso apenas parcial do sistema de crenas quanto aprendizagem de lnguas

    (Vieira Abraho, 2006). Tais estudos inferem crenas por meio de questionrios fechados do

    tipoLikert-Scale11. Nessa abordagem, as crenas de alunos eram freqentemente vistas como

    errneas. Sendo assim, percebeu-se a necessidade de uma viso mais ampla das crenas e das

    variveis presentes entre os aprendizes.

    No segundo momento, no da abordagem metacognitiva, as crenas passaram a ser

    fortemente consideradas no campo das diferenas individuais de aprendizes, da autonomia do

    aluno e das estratgias de aprendizagem (Barcelos, et.al. 2003, p.1). Sua relevncia apontada

    principalmente nas questes referentes s discordncias entre professores e alunos sobre

    aspectos de sala de aula de LE. Essa nova viso uma importante marca do segundo

    momento nas investigaes das crenas (Barcelos, 2004).

    Os estudos inseridos na perspectiva metacognitiva inferem as crenas por meio deentrevistas semi-estruturadas, auto-relatos e questionrios semi-estruturados e se referem s

    crenas como conhecimento metacognitivo. Este concebido como teorias de ao, as quais

    levam os participantes a refletirem sobre suas aes e potenciais para a aprendizagem e/ou

    ensino Tais caractersticas embasam essa abordagem, na qual o foco voltado para a

    11

    os questionrios do tipo likert scale so questionrios fechados que oferecem um conjunto pr-determinado de afirmaes, cabendo ao participante simplesmente complet-lo, sendo o mais conhecido eutilizado deles, aquele criado por Elaine Horwitz (1985) intitulado Beliefs about Language Lerning Inventory-BALLI(Vieira-Abraho, 2006)

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    identificao das crenas como algo estvel. A relao entre crenas e aes apenas

    analisada com respeito s estratgias de aprendizagem (Vieira-Abraho, 2006).

    Wenden (1995) deu grande contribuio para os estudos das crenas que marcaram

    esse momento. A autora dividiu o conhecimento em: conhecimento de domnio (domain

    Knowledge), social (social knowledge) e metacognitivo (metacognitive knowledge). Para ela,

    as crenas correspondem ao conhecimento metacognitivo, o qual constitudo pela noo do

    indivduo sobre os processos relacionados cognio e ao seu prprio processo de

    aprendizagem (Wenden, 1999). As crenas so caracterizadas pela autora como parte do

    conhecimento adquirido, um sistema desenvolvido precocemente e relativamente estvel .

    Hosenfeld (2003, p.38) destaca como exemplos de estudos das crenas de alunos na

    abordagem metacognitiva, as pesquisas de Flavell (1979, 1987); Brown, Armruster & Baker

    (1966), Cotterall (1999), Victori (1999), Yang (1999), alm dos estudos de Wenden (1987,

    1998, 1991, 1999). Para esses autores, as crenas de aprendizes de LE so percebidas como

    fenmeno estvel, refletindo caracterstica das pesquisas que se inserem nessa abordagem. A

    coleta de dados de carter quantitativo, por meio de questionrios fechados, sob influncia

    do desenvolvimento da psicologia cognitiva.

    Nespor (1987) discorre sobre o papel das crenas na prtica do ensino de lnguas,

    fazendo tambm a distino entre conhecimento e crenas. O autor relaciona as crenas com a

    histria de vida, identidade cultural, experincias prvias com a aprendizagem de lngua, e asconsidera menos maleveis que o conhecimento.

    As pesquisas sobre crenas inseridas nessa abordagem privilegiam aspectos

    individuais dos alunos, como por exemplo, a autonomia no processo de aprendizagem, ou os

    diferentes estilos. Nesse contexto, as crenas eram vistas como parte da memria e da

    cognio (Barcelos, 2004).

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    O terceiro momento (abordagem contextual) marcado por investigaes que

    demonstram a relevncia do contexto (dinmico e constitudo socialmente) no sistema de

    crenas dos aprendizes. As crenas so inferidas de aes contextualizadas, ou seja, no

    contexto de atuao do participante investigado (Vieira-Abraho, 2006). A relao entre

    crenas e ao passa a ser investigada por meio de observaes, entrevistas, dirios e estudos

    de caso.

    Nesse paradigma, Barcelos (2004) afirma que:

    [...] as crenas no so somente um conceito cognitivo, mas tambm social, porque

    nascem de nossas experincias e problemas, de nossa interao com o contexto eda nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca.

    Os autores Barcelos (2000), Benson & Lor (1999), Nunan (2000), White (1999),

    Goodwin & Duranti (1992), Sakui & Gaies (1999), Breen (1998), White (1999), Kalaja

    (1995), Woods (1996) e Hosenfeld (1999) foram elencados por Barcelos (2004) como

    importantes tericos que marcaram esse momento, visto que tomam as crenas como de

    carter dinmico e como sendo construdas contextualmente.

    Esse terceiro momento tem como principais caractersticas: a pluralidade de

    metodologias, as diferentes percepes sobre como desenvolver pesquisas acerca das crenas,

    e principalmente, a incluso do contexto na anlise das mesmas. Essa abordagem proporciona

    tambm uma interpretao e percepo mais amplas da relao das crenas com os discursos

    e as aes no ambiente investigado (Borges, 2007). A partir dessa nova perspectiva, Barcelose Vieira-Abraho (2006, p.18-20) apontam como caractersticas das crenas: elas so

    dinmicas (mudam ao longo de um perodo de tempo); so socialmente construdas e situadas

    contextualmente; so experienciais (resultado de interaes dos indivduos); so mediadas

    (crenas so ferramentas que podem ser utilizadas ou no); so paradoxais (crenas so

    sociais, mas tambm individuais); so relacionadas ao de maneira indireta e, por fim, no

    so facilmente distintas de conhecimento.

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    Pajares (1992), cujos estudos tambm se inserem no terceiro momento, afirma que as

    diferentes definies do conceito crenas, bem como a diversidade dos campos de

    investigao em que ele utilizado, o torna complexo e multidimensional. O autor buscou

    analisar os mltiplos sentidos das crenas e investigou em que medida o conceito crenas se

    difere de conhecimento. Segundo ele, as crenas so determinantes nas decises que

    indivduos tomam ao longo de suas vidas.

    No Brasil, o interesse pelas crenas de alunos e professores inicia-se na dcada de 90 e

    grande parte dos trabalhos se insere nesse terceiro momento.

    Almeida Filho (1993, p.13), em importante estudo na rea de ensino e aprendizagem

    de LE, mesmo no utilizando o conceito crenas, definiu o termo abordagemou cultura de

    aprender, como as maneiras de estudar e de se preparar para o uso da lngua-alvo,

    consideradas normais pelo aluno, e tpicas de sua tradio, etnia, classe social e grupo

    familiar. Essas maneiras so transmitidas em geral atravs do tempo, de forma neutralizada e

    implcita.

    Barcelos (2003, 2004, 2006) deu grande contribuio aos estudos do construto no

    Brasil. A autora apresenta em diversas publicaes, reflexes acerca do histrico,

    abordagens, definies e relevncia das crenas para o ensino e aprendizagem. Juntamente

    com Kalaja (Kalaja e Barcelos, 2003) e Vieira-Abraho (Barcelos e Vieira Abraho, 2006) a

    autora reuniu trabalhos de grande relevncia para a consolidao do conceito no campo doensino e aprendizagem de LE.

    Silva e Rocha (2007) apresentam um mapeamento dos estudos das crenas realizados

    no Brasil, bem como um histrico das pesquisas sobre crenas, fornecendo um panorama

    bastante amplo dos trabalhos at ento realizados. Os autores afirmam existir poucas

    investigaes realizadas acerca das crenas sobre a lngua e a cultura-alvo e sobre outra lngua

    estrangeira, que no o ingls. Dentre tantas pesquisas realizadas acerca das crenas (de alunos

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    e/ou professores) sobre aspectos do processo de aprendizagem de uma LE, os autores elencam

    apenas quatro que focalizam crenas referentes ao ensino ou aprendizagem de outras LEs

    (uma com foco em francs e trs em espanhol). As demais foram realizadas focalizando o

    ensino e aprendizagem de ingls como LE.

    Silva (2005) apresenta um estudo sobre as crenas e os aglomerados de crenas de

    futuros professores de LE sobre o processo de ensinar/aprender uma LE. O autor reafirma a

    importncia do contexto social na formao das crenas e prope a anlise do mesmo como

    ponto de partida para teorizaes no mbito do processo de ensino e aprendizagem de LE.

    Felix (1998) tambm analisa as crenas de professores sobre como o aluno deve

    estudar a LE. Porm, a autora utiliza mtodos de coleta de dados da abordagem normativa de

    investigao das crenas, fato que difere a pesquisa dos estudos relevantes ao nosso escopo.

    Na realizao da reviso bibliogrfica das pesquisas em crenas, no encontramos

    estudos com foco no campo especfico do ensino e aprendizagem de alemo como LE, fato

    que consideramos uma lacuna, tanto nas investigaes do construto, quanto no campo do

    ensino e aprendizagem de alemo no Brasil. Tal fato reafirma a relevncia deste estudo.

    Todavia, encontramos alguns trabalhos que focalizam as imagens e esteretipos

    existentes acerca da lngua e cultura alem. Dentre eles, destacamos uma pesquisa de grande

    importncia no mbito de nosso estudo, realizada por Bolognini (1993), que trata

    especificamente de algumas imagens que alunos de alemo possuem sobre a lngua e cultura-alvo. Por serem de grande relevncia para o escopo desta pesquisa, abordaremos a referida

    investigao de forma mais detalhada no item 2.1.5.

    Existem alguns estudos que se ocuparam da descrio das crenas ou representaes

    de alunos ou professores acerca de outras LEs.

    Borges (2007) realizou um trabalho acerca das crenas sobre a cultura-alvo de

    professores de ingls em pr-servio. A autora buscou suporte terico nos estudos das

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    crenas, considerando tambm a questo das comunidades imaginadas, ao longo do processo

    de ensinar e aprender LEs.

    Tambm encontramos em Moreira (2006) uma preocupao com as crenas sobre a

    lngua e cultura-alvo (francs), utilizando em seu estudo o termo representaes para

    descrever o fenmeno. Seu foco so as representaes estereotipadas de alunos de francs

    quanto lngua e cultura francesa e o pesquisador analisa como as representaes so

    caracterizadas nos discursos de alunos pelo vis da anlise do discursoe da memria.

    Conclumos, a partir da reviso bibliogrfica sobre as crenas em ensino de LE, ter

    sido possvel estabelecer trs principais pontos de relevncia para este estudo, a saber:

    1) existe um ime