Critica Mera Coincidencia BLOG

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João Eurico e Marcelo Alves A tênue linha entre realidade e ficção De modo geral, a complexidade do mundo somada à separação temporal e espacial entre as instâncias de produção e consumo da mensagem tornam fáceis as criações de grandes mentiras nos meios de comunicação de massa. A mídia possui grande poder na manipulação de fatos, e, consequentemente, ainda hoje existem teorias conspiratórias sobre a veracidade de acontecimentos como a chegada do homem à Lua ou a Guerra do Golfo. A manipulação de ideias a partir de veículos midiáticos é antiga, mas mesmo um tema tão gasto como este pode nos trazer dúvidas e/ou risadas, como é o caso do filme Mera Coincidência (Wag the Dog). O diretor Barry Levinson brinca com o espectador, utilizando de um roteiro que, de cena a cena, nos faz duvidar de nossa própria compreensão de verdade. A história é a seguinte: o atual presidente dos EUA está tentando se reeleger. Faltando poucos dias para a eleição, ele vira protagonista de um escândalo sexual, envolvendo uma menina que visitava a casa branca. Para abafar o caso, o candidato

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Joo Eurico e Marcelo Alves

A tnue linha entre realidade e fico

De modo geral, a complexidade do mundo somada separao temporal e espacial entre as instncias de produo e consumo da mensagem tornam fceis as criaes de grandes mentiras nos meios de comunicao de massa. A mdia possui grande poder na manipulao de fatos, e, consequentemente, ainda hoje existem teorias conspiratrias sobre a veracidade de acontecimentos como a chegada do homem Lua ou a Guerra do Golfo. A manipulao de ideias a partir de veculos miditicos antiga, mas mesmo um tema to gasto como este pode nos trazer dvidas e/ou risadas, como o caso do filme Mera Coincidncia (Wag the Dog).

O diretor Barry Levinson brinca com o espectador, utilizando de um roteiro que, de cena a cena, nos faz duvidar de nossa prpria compreenso de verdade. A histria a seguinte: o atual presidente dos EUA est tentando se reeleger. Faltando poucos dias para a eleio, ele vira protagonista de um escndalo sexual, envolvendo uma menina que visitava a casa branca. Para abafar o caso, o candidato chama para consertar seu erro um homem de confiana: Conrad Connie Bean - muito bem interpretado por Robert de Niro, que, como grande conhecedor do sistema, resolve criar um fato ainda maior para ocupar a mdia e a opinio pblica. O resultado uma guerra literalmente inventada: um espetculo visual, produto de uma reunio das idias de Conrad com a genialidade do produtor de cinema Stanley Motss (Dustin Hoffman). Entre os dois, e um pouco perdida com tal situao, encontra-se a assessora do presidente, Winfred Ames, interpretada por Anne Heche. De certa forma, ela representa o prprio espectador do filme, ao no acreditar que tamanha mentira enganaria to facilmente ao pblico e mdia. Na guerra arquitetada, foi escolhido como inimigo dos EUA a totalmente figurante Albnia, e mais de uma vez Winfred questiona se as pessoas iriam engolir a mentira, e Conrad sempre responde da mesma maneira irnica: est na TV, no est?. Crtica sutil e inteligente do diretor ao batido pensamento de que a realidade reproduzida na TV condiz com a cotidiana. O que se mostra totalmente infundado em funo das inmeras manipulaes que o vdeo pode sofrer. Exemplo claro foi a cobertura que a Rede Globo fez do Movimento Caras Pintadas reinterpretando-o como se fosse uma festa pelo aniversrio da cidade. (CONFIRMAR)Mera Coincidncia reproduz como a assessoria de um candidato presidncia pode deixar vazar informaes ou plantar falsas notcias nas mdias para conduzir a ateno do pblico. E como mundo se mobiliza a partir de informao. A palavra, virtual gera efeitos no mundo real. As mdias publicam os fatos sem apurar, em busca do furo, do marketing, da fama efmera. A concorrncia entre elas em nada contribui para a diversidade de posies ideolgicas. Pelo contrrio, estimula a cpia recproca e a pressa na apurao, a priso ao instantanesmo. Walter Benjamin j dizia que, na mdia, a informao s tem interesse quando novidade.

O filme tambm pode ser visto como um alerta, um estmulo a uma leitura mais crtica e consciente dos fatos noticiados, tanto por agncias do governo quanto pela mdia em geral. Afinal, tanto um contra o outro podem criar suas realidades, mas ainda o povo/espectador quem decide se acredita ou no. H na verdade uma luta pela opinio pblica, que pode ser revertida em votos e ndices de aprovao.

Vale tambm destacar duas atuaes memorveis. Primeiro a de Dustin Hoffman, em mais um papel genialmente inteligente, que por si s j valeria ver o filme. E a segunda a de Woody Harrelson, interpretando o soldado criado pela produo da guerra, para ser o heri smbolo desta cruzada realizada pelo presidente americano contra as foras terroristas albanesas. Mais uma vez, Harrelson toma s vezes de um personagem que beira insanidade, tal qual j fez em Assassinos por Natureza e, mais recentemente, na comdia Zombieland.

claro que o filme falho em alguns aspectos. Por exemplo, ao considerar que as pessoas assistiriam cobertura desta guerra de maneira totalmente acrtica, e que os jornalistas colocariam todas as suas fichas em rumores, sem ao menos confirmarem por eles mesmos a histria. Aspecto que pode ser um exagero estilstico. O filme caricaturiza o jornalista como uma massa, um profissional que apenas copia em sua busca frentica pelo furo, e sem focos de resistncia, j que ningum sequer suspeitou da farsa, principalmente o povo que sequer teve uma cena sua.Mera Coincidncia uma ode ao cinema inteligente, que surpreende os espectadores e os faz pensar em diversos temas que cruzam o cotidiano. Crtica, comdia e suspense so alguns elementos desse excelente filme que forja uma realidade dentro de si. Mera Coincidncia remete s narrativas fictcias e espetaculares que vivemos todos os dias, sem nos darmos conta.