Culpabilidade

14
1 CULPABILIDADE... Por que eu coloquei a culpabilidade pontilhada? Porque existe dúvida se a culpabilidade integra ou não o crime. Isso vai influenciar no próprio conceito de culpabilidade. . CONCEITO Conceito Segundo a 1ª CORRENTE(Damásio) “A culpabilidade não integra o crime. Objetivamente, para a existência do crime, é prescindível a culpabilidade. O crime existe por si mesmo com os requisitos fato típico e ilicitude ( bipartiti). Mas o crime só é ligado ao agente se este for culpado.” Para a primeira corrente, culpabilidade não é substrato do crime, não integra o crime, que se integra do fato típico e ilicitude. Mas para você ligar esse fato objetivo ao agente você precisa da culpabilidade. “Então, para essa corrente, culpabilidade é mero pressuposto de aplicação da pena, juízo de reprovação e censurabilidade.” Conceito Segundo a 2ª CORRENTE(maioria) “A culpabilidade é o terceiro substrato do crime (sem culpabilidade não tem crime) . Juízo de reprovação extraído da análise como o sujeito ativo se situou e posicionou, pelo seu conhecimento e querer, diante do episódio injusto.” Para essa corrente, a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade são os pressupostos da pena. Existe pena sem tipicidade? Não. Existe pena sem ilicitude? Não. Também não existe pena sem culpabilidade. “A tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade são pressupostos de aplicação da pena.” Essa segunda corrente é a chamada corrente tripartiti. Olha a pergunta que vai cair na sua prova: “O Código Penal Brasileiro é bi ou tri?” tem uma primeira corrente que diz que é bipartiti. O CP quando exclui o fato típico, diz: não há crime, demonstrando que fato típico e crime têm tudo a ver. O Código Penal quando exclui a ilicitude, e vocês viram isso no art. 23, ele também alerta: não há crime. Agora, quando o Código Penal exclui a culpabilidade ele diz: isento de pena. Se diz que é isento de pena, ele não está ligando a culpabilidade a crime. Ele só está ligando culpabilidade a pena e o crime permanece. Entenderam o raciocínio daqueles que ensinam que o Código Penal é bipartiti? Pergunto: “Destrua esse raciocínio.” Vocês já têm instrumento para destruir esse raciocínio. Vocês viram que a descriminante putativa sobre situação de fato exclui dolo e exclui culpa e ele está isento de pena. Então, nosso Código Pena não é tão técnico assim. Vocês acabaram de ver que o art. 20, § 1º, que exclui dolo e exclui culpa, fala em isento de pena, e dolo e culpa estão no fato típico. Então vejam como o Código Penal não é tão coerente quanto acreditam ser. A teoria tripartiti lembra muito bem o seguinte: se você diz que para haver crime, basta haver fato típico e ilicitude, quando não é culpável, você está admitindo um crime sem censura. Se você é biparti, está dizendo que para haver crime basta fato típico e ilícito. Se for típico e ilícito você diz: há crime. Se ele não é culpável, você vai dizer o quê? “Estou diante de um crime não censurável” e isso não é possível. Ou é crime e é censurável ou não é censurável e não é crime. Do contrário, você vai admitir que no Brasil existe crime que não se censura e isso não é possível! O que eu falo no concurso? Sou bi ou sou tri? Concurso federal e concurso estadual fora de São Paulo você é tri. Onde a teoria bipartiti tem aceitação? Em alguns concursos em São Paulo. MP/SP, por exemplo, é bi. No último concurso, o examinador afirmou a teoria bipartiti.

Transcript of Culpabilidade

Page 1: Culpabilidade

1

CULPABILIDADE...

Por que eu coloquei a culpabilidade pontilhada? Porque existe dúvida se a

culpabilidade integra ou não o crime. Isso vai influenciar no próprio conceito de culpabilidade.

. CONCEITO

Conceito Segundo a 1ª CORRENTE(Damásio) – “A culpabilidade não integra o

crime. Objetivamente, para a existência do crime, é prescindível a culpabilidade. O crime existe

por si mesmo com os requisitos fato típico e ilicitude (bipartiti). Mas o crime só é ligado ao

agente se este for culpado.” Para a primeira corrente, culpabilidade não é substrato do crime, não

integra o crime, que se integra do fato típico e ilicitude. Mas para você ligar esse fato objetivo ao

agente você precisa da culpabilidade.

“Então, para essa corrente, culpabilidade é mero pressuposto de aplicação da pena, juízo

de reprovação e censurabilidade.”

Conceito Segundo a 2ª CORRENTE(maioria) – “A culpabilidade é o terceiro substrato

do crime (sem culpabilidade não tem crime). Juízo de reprovação extraído da análise como o

sujeito ativo se situou e posicionou, pelo seu conhecimento e querer, diante do episódio injusto.”

Para essa corrente, a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade são os pressupostos da

pena. Existe pena sem tipicidade? Não. Existe pena sem ilicitude? Não. Também não existe pena

sem culpabilidade. “A tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade são pressupostos de aplicação da

pena.” Essa segunda corrente é a chamada corrente tripartiti.

Olha a pergunta que vai cair na sua prova: “O Código Penal Brasileiro é bi ou tri?”

tem uma primeira corrente que diz que é bipartiti. O CP quando exclui o fato típico, diz: não há

crime, demonstrando que fato típico e crime têm tudo a ver. O Código Penal quando exclui a

ilicitude, e vocês viram isso no art. 23, ele também alerta: não há crime. Agora, quando o Código

Penal exclui a culpabilidade ele diz: isento de pena. Se diz que é isento de pena, ele não está

ligando a culpabilidade a crime. Ele só está ligando culpabilidade a pena e o crime permanece.

Entenderam o raciocínio daqueles que ensinam que o Código Penal é bipartiti?

Pergunto: “Destrua esse raciocínio.” Vocês já têm instrumento para destruir esse

raciocínio. Vocês viram que a descriminante putativa sobre situação de fato exclui dolo e exclui

culpa e ele está isento de pena. Então, nosso Código Pena não é tão técnico assim. Vocês

acabaram de ver que o art. 20, § 1º, que exclui dolo e exclui culpa, fala em isento de pena, e

dolo e culpa estão no fato típico. Então vejam como o Código Penal não é tão coerente quanto

acreditam ser.

A teoria tripartiti lembra muito bem o seguinte: se você diz que para haver crime,

basta haver fato típico e ilicitude, quando não é culpável, você está admitindo um crime sem

censura. Se você é biparti, está dizendo que para haver crime basta fato típico e ilícito. Se for

típico e ilícito você diz: há crime. Se ele não é culpável, você vai dizer o quê? “Estou diante de

um crime não censurável” e isso não é possível. Ou é crime e é censurável ou não é censurável e

não é crime. Do contrário, você vai admitir que no Brasil existe crime que não se censura e isso

não é possível!

O que eu falo no concurso? Sou bi ou sou tri? Concurso federal e concurso estadual

fora de São Paulo você é tri. Onde a teoria bipartiti tem aceitação? Em alguns concursos em São

Paulo. MP/SP, por exemplo, é bi. No último concurso, o examinador afirmou a teoria bipartiti.

Page 2: Culpabilidade

2

TEORIAS DA CULPABILIDADE

Quando cair isso você vai falar o quê? Cuidado. Sempre que cai teoria da

culpabilidade, tem alguns candidatos que começam a falar de critérios biológicos, psicológicos,

etc. Nada a ver. Quando a pergunta é sobre teorias da culpabilidade, ele está querendo saber

sobre a teoria psicológica, psicológica-normativa, normativa pura e limitada. Já vimos isso

quando eu estudei com vocês dolo.

Teoria PSICOLOGICA da culpabilidade

“A teoria psicológica da culpabilidade tem base causalista.” Quando eu digo que a

teoria psicológica da culpabilidade tem base causalista, o que você já pode afirmar que vai

encontrar na culpabilidade? Dolo e culpa. Para a teoria psicológica da culpabilidade, a

culpabilidade tem espécies. Você tem uma culpabilidade-dolo e uma culpabilidade-culpa. Se você

agiu com dolo, sua culpabilidade é dolosa, se você agiu com culpa, sua culpabilidade é culposa. E

ela tem um só elemento, que é a imputabilidade. Olha que culpabilidade pobre!

Críticas à teoria psicológica: “O erro dessa teoria foi reunir como espécies

fenômenos completamente diferentes: dolo (querer) e culpa (não querer).”

Teoria PSICOLOGICA-NORMATIVA da culpabilidade

“A teoria psicológica-normativa tem base neokantista.” Se eu digo que ela tem base

neokantista (e vocês já estudaram isso comigo), também para o neokantismo que tem espírito

causalista, eu vou colocar o que na culpabilidade? Dolo e culpa. Mas o neokantista já não tem

mais espécies. Ele analisa a culpabilidade com elementos. Ele já não separa mais em espécies. E

não fala só em elemento (como no caso da anterior: imputabilidade), fala em elementos. Ela

enriquece a culpabilidade. Nada se perde, tudo se aproveita, então, a imputabilidade permanece.

Então, ao lado da imputabilidade acrescenta, exigibilidade de conduta diversa e é aqui que eu vou

encontrar a culpa ou o dolo. Então, vejam, o dolo e a culpa deixam de ser espécies de

culpabilidade e passam a ser elementos da culpabilidade. Olha que importante! Olha o que essa

teoria fez: o dolo e a culpa passam a ser elementos da culpabilidade. E fez mais: acrescentou a

exigibilidade de conduta diversa.

Vamos aprofundar. O dolo, para essa teoria, é constituído de consciência, vontade e

consciência atual da ilicitude. Essa consciência atual da ilicitude é o elemento normativo desse

dolo. Como se chama esse dolo? Dolo normativo. Esse dolo para a teoria psicológica-normativa,

de base neokantista, é chamado de dolo normativo. É só você ir ao seu material. Você vai

encontrar, inclusive, a definição.

Críticas à teoria psicológica-normativa: “O dolo e a culpa não podem estar na

culpabilidade, mas fora dela, para sofrerem a incidência do juízo de censurabilidade.”

Culpabilidade é juízo de censura. Eu tenho que censurar esse dolo e essa culpa e para censurar,

tem que estar fora. Eu só posso censurar o que está fora de mim.

Teoria NORMATIVA PURA ou EXTREMADA da culpabilidade

Essa teoria tem base f inalista. Se é assim, o que eu não mais vou encontrar na

culpabilidade? Eu não vou mais encontrar dolo e culpa. Presta atenção no que aconteceu: o dolo

e a culpa migraram da culpabilidade para o fato típico. Dolo e culpa estão no fato típico. Mas olha

o detalhe, o dolo que migrou não foi o dolo normativo, foi o dolo constituído só de consciência e

Page 3: Culpabilidade

3

vontade. O elemento normativo permanece na culpabilidade. A consciência da ilicitude permanece

na culpabilidade. Então, o dolo não pode mais ser chamado de dolo normativo porque perdeu o

elemento normativo. Hoje ele só tem os elementos naturais. Como chama esse dolo? Dolo

natural. Eu já expliquei isso: dolo natural é o dolo da teoria normativa pura, de base finalista, que

está no fato típico, despido do elemento normativo que integra a culpabilidade, etc.

Elementos da culpabilidade para a teoria normativa pura: imputabilidade,

exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude. A potencial consciência da

ilicitude era que espécie de consciência? Era atual. Ago ra é potencial. Qual a repercussão disso?

Na próxima aula vamos estudar o que signif ica deixar de ser atual para ser potencial (o que gera

isso). Então, a mudança da normativa para a normativa pura o que eu tive? Os elementos da

culpabilidade são quase os mesmos, é que o dolo e a culpa migraram para o fato típico. O dolo é

natural e o elemento normativo consciência da ilicitude ficou na culpabilidade como seu terceiro

elemento deixando de ser atual para ser potencial.

Críticas à teoria normativa extremada – Nós falamos que a teoria extremada se

contrapõe à teoria limitada na discussão da descriminante putativa sobre situação de fato. Isso

porque a teoria extremada trata essa descriminante putativa como erro de proibição. E nós vimos

que o Código Penal abarca erro de tipo. Crítica: “Essa teoria se equivoca ao equiparar a

descriminante putativa sobre situação fática (art. 20, § 1º) a uma espécie de erro de proibição.”

Quem faz essa crítica? Como se chama a teoria que se contrapõe à extremada? Teoria limitada da

culpabilidade.

Teoria LIMITADA da culpabilidade

Ela também tem base finalista. A culpabilidade também tem os elementos

imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude. A teoria

limitada e a teoria extremada estão idênticas. Tudo o que eu falei para a extremada, eu falei para

a limitada. A única observação é o art. 20, § 1º, para ela, é erro de tipo. É só nisso que ela se

diferencia da outra. Para a anterior, o art. 20, § 1º é erro de proibição. Só se diferencia aqui. No

mais é idêntica. Só diverge sobre o tratamento dado à descriminante putativa sobre situação de

fato. Só isso. Vocês sabem que permanece a teoria limitada da culpabilidade.

ELMENTOS DA CULPABILIDADE

São três: imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência

da ilicitude.

IMPUTABILIDADE

Conceito: “É a capacidade de imputação, possibilidade de se atribuir a alguém a

responsabilidade pela prática de uma infração penal. A imputabilidade é o conjunto de condições

pessoais que conferem ao sujeito ativo a capacidade de discernimento e compreensão, para

entender seus atos e determinar-se conforme esse entendimento.”

Por que esse conceito é extenso? Pergunto: O Código Penal conceitua

imputabilidade? Essa pergunta foi feita no TJ do Paraná. A resposta é: O Código Penal não dá um

conceito positivo de imputabilidade, ele dá um conceito negativo. Ele conceitua a imputabilidade

trazendo as hipóteses de inimputabilidade. É uma maneira diferente de conceituar. Você não

conceitua o que é, mas o que não é.

“O Código Penal não dá um conceito positivo de imputabilidade (o que é), mas ele

dá o conceito negativo, ou seja, o que não é. Ele conceitua imputabilidade dizendo o que não é

imputável.”

Page 4: Culpabilidade

4

O direito civil fala em capaz e incapaz. O direito penal fala em imputável e

inimputável. O que é capaz para o direito civil, para o direito penal chama-se imputável. E o

incapaz para o direito civil é o inimputável para o direito penal.

Pergunto: “Irresponsabilidade é sinônimo de inimputabilidade? Imputabilidade é

sinônimo de responsabilidade? Todo imputável é responsável? Tem alguém que é responsável e

não é imputável penalmente?”

“Embora muitas vezes sejam empregadas como sinônimas, as expressões

imputabilidade e responsabilidade não se confundem. Da imputabilidade decorre a

responsabilidade, sendo aquela, portanto, pressuposto desta, que é a sua consequência.”

Exemplo de imputável não responsável (já vimos isso em sala de aula): imunidade

parlamentar.

Quando eu expliquei imputabilidade eu lembre que o CP não conceitua

imputabilidade, aliás, conceitua, mas não de modo positivo. Ele conceitua de modo negativo,

dizendo não o que é, mas dizendo o que não é.

Todo aquele que é capaz no direito civil é necessariamente imputável. Pode

acontecer de o menor se casar, antecipar a maioridade, mas para o direito penal ele continua

inimputável. O direito penal atenta para a idade biológica.

Falando em imputabilidade, depois que vimos o conceito, vamos falar dos sistemas

de inimputabilidade.

b) SISTEMAS DE INIMPUTABILIDADE

Sistema Biológico – Esse sistema leva em conta apenas o desenvolvimento

mental do acusado, independentemente se tinha ao tempo da conduta capacidade de

entendimento e autodeterminação. O sistema biológico, para analisar se uma pessoa é ou não é

imputável, ele olha uma coisa apenas e tão-somente. Pouco importa se no momento da conduta

ele tinha ou não capacidade de entendimento ou de se autodeterminação. Para este sistema, todo

louco é inimputável, mesmo que no momento da ação ou omissão ele soubesse o que fazia. Você

é louco? Fica tranquilo, mesmo que você saiba você será tratado como inimputável.

Sistema Psicológico – O sistema psicológico é exatamente o oposto do biológico.

O que importa para o biológico não importa para o psicológico e o não importa para o biológico é

somente o que importa para o psicológico. “O psicológico apenas considera se o agente ao tempo

da conduta tinha capacidade de entendimento e autodeterminação, pouco importando eventual

incapacidade mental.” Independentemente da condição da saúde mental. Eu não quero saber se

você é louco. Eu quero saber se você tinha entendimento, autodeterminação na hora que praticou

o crime.

Sistema Biopsicológico – Esse sistema junta as duas concepções anteriores:

“Considera inimputável aquele que, em razão de sua condição mental era, ao tempo da conduta,

inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar -se de acordo com

esse entendimento (autodeterminação)”. Eu resumi capacidade, entendimento e

autodeterminação.

Qual o sistema o Brasil adotou? O Brasil não adotou só um sistema. Adotou um e

excepcionalmente, adotou outro. Vamos, oportunamente, ver qual é.

c) CAUSAS DE INIMPUTABILIDADE

Inimputabilidade em razão da ANOMALIA PSÍQUICA

Page 5: Culpabilidade

5

Previsão legal: art. 26, caput, do Código Penal:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou DESENVOLVIMENTO

MENTAL INCOMPLETO ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente

incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

Se o art. 26 tivesse parado na palavra ‘retardado’, você diria que o art. 26 adotou o

sistema biológico. Mas ele continua. Se o art. 26 fosse constituído só do que está em negrito,

vocês diriam que ele adotou qual sistema? Psicológico. Só que, ao juntar os dois, adotou a teoria

biopsicológica. Então, o art. 26, caput, adotou o sistema biopsicológico. Então, não basta você ser

louco. Tem que, ao tempo da ação ou omissão não saber o que faz.

No Brasil está errada a conclusão de que todo louco é inimputável. No Brasil, não

basta ser louco para ser inimputável. Para louco ser inimputável, no momento da conduta ele não

pode ter capacidade de entendimento e autodeterminação. Alguém tem dúvida de que o Maníaco

do Parque é louco? Mas foi condenado. Ele foi considerado louco, mas um louco que sabia o que

estava fazendo.

O que se entende por doença mental? A expressão doença mental merece uma

interpretação restritiva ou extensiva? “A expressão doença mental deve ser tomada em sua maior

amplitude e abrangência, isto é, qualquer enfermidade que venha a debilitar as funções

psíquicas.” Já deu para perceber que deve ser tomada no seu sentido mais amplo possível.

Qualquer enfermidade que retire a capacidade de entendimento e autodeterminação deve ser

considerada doença mental.

O que se entende por desenvolvimento mental incompleto? “É aquele que

ainda não atingiu a maturidade psíquica.”

No caso desse inimputável em razão de anomalia psíquica, o doente mental, neste

caso, vai ser processado. É o ÚNICO caso em eu o fato não é crime e que o juiz não pode

rejeitar a denúncia. Vocês já perceberam que o caso do doente mental é uma clara hipótese de

fato típico, ilícito e não culpável, ou seja, um não-crime que o juiz tem que receber a denúncia?

Por que? Porque ele vai ser processado, em seguida, absolvido, impondo-se medida de

segurança. Olha que importante: vai ter denúncia, mesmo não sendo crime, o juiz não pode

rejeitar, o juiz recebe, haverá ação penal, com devido processo legal, ele vai ser absolvido e

impõe medida de segurança. Então o juiz absolve e impõe uma sanção penal? Então não é uma

absolvição própria ou propriamente dita. É uma absolvição imprópria. O doente mental vai ser

processado, absolvido, mas é uma absolvição imprópria porque o juiz vai impor pena da espécie

medida de segurança.

O art. 26, § único não traz hipótese de inimputabilidade:

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em

virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado

não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar -se de acordo

com esse entendimento.

Esse dispositivo traz o que se chama de semi-imputabilidade.O semi-

imputável tem perturbação mental e ele vai ser processado, vai ser condenado (vejam, ele é

autor de fato típico, ilícito e culpável) e aí o juiz vai optar por pena reduzida ou medida de

segurança.

Então, se o agente apresenta perturbação mental ou desenvolvimento mental

incompleto, vai ser processado como inimputável. A diferença é que o inimputável é absolvido.

Page 6: Culpabilidade

6

Ele é condenado. O doente mental é absolvido porque não pratica crime, não é culpável. Ele é

culpável, vai ser condenado. O doente mental sofre, somente medida de segurança, ele sofre ou

pena reduzida ou medida de segurança.

Está certo chamar o art. 23, § único de semi-imputável? Olha, ele vai ser

denunciado, processado, condenado e vai cumprir pena (reduzida ou medida de segurança). O

que é semi-imputável? A doutrina moderna corrige essa expressão, dizendo que não existe semi-

imputável. Na verdade, o 23 § único, é imputável com responsabilidade penal diminuída.

Se você se depara com um caso de doença mental, essa circunstância é compatível

com circunstâncias subjetivas do crime? O juiz pode impor a semi-imputável, por exemplo,

agravantes subjetivas? Qualificadoras subjetivas de um crime? O semi-imputável pode ser

condenado por um crime motivo pela torpeza, pela futilidade? Ou a semi-imputabilidade é

incompatível com as circunstâncias subjetivas do crime? Isso só vai ter no caderno de vocês:

“Apesar de haver corrente em sentido contrário, prevalece que a semi-

responsabilidade é compatível com as circunstâncias acidentais agravantes ou qualif icadoras do

delito, mesmo as de natureza subjetiva.”

Inimputabilidade em razão da IDADE do agente (menoridade)

Previsão legal: art. 27:

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando

sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

O artigo é muito claro. Qual o sistema adotado por ele? Repare que o art. 27 só

está preocupado com a idade do agente, pouco importante se ao tempo do fato ele sabia o que

estava fazendo. Se ele só está preocupado com a idade e presume um desenvolvimento

incompleto, qual a única teoria que se preocupa com o desenvolvimento mental incompleto? O

sistema biológico. O art. 27 adotou o sistema biológico.

Qual foi o critério para o legislador escolher 18 anos? O Código Penal foi reformado

em 84 e falou que a menoridade se dá aos 18 anos. A Constituição Federal de 1988, no seu art.

228 diz o seguinte:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às

normas da legislação especial.

Então, a CF também trata como menor aquele que não atingiu 18 anos. Começou

com o CP, a CF repete. A Convenção Interamericana de Direitos Humanos, no seu art. 5º.5, diz o

seguinte:

5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos

adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento.

Ela não diz o que é menor. Ela deixa cada país dizer o que é menor. Com isso, a

menoridade é ditada por razões de política criminal e não por postulados científicos .

Menor de 17 anos se casa. Ele antecipou a capacidade civil, mas não a penal. O direito

penal se preocupa somente com idade biológica, pouco importa se você antecipou sua capacidade

civil.

Page 7: Culpabilidade

7

As normas especiais a que se refere o art. 27 pode ser exemplificada pelo ECA.

Pode o Brasil reduzir a menoridade penal para 16 anos, como muitos estão querendo?

Pode?

1ª Corrente: “O art. 228, da Constituição Federal, é cláusula pétrea. Portanto,

imutável nas hipóteses de redução ou extinção de direitos e garantias fundamentais.” É

importante colocar isso! Eu não estou dizendo que cláusula pétrea não pode ser alterada. Pode se

for para ampliar direitos e garantias fundamentais. LFG. Essa corrente prevalece no meio jurídico.

2ª Corrente: “O art. 228 não é cláusula pétrea, podendo ser alterado para se

reduzir a maioridade penal (Capez).” Essa corrente prevalece na Câmara dos Deputados e no

Senado.

Antes de adentrar a terceira causa de inimputabilidade, o Código Penal faz um

alerta no art. 28, I:

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção (estado súbito e

passageiro) ou a paixão (sentimento crônico e duradouro);

Pergunto: O que é emoção e o que é paixão? Caiu isso em concurso. É comum em

prova oral. A emoção é um estado súbito e passageiro. A paixão é um sentimento crônico e

duradouro.

É importante o seguinte: apesar de não excluir a imputabilidade, a emoção pode

ser uma atenuante (art. 65, III) ou privilégio (art. 121, § 1º). A paixão, dependendo do grau,

pode ser encarada como uma doença mental. Uma paixão patológica, dependendo do grau, pode

ser equiparada a doença mental. Aí você pode ser tratado como doente mental e ser excluído da

responsabilidade.

Então, a emoção e a paixão, por si só, não excluem a imputabilidade penal. Mas a

emoção pode privilegiar ou atenuar o crime e a paixão, dependendo do grau, deixa de ser paixão

e passa a ser equiparada à doença mental (paixão patológica).

Inimputabilidade em razão da EMBRIAGUEZ

Previsão legal: Art. 28, II, § 1º, do CP:

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: II - a embriaguez, voluntária ou

culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de

caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

O que é embriaguez? “É a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool (ou

substância de efeitos análogos), cujos efeitos podem progredir de uma ligeira excitação inicial até

o estado de paralisia e coma.”

Lendo o art. 28, II, § 1º e § 2º, você vê que o Código Penal fala nas várias espécies

de embriaguez. Vamos analisar o assunto quanto à origem da embriaguez e quanto ao grau.

ESPÉCIES DE EMBRIAGUEZ:

Page 8: Culpabilidade

8

Embriaguez quanto à ORIGEM:

Embriaguez acidental: Pode advir de caso fortuito ou força maior. Pergunto: quando ela

é acidental proveniente de caso fortuito e quando é de força maior?

Caso fortuito: Quando o agente desconhece o efeito inebriante da substância que

ingere.

Força maior: Quando ele é obrigado a ingerir a substância. Exemplo de

Damásio: Alguém cai no tonel de pinga, sai dali e mata o segurança. Exemplo da jurisprudência:

Uma mulher foi seqüestrada e drogada no cativeiro. Ela conseguiu fugir naquele estado. Esse é

um exemplo mais factível.

A embriaguez acidental, seja por razão de caso fortuito, seja por razão de força maior, ela

pode ser completa ou incompleta:

Completa : Quando exclui capacidade de entendimento e autodeterminação no

momento da conduta.

Incompleta: Quando diminui capacidade de entendimento e autodeterminação

Embriaguez não-acidental: Pode ser voluntária ou culposa.

Voluntária: Será voluntária quando o agente quer se embriagar. Eu falei que ele quer se

embriagar. Eu não falei que ele quer se embriagar para praticar crime. Ele simplesmente decidiu

‘tomar todas’.

Culposa: Não queria se embriagar, mas aconteceu.

A embriaguez não-acidental, seja voluntária, seja culposa, também pode ser completa ou

incompleta.

Embriaguez doentia: É a embriaguez patológica. É equiparada a uma doença

mental. Também pode ser completa e se completa, será equiparada ao art. 26, caput, e se

incompleta, será equiparada ao art. 26, § único.

Embriaguez preordenada: A embriaguês é meio para a prática do crime. Também pode

ser completa ou incompleta.

O que diz o art. 28, § 1º, do CP? Só exclui a imputabilidade a embriaguez acidental

completa. Só esse exclui a imputabilidade penal. E se for incompleta, somente reduz a pena. Só

isenta de pena a embriaguez acidental proveniente de caso fortuito ou força maior completa.

Somente essa! A acidental incompleta não isenta de pena. Diminui pena. A embriaguez não

acidental não isenta de pena jamais, seja completa, seja incompleta. Não exclui a culpabilidade.

A patológica só exclui a imputabilidade se completa, caso em que é comparada ao art. 26, caput.

Se incompleta, não exclui. A preordenada não exclui a imputabilidade, não importa se completa

ou incompleta.

Se te perguntarem em concurso se embriaguez exclui a imputabilidade, a resposta é: A

acidental, sim, quando completa. A não-acidental, jamais, ainda que completa. A doentia exclui

se completa e a preordenada não exclui jamais, seja completa ou incompleta.

Eu vou aprofundar. Se a embriaguez é não-acidental ou é preordenada, vocês concluíram

que elas não excluem a imputabilidade, mesmo que culposa. Mas se a embriaguez é completa, no

momento da ação/omissão, o cara não tem capacidade de entendimento e autodeterminação.

Como, então, ele vai responder? Porque nessas duas espécies eu vou utilizar a teoria da actio

libera in causa. Eu não expliquei essa teoria ainda. Você só vai conseguir punir a embriaguez

acidental ainda que completa ou preordenada ainda que completa, graças a teoria da actio libera

Page 9: Culpabilidade

9

in causa. É graças a ela que você consegue punir essas duas espécies de embriaguez. Vamos

entender o que ela diz.

O assunto mais complexo que tem na responsabilidade é a embriaguez.

Teoria da Actio Libera in Causa

“O ato transitório revestido de inconsciência decorre de ato antecedente que foi

livre na vontade, transferindo-se para esse momento anterior a constatação da imputabilidade.”

Essa teoria diz que há dois atos, um transitório revestido de inconsciência e um

antecedente livre na vontade. O ato transitório revestido de inconsciência decorre de um ato

antecedente que foi livre na vontade. O que eu vou fazer? Eu não vou analisar a responsabilidade

no ato transitório revestido de inconsciência. Eu vou antecipar a manifestação de vontade no

momento anterior, no ato revestido de consciência.

Cuidado! A aplicação generalizada e discriminada dessa teoria pode redundar

responsabilidade penal objetiva.

Nós vamos trabalhar com o seguinte caso: motorista completamente bêbado

atropela um pedestre. Vamos trabalhar com esse evento em cinco situações diversas,

considerando o ato antecedente livre na vontade e o ato transitório revestido de inconsciência.

No momento do atropelamento, se ele estava completamente bêbado, é um ato

transitório revestido de inconsciência. Quando ele ingeria a bebida é um ato antecedente livre na

vontade. A teoria da actio libera in causa trabalha com o momento do atropelamento ou trabalha

com o momento anterior? Ela retroage a análise, analisando a imputabilidade no ato antecedente

em que ele era livre na vontade, ou seja, no momento da ingestão da substância. Vamos dizer

que neste momento, no momento em que ele bebe, ele prevê o atropelamento e quer a morte do

pedestre e, mais do que isso, ele quer atropelar e matar alguém. Se eu analisar a conduta dele

no momento do atropelamento, eu não vou definir nem dolo e nem culpa, porque ele não tem

consciência. Agora, se eu analisar a vontade dele no momento em que ele bebia, lembrando que

ele previu e quis o resultado, ele vai responder pelo quê? Quem prevê e quer responde por

homicídio doloso. Ele vai responder por homicídio doloso. Eu só consigo faze-lo responder por

homicídio doloso, graças à teoria da actio libera in causa porque ela não analisa a vontade no ato

transitório revestido de inconsciência. Ela analisa a vontade quando era livre a vontade.

Segunda situação: o momento do atropelamento, novamente, é um ato transitório

revestido de inconsciência. A teoria da actio libera in causa não trabalha com esse momento. Ela

retroage e analisa o momento em que o agente era livre na vontade, ou seja, o momento da

ingestão. Quando você ingeria a bebida no bar, você prevê o atropelamento, prevê a morte de

alguém e assume o risco. Se eu analisasse a sua vontade no momento do atropelamento, eu não

ia concluir dolo ou culpa porque você está completamente bêbado. Mas se eu retroagir e analisar

a sua vontade no momento em que você bebe, e aí se eu percebo que você previu e assumiu o

risco, eu digo que você vai responder a título de dolo eventual: homicídio doloso, aqui com dolo

eventual.

Terceira situação: o momento do atropelamento, de novo, é um ato transitório

revestido de inconsciência. A teoria da actio libera in causa não trabalha com esse momento. Ela

retroage e analisa o ato em que o agente era livre na vontade, ou seja, o ato da ingestão. Vamos

supor que quando você bebia, prevê o atropelamento e a morte de alguém, mas acredita poder

evitar. Você vai responder por homic ídio? Vai. Eu vou analisar os requisitos no momento da

ingestão. Quem prevê e acredita evitar, responde por homicídio culposo com culpa consciente.

Page 10: Culpabilidade

10

Quarta situação: novamente, no momento do atropelamento, você estava completamente

bêbado, sendo um ato transitório revestido de inconsciência. A teoria da actio libera in causa não

trabalha com esse momento. Ela retroage e analisa o ato em que o agente era livre na vontade,

ou seja, o ato da ingestão. Vamos supor que quando você bebia, não previu algo que era

previsível. Você responde ou não responde? Responde: homicídio culposo com culpa inconsciente.

Quarta situação: novamente, no momento do atropelamento, você estava completamente

bêbado, sendo um ato transitório revestido de inconsciência. A teoria da actio libera in causa não

trabalha com esse momento. Ela retroage e analisa o ato em que o agente era livre na vontade,

ou seja, o ato da ingestão. Vamos supor que quando você bebia, não previu algo que era

previsível. Você responde ou não responde? Responde: homicídio culposo com culpa inconsciente.

Quinta situação: Até este momento, vocês perceberam alguma responsabilidade penal

objetiva? Não. Em todos esses momentos, trabalhamos com responsabilidade penal subjetiva. No

momento do atropelamento, o agente estava completamente bêbado, era um ato transitório

revestido de inconsciência. Você já sabe que para a teoria libera in causa o que importa é o ato

antecedente livre na vontade, momento da ingestão. Quando ele bebia, ele não prevê o resultado

que, aliás, era imprevisível. Olha que importante: se você aplica a teoria da actio libera in causa

de maneira cega, generalizada, indiscriminada, ou seja, basta ser uma embriaguez não acidental

para ele responder pelo resultado, punido pelo homicídio, seja doloso, seja culposo, essa quinta

hipótese é uma responsabilidade penal presumida. Você está presumindo dolo e presumindo

culpa e isso não existe. Você vai estar punindo por um homic ídio sem dolo e sem culpa. Nessa

quinta hipótese estou diante de responsabilidade penal objetiva. Então, a doutrina moderna diz

que não é porque você está dizendo que tinha uma embriaguez não acidental que você pode

aplicar a teoria da actio libera in causa indiscriminadamente. Calma! Você não pode trabalhar

afastado dos elementos subjetivos e psicológicos. Você pode trabalhar com a teoria da actio

libera in causa retroagindo? Pode, mas vai ter que exigir pelo menos dolo e culpa nesse

momento, senão é responsabilidade penal objetiva. Então, nessa última hipótese eu não aplico a

teoria da actio libera in causa.

Quando eu falei do art. 26, disse que o código adotou o sistema biopsicológico. Quando eu

falei do art. 27, disse que adotou o sistema biológico. E o art. 28, § 1º, adotou qual sistema?

Biológico, biopsicológico ou psicológico?

Art. 28. § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,

proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente

incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

O que vocês acham? Basta estar embriagado? Não. Tem que estar embriagado de

maneira completa, então, o art. 28, § 1º adotou o sistema biopsicológico. Esse assunto é muito

bem explicado por um autor da Bahia, Djalma Eutímio.

Terminamos imputabilidade. Quando eu falo em culpabilidade, saco seu primeiro

elemento, a imputabilidade. E o que exclui a imputabilidade? Art. 26, caput, art. 27 e art. 28, §

POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE

“Para que um injusto penal seja culpável, não basta a capacidade de imputação

(imputabilidade), sendo indispensável a potencial consciência da ilicitude do agente.”

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato,

se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Page 11: Culpabilidade

11

Eu vou colocar pra vocês três situações porque quando eu estudava para concurso

eu tinha muita dificuldade nesse artigo: se eu desconheço a lei eu respondo pelo crime, mas se

eu conheço a lei, desconhecendo a ilicitude do fato eu posso ter minha culpabilidade excluída?

Não estou entendendo...

1ª situação de fato: O agente ignora a lei, sem ignorar a ilicitude do fato.

Resumindo: É o caso de alguém que sabe que faz algo que é errado, só não sabe que está

tipificado. Ele sabe que o que faz está errado, só não sabia que esse errado era típico. Nesse

caso, olha que interessante: não exclui a culpabilidade, podendo servir como atenuante de pena.

2ª situação de fato: O agente ignora a ilicitude do fato, sem violar a lei,

conhecendo a lei. É aquela pessoa que sabe que aquilo é crime. Só não sabe que o seu passo

está proibido naquela circunstância. Eu sei que estupro é crime, eu só não sabia que violentar a

esposa que nega a conjunção carnal é ilícito. Aqui eu tenho um caso de erro de proibição. Se

inevitável, exclui culpabilidade. Se evitável, reduz pena.

3ª situação de fato: O agente ignora a lei e a ilicitude do fato. Também é

caso de erro de proibição. Fabricar açúcar em casa é crime! Você desconhece a lei e a ilicitude do

fato. Vai ser tratado como erro de proibição.

Para saber se é evitável ou inevitável, vamos repetir a mesma discussão com o erro

de tipo:

1ª Corrente: Para saber se é evitável ou inevitável, uma primeira corrente trabalha

com o homem médio.

2ª Corrente: Que é a doutrina moderna. Trabalha com a análise do caso concreto.

Agora vocês estão entendendo porque eu falei de erro de tipo lá atrás.

“Qual a repercussão prática da passagem da atual consciência da ilicitude (vigente na

teoria psicológica normativa) para a consciência potencial da ilicitude (vigente na teoria

normativa pura)?” Só vai ter no caderno de vocês isso.

Teoria psicológica normativa exigia a atual consciência da ilicitude (que, aliás, integrava o

próprio dolo). A teoria normativa pura exige potencial consciência da ilicitude. Qual a diferença?

Vamos pegar o erro de proibição. O erro de proibição pode ser inevitável ou evitável. Se o erro de

proibição é inevitável, significa que ele é um erro imprevisível, ou seja, o agente não tem

consciência atual da ilicitude. Se evitável, é previsível. Mas se é previsível, ele ta mbém não tem

consciência atual da ilicitude. Para a teoria psicológica normativa, qualquer erro de proibição, seja

evitável, seja inevitável, excluía a culpabilidade. Porque, seja um, seja outro, você não tem

consciência atual da ilicitude. Se é imprevisível você não tem consciência atual da ilicitude. Se é

previsível, você também não tem consciência atual da ilicitude, só potencial. Qualquer alegação

de erro de proibição excluía a culpabilidade. E agora? Agora, não. Agora, o erro de proibição

continua inevitável e evitável. O inevitável mantém a consciência atual da ilicitude (exclui a

culpabilidade). Agora, o evitável não tem consciência atual da ilicitude, porém, o legislador se

contenta com consciência potencial. E se era previsível, ele pode não ter atual, mas tem

consciência potencial, e é o que basta. Ou seja, agora, com essa teoria, só o erro de proibição

inevitável exclui a culpabilidade. No evitável, ela permanece, o evitável é punível. Então a

resposta à pergunta é a seguinte:

Page 12: Culpabilidade

12

“Quando a consciência é atual, qualquer espécie de erro de proibição excluía a

culpabilidade. Contentando-se o Código com a consciência potencial, somente o erro de proibição

inevitável exclui a culpabilidade.” Era isso que o examinador queria!

Agora vamos para o último elemento da culpabilidade: exigibilidade de conduta diversa.

EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

“Não é suficiente que o sujeito seja imputável e tenha cometido o fato com

possibilidade de reconhecer o caráter ilícito para que surja a reprovação social (culpabil idade). É

imprescindível, também, que nas circunstâncias de fato tivesse o agente possibilidade de realizar

outra conduta, de acordo com o ordenamento jurídico.”

Quais são as excludentes da exigibilidade de conduta diversa? As excludentes são:

a) Coação irresistível (art. 22, 1ª parte) e

b) Obediência hierárquica (art. 22, 2ª parte)

a) Coação irresistível

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a

ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou

da ordem.

Eis a dirimente, excludente da coação irresistível. Eu quero saber quais são os

requisitos dessa dirimente:

Deve haver uma coação. Que tipo de coação? Só moral, só física ou física e moral?

Eu falei que a coação física exclui conduta. Então, aqui, somente a coação moral, que é a

promessa de realizar o mal. O mal prometido pode se dirigir a terceiras pessoas ligadas ao coato

ou coagido. Eu posso coagir moralmente alguém prometendo mal a seu parente. Pouco importa

se a promessa de realizar o mal é contra o coagido ou contra pessoas ligadas a ele.

Basta haver coação moral? Não ela tem que ser irresistível. O que é coação moral

irresistível? Aquela em que o coato ou coagido não pode subtrair-se, restando apenas sucumbir

ante o decreto. O caso concreto dirá.

E se a coação for resistível? Você mata alguém sob coação resistível. Se é resistível eu

posso estar diante de uma atenuante de pena.

E quais são as consequências da coação? Só é punível o autor da coação, que é o

chamado autor mediato.

Problema: A coagiu de forma irresistível B a matar C. Eu não tenho dúvida de que B vai

alegar coação moral irresistível. Eu quero saber por quais crimes responde A. Você já sabe que

ele responde pelo crime praticado por B na condição de autor mediato. O crime será homicídio na

condição de autor mediato. Será que ele responde só por esse crime? Não. É homicídio mais

tortura. Art. 1º, I, b, da Lei 9.455/97. O fato de ele haver constrangido de maneira irresistível

alguém, já consumou o delito de tortura.

Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou

grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: b) para provocar ação ou omissão de

natureza criminosa;

Page 13: Culpabilidade

13

A, só pelo simples fato de ter coagido B de forma irresistível, responde pelo c rime de

tortura. Se, além disso, B mata C, além do crime de tortura, que eu já pratiquei, vou responder

por homicídio na condição de autor mediato. A doutrina esquece desse artigo, dizendo que A

responde por constrangimento ilegal. Concurso material. Autor imediato da tortura e autor

mediato do homicídio.

Em cidade pequena é muito comum o marido matar a mulher e diz perante o júri que

matou porque a mulher o traiu e se não o fizesse, acabaria pressionado pela sociedade. Pergunta

de concurso: “Existe coação moral da sociedade?” O examinador queria a seguinte resposta:

“A sociedade não pode delinquir, pois onde ela existe, aí está também o direito. Assim, a

coação irresistível há que partir de uma pessoa, ou de um grupo, nunca da sociedade.”

b) Obediência Hierárquica

Previsão legal: Art. 22, 2ª parte:

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a

ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da

coação ou da ordem.

Requisitos dessa dirimente:

“Que a ordem não seja manifestamente ilegal, isto é, claramente contrária ao

direito.”

“Essa ordem deve ser oriunda de superior hierárquico.”

“Ordem de superior hierárquico é a manifestação de vontade do titular de uma função

pública a um funcionário que lhe é subordinado, no sentido de que realize uma conduta.”

Observação: “Não abrange a superioridade hierárquica familiar, privada ou

eclesiástica.” Não abrange ordem de pai para o filho, de um diretor para uma secretária, de um

sacerdote. Aqui é só superior hierárquico titular de uma função pública.

Consequência: “Só é punível o autor da ordem.”

Três situações podem acontecer na prova:

A ordem era claramente ilegal – como fica a situação do superior e como fica a

situação do subordinado? Os dois respondem pelo crime, mas o subordinado tem direito a uma

atenuante de pena, já que cumpria uma ordem.

A ordem era legal – Se a ordem era legal, superior e subordinado estão no estrito

cumprimento de um dever legal. Ninguém responde pelo crime.

A ordem não claramente ilegal – O superior responde pelo crime e o

subordinado não culpável. É a tese dos policiais militares no massacre do Carandiru. Eles

alegaram que agiram atendendo a uma ordem do superior hierárquico não manifestamente ilegal.

Falamos da culpabilidade, falamos da imputabilidade, potencial consciência da

ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Presta atenção. Quais são as dirimentes (excludentes)

Page 14: Culpabilidade

14

da imputabilidade? 26, caput; art. 27 e art. 28, § 1º. Esse rol é taxativo ou exemplificativo? Esse

rol é taxativo.

Agora, quais são as dirimentes da potencial consciência da ilicitude? Art. 21. Esse

rol é taxativo ou exemplificativo? Esse rol é taxativo!

E no caso da exigibilidade de conduta diversa (coação moral irresistível e ordem

ilegal) é taxativo ou exemplif icativo? Esse rol é exemplificativo! É só você pensar o seguinte: o

legislador não tem como prever todas as hipóteses em que é ine xigível de alguém conduta

diversa. Se é exemplificativo, é possível causa supralegal de exclusão da imputabilidade porque

as hipóteses de exigibilidade de conduta diversa estão num rol exemplificativo.

“Por mais previdente que seja o legislador, não pode prever todos os casos em que

a inexigibilidade de outra conduta deve excluir a culpabilidade. Assim, é possível um fato não

previsto pelo legislador, mas que pode configurar não exigibilidade do comportamento ilícito.”

Essa é a posição dos tribunais superiores. O STJ há mais de uma década é tranquilo

nesse sentido.

Exemplo de inexigibilidade de conduta diversa supralegal: legítima defesa futura e

certa é um exemplo. Exemplo que caiu para Delegado?MG (tem caído em concurso):

“Desobediência civil. De acordo com a doutrina, a desobediência civil é um fato que

objetiva mudar o ordenamento sendo, no final das contas, mais inovador que destruidor. Tem

como requisitos:

a) Que a desobediência esteja fundada na proteção de direitos fundamentais e

b) Que o dano causado não seja relevante.”

Exemplo concreto de desobediência civil: invasão de terra pelo MST. Quando invade, não

responde por violação de domicílio. Era inexigível conduta diversa porque eles estão fundados na

proteção de direitos fundamentais, desde que os danos que causem não sejam relevantes. Matou

gente, depredou a propriedade, aí não tem excludente coisa alguma porque houve dano

relevante.