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Boletim Academia Paulista de Psicologia ISSN: 1415-711X [email protected] Academia Paulista de Psicologia Brasil Miola Gorzoni, Patrícia; Peçanha, Dóris Lieth Cultura organizacional: novo cenário, novas questões de pesquisa nos serviços rápidos de alimentação Boletim Academia Paulista de Psicologia, vol. 32, núm. 82, 2012, pp. 191-212 Academia Paulista de Psicologia São Paulo, Brasil Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=94623639012 Cómo citar el artículo Número completo Más información del artículo Página de la revista en redalyc.org Sistema de Información Científica Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

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Boletim Academia Paulista de Psicologia

ISSN: 1415-711X

[email protected]

Academia Paulista de Psicologia

Brasil

Miola Gorzoni, Patrícia; Peçanha, Dóris Lieth

Cultura organizacional: novo cenário, novas questões de pesquisa nos serviços rápidos de

alimentação

Boletim Academia Paulista de Psicologia, vol. 32, núm. 82, 2012, pp. 191-212

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São Paulo, Brasil

Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=94623639012

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• Cultura organizacional: novo cenário, novas questões depesquisa nos serviços rápidos de alimentação

Organizational culture: new scenario, new research questionsin the fast-food services

Cultura organizacional: nuevo escenario, nuevos temas de investigaciónen los servicios de comida rápida

Patrícia Miola Gorzoni1

Universidade de São Paulo (USP) Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Dóris Lieth Peçanha (laureada pela Academia)2

Universidade de São Paulo (USP)Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Resumo: A cultura organizacional (CO) vem sendo objeto de estudo emPsicologia, Administração e Engenharia, em função de sua relevância para asaúde no trabalho e para a saúde organizacional. Investigações sobre culturaorganizacional e cultura nacional, particularmente em serviços de alimentaçãorápida (restaurantes fast-food) parecem ser inéditos na literatura. Contudo, hádebate internacional abordando questões relacionadas à qualidade do empregonesses restaurantes. Como sua inserção é relativamente recente no Brasil, torna-se necessário o desenvolvimento de pesquisas que objetivem compreender acultura destes estabelecimentos, ainda mais considerando a mudança no cenárionacional caracterizado pelo desenvolvimento econômico e social das últimasdécadas. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo discutir as relaçõesentre cultura organizacional e traços da cultura nacional nos restaurantes fast-food. Trata-se de estudo teórico que aborda conceitos, raízes antropológicas edesenvolvimento da CO, bem como traços da cultura nacional. Aspectosmetodológicos são discutidos, com ênfase na metodologia qualitativa e no métodoclínico. Este vem sendo considerado decisivo para o estudo em profundidade daCO.  Ao final deste trabalho, são apresentadas diretrizes de pesquisa no estudodas relações entre cultura organizacional e cultura nacional, tendo em vista taisempresas.

Palavras-chave: Cultura organizacional, Cultura nacional, Fast-food, Metodologiaqualitativa.

1 Doutoranda em Engenharia de Produção na Universidade Federal de São Carlos (DEP-UFSCar). Trabalho derivado do Mestrado realizado no Programa de Pós-graduação emEngenharia de Produção da EESC – USP, sob orientação da segunda autora e com BolsaFAPESP, à qual presta agradecimentos. Contato: R. Carlos Medeiros Dória, 2807, JardimMarilú, Mirassol, SP., Brasil - CEP 15130-000. E-mail: [email protected] Psicóloga laureada pela APP, Profª. Associada do Departamento de Psicologia da UFSCar edo Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção (EESC – USP). Contato: Alamedadas Crisandálias, 616/32 – Cidade Jardim – São Carlos, SP. , Brasil - CEP 13566-570.E-mail: [email protected]

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Abstract:The Organizational Culture (OC) has been the object of study inPsychology, Administration and Engineering based on its relevance to health atwork and organizational health. Investigations on organizational culture and nationalculture, particularly in the fast food services (fast food restaurants) seem to beunprecedent in literature. Nevertheless, there is an international debate addressingissues related to the quality of employment in these restaurants. Since its insertionis relatively recent in Brazil, it is necessary to develop a research that aims tounderstand the culture of these establishments, especially considering the changein the national scenario characterized by the economical and social developmentin the latest decades. Therefore, this work aims to discuss the relations betweenorganizational culture and traces of the national culture in the fast food restaurants.This is a theoretical study that addresses concepts, anthropological roots andthe development of OC, as well as traces of the national culture. Methodologicalaspects are discussed, with emphasis on qualitative methodology and clinicalmethod. This has been considered crucial for a deeper research on OC. At theend of this work, research guidelines are presented for the study of relationsbetween the organizational culture and the national culture, with a view on suchcompanies.

Keywords: Organizational culture, National culture, Fast-food, Qualitativemethodology.

Resumen: La Cultura Organizacional (CO) viene siendo objeto de estudio endiversos campos cientificos como Psicología, Administración e Ingeniería, enfunción de su relevancia para la salud laboral y organizacional. Investigacionessobre la cultura organizacional y la cultura nacional, específicamente en serviciosde comida rápida, parecen ser inéditos en la literatura. Así mismo, hay debatesinternacionales que abordan las problemáticas relacionadas a la calidad del trabajoen estos restaurantes. Ya que su inclusión en Brasil es relativamente reciente,se hace necesario el desarrollo de investigaciones que permitan comprender lacultura de estos establecimientos, sobre todo, considerando los cambios en elescenario nacional, caracterizado por el desarrollo económico y social de lasúltimas décadas. Es por ello, que este trabajo tiene como objetivo discutir lasrelaciones entre Cultura Organizacional y algunos rasgos de la Cultura Nacionalen los restaurantes de comida rápida. Se trata de un estudio teórico que abordaconceptos, basamentos antropológicos y desarrollo de la Cultura Organizacional(CO), así como los rasgos de la cultura nacional. Los aspectos metodológicosson discutidos, con énfasis en la metodología cualitativa y en el método clínico.Este último, está siendo considerado clave en el estudio, a profundidad, de lacultura organizacional. Al final de este trabajo, se presentan algunas sugerencias

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de investigación para el estudio de las relaciones entre cultura organizacional ycultura nacional.

Palabras claves: cultura organizacional, cultura nacional, metodología cualitativa,fast-food.

1. IntroduçãoA cultura organizacional e referências à cultura nacional são temas

frequentes em pesquisas acadêmicas nacionais e internacionais. Noentanto, o estudo contextualizado destes dois conceitos, no cenário dosserviços rápidos de alimentação, ou seja, restaurantes fast-food, pareceser inédito na literatura existente.

De maneira sintética, o conceito de cultura diz respeito aos significadose valores que se relacionam com o comportamento humano e que estãopresentes em agrupamentos de pessoas. Já o conceito de cultura nacionalrefere-se aos traços particulares de padrões de comportamento quepertencem à determinada nação.

O objetivo principal desta investigação é discutir a relação entre culturaorganizacional e cultura nacional em restaurantes do tipo fast-food,considerando suas implicações para a saúde dos trabalhadores e para osucesso das empresas e em efetivo contexto organizacional.

Inicia-se com uma revisão sobre o conceito de cultura organizacional,partindo de estudos clássicos e, a seguir, faz-se uma discussão sobre estatemática em restaurantes fast-food. Serão também discutidos aspectosmetodológicos e da cultura nacional em contraste com a organizacional.Por último, apresentam-se considerações finais e diretrizes de pesquisasobre o assunto.

2. Cultura organizacional – principais raízesO conceito original de cultura provém da Antropologia, segundo

Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000), e Laraia (2003). Muitos antropólogostêm se dedicado à tarefa de definir cultura, e como pode ser compartilhadocoletivamente. Mesmo entre esses estudiosos, a variedade dessadesignação é grande, sendo difícil chegar a um consenso entre as diferentesconcepções.

Neste âmbito, destacam-se os estudos de Lakatos (1985). Estaconsiderou cultura como um fenômeno modelador de comportamento

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presente em todos os agrupamentos de pessoas e que apresentacaracterísticas próprias dos indivíduos que a compõe. Para Geertz (1989),a cultura pode ser vista para além de padrões concretos de comportamentos(costumes, usos, tradições, hábitos), sendo considerada também como umconjunto de mecanismos de controle (planos, receitas, regras, instruções)que norteiam o comportamento dos sujeitos. Este autor entende que ospadrões culturais orientam o comportamento, dão sentido ao pensamentoe às emoções. Nas organizações, a cultura é expressa por meio de umarede de significados tecida pelos próprios integrantes. Os significadoscompartilhados, elaborados no processo histórico para construir aorganização são, gradativamente, ‘reproduzidos’ nas relações estabelecidasentre os diversos atores do contexto organizacional. Assim, estudar culturasignifica analisar um código de símbolos partilhados pelos membros deuma determinada cultura. Partindo dessas bases, vários estudiosos têmlevado o conceito de cultura para outras áreas como a Psicologia,Administração, Engenharia, Sociologia e Economia. Nos estudos sobre asorganizações muitos são os autores que mostram a importância do papelda cultura, como Carvalho e Ronchi (2005).

Outros trabalhos clássicos (Pfiffner & Sherwood, 1965) tambémutilizaram-se de conceitos antropológicos de cultura a fim de estudar asorganizações. Para estes autores, considerar a importância da cultura nodesenvolvimento das organizações permite viabilizar os processos demudança, uma vez que não seria possível isolar qualquer organização doseu ambiente cultural.

No que diz respeito ao termo cultura organizacional, as palavrascultura e organização, quando justapostas, estruturam-se de tal maneira queformam um composto sintagmático. Este passa a ser um poderoso sujeito.Segundo Van Maanen (1985), o potencial regenerativo da justaposição“cultura organizacional” dá-se em função da sua habilidade para direcionaros pesquisadores e estudiosos. A noção de que as organizações possuemculturas é uma proposição heurística atrativa, pois implica que ocomportamento humano é parcialmente prescrito por uma vida social criadae sustentada por uma coletividade.

A ligação entre cultura e organização legitima a análise de aspectossubjetivos que pode ser vista como uma expressiva perspectiva para decifrar

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a estrutura submersa de significados que persistem ao longo do tempo,formando a percepção das pessoas, suas interpretações e seuscomportamentos (Jelinek, Smircich & Hirsch, 1983).

A discussão acerca das dimensões simbólicas no universoorganizacional possui raízes históricas. Tal itinerário teórico começou a sertraçado a partir do experimento de Hawthorne, conduzido por Elton Mayo eseus colaboradores, entre as décadas de 20 e 30. Neste estudo, já seencontrava presente um “protoconceito” de cultura organizacional, entendidaaté então como sistemas ideológicos simbólicos (Aktouf, 1994).

Apesar da experiência de Hawthorne nas décadas de 20 e 30, foi apartir do final dos anos 70 que o tema da cultura organizacional desenvolveu-se no campo da teoria das organizações, passando a constituir uma áreadisciplinar específica, com todo aparato de especialistas, escolas,tendências, trabalhos e estudos considerados “clássicos” (Jaime Junior,2002). A década de 80 assistiu a uma multiplicação dos estudos sobre atemática, cultura organizacional, não apenas no meio acadêmico, mastambém em publicações voltadas para o mundo dos negócios. Hoje, pode-se dizer que é comum reconhecer a importância da cultura organizacionalpara implementar mudanças nas empresas e para atingir a saúdeorganizacional.

3. Cultura organizacional: conceitosDifícil é chegar a um consenso sobre a definição de cultura no âmbito

das organizações. A variabilidade de conceitos, em grande parte, deve-seà complexidade e multidimensionalidade do fenômeno cultura (Paz & Tamayo,2004; Peçanha, 2009). Tem-se uma vasta gama de definições deste conceitoque apontam para abordagens diferentes sobre o tema. Uma delas,explicada a seguir, é dominada por Aktouf (1994) e Pépin (1998) comomainstream. Alguns pesquisadores destacam-se dentro desta abordagem,dentre os quais: Handy (1978), Pettigrew (1979), Deal e Kennedy (1988), eSchein (1993; 2004). Tais autores parecem concordar em relação a algunspressupostos básicos sobre cultura organizacional: a) toda organizaçãopossui uma cultura; b) essa cultura explica muito dos fenômenos que ocorremna organização; c) ela favorece ou dificulta o desempenho organizacional;d) a cultura pode ser diagnosticada e, aplicando-se certas metodologias,

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gerenciada e transformada. Para Aktouf (1994), a predominância destaabordagem aconteceu em função da crise do modelo de mercado americanoe crescimento do mercado japonês, do interesse da gestão americana emconhecer o que vinha sendo feito fora do seu espaço, das relações humanasvigentes bem como do desejo de formar “campeões” e “embaixadores” embusca do ideal de si mesmo na organização e através dela.

Dentro da referida abordagem mainstream, uma das definições decultura organizacional que se tornou muito difundida nos estudosorganizacionais foi desenvolvida por Schein (2004) e é expressa atravésdo seguinte conceito:

[...] conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu

ou desenvolveu ao aprender como lidar com problemas de adaptação

externa ou integração interna e que funcionam bem o suficiente para

serem considerados válidos e ensinados a novos membros como forma

correta de perceber, pensar e sentir em relação a estes problemas.

(p.17)

Assim, Schein (2004) desenvolveu um construto de cultura,considerando-o como algo dinâmico a ser aprendido, transmitido e alterado.Para além dessa definição, Schein (2004) também considerou que a culturaorganizacional apresenta-se em diferentes níveis, classificando-os em:artefatos visíveis, crenças e valores, e pressupostos inconscientes, sendoos últimos de difícil apreensão relativamente aos demais.

Ainda em relação às contribuições ao estudo da cultura organizacional,faz-se referência a Fleury (2007) e Fischer (2007) por incorporarem adimensão de poder no estudo da cultura organizacional. Em suas pesquisas,as autoras consideraram o construto cultura organizacional como:

Um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos emelementos simbólicos que em sua capacidade de ordenar, atribuirsignificações, construir a identidade organizacional, tanto agem comoelemento de comunicação e consenso como ocultam e instrumentalizamas relações de dominação (p. 22).

Fischer (2007) afirmou, com base em Pagès (1986), que o poderorganizacional não deve ser atribuído a determinadas pessoas ou grupos,e nem localizado em um ponto específico da estrutura organizacional. Este,

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por não constituir uma entidade que possa ser possuída, é difundida pormeio do corpo da organização e manifesta-se através de práticas e relaçõesentre as pessoas. A eficácia de tais formas de manifestação de poder ébaseada na capacidade de ocultar as contradições estruturais existentes,mediante o exercício da mediação, a fim de evitar o surgimento de possíveisconflitos.

Vale ressaltar que, posteriormente a formulação do conceito de culturaorganizacional, foi preconizada a existência de subcultura ou subculturas.Assim, Boneti (2009) discutiu cultura sob uma perspectiva social e afirmouque, de maneira geral, os povos, nações e lugares dispõem de traçosculturais que são originados em sua trajetória histórica. Dado que um mesmopadrão cultural pode apresentar diferentes especificidades, discorreu sobreo conceito de subcultura: um traço regional específico ou local de umacultura geral (Boneti, 2009, p. 165). De acordo com Linton (1965), a culturaé um agregado de subculturas, sendo essa uma maneira peculiar decostumes de um grupo menor dentro de uma sociedade maior. Embora ospadrões da subcultura apresentem algumas divergências em relação àcultura central ou à outra subcultura dentro do mesmo sistema, ambosmantêm-se coesos entre si.

Considerando o ambiente das organizações, Hatch (1997) afirmouque a subcultura compreendia um subsetor dos integrantes de umaorganização que, além de interagirem entre si, identificavam-se como umgrupo distinto dentro da organização. Tomando as palavras de Bernardes(1985, p.50) uma cultura admite subculturas na forma de ramificações deum mesmo tronco; Schein (2004) associou o surgimento de subculturas àcriação de funções específicas dentro de uma organização e aoagrupamento das pessoas que realizavam essas atividades. O autordenominou tal fenômeno como subcultura funcional e afirmou que as forçasque a originavam derivavam da tecnologia e da cultura ocupacional da função.

4. Cultura organizacional nos fast-food e aspectos da saúde notrabalho

No contexto de reconfiguração sócio-econômica observada nosúltimos anos – marcada principalmente pela reestruturação produtiva, osetor de alimentação é um dos que têm apresentado transformações mais

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significativas. Um exemplo deste fato é a origem dos restaurantes tipo fast-food que, em sua maioria, são lanchonetes que oferecem alimentos deprodução e consumo rápido. Segundo pesquisas realizadas pela CESA(Consultoria Especializada em Serviços de Alimentação) e pela AssociaçãoBrasileira de Franchising (ABF), os restaurantes fast-food representam 83%do faturamento no setor de alimentação (ABRASEL, 2007). De acordo comReichembach (2007), as cadeias de fast-food tornaram-se sinais dodesenvolvimento econômico no Ocidente, sendo, em geral, as primeirasmultinacionais que chegam quando um país abre seus mercados, servindocomo vanguarda do sistema de franquias. A autora define fast food comotodo alimento que é preparado e consumido fora do domicilio, que possuina sua composição vários elementos químicos, artificiais produzidos naindústria e que são montados, agrupados no estabelecimento que oscomercializa (p. 34).

O aumento crescente destes restaurantes reflete uma dinâmicacompetitiva entre as diferentes redes fast-food no Brasil. Para Tognini (2000),os competidores necessitam de maior profissionalismo e padronização dassuas operações para que possam competir de acordo com os padrões deexigência do mercado. Nesta mesma linha de pensamento, Royle (2000) eRoyle e Towers (2002) afirmaram que o crescimento dos fast-food traz altoscustos em termos de direitos dos trabalhadores, níveis de pagamento econdições de trabalho. Sendo assim, a chave para o sucesso destesestabelecimentos passou a ser os menus restritos, ofertas de produtosaltamente padronizados que permitem o uso de um trabalho facilmentesubstituível e com um baixo nível de exigência no que diz respeito à habilidadedos trabalhadores.

A natureza competitiva do mercado fast-food também traz comoconseqüência pressão sobre os trabalhadores no que se refere àprodutividade, fato que indica um impacto importante sobre o direito,pagamento, e condições de trabalho dos funcionários. Segundo Schlosser(2004), estes funcionários são pagos um terço a menos dos valores de 40anos atrás. Para Allan, Bamber e Timo (2006) o trabalho nos fast-food temsido tão padronizado que a tomada de decisão e a autonomia dosfuncionários são quase totalmente eliminadas. Os mesmos autoresafirmaram que este tipo de trabalho apresenta alguns aspectos

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característicos como salários abaixo da média, condições de trabalhoinadequadas, pouco treinamento, poucas chances de crescimentoprofissional e altas taxas de rotatividade (Reeders, 1988; Tannock, 2001;Allan, Bamber & Timo, 2006).

Neste contexto há um debate internacional abordando questõesrelacionadas à qualidade do emprego nos restaurantes. Por exemplo,aponta-se a obra Collegiate Dictionary, da Merriam-Webster (2003), queafirmou que a maioria dos empregados em fast-food insere-se dentro dacategoria McJobs. Segundo o dicionário, o termo ‘McJob’ caracteriza-sepor um emprego de baixa remuneração, que requer poucas habilidades eque oferece poucas chances de crescimento profissional. Schlosser (2004)salientou a obsessão de uma determinada rede internacional de fast-foodem diminuir os custos no trabalho. Isso, às vezes, pode terminar em abusosaos trabalhadores e consequentes ações levadas por eles aos tribunais dejustiça, sendo objeto de expressivo stress.

O modo como o trabalho é organizado e realizado dentro de umaempresa é um aspecto inserido em sua cultura. Sendo assim, em termosde organização do trabalho, os métodos de produção em massa queoriginaram os McJobs são baseados em princípios de eficiência,calculabilidade, previsibilidade e controle (Ritzer, 1993). A indústria fast-foodestá organizada de acordo com os princípios clássicos do Taylorismo,particularmente nas corporações maiores, onde há divisão, simplificação erotinização do trabalho. Procedimentos detalhados definem de que maneirae em quanto tempo cada passo do processo de produção deve serexecutado (Allan, Bamber & Timo, 2006). De acordo com Turner (2000), umvendedor em uma loja de departamentos ou um atendente de fast-foodestá provavelmente preso em um emprego que é tão rotineiro comoaqueles nas fábricas, mas sem os salários dos antigos empregos ( p. 108).Segundo Reichembach (2007), na cultura do fast-food, cada funcionário doestabelecimento fica em determinado lugar, executando a mesma tarefasimples, condicionados ao processamento rápido, à eficiência, àcentralização e ao controle. Às vezes, as práticas de cunho taylorista, nestesrestaurantes, podem ser encontradas encobertas por uma roupagem deoutro modelo, denominado toyotismo, assumindo, desta forma,

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características mais adequadas às políticas neoliberais, às demandas domercado e às novas formas de acumulação do capital (Lima e outros, 2007).

Assim, as práticas e processos padronizados viabilizam adisseminação de franquias. De maneira resumida, o sistema de criação defranquias envolve os seguintes atores:

1. Franqueador e franqueado: o sistema de franquia (franchising) éum procedimento em que o empreendedor (franqueador) que possui umadeterminada marca sucedida no mercado, cede a outros empreendedores(franqueados), o direito de explorá-la;

2. Master-franqueado: o franqueador pode ter criado o produto ou serum simples intermediário na sua exploração pelo sistema. O intermediáriopode ser um máster-franqueado ou sub-franqueador, ou seja, pessoa físicaou jurídica que adquire o direito de representar o franqueador original,explorar a marca e desenvolver a rede em um determinado país ou região;

3. Sistema de franquia formatada: para explorar seu produto nosistema de franquia, o franqueador costuma atender a determinadasexigências do mercado, desenvolvendo a formatação do produto e todoknow-how para explorá-lo, dando origem ao chamado sistema de franquiaformatada. (Maricato, 2006).

Ou seja, o franqueador “cede” ao franqueado um “sistema” que possuiprincípios, normas ou regras definidas que seguem determinada lógicaoperacional. Em função do fato de possuir funções específicas, as mesmasprecisam de coordenação eficiente para atingir adequadamente objetivosespecíficos. Em outras palavras, o sistema de franquia é um formato denegócio que une empresas distintas em torno de um objetivo comum.

No entanto, é possível levantar determinados problemas de pesquisaque não têm sido explorados na literatura. Até que ponto as práticasgerenciais, de processo e produção são tão padronizadas e difundidas nasfranquias de uma mesma rede, dentro de um mesmo país? Quais são ostraços da cultura nacional que apresentam relações com a cultura de umaorganização? Neste ponto, chega-se num aspecto crucial de investigaçãopara o cenário brasileiro, ou seja, discutir os traços da cultura nacional queapresentam relações com as práticas desenvolvidas na culturaorganizacional de uma rede de restaurante fast-food.

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5. Aspectos da cultura brasileira e cultura organizacionalOs traços culturais brasileiros têm sido amplamente discutidos a partir

de pressuportos de natureza histórico-cultural, dentro de uma perspectivadenominada ‘sistema cultural brasileiro’.

Num cenário caracterizado pela globalização e busca da tãocomentada excelência nas organizações, tem-se, por um lado, práticasgerenciais herdadas do passado que parecem ultrapassadas em um mundoque exige padrões globais de eficiência; por outro, modelos importadosque podem encontrar obstáculos quando confrontados com a culturabrasileira (Freitas, 1997).

Há muitas implicações dos traços culturais brasileiros nas dinâmicasdas organizações contemporâneas (Barros & Prates, 1996). Algumasinvestigações tentaram identificar esses traços, seguindo a tradição depesquisa inaugurada por Geert Hofstede nos anos 70 (1976; 2001). Assim,os valores culturais ou traços culturais podem ser identificados (ecomparados entre países) e prever o seu comportamento (Caldas, 2006).Hofstede (2001) pesquisou 60 países e entrevistou 160 mil executivos efuncionários de uma grande multinacional norte-americana. Conformeafirmou Motta (1997), a descoberta mais significativa de Hofstede relacionou-se à importância da cultura nacional na explicação das diferenças ematitudes e valores em relação ao trabalho.

No que concerne à metodologia de pesquisa e ao escopo teóricoproposto pelas investigações existentes, é possível perceber algumastendências ou características: a) a incorporação de estudos brasileirosrealizados por antropólogos, economistas e sociólogos, como Prado (1965),DaMatta (1983) Hollanda (1989); b) a influência do esquema classificatóriode Hofstede (2001); c) a tentativa de retratar a cultura organizacional sendonacional por meio da identificação e análise de traços culturais marcantes(Barros & Prates, 1996; Chu & Wood Jr.,2008).

Na mesma direção dos trabalhos anteriores, Fleury (2009) afirmouque estudos realizados no Brasil, considerando a cultura nacional, tem sidoinfluenciados pelo trabalho de Hofstede e também por escritos deantropólogos, como Roberto DaMatta. Em sua pesquisa sobre estilosbrasileiros de gestão, Tanure (2003) estudou as dimensões descritas porHofstede em países da América Latina, em especial no Brasil. Hilal (2006)

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também se serviu do trabalho de Hofstede (2001) para diagnosticar, pormeio de questionário, aspectos culturais brasileiros numa empresamultinacional mediante o diálogo entre cultura brasileira e a cultura dessaorganização.

No que diz respeito aos estilos de gestão ou estilos gerenciais, Lindelle Arvonen (1997) afirmaram, de acordo com pesquisa em países nórdicos,que estilos gerenciais relacionavam-se fortemente com a cultura nacional(a partir de valores da sociedade) e com a cultura organizacional. Os fatoresque pareciam influenciar os estilos gerenciais foram apontados pelosautores, conforme a Figura 1:

Figura 1: Fatores que explicam variações no comportamento gerencial. Fonte:adaptado de Lindell e Arvonen (1997, p.88)

Os autores (Lindell & Arvonen, 1997) propuseram uma discussão sobretrês estilos gerenciais: a) estilo orientado ao funcionário, b) orientado à tarefae c) orientado ao desenvolvimento. O primeiro estilo refere-se ao grau emque o administrador age de maneira amistosa, fornecendo assistência,mostrando preocupação com seus subordinados e procurando pelo bemestar dos mesmos. O segundo diz respeito ao grau em que o administradordefine e estrutura seu próprio papel e o papel dos seus subordinados paraatingir os objetivos formais do grupo. E o terceiro, relaciona-se com o desejode gerar novas idéias e criar competências.

Um estudo com o objetivo de levantar traços culturais brasileirospresentes nas organizações e que poderiam auxiliar no processo de análise

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organizacional foi desenvolvido por Freitas (1997). A autora concluiu pelaexistência de cinco traços ou características importantes da cultura nacionalque são apresentados no Quadro 1.

Traços Características-Chaves

1. Hierarquia - Tendência a centralização do poder dentro dos grupos sociais- Distanciamento nas relações entre diferentes grupos sociais;- Passividade e aceitação dos grupos inferiores

2. Personalismo - Sociedade baseada em relações pessoais- Busca de proximidade e afeto nas relações- Paternalismo: domínio moral e econômico

3. Malandragem - Flexibilidade e adaptabilidade como meio de navegação social- “Jeitinho”

4. Sensualismo - Gosto pelo sensual e pelo exótico nas relações sociais

5. Aventureiro - Mais sonhador do que disciplinado- Tendência à aversão ao trabalho manual ou metódico

Quadro 1 – Traços brasileiros e características-chave. Fonte: adaptado de Freitas(1997, p.44).

Caracterizando o traço malandragem, segundo Freitas (1997), tem-se o “jeitinho”. Este recebe maior atenção, neste trabalho, em função daque os estudiosos dão ao esse tema. Barbosa (1992) dedicou-se ainvestigar, cientificamente, esse fenômeno cultural nacional bastanteconhecido pelo senso comum. Foram entrevistadas 200 pessoas emdiferentes cidades do Brasil, entre os anos de 1984 e 1986. Os objetivosprincipais da pesquisa foram: definir o “jeitinho”, seus domínios, seusidiomas, suas técnicas, identificar seus principais personagens e estabelecerrelações que pudessem explicar o significado do “jeitinho” na sociedadebrasileira. Os resultados dessa investigação levaram à conclusão de que o“jeitinho” configurava uma forma “especial” de resolver um problema, umasituação difícil ou proibida. Este vocábulo também se apresentou como umasolução criativa para emergências, seja sob a forma de burlar alguma regraou norma preestabelecida, seja sob a forma de conciliação, esperteza ouhabilidade. Para a utilização do “jeitinho” é necessário um acontecimento

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imprevisto e adverso aos objetivos do indivíduo, fato que o leva a elaboraruma solução rápida e eficiente para resolver o problema, ou seja, umasolução “especial”.

Barros e Prates (1996) afirmaram que o “jeitinho” é a forma originalcaracterística do brasileiro, responsável pela harmonia entre a “regra jurídica”e as “práticas da vida diária”. Contrariamente a Freitas (1997), Motta (1996;1997), diferencia o “jeitinho” da malandragem. Embora o primeiro estejapróximo do segundo, trata-se, segundo o autor, de entendimentos diferentes.A “malandragem” implica uma predisposição para tirar vantagem, passarpara trás e eventualmente, enganar, a fim de obter proveito financeiro ououtro. Já o “jeitinho” não tem essa intenção. Ele constitui uma maneira deburlar o formalismo, mas sem o objetivo de tirar vantagem. É uma forma deadaptação e flexibilidade que se manifesta nas relações sociais einterpessoais e que visa lidar com as normas, regras do sistema, a fim dealcançar determinado objetivo.

A flexibilidade, colocada como um aspecto relacionado ao “jeitinho”, éum traço cultural nacional que vem sendo discutido na literatura e queapresenta influência na dinâmica das organizações. De acordo com Prado(2005), a flexibilidade pode ser explicada por meio de duas dimensões: aadaptabilidade e a criatividade. Essa noção de que a flexibilidade representauma categoria com essas duas fases, foi formulada anteriormente por Barrose Prates (1996). Ela é entendida pela capacidade de ajuste doscomportamentos humanos a circunstâncias inesperadas e diversas. Oconceito de adaptabilidade, em uma visão de processo, não constitui umacriação nova, como a produção de algo novo. A adaptabilidade é umacapacidade criativa que se exercita dentro de determinados limitesprefixados. Este contorno restritivo é justamente o processo que ocorre nosubsistema institucional, no qual existe reconhecimento das normas e emfunção delas resulta um ajustamento de elementos operativos. Assim, criam-se apenas novos hábitos condizentes com a maneira dos sujeitos (Prates &Barros, 1997). Já a criatividade compreende o caráter de inovação aoprocesso de adaptabilidade.

Retomando a temática do “jeitinho”, conforme Prado (2005, p. 12), é oprocesso tipicamente brasileiro de se atingir objetivos a despeito dedeterminações (leis, normas, regras, ordens) contrárias. O “jeitinho” tambémapresenta relações com o formalismo, já mencionado.

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Considera-se o conceito de formalismo como o que caracteriza adistância entre o comportamento real dos indivíduos e o conteúdo das normasque, supostamente, deveriam orientar este comportamento. De acordo comRamos (1983), o “jeitinho” seria uma estratégia que advém do formalismo,uma forma de sabotar as dificuldades a ele relacionadas.

Em investigação mais recente e de cunho social, com bases teóricasem Roberto DaMatta, Almeida (2007) procurou caracterizar a mentalidadebrasileira. O autor identificou padrões culturais nacionais que já tinham sidomencionados por outros pesquisadores (Freitas, 1997), como: oautoritarismo, o “jeitinho” brasileiro e o paternalismo.

De acordo com Motta e Alcadipani (1999), a cultura (incluindo aorganizacional) caracteriza-se por um mecanismo de controle (planos,receitas, regras e normas), socialmente construído, que governa ocomportamento humano. A partir deste pressuposto, o jeitinho, comoinstituição cultural brasileira, também pode ser entendido como ummecanismo de controle socialmente construído. Ele faz parte da moralbrasileira. É uma forma pessoal dos indivíduos resolverem seus problemassem alteração do status quo.

Motta e Alcadipani (1999) ainda afirmaram que é possível classificarem seis os modos de controle social: o controle organizacional (pela máquinaburocrática), o controle dos resultados (pela competição econômica), ocontrole ideológico (pela manifestação da adesão), o controle do amor (pelaidentificação total ou expressão de confiança), o controle pela saturação(um só texto repetido indefinidamente) e o controle pela dissuasão(instalação de um aparelho de intervenção).

Importa aqui relacionar as mencionadas formas de controle com o“jeitinho”. O controle social pela competição econômica e o controle pelaidentificação total ou expressão de confiança se prestam mais àcompreensão da dinâmica do jeitinho brasileiro, lembrando que, no primeirocaso, o que é realmente importante para os indivíduos e organizações é osucesso na vida ou nos negócios.

6. Questões metodológicas acerca da cultura organizacional: o valorda clínica

No cenário nacional, as contribuições de Peçanha (1997) ao estudoda cultura organizacional vêm sendo consideradas relevantes (Mendes,

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1994) ao tema em questão. Nessa investigação, Peçanha (1997) articulasaberes distintos, aprofundando a análise dos padrões inconscientes numadeterminada empresa. As vertentes fenomenológica e psicanalítica, aliadasà triangulação metodológica, revelaram a eficiência da abordagem clínicano estudo, em especial, dos pressupostos inconscientes na referida análisecultural. A autora privilegiou a abordagem clínica, também utilizada por Godoye Peçanha (2009), delimitando conceitos e estabelecendo diretrizes depesquisas em cultura organizacional e saúde (Peçanha, 2009). Esse enfoquejá havia sido considerado por Schein (1993) como decisivo para o êxito noestudo da cultura organizacional. O método de estudo de caso clínico podesituar-se dentro da metodologia qualitativa. Lembrando que metodologiasqualitativas de pesquisa são aquelas capazes de incorporar a questão dosignificado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações eàs estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu adventocomo na sua transformação, como construções humanas significativas(Minayo, 2007; p. 10)

A expressão metodologia qualitativa envolve determinado paradigma,diferentes técnicas de coleta, análise dos dados e procedimentos. Asdiferentes técnicas visam, em geral, descrever, explorar, decodificar e ouinterpretar o processo de viver um fenômeno social. Essa modalidade defazer pesquisa tem ganhado espaço nos últimos 30 anos, em áreas como aPsicologia, Educação, Administração de Empresas, e no âmbito dasCiências da Saúde, especificamente em Enfermagem.

De acordo com Martins (2004), uma característica importante dametodologia qualitativa reside na heterodoxia no momento da análise dosdados. A diversidade do material obtido de maneira qualitativa exige dopesquisador uma capacidade integrativa e analítica que, por sua vez,depende do desenvolvimento de uma capacidade e habilidade criadora eindutiva. A intuição colocada aqui não significa um dom, mas sim um resultadoda formação teórica e dos exercícios práticos do pesquisador.Especificamente, determinada maneira de tratar os resultados da pesquisaqualitativa é através da análise do discurso, que consiste nodesmembramento do texto em unidades, em categorias a partir deinvestigação dos temas no discurso, como propõe Bardin (1977), umclássico no assunto.

Embora a metodologia quantitativa também seja utilizada nos estudossobre cultura organizacional, observa-se a predominância dos métodos

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qualitativos para abordar a temática (Peçanha, 2009). De acordo com aautora:

Quanto ao aspecto metodológico, observa-se, na literatura, a opção

pela abordagem qualitativa como aquela capaz de oferecer melhores

condições de acesso a um conhecimento em CO que vai de

manifestações aparentes ou comportamentos explícitos, a um nível mais

profundo, psicodinâmico ou inconsciente da organização (p. 330).

Enfim, as características dos problemas ligados ao estudo da culturaorganizacional em que captar e compreender significados é de importânciacapital; indicam a pertinência da opção metodológica qualitativa, em especialda abordagem clínica por considerar conteúdos manifestos (aparentes) elatentes (pressupostos inconscientes na CO).

7. Considerações finais e diretrizes de pesquisaA cultura presente na maioria dos restaurantes fast-food nasceu nos

países chamados desenvolvidos, influentes no que diz respeito à economia.Os restaurantes em questão, com cultura particular e lógica de produçãoespecífica apareceram no Brasil nas últimas décadas, nas quais ocorrerammudanças importantes no cenário nacional que passou a se caracterizarpelo desenvolvimento econômico, aliado à intensificação de políticas públicasna área social, da educação e saúde. Sendo assim, importa a realizaçãode uma pesquisa empírica que verifique: até que ponto as práticasgerenciais, de processo e produção são tão padronizadas e assimdifundidas nas franquias da mesma rede, dentro de um mesmo país? Estapergunta responde à questão da existência de subculturas dentro da culturaorganizacional de determinado país. Relativamente sobre a importância dacultura nacional brasileira, então, coloca-se o seguinte problema de pesquisaa ser explorado em trabalhos futuros: quais são os traços da cultura nacionalque apresentam relações com a de uma organização fast-food no Brasil?

A afirmação do Brasil no cenário internacional e sua capacidade delidar com a crise, que vem abalando muitas nações, pode contribuir para avalorização de determinados traços culturais. Sendo assim, a mudança decenário sócio-político e cultural suscita novos olhares para novas questõesde pesquisa em cultura organizacional. Essa, por sua vez, tem forte impactona saúde dos trabalhadores e na saúde organizacional.

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Acredita-se que além de suprir uma lacuna na literatura científica arespeito dos estudos da cultura organizacional em restaurantes fast-food,um delineamento metodológico qualitativo será pertinente ao objeto e aosproblemas de pesquisa expostos.

Por último, destaca-se a relevância do estudo da cultura nacionalbrasileira associada ao estudo da cultura organizacional dos fast-food. Essefenômeno parece não ter sido investigado e pode ser determinante para aadaptação bem sucedida de tais empresas no Brasil, além de colocar emevidência os traços nacionais associados à eficácia e ao êxito num contextode grandes mudanças.

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Recebido em: 23/05/2012 / Aceito em: 28/06/2012.

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