crise e sobrevivência do regime revolucionário cubano nos anos 90

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  "#$%&'( )*#'+,-%.( /( 01234056 -7896 :7 ;<=>?8@6 A(-7BAC-7 ;D8?7 E'':FBB+#$%&'(7(-:E*(.7G+H7I+B%-/#J7:E:B+#$%&'( ;<= “Pátria ou morte”: crise e sobrevivência do regime revolucionário cubano nos anos 90 Julian Araujo Brito !  Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar as condições da sobrevivência do regime político cubano a partir do fim da guerra fria, durante o chamado “Período Especial”. O desmoronamento do campo socialista entre 1989 e 1991 certamente representou uma inflexão nos rumos da Revolução Cubana, precipitando uma crise econômica de grandes proporções, que poderia colocar em risco a própria continuidade do regime revolucionário. No entanto este conseguiu sobreviver, sob as mais difíceis condições internas e externas ao seu momento mais crítico desde sua origem em 1959. Ainda que um plano de reformas econômicas, e em menor medida políticas, fosse considerado, os fatores que explicam esta sobrevivência, entre outros, estariam ligados ao apelo nacionalista do regime cubano como fonte de legitimação política (frente às pressões dos EUA e à crise do socialismo), juntamente com a manutenção das conquistas sociais alcançadas. Palavras-chave: Revolução Cubana; Socialismo; Nacionalismo Abstract: This study aims to analyze the survival conditions of the cuban political regime from the end of the cold war, during the “Special Period”. The breakdown of the socialist bloc between 1989 and 1991 certainly represented an important change of direction for the Cuban Revolution and generated an economic crisis of great proportions, which put at risk the very permanence of the revolutionary regime. However, it was allowed to survive, despite the difficult inner and outer conditions, to its most delicate moment since the origin in 1959. Although there was a plan for economic reforms and policies to a lesser extent, the survival of the regime was bounded, among others, to its nationalistic appeal, what was the political legitimacy (before U.S. pressure and the socialism crisis), as well as the maintenance of the social achievements.  Keywords: Cuban Revolution; Socialism; Nationalism !  Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected].

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    Ptria ou morte: crise e sobrevivncia do regime revolucionrio cubano nos anos 90

    Julian Araujo Brito Resumo: O objetivo deste trabalho analisar as condies da sobrevivncia do regime poltico cubano a partir do fim da guerra fria, durante o chamado Perodo Especial. O desmoronamento do campo socialista entre 1989 e 1991 certamente representou uma inflexo nos rumos da Revoluo Cubana, precipitando uma crise econmica de grandes propores, que poderia colocar em risco a prpria continuidade do regime revolucionrio. No entanto este conseguiu sobreviver, sob as mais difceis condies internas e externas ao seu momento mais crtico desde sua origem em 1959. Ainda que um plano de reformas econmicas, e em menor medida polticas, fosse considerado, os fatores que explicam esta sobrevivncia, entre outros, estariam ligados ao apelo nacionalista do regime cubano como fonte de legitimao poltica (frente s presses dos EUA e crise do socialismo), juntamente com a manuteno das conquistas sociais alcanadas. Palavras-chave: Revoluo Cubana; Socialismo; Nacionalismo Abstract: This study aims to analyze the survival conditions of the cuban political regime from the end of the cold war, during the Special Period. The breakdown of the socialist bloc between 1989 and 1991 certainly represented an important change of direction for the Cuban Revolution and generated an economic crisis of great proportions, which put at risk the very permanence of the revolutionary regime. However, it was allowed to survive, despite the difficult inner and outer conditions, to its most delicate moment since the origin in 1959. Although there was a plan for economic reforms and policies to a lesser extent, the survival of the regime was bounded, among others, to its nationalistic appeal, what was the political legitimacy (before U.S. pressure and the socialism crisis), as well as the maintenance of the social achievements. Keywords: Cuban Revolution; Socialism; Nationalism

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    Introduo

    O objetivo central deste artigo compreender as razes pelas quais o regime poltico cubano, inaugurado pela revoluo, conseguiu sobreviver derrocada do socialismo real no Leste Europeu, ao iniciar a dcada de 90. Ou seja, como foi possvel manter o essencial de sua institucionalidade poltica, isto , o Partido Comunista como partido nico e o governo liderado por Fidel Castro. Para tal empreendemos um estudo que visou entender porque em Cuba no se verificou um processo semelhante ao ocorrido naquela parte da Europa, quando a queda do muro de Berlim em 1989 simbolizou o desaparecimento do que comumente se chamava de regimes comunistas1.

    Apesar disso, os efeitos da queda da URSS foram implacveis em Cuba. At hoje chega a ser surpreendente que o caos econmico que se abateu sobre o pas no tenha conduzido a uma ruptura institucional que pusesse fim ordem poltica vigente. Embora o governo tenha perdido significativas parcelas de seu amplo apoio em funo destes anos de penria, o descontentamento que emergiu no foi suficiente para desencadear movimentos disruptivos capazes de colocar em perigo a ordem poltica, e tampouco gerar uma ruptura terminal do consenso necessrio continuidade do regime. Assim sendo, como explicar a permanncia do regime cubano frente a esta durssima conjuntura? Alm disso, em que se baseou a resistncia do regime? No inicio dos anos 90 no foram poucos os analistas que, fora de Cuba, vaticinaram a queda iminente do regime cubano, o que acabou revelando desconhecimento ou incompreenso da natureza daquele processo revolucionrio.

    Com frequncia se diz que em Cuba h uma ditadura, o que poderia nos levar a pensar que o sistema mantido simplesmente pela fora. No entanto, esta seria uma resposta insuficiente, at porque todo Estado se funda na fora, j afirmava Weber citando Trotsky. Entretanto, um Estado tambm se fundamenta em elementos de outra natureza, capazes de conferir legitimidade a determinada ordem poltica. Por exemplo,

    1 Embora faa menes ao socialismo em Cuba seu regime se proclama socialista, este artigo no tem a pretenso de analisar a real natureza do sistema socio-econmico existente na ilha. A complexidade desta questo certamente demandaria outra pesquisa.

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    usa-se com frequncia o termo democracia ou regime democrtico para legitimar regimes pluripartidrios, nos quais o poder do mercado determinante. No caso do regime cubano, esta legitimao est mais ligada preservao do legado da Revoluo de 1959, ao reconhecimento da liderana de Fidel Castro e negao de qualquer ingerncia externa nos rumos do pas, especialmente vinda dos Estados Unidos. Assim sendo, nossa investigao buscou compreender a estratgia poltica do governo cubano para passar pela enorme turbulncia dos anos 90, procurando observar as razes pelas quais o sistema, historicamente, conseguiu se legitimar perante a maioria da populao. Interessa-nos entender o processo social e poltico, para alm dos mecanismos jurdicos que garantem a ordem constitucional do Estado e da represso poltica que possa existir.

    Ainda que consideremos o programa reformista (eminentemente econmico) implementado a partir de 1990 e outros fatores, o artigo chama ateno para o elemento central de legitimao poltica, que contribuiu decisivamente para a manuteno do governo de Fidel Castro em seu momento mais crtico, isto : o consenso nacionalista, que, em certa medida, relaciona-se com a defesa das conquistas sociais e o legado da Revoluo.

    Para tal, este artigo vai abordar, como pr-condio ao entendimento da problemtica de investigao, o significado histrico da Revoluo para uma grande parte da populao cubana, destacando sua base social, as caractersticas da ordem social e poltica ps-revolucionria at 1989, responsveis por conferir legitimidade e consolidar o regime. Alm disso, abordar o papel determinante dos Estados Unidos (EUA) no desenvolvimento do processo revolucionrio cubano. Posteriormente, destacaremos os efeitos sociais e polticos ocasionados no pas em funo da extino da URSS e as principais reformas nos anos 90. E, por ultimo, a estratgia poltica do governo cubano para o enfrentamento da crise e o papel do nacionalismo como fonte de apoio ao regime.

    A construo da legitimidade revolucionria e o socialismo cubano (1959-1989)

    Certamente a Revoluo Cubana constituiu um grande episdio da histria das Amricas no sculo XX. Para Moniz Bandeira (2009, p. 37), inegavelmente, o maior acontecimento da Amrica Latina neste sculo. Segundo Florestn Fernandes (2007, p. 23), sua influncia forjou uma nova realidade histrica na Amrica Latina, ao colocar o socialismo na ordem do dia no hemisfrio ocidental, o que foi decisivo para a mudana dos rumos da histria contempornea e da vida de milhes de pessoas. Por outro lado, a

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    trajetria cubana ps 1959 foi marcada por um colossal esforo em romper com o passado e superar os entraves de uma economia neocolonial subdesenvolvida atravs da transformao socialista (FERNANDES, 2007, p. 32). Para alm da avaliao dos seus resultados, um dos maiores trunfos dos seus dirigentes foi, sem dvida, manter e estabilizar a ordem ps-revolucionria durante as dcadas que se seguiram contra toda sorte de dificuldades, em especial a hostilidade externa.

    Florestn Fernandes (2007) prope que a Revoluo Cubana seja analisada dentro de um quadro histrico mais amplo:

    O capitalismo foi incapaz de introduzir na Amrica Latina o ciclo das suas revolues tpicas (burguesas). Para garantir o seu desenvolvimento, o capital teve de recorrer, com frequncia, a ditaduras cruis. Oscilou sempre entre o conservantismo, a revoluo poltica (pela cpula) e reformas de superfcie de alcance social restrito, culminando na consagrao da contra-revoluo preventiva como ltimo recurso de autodefesa. em confronto com esse quadro que se deve avaliar a revoluo cubana (FERNANDES, 2007, p. 335).

    Alm disso, revela uma particularidade da construo nacional cubana, isto , tardia e tutelada. Ao analisar a histria pr-revolucionria, o autor destaca a ocorrncia de uma substituio da dominao externa sobre Cuba, anteriormente exercida pela Espanha e depois pelos EUA. A independncia frente Espanha em 1898 conquistada aps a interveno norte-americana na guerra de libertao colonial marca decisivamente a entrada em cena do poderoso vizinho do norte na histria cubana. Florestn descreveu a evoluo cubana ps-independncia como uma tpica situao neocolonial, configurada por uma relao muito especifica com os EUA, atravs da qual este exercia uma dominao indireta sobre Cuba.

    Decorrente desta situao, o nacionalismo se tornou uma fora que impulsionou a Revoluo Cubana. Em perfeita consonncia com os anseios histricos deste povo de constituir uma nao independente, suas razes remontam s lutas contra o jugo colonial espanhol na segunda metade do sculo XIX. No entanto, a independncia contra a Espanha e a tentativa de construir a nao ganhou os contornos de uma revoluo frustrada a partir da interveno norte-americana (WOLF, 1984, p. 197). J no final do sculo XIX, o prprio Jos Mart2 atentara para a possibilidade da dominao ianque aps a libertao colonial, visto que os EUA iniciavam uma expanso imperialista na Amrica Latina. 2 Intelectual e mrtir da independncia cubana. Foi morto em campo de batalha contra a Espanha em 1895.

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    O objetivo imediato da guerrilha liderada por Fidel Castro era derrubar um regime ditatorial e repressor encabeado por Fulgencio Batista, inaugurado aps um golpe militar em 1952. A face perversa do governo de Batista expressava alguns aspectos da tentativa fracassada de construir uma nao independente na primeira metade do sculo XX perodo conhecido por Repblica Cubana (1902-1959). A repblica ttere, expresso de Florestn Fernandes, padecia de uma tpica condio de quintal dos EUA, na qual a influncia norte-americana determinava os rumos da vida nacional. Politicamente, a ingerncia ia desde a ocupao armada at o reconhecimento de governos golpistas e ditatoriais que preservassem os interesses econmicos de empresas norte-americanas. Ademais, pairava sobre Cuba toda sorte de problemas decorrentes do subdesenvolvimento tais como: elevadas taxas de mortalidade infantil, desemprego e subemprego, analfabetismo, pobreza e concentrao de renda, proliferao de mfias, etc. A prtica da corrupo, disseminada nos altos escales do governo, convertia-se em objeto de revolta nacional.

    O carter socialista da Revoluo, oficialmente proclamado por Fidel Castro em 1961, est mais ligado a uma conjuntura poltica e econmica concreta, a partir da vitria dos guerrilheiros, do que a um objetivo socialista pr-revolucionrio. O levante de 1959 em Cuba caracterizou-se, inicialmente, por uma revoluo de libertao nacional, popular e marcadamente anti-imperialista (VAZQUEZ, 2010 p. 171). Embora autores como Florestn Fernandes (2007) e Moniz Bandeira (2009) interpretem de modo diverso as razes da guinada socialista da Revoluo, eles apontam que o governo revolucionrio, consequentemente, radicalizou as transformaes numa direo socialista, no s diante das presses imperialistas norte-americanas cujos interesses foram contrariados, mas tambm para salvaguardar as mudanas econmicas em curso a realizao da reforma agrria teve importncia decisiva e preservar a soberania nacional.

    No perodo que vai de 1959 a 1963 a sociedade cubana passou por profundas transformaes revolucionrias implementadas a partir da chegada dos guerrilheiros ao poder do Estado. Entretanto, logo no incio se depararam com fortes obstculos. Fernandes (2007, p. 330) destaca: O fato que eles (guerrilheiros) conquistam o poder, vo ao poder com um governo de composio nacional, mas do oportunidade para provar que nem os setores mais fortes da burguesia cubana nem os EUA aceitariam uma reforma do capitalismo. O radicalismo da transformao nacional-democrtica evoluiu, no prprio processo, para transformaes socialistas. No restou dvida ao governo

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    revolucionrio que defender as mudanas democratizantes, assim como aprofund-las, exigiria rupturas mais significativas.

    Do ponto de vista das transformaes mais significativas que mudaram as condies de vida da maioria da populao cubana aparece, inicialmente, o esforo educacional levado a cabo por uma campanha de mobilizao nacional, cujo objetivo foi alfabetizar todo o povo. A realizao da reforma agrria, implementada atravs de duas leis, alterou radicalmente a estrutura fundiria e as relaes sociais que resultavam dela. Apesar de mantida pequena parcela de pequenos proprietrios privados, a estatizao deste setor a partir de 1963 foi crescente. Em um pas predominante agrcola, extremamente dependente da produo aucareira, a reforma agrria teve um papel decisivo no processo de transformao social.

    O historiador Eric Wolf (1984, p. 198) observa que as condies de emprego neste setor eram severamente duras, j que a particularidade da agro-indstria canavieira concentrava o trabalho nas safras (3 ou 4 meses) e depois no tempo morto (entressafra) descartava grande parte destes trabalhadores. Citando Zeitlin (1967, p. 199), Wolf destaca que o desejo dos trabalhadores da cana em romper este ciclo de uma vida de misrias, constituiu uma das maiores fontes de apoio ao governo revolucionrio depois de 1959. Por outro lado, com a fuga de importantes setores da burguesia cubana para os EUA em funo do deslocamento de poder representado pela Revoluo, o novo governo aproveitou para realizar uma reforma urbana, redistribuindo grande nmero de moradias populao despossuda e reduzindo significativamente os aluguis.

    Apesar dos perodos iniciais em que se buscou maior originalidade, a tentativa de construo do socialismo em Cuba durante cerca de trs dcadas foi fortemente marcada pela influncia do modelo sovitico, isto , baseada no dirigismo estatal e em instituies altamente centralizadas. A condio de potncia mundial da URSS e a hegemonia que exercia no movimento comunista, acabaram pesando decisivamente sobre os rumos da Revoluo Cubana. Nas palavras de Heredia, o sistema sovitico e sua ideologia teorizada eram a fora maior que no mundo atuava e falava em nome do socialismo e do marxismo (2003, p.8).

    Logo, as principais foras revolucionrias submeteram-se a um processo de centralizao poltica que culminou na criao do Partido Comunista de Cuba (PCC), em 1965, a partir da fuso de trs organizaes: o movimento 26 de Julho, o Diretrio

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    Revolucionrio e o PSP (Partido Socialista Popular). Organizado em bases da doutrina marxista-leninista, a Constituio de 1976 definiu assim o PCC:

    O Partido Comunista de Cuba, vanguarda organizada marxista-leninista da classe operria, a fora dirigente superior da sociedade e do Estado, que organiza os esforos comuns para os elevados fins da construo do socialismo e o avano em direo sociedade comunista.

    Apesar de rgidos controles polticos, o partido nico aparecia como expresso

    da unidade poltica necessria defesa do pas, bem como um dos responsveis pelas conquistas do socialismo, que encontrou seu pice nos anos 80.

    A liderana de Fidel Castro foi imprescindvel no s para a tomada revolucionria, mas tambm para a manuteno da ordem poltica que emergiu. Ele personificou, juntamente com Ernesto Che Guevara, a prpria marca da revoluo segundo Fernandes (2007, p. 210), verdadeiros mitos da revoluo. Alm de lder guerrilheiro histrico, ele acumulou as funes de chefe de Estado e do partido, conduzindo-os com grande capacidade de aglutinao poltica, e ainda colocando-se como lder de massas com forte poder de mobilizao. A liderana carismtica de Castro estaria ligada, para alm destes traos excepcionais, a uma relao pedaggica direta com as massas, na qual aparecia como um impulsionador individual do processo, assim como um crtico que apontava os problemas em determinados momentos (FERNANDES, 2007, p. 155). a partir destas caractersticas que Domingues (2008 p. 7) salienta que Fidel Castro tem atuado como um elemento de legitimao carismtica do regime ao longo das ultimas dcadas, mesmo aps o perodo de institucionalizao nos anos 70.

    Do ponto de vista da construo social e da subjetividade, o projeto revolucionrio passou a perseguir a homogeneidade nacional dos cubanos. Em termos ideolgicos e polticos, sua substncia nutria-se da mescla simblica de nacionalismo defensivo (que vinculava a revoluo de 1959 como ato fundador da nao e da soberania nacional) e socialismo (que implicava na igualdade fundamental entre todos os cubanos em termos de classe, gnero e raa). Como consequncia, teramos a concretizao de um povo socialista sem interesses que o fraturassem e uma noo de unidade nacional que rejeitava elementos de diferenciao poltica que pudesse enfraquecer a resistncia contra o imperialismo (DOMINGUES, 2008, p. 5).

    A sociloga cubano-americana Marifli Perez-Stable (1998, p. 31) defende que o eixo da poltica cubana ps-revolucionria girou em torno da ideia tripartite Fidel-

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    Ptria-Revoluo. Ideia sob a qual considera que esto amparados os fundamentos essenciais da legitimidade poltica do regime cubano. Fidel Castro encarnaria a figura heroica do guerrilheiro libertador da nao oprimida por sculos de dominao externa, liderando uma revoluo que consagrou a independncia e soberania nacionais, cujos desdobramentos conduziram a uma transformao socialista radical capaz de alterar significativamente as condies de vida das massas trabalhadoras. Posteriormente, o processo de institucionalizao ergueu o governo e o Estado revolucionrios como expresses da vontade nacional e popular sob o iderio da homogeneidade, indiferenciao de interesses e unidade nacional, os quais conferiram quelas instituies um alto grau de legitimao (DOMINGUES, 2008, p. 6).

    Apontando que o carter legtimo de uma institucionalidade tenha nascido em diversos pases, direta ou indiretamente, de um processo revolucionrio moderno, o socilogo cubano Aurlio Alonso (2009, p. 242) defende que a intensidade da participao social na transformao revolucionria, faz com que as revolues se tornem uma fonte de legitimidade poltica e civil na construo de uma nova ordem. Em Cuba, palco de uma revoluo autntica, para alm do peso das organizaes polticas (PCC e UJC), as instituies civis e organizaes de massa (escolas, meios de comunicao, sindicatos, CDR, FMC, FEU3) tiveram um papel fundamental na socializao poltica da populao, na que a busca ampliada pelo consenso caracterizou um regime de mobilizao permanente das massas, tanto para seus propsitos polticos como econmicos.

    Comum s experincias revolucionrias modernas que radicalmente alteraram o status quo, a contrarrevoluo no foi menos implacvel no caso de Cuba. Depois de derrotada a reao armada na Bahia dos Porcos e nas serras de Escambray, grande parte da oposio ao novo regime optou pela emigrao aos EUA. Por outro lado, consolidou a hostilidade norte-americana ao regime revolucionrio por meio de uma permanente aliana daqueles setores opositores com o governo dos EUA. Alm de uma poltica de boicote econmico do governo norte-americano, a ao dos grupos oposicionistas radicados em Miami se pautou, durante um longo perodo, por sabotagens e tentativas de assassinato de lideranas cubanas. Produto desta situao de confronto, Cuba passou a vivenciar o que os cubanos chamam de mentalidade de fortaleza sitiada, isto , uma postura defensiva e preventiva contra qualquer ameaa ao sistema institudo. Se por um 3 Comit de Defesa da Revoluo (CDR); Federao de Mulheres Cubanas (FMC); Federao Estudantil Universitria (FEU). Unio da Juventude Comunista (UJC) a agremiao jovem do partido.

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    lado ela assegurou a defesa do pas contra as tentativas de subverso externa, por outro, restringiu os debates e a crtica interna.

    Nestas condies a ordem social ps-revolucionria consolida-se sob a primazia da ideologia poltica, seja o nacionalismo simbolizado na figura de Jos Mart ou o socialismo nas figuras de Marx e Lnin. Durante a dcada de 70 at meados de 80 o marxismo-leninismo, elevado ideologia oficial de Estado, adquire maior fora inclusive cultural, representando o perodo de maior influncia sovitica. Em parte explicado pela ameaa externa, em parte pela influncia sovitica, a revoluo deu lugar a um regime poltico exclusivista que recorreu a mecanismos de controle sobre a sociedade, alm de se caracterizar por um permanente estado de vigilncia. Segundo Castaeda (1994, p. 55), Cuba construiu um aparato de segurana que chegou a ser um dos mais eficientes do mundo, sob a responsabilidade do Ministrio do Interior (MININT), precisamente do Departamento de Segurana do Estado, no qual se desenvolvem atividades de inteligncia, contra-inteligncia, espionagem, etc.

    No obstante as deficincias, o impulso igualitrio das polticas do regime, por um lado conseguiu eliminar a misria da sociedade cubana, o analfabetismo, construir satisfatrios sistemas de sade e educao estatais e gratuitos, aos quais toda a populao tem acesso. O direito garantido ao esporte e lazer transformou a pequena ilha em potncia esportiva, motivo de orgulho de sua populao. Somando-se a isso, o planejamento centralizado da economia alocava os trabalhadores no setor estatal, praticamente alcanando o pleno emprego; a poltica salarial buscou equalizar os salrios e criou-se uma legislao trabalhista. Enfim, alcanou-se um padro material de vida digno, em mnimas condies, custa de muitos sacrifcios e austeridade da populao.

    Por outro lado, permaneceu em grande parte da populao o nacionalismo e um sentimento intangvel de dignidade de um povo que valorizava as conquistas obtidas. Para alm dos ganhos materiais, o ideal de igualdade orientou o combate ao racismo e ao machismo, historicamente presentes, elevando a condio do negro e da mulher na sociedade cubana (ainda que este tipo de discriminao no tenha sido eliminada). As misses internacionalistas dos anos 70 e 80, baseadas na solidariedade aos povos em luta, expandiram a presena cubana para o continente africano. A participao de Cuba foi decisiva nas lutas de libertao frente ao colonialismo (sobretudo em Angola), destacando-se ainda a contribuio dos combatentes cubanos para a queda do regime racista do Apartheid na frica do Sul.

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    Para o politlogo cubano Rafael Hernandez (1999, p. 15), desde o inicio as polticas igualitrias da revoluo foram apoiadas pela imensa maioria dos cubanos, por significar uma virada fundamental nas condies de existncia e uma melhoria substancial do seu nvel de vida. Ele ressalta que no podemos esquecer que durante os anos 70 e 80, o processo revolucionrio conseguiu uma elevao das condies de vida material e cultural dos cubanos, incluindo sua conscincia social e nacional. Alm disso, um aspecto democrtico notvel da construo socialista foi que a direo da Revoluo procurou envolver a sociedade naquele projeto, de modo a engendrar um comprometimento tico-poltico nos indivduos, isto , a noo de que todos os cubanos so parte daquilo e que, portanto, no so alheios aos seus erros e acertos. E com isso evitar que operasse uma possvel ciso entre a direo poltica do pas e a populao, ou simplesmente que a nova ordem se apresentasse como uma imposio de uns poucos lderes. Em outras palavras, estes traos se tornaram um pilar fundamental de sustentao do governo revolucionrio em todos esses anos.

    As relaes Cuba-Estados Unidos no perodo revolucionrio (1959-1996)

    A questo central da rivalidade entre os dois pases nas ultimas dcadas advm do significado da Revoluo, que contestou radicalmente a presena econmica e poltica dos EUA em Cuba. Isto decorreu da viso dos revolucionrios de que grande parte dos problemas que afligiam o povo cubano at aquele momento estaria ligado concentrao das atividades econmicas em mos estrangeiras (no caso, companhias norte-americanas), enquanto a maioria da populao de trabalhadores empobrecidos (especialmente camponeses) enfrentava precrias condies de vida. Por outro lado, o governo dos EUA no hesitava em apoiar regimes golpistas e ditatoriais em Cuba, desde que defendessem os seus interesses, e este foi o caso do ultimo governo de Fulgencio Batista (1952-1958). Para o movimento que levou a cabo uma revoluo pela independncia e soberania nacional, uma mudana nas relaes com os EUA seria naturalmente inevitvel (WOLF, 1984, p. 210).

    A negao representada pela revoluo de 1959 desencadeou um conjunto de reformas que procurou eliminar aquela condio. Como consequncia, os EUA romperam todas as relaes com Cuba e iniciou-se um perodo de grande hostilidade, incluindo fortes momentos de tenso a crise dos msseis de 1962 representou o seu ponto alto. Evidentemente, a tenso foi muito maior para os cubanos, que passaram a conviver com presses de todo tipo. Aps a revoluo, a relao Cuba-Estados Unidos

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    foi marcada por agresses militares, boicote econmico, at crises migratrias e diplomticas. No entanto, o grande conflito entre os dois pases poltico. A rivalidade se relaciona ambio histrica de domnio e controle dos EUA sobre Cuba, de modo que determinou no s a poltica externa do governo revolucionrio, assim como se tornou um importante elemento capaz de influenciar a prpria poltica interna na ilha.

    O radicalismo do rompimento entre os dois pases se acentuou medida que em plena guerra-fria, a pequena Cuba at ento sob rbita da influncia norte-americana e submetida s suas presses econmicas e polticas aliou-se URSS, optou pelo socialismo, e consequentemente instituiu o nico Estado socialista do ocidente, na segunda metade do sculo XX. Em outras palavras, a ousadia cubana apresentou-se como uma grande afronta ao poderio norte-americano, que posteriormente passou a encar-la como um Estado satlite representante dos interesses soviticos (MONIZ BANDEIRA, 2009 p. 305).

    Para Cuba as consequncias destes conflitos, mais do que o rompimento total das relaes diplomticas, resultaram em sanes econmicas decretadas pelos EUA. Como os EUA detinham grande influncia sobre a dependente economia cubana, principalmente quanto ao suprimento de petrleo e importao da quota de acar, o governo norte-americano decide reduzi-las drasticamente, como instrumento de presso contra as reformas em curso. Diante disso, o governo cubano nacionaliza propriedades estrangeiras e a URSS se comprometeu a suprir aquelas necessidades (exportar petrleo e importar acar). O resultado do agravamento destas tenses levou os EUA em 1962 a suprimirem todas as importaes de Cuba, bem como proibirem qualquer exportao a Cuba, dificultando ao mximo qualquer relao comercial entre eles, inclusive as que passavam por terceiros pases. O objetivo era asfixiar a economia cubana e consequentemente derrubar Fidel Castro. Essas medidas ficaram conhecidas como Embargo ou Bloqueio econmico. Por outro lado, estas dificuldades impostas a Cuba fizeram com que se intensificassem, cada vez mais, as relaes comerciais e polticas com o bloco sovitico (AYERBE, 2004, p. 62).

    Moniz Bandeira (2009, p. 735) aponta que Cuba apenas adotou uma postura defensiva da sua soberania nacional diante das presses dos EUA, que nunca aceitaram as reformas do novo governo. E foi a razo pela qual, no plano internacional, empurrou os cubanos a uma aliana com os soviticos, os nicos que poderiam contrapor o desmedido poder dos EUA e assegurar a manuteno da dependente economia cubana. Certo que, aps estes enfrentamentos, os EUA nunca aceitaram ou consideraram

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    legtimo o governo revolucionrio. Mas ao contrrio, recorreram a uma guerra secreta contra Cuba, utilizando os mais variados expedientes para derrubar o governo de Fidel Castro (AYERBE, 2004, p. 49).

    A partir deste momento, aparece a Operao Mangusto, criada na administrao de Kennedy, que visava a implementao de aes secretas em Cuba (sabotagem, guerra econmica e assassinato de lideranas), com o objetivo de causar desestabilizao poltica e desencadear possveis revoltas. Elaborada com base em relatrio da CIA, que apontava que o regime revolucionrio no cairia por si s, as aes ficariam a cargo de grupos extremistas contrarrevolucionrios, presentes em Miami. interessante assinalar que neste momento, Cuba representava um problema e tornara-se um motivo de obsesso para as administraes norte-americanas, as quais, utilizando diferentes estratgias, nunca abriram mo de tentar derrubar Fidel Castro4. A preocupao que o exemplo cubano adquiriu nos crculos de poder em Washington era evidente e, de fato, a Revoluo Cubana inaugurava um novo momento na Amrica Latina e consequentemente uma nova etapa nas relaes dos EUA com o subcontinente (AYERBE, 2004, p. 51).

    Um fato novo nas relaes com Cuba aconteceu no governo de Jimmy Carter (1977-1980) apesar de mantido o Bloqueio, o qual representou um avano nas relaes entre os dois pases e uma abertura ao dilogo, estabelecendo algum contato diplomtico, cujo significado concreto foi o acordo que instituiu as Sees de interesse mnima representao diplomtica em Havana e Washington, ainda em vigor. No obstante a este incio, a aproximao entre os pases no teve flego devido ao acirramento da disputa eleitoral nos EUA, que em 1981 elevou presidncia o republicano Ronald Reagan, notvel por reascender a rivalidade da guerra-fria.

    Segundo Moniz Bandeira (2009, p. 631), inicialmente a poltica beligerante de Reagan chegou a elaborar um plano de invaso a Cuba e Fidel Castro, ciente disso, reforou as defesas com base na doutrina de Guerra de todo el pueblo, mobilizando numerosos grupos de milcias. Castro estava certo de que a URSS, afundada em problemas internos, no sairia em defesa de Cuba. Entretanto, o plano foi dissuadido, provavelmente pelos custos polticos e em vidas que causaria uma guerra incerta. Os norte-americanos sabiam do apoio interno a Castro e do relativo poder das foras armadas cubanas, que havia contado durante dcadas com ajuda e tecnologia sovitica.

    4 O governo de Jimmy Carter (1977-1980) foi uma exceo.

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    Com efeito, a tentativa de derrubar o regime revolucionrio passaria a enfatizar outras estratgias, como aes de propaganda e difuso ideolgicas, deixando de lado a interveno armada. Assim, em 1985 foi criada em Miami a Rdio Mart e posteriormente a TV Mart, com o objetivo de transmitir para a ilha uma programao contraria ao governo cubano.

    A crise terminal do socialismo no Leste Europeu iria configurar um novo cenrio mundial. As relaes entre Cuba e os Estados Unidos ps guerra-fria, entretanto, no caminharam para um entendimento. Se as mudanas na ordem mundial, num primeiro momento, poderiam supor boas expectativas rumo normalizao das relaes, o que de fato ocorreu foi a intensificao da hostilidade norte-americana. Segundo Ayerbe (2004, p. 95), nas relaes entre os dois pases, os efeitos do fim da guerra-fria se do no sentido oposto ao do resto do mundo. Os governos de George Bush (1989-1992) e Bill Clinton (1993-2000) intensificaram o Bloqueio econmico a Cuba, com base na percepo de que o regime encabeado por Fidel Castro, sem os subsdios da ex-URSS, entraria em colapso mais cedo ou mais tarde.

    No inicio dos anos 1990, Cuba havia perdido seu principal apoio internacional, retirava suas tropas da frica, no mais apoiava guerrilhas na Amrica Central e tampouco representava qualquer ameaa segurana dos EUA (HERNANDEZ, 2008, p. 157). Do ponto de vista de suas relaes internacionais mesmo que de forma no voluntria Cuba havia cumprido as determinaes dos EUA para o restabelecimento de negociaes bilaterais que, todavia, no ocorreu. Aproveitando-se do enfraquecimento geopoltico de Cuba, a poltica externa norte-americana ambicionava, na verdade, a queda do governo de Fidel Castro e uma transio rumo democracia liberal e economia de mercado (SEGRERA, 1995, p. 100).

    A continuidade da hostilidade do governo dos EUA diante da Revoluo est diretamente ligada ao peso da comunidade cubana exilada na Flrida. A origem desta comunidade est na fuga de grande parte da burguesia cubana desalojada pela revoluo e que posteriormente contou com grandes levas de migraes dos setores descontentes com o regime revolucionrio. Durante o governo de Ronald Reagan (1981-1988) criada em Miami a Fundao Nacional Cubano Americana (FNCA) organizao poltica anti-castrista, que se notabilizou pelo lobby junto ao Congresso e Casa Branca, alm do seu alto poder de influncia sobre o conjunto dos numerosos imigrantes cubanos. A comunidade de exilados cubanos na Flrida adquiriu grande notoriedade na poltica norte-americana devido, sobretudo, a seu poder econmico e

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    coeso, alm de solidarizar-se nos negcios. Certamente, ela a comunidade hispnica mais rica nos EUA, capaz de decidir eleies, financiar candidaturas ao legislativo e ao executivo e influenciar o judicirio (BLACKBURN, 2000 p. 96).

    Seu maior xito foi influenciar decisivamente a poltica externa dos EUA, transformando os seus interesses especficos em pauta significativa da agenda norte-americana para Cuba. neste sentido que Ayerbe (2004, p. 96) assinala que o tema de Cuba nos EUA, especialmente com relao sua poltica externa, no tem sido uma questo convencional de poltica exterior do Estado norte-americano, mas um problema de poltica interna, marcada fortemente pelo lobby da comunidade cubana, sobretudo a FNCA. Do ponto de vista poltico, suas posies se pautam por um radicalismo conservador e anticomunista, alm de nutrir um dio inigualvel a Fidel Castro. Por outro lado, o revanchismo predominante nos exilados levou a posies extremadas como o apoio ao Bloqueio econmico ou at posies majoritariamente favorveis a uma possvel invaso norte-americana ao territrio cubano, segundo afirmou Blackburn (2000, p. 99) com base em pesquisas de opinio.

    O peso da comunidade cubano-americana ficou evidente quando em 1992 e 1996, aprovaram-se dois projetos de lei no Congresso norte-americano que significaram o acirramento do Bloqueio e o aumento das presses para mudanas em Cuba. A primeira delas, denominada Lei da Democracia Cubana (mais conhecida como lei Torricelli) determinava o seguinte: empresas subsidirias norte-americanas em outros pases seriam proibidas de comercializar com Cuba, alm de que navios estrangeiros que entrassem em portos cubanos seriam proibidos de carregar ou descarregar em portos dos EUA durante seis meses. Ademais, acrescenta que o presidente norte-americano s tem poderes para suspend-la caso ocorressem eleies livres, justas e com superviso internacional, bem como outros requisitos que deveriam ser cumpridos pelo governo cubano, por exemplo, o avano em direo a uma economia de mercado5.

    Embora a deteriorao da economia cubana tenha chegado a nveis de extrema escassez (no s pelos efeitos do Bloqueio) durante a dcada de 90, a lei anterior no atingiu seu objetivo central, isto , a queda de Fidel Castro. Ento, em 1996 foi aprovada a Lei para a Liberdade e a Solidariedade Democrtica Cubana (conhecida como lei Helms-Burton). Esta mais radical nos seus propsitos, chegando a possibilitar que cidados norte-americanos ex-proprietrios em Cuba possam processar

    5 Extrado de Gott (2006).

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    empresas estrangeiras que mantenham negcios com o governo cubano, uma vez que este estaria fazendo uso da sua antiga propriedade. Alm de outras sanes aos interessados em negociar com Cuba, este ponto era uma clara tentativa de intimidao s empresas estrangeiras, sobretudo canadenses e europias, em franco crescimento dos seus investimentos na ilha. Entretanto, esta medida extremamente controvertida no tem sido adotada, j que o presidente norte-americano teria faculdades para suspend-la (GOTT, 2006, p. 342.). Apesar disso, a lei um receiturio detalhado do modelo de democracia e sociedade que uma possvel transio deveria contemplar, selando o apoio dos EUA a esta plataforma de mudanas.

    A crise cubana nos anos 90: Perodo Especial e o impacto da queda do Socialismo Real

    O incio dos anos 90 inaugurou um novo momento na histria da Revoluo Cubana, no qual foi obrigada a fazer frente maior crise econmica desde seu triunfo em 1959. O desaparecimento da URSS e dos ento chamados Estados comunistas do leste europeu abriu para a ilha caribenha um momento de extremas incertezas, uma vez que o marco de sua integrao econmica e poltica havia desmoronado. A situao de isolamento agravou ainda mais a vulnerabilidade do Estado cubano que, alm disso, permanecia sob ameaa de invaso externa (MONIZ BANDEIRA, 2009 p. 643). Foi ento que Fidel Castro proclamou o inicio do Perodo Especial6, em 1990, antevendo a grave crise econmica em que o pas mergulharia. Por sua vez, a crise colocava em dvida a capacidade do governo cubano de enfrentar uma nova conjuntura mundial especialmente adversa e, inclusive, a prpria continuidade do seu sistema social e poltico.

    Na contracorrente das transformaes neo-liberalizantes em curso em grande parte da Amrica Latina e do Leste Europeu, a maioria dos cubanos optou por resistir e preservar, dentro do possvel, os principais elementos do seu sistema social e poltico, modificando pontualmente os aspectos mais crticos da economia (foi o que, de fato, deu a entender o amplo debate realizado em torno do IV Congresso do PCC em 1991). Certamente, o desafio era grande e extremamente difcil, j que seu modelo socialista influenciado e dependente da URSS no poderia continuar existindo sem o campo socialista. O receiturio neoliberal em marcha e radicalizado no Leste Europeu havia 6 O chamado Periodo Especial en Tiempos de Paz foi expresso utilizada pelo governo cubano para designar o novo momento do pas, aps a queda do muro de Berlim e a desapario do Bloco Socialista.

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    sido descartado pelo governo cubano no s por razes ideolgicas, mas tambm em vista dos pesados custos sociais da transio naqueles pases (PICKEL, 1998, p. 80). Portanto, o desafio do governo era reformar o sistema, mantendo as conquistas sociais da Revoluo7, e reintegrar-se a uma nova ordem mundial. E deveria faz-lo, ademais, pressionado pelo governo dos EUA por mudanas no seu regime.

    Nestes termos, o amplo debate que culminou no IV Congresso do partido em 1991 no colocou em discusso a hegemonia da propriedade coletiva (estatal), a exclusividade do PCC como instituio dirigente do Estado, e muito menos a liderana de Fidel Castro (PEREZ STABLE, 1998, p.281). No obstante, a liderana cubana tinha conscincia de que mudanas eram urgentes na economia e necessrias na poltica, uma vez que a rigidez do seu modelo social, influenciado e dependente da URSS, tornara-se insustentvel frente nova conjuntura. Ainda que o governo tenha adotado uma poltica de distribuio equitativa dos custos da crise, implementada atravs do racionamento e de uma poltica social especfica, a deteriorao da economia cubana foi intensa nos primeiros anos da dcada de 90, cuja retrao do PIB (Produto Interno Bruto) entre 1989 e 1993 chegou a 35% (CANO, 2000 p.35). Como consequncia, a depresso acabou por gerar toda espcie de carncia na vida cotidiana da populao, exigindo enormes sacrifcios para a sobrevivncia.

    O choque externo sofrido pela economia cubana foi causado pela rpida derrocada do campo socialista, sendo que aproximadamente 85% do seu comrcio exterior era com aqueles pases. No desastre do setor externo, Cuba evidenciou a dependncia de variada pauta de importaes, assistiu a retirada dos subsdios provenientes da URSS e perdeu o intercambio favorvel junto ao Bloco Socialista. No bastasse a extino do seu marco de integrao econmica, agora os efeitos do Bloqueio econmico norte-americano poderiam ser sentidos de forma mais intensa.

    Segundo o socilogo cubano Valds Paz (2005, p. 91), a hecatombe que se abatera sobre a economia cubana adquirira dimenses caticas. Estas se expressaram na queda verti-ginosa da capacidade de importao, que chegou a 70% entre 1989-92; na diminuio brusca das receitas do acar poca o principal produto gerador de receita para Cuba: de 4,3 bilhes de dlares em 1990 para 757 milhes em 1993. No perodo de 1989-93 as impor-taes de petrleo foram drasticamente diminudas em

    7 Especialmente a significativa elevao da expectativa de vida; drstica reduo da mortalidade infantil; avanos na medicina; avanos na educao (entre eles: a erradicao do analfabetismo, elevados ndices de escolarizao nos diferentes nveis de ensino etc.).

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    60%; alm disso, o consumo privado cara 40%. O PIB em franco decrscimo cairia: -2,9% em 1990; -10% em 1991; -11,6% em 1992; -14,9% em 19938. Em outras palavras, esses nmeros revelariam a incapacidade do sistema econmico em assegurar a sua simples reproduo quando o apoio e a ajuda internacional extinguiram-se (DILLA, 2007, p. 3).

    Ao mesmo tempo, o governo cubano levava a cabo uma srie de reestruturaes e concesses com vistas a salvar o regime revolucionrio, suas conquistas sociais e tirar a economia da beira do colapso. A crise, por outro lado, abalou os referenciais socialistas cristalizados da Revoluo, limitando suas perspectivas a uma ideia de resistncia concentrada em evitar o pior, isto : uma transio capitalista radicalizada pelo choque neoliberal, conduzida ou influenciada pelo imperialismo norte-americano. Visando diferenciar-se das polticas adotadas na transio que se seguiu na Europa Oriental, foi acordado que em Cuba as reformas econmicas no empregariam polticas de choque.

    A principal estratgia de superao da crise foi uma aposta no desenvolvimento do potencial turstico da Ilha, mediante a parceria do Estado cubano com o capital estrangeiro da Europa ocidental, Canad e Mxico. Toda a economia foi aberta ao investimento externo, exceto os setores militares e os sistemas de sade e educao. Alm disso, a reforma constitucional de 19929 retirou o carter irreversvel da propriedade estatal socialista, admitindo outras formas de propriedade em detrimento da quase total estatizao existente, legalizando a propriedade privada, mista e cooperativa. Por fim, instituiu emendas para incentivar e facilitar o investimento estrangeiro. Entretanto, estas medidas no conduziram privatizao generalizada. Onde a propriedade no permaneceu exclusivamente estatal, o Estado cubano cedia at 49% do consrcio, entre outros benefcios.

    De forma gradual, conforme apontou a sociloga cubana Mayra Espina 2008), outras medidas de liberalizao da economia foram implementadas, das quais destacamos at 1993: entrega em uso-fruto de terras estatais a cooperativas e famlias; criao de um mercado para os produtos agropecurios; legalizao da posse de divisas pelos cubanos e das remessas de familiares residentes no exterior (culminando na dolarizao da economia); substituio da estratgia econmica aucareira em favor de

    8 Dados retirados de Gott (2006). 9 Estas alteraes foram acordadas durante o IV Congresso do PCC em 1991. Posteriormente foram aprovadas pela Assembleia Nacional do Poder Popular, confirmando a reforma constitucional em 1992.

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    setores chave para captao de divisas: turismo, biotecnologia, explorao do nquel e petrleo; aumento das autorizaes para o trabalho autnomo; reestruturao e reduo do aparato administrativo estatal; descentralizao da tomada de decises econmicas nas empresas e aumento da distribuio atravs do mercado.

    Os primeiros anos do perodo especial realmente foram desesperadores para a populao, na medida em que instituiu a batalha cotidiana pela sobrevivncia material (os artigos de primeira necessidade tornaram-se escassos). A carncia energtica era tamanha que chegou a paralisar fbricas e inviabilizar o sistema de transportes, que passou a operar em propores mnimas. Logo, a alternativa para que o pas no paralisasse totalmente foi a generalizao da opo pela trao animal e humana.

    A falta de oferta na rede de comercializao estatal gerou um grande crescimento do mercado informal (mercado negro), ao qual a populao recorria frequentemente, sobretudo para complementar a cesta bsica em geral, em especial os alimentos. Por outro lado, os fortes desequilbrios macroeconmicos levaram a uma crise cambial extrema, verificada pela grande desvalorizao da moeda cubana frente ao dlar. Nesta conjuntura a legalizao da posse do dlar foi inevitvel, criando dois setores na economia, que por sua vez opera em dinmicas e moedas diferentes (rea peso e rea dlar). Esta medida levou ao desestimulo do trabalho formal, como meio para obteno de renda, j que este operava em moeda nacional desvalorizada e, consequentemente, uma grande parte da populao se lanou no mercado negro (no qual consumidores e vendedores se apropriam de mercadorias do Estado, com frequncia atravs do roubo), cujas possibilidades de obteno de moeda forte so maiores (CARRANZA, 2002, p. 32).

    Os efeitos negativos de uma economia com dupla circulao monetria se intensificaram na medida em que a expanso do turismo e as remessas estrangeiras se tornaram importantes componentes da reestruturao econmica e da obteno de divisas por Cuba. Assim, configurou-se uma profunda ciso na sociedade entre os cidados que tm acesso moeda forte proveniente do setor turstico, mercado negro e remessas do exterior, e os que no tm. Portanto se tornou um forte mecanismo de diferenciao de renda e de nveis de consumo. Neste sentido, Gott (2006) ressaltou o efeito danoso da reintroduo do dlar sobre o consenso poltico que sustentava o sistema cubano: o retorno do dlar foi um srio golpe no orgulho revolucionrio (GOTT, 2006, p. 327). Em outras palavras, a tica igualitria que era um proclamado

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    orgulho da Revoluo ficaria seriamente comprometida em vista da crescente desigualdade que passou a vigorar.

    A sociedade cubana at 1989 experimentou um importante aumento do padro de vida mdio conseguido mediante polticas estatais redistributivas e igualitrias. Contudo, agora, teria de enfrentar a pobreza crescente. Espina (2008) destaca em seu estudo sobre os impactos da crise e das reformas, um amplo processo de reestratificao social em curso, capitaneado pelo alargamento da desigualdade scio-econmica. Um dos efeitos citados a reapario da pobreza, vulnerabilidade social e marginalidade. Espina chama ateno para estudos que apontam um segmento da populao urbana em situao de insuficincia de renda e de necessidades bsicas no satisfeitas passou de 6,3% em 1988 para 20% em 2000.

    Apesar dos efeitos negativos, a conduo da crise pelo governo cubano deu mostras de que ele tentara distribuir os custos da crise de uma forma mais equitativa. Alm da manuteno das conquistas sociais sade, educao e seguridade social, pblicas e gratuitas, o governo recorreu a um severo racionamento dos produtos e servios para assegurar uma distribuio mais igualitria, adotando uma poltica social com vistas a suprir basicamente os mais afetados. O governo cubano, alm disso, conseguiu evitar um desemprego massivo atravs de realocao de pessoal, subsdios a empresas que operavam abaixo de sua capacidade, manuteno (em parte) dos salrios e permisso para o trabalho autnomo.

    Embora estas medidas tivessem levado a outros desajustes macroeconmicos posteriores, Carranza (2002, p. 31) ressaltou que elas foram fundamentais para a manuteno e reproduo do consenso poltico em to duras condies. Ademais, diante das reformas econmicas mais sensveis, recorreu-se a discusso popular prvia nos centros de trabalho, numa tentativa de angariar apoio e comprometer a populao com aquelas reformas10 (GOTT, 2006, p. 329). Sem dvida, estas medidas, num primeiro momento, foram fundamentais para conter uma possvel exploso social em consequncia das privaes econmicas11.

    A sobrevivncia do regime revolucionrio e o papel do nacionalismo 10 Este processo participativo ficou conhecido como Parlamentos Obreros realizados em incios de 1994. 11 No entanto, a primeira manifestao pblica contrria ao governo revolucionrio apareceria na esteira da crise dos balseros, quando, em 1994, os problemas decorrentes da emigrao ilegal para os EUA (e consequentemente das precrias condies de vida na Ilha) provocaram distrbios no centro de Havana.

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    Em vista deste cenrio, Valds Paz (2005, p. 98) afirmou que havia favorveis tendncias a um dficit de governabilidade, tais como: conjuntura internacional adversa, crise econmica e seus efeitos sociais, estreitamento do consenso e insatisfao de demandas. Quanto ameaa externa, muito embora as presses dos EUA tivessem conseguido reduzir a influncia e a participao cubana na arena poltica internacional, derrocar o governo de Fidel Castro se mostrou muito mais difcil do que a conjuntura parecia indicar.

    A maioria das anlises que abordou diretamente a sobrevivncia do regime cubano ao desmoronamento do socialismo real, frequentemente aponta para dois fatores fundamentais: a autenticidade do processo revolucionrio cubano e as suas significativas diferenas histricas em relao ao Leste Europeu. Assim sendo, no faria sentido considerar Cuba como um Estado-satlite sovitico, cujos desdobramentos polticos e econmicos iniciados na Europa oriental, a partir de 1989, se abateriam, automaticamente, sobre a Ilha12. Alm de chamar ateno para o carter autentico da Revoluo, cujas razes esto fincadas na sociedade civil cubana, Julio Csar Guanche (2008, p.132), considera que a acumulao cultural histrica que o processo revolucionrio imprimiu no povo cubano isto as prticas sociais, os valores e os sentidos que transformaram no apenas o pas, mas tambm o indivduo desempenhou um papel importante na conteno da influncia que vinha do Leste Europeu.

    Para explicar a resistncia cubana preciso levar em conta a acumulao poltica e a legitimidade alcanada anteriormente pelo governo cubano; a hostilidade do governo norte-americano e o extremismo da oposio anti-castrista tradicionalmente estabelecida em Miami, discutidas acima (e que, em parte, retomaremos agora); Alm disso, analisaremos estratgia poltica interna do governo cubano, baseada fortemente na ideologia nacionalista (associada manuteno de direitos sociais).

    As reformas implementadas nos anos 90 tiveram um objetivo central, isto , evitar que desmoronasse o regime poltico. No foi toa que o lema do IV Congresso do PCC, realizado em 1991, foi: Salvar a Ptria, a Revoluo e o Socialismo, os quais expressavam as bases do consenso e uma ordem de prioridades (VALDS PAZ, 2009, p. 40). Ou seja, o discurso revolucionrio foi direcionado para a defesa da independncia e a soberania nacional, da qual o regime se considera um guardio. O socialismo, entendido como estatizao quase absoluta da economia, aos poucos foi

    12 Destacam-se as obras de Moniz Bandeira (2009), Guanche (2008) e Gott (2006).

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    convivendo com maiores espaos de mercado (considerando o legalizado, quanto o mercado negro).

    Em meio crise econmica, modificaes no sistema poltico tambm teriam lugar, visto que a rigidez poltico-ideolgica anterior tornara-se insustentvel frente s transformaes em curso. Com a diminuio da extenso do Estado, certos controles scio-polticos forjados no auge da influncia sovitica j no encontrariam legitimidade na sociedade (GUANCHE, 2008, p. 175). Em outras palavras, a liderana cubana j no poderia continuar a se justificar em nome da construo de uma sociedade superior, socialista; por outro lado, acentuava o discurso da resistncia, da independncia e da soberania.

    Entretanto, no foi colocado em questo o elemento essencial do sistema poltico, isto , o PCC como nico partido e rgo dirigente mximo do Estado. As reformas, por sua vez, procuraram gerar mais participao e representatividade, canalizando institucionalmente demandas ou possveis insatisfaes, e com isso obter maior legitimidade. Alm disso, elas buscaram ressaltar as razes nacionais da Revoluo e seu sistema social, recorrendo com frequncia ao legado do heri da independncia Jos Mart. Visavam, com isto, contrapor possveis ideias que afirmavam que seu sistema fora uma imposio externa, produto da guerra-fria.

    Neste sentido, modificaes polticas mais especficas e conceituais orientaram a reforma constitucional de 1992. O Estado cubano deixou de ser uma expresso classista da ditadura do proletariado para agir em nome dos trabalhadores e do povo cubano; ademais, excluiu a doutrina oficial atesta para tornar-se um Estado laico. O PCC tambm modificou sua concepo classista para tornar-se a vanguarda organizada da nao cubana, alm de abrir suas filas aos militantes religiosos. A abertura religiosa destas instituies acabou por evidenciar a tenso que existiu nos pases que adotaram o atesmo como ideologia oficial, tentando subjugar, sem sucesso, as crenas religiosas. Por fim, a modificao mais relevante foi a aprovao de eleio direta (secreta e universal) para a composio das Assembleias provinciais e nacional (parlamento cubano).

    Alm destas reformulaes, h um tipo de explicao que d preponderncia ao nacionalismo impregnado na cultura poltica dos cubanos, que por sua vez adquire uma base concreta se considerarmos as relaes histricas entre Cuba e os EUA. Isto , ressaltam a existncia de um consenso nacionalista majoritrio na populao (incluindo setores que no so simpticos ao regime), associando a manuteno do regime

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    soberania e independncia nacional, tendo em vista as presses por mudanas vindas dos EUA. A direo da Revoluo, consequentemente, reproduz e utiliza este nacionalismo como fonte de legitimao ideolgica e poltica.

    Por outro lado, este nacionalismo associa-se ao anti-imperialismo e ao socialismo13, como componentes essenciais de uma ideologia oficial cubana desenvolvida durante a conso-lidao do regime em suas primeiras trs dcadas (1959-1989). Respectivamente sua base concreta est no rechao a qualquer tipo de interveno ou ingerncia estrangeira, em especial vinda dos EUA; e na preservao dos princpios de igualdade e justia social, que se traduzem em polticas igualitrias, acesso gratuito e universal aos sistemas de sade e educao em todos os nveis, e em avanados indicadores sociais. Neste sentido Gott afirmou que:

    Os cubanos tinham mais a defender a sua histria, o seu sentido de identidade, o seu amour propre. A maioria dos cubanos apoiava o seu governo porque, embora tivessem conscincia das suas falhas, tambm podiam identificar os seus sucessos. Apesar das muitas insuficincias, eles estavam familiarizados com as slidas realizaes (GOTT, 2006, p. 334).

    Estas realizaes, mesmo sob forte impacto da crise econmica, e comparada situao social e econmica na Amrica Latina e Caribe, so consideradas pela maioria da populao como um xito do regime.

    Uma das melhores anlises focadas no nacionalismo foi desenvolvida pelo historiador brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira (2009), em De Mart a Fidel: a Revoluo Cubana e a America Latina. Nesta obra, o autor estabelece dois parmetros de compreenso do processo cubano aps a queda do Muro de Berlim, a saber: sua disparidade frente histria do socialismo real no Leste Europeu, bem como a particularidade de Cuba sob uma perspectiva da histria da Amrica Latina. Bandeira (p. 36) considera que o fator decisivo para o entendimento da Revoluo Cubana, e do regime poltico inaugurado por ela, deve ser buscado no histrico das relaes de dominao dos EUA frente Amrica Latina.

    Para Moniz Bandeira (2009, p.33), a Alemanha Oriental fora o Estado do antigo Bloco Socialista no qual a populao alcanou maior padro de vida dentre os pases daquele bloco. Entretanto, desapareceu no fim dos anos 80 porque a populao rechaou

    13 Aqui importante salientar que a concepo de socialismo que vigorou (e de certo modo ainda vigora) em Cuba, eminentemente estadocntrica, responsvel por uma economia centralizada e estatizada. Esta concepo herdeira da experincia sovitica, cuja natureza socialista fortemente contestada por grande parte das anlises atuais influenciadas pelo marxismo.

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    aquele modelo societrio, que s pde subsistir com a ajuda do Muro de Berlin e o apoio das tropas soviticas. Nesta conjuntura em que desapareceram os regimes do antigo socialismo real, Cuba, que nunca chegou a alcanar semelhante padro de vida pelo contrrio, passou por inmeras carncias, resistiu s turbulncias, ancorada no apoio da maioria de sua populao, inclusive disposta a defender a Revoluo no caso de interveno estrangeira.

    Especialmente aps o triunfo da revoluo, as agresses e as permanentes ameaas de invaso estadunidense constituram um fator determinante para as decises polticas internas e externas da liderana revolucionria. Para o autor, os EUA no deixaram outra opo aos lderes cubanos, seno aquela que se identificou fortemente com o modelo do socialismo sovitico. A institucionalizao de um regime segundo os moldes do socialismo real foi uma contingncia histrica, que resultou de uma poltica no da URSS, mas dos EUA, principalmente ao desrespeitar os princpios da soberania nacional e autodeterminao dos povos. Desta forma, ao contrrio do ocorrido no Leste Europeu aps a segunda guerra mundial onde os regimes comunistas emergiram da ocupao sovitica, a revoluo cubana no foi uma operao da URSS na guerra-fria, mas a expresso do conflito norte-sul, sobretudo das contradies no resolvidas entre os EUA e os pases da Amrica Latina.

    Bandeira (2009, p. 34) cita o historiador norte-americano Thomas Skidmore para o qual Cuba representa o estudo clssico do fenmeno nacionalista. Destacando que apesar dos aspectos autoritrios do regime que se estabeleceu, a populao podia ver que a real atrao daquele regime era nacionalista, o que de fato a invaso da Baa dos Porcos pelos mercenrios contratados pela CIA contribuiu decisivamente. Segundo Bandeira (2009), o nacionalismo tornou-se uma fora poltica disseminada em meados do sculo XX na Amrica Latina por confrontar a supremacia norte-americana, e no caso de Cuba acabaria por guinar cada vez mais esquerda, cuja radicalizao veio a identificar-se com o comunismo em uma conjuntura mundial bipolar. Inclusive, foi o posicionamento pelo qual Fidel Castro teve condies de defender a soberania nacional e preservar as mudanas scio-econmicas face agressividade dos EUA.

    Assim, quando ruiu o socialismo real na virada para os anos 90, Castro pde jogar a carta nacionalista enquanto fonte exitosa de legitimao do regime. Por outro lado, a implementao das reformas nos anos 90, considerada pelo autor como o incio do desmonte de um socialismo de matriz sovitica em Cuba mantidas algumas aparncias como a sade e educao pblicas, dando lugar a um regime do tipo

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    capitalismo de Estado. Mesmo depois do desaparecimento da URSS e da retirada de todos os subsdios que eram transferidos a Cuba, os EUA longe de aliviarem a tenso sobre a ilha, prosseguiram com uma poltica de confrontao, resultando no endurecimento do Bloqueio vigente desde inicio dos anos 60. Com efeito, Bandeira (2009, p.738) defende que este antagonismo dos EUA tem conferido o apoio de amplas parcelas da populao figura de Fidel Castro, assim como manuteno daquele regime, ainda que pesem todas as dificuldades e carncias da crise econmica.

    Foi neste sentido que Dilla (2007, p. 7) destacou que o fator perigo externo , sem duvida, a chave para compreender a coeso poltica de distintas figuras do governo cubano. Embora a crise tenha ampliado os setores descontentes, o apelo ao nacionalismo apareceu como o principal elemento aglutinador do apoio popular ao regime, sustentado em sua maioria pelas camadas mais vulnerveis da populao. Por sua vez, o governo cubano buscou encarnar estes valores, afirmando-se como o nico capaz de defender a ptria e manter as conquistas do socialismo.

    Durante os anos 90 a velha oposio anti-castrista da Flrida, cuja face mais poderosa a FNCA, no obteve credibilidade e tampouco efetividade para seu empenho em conduzir uma possvel transio poltica em Cuba. O atrelamento e apoio destas organizaes s polticas do governo dos EUA (incluindo o apoio ao Bloqueio) despertam medo e desconfiana em amplos setores da populao na Ilha. Alm disso, seus mtodos escusos e violentos contam com um histrico de sabotagens, patrocnio de atividades terroristas e inmeras tentativas de assassinar Fidel Castro14. Desta forma, parecia pouco provvel que conseguissem apoio em Cuba para seu programa de transio democracia, ao livre mercado e ao respeito aos direitos humanos. Enfim, o extremismo revanchista destes setores opositores no admitia qualquer sinal de negociao ou concesso ao regime castrista, ao qual pretendiam derrotar pela fora.

    Por outro lado, embora a dissidncia interna se esforasse para desvincular suas propostas desta oposio truculenta, ela no conseguiu legitimidade e confiana da maioria dos cubanos. Foi assim, em parte, porque muitos de seus membros estavam associados poltica do governo norte-americano para formar uma oposio interna, atravs da Seo de Interesses dos EUA em Havana. Em Cuba, seguramente, uma oposio com ligaes abertas com o governo estadunidense, encontra muitas 14 Em recente livro intitulado Os ltimos soldados da Guerra-Fria, Fernando Morais conta a histria dos cinco cubanos anti-terroristas, condenados a longas penas de priso nos EUA em 2001, acusados de espionagem. O autor demonstra a ligao das organizaes anti-castristas da Flrida, inclusive a FNCA, com os atentados a bomba em hotis cubanos ocorridos durante os anos 90.

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    dificuldades no apenas para legitimar-se perante a populao, mas tambm por ser alvo da represso do Estado. Inclusive Fidel Castro chegou a declarar em entrevista ao jornalista Igncio Ramonet, que enquanto Cuba estiver submetida s polticas agressivas dos EUA, no poderemos dar essa liberdade aos aliados de nossos inimigos.

    O governo cubano se refere oposio interna, em tom generalizante, como mercenrios, insinuando que so pagos pelo governo dos EUA para fazer oposio. De fato, alguns o so, mas outros no. No entanto esta acusao tem o objetivo de deslegitimar e desqualificar aqueles grupos, que em alguns casos recebem pena de priso por colaborar com uma potncia estrangeira inimiga ou atentar contra a segurana do Estado. O sistema cubano desenvolveu mecanismos de represso e controle com vistas a evitar que surja uma oposio interna organizada, capaz de ameaar a hegemonia do PCC. Alguns autores apontam que as massivas ondas migratrias durante a Revoluo funcionaram como vlvula de escape poltica, nas quais o governo se livrou de numerosos setores potencialmente opositores. Consequentemente, a oposio interna, detentora de base social muito reduzida ainda que pese as restries no conseguiu transformar o descontentamento econmico em um rechao decisivo Revoluo.

    Assim sendo, muito provvel que enquanto perdure a postura aberta do governo dos EUA em subverter o sistema social revolucionrio, ou induzir mudanas polticas em Cuba mediante presses e embargos, os dirigentes cubanos no aceitaro uma oposio institucionalizada. Alguns estudiosos da realidade cubana ressaltam que a hostilidade da comunidade de exilados nos EUA, e por consequncia do governo deste pas, contribui apenas para reforar as preocupaes com a defesa e as condies repressivas em Cuba. Em um estado de guerra no declarado, dificilmente as consequencias apontariam para outra direo: Rafael Hernandez (2008, p.155) observou que durante o perodo especial, diante do relativo estreitamento do consenso, foi exacerbada a percepo de ameaa estabilidade interna produzida pelas polticas dos EUA. Efeito deste assdio, a mentalidade de fortaleza sitiada, no tem contribudo ao fortalecimento da democracia e tampouco facilita o debate, o espao de dissenso e a pluralidade em Cuba; e, segundo Ayerbe (2004, p. 124): nos casos em que no se consegue quebrar a resistncia da nao agredida, os resultados inevitveis so o empobrecimento econmico do pas e da sua populao, e o fechamento poltico.

    Salazar (1992) destacou que a carncia de alternativas polticas foi outro fator importante a ser considerado. Ou seja, os cubanos no estariam dispostos a arcar com os

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    custos sociais de uma radical abertura poltica e econmica neoliberal. Predominou a crena de que a democracia liberal, bem como a economia de mercado, no resolveriam os problemas do pas. A maioria dos cidados cubanos conhecia, direta ou indiretamente, todos os problemas causados ao pas e sua soberania quando, ao longo de meio sculo, Cuba adotou os modelos tpicos da democracia liberal alternados por ditaduras e tutelados pelos EUA. Porm, ficou registrada a incapacidade destes regimes em resolver os problemas mais elementares da sociedade cubana. Enquanto isso, a mudana experimentada ps-revoluo redirecionou as prioridades do governo, que buscou assegurar a toda populao os requisitos de uma vida digna, atravs da construo de uma nova institucionalidade. No obstante as deficincias e imperfeies deste modelo, ele foi considerado por grande parte da populao como superior ao modelo anterior. A isso Salazar denominou superioridade histrica de Cuba sob o socialismo (SALAZAR, 1992, p.172).

    Visando resistir s polticas baseadas no choque neoliberal, o governo cubano explorou exitosamente a crise social que se seguiu transio no Leste Europeu, e enfatizou as consequencias do Bloqueio estadunidense por tamanha crise interna. Com efeito, a maioria da populao pareceu acreditar que uma queda sbita do regime no melhoraria efetivamente aquela situao. Pelo contrrio, poderia assumir outras dimenses ou agravar-se, uma vez que o revanchismo de parcelas dos exilados de Miami, ansiosos por recuperar os seus privilgios, poderia at desencadear uma guerra civil e devastar o pas (MONIZ BANDEIRA, 2009, p. 738). Ainda que pese o nacionalismo, importante registrar que o regime cubano tem como sustentao sociopoltica um forte componente geracional. A gerao histrica, isto , a gerao composta por homens e mulheres que participaram da tomada revolucionria, como guerrilheiros (as) rurais ou urbanos, e que posteriormente passaram a ocupar importantes cargos de comando no Estado e no partido, ainda goza de amplo prestgio social em razo daquele feito heroico.

    Do ponto de vista das relaes exteriores, Jorge Dominguez (2004, p. 24) assinalou que a estratgia internacional de Cuba foi um elemento chave para que o regime desenvolvesse sua capacidade de sobrevivncia. Com a perda dos antigos parceiros do Bloco Socialista, o governo cubano foi obrigado a reorientar seu comercio exterior e abrir a economia ao investimento estrangeiro. Logo, a Unio Europeia (em especial a Espanha), Amrica Latina e Caribe (em especial o Mxico), e Canad tornaram-se os principais parceiros comerciais de Cuba, e de onde provinham grandes

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    volumes de capital. Para Dominguez (2004, p. 24) o governo cubano necessitava cultivar ativamente o investimento estrangeiro e, por conseguinte, estabelecer melhores relaes polticas com pases que contavam com uma economia de mercado. O autor aponta, desta forma, que o governo cubano conseguiu reverter o isolamento internacional e angariar apoio, formando uma ampla coalizo internacional negativa em oposio poltica estadunidense, inclusive neutralizando as leis Torricelli e Helms-Burton em relao queles pases.

    Concluso

    Para concluir, podemos afirmar que a resistncia cubana nos anos 90 foi travada, ao mesmo tempo, em duas frentes: a primeira, diante do assdio dos EUA por modificar o seu regime poltico, de acordo com seus princpios e interesses; a segunda, e mais difcil, por rejeitar as polticas neoliberais (ento hegemnicas) como sada crise do socialismo, buscando reformar o sistema sem abrir mo das conquistas sociais. Apesar de uma relativa liberalizao econmica, a maioria dos meios de produo continuou sob controle estatal, assim como os sistemas de sade e educao permaneceram universais e gratuitos, no obstante a sua deteriorao.

    Esta resistncia s foi possvel, em parte, porque o regime revolucionrio contou com uma reserva de legitimidade e realizaes at 1989. Juntamente a isso, entender o que representa a proximidade dos EUA e a hostilidade do seu governo, foi fundamental para compreender a dinmica poltica em Cuba e, portanto, o papel do nacionalismo como uma ideologia defensiva. Seja porque os EUA oferecem um antagonismo permanente ao governo cubano (em algumas situaes manipulado exitosamente segundo os seus interesses), perante o qual a Revoluo est obstinada em no ceder. Seja porque aquele pas ameaa, de fato, a ordem interna. As relaes dos EUA com a Amrica Latina, sobretudo durante a guerra-fria, demonstraram claramente qual foi o desfecho dos governos que almejavam alguma independncia e que ousaram propor reformas estruturais. O poder e a influncia norte-americana tm se mostrado implacveis durante todos esses anos. Cuba, e a sua resistncia, representam uma espcie de espinho entalado na garganta dos EUA, da tamanha truculncia.

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