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JADER SANTOS ANDRADE CRIAÇÃO DE UM GRUPO INTERDISCIPLINAR Medidas estratégicas e reconhecimento de limitações na formação e desenvolvimento de um grupo e sua filosofia Monografia de Conclusão do Curso de Especialização em Envelhecimento e Saúde do Idoso promovido pelo CIAPE: Centro Interdisciplinar de Assistência e Pesquisa em Envelhecimento Boa Esperança 2005

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JADER SANTOS ANDRADE

CRIAÇÃO DE UM GRUPO INTERDISCIPLINAR

Medidas estratégicas e reconhecimento de limitações na

formação e desenvolvimento de um grupo e sua filosofia

Monografia de Conclusão do

Curso de Especialização em Envelhecimento e Saúde do Idoso

promovido pelo CIAPE:

Centro Interdisciplinar de Assistência e Pesquisa em Envelhecimento

Boa Esperança

2005

- 1 -

Agradeço a minhas amigas Adriana Rondini, Denise Portugal,

Gisele Martins Vilela, Joana D’arc Ribeiro de Moura,

Jussara Figueiredo de Oliveira, Nisaldy da Rocha Gomes Ribeiro,

Patrícia Reis e Rosália Freire Figueiredo Maia por terem

tornado possível este trabalho.

- 2 -

RESUMO

A partir de um ideal de trabalho interdisciplinar buscou-se a criação de um grupo

multiprofissional, para atuação numa cidade de pequeno porte. Após um período

de observação de cerca de treze meses, compreendendo do convite inicial aos

profissionais para formação do grupo a reavaliação final, procedeu-se ao estudo

das estratégias utilizadas, programadas e históricas, sua classificação e análise

de seu papel, reconhecimento das limitações encontradas, comparação com a

literatura encontrada e identificação da filosofia do grupo.

PALAVRAS-CHAVE: interdisciplinaridade; equipe interdisciplinar; filosofia de

grupo

- 3 -

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

JUSTIFICATIVA

OBJETIVOS

METODOLOGIA

RESULTADOS

O convite

A força que veio de fora

Começando a construção do trabalho grupal

A primeira experiência

O acaso. Acaso ?

Lavras

Iris

Introspecção

“Decisões no contexto da terminalidade”

Atividades didáticas

Dinheiro a vista!

Integração

Estatuto do Idoso

Definindo um rumo

Vila Vicentina

Reavaliação

DISCUSSÃO

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÚLTIMAS PALAVRAS

- 4 -

Em qualquer hipótese convém ter presente

que a interdisciplinaridade jamais será a

destruição do limite, desde que o limite não

se reduza à fronteira fechada, hostil às

relações de vizinhança. Ela deve ser a valorização

da linha divisória enquanto enlace, terra de parceria

e de cumplicidade produtivas. O que acontecerá

sempre que a interdisciplinaridade souber se deslocar

do território da concorrência para a terra da

complementaridade. Por isso o projeto da

interdisciplinaridade inclui todo um esforço

de desterritorialização. (Portella, 1995) 36

A saúde pública precisa de pessoas que

compreendam o que faz as disciplinas serem

diferentes(epistemologia) e que estejam

abertas aos diferentes pontos de vista que as

diferentes disciplinas oferecem. (Fiona Haigh, 2002) 37

- 5 -

CRIAÇÃO DE UM GRUPO INTERDISCIPLINAR

Medidas estratégicas e reconhecimento de limitações na formação e

desenvolvimento de um grupo e sua filosofia

INTRODUÇÃO

Os primeiro contatos com a gerontologia reconduziram-me logo ao contexto da

interdisciplinaridade, conceito que embora não fosse novo para mim, ainda

estava distante da sua compreensão plena. Soube dele ao entrar em contato

com o estudo da psicossomática. Como tudo tem seu tempo de amadurecer,

reencontrar o conceito de interdisciplinaridade permitiu-me ligar os

conhecimentos provenientes do saber psicossomático aos da prática

gerontológica.

Encantei-me rapidamente com a idéia de um trabalho em equipe, onde além da

ajuda recíproca, poderia conhecer o universo de um paciente de modo que

tenderia ao holístico, proporcionando maior satisfação profissional e maior

possibilidade de ajuda. Esbarrei contudo no que julguei ser impossível: a

construção de uma equipe atuante em minha cidade. Embora resida numa

região geográfica e socialmente privilegiada do estado de Minas Gerais, com

uma população residente de cerca de 38.000 habitantes, eu não enxergava

possibilidade de desenvolvimento de um trabalho deste porte, aqui em Boa

Esperança. Mesmo porque, imaginava que um grupo dessa forma orientado,

deveria ser composto por pessoas com o mesmo nível de envolvimento

profissional que eu.

Sonhei futuramente construir um espaço, cuja estrutura diferenciada pudesse

ser atrativo para diversos profissionais, que unidos por um ideal comum,

viessem a trabalhar juntos. Corporificar este sonho iria demorar muito. Pensava

em desistir da idéia, quando motivado por estímulos internos, desembaracei-me

dos limites que me impunha e fui convidar pessoas da área de saúde e social,

- 6 -

com a proposta que tinha em mente: montar um grupo multiprofissional e

interdisciplinar para atendimento em gerontologia. As pessoas escolhidas em

sua maioria já eram minhas conhecidas, porém, até então, não tinha com elas

vínculos fortes de amizade. Embora elas não exercessem exclusivamente

atenção a idosos no âmbito de seu trabalho, mostraram-se simpáticas à idéia.

Nascia desta forma algo novo, com possibilidade de melhor e mais eficaz

entrosamento profissional, com espaço para aprendizado e atuação

diferenciada.

*****

Apesar da inexistência de uma epistemologia da interdisciplinaridade, diversos

teóricos têm buscado fundamentações nas diferentes correntes filosóficas,

biológicas e sociológicas, tentando a elaboração de uma síntese36. Sabe-se que

o olhar integral ao ser humano era uma prática comum na Antiguidade,

respeitados os limites do saber vigente. A partir do século XIX, o positivismo

então hegemônico favoreceu a disciplinarização da ciência, com conseqüente

excesso de especialização e fragmentação do saber. Apesar disso, ao se

analisar mais profundamente determinadas situações históricas, pode-se já

encontrar, sinais de pensamento interdisciplinar em oposição a visão

reducionista dominante38 . Ele se fortalece porém, é no século XX, no final da

década de 50, como uma forma de conceber e fazer ciência, gerando

discussões a respeito da necessidade de uma proposta epistemológica de

caráter interdisciplinar. Gomes18, revendo Minayo, nos esclarece que o próprio

movimento interdisciplinar teve seu momento de autocrítica, quando alguns

pensadores estabeleceram seus pontos de vista para justificar a existência do

mesmo. Seria ele uma “necessidade imposta pelos complexos problemas que

são colocados para a ciência e que não são respondidos por enfoque

unidisciplinar ou pela justaposição de várias disciplinas” (Gusdorf); ou seria “um

processamento funcional, uma tecnologia que poderia garantir a expansão de

práticas operatórias comprometidas com a transformação do real em

- 7 -

objetividade” (Carneiro Leão), ou seja, uma nova forma funcional da ciência,

para difusão de si mesma, passando por cima de diferenças e oposições; ou

seria ainda, uma conseqüência da filosofia, que deixando de ser apenas crítica,

estaria “ampliando sua atividade num labor cooperativo, fazendo a mediação

entre a filosofia e as ciências, entre a cultura sofisticada dos especialistas nas

ciências e técnicas e o mundo vital” (Habermas).

Traz-se da literatura, o conceito de disciplina, definido como um corpo específico

de conhecimento passível de ensinar-se, com todo seu conteúdo técnico a ele

relacionado1. Interdisciplinaridade seria inicialmente entendida como a interação

entre duas ou mais diferentes disciplinas, variando de uma simples comunicação

de idéias a uma integração mútua de conceitos, metodologia, procedimentos,

epistemologia, terminologia e informações principalmente, como nos diz

Woollcott1, citando Delkeskamp (1977). Um cuidado interdisciplinar verdadeiro27

só ocorrerá quando pontes entre profissões tradicionalmente isoladas forem

construídas.

Mariano 6, em 1989, alertava que naquela época a pouca ênfase à prática e à

educação interdisciplinar se relacionava ao pouco conhecimento que se tinha a

respeito do que interdisciplinaridade viesse a ser e sobre o que a promovia ou

dificultava. Muitas questões relativas a isso surgiram. Como desenvolver nos

membros de um grupo habilidades para trabalhar colaborativamente ? O que

seria uma equipe interdisciplinar ? Que habilidades e que conhecimento teórico

facilitariam a interdisciplinaridade ? A interdisciplinaridade seria um desafio às

normas e valores de cada profissão ? Existiriam facilitadores institucionais e

barreiras à prática de interdisciplinaridade ?

Deste modo, aprendeu-se que para que haja um direcionamento adequado dos

membros de uma equipe, bem como para satisfação de suas expectativas, uma

clara conceituação e uma definição exata de interdisciplinaridade é necessária,

bem como uma correta negociação entre os integrantes, que deverão ter claros

- 8 -

seus papéis. Se isto não for atingido, em vez de um trabalho unido, com pessoal

envolvido em um resultado integrado, haverá apenas “confusão, fragmentação e

isolamento” 6,15. Um grupo interdisciplinar deve esforçar-se em ser uma entidade

que tem uma estrutura, uma definição, uma direção, uma identificação e uma

“energia grupal” ou sinergia.

Sabe-se que na medida em que o cuidado de saúde se torna mais complexo,

assim também se tornam complexas as relações entre os profissionais da saúde

envolvidos. As diferentes formas de prática entre profissionais vão se

estabelecendo na medida em a autonomia profissional diminui e a capacidade

de compartilhar conhecimento aumenta, atingindo a prática interdisciplinar. É

esta prática, independentemente da causa de sua origem, que irá se mostrar

mais eficaz para lidar com situações crônicas e complexas, em especial no que

diz respeito “a pacientes com maior dificuldade de acesso aos serviços de

saúde”15.

Sistematizando, teremos que a prática profissional pode ser classificada como

“paralela”, ou seja, aquela que acontece em situações clínicas que contém mais

de um profissional. Identifica-se uma autonomia profissional, uma adequada

definição de papéis e uma coordenação verticalizada.

Em seguida surge a “colaboração”, quando diversos profissionais compartilham

informação, evoluções e planos de tratamento. Neste modelo a autonomia

profissional ainda é alta, a troca acontece informalmente ou em reuniões e já

começa a haver um compartilhar de saberes através das fronteiras profissionais.

Surge então a “consultoria”, que pode existir num contexto multidisciplinar,

interdisciplinar e individual sendo uma assessoria que um profissional oferece ao

outro, melhorando o entendimento do paciente no contexto bio-psico-social.

- 9 -

A prática da “coordenação” é o modelo seguinte, pressupondo um administrador

(líder da equipe) gerenciando as ações de colaboração e assessoria, quer no

âmbito profissional, quer na relação com paciente, sua família e a comunidade.

Sua conseqüência imediata é a equipe multidisciplinar, “resultado da prática

colaborativa coordenada, articulada e bem formalizada”15,35.

A prática interdisciplinar estará evidente quando o grupo de profissionais estiver

reunindo-se regularmente para discutir metas comuns. O conceito de equipe vai

surgindo em função dos encontros onde acontece estímulo ao trabalho

colaborativo, com metas comuns, atuando sob uma coordenação. O resultado

do trabalho em equipe será maior do que a soma do trabalho profissional

individual. Assim “a prática colaborativa prioriza a experiência compartilhada e

minimiza a autonomia profissional. Se os membros diminuem um pouco a

importância de sua base profissional de conhecimentos, valores e habilidades,

enfatizando similaridades, promovendo uma orientação comum ao

paciente/cliente, o funcionamento da equipe interdisciplinar de saúde

melhorará”15.

Além da interdisciplinaridade estaria a transdisciplinaridade onde os agentes que

se comunicam não são mais os saberes disciplinares em si, mas os próprios

sujeitos da interação; “não são mais os campos disciplinares, entidades

abstratas (conceitos, noções, modelos) que interagem entre si, mas os sujeitos

que constroem na prática científica cotidiana”28, criando um novo e amplo campo

teórico. Contudo, é a “interdisciplinaridade que favorece a emergência da

transdiciplinaridade” (Weil) 32.

Avançando no entendimento do que seja trabalho de grupo, podemos enxergar

uma equipe multiprofissional de ação interdisciplinar como uma equipe onde

ocorre “integração” , palco de articulação de ações e interação de agentes, em

oposição a equipes constituídas apenas por “agrupamento”, caracterizadas por

justaposição das ações e agrupamento dos agentes. Usando o referencial

- 10 -

teórico de Habermas31 entendemos que o trabalho se dá em função do que ele

denomina “agir comunicativo”, definido como as interações nas quais as

pessoas envolvidas se põem de acordo para coordenarem seus planos de ação.

Existe elaboração conjunta de linguagens comuns, objetivos comuns, propostas

comuns ou mesmo de uma cultura comum. É a fala (comunicação) que dará

origem as ações, na medida em que acontece um reconhecimento intersubjetivo

das pretensões de validade, uma vez que através dela perceber-se-á a

sinceridade ou a autenticidade do interlocutor, a verdade de suas afirmativas e

enunciados, passando-se finalmente a correção das normas relacionadas aos

enunciados feitos (ação). É por meio da prática comunicativa, verdadeira busca

de consensos, que os diversos profissionais podem questionar o trabalho

cotidiano executado e construir um projeto comum relativo às necessidades de

saúde dos usuários, além de modificarem sua prática específica31.

O trabalho interdisciplinar, possível29 , embora de difícil execução, requer

contudo, em nossa sociedade, como nos alerta Vidal3, uma reformulação do

ensino, iniciando o aprendizado desta prática, dentro do ambiente universitário.

É preciso, na busca da integração entre o conhecimento médico e as outras

disciplinas relacionadas ao homem, a sociedade e ao meio ambiente que o

rodeia, a real transformação da instituição universitária. Na nova instituição de

ensino, o docente deixará de ser aquele que meramente transmite

conhecimento, para ser o que transmite o “saber-fazer”, o que só será

conseguido por meio de “atividades de trabalho-estudo de um novo gênero, nos

quais estarão estreitamente associadas várias disciplinas, onde o social, o

psíquico e o biológico estejam presentes e unidos à criatividade e inclusive a

expressão artística”3. Assim poderá vencer possíveis barreiras como: atitudes

negativas frente ao desenvolvimento de equipes interdisciplinares; idéias

errôneas a respeito de autoridade e poder dentro de uma equipe; e dúvidas a

respeito da eficácia e eficiência de equipes em cuidados de saúde34.

- 11 -

Completando este pensamento, Sobral10 acrescenta que o estímulo a

interdisciplinaridade não é um meio para se abolir os limites da estrutura

disciplinar do saber; é, na verdade, “uma estratégia de organização do processo

ensino-apredizagem e de consolidação do aprendizado, a partir da identificação

de aspectos comuns a diferentes perspectivas, ou áreas de conhecimento, face

a determinados temas de estudo e com propósitos que transcendem a própria

estratégia”, visando “ampliação do repertório mental do aprendiz mediante

associações pertinentes”.

*****

A gerontologia é uma área propícia à atuação interdisciplinar, uma vez que o

idoso, dada a sua complexidade existencial, necessita ser compreendido e

assistido de forma ampla24. A ação multiprofissional apenas, sem o intercâmbio

disciplinar, incorre na possibilidade maior de erros8. A criação de uma equipe

interdisciplinar requer tempo, treinamento e revisão de muitos dos papéis

tradicionais; deve ser um espaço onde além do conhecimento do trabalho alheio,

precisa-se respeitar, confiar e apreciar o outro profissional25. No

desenvolvimento do trabalho grupal interdisciplinar, é complexo o processo que

envolve a tomada de decisões, na verdade pouco apreendido e conhecido pelos

membros de um grupo. É interessante, portanto, que um sistema de análise e

estabelecimento de condutas (protocolo), com possibilidade de revisões e

mudança de atitudes, seja integrado ao trabalho2, além disso é de grande

importância o desenvolvimento de uma boa comunicação interprofissional para

garantia de um ótimo cuidado especialmente a idosos frágeis20, uma vez que se

sabe que compartilhar informações não comuns a todos os membros do grupo,

aumenta a precisão do trabalho23. Entender a integração interdisciplinar, nos

alerta Camacho, é “passar por um processo reflexivo consciente, que envolve

relações de compromisso entre profissionais de saúde em relação ao cliente

idoso e seus familiares, articulando uma finalidade comum do atendimento à

saúde na área da gerontologia”33.

- 12 -

No desenvolvimento do trabalho de grupo é preciso que seja claro para os

membros do grupo a identificação dos objetivos que motivam a intervenção da

equipe, no tratamento do paciente. Também de importância é a definição do

papel de cada membro, que deve cumprir com as tarefas a ele designadas.

Tem-se assim, por objetivo, ao se integrar conhecimento, produto final do

trabalho em equipe, que a participação de cada membro possa ser ótima e

eficaz4,9. Uma equipe de fato deve estar sempre oferecendo encorajamento e

mesmo esperança ao seu cliente, a todo tempo11,30. O trabalho deve ser sempre

cooperativo e dinâmico, com a participação de todos os membros do grupo,

norteados por um propósito comum. Para estimular a cooperação, o líder do

grupo deverá sempre desenvolver uma meta comum; criar um ambiente aberto e

seguro; incluir todos que partilham de um ideal comum e encorajar diversos

pontos de vista; aprender a negociar acordos; e, insistir na justiça e equidade na

aplicação de regras.26

É uma responsabilidade de todos, ao coletar os dados, identificar a

personalidade do paciente e sua maneira de lidar com recursos que têm: suas

habilidades e a rede social que o apóia22. Os elementos do grupo também são

responsáveis por adequar suas informações ao todo, por definir suas próprias

tarefas e por assegurar que elas sejam levadas em consideração. O médico

esclarece as limitações impostas pela doença do paciente, suas conseqüências

e influências na perda de funções do sistema envolvido, bem como nos outros

sistemas já afetados pelo envelhecimento; deve sempre promover “screening”

de patologias próprias da idade e determinar as intervenções para prevenção

secundária. A enfermeira instrui a equipe sobre medicação, hábitos urinários e

intestinais, higiene, alimentação, integração social e sobre outras rotinas,

buscando um equilíbrio entre o estado de saúde desejável e o que se pode ter27.

Caso a equipe atue no ambiente hospitalar é o conhecimento específico da

enfermagem que vai ajudar a direcionar determinados pacientes para avaliação

interdisciplinar em gerontologia5.

- 13 -

O fisioterapeuta por sua vez atua melhorando o desempenho músculo-

esquelético. O terapeuta ocupacional informa sobre visão, audição,

propriocepção, habilidade músculo-esquelética e melhora a capacidade do

paciente em desempenhar atividades de vida diária. O assistente social

estabelece o contato com a família, verifica suas condições sócio-econômicas e

o ambiente doméstico. O psicólogo avalia o estado mental e a capacidade de

entendimento e educação do paciente. O farmacêutico analisa a interferência

das drogas em uso no estado de saúde do paciente. O nutricionista indica a

dieta necessária. Na dependência do número de participantes da equipe outras

funções serão acrescidas. Os profissionais envolvidos posteriormente

estabelecem metas de curto e longo prazo e fazem reavaliações, baseando-se

no intercâmbio que promoveram entre si, no real estado de saúde do paciente,

no prognóstico médico, focando intervenções para os problemas e disfunções

dos pacientes avaliados11,12,13,30. No estabelecimento de um plano de cuidados

adequado, a visão particular de cada integrante da equipe, é imprescindível,

enriquecendo o processo e permitindo que o sucesso seja maior 7,19,21. Tal êxito

já foi sinalizado inclusive por revisões sistemáticas, que indicam o valor da

avaliação geriátrica global, de caráter interdisciplinar, mesmo ao se considerar

que existem dificuldades metodológicas para estudos nesta área, dada a

complexidade e heteregoneidade relativa ao processo de envelhecimento39.

Vale lembrar ainda que cada equipe interdisciplinar é única, por que diferentes

são os seus propósitos, seu ambiente de trabalho, a relação entre abordagem e

tratamento, a orientação primária da equipe, o número de participantes da

equipe em termos de disciplinas representadas e o tamanho da equipe e as

tendências políticas e ideológicas que freqüentemente influenciam estes

fatores30.

- 14 -

JUSTIFICATIVA

O rápido crescimento da população idosa, vai encontrar, especialmente, os

países ditos “em desenvolvimento”, ainda sem uma preparação adequada para

o montante de problemas relacionados ao expressivo aumento desta parcela

populacional. Ao identificar o trabalho interdisciplinar como o mais pertinente ao

atendimento daqueles acima de 60 anos, achei justificado o relato de uma

experiência grupal neste sentido. A interdisciplinaridade é difícil de ser atingida

uma vez que a ela não estamos habituados. Vamos encontrá-la de modo isolado

em alguns ambientes universitários ou instituições particulares. Sabe-se de

equipes, como as do Programa de Saúde da Família, que funcionam de forma

multidisciplinar, porém sem ideal interdisciplinar. Por vivermos numa sociedade

capitalista, onde o tempo é dinheiro, dispensar atenção maior a ações mais

demoradas e ainda sem grande perspectivas de retorno financeiro, pode parecer

insano. Urge, contudo, que critiquemos uma vez mais esse modelo econômico,

que como fomentador da concorrência e do lucro monetário, persiste agindo

como limitante de nossas ações enquanto seres viventes em comunidade. É

preciso que percebamos que somos agentes de construção de uma sociedade

em que o direito, especificamente a saúde, é igualitário. A adequada avaliação e

intervenção neste sentido gera bem estar ao cliente e por conseguinte a nós,

que em algum tempo também estaremos naquele papel. Cabe a nós aceitamos

esta função transformadora de nossa realidade, co-responsáveis que somos

pelo progresso social.

Atuar de forma isolada com o idoso é empobrecer nossa capacidade de

assistência. Atuar de forma integrada, uníssona, só faz enriquecer nossas ações

para conseguirmos alcançar mais eficazmente nossos objetivos em prestar

serviço. Ao se querer trabalhar com indivíduos não se deve mais se conformar

apenas com a cura ou controle da doença. É importante ajudar a criar condições

para que o outro possa atingir um estado de bem-estar global. Este objetivo é

- 15 -

impossível de ser atingido de forma unidisciplinar ou multidisciplinar não

integrada, por que se vai continuar tratando apenas doença e disfunção, sem se

fornecer suporte para um indivíduo que não é apenas um determinado órgão ou

membro doente ou disfuncional, mas um ser holístico.

OBJETIVOS

O objetivo desta monografia é de tentar contribuir para a formação de subsídio

que no futuro possa ajudar a desenvolver trabalhos grupais mais eficazes para

atuação com idosos, tendo como laboratório a implantação de um grupo

multiprofissional, numa cidade de pequeno porte.

Através do relato histórico irá se tentar identificar as estratégias e limitações que

ocorreram e relacioná-la a filosofia que permeou e norteou o trabalho durante o

período observado.

METODOLOGIA

Inicialmente convidei profissionais diversos na área de saúde e social, para

propor-lhes a idéia de montar um grupo. Visando atingir uma atuação

multiprofissional e interdisciplinar, busquei identificar qual a filosofia que o grupo

específico desenvolvia enquanto tentava aprender a atuar interdisciplinarmente.

Neste processo foram programadas estratégias e aproveitadas as estratégias

históricas, observando-se o gradual efeito das mesmas na introjeção de uma

filosofia grupal, na dependência das limitações existentes.

Para fundamentação teórica pesquisei diversas associações de termos na

BIREME, usando as bases de dados MedLine e Lilacs encontrando referências

para artigos. Utilizei termos relacionados à pratica de interdisciplinaridade em si

- 16 -

(aspecto conceitual), bem como aquela relacionada a grupos em gerontologia.

Dentre os artigos apresentados selecionei apenas textos em português, inglês

ou espanhol.

Termos empregados

(somente em ciências da

saúde)

Base de Dados

Nº de

referências

encontradas

Nº de

referências

selecionadas

Interdisciplinarity MedLine – 1966- 1992 20 7

interdisciplinaridade MedLine – 1993- 2004 8 6

Interdisciplinarity MedLine – 1993- 2004 52 10

equipe interdisciplinar de saúde

limitação: geriatria

LICACS

1

1

equipe interdisciplinar de saúde

limitação: envelhecimento

LILACS

4

4

equipe interdisciplinar de saúde

limitação: envelhecimento

MedLine – 1990-2003

14

3

equipe interdisciplinar de saúde

limitação: idoso

LILACS

6

6

grupo e interdisciplinar

limitações: humano, idoso,

relato de caso

LILACS

8

1

grupo e interdisciplinar

limitações: humano, idoso,

relato de caso

MedLine – 1966- 1992

178

11

grupo e interdisciplinar

limitações: humano, idoso,

relato de caso

MedLine – 1993- 2004

325

4

grupo e interdisciplinar

limitações: humano, idoso,

literatura de revisão

LILACS

4

1

grupo e interdisciplinar

limitações: humano, idoso,

literatura de revisão

MedLine – 1966- 1992

35

4

grupo e interdisciplinar

limitações: humano, idoso,

MedLine – 1993- 2004

291

9

- 17 -

literatura de revisão

grupo e interdisciplinar

limitações: humano, idoso

LILACS

6

1

interdisciplinaridade e grupos LILACS 7 1

interdisciplinaridade

Limitações: humano, idoso

MedLine – 1993-2004

1

1

interdisciplinaridade

limitações: humano, literatura

de revisão

LILACS

2

1

interdisciplinaridade

limitações: humano, literatura

de revisão

MedLine – 1993- 2004

1

1

interdisciplinaridade

limitação: humano

LILACS

8

Zero

interdisciplinarity e groups MedLine 7 Zero

interdisciplinarity

limitações: humano

MedLine – 1993-2004

3

1

interdisciplinarity

limitações: humano, literatura

de revisão

LILACS

1

1

interdisciplinarity

Limitações: humano, literatura

de revisão

MedLine – 1966-1992

1

1

Interdisciplinarity

Limitações: humano, literatura

de revisão

MedLine – 1992-2004

8

1

interdisciplinary e group

limitações: humano, idoso,

literatura de revisão

MedLine – 1993- 2004

38

4

interdisciplinary e groups

limitações: humano, idoso,

literatura de revisão

MedLine – 1993- 2004

19

Zero

interdisciplinary e theory LILACS 6 5

interdisciplinary e theory MedLine – 1966- 1992 267 11

interdisciplinary e theory MedLine – 1993- 2004 458 13

interdisciplinary groups e

geriatric

PubMed (Medline)

14

14

- 18 -

teoria e interdisciplinar LILACS 14 1

teoria e interdisciplinar MedLine – 1966- 1992 112 Zero

teoria e interdisciplinar MedLine – 1993- 2004 154 3

TOTAIS 2073 127

Dentre os artigos encontrados, 16 estavam em duplicidade, sobrando então 111

(cento e onze). Foram conseguidos 39 artigos, através de cópias de revistas da

BIREME, através da Internet ou por solicitação direta ao autor.

RESULTADOS

O convite

Para o dia 31 de maio de 2003 foi marcada a primeira reunião do grupo que

naquele dia se formou. O único representante do sexo masculino era eu,

médico. As demais participantes eram fisioterapeutas , duas; uma psicóloga;

uma fonoaudióloga; uma enfermeira; uma nutricionista e uma estudante de

serviço social. Pensei em ter no grupo algum profissional de terapia ocupacional,

mas não foi possível pela inexistência na cidade.

Era evidente o olhar de curiosidade entre os convidados e uma certa expectativa

pairava no ar. Indagava-me se estavam ali pela idéia de interdisciplinaridade,

pela chance de se estar inserido em algum trabalho rentável ou por outro motivo

qualquer. Começamos logo a discussão. Embora já tivesse alguma prática em

coordenar reuniões, eu também estava ansioso. Via ali, a chance de realizar

algo que desconhecia a proporção e muito menos o caminho, mas que desejava

muito. Tinha a responsabilidade do condutor, sabia o lugar que queria chegar,

mas não tinha o mapa. Planejara uma pauta que consistia na apresentação

individual de cada um; investigar noção prévia a respeito de interdisciplinaridade;

investigar experiência anterior na prática interdisciplinar e questionar sobre os

motivos pessoais de se estar ali.

- 19 -

A discussão foi participativa, de maneira geral, permitindo que os elementos já

demonstrassem suas características comportamentais. Características de

qualquer grupo. Características humanas: paciência, tolerância, liderança,

passividade, timidez, arrogância, humildade, sabedoria, desconfiança,

disponibilidade, sensibilidade, imaturidade, afetividade.

Decidiu-se naquele dia que a ideologia do grupo seria embasada no

aprendizado e no trabalho voluntário. O que viesse futuramente, ao futuro

pertenceria e novas decisões seriam tomadas. Foi escolhido como objeto de

estudo, o idoso abrigado no único asilo local: a Vila Vicentina, administrada há

muitos anos pelos membros da Sociedade São Vicente de Paula. Esta

instituição não recebe apenas pessoas idosas, mas também aqueles outros sem

teto, abandonados, doentes psiquiátricos. Seriam examinados idosos com 60

anos ou mais, de ambos os sexos, com patologias diversas. O tempo de

seguimento seria indeterminado.

E a interdisciplinaridade ? Conceitualmente muitos conseguiram defini-la.

Especialmente as pessoas mais novas, uma vez que este tema já consta de

seus currículos de graduação profissional. Para elas, atuar de forma

interdisciplinar talvez tenha sido um atrativo, motivando-as a aderirem ao

trabalho proposto. O meu desafio, contudo, seria, junto com o grupo, entender,

aprender e vivenciar interdisciplinaridade, criando possibilidade de atuação

desta forma. Dispunha-me a buscar literatura que me fornecesse direcionamento

neste sentido. Contudo já era claro para mim, que antes de iniciarmos o trabalho

com pacientes deveríamos trabalhar o “espírito de equipe” e discutir

relacionamento em grupo, ou seja, semear idéias que favorecem o correto

entrosamento entre os integrantes.

O grupo nasceu. Grupo cujos membros teriam dificuldades pessoais e

interpessoais. Grupo composto por indivíduos com seus próprios sonhos e com

- 20 -

projetos de vida e objetivos diferentes. Conseguiria ser um grupo de amigos,

trabalhando juntos ?

A força que veio de fora

Através da filha de um paciente conheci uma pessoa com larga experiência em

gerontologia e com o trabalho em equipe. Ela soube do grupo e interessando-se

pelo seu desenvolvimento, colocou-se a disposição para ajuda. Poucos dias

após a primeira reunião marcamos um encontro e iniciamos algumas discussões

sobre o que queríamos enquanto grupo, e percebemos que ainda não tínhamos

isto definido, e muito menos que nível de aspirações podíamos ter. Nossa nova

amiga trouxe idéias concretas ao grupo. Era preciso que soubéssemos quem é

quem dentro do grupo e o que faz. Respeito e responsabilidade seriam

características indispensáveis. Era necessário que formalizássemos o grupo,

tornando-o real, não apenas para nós, mas para a comunidade. Que ele tivesse

um nome. Que fosse oficial.

Nome gera vínculo, responsabilidade. Transmite a idéia. Que idéia ? Era preciso

definir nossa filosofia – o que pensávamos, como agíamos, aonde que

queríamos chegar. Nossa identidade ! Com ela poderíamos nos dispor até a

uma atuação remunerada, se assim o quiséssemos. Novos estímulos assim

surgiam. Os olhares entrecruzados, os risos esboçados, evidenciando surpresa,

não deixavam de denotar o sentimento de pertença.

A sugestão para acrescentarmos ao grupo outros profissionais, como

bioquímicos e odontólogos levou-me a convidar profissionais dessas áreas, e

estes, como os anteriores, também se sentiram atraídos pela idéia, aceitando de

pronto. O grupo crescia...em número. Era preciso ainda, para que não

degenerasse, desenvolver ações que o mantivessem coeso, com objetivo.

- 21 -

Começando a construção do trabalho grupal

Nossa nova amiga, cunhada carinhosamente por madrinha, contribuiu para que

nos orientássemos. A resolução foi priorizar para aquele momento alguns temas:

(a) formalização do grupo; (b) filosofia do grupo e relacionamento grupal; e (c)

identificação de grupos semelhantes.

Batizamo-nos como GAME – Grupo de Assistência Multiprofissional ao

Envelhecimento. Nome ousado para nossa realidade, traduzindo seu objetivo

amplo e inovador. A ousadia pressuporia estímulo à responsabilidade com o

grupo, com aumento do vínculo com o mesmo, com sua idéia e com seus

integrantes. Montou-se uma diretoria, com cargos diretivos e sociais. Dois

papéis foram entendidos como imprescindíveis: coordenação e mediação. Como

pai da idéia fui destinado ao primeiro cargo, sendo o segundo, ocupado pela

psicóloga do grupo. Estipulamos contribuição mensal para despesas básicas.

A filosofia, difícil ainda de ser compreendida, uma vez que ainda não sentida, foi

inicialmente confundida com objetivos do grupo. Ela estaria ainda submetida à

própria filosofia de vida de cada integrante, desta forma então, percebeu-se que

somente no futuro teríamos noção dela. Sua construção requereria verbalização

das diversas “filosofias” pessoais, para que todos pudessem adequadamente

administrar a satisfação das diversas tensões internas relativas ao grupo.

Também envolvida nesta construção estaria a percepção de que na prática o

“ser” profissional e o “ser” pessoal misturavam-se e completavam-se, dado este

importante na vivência interdisciplinar. Surgia daí a necessidade de que cada

profissional envolvido pudesse ser observado por seus colegas, quando

estivesse atuando. Em outras palavras, conhecer o outro e conhecer a si mesmo

(percebendo como a própria excelência e mediocridade interferem), seria

imperativo para se formar uma filosofia grupal, sendo este processo facilitado

pela própria experiência grupal.

Apesar das discussões sobre filosofia do grupo, os objetivos iniciais se

mantiveram. Seríamos um grupo voltado para o aprendizado, avaliando idosos

- 22 -

da Vila Vicentina. Estaríamos imbuídos de ideal filantrópico, que nos induzia por

enquanto a aceitar as limitações institucionais, bem como nossas próprias. Uma

possível atividade remunerada, aconteceria a seu tempo. Enviamos assim, carta

à diretoria da instituição Vila Vicentina de Boa Esperança, explicando e

solicitando permissão para nosso trabalho junto a seus asilados. Não houveram

objeções e nosso trabalho foi saudado como útil a instituição.

Foram encontradas poucas informações sobre grupos semelhantes aos nossos.

Em geral menores, ligados a universidades ou Centros de Convivência. Não

descobrimos naquele tempo nenhuma instituição que pudéssemos ir visitar ou

ter como modelo. Estávamos sós...

Sabe-se que todo grupo se fortalece na medida em que as relações

interpessoais entre seus membros se aprimoram, na medida que se unem com

um objetivo comum, permeado por uma filosofia de existência e de trabalho

comuns.

A seu tempo os participantes foram indagados sobre seus interesses para com o

grupo, e se julgavam-se preparados para desenvolver o trabalho. Questionados

sobre a possibilidade de chamar novos membros de uma mesma área

posicionavam-se contra. Alguém diz:

- “ posteriormente pode acontecer, se o grupo desejar... e os que chegarem

é que deverão se adaptar ao grupo !”.

A inexperiência em trabalho grupal, associada ao desconhecimento do processo

grupal, permitiu provavelmente que a maioria das pessoas, embora bem

intencionadas, fizesse opção pelo grupo, ainda sem optar por um real

engajamento. A heterogeneidade etária e de tempo de profissão dos integrantes

do grupo, levou-me a inferir que isto justificasse fatos como ausências a

reuniões, pouca participação e dedicação, bem como aparente desinteresse. O

- 23 -

olhar vago de alguns e o comportamento passivo de outros, diante de questões

inerentes a construção filosófica do grupo, levaram-me a perceber diferentes

graus de maturidade para o trabalho em andamento.

Como ainda começávamos o trabalho, preferi não ser tão rígido em minhas

conclusões, abrindo o leque de justificativas, para as dificuldades pessoais que

todos passamos, vez por outra, para as dificuldades interpessoais, ou mesmo

por estarmos todos bem ocupados com nossos afazeres diários, profissionais ou

não, prejudicando a dedicação ao grupo. A que idéia estariam então as pessoas

se ligando ? O que fazer para estimular a coesão do grupo ?

A primeira experiência

Percebia-se claramente que as pessoas, já queriam mudar de fase, passando

para a prática. Verbalizavam isto.

- “acho que isso vai ajudar a gente a se ligar mais no trabalho... vai dar

mais motivação.”

Solicitei que se dirigissem a Vila Vicentina e examinassem o paciente X, e que

anotassem o que julgassem necessário, para posterior discussão. A escolha do

paciente X foi aleatória, não se submetendo a nenhum critério específico.

Durante a discussão cada profissional expôs sua visão do caso. A história foi

contada por um dos membros, sendo acrescida de detalhes por outros. Em

seguida o exame clínico foi exposto. Notou-se a grande variedade de

informações e possibilidade de intervenções sugeridas. Era evidente a angústia

do grupo em não saber o que fazer, diante de tantas possibilidades. Foi comum

alguns pontuarem que o melhor a se fazer pelo paciente deveria estar

inicialmente nas mãos de outro profissional, que deveria atuar primeiro; alguns

queixaram ausência de dados mais concretos, ausência de exames, etc.

Assinalei que havíamos desenvolvido uma visão individual, multiprofissional,

mas não interdisciplinar do paciente. Apresentei então um protocolo de

- 24 -

avaliação multidimensional, empregado pela equipe do professor Edgar Nunes

de Moraes, no Centro de Referência do Idoso Prof. Caio Benjamin Dias, do

Hospital das Clínicas da UFMG. Fiz esclarecimento de alguns pontos dele e

sobre o objetivo de sua aplicação e percebi um alívio do grupo ao perceber um

caminho. Solicitei que reaplicassem o protocolo no paciente examinado,

estudássemos o próprio instrumento utilizado, para adaptá-lo a nossa realidade

ou mesmo criar o nosso.

A nova discussão sobre o sr. X foi evidentemente mais tranqüila e objetiva.

Interessante foi experimentar a convivência com o saber do outro, permitindo

que o paciente fosse o objetivo principal do atendimento. Não houve disputa

pelo diagnóstico e sim cumplicidade. A psicologia permitiu modificar a conclusão

que se estava tirando ( o paciente era provavelmente portador de depressão em

vez de demência vascular, como se estava supondo). Todos se colocaram,

participaram e ajudaram a construir o diagnóstico e a conduta inicial. A

conseqüência foi o surgimento natural da necessidade de uma discussão teórica

sobre o diagnóstico principal do doente.

O acaso. Acaso ?

O grupo entrava em seu quarto mês de vida, com reuniões quinzenais, já com

algum entrosamento e com algumas angústias, estas decorrentes, como já

citado, pela dificuldade de engajamento de alguns membros.

Uma das colegas fora então convidada a participar do futuro quadro de

funcionários de uma instituição publica em fase de implantação numa outra

cidade, de maiores recursos que a nossa. Em seus contatos descobriu que a

referida instituição teria verba para investimento em ações comunitárias. Tal

informação veio acompanhada da afirmação de que o GAME pudesse ser um

dos possíveis destinatários da verba. Isto modificou sua história.

- 25 -

Diante da novidade, o pensamento, inicialmente posto de lado, de ter algum

nível de remuneração, com o trabalho que desenvolvíamos, levou-nos a refletir

e discutir sobre dois pontos importantes: responsabilidade e engajamento.

Verbas, sabe-se, devem ser gastas responsavelmente, por grupos organizados.

Urgia, portanto, que agilizássemos “nossos papéis”. Passamos a discutir e

redigir nosso estatuto, avaliar formas de associação, registrar os documentos.

Aprontávamo-nos oficialmente para o mundo. Alguns agiam acreditando na

possibilidade da verba, mesmo que distante, e outros se mantinham céticos,

porém juntos.

Provavelmente a possibilidade de remuneração permitiu que dificuldades

interrelacionais viessem à tona, e dois membros do grupo, naquela época,

resolveram não mais se integrar ao grupo. Suas justificativas basearam-se em

problemas pessoais e mesmo em falta de identificação com a causa do grupo.

O efeito da satisfação oferecida pelo contato com o primeiro paciente e seu

diagnóstico, com conseqüente realização de trabalho diferente parecia diminuir,

uma vez que as horas disponíveis eram usadas em questões burocráticas, então

necessárias. Nesse tempo, cansativo, uma vez mais o grupo foi chamado a

reflexão. Eu criara um projeto, baseado em sonhos pessoais e o estava

desenvolvendo. As pessoas que estavam ali, estavam pelo meu sonho ou pelos

seus próprios ? Seriam capazes de fazerem do sonho de seu coordenador

também seus próprios sonhos ?

Percebia-se claramente que o grupo estava desanimado; ausências,

desinteresse e passividade, voltavam a rondar. Discuti com a moderadora e

decidimos expor ao grupo nossa angústia. Nosso planejamento foi estimular,

através de abordagem teórica do envelhecimento, a reflexão sobre o assunto

conduzindo a uma auto-avaliação sobre se esta área contém atrativos

profissionais para cada um isoladamente.

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- “bem, nunca trabalhei com idosos... nem nunca me imaginei fazendo

isso... sempre me senti atraída por crianças... mas estou aqui.”

A ausência de alguns membros em reuniões e a percepção de dificuldade de

engajamento, passou a incomodar também a outros participantes do grupo.

Imaginou-se que o estímulo ao aprendizado, sugerindo-se montagem de

biblioteca e estabelecendo-se reuniões mais freqüentes, pudesse promover

aderência no futuro. Diante da possibilidade de se receber verba, era preciso

que nos organizássemos, para sermos merecedores dela. Via-se que a

intimidade entre os membros começava a efetivar-se. Alguns sinalizavam estar

com dificuldades emocionais, diante de problemas particulares, o que

provavelmente interferia na dinâmica do grupo.

- “olha gente, eu estou numa fase difícil... muitas coisas (...), e além disso

sinto que não estou bem...”

Outros, porém, já sinalizavam um ganho secundário com o trabalho em grupo,

em suas vidas particulares:

- “ o GAME modificou meu jeito de pensar algumas coisas da minha

vida...”

Aos pedidos de ajuda colocados, prontifiquei-me como amigo disponível e como

coordenador; concluí que tinha que disponibilizar habilidades que possuía a

disposição do grupo, para que o meu sonho pessoal pudesse se concretizar

efetivamente e não se perder.

Lavras

Esta cidade fica próxima a nossa, e foi sede entre 31 de outubro e 02 de

novembro de 2003 da III Jornada de Geriatria e Gerontologia do CIAPE- Centro

- 27 -

Interdisciplinar de Assistência e Pesquisa em Envelhecimento. As atividades

oferecidas no programa eram bem amplas. Organizamo-nos e apenas uma das

pessoas não pode ir. Alojamo-nos numa pensão, participamos do evento,

fizemos juntos refeições, desfrutamos de momentos de lazer. Na verdade

sentimos o prazer de estar juntos. A vontade implícita era de dizer a todos que

mesmo diante de dificuldades pessoais, se por acaso não pudéssemos estar

juntos, ainda poderíamos ser um grupo, se fôssemos capazes de preservar a

união e o respeito. Este foi um momento de trégua, que forçosamente nos

impulsionou. Percebi que outros começam a sonhar o meu sonho. Eu mesmo,

num momento de euforia, conseguir visualizar, um projeto amplo de assistência

ao envelhecimento, que posteriormente nomeei Projeto GAME II, em que

gradualmente iríamos passando de níveis mais simples para os mais complexos

de atenção ao idoso. Em sua apresentação inicial, o silêncio foi a resposta.

Senti-me respeitado e fortalecido.

Iris

Este é um filme de Richard Eyre, de 2001, que trata sobre demência de

Alzheimer. Conta a vida de Iris Murdock, escritora inglesa que sofreu deste mal.

Assistimos todos juntos em casa, depois da apresentação do Projeto GAME II,

em que expus de modo mais claro minhas idéias. Foi uma dupla cartada. Uma

delas foi mexer com o imaginário, com o que se julga difícil de conseguir, com o

sonho de cada um. O Projeto GAME II era o meu sonho, não necessariamente

o de todos. O que cada um isoladamente ali estava com vontade de realizar ? Já

haviam pensado nisto ? A idéia apresentada seria um objetivo a se conquistar ?

A outra carta foi tocar o sentimento de todos através da comunicação visual,

tentando levá-los a perceber alguma dificuldade pessoal em relação ao

envelhecimento. Queria fazê-los refletir sobre sua vontade em aderir a projetos

(qualquer que viesse a ser) que lidasse com idosos.

Lágrimas e silêncio, sinais da dificuldade em verbalizar emoções, precederam a

decisão prática que surgiu: mostrar o GAME! Ou seja, assumir o trabalho na

- 28 -

Vila Vicentina e marcar reunião com sua diretoria para apresentação oficial do

grupo. Era preciso agilizar o registro de nosso estatuto para que existíssemos de

fato.

Posteriormente, voltamos a discutir o filme Iris. Tentava extrair do grupo o

significado do filme para cada um, investigando sua percepção sobre

envelhecimento e, como disse, sensibilizá-los ao trabalho com idosos.

- “Em que o filme modificou ou pode modificar a nossa prática clínica ?”

Identificou-se que existiam elementos do grupo com dificuldade em aceitar

envelhecimento e morte, entendidos pelos outros como processo normal. Isto

aconteceu sobretudo entre os membros mais jovens. Estimulou-se a compaixão

e compreensão do idoso, bem como a necessidade de atenção ao próprio

processo de envelhecer.

Para animar começamos a discutir um novo caso.

Introspecção

Sentia que estava sem tempo para dedicar-me com maior empenho as

atividades que me propunha: acompanhar os pacientes e estudar. Ficou claro

mais tarde que este sentimento não era só meu. Embora tudo parecesse calmo,

dentro do ritmo que poderíamos imprimir, a sensação de que faltava alguma

coisa era incômoda ( insatisfação !).

Diante do sentimento negativo, julgou-se melhor expô-lo ao grupo. Tentar

reformular condutas, construir metas mais objetivas, estimular maior

engajamento.

- “O GAME ainda é um bico...”

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Chamou-se atenção para o fato de que o GAME não era uma prioridade, algo

importante para todos, espaço onde se poderia crescer profissionalmente.

Talvez fosse importante abrirmos horários em nossas agendas para dedicarmos

tempo na assistência aos idosos na vila. Assim fiz eu por algumas semanas,

conseguindo obrigatoriamente comparecer ao asilo. A experiência de estar lá me

permitiu ter algumas novas idéias que me auxiliaram no desenvolvimento do

trabalho. E os outros ? O que poderia ser feito para que pudessem encarar o

grupo de modo mais responsável e criativo ? Como eles se sentiam diante e

dentro do grupo ? Que disponibilidade tinham ? As limitações pessoais,

particulares, pareciam ser a causa das dificuldades !

Aguardávamos a criação da instituição que nos daria verba... Muitos já nem

acreditavam mais. A frustração aumentava... Estávamos morrendo ?

“Decisões no contexto da terminalidade”

Este foi o tema da palestrante Wilma da Costa Torres, na mesa redonda sobre

Envelhecimento e morte, durante o XIII Congresso Brasileiro de Geriatria e

Gerontologia, em junho de 2002. O texto, disponível no sítio da Sociedade

Brasileira de Geriatria e Gerontologia, foi discutido entre nós.

Seu conteúdo ético permitia certa transferência para o papel do doente terminal

ou da família, o que gerou, para alguns, reações de repúdio, como silêncio e,

agressividade e para outros, aceitação e aproveitamento manifestos pela atitude

participativa. Ficou evidente a heterogeneidade de maturidade também neste

aspecto. Por vários encontros continuamos a leitura e discussão, enquanto

procedíamos ao estudo do caso da terceira paciente.

O segundo paciente havia sido discutido com tranqüilidade e o retorno que ele,

associado ao primeiro nos deram, no que se referia a melhora clínica e eficácia

do nosso trabalho, nos deixava bem satisfeitos ( vaidosos ?). Tal não aconteceu

com a terceira paciente. Era evidente que seu diagnóstico era confuso e que

- 30 -

estávamos produzindo pouco (angústia !). Não tivemos tempo de concluir sua

avaliação. Ela faleceu, enquanto discutíamos sobre “terminalidade”.

Desenvolvemos uma frustração grande, percebendo que havíamos sido

morosos em nossas ações, que poderíamos ter feito mais. Para nós foi um

exemplo. Aprendemos com ela sobre a necessidade de passar informações,

uma vez que alguns membros do grupo a tinham visitado e não comunicaram

aos outros sobre a situação ruim que julgavam-na estar; aprendemos sobre

elaborar angústia da perda; questionamo-nos sobre deixar para depois o que

cada um se propõe; aprendemos sobre a necessidade de desenvolver maior

percepção para casos agudos, mesmo entre idosos; e decidimos nos

disponibilizar para o quadro de enfermagem da Vila Vicentina, para sermos

contatados em casos de urgência dos pacientes por nós avaliados

(compromisso!).

Precisávamos mudar! Mas, e as dificuldades que tínhamos ?

Atividades didáticas

Tentando novas fórmulas, planejei uma aula para o grupo, no ambiente da

faculdade local, contando com recursos de data show. Sua elaboração foi

minuciosa e busquei rechear a atividade com elementos que fossem atrativos. O

resultado pareceu-me muito bom, pela quase total freqüência dos elementos do

grupo. Somente uma pessoa faltou, por motivo plenamente justificado. A idéia

era mostrar que temos habilidades que desconhecemos, temos saberes

acumulados e que podemos desenvolver novas capacidades, colocando tudo a

serviço do grupo.

Estivemos também em Guapé, que é uma cidade próxima a nossa. Por ocasião

da comemoração de seu aniversário um grupo desenvolveu atividades relativas

à terceira idade. Fomos convidados a palestrar sobre envelhecimento para a

comunidade. Na Igreja Matriz expusemos algumas idéias. Como o evento foi a

- 31 -

tarde, durante semana, poucos puderam comparecer. Conversando,

percebemos que poderíamos abrir o leque para atividades diferentes da

assistencial. Curso de cuidadores, palestras...

Soubemos que em alguns meses iniciaria um curso de pós graduação em

gerontologia em Poços de Caldas, cidade que também situa-se próximo a

nossa. Estimulei a todos que o fizessem, imaginando que um grupo bem

instrumentalizado tem mais condições para ação.

Dinheiro a vista!

Fomos sondados sobre a possibilidade de desenvolvermos uma atenção grupal

a determinado paciente em nossa comunidade, de forma particular.

Curiosamente nem sabíamos como estipular um valor para nosso trabalho. A

sensação de que nosso trabalho é caro, difícil, no momento atual, de ser

remunerado como gostaríamos e portanto de ser desenvolvido de maneira

privada, provavelmente nos fez pensar que ações de cunho social fossem mais

viáveis. Decidimos assim, nos preparar melhor para a reunião com a diretoria da

Vila Vicentina, visando informá-los sobre nossos progressos e tê-los como

parceiros para formação do Conselho Municipal do Idoso.

Começávamos a ter novo impulso !

Integração

No mês de março a mediadora (psicóloga e vice-presidente) e eu (coordenador

e presidente) aniversariamos. Foi com satisfação que fomos surpreendidos com

uma festa em nossa homenagem. Estivemos juntos, a mais uma vez sentíamos

a alegria de estar junto. Por que então surgiam dificuldades ao se trabalhar

juntos? Talvez fosse por estarmos naquele momento diante de inúmeras coisas

a fazer, de muitos projetos possíveis: estimular a construção do Conselho

Municipal do Idoso (CMI), montar curso de cuidadores, melhorar o trabalho na

Vila, além de nosso próprio aprimoramento profissional nesta área. Era preciso

que focássemos a atenção. Decidimos pelo CMI.

- 32 -

Estatuto do Idoso

Para chegarmos ao Conselho, precisando da ajuda de parceiros interessados,

era urgente que discutíssemos o Estatuto do Idoso, naquele tempo,

recentemente em vigor. Discutimos diversos itens. Lemos em conjunto o teor do

Estatuto do Idoso. Sua discussão revelou que meu empenho no trabalho do

GAME e muito da falta de empenho de alguns colegas, talvez se devesse ao

fato de eu estar fazendo curso de especialização em gerontologia, uma vez que

minha compreensão e internalização de seu conteúdo era maior e mais

facilmente atingida. Possivelmente minha visão sobre o problema fosse diferente

da de muitos elementos do grupo, por eles desconhecerem muito da realidade e

da extensão do trabalho com idosos. Estava ciente do trabalho em ser agente de

cobrança de atitudes do grupo, contudo cabia também a mim compreender a

dificuldade de todos. Seu reincidente desânimo, poderia ser interpretado como

uma reação diante da percepção da amplitude do trabalho a ser feito, querendo

significar sua sensação de impotência e incapacidade, provavelmente por sua

falta de capacitação na área. Talvez a inconsciente e repetida atitude externa de

desânimo, quisesse dizer que seria mais fácil ficar restrito ao trabalho na

abrangência do campo de ação profissional de cada um.

- “Estou sentindo falta de estar atender na Vila...”

Construir a ação interdisciplinar, multiprofissional na atenção ao idoso passa

pela vontade de nos libertarmos da posição cômoda de sermos profissionais

solitários, isolados de um contexto mais amplo. Sem essa vontade não nos

tornamos capazes de atuar de forma global, gerontológica.

Ao estudar o Estatuto do Idoso, tivemos dúvidas e marcamos uma reunião com

o Juiz e o Promotor. O último, na data aprazada, não pode comparecer, mas o

contato com Dr. Ricardo Acayaba Vieira, M.M. Juiz de Direito da Comarca de

Boa Esperança, foi sem dúvida bastante útil uma vez que, por um lado

estávamos sanando dúvidas, demonstrando nosso interesse profissional no

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assunto, e por outro, estávamos nos apresentando a uma autoridade que

poderia estar futuramente ajudando-nos a viabilizar o objetivo de formar o CMI.

Aproximando-nos cada vez mais da comunidade, ia ficando maior nossa

responsabilidade para com ela.

Definindo um rumo

As crises de desinteresse continuavam. Ausências a reuniões. Dificuldade de

engajamento. Continuamos avaliando mais alguns doentes asilados, mas a

produtividade neste aspecto caía.

Alguns membros tiveram mais dificuldades de ordem pessoal, afastando-os da

ação. Estávamos sem rumo. Chegavam notícias de possíveis verbas, no futuro,

para ajuda ao trabalho do grupo, mas a impressão era de que a maioria não

acreditava mais nisto.

Evidenciaram que meu maior engajamento se devia a minha condição particular

de vida, no entender delas, favorável a outros investimentos. Perceberam minha

decepção e tentaram modificar-se.

Enquanto isto, diante de exigências legais, novos profissionais, atuando

isoladamente começaram a trabalhar na Vila Vicentina. Isto contribuiu para

nosso afastamento, uma vez que intimamente era essa a nossa vontade.

Estávamos porém conscientes de que a deficiente estrutura econômica da

instituição não permitiria tais despesas. Houve deslocamento de profissionais do

serviço público para atuarem junto aos idosos. Víamos que alguns desenvolviam

boas ações, mas não de modo integrado.

Nesse ponto, nossa “madrinha” entra em contato e interessando-se pelo

andamento do trabalho. Sua experiência na área permite que tenha idéias de

ação na comunidade (seminários, curso de cuidadores...) que possam reverter

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em ânimo para o grupo. Insiste na capacitação individual e capta nosso desejo

de trabalharmos juntos num modelo de atenção ao idoso que nos permita, ao

lado de ações de ordem social, termos renda suficiente para nos dar condições

de reestruturamos nossas práticas profissionais diárias, podendo redirecionar

nosso trabalho para a real conduta interdisciplinar.

Tivemos notícia de um trabalho com idosos sendo desenvolvido em Itapecerica,

outra cidade próxima e programamos visita para conhecê-lo.

Soubemos de um curso de cuidadores a ser ministrado em Varginha e fizemos

inscrições. O curso não aconteceu, mas muitos ficaram estimulados.

A impressão era de que rumávamos realmente para a ação social maior,

deixando de lado, dadas as dificuldades, a ação limitada junto aos idosos

asilados.

Vila Vicentina

Diante da diretoria, provavelmente por estarmos vaidosos de nosso saber,

percebemos que o grupo ao qual nos dirigíamos estava mais bem preparado do

que supúnhamos. Envolvidos com a questão dos idosos há anos, já tinham

inclusive feito curso de cuidadores. Estavam cientes das dificuldades futuras,

diante de exigências do Estatuto do Idoso e já estavam buscando recursos para

se adequarem.

A parceria com este grupo, para formação do CMI estava pronta, mas deixaram

que nós tomássemos as providências necessárias.

Reavaliação

Mudar era preciso, mas de maneira consciente e clara. Até então navegáramos

nas águas que escolhemos, as mais tranqüilas. Já se fazia necessário que

enfrentássemos mares mais bravios. Nem todos puderam ou aprenderam a

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estar junto, no mesmo barco. Mas era preciso que continuássemos, para que o

esforço até então realizado não tivesse sido em vão.

No dia 10 de julho de 2004, marco final que estipulei para minha observação,

fizemos uma reunião de reavaliação, quando também existiram faltosos. Foi feita

dinâmica adequada para estímulo do trabalho em equipe, para posicionamentos

diante do trabalho e para se definirem objetivos.

Reconheci que minha vontade em praticar a interdisciplinaridade, entendida

como ação em que todos estão no mesmo nível, prejudicou minha visão

coordenação. A autoridade não se fez como deveria, e as pessoas tiveram

dificuldade em se nortear, por ainda não estarem capacitadas e por isto não

compreendendo bem o trabalho.

Novos tempos virão para o GAME, onde as lições aprendidas serão aplicadas.

DISCUSSÃO

O saber interdisciplinar, seu desenvolvimento, sua construção sendo algo novo

para mim, necessitava de referenciais teóricos, mas como o acesso a literatura

teve que ser gradual, optei por observar e construir empiricamente o grupo que

formamos. Tomei por base, porém, minha experiência anterior na liderança de

outros grupos e em algum pouco conhecimento técnico que previamente tinha a

respeito de “grupos”. Não pude seguir um modelo, contudo isto me permitiu

fazer comparações entre o que já existe construído a respeito e o trabalho que

foi desenvolvido. Além disso, importar padrões poderia não ser adequado ao

grupo em questão.

Analisando o período observado, que ocorreu entre 31 de maio de 2003 e 10 de

julho de 2004, recordo os dois pilares que foram considerados como metas

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iniciais do grupo: o aprendizado e a filantropia. Esta última, representada pelo

trabalho social, mostrou ser a destinação filosófica deste grupo, permitindo a

expressão da capacidade do mesmo enquanto agrupamento de

individualidades.

As estratégias empregadas foram desenvolvidas a partir da necessidade que se

percebia emergir do grupo (estratégias programadas). Aconteceram também

estratégias, que denomino históricas, que surgiram de maneira inesperada, pelo

simples fato do grupo existir. Elas também foram importantes e cumpriram seu

papel influenciador.

Divido as estratégias que aconteceram, em quatro grupos, que em seu bojo,

permitiram ir se construindo gradativamente a filosofia do grupo. Ela foi

acontecendo na intimidade, no dia-a-dia, durante esse período, e com certeza

ainda não se completou.

Considero incluídas no primeiro grupo, que denomino, trabalho grupal

propriamente dito, as estratégias “O convite”, “A força que veio de fora”,

“Começando a construção do trabalho grupal”, “Iris”, “Introspecção”, “Decisões

no contexto da terminalidade” e “Reavaliação”.

O segundo grupo chamo de prática, e nele se encontram as estratégias “A

primeira experiência”, “Atividades didáticas”, “Estatuto do Idoso”, “Definindo um

rumo” e “Vila Vicentina”. O terceiro, dinheiro, é composto por “O Acaso. Acaso?”

e “Dinheiro a vista”; e o quarto, lazer integrativo, por “Lavras” e “Integração”.

As estratégias do primeiro grupo permitiram que as pessoas se conhecessem

umas as outras, percebessem seus limites, ampliassem sua capacidade de

aceitação do outro e sentissem a dinâmica de um grupo. Diante das

dificuldades, visando não permitir o desaparecimento do grupo, adaptaram-se,

cumpriram papéis alheios, reagiram, questionaram e incentivaram. Tais

- 37 -

estratégias foram responsáveis por estímulos às estratégias práticas. Por outro

lado, também foram elas que conduziram o grupo para dentro de si, permitindo

escolhas, revisão da identificação com o trabalho proposto e decisão pela

“filosofia sócio-filantrópica” de atuação.

Já as estratégias práticas conduziram o grupo na identificação dos diversos

campos de atuação possíveis dentro de sua realidade. Nos momentos de crise

elas acenaram como “o novo”, a situação que podia dar certo, como a nova

opção. As estratégias dinheiro, aparentemente sedutoras, foram na verdade

estímulos eficazes, inicialmente à formalização do grupo, imprescindível para

sua existência e atuação, e depois favorecendo a escolha pela ação social. Por

fim, as estratégias lazer integrativo, permitiram que o grupo diante de suas

próprias tensões tivesse tréguas para descontração e integração, regenerando-

se, reafirmando o querer estar junto apesar das dificuldades.

Existiram alguns momentos durante o período observado em que surgiu o

incômodo de perceber dificuldades internas no trabalho – momentos de

desânimo. Acredito que tenham sido verdadeiros momentos de recolhimento do

grupo, de introjeção, onde ele, enquanto estrutura de aglomeração de diferentes

e palco de expressão das diversidades, foi capaz de conter as emoções

emergentes, esforçando-se para administrá-las. Alguns momentos de desânimo

foram importantes. O primeiro se deu após a estratégia programada

“Começando a construção do trabalho grupal”. Provavelmente a

responsabilidade relacionada à criação oficial do grupo tenha gerado medo

diante do compromisso a que cada um se propunha com o outro, seu colega, co-

responsável pelo sucesso da empreita.

O segundo momento de desânimo ocorreu após a estratégia histórica “O acaso.

Acaso ?” quando recém saídos de um momento de satisfação com o êxito obtido

nos casos de pacientes avaliados, se viram diante de reuniões burocráticas para

adequada formalização do grupo, com as quais não estavam habituados. Estar

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fazendo algo muito diferente e monótono, após ter feito algo bastante prazeroso,

permitiu evasão física e desinteresse, em outras palavras: não participação. As

justificativas para o comportamento foram problemas de ordem pessoal.

As estratégias programadas “Íris” e “Introspecção” levaram a reflexão individual

sobre a real identificação com o trabalho com idosos, seu significado para si

mesmos, e reflexão sobre seu próprio envelhecimento. Culminaram, assim, num

momento de desânimo dos mais úteis a construção da filosofia do grupo, por

que a reflexão a respeito já conduzia a adesão ao trabalho. Logo em seguida,

persistindo desanimados, diante do falecimento da terceira paciente, e

discutindo “As decisões no contexto da terminalidade” puderam perceber suas

próprias dificuldades em atuar de forma interdisciplinar, objetivo primevo do

grupo, uma vez que frustrados pelo seu desempenho que ficara a desejar,

viram-se diante do grande compromisso a que se propunham: assistência

integral e multiprofissional ao envelhecimento.

Após a estratégia histórica “Dinheiro a vista !”, houve a conseqüente decisão de

se ligar à atuação em envelhecimento dentro de um contexto social, visto que a

atuação privada se mostrava improvável. Seria muito dispendioso para alguém

contratar uma equipe que atuasse junto ao paciente, da forma como fizemos

com os pacientes avaliados na Vila Vicentina. Desejávamos trabalhar e ser

remunerados adequadamente por nosso modelo diferenciado de ação.

Percebemo-nos financeiramente inviáveis para nossa cidade, diante de seu

perfil sócio-econômico. Diga-se de passagem que este foi um ponto decisivo

para a atual filosofia do grupo, uma vez que já começávamos a afastar do

pensamento a possibilidade de atuação privada. Em seguida, ao se estudar e

discutir o “Estatuto do Idoso”, nova onda de desânimo surgiu. Provavelmente a

percepção de que também o trabalho a nível comunitário seja difícil, exigindo

grande esforço e desgaste para sua viabilização, tenha contribuído para o

rebaixamento do estado de ânimo das pessoas. Este mergulho conduziu o grupo

- 39 -

a situação de estar “Definindo um rumo”, ponto em que a esperada filosofia

grupal começa a tomar mais forma.

As estratégias históricas, na verdade fatos da vida do grupo, “A força que veio

de fora”, “O acaso. Acaso ?”, “Dinheiro a vista!” e “Definindo um rumo” agiram

forçando o grupo a se posicionar, tomar uma atitude diante da realidade que se

impunha. As escolhas que fez levaram gradualmente à opção final pelo trabalho

social. A estratégia histórica “Integração” partiu do próprio grupo e pode ser

interpretada, como um sinal de satisfação com a direção que vinha sendo

tomada até então pela coordenação.

As demais estratégias que foram programadas atuaram num momento

específico objetivando extrair idéias do grupo, reorientar e sugerir

comportamentos, buscar definições, bem como levar a uma contenção das

tensões percebidas, para se atingir os objetivos propostos.

Como citado, o grupo, em sua fundação determinou dois pilares: aprendizado e

filantropia. Dentro do período de observação vimos o grupo gradativamente, e

por motivações próprias, ir optando por exercer alguma forma de trabalho social.

Identifico esta como a “filosofia” que grupo conseguiu atingir nesse período.

Penso que esta escolha tenha sido conseqüência do reconhecimento pessoal de

limitações, num processo de autocrítica reveladora da real posição profissional e

enquanto ser humano, no âmbito da ação isolada e no da ação grupal

(pretendida interdisciplinar).

Dentre as limitações identifico:

● a própria heterogeneidade do grupo, traduzida em diferentes tempos de

atuação profissional; diferentes faixas etárias; diferentes estados civis;

diferentes composições familiares... levando a graus diversos de

amadurecimento, de modo geral e específico;

- 40 -

● dificuldade em identificação com o objetivo proposto, talvez relacionado a

heterogeneidade descrita, demonstrada pela diversidade de interação e

integração, a nível de trabalho, com ele mesmo e com os colegas;

● falta de capacitação na área (gerontologia) que dificulta a compreensão e

visualização da amplitude da proposta feita.

Ao se perceberem limitados os indivíduos devem ter se visto obrigados a

escolher entre aprendizado e filantropia. Perceberam ser difícil executar

qualquer uma das escolhas. O aprendizado requereria investimento financeiro

em capacitação, muitas vezes difícil de ser conseguido naquele tempo. Além

disso pressupunha uma maturidade profissional suficiente para gerar

independência, capaz de permitir novas escolhas de atuação, e aceitação de

novos desafios. A filantropia, por sua vez, se viu mais exeqüível, uma vez que

iria contar com recursos externos, no sentido material, e com habilidades

humanas, já adquiridas, enquanto recursos internos.

Outro ponto de análise pode, contudo, ser estabelecido. Butterill, gerente de

programa canadense, associado a psiquiatras publicou em 1992 14, um trabalho

ressaltando que muitas vezes a falta de sucesso no tratamento de um paciente

se deve ao sistema em si. A correta forma organizacional, junto com os

conceitos de transferência e contratransferência quando adequadamente

aplicados podem permitir aos membros de uma equipe interdisciplinar enxergar

os problemas a partir de dois pontos de vista (paciente e grupo) e intervirem

apropriadamente em cada nível. Dependendo da estrutura organizacional um

determinado grupo interdisciplinar irá sofrer determinadas influências relativas a

própria organização do sistema – se dentro de um hospital, por exemplo, a

conduta administrativa da instituição irá contaminar a resposta do grupo.

Identificam-se também, na dinâmica grupal, a influência do poder de

determinados componentes de uma equipe, determinando desta forma a ação

final. O poder será considerado legitimado, quando designado pelo sistema;

poderá ser carismático, quando relacionado às características da pessoa; ou

- 41 -

acontecerá em conseqüência do “saber” que determinado membro possui. O

desempenho final do grupo estará, desta forma, em consonância, com a

interação relacional entre os participantes e relacionado a sua capacidade de

perceber o processo como um todo, consideradas suas ações isoladas e em

conjunto.

No entendimento das dificuldades básicas de um grupo, um aspecto importante

no desenvolvimento do trabalho é a sua capacidade de comunicação. Em geral

as decisões são consensuais e para isto se requer a participação imparcial de

todos os membros. Processos grupais que funcionam mal, conduzem a

problemas de comunicação, quando indivíduos estarão distorcendo ou

segurando informações. Destaca-se também, para o sucesso do trabalho, o

reconhecimento pessoal do limite de ação de cada membro. O conceito de

autonomia permite que determinado profissional exerça seu papel

adequadamente, porém se ele invade o domínio do outro, ou mesmo se

permanece excessivamente rígido a seus limites, estará prejudicando a

flexibilidade do grupo, importante característica do trabalho interdisciplinar 14.

Corroborando estas idéias, podemos lembrar Bion, citado por Woollcott1 que

explica que o trabalho interdisciplinar envolve três componentes: (1) os

componentes profissionais, (2) os componentes organizacionais e o próprio (3)

trabalho de grupo, sendo que este último é conseqüência da interação adequada

dos dois primeiros. Neste processo cabe aos componentes desenvolverem a

internalização do trabalho interdisciplinar, o que quer dizer, fazerem

identificações seletivas com as perspectivas de outras disciplinas. Na medida

em que tal acontece, o indivíduo realiza uma modificação de sua estrutura

intrapsíquica, envolvendo aspectos emocionais e cognitivos, tornando mais rico

o seu mundo psíquico. Isto contudo leva tempo, requer compromisso e nem

sempre acontece de modo tranqüilo. A razão disso reside, segundo Bion, no que

ele chama de “grupos de crenças básicas”. Ele estabelece que um grupo de

trabalho, é inicialmente um conjunto de pessoas influenciado por suas crenças

- 42 -

básicas – um “grupo de crenças básicas”. Na medida que interagem vão se

transformando em um “grupo de trabalho”; contudo nenhuma das formas

sobrevive por longo tempo, uma vez que o grupo de trabalho será sempre

influenciado pelas crenças individuais, dinâmicas, de seus componentes. Surge

sempre um comportamento semelhante nestes “grupos de crenças básicas”,

onde padrões primitivos estão sempre surgindo: dependência, luta e fuga,

pareamento. Ocorre assim, ênfase em atitudes impulsivas e passionais, mais do

que considerações cautelosas e atitudes questionadoras; pensamentos vagos,

clichês e generalizações, mais do que um trabalho intelectual orientado para a

realidade; e, uma dificuldade em se lembrar e aprender com a experiência

grupal, mais do que desenvolver uma integração de idéias, num esforço

colaborativo. As crenças básicas estarão sempre aflorando em situações

diversas, em especial quando a liderança e os objetivos não são claros, ou

quando os participantes não estão envolvidos com problemas específico em

estudo.

Diante do exposto as dificuldades e limitações do GAME também poderiam ser

entendidas como inerentes a presente estrutura do próprio grupo. São

problemas comuns em grupos14: confusões com “responsabilidade”, liderança

fraca, falhas na comunicação, violação de limites. De fato reconheceram-se

diferentes níveis de engajamento com o trabalho. O estímulo à responsabilidade

não se fez, talvez em virtude da estratégia errada de liderança. A postura de

líder e observador não pode ser bem executada, confundindo-se ambas e não

permitindo uma clareza ideal das situações por que passamos. A comunicação

foi fraca, no grupo como um todo, embora tenha existido diretamente com o

líder, por alguns dos membros, porém sem levar a uma mudança geral. Quanto

aos limites profissionais e pessoais, eles não foram transpostos, e muitas vezes,

nem foram adequadamente expostos, gerando ao seu turno, falhas na

comunicação. Com certeza as limitações expostas acima estão igualmente

envolvidas no produto final que é o próprio grupo. Por ser um grupo ainda em

formação, preservando características da multiprofissionalidade, o GAME tem

- 43 -

seu desempenho ainda aquém de sua capacidade, cujo desenvolvimento estará

na dependência do esforço, integração, direcionamento e superação de

dificuldades.

CONCLUSÃO

Nos ensina Marilena Chaui40 que quando se diz “esta é minha fisolofia” ou “isso

é filosofia de fulana” enganamo-nos ao considerar por filosofia um conjunto de

idéias mais ou menos coerentes a respeito de coisas e pessoas. Trata-se aí de

apenas um “eu acho” coerente. As expressões citadas, ela prossegue, não são

de todo incorretas, pois nelas se percebe, “ainda que confusamente, que há uma

característica nas idéias e nos princípios, que nos leva a dizer que são uma

filosofia: a coerência, as relações entre as idéias e entre os princípios”.

Baseando-me nesta coerência e lógica que regulam a Filosofia, é que destaco

neste trabalho a construção da “filosofia do grupo”. Quero dizer, não a identifico

apenas como um método lógico de trabalho, para o qual elegeria um rol de

estratégias, aplicando-as e aguardando o resultado. Acredito ser muito

importante optar-se por um trabalho coerente com o pensar desenvolvido pelo

grupo, forçado pela relação e interação entre capacidades individuais. Seu

produto, único, é que deve constituir a base de ligação, direcionamento e

atuação do mesmo. Assim, a “filosofia do grupo” deve ser descoberta e

assimilada pelos seus membros, unindo os parceiros de ideal e impregnando

sua produção e desenvolvimento de idéias. Há que se ressaltar que no trabalho

com idosos, o esforço deve ser aplicado na criação de um pensar que seja

coerente e paralelo ao ideal gerontológico interdisciplinar corrente.

A primeira escolha pela “filantropia”, não exclui de forma alguma, o

desenvolvimento do “aprendizado”, que a seu tempo chegará, uma vez vencidas

ou minimizadas as limitações encontradas. Enquanto este texto é escrito,

concluo que a hipótese desta escolha pelo agir social seja verdadeira, uma vez

- 44 -

que poucos meses após o término da observação, o GAME ajudou a fundar em

nossa cidade seu primeiro Clube de Idosos, que em funcionamento, já tem

modificado as idéias a respeito de envelhecimento na comunidade. Esta ação,

fruto de um trabalho conjunto, provavelmente é o primeiro passo para algo

maior, uma vez que idéias sobre a criação de um Centro de Convivência, já

começam a circular no grupo.

Penso ainda, que na construção da ação grupal o desenvolvimento da amizade

seja de real importância para fortalecimento de qualquer trabalho, uma vez que

com ela se passará por cima da heterogeneidade existente, permitindo, através

da afetividade, que as pessoas mantenham-se agrupadas, compreendendo e

aceitando suas diferenças. As diferenças, na verdade, nossas marcas, nossas

identidades, é que compõem um grupo. Uma vez reunidas, bem direcionadas

iram compor a virtude, a excelência de todo e qualquer grupo – sua filosofia.

*****

Uma vez que optei por deixar o grupo escolher por si só o caminho a tomar, as

estratégias usadas ou que aconteceram não foram suficientes para atingir-se o

ideal final que seria o trabalho interdisciplinar. Percebo que para se obter

sucesso na construção de uma equipe com este enfoque mais estratégias

devem ser utilizadas.

É próprio do ser humano usar de seu conhecimento prévio para interpretar,

inferir, discutir, atuar diante de novas situações. Isto pode ser bom para o

indivíduo, mas pode levar a confusão num processo de aprendizagem. Podem

acontecer “falhas” no conhecimento prévio e nas atitudes e habilidades

desenvolvidas; pode haver “confusão” na construção de conceitos ou mesmo

“erros”, que vão levar a um conhecimento que não é verdadeiro, gerando

atitudes que não são apropriadas ou habilidades que não são eficazes. Para

tanto, é necessário que na construção de uma equipe sejam utilizadas

- 45 -

estratégias que ajudem as pessoas a integrar novos conceitos, aos já existentes;

diferenciar conceitos confusos e mudar conceitos errados. Seriam elas aulas

breves, materiais para leitura, filmes, demonstrações, experimentos, exercícios

baseados em solução de problemas, discussões, debates, reflexões17.

*****

Vale finalmente lembrar as palavras de Rosenfield 16 ao citar que prêmios e

honrarias são acumulados por aqueles que se aprofundaram em questões

básicas, em seus próprios campos; contudo para aqueles que se aprofundam

além de suas disciplinas, desenvolvendo trabalho interdisciplinar, o prêmio é a

“satisfação em contribuir diretamente para a solução de problemas reais do

mundo, compilando conhecimentos, melhorando o bem-estar humano e

desenvolvendo novas maneiras de pensar e analisar a condição humana,

iluminando sua compreensão”.

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- 49 -

ÚLTIMAS PALAVRAS

O GAME surgiu como a nascente de um rio no alto de uma serra, certamente a

da Boa Esperança. Veio como fruto de uma vontade, gerando um sonho,

proporcionando uma ação criativa.

Sua existência por si só, sem que se considere aonde ela nos levará, já nos

trouxe sua marca transformadora. Modificou nosso pensar, nosso agir, nosso

comunicar, nosso trabalhar. Modificou nossa estrutura, despertou ideais,

despertou a vida em latência. Mexeu e bagunçou. E não achamos ruim.

Transformou também nossa cidade, e vemos isto na alegria dos nossos velhos

que ora freqüentam o Clube de Idosos “Flores da Serra”, trazendo a eles

motivação, alegria, encontros. Eles também não acharam ruim.

Descobrimos que somos capazes de ser mais do que projetamos para nós

mesmos; descobrimos que somos capazes de desenvolver habilidades úteis a

nós e às pessoas. Descobrimos que podemos ser maiores e melhores,

aumentando nossa excelência e superando nossa mediocridade, desenvolvendo

e perseguindo sonhos. Isto também não achamos ruim.

Nada foi ruim, por que soubemos aproveitar as dificuldades, vencer as

angústias, aprender com o novo. Ganhamos muito, todos nós. Fomos além do

enorme prazer em realizar este trabalho, permitimo-nos conviver, construir e

acima de tudo servir.