Cultura.Sul46Junho

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JUN | 2012 • Nº 46 • Mensal • O Cultura.Sul faz parte integrante da edição do POSTAL do ALGARVE e não pode ser vendido separadamente Sónia Little B Cabrita estreia-se em disco p. 5 Fotografia de Arquitectura na visão de Ana Oliveira p. 7 Algarve interior: Saber e identidade p. 11 Novas Formas na Gestão do Património Cultural p. 12 JUNHO • Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO www.issuu.com/postaldoalgarve 9.269 EXEMPLARES CARLOS PINTO PHOTOGRAFY

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A comunidade e a escola, por Henrique Freire » BLOGOSFERA.S: Viagem de ida e volta, por Jady Batista » ESPAÇO CRIA: A relação entre Universidades, Regiões e Empreendedorismo, por José Gonçalves » CINECLUBE FARO: Cinema ao ar-livre chega este mês » CINECLUBE DE TAVIRA: Lynne Ramsey mostra “We Need to Talk about Kevin” » ESPAÇO AGECAL: Toponímia: Uma memória das memórias, por Tânia Fernandes » PANORÂMICA.S: O jazz the Sónia Little B Cabrita, por Ricardo Claro » MOMENTO.S: 9ª Sinfonia de Beethoven - comentada, por Vítor Correia » ESPAÇO ALFA: Fotografia de Arquitectura, por Ana Oliveira » ESPAÇO EDUCAÇÃO: Diálogos intergeracionais – Dar mais vida aos anos e mais anos à vida » QUOTIDIANOS POÉTICOS: João Lúcio, por Pedro Jubilot » Livro.S: O Estudante de Coimbra… é de Faro!, por Adriana Nogueira » VIVÊNCIAS NO ALGARVE - PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL: Algarve interior: saber e identidade, por Marta Luísa Francisco » ESP. CUL.: Novas fórmulas para a gestão do Patri

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Novas Formas na Gestãodo PatrimónioCultural p. 12

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Ficha Técnica

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Henrique Dias Freire

Paginação: Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:» blogosfera.S: Jady Batista» livro.S: Adriana Nogueira» momento.S: Vítor Correia» panorâmica.S: Ricardo Claro» patrimónios.S: Isabel Soares

Colaboradores:AGECAL, ALFA, CRIA, Cine-clube de Faro, Cineclube de Tavira, DRCAlg, DREAlg, António Pina, Pedro Jubilot. Nesta edição: Ana Oli-veira, José Gonçalves, Maria Luísa Francisco, Tânia Fernandes

Parceiros:Direcção Regional de Cultura do Al-garve, Direcção Regional de Educa-ção do Algarve, Postal do Algarve

e-mail:[email protected]

on-line: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem: 9.269 exemplares

Henrique Dias FreireEditor do CULTURA.SUL

A comunidade e a escola

Com testes e exames a de-correr no ensino, muito se tem falado da revisão curricular.

Mais do que nunca, o con-tributo da escola pode e deve ser uma resposta à actual crise de esperança que a sociedade atravessa. O papel escolar para a coesão social é essencial. E um maior envolvimento da comunidade na escola é fun-damental.

Dos vários modelos exis-tentes, a questão nuclear passa por ter que fazer frente ao dra-ma da nossa escola. A actual formatação que tem sido feita para o aluno médio acaba por nivelar o impossível. Penali-za e difi culta a aprendizagem dos alunos mais fragilizados. Não incentiva nem desenvolve o máximo possível dos poten-ciais bons alunos, pois nunca um aluno é tão bom que não possa melhorar. Nivelar com a mesma bitola níveis diferen-tes resulta num ensino medí-ocre.

Para se poder atingir níveis de excelência a resposta terá que passar cada vez mais pela fl exibilização e diferenciação das respostas educativas, quer do Ministério da Educação, quer através do próprio envol-vimento da comunidade.

A título de nota de rodapé, deixo aqui um exemplo ins-pirador: o projecto Porto de Futuro, iniciado em 2008 com uma parceria entre a Universi-dade e a autarquia portuense. A fórmula parece ser simples. Alunos do ensino superior aceitam de forma voluntária serem uma espécie de tutores dos mais novos, funcionando como verdadeiros modelos de referência.

blogosfera Jady BatistaUm espaço que dá relevo a uma fonte de actividade literária que fervilha, muitas vezes, à margem dos circuitos convencionais.

De regresso, e sem difi culdade de reintegração, uma vez mais sentem-se em casa no seu beiral. Ano após ano, o mesmo casal de andorinhas chega a cada Primavera, sobrevoando frontei-ras, sem arrepiar caminho, vagueando após inúmeras derivas. Quando os fi -lhos ganham independência, voltam a partir numa trajectória migratória a milhares de quilómetros daqui. Até para o ano!

Blog: http://caprichodointelecto.blogspot.pt/

Postagem: http://caprichodointe-lecto.blogspot.pt/2012_05_24_archive.html#8111843194579047544

Viagem de ida e volta

Espaço CRIA

A relação entre Universidades, Regiões e Empreendedorismo

As relações que as instituições pú-blicas ou privadas estabelecem entre si, exercem uma forte infl uência no empreendedorismo, pois todas inter-vêm diretamente sobre a sociedade e devem ter um papel ativo na criação de estratégias conjuntas de apoio e de incentivo ao empreendedorismo, que devem, em última instância, resultar em empresas de sucesso.

Neste sentido, as universidades parecem ter uma infl uência determi-nante na criação de novas empresas nas regiões em que estão inseridas, mas existe, ainda, um vasto conjunto

de fatores que ditam o (in)sucesso dos empreendedores. Um desses fatores, será, certamente, as características intrínsecas das próprias regiões, que infl uenciam diretamente o tipo de atividades económicas existentes ou a implementar na região. Apesar do conhecimento desta característica ser fundamental para ultrapassar alguns dos possíveis obstáculos internos, é na sintonia entre as diferentes forças: empresas, universidades e decisores políticos, onde reside parte da res-posta a esse desafi o.

O que se tem vindo a fazer, nos últimos anos, é defi nir estrategica-mente a direção a seguir pela região. A prova disso, são os muitos docu-mentos que têm sido publicados pelos principais atores, como por exemplo o “Plano Regional de Inovação do Al-garve”, que surge em 2007 através de uma parceria entre a Universidade do Algarve e outros organismos regio-nais. Apesar da desatualização, atual, do documento, este representou uma conquista, e pode ainda representar, em muitos dos seus aspetos, um rumo

a seguir. Outra evidência destas si-nergias são os eventos relacionados com o empreendedorismo que se têm vindo a realizar nestes últimos anos. No mês anterior tivemos um de escala nacional no Algarve: «MF24 – Meu Futuro 24, Faro», que resultou da cooperação entre várias entidades regionais.

Outra das lutas, que se tem vin-do a travar pelas várias entidades regionais (que de certa forma está inerente à anterior), é a clara e cres-cente aposta no empreendedorismo, aliada à Investigação e Desenvolvi-mento Tecnológico (IDT), no qual a Universidade do Algarve, através do CRIA e dos Centros de Investigação, tem desempenhado um papel funda-mental. As universidades que apos-tam em IDT, como a Universidade do Algarve, acabam por imputar nas regiões capital humano qualifi cado de elevado valor criativo, contudo a disponibilização de capitais de risco e a existência de um Pólo Tecnológico nas regiões, são alicerces essenciais para o crescimento e desenvolvimen-

to económico das mesmas. Tal como, os relacionamentos entre empresas, universidades e Estado, acabam por ser “pontes” muito importantes para o desenvolvimento de um ambiente propício à criação de novas empresas, pois os empreendedores aparecerão de uma forma natural.

Partindo do princípio que cada pessoa é um potencial empreen-dedor, é este o caminho a seguir: estabelecer e reforçar relações entre entidades, com vista à criação de um ambiente regional propício ao empreendedorismo, ou seja, um ambiente que facilita a criação e im-plementação de estratégias comuns de apoio e incentivos ao empreen-dedorismo. Este percurso é urgente e existe ainda um longo caminho a percorrer. Cabe aos agentes conti-nuar a trabalhar como uma equipa, pois só assim poderão construir sinergias mais fortes e focadas na missão comum: incentivar a criação de novas empresas e melhorar as já existentes, facilitando assim (e também) a criação de emprego.

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José GonçalvesGestor de Ciência e Tecnologia do CRIA ‒ Divisão de Empreendedorismo e Trans-ferência de Tecnologia da Universidade do Algarve

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cinema

Cineclube de Faro

Para além de colaborações pontuais no mês de Junho (com a ASMAL e com o Colégio do Alto) e da que efectuamos desde Janeiro com a Junta de Fregue-sia de Estoi, o CCF termina o seu ciclo “Viagens”, no IPJ, com dois fi lmes por-tugueses – um, bem algarvio, realizado por João Marcos e com actores e técnicos da nossa região, que é para nós um prazer incluir na nossa programação. A sessão contará com a presença do realizador e da protagonista!

No dia 12, esse marco que é o fi lme Tabu, de Miguel Gomes, que obteve dois prémios num dos mais importantes festi-vais de cinema do mundo, o de Berlim. Uma viagem a África que é uma história de amor, individual, a um país e a um con-tinente, exercício de nostalgia, purismo cinematográfi co com arrojo experimen-tal, Tabu é, de si, um acontecimento, que tentaremos que seja ainda maior: se houver reservas em número sufi ciente, a

sessão acontecerá no Grande Auditó-rio de Gambelas! As reservas e a venda antecipada de bilhetes já decorrem, e a bom ritmo!

Junho, mês de Verão, convida às nossas primeiras sessões de cinema ao ar livre. Nos jardins da traseira da nossa sede, aprazivelmente, com águas e cervejinhas fresquinhas à disposição do nosso públi-

co, gargalhadas soltar-se-ão num ciclo de comédias protagonizadas por esses gigantes da representação da 7ª Arte, casal na vida real, que foram Katharine Hepburn e Spencer Tracy. Oportunidade de as estrelas (de cinema) acompanharem as estrelas (do céu), para nos abençoar a todos com noites diferentes das habituais! Apareçam e desfrutem!

CICLO VIAGENSIPJ | terças-feiras | 21.30 horas | Entrada paga

5 JUN | Além de Ti, João Marco, Portugal, 2012, 92’

12 JUN | Tabu, Miguel Gomes, Portugal/Alemanha/Brasil/Fran-ça, 2012, 110’

CICLO KATHARINE HEPBURN & SPENCER TRACY ‒ OLHA QUE DOIS! (CINEMA AO AR LIVRE)Jardins da sede | 21.30 horas |Entrada livre

6 JUN | A Costela de Adão,George Cukor, EUA, 1949, 101’13 JUN | A Mulher Absoluta,George Cukor, EUA, 1952, 95’20 JUN | A Mulher que Sabe Tudo, Walter Lang, EUA, 1957, 103’27 JUN | Adivinha Quem Vem Jantar, Stanley Kramer, EUA, 1967, 108’

CICLO O QUE É NACIONAL É BOM!Cine-Teatro de Estoi | 21.30 horas | Entrada livre

8 JUN | Amália, O Filme, Carlos Coelho da Silva, 2008, 127’22 JUN | À Flor do Mar, João César Monteiro, 2006, 143’

PROGRAMAÇÃOwww.cineclubefaro.com

Cinema ao ar-livre chega este mês

Cineclube de Tavira

Lynne Ramsey mostra “We Need to Talk about Kevin”

SESSÕES REGULARESCine-Teatro António Pinheiro | 21.30 horas

3 JUN | This Must be the Place (Este é o Meu Lugar), Paolo Sorrentino, Itália/França/Irlanda 2011, M/168 JUN | A Obra prima ‒ A Alma-draba Atuneira, António Campos, Portugal 1961, M/6 (co-produção com Chão-de-Gente)9 JUN | Tinker Taylor Soldier Spy (A Toupeira), Tomas Alfredson, França/Reino Unido/Alemanha 2011, M/1214 JUN | Rafa, João Salaviza e NANA de Valérie Massadian, Por-tugal 2012 e França 2011, M/1217 JUN | A Dangerous Method (Um Método Perigoso), David Cro-nenberg, Reino Unido/Alemanha/Canadá/Suiça 2011, M/16

21 JUN | We Need to Talk About Kevin (Temos de Falar Sobre Ke-vin), Lynne Ramsey, Reino Unido/E.U.A. 2011, M/1623 JUN | The Grey (A Presa), Joe Carnahan, E.U.A. 2011, M/1628 JUN | Les Infi dèles (Descara-damente Infiéis), Emmanuelle Bercot, Fred Cavayé, Jean Dujar-din, Michel Hazanavicius..., França 2012, M/16

PROGRAMAÇÃOwww.cineclube-tavira.com 281 320 594 | 965 209 198 | [email protected]

“CICLO DE MÚSICA DO SÉCULO PASSADO”16 JUN | 21.30 | Igreja Matriz de Estoi - FaroA Orquestra do Algarve vai percorrer o século XX, passando pelas mais diversas correntes artísticas. Assim, vão ser celebradas obras de Federick Delius, Frank Bridge, Gabriel Fauré e Arnold Schoenberg, sob a direcção do maestro Christopher Braime

“ÍCONES, METÁFORAS E METAMORFOS”Até 30 JUN | Galeria de Arte Pintor Samora Barros - AlbufeiraExposição de pintura de Lino Gonçalves, artista autodidata que expôs pela primeira vez em 1999 na exposição “Cores e Formas dos Nossos Ar-tistas” e venceu o primeiro prémio do concurso; proeza que viria a repetir em 2007de

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Cena do fi lme We Need to Talk About Kevin

Adivinha Quem Vem Jantar em exibição ao ar livre

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Cultura.Sul01.06. 2012 �

TEATRO

ACTA representa Algarve no 5º Festival das Companhias

A Companhia de Teatro do Algar-ve (ACTA) é uma das seis companhias que, de quinta-feira da próxima sema-na a sábado, participa na quinta edição do Festival das Companhias, no Teatro Garcia de Resende, em Évora.

Participam no evento a Escola da Noite, de Coimbra; o Teatro das Bei-ras, da Covilhã; o Teatro da Serra do Montemuro; a ACTA - A Compa-nhia de Teatro do Algarve, de Faro; a Companhia de Teatro de Braga e a companhia anfitriã, o Cendrev – Centro Dramático de Évora, que decidiram, há cerca de oito anos, criar uma plataforma que se traduz num espaço de trabalho envolvendo estas seis companhias, que desenvolvem regularmente as suas actividades em cidades de média dimensão e noutros locais do interior do país.

Estas estruturas teatrais, ainda que com projectos diferenciados, parti-lham um conjunto de problemas que decidiram equacionar em conjunto na perspectiva de melhor contribuir para a sua resolução. Daí a criação desta plataforma que se traduz na reflexão e tomada de posição sobre diferen-tes aspectos da actividade teatral, na regular circulação dos espectáculos

de cada companhia nos espaços dos parceiros, na edição de um jornal e na organização do Festival das Compa-nhias que decorreu já em Faro, Braga, Montemuro e Coimbra.

Esta edição, que é organizada pelo Centro Dramático de Évora - Cendrev, apresenta os seguintes es-pectáculos: “Jardim”, de Alexej Schi-penko; “Provavelmente uma Pessoa”,

de Abel Neves; “O Abajur Lilás”, de Plínio Marcos; “De Ulisses… Nunca Digas Tolices – A Guerra de Tróia”, de Alexandre Honrado; “Cavalo Manco não Trota”, de Luis

del Val; “Laço de Sangue”, de Athol Fugard, e “Louco na Serra” de Peter Cann e Steve Jonhstone.

Para além da apresentação dos espectáculos, decorrem também a realização de dois momentos de de-bate: um Plenário das Companhias para reflectir sobre os processos de trabalho e as condições que temos para os concretizar, que reúne todas as equipas envolvidas e uma mesa-redonda, aberta ao público, subordi-nada ao tema O Teatro em tempo de crise, para a qual foram convidados representantes de várias instituições locais, regionais e nacionais com res-ponsabilidades no estabelecimento das políticas culturais e na sua in-cidência na vida das cidades e das regiões. A abertura do Festival será também o momento para a distri-buição da próxima edição do “Jornal das Companhias”. Este evento está integrado na rede CULTURBE, um projecto de programação em rede acolhido positivamente no âmbito do QREN através de um financiamento estabelecido pelas CCDR do Norte, Centro e Alentejo. Mais informações sobre o festival encontram-se no site www.cendrev.com.

Toponímia: Uma memória das memórias

Todos sabemos onde moramos. Ou, pelo menos, deveríamos saber. E essa é a verdade paradigmática da toponímia enquanto ferramenta de gestão urbana. Auxilia quem visita um local, quem procura um cami-nho, um edifício, um lugar.

Deriva o termo toponímia da pa-lavra grega topos, que significa lugar e da palavra ónoma, que significa nome. Assim sendo, infere-se que não há lugar sem nome e não há nome sem lugar.

O nome que perdura num sítio, lugar ou rua e o porquê da sua perma-nência ou atribuição advêm da realida-

de particular de cada localidade.É através deste que se perpetu-

am memórias: a memória de um sí-tio, de um uso ou costume, de uma profissão ou de uma ocupação típi-ca desse espaço. Por conseguinte, a toponímia é, por excelência, um “espaço de memória”, que dá corpo e originalidade a cada região.

Poderemos sempre questionar-nos qual a dimensão cultural da toponímia, sendo que a sua abran-gência, não nos ajuda a esclarecer o seu papel. Esta perpetua memórias, conceitos, é espelho de uma popu-lação e da história que encerra.

No entanto, a sua dimensão não se esgota nos topónimos, nem nos seus significantes. A toponímia é, por ela mesma, uma ferramenta de estudo, quer geográfico, histórico, sociológico, em suma, cultural.

Tomemos o Algarve como

exemplo: quantos concelhos têm, na sua toponímia, alusões à indús-tria conserveira, às espécies de fau-na ou flora autóctones, a profissões típicas, entretanto já desaparecidas, ou a acontecimentos históricos lo-cais? A resposta: todos.

Extrapolando para a análise identitária de um povo, a topo-nímia é um dos seus referentes e permite, igualmente, antever a cronologia e as disrupções sócio-políticas do país.

Todas, ou quase todas, as cida-des tiveram uma avenida ou rua Salazar que, invariavelmente, se “transformou” na avenida ou rua 25 de Abril. Quase todos os luga-res encerram a rua ou avenida 5 de Outubro, data da implantação da República, exceptuando talvez Odiáxere, concelho de Lagos, que tem a rua 6 de Outubro.

Por outro lado, permite-nos descobrir “afectos” por espaços e lugares que, não sendo o berço de uma determinada personalidade, com eles criou uma ligação intíma e emocional, que se alimenta re-ciprocamente. Um exemplo claro é o de Sophia de Melo Breyner Andresen. Apaixonada pelo mar, e por Lagos, eternizou-o e eter-nizou-a na sua escrita. A cidade, por sua vez, eternizou-a na sua toponímia.

Sabemos onde moramos. Muitas vezes, por mera curiosidade, dese-jamos saber a origem do nome: o que será que quer dizer a Rua dos Tanoeiros, ou a dos Aguazis, ou ainda a dos Almoxarifes?

A importância da toponímia não se verifica exclusivamente nos acontecimentos históricos ditos “maiores”. Respira o nosso quoti-

diano, o que nos preenche, alberga e homenageia quem a sociedade local dignifica e/ou pretende per-petuar, na memória colectiva.

Pretende-se então que se enten-da a toponímia não como um fim em si mesma – o de identificar uma rua ou um espaço – mas como algo mais: uma autêntica ferramenta de trabalho, transdisciplinar, que nos aporta a possibilidade de gerir efi-cazmente os arruamentos urbanos e, simultaneamente, uma fonte de informação imprescindível, quando o que se pretende é caracterizar, histórica, geográfica, geológica ou sociologicamente uma zona.

O espaço público reflecte o que de mais autêntico existe numa dada região e nós, enquanto sociedade, plasmamos valores, ideais, concei-tos morais ou de identidade nas ruas que calcorreamos…

Espaço AGECAL

Tânia Fernandes Sócia da AGECAL – Técnica Superior da Câmara Municipal de Lagos

“Laço de Sangue” é uma das peças que a ACTA leva à cena em Évora

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5Cultura.Sul01.06.2012

Ricardo Claro panorâmica 5

A bateria não foi uma escolha na vida de Sónia Little B Cabrita, antes o que a sua maior paixão, a música, lhe reservou num percurso que escolheu como “forma de vida”.

As baquetas colaram-se-lhe às mãos quando em 1995 criou as Picklepuss, uma banda rock da cena musical fa-rense de meados da última década do século passado, por muitos considerada como um dos melhores momentos da criação musical na região.

Hoje um nome incontornável quan-do se pensa em bateristas em Portugal, ainda mais se se pensar numa mulher atrás da bateria, Sónia Little B Cabrita lançou recentemente o seu primeiro CD. Uma obra homónima que em sete músicas apresenta cinco originais compostos pela própria e dois temas adicionais.

As Picklepuss foram o princípio de tudo, reconhece a baterista faren-se a quem restou a bateria para tocar aquando da formação da banda ex-clusivamente feminina. “Todas es-colheram um instrumento e no fi m sobrou a bateria”, diz, mas a música que queria ser guitarrista reconhece, “sentei-me e comecei a tentar tocar e pouco depois pensei que era mesmo aquilo que queria”.

A bateria fi cou, o ritmo entrou desa-brido e instalou-se como companheiro de uma jornada que leva já cerca de 17 anos de relação estreita com o bom-bo e a tarola, entre a força impressa às baquetas e os sons marcados dos pratos de ataque.

Do rock ao jazz

Sónia Little B Cabrita fez um percurso longo desde as Picklepuss até ao Jazz que é hoje o seu ambiente de conforto. Entre 1998, quando o agrupamento se desmembrou, e 2002 o caminho fez-se pela sua pai-xão inicial, o rock. Sucederam-se as bandas e os projectos numa altura em que Faro agitava, em que a cidade e a região tinham música para dar ao país, entretanto, diz a baterista, “o Algarve deixou-se fi car para trás”.

A personalidade vincada e a von-tade férrea de Sónia Little B Cabri-ta é uma característica sobejamente reconhecida por quem com ela pri-va, mas quando se trata de música a dimensão esforçada da artista ganha sobredimensão.

É desse talhe rasgado pelo tra-

balho e pelo estudo incessantes da arte de fazer música que nasce o CD que, numa edição de autor, traz a sonoridade de Sonia Little B Cabrita à luz do dia.

A forma perene que fazia falta à composição de uma carreira já longa, mas que tem muitos anos para dar à música, ganhou consistência nes-te disco que apresenta como temas Espontâneo, Inconsciência e C:b nas primeiras três faixas, seguindo-se-lhes 80’s e Pudin para fechar os cinco origi-nais. O CD fecha a porta com a música de eleição da artista, Litele b’s poem, mas não completamente.

À medida de um retrato da bate-rista também o CD reserva sempre algo mais, uma faixa escondida fecha defi nitivamente a sonoridade pensada e criada por Sónia Little B Cabrita. O tema livre arrancado nas gravações ao génio colectivo dos músicos dá o tom de fi nal brilhante ao primeiro trabalho discográfi co da baterista.

Os músicos

Para dar corpo à música pensada pela artista, os convites foram dirigidos a músicos estrangeiros com quem se cruzou ao longo dos tempos. “Decidi não tocar com músicos portugueses”, diz com a frontalidade que se lhe reco-nhece, esclarecendo que, entre muitas outras razões, na decisão pesou o facto de muitos músicos portugueses serem “muito complicadinhos”.

Resoluta como sempre chamou de Nova Yorque o saxofonista tenor Wen-zl McGowen, a que juntou no fender rhodes Giotto Roussies, de Colónia, na Alemanha, e last but not least o incontor-nável Zé Eduardo no contrabaixo.

A estes três nomes e ao som da bate-ria de Sónia Little B Cabrita somam-se Pedro Gil à guitarra e Marco Martins em baixo acústico no terceiro tema e ainda Arturo Serra que faz soar o vi-brafone no sexto tema do CD. Todos trazidos até ao Algarve pela perseve-

rança da artista que não se fez rogada à busca de apoios e que logrou gravar o CD nos estúdios Zipmix, de Tó Viegas. A mistura fi cou a cargo do Mainberlin Audioproduktion na Alemanha.

Sobre o CD e a sua divulgação Sónia é clara, “hoje temos de ser nós a fazer tudo, já foi o tempo das editores car-regarem os artistas ao colo”. Os edito-res querem na cena musical de hoje e em particular em trabalhos em áreas tão específi cas como o Jazz, como é o caso, um trabalho feito, chave-na-mão e mesmo assim nem sempre agarram nos projectos.

“É como ter um filho e agora ter de o criar”, a distribuição, a promoção e a divulgação estão a cargo da artista e Sónia Little B Cabrita não enjeita a função. À espera de quem ouça e agarre para levar a outros voos o Jazz que ditou às pautas e impôs aos instrumentos, carregado de alma e de infl uências vá-rias, onde marca presença forte o rock, a artista permanece na linha da frente

da defesa do que criou e que pretende se afi rme de forma defi nitiva.

A sonoridade “não é nova”, diz Só-nia. “Hoje não se inventa nada dá-se-lhe modernidade e atitude, o que fi z foi imprimir a minha energia à música e torná-la em algo marcadamente mo-derno, no sentido de contemporâneo”, sublinha.

Mas quem ouve o cd homónimo da baterista ouve algo novo, que se estranha e entranha não sucessiva-mente, mas de um só fôlego e num só tempo.

É novo sim o som, é nova sim a intenção, é marcadamente novo porque único e imperdível por todas as razões que se possam imaginar.

Para se ouvir um pouco do muito que o cd tem para dar o You Tube oferece dois temas em http://youtu.be/R76eZ6gH5KM e http://youtu.be/E1pBwubN6Dw. Já o CD está à distância de um clique nos sítios do cdbaby, itunes e Amazone.

O jazz the Sónia Little B CabritaMÚSICA•

Sónia Little B Cabrita lançou o seu primeiro CD

“JOEL XAVIER - BACK TO THE BLUES”7 JUN | 21.30 | Auditório Municipal de LagoaConsiderado um dos mais prestigiados guitarristas mundiais, Joel Xavier tocou e gravou com Ron Carter, Tooots � ielemans, Paquito D’Rivera, Ar-turo Sandoval, Michel Camilo, Richard Galliano, Larry Coryell, Birele Lagrene, entre outros

“1189 – ÚLTIMO MASSACRE”2 JUN | 21.30 | Auditório Municipal de AlbufeiraNuno Inácio, autor do livro, é natural de Portimão, licenciado em Direito, ofi cial de Justiça e investigador de genealogia, sendo responsável pelo portal genealógico do Algarve. Iniciou a sua carreira há 12 anos com a edição da novela “ Bem Vestido com as Meias Rotas”, a que se seguiram outras obrasde

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9ª Sinfonia

de Beethoven -

comentada. Casa

Manuel Teixeira Gomes

Espaço ALFA

Fotografi a de Arquitectura

Falar de fotografi a de Arquitectura é para mim falar em duas grandes pai-xões – a Fotografi a, que desde cedo me fascinou e despertou especial interesse e a Arquitectura, a base da minha for-mação. Deste modo sinto que o meu “olhar” está de certa forma canalizado, o meu background e bases fazem com que ao captar uma imagem, esta refl ic-ta inconscientemente ângulos, a luz, perspectivas, pontos de fuga, formas geométricas e vivências. Sou sensível a leitura do projecto, compreendo a sua função aliada ao design/estética. Ao fotografar transmito o meu olhar e as emoções que sinto ao “viver” o espaço.

Quando viajo as minhas fotografi as são essencialmente de Arquitectura, o que leva os amigos a dizer “então mas é só fotografi as de casas e prédios?!”, para mim não são apenas “casas e prédios”, são formas geométricas, linhas, espaço, texturas, cor, luz, sombra, sensações e emoções.

A Fotografi a de Arquitectura emer-giu na altura das grandes Exposições Mundiais, onde diversos países “com-petiam” com os seus melhores repre-sentantes em termos de Construção, Indústria, Tecnologia e Design Ar-quitectónico. Pretendia-se legitimar a Arquitectura até então realizada, sendo executada por fotógrafos da vanguar-da artística (Eugene Atget, Berenice Abbot, Henri Cartier Bresson, � o-maz Farkas, André Kertesz). Surgem as primeiras revistas de especialidades e que fazem com que obras fiquem conhecidas internacionalmente. Bro-tam os grandes ícones da Arquitectura – nomes como Le Corbusier, Frank Lloyd Wrigth, Óscar Niemeyer, Alvar Alto, entre outros, estando estes tam-bém interligados a fotógrafos excelentes – Marcel Gautheret, Julius Shulman, Ezra Stoller, Peter Scheier , etc..

Nos dias de hoje o mesmo acon-tece, falando do mercado português, grandes arquitectos nacionais e inter-nacionais como Siza Vieira, Eduardo Souto Moura, Gonçalo Byrne, Aires Mateus, etc., também contam com grandes fotógrafos nacionais e que trabalham também para o mercado internacional. Nomes como Fernando Guerra e Sérgio Guerra (FG+SG), Miguel Coelho, Luís Ferreira Alves, José Campos, entre outros. Maiori-tariamente fotógrafos, arquitectos de formação, que fazem com que a Ar-quitectura Portuguesa abra caminhos por todo o mundo, dando uma maior visibilidade e destaque em revistas in-ternacionais de especialidade.

Dicas para fotografar Arquitectura:Existem dois tipos de fotografi a de Ar-quitectura: a fotografi a informativa ou descritiva que retrata o edifi co ou local, a sua essência, com todas as suas in-formações; e a fotografi a artística, que está dependente do olhar do fotógrafo, tudo é permitido, a imaginação não tem limites. Importante saber olhar, ver detalhes e pormenores.

Para isso, além do fotógrafo é indis-

pensável uma câmara fotográfi ca que é extensão do mesmo, a utilização de equipamento adequado é fundamental. Este tipo de fotografi a é muito exi-gente ao nível de equipamento – são necessárias lentes de grande angular - sensor full-frame, lentes especiais - ultra grandes angulares e grandes angulares – olho de peixe e Tilt-shift. Estas permitem o controlo da pers-pectiva de modo a não deformar e a

corrigir os planos de fuga. A utiliza-ção do tripé é também imprescindível para estabilizar a câmara fotográfi ca, já que se usam velocidades de capta-ção baixas e aberturas mínimas para focar toda a construção em destaque. O controlo da profundidade de cam-po é muito importante, assim como a composição e enquadramento. As linhas são importantes, possibilitam a realização de efeitos espectaculares quando exploradas em posicionamen-tos e ângulos diferentes. As texturas, as cores, simetrias, contrastes, luz, sombra, elementos arquitectónicos como escadas, portas, janelas, arcos, pilares, são componentes que tornam as fotografi as interessantes.

Se a Fotografi a de Arquitectura é a sua Paixão, aconselho vivamente a seguir as suas emoções, pegue na má-quina e capte o momento – congele os sentimentos, imortalize o seu registo, pois ele é único.

“Qual das minhas fotografi as é a minha favorita? Aquela que farei amanhã”

Imogen Cunningham“Não fazemos uma foto apenas

com uma câmara; no acto de fo-tografar trazemos todos os livros que lemos, os fi lmes que vimos, a música que ouvimos, as pessoas que amamos”.

Ansel Adams“Fotografar é colocar na mesma

linha de mira, a cabeça, o olho e o coração’’

Henri Cartier-Bresson

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Ana OliveiraMembro da ALFA - Associação LivreFotógrafos do Algarve

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Cultura.Sul01.06.2012 8

Espaço Educação

“EXPERIMENTAÇÕES”Até 29 JUN | Empresa Municipalde Águas e Resíduos de PortimãoNa exposição de Clara Andrade, as pinturas conjugam elementos abstractos com fi gurativos, sendo a cor, quase sem-pre, um elemento forte e de destaque

“RECITAL DE PIANO COM JEFERSON MELLO”16 JUN | 21.30 | Auditório Municipalde LagoaJeferson Meelo vai interpretar obras de com-positores como: Beethoven, Chopin, Debussy e Villa-Lobosde

staque

“Março, 9

O poeta beija tudo, graças a Deus... E aprende com as coisas a sua lição de sinceridade... E diz assim: “É preciso saber olhar...” E pode ser, em qualquer idade, ingénuo como as crianças, entu-siasta como os adolescentes e profundo como os homens feitos... E levanta uma pedra escura e áspera para mostrar uma fl or que está por detrás... E perde tempo (ganha tempo...) a namorar uma ovelha... E comove-se com cousas de nada: um pássaro que canta, uma mulher bonita que passou, uma me-nina que lhe sorriu, um pai que olhou desvanecido para o fi lho pequenino, um bocadinho de Sol depois de um dia chuvoso... E acha que tudo é impor-tante... E pega no braço dos homens que estavam tristes e vai passear com eles para o jardim... E reparou que os homens estavam tristes... E escreveu uns versos que começam desta maneira: “O segredo é amar...””

in Diário, Sebastião da Gama

A memória e a inovação devem persistir na proposta educativa, alian-do a educação para o conhecimento à educação para a cidadania, que a Escola proporciona à sua comunidade educativa. Com o aumento da espe-rança de vida é fundamental capitali-zar o potencial das gerações de forma a estabelecer e afi rmar cada vez mais o contacto intergeracional. Globali-zada e conduzida pela comunicação social, a sociedade atual arredia dos valores fundamentais da existência do ser humano, persiste em viver fecha-

da evitando, quase sempre, o dar-se aos outros… O direito à diferença surge como um obstáculo, em vez da oportunidade de quebrar a solidão, que nos acompanha, consome e nos hostiliza.

Novos e semi-novos prosseguem caminhos diferentes; saberes, sabores, cheiros, músicas e danças, diálogos perdem-se nos tempos, sendo quase impossível a sua fusão, e memória tão necessária à evolução sustentada das nossas comunidades, mas a Escola, tal como o poeta, não vive isolada da sociedade e sempre que existem problemáticas relevantes, atua como agente integrador e socializador.

Alertados pela comunicação social para a grave problemática dos idosos e do abandono a que estão sujeitos e aproveitando a temática do ano eu-ropeu de 2012 sobre o envelhecimento ativo e o diálogo entre gerações, algumas escolas/agrupamentos da região al-garvia conceberam e desenvolveram projetos de intervenção social junto dos mais velhos. Para dar visibilidade e valorizar as boas práticas educativas, a Direcção Regional de Educação do Algarve, dedicou a quarta edição do programa ENPAR - Encontro de Partilhas de Práticas Educativas de Cidadania, realizada nos dias 16, 17 e 18 de maio, a esta temática.

Os participantes

Participaram neste Encontro Re-gional agrupamentos/escolas (públicas e privadas) de 14 concelhos do Algarve e a rede RALLPE, trazendo para o Instituto Português do Desporto e da Juventude, em Faro, práticas

educativas de elevada qualidade, de-monstrando competências adquiridas e evidenciadas ativamente por crian-ças, jovens e adultos. Para além de dar visibilidade ao que melhor se faz nas escolas algarvias em prol da cidadania, este evento assumiu o envelhecimento ativo, o diálogo intergeracional e a solidariedade entre gerações como baluarte: em palco, novos e semi-novos demonstraram, orgulhosamente, a riqueza que o diálogo entre gerações pode criar. Com efeito, o encontro evidenciou a partilha entre gerações, promoveu e vivenciou a cidadania, no respeito pelo outro e no querer aprender, partilhando experiências de sucesso, adquiridas e vividas com naturalidade e alegria.

Diálogos Intergeracionais

Do programa constava o painel “Diálogos Intergeracionais”, onde as escolas fi zeram as suas apresentações, das quais as “Memórias da Freguesia”, do Agrupamento de Escolas de Vila Real de Santo António, a “Tuna dos Avós”, do Agrupamento de Escolas Júdice Fialho, passando pelas ativi-dades entre “Novos e Semi-novos”, do Agrupamento Belchior Viegas, do “Descobrir Memórias”, da Escola Internacional de Aljezur, ao “En-velhecimento Ativo” do Externato a Torraltinha, são apenas alguns exemplos de atividades partilhadas. Também as atividades constantes no painel “Viver a escola no século XXI” constituíram uma oportuni-

dade para dar a conhecer dinâmicas que envolvendo alunos, professores e comunidade educativa, estreitam laços entre as diferentes gerações. Um dos pontos altos deste encontro foi os momentos culturais que en-volveram atividades realizadas por alunos e avós.

Movimento Diálogos

A vida e a escola, a escola da vida e a vida na escola estabeleceram neste encontro raízes que possibilitaram o lançamento de um movimento cívico “Diálogos”, aberto a escolas, autarquias e outras entidades. Este movimento, lançado no ENPAR, pretende promover ações concertadas a nível regional em torno de temas agregadores, sendo o ano de 2012 dedicado ao diálogo intergeracional, a concretizar numa primeira ação intitulada “Combata a solidão”.

Esta ação desenvolver-se-á a partir de propostas das escolas, pretenden-do-se a difusão e alargamento de ati-vidades com a população sénior, atra-vés do convívio e do diálogo numa linha comum de atuação a partir do mote “Conte-me uma história”, cujo acervo será registado. Pretende-se assim criar um acervo documental das memórias recolhidas na região do Algarve, e ao mesmo tempo com-bater a “solidão” através da interação geracional promovida pela “escola” e, paralelamente, transformar memórias que passam a constituir património imaterial, da “sabedoria dos mais ve-lhos”, a partir da oralidade.

Estamos convictos de que este en-contro, mais do que sensibilização, alicerçou os pilares necessários à mu-dança de atitudes e comportamentos entre gerações, em que o respeito e a solidariedade foram inequivocamente assumidos.

Diálogos intergeracionais – Dar mais vida aos anos e mais anos à vida

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Pedro [email protected]

Quotidianos poéticos

João LúcioAlgures num espaço e tempo do Algarve, a vida e a terra intrometeram-se na poesia de João Lúcio

“CONTA-ME OUTROS FADOS”2 JUN | Casa do Povo de Conceição de TaviraO Al-MaSRAH Teatro, apresenta o espectáculo “Conta-me outros fados”, que conta e canta o fado. Não apenas a canção que todos conhecem como fado português, mas alguma da música que tem infl uências árabes, africanas ou do mundo de expressão ibérica

“A GUITARRA PORTUGUESA”Até 30 SET | Museu de PortimãoA exposição sobre a guitarra portuguesa pro-porcionará a oportunidade de se conhecer as origens do instrumento, os seus construtores, as suas formas, modelos e tendências, cujo som característico tirado das suas 12 cordas foi um dos principais motivos para que o fadode

staque

Aos 12 anos de idade já João Lú-cio Pousão Pereira, que havia nasci-do em Olhão em 1880, publicava os seus primeiros versos no periódico “O Olhanense”. Filho de um rico proprie-tário rural da região, que obviamente como progenitor desejava um futuro na Agronomia para o seu herdeiro. Mas viu o jovem… « (…)alto, muito magro, uma grande gaforina, encaracolada, coroando como uma trunfa leonina, a sua linda cabeça de aedo e de tribuno.» (1), sair para Coimbra em 1897, mas para estudar Direito.

Ali conhece Teixeira de Pascoaes, Augusto de Castro, Alfredo Pimenta, e vai compondo os versos para o seu primeiro livro ‘Descendo’(1901), ao mesmo tempo que colabora em diver-sos jornais e revistas literárias, tendo inclusive fundado o jornal O Reyno do Algarve. E em 1902 regressa ao seu sul : «Natureza imortal, tu que soubeste dar/Ao meu país do sul a larga fantasia,/Que ensinaste aqui as almas a sonhar/Nessa frescura sã da crença e da alegria:/Que inun-daste de azul e mergulhaste em oiro (…)»(2). Já a exercer, torna-se então um advogado famoso na região, por-que as pessoas enchiam os tribunais para admirarem os seus dotes vocais e argumentativos. Mesmo em tribunal no decorrer dos julgamentos fazia versos, como numa ocasião em que aí estava com o seu amigo, também advogado e também poeta Cândido Guerreiro, que estava apaixonado, brincando com ele assim: «(…) Cân-dido que nome é este/Que bóia na tua vida?/Ó Fausto da barba negra/(…)É de alguma favorita/Do teu harém ide-al,/Meu sultão desterrado/fi ngindo-se advogado/Porém sultão, afi nal?» (3)

A sua vivência em Olhão não se faz só da grande poesia iluminada que dedica ao seu cantinho mara-

vilhoso no mundo, como em «Pro-víncia onde nasci, amada do luar / E o sol ruidoso, ardente, imorredoiro…/ Lírio fresco e azul deitado à beira-mar, /Com o cálix gentil a orvalhar-se em oiro…//Nesse canto imortal de todo o Universo,/De fl orestas, de sóis, mares e cordilheiras,/Tu és, unicamente, um perfumado verso,/Feito em luar dor-mente, azul e laranjeiras. //Quando os astros de noite, errantes e dispersos,/Vierem mergulhar nas águas do teu mar,/Vai ler-lhes mansamente estes humildes versos/Pra que digam a Deus como te sei amar.» (4) - Lúcio, como fi lho da terra de Olhão também se dedicava à observação de episódios do quotidiano da já então vila da res-tauração. Retratos humorísticos em verso caricaturando José Honrado, um colega da política: «Cá está D. José bigodes d’aço/Qual Guilherme II da Alemanha/Com dois pontapés no cu lhe faço/Destilar n’um só dia toda a banha(…)»(5); sobre a cunhada: «É linda/ilumina como um facho.(…)Senta-se à beira das cadeiras/E diz muitas asneiras.» (6); ou ainda nesta

quadra feita por altura das famosas festas dos santos populares: «Ó meu querido S.Pedro/por amor dessa care-ca/Fazei com que eu case este ano/Ao menos com uma boneca»(7)

Em 1905, sai a sua obra mais conhecida ‘O Meu Algarve’, no qual estes versos do início do longo e ma-gistral poema que dá nome ao livro, fi carão para sempre cravados na alma e na pele, de quem por ali habitar, nem que seja por breves momentos: «Oh meu ardente Algarve impressio-nista e mole,/Meu lindo preguiçoso adormecido ao sol,/Meu louco sonha-dor a respirar quimeras,/Ouvindo, no azul, o canto das esferas/ A marcha triunfal dos mundos pelo ar. –/Para te adormecer, Deus pôs-te perto o mar,/E, para fecundar a tua fantasia,/No vasto palco azul, erguido nos espaços,/Fez mais belo para ti o drama em oiro – o Dia,/E deu, pra te abraçar, à luz, mais fortes braços.(…)» (8)

Facto curioso, segundo defende Fernando Cabrita (no livro ‘Álvaro de Campos o engenheiro de Tavi-ra’- edição da associação Casa Álva-

ro de Campos-Tavira, 2011), é o de que a poesia de João Lúcio poderá ter chegado às mãos de Fernando Pessoa através da amizade que este mantinha com Francisco Fernandes Lopes, um genial e ilustre olhanense, que lhe poderá ter dado a conhecer os seus livros. Será ao poeta naturalista João Lúcio e ao seu poema ‘A Dor das Pedras’: « (…)E ninguém sabe ver que pode o infi nito/Duma dor existir numa pedra do chão;/Que pode acontecer que um palmo de granito /Sofra, por vezes, mais que um grande coração.(…)» (9), que o heterónimo Alberto Caeiro se refere quando diz no poema XXVIII: «Li hoje quase duas paginas/Do livro d’um poeta mystico (…)/ Porque os poe-tas mysticos dizem que as fl ores sentem/E dizem que as pedras teem alma/E que os rios teem extases ao luar.// Mas as fl ores, se sentissem, não eram fl ores,/Eram gente;/E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;(…)» (10)

Em 1916, após a trágica morte do seu fi lho varão, Lúcio decidiu procu-rar um lugar isolado para retiro espi-

ritual e inspirador para a sua poesia, que encontrou ali mesmo nas suas propriedades de Marim. «A sensação que tem, à noite, o ar,/quando o orvalho o toca, em beijos de água,/é porventura, irmã daquela mágoa/que sente, quando chora, o meu olhar?» (11)

Aí projecta um chalé, hoje conhe-cido como um dos dois exemplos (com a Quinta da Regaleira, em Sintra) de arquitectura simbolista em Portugal, onde agora funciona uma Ecoteca.

Em Agosto de 1918, João Lúcio já habita o chalé com a sua família, embora a obra não esteja ainda fi na-lizada à data. Por ironia do destino pouco tempo disfrutaria do místico local sobre o qual poderá ter escrito: «Quando em baixo, ruje, o temporal, sem fi m, dessa miséria,/oh Pó, em que tu te esfacelas,/Eu subo à minha Torre esguia, de marfi m,/onde me coa o sonho, o fi ltro das estrelas»(12). É aí mesmo que acabaria por falecer devido ao vírus da pneumónica (conhecida por gripe espanhola), a 26 de Outubro de 1918, com 38 anos de idade.

Bibliografi a:http://www.olhao.web.pt/index.htmlhttp://pt.wikipedia.org/

Notas: (1) Augusto de Castroem “Conversar”(2), (4), (8), (9), (11), (12) João Lúcio, Po-esias Completas, Colecção Biblioteca de Autores Portugueses, 2002(3), (5), (6), (7) Cabrita, Fernando, “O Bom Humor em João Lúcio (conten-do inéditos do poeta)”, in separata do suplemento A Voz de Olhão do jornal O Sporting Olhanense, Olhão, 1986.(10) Alberto Caeiro in Poemas Com-pletos de Alberto Caeiro, Editorial Presença

João Lúcio mandou construir um chalé no pinhal da Quinta de Marim

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Cultura.Sul01.06.2012 10

«Nasci no Algarve, donde se vê que devo ser grulha, e falador […] por mais que faça nunca posso mondar de todo o que escrevo: pois sou algarvio, isto é, fi lho das terras que estão mais ao sul de Portugal, formando certa pro-víncia com a alcunha de reino, que pela natureza do seu clima poderia produzir muitos géneros de ambas as Índias, se bem governados tivéssemos tido a ventura de ver prosperar a nossa indústria, e se o ouro do Brasil nos não tivesse metido nos ossos a mania de ser ricos sem trabalhar, assemelhando-nos aos campos sem cultura aonde só medram plantas estéreis».

Este primeiro parágrafo do livro O Estudante de Coimbra, de Guilherme Centazzi, compreende muitas carac-terísticas que vamos descobrir ao ler o romance: humor, ironia, orgulho em ser algarvio, vontade de ter voz (e ação) na sociedade e uma atitude crítica perante as condições sociais, económicas, políticas, do país.

Esta obra foi redescoberta para o mundo contemporâneo por Pedro Almeida Vieira, também ele, entre muitas outras atividades, romancista. Ignorada pelos compêndios e histórias da literatura portuguesa (por razões que este estudioso do romance his-tórico aventa – cf. pp.12-13 – tão va-riadas como o facto de se ter pensado que o autor não era de «nacionalidade portuguesa» ou devido a uma «fraca distribuição»), será o primeiro romance moderno português: publicado em 1840, antecede Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano, em quatro anos. Aliás, nesse ano de 1844, saiu uma tradução alemã (Der Student von Coimbra), o que revela uma rara pro-jeção internacional.

O autor foi um verdadeiro homem dos sete ofícios: foi médico, inventor (inventou uns rebuçados peitoriais), compositor, intérprete musical, escritor de obras científi cas, poeta, romancis-ta (e dedicou-se a outras atividades, mas já cá estão as sete…) e, pelo que tudo indica, um homem divertido, que aproveitou bem a sua vida.

Orgulho algarvio

Guilherme Centazzi nasceu em Faro (onde tem uma rua com o seu nome), em 1808, fi lho de pai italia-no naturalizado português e de mãe portuguesa (descendente, também ela, de italianos). Mas esta forte costela estrangeira não o fez sentir menos per-tencente ao nosso país ou ao Algarve. A sua personagem afi rma (p.100): «eu, obscuro estudante nascido entre as fi gueiras e alfarrobeiras do Algarve» e, no romance, o narrador aproveita várias ocasiões para elogiar o povo desta região. Uma das mais notáveis é esta, a propósito da informação que lhe deram de uma expedição dos li-berais ao Sul, quando o narrador es-tava preso. O parágrafo poderia ser assim: «Soubemos que meus nobres patrícios, […] esse povo meridional, […] pegara em armas para engrossar o exército libertador e voar com ele à vitória; e que o padre Góis, à frente de valentes alentejanos, se sublevara em Beja, a favor da rainha, e da Carta, ao mesmo tempo que nossas forças, cobertas pela esquadra do Napier, vo-avam sobre Lisboa.»

Poderia, mas não é. A última parte, sobre o que se passa no Alentejo, é igual, mas o que falta naqueles pa-rênteses que usei acima é esta grande admiração pelos algarvios: «Soubemos que meus nobres patrícios, tocados ainda por esse divino patriotismo com que, saindo outrora de pobres barra-cas de palha, levantaram em Olhão o estandarte da independência nacional e puseram em debandada um exército francês; esses algarvios que, num batel de pescaria, sulcando o vasto oceano, levaram ao Rio de Janeiro a notícia da retirada das tropas de Junot, sem recear que os mares se alevantassem contra quem soubera por tanto tem-po fazer-se respeitado deles; que esse povo meridional, a quem a pátria deve lembrança de muitos e nobres feitos, pegara em armas…» e depois continua como vimos.

Humor e Ironia

Ser algarvio justifi ca algum do hu-mor que faz, como o do início, que dá corpo à proverbial tagarelice e rapidez no falar dos algarvios, e também serve para explicar por que não se interessa por política. Na p.64 confi dencia: «Confesso que sempre tive negação para semelhante negócio, em que diz meu pai que se não pode fazer boa fi gura, quando se não tem certa dose de adulação e de má-fé»,

declaração alterada na versão revista duas décadas mais tarde, em 1861, frisando a falta de tento na língua…: «Sempre tive negação para semelhante imbróglio… Diz meu pai que para ser bom político é preciso que o homem saiba o que diz, e não diga o que sabe… Ora, eu que sou algarvio…» (nota 75, p.269).

A ironia é frequentemente usada. Sobre uma noite numa pousada («pou-sada digo eu pelos outros, porque quanto a mim não pousei, nem preguei olho até à madrugada»), diz que as camas tinham «colchões macios como sacos de nozes» (pp.58 e 59). Quando se refere à Inquisição (p.95), diz: «frei Barnabé, que se lisonjeara de me queimar vivo, pelo menos, aplicando-me essa pena, a mais suave da Santa Inquisição, desse tribunal divino, parto fi lantrópico do santíssimo padre Inocêncio».

Além dos frades (sobre quem faz dura críticas, por diversas vezes), também os ingleses são um alvo preferencial. Cha-ma-lhes «bifstecks» e conta, na p.70: «Trouxeram então o almoço, que não deixava de vir a propósito, porque o amor apesar de tudo não enche barriga: aqui poderia eu, mas não quero, entrar noutra digressão acerca dos amantes das nove-las, dos quais nunca se fez menção que bebessem nem comessem, exceptuando unicamente os das novelas inglesas que almoçam, jantam, merendam, ceiam, sempre com a competente rega para não desmentir o carácter nacional».

Guilherme Centazzi usa também um tipo de humor a que acho especialmente graça, pois revela uma grande autocon-fi ança e inteligência: ri-se e diz mal de si próprio (aquilo a que os ingleses chamam self deprecating humour). Quando um amigo encontra o Estudante (nunca nos é dito o seu nome), andando este fugido dos miguelistas, e folga em encontrá-lo, responde: «E para quê?... Já não há quem queira ser ministro?!!». Noutra ocasião, quando se preparava para um duelo à pistola, refl etia «na proximidade em que talvez me achava de ir, logo ao romper do dia seguinte, fazer a minha entrada estrondosa no Céu, no Purgatório ou, segundo me parece mais provável, no Inferno.»

O ensino e o latinzinho («Latim… Não posso ainda hoje proferir

este nome sem que me arrepiem os cabelos»)

Estava a ver se passava sem men-cionar um elemento curioso deste texto, que é o facto de, por uma li-berdade poética, certamente, dizer mal do Latim (a que chama «língua

endiabrada»). No entanto, se diz mal, também a usa com frequência ao lon-go de todo o romance, utilizando-a para realçar a sua expressividade, e é visível que as acusações que lhe faz são as comuns, aquelas que fazem os que nunca a conseguiram entender ou aprender (que não foi o seu caso, como o demonstra constantemente). Aliás, de tal modo a tem em conside-ração, que é uma das disciplinas que julga indispensáveis num curriculum juvenil. Quando a personagem se torna ministro do reino, toma me-didas para alterar os planos de estu-do («Não me quis entrar nos miolos que um rapaz, até aos seus dezassete ou vinte anos, possa fi car sabendo ler, escrever, contar, doutrina cristã, língua portuguesa, francesa, inglesa, italiana, alemã e grega, geografi a, cronologia, história, retórica, lógica, metafísica, ética, economia política, aritmética, álgebra, geometria, tri-gonometria, desenho e latim…») e decide terminar com «a nova torre de Babel científi ca que se alevantou por arte mágica em forma de instrução

primária e secundária! Lembrado ainda nos meus primeiros anos, me condoí da gente moça: infeliz daquele que se não lembra das suas rapaziadas! […] reduzi as disciplinas a português, latim, francês, lógica, geografi a, re-tórica, história nacional e sagrada, alguma geometria, e muita moral, de que a nossa mocidade bem precisada está» (pp.210-211).

Neste meu texto dei uma pálida ideia da riqueza que se encontra neste pequeno romance. Digo pequeno, porque se lê muito bem. Que não assuste a cuidada edição da Plane-ta, com as suas 317 páginas, pois aí estão incluídas a bibliografi a, a nota prévia, as (muitas) notas (quer do au-tor/narrador, quer de Pedro Almeida Vieira), um aditamento com os capí-tulos fi nais (porque muito diferentes) da edição de 1861, e um posfácio de Maria de Fátima Marinho (professo-ra catedrática da Faculdade de Letras da Universidade do Porto), que en-quadra esta obra nas outras do autor e na época em que foi escrita.

Só lido!

O Estudante de Coimbra… é de Faro!

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Universidade do [email protected]

livro livro 10

FOTOGRAFIAS “MÃOS DE FÁTIMA””Até 30 JUN | Biblioteca Municipal de AlbufeiraA exposição, da autoria de Rosa Baraúna, colhe ins-piração em crenças religiosas ligadas ao imaginário popular. Muitas pessoas costumam ter um amuleto da sorte para garantir o sucesso e proteger das doen-ças, atribuindo-lhes virtudes e poderes para afastar os maus espíritos e desgraças

“ALMA”1 JUN | 21.00 | Jardim da Verbena– São Brás

Carminho apresenta o seu mais recente trabalho, na noite comemorativa dos 98 anos do município são-brasense, constituído por 15 novas gravações, que combinam versões e originaisde

staque

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11Cultura.Sul01.06.2012

Ir ao encontro do Algarve interior é ir ao encontro de um Algarve rico em tradições, saberes, usos e costu-mes plenos da autenticidade que tem trazido uma riqueza ancestral até aos nossos dias. É através destas autenti-cidades e identidades vivas e vividas que chegam até hoje os saberes-fazer que se consubstanciam na riqueza patrimonial, na memória que fi ca e que não se perderá enquanto houver guardiões destes saberes que tornam o Algarve único.

A necessidade de consciencialização, em particular entre as novas gerações, da importância do património cultural imaterial e da sua salvaguarda é uma preocupação presente na Convenção para a Salvaguarda do Património Cul-tural Imaterial (2003)(1) tendo em conta a inestimável função do património cultural imaterial. Este transmite-se e perdura através de tradições orais, hábitos comunitários, heranças ar-tísticas, artesanato, rituais e funciona como factor de aproximação, inter-câmbio e entendimento entre os seres humanos.

O global e o local

Sempre existiram processos de perda, recriação e transformação da cultura, no entanto, o ritmo a que ac-tualmente se desenvolvem dão origem a uma rápida alteração das expres-sões culturais e de perda ou mesmo extinção de determinadas práticas. É neste mundo em rápida mudança que o património cultural tem de ser conservado como garante da diver-sidade. Sendo o património cultural elemento fundamental da identidade das comunidades, a sua salvaguarda

poderá constituir uma forma de pre-servar essa diversidade cultural face aos processos de globalização.

A própria Convenção reconhece o duplo papel dos processos de globali-zação: por um lado “criam condições propícias para um diálogo renovado entre as comunidades”, dando a co-nhecer tradições quase esquecidas, e por outro levam ao “desaparecimento e destruição do património cultural imaterial, devido, em particular, à falta de meios para a sua salvaguar-da” e aos efeitos homogeneizadores da globalização.

. Estes efeitos, segundo Giddens(2), acarretam a perda da identidade cul-tural das comunidades.

Apesar de vários benefícios na pos-sibilidade de acesso e partilha de co-nhecimento, é cada vez mais defendido

que a globalização leva à indistinção e à descaracterização do que é local. Esta dinâmica global prende-se com a uniformização de hábitos e com o esbater de diferenças que colocam de-safi os às expressões identitárias.

O património imaterial de Alcoutim

Não é demais salientar a impor-tância da salvaguarda do património cultural imaterial e das competências e saberes que lhe estão associados. Para isso é preciso preservar os ambientes inerentes à sua produção, ou seja, as próprias comunidades locais têm de perceber a importância do seu patri-mónio para o preservar. Estudiosos e investigadores contribuem muitas vezes para a consciencialização e valo-

rização do património a ser preservado, o que permite um aumento da auto-estima das populações, que se deseja que resulte numa atitude pró-activa na salvaguarda do património, procuran-do reforçar os laços de identidade e de singularidades locais.

O património cultural é um objec-to de estudo interdisciplinar que tem vindo a ser explorado e inventariado nas diversas manifestações do patri-mónio cultural imaterial. No nordeste algarvio, em particular no concelho de Alcoutim, esse património tem expressão na tradição oral através de contos e lendas ancestrais que vão passando de geração em geração. As lendas mais apreciadas e conhecidas são: “O Pezinho do Menino Jesus” e a “A Moura e o Castelo Velho”. A poesia popular é uma expressão oral

com muitos seguidores no concelho e as histórias de vida ligadas à prática do contrabando ainda estão muito presentes.

Os jogos são também património imaterial. No concelho há a referir os jogos de tabuleiro encontrados no Castelo Velho de Alcoutim (fortifi ca-ção muçulmana emiral - Séc. VIII/IX). Estes jogos formam uma colec-ção de tabuleiros gravados em lajes de xisto e pequenas pedras de jogo. Os tabuleiros pertencem a diferentes tipologias, desde o jogo do Galo, do Moinho, Tábula entre outros. A in-ventariação da colecção deu origem à exposição patente ao público desde 2005 no Castelo de Alcoutim intitu-lada “Jogos Intemporais - Exposição de Tabuleiros e Pedras de Jogo do Castelo Velho de Alcoutim”.

Há uma enorme riqueza de sa-beres-fazer relacionados com o ciclo agrário e com um conjunto de práticas ligadas à natureza e ao conhecimento de mezinhas. O saber-fazer associado à gastronomia e à doçaria tem passa-do de família em família e está bem enraizado por todo o concelho.

As artes ligadas à pesca artesanal no Rio Guadiana, às rendas e borda-dos, e as aptidões relacionadas com o artesanato com peças feitas em lo-endro, cana, madeira, juta e linho ainda se mantêm. Encontra-se ainda quem se dedique à feitura de albardas. É possível observar boa parte deste património na Feira de Artesanato e Etnografi a de Alcoutim, mostra anual que se realiza no próximo dia 9 e 10 de Junho na Praia Fluvial.

(1) UNESCO (2003) Convenção para a Salva-guarda do Património Cultural Imaterial, Decreto nº 28/2008 de 26 de Março, DR nº 60 1685-1704

(2) GIDDENS, Anthony (2002) O Mundo na Era da Globalização (4ª ed.) Lisboa: Editorial Presença

Algarve interior:saber e identidade

Maria Luísa FranciscoInvestigadora e doutoranda em Sociologia

patrimónioVIVÊNCIAS NO ALGARVE - PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL•

MARIA LUÍSA FRANCISCO

Jogos islâmicos do Castelo Velho de Alcoutim

Albardeiro, freguesia do Pereiro, Alcoutim

Artes de pesca no Rio Guadiana

CÂMARA DE ALCOUTIMCÂMARA DE ALCOUTIM

Page 12: Cultura.Sul46Junho

Cultura.Sul01.06. 2012 12

Espaço Cultura

Novas fórmulas para a gestão do Património Cultural do Algarve

De acordo com o Decreto Lei n.º 86-A/2011, de 12 de julho, é o primeiro-ministro que detém as competências relativas aos serviços, organismos e entidades tuteladas pelo Governo de Portugal na área da Cultura (artigo 6.º, n.º 3). O mes-mo diploma estabelece ser o primei-ro-ministro coadjuvado no exercício desta sua função pelo secretário de Estado da Cultura (Artigo 3.º, n.º 1), membro do Governo que, sem competência própria exceto no que se refere ao respetivo gabinete (Artigo 8.º, n.º 4) integra a Presidência do Conselho de Ministros (artigo 10.º, n.º 2). Dispõe, contudo, o referido diploma que se consideram delegadas nesse secretário de Estado «as com-petências de definição e execução de políticas de desenvolvimento cultural, de incentivo à criação artística e à di-fusão e internacionalização da cultura e da língua portuguesa» (artigo 10.º, n.º 11) - deste modo superintendendo e tutelando os serviços, organismos e estruturas que, em tempos, integra-ram o então Ministério da Cultura (extinto por força do disposto no ar-tigo 21.º, n.º 1).

Anunciada que foi pelo Governo uma profunda remodelação de ser-viços, organismos e entidades por si tuteladas na área cultural, e decorrido menos de um ano sobre a tomada de posse do atual executivo, eis agora publicitadas pelo Decreto-Lei n.º 114/2012 e 115/2012, ambos de 25 de maio) as novas estruturas governa-mentais para a tutela do património cultural: a Direção-Geral do Patri-mónio Cultural e as quatro Direções Regionais de Cultura – do Norte, do

Centro, do Alentejo e do Algarve, respetivamente –, com efeitos legais desde 1 de julho de 2012.

As disposições conjugadas de ambos os diplomas introduzem um pensamento renovado de regiona-lização das políticas do governo no

domínio da salvaguarda, valorização e divulgação dos bens culturais imó-veis e integrados, móveis e imateriais. Assim, ao definirem a missão destas entidades nesse domínio (no Artigo 2.º, n.º 1, do respetivo decreto-lei), os diplomas atribuem à DGPC «as-

segurar a gestão, salvaguarda, va-lorização, conservação e restauro» dos bens culturais, e às DRC o res-petivo «acompanhamento das ações relativas à salvaguarda, valorização e divulgação».

No caso concreto do Algarve, e embora não fiquem ainda definidas as linhas de atuação estratégica a adotar para a prossecução da referida mis-são, podem sistematizar-se de forma sucinta as principais atribuições da DRC no domínio do património cultural imóvel, a nível regional: Elaborar e propor à DGPC o PRIPALG, plano regional de in-tervenções prioritárias em estudo e salvaguarda dos bens arquitetónicos e arqueológicos do Algarve; Gerir os monumentos afe-tos - http://www.youtube.com/watch?v=w0EpOssv3Z8, continu-ando a contribuir ativamente para a melhoria de condições de sustenta-bilidade dos equipamentos culturais regionais; Emitir parecer sobre planos, proje-tos, operações urbanísticas, admissão de comunicação prévia ou autoriza-ção de utilização previstas no RJUE, regime jurídico da urbanização e da edificação, localizados nas áreas de proteção de imóveis classificados com grau nacional, ou em vias de classificação - o que constitui uma responsabiidade acrescida na área do património, deixando de ser neces-sário que os processos de licencia-mento tenham que ir a Lisboa, para decisão final por parte da entidade nacional de tutela, como até agora acontecia (só intervenções diretas nos bens classificados continuam

a necessitar do parecer vinculativo da DGPC); Apoiar e colaborar no cadastro dos bens culturais imóveis; Participar ativamente no acom-panhamento dos instrumentos de planeamento e de ordenamento do território - o que confere à DRC um papel mais ativo na preservação e construção das paisagens culturais algarvias; Apreciar os pedidos de autorização para a realização de trabalhos arque-ológicos, acompanhá-los e fiscalizar a atuação dos arqueólogos no terre-no – tarefas até agora cometidas em exclusivo ao ex-IGESPAR, através da sua extensãos territorial de ar-queologia, cujos técnicos são agora integrados na DRC.

Já aqui afirmámos ser necessá-rio garantir que o ambiente seja de efetiva ligação ao potencial endóge-no e ao tecido cultural existente na região. Neste sentido, e para referir apenas um exemplo: a melhoria dos instrumentos já existentes – como os «atlas dos imóveis classificados e em vias de classificação» (http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/georeferenciada/) ou o recém criado «portal do arqueólogo» (http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/portaldoar-queologo/) – é indubitavelmente um dos desafios que temos pela frente e que estes novos diplomas e reformas administrativas vêm potenciar, re-querendo parcerias entre os serviços periféricos da administração direta do Estado, a administração autárquica e os agentes culturais.

Direção Regional de Cultura

Castelo de Paderne, um exemplo de património

As disposições conjugadas de dois recentes diplomas legais – o DL 114/2012 e o DL 115/2012, de 25 de maio – introduzem um renovado pensamento de regionalização das políticas no domínio da salvaguarda, valorização e divulgação dos bens culturais

ARQUEOLOGIA

Messines traz à luz o mais antigo achado judaico da Península

Arqueólogos da Universidade de Friedrich-Schiller, em Jena, Alema-nha, encontraram perto de Messines a mais antiga evidência arqueológi-ca da Cultura Judaica na Península Ibérica.

Numa placa de mármore, com 40x60 centímetros, é possível ler o nome “Yehiel“, seguido de outras letras ainda não decifradas. Os arqueólogos pensam que se poderá tratar de uma lápide funerária. A datação por ra-diocarbono tornou possível obter uma datação não posterior a 390 AD. De acordo com o responsável pelas esca-vações, Dennis Graen, a mais antiga evidência arqueológica judaica no actu-al território português é também uma

lápide com inscrição em latim e uma gravura de um candelabro com sete braços datado de 482 AD. A mais an-tiga inscrição hebraica que se conhece data do século VI ou VII AD.

Nos últimos três anos, os arqueó-logos têm escavado uma villa romana, descoberta por Jorge Correia, técnico da Câmara de Silves.

A recente descoberta soma mais um enigma aos muitos que surgiram durante as investigações. “Enquanto procurávamos especialistas, entre Jena e Jerusalém, para decifrar a escrita, obtivemos de Espanha uma pista”, diz Dennis Graen. “Jordi Casanovas Miro, do Museu Nacional d’Art de Catalunya, Barcelona, especialista na

área das inscrições hebraicas da Pení-sula Ibérica, não tem dúvidas que se lê o nome “Yehiel” – nome que surge na Bíblia”.

Neste caso, não se trata apenas de uma data excepcional, mas também de um contexto invulgar. Nunca antes se detectaram evidências judaicas numa villa romana, explica o arqueólogo. Durante o império romano, por volta da data da inscrição, os judeus escre-viam habitualmente em latim, com receio de represálias.

Geralmente a informação relativa às comunidades judaicas na região provém na sua maioria de escrituras. “Durante o Concílio de Elvira, cerca de 300 AD, foram emitidas regras de

conduta entre judeus e cristãos. Isto leva-nos a crer que, na Península Ibéri-ca, a população judaica seria já bastante numerosa”, explica Dennis Graen, mas as evidências arqueológicas continuam omissas. “Temos conhecimento da pre-sença de uma comunidade judaica na

cidade de Silves durante a Idade Mé-dia. Essa comunidade esteve presente até à expulsão dos judeus”.

Este Verão os arqueólogos de Jena retomam os trabalhos. Até à data fo-ram escavadas cerca de 160 metros quadrados da villa romana.