CULTURAS HISTÓRICAS E NARRATIVAS DIDÁTICAS: UMA COMPARAÇÃO DA COLEÇÃO DIDÁTICA DE SÉRGIO...

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O seguinte artigo tem como objetivo desenvolver um estudo comparativo entre o livro Raízes do Brasil e o livro didático História do Brasil – das Origens à Independência, ambas obras do historiador Sérgio Buarque de Holanda. A perspectiva comparativa vai em direção à uma reflexão a respeito do saber acadêmico e o saber escolar. Tradicionalmente, o saber escolar foi entendido como como mera simplificação dos conteúdos produzidos nas universidades, mas nossa abordagem observou um saber escolar que possui autonomia para o desenvolvimento do seu conhecimento, portanto, não se trata de uma reprodução de saberes, mas de conhecimentos produzidos em instâncias diferentes.

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  • REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN.

    SISTEMA DE BIBLIOTECAS. BIBIBLIOTECA DE CINCIAS HUMANAS E EDUCAO

    ___________________________________________________________________________

    REVISTA de Educao Histrica - REDUH / Laboratrio de Pesquisa de Educao Histrica

    da UFPR; [Editorao: Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt; Coordenao

    editorial: Lidiane Camila Lourenato, Lucas Pydd Nechi, Thiago Augusto Divardim de

    Oliveira; Editorao Eletrnica: Cesar Souza], n.5(Mai./Ago. - 2014) . Curitiba: LAPEDUH,

    2014. Peridico eletrnico: https://lapeduh.wordpress.com/revista/

    Quadrimestral

    ISSN: 2316-7556

    1. Educao - Peridicos eletrnicos. 2. Histria - Estudo e ensino - Peridicos

    eletrnicos. I. Universidade Federal do Paran. Laboratrio de Educao Histrica. II.

    Schmidt, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. III.Gevaerd, Rosi Terezinha Ferrarini. IV.

    Urban, Ana Claudia. V. Oliveira, Thiago Augusto Divardim de. Lourenato, Lidiane Camila.

    Nechi, Lucas Pydd.

    CDD

    20.ed. 370.7

    ___________________________________________________________________________

    Sirlei do Rocio Gdulla CRB-9/985

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    Reitor: Zaki Akel Sobrinho

    Vice-Reitor: Rogrio Mulinari

    Setor de Educao

    Diretora: Andra do Rocio Caldas Nunes

    Vice-Diretor: Prof. Dr. Marcus Levy Bencostta

    Coordenadora do Laboratrio de Educao Histrica UFPR Brasil: Maria Auxiliadora

    Moreira dos Santos Schmidt

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    Editora: Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Coeditoras: Ana Claudia Urban, Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd Conselho Editorial: Estevo Chaves de Rezende Martins UnB Geyso Dongley Germinari UNICENTRO Isabel Barca Universidade do Minho (Portugal) Julia Castro - Universidade do Minho (Portugal) Ktia Abud USP Luciano de Azambuja - IFSC Marcelo Fronza UFMT Maria Conceio Silva UFG Marilia Gago - Universidade do Minho (Portugal) Marlene Cainelli UEL Olga Magalhes Universidade de vora (Portugal) Rafael Saddi UFG Rita de Cssia Gonalves Pacheco dos Santos Universidade Tuiuti do Paran Conselho Consultivo: Alamir Muncio Compagnoni - SME - Araucria Andr Luis da Silva - SME - Araucria Andressa Garcia Pinheiro de Oliveira - SEED - PR Cludia Senra Caramez - LAPEDUH der Cristiano de Souza FAFIPAR - PR Henrique Rodolfo Theobald - SME - Araucria Joo Luis da Silva Bertolini - UFPR Leslie Luiza Pereira Gusmo - SEED - PR Lidiane Camila Lourenato - UFPR Lucas Pydd Nechi IFPR / UFPR Solange Maria do Nascimento - UFPR Thiago Augusto Divardim de Oliveira - IFPR / UFPR Tiago Costa Sanches - SME Araucria/ UFPR

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    EDITORA: LAPEDUH Endereo: Reitoria da UFPR, Rua General Carneiro, 460 Edifcio D. Pedro

    II 5 andar. CEP 80.060-150 Coordenadora: Prof Dr Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt Email: [email protected], [email protected] Coordenao Editorial: Lidiane Camila Lourenato, Lucas Pydd Nechi,

    Thiago Augusto Divardim de Oliveira Editorao Eletrnica: Thiago Augusto Divardim de Oliveira Reviso dos textos: a cargo de cada autor

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    MISSO DA REVISTA

    Ser uma Revista produzida por professores e destinada a professores de

    Histria. Ter como referncia o dilogo respeitoso e compartilhado entre a

    Universidade e a Escola Bsica. Colaborar na produo, distribuio e

    consumo do conhecimento na rea da Educao Histrica, pautada na

    construo de uma sociedade mais justa e igualitria.

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    EDITORIAL

    com satisfao que o Laboratrio de Pesquisa em Educao Histrica

    (LAPEDUH) torna pblico o nmero seis da Revista de Educao Histrica

    (REDUH) que tem como inteno divulgar as investigaes que assumem o ensino

    e a aprendizagem da Histria na perspectiva da Educao Histrica.

    O dossi de nmero seis tem como temtica Educao Histrica e

    debates contemporneos e apresenta alguns dos trabalhos divulgados no XIV

    Congresso Internacional das Jornadas de Educao Histrica (2014).

    Os trabalhos apresentados tm como foco as questes do ensino-

    aprendizagem em Histria, da formao de conscincia histrica, envolvendo

    professores, crianas e jovens, em processos de escolarizao e em diferentes

    situaes de aprendizagem.

    Agradecemos aos pesquisadores que contriburam com este nmero da

    REDUH e desejamos que os artigos possam ser inspiradores para novos estudos e

    investigaes.

    Boa leitura!

    Coletivo de Editores da REDUH

    Maria Auxiliadora M. S. Schmidt

    Ana Claudia Urban

    Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd

    Lidiane Camila Lourenato

    Lucas Pydd Nechi

    Thiago Augusto Divardim de Oliveira

    Curitiba, agosto de 2014.

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    NORMAS DE ARTIGOS PARA A REDUH:

    - As contribuies devero ser apresentadas em arquivo de Word observando as seguintes caractersticas: - Os artigos tero entre 8 (oito) e 10 (dez) mil palavras. - Com o texto original devero ser apresentados ttulo, autor, vinculao institucional, resumo, contendo entre 100 (cem) e 200 (duzentas) palavras, 5 (cinco) palavras-chave, e rea at 3 (trs)- na que se inscreve o trabalho. O ttulo dever estar em maisculas, negritas, com acentos e centrado; os subttulos em negrito, minsculas. O nome do autor em itlico e alinhado direita. - A titulao e filiao institucional devero ser colocadas em nota de rodap com asterisco. Caso a pesquisa tenha sido elaborada com apoio financeiro de uma instituio, dever ser mencionada em nota de rodap com asterisco no ttulo. - O texto dever ser digitado em pgina A4, espaamento 1,5 (um vrgula cinco), margens superior/esquerdo de 3 (trs) cm e inferior-direito de 2,0 (dois) cm, recuo de 1 (um) cm, letra Arial, corpo 12 (doze) e as notas de rodap na mesma letra, em corpo 10 (dez). As notas de rodap sero numeradas em caracteres arbicos. Os nmeros das notas de rodap inseridos no corpo do texto iro sempre sobrescritos em corpo 10 (dez), depois da pontuao. - Os autores sero responsveis pela correo do texto. - As citaes literais curtas, menos de 3 (trs) linhas sero integradas no pargrafo, colocadas entre aspas. As citaes de mais de trs linhas sero destacadas no texto em pargrafo especial, a 4 (quatro) cm da margem esquerda, sem recuo, sem aspas e em corpo 10 (dez), com entrelinhamento simples. Depois deste tipo de citao ser deixada uma linha em branco. - A indicao de fontes no corpo do texto dever seguir o seguinte padro: Na sentena Autoria (data, pgina) s data e pgina dentro do parntesis. Final da sentena (AUTORIA, data, pgina) todos dentro do parntesis. - A bibliografia deve vir com esse subttulo no fim do texto em ordem alfabtica de sobrenome, observando as normas da ABNT/UFPR. SOBRENOME, Nome. Ttulo do livro em negrito: subttulo. Traduo. Edio. Cidade: Editora, ano. SOBRENOME, Nome. Ttulo do captulo ou parte do livro. In: Ttulo do livro em negrito. Traduo. Edio. Cidade: Editora, ano, p. x-y. SOBRENOME, Nome; SOBRENOME, Nome. Ttulo do artigo. Ttulo do peridico em negrito, Cidade, vol., n., p. x-y, ano. SOBRENOME, Nome. Ttulo da tese em negrito: subttulo. Xxx f. Tipo do trabalho: Dissertao ou Tese (Mestrado ou Doutorado, com indicao da rea do trabalho) - vinculao acadmica, Universidade, local, ano de apresentao ou defesa. Para outras produes: SOBRENOME, Nome. Denominao ou ttulo: subttulo. Indicaes de responsabilidade. Data. Informaes sobre a descrio do meio ou suporte (para suporte em mdia digital). Para documentos on-line ou nas duas verses, so essenciais as informaes sobre o endereo eletrnico, apresentado entre sinais < >, precedido da expresso disponvel em, e a data de acesso ao documento, antecedida da expresso acesso em. Ilustraes, figuras ou tabelas devero ser enviadas em formato digital com o mximo de definio possvel.

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    SUMRIO

    APRESENTAO.................................................................................................................................10

    EDUCAO HISTRICA: CULTURA ESCOLAR E PATRIMNIO CONTRIBUTOS DA EDUCAO PATRIMONIAL PARA A APRENDIZAGEM Helena Pinto..........................................................................................................................................14 MANUAL ESCOLAR E PRTICA DE COMPETNCIAS: CONCEPES DE ALUNOS PORTUGUESES DO ENSINO SECUNDRIO Isabel Afonso.........................................................................................................................................35 HISTRIA DE UMA ESCOLHA, ESCOLHA DE UMA HISTRIA: ESTUDO EXPLORATRIO SOBRE ELEMENTOS DO NOVO HUMANISMO E A FORMAO DA IDENTIDADE HISTRICA Lucas Pydd Nechi & Maria Auxiliadora M. S. Schmidt..........................................................................58 FORMAO DOS PROFESSORES DE HISTRIA: EDUCAO HISTRICA, PESQUISA E PRODUO DE CONHECIMENTO Adriane de Quadros Sobanski & Maria Auxiliadora M. S. Schmidt.......................................................76 CULTURA HISTRICA E INTERCULTURALIDADE: A PRESENA DO ISL EM MANUAIS DIDTICOS IBERO AMERICANOS Joo Luis da Silva Bertolini & Maria Auxiliadora M. S. Schmidt............................................................86 A APRENDIZAGEM HISTRICA E OS JOVENS NOS DOCUMENTOS ORIENTADORES DO PROGRAMA ENSINO MDIO INOVADOR Lidiane Camila Lourenato & Maria Auxiliadora M. S. Schmidt..........................................................108 EDUCAO HISTRICA E LITERATURA: APROXIMAES JRN RSEN E ANTONIO CANDIDO Solange Maria do Nascimento.............................................................................................................123 CULTURAS HISTRICAS E NARRATIVAS DIDTICAS: UMA COMPARAO DA COLEO DIDTICA DE SRGIO BUARQUE DE HOLANDA COM RAZES DO BRASIL Alesson R. Rota...................................................................................................................................141 NOVOS HORIZONTES A PARTIR DA HISTRIA Maria Aparecida Nunes Azzolin, Cleo Roberto Matick Malheiros & Maria Medianeira Padoin...........153 NARRATIVA E ENSINO DE HISTRIA: UMA PROPOSTA DE JONATHAS SERRANO Michele Borges Martins.......................................................................................................................161 A LITERATURA E A CONSTITUIO DA CONSCINCIA HISTRICA Sabrina Meirelles Macedo...................................................................................................................173 RESENHA SCHMIDT, Maria. Auxiliadora.; ABUD, Ktia. 50 ANOS DA DITADURA MILITAR: CAPTULOS SOBRE O ENSINO DE HISTRIA NO BRASIL. Curitiba: W&A editores, 2014. 216 pginas. Joo Luis da Silva Bertolini..................................................................................................................186

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    APRESENTAO

    A Revista de Educao Histrica - REDUH apresenta em seu dossi artigos

    sob o tema DEBATES CONTEMPORNEOS composto por trabalhos apresentados

    no XIV CONGRESSO INTERNACIONAL DAS JORNADAS DE EDUCAO

    HISTRICA que realizou-se entre os dias 13 e 16 de agosto de 2014, na Faculdade

    de Histria Universidade Federal de Gois, em Goinia, Gois.

    As pesquisas aqui apresentadas, desenvolvidas no mbito da Educao

    Histrica, tm como eixo central as questes do ensino-aprendizagem em histria,

    da formao de conscincia histrica, envolvendo professores, crianas e jovens,

    em processos de escolarizao e em diferentes situaes de aprendizagem. Pois

    como aponta Barca (2005, p.15), o ensino de Histria constitui-se hoje como um

    frtil campo de investigao, sendo objeto de pesquisa sob diversos ngulos que

    integram quer perspectivas diacrnicas quer a anlise de problemticas atuais do

    ensino especfico.

    Nesse dossi contamos com a contribuio de investigaes desenvolvidas

    em Portugal e vinculadas Universidade do Minho. A professora e pesquisadora

    Helena Pinto em seu trabalho Educao histrica: cultura escolar e patrimnio

    contributos da educao patrimonial para a aprendizagem salienta a importncia das

    atividades educativas com propostas de tarefas que incluem o uso de fontes

    patrimoniais objetos de museus e edifcios individuais ou integrados em stios

    histricos que desafiem as preconcees dos alunos, fomentando a interpretao

    dos vestgios patrimoniais existentes no meio envolvente e a discusso sobre as

    aes humanas no passado e sua relao com o presente.

    A pesquisadora Isabel Afonso com o tema Manual escolar e prtica de

    competncias: concepes de alunos portugueses do ensino secundrio apresenta

    um estudo emprico, cuja problemtica o papel do manual de Histria no

    desenvolvimento de competncias histricas, na perspectiva de professores e

    alunos do ensino secundrio. Procura contribuir para a compreenso do quadro

    conceitual do uso do manual pelos seus utilizadores, mais especificamente, o

    trabalho com fontes.

    Os demais artigos do dossi so contribuies de investigaes

    desenvolvidas por pesquisadores brasileiros vinculados ao Laboratrio de Pesquisa

    de Educao Histrica - LAPEDUH - da Universidade Federal do Paran (UFPR).

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    Entre eles, est o trabalho de Lucas Pydd Nechi Histria de uma escolha, escolha

    de uma histria: estudo exploratrio sobre elementos do novo humanismo e a

    formao da identidade histrica em que o autor apresenta resultados do estudo

    exploratrio realizado como parte integrante das investigaes da tese de

    doutorado, ainda em desenvolvimento, que possui como objeto de estudo a proposta

    do novo humanismo de Jrn Rsen. Procura investigar como a perspectiva de

    aprendizagem histrica do novo humanismo se relaciona com a formao da

    identidade histrica de jovens alunos a partir do estudo de suas narrativas sobre

    uma escolha em suas vidas prticas suas trajetrias de vida aps a concluso da

    educao bsica.

    A pesquisa de Adriane de Quadros Sobanski sob o ttulo Formao dos

    professores de histria: educao histrica, pesquisa e produo de conhecimento

    apresenta as primeiras observaes acerca dos trabalhos desenvolvidos por

    professores da Educao Bsica de Escolas Pblicas, estaduais e municipais, da

    cidade de Curitiba, Paran. Participando, orientando e observando um grupo de

    cerca de 30 professores de Histria que participou, ao longo de 2013, do curso O

    trabalho com fontes histricas e a literacia histrica: questes tericas e prticas,

    ministrado pela professora Maria Auxiliadora Schmidt da UFPR, iniciou as

    investigaes relativas ao trabalho desenvolvido por esses professores com base no

    contato com a teoria da Educao Histrica e a sua prtica da sala de aula.

    Joo Luis da Silva Bertolini em seu artigo, Cultura histrica e interculturalidade:

    a presena do Isl em manuais didticos Ibero Americanos comenta que na

    investigao realizada no mestrado uma de suas preocupaes foi descobrir como o

    contedo substantivo Isl entrou nos manuais didticos do Brasil. Na pesquisa de

    doutorado, ora em desenvolvimento, o foco ser expandir as investigaes aos

    manuais do mundo ibero-americano e aos contextos de suas produes, buscando

    assim demonstrar possveis aproximaes entre as narrativas sobre o Isl

    encontradas nos respectivos manuais.

    Lidiane Camila Lourenato doutoranda do Programa de Ps-Graduao em

    Educao da UFPR apresenta no artigo A aprendizagem histrica e os jovens nos

    documentos orientadores do programa ensino mdio inovador algumas

    consideraes sobre a implementao do referido programa e, se este possibilita, de

    fato, o desenvolvimento da aprendizagem histrica de forma mais significativa para a

    vida dos jovens. At o momento, percebe que a importncia dada nos documentos

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    em considerar os jovens, seus anseios e necessidades auxilia na identificao dos

    jovens com a escola, possibilitando que sua permanncia neste espao se torne

    mais significativa.

    O artigo Educao histrica e literatura: aproximaes Jrn Rsen e Antonio

    Candido de autoria de Solange Maria do Nascimento o resultado de pesquisa de

    mestrado em que a autora buscou compreender como narrativas literrias presentes

    em manuais didticos de Histria esto sendo trabalhadas pelos autores.

    Neste volume tambm so apresentados artigos de demanda contnua. Entre

    eles encontra-se o de Alesson R. Rota, Culturas histricas e narrativas didticas:

    uma comparao da Coleo didtica de Srgio Buarque de Holanda com Razes do

    Brasil, no qual o pesquisador procura esboar um paralelo entre a Historiografia

    Acadmica e a Historiografia escolar, tendo em vista que a obra Razes do Brasil

    ganhou bastante demanda nas universidades e os livros didticos se dedicavam ao

    ensino regular.

    O artigo Novos horizontes a partir da histria de autoria de Maria Aparecida

    Nunes Azzolin e Cleo Roberto Matick Malheiros, tem por objetivo apresentar o

    Projeto Novos Horizontes a partir da Histria, que vem sendo desenvolvido na

    disciplina de Histria com os alunos do noturno do Colgio Estadual Cristvo

    Pereira, em Santiago/RS. O projeto analisa de forma qualitativa, como a disciplina

    de Histria pode auxiliar os alunos a terem melhores expectativas em relao ao

    futuro. A pesquisa foi realizada a partir de questionrios semiestruturados e

    entrevistas com alunos do primeiro e segundo ano do Ensino Mdio Politcnico

    Noturno, bem como de reviso de bibliografias.

    Michele Borges Martins em seu artigo Narrativa e Ensino de Histria: uma

    proposta de Jonathas Serrano utilizando o conceito de cdigo disciplinar da Histria,

    de Raimundo Cuesta Fernandez, analisa a proposta metodolgica de Jonathas

    Serrano, na medida em que o autor entende a narrativa como forma de racionalizar

    e compreender os processos histricos.

    O artigo de Sabrina Meirelles Macedo, A literatura e a constituio da

    conscincia histrica, apresenta uma anlise de como a obra literria pode contribuir

    para a compreenso dos esteretipos de gnero. O conceito de gnero

    compreendido pela autora como construes culturais de modelos que visam nortear

    os comportamentos de mulheres e homens ao longo de sua trajetria, e que variam

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    de acordo com o contexto histrico nos quais so produzidos bem como nos

    diversos grupos sociais pertencentes a esse contexto.

    Finalizando este volume da Revista de Educao Histrica Joo Luis da Silva

    Bertolini apresenta a resenha do livro 50 anos da Ditadura Militar: Captulos sobre o

    ensino de Histria no Brasil. Obra organizada pelas Professoras Doutoras Maria

    Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt e Ktia Maria Abud possui seis captulos

    que tratam do tema Ensino na poca da Ditadura, alm de quatro anexos que tratam

    dos Estudos Sociais.

    Curitiba, agosto de 2014.

    Profa. Dra. Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd

    Professora de Histria da Rede Municipal de Ensino de Curitiba.

    Professora da Faculdade So Braz/Curso de Pedagogia

    Atua na Secretaria Municipal da Educao de Curitiba/Coordenao de Histria

    Pesquisadora do LAPEDUH

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    EDUCAO HISTRICA: CULTURA ESCOLAR E PATRIMNIO

    CONTRIBUTOS DA EDUCAO PATRIMONIAL PARA A APRENDIZAGEM

    Helena Pinto1

    RESUMO

    Na reflexo aqui apresentada pretende-se salientar a importncia das atividades educativas com propostas de tarefas que incluam o uso de fontes patrimoniais objetos de museus e edifcios individuais ou integrados em stios histricos e desafiem as preconcees dos alunos, fomentando a interpretao dos vestgios patrimoniais existentes no meio envolvente e a discusso sobre as aes humanas no passado e sua relao com o presente. Considera-se, por isso, que a progresso na compreenso histrica implica uma aprendizagem significativa e contextualizada. Atravs de um estudo descritivo, de natureza essencialmente qualitativa (BARCA, 2000; PINTO, 2011) analisou-se a possibilidade de se desenvolver a educao patrimonial no mbito do currculo de Histria no 3 ciclo do ensino bsico e no ensino secundrio, pelo recurso a fontes patrimoniais e a sua utilizao como evidncia histrica, atendendo sua relao com a construo de significado acerca do passado. A anlise dos dados contribuiu para solidificar a construo de um modelo conceptual sobre a progresso de inferncias histricas de alunos relativamente ao uso da evidncia a partir de fontes patrimoniais e dos sentidos atribudos a essas fontes em termos de orientao temporal.

    Palavras-chave: Educao Patrimonial; Educao Histrica; Aprendizagem

    significativa e contextualizada

    INTRODUO

    Hoje, mais do que nunca, a escola no pode ignorar que o meio familiar, a

    comunidade local e os diversos meios de comunicao marcam de forma indelvel o

    conhecimento histrico dos jovens. Por isso o professor dever partir da deteo de

    ideias prvias, que se manifestam ao nvel do senso comum e de forma muitas

    vezes fragmentada e desorganizada, podendo, depois, contribuir para a sua

    modificao e maior elaborao (BARCA, 2000).

    Embora a maioria das situaes de ensino tenham lugar na sala de aula,

    algumas, talvez at mais produtivas em termos da aprendizagem dos alunos,

    1 Doutora em Cincias da Educao, especialidade de Educao em Histria e Cincias Sociais, pela

    Universidade do Minho. MEC / UMinho, Portugal.

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    REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    realizam-se no exterior, em stios histricos, museus e, mesmo, no meio envolvente

    da escola. Reconhecer este potencial tambm desafiador para a investigao em

    Educao Histrica, pois implica que se desenvolvam estudos que atendam forma

    como os alunos aprendem em diferentes contextos e ao tipo de abordagem mais

    adequada para desenvolver, por exemplo, a leitura de vestgios arqueolgicos,

    edifcios ou objetos de museus, ou narrativas de histria oral, sem perder de vista a

    sua insero num processo. Nesta perspetiva, a utilizao, como evidncia histrica,

    de fontes patrimoniais ligadas histria local poder tambm possibilitar a utilizao

    de metodologias para uma aprendizagem significativa e ultrapassar a ideia de

    fragmentao dos espaos e temas estudados, dissociando o local do pas ou do

    mundo.

    Defende-se, geralmente, aquilo que se conhece ou se valoriza, mas estes

    aspetos nem sempre esto ligados. Esse conhecimento pode no ser

    experienciado pelos habitantes e a sua ligao natural ao lugar advir do facto de

    estarem prximos no espao, como salienta Halbwachs (1990), pelo que a

    valorizao pode resultar do carcter simblico atribudo pela comunidade a um

    patrimnio cuja conservao garantia de continuidade (LYNCH, 1998). No entanto,

    e como adverte Lowenthal (1999), no podemos evitar refazer o passado, pois s

    alterando o que se preserva se poder manter vivo e compreensvel o patrimnio.

    Reconhecendo esta dialtica, a anlise que aqui propomos incide em duas

    dimenses principais: (1) ao nvel da Educao Patrimonial, baseia-se no contacto

    direto com fontes patrimoniais, na defesa de sentidos de responsabilidade em

    relao ao patrimnio histrico e na reflexo crtica e construtiva face s memrias

    das comunidades com vista compreenso temporal; (2) ao nvel da Educao

    Histrica, assenta na problematizao sistemtica dos usos da Histria e do

    Patrimnio, e na elaborao de propostas de desenvolvimento do pensamento

    histrico de jovens e de abordagens metodolgicas dos educadores.

    O papel do patrimnio na educao

    As mudanas que se tm verificado nas ltimas dcadas, tambm ao nvel da

    educao nos museus, traduzem as transformaes que se verificaram na prpria

    natureza da educao, quer no que respeita ao significado do termo, quer no que se

    espera das instituies. A aprendizagem vista como uma participao ativa do

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    REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    aprendiz, conceo que elevou a experincia (distinta da informao) a um nvel

    superior no intento de educar (HEIN, 1998). Os saberes gerados na rea da

    educao tm fornecido referncias para contextualizar a sua ao educativa in situ,

    pondo em prtica ideias da Psicologia Cognitiva. J precursores da interpretao do

    patrimnio, como Tilden (1957), afirmaram a importncia de se relacionar os objetos

    histricos a apresentar, com a experincia dos visitantes. Estas ideias foram

    reformuladas por Hammitt (1981) que, numa linha construtivista, argumentou que os

    modelos mentais que possumos so o resultado de experincias passadas nos

    mais diversos contextos intelectuais e vivenciais, e medida que se multiplicam os

    contactos com determinado contexto as unidades de informao aumentam, criando

    um mapa cognitivo. So esses modelos mentais que determinam a perceo

    patrimonial ao nvel do processamento de informao e da classificao de imagens

    visuais ou conceptuais. Mais recentemente, Beck e Cable (2002) insistiram na

    importncia da anlise das preconcees dos sujeitos, considerando-a um dos

    princpios bsicos da interpretao.

    A compreenso da aprendizagem como uma srie de processos complexos e

    ao longo da vida, d nfase experincia dos aprendentes, assim como ao que

    aprendem e como aprendem, considerando que a atribuio/construo de

    significado permite a apropriao do conhecimento. Hooper-Greenhill (2007) revela

    que no Reino Unido se tem verificado uma substituio da expresso educao no

    museu pela expresso aprendizagem no museu, e que esta substituio

    semntica representa uma mudana filosfica na forma como est a ser

    compreendida a funo educativa dos museus (p.4). Indica um maior enfoque nos

    processos de aprendizagem, na interao com os objetos, ajudando a analisar, a

    comparar e a interpretar, a interrogar e a descobrir de forma direta.

    No caso especfico dos museus, h uma clara funo educativa, entendendo-

    se a educao num sentido amplo. Como refere Prez Santos (2000, p. 51), o

    museu enquadra-se no que se designa por educao no formal: atividades e

    programas organizados fora do sistema escolar, mas dirigidos com o fim de atingir

    objetivos educativos definidos, contrapondo-se educao formal, equivalente ao

    ensino oficial regulamentado e sistemtico. No entanto, na relao que o museu

    estabelece com os seus pblicos, a escola tem um papel relevante: entre a

    comunidade escolar que a maioria dos museus retm a parte mais significativa da

    sua atividade cultural e educativa, relacionada com exposies permanentes e

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    temporrias centradas no seu acervo por exemplo, as visitas guiadas, os atelis, e

    mesmo a produo de recursos (publicaes e formao) ou inserida nos stios de

    interesse histrico onde se localizam.

    Os museus podem oferecer um ambiente educativo privilegiado para diversas

    reas do conhecimento, nomeadamente a Histria, estimulando o pensamento

    histrico dos alunos, uma vez que se rodeiam de fontes materiais enquanto

    evidncia da vida de uma comunidade humana no passado (NAKOU, 2003). Ainda

    assim, conveniente que os jovens tenham algum conhecimento de mtodos de

    investigao sobre aprendizagem com objetos em contexto.

    Emmison e Smith (2000) sugerem que a descodificao e a leitura dos

    objetos podem oferecer possibilidades ainda mais ricas do que no caso de imagens

    bidimensionais (p. 110), no devendo, qualquer deles ser usado de forma

    meramente ilustrativa. Defendem que os objetos e edifcios, tal como as imagens,

    carregam significados visuais, sendo tambm smbolos que usamos para definir

    identidades. Do mesmo modo, Lynch (2008) argumenta que os atributos fsicos dos

    espaos pblicos proporcionam sinais e evidncias visuais e espaciais que

    estruturam a sua identidade e articulam-se com aspetos culturais e histricos mais

    latos. Nesse sentido, Ramos (2004a) prope uma pedagogia pedestre, perceo do

    andarilho que tem generosidade para perceber o tanto de tempo que h no espao,

    pois se apagarmos a materialidade do passado que est, por exemplo, na prpria

    configurao urbana, vamos esvaziando o jogo do tempo, aniquilando o processo

    educativo de entrar em contacto com o tanto de experincia vivida que pode ser

    encontrado no mundo dos objetos (p. 81).

    Proporcionar aos jovens a experincia nica do contacto direto, vivencial, com

    diferentes tipologias de patrimnio e inici-los na leitura dos bens patrimoniais, a

    nveis cada vez mais sofisticados, so prticas educativas com enormes

    potencialidades. Como salienta Ramos (2004b) se aprendemos a ler palavras,

    preciso exercitar a leitura da histria que h nos objetos. Lembra ainda que no

    quotidiano usamos uma infinidade de objetos, mas raramente pensamos sobre eles,

    o que limita tambm a reflexo sobre os objetos dos museus. Por isso, defende a

    realizao de atividades relacionadas com a historicidade dos objetos na sala de

    aula, com materiais do quotidiano.

    As visitas a stios histricos e museus sero mais proveitosas se os alunos j

    tiverem aprendido tcnicas de anlise de objetos na aula. Durbin, Morris e Wilkinson

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    (1996), consideram que saber como interpretar objetos cria ligaes positivas entre

    os alunos e outras sociedades do passado e do presente; os objetos proporcionam

    uma experincia concreta que elucida o pensamento abstrato, ajuda a

    memorizao, pois as sensaes fsicas e emoes so retidas durante mais tempo

    do que as ideias obtidas pelas palavras (p. 4). Chamam, tambm, a ateno para a

    necessidade de se orientar os alunos no sentido de observarem os sinais que

    mostram o uso original e a funo atual dos objetos, e de reconhecerem que um

    objeto pode no ser valorizado numa sociedade mas t-lo sido noutras sociedades,

    ou ter um significado social, religioso ou poltico e no ter o mesmo valor para

    diferentes indivduos; enfim, analisar o que ele revela acerca das pessoas que o

    fizeram, usaram e preservaram.

    O uso de fontes patrimoniais no ensino e aprendizagem de histria

    Segundo o estudo europeu Youth and History (Angvik e Borries, 1997), os

    legados histricos so as fontes da Histria que os jovens europeus consideram

    mais fidedignas, isto : museus e lugares histricos e documentao/fontes

    histricas, embora mostrem mais agrado pelos primeiros do que por legados

    escritos. Contudo, uma das aprendizagens mais recorrentes nas suas aulas de

    Histria centra-se na dimenso factual procuramos conhecer os principais factos

    da Histria, como salienta Pais (1999, p. 54).

    Os currculos tradicionais concentravam-se excessivamente na apresentao

    da herana nacional aos alunos e tratavam a Histria como um corpo de informao

    recebida para ser aceite e memorizada; as fontes primrias eram apenas usadas

    ocasionalmente para estimular a curiosidade, o interesse, ou para ilustrar casos

    particulares. Contudo, ainda se verifica, quer nos programas quer na prtica de sala

    de aula, um enfoque em fontes escritas e, por vezes, iconogrficas. A utilizao de

    fontes patrimoniais no ensino e em contexto no to frequente como seria

    desejvel. Para que isso se faa de forma consistente, necessrio promover uma

    educao patrimonial a um nvel fundamentado: proporcionar recursos e atividades

    desafiadoras, usar fontes patrimoniais de forma a contribuir para o desenvolvimento

    da compreenso dos conceitos histricos pelos alunos (PINTO, 2011, 2012, 2013) e

    a interpretao dos contributos culturais, sociais e econmicos de diversos grupos

    nas suas comunidades.

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    Se o patrimnio uma realidade multifacetada, so tambm multplices os

    olhares ou abordagens que a ele se podem dirigir. Mattozzi (2001) equipara a

    interpretao divulgao do patrimnio, diferenciando esta ltima da didtica do

    patrimnio, cuja interveno dever seguir com especial ateno os contributos do

    campo da divulgao e, sobretudo, os da interpretao e da museologia interativa.

    Na mesma linha, Prats (2003) insere a abordagem da didtica patrimonial na

    Didtica das Cincias Sociais, salientando, entre outras atividades, a elaborao e

    avaliao de propostas didticas (mtodos e materiais) para a utilizao formativa

    dos espaos patrimoniais por diversos grupos de possveis utilizadores. Por sua vez,

    as tcnicas e procedimentos utilizados pela educao patrimonial, que se podem

    adequar quer ao contexto formal quer ao mbito no formal de educao, poderiam

    ser regulados por um conjunto de critrios especficos com uma dimenso

    multidisciplinar (Fontal, 2003), relacionando as didticas das cincias sociais e a

    educao artstica e em museus. Segundo Estepa e Cuenca (2006), devemos

    estabelecer critrios bsicos relativos insero do patrimnio no currculo dentro

    das grandes metas estabelecidas para a educao sistematizada, a formao da

    cidadania em geral e para as didticas das cincias sociais e experimentais, em

    particular , partindo de para qu educamos em patrimnio, que formao

    patrimonial devemos promover e como a desenvolvemos e a avaliamos (2006, p.

    53). O conhecimento desse legado estimula a conscincia crtica em relao s

    nossas crenas e identidades, assim como a outras culturas, nomeadamente pela

    partilha de valores com outras sociedades. Por isso, a seleo dos contedos a

    ensinar deve partir de uma profunda anlise crtica, nomeadamente do ponto de

    vista epistemolgico de cada uma das disciplinas. No que respeita metodologia,

    estes autores consideram a investigao escolar como o enfoque mais adequado

    para propiciar aprendizagens significativas, onde a explorao e a investigao do

    meio, partindo de problemas prximos dos interesses dos alunos, analisando

    diversas fontes e chegando a concluses sobre os problemas colocados

    inicialmente, constitui o eixo fundamental da sequncia de atividades da aula.

    Perante a impossibilidade, pelo menos no contexto atual, da integrao da

    educao patrimonial como corpo disciplinar autnomo no currculo, e dada a

    transversalidade que a caracteriza a educao patrimonial e que resulta da

    heterogeneidade inerente ao patrimnio desde o material ao intangvel, do cultural

    ao natural, do imvel ao mvel parece de toda a pertinncia a abordagem de

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    fontes patrimoniais na disciplina de Histria e a investigao dessas atividades de

    educao patrimonial no mbito da Educao Histrica.

    Se verdade que os extensos programas da disciplina de Histria no

    disponibilizam muito tempo para o detalhe, para a discusso e a argumentao

    refletida, tambm possvel, atravs da seleo de assuntos que podero ser

    tratados no mbito da histria local, introduzir de forma interessante e adequada ao

    currculo a abordagem da educao patrimonial no mbito da disciplina de Histria,

    recorrendo, por exemplo, a um museu local especializado ou mais generalista, ou a

    stios histricos prximos da escola. possvel ensinar e aprender a partir do local

    para captar o quadro nacional, analisando fontes locais como microcosmos. Ao

    mesmo tempo, a histria local proporciona oportunidades de explorao de questes

    sobre identidade e o processo de pesquisa histrica.

    A educao patrimonial pode ser desenvolvida com grupos de diferentes

    idades. No entanto, poucas escolas a incluem no seu projeto educativo e muitos

    professores nunca contactaram com metodologias especficas neste domnio. Por

    outro lado, os resultados de alguns estudos de investigao tm vindo a mostrar a

    importncia da educao patrimonial nas experincias de aprendizagem dos alunos

    e a necessidade de uma maior reflexo sobre a sua introduo no currculo. Vrias

    pesquisas no mbito da educao em museus e na linha da Educao Histrica tm

    afirmado a possibilidade de desenvolvimento da noo de temporalidade histrica

    nos alunos por meio da ao mediadora dos objetos da cultura material, dotados de

    significado histrico (NAKOU, 2003; COOPER, 2004; LEVSTIK, HENDERSON,

    SCHLARB, 2005; CAINELLI, 2006; SCHMIDT e GARCIA, 2007; PINTO, 2011), e do

    professor. Assim, a realizao de atividades relacionadas com o patrimnio histrico-

    cultural de uma comunidade pode favorecer a aprendizagem de conceitos histricos,

    o que envolve, no s a compreenso de situaes do passado apresentadas por

    especialistas, mas tambm a experimentao de procedimentos metodolgicos que

    permitam aos alunos a interpretao de diferentes fontes histricas (ASHBY, 2003;

    ASHBY, LEE, SHEMILT, 2005), auxiliando a compreenso da evidncia histrica.

    No entanto, e como salientaram Dickinson, Gard e Lee (1978), demasiado

    simplista a assero de que a natureza concreta dos materiais histricos ajuda as

    crianas a descobrirem acerca do passado. O contacto direto com artefactos e

    edifcios do passado uma oportunidade para aprofundar conhecimentos sobre

    pessoas, lugares e acontecimentos, mas deve permitir algo mais do que isto. Os

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    alunos devem construir a sua interpretao sobre essas fontes histricas,

    relacionando-as com a sua aprendizagem no momento e os conhecimentos

    adquiridos ao longo do tempo, mas tambm desejvel que eles formulem questes

    investigativas e hipteses explicativas acerca do passado de um objeto, edifcio ou

    stio. Para tal, o trabalho com objetos na sala de aula, nos museus ou outros locais,

    no se pode confinar a uma sesso, deve ser um processo contnuo. Os alunos

    precisam de tempo para aprenderem a ler objetos, tal como o necessitam para ler

    textos, e de conhecer os princpios bsicos da sua anlise. Desta forma, os alunos

    no s desenvolvem competncias para interpretarem um stio, edifcio ou objeto,

    mas tambm as podem aplicar a outros objetos ou locais de interesse histrico.

    Andreetti (1993) salienta que os objetos tm, geralmente, uma funo prtica e uma

    funo social, e as observaes dos alunos podem ser orientadas no sentido de se

    organizarem de forma lgica, atendendo tecnologia do objeto (por exemplo, os

    materiais usados), s condies (circunstncias em que foi preservado), ao estilo,

    rea de produo (inscries que possam revelar informao sobre artfices).

    Destaca, ainda, a realizao de atividades com fontes arqueolgicas, sem facultar

    informaes prvias aos alunos, mas colocando questes que os levem a interpretar

    e a apresentar as suas explicaes, gerando o debate.

    Nem todas as crianas vivem rodeadas de vestgios do passado que faam

    sentido no seu presente. Por isso, observar objetos ou um stio histrico pode

    constituir uma experincia educativa privilegiada para estimular o pensamento

    histrico dos alunos atravs da interpretao de fontes relacionadas com diversos

    aspetos da vida de uma comunidade humana no passado. Se, por um lado, a base

    do conhecimento resulta sobretudo do facto de se observar os objetos em contexto,

    descobrindo as suas caractersticas, por outro lado, as respostas dos alunos so

    mais difceis de prever fora do ambiente da sala de aula.

    Neste mbito, fundamental a realizao de estudos sistemticos sobre

    experincias educativas com alunos, pois a progresso no pensamento histrico

    implica tambm o reconhecimento da evidncia histrica como meio para

    compreender conceitos histricos e, acima de tudo, envolve aprendizagens

    significativas, em contexto. A este nvel, o Projeto Recriando Histrias da UFPR,

    coordenado por Schmidt e Garcia (2006), constituiu um bom exemplo de como

    possvel desenvolver processos de ensino e aprendizagem da Histria em que os

    alunos trabalham sobre objetos recolhidos na sua comunidade, de forma a

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    construrem conhecimento histrico, que por sua vez permite orientar a sua ao em

    novas situaes.

    As observaes dos alunos acerca de objetos mais ou menos familiares podem

    ser mais ou menos vlidas, mas importante que compreendam que, ao longo do

    tempo, os objetos podem ter mudado de funo pela perceo das caractersticas

    e das transformaes nos objetos (tecnologia), do estado de conservao e

    circunstncias em que foi preservado, ou do estilo que permite, muitas vezes, a

    datao do prprio objeto. E, como refere Cainelli (2006), mesmo que, inicialmente,

    a noo de mudana temporal esteja ligada ao conceito de progresso linear,

    necessrio desenvolver a ideia de simultaneidade, ensinar a pensar historicamente

    a partir do entendimento da criana dos mltiplos tempos e espaos que formam o

    tempo e o lugar em que ele est vivendo (p. 70).

    Se os jovens necessitam de um ponto de referncia na sua prpria experincia

    e no qual baseiem as novas aprendizagens, tambm podem, segundo Cooper

    (2004), envolver-se ativamente em processos de pesquisa histrica, interpretando

    fontes com diferentes graus de abstrao, fazendo suposies vlidas e dando

    sugestes acerca do modo como as coisas foram feitas ou utilizadas e o que

    significavam para as pessoas que fizeram e/ou usaram esses objetos. Levar os

    alunos a colocarem questes, depois de lhes fornecer algumas informaes chave,

    permite constatar que muitas delas se aproximam das questes dos investigadores,

    possibilitando o contacto com a natureza da pesquisa histrica. Chapman (2006)

    sugere a realizao de tarefas relacionadas com descobertas arqueolgicas nas

    quais os jovens sejam levados a selecionar informao, a apontar concluses

    baseadas nos factos, a identificar as conjeturas realizadas e a discuti-las em grupo.

    Desta forma pode-se ajudar os alunos a reconhecer que h inferncias que

    dependem de conjeturas mas no so suportadas pela evidncia, enquanto outras

    inferncias se baseiam em suposies vlidas. Os alunos acostumados a pensar em

    termos hipotticos podem conseguir melhor desempenho quando confrontados com

    argumentos e interpretaes histricos.

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    Um estudo no mbito da educao histrica e patrimonial

    No mbito de uma investigao de doutoramento em Educao em Histria e

    Cincias Sociais, na Universidade do Minho (PINTO, 2011)2 pretendeu-se

    aprofundar, numa abordagem sistemtica e essencialmente qualitativa (STRAUSS e

    CORBIN, 1998), a compreenso dos sentidos atribudos por alunos e professores a

    fontes patrimoniais, em articulao com conceitos ligados conscincia histrica

    (RSEN, 2001) como os de identidade e patrimnio. Foi, por isso, num contexto

    multidimensional que se definiu o problema inicial do estudo: De que forma alunos e

    professores de Histria interpretam a evidncia de um stio histrico?

    O estudo emprico decorreu no centro histrico de Guimares (norte de

    Portugal), classificado pela UNESCO como Patrimnio Cultural da Humanidade em

    2001, tendo em ateno que pretender simbolizar uma cultura que se universaliza a

    partir de fragmentos patrimoniais especficos pode descurar modos de vida e

    expresses culturais locais cuja historicidade, interpretada de forma apropriada,

    pode ser um contributo para a compreenso do passado percecionado atravs dos

    vestgios e do presente vivido. Assim, alguns objetos ou edifcios situados em locais

    mais conhecidos como a praa da Sra. da Oliveira, ou mais ignotos como a rua de

    Couros foram integrados num percurso tendo em vista a explorao educativa de

    fontes patrimoniais por alunos (40 de 7. ano e 47 de 10. ano, no estudo principal)

    de 5 escolas da cidade de Guimares.

    O percurso atendeu a uma lgica curricular, sendo os espaos, edifcios e

    objetos observados e interpretados na sua relao com o contexto histrico

    estudado, nomeadamente pela ligao a personalidades e eventos polticos, a

    organizao de poderes e crenas religiosas, ou a funes econmicas e sociais

    significativas no mbito da histria local microcosmos da histria nacional e

    europeia. Isto permitiria aos alunos terem uma ideia de conjunto e no de objetos

    isolados, fragmentados ou descontextualizados, e ganharem progressivamente mais

    confiana em lidar com essas fontes (Figura 1), interpretando-as como evidncia

    histrica.

    2 Estudo implementado no mbito do Projeto Conscincia Histrica: Teoria e Prticas II, aprovado

    pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia (FCT), comparticipado pelo Fundo Comunitrio Europeu FEDER (PTDC/CED/72623/2006, FCOMP-01-0124-FEDER-007109) e apoiado por Bolsa de Investigao da FCT no mbito do QREN-POPH Tipologia 4.1 Formao Avanada, comparticipada pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MCTES com a referncia: SFRH/BD/36616/2007.

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    Figura 1- Grupos de alunos realizando a atividade em vrios pontos de um percurso pelo centro histrico de Guimares, Portugal. (Fonte: autora)

    Os instrumentos de recolha de dados foram o questionrio, com formato

    especfico para alunos (guio-questionrio) e para professores, e entrevistas de

    seguimento realizadas a uma parte dos alunos participantes.

    Contributos da educao patrimonial para a aprendizagem de histria:

    anlise de dados

    A anlise dos dados das respostas dos alunos ao guio-questionrio (que

    responderam medida que realizaram o percurso) realizou-se de forma indutiva,

    sendo clarificada, aprofundada e sistematizada ao longo das fases do estudo, no

    sentido de identificar perfis conceptuais dos participantes e construir modelos de

    tarefas a aplicar em educao histrica e patrimonial (PINTO, 2011). Os perfis

    conceptuais referentes s respostas dos alunos foram associados a dois construtos:

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    (1) Uso da Evidncia, relativo ao modo como os alunos utilizam a informao de

    fontes escritas e patrimoniais e inferem a partir do suporte material da evidncia; e

    (2) Conscincia histrica, respeitante ao modo como os alunos do sentido relao

    dialgica entre passado e presente.

    Relativamente ao modo como utilizaram a informao e inferiram a partir da

    leitura das fontes patrimoniais, muitos alunos do 7 ano, mas tambm do 10 ano,

    entenderam as fontes como provedoras diretas de informao e as conjeturas que

    levantaram reportaram-se sobretudo a detalhes factuais. Um nmero expressivo de

    respostas revelou inferncias pessoais com base em conhecimentos prvios,

    estabelecendo algum elo com o contexto poltico e social, e algumas conjeturas

    indiciaram preocupaes temporais e sociais na interpretao das fontes

    patrimoniais. Em menor nmero foram as respostas que revelaram inferncias

    pessoais problematizadoras, formulando questes sobre o contexto em termos de

    relaes temporais, ou colocando hipteses luz de possibilidades diversas (Figura

    2). Quanto ao modo como deram sentido relao dialgica entre passado e

    presente, a partir da leitura das fontes patrimoniais, um grande nmero de alunos

    avaliou as atitudes das pessoas do passado luz de valores do presente ou

    entendeu o passado, em termos genricos, como intemporal e provendo

    conhecimento. Outros compreenderam a forma como o patrimnio chegou ao

    presente pelo seu significado como evocao de acontecimentos chave do passado

    ou pela sua simbologia em termos de identidade local e/ou nacional. Um nmero

    significativo de alunos do 10 ano, mas tambm do 7 ano, compreenderam a

    relao passado-presente de forma linear quanto ao uso e funo das fontes

    patrimoniais, embora procedendo sua contextualizao em termos sociais e

    econmicos. S algumas respostas revelaram um sentido relacional entre passado,

    presente e hipteses de futuro, expressando uma conscincia da historicidade das

    fontes patrimoniais ao reconhecer a sua interpretao de forma contextualizada

    como fundamental para a compreenso histrica (Figura 2).

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    Figura 2- Nveis de progresso de ideias de alunos de 7 e de 10 ano sobre o uso da evidncia e em termos de conscincia histrica (PINTO, 2011).

    Note-se, porm, que os nveis conceptuais no so invariantes, mesmo em

    cada aluno, e nenhum dos nveis mutuamente exclusivo, sendo permevel e

    sujeito a oscilaes em funo do tipo de tarefa. Foi, ainda, possvel constatar a

    relao existente entre os usos das fontes patrimoniais, mais afastados ou mais

    prximos do conceito de evidncia histrica, e os tipos de conscincia histrica que

    os alunos participantes revelaram (Figura 3).

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    Figura 3- Uso da evidncia e conscincia histrica de alunos - uma proposta de sistema conceptual (PINTO, 2011).

    Aps a concretizao da atividade com os diversos grupos de alunos e a

    anlise dos dados das respetivas respostas, procedeu-se realizao de entrevistas

    semiestruturadas de seguimento a 38% dos alunos participantes no estudo principal

    (33 alunos) com o objetivo de esclarecer dvidas quanto interpretao de algumas

    respostas dos alunos e de explorar de forma mais aprofundada as suas ideias, pelo

    que as questes colocadas aos alunos entrevistados se centraram nas respostas

    escritas dos mesmos ao guio-questionrio. Aps uma breve sntese da resposta

    escrita pedia-se ao aluno: Podes explicar o que queres dizer com? e/ou Podes

    dizer algo mais sobre isso?, no sentido de clarificar as respostas e encorajar os

    alunos no seu desenvolvimento.

    Os dados das entrevistas de seguimento foram analisados com base nas

    mesmas categorias usadas para os dados das respostas escritas, uma vez que as

    questes colocadas incidiram sobre as respostas dos alunos nas tarefas escritas do

    guio-questionrio. Pretendeu-se conhecer as oscilaes ou estabilidades

    conceptuais em diferentes contextos de recolha de dados. Grande parte dos alunos

    entrevistados revelou ideias idnticas s das respostas escritas, nas suas

    justificaes e clarificaes, confirmando os nveis conceptuais anteriormente

    observados. No entanto, alguns alunos, quer do 7 ano quer do 10 ano, em situao

    de interao com a investigadora, revelaram uma progresso em termos

    conceptuais, como mostram os exemplos a seguir apresentados.

    A Irene (12 anos, 7 ano), que na resposta escrita questo 1.3 [Gostarias de

    colocar questes para tentares saber mais sobre este local? Quais?] tinha

    questionado acerca de um detalhe observado na fachada da igreja de N. Sra. da

    Oliveira, na entrevista problematizou o seu significado:

    Investigadora- Na questo 1.3, uma das tuas perguntas O que

    representam os anjos? que esto acima da lpide, na igreja. Tens

    alguma possibilidade de resposta para a tua pergunta?

    Irene - Talvez estivesse relacionado com a igreja no sei.

    Inv.- Eles seguram o qu?

    Irene - Um braso e uma coroa, acho eu.

    Inv.- E o que que esse braso representa?

    Irene - Portugal.

    Inv.- E a coroa?

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    Irene - Os reis Talvez os anjos queira significar que esto a

    guardar Portugal a manter a memria e ao mesmo tempo a

    guardavam.

    O Patrcio (12 anos, 7 ano), que na resposta escrita questo 2.2 [O que

    podes saber a partir do que observas?] tinha indiciado uma problematizao dos

    limites da evidncia, um exemplo de que as respostas breves podem esconder,

    por vezes, um pensamento mais elaborado do que aparentam. Nas justificaes

    agora apresentadas, o aluno salientou a importncia da anlise crtica das fontes

    considerando vrias possibilidades indiciando a sua interpretao em termos de

    evidncia histrica , considerou que o conhecimento histrico no sinnimo de a

    verdade, aplicando conceitos prprios da metodologia da Histria:

    Inv.- Quer na resposta questo 2.2 quer na 2.4 dizes que no podemos afirmar ou poder no ser o loudel de D. Joo I. Porque que dizes isso? Patrcio - Porque, como sabemos, uma guerra constituda por milhares de homens, e este loudel serve para proteo, por isso isto aqui muito vago porque ns no temos a certeza se poder ser dele, que tem probabilidades muito reduzidas, ou se poder ser de outro guerreiro que o auxiliou na batalha. Inv.- Em relao ao loudel, continuas com dvidas Patrcio - Porque da histria antiga de nada temos a certeza, porque tudo muito relativo, porque ao longo dos tempos, como passaram centenas de anos, algum poderia ter mudado as coisas, documentos Inv.- Ento no acreditamos em nada do passado? Patrcio - So hipteses, podemos acreditar ou podemos no acreditar porque os factos, nada nos garante a cem por cento o que aconteceu. Inv.- Isso significa que impossvel estudar o passado humano? Patrcio - No impossvel, podemos estudar o passado humano mas sem termos totais certezas do que acontece. Inv.- Ento, o conhecimento histrico significa o qu, para ti? Patrcio - Significa que estamos a evoluir nas descobertas que fizemos antigamente.

    A Amlia (16 anos, 10 ano - Histria da Cultura e das Artes), que na resposta

    escrita questo 5.3 [Gostarias de colocar questes para tentares saber mais sobre

    este local? Quais?] tinha colocado uma questo acerca de um detalhe observado

    nos tanques de curtumes, na entrevista justificou a questo colocada com base na

    relao entre a observao do local e da imagem apresentada no guio-

    questionrio, sugerindo, ainda, possibilidades de resposta:

    Inv.- Na resposta questo 5.3, uma dvida que colocaste era porque que os tanques eram cobertos com tbuas?. Concluste isso a partir de qu?

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    Amlia - Acho que era por causa da segurana e dos cheiros. Inv.- Essa ter sido a resposta que pensaste posteriormente. Mas porque que falas nas tbuas? Amlia - Porque na imagem observei e reparei que os tanques estavam cobertos com tbuas. Inv.- Utilizaste tambm a imagem que aparece no questionrio para tirares as tuas concluses e para fazeres as tuas perguntas? E depois de teres feito, pensaste melhor e concluste Amlia - Que era para segurana porque os homens estavam em cima delas, que era para poderem chegar aos outros tanques.

    A Slvia (15 anos, 10 ano - Histria A), que na resposta escrita questo 3.2

    b) [Qual a sua importncia para hoje compreendermos a poca em que foi

    construdo?] revelara uma conscincia de um passado fixo quanto significncia

    pessoal do edifcio observado o Albergue de S. Crispim ao procurar conhecer a

    poca exata de construo do edifcio, na entrevista, ao clarificar a resposta, revelou

    j uma conscincia histrica emergente na sua tentativa de contextualizao do

    edifcio, relacionando as caractersticas observadas e os conhecimentos prvios da

    disciplina de Histria acerca de estilos artsticos da Idade Mdia e Idade Moderna na

    Europa Ocidental:

    Inv.- Na resposta questo 3.2 b) dizes que no consegues perceber a poca exata. Porqu? Slvia - Percebe-se que de um tempo antigo, mas no d para olhando s para o hospital em si, acho que no d para perceber o tempo em que ele foi construdo. D para perceber que j antigo, porque agora temos melhores condies, mas situar num ano ou se foi na Idade Mdia, Idade Moderna, no consigo. Eu pelo menos, no consigo perceber essa poca, porque no tem uma construo simples mas acho que no se encaixa em nenhuma no d para se encaixar na arquitetura do renascimento, ou na arquitetura gtica.

    A clarificao das respostas escritas, solicitada durante a entrevista, permitiu

    evidenciar melhor a oscilao do pensamento dos alunos, que em nmero restrito de

    casos revelaram um pensamento menos elaborado do que pareciam indiciar nas

    respostas ao guio-questionrio. Noutros casos, a clarificao da resposta escrita,

    durante a entrevista, permitiu reforar a integrao no nvel conceptual

    anteriormente observado. Assim, a Adelaide (16 anos, 10 ano - Histria A), que na

    resposta escrita questo 5.2 b) [Qual a sua importncia para hoje

    compreendermos a poca em que foi construdo/usado?] revelara uma conscincia

    histrica explcita quanto significncia pessoal dos objetos e local observados os

    tanques de curtumes , na entrevista confirmou esse pensamento mais sofisticado

    ao contextualizar algumas das informaes relacionando-as com conhecimentos

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    prvios da disciplina de Histria, nomeadamente ao esclarecer que estudara a Carta

    de Foral do conde D. Henrique (a Guimares), onde j se fazia referncia aos

    couros tratados e que relacionou com a poca de construo dos tanques de

    curtumes:

    Inv.- Na resposta questo 5.2 b) relativa importncia dos tanques de curtumes, dizes que foi devido a uma carta de foral escrita pelo conde D. Henrique no sculo XII. H uma referncia no texto que diz que isto conhecido desde o sculo XII, foi por isso que tu referiste esse facto? Adelaide - Tambm, mas pelo facto de em uma aula de Histria a professora ter entregado uma ficha formativa onde apresentava uma carta de foral escrita pelo conde D. Henrique, no sculo XII, que acho que falava sobre os curtumes. Era da permisso para fazer feiras e isso, e fazia referncia a vrias peles de animais. Da eu interpretar que tinha a ver com a poca em que foram construdos e usados estes tanques.

    A anlise dos dados das entrevistas contribuiu para solidificar a construo de

    um modelo conceptual sobre a progresso de inferncias histricas de alunos

    relativamente ao uso da evidncia a partir de fontes patrimoniais e dos sentidos

    atribudos a essas fontes em termos de orientao temporal, ou seja, os tipos de

    conscincia histrica que revelam quando estabelecem uma relao entre essas

    fontes patrimoniais e o passado, o presente e, possivelmente, o futuro

    Saliente-se que a proposta de nveis de progresso uma construo

    interpretativa a partir das ideias dos alunos. Pretendeu-se contribuir com um estudo

    sistemtico para uma reflexo mais sustentada acerca da compreenso histrica

    com base na explorao de fontes patrimoniais e dos desafios que coloca

    educao histrica e patrimonial.

    Breves consideraes finais

    A heterogeneidade intrnseca do patrimnio, que determina em grande parte a

    transversalidade da Educao Patrimonial, abre possibilidades investigao das

    atividades de explorao de fontes patrimoniais no domnio da Educao Histrica e

    para alm dele.

    O desenho de experincias educativas de contacto direto com o patrimnio

    permite promover sentidos de pertena, suscitar o envolvimento dos jovens na

    construo do seu prprio saber e da sua ao presente e futura. Porm,

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    necessrio ultrapassar uma viso impressionista de experincia meramente ldica

    da sada do espao escolar e reconhecer o seu papel no desenvolvimento da

    compreenso da evidncia pelos alunos, envolvendo-os na construo do seu

    conhecimento histrico.

    Os professores podem realizar uma diversidade de prticas para promover no

    s a compreenso do contexto histrico pelos alunos, mas tambm a interpretao

    de fontes diversificadas, encorajando-os a questionar de forma crtica as fontes e a

    colocar questes cada vez mais complexas. Desta forma, os alunos podero dar

    sentido ao patrimnio como evidncia histrica, e no apenas como simples

    ilustrao ou informao linear. Alm disso, a aprendizagem pode revelar-se mais

    sofisticada quando os alunos inferem a partir das fontes escritas, pictogrficas ou

    patrimoniais e colocam questes em vez de responder apenas s que lhes so

    colocadas.

    A implementao de atividades de educao histrica e patrimonial

    fundamental se desenvolvida de forma sistemtica e segundo critrios

    metodolgicos, com tarefas desafiadoras das concepes prvias dos alunos, de

    acordo com os procedimentos de investigao histrica, propondo o cruzamento de

    fontes diversas em mensagem e suporte, em contexto ou partindo das fontes para

    os vrios contextos (PINTO, 2011). Estas abordagens podem ser estimuladoras da

    interpretao histrica, da compreenso da evidncia que d sentido ao passado,

    mas tambm promotoras de uma conscincia histrica e patrimonial.

    Atividades diversas de educao patrimonial podem ser desenvolvidas com

    grupos de diferentes idades, mesmo em contexto extracurricular atravs de um

    clube do patrimnio, por exemplo. Mas, tanto estas atividades como as

    desenvolvidas no mbito curricular beneficiariam se os professores pudessem ter

    contacto com metodologias especficas nesta rea. A formao de professores nos

    domnios do ensino de Histria e outras Cincias Sociais poderia tambm ser

    enriquecida com formao contnua na rea da Educao Patrimonial.

    Seria importante que os profissionais de ensino de Histria refletissem mais

    sobre o que aprendem os alunos nas suas aulas, como lhes proporcionam a relao

    com o passado e se o fazem a partir da interpretao dos seus vestgios. Alm

    disso, seria desejvel uma reflexo permanente pelos professores quanto s

    possibilidades de articulao, em termos de atividades dentro e fora da sala de aula

    com os seus alunos, entre as indicaes presentes nos documentos oficiais e a

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    histria local, pois nenhuma proposta curricular fechada. Enquanto elemento

    constitutivo dos currculos e programas de Histria, a histria local pode ser

    considerada como um recurso terico e metodolgico em abordagens de ensino que

    permitem relacionar os saberes histricos acadmico e escolar, abrindo a

    possibilidade de construo de um conhecimento histrico significativo para os

    alunos, lanando-lhes desafios cognitivos na sua relao com o meio social onde

    vivem, mas tambm com outras comunidades, outros espaos e outros tempos.

    REFERNCIAS

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    REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    MANUAL ESCOLAR E PRTICA DE COMPETNCIAS: CONCEPES DE

    ALUNOS PORTUGUESES DO ENSINO SECUNDRIO

    Isabel Afonso3

    RESUMO:

    Na atual legislao portuguesa, o manual escolar deixou de ser entendido como um recurso exclusivo na aprendizagem, produzindo significativas alteraes na sua concepo e na forma como se entende o percurso escolar do aluno. O nosso estudo emprico, cuja problemtica o papel do manual de Histria no desenvolvimento de competncias histricas, na perspetiva de professores e alunos do ensino secundrio, procura contribuir para a compreenso do quadro conceptual do uso do manual pelos seus utilizadores no ensino secundrio, designadamente o trabalho com fontes. A amostra participante constituda por cinco professores, a lecionar a disciplina de Histria em escolas pblicas, e respetivos alunos, num total de 117 participantes. Para a recolha de dados utilizou-se um guio de entrevista e materiais histricos propostos no manual adotado nas escolas participantes. Procuraram-se perfis do uso do manual por professores e alunos, dentro e fora da sala de aula, ideias sobre o uso desse recurso educativo para um melhor desenvolvimento das competncias definidas no Programa da disciplina e nveis conceptuais do uso das fontes pelos alunos. Palavras-chave: Manual escolar, Educao histrica, Concepes, Competncia

    histrica, evidncia.

    1. Investigao em Portugal sobre manuais escolares

    A assuno da importncia do manual escolar e dos materiais auxiliares que o

    complementam no sistema de ensino portugus parece ser confirmada nos

    documentos que o Ministrio da Educao (atual Ministrio da Educao e Cincia-

    MEC) vem produzindo no sentido de regulamentar a sua elaborao e posterior

    avaliao e certificao, bem como o perodo de vigncia, poltica de preos e

    emprstimo de manuais.

    A investigao em manuais escolares apresenta-se como um campo de trabalho

    muito vasto e em franca expanso nas ltimas dcadas do sculo XX e incios do

    sculo XXI, por diversas formas e com fins distintos (Magalhes, 2008): como fonte

    sobre a textualidade escolar - ideologia; constituio de inventrios e catlogos; a

    3 Doutora em Cincias da Educao, Especializao em Histria e Cincias Sociais.

    CIED, Universidade do Minho. Email: [email protected]

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    REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    organizao de redes e a explorao metodolgica e sistemtica de sries temticas

    e como instrumento didtico pedaggico.

    Em Portugal tm sido publicados vrios estudos com o objetivo de analisar a

    ideologia subjacente aos discursos dos manuais de Histria, numa perspetiva de

    anlise de contedo. Estas preocupaes estiveram presentes nos trabalhos de

    Radich, Torgal e Amado Mendes.

    Radich analisou os compndios de Histria de Portugal para o ensino primrio,

    desde a segunda metade do sculo XIX at 1974. Constatou a existncia de muita

    propaganda politica expressa ou diluda nos contedos que se privilegiavam e/ou na

    omisso de outros. Assim, a maioria dos manuais analisados perpetuava os mitos

    da Histria de Portugal.

    Torgal (1989) procurou discutir as relaes da Histria com a ideologia,

    focalizando a sua ateno no perodo do Estado Novo. Segundo este investigador,

    no perodo estudado foi visvel uma certa discrepncia entre a historiografia

    universitria que se refugiava numa investigao de tipo metdico, narrativo e

    documentalista e a Histria que se ensinava, divulgava e comemorava, claramente,

    ao servio de um ideal (Ibidem, pp. 31- 32). A escola e o livro nico, que

    perpetuavam as histrias do regime, os seus heris e os grandes feitos eram meios

    e estratgias utilizadas para reproduzir o sistema ideolgico do Estado Novo.

    Amado Mendes (1999) estudou a relao entre o conceito de identidade nacional

    e ideologia em manuais portugueses do terceiro ciclo do ensino bsico no perodo

    de 1976-1992. Constatou que os manuais escolares da dcada de 1980 introduziam

    o estudo da disciplina de Histria atravs de um captulo com reflexes sobre a

    natureza da Histria: a) O que a Histria? b) Para que serve a Histria? c) O

    trabalho do historiador e d) A contagem do tempo. Segundo o autor, isto resultou da

    necessidade de tornar a disciplina mais compreensvel e da consciencializao dos

    autores/editores da necessidade de tornar mais objetivo e cientfico o ensino da

    Histria. Atravs da quantificao de determinados conceitos detetou a importncia

    que era dada aos valores democrticos e formao dos jovens para o exerccio de

    uma cidadania participativa. Relativamente aos temas, observou que alguns no

    merecem a devida ateno, como seja a cincia, a tecnologia, a industrializao, o

    quotidiano, os annimos e os sem voz. Concluiu, ainda, que os manuais escolares

    apresentavam uma viso exageradamente eurocentrista, patente no relevo dado s

    viagens de explorao feitas pelos ocidentais por oposio ao silncio das viagens

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    REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    dos orientais em direo ao ocidente. Nos manuais estudados, o autor detetou que o

    tema da identidade nacional raramente era focado de forma explcita com exceo

    para a crise de 1383-85, apesar de circunscrita questo da independncia e ao

    confronto com Castela. A viso eurocentrista dos programas de Histria, e que

    naturalmente materializada nos manuais escolares, mantm-se na atualidade. Na

    altura, o autor alertou para a necessidade de se esbater o fosso entre a Histria que

    se faz e a que se ensina e, para tal, propunha a reviso dos manuais escolares que

    deviam incluir temticas do gnero, das identidades e das ideologias, entre outras,

    refletindo a investigao acadmica produzida nesses domnios (idem, p. 349). Esta

    proposta mantm-se atual.

    A discusso relativa a vises particulares do passado nacional veiculada nos

    manuais escolares (repositrios dos programas oficiais) sobre temticas comuns a

    vrios pases, orientou tambm a investigao de Maia (2010), em Portugal. A

    investigadora analisou o contedo dos manuais escolares de 17 pases da Europa

    do Norte, Europa Ocidental e Europa de Leste, no perodo de 1980 2000 e as

    orientaes curriculares de cada pas considerado, bem como a transposio

    dessas orientaes para o contedo dos respetivos manuais sobre a temtica.

    Identificou diferenas no compromisso dos autores dos manuais com as orientaes

    programticas que estes pases desenvolveram nas dcadas em estudo. Nos

    manuais escolares da Europa ocidental e da Europa do norte constatou as

    influncias da democracia liberal, no omitindo a apresentao da viso da

    democracia popular, ao invs dos manuais da Europa de leste onde o tom

    depreciativo em relao democracia liberal e ao mundo capitalista foi sinalizado.

    Constatou tambm que os manuais escolares da Europa do norte, dos anos de

    1980, adotavam uma postura de neutralidade em relao ao tratamento da Guerra

    Fria. Na dcada de 1980, os manuais escolares da Europa de leste veiculavam uma

    ideologia marxista-leninista, presente nos documentos oficiais, e que os autores dos

    manuais seguiam como uma bblia, sem preocupaes com a integrao de novos

    contributos produzidos pela investigao historiogrfica. Na dcada de 1990

    verificou-se uma alterao radical no tratamento da Guerra Fria nessa zona

    geogrfica, eliminando a viso do inferno do capitalismo e do mundo ideal do

    comunismo, dando espao a novas leituras fundamentadas em investigao

    historiogrfica mais recentes sobre o perodo (Ibidem, pp. 326-327).

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    REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    As fontes disponveis no manual tm constitudo tambm material histrico

    para pesquisas em cognio histrica.

    Barca (2001) procurou perceber como que os jovens portugueses veem o

    encontro de portugueses e brasileiros em 1500. Com esse objetivo confrontou uma

    turma de alunos portugueses a frequentar o 11. ano com mensagens contendo

    diferentes perspetivas: uma perspetiva apresentada pelo manual adotado na escola

    que frequentavam e uma outra sugerida por um manual brasileiro. Esta tarefa

    pretendia provocar a reflexo dos jovens sobre a temtica, reforar ou confrontar as

    suas ideias, estabelecer critrios de validao das fontes de informao

    apresentadas e tomar posio sobre uma das verses. Todos os jovens

    participantes estabeleceram a distino entre as duas fontes. A perceo de

    omisses e de discordncias entre as fontes foram notadas em diferentes nveis, o

    que vem corroborar o princpio de que o indivduo interpreta de acordo com as suas

    vivncias pessoais e valores. Quanto avaliao das fontes em termos de equilbrio

    e perspetiva, as respostas oscilaram entre trs nveis conceptuais de ideias:

    a) uma atitude indiscriminada, no levando em conta as contradies no tratamento de alguns aspetos histricos; b) uma tomada de posio etnocentrada, valorizando sobretudo a agregao da informao; c) uma tomada de posio descentrada, integrando novas perspetivas (Ibidem, p. 243).

    Um grande nmero de alunos conseguiu ultrapassar uma imagem

    etnocentrada do Outro, apresentando vises equilibradas.

    Mais recentemente, e tambm na linha de investigao em cognio situada,

    Moreira (2004) fez um estudo com alunos a frequentar o 8. ano de escolaridade,

    partindo das fontes do manual escolar adotado na escola onde o estudo foi

    implementado. O objetivo era indagar como que os alunos utilizam as fontes

    histricas propostas no manual escolar e que conhecimentos substantivos

    constroem a partir dessas fontes e, ainda, quais as principais dificuldades reveladas

    pelos alunos quando trabalham com fontes histricas. A investigadora constatou que

    a maioria dos alunos foi capaz de selecionar elementos das diferentes fontes do

    manual escolar para a temtica concreta e que alguns conseguiram reformular essa

    informao de forma consistente. Constatou ainda que as fontes consideradas mais

    teis pelos alunos para a realizao das atividades foram as escritas e as menos

    teis as iconogrficas. Entre as fontes escritas, o texto informativo foi a fonte mais

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    REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    til dado que fornecia mais informao, Relativamente a outro tipo de fontes, os

    alunos consideraram que tm as funes de ilustrar, completar e ajudar a

    compreender o texto informativo. As principais dificuldades dos alunos, e no que diz

    respeito s fontes iconogrficas, situaram-se ao nvel da interpretao (superficial)

    da mensagem veiculada por esse tipo de fontes (Ibidem, p. 4).

    Simo (2007) pesquisou as concepes de alunos de 8. e 11 anos de

    escolaridade sobre evidncia histrica a partir das fontes disponveis nos manuais

    adotados. Com base nas respostas dos alunos contruiu um modelo conceptual das

    ideias dos alunos: 1. Evidncia como cpia do passado; 2. Evidncia como

    informao; 3. Evidncia como testemunho ou conhecimento; 4. Evidncia como

    prova; 5. Evidncia restrita; 6. Evidncia em contexto.

    As ideias dos professores de Histria sobre a utilizao de fontes do manual

    escolar, em contexto de sala de aula tm, ainda, sido objeto de estudo para

    dissertaes de mestrado em educao histrica.

    Costa (2007) fez um estudo com uma amostra de 16 professores a lecionar o

    oitavo ano da escolaridade bsica com o objetivo de compreender a receo dos

    professores ao manual e a importncia atribuda a este instrumento educativo, bem

    como a descrio de uma aula a partir de uma unidade temtica - O Renascimento

    com as fontes apresentadas em dois manuais. As concluses sugerem que o que os

    professores mais/menos apreciam o grau de desenvolvimento da narrativa, a

    adequao das fontes, as imagens apelativas e as atividades propostas pelo

    manual. Verificaram-se diferenas em relao a um e outro manual escolar, mas

    todos os professores o consideraram imprescindvel. A maior parte dos professores

    participantes considerou as fontes um recurso didtico necessrio e fundamental

    para a construo do saber histrico (Ibidem, p.V).

    Estes estudos podem fornecer pistas de trabalho para a ao concreta, quer

    na elaborao, quer na seleo e utilizao destes instrumentos educativos. Por

    outro lado, importa no esquecer que o manual escolar enfrenta atualmente novos

    desafios pois deixou de ter o papel tradicional de simples transmissor de

    conhecimentos escolares.

    Importantes contributos para a histria do livro e do manual escolar

    desenvolvem-se em redes de investigao que tm fomentado a construo do

    domnio cientfico da manualstica escolar e educacional (Magalhes, 2006). Neste

    contexto, salientam-se os seguintes projetos:

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    REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    - Projeto de investigao patre - manes ligado Universidade Nacional de

    Educacin a Distancia de Madrid, Facultad de Educacin, Departamento de Histria.

    No mbito deste projeto tem-se produzido investigao sobre manuais europeus e

    latino-americanos do sculo XIX ao sculo XX, da qual se criou uma base de dados.

    - Projeto emmanuelle, criado em 1980 por Alain Chopin e dedicado histria

    do livro e das edies escolares em Frana, estas numa perspetiva histrica e

    comparada. O projeto possui dois bancos de dados, um que recenseia

    exaustivamente os manuais escolares franceses desde 1789 e outro que abriga as

    investigaes sobre o manual escolar.

    Quanto a instituies internacionais, destaca-se o Instituto para a

    Investigao Internacional sobre os manuais escolares Georg Eckert (Georg

    EckertInstitut fr Internationale Schulbuchforschung) sediado na Alemanha. O

    instituto possui um banco de dados constitudo por cerca de 180 000 exemplares de

    manuais escolares de mais de 90 pases e 50 000 volumes de bibliografia sobre

    investigao em manuais escolares e referentes aos programas e orientaes

    curriculares de variados pases (Maia, 2010).

    Em Portugal, o projeto eme Estatuto, funes e histria do manual escolar

    desenvolvido no mbito do centro de Estudos em Educao da Universidade do

    Minho, e coordenado por Rui Vieira de Castro, orienta os seus trabalhos

    investigativos para dois domnios de anlise: o manual escolar como instrumentos

    didtico - pedaggico e cultural e o processo de conceo, produo, difuso e

    receo/uso desse instrumento educativo.

    A Universidade Lusfona de Lisboa Instituto de Educao, desenvolve dois

    projetos de investigao sobre manuais escolares, coordenados por Jos B. Duarte.

    O primeiro intitula-se Manuais escolares, e - manuais e atividades dos alunos e o

    segundo Manuais escolares para o pensamento crtico (Textbooks for critical

    thinking) que d continuidade ao trabalho de anlise das atividades propostas nos

    manuais de diversas disciplinas. Ambos tm como objetivo contribuir para uma

    melhor produo e utilizao dos manuais pelos professores e alunos. No mbito

    destes projetos, a instituio tem organizado colquios internacionais anuais desde

    o ano de 2009.

    2. O estudo final

    O problema

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    REVISTA DE EDUCAO HISTRICA - REDUH - LAPEDUH Nmero 06/ Maio 2014 - agosto 2014

    Para Tuckmann (2012) existem cinco regras bsicas para a escolha da

    problemtica de investigao:

    - Praticabilidade avaliar se o tema escolhido est dentro dos limites e

    constrangimentos temporais a que o investigador est sujeito, o acesso amostra

    necessria e requerida; a praticabilidade da metodologia exigida para responder ao

    problema.

    - Amplitude crtica avaliar se o tema escolhido suficientemente vasto para

    dar origem a uma investigao;

    - Interesse refletir se o tema escolhido entusiasma e/ou est relacionado com

    a carreira da investigadora, com as suas leituras, com o seu contexto cultural; refletir

    sobre o interesse que o tema possa despertar em outras pessoas.

    - Valor terico averiguar se existem lacunas na rea de investigao que

    possam ser colmatadas pela presente investigao.

    - Valor prtico perspetivar o impacto da investigao na melhoria das prticas

    educativas ou nos diversos agentes envolvidos na poltica educativa (Ibidem, pp.

    111-114).

    Segundo o mesmo autor, a escolha de um problema depende, em termos

    gerais, do seu carter prtico e gratificante. A praticabilidade de determinado estudo

    foi j acima explicitada; o carter gratificante, em primeiro lugar deve contar com a

    informao obtida a partir da reviso de literatura e, em segundo lugar, com a

    experincia do investigador. O objetivo deve ser