Crise Financeira Internacional e o Brasil

7
A crise financeira internacional e as medidas macroeconômicas adotadas no Brasil Ivo de Oliveira Lima Thomás Freud de Morais Gonçalves A CRISE FINANCEIRA: ORIGEM A crise econômica que vem sendo testemunhada por vários países capitalistas desde o ano de 2006 teve início com a crise do mercado de hipotecas dos Estados Unidos da América (EUA) e esta, por sua vez, decorreu de uma baixa ou resfriamento do mercado imobiliário pela qual o país passou. A crise no mercado hipotecário incorreu em desníveis acentuados em relação ao mercado de crédito de forma generalizada. Em termos do mercado de hipotecas o segmento de subprime 1 foi uma das mais relevantes variáveis da crise financeira, há quem chame a crise financeira pela alcunha de “crise dos subprimes”. Em meados do ano 2002 a taxa de juros americana encontrava- se em um patamar relativamente baixo o que fomentou o crescimento do mercado imobiliário. Por conta da ampla disponibilidade de crédito a juros baixos e do aquecimento do mercado imobiliário, a procura por imóveis aumentou vertiginosamente. Na medida em que se aquecia o mercado imobiliário, indivíduos adquiriam empréstimos, contraídos a juros pós- fixados, junto a instituições financeiras para financiar a compra de imóveis. Com a bolha imobiliária que formou-se naquele país, comprar uma casa era um investimento, em decorrência da valorização constante de imóveis. Em geral, na medida em que o mercado imobiliário crescia, os imóveis iam se valorizando e os proprietários “hipotecados”, usando o ágio decorrente da valorização de seu imóvel como 1 Subprime é alcunha em Inglês que faz referência a linhas de créditos concedidas a tomadores sem histórico de crédito ou com histórico de inadimplência revelando ausência de garantias suficientes para gozar do benefício de taxas de juros mais vantajosas; tais tomadores não possuem comprovação de renda. Surgiu como crédito hipotecário para o setor imobiliário nos Estados Unidos. Destina-se a tomadores de maior risco de inadimplência. Esse tipo de crédito possui como garantia a residência do tomador.

description

 

Transcript of Crise Financeira Internacional e o Brasil

Page 1: Crise Financeira Internacional e o Brasil

A crise financeira internacional e as medidas macroeconômicas adotadas no Brasil

Ivo de Oliveira LimaThomás Freud de Morais Gonçalves

A CRISE FINANCEIRA: ORIGEM

A crise econômica que vem sendo testemunhada por vários países capitalistas desde o ano de 2006 teve início com a crise do mercado de hipotecas dos Estados Unidos da América (EUA) e esta, por sua vez, decorreu de uma baixa ou resfriamento do mercado imobiliário pela qual o país passou. A crise no mercado hipotecário incorreu em desníveis acentuados em relação ao mercado de crédito de forma generalizada. Em termos do mercado de hipotecas o segmento de subprime1 foi uma das mais relevantes variáveis da crise financeira, há quem chame a crise financeira pela alcunha de “crise dos subprimes”.

Em meados do ano 2002 a taxa de juros americana encontrava-se em um patamar relativamente baixo o que fomentou o crescimento do mercado imobiliário. Por conta da ampla disponibilidade de crédito a juros baixos e do aquecimento do mercado imobiliário, a procura por imóveis aumentou vertiginosamente.

Na medida em que se aquecia o mercado imobiliário, indivíduos adquiriam empréstimos, contraídos a juros pós-fixados, junto a instituições financeiras para financiar a compra de imóveis. Com a bolha imobiliária que formou-se naquele país, comprar uma casa era um investimento, em decorrência da valorização constante de imóveis. Em geral, na medida em que o mercado imobiliário crescia, os imóveis iam se valorizando e os proprietários “hipotecados”, usando o ágio decorrente da valorização de seu imóvel como garantia, contraiam novos empréstimos, com os quais rolavam sua dívida inicial e gastavam mais.

Com essa demanda por novos imóveis e a correspondente demanda por crédito, as empresas financeiras que tinham como nicho o mercado imobiliário, passaram a conceder créditos da linha subprime. Uma vez concedido o crédito, as financeiras negociavam esses títulos de crédito com terceiros, como bancos e fundos de investimentos, utilizando o dinheiro obtido para conceder novos empréstimos, antes mesmo de o primeiro empréstimo ser quitado. Os fundos e bancos que compravam os títulos os revendiam para outras entidades e assim dava-se início a um mercado de compra e venda desses papéis.

Entretanto, caso o tomador do empréstimo não viesse a honrar com sua dívida primeira, dar-se-ia início um processo de inadimplência em toda essa cadeia, afetando a todos os compradores desses títulos.

1 Subprime é alcunha em Inglês que faz referência a linhas de créditos concedidas a tomadores sem histórico de crédito ou com histórico de inadimplência revelando ausência de garantias suficientes para gozar do benefício de taxas de juros mais vantajosas; tais tomadores não possuem comprovação de renda. Surgiu como crédito hipotecário para o setor imobiliário nos Estados Unidos. Destina-se a tomadores de maior risco de inadimplência. Esse tipo de crédito possui como garantia a residência do tomador.

Page 2: Crise Financeira Internacional e o Brasil

No entanto, com a paulatina subida da taxa de juros, muitos tomadores passaram a não mais pagar as prestações dos financiamentos obtidos, dando início a um ciclo crescente de inadimplência. Não obstante isso, com os tomadores de empréstimos tentando se desfazer, ao mesmo tempo, de seus imóveis e, em decorrência da alta de juros e da retração do crédito, a procura por imóveis diminuindo, os preços dos imóveis caíram vertiginosamente.

Em decorrência, deu-se início a um alto grau de inadimplência e, consequentemente, maior restrição de crédito, comprometendo a liquidez da economia americana.

Não podendo mais pagar suas hipotecas, as pessoas passaram a entregar o domínio dos imóveis para as financeiras. Entretanto, com a queda nos preços dos imóveis, mesmo alienando-os, as empresas financeiras não obtinham recursos para honrar os títulos emitidos com garantia nas hipotecas subprime, ocasionando a falência dessas empresas e, sistematicamente, a falência, ou complicações financeiras, de outras entidades que adquiriram esses títulos.

Tendo em vista que “no mundo da globalização financeira, créditos gerados nos EUA podem ser convertidos em ativos que vão render juros para investidores na Europa e outras partes do mundo2“, problemas econômicos e perspectivas negativas relacionadas a esses problemas são generalizadas para o resto do mundo.

Além da comercialização de títulos subprime das empresas financeiras credoras com outras entidades, elas promoviam a securitização3 dos títulos subprime. Assim, o mercado habitacional norte-americano integrou-se ao mercado de capitais4 em escala global.

Com a securitização dos títulos, as dívidas - e os altos riscos dos títulos subprime - iniciais são transferidas para bancos e outras empresas investidoras sob a forma de títulos lastreados no portfólio de hipotecas, cabendo aos investidores adquirentes dos títulos o ônus ou tarefa de liquidar as dívidas que compuseram o título comprado.

Com a compra e venda destes títulos americanos lastreados em dívidas de alto risco, a crise financeira alastrou-se para os principais bancos e investidores no mundo, além de outras empresas que especulavam com esses títulos.

A CRISE FINANCEIRA E O BRASIL

Quando a crise financeira se espalhou, dando início a uma delicada conjuntura econômica internacional, sobretudo com o problema de liquidez, a situação internacional não estava favorável para o Brasil, um país que, com o advento do plano real, estruturou a expansão de sua economia utilizando como fonte de financiamento

2Folha Online: Entenda a crise financeira que atinge a economia dos EUA. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u445011.shtml Acesso em: 30 de Maio de 2013.3 Securitização é uma prática adotada em finanças que consiste em agrupar diversos tipos de instrumentos contratuais financeiros passivos, como os títulos de crédito, transformando-os em títulos específicos negociáveis no mercado de capitais. São títulos que derivam dos títulos iniciais. Ver mais em http://www.cvm.gov.br4 Gontijo, Claudio. Raízes da crise financeira dos derivativos subprime. UFMG/Cedeplar. Belo Horizonte, 2008. P. 9

Page 3: Crise Financeira Internacional e o Brasil

principal o capital estrangeiro especulativo. Com a crise, muitos destes investidores, com problemas decorrentes da crise e com a tentativa de cobrir prejuízos que tiveram em seus países, repatriaram o capital investido no Brasil, comprometendo a atividade econômica e a balança comercial do país.

Além do mais, algumas empresas nacionais que especularam no sistema financeiro internacional, sobretudo em dólar, ficaram mais vulneráveis às consequências da crise e sentiram os impactos com maior amplitude.

Em se tratando das exportações, em geral dependentes em alto grau das condições externas da economia – como a liquidez internacional -, tendem a sofrer maior impacto por conta da redução da atividade econômica internacional e, também, da contração de crédito.

Com a eventual queda das exportações, a economia real nacional tende a sofrer queda em seu nível de atividade, gerando desemprego e todos os demais problemas inerentes a queda de atividade econômica.

AÇÕES DO GOVERNO PARA REDUZIR OS EFEITOS DA CRISE5

Em fins do ano de 2008 quando o Brasil começou a sentir de forma mais acentuada os impactos da crise econômica mundial, o governo brasileiro adotou uma série de medidas macroeconômicas com a finalidade de contornar os efeitos da crise. Essas medidas possuíam o caráter fiscal, monetário, política de crédito e cambial.

EM RELAÇÃO AO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL que vinha apresentando queda no nível de produção industrial de insumos aplicados na construção civil entre o último trimestre de 2008 e o primeiro trimestre de 2009, o governo aumentou o limite de empréstimos destinados a compra de material de construção, além de estimular, via concessão de crédito, o consumo em diversos setores incluindo o de materiais de construção. Os resultados dessa medida foram o aumento da produção industrial de insumos da construção civil no ano de 2009.

EM SE TRATANDO DA PRODUÇÃO DE AUTOMÓVEIS que mostrava uma tendência de queda nas vendas reais de carros nacionais a entre julho e dezembro de 2008 e de veículos, motos e autopeças no mesmo período, houve um aumento da oferta de crédito para o setor automotivo, isenção do IPI relacionada a carros de motor 1.0 e do IOF nos financiamentos de motocicletas, motonetas e ciclomotores. O resultado foi a percepção de uma tendência de aumento nas vendas de carros nacionais durante o ano de 2009, assim como de motos e autopeças.

O governo também implementou medidas no setor agrícola, o qual apresentava queda na produção de máquinas agrícolas entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009. Houve antecipação de crédito para o financiamento da safra agrícola, entretanto a recuperação deste setor foi irrisória em decorrência da restrição de crédito, da diminuição da demanda mundial por produtos agrícolas e da queda dos preços de commodities agrícolas.

5 Medidas comentadas a partir do relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da república, 2009. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br

Page 4: Crise Financeira Internacional e o Brasil

Quanto à queda nas vendas reais houve a disponibilização de dois bilhões de reais em créditos para estimular o consumo em diversos setores, incluindo o de móveis e eletrodomésticos (linha marrom); houve a redução do IPI de fogões, máquinas de lavar e geladeiras (linha branca) em abril de 2009. Os resultados forma o aumento das vendas, obtendo recordes.

Na área cambial, com vistas a reduzir a volatilidade do preço do dólar e atenuar os impactos da crise sobre o câmbio, o governo, no segundo semestre de 2008, atuou por meio de diversos instrumentos, tais como: leilão de dólares, redução integral da alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) em operações de câmbio, e operações com o Federal Reserve, que disponibilizou para o Brasil conta em dólares para garantir um nível mínimo de liquidez no mercado de câmbio 6.

Apesar das medidas, ocorreu desvalorização cambial, pois houve uma forte redução do capital estrangeiro no País, pelos motivos já citados anteriormente, dos quais se destaca a retirada de capitais investidos por investidores estrangeiros. No entanto, no final do ano de 2008 os capitais estrangeiros retomaram o fluxo de entrada para o País, considerando que:

Com o retorno dos capitais externos ao país, o governo instituiu em outubro de 2009 uma alíquota de 2% para o IOF incidente na entrada de capitais externos destinados à aplicação em ativos de renda fixa e variável no Brasil. O objetivo foi o de reduzir a excessiva valorização do Real frente ao dólar7.

Apesar das medidas, houve forte desvalorização cambial. O governo também implementou ações que estimulassem o comércio exterior, utilizando partes das reservas internacionais do país para financiar as exportações.

Visando atenuar os efeitos da crise, o Governo adotou também um conjunto de medidas monetárias e de crédito com a finalidade de aumentar a liquidez na economia, culminando na redução da taxa de juros no ano de 2009. Medidas como a “redução dos depósitos compulsórios do sistema bancário e o aumento da oferta de crédito” 8.

Visando evitar problemas de liquidez nas instituições financeiras nacionais, houve disponibilização, por parte do Banco Central do Brasil, de 24 bilhões de reais destinados aos grandes bancos para fins de compra de carteira de bancos menores com problemas de liquidez e de solvência.

Quanto à política fiscal, adotou-se medidas como a redução de tributos e aumentos de despesas governamentais.

6 Tribunal de Contas da união. Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da república. Brasília, 2009. P. 19. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/contas/contas_governo/contas_09/Textos/CG%202009%20Relat%C3%B3rio.pdf#page=18. Acesso em: 31 de Maio de 20137 Ibidem. P. 218 Ibidem. P. 24

Page 5: Crise Financeira Internacional e o Brasil

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crise financeira que se instaurou no mercado global em fins do ano de 2008 não chegou ao fim, apenas vem cumprindo seus estágios dentro do ciclo previsto, em se tratando do ciclo de atividade que seguem as economias capitalistas como ascensão, recessão e depressão.

A crise que teve início como uma crise financeira já afetou a esfera real, monetária e fiscal na economia de vários outros países.

Em se tratando do Brasil, apesar de não estar imune a crise, nem às consequências, o país mostrou certo grau de maestria nas medidas macroeconômicas adotadas para contornar os efeitos recessivos. Sem dúvida, investir no mercado interno foi uma alternativa audaciosa que deu certo. Outro ponto importante foi o fato de a estrutura do mercado financeiro nacional deixá-lo deveras atrativo, o que fez com que um mínimo de entidades despertasse interesse por especular no mercado internacional, estando assim menos expostos aos riscos financeiros apresentados.

Os estímulos ao consumo interno por meio da política fiscal e creditícia fizeram com que a crise financeira não contaminasse em alto grau a esfera real da economia, mantendo um nível de atividade razoável. Há de se ressaltar também as políticas de investimentos governamentais posteriores, como o PAC e as obras da Copa do Mundo de Futebol que mantiveram a capacidade de emprego de fatores na esfera produtiva gerando emprego e movimentação na economia.