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Cultura, Desenvolvimento e Sociedade – Marta Porto

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Cultura,  Desenvolvimento  e  Sociedade  –  Marta  Porto  

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CURSO  DE  FORMAÇÃO  DE  GESTORES  PÚBLICOS  E  AGENTES  CULTURAIS  

Disciplina  CULTURA,  DESENVOLVIMENTO  E  SOCIEDADE  

Carga  Horária  4  horas  

 

 

Objetivos    

 

1) Apresentar   a   agenda   que   configura   em   plano   internacional   a   relação   entre   cultura   e  desenvolvimento,  sua  cronologia,  marcos,  propostas  e  diagnóstico;  

2)  Analisar  de  forma  breve  a  contribuição  da  política  e  da  agenda  pública  de  cultura  como  partícipes  do  processo  de  desenvolvimento  brasileiro,  analisando  também  as  condições  vistas  como  entrave  para  a  implantação  desse  modelo.    

3) Estimular  uma  visão  transdisciplinar  entre  cultura,  democracia  e  desenvolvimento  sustentável  4) Propor   alguns   caminhos   de   uma   agenda   de   cultura   capaz   de   colaborar   com   o   processo   de  

desenvolvimento   sustentável   brasileiro,   com   redução   das   desigualdades   no   acesso   a   bens   e  serviços  culturais  

 

CONTEUDISTA  

MARTA  PORTO  é   jornalista,  pós-­‐graduada  em  Psicologia   Junguiana,  Arte  e     Imaginário  pela  PUC-­‐Rio,  com  Mestrado  concluído  em  Ciências  da  Informação  pela  UFMG.  Especialista  em  políticas  de  comunicação,   arte   e   cultura.   Curadora   de   espaços,   exposições   e   projetos   artísticos,  conferencista   e   ensaísta   da   cultura   com   atuação   internacional,   lidera,   assessora   e   apoia  políticas   e   programas   de   organizações   internacionais,   governos   e   empresas.   Atualmente  coordena  a  área  de  Cultura  e  Políticas  Culturais  da  Flacso  Brasil  e  lidera  um  estúdio  de  ideias  que  atua   como   think   tank  especializada  em  criar   espaços  e   ambientes   culturais   e   associar  arte   e   cultura   a   políticas   de   conhecimento,   educação   e   comunicação,   a   Plano   A   Studio,  sediada  nas  cidades  do  Rio  de  Janeiro  e  São  Paulo.  É  autora  das  publicações:  Aids  e  Teatro,  20   dramaturgias   de   prevenção   (Senac,   2004)   Investimento   Privado:   balanço   e   desafios  (Senac  Rio,  2005);  Olhares  Femininos,  mulheres  brasileiras   (Sesc,  2006);  Nós  do  Morro,  20  Anos  (XBrasil,  2008)  e  Cultura  e  Política  no  Brasil  (no  prelo).  

 

   

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ASSUNTOS   OBJETIVOS  ESPECÍFICOS  

1  Cultura  e  Desenvolvimento  

-­‐ Delimitar  o  momento  da  eclosão  da  ideia  de  cultura  e  desenvolvimento  para  as  políticas  culturais  

-­‐ Estabelecer  o  tipo  de  desenvolvimento  que  tomamos  como  ponto  de  partida  

-­‐ Analisar  a  contribuição  das  políticas  de  cultura  para  a  agenda  de  desenvolvimento  sustentável  no  Brasil  

2  Democracia    e  Cidadania  Cultural  

-­‐ Analisar,  à  luz  do  projeto  democrático  brasileiro,  os  pilares  de  um  projeto  cultural  

-­‐ Afirmar  a  cultura  como  um  direito  de  cidadania  

-­‐ Problematizar  as  escolhas  políticas  e  os  instrumentos  de  gestão  cultural  escolhidos  no  Brasil  para  promover  cidadania  cultural  

-­‐ Propor  alguns  pilares  estruturantes  para  um      projeto  de  cultura,  democracia  e  desenvolvimento  

   

   

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Bibliografia  

 ARAÚJO,  Alcione.  Espaço,  criação  da  imaginação.  In:  Espaços  Culturais,  2o  Seminário  Internacional  de  Gestão  Cultural,  Belo  Horizonte,  2010,  pp.  19-­‐26.  

________________.  Educação  e  cultura  ou  morte.  Pé  na  estrada  (Programa  TIM  ArtEducação  /  Projeto  Tim  -­‐  Estado  de  Minas  -­‐  Grandes  Escritores),  2003.  

 

ARIZPE,  Lourdes.  As  dimensões  culturais  da  transformação  global.  Brasília:  UNESCO,  2001.  

_______________.  Diversidade,  conflito  e  pluralismo.  Informe  Mundial  de  Cultura  da  UNESCO  2001-­‐2002.  Disponível  em:  www.unesco.org  

BARROS,  José  Márcio.(Org.).  Diversidade  cultural:  da  proteção  à  promoção.  Belo  Horizonte:  Autêntica  Editora,  2008.  

CANCLINI,  Nestor.  Culturas  da  Ibero-­‐América.  Diagnósticos  e  propostas  para  o  seu  desenvolvimento.  São  Paulo:  Editora  Moderna,  2003.  

COELHO,  Teixeira.  Direito  Cultural  no  século  XXI:  expectativa  e  complexidade.  Observatório  Itaú  Cultural  n.  11,  2011,  pp.  6-­‐14.  Disponível  em:  http://www.itaucultural.org.br/bcodemidias/001813.pdf  

_______.  Por  uma  política  cultural  integracional.  Publicado  no  portal  da  OEI,  na  seção  Pensar  Iberoamérica,  em  jul.-­‐out.  2006.  Disponível  em:  http://www.oei.es/pensariberoamerica/ric09a02.htm  

COSTA,  Eliane  Sarmento.  “Com  quantos  gigabytes  se  faz  uma  jangada,  um  barco  que  veleje”:  o  Ministério  da  Cultura,  na  gestão  Gilberto  Gil,  diante  do  cenário  das  redes  e  tecnologias  digitais.  Dissertação  de  Mestrado.  Fundação  Getúlio  Vargas,  Rio  de  Janeiro,  2011.  

CUELLAR,  Javier.  Nossa  Diversidade  Criadora.  Brasília:  Papirus,  1997.  

DELORS,  Jacques.  Educação.  Um  tesouro  a  descobrir.  Relatório  para  a  UNESCO  da  Comissão  Internacional  sobre  Educação  para  o  século  XXI.  UNESCO,  2010.  Disponível  em:  http://unesdoc.unesco.org/images/0010/001095/109590por.pdf  

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         DONDERS,  Yvonne  &  LAAKSONEN,  Annamari.  Encontrando  maneiras  de  medir  a  dimensão  cultural  nos  direitos  humanos  e  no  desenvolvimento.  Observatório  Itaú  Cultural  n.  11,  2011,  pp.  89-­‐114.  Disponível  em:  http://www.itaucultural.org.br/bcodemidias/001813.pdf  

ENCONTROS  TEMÁTICOS.  Cultura,  política  e  direitos.  Rio  de  Janeiro:  UNESCO/Sesc,  2002.  

GALEANO,  Eduardo.  Entrevista  ao  Indignados  na  Plaza  Catalunya,  Barcelona,  ES,  2011.  http://www.youtube.com/watch?v=mdY64TdriJk  

HOLLANDA,  Heloísa  Buarque.  Cultura  e  desenvolvimento.  Rio  de  Janeiro:  Aeroplano  Editora,  2004.  

KLIKSBERG,  BERNARDO.  Falácias  e  Mitos  do  Desenvolvimento  Social.  Brasília:  Cortez,  2002.  

LINS,  Cristina  Pereira  de  Carvalho.  Estatísticas  da  cultura:  Um  levantamento  dos  estudos  recentes  da  UNESCO,  SICSUR  e  IBGE.  Artigo  apresentado  no  III  Seminário  Internacional  de  Políticas  Culturais,  em  21/09/2012.  Disponível  em:  http://culturadigital.br/politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2012/09/Cristina-­‐Pereira-­‐de-­‐Carvalho-­‐Lins.pdf  

MACHADO,  Jurema.  No  Brasil  as  relações  entre  cultura  e  desenvolvimento  são  desafiadoras.  Entrevista  concedida  ao  portal  Ipea  –  Desafios  do  Desenvolvimento  em  19/08/2010.  Disponível  em:  http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1372:entrevistas-­‐materias&Itemid=41  

MAILA,  Joseph.  La  diversidad  cultural  y  la  paz.  Publicado  no  portal  da  OEI,  na  seção  Pensar  Iberoamérica,  em  maio-­‐agost.  2004.  Disponível  em:  http://www.oei.es/pensariberoamerica/ric06a01.htm  

MARTINELLI,  Alfons.  Cultura  y  desarrollo.  Un  compromiso  para  la  libertad  y  el  bienestar,  2013.  http://www.slideshare.net/cunesco/culturay-­‐desarrollo-­‐amartinell  

NOVAES,  Adauto.  Muito  Além  do  Espetáculo.  São  Paulo:  Senac,  2003  

________________.  O  Esquecimento  da  Política.  Rio  de  Janeiro:  Agir,  2007  ________________.  Mutações.  São  Paulo:SESCSP,  2008.  

 

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OLMOS,  Héctor  Ariel.  Educar  em  Cultura.  Publicado  no  portal  da  OEI,  na  seção  Pensar  Iberoamérica,  em  fev.  2002.  Disponível  em:  http://www.oei.es/pensariberoamerica/ric00a06.htm  

PASCUAL,  Jordi.  http://www.cultura.gov.br/riomais20/rio-­‐20-­‐dimensao-­‐cultural-­‐da-­‐sustentabilidade/  

PORTO,  Marta.  As  Sandálias  de  Perseu,  in  Revista  do  Observatório  de  Políticas  Culturais  Itaú  Cultural.  São  Paulo:  Itau  Cultural,  2012.  

_____________.  Imaginário,  um  espaço  para  pensar  a  democracia,  in  Rio  Cidade  Criativa.  Rio  de  Janeiro,  2012.  

______________.  Arte,  Cultura  e  o  espírito  de  um  tempo,  in  Cadernos  Cenpec,  São  Paulo,  2010.  http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/62  

________.  Construindo  o  público  a  partir  da  cultura.  Gestão  municipal  e  participação  social.  [X]  Brasil,  2008.  Disponível  em:  http://www.martaporto.com.br/dialogos/wp-­‐content/uploads/2008/09/tex_construindo.pdf  

________(Org.)  Investimento  privado  e  desenvolvimento:  balanço  e  desafios.  Rio  de  Janeiro:  Editora  Senac  Rio/[X]  Brasil,  2005.  

_____________  Por  uma  política  pública  de  cultura:  desenvolvimento  e  democracia,  in  Reunião  Pública  Mundial  de  Cultura.  Porto  Alegre,  Prefeitura  Municipal/Unidade  Editorial,  2003.  

REIS,  Ana  Carla  Fonseca.  Economia  da  cultura  e  desenvolvimento  sustentável:  o  caleidoscópio  da  cultura.  São  Paulo:  Manole,  2007.  

______________________.  Cidades  Criativas,  soluções  inventivas.  SP:  Garimpo  de  Soluções,  2010.  http://garimpodesolucoes.com.br/garimpamos/servicos/livros/  

REPETTO,  Luis.  Memoria  y  patrimonio:  algunos  alcances.  Publicado  no  portal  da  OEI,  na  seção  Pensar  Iberoamérica,  em  abril-­‐jun.  2006.  Disponível  em:  http://www.oei.es/pensariberoamerica/ric08a06.htm  

 

 

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REY,  Germán.  Cultura  y  desarrollo  humano:  Unas  relaciones  que  se  transladan.  Publicado  no  portal  da  OEI,  na  seção  Pensar  Iberoamérica,  em  fev.  2002.  Disponível  em:  http://www.oei.es/pensariberoamerica/ric00a04.htm  

_____________.  Modos  de  Ser,  maneras  de  sonar.  Ministério  da  Cultura  da  Colombia,  Bogotá  2002.  

SEN,  Amartya.  Desenvolvimento  com  liberdade.  São  Paulo:  Cia  das  Letras,  2001.  

SONTAG.  Susan.  Esperando  Godot  em  Sarajevo,  in  Questão  de  Ênfase,  SP:  Cia  das  Letras,  2005.  

SUASSUNA,  Ariano.  O  arauto  dos  compadecidos.  Entrevista  concedida  ao  portal  Ipea  –  Desafios  do  Desenvolvimento  em  23.11.2011.  Disponível  em:  http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?index_php?option=com_content&view=article&id=2639%3Acatid%3D28&Itemid=23&option=com_content  

URANI,  Andre.  Trilhas  para  o  Rio.  Rio  de  Janeiro:  Campus,  2008.  

VENTURA,  Tereza.  Cultura  e  justiça  social:  Uma  política  cultural  de  novos  direitos?  Artigo  do  III  Seminário  Internacional  de  Políticas  Culturais,  em  20/09/2012.  Disponível  em:  http://culturadigital.br/politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2012/09/Tereza-­‐Ventura.pdf  

TORO,  José  Bernardo.  A  construção  do  público:  cidadania,  democracia  e  participação.  Rio  de  Janeiro:  Editora  Senac  Rio  e  [X]BRASIL,  2005.  

VERGARA,  Luiz  Guilherme.  Escola  pública  da  arte  x  escola  de  arte  pública  –  irradiações  e  acolhimento.  Revista  Concinnitas,  2012,  pp.  99-­‐111.  Disponível  em:  http://nucleoexperimental.files.wordpress.com/2012/01/revista_concinnitas-­‐vergara20111.pdf  

ZIZEK,  Slavoj.  A  tinta  vermelha.  Discurso  no  Occupy  Wall  Street.  http://blogdaboitempo.com.br/2011/10/11/a-­‐tinta-­‐vermelha-­‐discurso-­‐de-­‐slavoj-­‐zizek-­‐aos-­‐manifestantes-­‐do-­‐movimento-­‐occupy-­‐wall-­‐street/  

     

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           Documentos  e  Site  Referência    Informe  Mundial  de  Cultura  UNESCO,  2010  Fonte  “El  Informe  Mundial  sobre  la  Diversidad  Cultural”:  http://www.unesco.org/new/es/culture/resources/report/the-­‐unesco-­‐world-­‐report-­‐on-­‐cultural-­‐diversity/  

Fonte:  http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/home/  

Agenda  21  de  Cultura,  2004    

Fonte:  http://www.agenda21culture.net/  

Rio  +20  e  Cidade  e  Governos  Locais  Unidos  (CGLU)  

Fonte:  http://www.cultura.gov.br/riomais20/rio-­‐20-­‐dimensao-­‐cultural-­‐da-­‐sustentabilidade/  

PNUD  Relatório  do  Desenvolvimento  Humano  2004  –  Liberdade  Cultural  num  Mundo  Diversificado  Fonte:  http://www.pnud.org.br/HDR/Relatorios-­‐Desenvolvimento-­‐Humano-­‐Globais.aspx?indiceAccordion=2&li=li_RDHGlobais  

 Sistema  de  Informações  e  Indicadores  Culturais  2003-­‐2005  http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indic_culturais/2005/    Série  www.vivaculturaviva.org.br

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DISCIPLINA  –  CULTURA,  DESENVOLVIMENTO  E  SOCIEDADE    

1.1. Exemplos,  situações  práticas,  cotidianas  que  contribuam  para  a  contextualização  da  unidade    

1) Os   protestos   e  mobilizações   que   tomam  as   ruas   de   cidades   ao   redor   do  mundo   desde  2008  mostram  que  as  ideias  e  teorias  que  ancoram  o  desenvolvimento  estão  em  crise  e  as  cidades  são  o  palco  onde  elas  podem  ser  reinventadas.  A  Agenda  21  de  cultura  articulada  em  2004   pelo   Fórum  de     Cidades   e   Autoridades   Locais   para   a   Inclusão   Social   contribui  com   uma   visão   holística   (global,   integrada)   de   desenvolvimento   que   propõe,   para   o  século  XXI,  a  cultura  como  seu  quarto  pilar.  

2) O  aumento  do  volume  de  recursos  públicos  e  privados  para  projetos  culturais  nos  últimos  anos  não  representou  de  forma  direta,  rápida  e  clara  a  ampliação  do  acesso  ao  universo  cultural   e   das   oportunidades   de   desenvolver   talentos   e   promover   a   memória   cultural  coletiva,   como   provam   os   indicadores   e   estatísticas   culturais   da   Pesquisa   Nacional   por  Amostra   de   Domicílio   -­‐   PNAD/IBGE,   2003-­‐2005.   A   população   brasileira,   tratada   como  “público”   e   não   como   finalidade   última   da   política,   permanece   em   sua   grande  maioria  alheia  às  oportunidades  de  uma  vida  cultural  rica  e  diversa,  como  propõe  o  artigo  27  da  Declaração  Universal  dos  Direitos  Humanos,  de  1948.  

3) A  Constituição  Brasileira  e  os  documentos   internacionais  dos  quais  o  Brasil   é   signatário  garantem  o  direito  de  todos  receberem  educação  de  qualidade  ao  longo  da  vida.  O  acesso  universal,  da  creche  ao  Ensino  Médio,  deve  dar  ao  cidadão  os  meios  para  a  construção  crítica   e   pró-­‐ativa   de   sua   trajetória,   onde   “além   do   conhecimento   da   natureza   e   da  cultura,  envolve  as  formas  estéticas,  a  apreciação  das  coisas  e  das  pessoas  pelo  o  que  elas  são  em  si  mesmas,  sem  outro  objetivo  se  não  o  de  relacionar-­‐se  com  elas”  (Saviani,  2000).  O  projeto  do  novo  Ensino  Médio  brasileiro  é  uma  oportunidade  para  a  política   cultural  propor  uma  matriz  de  atuação  de  cultura  de  caráter  universalizante,  com  escolas  de  artes  que   desenvolvam   talentos   e   habilidades   e   uma   matriz   curricular   que   desenvolva  memórias,  pensamento  e  linguagem.  

4) As  guerras  e  o  cenário  crescente  de  violência  e  intolerância  nas  grandes  cidades  impõem  que  as  políticas  culturais  incluam,  como  um  de  seus  pilares  fundamentais,  a  promoção  de  valores   éticos   e   de   convivência   solidária.   Estimular   um   imaginário   sociopolítico   de  curiosidade  e  respeito  às  diferenças,  valorização  da  vida  e  diálogo   intercultural  é  a  base  de  consolidação  da  democracia  e  da  formação  cidadã.    

 

 

 

 

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 Conceitos-­‐chave  da  disciplina    

Cultura  -­‐  são  muitas  as  acepções  de  cultura.  Para  uma  abordagem  ampla,  assistir  ao  vídeo  “O  que  é  cultura?”  editado  para  o  Módulo  Inspiracional  deste  curso.    

Desenvolvimento  -­‐  ampliação  das  liberdades  de  escolha  (Sen,  2004)  

Democracia   -­‐   forma   sociopolítica   definida   pelo   princípio   da   isonomia   (igualdade   dos  cidadãos   perante   a   lei)   e   da   isegoria   (direitos   de   todos   de   participarem  da   vida   publica   e  manifestarem   a   sua   opinião).   A   sociedade   é   democrática   quando   “institui   direitos   pela  abertura  do  campo  social  à  criação  de  direitos  reais,  à  ampliação  de  direitos  existentes  e  à  criação  de  novos  direitos.  A  democracia,  como  forma  social,  é  dinâmica,  está  aberta  a  seu  tempo  histórico,  a  transformação  e  ao  novo”.  (Chauí,  2009).  

Política  -­‐  A  arte  de  igualar  os  desiguais  (Aristóteles).  É  o  exercício  do  poder  com  o  propósito  de   domar,   refrear   e   conter   o   desejo   dos   grandes   e   concretizar   o   desejo   do   povo   por  liberdade  e  segurança  (Maquiavel).  

Cidadania-­‐  engloba  três  grandes  esferas:  a  civil,  a  política  e  a  social.  Vamos  situar  a  cultura  no   espaço   da   cidadania   social,   apesar   de   considerar   que   as   formas   culturais   de   uma  sociedade   se   manifestar   e   se   organizar   perpassam   as   três   esferas   citadas.   Cidadania   é   o  conjunto   de   direitos   que   o   cidadão   reconhece,   possui   e   exerce.   Cidadão   é   o   sujeito  conhecedor  de   si   e   consciente  de   seus  direitos,   capaz  de   lutar   por   esses   direitos   em  uma  dada   sociedade,  que  explicita,   através  de   seus   sistemas   institucionais,   jurídicos  e  morais   a  capacidade  de  todo  o  indivíduo  de  reivindicá-­‐los  e  exercitá-­‐los  na  vida  pública.  

Cidadania   Cultural   -­‐   promoção   de   um   imaginário   social   que   confira   valor   a   igualdade,  liberdade   e   participação   no   poder   através   do   acesso   e   produção   de   bens   simbólicos,   da  formação  ética  e  estética  dos  cidadãos.  

 

   

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CULTURA  E  DESENVOLVIMENTO  

 

                         A  relação  entre  cultura  e  desenvolvimento  foi  reconhecida  pelas  Nações  Unidas  em  1988,   quando   foi   lançada   a   Década  Mundial   do   Desenvolvimento   Cultural   e,   alguns   anos  

depois,   em   1993,   implantada   a   Comissão   Mundial   de   Cultura   e   Desenvolvimento,   sob   a  

batuta  do  peruano  Javier  Perez  de  Cuellar,  ex-­‐Secretário  Geral  da  ONU.  

Para  a  Comissão,  o  desafio  da  cultura  no  século  XXI  era  se  posicionar  no  centro  do  

debate  sobre  desenvolvimento,  que  não  poderia  mais  ser  medido  apenas  pelo  crescimento  econômico  ou  aumento  do  consumo.  Em  fins  dos  anos  80  e  início  dos  90  a  pergunta  chave  

da  UNESCO  era:  por  que,  apesar  de  todo  o  progresso  científico  e  econômico  a  humanidade  

chegava  no  limiar  no  século  21  com  1  bilhão  de  pessoas  vivendo  na  extrema  pobreza?  Como  a   cultura   afeta   o   desenvolvimento   e   sua   não   observância     nas   agenda   políticas   gera  

distúrbios   sociais,   econômicos   e   violência?   Como   estabelecer   a   relação   entre   cultura   e  desenvolvimento,   recolocando   o   valor   da   diversidade   e   do   diálogo   cultural   no   centro   das  políticas  das  nações  e  cidades  do  mundo?    

Estas   questões   impulsionaram   uma   agenda   política   deflagrada   pelas   organizações  

internacionais  em  parceria   com  governos  e  a   sociedade  civil  para  defender  a   ideia  de  que  desenvolvimento   é   indissociável   das   condições   culturais     dos   povos   e   a   defesa   da  diversidade,  da  singularidade  dos  modos  de  produção,  a  força  das  indústrias  criativas  e  das  

tradições  locais  constituem  uma  fonte  de  bem  estar  social.  Após  duas  décadas  de  trabalho,  com  grandes  avanços  em  diversos  aspectos  conceituais  e  técnicos,  com  definição  de  marcos  

legais,   instrumentos  de  gestão  e   fomento,  diretrizes  políticas  e  documentos  de  orientação  

como   estatísticas   culturais,   inventários   e   cartografias   nacionais   e   regionais,   a   agenda   se  concentrou   em   convencer   os   políticos   e   especialistas   a   integrarem   em   suas   decisões   e  

programas   “os   princípios   da   diversidade   cultural   e   os   valores   do   pluralismo   cultural   no  

conjunto  das  políticas,  mecanismos  e  práticas  públicas”.1  O  esforço  de  todo  este  trabalho  é  

demonstrar  que,  além  de  contribuir  para  a  redução  da  pobreza,  na  medida  que  reconhece  o  

valor  de  práticas  econômicas  singulares,  a  cultura  constitui  um  forte  instrumento  de  coesão  social,  quando  prioriza  o  diálogo  e  as  trocas  interculturais.  E  de  que  desenvolvimento  se  fala:    

                                                                                                                           1 www.unesco.org/culture

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daquele  preconizado  pelo  Prêmio  Nobel  de  Economia,  Amartya  Sen2,  como  o  que  promove  a  

ampliação  das   liberdades  e  desenvolve  as  pessoas  como  agentes  ativos  de  sua  realização3.  Vamos  retomar  esta  noção  na  próxima  seção  sobre  o  Brasil.  

 A   afirmação   em   2000   do   coordenador   para   a   América   Latina   do   Banco  Interamericano   de   Desenvolvimento,   Bernardo   Kliksberg,   resume   o   sentimento   à   época   e  

justifica  os  esforços  empreendidos  para  fazer  frente  aos  desafios:    

 

“As   cifras   obrigam   a   refletir.   Aproximadamente,   um   de   cada   dois  latino-­‐americanos   está   abaixo   da   linha   da   pobreza.   A   situação   das  crianças   é   ainda   pior;   seis   de   cada   dez   são   pobres.   Os   jovens   se  

encontram  em   situação  difícil.   Sob  o  embate  da  pobreza,   as   famílias  entram   em   crise   e   muitas   vezes   se   desarticulam.   A   criminalidade  

cresce  fortemente,  sendo  seis  vezes  maior  do  que  o  que  se  considera  

internacionalmente   criminalidade   moderada.   Esses   dados   significam  

sofrimento   humano   em   grandes   proporções.     O   que   está  acontecendo?     Por   que   não   se   cumpriram   os   prognósticos   dos   anos  

80,  que  afirmavam  que  seguindo  certas  políticas,  os  resultados  sociais  

e   econômicos   estariam   assegurados?     Por   que   um   continente   com  recursos   naturais   privilegiados,   com   fontes   de   energia   baratas,  

acessíveis   em   grande   quantidade,   com   grande   capacidade   de  produção   agropecuária   tem   indicadores   sociais   tão   pobres?   O  

pensamento  convencional  parece  ter  esgotado  suas  possibilidades  de  dar  respostas  a  interrogações  como  estas.  Faz-­‐se  necessário  recuperar  

o  que  foi  das  maiores  tradições  desse  continente:  a  capacidade  de    

                                                                                                                           2 Sen, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade, 2004. “A expansão da liberdade é vista como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente. A eliminação de privações de liberdades substanciais, argumenta-se aqui, é constitutiva do desenvolvimento”.2 (SEN, 2000) 3 Para este conceito ver disciplina Economia Criativa de Ana Carla Fonseca Reis.

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pensar   de   forma   criativa   e   por   conta   própria,   apreendendo   da  

realidade  e  buscando  caminhos  novos.”4    

 

Essa   afirmativa   de   Kliksberg   traça   um   cenário   das   preocupações   com   o  desenvolvimento  apontado  por  organismos   internacionais  que   recolocam  seus  desafios  no  

plano  também  cultural,  de  cada  sociedade  permitir-­‐se  encontrar  soluções  sintonizadas  com  

sua  própria  cultura.  Pensadas  dessa  maneira,  as  políticas  de  cultura,  para  além  do  estímulo  às  artes,  podem  ser  celebradas  como  estimuladoras  de  economias  solidárias,  de  mercados  

criativos,   de   comércio   justo,   da   educação   em   valores   e   de   universalização   dos   bens  

simbólicos.  

A   implantação,   em   1993,   da   Comissão  Mundial   de   Cultura   e   Desenvolvimento   das  Nações  Unidas  reforça  essa  tese  propondo  objetivos  e  metas  para  cada  estado-­‐membro  no  

sentido  de  reforçarem  suas  políticas  culturais  como  pontas  de  lança  de  um  desenvolvimento  

mais  equitativo.  No  Relatório  Nossa  Diversidade  Criadora5  essa  Comissão  da  ONU  apontou  

os   05   principais   objetivos,   que   foram   reforçados   posteriormente   pela   Conferência  Intergovernamental  de  Cultura,  realizada  em  Estocolmo,  Suécia,  em  1998:    

 

1)   A   política   Cultural,   como   um   dos   principais   componentes   da   política   de  

desenvolvimento  endógeno  e  sustentável,  deve  ser   implementada  em  coordenação  

com   outras   áreas   sociais,   na   base   de   um   enfoque   integrado.   Qualquer   política   de  

desenvolvimento  deve  ser  profundamente  sensível  à  sua  própria  cultura;    2)  As  políticas   culturais  do  próximo   século  devem  se  antecipar,   respondendo   tanto    

aos    problemas  persistentes  quanto  às  novas  necessidades;    

3)  A  participação  efetiva  na  sociedade  de  informação  e  o  domínio  de  cada  tecnologia  de  informação  e  comunicação  constituem  significativa  dimensão  de  qualquer  política  

cultural;    

 

 

                                                                                                                         4 Kliksberg, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo, Cortez, 2000. 5 CUELLAR, Javier Perez. Nossa Diversidade Criadora. Brasília: UNESCO, 1997.

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4)  Os  governos  devem  se  esforçar  para  estabelecer  parcerias  com  a  sociedade  civil  no  planejamento   e   implementação   de   políticas   culturais   que   estiverem   integradas   às  

estratégias  de  desenvolvimento;  

 5)  Num  mundo  cada  vez  mais   interdependente,  a   renovação  das  políticas  culturais  

deve  ser    prevista  simultaneamente  nos  níveis  local,  nacional,  regional  e  global.    

A  crítica  que  se  pode  fazer  a  esta  agenda  é  que  de  tão  ampla  ela  perdeu  o  foco,  fato  

que  que  analisaremos  mais  a   frente.  E,  passadas  duas  décadas,  não  há  sinais  concretos  de  que   estes   esforços   tenham   sido   bem   sucedidos.   A   partir   da   crise   de   2008,   países   como  

Espanha   e   Portugal   –   o   primeiro   um   dos  mais   importantes   parceiros   e   financiadores   dos  programas  de  cultura  no  mundo  –  assistiram  a  extinção  das  pastas  ministeriais  de  cultura,  

em  um  claro  retrocesso  da  agenda  do  fim  dos  anos  90  e   início  dos  2000.  As  verbas  para  a  

cultura  minguaram  em  boa  parte  do  mundo  e  o  desemprego  em  alta  em  muitos  países  da  

Europa,  conjugado  às  guerras  culturais  e  religiosas,  fortalecem  o  sentimento  de  urgência  na  renovação  das  políticas  de  desenvolvimento,  mas  também  de  desesperança  de  que  a  cultura  

seja  um  dos  seus  pilares.    

Ainda   assim,   em   2010   a   Assembleia   Geral   das   Nações   Unidas,   em   sua   Resolução  A/RES/65/166,   reconhece   a   importância   da   cultura   para   o   desenvolvimento   sustentável   e  

assume  o  papel  de  coordenar  esforços  para  sensibilizar  a  comunidade  internacional  de  sua  importância  para  um  Milênio  de  paz  e  justiça  social.  Mais  longe  vai  a  Agenda  21  de  Cultura,  

documento   de   2004   articulado  pelo   Fórum  de  Autoridades   e   Cidades   Locais   pela   Inclusão  

Social   durante   o   Fórum   Universal   das   Culturas,   Barcelona,   2004.   A   Agenda   21   defende   a  cidade   e   o   território   local   como   lugar   privilegiado   para   se   articular   políticas   de   cultura   e  

desenvolvimento,   baseados   em   5   princípios:   governança   global   para   o   desenvolvimento  

cultural  realizada  a  partir  das  cidades;  promoção  dos  direitos  humanos  e  de  uma  cultura  de  paz   e   convivência;   diversidade   cultural;   sustentabilidade   e   democracia.   Em   2012,   o   órgão  

gestor  da  Agenda  21  de  Cultura,  CGLU  -­‐  Cidades  e  Governos  Locais  Unidos,  apresentou  um  

documento   na   Rio+20   propondo   a   cultura   como   quarto   pilar   do   desenvolvimento  sustentável  no  século  21.  O  documento  lembra  que,  em  uma  sociedade  do  conhecimento,  o  

valor  da  cultura  é  imenso  e  que  o  tripé  da  sustentabilidade  -­‐  econômico,  social  e  ambiental  -­‐  

não   traduz  os  principais  desafios  deste  milênio.  A  diversidade  como  elemento   inerente  ao  diálogo  cultural  pode  conduzir  ao  pluralismo  necessário  para  agir  de  forma  pacífica  sobre  os  

conflitos  e  promover  um  imaginário  que  valorize  os  ideias  dos  direitos  humanos  e  da    

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solidariedade  entre  os   diferentes.   Lembrando  Amartya   Sen   e   Edgard  Morin,   o   documento  recoloca   a   agenda  humanista   como   tarefa   das   políticas   de   cultura   e   defende  os   preceitos  

éticos  e  a  formação  criativa  e  cultural  como  fontes  para  edificar  uma  sociedade  de  bem  estar  

social  e  liberdade  pessoal  e  comunitária.  Um  agenda  aberta  e  de  difícil  construção,  mas  que  

deve  e  pode  iniciar  com  dois  pilares  fundamentais:  políticas  e  programas  que  promovam  um  imaginário   plural   e   de   reconhecimento   dos   direitos   fundamentais   da   pessoa   humana,   e   a  

promoção   das   artes   e   do   patrimônio   imaterial   e   material   como   bases   da   memória,   da  

criatividade,   da   consciência   histórica   e   da   curiosidade   sobre   si,   sobre   o   outro   e   sobre   o  mundo.   Uma   agenda   de   cultura   a   partir   da   cultura,   articulada   em   primeira   mão   com   as  

dimensões  da  política  que  não  podem  ser  outorgadas  a  outras  esferas  da  ação  pública  e/ou  privada.  

 

 

E  no  Brasil?  Como  pensar  a  relação  entre  cultura  e  desenvolvimento?    A     trajetória   sustentável   de   desenvolvimento   é   encarada   por   todos   como   a  maior  

prioridade   para   o   Brasil.   Ao   contrário   do   que   tanto   se   diz   nas   páginas   dos   jornais,   no  entanto,  ela  não  depende  só  de  reformas  econômicas.  Nem  muito  menos  implica  a  reedição  de  um  modelo  que  já  experimentamos  no  passado,  que  se  esgotou  por  seus  próprios  limites  e  que  está  na  raiz  de  grande  parte  dos  problemas  que  enfrentamos  hoje:  a  insuficiência  e  a  baixa   qualidade   da   educação,   a   desigualdade,   o   caos   metropolitano,   os   desequilíbrios  ambientais,  a  insatisfação  urbana.     Uma   agenda   de   desenvolvimento   para   o   Brasil   hoje   passa   pelo   aprofundamento   e  pelo   aprimoramento   de   processos   que   já   estão   em   curso   na   sociedade   brasileira   e   por  outros   que   ainda   estão   pendentes   de   entendimento   e   esforço   político.   Para   alguns,   o  desenvolvimento  brasileiro  se  realizará  plenamente  se  consolidarmos:  

• A  democratização  política,  econômica  e  social;  • A  consolidação  da  estabilidade  macroeconômica;  • Uma   ampla   reforma   de   instituições   que   já   fizeram   seu   tempo,   mas   que  

precisam   se   adequar   aos   desafios   contemporâneos   e   que,   como   estão,  impedem  maiores  ganhos  de  eficiência  e  uma  maior  equidade;  

• A  redefinição  do  espaço  público,  de  forma  a  consolidar  a  descentralização  e  a  ampliar  suas  fronteiras  para  além  da  esfera  estatal;  

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• O  aumento  dos  investimentos  em  infraestrutura,  em  ciência  e  em  tecnologia;  • A  reformatação  de  um  amplo   leque  de  políticas  públicas,  visando  obter  uma  

maior  transparência  e,  sobretudo,  uma  maior  eficácia  do  gasto  público;  • O   redesenho   da   inserção   do   país   no   cenário   econômico   e   político  

internacional.  • Trata-­‐se,   portanto,   de   uma   agenda   complexa   -­‐   cuja  materialização   requer   o  

envolvimento   de   um   amplo   leque   de   atores   e   uma   profunda   mudança   no  imaginário  coletivo  nacional.  

 

Os  pressupostos  acima  foram  retirados  de  um  documento  intitulado  “Caminhos  para  o  Desenvolvimento   no   Brasil6”   elaborado   por   uma   das   principais   entidades   de   pesquisa   e  estudos   sobre   este   tema   no   país,   o   Instituto   de   Estudos   do   Trabalho   e   Sociedade   -­‐   IETS,  liderado  por  economistas  e  estudiosos  de  peso  no  cenário  nacional.  A  pauta  não  exclui  por  todo  a  dimensão  cultural,  certamente  subentendida  em  alguns  dos  itens  acima,  mas  revela  a  forma  indireta  com  que  ela  é  tratada  na  totalidade  dos  documentos  e  também  nos  debates  públicos   sobre   desenvolvimento   que   lideram   a   discussão   no   país.   Certamente   porque   a  cultura  antes  de  definir  um  caminho  político  próprio,  com  uma  agenda  clara,  propositiva,  de  médio  e   longo  prazo  e  de   fácil  compreensão  para  o  cidadão  comum,  assume  uma  postura  dúbia  ao  tentar  justificar  a  sua  importância  através  de  associações  com  outras  agendas  –  a  social  e  a  econômica  para  ficar  nas  mais  óbvias  -­‐  sem  definir  um  núcleo  duro  programático  (ou  seja,  o  que  é  próprio  e  único  do  campo  cultural)  onde  estas  articulações,  desejáveis,  se  deem  de  forma  a  garantir  o  desenvolvimento  cultural  de  toda  a  sociedade  brasileira.    

Dois   exemplos   de   agendas   que   promovem   diálogos   com   outras   políticas,  mas   que  asseguram  uma  visão  singular  de  desenvolvimento  e  uma  matriz  singular  de  trabalho,  são  as  de  meio   ambiente  e   a  da   ciência   e   tecnologia.  A   agenda  ambiental   definiu  uma   forma  de  fazer   política   e   redefiniu   os   pilares   do   desenvolvimento,   incluindo   a   matriz   “sustentável”  como   visão   que   organiza   toda   uma   dinâmica   política   e   operativa.   Agenda   e   matriz   se  revelam  claramente  na  constituição  de  macropolíticas  para  áreas  que  vão  do  aquecimento  global,   passando   por   energias   renováveis,   desmatamento,   preservação   de   encostas,   rios,  fauna  e  flora,  pesquisas  em  todos  estes  campos.  Os  ambientalistas,  que  como  os  da  cultura,  ganharam  força  na  agenda  internacional  em  fins  dos  anos  80  (mais  precisamente  em  1987    

                                                                                                                         6 IETS, 2007.

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com  o   lançamento  do  Relatório  Brundtland7)   organizaram  este   “núcleo  duro”:   -­‐   É   a   partir  daqui   que   estamos   falando.   E,   assim,   do   ativismo   ganharam   status   de   política   com   P  maiúsculo.  Mais   recentemente,   no   Brasil,   a   agenda   da   ciência   e   tecnologia   avançou,   com  reforços  em  todas  as  frentes,  da  pesquisa,  da  formação  científica,  do  aumento  de  verbas  e  dos  programas  de  cooperação   internacional.  Pode-­‐se  dizer  que  a  C&T  é  um  dos  pilares  do  desenvolvimento  do  país,  e  suas  iniciativas  são  pensadas  para    impactar  a  vida  das  próximas  gerações  de  brasileiros.  

  No   caso   da   cultura,   a   ausência   de   políticas   de   caráter   universal,   as   chamadas  macropolíticas,   e   a   definição   deste   “núcleo   duro”   (as   dimensões   objetivas   e   a   visão   de  desenvolvimento   organizada   em   políticas   com   início   meio   e   fim)   acabou   gerando   uma  fragmentação   em   que   se   fala   de   tudo   e   não   se   garante   nada.   Essa   fragmentação   impede  tanto  os  governantes  como  a  população  em  geral  de  perceber  prioridades  e  a  colaboração  objetiva   para   promover   um  desenvolvimento   com   justiça   social   e   educação   de   qualidade.  Este  diagnóstico  é  reforçado  pelo  histórico  dos  debates  travados  pela  área  cultural  durante  e  após   o   processo   de   redemocratização   do   país,   debates   marcados   essencialmente   pela  discussão   sobre   os  mecanismos   de   financiamento   à   cultura,   do   fomento   pelos   incentivos  fiscais  e  mais  recentemente  por  editais  públicos  e  privados8.  É  sempre  bom  lembrar  de  algo  que   revela   o   tom   dado   ao   debate   cultural   naquele   momento:   o   Ministério   da   Cultura   é  implantado  em  1985  e   surge   sob  a   égide  da   Lei   Sarney,   um  exemplo  do  patrimonialismo9  brasileiro  autoproclamado  em  uma  lei  cujo  título  é  o  nome  do  Presidente  da  República  em  exercício  no  país,  “amante  das  artes”.  E   também  revela  o   lugar  que  é  destinado  à  cultura:  atender   demandas   de   artistas   e   produtores   através   das   políticas   de   marketing   e  comunicação   das   empresas.   Assim   nascemos   oficialmente   na   democracia.   Substituiu-­‐se   o  essencial   pelo   acessório   e   em   28   anos   colhemos   o   fruto   dessa   escolha:   a   estagnação   do  percentual  no  orçamento  da  União,  em  uma  margem  de  0,3%  de  participação,  a  fragilização    

                                                                                                                         7 Relatório Brundtland – Em 1987, o documento Nosso Futuro Comum ou, como é bastante conhecido, Relatório Brundtland, apresentou um novo olhar sobre o desenvolvimento, definindo-o como o processo que “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. É a partir daí que o conceito de desenvolvimento sustentável passa a ficar conhecido. Esse relatório foi elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

8 Sobre este assunto, ler o artigo “Ser de todos os tempos sem deixar de ser do instante”. em www.martaporto.com.br 9 Patrimonialismo é a característica de um Estado que não possui distinções entre os limites do público e os limites do privado

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de   instituições   de   salvaguarda   e  memória   do   patrimônio   nacional,   a  má   remuneração   ou  qualificação   dos   recursos   humanos,   mas   especialmente   a   substituição   da   ideia   de   acesso  amplo  e  universal  a  toda  a  população  brasileira  pela  ação  pautada  em  projetos  culturais  com  “público-­‐alvo”.  

  Cultura   e   desenvolvimento,   cultura   e   fortalecimento   da   democracia,   cultura   e  cidadania  são  temas  que  começam  a  despontar  com  força  na  agenda  política  nacional,  em  debates,   seminários,   apresentações  de  documentos  de   secretarias   e   fundações   culturais   a  partir  apenas  dos  anos  2000.  Um  debate  tardio,  já  que  20  anos  nos  separam  da  implantação  do  Ministério  da  Cultura.  Mesmo  tardio,  o  debate  surge  com  força  em  especial  a  partir  da  Gestão   Gilberto   Gil,   iniciada   em   2003,   onde   mudanças   no   desenho   político   incorporam  novas   preocupações   que   começam  a   produzir   resultados   para   o   desenho  político   da   ação  cultural.  Ainda  assim,  é  preciso  destacar  que  o  que  promove  empatia  da  população  ou  de  quem  está  exercendo  o  comando  do  Estado  é  expressar  na  política  interesses  comuns,  como  a  possibilidade  de  ver  seu  filho  estudando  em  uma  boa  escola  -­‐  que  tal  uma  escola  de  artes?  Onde   elas   estão?   -­‐,   ter   acesso   a   formação   artística   de   qualidade   -­‐  muito  mais   do   que   as  oficinas  oferecidas  em  horários  apertados  na  escola   -­‐  que  contemple  a  memória  cultural  e  artística   e   também  a  possibilidade  de   criar   livremente.  Os   interesses   comuns,   a   biblioteca  boa   e   perto   de   casa,   a   escola   com  aulas   de   educação   artística,   os   conteúdos  da  memória  diversa   brasileira   disponíveis   em     todas   as   escolas   brasileiras   de   forma  digital,   os   debates  públicos   que   nos   ajudam   a   participar   da   vida   cultural   de   nossas   cidades,   pensar,   refletir,  criticar,   são  a  base  de  uma  política  de  cultura  centrada  no  homem  comum,  na  criança,  no  jovem,  no  senhor  e  na  senhora    -­‐  cidadãos  que  não  organizam  a  sua  demanda  ,  mas  que  têm  direito  a  uma  vida  cultural  rica  e  diversa10.    Mesmo  diante  de  muitos  avanços,  como  a  maior  capilaridade  dos  programas  e  do  fomento  à  cultura,   infelizmente   ainda   operamos   com   a   famosa   lógica   do   atendimento   a   demandas,  velhas,  novas,  que  surgirão.  O  povo,  esta  multidão  de  200  milhões  de  brasileiros,  surge  como  “público”  magicamente  previsto  nas  planilhas,  dentro  de  teatros  e  salas  de  cinema  que  não  existem  em  boa  parte  dos  municípios  brasileiros,  participando  de  oficinas  em  bairros   com  100  mil,  200  mil  moradores,  como  os  grande  conglomerados  em  Rio  de  Janeiro  e  São  Paulo,  onde  o  “público”  varia  entre  15  e  30  meninos.  Combinar  a  estratégia  de  manter  a  produção  viva,   com   políticas   que   de   fato   valorizem   a   trajetória   de   vida   dos   cidadãos   brasileiros,   da  infância   à   velhice,   através   de   uma   visão   universal   em   que   arte   e   cultura   entrem   para   o  cardápio  de  algo  desejável  na  vida  comum  das  pessoas,  é  o  desafio  para  articular,  no  Brasil,                                                                                                                              10 Artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos do Homem – ou Direitos Humanos?, 1948.

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         cultura  e  desenvolvimento.  Arte  e  democracia.  Cultura,  arte  e   cidadania.  Cumprimento  de  direitos.    

Desigualdades  no  acesso  à  produção  cultural:  

• Entretenimento:  a  minoria  dos  brasileiros  frequenta  cinema  uma  vez  no  ano.  Quase  todos  os   brasileiros   nunca   frequentaram   museus   ou   jamais   frequentaram   alguma  exposição  de  arte.  Mais  de  70%  dos  brasileiros  nunca  assistiram  a  um  espetáculo  de  dança,  embora  muitos   saiam  para  dançar.  Grande  parte  dos  municípios  não  possui  salas  de  cinema,  teatro,  museus  e  espaços  culturais  multiuso.  

• Livros   e   Bibliotecas:  o   brasileiro   praticamente   não   tem   o   hábito   de   leitura.   A  maioria  dos  livros  estão  concentrados  nas  mãos  de  muito  poucos.  O  preço  médio  do  livro  de   leitura   é  muito   elevado  quando   se   compara   com  a   renda  do  brasileiro  nas  classes  C/D/E.  Muitos  municípios  brasileiros  não  têm  biblioteca,  a  maioria  destes  se  localiza  no  Nordeste,  e  apenas  dois  no  Sudeste.  

• Acesso   à   Internet:   uma   grande   porcentagem   de   brasileiros   ainda   não   possui  computador  em  casa.  Destes,  a  maioria  não  tem  qualquer  acesso  à  internet  (nem  no  trabalho,  nem  na  escola).  Este  é  o  quadro  que  muda  em  maior  velocidade.  

• Profissionais  da  Cultura:  a  metade  da  população  ocupada  na  área  de  cultura  não  tem  carteira  assinada  ou  trabalha  por  conta  própria.  (Fonte:  Ministério  da  Cultura  –  IBGE  -­‐  IPEA).  

 

Nesta   disciplina,   iremos   de   forma   introdutória   destacar   análises   que   colaborem  para   uma  reflexão  sobre  este  tema.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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DEMOCRACIA  E  CIDADANIA  CULTURAL  

Quais  os  pilares  de  uma  política  de  cultura  pensada  a  partir  desses  princípios?  Vou  citar   um   conjunto   de   elementos   propostos   em   documentos   internacionais11   para   iniciar  nossa  conversa:  

 

1) A   promoção   da   diversidade   cultural,   pensada   como   as   “várias   formas   de  produção,   circulação  e  apropriação  de   sentidos  e  práticas  de  pessoas  e  grupos  sociais.   Compreende   as   marcas   culturais   dos   modos   de   vida,   as   práticas  simbólicas  que  determinam  o  cotidiano  de  homens  e  mulheres,  as  memórias  que  articulam   o   passado   e   a   tradição   com   o   presente   e   as   projeções   de   futuro”.12  Uma  agenda  de  política  cultural  promotora  da  diversidade  cultural,  em  síntese,  deve  “promover  o  diálogo  de  culturas  em  contextos  de  poder”13  o  que  significa  para  o  gestor  desenhar  de   forma  clara  e   transparente  os  mecanismos  políticos  de  acesso  e  gestão    capazes  de  promover  trocas  onde  a  diversidade  cultural  seja  elemento   catalizador   de   uma   ética   de   convivência   e   de   respeito   a   dignidade  humana.   O   simples   reconhecimento   da   diversidade   cultural   não   conduz   à  percepção   de   que,   apesar   das   diferenças   culturais,   todos   têm   direitos   iguais   e  inalienáveis  perante  um  corpo  social  que  supera  as  diferenças  e  luta  por  justiça  e  igualdade.   Assim,   essa   agenda   de   política   cultural   promotora   da   diversidade  deve   priorizar   o   diálogo   entre   culturas,   o   que   significa   ofertar   bens   e   serviços  com  a  mesma  qualidade  para  o  conjunto  de  cidadãos  independente  do  local  de  moradia  ou  da  origem  social,  estimular   intercâmbios  entre  as  várias  expressões  culturais   e   tecnologias   artísticas   e   garantir  meios   de   acesso   transparentes   aos  recursos  e  mecanismos  de  poder  da  gestão  cultural.  

2) As  relações  entre  cultura  e  equidade,  apoiadas,  segundo  Karen  Marie  Mokate14,  em  três  valores  sociais:  igualdade,  cumprimento  de  direitos  e  justiça.  A  equidade  na   cultura   é   garantida   tanto  no   reconhecimento  de  que   todo   indivíduo  e   toda  comunidade   produz   cultura,   como   na   criação   de   condições   adequadas   de  circulação  dos  bens  culturais.  O  centro  aqui  é  como  garantir  o  direito  de  que    

                                                                                                                         11  REY,  German.  Modos  de  Ser,  Maneras  de  Somar.  Retos  para  uma  agenda  de  políticas  públicas  das  Américas  en  cultura.  Bogotá,  Colômbia,  2002,  pág.  97.  12  Idem,  pág.103.  13  ESCOBAR,  Arturo  in  REY,  Germán.  Idem. 14 MOKATE, Karen in REY, German. Idem pág. 106.

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         todas  as  pessoas  possam  participar  e   fruir  dessas   condições   (escola,  educação)  estimulando   a   autonomia   e   a   ampliação   das   escolhas   ao   longo   da   vida.   O  crescimento   da   oferta   não   representa   em   si   mais   pluralismo   ou   melhores  oportunidades,   por   isso   é   tão   importante   a   informação   cultural,   a,   o   diálogo  entre  práticas,  valores  e  experiências  diversas  e  especialmente  a  democratização  do  conhecimento,  através  da  qualidade  da  educação,  que  permite  reconhecer  a  memória   e   as   várias   matrizes   culturais   e   criar   as   condições   de   fruição   para   o  desconhecido;  

3) A  importância  da  cultura  no  fortalecimento  da  institucionalidade  democrática,  contribuindo  para  a  criação  de  novos  imaginários,  onde  os  valores  de  respeito  ao  outro   e   ao   meio   ambiente,   a   abertura   para   criar   novos   direitos   além   dos   já  consagrados,   o   espírito   de   solidariedade   e   inventidade   possam   promover   um  ethos  humanístico  em  detrimento  de  um  ethos  consumista  e  hedônico.    

4) O   florescimento   das   singularidades   de   cada   lugar   e   dos  modos   de   produção  para   promover   uma   economia   da   cultura   capaz   de   gerar   mobilidade   social   e  desenvolvimento  local15.  

 

Assim,  tratamos  a  cidadania  cultural  como  a  capacidade  da  política  de  cultura  de  contribuir  para   a   formação   de   agentes   com   autonomia,   capazes   de   participarem   da   vida   pública   de  forma  consciente  e  ativa.  Conhecedores  da  sua  história,  memória,  e  tradições,  mas  também  do   universo   simbólico   produzido   pela   humanidade   ao   longo   de   sua   história.   Capazes   de  pensar  e  refletir  sobre  o  seu  tempo  e  sonhar  com  o  futuro,  inventando  e  inovando  em  sua  formas  de  organização  para  o  trabalho,  nas  artes  e  na  sociedade.  Uma  política  cultural  que  não  tem  como  principais  destinatários  artistas  e  produtores,  mas  o  povo.  Não  para  entretê-­‐lo,   mas   para   criar   oportunidades   reais   de   enriquecimento   humano,   de   acesso   ao  conhecimento   produzido   pela   enorme   diversidade   cultural   e   ambiental   do   planeta,   do  reconhecimento   da   nossa   e   de   outras   identidades   culturais,   de   experiências   culturais   que  emocionem,  que  modifiquem  a  nossa  maneira  de  ver  e  estar  no  mundo.  E  que  nos  habilitem,  se   assim   desejarmos,   a   sermos   ativos   participantes   das   escolhas   sobre   nosso   presente   e  nosso  futuro.  

 

                                                                                                                         15 Sobre este tema ver as disciplinas de Ana Carla Fonseca Reis

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Em   seu   livro,   Cultura   e   Democracia,   a   filósofa   Marilena   Chauí   propõe   o   que   chama   de  “recorte  democrático  para  a  política  cultural”:  

 

“Se  o  Estado  não  é  produtor  de  cultura  nem  instrumento  para  seu  consumo,  que   relação   pode   ele   ter   com   ela?   Pode   concebê-­‐la   como   um   direito   do  cidadão  e,  assim,  assegurar  às  pessoas  o  direito  de  acesso  às  obras  culturais  produzidas,   particularmente   o   direito   de   fruí-­‐las,   de   criar   as   obras,   ou   seja,  produzi-­‐las,  e  o  de  participar  das  decisões  sobre  as  políticas  culturais”  (Chauí,  2009).  

 

Ainda  neste  texto,  a  filósofa  faz  um  alerta  e  uma  distinção:  

 

“Quanto  à  perspectiva  estatal  de  adoção  da   lógica  da   indústria  cultural  e  do  mercado  cultural,  podemos  recusá-­‐la,   tomando  agora  a  cultura  num  sentido  menos  abrangente,  isto  é,  como  um  campo  específico  da  criação  -­‐  criação  da  imaginação,   da   sensibilidade   e   da   inteligência   que   se   exprime   em   obras   de  arte   e   em  obras   do   pensamento   quando  buscam  ultrapassar   criticamente   o  estabelecido.  Ele  reduz  a  cultura  à  condição  de  entretenimento  e  passatempo,  avesso  ao  significado  criador  e  crítico.  Não  que  a  cultura  não  tenha  um  lado  lúdico  e  de  lazer  que  lhe  é  essencial  e  constitutivo,  mas  uma  coisa  é  perceber  o  lúdico  e  o  lazer  no  interior  da  cultura,  e  outra  é  instrumentalizá-­‐la  para  que  se   reduza   a   isto,   supérflua,   uma   sobremesa,   um   luxo   num   país   onde   os  direitos  básicos  não  estão  atendidos.  É  preciso  não  esquecer  que  na  lógica  de  mercado,  a  mercadoria  “cultura”,  torna-­‐se  algo  perfeitamente  mensurável.  A  medida   é   dada   pelo   número   de   espectadores   e   de   vendas,   isto   é,   o   valor  cultural  decorre  da  capacidade  para  agradar.  Essa  mensuração  tem  ainda  um  outro  sentido:  indica  que  a  cultura  é  tomada  no  seu  ponto  final,  no  momento  em   que   as   obras   são   expostas   como   espetáculo,   deixando   na   sombra   o  essencial,  o  processo  de  criação.”(Chauí,  2009)  

 

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Muito  pertinente  este  alerta.  Desde  a  invenção  do  projeto  cultural  como  forma  unívoca  de  dialogar   com   as   fontes   de   financiamento   que   os   mecanismos   de   gestão   se   tornaram  máquinas  de  propor  mensurações  -­‐  de  público,  de  exposição  da  marca  do  patrocinador,  de  mídia,  de  empregos  gerados  etc.  A  lógica  que  domina  a  política  cultural  é  a  de  produto  e  não  de  processo.  Talvez  por  isso,  sobretudo  por  isso,  pensar  macropolíticas  que  beneficiem  toda  a   população,   como   escolas  mais   potentes   e   que   desenvolvam   talentos,   ou   apoiar   artistas  sem  exigir  “contrapartidas”,  seja  ação  quase  inexistente  no  país.    

                         Quando   falamos   de   política   cultural   estamos   essencialmente   afirmando   as  possibilidades  de  garantir  que  as  nossas  singularidades  de  pensar,  produzir  e  se  manifestar  artisticamente,  intelectualmente,  economicamente  e  espiritualmente  sejam  relevantes  para  o   espaço   público   e   o   desenvolvimento   integral   de   nossa   sociedade.    O   espaço   político   da  cultura  é  o  espaço  do  reconhecimento  da  importância  dessas  expressões  do  ser  individual  e  coletivo  singular,  de  sua  memória,  de  suas  várias  formas  de  sonhar  e  se  manifestar.  

O   acesso   à   cultura   exige   um   ambiente   comunitário   e   político   favorável   à   inserção  cultural   do   indivíduo   e   grupos.   A   nossa   disposição   de   aprender   e   dialogar   com   universos  diversos   é   fruto   dos   estímulos   que   recebemos   do   ambiente   vivenciado   na   infância,   na  adolescência   e   na   fase   adulta.   Estímulos   e   incentivos   proporcionados   pela   riqueza   dos  encontros   culturais  proporcionados  ao   longo  da  vida,  da  nossa   facilidade  e   curiosidade  de  apreendê-­‐los  e  transformá-­‐los  em  dados  importantes  da  experiência  humana.  A  cultura,  tal  qual  ela  é  pensada  no   século  XXI,   é  a  experiência  que  marca  a  vida  humana  em  busca  do  conhecimento,   do   alto   aprimoramento,   do   sentido   de   pertencimento   e   da   capacidade   de  trocar  simbolicamente.    

 

“Um  acesso  desigual  aos  meios  de  expressão  cultural,  novos  ou  tradicionais,  implica  não  somente  uma  negação  do  reconhecimento  cultural,  mas  algo  que  afeta   seriamente   o   sentimento   de   pertencimento   de   indivíduos   e  comunidades  à  sociedade  do  conhecimento,  ou  a  sua  exclusão  dela.  A  cultura  possui  laços  múltiplos  e  complexos  com  o  conhecimento.  A  transformação  da  informação   em   conhecimento   é   um   ato   cultural,   como   é   o   uso   a   que   se  destina  todo  o  conhecimento.  Um  mundo  autenticamente  rico  em    

 

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conhecimento   há   de   ser   um   mundo   culturalmente   diverso”.   (MATSUURA,  200116)  

 

O   valor  que  damos  à   cultura,   a  nossa  ou  a  aprendida,   é   aquele  que  aprendemos  a  dar.  Assim,  a  experiência  cultural  ocorre  a  partir  do  diálogo  constante  entre  práticas  criativas  próprias  e  o  livre  acesso  aos  acervos  culturais  tradicionais  e  contemporâneos.  O  tamanho  da  fissura  no  Brasil  é  grande:  

“Os  números   são  eloquentes:   somos  hoje  186  milhões  de  brasileiros.  Isso   corresponde   a   20   vezes   a   população   de   Portugal,     5,5   vezes   a   da  Argentina  e  3  vezes  a  da  França  e  da  Alemanha.  A  educação  –  estudantes  e  professores   nos   níveis   fundamental,   médio,   superior   e   pós-­‐graduação   –  envolve  55  milhões  de  brasileiros.  Cotejar  esses  números  com  os  da  produção  cultural   nacional   é   deparar-­‐se   com   um   outro   país.   A   tiragem  média   de   um  romance  no  Brasil  é  de  3  mil  exemplares,  a  ocupação  média  dos  teatros  é  de  18%  dos  ingressos  oferecidos,  e  o  público  médio  do  filme  brasileiro  é  de  600  mil   espectadores.   Vê-­‐se   que   nem   mesmo   os   inscritos   na   escola   formal  participam  da  produção  artística.  Como  Educação  e  Cultura  são   inseparáveis  como  irmãs  siamesas,  o  país  vive  uma  fratura  esquizofrênica:  de  um  lado,  uma  educação   sem   cultura,   do   outro   uma   produção   cultural   sem   público”.  (ARAÚJO,  2005)17    

 

Uma   gestão   cultural   atenta   a   prover   a   educação   do   que   ela   parece   ter   perdido,   o  conhecimento  humanístico  e  a  autonomia  crítica,  é    a  âncora  desse  desenho.  Um  processo  educacional  e  educativo  enriquecedor,  que  amplie  a   visão  de  mundo  e  as  perspectivas  de  cada  um,  parte  de  dentro  e  de   fora  dos  muros  escolares.  Ganha  relevância  nos  conteúdos  gerados   pelos   veículos   de   comunicação,   na   internet,   nos   celulares   e   ipods.   Nos   bancos  escolares   e   nos   centros   de   cultura,   nos   teatros,   nas   ruas   e   praças   das   cidades   onde   os  encontros  se  tornam  possíveis  quando  promovidos  de  forma  criativa  e  sistemática.  Onde  se  abra  espaço  para  o  experimental,  para  o  comunitário,  para  o  estranho,  que  dialogando  com  o  tradicional,  o  clássico,  o  de  sempre,  produzam  novos  sentidos,  aprendizados.  

                                                                                                                         16 Informe Mundial de Cultura UNESCO, 2001. 17 Araújo, Alcione. Educação e Cultura ao mesmo tempo agora. Publicado no jornal Estado de Minas, 2005.

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Aí  nos  cabe  perguntar:  sem  políticas  universais  podemos  falar  em  desenvolvimento?  Como  a  cultura   pode   contribuir   para   o   desenvolvimento   nesta   segunda   década   do   século   XXI,  considerando  os  avanços  da  sociedade  brasileira  e  a  necessidade  das  cidades  e  das  políticas  de  se  reinventarem?  

Vamos  pensar?  Vamos  agir?