cronobiologia

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Deram sorte. O terapeuta que escolheram era especializado também em cronobiologia - novíssima ciência que estuda os ritmos e ciclos biológicos que regem nosso organismo e sua organização no tempo. O terapeuta desvendou o enigma: Marco era "matutino" e Luisa, "vespertina". Ele, logo cedo, já estava em plena forma, falante e ativo, doido para fazer mil coisas, para se mover para lá e para cá, completamente desperto e alento ao aspecto prático das tarefas. Ela, ao contrário, gostava de dormir até tarde, sentia-se romântica e sonhadora no entardecer, apreciava o silêncio, precisava de muitas horas para se sentir realmente acordada, deixava que aquele estado de consciência intermediário entre o sono e a vigília se prolongasse até o cair da tarde. À noite, as coisas se invertiam. Era ele quem entrava em quietude, com vontade de ver um filme ou ler um bom livro, enquanto ela se sentia com os motores a todo vapor, doida para agir. Claro, cada vez que tinham de enfrentar uma tarefa conjunta, cada um queria fazê-Io de acordo com o seu próprio estado cronobiológico. Como eles eram quase sempre opostos, os conflitos tornaram-se freqüentes. Como fez o cronobiologista para descobrir quem era o quê? Fácil. Após reunir e estudar todos os sintomas e características de Marco e Luísa, pediu a eles que, durante um mês, registrassem as respectivas temperaturas corporais às 7 horas da manhã. Para Marco, como para todo matutino, o mercúrio subia regularmente entre 36,8 e 37 graus. Para Luísa, como para todo vespertino, entre 36,5 e 36,7 graus. Vieram então as explicações e conselhos do cronobiologista. Primeiro, nosso organismo não pode fazer tudo ao mesmo tempo, nem a qualquer momento. Somos todos dotados de relógios biológicos que ordenam a nossas células o que elas devem fazer e em qual momento do dia ou da noite, bem como da semana, do mês e do ano. Os ritmos mais conhecidos são os do sono-vigília, a oscilação da temperatura corporal, a fome e o desejo sexual. A maior parte desses ritmos é quase idêntica para a maior parte dos indivíduos, mas podem ocorrer também variações de pessoa a pessoa, como no caso de Marco e Luísa. Sob orientação do terapeuta, eles aprenderam a respeitar suas cronobiologias, e a conciliar as diferenças entre elas. E puderam continuar a trabalhar juntos. Sabemos escutar as exigências de nossos próprios ritmos cronobiológicos? Um organismo constantemente contrariado em suas exigências pode manter-se bem? A resposta é não. No contexto da nossa agitada vida atual, é possível sentir-se menos cansado, mais produtivo no trabalho, desfrutar de momentos de repouso sem sentir-se culpado, comer apenas o suficiente, estar em harmonia consigo mesmo, com a natureza e com o meio ambiente? Os cronobiologistas respondem sim, desde que acertemos os ponteiros dos nossos relógios biológicos. Ninguém entendeu: Luísa e Marco, médicos, passaram a viver às turras desde que decidiram trabalhar juntos. Bem casados há dez anos, apaixonados um pelo outro, bonitos, saudáveis e talentosos, o motivo real das desavenças no trabalho era um mistério inclusive para eles mesmos. Já pensavam em retomar à fórmula antiga - ele permanecendo no consultório que agora ocupavam juntos, ela voltando à clínica de obstetrícia onde estava sempre pronta a atender partos difíceis rnadrugada à dentro - quando foram consultar um terapeuta de casais. Quem sabe, pensavam, apesar daquele amor todo, lá no fundo do inconsciente de um deles ou de ambos, não estaria a origem do problema, talvez algum insidioso e negativo sentimento de rivalidade, de ciúme ou inveja? CRONOBIOLOGIA Os relógios da vida

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  • Deram sorte. O terapeuta que escolheram era especializado tambm em cronobiologia - novssima

    cincia que estuda os ritmos e ciclos biolgicos que regem nosso organismo e sua organizao no tempo. O terapeuta desvendou o enigma: Marco era "matutino" e Luisa, "vespertina". Ele, logo cedo, j estava em plena forma, falante e ativo, doido para fazer mil coisas, para se mover para l e para c, completamente desperto e alento ao aspecto prtico das tarefas.

    Ela, ao contrrio, gostava de dormir at tarde, sentia-se romntica e sonhadora no entardecer, apreciava o silncio, precisava de muitas horas para se sentir realmente acordada, deixava que aquele estado de conscincia intermedirio entre o sono e a viglia se prolongasse at o cair da tarde. noite, as coisas se invertiam. Era ele quem entrava em quietude, com vontade de ver um filme ou ler um bom livro, enquanto ela se sentia com os motores a todo vapor, doida para agir.

    Claro, cada vez que tinham de enfrentar uma tarefa conjunta, cada um queria faz-Io de acordo com o seu prprio estado cronobiolgico. Como eles eram quase sempre opostos, os conflitos tornaram-se

    freqentes. Como fez o cronobiologista para descobrir quem era o qu? Fcil. Aps reunir e estudar todos os sintomas e caractersticas de Marco e Lusa, pediu a eles que, durante um ms, registrassem as respectivas temperaturas corporais s 7 horas da manh. Para Marco, como para todo matutino, o mercrio subia regularmente entre 36,8 e 37 graus. Para Lusa, como para todo vespertino, entre 36,5 e 36,7 graus.

    Vieram ento as explicaes e conselhos do cronobiologista. Primeiro, nosso organismo no pode fazer tudo ao mesmo tempo, nem a qualquer momento. Somos todos dotados de relgios biolgicos que ordenam a nossas clulas o que elas devem fazer e em qual momento do dia ou da noite, bem como da semana, do ms e do ano. Os ritmos mais conhecidos so os do sono-viglia, a oscilao da temperatura corporal, a fome e o desejo sexual. A maior parte desses ritmos quase idntica para a maior parte dos indivduos, mas podem ocorrer tambm variaes de pessoa a pessoa, como no caso de Marco e Lusa. Sob orientao do terapeuta, eles aprenderam a respeitar suas cronobiologias, e a conciliar as diferenas entre elas. E puderam continuar a trabalhar juntos.

    Sabemos escutar as exigncias de nossos prprios ritmos cronobiolgicos? Um organismo constantemente contrariado em suas exigncias pode manter-se bem? A resposta no. No contexto da nossa agitada vida atual, possvel sentir-se menos cansado, mais produtivo no trabalho, desfrutar de momentos de repouso sem sentir-se culpado, comer apenas o suficiente, estar em harmonia consigo mesmo, com a natureza e com o meio ambiente? Os cronobiologistas respondem sim, desde que acertemos os ponteiros dos nossos relgios biolgicos.

    Ningum entendeu: Lusa e Marco, mdicos, passaram a viver s turras desde que decidiram trabalhar juntos. Bem casados h dez anos, apaixonados um pelo outro, bonitos, saudveis e talentosos, o motivo real das desavenas no trabalho era um mistrio inclusive para eles mesmos. J pensavam em retomar frmula antiga - ele permanecendo no consultrio que agora ocupavam juntos, ela voltando clnica de obstetrcia onde estava sempre pronta a atender partos difceis rnadrugada dentro - quando foram consultar um terapeuta de casais.

    Quem sabe, pensavam, apesar daquele

    amor todo, l no fundo do inconsciente de um deles ou de ambos, no estaria a origem do problema, talvez algum insidioso e negativo sentimento de rivalidade, de cime ou inveja?

    CRONOBIOLOGIA Os relgios da vida

  • A primeira coisa a fazer respeitar as prprias tendncias e, claro, as dos outros. Voc um

    matutino, um vespertino, ou um notvago? um madrugador que ao nascer do sol j tomou o seu caf e est pronto para a luta, ou daqueles que precisam daquela horinha a mais a se espreguiar na cama? Faa a pesquisa da temperatura. Os relgios biolgicos do sono se regulam pelos ritmos circadianos (os que se repetem em ciclos de 24 horas) de temperatura. Ela chega a seu mximo ao redor das 18 horas, depois decresce pouco a pouco at atingir seu nvel mnimo no meio da noite e, em seguida, recomea lentamente a subir. Em condies normais, quando a temperatura comea a baixar, vem o desejo de dormir.

    Essa hora varia muito de pessoa a pessoa, mas para a imensa maioria a queda de temperatura se situa entre s 20 e as 23 horas. Ao contrrio, o desejo de se levantar ocorre quando a temperatura comea a subir, nas primeiras horas da manh.

    Por causa das diferenas individuais, a hora do despertar desempenha um papel muito importante no que diz respeito capacidade de ateno, disposio fsico-emocional-mental e ao bom humor de cada um de ns. Mas no preciso se preocupar se acordarmos ranhetas e com cara de poucos amigos, mesmo aps ter desfrutado de uma boa noite de sono. Alguns dos hormnios que fabricamos para obter um bom tnus geral (cortisol, adrenalina, testosterona) foram certamente secretados pela manh, mas seus efeitos muitas vezes s se fazem sentir 6 ou 7 horas mais tarde.

    Os matutinos so em geral mais resistentes s mudanas de fusos horrios, preferem os esportes rpidos e ativos. Pela manh, eles secretam no prprio sangue uma quantidade maior de adrenalina. Contudo, passado o perodo de modorra, os vespertinos costumam ser mais expansivos e extrovertidos, preferindo desempenhar atividades de fundo que exigem muito cuidado e ateno.

    Cronobiologistas dizem que poderamos multiplicar por dois e at por quatro a eficincia do nosso

    crebro se levssemos em conta fatores cronobiolgicos. At o crebro funciona segundo ritmos precisos. no meio da manh, entre 10 e 11 horas, e no meio da tarde, entre 15 e 16h30 que a atividade cerebral est no seu nvel mximo. Nesses momentos as taxas de acar e de oxignio no sangue, bem como a temperatura central do corpo, atingem nveis timos para as clulas cerebrais. Hora de aproveitar. Se voc tem de preparar, por exemplo, um relatrio importante, reserve aqueles momentos para essa tarefa.

    Evite as horas do incio da manh e da tarde, pouco propcias ateno e concentrao. Pelas 14 horas, o hormnio que nos proporciona tenso positiva cai a nveis baixos, para subir de novo l pelas 15 horas. intil, nas horas pobres, mergulhar com obstinao em tarefas que exigem muita concentrao. Trabalhos que pedem pouca ou nenhuma reflexo intelectual jardinagem, atividades criativas como desenho, pintura, artesanato so mais bem efetuados no final da tarde e no comeo da noite, momentos que a temperatura do corpo est no mximo. Pela mesma razo gestos e movimentos que pedem boa coordenao motora, de viso e de audio, so muito mais fceis de serem realizadas no final do dia.

    Aplicada a administrao dos medicamentos, a cronobiologia torna-se cronoterapia. Ela tem,

    essencialmente, o objetivo de descobrir o instante em que um remdio produzir o mximo efeito curativo

    com um mnimo de efeitos colaterais. Sabe-se muito bem que a resposta do organismo a um determinado

    produto txico varivel segundo as horas do dia. Essa noo conquistou uma importncia essencial e

    revolucionria no caso, principalmente de tratamentos de quimioterapia contra o cncer, ou no de doenas

    cardiolgicas.

    No dia-a-dia bom saber que:

    - o cido acetilsaliclico mais eficaz quando administrado noite, e seus efeitos secundrios so

    reduzidos salvo no caso de enxaquecas, quando ele deve ser tomado ao primeiro sinal de crise.

    - Os antiinflamatrios, notadamente os que contm corticides, sero tomados em trs vezes: dois teros pela manh e um tero tarde.

    - Na dor de dente, melhor ir ao dentista no perodo da tarde: a anestesia ter melhor efeito aps as 15 hs.

    - Antialrgicos devem ser tomados de preferncia ao anoitecer, por volta de 19 horas.

  • Uma digesto forada imposta ao organismo impede qualquer possibilidade de trabalhar eficazmente pelo menos at as 17 ou 18 horas. Prefira um almoo leve, que dure de 35 a 40 minutos, base de protenas e acares lentos (carne magra, peixe e um legume, uma fruta). Entre 16 e 17 horas, um pequeno lanche permitido, para compensar uma leve hipoglicemia. O jantar, como o almoo, ser base de protenas de assimilao fcil (aves, carnes brancas, peixe) acompanhadas de legumes.

    Na hora do jantar, o organismo quase no secreta sucos digestivos e biliares para degradar gorduras. Existem portanto, regras cronobiolgicas de alimentao que convm respeitar: caf da manh mais substancial; almoo e jantar leves; vantajoso tambm adiantar a hora do jantar para facilitar a digesto e facilitar o sono.

    A cronobiologia lanou tambm novas luzes sobre a alimentao. O caf da manh muito importante. Nesse momento, aps 07 a 09 horas de jejum, um certo nmero de hormnios est no seu nvel mximo de secreo. A insulina permite uma melhor absoro dos acares que sero necessrios para deslanchar a jornada. o momento de comer po, manteiga, gelias, frutas, laticnios e cereais, cujas calorias sero rapidamente queimadas no perodo da manh. Absorvidos nesse perodo, tais alimentos tero pouca incidncia sobre o peso.

    A hora do almoo relativamente fixa, entre 12 e 13 horas. H dois erros que no devem ser cometidos para no desregular nossos relgios alimentares: - comer rapidamente um sanduche (cheio de acares rpidos e gorduras); - e entregar-se a um almoo completo, hipercalrico, com vinho ou cerveja, e que se estenda at as 15 horas segue ..

    O dia ideal : ... Aqui vai a frmula cronobiolgica de uma jornada ideal: 07 a 08 horas, despertar lento e tranqilo. Ao contrrio do que em geral se pensa, nunca estamos lpidos ao despertar. Tome uma ducha quente para fazer subir a temperatura do corpo. Em seguida,um bom caf da manh, que dure pelo menos uns 20 minutos.

    09 horas, incio de uma atividade. Nossa eficincia chega a seu nvel mximo pelas 10 horas. D preferncia a tarefas de memorizao, pesquisa e leitura.

    11 horas, pausa. Alguns minutos de relax, um minilanche para aqueles que no tomaram antes um caf da manh suficiente. Em seguida, retomada do trabalho.

    12h30, almoo. No maltrate seu estmago. Prefira um almoo leve, que dure pelo menos meia hora: uma carne ou um peixe, legumes, um pedao de queijo fresco ou uma fruta j bastam.

    A seguir, procure sair do local de trabalho, caminhar. Se quiser fazer exerccio fsico, prefira os mais suaves, como os de alongamento.

    14 horas, repouso. Nosso tnus e nossa capacidade de ateno experimentam um declnio. Precisamos de uma pequena siesta de 5 a 20 minutos. Isole-se dos demais, feche os olhos, divague despreocupado. 15 horas, retomada do trabalho. Reserve as tarefas mais delicadas para as 16 horas, momento em que nossas capacidades intelectuais esto ao mximo. o momento ideal para refletir, raciocinar, criar, memorizar aquilo que voc quer gravar profundamente. 17 horas, comer, escutar, ver, sentir. a hora em que os cinco sentidos esto mais despertos. Hora ideal para saborear algum petisco raro, para cozinhar, fazer artesanato, costurar, cuidar do jardim, escutar msica. essa a famosa "hora do amor", as clebres "das 17 s 19", onde os hormnios masculinos, a temperatura do corpo, a emotividade, esto todos l em cima ! 19 a 20 horas, comunicar-se. a happy-hour dos ingleses, hora da vida social, das sadas, dos encontros, dos bate-papos com amigos, de um drinque ou caf num bar. Depois, hora do jantar. Sempre leve, no esquea.

    22 horas, a caminho do bero. Nossas faculdades comeam pouco a pouco a adormecer, a temperatura do corpo baixa. Hora de nanar.

  • As Bases da Cronobiologia

    Ele flutua e modula tudo aquilo que produz para sobreviver. Em momentos precisos, aumenta a produo de certas secrees hormonais; em outros momentos, as faz diminuir. Esses regulares altos e baixos no so fruto do acaso, afirmam os cronobiologistas. Eles correspondem a variaes peridicas das diferentes funes e secrees do organismo, as quais se sucedem no tempo segundo uma ordem muito precisa. Essa organizao temporal nos permite, entre outras coisas, saber em quais momentos do ano somos mais ou menos resistentes ou, ao contrrio, mais vulnerveis. Nosso corpo, como a formiga da fbula, o esquilo que armazena nozes ou o urso que engorda no vero, um animal previdente. Quando ns o expomos aos primeiros raios da primavera, ele j se prepara para os rigores do inverno. De novembro a maro, meses quentes no hemisfrio sul, o corpo armazena reservas alimentares. Nosso peso chega ento ao mximo, pois o organismo assimila muito mais de modo a acumular reservas de nutrientes, que ir queimar no inverno, maneira dos mamferos que hibernam e passam meses sem comer. Condicionado pelas estaes do ano, o organismo utiliza modos diferentes as trs principais fontes de energia - acares, gorduras e protenas - que a alimentao lhe fornece. Segundo a poca do ano, ele muda de carburante: entre a metade do vero e a metade do outono prefere queimar os acares; no inverno, seu combustvel preferido so as gorduras. Perde-se espontaneamente, portanto, certo peso durante este ltimo perodo.

    Autor: Luis Pellegrini - http://www.luispellegrini.com.br/ - Fonte: Revista Planeta Ed. 374 Novembro 2003

    A cronobiologia no surgiu ontem. H 3.500 anos, na antiga Grcia, o mdico Hipcrates j observara que muitos problemas de sade tm carter sazonal. Essa cincia se baseia na velha noo do "tempo vivo", diferente do tempo cronolgico mostrado pelos nossos relgios. O "tempo vivo" no corre, ele d voltas, como a Terra ao redor do seu eixo a cada 24 horas, e ao redor do Sol a cada ano. Nosso organismo - que muitos sbios do passado definiram como uma "terra em miniatura" - adota um ritmo similar: ele parece ignorar a linha reta, preferindo um roda-roda biolgico.