CULTURAS HISTÓRICAS E NARRATIVAS DIDÁTICAS: UMA COMPARAÇÃO DA COLEÇÃO DIDÁTICA DE SÉRGIO...
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REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN.
SISTEMA DE BIBLIOTECAS. BIBIBLIOTECA DE CINCIAS HUMANAS E EDUCAO
___________________________________________________________________________
REVISTA de Educao Histrica - REDUH / Laboratrio de Pesquisa de Educao Histrica
da UFPR; [Editorao: Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt; Coordenao
editorial: Lidiane Camila Lourenato, Lucas Pydd Nechi, Thiago Augusto Divardim de
Oliveira; Editorao Eletrnica: Cesar Souza], n.5(Mai./Ago. - 2014) . Curitiba: LAPEDUH,
2014. Peridico eletrnico: https://lapeduh.wordpress.com/revista/
Quadrimestral
ISSN: 2316-7556
1. Educao - Peridicos eletrnicos. 2. Histria - Estudo e ensino - Peridicos
eletrnicos. I. Universidade Federal do Paran. Laboratrio de Educao Histrica. II.
Schmidt, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. III.Gevaerd, Rosi Terezinha Ferrarini. IV.
Urban, Ana Claudia. V. Oliveira, Thiago Augusto Divardim de. Lourenato, Lidiane Camila.
Nechi, Lucas Pydd.
CDD
20.ed. 370.7
___________________________________________________________________________
Sirlei do Rocio Gdulla CRB-9/985
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REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014
Reitor: Zaki Akel Sobrinho
Vice-Reitor: Rogrio Mulinari
Setor de Educao
Diretora: Andra do Rocio Caldas Nunes
Vice-Diretor: Prof. Dr. Marcus Levy Bencostta
Coordenadora do Laboratrio de Educao Histrica UFPR Brasil: Maria Auxiliadora
Moreira dos Santos Schmidt
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REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014
Editora: Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Coeditoras: Ana Claudia Urban, Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd Conselho Editorial: Estevo Chaves de Rezende Martins UnB Geyso Dongley Germinari UNICENTRO Isabel Barca Universidade do Minho (Portugal) Julia Castro - Universidade do Minho (Portugal) Ktia Abud USP Luciano de Azambuja - IFSC Marcelo Fronza UFMT Maria Conceio Silva UFG Marilia Gago - Universidade do Minho (Portugal) Marlene Cainelli UEL Olga Magalhes Universidade de vora (Portugal) Rafael Saddi UFG Rita de Cssia Gonalves Pacheco dos Santos Universidade Tuiuti do Paran Conselho Consultivo: Alamir Muncio Compagnoni - SME - Araucria Andr Luis da Silva - SME - Araucria Andressa Garcia Pinheiro de Oliveira - SEED - PR Cludia Senra Caramez - LAPEDUH der Cristiano de Souza FAFIPAR - PR Henrique Rodolfo Theobald - SME - Araucria Joo Luis da Silva Bertolini - UFPR Leslie Luiza Pereira Gusmo - SEED - PR Lidiane Camila Lourenato - UFPR Lucas Pydd Nechi IFPR / UFPR Solange Maria do Nascimento - UFPR Thiago Augusto Divardim de Oliveira - IFPR / UFPR Tiago Costa Sanches - SME Araucria/ UFPR
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REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014
EDITORA: LAPEDUH Endereo: Reitoria da UFPR, Rua General Carneiro, 460 Edifcio D. Pedro
II 5 andar. CEP 80.060-150 Coordenadora: Prof Dr Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Email: [email protected], [email protected] Coordenao Editorial: Lidiane Camila Lourenato, Lucas Pydd Nechi,
Thiago Augusto Divardim de Oliveira Editorao Eletrnica: Thiago Augusto Divardim de Oliveira Reviso dos textos: a cargo de cada autor
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MISSO DA REVISTA
Ser uma Revista produzida por professores e destinada a professores de
Histria. Ter como referncia o dilogo respeitoso e compartilhado entre a
Universidade e a Escola Bsica. Colaborar na produo, distribuio e
consumo do conhecimento na rea da Educao Histrica, pautada na
construo de uma sociedade mais justa e igualitria.
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REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014
EDITORIAL
com satisfao que o Laboratrio de Pesquisa em Educao Histrica
(LAPEDUH) torna pblico o nmero seis da Revista de Educao Histrica
(REDUH) que tem como inteno divulgar as investigaes que assumem o ensino
e a aprendizagem da Histria na perspectiva da Educao Histrica.
O dossi de nmero seis tem como temtica Educao Histrica e
debates contemporneos e apresenta alguns dos trabalhos divulgados no XIV
Congresso Internacional das Jornadas de Educao Histrica (2014).
Os trabalhos apresentados tm como foco as questes do ensino-
aprendizagem em Histria, da formao de conscincia histrica, envolvendo
professores, crianas e jovens, em processos de escolarizao e em diferentes
situaes de aprendizagem.
Agradecemos aos pesquisadores que contriburam com este nmero da
REDUH e desejamos que os artigos possam ser inspiradores para novos estudos e
investigaes.
Boa leitura!
Coletivo de Editores da REDUH
Maria Auxiliadora M. S. Schmidt
Ana Claudia Urban
Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd
Lidiane Camila Lourenato
Lucas Pydd Nechi
Thiago Augusto Divardim de Oliveira
Curitiba, agosto de 2014.
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NORMAS DE ARTIGOS PARA A REDUH:
- As contribuies devero ser apresentadas em arquivo de Word observando as seguintes caractersticas: - Os artigos tero entre 8 (oito) e 10 (dez) mil palavras. - Com o texto original devero ser apresentados ttulo, autor, vinculao institucional, resumo, contendo entre 100 (cem) e 200 (duzentas) palavras, 5 (cinco) palavras-chave, e rea at 3 (trs)- na que se inscreve o trabalho. O ttulo dever estar em maisculas, negritas, com acentos e centrado; os subttulos em negrito, minsculas. O nome do autor em itlico e alinhado direita. - A titulao e filiao institucional devero ser colocadas em nota de rodap com asterisco. Caso a pesquisa tenha sido elaborada com apoio financeiro de uma instituio, dever ser mencionada em nota de rodap com asterisco no ttulo. - O texto dever ser digitado em pgina A4, espaamento 1,5 (um vrgula cinco), margens superior/esquerdo de 3 (trs) cm e inferior-direito de 2,0 (dois) cm, recuo de 1 (um) cm, letra Arial, corpo 12 (doze) e as notas de rodap na mesma letra, em corpo 10 (dez). As notas de rodap sero numeradas em caracteres arbicos. Os nmeros das notas de rodap inseridos no corpo do texto iro sempre sobrescritos em corpo 10 (dez), depois da pontuao. - Os autores sero responsveis pela correo do texto. - As citaes literais curtas, menos de 3 (trs) linhas sero integradas no pargrafo, colocadas entre aspas. As citaes de mais de trs linhas sero destacadas no texto em pargrafo especial, a 4 (quatro) cm da margem esquerda, sem recuo, sem aspas e em corpo 10 (dez), com entrelinhamento simples. Depois deste tipo de citao ser deixada uma linha em branco. - A indicao de fontes no corpo do texto dever seguir o seguinte padro: Na sentena Autoria (data, pgina) s data e pgina dentro do parntesis. Final da sentena (AUTORIA, data, pgina) todos dentro do parntesis. - A bibliografia deve vir com esse subttulo no fim do texto em ordem alfabtica de sobrenome, observando as normas da ABNT/UFPR. SOBRENOME, Nome. Ttulo do livro em negrito: subttulo. Traduo. Edio. Cidade: Editora, ano. SOBRENOME, Nome. Ttulo do captulo ou parte do livro. In: Ttulo do livro em negrito. Traduo. Edio. Cidade: Editora, ano, p. x-y. SOBRENOME, Nome; SOBRENOME, Nome. Ttulo do artigo. Ttulo do peridico em negrito, Cidade, vol., n., p. x-y, ano. SOBRENOME, Nome. Ttulo da tese em negrito: subttulo. Xxx f. Tipo do trabalho: Dissertao ou Tese (Mestrado ou Doutorado, com indicao da rea do trabalho) - vinculao acadmica, Universidade, local, ano de apresentao ou defesa. Para outras produes: SOBRENOME, Nome. Denominao ou ttulo: subttulo. Indicaes de responsabilidade. Data. Informaes sobre a descrio do meio ou suporte (para suporte em mdia digital). Para documentos on-line ou nas duas verses, so essenciais as informaes sobre o endereo eletrnico, apresentado entre sinais < >, precedido da expresso disponvel em, e a data de acesso ao documento, antecedida da expresso acesso em. Ilustraes, figuras ou tabelas devero ser enviadas em formato digital com o mximo de definio possvel.
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SUMRIO
APRESENTAO.................................................................................................................................10
EDUCAO HISTRICA: CULTURA ESCOLAR E PATRIMNIO CONTRIBUTOS DA EDUCAO PATRIMONIAL PARA A APRENDIZAGEM Helena Pinto..........................................................................................................................................14 MANUAL ESCOLAR E PRTICA DE COMPETNCIAS: CONCEPES DE ALUNOS PORTUGUESES DO ENSINO SECUNDRIO Isabel Afonso.........................................................................................................................................35 HISTRIA DE UMA ESCOLHA, ESCOLHA DE UMA HISTRIA: ESTUDO EXPLORATRIO SOBRE ELEMENTOS DO NOVO HUMANISMO E A FORMAO DA IDENTIDADE HISTRICA Lucas Pydd Nechi & Maria Auxiliadora M. S. Schmidt..........................................................................58 FORMAO DOS PROFESSORES DE HISTRIA: EDUCAO HISTRICA, PESQUISA E PRODUO DE CONHECIMENTO Adriane de Quadros Sobanski & Maria Auxiliadora M. S. Schmidt.......................................................76 CULTURA HISTRICA E INTERCULTURALIDADE: A PRESENA DO ISL EM MANUAIS DIDTICOS IBERO AMERICANOS Joo Luis da Silva Bertolini & Maria Auxiliadora M. S. Schmidt............................................................86 A APRENDIZAGEM HISTRICA E OS JOVENS NOS DOCUMENTOS ORIENTADORES DO PROGRAMA ENSINO MDIO INOVADOR Lidiane Camila Lourenato & Maria Auxiliadora M. S. Schmidt..........................................................108 EDUCAO HISTRICA E LITERATURA: APROXIMAES JRN RSEN E ANTONIO CANDIDO Solange Maria do Nascimento.............................................................................................................123 CULTURAS HISTRICAS E NARRATIVAS DIDTICAS: UMA COMPARAO DA COLEO DIDTICA DE SRGIO BUARQUE DE HOLANDA COM RAZES DO BRASIL Alesson R. Rota...................................................................................................................................141 NOVOS HORIZONTES A PARTIR DA HISTRIA Maria Aparecida Nunes Azzolin, Cleo Roberto Matick Malheiros & Maria Medianeira Padoin...........153 NARRATIVA E ENSINO DE HISTRIA: UMA PROPOSTA DE JONATHAS SERRANO Michele Borges Martins.......................................................................................................................161 A LITERATURA E A CONSTITUIO DA CONSCINCIA HISTRICA Sabrina Meirelles Macedo...................................................................................................................173 RESENHA SCHMIDT, Maria. Auxiliadora.; ABUD, Ktia. 50 ANOS DA DITADURA MILITAR: CAPTULOS SOBRE O ENSINO DE HISTRIA NO BRASIL. Curitiba: W&A editores, 2014. 216 pginas. Joo Luis da Silva Bertolini..................................................................................................................186
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APRESENTAO
A Revista de Educao Histrica - REDUH apresenta em seu dossi artigos
sob o tema DEBATES CONTEMPORNEOS composto por trabalhos apresentados
no XIV CONGRESSO INTERNACIONAL DAS JORNADAS DE EDUCAO
HISTRICA que realizou-se entre os dias 13 e 16 de agosto de 2014, na Faculdade
de Histria Universidade Federal de Gois, em Goinia, Gois.
As pesquisas aqui apresentadas, desenvolvidas no mbito da Educao
Histrica, tm como eixo central as questes do ensino-aprendizagem em histria,
da formao de conscincia histrica, envolvendo professores, crianas e jovens,
em processos de escolarizao e em diferentes situaes de aprendizagem. Pois
como aponta Barca (2005, p.15), o ensino de Histria constitui-se hoje como um
frtil campo de investigao, sendo objeto de pesquisa sob diversos ngulos que
integram quer perspectivas diacrnicas quer a anlise de problemticas atuais do
ensino especfico.
Nesse dossi contamos com a contribuio de investigaes desenvolvidas
em Portugal e vinculadas Universidade do Minho. A professora e pesquisadora
Helena Pinto em seu trabalho Educao histrica: cultura escolar e patrimnio
contributos da educao patrimonial para a aprendizagem salienta a importncia das
atividades educativas com propostas de tarefas que incluem o uso de fontes
patrimoniais objetos de museus e edifcios individuais ou integrados em stios
histricos que desafiem as preconcees dos alunos, fomentando a interpretao
dos vestgios patrimoniais existentes no meio envolvente e a discusso sobre as
aes humanas no passado e sua relao com o presente.
A pesquisadora Isabel Afonso com o tema Manual escolar e prtica de
competncias: concepes de alunos portugueses do ensino secundrio apresenta
um estudo emprico, cuja problemtica o papel do manual de Histria no
desenvolvimento de competncias histricas, na perspectiva de professores e
alunos do ensino secundrio. Procura contribuir para a compreenso do quadro
conceitual do uso do manual pelos seus utilizadores, mais especificamente, o
trabalho com fontes.
Os demais artigos do dossi so contribuies de investigaes
desenvolvidas por pesquisadores brasileiros vinculados ao Laboratrio de Pesquisa
de Educao Histrica - LAPEDUH - da Universidade Federal do Paran (UFPR).
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Entre eles, est o trabalho de Lucas Pydd Nechi Histria de uma escolha, escolha
de uma histria: estudo exploratrio sobre elementos do novo humanismo e a
formao da identidade histrica em que o autor apresenta resultados do estudo
exploratrio realizado como parte integrante das investigaes da tese de
doutorado, ainda em desenvolvimento, que possui como objeto de estudo a proposta
do novo humanismo de Jrn Rsen. Procura investigar como a perspectiva de
aprendizagem histrica do novo humanismo se relaciona com a formao da
identidade histrica de jovens alunos a partir do estudo de suas narrativas sobre
uma escolha em suas vidas prticas suas trajetrias de vida aps a concluso da
educao bsica.
A pesquisa de Adriane de Quadros Sobanski sob o ttulo Formao dos
professores de histria: educao histrica, pesquisa e produo de conhecimento
apresenta as primeiras observaes acerca dos trabalhos desenvolvidos por
professores da Educao Bsica de Escolas Pblicas, estaduais e municipais, da
cidade de Curitiba, Paran. Participando, orientando e observando um grupo de
cerca de 30 professores de Histria que participou, ao longo de 2013, do curso O
trabalho com fontes histricas e a literacia histrica: questes tericas e prticas,
ministrado pela professora Maria Auxiliadora Schmidt da UFPR, iniciou as
investigaes relativas ao trabalho desenvolvido por esses professores com base no
contato com a teoria da Educao Histrica e a sua prtica da sala de aula.
Joo Luis da Silva Bertolini em seu artigo, Cultura histrica e interculturalidade:
a presena do Isl em manuais didticos Ibero Americanos comenta que na
investigao realizada no mestrado uma de suas preocupaes foi descobrir como o
contedo substantivo Isl entrou nos manuais didticos do Brasil. Na pesquisa de
doutorado, ora em desenvolvimento, o foco ser expandir as investigaes aos
manuais do mundo ibero-americano e aos contextos de suas produes, buscando
assim demonstrar possveis aproximaes entre as narrativas sobre o Isl
encontradas nos respectivos manuais.
Lidiane Camila Lourenato doutoranda do Programa de Ps-Graduao em
Educao da UFPR apresenta no artigo A aprendizagem histrica e os jovens nos
documentos orientadores do programa ensino mdio inovador algumas
consideraes sobre a implementao do referido programa e, se este possibilita, de
fato, o desenvolvimento da aprendizagem histrica de forma mais significativa para a
vida dos jovens. At o momento, percebe que a importncia dada nos documentos
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em considerar os jovens, seus anseios e necessidades auxilia na identificao dos
jovens com a escola, possibilitando que sua permanncia neste espao se torne
mais significativa.
O artigo Educao histrica e literatura: aproximaes Jrn Rsen e Antonio
Candido de autoria de Solange Maria do Nascimento o resultado de pesquisa de
mestrado em que a autora buscou compreender como narrativas literrias presentes
em manuais didticos de Histria esto sendo trabalhadas pelos autores.
Neste volume tambm so apresentados artigos de demanda contnua. Entre
eles encontra-se o de Alesson R. Rota, Culturas histricas e narrativas didticas:
uma comparao da Coleo didtica de Srgio Buarque de Holanda com Razes do
Brasil, no qual o pesquisador procura esboar um paralelo entre a Historiografia
Acadmica e a Historiografia escolar, tendo em vista que a obra Razes do Brasil
ganhou bastante demanda nas universidades e os livros didticos se dedicavam ao
ensino regular.
O artigo Novos horizontes a partir da histria de autoria de Maria Aparecida
Nunes Azzolin e Cleo Roberto Matick Malheiros, tem por objetivo apresentar o
Projeto Novos Horizontes a partir da Histria, que vem sendo desenvolvido na
disciplina de Histria com os alunos do noturno do Colgio Estadual Cristvo
Pereira, em Santiago/RS. O projeto analisa de forma qualitativa, como a disciplina
de Histria pode auxiliar os alunos a terem melhores expectativas em relao ao
futuro. A pesquisa foi realizada a partir de questionrios semiestruturados e
entrevistas com alunos do primeiro e segundo ano do Ensino Mdio Politcnico
Noturno, bem como de reviso de bibliografias.
Michele Borges Martins em seu artigo Narrativa e Ensino de Histria: uma
proposta de Jonathas Serrano utilizando o conceito de cdigo disciplinar da Histria,
de Raimundo Cuesta Fernandez, analisa a proposta metodolgica de Jonathas
Serrano, na medida em que o autor entende a narrativa como forma de racionalizar
e compreender os processos histricos.
O artigo de Sabrina Meirelles Macedo, A literatura e a constituio da
conscincia histrica, apresenta uma anlise de como a obra literria pode contribuir
para a compreenso dos esteretipos de gnero. O conceito de gnero
compreendido pela autora como construes culturais de modelos que visam nortear
os comportamentos de mulheres e homens ao longo de sua trajetria, e que variam
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de acordo com o contexto histrico nos quais so produzidos bem como nos
diversos grupos sociais pertencentes a esse contexto.
Finalizando este volume da Revista de Educao Histrica Joo Luis da Silva
Bertolini apresenta a resenha do livro 50 anos da Ditadura Militar: Captulos sobre o
ensino de Histria no Brasil. Obra organizada pelas Professoras Doutoras Maria
Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt e Ktia Maria Abud possui seis captulos
que tratam do tema Ensino na poca da Ditadura, alm de quatro anexos que tratam
dos Estudos Sociais.
Curitiba, agosto de 2014.
Profa. Dra. Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd
Professora de Histria da Rede Municipal de Ensino de Curitiba.
Professora da Faculdade So Braz/Curso de Pedagogia
Atua na Secretaria Municipal da Educao de Curitiba/Coordenao de Histria
Pesquisadora do LAPEDUH
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EDUCAO HISTRICA: CULTURA ESCOLAR E PATRIMNIO
CONTRIBUTOS DA EDUCAO PATRIMONIAL PARA A APRENDIZAGEM
Helena Pinto1
RESUMO
Na reflexo aqui apresentada pretende-se salientar a importncia das atividades educativas com propostas de tarefas que incluam o uso de fontes patrimoniais objetos de museus e edifcios individuais ou integrados em stios histricos e desafiem as preconcees dos alunos, fomentando a interpretao dos vestgios patrimoniais existentes no meio envolvente e a discusso sobre as aes humanas no passado e sua relao com o presente. Considera-se, por isso, que a progresso na compreenso histrica implica uma aprendizagem significativa e contextualizada. Atravs de um estudo descritivo, de natureza essencialmente qualitativa (BARCA, 2000; PINTO, 2011) analisou-se a possibilidade de se desenvolver a educao patrimonial no mbito do currculo de Histria no 3 ciclo do ensino bsico e no ensino secundrio, pelo recurso a fontes patrimoniais e a sua utilizao como evidncia histrica, atendendo sua relao com a construo de significado acerca do passado. A anlise dos dados contribuiu para solidificar a construo de um modelo conceptual sobre a progresso de inferncias histricas de alunos relativamente ao uso da evidncia a partir de fontes patrimoniais e dos sentidos atribudos a essas fontes em termos de orientao temporal.
Palavras-chave: Educao Patrimonial; Educao Histrica; Aprendizagem
significativa e contextualizada
INTRODUO
Hoje, mais do que nunca, a escola no pode ignorar que o meio familiar, a
comunidade local e os diversos meios de comunicao marcam de forma indelvel o
conhecimento histrico dos jovens. Por isso o professor dever partir da deteo de
ideias prvias, que se manifestam ao nvel do senso comum e de forma muitas
vezes fragmentada e desorganizada, podendo, depois, contribuir para a sua
modificao e maior elaborao (BARCA, 2000).
Embora a maioria das situaes de ensino tenham lugar na sala de aula,
algumas, talvez at mais produtivas em termos da aprendizagem dos alunos,
1 Doutora em Cincias da Educao, especialidade de Educao em Histria e Cincias Sociais, pela
Universidade do Minho. MEC / UMinho, Portugal.
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realizam-se no exterior, em stios histricos, museus e, mesmo, no meio envolvente
da escola. Reconhecer este potencial tambm desafiador para a investigao em
Educao Histrica, pois implica que se desenvolvam estudos que atendam forma
como os alunos aprendem em diferentes contextos e ao tipo de abordagem mais
adequada para desenvolver, por exemplo, a leitura de vestgios arqueolgicos,
edifcios ou objetos de museus, ou narrativas de histria oral, sem perder de vista a
sua insero num processo. Nesta perspetiva, a utilizao, como evidncia histrica,
de fontes patrimoniais ligadas histria local poder tambm possibilitar a utilizao
de metodologias para uma aprendizagem significativa e ultrapassar a ideia de
fragmentao dos espaos e temas estudados, dissociando o local do pas ou do
mundo.
Defende-se, geralmente, aquilo que se conhece ou se valoriza, mas estes
aspetos nem sempre esto ligados. Esse conhecimento pode no ser
experienciado pelos habitantes e a sua ligao natural ao lugar advir do facto de
estarem prximos no espao, como salienta Halbwachs (1990), pelo que a
valorizao pode resultar do carcter simblico atribudo pela comunidade a um
patrimnio cuja conservao garantia de continuidade (LYNCH, 1998). No entanto,
e como adverte Lowenthal (1999), no podemos evitar refazer o passado, pois s
alterando o que se preserva se poder manter vivo e compreensvel o patrimnio.
Reconhecendo esta dialtica, a anlise que aqui propomos incide em duas
dimenses principais: (1) ao nvel da Educao Patrimonial, baseia-se no contacto
direto com fontes patrimoniais, na defesa de sentidos de responsabilidade em
relao ao patrimnio histrico e na reflexo crtica e construtiva face s memrias
das comunidades com vista compreenso temporal; (2) ao nvel da Educao
Histrica, assenta na problematizao sistemtica dos usos da Histria e do
Patrimnio, e na elaborao de propostas de desenvolvimento do pensamento
histrico de jovens e de abordagens metodolgicas dos educadores.
O papel do patrimnio na educao
As mudanas que se tm verificado nas ltimas dcadas, tambm ao nvel da
educao nos museus, traduzem as transformaes que se verificaram na prpria
natureza da educao, quer no que respeita ao significado do termo, quer no que se
espera das instituies. A aprendizagem vista como uma participao ativa do
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aprendiz, conceo que elevou a experincia (distinta da informao) a um nvel
superior no intento de educar (HEIN, 1998). Os saberes gerados na rea da
educao tm fornecido referncias para contextualizar a sua ao educativa in situ,
pondo em prtica ideias da Psicologia Cognitiva. J precursores da interpretao do
patrimnio, como Tilden (1957), afirmaram a importncia de se relacionar os objetos
histricos a apresentar, com a experincia dos visitantes. Estas ideias foram
reformuladas por Hammitt (1981) que, numa linha construtivista, argumentou que os
modelos mentais que possumos so o resultado de experincias passadas nos
mais diversos contextos intelectuais e vivenciais, e medida que se multiplicam os
contactos com determinado contexto as unidades de informao aumentam, criando
um mapa cognitivo. So esses modelos mentais que determinam a perceo
patrimonial ao nvel do processamento de informao e da classificao de imagens
visuais ou conceptuais. Mais recentemente, Beck e Cable (2002) insistiram na
importncia da anlise das preconcees dos sujeitos, considerando-a um dos
princpios bsicos da interpretao.
A compreenso da aprendizagem como uma srie de processos complexos e
ao longo da vida, d nfase experincia dos aprendentes, assim como ao que
aprendem e como aprendem, considerando que a atribuio/construo de
significado permite a apropriao do conhecimento. Hooper-Greenhill (2007) revela
que no Reino Unido se tem verificado uma substituio da expresso educao no
museu pela expresso aprendizagem no museu, e que esta substituio
semntica representa uma mudana filosfica na forma como est a ser
compreendida a funo educativa dos museus (p.4). Indica um maior enfoque nos
processos de aprendizagem, na interao com os objetos, ajudando a analisar, a
comparar e a interpretar, a interrogar e a descobrir de forma direta.
No caso especfico dos museus, h uma clara funo educativa, entendendo-
se a educao num sentido amplo. Como refere Prez Santos (2000, p. 51), o
museu enquadra-se no que se designa por educao no formal: atividades e
programas organizados fora do sistema escolar, mas dirigidos com o fim de atingir
objetivos educativos definidos, contrapondo-se educao formal, equivalente ao
ensino oficial regulamentado e sistemtico. No entanto, na relao que o museu
estabelece com os seus pblicos, a escola tem um papel relevante: entre a
comunidade escolar que a maioria dos museus retm a parte mais significativa da
sua atividade cultural e educativa, relacionada com exposies permanentes e
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temporrias centradas no seu acervo por exemplo, as visitas guiadas, os atelis, e
mesmo a produo de recursos (publicaes e formao) ou inserida nos stios de
interesse histrico onde se localizam.
Os museus podem oferecer um ambiente educativo privilegiado para diversas
reas do conhecimento, nomeadamente a Histria, estimulando o pensamento
histrico dos alunos, uma vez que se rodeiam de fontes materiais enquanto
evidncia da vida de uma comunidade humana no passado (NAKOU, 2003). Ainda
assim, conveniente que os jovens tenham algum conhecimento de mtodos de
investigao sobre aprendizagem com objetos em contexto.
Emmison e Smith (2000) sugerem que a descodificao e a leitura dos
objetos podem oferecer possibilidades ainda mais ricas do que no caso de imagens
bidimensionais (p. 110), no devendo, qualquer deles ser usado de forma
meramente ilustrativa. Defendem que os objetos e edifcios, tal como as imagens,
carregam significados visuais, sendo tambm smbolos que usamos para definir
identidades. Do mesmo modo, Lynch (2008) argumenta que os atributos fsicos dos
espaos pblicos proporcionam sinais e evidncias visuais e espaciais que
estruturam a sua identidade e articulam-se com aspetos culturais e histricos mais
latos. Nesse sentido, Ramos (2004a) prope uma pedagogia pedestre, perceo do
andarilho que tem generosidade para perceber o tanto de tempo que h no espao,
pois se apagarmos a materialidade do passado que est, por exemplo, na prpria
configurao urbana, vamos esvaziando o jogo do tempo, aniquilando o processo
educativo de entrar em contacto com o tanto de experincia vivida que pode ser
encontrado no mundo dos objetos (p. 81).
Proporcionar aos jovens a experincia nica do contacto direto, vivencial, com
diferentes tipologias de patrimnio e inici-los na leitura dos bens patrimoniais, a
nveis cada vez mais sofisticados, so prticas educativas com enormes
potencialidades. Como salienta Ramos (2004b) se aprendemos a ler palavras,
preciso exercitar a leitura da histria que h nos objetos. Lembra ainda que no
quotidiano usamos uma infinidade de objetos, mas raramente pensamos sobre eles,
o que limita tambm a reflexo sobre os objetos dos museus. Por isso, defende a
realizao de atividades relacionadas com a historicidade dos objetos na sala de
aula, com materiais do quotidiano.
As visitas a stios histricos e museus sero mais proveitosas se os alunos j
tiverem aprendido tcnicas de anlise de objetos na aula. Durbin, Morris e Wilkinson
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(1996), consideram que saber como interpretar objetos cria ligaes positivas entre
os alunos e outras sociedades do passado e do presente; os objetos proporcionam
uma experincia concreta que elucida o pensamento abstrato, ajuda a
memorizao, pois as sensaes fsicas e emoes so retidas durante mais tempo
do que as ideias obtidas pelas palavras (p. 4). Chamam, tambm, a ateno para a
necessidade de se orientar os alunos no sentido de observarem os sinais que
mostram o uso original e a funo atual dos objetos, e de reconhecerem que um
objeto pode no ser valorizado numa sociedade mas t-lo sido noutras sociedades,
ou ter um significado social, religioso ou poltico e no ter o mesmo valor para
diferentes indivduos; enfim, analisar o que ele revela acerca das pessoas que o
fizeram, usaram e preservaram.
O uso de fontes patrimoniais no ensino e aprendizagem de histria
Segundo o estudo europeu Youth and History (Angvik e Borries, 1997), os
legados histricos so as fontes da Histria que os jovens europeus consideram
mais fidedignas, isto : museus e lugares histricos e documentao/fontes
histricas, embora mostrem mais agrado pelos primeiros do que por legados
escritos. Contudo, uma das aprendizagens mais recorrentes nas suas aulas de
Histria centra-se na dimenso factual procuramos conhecer os principais factos
da Histria, como salienta Pais (1999, p. 54).
Os currculos tradicionais concentravam-se excessivamente na apresentao
da herana nacional aos alunos e tratavam a Histria como um corpo de informao
recebida para ser aceite e memorizada; as fontes primrias eram apenas usadas
ocasionalmente para estimular a curiosidade, o interesse, ou para ilustrar casos
particulares. Contudo, ainda se verifica, quer nos programas quer na prtica de sala
de aula, um enfoque em fontes escritas e, por vezes, iconogrficas. A utilizao de
fontes patrimoniais no ensino e em contexto no to frequente como seria
desejvel. Para que isso se faa de forma consistente, necessrio promover uma
educao patrimonial a um nvel fundamentado: proporcionar recursos e atividades
desafiadoras, usar fontes patrimoniais de forma a contribuir para o desenvolvimento
da compreenso dos conceitos histricos pelos alunos (PINTO, 2011, 2012, 2013) e
a interpretao dos contributos culturais, sociais e econmicos de diversos grupos
nas suas comunidades.
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Se o patrimnio uma realidade multifacetada, so tambm multplices os
olhares ou abordagens que a ele se podem dirigir. Mattozzi (2001) equipara a
interpretao divulgao do patrimnio, diferenciando esta ltima da didtica do
patrimnio, cuja interveno dever seguir com especial ateno os contributos do
campo da divulgao e, sobretudo, os da interpretao e da museologia interativa.
Na mesma linha, Prats (2003) insere a abordagem da didtica patrimonial na
Didtica das Cincias Sociais, salientando, entre outras atividades, a elaborao e
avaliao de propostas didticas (mtodos e materiais) para a utilizao formativa
dos espaos patrimoniais por diversos grupos de possveis utilizadores. Por sua vez,
as tcnicas e procedimentos utilizados pela educao patrimonial, que se podem
adequar quer ao contexto formal quer ao mbito no formal de educao, poderiam
ser regulados por um conjunto de critrios especficos com uma dimenso
multidisciplinar (Fontal, 2003), relacionando as didticas das cincias sociais e a
educao artstica e em museus. Segundo Estepa e Cuenca (2006), devemos
estabelecer critrios bsicos relativos insero do patrimnio no currculo dentro
das grandes metas estabelecidas para a educao sistematizada, a formao da
cidadania em geral e para as didticas das cincias sociais e experimentais, em
particular , partindo de para qu educamos em patrimnio, que formao
patrimonial devemos promover e como a desenvolvemos e a avaliamos (2006, p.
53). O conhecimento desse legado estimula a conscincia crtica em relao s
nossas crenas e identidades, assim como a outras culturas, nomeadamente pela
partilha de valores com outras sociedades. Por isso, a seleo dos contedos a
ensinar deve partir de uma profunda anlise crtica, nomeadamente do ponto de
vista epistemolgico de cada uma das disciplinas. No que respeita metodologia,
estes autores consideram a investigao escolar como o enfoque mais adequado
para propiciar aprendizagens significativas, onde a explorao e a investigao do
meio, partindo de problemas prximos dos interesses dos alunos, analisando
diversas fontes e chegando a concluses sobre os problemas colocados
inicialmente, constitui o eixo fundamental da sequncia de atividades da aula.
Perante a impossibilidade, pelo menos no contexto atual, da integrao da
educao patrimonial como corpo disciplinar autnomo no currculo, e dada a
transversalidade que a caracteriza a educao patrimonial e que resulta da
heterogeneidade inerente ao patrimnio desde o material ao intangvel, do cultural
ao natural, do imvel ao mvel parece de toda a pertinncia a abordagem de
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fontes patrimoniais na disciplina de Histria e a investigao dessas atividades de
educao patrimonial no mbito da Educao Histrica.
Se verdade que os extensos programas da disciplina de Histria no
disponibilizam muito tempo para o detalhe, para a discusso e a argumentao
refletida, tambm possvel, atravs da seleo de assuntos que podero ser
tratados no mbito da histria local, introduzir de forma interessante e adequada ao
currculo a abordagem da educao patrimonial no mbito da disciplina de Histria,
recorrendo, por exemplo, a um museu local especializado ou mais generalista, ou a
stios histricos prximos da escola. possvel ensinar e aprender a partir do local
para captar o quadro nacional, analisando fontes locais como microcosmos. Ao
mesmo tempo, a histria local proporciona oportunidades de explorao de questes
sobre identidade e o processo de pesquisa histrica.
A educao patrimonial pode ser desenvolvida com grupos de diferentes
idades. No entanto, poucas escolas a incluem no seu projeto educativo e muitos
professores nunca contactaram com metodologias especficas neste domnio. Por
outro lado, os resultados de alguns estudos de investigao tm vindo a mostrar a
importncia da educao patrimonial nas experincias de aprendizagem dos alunos
e a necessidade de uma maior reflexo sobre a sua introduo no currculo. Vrias
pesquisas no mbito da educao em museus e na linha da Educao Histrica tm
afirmado a possibilidade de desenvolvimento da noo de temporalidade histrica
nos alunos por meio da ao mediadora dos objetos da cultura material, dotados de
significado histrico (NAKOU, 2003; COOPER, 2004; LEVSTIK, HENDERSON,
SCHLARB, 2005; CAINELLI, 2006; SCHMIDT e GARCIA, 2007; PINTO, 2011), e do
professor. Assim, a realizao de atividades relacionadas com o patrimnio histrico-
cultural de uma comunidade pode favorecer a aprendizagem de conceitos histricos,
o que envolve, no s a compreenso de situaes do passado apresentadas por
especialistas, mas tambm a experimentao de procedimentos metodolgicos que
permitam aos alunos a interpretao de diferentes fontes histricas (ASHBY, 2003;
ASHBY, LEE, SHEMILT, 2005), auxiliando a compreenso da evidncia histrica.
No entanto, e como salientaram Dickinson, Gard e Lee (1978), demasiado
simplista a assero de que a natureza concreta dos materiais histricos ajuda as
crianas a descobrirem acerca do passado. O contacto direto com artefactos e
edifcios do passado uma oportunidade para aprofundar conhecimentos sobre
pessoas, lugares e acontecimentos, mas deve permitir algo mais do que isto. Os
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alunos devem construir a sua interpretao sobre essas fontes histricas,
relacionando-as com a sua aprendizagem no momento e os conhecimentos
adquiridos ao longo do tempo, mas tambm desejvel que eles formulem questes
investigativas e hipteses explicativas acerca do passado de um objeto, edifcio ou
stio. Para tal, o trabalho com objetos na sala de aula, nos museus ou outros locais,
no se pode confinar a uma sesso, deve ser um processo contnuo. Os alunos
precisam de tempo para aprenderem a ler objetos, tal como o necessitam para ler
textos, e de conhecer os princpios bsicos da sua anlise. Desta forma, os alunos
no s desenvolvem competncias para interpretarem um stio, edifcio ou objeto,
mas tambm as podem aplicar a outros objetos ou locais de interesse histrico.
Andreetti (1993) salienta que os objetos tm, geralmente, uma funo prtica e uma
funo social, e as observaes dos alunos podem ser orientadas no sentido de se
organizarem de forma lgica, atendendo tecnologia do objeto (por exemplo, os
materiais usados), s condies (circunstncias em que foi preservado), ao estilo,
rea de produo (inscries que possam revelar informao sobre artfices).
Destaca, ainda, a realizao de atividades com fontes arqueolgicas, sem facultar
informaes prvias aos alunos, mas colocando questes que os levem a interpretar
e a apresentar as suas explicaes, gerando o debate.
Nem todas as crianas vivem rodeadas de vestgios do passado que faam
sentido no seu presente. Por isso, observar objetos ou um stio histrico pode
constituir uma experincia educativa privilegiada para estimular o pensamento
histrico dos alunos atravs da interpretao de fontes relacionadas com diversos
aspetos da vida de uma comunidade humana no passado. Se, por um lado, a base
do conhecimento resulta sobretudo do facto de se observar os objetos em contexto,
descobrindo as suas caractersticas, por outro lado, as respostas dos alunos so
mais difceis de prever fora do ambiente da sala de aula.
Neste mbito, fundamental a realizao de estudos sistemticos sobre
experincias educativas com alunos, pois a progresso no pensamento histrico
implica tambm o reconhecimento da evidncia histrica como meio para
compreender conceitos histricos e, acima de tudo, envolve aprendizagens
significativas, em contexto. A este nvel, o Projeto Recriando Histrias da UFPR,
coordenado por Schmidt e Garcia (2006), constituiu um bom exemplo de como
possvel desenvolver processos de ensino e aprendizagem da Histria em que os
alunos trabalham sobre objetos recolhidos na sua comunidade, de forma a
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construrem conhecimento histrico, que por sua vez permite orientar a sua ao em
novas situaes.
As observaes dos alunos acerca de objetos mais ou menos familiares podem
ser mais ou menos vlidas, mas importante que compreendam que, ao longo do
tempo, os objetos podem ter mudado de funo pela perceo das caractersticas
e das transformaes nos objetos (tecnologia), do estado de conservao e
circunstncias em que foi preservado, ou do estilo que permite, muitas vezes, a
datao do prprio objeto. E, como refere Cainelli (2006), mesmo que, inicialmente,
a noo de mudana temporal esteja ligada ao conceito de progresso linear,
necessrio desenvolver a ideia de simultaneidade, ensinar a pensar historicamente
a partir do entendimento da criana dos mltiplos tempos e espaos que formam o
tempo e o lugar em que ele est vivendo (p. 70).
Se os jovens necessitam de um ponto de referncia na sua prpria experincia
e no qual baseiem as novas aprendizagens, tambm podem, segundo Cooper
(2004), envolver-se ativamente em processos de pesquisa histrica, interpretando
fontes com diferentes graus de abstrao, fazendo suposies vlidas e dando
sugestes acerca do modo como as coisas foram feitas ou utilizadas e o que
significavam para as pessoas que fizeram e/ou usaram esses objetos. Levar os
alunos a colocarem questes, depois de lhes fornecer algumas informaes chave,
permite constatar que muitas delas se aproximam das questes dos investigadores,
possibilitando o contacto com a natureza da pesquisa histrica. Chapman (2006)
sugere a realizao de tarefas relacionadas com descobertas arqueolgicas nas
quais os jovens sejam levados a selecionar informao, a apontar concluses
baseadas nos factos, a identificar as conjeturas realizadas e a discuti-las em grupo.
Desta forma pode-se ajudar os alunos a reconhecer que h inferncias que
dependem de conjeturas mas no so suportadas pela evidncia, enquanto outras
inferncias se baseiam em suposies vlidas. Os alunos acostumados a pensar em
termos hipotticos podem conseguir melhor desempenho quando confrontados com
argumentos e interpretaes histricos.
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Um estudo no mbito da educao histrica e patrimonial
No mbito de uma investigao de doutoramento em Educao em Histria e
Cincias Sociais, na Universidade do Minho (PINTO, 2011)2 pretendeu-se
aprofundar, numa abordagem sistemtica e essencialmente qualitativa (STRAUSS e
CORBIN, 1998), a compreenso dos sentidos atribudos por alunos e professores a
fontes patrimoniais, em articulao com conceitos ligados conscincia histrica
(RSEN, 2001) como os de identidade e patrimnio. Foi, por isso, num contexto
multidimensional que se definiu o problema inicial do estudo: De que forma alunos e
professores de Histria interpretam a evidncia de um stio histrico?
O estudo emprico decorreu no centro histrico de Guimares (norte de
Portugal), classificado pela UNESCO como Patrimnio Cultural da Humanidade em
2001, tendo em ateno que pretender simbolizar uma cultura que se universaliza a
partir de fragmentos patrimoniais especficos pode descurar modos de vida e
expresses culturais locais cuja historicidade, interpretada de forma apropriada,
pode ser um contributo para a compreenso do passado percecionado atravs dos
vestgios e do presente vivido. Assim, alguns objetos ou edifcios situados em locais
mais conhecidos como a praa da Sra. da Oliveira, ou mais ignotos como a rua de
Couros foram integrados num percurso tendo em vista a explorao educativa de
fontes patrimoniais por alunos (40 de 7. ano e 47 de 10. ano, no estudo principal)
de 5 escolas da cidade de Guimares.
O percurso atendeu a uma lgica curricular, sendo os espaos, edifcios e
objetos observados e interpretados na sua relao com o contexto histrico
estudado, nomeadamente pela ligao a personalidades e eventos polticos, a
organizao de poderes e crenas religiosas, ou a funes econmicas e sociais
significativas no mbito da histria local microcosmos da histria nacional e
europeia. Isto permitiria aos alunos terem uma ideia de conjunto e no de objetos
isolados, fragmentados ou descontextualizados, e ganharem progressivamente mais
confiana em lidar com essas fontes (Figura 1), interpretando-as como evidncia
histrica.
2 Estudo implementado no mbito do Projeto Conscincia Histrica: Teoria e Prticas II, aprovado
pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia (FCT), comparticipado pelo Fundo Comunitrio Europeu FEDER (PTDC/CED/72623/2006, FCOMP-01-0124-FEDER-007109) e apoiado por Bolsa de Investigao da FCT no mbito do QREN-POPH Tipologia 4.1 Formao Avanada, comparticipada pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MCTES com a referncia: SFRH/BD/36616/2007.
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Figura 1- Grupos de alunos realizando a atividade em vrios pontos de um percurso pelo centro histrico de Guimares, Portugal. (Fonte: autora)
Os instrumentos de recolha de dados foram o questionrio, com formato
especfico para alunos (guio-questionrio) e para professores, e entrevistas de
seguimento realizadas a uma parte dos alunos participantes.
Contributos da educao patrimonial para a aprendizagem de histria:
anlise de dados
A anlise dos dados das respostas dos alunos ao guio-questionrio (que
responderam medida que realizaram o percurso) realizou-se de forma indutiva,
sendo clarificada, aprofundada e sistematizada ao longo das fases do estudo, no
sentido de identificar perfis conceptuais dos participantes e construir modelos de
tarefas a aplicar em educao histrica e patrimonial (PINTO, 2011). Os perfis
conceptuais referentes s respostas dos alunos foram associados a dois construtos:
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(1) Uso da Evidncia, relativo ao modo como os alunos utilizam a informao de
fontes escritas e patrimoniais e inferem a partir do suporte material da evidncia; e
(2) Conscincia histrica, respeitante ao modo como os alunos do sentido relao
dialgica entre passado e presente.
Relativamente ao modo como utilizaram a informao e inferiram a partir da
leitura das fontes patrimoniais, muitos alunos do 7 ano, mas tambm do 10 ano,
entenderam as fontes como provedoras diretas de informao e as conjeturas que
levantaram reportaram-se sobretudo a detalhes factuais. Um nmero expressivo de
respostas revelou inferncias pessoais com base em conhecimentos prvios,
estabelecendo algum elo com o contexto poltico e social, e algumas conjeturas
indiciaram preocupaes temporais e sociais na interpretao das fontes
patrimoniais. Em menor nmero foram as respostas que revelaram inferncias
pessoais problematizadoras, formulando questes sobre o contexto em termos de
relaes temporais, ou colocando hipteses luz de possibilidades diversas (Figura
2). Quanto ao modo como deram sentido relao dialgica entre passado e
presente, a partir da leitura das fontes patrimoniais, um grande nmero de alunos
avaliou as atitudes das pessoas do passado luz de valores do presente ou
entendeu o passado, em termos genricos, como intemporal e provendo
conhecimento. Outros compreenderam a forma como o patrimnio chegou ao
presente pelo seu significado como evocao de acontecimentos chave do passado
ou pela sua simbologia em termos de identidade local e/ou nacional. Um nmero
significativo de alunos do 10 ano, mas tambm do 7 ano, compreenderam a
relao passado-presente de forma linear quanto ao uso e funo das fontes
patrimoniais, embora procedendo sua contextualizao em termos sociais e
econmicos. S algumas respostas revelaram um sentido relacional entre passado,
presente e hipteses de futuro, expressando uma conscincia da historicidade das
fontes patrimoniais ao reconhecer a sua interpretao de forma contextualizada
como fundamental para a compreenso histrica (Figura 2).
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Figura 2- Nveis de progresso de ideias de alunos de 7 e de 10 ano sobre o uso da evidncia e em termos de conscincia histrica (PINTO, 2011).
Note-se, porm, que os nveis conceptuais no so invariantes, mesmo em
cada aluno, e nenhum dos nveis mutuamente exclusivo, sendo permevel e
sujeito a oscilaes em funo do tipo de tarefa. Foi, ainda, possvel constatar a
relao existente entre os usos das fontes patrimoniais, mais afastados ou mais
prximos do conceito de evidncia histrica, e os tipos de conscincia histrica que
os alunos participantes revelaram (Figura 3).
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Figura 3- Uso da evidncia e conscincia histrica de alunos - uma proposta de sistema conceptual (PINTO, 2011).
Aps a concretizao da atividade com os diversos grupos de alunos e a
anlise dos dados das respetivas respostas, procedeu-se realizao de entrevistas
semiestruturadas de seguimento a 38% dos alunos participantes no estudo principal
(33 alunos) com o objetivo de esclarecer dvidas quanto interpretao de algumas
respostas dos alunos e de explorar de forma mais aprofundada as suas ideias, pelo
que as questes colocadas aos alunos entrevistados se centraram nas respostas
escritas dos mesmos ao guio-questionrio. Aps uma breve sntese da resposta
escrita pedia-se ao aluno: Podes explicar o que queres dizer com? e/ou Podes
dizer algo mais sobre isso?, no sentido de clarificar as respostas e encorajar os
alunos no seu desenvolvimento.
Os dados das entrevistas de seguimento foram analisados com base nas
mesmas categorias usadas para os dados das respostas escritas, uma vez que as
questes colocadas incidiram sobre as respostas dos alunos nas tarefas escritas do
guio-questionrio. Pretendeu-se conhecer as oscilaes ou estabilidades
conceptuais em diferentes contextos de recolha de dados. Grande parte dos alunos
entrevistados revelou ideias idnticas s das respostas escritas, nas suas
justificaes e clarificaes, confirmando os nveis conceptuais anteriormente
observados. No entanto, alguns alunos, quer do 7 ano quer do 10 ano, em situao
de interao com a investigadora, revelaram uma progresso em termos
conceptuais, como mostram os exemplos a seguir apresentados.
A Irene (12 anos, 7 ano), que na resposta escrita questo 1.3 [Gostarias de
colocar questes para tentares saber mais sobre este local? Quais?] tinha
questionado acerca de um detalhe observado na fachada da igreja de N. Sra. da
Oliveira, na entrevista problematizou o seu significado:
Investigadora- Na questo 1.3, uma das tuas perguntas O que
representam os anjos? que esto acima da lpide, na igreja. Tens
alguma possibilidade de resposta para a tua pergunta?
Irene - Talvez estivesse relacionado com a igreja no sei.
Inv.- Eles seguram o qu?
Irene - Um braso e uma coroa, acho eu.
Inv.- E o que que esse braso representa?
Irene - Portugal.
Inv.- E a coroa?
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Irene - Os reis Talvez os anjos queira significar que esto a
guardar Portugal a manter a memria e ao mesmo tempo a
guardavam.
O Patrcio (12 anos, 7 ano), que na resposta escrita questo 2.2 [O que
podes saber a partir do que observas?] tinha indiciado uma problematizao dos
limites da evidncia, um exemplo de que as respostas breves podem esconder,
por vezes, um pensamento mais elaborado do que aparentam. Nas justificaes
agora apresentadas, o aluno salientou a importncia da anlise crtica das fontes
considerando vrias possibilidades indiciando a sua interpretao em termos de
evidncia histrica , considerou que o conhecimento histrico no sinnimo de a
verdade, aplicando conceitos prprios da metodologia da Histria:
Inv.- Quer na resposta questo 2.2 quer na 2.4 dizes que no podemos afirmar ou poder no ser o loudel de D. Joo I. Porque que dizes isso? Patrcio - Porque, como sabemos, uma guerra constituda por milhares de homens, e este loudel serve para proteo, por isso isto aqui muito vago porque ns no temos a certeza se poder ser dele, que tem probabilidades muito reduzidas, ou se poder ser de outro guerreiro que o auxiliou na batalha. Inv.- Em relao ao loudel, continuas com dvidas Patrcio - Porque da histria antiga de nada temos a certeza, porque tudo muito relativo, porque ao longo dos tempos, como passaram centenas de anos, algum poderia ter mudado as coisas, documentos Inv.- Ento no acreditamos em nada do passado? Patrcio - So hipteses, podemos acreditar ou podemos no acreditar porque os factos, nada nos garante a cem por cento o que aconteceu. Inv.- Isso significa que impossvel estudar o passado humano? Patrcio - No impossvel, podemos estudar o passado humano mas sem termos totais certezas do que acontece. Inv.- Ento, o conhecimento histrico significa o qu, para ti? Patrcio - Significa que estamos a evoluir nas descobertas que fizemos antigamente.
A Amlia (16 anos, 10 ano - Histria da Cultura e das Artes), que na resposta
escrita questo 5.3 [Gostarias de colocar questes para tentares saber mais sobre
este local? Quais?] tinha colocado uma questo acerca de um detalhe observado
nos tanques de curtumes, na entrevista justificou a questo colocada com base na
relao entre a observao do local e da imagem apresentada no guio-
questionrio, sugerindo, ainda, possibilidades de resposta:
Inv.- Na resposta questo 5.3, uma dvida que colocaste era porque que os tanques eram cobertos com tbuas?. Concluste isso a partir de qu?
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Amlia - Acho que era por causa da segurana e dos cheiros. Inv.- Essa ter sido a resposta que pensaste posteriormente. Mas porque que falas nas tbuas? Amlia - Porque na imagem observei e reparei que os tanques estavam cobertos com tbuas. Inv.- Utilizaste tambm a imagem que aparece no questionrio para tirares as tuas concluses e para fazeres as tuas perguntas? E depois de teres feito, pensaste melhor e concluste Amlia - Que era para segurana porque os homens estavam em cima delas, que era para poderem chegar aos outros tanques.
A Slvia (15 anos, 10 ano - Histria A), que na resposta escrita questo 3.2
b) [Qual a sua importncia para hoje compreendermos a poca em que foi
construdo?] revelara uma conscincia de um passado fixo quanto significncia
pessoal do edifcio observado o Albergue de S. Crispim ao procurar conhecer a
poca exata de construo do edifcio, na entrevista, ao clarificar a resposta, revelou
j uma conscincia histrica emergente na sua tentativa de contextualizao do
edifcio, relacionando as caractersticas observadas e os conhecimentos prvios da
disciplina de Histria acerca de estilos artsticos da Idade Mdia e Idade Moderna na
Europa Ocidental:
Inv.- Na resposta questo 3.2 b) dizes que no consegues perceber a poca exata. Porqu? Slvia - Percebe-se que de um tempo antigo, mas no d para olhando s para o hospital em si, acho que no d para perceber o tempo em que ele foi construdo. D para perceber que j antigo, porque agora temos melhores condies, mas situar num ano ou se foi na Idade Mdia, Idade Moderna, no consigo. Eu pelo menos, no consigo perceber essa poca, porque no tem uma construo simples mas acho que no se encaixa em nenhuma no d para se encaixar na arquitetura do renascimento, ou na arquitetura gtica.
A clarificao das respostas escritas, solicitada durante a entrevista, permitiu
evidenciar melhor a oscilao do pensamento dos alunos, que em nmero restrito de
casos revelaram um pensamento menos elaborado do que pareciam indiciar nas
respostas ao guio-questionrio. Noutros casos, a clarificao da resposta escrita,
durante a entrevista, permitiu reforar a integrao no nvel conceptual
anteriormente observado. Assim, a Adelaide (16 anos, 10 ano - Histria A), que na
resposta escrita questo 5.2 b) [Qual a sua importncia para hoje
compreendermos a poca em que foi construdo/usado?] revelara uma conscincia
histrica explcita quanto significncia pessoal dos objetos e local observados os
tanques de curtumes , na entrevista confirmou esse pensamento mais sofisticado
ao contextualizar algumas das informaes relacionando-as com conhecimentos
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prvios da disciplina de Histria, nomeadamente ao esclarecer que estudara a Carta
de Foral do conde D. Henrique (a Guimares), onde j se fazia referncia aos
couros tratados e que relacionou com a poca de construo dos tanques de
curtumes:
Inv.- Na resposta questo 5.2 b) relativa importncia dos tanques de curtumes, dizes que foi devido a uma carta de foral escrita pelo conde D. Henrique no sculo XII. H uma referncia no texto que diz que isto conhecido desde o sculo XII, foi por isso que tu referiste esse facto? Adelaide - Tambm, mas pelo facto de em uma aula de Histria a professora ter entregado uma ficha formativa onde apresentava uma carta de foral escrita pelo conde D. Henrique, no sculo XII, que acho que falava sobre os curtumes. Era da permisso para fazer feiras e isso, e fazia referncia a vrias peles de animais. Da eu interpretar que tinha a ver com a poca em que foram construdos e usados estes tanques.
A anlise dos dados das entrevistas contribuiu para solidificar a construo de
um modelo conceptual sobre a progresso de inferncias histricas de alunos
relativamente ao uso da evidncia a partir de fontes patrimoniais e dos sentidos
atribudos a essas fontes em termos de orientao temporal, ou seja, os tipos de
conscincia histrica que revelam quando estabelecem uma relao entre essas
fontes patrimoniais e o passado, o presente e, possivelmente, o futuro
Saliente-se que a proposta de nveis de progresso uma construo
interpretativa a partir das ideias dos alunos. Pretendeu-se contribuir com um estudo
sistemtico para uma reflexo mais sustentada acerca da compreenso histrica
com base na explorao de fontes patrimoniais e dos desafios que coloca
educao histrica e patrimonial.
Breves consideraes finais
A heterogeneidade intrnseca do patrimnio, que determina em grande parte a
transversalidade da Educao Patrimonial, abre possibilidades investigao das
atividades de explorao de fontes patrimoniais no domnio da Educao Histrica e
para alm dele.
O desenho de experincias educativas de contacto direto com o patrimnio
permite promover sentidos de pertena, suscitar o envolvimento dos jovens na
construo do seu prprio saber e da sua ao presente e futura. Porm,
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necessrio ultrapassar uma viso impressionista de experincia meramente ldica
da sada do espao escolar e reconhecer o seu papel no desenvolvimento da
compreenso da evidncia pelos alunos, envolvendo-os na construo do seu
conhecimento histrico.
Os professores podem realizar uma diversidade de prticas para promover no
s a compreenso do contexto histrico pelos alunos, mas tambm a interpretao
de fontes diversificadas, encorajando-os a questionar de forma crtica as fontes e a
colocar questes cada vez mais complexas. Desta forma, os alunos podero dar
sentido ao patrimnio como evidncia histrica, e no apenas como simples
ilustrao ou informao linear. Alm disso, a aprendizagem pode revelar-se mais
sofisticada quando os alunos inferem a partir das fontes escritas, pictogrficas ou
patrimoniais e colocam questes em vez de responder apenas s que lhes so
colocadas.
A implementao de atividades de educao histrica e patrimonial
fundamental se desenvolvida de forma sistemtica e segundo critrios
metodolgicos, com tarefas desafiadoras das concepes prvias dos alunos, de
acordo com os procedimentos de investigao histrica, propondo o cruzamento de
fontes diversas em mensagem e suporte, em contexto ou partindo das fontes para
os vrios contextos (PINTO, 2011). Estas abordagens podem ser estimuladoras da
interpretao histrica, da compreenso da evidncia que d sentido ao passado,
mas tambm promotoras de uma conscincia histrica e patrimonial.
Atividades diversas de educao patrimonial podem ser desenvolvidas com
grupos de diferentes idades, mesmo em contexto extracurricular atravs de um
clube do patrimnio, por exemplo. Mas, tanto estas atividades como as
desenvolvidas no mbito curricular beneficiariam se os professores pudessem ter
contacto com metodologias especficas nesta rea. A formao de professores nos
domnios do ensino de Histria e outras Cincias Sociais poderia tambm ser
enriquecida com formao contnua na rea da Educao Patrimonial.
Seria importante que os profissionais de ensino de Histria refletissem mais
sobre o que aprendem os alunos nas suas aulas, como lhes proporcionam a relao
com o passado e se o fazem a partir da interpretao dos seus vestgios. Alm
disso, seria desejvel uma reflexo permanente pelos professores quanto s
possibilidades de articulao, em termos de atividades dentro e fora da sala de aula
com os seus alunos, entre as indicaes presentes nos documentos oficiais e a
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histria local, pois nenhuma proposta curricular fechada. Enquanto elemento
constitutivo dos currculos e programas de Histria, a histria local pode ser
considerada como um recurso terico e metodolgico em abordagens de ensino que
permitem relacionar os saberes histricos acadmico e escolar, abrindo a
possibilidade de construo de um conhecimento histrico significativo para os
alunos, lanando-lhes desafios cognitivos na sua relao com o meio social onde
vivem, mas tambm com outras comunidades, outros espaos e outros tempos.
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MANUAL ESCOLAR E PRTICA DE COMPETNCIAS: CONCEPES DE
ALUNOS PORTUGUESES DO ENSINO SECUNDRIO
Isabel Afonso3
RESUMO:
Na atual legislao portuguesa, o manual escolar deixou de ser entendido como um recurso exclusivo na aprendizagem, produzindo significativas alteraes na sua concepo e na forma como se entende o percurso escolar do aluno. O nosso estudo emprico, cuja problemtica o papel do manual de Histria no desenvolvimento de competncias histricas, na perspetiva de professores e alunos do ensino secundrio, procura contribuir para a compreenso do quadro conceptual do uso do manual pelos seus utilizadores no ensino secundrio, designadamente o trabalho com fontes. A amostra participante constituda por cinco professores, a lecionar a disciplina de Histria em escolas pblicas, e respetivos alunos, num total de 117 participantes. Para a recolha de dados utilizou-se um guio de entrevista e materiais histricos propostos no manual adotado nas escolas participantes. Procuraram-se perfis do uso do manual por professores e alunos, dentro e fora da sala de aula, ideias sobre o uso desse recurso educativo para um melhor desenvolvimento das competncias definidas no Programa da disciplina e nveis conceptuais do uso das fontes pelos alunos. Palavras-chave: Manual escolar, Educao histrica, Concepes, Competncia
histrica, evidncia.
1. Investigao em Portugal sobre manuais escolares
A assuno da importncia do manual escolar e dos materiais auxiliares que o
complementam no sistema de ensino portugus parece ser confirmada nos
documentos que o Ministrio da Educao (atual Ministrio da Educao e Cincia-
MEC) vem produzindo no sentido de regulamentar a sua elaborao e posterior
avaliao e certificao, bem como o perodo de vigncia, poltica de preos e
emprstimo de manuais.
A investigao em manuais escolares apresenta-se como um campo de trabalho
muito vasto e em franca expanso nas ltimas dcadas do sculo XX e incios do
sculo XXI, por diversas formas e com fins distintos (Magalhes, 2008): como fonte
sobre a textualidade escolar - ideologia; constituio de inventrios e catlogos; a
3 Doutora em Cincias da Educao, Especializao em Histria e Cincias Sociais.
CIED, Universidade do Minho. Email: [email protected]
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organizao de redes e a explorao metodolgica e sistemtica de sries temticas
e como instrumento didtico pedaggico.
Em Portugal tm sido publicados vrios estudos com o objetivo de analisar a
ideologia subjacente aos discursos dos manuais de Histria, numa perspetiva de
anlise de contedo. Estas preocupaes estiveram presentes nos trabalhos de
Radich, Torgal e Amado Mendes.
Radich analisou os compndios de Histria de Portugal para o ensino primrio,
desde a segunda metade do sculo XIX at 1974. Constatou a existncia de muita
propaganda politica expressa ou diluda nos contedos que se privilegiavam e/ou na
omisso de outros. Assim, a maioria dos manuais analisados perpetuava os mitos
da Histria de Portugal.
Torgal (1989) procurou discutir as relaes da Histria com a ideologia,
focalizando a sua ateno no perodo do Estado Novo. Segundo este investigador,
no perodo estudado foi visvel uma certa discrepncia entre a historiografia
universitria que se refugiava numa investigao de tipo metdico, narrativo e
documentalista e a Histria que se ensinava, divulgava e comemorava, claramente,
ao servio de um ideal (Ibidem, pp. 31- 32). A escola e o livro nico, que
perpetuavam as histrias do regime, os seus heris e os grandes feitos eram meios
e estratgias utilizadas para reproduzir o sistema ideolgico do Estado Novo.
Amado Mendes (1999) estudou a relao entre o conceito de identidade nacional
e ideologia em manuais portugueses do terceiro ciclo do ensino bsico no perodo
de 1976-1992. Constatou que os manuais escolares da dcada de 1980 introduziam
o estudo da disciplina de Histria atravs de um captulo com reflexes sobre a
natureza da Histria: a) O que a Histria? b) Para que serve a Histria? c) O
trabalho do historiador e d) A contagem do tempo. Segundo o autor, isto resultou da
necessidade de tornar a disciplina mais compreensvel e da consciencializao dos
autores/editores da necessidade de tornar mais objetivo e cientfico o ensino da
Histria. Atravs da quantificao de determinados conceitos detetou a importncia
que era dada aos valores democrticos e formao dos jovens para o exerccio de
uma cidadania participativa. Relativamente aos temas, observou que alguns no
merecem a devida ateno, como seja a cincia, a tecnologia, a industrializao, o
quotidiano, os annimos e os sem voz. Concluiu, ainda, que os manuais escolares
apresentavam uma viso exageradamente eurocentrista, patente no relevo dado s
viagens de explorao feitas pelos ocidentais por oposio ao silncio das viagens
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dos orientais em direo ao ocidente. Nos manuais estudados, o autor detetou que o
tema da identidade nacional raramente era focado de forma explcita com exceo
para a crise de 1383-85, apesar de circunscrita questo da independncia e ao
confronto com Castela. A viso eurocentrista dos programas de Histria, e que
naturalmente materializada nos manuais escolares, mantm-se na atualidade. Na
altura, o autor alertou para a necessidade de se esbater o fosso entre a Histria que
se faz e a que se ensina e, para tal, propunha a reviso dos manuais escolares que
deviam incluir temticas do gnero, das identidades e das ideologias, entre outras,
refletindo a investigao acadmica produzida nesses domnios (idem, p. 349). Esta
proposta mantm-se atual.
A discusso relativa a vises particulares do passado nacional veiculada nos
manuais escolares (repositrios dos programas oficiais) sobre temticas comuns a
vrios pases, orientou tambm a investigao de Maia (2010), em Portugal. A
investigadora analisou o contedo dos manuais escolares de 17 pases da Europa
do Norte, Europa Ocidental e Europa de Leste, no perodo de 1980 2000 e as
orientaes curriculares de cada pas considerado, bem como a transposio
dessas orientaes para o contedo dos respetivos manuais sobre a temtica.
Identificou diferenas no compromisso dos autores dos manuais com as orientaes
programticas que estes pases desenvolveram nas dcadas em estudo. Nos
manuais escolares da Europa ocidental e da Europa do norte constatou as
influncias da democracia liberal, no omitindo a apresentao da viso da
democracia popular, ao invs dos manuais da Europa de leste onde o tom
depreciativo em relao democracia liberal e ao mundo capitalista foi sinalizado.
Constatou tambm que os manuais escolares da Europa do norte, dos anos de
1980, adotavam uma postura de neutralidade em relao ao tratamento da Guerra
Fria. Na dcada de 1980, os manuais escolares da Europa de leste veiculavam uma
ideologia marxista-leninista, presente nos documentos oficiais, e que os autores dos
manuais seguiam como uma bblia, sem preocupaes com a integrao de novos
contributos produzidos pela investigao historiogrfica. Na dcada de 1990
verificou-se uma alterao radical no tratamento da Guerra Fria nessa zona
geogrfica, eliminando a viso do inferno do capitalismo e do mundo ideal do
comunismo, dando espao a novas leituras fundamentadas em investigao
historiogrfica mais recentes sobre o perodo (Ibidem, pp. 326-327).
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As fontes disponveis no manual tm constitudo tambm material histrico
para pesquisas em cognio histrica.
Barca (2001) procurou perceber como que os jovens portugueses veem o
encontro de portugueses e brasileiros em 1500. Com esse objetivo confrontou uma
turma de alunos portugueses a frequentar o 11. ano com mensagens contendo
diferentes perspetivas: uma perspetiva apresentada pelo manual adotado na escola
que frequentavam e uma outra sugerida por um manual brasileiro. Esta tarefa
pretendia provocar a reflexo dos jovens sobre a temtica, reforar ou confrontar as
suas ideias, estabelecer critrios de validao das fontes de informao
apresentadas e tomar posio sobre uma das verses. Todos os jovens
participantes estabeleceram a distino entre as duas fontes. A perceo de
omisses e de discordncias entre as fontes foram notadas em diferentes nveis, o
que vem corroborar o princpio de que o indivduo interpreta de acordo com as suas
vivncias pessoais e valores. Quanto avaliao das fontes em termos de equilbrio
e perspetiva, as respostas oscilaram entre trs nveis conceptuais de ideias:
a) uma atitude indiscriminada, no levando em conta as contradies no tratamento de alguns aspetos histricos; b) uma tomada de posio etnocentrada, valorizando sobretudo a agregao da informao; c) uma tomada de posio descentrada, integrando novas perspetivas (Ibidem, p. 243).
Um grande nmero de alunos conseguiu ultrapassar uma imagem
etnocentrada do Outro, apresentando vises equilibradas.
Mais recentemente, e tambm na linha de investigao em cognio situada,
Moreira (2004) fez um estudo com alunos a frequentar o 8. ano de escolaridade,
partindo das fontes do manual escolar adotado na escola onde o estudo foi
implementado. O objetivo era indagar como que os alunos utilizam as fontes
histricas propostas no manual escolar e que conhecimentos substantivos
constroem a partir dessas fontes e, ainda, quais as principais dificuldades reveladas
pelos alunos quando trabalham com fontes histricas. A investigadora constatou que
a maioria dos alunos foi capaz de selecionar elementos das diferentes fontes do
manual escolar para a temtica concreta e que alguns conseguiram reformular essa
informao de forma consistente. Constatou ainda que as fontes consideradas mais
teis pelos alunos para a realizao das atividades foram as escritas e as menos
teis as iconogrficas. Entre as fontes escritas, o texto informativo foi a fonte mais
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til dado que fornecia mais informao, Relativamente a outro tipo de fontes, os
alunos consideraram que tm as funes de ilustrar, completar e ajudar a
compreender o texto informativo. As principais dificuldades dos alunos, e no que diz
respeito s fontes iconogrficas, situaram-se ao nvel da interpretao (superficial)
da mensagem veiculada por esse tipo de fontes (Ibidem, p. 4).
Simo (2007) pesquisou as concepes de alunos de 8. e 11 anos de
escolaridade sobre evidncia histrica a partir das fontes disponveis nos manuais
adotados. Com base nas respostas dos alunos contruiu um modelo conceptual das
ideias dos alunos: 1. Evidncia como cpia do passado; 2. Evidncia como
informao; 3. Evidncia como testemunho ou conhecimento; 4. Evidncia como
prova; 5. Evidncia restrita; 6. Evidncia em contexto.
As ideias dos professores de Histria sobre a utilizao de fontes do manual
escolar, em contexto de sala de aula tm, ainda, sido objeto de estudo para
dissertaes de mestrado em educao histrica.
Costa (2007) fez um estudo com uma amostra de 16 professores a lecionar o
oitavo ano da escolaridade bsica com o objetivo de compreender a receo dos
professores ao manual e a importncia atribuda a este instrumento educativo, bem
como a descrio de uma aula a partir de uma unidade temtica - O Renascimento
com as fontes apresentadas em dois manuais. As concluses sugerem que o que os
professores mais/menos apreciam o grau de desenvolvimento da narrativa, a
adequao das fontes, as imagens apelativas e as atividades propostas pelo
manual. Verificaram-se diferenas em relao a um e outro manual escolar, mas
todos os professores o consideraram imprescindvel. A maior parte dos professores
participantes considerou as fontes um recurso didtico necessrio e fundamental
para a construo do saber histrico (Ibidem, p.V).
Estes estudos podem fornecer pistas de trabalho para a ao concreta, quer
na elaborao, quer na seleo e utilizao destes instrumentos educativos. Por
outro lado, importa no esquecer que o manual escolar enfrenta atualmente novos
desafios pois deixou de ter o papel tradicional de simples transmissor de
conhecimentos escolares.
Importantes contributos para a histria do livro e do manual escolar
desenvolvem-se em redes de investigao que tm fomentado a construo do
domnio cientfico da manualstica escolar e educacional (Magalhes, 2006). Neste
contexto, salientam-se os seguintes projetos:
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- Projeto de investigao patre - manes ligado Universidade Nacional de
Educacin a Distancia de Madrid, Facultad de Educacin, Departamento de Histria.
No mbito deste projeto tem-se produzido investigao sobre manuais europeus e
latino-americanos do sculo XIX ao sculo XX, da qual se criou uma base de dados.
- Projeto emmanuelle, criado em 1980 por Alain Chopin e dedicado histria
do livro e das edies escolares em Frana, estas numa perspetiva histrica e
comparada. O projeto possui dois bancos de dados, um que recenseia
exaustivamente os manuais escolares franceses desde 1789 e outro que abriga as
investigaes sobre o manual escolar.
Quanto a instituies internacionais, destaca-se o Instituto para a
Investigao Internacional sobre os manuais escolares Georg Eckert (Georg
EckertInstitut fr Internationale Schulbuchforschung) sediado na Alemanha. O
instituto possui um banco de dados constitudo por cerca de 180 000 exemplares de
manuais escolares de mais de 90 pases e 50 000 volumes de bibliografia sobre
investigao em manuais escolares e referentes aos programas e orientaes
curriculares de variados pases (Maia, 2010).
Em Portugal, o projeto eme Estatuto, funes e histria do manual escolar
desenvolvido no mbito do centro de Estudos em Educao da Universidade do
Minho, e coordenado por Rui Vieira de Castro, orienta os seus trabalhos
investigativos para dois domnios de anlise: o manual escolar como instrumentos
didtico - pedaggico e cultural e o processo de conceo, produo, difuso e
receo/uso desse instrumento educativo.
A Universidade Lusfona de Lisboa Instituto de Educao, desenvolve dois
projetos de investigao sobre manuais escolares, coordenados por Jos B. Duarte.
O primeiro intitula-se Manuais escolares, e - manuais e atividades dos alunos e o
segundo Manuais escolares para o pensamento crtico (Textbooks for critical
thinking) que d continuidade ao trabalho de anlise das atividades propostas nos
manuais de diversas disciplinas. Ambos tm como objetivo contribuir para uma
melhor produo e utilizao dos manuais pelos professores e alunos. No mbito
destes projetos, a instituio tem organizado colquios internacionais anuais desde
o ano de 2009.
2. O estudo final
O problema
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Para Tuckmann (2012) existem cinco regras bsicas para a escolha da
problemtica de investigao:
- Praticabilidade avaliar se o tema escolhido est dentro dos limites e
constrangimentos temporais a que o investigador est sujeito, o acesso amostra
necessria e requerida; a praticabilidade da metodologia exigida para responder ao
problema.
- Amplitude crtica avaliar se o tema escolhido suficientemente vasto para
dar origem a uma investigao;
- Interesse refletir se o tema escolhido entusiasma e/ou est relacionado com
a carreira da investigadora, com as suas leituras, com o seu contexto cultural; refletir
sobre o interesse que o tema possa despertar em outras pessoas.
- Valor terico averiguar se existem lacunas na rea de investigao que
possam ser colmatadas pela presente investigao.
- Valor prtico perspetivar o impacto da investigao na melhoria das prticas
educativas ou nos diversos agentes envolvidos na poltica educativa (Ibidem, pp.
111-114).
Segundo o mesmo autor, a escolha de um problema depende, em termos
gerais, do seu carter prtico e gratificante. A praticabilidade de determinado estudo
foi j acima explicitada; o carter gratificante, em primeiro lugar deve contar com a
informao obtida a partir da reviso de literatura e, em segundo lugar, com a
experincia do investigador. O objetivo deve ser