Criação do humano maquina

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GRANDES SOMBRAS, REPRESENTAÇÕES de angús-tia e sofrimento nas imagens humanas doinício do século materializaram-se pelastécnicas de xilogravura, em torno de 1905,manifestando e comunicando não só o dra-ma individual do ser, mas, igualmente, odrama da sociedade. Esta técnica, introdu-zida na Europa por volta do século XV einspirada nos vitrais góticos, com linhasnegras contornando as figuras, a dramatici-dade e os sentimentos evocativos do con-traste, já fornecia uma antecipação de umaPós-Modernidade emergente.

Amedeu Modigliani - Expressionismo: Cabeça de mulher (1917)

IMAGEM

LeiturasIconográficas ePós-Modernidade:da criaçãohumana àcriação dohumano/máquina

Maria Beatriz Furtado RahdeProf. Dr. do Prog. de Pós-graduação da FAMECOS/PUCRS

RESUMOA criação de imagens ou das propostas visuais pelos artistasde diversas épocas foi, gradativamente, sofrendo transfor-mações no modo representativo nos campos da iconografia eda iconologia, devido às novas tecnologias e aos novos méto-dos científicos.

ABSTRACTThis article describes the means for creating imagery in thecontext of the new thecnologies and scientific developments.These changes are seen within the context of the post-modernity condition.

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Se teoricamente foram os anos setentaque marcaram o início da Pós-Modernida-de (Harvey, 1992), os movimentos icono-gráficos pós-modernos tiveram sua origemno Expressionismo, no Cubismo, no Dada-ísmo, com técnicas de combinações de ma-teriais, como a colagem, na sua maneira li-vre de pintar. Imagens de histórias em qua-drinhos, garrafas de coca-cola, restos de pa-pel pintado, pedaços de tecido, que se de-nominaram de combine-painting na décadade sessenta foram as pioneiras concepçõesimagísticas elaboradas pelo americano Ro-bert Rauschenberg entre 1960-1970 , no mo-vimento Neo-Dada (Thomas, 1994) .

Fernand Léger – Cubismo: Jazz (1912-1925)

O environment, uma organização artís-tica dos espaços, destaca-se, entre muitos,neste período de transição, empregando di-versos materiais e elementos da mídia parachamar diretamente a atenção sobre a capa-cidade de associação e predisponibilidadede reflexão por parte do espectador. Nestadireção, novas figurações foram alcançandonumerosas e diversificadas formas, no

transcurso de sua expressividade.Experiências de representações visu-

ais levaram os artistas dos anos 60 a intera-gir com a ciência e a tecnologia sob o nomede arte cinética, utilizando-se da luz, do mo-vimento e da cor, numa tentativa de siste-matizar a arte visual.

Era a busca de resolução de proble-mas propostos pelo Construtivismo, peloDadaísmo, pelo Surrealismo e os artistas,na sua maioria, passaram a interessar-sepor uma tecnologia crescente, que os con-duziu, gradativamente, na procura de no-vos caminhos experimentais.

Esta busca levou-os a abandonar exer-

Alexander Calder – Móbile (1968)

cícios com materiais tradicionais , pois es-tavam mais preocupados em realizar mu-danças no interior do universo gráfico/plástico, do que na realização da obra dearte, buscando alternativas de construçãoformal e visual que modificassem a expres-sividade das imagens, por meio da inova-ção da arte com a tecnologia e a ciência

Em 1967, no Museu de Arte Moderna

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de Paris realizou-se a exposição “Luz eMovimento”, organizada por Frank Po-pper. Esta mostra reuniu artistas plásticosque buscavam a expansão da arte cinética eos trabalhos apresentados foram constituí-dos de obras criadas e construídas pelomovimento real da luz artificial , conformeo organizador da mostra. Alguns estavamainda preocupados ou inspirados pelos fe-nômenos estéticos, entretanto, a maioriadeles buscou na técnica os meios de ex-pressão ainda pouco usados até aquela dé-cada (Popper, in: Parente, 1993).

“Deste modo, arcos, spots projetoresdos mais variados tipos...tubos denéon...brancos ou coloridos, tubos flu-orescentes faziam sua entrada maciçanum museu, criando ritmos engendra-dos ou produzindo efeitos...da inten-sidade, da diversidade dos projetores...Essas características técnicas docomponente da ‘luz’ combinavam-sede uma maneira extremamente diver-sa dos movimentos mecânicos simples...eletrônicos, ...hidráulicos ...dos mo-vimentos aleatórios dos ‘móbiles’ edos movimentos com fonte de luz pró-pria.” (Popper, in: Parente, 1993)

Entretanto, cabe salientar que o artistatcheco, Zdenek Pesánek já havia construídoformas cinéticas , por volta de 1925, queoperavam com a exploração da luminosida-de artificial e as possibilidades óticas da luzelétrica. Pesánek explorou uma análise teó-rica da luz artificial, buscando as diferençasentre a luz/plano e a luz/espacial. Nestesaparatos e acordes obtidos por teclados depiano, acoplados matematicamente ao ele-mento de transmissão de luz, os efeitos daluz e do som exibiam formas multicores deluminosidade, numa composição de man-chas abstratas de cor que fascinava os artis-tas (Thomas, 1994). Era uma nova abstraçãode imagens projetadas no espaço, que al-cançou o seu auge nos anos sessenta: asformas imagísticas deixavam de ser apenasvisuais para se tornarem audiovisuais, con-

cebendo-se a música cinética de cor, a síntesecosmológica da música, das matemáticas,numa conjugação dos conhecimentos cientí-ficos com os conhecimentos pictóricos.

Propostas ambientais passaram a domi-nar os anos setenta, por meio de labirintos, jo-gos , transformações de estruturas em espaçosinternos, criados com técnicas coloridas ou efei-tos musicais e reflexões em torno de formas fo-tografadas e expostas com textos, na sua maio-ria herméticos, que eram colocados diante doespectador para serem interpretados. A inter-venção do público na obra tornou-se um fatornatural, já que esta era uma das muitas inten-ções destas propostas.

Vera Chaves – Testartes: O que há por detrás? (1975)

Na XXXVII Bienal Internacional deVeneza, em 1976, diversos artistas apresen-taram tais propostas. Interessante e intri-gante era o trabalho da gaúcha Vera Cha-ves, com seus “Testartes”, enfocando as-pectos da percepção do observador frente àfotografias em preto e branco, que mostra-vam portas, portões, janelas fechadas, bal-cões. Envolvendo o espectador nos seusprocessos imaginários e mentais, a artistaestava interessada nas leituras destas ima-gens e, principalmente, nas respostas quetais fotografias desencadeavam naquelesque observavam estas imagens e deixavampor escrito suas impressões pessoais, dianteda questão: “O que há por detrás?”

Estas e outras propostas , como já ha-via realizado a escultora Lygia Clark, entretantos, constituíam-se na desestetização daarte, não importando, realmente, se os tra-

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balhos se configuravam como obra de arte,mas procurando também envolver o espec-tador nos aspectos psicológicos da leituraimagística.

Na década de oitenta houve uma que-bra de relações na arte visual das décadasanteriores e passaram- se a pesquisar as no-vas tecnologias, como o computador e oaudiovisual , estabelecendo-se verdadeirarevolução nas artes.

A técnica passa a ser valorizada parafinalidades estéticas e é a partir daí que sepode estabelecer uma arte da tecnologia eda ciência, na qual a pesquisa estética e apesquisa tecnológica se interrelacionam.

Os artistas deixaram-se envolver pe-las possibilidades da inteligência artificial,buscando o conhecimento de dados técni-cos que permitiram o aperfeiçoamento deprogramas de computação gráfica capazesde realizar com a máquina, o que antes eraproduzido pela mão humana.

Novas propostas imagísticas foramcriadas, buscando-se a ligação entre o co-nhecimento artístico do homem e as novastecnologias para a solução das criações es-téticas. A teoria e o fazer artístico, antes dis-tanciados do apoio da solução científica,encontraram novas formulações, atendo-semais ao processo do que ao produto finalno conceito de obra.

As imagens ocuparam outros espaços,pois que numerosas produções artísticaspassaram a necessitar de cálculos e siste-matização matemática. Iniciou-se, assim,uma nova era na qual o impacto das novastecnologias, utilizadas como ferramenta decriação, provocaram mudanças fundamen-tais na concepção da cultura (Popper, in:Parente, 1993).

É desta forma que a imagem nãomais é o lugar da metáfora mas da meta-morfose, diz Couchot (1988), pois os artis-tas que trocaram o lápis, o papel, as telas eas tintas por outras possibilidades tecnoló-gicas encontraram novas formas de explo-ração das imagens, unindo criatividadecom soluções técnicas, ou mesmo soluçõesmatemáticas. E estas imagens manipuladas

e/ou digitalizadas em programas específi-cos dos computadores interagem com o es-pectador, conduzindo-o a uma nova alfa-betização em que o simbólico e o imaginá-rio se entrelaçam, criando uma nova “bele-za” estética, que muitas vezes foge à com-preensão do fruidor da obra .

Se a arte /tecnologia vem se tornandocada vez mais interativa ela está se transfor-mando num meio pelo qual nós refletimos enos comunicamos com nós mesmos, argu-menta Rokeby (1997) , da mesma forma queum reflexo de nossa imagem num espelho,que se transforma pelas muitas distorçõesdas sombras refletidas.

George Segal – Instalação: A janela do restaurante (1967)

Supõe-se que estas novas tecnologiasestão provocando surgimento de novas lin-guagens imagísticas, novos pensamentos,sentimentos e percepções, como a lenda ja-ponesa Das imagens misteriosas dos reflexos,que oferece uma interessante analogia.

Numa distante aldeia japonesa de Yo-wcuski os espelhos eram desconhecidos.Certo dia um jovem camponês encontrouna rua um espelho de bolso e, como era aprimeira vez que via tal objeto, admirou-seao ver nele a imagem de um rosto moreno,de olhos escuros e inteligentes. Imediata-mente pensou ser o retrato de seu falecidopai, julgando ser um aviso dos deuses.Guardou o objeto num lenço e levou-o parasua casa, escondendo-o num jarro para queestivesse seguro. Dia após dia, olhava o ros-to refletido com veneração, sem saber que

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sua esposa, Lili-Tsee observava seus movi-mentos. Intrigada com a repetição dos atosdo marido, Lili-Tsee esperou ficar só e pe-gou o objeto, olhando-o atentamente. Queviu ela? O retrato de uma linda mulher oque a encheu de ciúme e ódio. Com o rostocontorcido, olhou mais uma vez a terrívelimagem, sem entender porque o maridoadmirava um rosto tão feio! Sem animopara nada, Lili-Tsee esperou o marido que,ao chegar , foi logo agredido por palavrasásperas. “É assim que mereço ser tratadodepois de um ano de casamento?” pergun-tou, indignado. “O mesmo te posso per-guntar – disse a esposa –uma vez que guar-das retratos de mulheres no meu jarro derosas”. “Que queres dizer” ? perguntou ocamponês admirado e estendendo a mãopara o espelho que a mulher lhe mostrava:“Que tens outra mulher, que é feia e queisto eu não compreendo!”- exclamou Lili-Tsee. Tomando o espelho, o camponêsmurmurou: “Lili-Tsee, o que estás dizen-do? O retrato é a viva imagem de meu ve-nerado e falecido pai. Encontrei-o na rua eo guardei comigo para relembrar-lhe a ima-gem...” “Supões-me incapaz de distinguiro rosto de um homem do de uma mulher?“- respondeu a esposa com indignação ,voltando-lhe as costas e chorando , ao ima-ginar sua felicidade destruída por aqueleretrato. Enquanto o marido achava comple-tamente ridícula a acusação de sua compa-nheira passou pela porta aberta da peque-na casa, um monge que havia escutado aspalavras ásperas dos esposos. Inteiradodos fatos pelo casal indignado, o monge re-trucou: “Deixai-me ver este retrato”. Assimque olhou a imagem refletida no espelho, omonge inclinou-se respeitosamente e dissecom voz comovida: “É o retrato dum vene-rável sacerdote; não compreendo como pu-deram os dois enganarem-se desta forma!Deixai-me guardar esta imagem junto àssantas relíquias do templo! ” E abençoan-do o casal, foi-se embora, segurando res-peitosamente o espelho contra o peito.

Esta fábula demonstra que os refle-xos transformados “são as chaves para a

compreensão do mundo... A auto-imagemé a referência conhecida contra a qual osfenômenos da transformação são registra-dos” (Rokeby, 1997). O reflexo de umaimagem pode nos iludir com a referênciado nosso próprio reflexo. Por esta razão aimagem pode transmitir um sem númerode reflexos, de significações diferenciadas,dependendo do ângulo prismático peloqual a visão humana dirige a sua atenção.As obras de arte não são espelhos diz Gom-brich (1986), mas, como espelhos, elas par-ticipam da ardilosa magia da transforma-ção imagística, tornando as imagens simu-lacros de algo ausente, ou, como diz Maffe-soli (1995) , a sombra das coisas num movi-mento sem fim.

A descoberta da fotografia no séculopassado e, posteriormente, a decomposiçãofotográfica para a obtenção do movimentocom o cinema, são exemplos significativosda magia transformadora da imagem. Ocinema como invenção científica e objetode lazer nos parques de diversões está fu-gindo da esfera do contar uma história parase tornar uma verdadeira fábrica de ilu-sões imagísticas. A arte e a tecnologia liga-ram-se tão intimamente para envolver o es-pectador no mundo do entretenimento, quea “arte de contar uma história” vem se tor-nando secundária. Parece que o drama, ocotidiano não mais importam na era tecno-lógica. As indústrias de efeitos especiais to-maram o lugar da criação literária, em queo roteirista trabalhava o significado paraque a história prendesse a atenção, desper-tasse a curiosidade e o prazer de assistir aum filme, apreendendo as complexidadesde uma trama bem urdida. Os efeitos espe-ciais ilusórios, obtidos pela moderna com-putação gráfica tornam o roteiro secundá-rio. Contar uma história em metros de celu-lóide, em poucos anos, será objeto do passa-do, já que a digitalização vem dominando aindústria cinematográfica.

O diretor e produtor George Lucas,da série Guerra nas Estrelas que lançou re-centemente “Episódio I – A Ameaça Fantas-ma”, com mais de 1900 efeitos especiais,

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acredita que no próximo século os estúdiosvão utilizar câmaras digitais com interfacescompatíveis a computadores que vão criaros efeitos especiais. O novo filme do dire-tor, já é 95% digital e o Episódio II da série,programado para lançamento em 2002 serátodo produzido, editado e projetado com anova tecnologia. Desta forma, a tecnologiadigital dispensará as milhares de cópiaspara distribuir às salas de projeção: Os fil-mes serão guardados em arquivos digitaise transmitidos por satélite e fibra ótica.

Nesta perspectiva os críticos de cine-ma são enfáticos em afirmar, na sua maio-ria, que a grande atração dos novos filmessão os efeitos especiais e as inovações tec-nológicas que cercam a geração destas no-vas imagens, com riqueza de detalhes ex-cepcionalmente elaborados , tornando-sepossível mostrar na tela formas imagísticas, as mais impossíveis de serem concebidas,mas tornadas realidade pelo imaginário docineasta e pela visão do espectador, graçasaos recursos gráficos da tecnologia digital,reflexo da transmutação de outros valoresentendidos como Pós-Modernos, em que asmais diversificadas manifestações das ima-gens vêm apresentando um teor transfor-mador das coisas existentes.

O caráter antecipador das imagensleva-nos à indagações sobre o seu futuro,tendo como base as últimas décadas desteséculo. A informatização, a computaçãográfica, a comunicação global, são fatos quecorroboram a supremacia das novas tecno-logias, que vêm constituindo uma nova so-ciedade, embora ainda não haja o domíniode todas as pessoas que compõem esta so-ciedade pós-utópica sobre como dominar emanipular estas novas linguagens visuais.

É assim que as inovações tecnológicasno campo da imagem permeiam a criativi-dade humana na articulação de novas ela-borações formais que se articulam com osocial, envolvendo o imaginário com novasformas e novos mundos possíveis de conce-ber com o conhecimento das novas tecnolo-gias.

Autores de ficção científica como Ray

Bradbury ou Isaac Asimov, já nos anos 40 e50, projetaram imagens de condições pós-modernistas, nas quais a libertação do des-tino humano em campos ilimitados forammuito além das contingências do espaçoreal. A tecnologia criada pela literatura deficção apresentou realidades sempre muitoadiante da própria época e dentre estas en-tão fictícias realidades fantásticas, a reali-dade virtual já ia além do fliperama ou datelevisão, num profundo desejo de proje-ção dos sentidos humanos, criando novosmundos, novas imagens do inconsciente,numa comprovação da possibilidade daexistência de novas realidades. Numa con-cepção Pós-Moderna, a criação gráfico/plástica está presente no processo do ima-ginário, das tecnologias de projeção de for-mas e idéias que se transformam numa ou-tra realidade que não se pode denominarirreal ou virtual, pois tudo o que a imagi-nação projeta, a tecnologia vem tornandopossível de se tornar realidade.

O papel hermenêutico da arte é capazde reproduzir e re-interpretar os muitos sa-beres humanos, permeados por estudos deresolução formal da arte/tecnologia, na cri-ação de mundos e cenários que interagemcom a realidade vivida e a realidade deseja-da. Einsten já dizia que a imaginação huma-na é mais poderosa que o conhecimento e,atualmente, a imaginação, aliada ao conhe-cimento das novas tecnologias, têm permiti-do ao homem o alcance da mais inimaginá-vel idéia formal.

Considerando a imagem como frag-mentária, Parente (1993) reflete sobre suadesmitificação do todo. As imagens indife-renciadas da televisão, as imagens homoge-neizadas do digital, as imagens totalizado-ras do holograma demonstram a racionali-dade cristalizada pelas novas tecnologias .A representação imagística deixa de ser a“janela da alma”, passando a ser a “janelado cérebro”, que passa a controlar as fun-ções do potencial criativo, controlar a ima-gem e o olhar para novos mundos. É, pois alinguagem que faz da imagem um objeto, edo olho, um sujeito. Diz ainda Parente:

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interrogar-nos sobre a natureza do que érealidade pois que a imagem virtual, pro-duto da imaginação complementada pelasinovações tecnológicas, recria o sonho enos torna protagonistas do mundo antesconsiderado da fantasia, numa união dasensibilidade com a cognição.

A imagem passou a se reproduzir, refe-re Parente. Ela passou a reproduzir o sujeito;as imagens da era da sua reprodutibilidadetécnica é a imagem na era da automatizaçãodo sujeito. “A imagem, que integrava umacultura, se colocou ao lado da tecnociênciacomo forma de estabelecer seu pequeno im-pério de sujeição”, pondera ainda este autor.

Masaki Fujihata – Arte Virtual: Beyond Pages (1999)

Construir imagens artesanalmente ouconstruí-las com o auxílio das máquinas é

“Primeiro encontramos... uma imagem quefaz cintilar nossa percepção, nosso pensa-mento. Em seguida nos encontramos mer-gulhados nela, para pensar com ela... Hoje,com a industrialização da imagem, a ima-gem pensa em nosso lugar. Havíamos feitoda imagem a nossa morada, doravante elafaz de nós sua morada...”

Para melhor compreensão destas idéi-as é necessário que se adquira um alfabetis-mo crítico no domínio da leitura destas no-vas formas imagísticas , na compreensãodos seus significados formais e como estasformas podem ser analisadas no seu contex-to cultural, o que elas significam, como elasinfluenciam e como podem moldar seus lei-tores. Como o universo das letras, o univer-so imagístico necessita ser lido e interpreta-do. A imagem é elemento de escrita e leitu-ra, estabelecendo um diálogo entre o cria-dor e o receptor, tendo por base a experiên-cia visual da realidade, uma alusão, umalembrança, uma estrutura que pode criarmuitas formas de beleza harmônica. Asimagens da Pós-Modernidade, desconstruí-das , relidas, re-interpretadas apresentamoutros domínios e outros conceitos de lin-guagem em que imperam territórios livres eilimitados. A pluralidade da tecnologia vemproporcionando aos artistas e comunicadoresgráficos inumeráveis campos de exploraçãodo irreal/real com os mundos virtuais, quevão exigir uma atenção cada vez maior para asua compreensão: do lúdico, do onírico, dorealismo fantástico que vêem permeando osmovimentos artístico/culturais, através daHistória da Arte que recebe de braços abertosa arte/ciência nos últimos tempos.

No virtual está sendo possível a cria-ção de novos “mundos”: As imagens dei-xam de ser apresentadas, delineadas à visãopara se tornarem parte de nós mesmos, se-rem habitadas, vivenciadas como extensãode nosso corpo e espírito em novas realida-des. Diante do mundo das artes, que con-sistia na criação e na contemplação imagís-tica estará o homem preparado para fazerparte dos novos mundos virtuais? As reali-dades virtuais que aí estão, obrigam-nos a

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simplesmente uma troca de ferramentapara a solução formal. O importante é sa-ber, saber ver , saber fazer e saber ser, isto é,buscar caminhos capazes de ativar a criati-vidade, a sensibilização para a construçãode novos saberes, plurais, nos quais os atosde conhecimento serão, na sua essência di-rigidos e orientados pela imaginação cria-dora, sem sujeições, sem preconceitos oubusca de modismos. A procura por uma or-dem estética é imprescindível, prevalecen-do não mais o indivíduo encastelado noseu ato criativo, mas o homem, a criativida-de a estética e a ética como peças de umproduto da obra para a sua comunicaçãocom o mundo por meio da imagem. Estasponderações poderão se constituir na cha-ve para a não automação humana , mas asua relação com a cultura em que vive,quando padrões éticos e estéticos se torna-rem reais sustentáculos do processo de cri-ação.

Considerações finais

Estas reflexões conduzem-nos à visãode uma interpenetração cultural em que oscontrários se tornam aliados, pondera Ma-ffesoli (1995) , parafraseando uma afirmati-va já preconizada por Leonardo da Vinci(1452-1519), quando afirmou que a verda-deira harmonia se encontra na repetiçãodos contrários, que, em última análise, éuma das características da Pós-Modernida-de, isto é, a união e a repetição das formascontrárias. É desta maneira que os estilosespecíficos deixaram de existir como câno-nes imutáveis e se mesclaram a novas con-figurações, numa associação de novos fato-res que aumentam a eficiência das soluçõesformais.

A compreensão e a releitura do uni-verso das imagens possibilita o encontro decaminhos diversificados, direcionando-nospara novas reflexões sobre o processo criati-vo das muitas formas imagísticas, relacio-nando conceitos e sentimentos, buscando aciência como um dos pontos de soluções

de problemas formais, imaginando novasinferências, pois é com a imaginação que ohomem vem construindo o mundo para atransformação do universo.

Ao lado da filosofia a arte há de serconsiderada entre as mais altas atividadeshumanas, pois ela tem por objeto aquelamesma essência das coisas, aquele universalque é o objeto da filosofia. Enquanto a filo-sofia apresenta este universal medianteconceitos abstratos, a arte o representa, me-diante imagens, que, abstratas ou não, reali-zadas como tecnociência ou não concreti-zam fantasticamente o universal racional noparticular sensível. É o oferecimento do in-teligível quando aprendemos a compreen-der o alfabeto cada vez mais amplo dasconcepções iconográficas; é o racional con-cretizado no sensível que há de ser objetode múltiplas leituras para a compreensãoconceptual.

A imagem é infinita. Refletir sobre elae seus fractais poderá ser a grande chancedas novas leituras imagísticas da arte e datecnologia para o século XXI ■

Referências

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