CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES - Tópicos

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CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES TÓPICOS DE CORRECÇÃO DO EXAME DE 10-1-2012 I – a)A situação fáctica de Antónia não preenche o quadro legal dos arts. 790º e 791º, ou seja, não existe, com eficácia exoneratória, uma impossibilidade absoluta de cumprimento. Trata-se, apenas, de uma impossibilidade relativa (impossibilidade moral ou pessoal), justificante, contudo, da recusa em cumprir o contrato. Ponderando os interesses em causa (dever de cumprir versus dever de assistir ao filho gravemente doente), o cumprimento do dever mais intenso justifica o incumprimento ou torna-o desculpável. Seria, por outra via, abusivo que Joaquim pretendesse o cumprimento. Tendo fundamento para não cumprir (no plano legal, seria possível invocar-se os arts. 762º,2, 334º ou, mesmo, o princípio do nº 2 do art. 335º), Antónia tem, no entanto, que indemnizar Joaquim pois teve culpa na criação da situação. b) Mora no cumprimento de uma obrigação pecuniária, resultante de um acordo posterior a um incumprimento. Não há nenhuma cláusula penal. Joaquim não pode pedir o ressarcimento de todos os prejuízos, pois vale o estipulado na cláusula (art. 806º,2). Se não houvesse cláusula, seria aplicada a taxa legal. Assim sendo, os artigos invocados por Joaquim não são adequados à situação (o 806º,3 só vale na esfera extracontratual). O tribunal condenaria Carlos a pagar, com juros de mora à taxa de 3%, podendo ainda aplicar o nº 4 do art. 829º-A. c) Após o incumprimento definitivo do profissional, Joaquim foi negligente na reserva e esta sua culpa agravou os danos. Este concurso para a medida do dano (com agravamento da posição debitória) deve ser suportado pelo credor. Sendo o artigo 570º uma norma igualmente aplicável à zona contratual, é neste normativo que o profissional irá defender que o dano seria menor caso Joaquim não tivesse feito a reserva apenas com 48 horas de antecedência. Por ex., cabe ao profissional demonstrar que Joaquim poderia ter reservado o quarto por 250, 300 ou até 200€ (neste caso só seriam pagas as despesas acrescidas de Joaquim).

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CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES

TÓPICOS DE CORRECÇÃO DO EXAME DE 10-1-2012

I – a)A situação fáctica de Antónia não preenche o quadro legal dos arts. 790º e 791º, ou seja, não existe, com eficácia exoneratória, uma impossibilidade absoluta de cumprimento. Trata-se, apenas, de uma impossibilidade relativa (impossibilidade moral ou pessoal), justificante, contudo, da recusa em cumprir o contrato. Ponderando os interesses em causa (dever de cumprir versus dever de assistir ao filho gravemente doente), o cumprimento do dever mais intenso justifica o incumprimento ou torna-o desculpável. Seria, por outra via, abusivo que Joaquim pretendesse o cumprimento. Tendo fundamento para não cumprir (no plano legal, seria possível invocar-se os arts. 762º,2, 334º ou, mesmo, o princípio do nº 2 do art. 335º), Antónia tem, no entanto, que indemnizar Joaquim pois teve culpa na criação da situação.

b) Mora no cumprimento de uma obrigação pecuniária, resultante de um acordo posterior a um incumprimento. Não há nenhuma cláusula penal. Joaquim não pode pedir o ressarcimento de todos os prejuízos, pois vale o estipulado na cláusula (art. 806º,2). Se não houvesse cláusula, seria aplicada a taxa legal. Assim sendo, os artigos invocados por Joaquim não são adequados à situação (o 806º,3 só vale na esfera extracontratual). O tribunal condenaria Carlos a pagar, com juros de mora à taxa de 3%, podendo ainda aplicar o nº 4 do art. 829º-A.

c) Após o incumprimento definitivo do profissional, Joaquim foi negligente na reserva e esta sua culpa agravou os danos. Este concurso para a medida do dano (com agravamento da posição debitória) deve ser suportado pelo credor. Sendo o artigo 570º uma norma igualmente aplicável à zona contratual, é neste normativo que o profissional irá defender que o dano seria menor caso Joaquim não tivesse feito a reserva apenas com 48 horas de antecedência. Por ex., cabe ao profissional demonstrar que Joaquim poderia ter reservado o quarto por 250, 300 ou até 200€ (neste caso só seriam pagas as despesas acrescidas de Joaquim).

II – a)Como a prestação em falta não excede a oitava parte do preço, Lúcio não pode resolver o contrato (art. 934º). Nem a cláusula dos 10 dias poderá ser invocada dada a imperatividade da norma.

b)Como estão em falta várias prestações, Lúcio já pode resolver o contrato sem necessidade de uma interpelação cominatória (esta interpelação parece afastada na cláusula dos 10 dias). Se esta cláusula for considerada nula, tem que haver interpelação cominatória para converter a mora.

c)Caso Lúcio resolva o contrato, a eficácia retroactiva da resolução devia levá-lo à devolução das prestações recebidas. A retenção dos pagamentos (que não corresponde ao exercício de um direito de retenção) só é compreensível como indemnização pretendida por Lúcio, pois também não se compreenderia que o vendedor resolvesse o contrato e ao mesmo tempo o fizesse valer (retendo as prestações pagas e exigindo as não pagas). Lúcio, resolvendo, tem direito a ser indemnizado (por danos negativos ou positivos?), mas é manifestamente excessivo que retenha 840€ como indemnização! Deolinda poderia recorrer ao princípio geral do art. 812º ou invocar um possível abuso do direito.

d)É entendimento dominante que o risco da contraprestação é suportado pelo comprador, contrariamente ao que resultaria da regra geral do nº 1 do art. 796º e da aplicação da segunda parte do nº 3 (no pressuposto de que a venda com reserva de propriedade é feita sob condição suspensiva). O “princípio” referido no nº 2 do mesmo artigo (risco assumido por quem tem o chamado “domínio de facto”) e que aflora na primeira parte do nº 3 permite defender a solução.

III – a) Face aos dados do problema, Bernardo pode ser considerado possuidor. Na hipótese mais simples há que pensar que o crédito da Caixa não está garantido por hipoteca. Como a penhora vai ofender a posse, Bernardo pode defender a sua posição com os embargos de terceiro (art. 351º do CPC). Havendo lugar à execução específica (intentada e registada, ao que parece, antes do registo da penhora) e sendo aquela procedente haverá levantamento da penhora já que Bernardo ficará dono do imóvel. Sem o recebimento dos embargos não pode o tribunal decretar a execução específica de um bem penhorado.

b) Como se trata de uma obrigação pecuniária e não uma dívida de valor vale o princípio nominalista do art. 550 (restituição pura e simples).

c) Trata-se do cumprimento feito por um terceiro (art. 767º,1) a um terceiro, tido, à partida, por credor aparente. Neste caso não há extinção da dívida (o pagamento não é feito ao credor real, nem a um dos terceiros elencados no art,. 770º), havendo lugar não a uma anulação mas à repetição do indevido (art. 476º,2) e novo cumprimento ao verdadeiro credor.