Cultura Audiovisual e Formação de...

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Universidade Metodista de São Paulo Faculdade de Humanidades e Direito Programa de Pós-Graduação em Educação CAMILA FAUSTINONI CABELLO Cultura Audiovisual e Formação de Educadores: Possibilidades e Limites em Práticas Educomunicativas São Bernardo do Campo 2011

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Universidade Metodista de São Paulo

Faculdade de Humanidades e Direito

Programa de Pós-Graduação em Educação

CAMILA FAUSTINONI CABELLO

Cultura Audiovisual e Formação de Educadores:

Possibilidades e Limites em Práticas Educomunicativas

São Bernardo do Campo

2011

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CAMILA FAUSTINONI CABELLO

Cultura Audiovisual e Formação de Educadores:

Possibilidades e Limites em Práticas Educomunicativas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação na linha de pesquisa

Formação de Educadores da Faculdade de

Humanidades e Direito da Universidade

Metodista de São Paulo como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em

Educação, sob orientação do Prof. Dr. Elydio

dos Santos Neto.

São Bernardo do Campo

2011

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A dissertação de mestrado sob o título “Cultura Audiovisual e

Formação de Educadores: Possibilidades e Limites em Práticas

Educomunicativas”, elaborada por Camila Faustinoni Cabello foi

apresentada e aprovada em 12 de abril de 2011, perante banca examinadora

composta por Marilia Claret Geraes Duran (Presidente/UMESP), Maria Leila

Alves (Titular/UMESP) e Gazy Andraus (Titular/UNIMESP).

__________________________________________

Profª. Drª. Marilia Claret Geraes Duran

Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Profª. Drª. Roseli Fischmann

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação

Programa de Pós-Graduação em Educação

Área de Concentração: Educação

Linha de Pesquisa: Formação de Educadores

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FICHA CATALOGRÁFICA

C111c Cabello, Camila Faustinoni Cultura audiovisual e formação de educadores: possibilidades e limites em práticas educomunicativas / Camila Faustinoni Cabello. 2011. 107 f. Dissertação (mestrado em Educação) --Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2011. Orientação: Elydio dos Santos Neto 1. Professores – Formação profissional 2. Educomunicação 3. Cultura audiovisual I. Título. CDD 374.012

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À memória do amigo de encontros e desvios,

Danilo Di Manno de Almeida.

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EM TUDO DOU GRAÇAS

A Deus, que me permite sonhar e realizar.

À minha família por todo o amor, apoio e fé.

Aos meus queridos amigos, em especial a Ângela Soares, Amanda K, Elton

Hipolito, Flavia K, Marcio Demazo e Marcelo Moreira, que me suportaram e me

ajudaram imensamente nesta caminhada.

Ao professor Elydio, por acreditar, ajudar, conduzir, caminhar e ensinar, e

também por permitir voar, pensar e criar, junto e só.

A todos os professores e colegas de mestrado, que tornaram esta jornada mais

colorida e risonha.

À Regina, querida amiga e secretária do Programa de Mestrado em Educação,

e todo o seu bom humor e paciência com minhas trapalhadas.

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“Se há alguma aproximação entre educação e tecnologia,

esta última teria de começar por aprender a primeira lição:

ser servil aos corpos pobres e sofridos e avançar em

direção a eles. Somente assim a pro-dução tecnológica

poderia aprender o sentido de uma poética dos corpos

esquecidos por ela.”

Danilo Di Manno de Almeida.

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RESUMO Cultura Audiovisual e Formação de Educadores: Possibilidades e Limites em Práticas Educomunicativas buscou investigar as possibilidades e limites da utilização de práticas educomunicativas para a transposição de barreiras e a aproximação entre educadores e educandos, a partir da formação de educadores para a produção de cultura audiovisual no ambiente escolar. Para tanto, foram norteadores teóricos da pesquisa: Paulo Freire e Henry Giroux, para os conceitos de educação e formação de educadores; Fernando Hernandez e Marshall McLuhan no tocante à cultura audiovisual e aos meios de comunicação; Mario Kaplún e Ismar de Oliveira Soares para o conceito de educomunicação. Trata-se de uma pesquisa-ação qualitativa, baseada em experiências formativas para educadores voltadas para a produção de cultura audiovisual por meio de práticas educomunicativas, nos formatos de vídeo, rádio e histórias em quadrinhos. Os dados da pesquisa foram coletados através da realização de círculos de cultura, conforme a proposta de Paulo Freire, registrados em áudio, onde os sujeitos da pesquisa discutiram as impressões sobre estas experiências. As possibilidades e limites investigados foram observados sob os eixos subjetivo, coletivo e estrutural a fim de analisar as principais dimensões do trabalho educativo. Os resultados obtidos permitiram observar que só o aspecto da formação de educadores não contempla a transformação das relações no contexto escolar, mas que a fundamentação de projetos político-pedagógicos institucionais alinhados com a proposta educomunicativa pode ser viabilizadora destas transformações num escopo mais amplo e efetivo.

Palavras-chave: Cultura Audiovisual; Formação de Educadores; Educomunicação.

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ABSTRACT Audiovisual culture and teacher development: possibilities and limits in educommunicative practices aimed at investigating the possibilities and limits in the uses of educomunicative practices to transpose barriers and to approximate educators and students, based on teachers development to the production of audiovisual culture in school environments. The research was based on Paulo Freire and Henry Giroux for the concepts of education and teachers development; Fernando Hernandez and Marshall McLuhan for the audiovisual culture and means of communication; Mario Kaplún and Ismar de Oliveira Soares for the concept of educommunication. The present study is a qualitative action-research, based on formative experiences offered to educators for the production of audiovisual culture by means of educommunicative practices, in the form of video, radio and comics. The research data were collected and registered in audio in cultural circles, according to Paulo Freire proposals, where the research participants discussed the impressions about the experiences. The possibilities and limitations were observed from the subjective, collective and structural axles in order to examine and analyze the major dimensions of the educational work. The results allowed to observe that the teacher training alone does not include transformation of the relationships in the school context but theoretically grounded institutional political-pedagogical projects aligned with the educommunicative proposal may be provocative of changes in a broader and more effective scope. Keywords: Audiovisual culture; Educators development; Educommunication.

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SUMÁRIO

Introdução ..................................................................................................... 11

Rabiscos Pessoais ........................................................................................ 12

Objeto e problema da pesquisa .................................................................... 13

Hipóteses e Objetivos ................................................................................... 19

Quadro Teórico ............................................................................................. 24

Fontes, Procedimentos e Etapas .................................................................. 25

Capítulo 1 - Cultura, Comunicação e Educação: Entre as Tramas do Saber 26

1.1 A Cultura de Massa ................................................................................. 27

1.2 A Cultura Visual ...................................................................................... 30

1.3 A Cultura Audiovisual .............................................................................. 32

1.3.1 A Linguagem e Tecnologia Audiovisual ............................................ 33

1.4 Educomunicação, um Paradigma Possível? ............................................ 38

1.4.1 Fruto da Urgência Histórica.................................................................. 38

1.4.2 Fundamentos e Conceitos ................................................................... 41

Capítulo 2 - Educadores, Educandos e Cultura Audiovisual .......................... 43

2.1 Novas Gerações, Novos Olhares ............................................................ 44

2.2 A Diversidade das Gerações e as Implicações na Relação Educativa ... 47

2.3 Cultura Audiovisual em Formação: ......................................................... 50

Educadores na via da Educomunicação ....................................................... 50

Capítulo 3 - Da Intenção à Experimentação: A Pesquisa de Campo ............. 53

3.1 A Viabilização da Experiência ................................................................. 53

3.2 A Realização da Experiência .................................................................. 57

3.3 Alguns Frutos da Experiência ................................................................. 65

3.4 Percepções sobre as Experiências ......................................................... 66

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Considerações Finais ..................................................................................... 83

Glossário ....................................................................................................... 92

ANEXOS ....................................................................................................... 94

DIÁRIOS DE PESQUISA .............................................................................. 94

ANEXOS EM MÍDIA DIGITAL ..................................................................... 105

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004 -

2009. ................................................................................................................ 14

Figura 2: Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais

1999/2006. ....................................................................................................... 15

Figura 3: Manolito e Mafalda em tira de Quino................................................. 32

Figura 4: Profeta Gentileza e um de seus murais com algumas máximas ....... 35

Figura 5: Suzanita e Mafalda em quadrinho de Quino ..................................... 46

Figura 6: História em quadrinhos O Beijo no Asfalto ..........................................63

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Introdução

O ser humano é dotado de altas capacidades de criação e

adaptação, e conforme cria e evolui, ele transforma e é transformado.

Os avanços tecnológicos modificaram e ainda modificam a vida de

indivíduos e da sociedade, tanto nas suas dinâmicas como nos modos de ler,

viver e lidar com as novas formas do mundo.

Transformadas as ações e percepções, de diferentes formas e para

diferentes gerações, é preciso encontrar caminhos dentro da diversidade e das

divergências, para que o diálogo exista, persista e seja produtivo dentro dos

ambientes sociais. E ambientes sociais são espaços onde pessoas se

relacionam em torno de interesses parecidos e/ou comuns.

Um dos ambientes sociais mais comuns à maioria é a escola. E

dentro da escola encontram-se diferentes gerações, diferentes realidades,

diferentes olhares. Diferenças estas que podem emudecer, silenciar e gerar

tensões difíceis de lidar. Mas estas diferenças também podem gerar novos

conhecimentos, admiração, respeito, e ampliar horizontes. Tudo depende de

como as pessoas se relacionam em torno do diferente.

Para buscar relacionamentos saudáveis dentro da diversidade é

preciso haver diálogo. E para haver diálogo é preciso haver meios e

oportunidades de expressão. E para haver estes meios e oportunidades é

preciso haver disposição, pesquisa e construção.

“A forma radical de ser dos seres humanos enquanto seres que,

refazendo o mundo que não fizeram, fazem o mundo, e neste fazer e refazer se

re-fazem. São porque estão sendo”. (FREIRE In GADOTTI, 1995, p. 258).

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Rabiscos Pessoais

Tive o privilégio de ser criada numa esfera cheia de liberdade para

falar e de atenção e valor ao que era falado. Desde pequena fui incentivada a

expor o que pensava e a questionar o que ouvia, via, vivia.

Registrava minhas impressões sobre o mundo em diários, onde

muitas vezes relatava com uma linguagem jornalística fatos políticos e notícias

da época, tudo cheio de cuidado e requinte, como se alguém, além de mim,

fosse ler aquilo um dia.

Estudei em diversas escolas, com variadas metodologias e projetos.

Em uma delas, em especial, pude exercitar a autoria de textos que eram

publicados numa produção coletiva dos estudantes, além disso, também nos

foi permitido que apresentássemos seminários temáticos no formato de vídeo,

e foi lá que tive minha primeira experiência efetiva com a educomunicação. Nós

fazíamos o roteiro, improvisámos os figurinos, cenários, atuávamos,

filmávamos, editávamos, e por fim, tínhamos o prazer de dividir aquela

produção com o restante da sala.

Com esta sede de expressar-me e de concretizar ideias em

imagens, sons e letras, entrei na graduação em Comunicação Social, com

habilitação em Rádio e TV, onde pude aprender as técnicas dos processos

comunicacionais, a produção em diversos formatos e a excelência na forma, já

que o conteúdo seria determinado pelos interesses dos meus futuros

empregadores, uma elite dominante detentora dos meios de comunicação.

Esta realidade machucava os sonhos que eu trazia de poder dizer o mundo ao

mundo, de me expressar, de comunicar, tornar comum, como um, unir, de

estabelecer contato.

Além deste querer, de dizer o mundo, eu trazia comigo o anseio de

transformá-lo em um mais justo, democrático, com oportunidades para todos.

Um belo e breve slogan de minhas concepções políticas.

Desta vontade de dizer e de intervir, e do desejo de que aqueles que

também o querem possam fazê-lo, foi que percebi o encontro dos caminhos

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que vinha seguindo pela comunicação com os caminhos que sonhava para a

educação.

Encontrei na educomunicação uma forma de praticar o projeto de

vida e de mundo que sempre busquei. Estou diante de um paradigma que

prima pela apropriação dos meios de comunicação para a prática educativa

numa perspectiva de relações dialógicas, democráticas, participativas e

horizontais, e que permite com isso, a possibilidade de cada um construir e

intervir na sua própria cultura audiovisual e na de quem mais vier, de acordo

com a diversidade de realidades, aspirações e interesses dos envolvidos neste

processo.

Por este ser um campo que pode ser tão promissor e deleitável,

tanto para quem está cansado de só ouvir, quanto para cada pessoa que pode

descobrir-se autor e ator, que quero pensar em como é possível para a

comunidade escolar dialogar e construir uma cultura audiovisual a partir de

práticas educomunicativas, vivenciadas inicialmente pelos educadores, e que

podem posteriormente serem semeadas pelos mesmos dentro do contexto do

seu trabalho educativo.

Objeto e problema da pesquisa

O mundo contemporâneo traz, em sua globalização inegável, uma

característica inerente que é a integração e interatuação entre diferentes

espaços. São cada vez mais presentes na sociedade os meios de

comunicação, este conjunto de veículos que dão suporte ou tecnologia para a

gravação, registro e divulgação de informações. As técnicas, tecnologias e

veículos vão sendo transformados ao longo da história, mas o seu propósito (o

papel de informar, formar opiniões e conhecimentos) e a sua influência sobre

as pessoas permanecem. O que até meados da década de 80 era feito pelo

cinema, rádio e jornal, é feito hoje pela televisão e pela internet.

Os veículos mais difundidos muitas vezes podem definir assuntos,

pensamentos, comportamentos, e até sentimentos predominantes na

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sociedade num determinado contexto histórico, funcionando paralelamente à

educação formal como espécies de propulsores ideológicos, mas, por serem

controlados por uma minoria da sociedade, atendem à difusão de seus

interesses e restringem o restante da sociedade ao papel de simples receptora

das informações e opiniões priorizadas por esta elite. Alguns dados concretos

podem nos ajudar a entender a situação.

Segundo o recenseamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia

Estatística (IBGE) em 2007, a população brasileira está estimada em cerca de

184 milhões de pessoas. Segundo o portal Donos da Mídia1, o Brasil conta com

9.477 veículos de comunicação, e 19.466 pessoas são sócias ou dirigentes de

algum destes veículos de comunicação, grupos de mídia ou redes nacionais de

televisão. Dentre estas pessoas, estão senadores, deputados, governadores,

prefeitos ou vereadores que possuem em seu nome outorgas de rádio e

televisão, contrariando a Constituição Federal. Sendo assim, cerca de 0,01%

da população brasileira detém a posse dos veículos de comunicação existentes

no país.

Dentre a população se levantam as seguintes informações sobre

acesso aos meios de comunicação e equipamentos de cultura:

Bens duráveis Existência nos domicílios (%)

Televisão 95,6

Geladeira 93,4

Rádio 87,8

Telefone 84,2

Computador 34,6

Computador com acesso à internet 27,3

Figura 1: Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2004 - 2009.

1 O Projeto Donos da Mídia foi idealizado na década de 1980 pelo jornalista Daniel Hertz e é um site que

reúne dados públicos e informações fornecidas pelos grupos de mídia para montar um panorama completo da mídia no Brasil. Pode ser acessado em www.donosdamidia.com.br .

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Percentual de municípios brasileiros que possuem equipamentos culturais e meios de comunicação (%)

1999 2006 Crescimento (%)

TV aberta 98,3 95,2 (-) 3,2 (queda)

Bibliotecas públicas 76,3 89,1 16,8

Rádio comunitária 48,6

Provedores de Internet 16,4 45,6 178,0

Jornal diário 36,8

Estações de rádio FM 33,9 34,3 1,2

Estações de rádio AM 20,2 21,2 5,0

Geradoras de TV 9,1 9,6 5,5

Revista impressa local 7,7

TV comunitária 2,3

TV a cabo 6,7 Figura 2: Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais 1999/2006.

Outros dados do IBGE apontam que atualmente, cerca de 13,5%

dos brasileiros são analfabetos e 26% são analfabetos funcionais. Com estas

informações podemos concluir que cerca de 95% dos brasileiros recebem as

informações/ mensagens/ produtos culturais/ etc. que apenas 0,01% julga

importante/ necessário/ interessante. Com isso, ainda corroboramos a

conjectura de que grande parte dos brasileiros usa os veículos de comunicação

como fontes de informação e cultura.

A partir disso, podemos perceber a grande influência e interferência

das mensagens passadas pelos meios de comunicação de massa na formação

educacional de crianças e adolescentes, mas, quase sempre a escola formal

tenta se posicionar de forma alheia ou superficial a isto, como se pudesse ser

um ambiente independente e descolado do que acontece no mundo além dos

seus muros.

Parece que há uma tentativa das instituições escolares de caminhar

em paralelo ao cotidiano social, o que é impossível, já que em vários

momentos podemos observar a invasão desenfreada deste cotidiano nas

escolas, causando, por vezes, perplexidade e paralisia. E depois da inércia, a

rotina permite apenas uma passagem lacônica sobre o(s) fato(s).

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É preciso que a escola saia do ensimesmamento e perceba que fora

dela há construção de sujeitos sociais, culturais e humanos com os mais

diversos princípios, valores e objetivos, muitas vezes totalmente controversos

aos que a educação tenta disseminar, e que, se a escola não estabelecer

conexões com as referências onde os sujeitos se constroem, ela não fará

nenhuma intervenção na sua construção, trazendo para si um estigma de

alienação e isolamento gratuito ou injustificado destas referências. (ARROYO,

2001).

O fato é que esta falta de conexões e esse ensimesmamento não

são exclusivos à escola, num geral, as instituições tem esta tendência, à

medida que, pode parecer mais fácil lidar com os seres e com a sociedade de

forma segmentada, assim as resoluções e realizações coletivas e integrais não

precisam ser enfrentadas e sempre haverá um alheio passível de culpa por

qualquer problema ou situação adversa que possa existir.

Os meios de comunicação, por exemplo, insistem em apresentar um

número bem limitado de versões da realidade, conforme as motivações

convenientes, e muitas vezes, ilustram a escola, como uma coisa à parte do

mundo por eles considerado real, uma espécie de ambiente fictício que se deve

frequentar diariamente, por obrigação, mas que a conexão com a realidade em

sua forma legítima e prazerosa se dará ao ligar a TV ou se conectar a internet.

A cultura audiovisual propõe a interlocução entre a visualidade e a

oralidade cultural, e requer o domínio de diversos elementos, codificações e

processos de construção para que se possa entendê-la e produzí-la, e também

para manter o distanciamento suficiente do envolvimento afetivo proposto pelas

suas mensagens a fim de percebê-las, criticá-las e definir em que grau elas

serão incorporadas à existência.

A escola deixou de ser o único lugar de legitimação do saber, pois existe uma multiplicidade de saberes que circulam por outros canais e não pedem autorização à escola para se expandir socialmente. Essa diversificação e difusão do saber por fora da escola é um dos desafios mais fortes que o mundo da comunicação coloca ao sistema educativo. (MARTÍN-BARBERO, 2002)

2.

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Segundo Martín-Barbero a comunicação desafia a educação, pois

ela proporciona a diversificação e a difusão de saberes, e que isso de alguma

forma, tiraria da educação o seu posto de “único lugar de legitimação do

saber”, mas não seria esta também uma pretensão a este cargo? Isso não

seria afirmar que fora destas duas (ou de todas) instituições não há saber

legítimo? Vale lembrar que a diversidade e a difusão dos saberes existiram

com o ser humano, e que as instituições vieram a existir bem depois.

De qualquer maneira, pensando no conhecimento produzido de

forma institucionalizada, seja dentro da educação formal ou adquirido através

dos meios de comunicação chegaremos à assunção inevitável de que ambos

se contrapõem de alguma forma em algum momento, seja pela disputa por

onde o conhecimento e a visão da realidade são legítimos, seja pela tentativa

de aproximação destes dois campos para um possível “bem comum”.

O fato é que há uma forte e direta relação entre comunicação e

educação, e esta relação vêm sendo chamada por muitos de educomunicação,

constituindo um campo de atuação novo, interdisciplinar e bastante singular,

que envolve além da leitura crítica de mensagens midiáticas, a produção das

mesmas a partir de um contexto relacional, dialógico e democrático, seguindo

por este caminho em busca do dito bem comum.

Segundo Ismar de Oliveira Soares (2008), um dos lugares propícios

para a prática educomunicativa é a escola formal. Esta prática oferece aos

estudantes a oportunidade de organizarem suas ideias, aprenderem a

expressar e comunicar aquilo que lhes interessa para a sociedade, para

comunidade e para eles mesmos, além de exigir uma troca mútua, o falar e o

ouvir de todas as partes, procurando os conceitos e formatos com os quais eles

querem trabalhar. É a possibilidade da comunidade escolar se comunicar e

fazer com que cada membro possa crescer nesta capacidade de informar e de

expressar, propiciando um espaço que se tenha onde conversar, com quem

2 MARTÍN-BARBERO, Jesús. Jóvenes: comunicación e identidad. Revista Digital Pensar

Iberoamérica de Cultura de la Organización de Estados Iberoamericanos. Nº 0, fevereiro/2002. Disponível em: http://www.oei.es/pensariberoamerica/ric00a03.htm. Acesso em: 12 de março de 2011.

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conversar e sobre o que conversar, é juntar esforços para planejar e vivenciar

processos de comunicação dialógicos e participativos.

Paulo Freire (1996) já defendia, sobretudo, a discussão, mas

também o uso da televisão, tendo em vista a possibilidade de homens e

mulheres romperem com um papel coadjuvante de apenas “estar no mundo”

para passarem a serem “sujeitos agentes”, capazes de transformar, produzir,

decidir, criar, recriar, comunicar.

A interdisciplinaridade, ou seja, o diálogo sintético, porém complexo,

existente entre educação e comunicação poderia transformar o processo de

formação do ser em uma rica experiência de intervenção e mudança de

realidades. (NOGUEIRA, 1994).

É o desafio de integrar conscientemente e criticamente a

comunidade escolar no mundo da sociedade globalizada, através da

constituição de novas metodologias de elaboração e cultivo de mensagens e

diálogos. (LITTO, 2008).

Em meio a esta trama, encontramos alguns fatores que podem

tornar ainda mais complexo o encontro entre educação e comunicação, que

são dentre vários, as diferenças com que educadores e educandos lidam com

as mensagens e tecnologias midiáticas, ou ainda as narrativas e lógicas

diferenciadas que surgem na sociedade e nas pessoas ao longo da evolução

das técnicas, e também as condições estruturais e subjetivas envolvidas na

imbricação destes campos. Estes e outros elementos são geradores e

construtores da cultura audiovisual, resta-nos trabalhar para que esta cultura

seja construída em conjunto e no ambiente educativo, aproximando diferentes

e aproveitando a riqueza da diversidade.

A partir deste desafio é que pergunto: a partir de práticas

educomunicativas, quais as possibilidades e os limites para o educador, em

decorrência da sua experiência com a educomunicação, construir junto com os

educandos uma cultura audiovisual que os aproxime e que acresça qualidade

ao trabalho educativo cotidiano?

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Hipóteses e Objetivos

A escola tende a reproduzir as estruturas sociais existentes, uma

das evidências que encontramos disso é que, por vezes, ela submete aos seus

desígnios o sujeito, que faz o que é determinado pelas estruturas, iludido de

que sua ação é resultante da vontade própria. (BOURDIEU-PASSERON, 1975

in SAVIANI, 1985).

Valores culturais e artísticos vêm sendo impostos pela mídia

massiva e esta imposição de valores tem se reproduzido dentro do ambiente

escolar, restando ao educador poucas possibilidades de ação, dentre as quais,

simplesmente ignorar estas influências, aderir às mesmas, ou contestá-las e

chamar seus alunos a certa ruptura com estas ideias e valores.

A reverência tem sido a característica mais forte da relação da

sociedade para com os meios de comunicação, deixando-se de lado quaisquer

questionamentos necessários para entendê-los, apenas culpabilizando-os por

todos os males sociais de uma forma generalizada e degenerativa, e são

deixadas de lado questões essenciais como: qual é o papel do Estado na

atualidade? Quais os direitos dos cidadãos? O que é ser cidadão? Quem

consegue ser cidadão no Brasil? Como os meios de comunicação aparecem

neste projeto de Estado? Qual consideramos que deve ser o seu papel na

formação de pessoas que saibam que têm direitos e que consigam reivindicá-

los?

O Estatuto da Criança e do Adolescente garante:

Art. 58. “No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura.” Art. 76. “As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001, p.22, p.26).

É fato que a sociedade, tem contato constante, quase ininterrupto,

com as mensagens midiáticas, especialmente as crianças e adolescentes, que

chegam a passar cerca de quarenta horas por semana envolvidas com as

mídias eletrônicas, em grande parte de base comercial e que estão ligadas a

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uma miríade de problemas da infância que incluem a erosão das brincadeiras

infantis criativas, a violência juvenil e a sexualidade precoce e irresponsável, a

obesidade infantil, os distúrbios alimentares, o materialismo desenfreado e o

estresse familiar. (LINN, 2009)

Nota-se claramente, sem maiores estudos aprofundados, que este

propósito idealizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para a mídia

vem sendo cumprido de forma parcial e diminuta, e que há a necessidade de

iniciativas que, de alguma forma se apropriem deste direito é iminente.

Marshall McLuhan traz a ideia de que os meios de comunicação são

extensões do homem, à medida que o meio é a mensagem, já que sem

qualquer conteúdo a ser veiculado o meio não exerce sua função por si só.

“Isto apenas significa que as consequências sociais e pessoais de qualquer meio — ou seja, de qualquer uma das extensões de nós mesmos — constituem o resultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nos mesmos.” (MCLUHAN, 1969, p. 20)

Esse novo padrão de que falava McLuhan não é apenas no

conteúdo que promove a hegemonia cultural da ideologia dominante, mas

também a sua forma. Uma cultura audiovisual se estabelece como um modo de

compreender a combinação de diversas linguagens que atuam e

conjuntamente se completam; uma forma de comunicação redigida por regras

originais que acontece com o resultado de uma utilização simultânea e

combinada de documentos sonoros e visuais variados. (BABIN e

KOULOUMDJIAN, 1989).

A linguagem audiovisual, utilizada primordialmente pelos meios de

comunicação para a formação de uma cultura audiovisual na sociedade, tem

uma grande abrangência em termos de difusão e fixação de informações, à

medida que a retenção de informações se dá aproximadamente entre 40% a

83% pela visão, de 11% a 25% pela audição, de 6% a 20% pelo tato, paladar e

olfato, e de 10% a 15% pelas sensações sinestésicas. Sendo que,

normalmente, retêm-se a informação de 10% do que se lê, de 20% do que se

escuta, de 30% do que se vê, de 50% do que se vê e se escuta, de 70% do

que se discute e de 90% do que se diz e logo se realiza. (SÀENZ, 1979).

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Esta assimilação e familiaridade com a cultura audiovisual associada

à tecnologia é algo inato à geração de estudantes que hoje frequenta a escola,

mas e o professor, é natural para ele a fruição dessa mescla de linguagens

mediadas tecnologicamente que consolidam um processo de comunicação

único em possibilidades e influxo? Será que com tantas horas-aula para

cumprir, tantos diários de classe para preencher, tantas provas e trabalhos

para corrigir, o professor consegue ter um contato substancial com as

linguagens e mensagens em que os estudantes estão imersos? Será ainda que

o professor entrevê a possibilidade de usar esta mesma cultura audiovisual

para estabelecer diálogos e questionamentos com os alunos acerca da

natureza e dos fins das mensagens, das formas e dos meios que a instituem

assim como é?

Porque a absorção de infinitas informações não implica

obrigatoriamente na sua compreensão ou na sua crítica, e às vezes chega até

constranger pela passividade a que os bombardeios de mensagens submetem

os receptores, que ficam praticamente sem espaço nem tempo para elaborar

seus significados.

Muitas vezes pode-se justificar a impossibilidade de adequação ao

ritmo conjuntural com a falta de recursos tecnológicos dentro das escolas, mas,

na verdade, o aprendizado e suas ações decorrentes são fluentes, e em

movimento. Mudam o tempo todo, sendo assim, podemos entender que o que

precisa acompanhar o processo de evolução é o ato de ensinar, a ação

pedagógica em si, não somente as condições estruturais.

Para a existência desta ação pedagógica diferencial, questionadora

e inovadora frente às mídias, antes de tudo, é preciso priorizar a formação de

um senso crítico suficiente nos educadores para perceber intenções midiáticas

intrínsecas e se dispor a tomar uma posição diferente da que lhe tentam impor.

Paulo Freire (1996) tratava como requisito básico para ação de

ensinar a convicção de que a mudança é possível, já que o estudo, o

conhecimento, a constatação, geralmente podem levar a algum tipo mudança e

não apenas à adaptação, nos tornando capazes de intervir na realidade,

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atividade bem mais complexa e geradora de novos saberes do que a simples

adaptação à realidade constatada.

A fim de assumir a posição de ambiente interatuante com outros

espaços e movimentos da sociedade, podem ser adotados pela educação

formal processos de comunicação atrelados à cultura audiovisual e suportados

por meios de comunicação, baseados numa metodologia participativa, onde o

processo de produção seja o mais importante, que valorizem a

intersubjetividade de produtores e audiência, resultando em materiais sensíveis

produzidos em contextos relacionais, com o conhecimento percebido,

dialogado, refletido e trabalhado para a externalização de atos narrativos

novos, compartilhados e inacabados. (FILÉ, 2002)

Não quero com isso propor a salvação da educação num

messianismo irrealizável, propondo a destruição da escola que temos para a

criação da escola que queremos, ignorando as pessoas que as fazem há

tempos, sua lentidão, seu peso e seus entraves ideológicos e burocráticos,

mas sim viabilizar para cada educador e coletivo de educadores, a partir da sua

realidade, a descoberta de novas possibilidades de buscar a construção de

relações humanas dignas, socializadoras, educativas, respeitosas e, porque

não, prazerosas, dentro da escola. (ARROYO, 2001)

O que trago aqui não é uma política educacional para invadir a

escola e forçar o professor a transformar-se e transformá-la, como uma

obrigação político-pedagógica, mas a ideia de fornecer subsídios para que o

educador possa optar por buscar, na medida do possível, um diálogo franco,

reto, justo, proporcional, e libertador com as mensagens disseminadas na

sociedade, partir do conhecimento basilar sobre a forma que se dá a

construção da propaganda ideológica e sua elaboração técnica para a

veiculação midiática, podendo fazer uma leitura mais concreta dos seus

propósitos.

Este diálogo é proposto não apenas como um ato de ler mensagens

e discuti-las, mas também como um ato responsivo de produzir coletivamente

contramensagens carregadas de intersubjetividades e objetividades

compartilhadas e recontadas.

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Para isso, conforme os aspectos levantados por Juliana Siqueira

(2009) são considerados alguns fatores essenciais para a análise desta

pesquisa, divididos em três eixos:

a) Subjetivo, que envolve a autoria dos educadores a partir da sua

percepção sobre cultura audiovisual.

b) Coletivo, que envolve as condições de uso de práticas educomunicativas

como um trabalho em conjunto.

c) Estrutural, que abrange o contexto político e socioeconômico em que os

educadores envolvidos desenvolvem seus trabalhos educativos e suas

implicâncias.

Sendo assim, a pesquisa intitulada “Cultura Audiovisual e Formação

de Educadores: Possibilidades e Limites em Práticas Educomunicativas”

propõe-se a:

Identificar quais as percepções que os educadores têm acerca da cultura

audiovisual; dentro desta percepção e frente à sua influência/interferência

no trabalho educativo como, atualmente, eles dialogam (ou não) com esta

cultura;

Verificar quais as necessidades formativas destes educadores para que

seja possível este diálogo e intervenção;

Investigar as possibilidades e limites da inserção de elementos da cultura

audiovisual no processo educativo cotidiano, dentro do contexto da

educação formal pública.

Procedendo do paradigma da educomunicação e de práticas

educomunicativas, fornecer subsídios para que os educadores sintam-se

seguros e fundamentados para buscar a construção de uma cultura

audiovisual junto com os estudantes, como uma forma de aproximação de

gerações e promoção do diálogo.

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Quadro Teórico

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer e o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 1996, p.32)

Estabeleço o quadro teórico com uma imbricação entre pensadores

clássicos e contemporâneos, a fim de garantir a coerência das ideias

levantadas sobre os temas abordados e também de dar a devida importância à

sistematização que outras pessoas já fizeram nestes campos, a partir de

empirias e teorias.

Para a conceituação de cultura, me sustento basicamente em Émile

Durkheim (1983) com a teoria sociológica de que a cultura se impõe ao sujeito,

quer ele resista ou não, porque vou estabelecer um cotejo com a ideia de

Adorno (1986) de que a cultura pode ser o exercício de uma prática de

liberdade e identidade.

Trago Marshall McLuhan (2001) com a concepção de que os meios

de comunicação são uma extensão do homem, e que o conteúdo das

mensagens é o que define o próprio meio e a sua natureza, com esta hipótese

levantada, relaciono a cultura, os meios de comunicação e o ser.

Abordando os conceitos de educação e currículo, tomo Paulo Freire

e Henry Giroux como principais referenciais, Freire embasando os conceitos de

educação libertadora, emancipatória e a metodologia de construção de

conhecimento através dos círculos de cultura; Giroux (1986) com a noção de

currículo oculto, do papel do intelectual para a resistência na construção de

uma escola crítica e da relação de escola crítica e política cultural.

Do campo da educomunicação utilizo as ideias de autores como

Mario Kaplún (1998) no âmbito da pedagogia da comunicação e de suas

potencialidades e Ismar de Oliveira Soares (1995) com a epistemologia e as

metodologias da educomunicação; e da cultura visual Fernando Hernandez

(2007) é o autor basilar, com a fundamentação do termo e da proposta da

narrativa da cultura visual inserida no contexto educacional.

Assim é composto o quadro teórico de pensadores que me ajudam a

construir esta pesquisa, que foram estabelecidos devido à primordialidade de

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suas teorias, além da convergência com as minhas próprias concepções.

Ressalto a necessidade desta amplitude no quadro teórico devido à

diversidade de campos abordados nesta pesquisa.

Fontes, Procedimentos e Etapas

Com base nos referenciais teóricos estabelecidos, propus o

seguimento dos seguintes estágios para o desenvolvimento da referida

pesquisa:

Foram reunidos três grupos, cada um com 3 a 10 professores da

rede pública da periferia da Grande São Paulo, com tempo de serviço em

educação de 2 a 15 anos, e idade de 20 a 45 anos; foram realizadas e

registradas em foto, áudio e vídeo, três oficinas formativas com práticas de

educomunicação, tendo duração de quatro horas cada.

Cada oficina foi dividida em três etapas. A etapa inicial trouxe a

apresentação conceitual dos campos da educomunicação e da cultura

audiovisual.

A segunda etapa consistiu na produção de um trabalho

educomunicativo pelos professores, abordando uma temática escolhida pelos

mesmos. Em cada oficina esta produção contou com formato diferente, dentre

três possibilidades: história em quadrinhos, rádio e vídeo.

A terceira etapa foi a proposição de um círculo de cultura3 para a

avaliação do processo e dos resultados obtidos, e também para a verificação

da aplicabilidade cotidiana das experiências vivenciadas por estes professores.

Os círculos de cultura foram registrados em áudio, outros detalhes,

relatos e impressões sobre as experiências foram apontados em um diário de

pesquisa. Dos dados coletados neste processo, foi elaborada a conclusão

sobre o problema e as hipóteses levantados na pesquisa, a partir dos eixos já

citados.

3 Proposta de Paulo Freire para a construção de espaços democráticos que possibilitem a

emancipação do sujeito, espaços de interação da cultura popular, aquisição e produção de conhecimento através do diálogo e da participação horizontais entre educadores e educandos.

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Capítulo 1 - Cultura, Comunicação e Educação: Entre as Tramas do Saber

A presente pesquisa, acerca da Cultura Audiovisual e a Formação

de Educadores por meio da Educomunicação, como já mencionado, não

pretende especular ou estabelecer novos conceitos, mas sistematizar

paradigmas e concepções já firmadas por teóricos e práticos dos campos aqui

estudados.

Inicialmente estabelecerei alguns princípios norteadores desta

dissertação. Parto da idéia amplamente explorada, mas não esgotada, sobre o

que é cultura, junto ao olhar de pensadores que trazem concepções

antropológicas, gnosiológicas e políticas afins às minhas.

A cultura, em sua concepção axiomática, diz respeito ao produto do

cultivo; plantação, criação ou desenvolvimento com cuidados especiais,

(HOUAISS, 2001) associada, portanto, à idéia de trabalho produtivo conduzido

para a plena realização das potencialidades de algo. (BRACHT apud NEIRA e

NUNES, 2006) Num sentido mais antropológico a cultura significa todo um

modo de vida: práticas, rituais, instituições, artefatos materiais, textos, idéias e

imagens. (JAY, 1984)

Voltando essa ideia para um sentido mais elitista, podemos entender

a cultura como “a formação do homem, sua melhoria e seu refinamento”

(BACON apud ABBAGNANO, 2007, p. 225), assim, podemos considerar

produto dessa formação, o conjunto dos modos de viver e pensar cultivados,

civilizados e polidos; podendo então identificar a cultura à arte, à filosofia, à

literatura, à educação formal, ao teatro etc.; os chamados “propósitos

humanizadores” dos “homens cultivados”. (JAY, 1984)

Essa transição de significados aconteceu por obra da filosofia

iluminista, que aponta que num ser racional, cultura é a capacidade de escolher

seus fins em geral, e, portanto, de ser livre. (KANT apud ABBAGNANO, 2007).

Contrapondo-se a essa ideia kantiana de que a liberdade pode ser

proporcionada pela cultura, encontramos no pensamento de Durkheim a

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referência à cultura como o aprendizado do conjunto de hábitos, costumes,

condutas e pensamentos característicos de um grupo, uma consciência

coletiva imprescindível para a socialização, e dessa forma para a humanização

do ser. Ele aponta essas consciências coletivas, como dotadas de uma força

imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem ao sujeito, quer ele

queira, quer não. E defende que, caso aja uma conformidade voluntária com

esses padrões, nem é possível sentir a sua imperiosidade, e caso aja a

tentativa de resistí-los, eles se afirmam imediatamente, mostrando assim a

inerência da cultura à constituição do homem como ser social. (DURKHEIM,

2001).

Estabelecendo esses pensamentos sobre as possibilidades de

mobilidade ou inércia proporcionadas pela cultura, desenvolverei a seguir

algumas definições de campos mais específicos da cultura que conduzirão esta

pesquisa.

1.1 A Cultura de Massa

O sentido elitista dado à cultura, como repositório de realizações

mais nobres e dos valores mais elevados do homem sempre suscitou tensões

com a cultura “popular” ou “folclórica” e provocou a hostilidade de críticos

populistas, que denunciam sua cumplicidade natural com a estratificação

social. (JAY, 1984)

Essas discrepâncias entre representações sempre foram motivos de

longos debates que tentam significar a realidade acerca da cultura.

Chega a ser perigoso desenvolver um conceito de cultura como

realidade coerente que transcende a sentidos específicos, “falar de cultura

sempre foi contrário à cultura. A cultura como denominador comum já contém,

em embrião, aquela sistematização e o processo de catalogação que a

conduzem para a esfera da administração”. (ADORNO e HORKHEIMER, 1985,

p. 123).

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Não quero dizer que, necessariamente, toda cultura fertiliza em si a

administratividade a ponto de descaracterizar o seu potencial criativo e

libertador, mas que essa esfera administrativa encontra terreno fértil nos meios

de comunicação4 de massa e consegue transformar a cultura numa mercadoria

de troca e de manipulação ideológica massiva.

A partir do momento em que a cultura firma suas raízes nos meios

(ou veículos) de comunicação de massa, ela tende a perder sua possibilidade

dialógica, já que esses veículos são utilizados essencialmente como emissores

de mensagens num sentido único, pois mesmo que disponham de

vários feedbacks, como índices de consumo, ou de audiência, cartas de

leitores ou espectadores, descartam a simetria e a paridade de condições entre

emissor e receptor, sobre as quais se assentam o processo autêntico de

comunicação (WEINER, 1954).

A utilização desse fluxo unilateral de mensagens, reduzindo a

técnica das obras de arte à condição de técnicas de distribuição e reprodução

mecânicas, mantendo-se permanentemente externa ao seu objeto, configura-

se como indústria cultural, substituindo a técnica produtiva individual pela

tecnologia reprodutivista, e ainda que as novas condições criadas pelas

técnicas de reprodução não alterem o próprio conteúdo da arte, de qualquer

modo, tendem a desvalorizar a unicidade de sua presença. (ADORNO, 1986).

Essa produção cultural em escala industrial gera a alienação do

trabalho, onde aquele que produz o resultado não se identifica com ele e nem

reconhece ali a sua autoria (MARX, 1844), ou seja, por não se tratar de uma

produção criada, gestada e executada coletivamente pelos sujeitos envolvidos

no processo, a identidade do produto cultural se perde, já que a segmentação

arbitrária das tarefas nem sempre permite a assimilação da criação como um

todo.

Em si a indústria cultural também propõe a apresentação e/ou

representação da realidade ao seu público, a partir, claro, de um ponto de vista

4 O termo "meios de comunicação" refere-se ao instrumento ou à forma de conteúdo utilizada

para a realização do processo comunicacional. Quando referido a comunicação de massa, pode ser considerado sinônimo de mídia. (BORDENAVE, 1997).

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conveniente e da devida à adequação dessa realidade às massas, bem como a

conexa adequação das massas a esta realidade, e constitui um processo de

eficácia ilimitada, tanto para o pensamento quanto para a intuição (BENJAMIM

in LIMA, 1969).

Dessa forma, “o meio que configura e controla a proporção e a forma

das ações e associações humanas, isto porque não deixa de ser bastante

típico que o “conteúdo” de qualquer meio nos cegue para a sua natureza”

(MCLUHAN, 2001, p. 23). Ou seja, sem a clareza da origem e dos propósitos

dos conteúdos veiculados pelos meios, fica difícil diferenciar e distanciar

produtores e veículos de mensagens, numa obscuridade capaz de fundir

conteúdo e transmissão, onde a responsabilidade dela acaba por ser

transferida do produtor das mensagens ao veículo (instrumento) que as

transmite, eximindo pessoas de seus interesses e demonizando máquinas.

Isso acontece porque a produção de cultura veiculada pelos meios

de comunicação foi inicialmente restrita a um grupo seleto minoritário, o que a

tornava instrumento de propaganda ideológica e de dominação cultural. Assim,

ficava difícil associar expressão cultural legítima e meios de comunicação.

(MCLUHAN in LIMA, 1969).

O fato é que nem Marx, nem Adorno, nem Benjamim e nem

McLuhan previram com precisão a abrangência que um meio como a internet

alcançaria e que a partir dela os meios de comunicação pudessem alcançar

uma esfera mais democrática e legítima de produção cultural, que

ultrapassassem os limites da dominação e alcançassem a qualidade de

instrumentos de proliferação de contracultura. Eis que o imprevisto aconteceu e

hoje uma rede de informações multiplica mensagens que podem ser

produzidas (quase que livremente, por enquanto) por qualquer pessoa, com

qualquer intenção, fonte ou formato e o alcance que a ser tomado é sempre

impossível de se antever.

A interdependência cada vez mais intensa entre ser humano e

máquina se desdobra na sobreposição entre sujeito e objeto de pesquisa. É a

era das informações instalada cada vez mais no cerne da existência humana.

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“Assim como a água, o gás e a corrente elétrica vêm de longe às nossas casas para satisfazer nossas necessidades, por meio de esforço quase nulo, assim também seremos alimentados por imagens visuais e auditivas, nascendo e evanescendo ao mínimo gesto, quase a um sinal. Essa relação intrínseca acaba interferindo na capacidade cognitiva do ser humano, influenciando suas ações de captação, sistematização e representação de informações.” (BARROS, 2006, p.5-6).

Com essa fusão entre seres humanos e meios (agora sim,

reafirmando a proposição de McLuhan dos meios como extensão das pessoas)

podemos constatar que escritos, palavras e caracteres podem ser limitadores

para a necessidade de expressão cultural, mas que se somados às sensações,

sons, e imagens separados, unidos, sobrepostos, mesclados, embaralhados,

fundidos, das infinitas possibilidades de combinação de informações, podem

ajudar a executar o desejo veemente e impaciente da natureza humana de

significar a si mesmo e ao mundo ao seu redor.

1.2 A Cultura Visual

“Há muito vigora o truísmo de que as modificações na cultura

material ocasionam variações nos padrões da cultura inteira” (MCLUHAN in

LIMA, 1985, p. 146), dessa forma compreendemos que o ser humano se

adapta, se transforma e evolui à medida que suas descobertas se tornam

funcionais na vida social.

Influenciado e cada vez mais integrado aos meios o ser humano

estabelece uma conexão mais intrínseca ainda com a visualidade, passando

esta a protagonizar as linguagens que o constituem. A tecnologia da

comunicação trouxe consigo imagens curtas, aceleradas, justapostas,

misturadas, em narrativas lineares ou não, que às vezes não conseguem nem

ser percebidas conscientemente. Desse ritmo visual frenético emerge uma

assimilação imagética espantosamente marcante na formação dos indivíduos.

Se as imagens fazem parte das pessoas desde sempre, agora o fazem cada

vez mais.

Nos preocupamos em saber o quê e como as imagens significam

enquanto símbolos e signos, o que lhe garante vitalidade e que “tipo de poder

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elas têm para afetar as emoções e o comportamento humano” (MITCHELL

apud MARTINS, 2005, p. 70).

Aos estudos de manifestações “imagéticas” da cultura se

acrescentou a necessidade de compreender os mecanismos variadamente

localizados de produção de sentido — sentido dialógico, portanto socialmente

construído e mutável e não pré-formado ou imanente à fonte visual.

(MENESES, 2003).

O campo de estudo da cultura visual surge como resposta a essa

necessidade de investigar e analisar uma cultura dominada por imagens

visuais. A expressão cultura visual refere-se a uma diversidade de práticas e

interpretações críticas acerca de posições subjetivas e de suas relações com

as práticas culturais e sociais do olhar, concerne ao movimento que orienta a

reflexão e as práticas coligadas a maneiras de ver e visualizar as

representações culturais intersubjetivas de ver o mundo e a si mesmo.

(HERNANDEZ, 2007)

Trata-se não só da visualidade, mas da visão socializada, a visão

como prática social, como algo construído socialmente ou localizado

culturalmente, que através da interpretação transcende a prática de ver da

mimese para a ressignificação através do olhar crítico.

O estudo da cultura visual trata-se de um campo emergente,

transdisciplinar e transmetodológico que vem discutir e tratar a arte e a imagem

para além do valor estético, buscando compreender o papel da imagem na

vida, a partir do entendimento de que as imagens exercem poder psicológico e

social sobre os indivíduos. (MARTINS, 2005).

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1.3 A Cultura Audiovisual

Figura 3: Manolito e Mafalda em tira de Quino

Ainda levando em consideração o peso e a prevalência do efeito das

imagens sobre os indivíduos, é preciso atentar para o fato de que elementos

auditivos somados aos visuais incidem necessariamente em um impacto bem

maior das mensagens.

A cultura audiovisual envolve o papel social e psicológico das

imagens e sons associados e não apenas produtos audiovisuais industriais por

si só. É algo que participa e contribui para a constituição do ser humano ao

longo do contato estabelecido, não somente como algo fornecido ao ser

humano por outro pequeno grupo que traz a significação da verdade, mas a

significação que o ser faz a partir de uma reflexão crítica sobre as mensagens

de sons e imagens com que teve contato, que de alguma forma o informaram,

o transformaram, o formaram.

Afinal o que é o ato do conhecimento senão a interiorização do

mundo exterior, recriando no meio de nossos sentidos e faculdades internas o

drama da existência? Isso é o trabalho logos poeitikos, o intelecto agente, pois

no próprio conhecimento reside a totalidade do processo poético, de criação do

significado da existência. (MCLUHAN, 2001).

A tecnologia moderna pretende tentar uma transformação total do

homem e do seu meio, o que por sua vez exige a inspeção e defesa de todos

os valores humanos. E no que respeita ao mero auxílio humano, esta defesa

deve estar localizada na consciência analítica da natureza do processo criador

envolvido no conhecimento. (MCLUHAN, 2001).

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O potencial da produção de conhecimento alcança um expoente

expressivo a partir do momento em que a imagem toma movimento e passa a

ser associada ao som, pela atribuição do ritmo à sua constituição, mesmo no

cinema mudo (que mesmo que assim chamado falou e ainda fala muito), por

vezes orquestras e instrumentistas somavam suas mensagens sonoras às

mensagens visuais que transcorriam pela tela, numa espécie de moldura

auditiva aos quadros da visualidade.

É um compartilhar de cognições que existe para que seja mais

efetiva a produção do conhecimento, através da reinterpretação da informação

produzida em caráter maximizado pelo amálgama da imagem e do som.

“Sem a música, a vida seria um erro.” (NIETZSCHE, Friedrich)

1.3.1 A Linguagem e Tecnologia Audiovisual

A linguagem é qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou

sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais etc.

(HOUAISS, 2001).

Dessa forma podemos considerar como linguagem audiovisual

qualquer comunicação que envolva som e imagem (como sugerido no

quadrinho de Quino p.32), no entanto, a linguagem audiovisual pode ser

canalizada para a tecnologia, de modo que dispositivos eletromecânicos e

digitais codifiquem os sinais transmitidos, transportando-os a distâncias

incalculáveis, tornando som e imagem um conjunto de expressões reais

reproduzidas de forma virtual, constituindo uma narrativa audiovisual

transmitida a um grande número de pessoas simultaneamente, adicionando à

cultura e à linguagem audiovisual a reprodutibilidade em larga escala.

A associação da linguagem com a tecnologia audiovisual além de

implicar uma nova narrativa, também implica necessariamente numa produção

coletiva interdisciplinar, que põe em diálogo e relação uma multiplicidade de

conhecimentos criados e executados em equipes.

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As produções audiovisuais demandam a atuação de especialistas

em diversas áreas do conhecimento, para dar suporte desde a produção até a

transmissão das mensagens. Esta vocação interdisciplinar foi pioneiramente

examinada por Walter Benjamin, que percebeu que os meios apoiados na

reprodutibilidade de imagens técnicas pressupunham novas formas de

articular, narrar e de representar o saber sistematizado, que contrariam a

tradição tanto da história das representações artísticas quanto do pensamento

científico, ao passo que requer a atenção de diversos olhares minuciosos para

captação e a viabilização da obra pretendida. O que antes podia ser criado e

executado individualmente agora requer a divisão da criação para que haja a

precisão e agilidade necessária.

Esta narrativa audiovisual criada e reproduzida tecnologicamente,

além de ter constituído um novo ritmo à comunicação humana acabou

inicialmente também defasando correspondência mútua do processo

comunicativo, já que o feedback só existiria se fosse buscado através de

iniciativas específicas para tal, ou seja, o retorno da recepção do receptor à

emissão das mensagens do emissor não podia ser percebido imediatamente, já

que requeria outros meios de constatação.

Deste modo, a situação geral criada por um canal de comunicação e

o seu público constitui grande parte daquilo no qual e através do qual os

indivíduos comunicam. Mas independentemente da mutação na reciprocidade

da comunicação a mensagem encodificada não pode ser considerada como

uma simples cápsula ou pílula produzida de um lado e consumida do outro. É

preciso entendê-la como um processo inconstante, mutante, individual e

coletivo, subjetivo e intersubjetivo de produção de conhecimento.

Algo que possibilitou entender isso melhor foi o surgimento das

redes sociais na internet. Essas redes permitem que os receptores se

posicionem como atores sociais, divulgando e publicando informações e

opiniões de acordo com os valores e impressões que desejam criar e construir

na sociedade, mediadas pelo computador. (RECUERO, 2009).

A partir disso, “verificamos hoje que uma nova situação que se

oferece igualmente aos jovens e velhos é a sala de aula sem paredes. Todo o

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ambiente urbano tornou-se agressivamente pedagógico. Todos e tudo têm uma

mensagem a declarar, um fio que ligar” (MCLUHAN, 2001, p. 145). O mundo é,

de fato, uma escola e as impressões, comportamentos, idéias e valores

associados e semeados vão construindo um capital social comum aos

elementos interligados nos tecidos das redes sociais.

Assim como José Datrino, que se tornou o Profeta Gentileza e saiu

pelas ruas do Rio de Janeiro pintando mensagens e semeando a ideia de que

gentileza gera gentileza, e como Adolf Hitler, que se tornou Führer do Terceiro

Reich Alemão e usando os meios de comunicação semeou o ódio aos grupos

minoritários, qualquer um pode plantar sua ideologia pela sociedade, e sua

popularidade e impacto dependerão das possibilidades de publicação,

divulgação e do quanto esse capital social é aceito. Enquanto a internet no

Brasil não recebe nenhuma legislação específica, ela continua sendo terra de

todo mundo e ninguém, tornando possível o uso desta para fins que

contradizem o propósito primordial dos meios de comunicação, o de controle

social.

Figura 4: Profeta Gentileza e um de seus murais com algumas máximas

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1.1 A Cultura Escolar

Tratemos sobre a escola formal, a instituição social com

características muito peculiares, que envolve esferas administrativas,

submetida à legislação, à mantenedores, que podem ser o poder público ou

privado e que para além dessa estrutura burocrática se compõe de atores

(famílias, professores, gestores e alunos), de discursos e linguagens (modos

de conversação e comunicação), de instituições (organização escolar e o

sistema educativo) e práticas (pautas de comportamento que chegam a se

consolidar durante um tempo), que somados consolidam uma prática social

própria, desenhando uma cultura formada e difundida dentro dela. (SILVA,

2006)

A organização escolar, como qualquer instituição reforça

mecanismos geradores de adaptação e dominação, que incidem sobre os

processos pedagógicos, organizativos, de gerência e funcionamentos que vão

além das submissões administrativas a que ela se reporta, já que ela não se

sustenta apenas por um plano racional determinado pela burocracia, mas por

uma totalidade de relações sociais coordenadas de superestruturas,

infraestruturas, e sujeitos. (SAVIANI, 1983)

Devido a estas relações é que o discurso e a prática educacionais

estão necessariamente vinculados à ideologia vigente, entranhada no

neoliberalismo, que ao seu modo separa a cultura das relações de poder, e

usando desta cisão, a despolitiza e a analisa acriticamente, tratando a cultura

apenas como um conjunto de hábitos e costumes ou objeto de reverência, e

não como princípios de vida experienciados e compartilhados, a partir das

relações de poder e da luta de classes.

Este tratamento neoliberal da cultura pela escola exclui (apenas

aparentemente) os conceitos de cultura dominante e cultura subordinada,

deixando de reconhecer (ignorando sem constrangimento) o efeito das forças

sociais e políticas mais amplas em todos os aspectos da organização escolar e

da vida diária da sala de aula, abrangendo “silenciosamente” instâncias

ideológicas que estruturam e reproduzem os pressupostos e práticas

hegemônicas. (GIROUX, 1992).

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Deste ponto de vista, olhamos a cultura escolar e podemos entendê-

la como um lugar criado pela/para/na sociedade com o fim de controle e

dominação social, disfarçada de permissora da ascensão através da aquisição

do conhecimento e do preparo para o trabalho, no entanto com uma grande

contradição: é garantida ao educador liberdade de cátedra pela Constituição

Federal de 1988 e reafirmada pela Lei de Diretrizes e Bases para a Educação

de 1996.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, (...). BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988.

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; (...).

BRASIL, LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO (LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996).

É nesta contradição que o educador pode encontrar um espaço de

luta para praticar a resistência na educação, como uma forma de política

cultural, trabalhando seletivamente no desenvolvimento de um discurso que

analise a escola como um espaço de incorporação ideológica e material de

uma trama complexa de relações de poder e cultura, e também como um

espaço de contestação cultural onde se cruzam conhecimento, linguagem e

poder, a fim de construir práticas de regulação moral e social inseridas em

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determinados contextos históricos. Para isso é importante deslocar a ênfase na

preocupação unilateral com a reprodução cultural para uma preocupação com

a intervenção cultural e a ação social, e embora este enfoque por si só não vá

mudar a sociedade maior, ele propiciou o fundamento para se usar a escola

como um espaço importante para se empreenderem práticas hegemônicas.

(GIROUX, 1986).

Nesta relação entre conhecimento, linguagem e poder se

consolidam as formas de educadores e educandos definirem, mediarem e

compreenderem suas relações dentro e fora da escola.

1.4 Educomunicação, um Paradigma Possível?

Estabeleço esta discussão porque a educomunicação, em sua

gestação, tem esboçado propósitos fundamentais que vão além do uso dos

meios de comunicação para fins educativos, que envolvem opções ideológicas

e políticas em sua prática e não uma simples instrumentalidade da

convergência de dois campos.

Sendo assim, não podemos tratar o campo da educomunicação

como algo consolidado para que a educação legitime um uso justo da

comunicação, nem o contrário, mas sim como um campo composto pela

apropriação das utilidades convenientes de ambos para questionar, produzir,

dizer e viver mensagens que proporcionem a autonomia, a libertação e

construção de identidade dos sujeitos.

1.4.1 Fruto da Urgência Histórica

O levantamento histórico a seguir tem seu edifício teórico construído

em Roberto Aparisi (2002).

A introdução da comunicação como objeto educativo foi feita logo

nos primeiros anos do século XX, quando o cinema já recebia fomento com fins

educativos e grandes números de soldados eram treinados para a Segunda

Guerra Mundial com os meios de comunicação disponíveis na época,

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vinculando sua eficiência, desde as origens, a modelos educativos

fundamentados na reprodução.

A Escola de Frankfurt, que começou o estudo da mídia como uma

indústria cultural, e as contribuições da semiologia francesa estão entre os

pilares da perspectiva reflexiva e crítica daquilo que, na década de 60,

começou a ser chamado de educação em ou para a comunicação.

Há cerca de pelo menos 50 anos educomunicadores desenvolvem

suas atividades em diversos países, determinadas e condicionadas pelo seu

contexto. Têm-se registro de práticas educomunicativas em países onde, por

diversas razões, se tinha estados de repressão política, seja por ditaduras

autoritárias como as de Franco na Espanha, de Pinochet, no Chile, de Videla

na Argentina, ou ainda estados policiais como no Brasil, México e Uruguai, ou o

regime do apartheid na África do Sul; mas também em países que já tinham

suas democracias estabelecidas, como os Estados Unidos, Austrália e Canadá,

também se encontrava terreno fértil para desenvolver e implementar ideais de

comunicação como um exercício para a prática da liberdade.

Nos anos 60 e início dos anos 70, durante o fenômeno da

contracultura nos Estados Unidos e Europa, a difusão de uma nova disciplina

significou uma reunião entre os comunicadores e educadores, a chamada

media literacy, ou alfabetização para os meios para discutir especificamente a

importância de refletir e questionar dentro de escolas e ambientes educativos,

os meios de comunicação e seu uso. Com isso, surgiram organizações não

governamentais dedicadas especificamente ao estudo da convergência entre

educação e meios de comunicação e de práticas de reflexão crítica a respeito

do encontro entre estes campos, movimento que acaba se desaquecendo com

a chegada de Reagan ao poder e um período de extremo conservadorismo na

economia política. Enquanto isso, o campo se desenvolve com força no

Canadá, e adquire destaque internacional com a iniciativa nos anos 80 de um

grupo de professores e instituições inglesas e australianas que conseguem

levar a media literacy para a educação primária e secundária naquele país. A

Inglaterra e a Austrália podem ser consideradas pioneiras na introdução dos

estudos de mídia nas escolas e na formação de professores especializados.

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Desta forma, o período dos anos 70 e 80 compreende um momento

de organização, formação e intercâmbio de diferentes práticas do campo da

educomunicação entre participantes de áreas linguísticas e culturais

vinculadas, resultando em ações, primeiro de caráter local, logo regional e

estendendo seu caráter internacional ao longo da década de 90, quando em

outras regiões, como a Europa Oriental, a África e a Ásia, a educomunicação

começa a ter o seu espaço, e na mesma época atinge o seu pico nos Estados

Unidos, Austrália, Canadá e Brasil. Mas a culminância do que podemos

considerar como estabelecimento da interface educação e comunicação no

âmbito internacional se dá mesmo nos últimos 20 anos.

Na América Latina Mario Kaplún, Jesús Martín-Barbero, Daniel

Prieto Castillo e Paulo Freire já desenvolviam propostas pedagógicas

relacionadas com a comunicação que impulsionaram ideias sobre cultura e

comunicação popular. Ismar de Oliveira Soares, estuda, desenvolve e divulga o

campo no Brasil, desde o fim dos anos 80, quando a educomunicação ainda

visava apenas promover um senso crítico frente à mídia, especificamente a

televisão, após estudos do próprio Soares (1999) constou-se a utilização

alternativa dos meios de comunicação por parte de organizações não

governamentais para colocar em debate problemas sociais, e estabelecer a

perspectiva do seu uso numa prática cidadã que interferisse tanto na educação

como na comunicação, atividades estas que acabaram também se

incorporando ao conceito de educomunicação.

A partir daí percebeu-se que o campo, além de propor a leitura

crítica das mensagens lançadas na sociedade, se ampliava, propondo também

uma ação protagonista da sociedade perante os meios de comunicação no

sentido de produzir as próprias mensagens através da “apropriação do uso”

destes meios, de acordo com as possibilidades materiais disponíveis, o que se

tornou mais acessível com a difusão da internet e seus espaços virtuais de

publicação e interação. (CASSIANO, 2009).

Com a imbricação dos campos da Comunicação e da Educação

avançando desenfreadamente, começa uma verdadeira derrubada da fronteira

entre as disciplinas, constituindo um novo campo do saber, absolutamente

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interdisciplinar e com certa autonomia em relação aos que os precederam,

produzindo uma metalinguagem e identificando-o como objeto de

conhecimento, de modo que este é gradativamente consolidado, afirmado e

assumido no Brasil, com a recente criação de cursos de graduação em

Educomunicação em algumas universidades, como o bacharelado criado em

2010 na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e em 2011 com a

abertura de uma licenciatura na Universidade de São Paulo (USP), alicerçados

em cursos de pós-graduação na área já estabelecidos anteriormente

(oferecidos na USP, na UEPB e na UFPB, por exemplo).

O que é importante ser ressaltado é que a institucionalização deste

paradigma de construção de conhecimento e cultura oferece alguns riscos aos

seus aspectos fundamentais, como por exemplo, a gestão democrática dos

processos comunicacionais, já que instituições necessariamente envolvem a

hierarquização e a burocratização dos processos e das relações.

1.4.2 Fundamentos e Conceitos

Inicialmente, a educomunicação se estabeleceu em ambientes não

formais em experimentações ligadas à comunicação e educação voltadas para

embates da luta social através da expressão e da comunicação popular e

alternativa. Esta origem acabou inferindo ao conceito de educomunicação

características emancipatórias, definindo-o como “o conjunto de processos que

promovem a formação de cidadãos participativos política e socialmente, que

interagem na sociedade da informação na condição de emissores e não

apenas consumidores de mensagens, garantindo assim seu direito à

comunicação”. (SOARES, 2009, p. 8).

Numa pesquisa realizada entre 1997 e 1999, ao mapear as

atividades na interface da Comunicação e Educação em doze países da

América Latina, o Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de

São Paulo (NCE-USP), chega a um denominador comum do conceito como “o

conjunto de ações formativas voltadas para o planejamento e a implantação de

práticas destinadas a criar e desenvolver ecossistemas comunicativos abertos

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e criativos em espaços educativos, garantindo, desta forma, crescentes

possibilidades de expressão a todos os membros das comunidades educativas”

(SOARES, 2003, p. 38). É importante atentar para o fato de que a comunidade

educativa não envolve apenas educadores e educandos, mas também

funcionários, familiares e a comunidade no entorno, que pode e deve ser

envolvida nas práticas educomunicativas para somar e compartilhar no

processo.

Os processos educomunicativos, em sua forma idealizada, devem

promover espaços dialógicos horizontais e desconstrutores das relações de

poder e garantir acesso à produção de comunicação autêntica e de qualidade

nos âmbitos local e global, contemplando a perspectiva crítica com relação à

comunicação de massa, seus processos e mediações (REDE CEP, 2009). E

nesta direção, poderiam introduzir a comunicação como eixo transversal dos

processos educativos cujo objetivo seria garantir, através de conjuntos de

ações e não de ações isoladas, condições e formas de expressão, não

exclusivamente aos promotores da ação (que em escolas, seriam os gestores e

educadores), mas a todos os envolvidos (SOARES, 2009), assim podemos

considerar a configuração de um ecossistema comunicativo.

Segundo Ismar de Oliveira Soares, uma possibilidade para a

viabilização da meta conceitual e da prática dos ecossistemas comunicativos

dentro dos ambientes educativos seria caminhar pelo trabalho com projetos,

construídos coletivamente a partir da perspectiva educomunicativa, em busca

“da educação para a vida, do sabor da convivência, da construção da democracia, da valorização dos sujeitos, da criatividade e da capacidade de identificar para que serve o conjunto de conhecimentos compartidos na grade curricular”. (SOARES, 2009, p. 15)

O fato é que para alcançar este ideal pretendido, velhas barreiras

enraizadas no sistema precisam ser extintas, barreiras consolidadas ao longo

de séculos na sociedade, como as relações de poder e desigualdade, as

políticas de exclusão, a supressão da expressão criativa, o beneficiamento do

individualismo e a taciturnidade das relações.

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Capítulo 2 - Educadores, Educandos e Cultura Audiovisual

A linguagem está implexa nos processos de criação e expressão,

representando uma força central na produção de significados.

“A escola é uma das esferas públicas básicas, onde, pela influência da autoridade, da resistência e do diálogo, a linguagem é capaz de construir a maneira como vários indivíduos e grupos codificam e, assim, leem o mundo. Em outras palavras, a escola é o espaço onde os projetos de linguagem impõem e controlam normas e formas específicas de significado. Neste sentido, a linguagem faz mais do que apresentar diretamente a “informação”: na verdade, ela é usada tanto como base para a “instrução”, como para produzir subjetividades”. (GIROUX, 1987, p. 70).

É inegável que nós, humanos, somos seres que percebemos o

mundo através da sensorialidade, estimulada em seus diversos aspectos. Esse

processo cognitivo foi sempre primordial para a elaboração de modos de

produzir e distribuir a sapiência universal.

Atualmente a maior parte do conhecimento produzido circula na

sociedade através dos meios de comunicação, amparada pela tecnologia

crescente. Com o tempo isso desenvolveu nas pessoas uma latência

perceptiva cada vez mais ligada a estímulos multissensoriais, multifocais,

plurivalentes, e com isso estão sendo redefinidos conceitos de espaço, tempo,

memória, produção e distribuição do conhecimento, e as formas de pensar e

assimilar o mundo. (SARDELICH, 2006). Este conjunto de signos, significados

e significantes compõe novas linguagens, no plural, porque esse é o cerne da

pós-modernidade: a pluralidade infinita, não linear, digressiva, recheada de

hiperlinks e hipertextos. (SANTOS, 2004).

A linguagem é de fato, o próprio fundamento da cultura

(JAKOBSON, 2007) e é por causa desse amálgama de provocações

sensoriais, predominantemente visuais e auditivas, amparado pela propagação

cada vez maior da tecnologia, que podemos dizer que a cultura em ascensão e

disseminação que permeia a sociedade contemporânea é a cultura audiovisual.

Contudo, é importante considerar que a experiência formativa das

pessoas tem uma influência direta na forma como elas lidam com essa cultura,

e que embora a incorporação e a assimilação destes estímulos sejam

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dependentes da individualidade, também podemos notar que há tendências

geracionais que na sociedade, indicando que o processo histórico também

infere no trato com a cultura audiovisual e com a própria tecnologia.

2.1 Novas Gerações, Novos Olhares

Alguns estudos norteamericanos no âmbito da administração e dos

negócios na busca por avaliações de tendências sócio comportamentais fazem

diferenciações etárias, tratando como gerações ciclos de 18 a 25 anos

(considerados como o período necessário para crescer, casar e se reproduzir,

o que já traz em si determinantes variáveis do contexto histórico e econômico),

que segundo Howe e Strauss (2007), percussores da discussão geracional,

podem ser observadas e classificadas em suas perspectivas mais recentes da

seguinte forma:

Há uma geração da população, nascida entre 1946 e 1964, num

momento após a 2ª Guerra Mundial, chamada baby boomers, que tende a se

relacionar com trabalho como a coisa mais importante da sua vida, pois

entendeu que era preciso reconstruir o mundo pós-guerra e que a sua ação é

imprescindível para tal e, por isso, passa a colocar o trabalho na centralidade

da sua própria existência, tendo dificuldade de se desvincular dele, mesmo

após o alcance da almejada e segura aposentadoria, temendo sua própria

descaracterização. É uma geração que dotada de um racionalismo voltado

para a construção do amanhã, do paternalismo, de um forte espírito de

comunidade, disposta a criar filhos com uma mentalidade elevada que nunca

sigam a um Hitler ou Stalin, e que presenciou o advento da televisão e foi

marcada pela aceleração das transformações culturais com o aperfeiçoamento

técnico dos meios de comunicação de massa. (SANTOS NETO e FRANCO

2010).

Nascidos entre os anos de 1965 e 1980, a geração X, traz filhos da

“mãe em tempo integral”, povoando os subúrbios, viram os automóveis se

tornarem bens familiares, a crescimento das taxas criminais e do uso de

entorpecentes, a revolução sexual e o início de uma revolução da consciência

climática, a Guerra do Vietnã, a Guerra Fria... As mulheres saem de casa e

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começam a ocupar locais de trabalho, e ambos os sexos passam a determinar

princípios e valores; há uma ascensão da atuação em áreas como o ensino, a

religião, o jornalismo, o direito, o marketing e as artes, o que culmina numa

“Guerra de Cultura”, promovendo uma divisão política entre o que é cultura de

direita (azul) e de esquerda (vermelha). É uma geração que desenvolveu

relações estreitas e individualizadas com seus filhos, que sofre com o declínio

da prosperidade econômica, e vê na ruptura com os valores tradicionais o

horizonte de liberdade, igualdade e paz.

A geração Y, nascida entre 1981 e 1992, cresceu em uma época de

falta de escolas e de casamentos falidos, da queda da priorização do bem-

estar das crianças e do retrato cinematográfico de crianças como figuras

demonizadas ou descartáveis. Aprendeu desde cedo a desconfiar das

instituições, principalmente da família, rompendo muitas vezes com elementos-

chave da infância, com o seu mundo adulto abalado pelas consequências da

revolução sexual, em meio ao aumento do divórcio e ao surgimento de um

campo de batalha sexual povoado por abortos, AIDS e outras DST’s e a

disparada dos índices de gravidez e crimes na adolescência, provocados por

uma tendência de adultização da criança. É uma geração que aponta em sua

cultura o pragmatismo de endurecimento do humor, que vê a criação da MTV,

a ascensão do hip hop, da cultura pop, a tecnologização dos seus heróis, que

trocam balas por lasers e fardas por corpos sobre-humanos; é colaboradora e

consumidora direta da difusão da alta tecnologia e da globalização. Muitos

buscam construir a força dos laços familiares perdidos na infância e por

cautela, tardam o casamento; trabalham como funcionários em empresas, mas

almejam algum dia “serem seus próprios patrões”. Suas referências políticas

resultaram em uma má impressão da vida cívica, e acreditam que o

voluntariado e que a colaboração individual é mais eficaz do que o voto ou o

trabalho para mudar as leis e as questões mundiais, inclusive as de aporte

ecológico.

Nascidos após o ano de 1993 compõem a chamada geração do

milênio ou geração Z ou ainda geração homeland, são filhos das gerações X e

Y, mais da metade ainda não nasceu, e embora ainda seja cedo para tratar

suas tendências de relação com o trabalho, alguns traços podem ser notados

já na sua formação escolar. São indivíduos que são nativos digitais, ou seja, já

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nasceram no mundo da virtualidade, da internet, dos games e filmes em

gráficos 3D, do compartilhamento online de arquivos, das redes sociais e das

multimídias. Pode se considerar uma geração silenciosa na medida em que

suas relações se dão normalmente permeadas por algum instrumental

tecnológico de comunicação, o que pode fazê-los, por um lado ágeis no trato

com as máquinas, por outro com dificuldades de relacionamentos interpessoais

e verbais, ao passo em que a própria linguística passa a ser reinventada para

alcançar o ritmo frenético das conexões internéticas. Há uma mudança cultural

no retrato destas crianças, que se antes eram demonizadas pelo cinema, agora

são tratadas por pessoas adoráveis que inspiram os adultos a se tornarem

pessoas melhores. O planejamento familiar está em alta, mas as taxas de

fertilidade se recuperaram, volta à cena a preservação e a proteção da infância,

agora também altamente voltada para o estilo alimentar. É uma geração que

vem sendo formada para a minimização dos comportamentos de risco e para a

redução de danos, através da aprendizagem cooperativa e do trabalho em

equipe, com uma cultura aparentemente menos agressiva com o enfoque em

mensagens otimistas e até nostálgicas, retomando elementos de gerações

anteriores em remakes.

Figura 5: Suzanita e Mafalda em quadrinho de Quino

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2.2 A Diversidade das Gerações e as Implicações na Relação Educativa

Já podemos notar nessas classificações geracionais o indicativo de

possíveis tensões no trabalho educativo, já que os olhares e as relações com o

mundo divergem em vários aspectos, a começar do ponto de vista hierárquico.

Enquanto os educadores, que estão hoje encaixados na geração

baby boomers (entre 46 e 64 anos) e na geração X (entre 45 e 30 anos), vem

de referências familiares fortes, a primeira com a centralidade da autoridade na

figura paterna, e a segunda que começa a enxergar na mãe também uma

figura respeitável, ao passo que presencia a sua ruptura com os moldes

tracionais e se insere nos locais de trabalho buscando ser também uma

provedora do lar. Com estes referenciais hierárquicos e com uma formação

escolar tradicional, estes educadores tem, em sua maioria, a visão do professor

como a fonte de todo o conhecimento dentro da sala de aula, que merece

respeito por já ter adquirido conhecimento e cumpre o papel de transmissor

deste ao aluno, que é visto como um receptor, ou ainda, um recipiente de um

conteúdo curricular planejado com uma minuciosa linearidade racional.

Esta postura gera, sem dúvida, confrontos diretos com a noção que

a gerações Y (entre 29 e 18 anos) e Z (17 anos ou menos) tem de hierarquia e

respeito, porque, a primeira identificou em sua infância a figura do adulto ligada

ao abandono, à oposição, à incompreensão, e até aos maus tratos, além de

perceber que o mesmo tem grandes dificuldades e resistências em

acompanhar a inserção tecnológica no cotidiano, que ele cresceu lado a lado; a

segunda já nasceu imersa numa lógica não linear e hipermidiática, e os

conteúdos estão à sua disposição num estalar de cliques, tutoriais e interfaces

intuitivas são seus principais caminhos para produzir conhecimento, e embora

ele não tenha grandes facilidades para se expressar verbalmente sua

percepção adquiriu uma velocidade que às vezes pode ser impossível manter a

atenção em uma só coisa por muito tempo.

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Esse abismo que separa professores de estudantes contém em seu

vazio, por parte dos professores egos feridos que acreditam que seu valor pode

estar muito mais no conteúdo que eles carregam e na autoridade que

acreditam ter do que na sua existência por si só, e por parte dos estudantes,

corações reprimidos com dificuldade de se expressar verbalmente e egos

também feridos por sentirem-se desvalorizados por carregarem consigo uma

capacidade intertextual e cognitiva que dificulta a construção de uma narrativa

linear do seu conhecimento, e por talvez não conseguirem enxergar a

potencialidade positiva da sua lógica. (SANTOS NETO E FRANCO, 2010).

A educação, assim como a comunicação, está imbricada na

sociedade e está necessariamente condicionada pelo seu modo de produção

econômica, ou seja, tem um vínculo direto com o sistema produtivo. Este

vínculo transfere o êthos do sistema em vigência para a educação, conferindo-

lhe as mesmas regras, valores, aparências e princípios, o que sofre alterações

conforme o processo histórico se desenrola.

E como já citado, a educação brasileira está predominantemente

carregada de uma ideologia neoliberal, que privilegia o atendimento apenas às

necessidades essenciais para a sobrevivência dos educandos, que no caso,

seriam a aquisição de experiências culturais que as autoridades escolares

acreditam que eles precisam para sua qualidade de vida suportável e também

as habilidades instrumentais fundamentais para uma posterior inserção no

mercado de trabalho.

Esse modus operandi exerce o endosso da superioridade de uma

forma específica de vida, desvalorizando aqueles que não partilham de seus

atributos, tratando a experiência dos estudantes como inculta, sem estima e

desprivilegiada, muitas vezes os humilhando para conseguir que participem

das atividades em sala, e quando há uma recusa dos estudantes em se

renderem ao tratamento humilhante (pois ainda que primariamente ou sem

grandes esclarecimentos, com o domínio das novas linguagens, eles

conseguem perceber seu potencial intelectual), os professores e

administradores escolares geralmente enfrentam problemas de ordem e de

controle. Para reestabelecer este controle, busca-se procurar formas de

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conservar os estudantes “felizes”, por meio da cessão aos seus interesses

pessoais, proporcionando formas de conhecimento de “baixo status” e da

política do bom relacionamento, utilizando-os como objetos de pesquisa, no

intuito de entendê-los para controlá-los mais facilmente. (GIROUX, 1992).

Neste medrar, as pessoas vão se formando e as gerações vão

adquirindo características comportamentais diferenciadas a fim de lidar com as

complexidades tecidas pela existência social em todos os seus aspectos e

lugares.

É fato que as gerações se conflitam por suas divergências

formativas, diretivas e interativas, já que a cada época é desenvolvida uma

nova forma de lidar com as necessidades e possibilidades existentes, mas

conflitos em vista destas diferenças, só podem ser resolvidos com a

comunicação, já que ela “significará então a colocação em comum da

experiência criativa, reconhecimento das diferenças e a abertura para o outro”

(MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 68), e só é possível esse diálogo se forem

gerados ecossistemas comunicativos dentro do ambiente escolar a fim de

permitir que aquele que não fala possa exercitá-lo e daquele que só fala possa

exercitar o ouvir a fala do outro e reconhecer-se nela, estabelecendo uma ética

do discurso, já que a comunicação, segundo Martín-Barbero, traz em si uma

natureza negociada, transacional, ao passo em que é preciso que haja

concessões para que uma ideia possa ser partilhada, tornada como única,

comunicada.

Estabelecer ecossistemas comunicativos dentro da escola para

reduzir esta distância, significa considerá-la como uma teia comunicacional

complexa, onde o educador precisa compreender

(...) o entorno cultural do aluno e seus pares de diálogo – colegas, família, mídia – para planejar ações que possibilitem a participação, a construção e a troca de sentidos. Para tal, é necessário que a escola esteja preparada para enfrentar e dialogar com percepções de mundo diferentes das que enfrentava décadas atrás. (SARTORI, 2008, p. 12).

Estes ecossistemas comunicativos, segundo Martín Barbero (2002),

se definem como a as tramas de relações em territórios ou espaços educativos

que sejam inclusivas, de modo que todos os membros façam parte do

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processo, democráticas, reconhecendo igualdade e a horizontalidade entre as

pessoas, e criativas, buscando a integração entre formas, linguagens, técnicas

e tecnologias em prol da expressão. Obviamente que este ecossistema não

emerge espontaneamente, em vista da configuração antagônica já instaurada

nos ambientes escolares, mas com clareza conceitual, planejamento,

acompanhamento e avaliação estes ecossistemas comunicativos podem ser

construídos e cultivados. (SOARES, 2009).

A partir desta abertura e construção, pode-se viver de fato a

educomunicação dentro do ambiente escolar como alternativa para uma

superação produtiva das diferenças.

2.3 Cultura Audiovisual em Formação:

Educadores na via da Educomunicação

A sociedade dispõe (ou impõe) várias instituições segmentadas em

áreas de atuação para a sua organização em diversos aspectos que envolvem

a complexidade dos seres e das relações. Acontece que o uso das instituições

é convencionado ao longo dos tempos e para serem usadas de outras formas é

preciso haver contestação, inovação, transformação e experimentação.

Praticar educomunicação pode ser investigar um novo sentido para

os campos da educação e da comunicação, transgredindo os limites e

empregos existentes para a produção de culturas audiovisuais legítimas e

viscerais.

Pensando nesta transgressão, e nestes campos como constitutivos

e funcionais a todos os integrantes da sociedade, a atitude inicial é a de tomar

posse destes campos que nos servem: a educação.

Para que o educador sinta-se seguro para se apropriar dos meios

de comunicação para buscar a construção de uma cultura audiovisual em sala

de aula, juntamente com os educandos, é necessário que ele perceba o quanto

e como isso é exequível dentro do seu contexto real, e essa percepção só

existe diante da experiência, pois é nela que as possibilidades e limites reais se

apresentam.

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Também é importante que os envolvidos se proponham a buscar tal

construção somente se considerarem interessante e prazeroso pra si, porque

se ideia é que o ecossistema comunicativo seja um ambiente inclusivo, criativo,

democrático e dialógico, então todos os posicionamentos devem ser

respeitados, inclusive a abstenção do processo. Este pode ser um desafio

interessante dentro da escola, já que a vontade do educador e dos gestores é a

de que todos participem das atividades, mas nem sempre esta é a vontade de

todos. Uma possibilidade é a de que a produção se torne interessante o

suficiente para atrair até os que inicialmente se mostrarem desinteressados,

fortalecendo o exercício do livre direito de escolha e da criatividade,

proporcionando a prática da autonomia pelos sujeitos, centrada em

experiências estimuladores da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em

experiências respeitosas da liberdade. (FREIRE, 1996).

Outro elemento central para a formação de educadores pela via

da educomunicação é a consideração dos diferentes pontos de vistas,

interesses, experiências e saberes que os envolvidos trazem consigo, e a partir

desta deferência e da interação, elaborar quais as mensagens que serão

produzidas, e assim estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes

curriculares fundamentais e às experiências sociais dos indivíduos. (FREIRE,

1996).

A partir disso o caminho é identificar quais os meios de

comunicação podem ser apoderados a partir do ambiente educativo e viabilizar

este ato de apropriação, buscando os instrumentos necessários, o

conhecimento técnico para lidar com esses instrumentos e quais as formas de

publicação que estão ao alcance para se divulgar as mensagens produzidas ao

público pretendido.

Não há fórmulas nem caminhos prontos ou garantidos para a

formação do educador com base nas práticas educomunicativas, tudo se

configura de acordo com cada contexto, cada sujeito, cada experiência, cada

quadro que se apresenta, tudo é mutável e personalizado. A intenção é apenas

unir dois campos do saber em uma interação produtiva e usá-los para dar voz

aos que querem falar, para buscar outras possibilidades de relações entre as

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pessoas e mensagens, e tornar a obrigatoriedade escolar uma realização além

da formação regular, e a comunicação mais do que um simples ato de

recepção e reprodução, mas que, juntos, possam configurar possibilidades de

emancipação e de vivência, de encontro consigo e com outros, de cultivo das

pluralidades e respeito às individualidades, de construção de conhecimento e

também de sabedoria. Mais do que instituições, que a educação e a

comunicação, a partir da transgressão do seu uso convencional se tornem

lugares que cada um pode ocupar e usar para algo que lhe interessa, lhe

satisfaça e lhe faça feliz.

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Capítulo 3 - Da Intenção à Experimentação: A Pesquisa de Campo

Para investigar algumas das possibilidades e limites que podem se

apresentar em práticas educomunicativas estabelecidas no ambiente escolar

foram reunidos nesta pesquisa quatro grupos de professores da rede pública

de ensino de cidades da Grande São Paulo.

Algumas alterações no planejamento e execução da pesquisa se

fizeram necessárias em vista dos quadros que se apresentaram durante o seu

encaminhamento, como por exemplo, a quantidade de grupos, de participantes,

o local e as formas de aplicação das etapas.

Todos os nomes utilizados aqui são fictícios a fim de preservar o

sigilo de identidade dos participantes da pesquisa.

3.1 A Viabilização da Experiência

Inicialmente a ideia era realizar as experiências formativas nas

escolas durante os períodos de HTPC (que em sua nomenclatura oficial traduz-

se por Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo, momento que se deveria

destinar, por exemplo, à discussão e construção do projeto político pedagógico

e à formação continuada dos educadores), aplicadas uma vez por semana,

durante três semanas, totalizando cerca de seis horas de formação.

Estabeleci contato com a direção e as coordenações pedagógicas

de várias escolas, e diante de diversos entraves de agenda (afinal o segundo

semestre do ano costuma contar com as avaliações pedagógicas externas

como SARESP e Provinha Brasil, que retém a atenção e o direcionamento das

atividades para que a escola seja bem avaliada), consegui duas escolas para a

realização das oficinas, a de história em quadrinhos seria realizada em uma e

as de vídeo e rádio em outra.

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Na “Escola A”, uma escola da rede estadual paulista localizada no

limite da cidade de Ribeirão Pires com Rio Grande da Serra, onde seria

aplicada a oficina de história em quadrinhos, após mais dois meses de

negociação, a coordenação se propôs a organizar e garantir a participação dos

educadores, através de abatimentos de HA (Hora Atividade) e HTPC, no

entanto, foram constatadas algumas dificuldades para estabelecer-se um

trabalho coletivo de formação, como a rotatividade dos educadores durante o

período, já que cada professor cumpre o HTPC da forma que melhor encaixa

com seu horário de aulas, o que aconteceu mesmo durante a oficina, e também

o absenteísmo que implicou em um grupo diferente e menor a cada semana,

impedindo a consolidação do trabalho coletivo, que tratarei mesmo assim por

“Grupo A”.

Outro fator que não permitiu a sucessão da experiência formativa na

“Escola A” foi a não contribuição da gestão da escola, que embora tenha se

comprometido com a providência de uma sala de aula com alguns

equipamentos que já tinham na instituição e remanejamentos de horários dos

professores para que a formação acontecesse, mas estes compromissos não

foram atendidos, o que resultou na aplicação da oficina em uma sala com

menos de 4 m² onde ficavam o café e o banheiro dos funcionários, com várias

pessoas transitando em todo o tempo, e nenhum equipamento. Foi possível

notar que o HTPC nesta escola se resumia apenas à transmissão de informes

burocráticos e a um tempo individualizado aparentemente improdutivo em

relação ao seu propósito, parecia haver algum interesse dos professores pela

temática, mas era perceptível a desmotivação em se comprometer. Desta

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forma, a experiência formativa não ocorreu conforme o planejamento e as

etapas não puderam ser cumpridas integralmente.

Já na “Escola B”, uma escola municipal localizada na cidade de

Mauá, na região da Grande São Paulo, a situação se configurou de uma forma

mais favorável, a gestão colaborou extensivamente e estabeleceu uma

organização que possibilitou a execução de todas as etapas da pesquisa com

dois grupos em diferentes períodos e com formatos distintos. Os professores

se inscreveram antecipadamente para participar de duas possíveis oficinas:

uma de Rádio no HTPC matutina (que tratarei por “Grupo B1”) e outra de Vídeo

no HTPC vespertino (que tratarei por “Grupo B2”). Uma sala de aula foi

reservada e foram disponibilizados equipamentos de áudio e vídeo. Os grupos

estabelecidos se mantiveram durante o processo e ocorreram poucas

desistências. Com isso, na “Escola B” foi possível aplicar as duas experiências

formativas conforme o planejamento, exceto pelo tempo de execução e as

abordagens, que precisaram ser adaptados conforme as circunstâncias.

Quanto ao interesse pela oficina na “Escola B” pude notar uma

predisposição dos professores em tratar dos campos abordados, com algumas

especificidades: o “Grupo B1” vinha para a oficina de uma sequência de aulas

pela manhã, após ouvir a transmissão dos informes feita pelo coordenador

pedagógico e só então se dirigia à sala de aula para a formação, o que

acabava dispersando os educadores e tomando tempo para a reunião do

grupo, diminuindo assim o tempo da oficina.

Já o “Grupo B2”, que estava sob outra coordenação pedagógica, se

reunia imediatamente para a oficina no HTPC da tarde, após no máximo duas

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aulas dadas no período, e depois do HTPC eles dispunham de um tempo de

HA (Hora Atividade). Posteriormente o grupo recebeu a dispensa destas aulas

e da HÁ, que acabaram sendo destinadas a esta experiência formativa, o que

proporcionou um aumento muito significativo na disposição e no tempo de

aplicação da oficina.

Em vista destes diferentes quadros achei conveniente somar outra

configuração para as oficinas a fim de obter mais elementos que indiquem

caminhos frutíferos para a formação de educadores pela via da

educomunicação. Nesta outra situação propus a formação de um grupo

espontâneo de professores (também de escolas públicas da grande São Paulo)

que se reunisse fora do horário e do local de trabalho, em um laboratório

multimídia dentro da UMESP (Universidade Metodista de São Paulo) durante

um período de três horas em um único dia. Neste grupo o interesse e a

atenção foram altos e a formação foi possível conforme todas as etapas

planejadas (nomeado aqui como “Grupo C”).

Quanto aos equipamentos, a proposta era utilizar o que tivesse

disponível nos locais de aplicação das oficinas, mas também disponibilizar o

básico para a sua viabilização, sendo assim, eu dispus um notebook com

programas de edição de imagem, áudio e vídeo; um microfone; uma câmera de

foto e vídeo; material de desenho. Além disso, todo o conteúdo ministrado nas

oficinas foi disponibilizado aos educadores em arquivos digitais enviados por

email.

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3.2 A Realização da Experiência

O planejamento das oficinas de cultura audiovisual para

educadores a partir de práticas educomunicativas consistiu no seguinte

esquema:

1) Apresentação dos conceitos de cultura audiovisual e educomunicação

adotados na pesquisa e dos desafios existentes para o diálogo da

educação com a comunicação. Nesta etapa inicia-se o debate acerca

das percepções dos educadores sobre a incidência da cultura

audiovisual e dos meios de comunicação na educação, sobre as suas

impressões a respeito da convergência destes campos e as ações que

estão ou não sendo realizadas nos seus contextos de trabalho.

2) Proposta e realização de uma produção educomunicativa pelo grupo,

dentro de um de três formatos oferecidos: rádio, história em quadrinhos

ou vídeo, em qualquer gênero desejado. Nesta etapa são sondados os

assuntos e abordagens de interesse, que são definidos por consenso

para a produção. Aqui também se identificam as possibilidades

concretas de atuação em relação aos recursos materiais disponíveis e à

capacidade técnica existente e requerida. A apresentação das

produções se dá de acordo com os interesses e possibilidades

existentes em cada caso.

3) Prática de um círculo de cultura para a avaliação e partilha das

impressões e perspectivas sobre a experiência. A utilização como

instrumento de pesquisa do círculo de cultura, concebido por Paulo

Freire para intervenções no processo educacional de alfabetização de

adultos em seu exercício pedagógico realizado, inicialmente, na região

nordestina do Brasil, convém ao caso porque baseia-se em princípios de

horizontalidade, diversidade, diálogo, respeito e construção de

conhecimento através do câmbio de ideias, elementos convergentes

com os propósitos almejados para o campo da educomunicação. Tenho

consciência de que o círculo de cultura como método de investigação é

uma proposta nova e polêmica, e que é preciso um cuidado especial

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para a sua utilização, por isso, tomei como base o artigo Círculo

Epistemológico como Círculo de Cultura como Metodologia de Pesquisa,

de José Eustaquio Romão, Ivone Evangelista, Eduardo Vítor de Miranda

Carrão e Edgar Pereira Coelho.

No primeiro dia de oficina no “Grupo A” oito professoras estavam

presentes e a primeira etapa pode ser aplicada na íntegra, sendo adiantada

uma pequena provocação para a segunda etapa, onde eu propus que ao longo

da semana as educadoras discutissem sobre possíveis assuntos que gostariam

de abordar na produção que seria realizada.

No segundo encontro da oficina na “Escola A”, uma semana mais

tarde, apenas uma das professoras que estavam presentes na semana anterior

havia comparecido ao HTPC. Cláudia, uma jovem professora de filosofia com

apenas dois anos em exercício da profissão.

Cláudia informou-me que as outras professoras estavam em um

curso de formação promovido pelo Estado e que por isso não compareceriam.

Ao perguntar se elas haviam conversado a respeito da proposta de produção

audiovisual, Cláudia me explica que a maioria dos professores ali só se

encontra no dia do HTPC, uma vez por semana, já que todos trabalham em

mais de uma escola para ter uma carga horária completa, já que tratam-se de

professores dedicados ao ensino nos graus Fundamental II e Médio.

Mesmo com apenas uma professora presente, propus a produção

de uma história em quadrinhos sobre algum assunto que ela escolhesse, e ela

aceitou a proposta. Com bastante dificuldade levantamos um tema, já que ela

não conseguia conceber o que lhe apetecia falar, por fim, decidiu que seria

uma espécie de relato tragicômico de uma situação de descaso que ela mesma

teria vivido no exercício da função, juntas, desenvolvemos um roteiro e um

storyboard para a história em quadrinhos e ela começou a desenhar.

O tempo para a oficina acabou e Claudia tinha que voltar para a

sala de aula, ela manifestou apreço pela experiência e disse que levaria o

trabalho para terminar em casa e que na próxima semana, conversaríamos

sobre a experiência.

Saindo da escola encontrei a coordenadora, que disse ter se

esquecido de que as datas das duas formações coincidiriam e ainda comentou

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sobre o quanto os professores desta escola são desinteressados e que achava

que eu teria dificuldades para aplicar a pesquisa, esta situação corroborou o

que eu já havia percebido: esta experiência havia fracassado. O que se

confirmou mais uma vez quando, ao entrar em contato com Cláudia, a única

professora que tinha iniciado a produção proposta na “Escola A”, para explicar

que a pesquisa naquela escola não seria concluída, a mesma me informou que

havia entrado num período de licença médica e que não compareceria ao

trabalho por tempo indeterminado. A experiência na “Escola A” se encerrou ali.

Na “Escola B” a organização e colaboração foram favoráveis, e pela

manhã, no primeiro dia de oficina de rádio, dez educadores, que se

inscreveram previamente e espontaneamente junto à coordenação,

participaram da experiência formativa, formando o “Grupo B1”.

Deste grupo, apenas um professor, o único homem participante, era

também o único que já usava algum meio de comunicação no ambiente

educativo, ele costumava operar um equipamento de som para tocar músicas

para os alunos na hora do recreio (equipamento este que a escola dispunha

devido a um projeto anterior que iniciou a implantação de uma rádio na escola,

mas que foi interrompido, e embora o equipamento continuasse lá, a sala da

rádio havia perdido espaço para o que parecia um almoxarifado). Para as

outras professoras, a abordagem sobre produzir cultura audiovisual dentro da

escola utilizando os meios de comunicação era uma novidade interessante.

Durante todo o tempo o grupo participou, opinou, expôs a realidade

do seu cotidiano e suas percepções sobre cultura audiovisual, meios de

comunicação e relataram como estes dois campos tem interferido no contexto

educativo. Apesar da interação e do bom andamento da oficina, pude notar o

cansaço aparente de várias professoras, o que se explicava facilmente, pois a

maioria declarou trabalhar em mais de uma escola, em dois e até três períodos,

e estavam ali após terem ministrado pelo menos duas aulas, e com muitas pela

frente ainda. Mesmo assim, o grupo se propôs a pensar em conteúdos

possíveis para o programa de rádio que produziriam.

No segundo encontro o “Grupo B1” se reuniu novamente, com

apenas uma desistência, da professora mais velha grupo. Partimos para a

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produção do programa de rádio, e eles estabeleceram que gostariam de fazer

uma rádio reportagem sobre um seminário de educação promovido pela

UNESCO que a “Escola B” participaria na semana seguinte, e para o qual

professores e alunos estavam preparando projetos para serem apresentados.

Eles fizeram um levantamento de todos os quadros que gostariam

de inserir nesta reportagem, as tarefas foram divididas e cada professor ficou

responsável por trazer o material para um quadro do programa para que

fizéssemos a gravação na próxima semana (os quadros e a divisão das tarefas

encontram-se no diário de pesquisa constante nos anexos).

No terceiro encontro, os nove professores compareceram

novamente, todos trouxeram os materiais que se propuseram e juntos,

definimos os textos que seriam a base para cada quadro, e cada um seria o

locutor da parte que providenciou, assim todos teriam a experiência de falar no

rádio.

Fizemos a gravação em um microfone ligado ao notebook da

própria escola, onde eu havia instalado o software livre de áudio (Audacity)

para ficar à disposição deles. A gravação foi rápida e tranquila, a maioria

gravou a locução em uma única tomada, mesmo com o acanhamento de

gravar em frente aos colegas.

Terminada a gravação, iniciamos o círculo de cultura, e todos

manifestaram impressões, perspectivas e observações sobre o processo.

A primeira preocupação colocada foi quanto à parte técnica da

edição de áudio, já que o programa seria finalizado por mim posteriormente e

disponibilizado em um podcast na internet, conforme eu havia explicado no

primeiro encontro que não teríamos tempo hábil para a capacitação técnica em

pós-produção. Dispus-me a enviar uma apostila simples que ensinasse os

recursos básicos do software e referências de tutoriais disponíveis na web.

Outras questões técnicas foram colocadas e explicadas.

Tratamos sobre uma frequência possível para a gravação dos

programas de rádio, e eles disseram que se cada sala gravasse um programa

por mês, eles teriam programas para veicular em todos os intervalos, e que

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esta era uma possibilidade para a consolidação da rádio escola. Também foi

colocada a vontade de que houvesse um tempo destinado a esta produção,

para que ela não precisasse ser espremida em meio à grade existente, mas

que tivesse um espaço específico na mesma.

A impressão que tiveram sobre a implantação e manutenção de uma

rádio na escola é a de que seria algo que possibilitaria a aproximação de

professores entre si e também com os estudantes e entre eles, já que todos

seriam autores e ouvintes das produções radiofônicas, que segundo eles, pode

gerar uma atenção à transmissão na hora do intervalo e consequentemente a

diminuição de acidentes, comportamentos violentos e situações adversas que

acontecem frequentemente na hora do recreio, por conta da agitação, da

correria e da gritaria entre os alunos.

Outro ponto colocado foi a possibilidade que um instrumento deste

abre para que os professores intervenham de alguma na cultura audiovisual

que os alunos vem consumindo para que eles conheçam produtos culturais que

possam servir de contraponto para que eles avaliem a qualidade do que estão

consumindo e façam opções mais conscientes.

Diante de uma experiência produtiva e de um debate muito rico, a

oficina de cultura audiovisual no formato rádio aplicada ao “Grupo B1” foi

encerrada com sucesso e satisfação.

No primeiro encontro do “Grupo B2” dois professores e uma

professora compareceram para a oficina de cultura audiovisual no formato

vídeo. Apresentei-lhes os conceitos trabalhados e os propósitos da pesquisa,

aberto o diálogo descubro que estes professores coordenam a produção de um

jornal mensal produzido pelos estudantes na escola. Além do jornal eles já

haviam produzido com os alunos uma fotonovela e um vídeo envolvendo os

conteúdos trabalhados nas disciplinas de história e geografia que lecionam. As

expectativas deles para esta oficina era a de buscar subsídios para a produção

de dois vídeos que pretendiam apresentar num seminário de educação

promovido pela UNESCO que a escola participaria nas próximas semanas.

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Eles explicaram do que se tratavam os dois vídeos, mostraram

pequenos esboços dos roteiros para as gravações, e propuseram que estas

fossem as produções audiovisuais realizadas na oficina. Acatei sem hesitação,

afinal, o exercício da autonomia estava acontecendo naturalmente. Um vídeo

abordaria com um tom bem humorado o desconhecimento dos brasileiros de

frutas típicas do país, como o cupuaçu, e o interesse internacional nestes

recursos naturais. O outro vídeo era um breve documentário sobre a ditadura

militar o Brasil a partir de um personagem da comunidade escolar, o inspetor

Getúlio, que foi preso político no período.

Juntos, refinamos os roteiros e planejamos as gravações que

aconteceriam nos próximos dois encontros, junto com os alunos que participam

do jornal da escola.

Na semana seguinte a coordenação permitiu que os professores do

“Grupo B2” fossem substituídos em suas aulas e que as mesmas e a HA fosse

destinada para a gravação dos vídeos, para que ambos pudessem ser

finalizados e exibidos no seminário de educação da UNESCO.

As gravações foram realizadas com a participação de várias

pessoas da comunidade escolar (serventes, professoras, alunos, comerciantes

do entorno) tanto na atuação quanto na área técnica, e dirigidas pelos

professores. Cada vídeo pode ser gravado integralmente nos dois últimos

encontros, sendo que no terceiro encontro, a oficina teve início mais cedo para

que o “Grupo B2” tivesse instruções sobre edição de vídeo, já que neste caso,

eles mesmos finalizariam a produção. Ao final deste encontro foi realizado o

círculo de cultura.

Neste debate o “Grupo B2” se mostrou consciente da importância de

utilizar linguagens audiovisuais no contexto educativo e de isso estar

necessariamente associado à produção autoral dos estudantes, considerando

a experiência cultural e social que eles já trazem, mas propondo, através do

diálogo, a ruptura com lógicas de violência e opressão, que faz parte da

realidade de muitos deles.

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Os professores declararam que a utilização destes recursos e a

opção por estes posicionamentos ideológicos costumam ser apoiadas pela

gestão da escola, pois a valorizam publicamente, mas que não são muito bem

vistas pelos outros professores, que costumam se incomodar e muitas vezes

dificultam a viabilização das mesmas, se puderem.

Outro apontamento importante foi o de que os alunos desta escola

se interessam por tecnologia, mas que o seu acesso é tão restrito que limita as

noções de aplicações mais educativas do seu uso, por exemplo, eles

frequentam LAN houses e utilizam o computador, mas estritamente para

acesso às redes sociais, jogos e programas de bate-papo. Na escola não há

nenhum ensino nem equipamento de informática, logo, eles não sabem utilizar

quase nenhum software, o que acaba fazendo com que os professores façam a

pós-produção e finalização dos trabalhos audiovisuais.

Estes educadores utilizam estes recursos há cerca de dois anos, e

notaram grandes transformações no desempenho, no desenvolvimento e nas

relações dos educandos que se envolveram com as produções, além de

identificar talentos e afinidades que poderiam passar despercebidos.

Embora seja um grupo mais autônomo e que já aderiu às práticas

educomunicativas, demonstra necessidades formativas na área técnica para

lidar com as tecnologias audiovisuais com maior qualidade e tranquilidade.

Desta forma, se encerrou com êxito a oficina de cultura audiovisual

no formato vídeo com o “Grupo B2”.

O “Grupo C” foi formado por um professor e uma professora da rede

pública de ensino de São Paulo (rede municipal e estadual) que compareceram

espontaneamente à UMESP para a experiência formativa em cultura

audiovisual através de práticas educomunicativas. A professora ministra aulas

de artes e tem bastante contato com linguagens e tecnologias audiovisuais, o

professor ministra aulas de sociologia e teve pouco contato com mesmos para

fins educomunicativos, mas ambos são leitores de histórias em quadrinhos e

gostam bastante de cinema.

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As etapas foram seguidas conforme o planejamento, na primeira

metade com a apresentação dos conceitos e a escolha do formato (animação

em vídeo), do tema (as contas de janeiro) e o roteiro (o sono de um rapaz

sendo atormentado pelas contas a pagar) para a produção audiovisual, que foi

realizada na outra metade do período, após um breve intervalo.

A sala dispunha de um quadro branco, que foi utilizado para

desenhar o cenário para uma animação stop motion, e os personagens foram

desenhados em papel e colados no quadro conforme a movimentação das

cenas, quadro a quadro.

A produção e a gravação foram feitas com certa tranquilidade em

relação à técnica e ao tempo disponível, e o círculo de cultura foi feito ao final

do período.

O “Grupo C” respondeu à proposta como algo válido e viável, do

ponto de vista de recursos tecnológicos, já que os alunos podem usar

celulares, câmeras simples, e instrumentos que já estão inseridos no dia a dia

para a execução, que requer conhecimentos técnicos que podem ser

adquiridos facilmente com o uso da internet.

Os educadores também acharam interessante o fato de que tais

práticas extrapolam os limites da sala de aula, e propõe que os educandos

integrem o entorno da escola ao seu processo educativo, mesclando os

conteúdos curriculares aos seus contextos socioculturais.

Ressaltam que é importante trabalhar com linguagens pertinentes à

época e ao contexto atual, dentro de um universo que já pertence aos

estudantes, com produtos audiovisuais que eles conhecem, se interessam, e

tenham vontade de conhecer melhor os fundamentos.

Manifestaram a apreço por trabalhar coisas novas, utilizando várias

linguagens dentro de diversas disciplinas, e pelo diálogo, já que todos podem

acrescentar conhecimento uns aos outros, pois por mais que tragam uma

cultura de massa, isso pode contribuir de alguma forma.

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Também com êxito foi encerrada a experiência formativa em cultura

audiovisual com o “Grupo C”.

3.3 Alguns Frutos da Experiência

As produções obtidas com estas formações constam nos anexos

desta pesquisa, mas foram inicialmente disponibilizadas para os sujeitos da

pesquisa através da internet.

A rádio reportagem do “Grupo B1” sobre o Seminário de

Educação da UNESCO foi disponibilizada em um podcast criado para o grupo.

Apenas um dos vídeos do “Grupo B2” foi editado e disponibilizado no YouTube

sob o título de “Cupumaraçaí”. O vídeo “Ano Novo de Novo!” produzido pelo

“Grupo C” foi disponibilizado no YouTube.

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3.4 Percepções sobre as Experiências

Considero necessário o olhar para as experiências formativas

realizadas nesta pesquisa partir de três eixos, a fim de entender melhor as

possibilidades e limites da proposta:

a) Eixo Subjetivo, que envolve a autoria dos educadores a partir da

sua percepção sobre cultura audiovisual.

b) Eixo Coletivo, que envolve as condições de uso de práticas

educomunicativas como um trabalho em conjunto.

c) Eixo Estrutural, que abrange o contexto político e socioeconômico

em que os educadores envolvidos desenvolvem seus trabalhos educativos e

suas implicâncias.

Do eixo subjetivo, podemos notar que existem grandes

discrepâncias entre os sujeitos envolvidos nos processos. No “Grupo A” a

professora teve grandes dificuldades para estabelecer o assunto que gostaria

de tratar e precisou de grandes provocações para elaborar sua produção

autoral, já o “Grupo B2” chegou com a proposta de produção já discutida,

definida e pronta para a realização. O “Grupo B1” estava disposto a ser autor

de uma produção audiovisual, mas o receio quanto à técnica parecia frear o

impulso criativo e também precisou sentir segurança quanto ao respaldo

técnico que teriam e ser provocado para deslanchar no processo. O “Grupo C”

se mostrou extremamente confortável com a ideia de ser autor de uma

mensagem audiovisual e em um debate rápido e tranquilo definiu a temática, o

formato e a ideia original da produção.

Pude notar, a partir desta pista, traços de uma formação autoritária

sobre os próprios docentes, que agora em posição de educandos novamente,

se mostram vítimas imobilizadas de um mandonismo rígido que “não conta com

nenhuma criatividade do educando. Não faz parte da sua forma de ser,

esperar, sequer, que o educando revele o gosto de aventurar-se.” (FREIRE,

1996, p. 36). Diante disso, escolher e experimentar foi quase uma razão de

espanto.

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Esta diversidade de posturas em relação ao processo pode ser

compreendida através de uma atenção para as particularidades das vivências e

matrizes culturais de cada um. Alguns tiveram experiências concretas com a

produção de mensagens autorais audiovisuais enquanto outros nem haviam

cogitado esta possibilidade, estes contatos e percepções prévios foram

definidores das diferentes atuações nas oficinas. Assim como as bagagens

anteriores tiveram suas implicações no processo, acredito que esta experiência

também pode significar uma nova influência nas atividades posteriores que

estes educadores venham a ser envolver no campo da cultura audiovisual.

No eixo coletivo também foi possível observar a pluralidade e o

peso que deste aspecto no processo. A primeira oficina, como o “Grupo A” foi

frustrada justamente pela desconexão existente entre os educadores daquela

escola, que dificilmente se reuniam e não se viam como pertencentes a um

mesmo grupo, o que dificultava inclusive a troca de experiências e ideias entre

eles, pedia uma ruptura do estranhamento para o estabelecimento do diálogo.

Esta falta de coletividade impossibilitou a consolidação da experiência

formativa.

O que nos foi completamente diferente nos grupos “B1” e “B2”. O

grupo “B1” era maior, mas se identificava como sujeitos de um mesmo coletivo,

do ponto de vista profissional. Já o “Grupo B2” tinha afinidades além das

profissionais que os conectavam: a política e ideológica; e até a familiar, já que

dois deles eram casados. Isso facilitou imensamente a experiência formativa, à

medida que eles trocavam ideias sobre a realização da produção audiovisual

autoral além do momento reservado para a oficina. Os sujeitos do “Grupo C”

também se identificavam e se apoiavam coletivamente, tanto que buscaram

juntos a participação na formação fora do ambiente de trabalho.

Produções audiovisuais tendem a privilegiar o trabalho coletivo, já

que podem envolver diversas linguagens, instrumentos e técnicas, por esta

razão, a individualização dos processos tende a dificultá-los e a coletivização

tende a torna-los mais viáveis e prazerosos, já que permite a divisão do peso

das tarefas e exige a partilha de ideias para a sua criação. Isso se ratificou

nesta pesquisa na produção do “Grupo A”, que foi individual e não chegou a

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ser concluída, enquanto o “Grupo B2”, contanto com a colaboração de várias

pessoas da comunidade escolar consegui realizar duas produções completas

na oficina.

Quanto ao eixo estrutural, caracterizado pelo contexto político e

socioeconômico escolar em relação aos recursos materiais e propostas político

pedagógicas podemos traçá-las da seguinte forma:

Na “Escola A” os limites colocados à proposta formativa pelo

elemento estrutural foram vários, apoiando-se no contexto de uma educação

sucateada pelo Governo do Estado de São Paulo, que desvaloriza a

comunidade escolar ao fornecer péssimos salários e condições de trabalho,

espaços físicos inadequados, escassez e obsolescência (quando não, a

inexistência) de equipamentos. Isso se reflete na comunidade escolar em forma

de apatia, falta de perspectiva, e imobilidade. Uso aqui o termo “comunidade

escolar” porque os sintomas da situação doente da educação pública do estado

de São Paulo atingem não somente alunos e professores, mas também

funcionários, gestores, familiares e vizinhos do entorno, que se afastam, pois

não se agradam, não se reconhecem e nem se identificam com a escola.

Esta conjuntura leva a um isolamento da sociedade e entre si dos

sujeitos da comunidade escolar, que está marcada pela invisibilidade na esfera

pública e que tenta resolver seus problemas de forma pontual e paliativa, como

por exemplo, a instalação de câmeras e a contratação de um segurança

particular para sanar os furtos de equipamentos da escola.

Estabelecer uma formação continuada neste ambiente, neste

contexto e durante o horário de trabalho não se mostrou nem um pouco

atraente e produtiva, já que as condições concretas são absolutamente

desestimulantes e dispersivas (uma sala de 4m² com poucas cadeiras, a alta

circulação de pessoas que não estão envolvidas na formação, e a ideia de que

teriam que entrar em sala de aula, com mais de 40 alunos e todos os

agravantes da situação escolar, não contribuíram em nada para a disposição e

atenção ao processo).

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Na “Escola B”, de gerida pelo município de Mauá, as condições

estruturais eram um pouco melhores. A começar pelos salários, que são um

pouco mais altos, o que permite que os professores trabalhem em apenas duas

escolas (enquanto na “Escola A” a maioria deles trabalhava em pelo menos

três escolas). Uma sala havia sido reservada para a formação e os materiais

eram instalados no local sempre antes do início da mesma.

A escola dispunha de vários equipamentos audiovisuais: projetor

multimídia, amplificador, notebook, mixer de áudio com 16 canais e caixas nos

pátios para a transmissão de áudio (esses dois últimos, instalados por um

projeto que visava promover uma rádio na escola, mas que se encontrava

suspenso, então a sala estava sendo utilizada também para guardar outros

materiais diversos). Todos os equipamentos estavam disponíveis para a

utilização na oficina. O acesso à internet, porém era limitado a um computador

disponível na sala da coordenação pedagógica para ser usado por qualquer

professor, dentre os mais de cem que compõem o quadro docente da escola.

Embora as oficinas ocorressem durante o horário de trabalho, no

HTPC, o que poderia ter desestimulado os educadores, todos os presentes

haviam se inscrito previamente e espontaneamente, o que influiu claramente

na organização e no empenho dos grupos nas atividades.

Era notável a disposição, colaboração e interesse por parte da

gestão escolar no sucesso das oficinas, com manifestações de expectativas de

que a experiência formativa se transformasse em uma força motriz de

iniciativas que fizessem um aproveitamento criativo e produtivo do potencial

humano e dos equipamentos e disponíveis na escola. Mas é importante

ressaltar que dentre mais de cem professores, apenas catorze se interessaram

e se dispuseram para a experiência formativa.

Dois pontos divergentes foram encontrados nos grupos “B1” e “B2”

quanto à familiaridade com a tecnologia audiovisual. O “Grupo B1”, com a

exceção de um educador, tem muito pouco manejo com tecnologias

comunicacionais que envolvem produção de imagem, áudio e vídeo, além de

não utilizar a internet como meio de comunicação habitual. Já o “Grupo B2”

utiliza a internet como um dos principais meios de comunicação, produz

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mensagens em imagem, foto e vídeo, manuseia diversos softwares e dispõe de

câmeras de vídeo e computadores para suas produções audiovisuais. Este

grupo manifesta a preferência por usar o próprio equipamento ao da escola e

permite que os alunos manejem as câmeras, mas veem limites na participação

dos mesmos na pós-produção, porque, segundo eles, não há computadores

disponíveis para ensinar os estudantes a utilizarem os softwares e o contato

cotidiano que estes educandos têm com computadores e internet se restringe

ao uso de jogos e redes sociais.

Com o “Grupo C” houve uma alteração no cenário da oficina. Os

educadores foram convidados a participar voluntariamente da experiência

formativa, em uma tarde fora do seu horário e local de trabalho, nas instalações

modernas da Universidade Metodista de São Paulo, em um laboratório

multimídia com projetor, equipamento de som, computador, internet, câmera,

gravador de áudio, microfone e materiais de escritório à disposição.

Longe dos gestores e colegas de trabalho os participantes do “Grupo

C” se mostraram muito mais à vontade para manifestar seus pontos de vista

sobre as condições de aplicabilidade de práticas educomunicativas como via

para a construção de uma cultura audiovisual que contemple aproxime a

comunidade escolar. O principal limite levantado por estes educadores é o

confronto com a barreira ideológica, à medida que os projetos político-

pedagógicos estabelecidos em suas escolas contemplam, em sua maioria,

relações verticalizadas e hierárquicas, o que dificulta o estabelecimento de

diálogos participativos e igualitários em um âmbito coletivo, mas que no

contexto da sala de aula isso é possível, já que o professor pode buscar e

estimular as formas de relacionamento com os alunos que condizem

primordialmente com as suas concepções político-pedagógicas pessoais.

Apesar de estarem num ambiente com excelente infraestrutura para

práticas educomunicativas, eles não viram a carência de equipamentos como

um impossibilitador da ação educomunicativa, pois reconhecem o ato

comunicacional em aspectos mais ligados às relações humanas do que à

mediação tecnológica.

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Diante das situações apresentadas nestas experiências, pude

perceber que o contexto econômico e sociopolítico é um aspecto que limita a

prática educomunicativa no ambiente escolar, já que a proposta político-

pedagógica e social do paradigma da educomunicação entra em confronto com

as políticas educacionais existentes no sistema de ensino e também com a

maioria dos projetos político-pedagógicos das escolas. E também pude

perceber que mais importante do que disponibilidade de recursos tecnológicos

é a disposição dos agentes e o seu compromisso de traçar estratégias para

transpor as barreiras ideológicas dominantes, estimulando novos contextos

relacionais, dialógicos e democráticos numa ação contra-hegemônica para a

produção de culturas autorais, audiovisuais e legítimas da comunidade escolar.

Ninguém educa ninguém. Ninguém educa a si mesmo. Os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. (FREIRE, Paulo. 1987, p. 39).