Culpabilidade e o drama de Lord Jim

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  • Ano 2 (2013), n 5, 4341-4367 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567

    A CULPABILIDADE E O DRAMA DE LORD

    JIM

    Miguel Reale Jnior

    Logo, a alma justa e o homem justo vivero bem, e o injusto

    viver mal. Plato, A Repblica, Livro I

    SUMRIO: Introduo. I. O estado de necessidade. A. Ele-

    mentos do estado de necessidade. B. Fundamentos do esta-do de necessidade. II. A escolha de Lord Jim. A. O naufrgio do Patna. B. Os julgamentos. Concluso. Bibliografia.

    INTRODUO

    Direito visa primacialmente a resolver de forma

    pacfica os conflitos sociais que brotam da convi-

    vncia humana, seja nas relaes familiares,

    econmicas, institucionais, seja nas relativas ao

    exerccio do poder poltico.

    A questo de direito se volta a uma questo de fato, sobre

    a qual incidir uma deciso jurdica. Esta inter-relao entre

    direito e fato evidentemente constante, seja na formulao da

    regra jurdica, seja no momento de sua aplicao.

    No momento da criao da regra jurdica, o legislador ao

    formular o modelo jurdico abstrato no paira nas alturas de

    uma construo meramente terica, mas parte de dados de rea-

    lidade, de um fato reiterado, de uma situao conflituosa real

    sobre a qual cabe impor uma soluo justa.

    Publicado anteriormente em MARTINS-COSTA, Judith. (org.) Narrao e Nor-

    matividade. Ensaios de Direito e Literatura. GZ Editora. Rio de Janeiro, 2012.

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    Assim, o legislador perscruta essa realidade relevante re-

    petidamente ocorrida para definir quais os seus elementos bsi-

    cos caractersticos. Desse modo, reproduzindo uma expresso

    de Engisch, o legislador caminha do real ao real por via do

    abstrato,1 ou seja, colhe da realidade os dados com que cons-

    tri o modelo, o qual se amolda ao comportamento futuro, pela

    presena no fato concreto dos dados elementares invariveis

    descritos na norma.

    Com a fixao do invarivel elementar tem-se o perfil do

    objeto, a conformidade por trs da diversidade, de modo a se

    construir um modelo pelos traos fundamentais de um compor-

    tamento, cabendo ao observador estabelecer as regularidades

    existentes em uma ordem uniforme.

    A norma nasce a partir dos conflitos que surgem e esto a

    exigir uma soluo pacfica, fruto da avaliao do legislador

    sobre qual das foras valorativas presentes a mais justa a ori-

    entar a imperativa determinao do considerado justo.

    No campo das normas penais o legislador constri mode-

    los jurdicos a partir da realidade que vem a recortar, elevando

    ao plano abstrato aes que constituem um todo indecompon-

    vel, cujas partes se inter-relacionam e se polarizam em torno de

    um sentido, de um valor, que se apresenta negado pela ao

    delituosa ou de um valor que, nas circunstncias, considerado

    superior ao valor lesado.

    A estrutura normativa no brota de elucubrao do legis-

    lador, mas nasce de uma tenso prpria da tarefa de, a partir do

    real, do concreto, formular um paradigma, um modelo de aes

    previsveis. No dizer de Mackinney, o tipo constitudo uma simplificao do concreto.2

    A estrutura das normas penais, incriminadoras ou mesmo

    1 ENGISCH, Karl. La idea de concrecin en el derecho y en la ciencia jurdica

    actuales. Traduccin de Juan Jos Gil Cremades. Pamplona: Ediciones Universidad

    de Navarra, 1968, p. 188. 2 MACKINNEY, John, C. Tipologa constructiva y teora social. Traduccin

    de Hildegarde B. Torres Perin. Buenos Aires: Amorrortu, 1968, p. 17.

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    da Parte Geral3, indica a inteligibilidade do objeto, a sua com-

    posio interna, como um todo cujas partes so ligadas entre elas e cujos termos so definidos por suas relaes, de tal for-

    ma que a modificao de um dos elementos ocasiona a dos

    outros.4

    O Direito visa sua realizabilidade, pelo que.tem por fim

    voltar-se realidade futura, exatamente, para solver conflito que

    vier a ocorrer, por meio da aplicao da soluo normativa esco-

    lhida, frente a um complexo de vetores valorativos que incidem

    sobre a situao ftica. De acordo com a teoria tridimensional,5

    desta tenso entre fato e valor nasce a norma que se reveste, por-

    tanto, de carter valorativo e imperativo.

    Destarte, como j disse, o direito caminha do real ao real

    via abstrato, pois se cria a partir de uma situao ftica que a

    norma reproduz em seus dados elementares invariveis e ter-

    mina ao se aplicar o modelo abstrato a outra situao ftica

    futura.

    A Literatura se ocupa do Direito, seja ao considerar situ-

    aes jurdicas em seus enredos, seja ao tratar do real no apenas o reproduzindo, mas por vezes, tambm o antecipando.

    Da a relevncia de tomar-se o texto literrio como medida de um real antecipado para a reflexo do jurista. o que propo-nho nesse trabalho, adotando o drama do Lord Jim, de Conrad,

    como mote para a reflexo acerca do estado de necessidade,

    para averiguar em que medida ser excludente ou no da culpabilidade dos que tm o dever legal de arrostar o perigo.

    3 Em minha tese de titularidade defendi que a estrutura tpica caracteriza tam-

    bm as normas da Parte Geral do Cdigo Penal, mesmo porque estas reproduzem de

    forma paradigmtica um determinado comportamento que visa a promover igual-

    mente um valor, em especial as figuras das causas de justificao ou de excluso da

    culpabilidade. Parte geral nova interpretao. So Paulo: RT, 1988. 4 MILLIET, Louis.; DAINVELLE, Madeleine. V. Le structuralisme. Paris: Edition universitaire, 1.970, p. 55. 5 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19de . So Paulo: Saraiva, 1999, pp. 543 e ss.

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    I. O ESTADO DE NECESSIDADE

    Os fatos so carregados de vivncias pessoais de seus

    personagens e h situaes limites em que as contingncias

    humanas importam para se decidir sobre a soluo justa cabvel

    ao caso, ao lado da exigncia de adequao do fato ao modelo

    abstrato. Assim, sucede em situao relevante de necessidade,

    instante tenso que se poderia denominar de entre a vida e a morte, no qual a opo em favor da prtica delituosa constitui uma opo tomada em momento de perigo, em favor de si

    mesmo. O estado de necessidade configura-se pela ao de se atingir bem jurdico de terceiro inocente para salvar bem

    prprio ou de outrem de perigo atual.

    Essa situao limite, de probabilidade de perigo a um

    bem essencial, est previsto na excludente do estado de neces-sidade,6 quando se relaciona caracterizao de um modelo de situao, na qual devem estar conjugadamente presentes

    dados elementares de natureza objetiva e uma relevante posi-

    o subjetiva do agente no interior dessa situao. O aspecto

    subjetivo essencial para se avaliar da censurabilidade ou no

    da escolha na direo da prtica delituosa.

    Se o Direito cria o modelo paradigmtico do estado de necessidade, o substrato ftico ao qual se acopla este modelo um momento tenso, que o processo judicial deve reproduzir por

    meio das provas. O processo a petite histoire do fato con-creto objeto de julgamento. Se a histria um romance que

    aconteceu, o processo uma novela sucedida e reconstruda

    para se aplicar o direito verdade aproximada dos fatos. Mas

    toda esta tenso prpria da situao de necessidade no passa

    despercebida ao julgador e emisso da soluo jurdica corre-

    6 Pela teoria diferenciadora, de origem alem, h duas figuras de estado de necessidade, uma que exclui a antijuridicidade, fundada no balanceamento de bens, e outra excludente da culpabilidade, fundada na no exigibilidade de outra conduta.

    , sem dvida, a melhor tcnica, pois resolve as questes a seguir expostas do ato

    necessitado praticado em favor de terceiro e o dever de arrostar o perigo.

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    ta. Destarte, foi no campo da anlise de situaes limites como

    a do estado de necessidade que o direito veio a se imbuir de sensibilidade s fragilidades humanas, aproximando o juzo

    jurdico de um juzo embebido de contedo moral.

    O instituto do estado de necessidade gerou, na juris-prudncia e na doutrina alems do sculo XX, o desenvolvi-

    mento de duas teorias em torno das quais girou boa parte das

    discusses dos penalistas no sculo que se findou: a culpabili-

    dade normativa e a o balanceamento de bens, que remete ao

    conceito de antijuridicidade material.7

    Primeiramente, cabe examinar os dados elementares da

    figura do estado de necessidade, para depois analisar o fun-damento do estado de necessidade excludente da culpabili-dade, o juzo de no censurabilidade da conduta.

    A) ELEMENTOS DO ESTADO DE NECESSIDADE

    Apresentam a figura do estado de necessidade os se-guintes dados: (i) a existncia de um perigo certo e atual; (ii)

    que esse perigo no tenha sido provocado pelo agente: perigo

    que no provocou; (iii) dano inevitvel, a no ser pelo com-portamento lesivo, ou seja, nem podia de outro modo evitar e, (iv) no se ter o dever de arrostar o perigo em face de sua

    posio especial.

    O primeiro requisito consiste no perigo sofrido pelo

    agente, cabendo saber no que vem a ser o fator desencadeante

    do comportamento.

    Trs so as teorias acerca do conceito de perigo. A teoria

    subjetiva considera inexistir, objetivamente, perigo. Segundo

    essa teoria, o perigo produto de uma falha de nosso conheci-

    mento, uma hiptese, no uma possibilidade, pois inexiste tal

    categoria no mundo fenomnico. O perigo no seno represen-

    7 Sobre ambas as questes vide nosso Dos estados de necessidade. So Paulo:

    Bushatsky, 1971; Antijuridicidade concreta. So Paulo: Bushatsky, 1974.

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    tao mental, fruto do temor.

    A teoria objetivista, pelo contrrio, entende ser o perigo

    uma possibilidade de dano que, pela supervenincia de condi-

    es, no se realiza. Perigo a objetiva possibilidade de um

    evento danoso.

    Cumpre, todavia, conciliar ambos os aspectos, o objetivo

    com o subjetivo. Perigo a possibilidade de dano, ou seja, de

    supresso ou diminuio de um bem. E possibilidade a apti-

    do de um fenmeno para causar determinado outro, conforme

    as relaes de causalidade que a experincia indica, segundo

    critrios e mtodos de base cientfica. Perigo consiste, portanto

    na aptido, na idoneidade de um fenmeno de ser causa de um

    dano.

    A possibilidade um juzo que se funda no mundo real,

    verificao objetiva de um acontecimento. O perigo no , co-

    mo desejam os subjetivistas, um temor, filho de nossa ignorn-

    cia, mas antes uma concluso filha de nosso raciocnio e pru-

    dncia, pois inferido a partir da experincia, do conhecimento

    de um campo determinado de fenmenos.

    Essa representao causa um temor, mas o mero temor,

    no fundado em um acontecimento que contenha a possibilida-

    de de dano, no constitui perigo, nem com este se identifica.

    Perigo, portanto, um complexo subjetivo e objetivo.

    Desde que haja possibilidade de dano existe perigo, em

    grau maior ou menor, podendo, porm, ser juridicamente irre-

    levante: s atinge a categoria de elemento integrante do estado

    de necessidade aquela possibilidade que se revela provvel por

    ter certa intensidade, um grau significativo de possibilidade.

    O exame do perigo deve ser realizado ex ante, por progno-

    se pstuma, refazendo-se a situao concreta em que se encon-

    trava o agente, e, no ex post, pois a realidade diversa, consta-

    tada posteriormente, e desconhecida no momento do compor-

    tamento, fatal e evidentemente ignorvel.

    requisito que o perigo seja atual, isto , in fieri, in atto, sub-

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    sistente e persistente8. No constitui perigo a possibilidade de dano

    futuro no iminente nem o perigo passado, ou seja, o fenmeno que

    j se deu ou cuja potencialidade de causar dano haja desaparecido.

    Outro requisito da figura do estado de necessidade o da

    inevitabilidade do meio utilizado, ou seja, no dizer do legislador

    o perigo que nem podia de outro modo evitar. No estado de necessidade o agente, para salvar direito

    prprio ou de outrem, sacrifica direito de terceiro inocente,

    desde que no haja outro meio, menos ou no prejudicial, e

    idneo a evitar o dano. Se havia outro meio idneo a evitar o

    dano, no prejudicial ou menos prejudicial que o utilizado,

    devia o agente ter por esse optado. No fica ao livre-arbtrio do

    agente, por encontrar-se na iminncia de sofrer um dano, a es-

    colha do meio mais conveniente.

    O direito que determina a escolha: o meio deve ser o

    no prejudicial e, se apenas houver vrios prejudiciais, o que

    menos o . Se houver meio no prejudicial, lgico que a este

    deve recorrer o agente, deixando de haver, evidentemente,

    comportamento necessitado.

    A expresso nem de outro modo evitar tem um sentido exclusivamente objetivo: a exigncia de ser o nico meio, ou o

    meio menos prejudicial para se impedir o dano.

    O perigo no pode, tampouco, ter sido criado de forma

    culposa ou dolosa por aquele que se vale do estado de neces-sidade, pois no justo que se fira terceiro inocente em vista de ato daquele que deu causa imprudente ou intencionalmente

    ao perigo. S age agasalhado pelo estado de necessidade aquele que no o provocou. Do contrrio estar-se-ia a permitir

    a irresponsvel causao de perigo para se prejudicar terceiro

    inocente.

    Outro requisito do estado de necessidade refere-se impossibilidade de se valer da excludente aquele que tem o

    8 Instituies de Direito Penal. 3de . atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 159.

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    dever de arrostar o perigo.

    O art. 24, 1 do Cdigo Penal estatui: no pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de arrostar o

    perigo. O requisito de ter o agente a obrigao de arrostar o peri-

    go vai ser um dos pontos relevantes da questo jurdica e da

    angstia vivida por Lord Jim. Cumpre indagar, inicialmente, se

    compatvel com o fundamento da no exigibilidade, esta pro-

    ibio de recorrer desculpa do estado de necessidade por parte daquele que tem o dever de arrostar o perigo. Avano a

    concluso no sentido de no ser admissvel, com efeito, que um

    juzo sobre a exigibilidade, no plano subjetivo, de resistir ao

    perigo possa se fundar to somente na sua obrigao legal de

    sofrer o dano, mesmo porque a presena daquela obrigatorie-

    dade, na conscincia do agente, no seria bastante para a de-

    terminao de sua vontade no mbito de uma situao grave de

    necessidade, onde est em jogo a prpria sobrevivncia.

    Como bem observa Bellavista, no por vestir farda de

    bombeiro que algum se transforma em heri...9

    Constitui incoerncia manifesta considerar como circuns-

    tncia objetiva para a atuao da no exigibilidade a inexistn-

    cia de dever legal de sofrer o sacrifcio por parte do agente. Um

    bombeiro, por exemplo, tem o dever legal de expor sua vida

    durante um incndio enquanto no exerccio de suas funes.

    No tem, entretanto, dever legal de sofrer leses corporais, em

    um tumulto, sada de um estdio prestes a desabar, no qual se

    encontrava como mero espectador. No h, nem poderia haver,

    tendo-se em vista a mesma pessoa, dois critrios de exigibili-

    dade.

    Se, em ambos os casos, viesse a lesar outrem, para se sal-

    var, seria inquo exigir-lhe o sacrifcio da vida por se tratar de

    um incndio ao qual caberia combater como bombeiro, e no

    9 BELLAVISTA. G. Il problema della colpevolezza. In: Annali del seminario

    giuridico della Universit di Palermo, 1944, n 19, p. 82.

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    se exigir que sofra uma leso sada do estdio ao qual compa-

    rece como assistente. Seria ilgico reprovar-se a sua opo no

    primeiro caso, e desculp-lo, considerando-a positiva, no senti-

    do de no censurvel, no segundo, por no estar no exerccio

    da funo. A pessoa, no entanto, em suas contingncias a

    mesma: como bombeiro ou como espectador.

    O comportamento daquele que tem a obrigao de arros-

    tar o perigo deve sofrer um juzo de valor, tendo em vista no o

    desrespeito obrigao imposta, mas sim, a opo tomada, a

    motivao do agir, considerando-se as circunstncias concretas

    da situao e as pessoais do agente.

    Obrigado legalmente a arrostar o perigo, no lcito que

    o agente cause dano a outrem para preservar direito seu, pois,

    ao seu direito est legalmente imposto o sacrifcio, seja por

    fora de letra expressa da lei, seja por ter dado causa ao perigo.

    ilcito o comportamento lesivo a terceiro para se salvar por

    parte de quem, mesmo em estado de necessidade, tinha o dever de aquentar e enfrentar o risco. No entanto, malgrado

    ilcita, esta conduta pode ser desculpvel, ou seja, no reprov-

    vel em vista de se poder, quando do juzo de culpabilidade,

    considerar a conduta no merecedora de censura diante da gra-

    vidade das circunstncias. Cumpre, ento, analisar em que con-

    siste o juzo de culpabilidade, de culpa em senso lato, cerne da

    questo vivida por Lord Jim.

    B) FUNDAMENTOS DO ESTADO DE NECESSIDADE

    O estado de necessidade no nosso Cdigo Penal exclu-

    dente da antijuridicidade, porm no tem por fundamento o

    balanceamento de bens, na comparao entre os bens em jogo,

    e sim na no exigibilidade de conduta diversa. Assim, pode,

    segundo a figura constante do Cdigo Penal, o bem sacrificado

    ser mais valioso que o salvo. O fundamento da figura descrita

    no art. 24 consiste no fato de no ser razovel exigir-se o sacri-

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    fcio, em soluo dada por Nelson Hungria, que no encontra

    apoio seno no pensamento de Pietro Nuvolone.

    A inexigibilidade constituiu o reverso da medalha da cul-

    pabilidade normativa, enquanto juzo de valor acerca da censu-

    rabilidade ou no da opo contrria ao direito, como adiante

    se examinar.

    A exigibilidade de conduta diversa veio a ser reconhecida

    ao longo do sculo XX como o fundamento da culpabilidade, a

    principal razo pela qual se reprova a ao. Com base na no

    exigibilidade de conduta diversa, construiu-se a figura do es-tado de necessidade, que exclui a culpabilidade, independen-temente do peso dos valores em jogo, pois se desculpa, com

    alicerce neste fundamento, a conduta que fere bem de igual

    valor, como na hiptese de vida contra vida, no exemplo de

    uma nica tbua de salvao em naufrgio, e at mesmo bem

    de maior valor, desde que com certa proporcionalidade.10

    Assim, a inexigibilidade encontra seu limite na existncia

    de certa proporcionalidade entre os dois bens, o protegido e o

    sacrificado.

    De outro lado, estatui-se o estado de necessidade funda-do no balanceamento de bens, causa de excluso da ilicitude,

    situao na qual se prejudica bem de menor valor em benefcio

    de bem de maior valor, o que de interesse social. Surgiu, ento,

    a denominada teoria diferenciadora adotada pelo Cdigo Penal de 1969 e tornada vigente no Cdigo Penal Militar, construindo-

    se dois modelos de estado de necessidade: o primeiro, fundado na no exigibilidade de conduta diversa (excludente da culpabi-

    lidade), e o segundo no balanceamento de bens11 (excludente da 10 Seria exemplo a hiptese de vir a ferir com leso leve consistente em quebrar

    o brao de algum para salvar de se quebrar, em queda ao cho, pea valiosa de

    alabastro de origem renascentista. 11 O Cdigo Penal Militar estabelece nos artigos 39 e 43 as duas figuras do

    estado de necessidade.

    Estado de necessidade, como excludente de culpabilidade

    (cont). Art. 39. No igualmente culpado quem, para proteger direito prprio

    ou de pessoa a quem est ligado por estreitas relaes de parentesco ou afeio,

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    antijuridicidade).

    A culpabilidade no se restringe verificao da existn-

    cia de liame psicolgico, ou de ausncia de diligncia, mas exi-

    ge, alm desses elementos, um juzo de reprovao.

    Considerava Goldschmidt,12 cem anos atrs, que implci-

    ta norma de direito, mas de modo autnomo, h a norma de

    dever, consistente na obrigao do agente de conformar-se ao

    direito, agindo no mbito deste, abstendo-se de contrari-lo.

    A norma de dever dirige-se conduta interior, motiva-

    o. A norma de dever determinao dirigida a cada indiv-

    duo, impondo-lhe a obrigao de motivar-se em conformidade

    com o direito. inexigvel, no entanto, o respeito norma de

    dever, quando ocorre uma motivao anormal, tendo como

    critrio da exigibilidade o poder do homem mdio, o poder dos outros que se transforma em dever para o agente.13

    Assim, a no exigibilidade, como j acima se disse, o re-

    verso da medalha da concepo normativa da culpabilidade,

    decorrncia lgica da mesma, pois o direito no pode reprovar,

    exigindo um comportamento, a si, adequado quando as circuns-

    tncias no consentem uma normal motivao. Se permanecer

    intocada a faculdade de governar-se a si mesmo sendo evitvel a

    prtica do fato delituoso, tal como o seria para outras pessoas,

    contra perigo certo e atual, que no provocou, nem podia de outro modo evitar,

    sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que no

    lhe era razovelmente exigvel conduta diversa.

    Estado de necessidade, como excludente do crime

    Art. 43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para

    preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que no provocou, nem podia

    de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importncia,

    considervelmente inferior ao mal evitado, e o agente no era legalmente obrigado a

    arrostar o perigo. 12 GOLDSCHMIDT, James. Concepcin normativa de la culpabilidad. Traduc-

    cin de Ricardo Nuez. Buenos Aires: BdF, 1943. 13 GOLDSCHMIDT, op. cit., p. 19. usque 41. Nos prprios termos de

    GOLDSCHMIDT, a culpabilidade como modalidade de um fato antijurdico a atribuio de tal fato a uma motivao reprovvel, pois reprovvel um querer que no devia existir.

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    cabe um reproche, pois, como se v, era possvel atuar de modo

    diverso.

    A crtica no ltimo quartel do sculo passado foi no sen-

    tido de que esta pressuposio de poder o agente ou outras pes-

    soas atuar de forma diferente no passava de um fingimento.14

    Por esta razo, Roxin pretendeu relacionar a culpabilida-

    de com os fins preventivos da pena, reconduzindo este elemen-

    to do crime preveno geral.15 Assim, identificou a culpabili-

    dade com responsabilidade, reconhecvel em face de uma ca-

    rncia de pena, com a incluso de consideraes de poltica

    criminal no juzo de culpabilidade, como anota Figueiredo Di-

    as.16 Tal sucede porque, segundo Roxin, no haver culpabili-

    dade como carncia de pena se a esta, vista ao segundo os

    fins de preveno positiva, desnecessria.

    Extrai-se, portanto, da funo poltico-criminal, a funo

    de fundamentar a pena, pois esta s ter cabimento segundo a

    necessidade preventiva, geral e especial. Desse modo, pode

    deixar-se de aplicar a pena no em razo da ausncia da culpa-

    bilidade como elemento do crime, mas sim em virtude da des-

    necessidade em face da finalidade preventiva da pena. Na falta

    de carncia de tutela penal ou, como sugere Figueiredo, Dias

    de carncia punitiva, a pena de no ser aplicada. Passou-se a

    negar reconhecimento no exigibilidade de conduta diversa,

    pois se concluiu ser uma prova diablica demonstrar que tinha

    o agente o poder de agir diversamente.

    Esvaziou-se, dessa maneira, o juzo de culpabilidade de

    qualquer carter tico, ultimando-se a construo da estrutura

    do crime ao inverso, como mero reflexo da poltica criminal.

    14 SCHNEMANN, Bernd. La culpabilidad: estado de la cuestin. Sobre el

    estdio de la teoria del delito seminrio en la universidad Pompeu Fabra. Traduc-cin de David Felip e Ramon Rgues. Madrid: Civitas, 2000, p. 95. 15 ROXIN, Claus. Poltica criminal y sistema del derecho penal. Traduccin de

    Muoz Conde. Barcelona: Bosch, 1972, passim. 16 FIGUEIREDO DIAS, J. Questes fundamentais de Direito Penal revisita-

    das. So Paulo: RT, 1999, p. 133.

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    Figueiredo Dias, ao criticar Roxin, por ausncia de legi-

    timao tica da culpabilidade, pugna, ento, por uma culpa-

    bilidade no da vontade, mas da pessoa, concreta e situada

    que, ao escolher, ao decidir por dado comportamento, no

    decide apenas e to somente por um comportamento autono-

    mamente considerado, mas por meio de cada comportamento

    impe um sentido sua prpria vida. Em cada comportamen-

    to o agente decide tambm sobre a direo que pretende im-

    primir sua existncia.

    O comportamento , consequentemente, tanto uma deci-

    so do agente acerca de sua vida quanto o reflexo de sua perso-

    nalidade. O homem um ser no mundo, tem que ser, , na expresso de Ortega Y Gasset, o projeto irrenuncivel de si

    mesmo.17

    Jorge Figueiredo Dias entende, por isso, que a deciso de

    um comportamento concreto, fundado na opo por um valor

    posto como motivo do agir, tem de ser reconduzida a uma deci-

    so prvia, na qual o homem decide sobre si mesmo. Liberda-

    de,18 assim, a capacidade de decidir sobre seu prprio ser, pelo

    sentido de sua vida.

    Assim, prope a culpabilidade como violao do dever de conformar sua existncia por tal forma que no lese ou po-

    nha em perigo bens jurdico-penais,19 superando-se desse modo a dificuldade de se ter por base uma autodeterminao

    indiferente e inverificvel.

    Entendo que a opo por um comportamento um momen-

    to da opo pelo sentido de vida, de tal modo que ambas as op-

    es ento relacionadas, se exigem e se completam, para uma

    compreenso integral do atuar humano. No so perspectivas

    autnomas, a opo pela ao e pelo sentido de vida, porque esto

    intimamente relacionadas. 17 ORTEGA Y GASSET, J. Rebelin de las massas. 4de . Buenos Aires: Esca-sa-Calpe 1941, p. 68. 18 Dos estados de necessidade. So Paulo: Bushatsky, 1971. 19 FIGUEIREDO DIAS, J. Questes fundamentais, op. cit., p. 239.

  • 4354 | RIDB, Ano 2 (2013), n 5

    A culpabilidade tem por pressuposto e como objeto de

    apreciao uma vontade situada, para no dizer sitiada, reali-

    zando-se um juzo acerca da vontade da ao em confronto

    com a norma. O ponto de vista da culpabilidade o do agente

    em confronto com a norma. Na culpabilidade avalia-se o con-

    flito entre os dois valores, o que se ps como motivo do agir e

    o valor do direito como deve ser.

    Cabe reconhecer, todavia, a impossibilidade de determi-

    nao do poder agir diversamente,20 malgrado os esforos que

    empreendi adotando a teoria simpattica de Luigi Bagolini,21

    pela qual seria possvel viver a experincia do outro graas ao

    conhecimento de grande parte dos dados da situao por ele

    vivida.

    Se no possvel detectar o poder agir diversamente por parte do agente, deve-se, ento, reprovar em vista da opo

    contra o direito no poder ser desculpvel, malgrado presentes

    circunstncias anormais na situao de fato e especialmente

    diante das caractersticas pessoais do agente. A opo contra o

    direito de no ser reconhecida como positiva, ou seja, incen-

    survel, e, portanto, h carncia de punio, independentemen-

    te de qualquer exame do poder agir diversamente. A culpabili-

    dade um juzo tico22 sobre a validade ou no da opo contra 20 SCHNEMANN, Bernd. La culpabilidad: estado de la cuestin. Sobre el

    estdio de la teoria del delito seminrio en la universidad Pompeu Fabra. Traduc-cin de David Felip e Ramon Rgues. Madrid: Civitas, 2000, p. 105. 21 Por meio do processo simpattico mediato, o juiz, apreendendo a situao

    concreta do agente, suas condies pessoais, valora se seria possvel exigir dele que

    omitisse sua ao, assumindo as consequncias de omiti-la. A opo vlida quando

    o agente age em salvao de um bem objetivo ou especialmente valioso, no sendo

    razovel exigir que ele o sacrifique, que opte pela sua perda s para cumprir o dever

    jurdico. O limite da razoabilidade est em o agente optar pela salvao de um bem

    em detrimento de outro relativamente desproporcionado ao objeto da escolha feita

    (BAGOLINI, Luigi. Direito e moral na doutrina da simpatia. Traduo de Dora

    Ferreira da Silva. So Paulo: Saraiva, 1952, passim.) 22 Em sentido contrrio FIORE, Carlo. Diritto penale- parte generale, I, il reato. Reed. Turim: Utet, 2001, p. 366, para o qual a reprovao da culpabilidade

    no implica de modo algum uma reprovao moral, pois ao Direito Penal basta

    deduzir a culpabilidade do autor que deve responder pelo ato criminoso segundo a

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 5 | 4355

    o direito, no importando examinar a inexigibilidade de outra

    conduta.

    S cabe realizar este juzo de reprovabilidade ou no se

    presentes determinados requisitos prprios de uma situao

    extraordinria de necessidade.

    Assim, primeiramente, a valorao a ser feita da situa-

    o, como uma situao de necessidade caracterizada pela pre-

    sena de determinados requisitos objetivos e, posteriormente, a

    avaliao da opo realizada em funo de um valor que, na-

    quela situao, assume relevncia, perante o valor do direito

    como dever ser.

    A opo do agente deve ser analisada na situao concre-

    ta em que se d. Se presentes os requisitos, objetivos prprios

    da situao, ganha relevo a subjetividade do agente, devendo-

    se analisar, se foi vlida a sua opo e a ao no carece de

    pena, se merecedor de pena e justa reprovao.

    O direito impe valores e se impe como valor, porm, di-

    ante de determinadas situaes, pode admitir como positiva uma

    opo em conflito com ele, considerando-a, excepcionalmente,

    vlida.

    Assim sendo, no reprovvel a ao caso tenha se reali-

    zado em uma situao valorada normativamente como de ne-

    cessidade, cujos requisitos esto fixados em lei ou pela juris-

    prudncia. Dada a situao cumpre examinar se a opo contra,

    e no a favor de um direito, uma opo vlida.

    Faz-se inicialmente uma anlise da situao concreta

    objetivamente considerada. Inexistindo os requisitos de uma

    situao de necessidade, no h que falar em anlise da censu-

    rabilidade ou no da conduta. Uma vez presentes, passa-se a

    medida de sua culpabilidade. Para FIORE, a culpabilidade no se prende a uma

    concepo retributiva, mas resulta funcional a um direito penal essencialmente

    orientado por critrios preventivos. A necessidade de infligir a pena, a seu ver, de-

    corre de exigncias de carter preventivo, para que pela irrogao da pena seja rea-

    firmada a validade das normas jurdicas em face da generalidade dos membros da

    sociedade.

  • 4356 | RIDB, Ano 2 (2013), n 5

    um segundo momento, que o da determinao da validade da

    opo contra o direito no interior de uma situao tipicamente

    adequada como de necessidade. Apesar de ser a ao ilcita a

    opo por sua realizao na situao de necessidade de ser

    reconhecida como vadia, ou seja, no merecedora de pena. Re-

    aliza-se uma imputao moral, em vista da possibilidade do autor de ser motivado pelo direito, reconhecendo-se, como faz Palazzo, que existam pontos de contato entre a reprovao

    jurdica com conceitos de ordem moral e psicolgica.23

    No necessrio arrimar-se no poder agir diverso,24 ra-ramente verificvel, para no reprovar uma conduta contra o

    direito na circunstncia de necessidade. Na verdade, realiza-se

    antes um juzo de valor acerca da ao, buscando avaliar se

    ou no censurvel, tarefa que cabe ao juiz efetivar de acordo

    com outras fontes da deciso, tais como a prudncia, a compai-

    xo, o bom-senso, a tolerncia, o interesse social.

    A culpabilidade , portanto, o fundamento da pena como

    juzo de reprovao por ser a opo em favor da prtica delitu-

    osa reconhecida como negativa por no ser motivada por uma

    situao anormal suficientemente apta a impedir a atuao e

    influncia do dever de respeito ao direito. Ao atender s contin-

    gncias humanas o direito se humaniza e guarda proximidade

    com juzo de cunho moral, mas, ressalte-se, no interessado em

    reprovar, e sim em no reprovar nas situaes de reconhecida

    debilidade em face da excepcionalidade das circunstncias.

    Esses fundamentos permitem, j, uma aproximao, luz

    do Direito, ao romance de Conrad para averiguar-se at que

    ponto seriam os tribunais judicirios menos gravosos a Lord 23 PALAZZO, Francesco. Corso di Diritto Penale, parte generale. Turim:

    Giappichelli, 2006,

    p. 435. 24 PALAZZO, Francesco. Corso di Diritto Penale, parte generale. Turim: Gi-

    appichelli, 2006, p. 433, alerta, com razo, que a culpabilidade no consiste no

    processo motivacional real e concreto, pois impossvel de se o conhecer em sua

    inteireza e da qual interessa conhecer os eventuais fatores excepcionais capazes de

    influir negativamente na possibilidade de se motivar de acordo com o direito.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 5 | 4357

    Jim do que o tribunal de sua conscincia.

    II. A ESCOLHA DE LORD JIM

    Imediato do velho navio Patna, que carregava 800 traba-

    lhadores rabes, Jim pula do navio instantes antes do completo

    naufrgio. Diante desse episdio, vrias questes se pem: ha-

    via uma situao de necessidade? Havia um dever de arrostar o

    perigo na condio de imediato da embarcao em naufrgio?

    Eventual reprovao do ato de pular fora do navio segundos

    antes do afundamento um juzo jurdico ou de cunho exclusi-

    vamente moral?

    A) O NAUFRGIO DO PATNA

    Jim assumiu o cargo de imediato do Patna. O

    Patna era um navio a vapor dali mesmo, to velho

    como as montanhas, esguio como um galgo e mais

    corrodo pela ferrugem que um caldeiro jogado fo-

    ra. [....] Depois que o navio foi pintado externa-mente e caiado no interior, ele permaneceu ao lado

    do molhe de madeira, motores ligados, enquanto oi-

    tocentos peregrinos (mais ou menos) foram levados

    a bordo. [...] O Patna zarpou e se afastou do cais.

    O capito Brierly conhecera Jim e sua histria familiar,

    especialmente seu pai ministro de confisso protestante. Depois

    da desgraa do afundamento do navio Patna, do qual era ime-

    diato, tendo ele como oficial, descumprindo o dever de assis-

    tncia ao se projetar a um barco salva-vidas antes da embarca-

    o soobrar, o capito Brierly o apresentou para outro capito,

    Marlow, para que lhe prestasse servios. Neste instante Brierly

    anota: um homem pode passar quase toda a sua vida martima sem nenhuma ocasio de demonstrar que no de perder a

    coragem. Mas quando chega a ocasio... Ah!

  • 4358 | RIDB, Ano 2 (2013), n 5

    O capito Marlow tivera relatos entrecortados dos fatos

    do Patna pelo prprio Jim e assistiu a seu depoimento quando

    do julgamento no tribunal. Marlow conta, ento, que Jim

    acreditava, como faria qualquer homem em seu lugar, que o navio ia naufragar a qualquer momento; as chapas ... corro-

    das pela ferrugem estavam cedendo... Nada poderia salv-los!

    Os botes eram suficientes talvez para a metade deles, mas no

    havia tempo!

    Jim em desespero conta ao capito Marlow: Eu vi, to claramente como vejo o senhor agora, que nada poderia fazer.

    Parecia que esse pensamento me paralisava as pernas. No

    pensava em me salvar... Algum gritava dentro da minha cabe-

    a: oitocentas pessoas e sete botes e no h tempo Capito Marlow relata: Talvez no tivesse medo da

    morte, mas temia a emergncia. Sua mente conturbada evoca-

    va os horrores do pnico, as pessoas pisoteadas na correria,

    os gritos lancinantes, os botes encharcados... O capito e membros da tripulao lanam um bote ao

    mar e de l clamam pela vinda do maquinista, mas Jim:

    Permaneceu na ponte, ao lado do estibordo.

    Ficou to longe quanto possvel da briga pelo bote.

    [...] Empurravam o bote com as mos e a cabea,

    empurravam para salvar a prpria vida. [...] O capi-

    to gritou vamos chispar daqui, pula, George nos apanhamos voc, o navio comeava a afundar len-tamente.

    Relata Marlow: Jim, ento, confessou:

    Eu pulei... s tive conscincia disso quando

    olhei para cima. [...] O navio parecia mais alto que

    um muro; assomava como uma falsia acima do

    bote... Eu desejei morrer, no havia volta. Foi como

    se eu me tivesse atirado dentro de um poo.

    Jim, em suas confidncias ao capito Marlow, ora se jus-

    tifica, ora se culpa de forma irremedivel. Diz, certa feita:

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 5 | 4359

    Suponha que eu tivesse ficado no navio. Bem,

    quanto tempo mais? Digamos um minuto. Meio mi-

    nuto. Vejamos. Mais trinta segundos, como parecia,

    eu cairia dentro da gua; e o senhor no acha que eu

    teria agarrado primeira coisa que aparecesse na

    minha frente. [...] E estaria salvo!

    Em outro momento lamenta-se Jim: a honra, essa real... ela real mesmo. E que valor podemos dar vida quan-

    do a honra se foi? Para o capito Marlow, Jim estava ansioso por passar

    pela cerimnia da condenao pelo tribunal martimo. Jim com impacincia dissera ao capito: Eu havia pulado, no? disso que tenho de me redimir... Eu posso ter pulado, mas no

    vou fugir. O Tribunal lavrou o veredicto: em completo descaso pe-

    lo seu evidente dever. [...] abandonando em um momento de

    perigo a vida e a propriedade a eles confiadas. Considerou tambm no apresentar o navio condies de segurana.

    Conrad, com seu estilo colorido e penetrante, ao longo do

    romance comps em detalhes ambientes e situaes, porm

    reala-se a descrio repetida em cores angustiosas do nimo

    de Jim, a remoer a culpa:

    Clima sombrio de punio; conscincia do

    malogro; agora no sou nada mais do que um va-

    gabundo; degradao, runa, desesperana; o

    mundo seria pequeno para esconder o que faz; as-

    sombraes particulares; curar-se de ns mesmos;

    a reivindicao sombria de um homem perdido no

    nevoeiro, arfando sob uma carga; nvoa na qual

    vagava; a dvida sobre sua coragem; fardo que re-

    caa sobre seus ombros o tempo todo.

    Jim transforma-se em Lord Jim na aldeia longnqua e

    inacessvel de Patusan, para onde foi a mando de Stein, um

    velho comerciante amigo do capito Marlow. Liberta com co-

  • 4360 | RIDB, Ano 2 (2013), n 5

    ragem e inventividade o povo do jugo do raj, assume a condi-

    o de lder e guia, mas o perseguem igualmente os negativos

    juzos sociais e pessoais.

    Os comentrios nos portos sobre o acidente do Patna o

    amarguram: so uns viles, canalhas, eu no admitiria ne-nhum deles nesta sala; cheiram mal.

    No plano pessoal, conquistar amor, honrarias, confiana

    dos homens o poder e o orgulho de tal conquista so materi-ais apropriados para uma histria heroica; s aparncias de

    sucesso, e para os sucessos de Jim no havia tais aparncias.

    O capito Marlow observou que Jim vivenciou o desastre da averso pela honra adquirida. [...] Jim no tinha contas a

    prestar a ningum na humanidade toda, apenas a si mesmo. Lord Jim concordara erradamente que o aventureiro

    Brown, depois de tentar invadir a aldeia se retirasse pacifica-

    mente. Sorrateiro, Brown ataca de surpresa vindo a matar o seu

    grande amigo e filho do vetusto chefe da tribo. Jim, ento,

    chamou a si toda a responsabilidade: sim, eu assumo tudo. Diz, ento, no final de seu relato o capito Marlow: as

    foras sombrias no lhe roubariam a paz pela segunda vez. Ps-se disposio do chefe tribal que dispara um tiro de es-

    pingarda. Celebra npcias impiedosas com um sombrio ideal de conduta.

    Em suma, posso afirmar que Jim, ao fazer a opo por

    pular do navio, fez, tambm, uma opo por um sentido de vida

    que o perseguiu. A opo por pular condicionou sua vida futu-

    ra; a opo por agir constituiu uma opo de vida, de tal modo

    que ambas as opes ento relacionadas, se exigem e se com-

    pletam.

    B) OS JULGAMENTOS

    So trs os julgamentos a que se submeteu Lord Jim, to-

    dos eles constituindo crculos que se inter-seccionam: o Tribu-

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 5 | 4361

    nal, o juzo social, o auto julgamento.

    O Tribunal considerou que o Patna no tinha condies

    de atender aos passageiros, sendo ainda mais grave a quebra

    por parte da tripulao do dever de proteo s pessoas e ao

    patrimnio entregues confiantemente aos seus cuidados. A pe-

    na, em vista das consequncias, todavia, fora branda: cassao

    da licena.

    Para a comunidade martima, a tripulao traiu o dever

    de proteo que lhe era prprio, conforme as regras e costumes

    da vida do mar, sendo seus membros pessoas indignas, inad-

    missveis de permanecerem na mesma sala com os demais ofi-

    ciais.

    No plano pessoal, Jim condenou a si prprio com todo o

    rigor e todo o sofrimento diante do dever descumprido: o sen-

    timento da honra que se foi mesclado com a recordao viva do

    terror vivido, a conscincia da impossibilidade de salvao de

    800 pessoas com poucos botes, mas a certeza de que pulara

    fora do barco antes do afundamento deixando passageiros

    deriva. Remorso, busca de remisso do erro, desesperana,

    sombrios sentimentos de malogro, nvoas, nevoeiro em que se

    perde espera de punio redentora.

    Vrias questes se pem: havia uma situao de necessi-

    dade? Havia um dever de arrostar o perigo na condio de

    imediato da embarcao em naufrgio? Eventual reprovao do

    ato de pular fora do navio segundos antes do afundamento

    um juzo jurdico ou de cunho exclusivamente moral?

    A situao de necessidade, conforme descrita abstrata-

    mente no modelo legal, estaria tipificada? Ora, no que respeita

    existncia de um perigo atual e certo vida de todos, inclusi-

    ve da tripulao e de Jim, fato absolutamente comprovado.

    De outra parte, tomar um dos poucos botes existentes con-

    sistia em meio nico de salvao, sendo o perigo certo inevitvel

    de outro modo. O perigo era certo e grave vida, o meio esco-

    lhido, pular logo do navio em um dos botes, sem dvida, consis-

  • 4362 | RIDB, Ano 2 (2013), n 5

    tia no modo nico possvel de se evitar a leso vida que o peri-

    go do naufrgio ameaava.

    Quanto exigncia de que o perigo no tenha sido pro-

    vocado pela tripulao, para se configurar a seu respeito uma

    situao de necessidade, dvidas consistentes surgem, pois se o

    navio, como se imaginou, pode ter se chocado contra objeto

    invisvel noite no mar, no entanto, a falta de botes suficientes

    para 800 pessoas e a ferrugem a lhe corroer o casco podem ter

    propiciado o prprio naufrgio. Com a ferrugem e a ausncia

    de botes suficientes para tantos passageiros incrementou-se o

    risco, tornou-se ainda mais grave o perigo.

    A causa imediata da criao do perigo pode no encon-

    trar sua origem na conduta da tripulao, mas sem dvida o

    excesso de passageiros e o estado ferruginoso do casco contri-

    buram significativamente para incrementar o risco. Se o casco

    no estivesse contaminado por ferrugem, o baque com qual-

    quer objeto no mar poderia abalar a embarcao sem, todavia,

    causar seu afundamento. Da mesma forma, se houvesse nme-

    ro de botes suficiente, o navio poderia naufragar, mas sem risco

    certo de vida para grande parte dos passageiros. A embarcao

    afundaria, mas no se correria perigo de vida e vidas no teri-

    am sido perdidas.

    Problema mais angustiante diz respeito ao dever de arros-

    tar o perigo por parte da tripulao, em especial o comandante

    e o imediato do navio em naufrgio, sendo seu dever dar prote-

    o total queles que neles depositavam confiana. Os ltimos

    a pular do barco devem ser os oficiais, lutando antes, como

    lhes cumpre, em salvar seus passageiros, para s depois terem

    o direito de pensarem em si mesmos.

    Lembrando a expresso de Bellavista acima citada, o

    bombeiro por vestir farda transforma-se em heri? A pessoa

    em suas carncias e temores diante do perigo de morrer no a

    mesma, seja oficial, maquinista ou passageiro do navio em

    afundamento?

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 5 | 4363

    Na disputa vida x vida, em que a salvao prpria impor-

    ta na perdio do outro, terceiro inocente, os valores em jogo

    so de igual peso. O medo e o tremer as pernas atingem igual-

    mente a todos, e o instinto de sobrevivncia passa a ser o obje-

    to nico de ateno e de tenso.

    No entanto, nos trs julgamentos, em vista do dever de

    acudir os passageiros e de arrostar o perigo em sua condio de

    imediato, Jim foi condenado. Os juzes do tribunal martimo o

    condenaram, como o fez a comunidade de oficiais de marinha,

    e sua prpria e rigorosa conscincia.

    Esto certas estas trs instncias?

    H para os homens do mar, marinha mercante, em espe-

    cial para o oficialato, o dever moral de serem os ltimos a pular

    do navio. Cumpre atender ao dever legal de prestar assistncia

    em caso de perigo. A omisso do socorro devido crime e, em

    caso de fuga, alm do crime, h a desonra.

    Mas, seria compatvel, no plano estritamente jurdico, a

    exigncia de se arrostar o perigo com a causa de excluso da

    culpabilidade, fundada na reprovao da conduta por ausncia

    de motivao anormal que desculpe o agente da escolha pela

    prtica do crime em situaes limites?

    Independentemente do poder agir dos outros, naquela da-

    da situao (naufrgio do navio com poucos botes salva-vidas e

    fuga do imediato segundos antes do afundamento), a reao

    quase automtica de pular diante do perigo evidente, sentida

    como se estivesse a se jogar em um poo profundo, sem volta,

    de ser censurada? Por ser o imediato do navio, a sua coragem

    seria maior, o seu medo menor?

    Deveria prevalecer no campo jurdico esta imposio do

    dever de arrostar o perigo, fruto de uma tica da responsabili-

    dade? Este dever se afirma acima de qualquer juzo de conve-

    nincia? A circunstncia da impossibilidade de eficaz interfe-

    rncia na salvao dos passageiros minimiza a obrigao de

    assumir a proteo dos passageiros at o ltimo dos ltimos

  • 4364 | RIDB, Ano 2 (2013), n 5

    instantes?

    O cumprimento do dever gera orgulho e vive-se o senti-

    mento da honradez, a conscincia do dever cumprido, en-quanto a omisso do dever gera a vergonha e vive-se o senti-

    mento da perda da honra. D-se a polaridade essencial, no dizer

    de Hessen: o valor positivo e o negativo honra x desonra.25

    No , contudo, este sentimento de honradez que visa a

    tutelar o direito ao se proibir que se socorra da excludente do

    estado de necessidade aquele que tem o dever de arrostar o perigo.

    No plano jurdico, o que se tutela no a honra pessoal

    vivenciada pelo cumpridor do dever, nem se visa a impedir a

    vigncia do sentimento negativo da desonra. O que se pretende,

    ento, valorar ao se proibir o recurso excludente por parte

    daquele que tem o dever de arrostar o perigo, tal como o bom-

    beiro em um incndio; o salva-vidas ao levar a boia a um afo-

    gado; o capito do navio em um naufrgio?

    Pode-se afirmar que a supremacia da lei, pois se a lei

    determina que se enfrente o perigo, prprio da profisso, ento,

    reafirma-se o mandamento legal ao se proibir o recurso ao es-tado de necessidade, que seria uma forma oblqua de retirar eficcia da lei. Mas esta resposta insatisfatria por ser tauto-

    lgica: fica proibido o estado de necessidade, pois a lei probe.

    A pergunta, ento, deve ser: por que a lei manda estes

    profissionais arrostarem o perigo?

    25 HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores. Traduo de Cabral de Moncada.

    Coimbra: Almedina, 2.001, p. 45; REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18de . So Paulo: Saraiva, 1998, p. 189, afirmam a essencialidade da bipolaridade no mundo

    dos valores, pois os valores positivos e negativos se conflitam e se implicam em

    processo dialtico, o que se vivencia na experincia pessoal dramtica de Lord Jim;

    RUYER, Raymond. Le monde des valeurs. Paris: Aubier, 1948, p. 71, reala que ao

    se pretender definir uma ordem de valores depois de outra constata-se que nenhuma

    pode ser definida que pela outra, a demonstrar a solidariedade entre os valores, a sua

    polaridade, que no plano pessoal do sentimento de Lord Jim era vivida na contrapo-

    sio honra x desonra.

  • RIDB, Ano 2 (2013), n 5 | 4365

    CONCLUSO

    O exerccio da atividade dos bombeiros, salva-vidas, ca-

    pites de navio tem como denominador comum a prestao de

    segurana a pessoas que em confiana sentem-se seguras em

    face de estarem sob o seu agasalho, pois lhes prprio enfren-

    tar o perigo para evitar que ocorram danos aos consorciados,

    gerando-se, dessa forma, tranquilidade social.

    Mas, em nome desta tranquilidade social, se podem exi-

    gir destes profissionais foras sobre-humanas em situaes de

    perigo grave sua vida?

    Nos termos do art. 24 do nosso Cdigo Penal, que man-

    tm sua frmula original de 1940, mesmo fundado no razoa-

    velmente exigvel, ou seja, no poder de agir diversamente, est

    vedada a aplicao da excludente de antijuridicidade do esta-do de necessidade, a quem tinha o dever de arrostar o perigo. J em nosso Cdigo Penal Militar, que adota a teoria diferenci-

    adora, alis, a mais correta, no caso do dever legal de arrostar o

    perigo, no se aplica o estado de necessidade que exclui a antijuridicidade, fundado no balanceamento de bens, mas sim

    aplica-se o estado de necessidade que exclui a culpabilidade. A garantia de tranquilidade social em vista da expectativa

    de bombeiros heris no pode pautar a realidade vigorosa e

    presente do temor, do medo diante do perigo que ameaa a

    vida. Eu absolveria Jim, apesar de assim contrariar o seu dese-

    jo: ser punido.

    A conscincia do descumprimento do dever o fez devorar

    a si mesmo, a sentir-se inafastavelmente culpado, em evidente

    hiper-autocrtica. Neste ponto, no entanto, o juzo moral no se

    confunde com o jurdico, pois no confronto entre valores, de

    um lado, a preservao da tranquilidade social baseada na con-

    fiana, de outro, o reconhecimento da natural fragilidade hu-

    mana diante do risco atual de perda da vida, este ltimo cabe, a

    meu ver, prevalecer.

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    O juzo moral negativo do dever descumprido e o deses-

    pero frente perda da honra tornam a vida salva um fardo, e

    eventual sucesso posterior apenas causa averso e no orgulho.

    A severidade de Jim para consigo mesmo o leva a assumir a

    responsabilidade pela morte do amigo, a fim de no ser nova-

    mente tragado pelas cores sombrias da vergonha.

    O direito pode ser mais condescendente com os homens

    do que estes em relao a si mesmos, pois o julgamento pelo

    tribunal v com tranquilidade as fraquezas humanas, as reco-

    nhece para dar o veredicto justo; a prpria conscincia, no sen-

    timento de honradez, nos padres do sculo XIX, no autoriza-

    va permissividades.

    O superego muitas vezes mais inflexvel que a lei; o

    romance reproduzindo em cores sombrias a conscincia do

    infrator pode ser mais carrasco do que a novela do processo.

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