Cristina Rocha budismo

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Estudos de Religião, v. 28, n. 2 • 59-73 • jul.-dez. 2014 • ISSN Impresso: 0103-801X – Eletrônico: 2176-1078 A globalização do budismo Cristina Rocha * Resumo Neste artigo argumento que a globalização do budismo é parte de um fenômeno muito maior da globalização da cultura. Enquanto até o século XVIII havia uma globalização “fina”, na qual o budismo era disseminado somente na Ásia, hoje temos uma globali- zação “densa”, em que a Ásia não é o único centro do qual partem os fluxos globais de budismo. Nesta época de “budismo global”, os fluxos disseminam-se pelo mundo como um rizoma, várias tradições coexistem no mesmo local e os centros de diversas tradições podem estar localizados fora da Ásia (e influenciar o budismo na própria Ásia). Aqui demonstro como a globalização do budismo tem gerado processos de hibridismo e de resistência e ocorre através das cinco dimensões da economia cultural global identificadas por Appadurai (pessoas, mídia, tecnologia, mercadorias e ideias). Palavras-chave: budismo, globalização, hibridismo, economia cultural. The globalization of buddhism Abstract In this article, I argue that the globalization of Buddhism is part of a much larger phenomenon of the globalization of culture. While until the 18th century there was a ‘thin’ globalization in which Buddhism was disseminated only in Asia, today we have a ‘dense’ globalization, in which Asia is not the only center from which the global flows of Buddhism depart. In this age of “global Buddhism”, the flows spread through the world like a rhizome, various traditions coexist in the same place, and the centers of various traditions can be located outside of Asia (and influence Buddhism in Asia itself). Here I show how the globalization of Buddhism has generated processes of hybridism and resistance and occurs through the five dimensions of global cultural economy identified by Appadurai (people, media, technology, goods, and ideas). Keywords: Buddhism, globalization, hybridism, cultural economy. * Fez seu bacharelado em Ciências Sociais na USP e doutorado pela Universidade de Western Sydney (UWS), Austrália. Atualmente é Future Fellow do Australian Research Council no Centro de Pesquisas da Religião e Sociedade da UWS. É editora do Journal of Global Buddhism e da coleção Religion in the Americas , da editora Brill. Para mais informações: <www.uws.edu.au/religion_and_society/people/researchers/dr_cristina_rocha> E-mail: c.rocha @uws.edu.edu

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Estudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078A globalizao do budismoCristina Rocha*ResumoNeste artigo argumento que a globalizao do budismo parte de um fenmeno muito maior da globalizao da cultura. Enquanto at o sculo XVIII havia uma globalizao fna, na qual o budismo era disseminado somente na sia, hoje temos uma globali-zaodensa,emqueasianoonicocentrodoqualpartemosfuxosglobais de budismo. Nesta poca de budismo global, osfuxos disseminam-sepelomundo como um rizoma, vrias tradies coexistem no mesmo local e os centros de diversas tradiespodemestarlocalizadosforadasia(einfuenciarobudismonaprpria sia).Aquidemonstrocomoaglobalizaodobudismotemgeradoprocessosde hibridismo e de resistncia e ocorre atravs das cinco dimenses da economia cultural global identifcadas por Appadurai (pessoas, mdia, tecnologia, mercadorias e ideias).Palavras-chave: budismo, globalizao, hibridismo, economia cultural.The globalization of buddhismAbstractInthisarticle,Iarguethattheglobalizationof Buddhismispartof amuchlarger phenomenon ofthe globalization ofculture. While until the 18th century there was a thin globalization in which Buddhism was disseminated only in Asia, today we have a dense globalization, in which Asia is not the only center from which the global fows ofBuddhism depart. In this age ofglobal Buddhism, the fows spread through the worldlikea rhizome, various traditions coexist inthesameplace,andthecenters ofvarious traditions can be located outside ofAsia (and infuence Buddhism in Asia itself). Here I show how the globalization ofBuddhism has generated processes ofhybridism andresistanceandoccursthroughthefvedimensionsof globalculturaleconomy identifed by Appadurai (people, media, technology, goods, and ideas).Keywords: Buddhism, globalization, hybridism, cultural economy.*Fez seu bacharelado em Cincias Sociais na USP e doutorado pela Universidade de Western Sydney(UWS),Austrlia.AtualmenteFutureFellowdoAustralianResearchCouncil no Centrode Pesquisas da Religio e Sociedade daUWS. editorado Journal of Global BuddhismedacoleoReligionintheAmericas,daeditoraBrill.Paramaisinformaes:

E-mail: c.rocha @uws.edu.edu60 Cristina RochaEstudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078La globalizacin del budismoResumenEn este artculo, sostengo que la globalizacin del budismo es parte de un fenmeno mucho ms amplio de la globalizacin de la cultura. Mientras que hasta el siglo XVIII hubo una globalizacin delgada, donde el budismo se extendi slo en Asia, ahora tenemosunaglobalizacindensa,enlaqueAsianoeselnicocentrodelcuallos fujos globales del Budismo parten. En esta poca de budismo global ste se esparce por el mundo como un rizoma, diversas tradiciones conviven en un mismo lugar, y centros donde coexisten mltiples tradiciones pueden hallarse fuera del continente asitico (y asimismo infuenciar el budismo en Asia). Aqu demuestro las formas en que la globa-lizacin del budismo genera procesos de hibridacin y resistencia y se produce a travs de las cinco dimensiones disyuntivas de la economa de cultura global identifcadas por Appadurai (personas, medios de comunicacin, tecnologa, materias primas e ideas).Palabras clave: budismo, globalizacin, hibridez, la economa cultural.Introduo1Nos ltimos vinte anos, a empresa francesa George V estabeleceu Bu-ddhabaresecafsemdezenovecidadesdomundo.Elessetornaramum fenmeno verdadeiramente global, j que muitos destes locais encontram-se empasesemdesenvolvimentoenasia.Em2007,aempresainiciouum novo empreendimento, abrindo seu primeiro Buddha Bar Spa em Evian-les--Bain, na Frana. Alm disso, a empresa vende Buddha Bar CDs e camisetas. Na sua pgina daweb, a empresa anuncia a cadeia internacional de Buddha bares com estas palavras:JantarnoBuddhaBarsignifcaretirar-sedofrenesidavidaurbanaemergu-lharemumbanhorejuvenescedor.Assimquevocentranesteespaocom suasproporesmonumentais,fcafascinadopelocharmedesuaatmosfera relaxante e extica. O Bar do mezanino, envolvido por balaustradas de ferro forjadoaoestilodosculoXVIII,temvistaparaareadejantarondeo Budagigantecomoonomedobardenotasenta-seserenamenteemum trono. A iluminao de cor mbar, o rico mobilirio em mogno, os objetos de arte chinesa e japonesa, as esttuas do Khmer, painis de madeira decorados comasexuberantescoresvermelhaedourada,tecidosluxuososemosaicos portuguesesforamreunidosparacriarumadecoraoopulentaerefnada. NopasdasmaravilhasdoBuddha-Bar,suaspapilasgustativasviajaropara terrasdistanteseacriatividadeseaninharemseuprato.Ochefestsempre 1Gostaria de agradecer a David McMahan e editora Routledge, os quais gentilmente auto-rizaram a traduo deste artigo para o portugus. Este artigo foi anteriormente publicado como ROCHA, C. Buddhism and Globalization. In: MCMAHAN, D. (Org.). Buddhism in the Modern World. London: Routledge, 2012.A Globalizao do Budismo61Estudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078criando obras de arte comestveis que combinam habilmente iguarias exticas com cozinha de alto padro. Os melhores DJs destilam suas selees musicais parainfundirsuasnoitesnestesanturiocomindescritvelsensualidade.Sua experincia estar gravada nas famosas compilaes dos CDs do Buddha-Bar. (Buddha-Bar Restaurant)2.ComopodemosentenderestaassociaodafguradoBudae,conse-quentemente,dobudismocombares,lcool,msica,pasdasmaravilhas, cozinhadealtopadroesensualidade?Serqueobudismomudoutanto assimdesdequeBudaproferiuseusensinamentos?QuandoBuddhabares foram estabelecidos, houve uma reao negativa em alguns pases asiticos. Muitas pessoas protestaram nas ruas na Indonsia e o governo do Sri Lanka ops-se veementemente. No Ocidente houve protestos de alguns praticantes. Apesar disso, a empresa continua a abrir novos bares sem incidentes.Semdvida,apropagaodosBuddhabaresnoomesmoquea globalizaodobudismo.Noentanto,elademonstraaextensodaentra-dadobudismonoimaginrioocidentalequantoesteimaginriotemsido globalizado.Aoressaltaraimportnciadoimaginrionomundocontem-porneo, Arjun Appadurai argumentou que a imaginao agora central a todasasformasdeao,emsimesmaumfatosocialeocomponente chave da nova ordem global (1996, p. 31). Este imaginrio popular, levado por imagens midiatizadas, associa o budismo com, entre outras qualidades, tranquilidade, felicidade, paz e harmonia com a natureza e consigo mesmo. Estrategicamente, a empresa francesa associa essas ideias a seus Buddha ba-res, que assim se tornam um santurio onde podemos escapar do frenesi da vida urbana e rejuvenescermos por meio da beleza, requinte, comida de alto padro, msica calma e relaxamento. Isto apela a muitos ocidentais que desejam escapar de suas vidas cada vez mais corridas. Ao chegar sia, essas ideias podem entrar em confito ou inserir-se em um imaginrio asitico cosmopolita do budismo. Estas novas formas, por sua vez, podem ser expor-tadas para fliais de templos budistas localizados no Ocidente, frequentados principalmente por imigrantes asiticos, e criar clivagens que podero levar a confitos sobre qual o budismo real ou autntico.Globalizao: homogeneidade ou heterogeneidade?A globalizao no um fenmeno novo. S precisamos trazer mente a rota da seda, o Imprio Romano e as expedies martimas dos sculos XV e XVI para lembrarmos que encontros culturais sempre existiram. Viajantes, mercadores,missionrioseconquistadoresforamosprimeiroscondutores 2 Traduo da autora.62 Cristina RochaEstudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078deste processo. O novo , naturalmente, a intensifcao da mobilidade nas ltimas trs dcadas em virtude de meios de comunicao e transporte me-lhorese maisbaratos. Isto resultou emumsaltoenorme nosprocessosde contato cultural, intercmbio e negociao. Quando os estudiosos comearam aescreversobreglobalizaonadcadade1990,estavamprincipalmente interessadosem analisar aspectoseconmicos desteprocesso.Aglobaliza-o,ento,eraassociadaaumanarrativatriunfantedocapitalismoglobal emrazodaquedadaideologiasupranacionaldocomunismonadcada de 1980 e incio dos anos 1990. Desta perspectiva, a globalizao seria um processopeloqualomundointeirochegariamodernidade,que,porsua vez, conduziria homogeneizao cultural (ou MacDonaldizao, j que estava associada ao imperialismo norte-americano).Nos ltimos vinte anos, muita coisa mudou em nossa compreenso da globalizao. A narrativa da globalizao como homogeneizao foi substituda por outra em que a fora motriz a tenso entre a homogeneizao e hete-rogeneizao. A ideia de que o local est ameaado nas sociedades modernas temsuaorigemnomitodoprogressoquesurgiu durante oiluminismo.O progresso era defnido em termos de um nico modelo linear de desenvolvi-mento. Sociedades e culturas eram classifcadas hierarquicamente como mais ou menos civilizadas ou desenvolvidas, dependendo de sua distncia tem-poral ou proximidade da modernidade. Acreditava-se que a modernidade iria disseminar-se da Europa para o resto do mundo, levando homogeneizao das culturas locais. Em suma, o global viria a aniquilar o local.Nopodemosnegarosenormesefeitosculturaiseeconmicosdo imperialismo ocidental sobre o mundo. Ainda assim, problemtico supor queessastransformaesconstituamahomogeneizaodasculturasdo mundo por meio da propagao gradual da modernidade ocidental. Estudos etnogrfcossobreprticasculturaislocaismostramqueideias,prticase objetosestrangeirossoreinterpretadospelolocal(ROCHA,2006;YAN, 1997; WILK, 1995). Em alguns casos, esse processo de recepo pode cons-tituir um modo de resistncia contra formas hegemnicas de cultura global. Robertson cunhou o conceito de glocalizao para tornar explcito o fato dequeoglobaleolocalsoduasfacetasdomesmoprocesso(ROBERT-SON,1995).Outrospesquisadoresutilizaramosconceitosdehibridismo (BHABHA, 1994; PIETERSE, 1995; PAPASTERGIADIS, 1997; WERBNER; MODOOD,1997)ecreolizao(HANNERZ,1987,1996;PROTHERO, 1996; ROCHA, 2006) para explicar como o encontro entre o global e o local ocorre e as novas formas que engendra. Escrevendo sobre o imperialismo, Homi Bhabha (1994) argumenta que o mundo colonial no foi homogenei-zado ou ocidentalizado sob o Imprio. Ele contra a construo ocidental A Globalizao do Budismo63Estudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078de oposies binrias de centro/margem, civilizado/selvagem e iluminado/ignorante. Bhabha argumenta que permitido ao primeiro termo do binrio dominar o segundo de maneira impensada, quando, na verdade, as culturas interagemetransformam-se em formas muitomais complexas.Segundoo autor,estainteraodeveseranalisadaemtermosdehibridismo.Paraele, um hbrido no simplesmente uma mistura de duas identidades ou culturas anteriores,masumterceiroespao,umlugar para anegociao dasdi-ferenas incomensurveis, [] onde a diferena no nem Um nem Outro, mas algo alm, entre eles (BHABHA, 1994, p. 218-219, grifos no original).Alm disso, estudos empricos demonstraram que os fuxos globais no se irradiam somenteapartir doscentrosmetropolitanospara as periferias, no sentido norte-sul, como imaginado pelo iluminismo. H uma multiplici-dade de centros a partir dos quais os fuxos globais irradiam-se, e eles tm direeseitinerriosdiversos.Umdosprimeirosestudiososademonstrar isso foi Arjun Appadurai. Em seu livroModernity at large (1996), Appadurai enfatiza as foras de heterogeneizao e caos nas interaes transnacionais contemporneas.Aproveitandoaideiaderizoma3,desenvolvidapeloste-ricosps-estruturalistasfrancesesGillesDeleuzeeFlixGuattari(1987), Appadurai afrma que o Ocidente apenas um dos ns dos quais emanam os fuxos culturais globais. Como um rizoma, a economia cultural global no seespalhadeumcentroparticular,masmove-seemumpadrocaticoe imprevisvel (1996, p. 29).A fm de examinar esses fuxos culturais transnacionais, ele prope um sistema de cinco dimenses sobrepostas da economia cultural global: etnopai-sagens (fuxos de pessoas, como imigrantes, turistas, missionrios, refugiados, trabalhadores),midiapaisagens(fuxosdeinformaopormeiodamdiae das imagens criadas por estes meios de comunicao), tecnopaisagens (fuxos detecnologia,comoainternet),fnanciopaisagens(fuxosdeinvestimento, capitalemercadorias)eideiapaisagens(fuxosdeideiasiluministas,como democracia, direitos humanos, liberdade). O trfego cultural atual teria lugar nasdisjunesentreestascincopaisagens(1996,p.33-36).Appadurai salienta que tais paisagens no so objetivas, mas contextuais, construdas pelosatoresdeacordocomsualocalizaohistrica,lingusticaepoltica. Prticas e condies locais do forma e determinam a maneira pela qual as foras globalizantes ocorrem em circunstncias particulares concretas.3Rizoma um termo botnico que descreve a maneira pela qual certas plantas (por exemplo, a grama) espalham-se horizontalmente, em vez de ter uma raiz vertical central. Deleuze e Guattarri (1987, p. 21) notam que ao contrrio de rvores e de suas razes, o rizoma conecta qualquer ponto a qualquer outro ponto.64 Cristina RochaEstudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078Neste artigo veremos como o encontro entre local e global tem gerado processos de hibridismo e resistncia no contexto da globalizao do budis-mo. Veremos tambm como sua propagao pelo mundo assemelha-se a um rizoma, no qual h no um centro particular do qual derivam todos os fuxos, mas vrios centros e periferias. Finalmente, usaremos as cinco paisagens de Appadurai para investigar os fuxos globais de budismo e analisar como elas so responsveis pela construo de um imaginrio coletivo sobre ele.Umarespostaglobalizaodensa:budismosmodernos e tradicionaisAfuidezdareligiopormeiodefronteiraspolticasantiga.Obu-dismo,comoqualqueroutrareligio,sempreesteveemmovimento.Antes dosculoXVIII,elefoidisseminadoprincipalmentenasia.Partindoda regio que hoje a ndia, formas particulares de budismo chegaram a novos locaiseengendraramnovasformashbridasediversifcadas.Porexemplo, enquanto os fuxos do budismo que chegaram ao Tibete foram hibridizados com formas religiosas locais (a religio nativa Bon) criando a escola Vajrayana, os fuxos da escola Mahayana, ao chegarem na China, deram origem a uma infnidade de escolas, como Chan, Terra Pura e Tiantai. Mais tarde estas foram disseminadaspeloVietn,CoreiaeJapo.Emcadaregio,ideiasbudistas foramhibridizadascomaculturareligiosalocal.Omesmoverdadeiro para a constituio do budismo Teravada no Sri Lanka, Mianmar, Camboja, Laos e Tailndia. No entanto, como observou Queen, variaes locais que seenraizaramemlugarescomoSriLanka,Afeganisto,Tibete,Monglia, Japo, Camboja e Indonsia permaneceram em grande parte isoladas umas das outras (2002, p. 326). A partir do trabalho de Held et al. (1999), Vasquez eMarquardt(2003,p.36)chamamesteprocessode globalizaofna de imprios mundiais, j que embora haja extensas redes globais, a intensidade e o impacto dos fuxos so baixos.Poroutrolado,deacordocomVasquezeMarquardt(2003,p.36),o sculo XIX v o surgimento da globalizao densa, dominada pelo modo capitalista de produo e por um sistema mundial de pases centrais e peri-fricosegrandesavanostecnolgicos.Aglobalizaodensamarcada por uma maior intensidade, velocidade e impacto das extensas redes globais anteriores. Nas ltimas trs dcadas, esse processo intensifcou-se dramati-camente.Hvriasconsequnciasdestaglobalizaodensa em relao religio.Levitt(2006)argumentaquemuitasreligiestornaram-semulti--centradas, o que difere da multi-localidade do passado. Isto signifca que os fuxos movem-se no simplesmente do centro da religio para periferia, mas que vrios novos centros emergem (LEVITT, 2006). Como resposta, A Globalizao do Budismo65Estudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078gruposreligiosospodemtomarumcaminhoconservadoreusarareligio paraenfatizaradiferenaeumretornoaosseusfundamentos(comoem movimentos fundamentalistas) ou assumir uma abordagem mais relativista e abraar a mudana. Para Peter Beyer (2001), estes so tipos puros e existem muitas formas hbridas entre estes dois extremos.Estasconsequnciasdaglobalizaodensarefetem-setambmna globalizao do budismo. Antes do sculo XIX, ideias sobre o budismo eram escassasno Ocidente,mas,apartirdestapoca,oseuropeus comearama estudar textos budistas e divulg-los na Europa (LOPEZ 2002, p. 2). O s-culo seguinte arcou com as consequncias desse encontro entre a Europa e sia. Segundo Heine e Prebish, o impacto das foras de modernizao nas escolasbudistastradicionaisdeuorigem,alternativamente,aumretorno s fontes da tradio ou a tendncias reformistas (2003, p. 5). Entre estas tendnciasreformistasestacriaodochamadobudismomoderno (LOPEZ, 2002) ou modernismo budista (MCMAHAN, 2008). De acordo com Lopez, o budismo moderno inclui muitas das caractersticas do projeto da modernidade (2002, p. ix). Ele rejeita ritual e magia e abraa a racionali-dade, o individualismo, o universalismo e o empirismo. Assim, torna-se um sistemadeflosofaracionaletica,divorciadodasprticascotidianasda vasta maioria dos budistas (2002, p. xvii). Lopez acredita que este budismo moderno verdadeiramente internacional, transcendendo as fronteiras na-cionais e culturais, criando a gerao seguinte de intelectuais cosmopolitas, que em sua maioria escreve em ingls (2002, p. xxxix). de notar que o modernismo budista foi criado tanto na sia como no Ocidente. O Ocidente no o nico centro de difuso da cultura, mas como afrmou Appadurai (1996) e eu mesma demonstrei em meu trabalho (ROCHA, 2006; ROCHA; BARKER, 2010; ROCHA; VASQUEZ, 2013), um de muitos pontos de origem possveis do qual partem fuxos. Segundo McMahan,Esta nova forma de budismo foi construda por budistas asiticos moderniza-dores e entusiastas ocidentais profundamente envolvidos na criao de respostas budistasaosproblemasequestesdominantesdamodernidade,taiscomoa incertezaepistmica,opluralismoreligioso,aameaadoniilismo,confitos entre cincia e religio, guerra e destruio ambiental. (2008, p. 5).Estebudismoreformadofoicriadoeseespalhoupelomundode forma rizomtica. Por exemplo, no Sri Lanka/Ceilo e Mianmar/Birmnia, essa nova forma de budismo originou-se como uma reao ao colonialismo, afmdereforaraidentidadeeareligionacionais.Foicriadopelaselites urbanaseducadas,estimuladaspelatimareputaodobudismoentrein-66 Cristina RochaEstudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078telectuaisocidentais.AnagarikaDharmapalaeos fundadoresdaSociedade Teosfca,OlcotteBlavatsky,foramfgurasimportantesnestarenovao budista(BAUMANN,2001,p.9).NaChina,oimpactodapresenados missionrioscristoseachegadadeideiasocidentaisdeprogresso,racio-nalidade e cincia no sculo XIX deram origem a duas respostas diferentes. Enquanto movimentos conservadores tiveram lugar em templos remotos do interior e no norte do pas, uma abordagem modernista budista associada com o Mestre Taixu e a uma nascente classe comerciante, urbana e cosmo-politaforesceunascidadescosteiras,ondehaviacontactointensocom oOcidenteecomoJapo(ASHIWA;WANK,2005,p.222-223).Como em outras partes da sia, no Japo, um budismo nacionalista (Shin Bukkyo) desenvolveu-se como uma resposta crtica da religio do Ocidente secular. A fm de garantir ao budismo um lugar signifcativo na sociedade moderna japonesa em um momento em que ele estava sendo atacado pelo xintosmo de Estado, intelectuais associados ao Shin Bukkyo usaram ideias europeias de anticlericalismoeantirritualismodaReformaProtestanteeoracionalismo eempirismodoiluminismoparareconstruirobudismocomomoderno, cosmopolita,humanistaesocialmenteresponsvelumareligiomundial emprica, racional e em total acordo com as descobertas da cincia moderna (SHARF, 1995, p. 110).Nestecontexto,D.T.Suzuki(1870-1966)eosflsofosdaescolade Quioto construram o zen budismo, no como uma religio com seus rituais e doutrina, mas como uma experincia espiritual individual que levaria a um modo totalmente emprico, racional e cientfco de inqurito sobre a natureza das coisas (SHARF, 1995, p. 111). Ao identifcar esta experincia espiritual com uma essncia, atemporal, pura e invarivel do zen, e diferen-ciando-o de suas expresses culturais (consideradas acrscimos degenerados eimpuros),estesdefensoresdozenforamcapazesdeconstru-locomo transcultural e universal. Assim, o zen no seria parte de uma determinada re-ligio, flosofa ou metafsica, mas seria o esprito de toda religio e flosofa (FAURE, 1993, p. 57). Tendo em conta que D. T. Suzuki e outros intelectuais que popularizaram o zen no Ocidente no faziam parte de instituies zen e no haviam recebido transmisso formal nessa linhagem, no de estranhar que defendessem o zen autntico como uma experincia individual, leiga, que no exige uma associao com a tradio institucional. Com efeito, uma dasprincipaiscaractersticasdobudismonoOcidenteumhbridodas prticas leigas e monsticas. A vasta maioria dos praticantes ocidentais no celibatria e trabalha enquanto pratica meditao e estuda textos sagrados.Pelofatodeobudismomodernoencaixar-setobemnozeitgeistoci-dental, ele capturou a imaginao dos ocidentais e foresceu, e a exploso do A Globalizao do Budismo67Estudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078zen do fnal dos anos 1950 e 1960 um bom exemplo disso. importante notar que enquanto fuxos do budismo moderno partiram principalmente da sia, uma vez que eles se enraizaram nos centros metropolitanos do Ociden-te, fuxos de budismo ocidental comearam a retornar, reforando tendncias modernizadoras na sia e criando formas hbridas. No Japo, desde a dcada de 1980, eles infuenciaram a prtica zen de alguns japoneses. Alm de suas oferendas e funerais, que comumente os leigos fazem no templo zen budista, alguns seguidores estabeleceram grupos de meditao (zazenkai), uma prtica at ento unicamente de monsticos na sia.O budismo globalVriosestudiosostmargumentadoquenasltimastrsdcadasns entramosemumperododebudismoglobal.ParaMartinBaumann,este perodo caracteriza-se pelanfase na prtica e participao leigas, a avaliao crtica do papel das mulheres, a aplicao de princpios democrticos e igualitrios, a estreita ligao com con-ceitos psicolgicos ocidentais, a conceitualizao de um budismo socialmente engajado e a criao de uma tradio ecumnica no-sectria. (2001, p. 23).Embora Baumann admita que estas so as caractersticas principais do budismo ocidental, ele acredita que esto se tornando relevantes em crculos de imigrantes budistas. Alm disso, o autor afrma que o budismo global ca-racterizado pela presena de vrias tradies em um s lugar. Enquanto cada pas costumava ser dominado por uma nica tradio principal, [] desde a dcada de 1950 [] surgiu uma pluralidade de tradies budistas (2001, p. 17). Como consequncia desta pluralidade e diversidade elevadas, h uma tendncia a procurar o ecumenismo e a unifcao entre as varias tradies (PREBISH; BAUMANN 2002, p. 4). Esta nova fase do budismo deve-se ao aumento da mobilidade de professores asiticos e ocidentais, monges, monjas emissionrios,juntamentecomachegadadeumnmeroconsidervelde imigrantes asiticos no Ocidente desde meados da dcada de 1960.Valeressaltarqueosfuxosdobudismointensifcaram-senosen-treaEuropa,EUAesia.Comoumrizoma,elesagoraabrangemtodoo globo, conectando-se com outras regies, como a Amrica do Sul, frica e Oceania. Instituies, escolas e tradies budistas esto funcionando agora em uma escala global. Alm disso, novos centros de autoridade foram cria-dos,ilustrandoaasserodeLevitt(2006)aquemereferianteriormente, de que a religio contempornea multicntrica. Isto signifca que, ao invs de mover-se apenas a partir dos centros asiticos para a periferia (como no 68 Cristina RochaEstudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078caso dos fuxos de zen do Japo para o Ocidente), fuxos de budismo partem agoradelocaisforadasia.Comefeito,PrebisheBaumannobservaram quenofnaldosculoXXentramosumperodoemqueaglobalizao dobudismocomeouverdadeiramente,porqueumaformamulti-oupoli-cntricaestemergindo(2002,p.7).Porexemplo,oestabelecimentoda ComunidadeBudistaTriratna(TBC,emingls) em Londres, em1967,(at abrilde2010eraconhecidacomoAmigosdaOrdemBudistaOcidental, FWBO em ingls) signifca que o Reino Unido tornou-se o centro de onde partem professores da tradio e para onde se dirigem estudantes de todo o mundo.Podem-seencontrarfliaisdaTBC/FWBOempasestodiversos como Austrlia, Blgica, Brasil, Canad, China, Dinamarca, Venezuela, Peru, ndia e os EUA, para citar apenas alguns. O mesmo verdadeiro para a Sanga do Diamante (Diamond Sangha, em ingls) criada por Robert Aitken e sua esposa, no Hava, em 1959. Neste caso, os EUA, e no a sia, so o centro datradio,comfliaisemvriascidadesnosEUA,Alemanha,Austrlia, Argentina, Chile e Nova Zelndia.Encontreiboasilustraesdessastendnciasglobalizantesemminha pesquisa no Brasil (ROCHA, 2006). O Brasil nunca esteve isolado das ideias budistas que circulam no mundo. No fnal do sculo XIX, os brasileiros que viajavam a Paris trouxeram consigo ideias e livros sobre o budismo. Em meados do sculo XX, os imigrantes japoneses, juntamente com a exploso do zen nos EUA, infuenciaram o entendimento do budismo no Brasil. Atualmente, o Japo ainda um importante centro de formao monstica zen, mas os brasileiros tambm podem viajar para templos zen nos EUA para treinamento. Como em outros pases, h uma pluralidade de tradies e escolas e virtude do crescimento da imigrao asitica e a alta mobilidade de professores estran-geiros e locais. Por exemplo, conexes budistas entre Brasil e frica do Sul foram estabelecidas quando Heila e Rodney Downey discpulos do mestre zen coreano Seung Sahn e diretores de um centro de darma na frica do Sul comearam a visitar o Brasil para dar palestras e conduzir retiros na dcada de1990.HeilaDowneyfoialunadePhilipKapleau,umprofessordezen japons em Rochester, NY. Neste caso, a frica do Sul tornou-se um centro zen coreano, ao invs da prpria Coreia. Outro exemplo a criao de fuxos partindo do Tibete para o Brasil, passando pelos EUA. Chagdud Rinpoche, um lama tibetano da escola Nyingma, fugiu do Tibete para a ndia em 1959. Ele se mudou para os EUA em 1983, e em 1994 mudou-se permanentemente para Trs Coroas, no sul do Brasil, onde ele e seus discpulos construram um grande mosteiro tibetano. Embora ele tenha falecido em 2002, sua presena no Brasil signifcou que o mosteiro brasileiro tornou-se o centro global para seus discpulos que viviam em outras partes do mundo.A Globalizao do Budismo69Estudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078Enquanto as etnopaisagens (isto , o fuxo de pessoas), para usarmos o conceito de Appadurai, parecem ser o principal impulsionador do budismo global, outras paisagens tecnopaisagens, midiapaisagens e fnanciopaisa-gensestofortementeenvolvidasemsuadivulgao.Astecnopaisagens, sobaformadainternet,tornaram-seumapoderosa ferramenta nadifuso global das ideias e prticas budistas. A maioria das escolas budistas tem sites nos quais transmitem ensinamentos, anunciam atividades, listam suas fliais em todo o mundo e vendem adereos, objetos, DVDs e livros. Algunssites usam videoclipes com entrevistas e ensinamentos de seus professores e mo-nsticos, outros promovem prticas online. Mary Jaksch, uma professora zen da Sanga do Diamante na cidade de Nelson, na Nova Zelndia, um bom exemplo destas prticas virtuais. Ela oferece retiros zen virtuais em seu blog (http://goodlifeZen.com/virtual-retreats).Duranteseisdias,osassinantes recebemume-maildiriocomleituras,exerccios,orientaoeincentivo,e assim no precisam abandonar sua vida quotidiana. Eles tambm podem re-ceber lembretes dirios pelo Twitter, compartilhar suas experincias e serem guiados por Mary em um frum virtual. Mary tambm oferece trs webinrios (conferncias online) nos quais os assinantes podem participar em tempo real, bem como podcasts para serem baixados. Quando perguntaram os pases de origemdeseusassinantesemumaentrevistaderdio,Marydisseque,no comeo,elapensavaquepessoasdeSydney,NovaZelndiaetalvezNova York iriam contat-la. Mas, na verdade, gente do Paquisto, China, Trinidad, Alasca, Londres, Paris e Nova York j participaram de seus retiros virtuais. Elaconcluiunaentrevista:totalmenteinternacional(JAKSCH,2010). Talcomoacontececomqualquertipodeinovao,areaonegativaveio rapidamente. Seus retiros virtuais tm sido criticados por outros professores da Sanga do Diamante.Outra prtica virtual a presena de templos e comunidades budistas nomundovirtual3DdoSecondLife(www.secondlife.com).Nestesiteos participantes podem escolher um avatar, que, por sua vez, capaz de entrar em templos, sentar em meditao, ouvir ensinamentos e interagir com outros avatares simpatizantes do budismo. Os mundos real e virtual esto ligados, no sentido de que professores budistas de verdade (principalmente ocidentais) so aqueles que criam estes templos e fornecem instrues sobre meditao. Emagostode2010,havia95comunidadesbudistasnoSecondLife.Soka Gakkai a escola de budismo global origem japonesa tem trs comunidades no Second Life, mais do que qualquer outra escola. Entretanto, a presena online do budismo no est confnada ao mundo ocidental. Por exemplo, um grupodejovensmongesjaponesescriouumtemplobudistavirtual(www.higan.net) para explicar, em ingls e japons, a cultura tradicional japonesa 70 Cristina RochaEstudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078e o budismo. Estes monges pertencem ao budismo moderno, j que no h nenhuma meno clara de uma tradio especfca, e osite exibe trechos de textos escritos por muitos daqueles que Lopez (2002) considera fazerem parte da linhagem budista moderna, tais como D. T. Suzuki, Thich Nhat Hanh e Dalai Lama. Eles tambm vendem adereos budistas, livros (por meio do site da Amazon) e anunciam seu caf em Tquio. Este fenmeno ocorre tambm em outros pases asiticos. Em relao Tailndia, Taylor observou que sites budistas tailandeses esto se multiplicando (2003, p. 299).Appadurai argumenta que as midiapaisagens se referem ao mesmo tempo distribuio de recursos eletrnicos para produzir e divulgar informaes (jornais, revistas, estaes de televiso e estdios de produo de flme) e s imagens criadas por estes meios de comunicao (1996, p. 35). Imagens do budismo tm circulado intensamente ao redor do mundo nos ltimos vinte anos por meio de flmes (The cup, O pequeno Buda, Kundun, Sete anos no Tibete, para citar alguns mais comerciais), livros (s o Dalai Lama responsvel por vrios best-sellers em muitas partes do mundo) e mdia em geral.As midiapaisagens so intimamente ligadas s tecnopaisagens. O Canal Bu-dista(http://www.buddhistchannel.tv)umsitequecobrenotcias,artee culturabudistasdetodoomundo.MuitasrevistasbudistascomoTricycle (www.tricycle.com) e Shambhala Sun (www.shambhalasun.com) so vendidas embancasdejornal,mastambmpossuemsitesnosquaispartedoconte-do das revistas publicado de graa. Esses sites tambm tm lojas virtuais emquesovendidoslivros,camisetasecartespostaisbudistas.Ositeda Tricycle realiza retiros online, vende gravaes MP3 de ensinamentos e est presente no Facebook e no Twitter. Com estes exemplos, pode-se ver que o mundo de consumo e o mundo da mdia e da internet esto profundamente interligados (APPADURAI, 1996, p. 35). Juntamente com a presena concreta de imigrantes, missionrios e professores budistas, eles criam um imaginrio muitas vezes discrepante do budismo que circula ao redor do mundo4. Este imaginrio,comoAppaduraiargumenta,contingenteecontextual.Ele construdo de diversas maneiras em diferentes partes do mundo.ConclusoNesteartigo,demonstreicomoaglobalizaodobudismopartede umfenmenomuitomaiordaglobalizaodacultura.Asmigraesem massaeimagensmidiatizadaselevaramaimportnciadaimaginaono mundocontemporneo.Apresenadeimigranteseinstituiesbudistas 4Para exemplos de discrepncias e diferenas de poder entre as crenas e prticas de imi-grantes budistas e aquelas dos budistas ocidentais, veja Rocha (2006, p. 183-192); Pierce (2000); Hickey (2010).A Globalizao do Budismo71Estudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078noOcidente,depraticantes,professoresemissionriosbudistasaltamente mveis,damdiaeletrnicaedemassa,dosprodutosdaindstriacultural (taiscomofilmes,livros,CDs,DVDs)eainternetinfluenciamomodo comoobudismoimaginadoeconstrudoglobalmente.Esteimaginrio global contestadoouhibridizadocomolocal. Fluxos globaisnoviajam e estabelecem-se no espao vazio. Eles so localizados, ou seja, interagem e so reinterpretados de acordo com as condies locais. A forma como o zenbudismocompreendidoepraticadoporalgumquepertenaaesta escola no Japo diferente da forma como compreendido e praticado por um seguidor leigo no Norte Global, por exemplo.Demonstrei, igualmente, que em tempos de globalizao densa, a sia no o nico centro do qual partem os fuxos globais de budismo. Existem novos centros no Norte e no Sul globais. Alm disso, periferias podem tornar--se centros e vice-versa, pois fuxos globais movem-se ao redor do globo de forma rizomtica. Por exemplo, enquanto o Brasil , geralmente, uma periferia para tais fuxos, ele pode tornar-se um centro quando um Rinpoche tibetano famoso muda-se para o pas e estabelece um mosteiro.Por fm, usei o sistema de Appadurai de cinco dimenses da economia cultural global para mostrar que o budismo circula no mundo levado por pes-soas (migrantes, missionrios, professores, monsticos, estudantes), pela mdia (informao e imagens), tecnologia (internet, flmes) e mercadorias e consu-mismo (livros budistas, objetos para meditao, CDs, DVDs). Vale lembrar que estas dimenses so discrepantes, isto , cada uma pode transmitir ideias, prticas e crenas diferentes sobre o budismo. A estria com o qual abri este artigo associa o budismo a ideias presentes na cultura popular. Monsticos e professores de budismo certamente no o associariam a relaxamento, luxo, refnamento ou sensualidade. Igualmente, quando os ocidentais que praticam meditao budista chegam a pases asiticos, muitos fcam chocados com as prticas devocionais (prostraes, oferendas, oraes e assim por diante) de seguidoresbudistas.Paraeles,obudismoumareligiosemrituais,no testa, de meditadores, msticos e flsofos (SWEARER, 2003, p. 7). J no Ocidente, a primeira gerao de migrantes budistas em sua maioria associa obudismocomidentidade,prticasdavidacotidianaeumsentimentode pertenaenostalgiapelaptriaquedeixaramparatrs.Seusdescendentes podem associar o budismo com pessoas velhas e prticas antigas e no querer pratic-lo ou associ-lo a prticas do budismo moderno (meditao e estudo de textos sagrados) e comear a frequentar um centro budista organizado por ocidentais.pormeiodestasdiscrepnciasqueocorremosfuxosglobais atuais do budismo.72 Cristina RochaEstudos de Religio, v. 28, n. 2 59-73 jul.-dez. 2014 ISSN Impresso: 0103-801X Eletrnico: 2176-1078Referncias APPADURAI,A.Modernityatlarge:Culturaldimensionsof globalization.Minneapolis, MN: University ofMinnesota, 1996.ASHIWA, Y.; WANK, D. The globalization ofChinese Buddhism: Clergy and devotee networks in the 20th century. 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