Crise Da Informação MURGUIA

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  • A CRISE NA INFORMA01

    Eduardo Ismael Murguia MARANON2

    Voufalarsobrea criseda informao.Hojeemdiaviroumodafalaremcrise:bastaabrirojornal,ligaraTV oumesmoprestaratenonasconversasfamiliaresparaqueosacontecimentos,sejampolticos,econmicosou cotidianos,sejamentendidoscomoumagrandecrise.Essesacontecimentosforamfiltradosatravsda lentedacrise.A cinciae a filosofia,assimcomotodososparadigmasdapsicologiaedasociologia,dealgumamaneirapreviramacrise.Isso clarssimoquandose v, por exemplo,a questodo estrutural-funcionalismoou mesmo para a viso marxista. Qualquerembasamentoterico,sejadeesquerdaoudedireita,faloue aindafala da crise.A crise est, assim,tantonos livroscientficosoutratadosfilosficosquantonasconversasdosbares.

    A crisese apresentacomodesconcertoanteo presente,impotnciaanteo futuroe nostalgiado passado.Ora,se todosospensadoresse reportam crise porquea crise um elementoconstantenahistria.Porque,ento,o augedacrisehoje? Temosacriseprovocadapelaviolnciaurbananodia-a-dia,a matana\dosmeninosderuaedosfavelados,etc.Temoscrisetambmcausadapelaviolnciarural,a lutadossem-terra,acrisenoprpriogoverno,quese manifestanassbitasmudanasdeministros,osdesacordosentreospoderesdeEstadocadavezquesedumanovaleietc.Semfalardacrisemoral,cujacausaa impunidadequepermitesonegarimpostos.

    Tanta crise assimdemonstraquevivemos numapocadecrise? Em primeirolugar,a crise sempre existiudesde que o homem homem.Sabemos muitobem que homem um conceito ligado

    (1)Textobaseadoem palestraproferidanaIV JornadaPaulista,realizadaemJaboticabal,SP.(2)Doutorandoda Faculdadede Educaoda UNICAMP

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    civilizao:o homems homemquandointeragecomoutroshomens.Interaoessaordenadaporcertosprincpiosqueregemprocessos.Dizemos,ento,queohomemcivilizadoohomemmaishomem,isto,diferentedoanimal.O processoemqueohomemsediferenciadoanimalno,contudo,ameno,dcilesemproblemas.Pelocontrrio,umarupturacomanatureza,portanto,comaprprianaturezadohomem.Nessesentido,violento,umadesestabilizao,crise.Quantomaiso homemavanaeaperfeioasuasrelaeseseusinstrumentos,maiseleprovocacrise,porquemaiseleseafastade suasorigens.O aperfeioamentodesuasrelaesse d naconcretizaodessasrelaessociais,e o aperfeioamentodosinstrumentossednasuasofisticao.Meupontoesse:ohomeme a civilizaosempreestiveramemcrise.Criseessaentendidacomodesconsertoentreos instintose a razo.

    A segundaquestose refere banalizaoda crise.Osmeiosdecomunicaodesenvolvidoshojenosbombardeiaminces-santementecoma idiadacrise,fazendodelao ltimodosespet-culos.Showquetemosqueassistirdiariamentee,comoshow,acrise criadapela mdia. Tal como qualqueroutroshow, a crise seapresentanapiada,encenadaparaserapreciadaporumaplatia.Acrise difundidacoma linguagemdamdia,isto,deformarpida,fragmentadae imediata.A linguagemdamdiaimplicatambmemoutrotipode construoda mensageme na apresentaodessamensagem.Tudo isso levaa pensarquea crise coisade agora,ltimanotcia,amaisquente,altimasensao,algoquenosinvadecomoumanuvemespetacular,isto, comoumacatstrofe.Cats-trofe natural,inesperada,semexplicao,semcausa,portantodegrandesensocomum.

    A crisetomou-sebanaldetantose falaremcrise. Se verdadeque a crisesempreexistiu,tambm verdadeque cadamomentohistricoapresentaum tipo de crise. Adquirindosuasespecificidadesdentrodoprprioprocessohistrico,acriseencontrasuaunidadeemumdevirhistricoesuadiversidadeemumconceitoespecfico.Hojejlugarcomumdizerquetodasasesferasdosocialestointerligadas:a economiaouas relaesdeproduotmtudoa vercomas relaessimblicasouculturais.

    Em todas as pocas,a crise sempreuma crise depercepodo espaoe do tempo.Crise de percepo,em umprimeironvel,nosentidododesencontroentreamaneiradeperceber

    (()\tI4

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    a realidadee a maneirade conhecera realidade.Umasensorialeimediata;o conhecer intelectivoe mediatizado.Hoje,todomundosabetudosobreo buraconegro,sobrea teoriado big bang,etc.Sabemostudoissomasnopercebemos.Nemtemjeitodeperceberporquesograndesas novastecnologiasqueconhecemosmasnopercebemos.

    A crise de percepo,em um segundonvel, umdesencontroentrediferentestiposde percepode umapocaaoutra,oudeumaclassesocialaoutra.Assim,porexemplo,nosculoXV, pocado Renascimento,houveumresgatedaperspectiva,dovolume,emsumadageometria.Os afrescosmedievais,planossemfundo,semnoode perspectiva,sosubstitudosnaRenascenaporquadrosdeaparnciatridimensional.J nosculoXIX,apercep-odomundooutra:humdeslocamentodapinturaparaocinema.Oestticosubstitudopelodinmico,pelomovimento.O sculoXIXosculodostrensedasferrovias;osespaoseostempostornam-se maiscurtos.O trem,o cinemado sculoXIX trazemumanovapercepodotempoe do espao.

    Ento,comose apresentahojeacrisedepercepo?Elaseapresentacomoumdesequilbrioentreo realeoquepercebemosdele. verdadequeessedesequilbriosemprese apresentou,mashojeestacentuadopelarapidezcomqueosmeiosdecomunicaoveiculamos acontecimentos.O homemde hojenointeragemaiscomo mundodiretamente.A televiso a janelada nova casa:ligamosaTV paravero mundo.Inclusiveas relaescotidianasdeinteraoforamdeterminadaspelasnovastecnologias.Porexemplo,comprarviacatlogo,correioeletrnico,faxetc.Hoje,aconcepodoespaotemporalpassatambmpelosefeitosespeciais,criadospelatcnica.O homemficasemsabercomquemundoestlidando:oque realidadee oque realidadevirtual.

    Osefeitosespeciaisfazemdavidaumespetculo,semoslimitesdoque realedoque fantstico.AquiespelhaumfocodeBaudrillardquandoele fala do hiper-real:no maisnecessrioconheceras coisascomoso,poismediatizadasviafotografia,viaTV,vamosconhec-Iasdeumoutrojeito.Porexemplo,euimaginavaqueasfigurasdoAleijadinhoeramenormes,porqueeuastinhavistoemfotografias;quandoeu fui a Congonhasdo Campovi que asfiguraseramemtamanhonatural.

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  • III

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    Ento,existerealmenteumamudanaentreostiposdepercepoatravsdamdiae a perceponatural.A informaodiretasubstitudapelainformaoindireta,isto,aquelamoderni-zadaporumcanalqueatransforma.A TVtransformao mundoemimagem;damesmaformaoresumotransformaapesquisa;aCDUtransformaalnguaemvocabulrioscontrolados.Tudovirainforma-o, a pontode se dizerquevivemosem umasociedadedeinformao,a pontode se reduzira amplitudeda existnciainformao.Dessaforma,banalizamostambmainformaoeata prpriaexistncia.

    Assimsendo,contraditoriamente,noprecisamosmaisdaprpriainformao.Domesmomodoqueessaimagembanalizaumconhecimento,ainformaotambmbanalizaoprprioconhecimen-to.Oconhecimentoacabavirandoinformao.Ora,oconhecimentoaabstraodarelaodosujeitocomoobjeto.A rvoreenquantotal materialidade.Essarvorequevemosl fora material;podemospegar,encostar,usufruirdesuasombra.J oconhecimentoquetemosda rvoresejapelabotnica,pelourbanismo,pelaecologia,noumacoisaquepegamosnamo,poisoconhecimento umaoperaodeabstrao,algoquepassapelopensamentooupelosentido.

    Poisbem,digamos,ento,queo conhecimento umaelaboraoorgnica.Por qu?Porque organizadoradoreal.Ainformaotal como entendidapelaCinciada informaoapenasumindicativodoconhecimento,poisindicacomoumndice,umabstract.Se o conhecimento sempreumaaproximaodosujeitoaoobjeto,lgicoqueaabstrao,contraditoriamente,afastaosujeitodoobjeto.Ohomemconhecedesconhecendo,nosentidodopoliedro:svamosconhecerumapartedestepoliedro.Noexisteapreensoplenadoobjetopelohomem:oobjetoapreendidoapenasemumadesuasdimenses.Issoporsisj angustiante,crtico.

    Aomesmotempoemqueatecnologiadepontaoferecetodoo acessopossvelao conhecimentoatravsdosindicadores(comoooutdoor),contraditoriamenteesseacessopossibilitatambmfragmentaraoinfinitoo prprioconhecimento.DaqueaCinciadaInformaoaexacerbaodaabstraodoparcelamentoquejsevianoconhecimento.Namedidaemqueinformaoconhecimentodoconhecimento,issoimplicaemumaduplaabstrao.Namedida

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    emqueinformaopegasumapartedoconhecimento,elacontribuiparadesdobrare distanciara relaosujeito-objetoaindamais.

    Tudoissocontribuiparadesequilibrararelaodohomemcomomundo.A informaoobtidadeformanaturalvaisereduzindocadavezmais.A nfaseestdadahojena informaomediatizadapeloscanaisde informao.As categorias-chavequepermitiamaohomemselocalizarnomundocedemlugarvelocidadedainforma-o.O homem,hoje,temqueaprenderaperceberomundonoritmoque a velocidadeimpe.Velocidadeno s nas mudanasdatecnologia,masnavelocidadedosacontecimentosqueessamesmatecnologiapropicia.Velocidadeconcedidapelosmeiosdecomunica-oapressamosacontecimentosque,ento,tornam-semaisvertigi-nososemaisvelozes.A informaomediatizada,objetodaCinciadaInformao,j nascevelozeexponencial.A dificuldadeparalidarcoma informao a dificuldadede lidarcomcategoriasbsicasdentrodeumarealidadefluida.A informao,portanto, umnovomododeconhecer,quecriaumnovoconhecimento,repito,fragmen-tado,rpido,abstratoe parcial.

    Umaoutraquestomuitoimportantee poucoconvencio-nalpercebemosacrisedainformaocomoumacrisedoexcessoe nodafalta.Normalmente,pensamosemcrisecomocarnciaenoocontrrio:serquesobrainformao?!Nosltimoscinqentaanosfoi produzidatantainformaoque nosabemosmaiso quefazercomela.Seainformaoperpassatodososaspectosdosocial,elatambmtentadesloc-Io.

    A informaogirahojeemdiaemtornodesi mesma,emummovimentocircular,dependentedesuaprpriainrcia.O cresci-mentocontinuasendoexponencial,noentanto,sempreachamosqueprecisomaisinformao.Informao,comoqualqueroutramerca-doriatambmpodeserestocada.Comoficam,ento,nossasinstitui-es,nossosparadigmas?

    Em primeirolugar,querome referir leitura;porqueacriseda leitura?

    Paracomear,a escritasemprefoiumprocessodifcil.Aescritasignificanos aabstraodoprprioconhecimento,senoaabstraodaprprialngua.Almdisso,aescritaarepresentaogrficado som. Paralelamente,a leiturasignificadomniode umcdigo- ocdigodaescrita-parapoderdecifraras mensagensque

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    a escritaveicula.Esseprocesso todifcilquemesmotendoaescritaaparecidocincomilanosAC, atagoraa leiturano umcdigoquetenhasidodominadomundialmente.Issoilustraoquantoa leiturasempreesteveemcrise,agoramaisvisvelporcausadaconcorrnciacomasimagens.Imagensquetambmremetemdire-tamenteaomundorealsemnecessidadedemuitaabstrao,como ocasodoWindows.

    Hoje,aimagememmovimentoeducatantoquantoolivro.Seissoacontecenomundodosletrados,imaginemosnomundodosiletrados,paraquemo acessoaoconhecimento,mesmoquefrag-mentadoouideolgico, facilitadopelosmeiosdecomunicao.Continuar enfocando a questo com critrios moralistas-a leituraboa, a TV ruim-noelucidao tema.

    E porqueacrisedabiblioteca?

    Aquitambmlembremosqueacrisedabibliotecaacrisedapercepoespao-temporalenoumacrisecausadapelaausn-ciadelivrosouderecursoshumanosoudesalriosoumesmocrisedaeducao.Acrisedapercepopermeiatodosessessistemas.Asantigasdelimitaesespaciaisestomudando;cadavezmaiselasdeixamdeserfsicasparasetornaremimaginrias.As fronteiraspolticasseabremparalelamenteaosmercadosondeo capitalfluilivremente;umcapitaltambmmediatizado,alis,pelainformao.

    Domesmomodo,nosomaisas bibliotecasquesoconsultadas,massoas basesdedados,os dadosdabolsadevalores,etc.Nosevaimaisbiblioteca.A imagememmovimentoaestsubstituindo.Assiste-seaumfilmeporquesualinguagemjdominadaportodosedisponvelparatodos,issograasTV.Issoseaplicatambm educao.Nosetratadeanimarasinstituies,sejamas bibliotecasou escolas,commateriaisalternativosquefuncionariamcomodistrao.Asimagensemmovimentodevemservistascomofenmenosculturaisplenoseautocontidos.

    Asbibliotecasnoestoemcrisepelofatodequesejampoucasaspessoasqueasfrequentam-elassempreforamrestritas.Geralmentese pensanosculoXIXounospasesdesenvolvidoscomootempoeolugardoflorescimentodasbibliotecas,mas,mesmoassim,elas,nessetempoe nesselugar,foramrestritas.A crisenovamentedepercepo!Pensarabibliotecacomoumespaocujoalvosejaexclusivamenteacriaoculturalumapremissamuito

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  • nbro,1994

    mdoalum~uantousada11dire-,como

    olivro.dodose frag-cao.!itura

    ,acriseausn-10crisenas.Aslis elasInteiraslitalfluimao.

    luesoDlsade'imentoemj Issose:uies,'osquetemser

    ~sejam3stritas.'olvidosmesmoA criseIOcujoa muito

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    otimista,poisacultura,includaachamadaculturaerudita,se crianocotidiano:nafamlia,nocinema,naescola,nobairro,etc.Lugaresnosquaisas bibliotecasnopodeme nemdevemchegar.

    A bibliotecanopercebeuquea institucionalizaonopassamaispeloespaofsico.A informaoviva, til,passaporoutroscanaisquenoso as bibliotecas.Alis,porqueserqueabibliotecase pensousempreto importantese a informaonoocupanenhumespaoespecficoumavez que permeiatodososespaos. bibliotecaficareservadoopapeldeguardideumtipodeconhecimentoquese cristalizounumaobra,ou a informaoqueparoudecircularde formaviva.Dondea semelhanade bibliotecacomarquivo.A bibliotecadeveservistacomoamemriaculturalmasumamemrialatentequepossase manifestara cadaconsulta.Aposturase manifestanosfatoscotidianos,faz parteda cultura,damemria.

    o processodesobrevivncia retratocomoexpressodamemria.O homem um ser memorial;ele tem necessidadederecordar,de lembrar,deregistraros acontecimentos.As bibliotecass ganhamvelocidadeparaacompanhara velocidadeda culturacoletandoo materialquea culturaproduz.A essnciamesmadabibliotecaguardara cultura.Inclusiveaaoculturalnabiblioteca umaformade manifestara latnciada memriaguardadanabiblioteca.

    A bibliotecaformapartedesseprocessocultural,noqualtemumafunoespecfica:qual a memria?No a bibliotecaisoladaquefazcultura.Pelocontrrio,elase inserenaculturaparapodercriarcultura.Cadabibliotecadevesempreredimensionar-seluzdaculturadavelocidade. princpiodematuridadereconhecersuasprpriaslimitaes.A leituraea bibliotecatemqueencontraroseu espaono mais na perspectivade quererocupartodososespaos,masapenasnasesferassociaisparaasquaisforamcriadasedasquaissoexpresso.

    Tudo est em crise. Ento,a banalizaoprecisaserdiscutidapoisremetea um nada,viramito.Da mesmaformaquetivemosomitoprogressonosculopassado,osanos90falamdomitodacrise.Tal comotnhamosvisto,a crise de percepode umapocahistricaquese desequilibrouao se percebera si mesma.Obrigado.