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    FORMAES SCIO-CULTURAIS EM TEMPOS DE CIBERCULTURA:

    MOTIVAES E CONTEXTO DO CONSUMO CULTURAL EM INICIATIVAS DE

    CROWDFUNDING

    Gustavo Luiz Ferreira Santos1

    1 A AUTO-APRENDIZAGEM E A CIBERCULTURA

    Quais so as revolues de nosso tempo? Quais os novas formas de se

    comunicar, aprender e conviver? Perguntas esvaziadas pelo carter determinista

    dos termos utilizados. No h dvidas sobre as transformaes que permeiam asociedade contempornea, mas que sociedade no passou por transformaes? O

    foco que se faz necessrio no nas perguntas em si, mas o que as motivam, e o

    real significado de sua formulao.

    A que essas perguntas, normalmente, se referem relao da sociedade

    com o desenvolvimento das tecnologias de comunicao de massa e mais

    recentemente s tecnologias digitais ou tecnologias de comunicao e informao

    (TICs) e as transformaes que essas relaes podem .A lgica digital domina, hoje, a comunicao. Todos os formatos de

    reproduo, sejam udio, vdeo, texto e/ou grficos esto sujeitos transformao

    em informao digital e assim sendo, transmisso e recepo em uma nica

    linguagem, possibilitando o acesso a todos esses dados em apenas um aparelho. A

    hiperconexo, como aponta Andr Lemos (2003), princpio bsico do surgimento

    de uma cultura que no independente da Cultura, mas que possui caractersticas

    prprias e poder de influenci-la. A cibercultura.Para o autor a cibercultura a cultura contempornea marcada pelas

    tecnologias digitais (Idem, p.1), uma relao que surge com a emergncia de novas

    formas sociais possibilitadas por essas tecnologias. Ele aborda a cibercultura, como

    uma forma sociocultural que muitas vezes se confunde com a prpria cultura.

    Num momento em que toda esta Cultura midiatizada, explorada e exposta

    pelos meios de comunicao tradicionais e pela comunicao digital, numa

    sociedade globalizada, em que as identificaes do indivduo passam a ser ligadas

    1 Mestrando do setor de Ps-graduao em Comunicao da UFPR, na linha de pesquisa

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    menos por uma lgica interior, uma narrativa histrico-nacional, pela cidade ou pela

    famlia do que por um repertrio fragmentado de minipapis (Canclini, 2010, p. 48),

    uma outra questo surge: como se formam esses indivduos? Questo realizada por

    educadores na busca por compreender os desafios da aprendizagem nesta

    sociedade.

    Os sinais do desgaste do sistema educacional institucionalizado so

    discutidos ainda nos anos setenta, pelo pensador Ivan Illich (1985), ao apontar que a

    instituio escolar est diretamente ligada prpria estrutura da sociedade

    capitalista do sculo XX, ajudando a perpetuar o consumismo. Conclui que a

    aprendizagem humana deveria ter um carter autnomo, regulado por sistema de

    incentivos e democratizao de acesso e que fosse abandonada a instituioobrigatria, hierarquizada, programada e com diviso rgida de contedos.

    Em sua postura anti-institucional Illich propunha a visualizao de um eixo

    imaginrio de instituies da esquerda para direita (independente dos significados j

    associados essa imagem) em que, no lado mais extremo esquerda haveriam as

    instituies conviviais. Essas, distinguidas pelo uso espontneo, so voltadas para

    fazer algo, como a telefonia e o tratamento de gua. No oposto, as instituies

    manipulativas, voltadas produo de uma necessidade. Essas carregam asposies da sociedade moderna de consumo, que acabam por se constituir um fim

    em si mesmas.

    Para o autor, a escola estaria no espectro direita e deveria ser abolida,

    para o desenvolvimento de uma educao voluntria que carregasse as

    caractersticas das instituies conviviais. Para que isso ocorra, Illich prope, de

    forma bem descritiva, as redes de aprendizado.

    Essas redes se apropriariam das ferramentas tecnolgicas com o fim deaproximar aqueles que possuem interesses comuns e que tivessem interesse em se

    encontrar para discutir e aprender mais sobre o assunto. Para Illich os interesses

    no seriam necessariamente voltados a temas educacionais e/ou programados por

    algum, mas de livre escolha e a estrutura voltada essa nova instituio de

    aprendizagem seria composta por quatro redes, baseadas na ideia de que

    "o que preciso so novas redes, imediatamente disponveis ao pblico emgeral e elaboradas de forma a darem igual oportunidade para aaprendizagem e o ensino." (Illich, 1985, p. 87)

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    Sua anlise mostra-se particularmente interessada nas possibilidades que a

    tecnologia traz para a formao de um novo sistema de aprendizagem ao propor as

    teias de aprendizagem, baseadas em possibilidades de conexo entre os aprendizes

    e canais de aprendizado, algo que podemos enxergar hoje como uma possibilidade

    ainda mais concreta e dinmica, dado o desenvolvimento das tecnologias digitais e

    do desenvolvimento de redes sociais a partir dessas tecnologias.

    Para Douglas Kellner e Richard Kahn a questo que se mantm diante da

    midiatizao da cultura e a cultura digital how this technology is affecting the lives

    of students and families in the area for both good and ill (2007, p. 4). Ao discutir as

    posies de Illich sobre a tecnologia aponta:

    It is in this respect that Illich generally chose to speak of tools, and nottechnology, Therefore, for Illich, tool includes not only machines, but alsoany means to an end which people plan and engineer (Cayley, 1992, p.109), such as industries and institutions. In Illichs account, it is wrong todemonize tool making he was practical, dialectical and not a technophobe

    but tools do become problematical for Illich when they additionally producenew possibilities and new expectations that impede the possibility ofachieving the wanted end (Tijmes, 2002, pp. 207-208) for which they weremade. Doing so, tools turn from being means to ends into the endsthemselves, and they thus alter the social, natural and psychologicalenvironments in which they arise (Illich, 1973, p. 84). By amplifying humanbehavior and needs beyond the limits of the natural scales that existed prior

    to the tools creation, tools move from being reasonably productive andrational to paradoxically counterproductive and irrational (Illich, 1982, p. 15).(Idem, p. 8)

    O desenvolvimento da cibercultura trouxe outras vises para o campo,

    chamando ateno para o comportamento das pessoas na criao e transmisso de

    conhecimentos atravs do ciberespao e sobre as caractersticas no lineares e no

    hierarquizadas dessas interaes. Pierre Lvy (1999) props enxergar essas

    relaes como constituintes da Inteligncia Coletiva, surgida da contribuio

    coletiva e distribuda em rede, suprindo a impossibilidade dos indivduos absorverem

    todo o conhecimento possvel ao acessar o que precisam, quando necessitam da

    informao.

    Lvy ir propor caminhos para uma reinveno do sistema educacional

    levando em conta a proeminncia da comunicao digital da sociedade

    contempornea, compreendendo que melhores mecanismos de reconhecimento e

    aquisio de competncias devem ser colocados em prtica para assimilar os

    processos de aprendizado que surgem no ciberespao.

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    2 O CONSUMO CULTURAL E AS IDENTIDADES

    A globalizao, conforme avalia Canclini, ao deslocar a produo dos bens,

    das comunidades onde eles sero consumidos, esvazia o valor simblico de uma

    identificao do local, do prprio e altera inclusive a relao de diferenciao que os

    produtos importados tinham em outro momento. Torna-se difcil dizer o que

    prprio (Canclini, 2010, p. 32)

    O sentimento de pertena comea a surgir da seleo e apropriao dos

    bens, baseados no significado de valor que eles nos apresentam. De uma

    identificao que surge menos por lealdades locais ou nacionais e mais pela

    participao em comunidades transnacionais ou desterritorializadas de

    consumidores2(p. 40).

    Para caso especfico do consumo de bens culturais, importante elucidar a

    diferenciao desse processo do consumo como um todo, nos dois casos, para

    evitar a confuso entre consumo e consumismo. Definindo o consumo como o

    conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriao e os usos

    dos produtos (p. 60) o autor procura fugir das noes naturalistas sobre a

    necessidade humana, argumentando que desejos so condicionados pelo ambientecultural e marcados pelas diversas mediaes (famlia, trabalho, etc.) que cercam o

    ser humano.

    O consumo serve para pensar, nas palavras do autor, no sentido que

    envolve as relaes sociais, atravs da significao e distino grupal ou de classes,

    que os usos dos produtos estabelecem, e na configurao do sentido das aes do

    indivduo, atravs da ritualizao (uma abordagem influenciada pelo aporte

    antropolgico).Quanto distino da ideia de consumo cultural, Canclini observa que se faz

    necessria j que se trata da criao e consumo de bens com nfase menor em seu

    carter material ou mercadolgico do que em seu aspecto simblico. Ainda que

    permeadas pela lgica de mercado atravs da indstria cultural, os produtos

    culturais (artsticos ou cientficos, por exemplo) alcanaram relativa independncia

    no que se refere um controle interno de qualidade, regulado por lgicas prprias de

    suas instituies (crtica, curadorias, etc.) e pelos prprios consumidores.

    2(grifo meu).

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    3 O CROWDFUNDING E A CULTURA DA PARTICIPAO

    Em maio de 2011, uma pequena banda de Curitiba, chamadaA banda mais

    bonita da cidade, divulgou nos sites de redes sociais, Facebook e Twitter, o clipe,

    postado no site de vdeos Youtube,de sua msica Orao. O vdeo tornou-se um

    sucesso de compartilhamento alcanando milhes de visualizaes em poucos dias

    e desencadeando aparies da banda em programas da chamada mdia tradicional

    de massa, TV e Rdio.

    Em outros tempos, essa exposio traria, ao menos, a chance de contrato

    com algum grande estdio ou gravadora. No entanto, a banda, independente,utilizou sua fama repentina para seguir um outro caminho. Tratou de iniciar a

    produo de um lbum, mas no dependeu do investimento de uma grande

    corporao musical e sim da multido de empolgados com sua msica e seu vdeo

    para financiar o projeto atravs de uma plataforma de crowdfunding.

    No site Catarse, a banda divulgou projetos de cada faixa de se lbum e o

    valor necessrio para sua produo. Quem acessava cada projeto visualizava uma

    lista de possveis contribuies financeiras, semelhante a uma lista de compras deuma loja on-line tradicional, que o usurio poderia fazer para a produo da faixa.

    Cada uma dessas contribuies vinha atrelada a uma recompensa que seria

    recebida ao trmino da campanha (Por exemplo: cpia fsica do lbum, ou seu nome

    nos crditos). A banda alcanou financiamento para onze das doze faixas propostas,

    arrecadando um total de aproximadamente cinquenta mil reais.

    O Catarse um entre tantos sites que trabalham com o conceito de

    crowdfunding. Um financiamento participativo que tm origem de um outrofenmeno, a colaborao direta de pessoas intermediada pela internet, como a

    Wikipedia, por exemplo. Definido por Howe (2006), como crowdsourcing, esse

    formato conta com a participao da multido de interessados por um projeto, para

    sua viabilizao. Da a ideia de crowdfunding, onde o pblico financia a produo,

    apesar de, na maioria dos casos no contribuir no produto final em si.

    O crowdfunding impulsionado por estas plataformas, desenvolvidas por

    websites que hospedam e regulam os projetos e que legitimam, por assim dizer, as

    propostas. Para alcanar os financiadores porm, os projetos devem saber se

    publicizar, da a importncia dos sites de redes sociais. Iniciando pelas redes de

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    amigos e familiares dos proponentes, o projeto se espalha pelas conexes sociais,

    atravs da web, para assim, alcanar um pblico suficiente de contribuintes para sua

    realizao.

    Iniciativas desse tipo so apoiadas diretamente no conceito da inteligncia

    coletivae o conceito relacionado de cultura da participaode Henry Jenkins.

    A cultura da convergncia apresentada por Jenkins (2009) como um

    processo em os produtos culturais no so limitados por um veculo especfico,

    circulando e estendendo-se por vrias plataformas e vrias indstrias e em que o

    pblico busca acessar o contedo pelos vrios meios a que tem acesso. Para

    Jenkins, esse contexto potencializa uma cultura da participao, em que os fs de

    determinado produtos culturais comeam no s a se interessar em criar derivaesdesses produtos e a se unir em torno disso, mas a enxergar sua participao no

    produto oficial e sua importncia e influencia em sua continuidade e/ou

    estabelecimento.

    Chris Anderson (2006) argumenta que essa participao e ainda, a ateno

    da indstria para com esse pblico, reflexo da diminuio do custo para atend-

    los, princpio que argumenta para ilustrar o conceito de calda longa. O mercado de

    nicho, um contraponto ao mercado de massa, guiado pela lgica dos grandessucessos, seria fragmentado e composto por vrios grupos de interesse que

    consomem, isoladamente, pequenas quantidades de produtos fora da lgica do hit,

    ou do grande sucesso, produtos alternativos ou redescobertas antigas, por exemplo,

    mas que juntos seriam responsveis por uma representativa percentagem nas

    vendas de empresas como a Amazon.com e o Ebay.com.

    Para o autor, a conectividade contempornea, ao diminuir os custos da

    distribuio fsica dos produtos, seria o facilitador de acesso para esses grupos,refletindo diretamente nas formas de consumo e compondo um dos fatores que

    contriburam para o enfraquecimento da indstria musical.

    "Now, in a new era of networked consumers and digital everything, theeconomics of such distribution are changing radically as the Internet absorbseach industry it touches, becoming store, theater, and broadcaster at afraction of the traditional cost." (Anderson, 2006, p. 16)

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    4 AS MOTIVAES E OS NOVOS PADRES DE CONSUMO CULTURAL

    A formao dessa cultura chama a ateno para seus participantes e suas

    motivaes. Se h uma relao da cibercultura com a formao sociocultural dos

    indivduos, se essa formao, possui direta relao com seu consumo cultural, seu

    comportamento e sua identificao na sociedade, em que medida essa cultura digital

    influencia nas motivaes dos indivduos para uma cultura de participao e assim,

    favorece um desvio de formatos pr-estabelecidos pela indstria, como no

    desenvolvimento de festivais de msica e gravaes independentes, downloads

    ilegais de filmes e msica, produes independentes de filmes e documentrios,

    etc., e no caso deste estudo, nas plataformas de crowdfunding?A proximidade da noo de inteligncia coletiva e de cultura da participao

    uma proposio de aprendizagem autnoma, alm dos prprios princpios que

    compem todo o imaginrio da cibercultura fazem com que se caminhe para esse

    questionamento e para um melhor entendimento de como esses processos afetam o

    sistema educacional e as decises sobre os rumos que deve tomar.

    Compreender como as pessoas enxergam suas participaes e sua relao

    com sua prpria formao tratar de obter da sociedade a viso que tem de simesma de sua condio atual.

    5 REFERNCIAS

    5.1 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    Anderson, C. (2006). Ebook. The Long Tail: Why the future of business is selling lessof more(E-book. ed.). Nova Iorque, NY, EUA: Hyperion.

    Bourdieu, P. (2007).A distino: crtica social do julgamento.(D. Kern, & G. J.Teixeira, Trans.) So Paulo, SP: Edusp.

    Canclini, N. G. (2010). Consumidores e Cidados: conflitos multiculturais daglobalizao(8 Ed. ed.). (M. S. Dias, Trans.) Rio de Janeiro, RJ: Editora UFRJ.

    Illich, I. (1985). Sociedade sem escolas(7 Ed. ed.). (L. M. Orth, Trans.) Petrpolis,RJ: Vozes.

    Jenkins, H. (2009). Cultura da Convergncia.So Paulo: Aleph.

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    Kellner, D., & KAHN, R. (2007). Paulo Freire and Ivan Illich: technology, politics andthe reconstruction of education. Policy Futures in Education , 5(4). Disponvel em:. Acesso em: 28 jan. 2012.

    LVY, P. (1999). Cibercultura.(Traduo: C. I. Costa) So Paulo, SP: Editora 34.LEMOS, A; Cunha, P. (orgs.). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto Alegre,2003; pp. 11-23. Disponvel em:. Acesso em:19 jul. 2012.

    5.2 WEBSITES

    Catarse. . Acesso em: 28 jan. 2013.

    Facebbok . Acesso em: 28 jan. 2013

    Twitter . Acesso em: 28 jan. 2013

    Youtube . Acesso em: 28 jan. 2013