CURSO CARREIRAS JURÍDICAS DATA 12/08/2016 … · 2016-08-17 · Quando houver dúvida sobre a...
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CURSO – CARREIRAS JURÍDICAS
DATA – 12/08/2016
DISCIPLINA – PROCESSO PENAL
PROFESSOR – MARCOS PAULO
MONITOR – UYARA VAZ
AULA 04
___________________________________________________________________
Ementa:
Inquérito policial:
Desarquivamento;
Ação penal:
Classificação das ações penais;
Ação penal pública.
2. INQUÉRITO POLICIAL
2.8 – Desarquivamento
No encontro anterior vimos que o arquivamento é promovido pelo MP e
acolhido ou não pelo juízo. Mutatis mutandis, o mesmo modelo se aplica ao
desarquivamento, sendo a sua iniciativa do MP e dirigido ao juiz. O desarquivamento
é, em relação à denúncia, um minus, pois desarquiva os autos do inquérito para
tentar reunir justa causa que permite a deflagração da ação penal. O
desarquivamento é uma etapa anterior à própria denúncia e, por esse motivo, é um
minus.
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Para a denúncia há que se ter justa causa. Logo, para a denúncia, ante o
inquérito arquivado, devem-se ter provas materialmente novas, nos termos da
súmula 524 do STF.
SÚMULA 524: Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.
Para o desarquivamento não é necessário ter em mãos provas novas,
bastando a notícia de provas novas. Se essa notícia irá se confirmar é outra coisa,
conforme art. 18, CPP.
Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.
A redação do art. 18 é péssima, vez que dá a entender que a própria
autoridade policial poderia desarquivar. O que não ocorre, pois se o arquivamento
nasce da iniciativa do MP, o desarquivamento igualmente. Se o arquivamento é
endereçado ao juízo, o desarquivamento também será. O que se extrai desse
dispositivo é que “se de novas provas tiver notícia”, ou seja, um contraponto entre
oferecimento da denúncia ante o inquérito arquivado, a exigir justa causa e,
portanto, a existência já em mãos de provas materialmente novas. Ao passo que no
desarquivamento está em uma etapa atrás, é desarquivar para tentar reunir justa
causa que permita a denúncia, não precisando ter em mãos provas materialmente
novas, mas a notícia de vir a obtê-las.
Ressalta-se que a autoridade policial pode realizar pesquisas, mas o
desarquivamento somente por iniciativa do MP.
Antes de fazer prova para o MP de algum Estado, deve-se examinar a lei
orgânica do MP local, para identificar quem tem, dentro da estrutura daquele MP
estadual, atribuição para promover o desarquivamento, pois em muitos casos
concentra-se no PGJ. Se isso ocorrer, tem-se um discurso pautado na teoria dos
poderes implícitos, de que qualquer órgão de execução do MP poderá oferecer a
denúncia ante o inquérito, em princípio, arquivado. Para tanto, basta que se tenha
provas materialmente novas. A denúncia é um plus, se comparado com o
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desarquivamento. Se o órgão ministerial de primeira instância pode o mais
(denunciar), por que não poderia o menos (desarquivar).
“Se, hipoteticamente, lei orgânica de determinado Ministério Público
conferir apenas ao PGJ atribuição para promover o desarquivamento, nada
impede ao órgão de execução do MP também intentá-lo, pois se pode o mais,
denúncia, pode o menos (teoria dos poderes implícitos)”.
3. AÇÃO PENAL
3.1 – Classificação das ações penais
Ação penal popular: corresponde ao habeas corpus, pois qualquer pessoa do
povo tem capacidade para intentá-la. Não confundir a ação penal popular com o
preceituado no art. 14, lei 1079/50. Este artigo diz que qualquer pessoa do povo
poderá denunciar um crime de responsabilidade à Câmara dos Deputados. O que o
art. 14 prevê é a possibilidade de qualquer pessoa do povo poder implementar uma
notícia de crime de responsabilidade, que não necessariamente terá um tipo penal
correspondente, a iniciar um eventual julgamento político. Nada se tem de ação, pois
é uma notícia. Nada se tem de penal, pois seria a pedra inaugural de julgamento
político.
Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.
Ação penal secundária: “corresponde à exceção à regra em termos de via
acionária”.
Ex.1: Crimes contra a honra – art. 145, caput e parágrafo único, CP. A regra é o
processamento por ação penal de iniciativa privada. Mas em determinados casos
será de ação pública condicionada à representação, como no caso de injúria racial.
Logo, a via secundária, por que excepcional, será a ação penal pública.
Ex.2: Art. 225, caput e parágrafo único, CP – crimes contra a dignidade sexual. A
regra é que seja de ação penal pública condicionada. Se a vítima for vulnerável ou
menor de 18 anos, a ação será pública incondicionada. Ou seja, a via primeira é a
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ação penal pública condicionada e a via secundária a ação penal pública
incondicionada.
Ação de prevenção penal: “objetiva, unicamente, a imposição de medida de
segurança, porque já provada, ainda no inquérito, a inimputabilidade mental”.
Um incidente de insanidade mental já pode ser instaurado no inquérito, conforme art.
149, § 1º, CPP. Se o incidente for instaurado e resultar positivo quanto à insanidade
mental, terá uma ação penal, mas não estará mais buscando uma sentença
condenatória, mas a imposição de uma medida de segurança (sentença absolutória
imprópria).
Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal. § 1
o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante
representação da autoridade policial ao juiz competente.
Ação penal ex officio: “teria previsão no art. 26, CPP, não recepcionado pela
Constituição, considerado o art. 129, I, CR/88”. Contravenções penais são todas
de ação penal pública, mas o que preceitua o art. 26, CPP, é que a lavratura do
flagrante ou a portaria, por si só, já equivaleria ao início do exercício da ação penal,
por isso ação penal ex officio, pois não dependeria de uma denúncia formalizada
para ser exercida, já seria exercida na medida em que já fosse lavrado o APF ou
lavrada a portaria pela autoridade policial. A ação penal pública é privativa do MP e,
por este motivo, exige-se denúncia formalizada pelo próprio. Portanto, o art. 26,
CPP, não foi recepcionado pela CR/88, já que daria à autoridade policial uma
legitimidade ad causam que ela não tem, nos termos do art. 129, I, CR/88.
Ação penal adesiva: quanto a esta sequer há um consenso doutrinário acerca do
seu alcance. “Parte da doutrina a associa à ação penal privada conexa ou
continente à pública, pois se teria processo único reunindo no polo ativo a
vítima e o MP. Os princípios da ação penal pública se irradiariam à ação penal
privada. Este modelo já foi afastado pelo STF“.
Quando se pensa em conexão ou continência significa trabalhar com o art. 79, CPP,
que diz que estas importam unidade de processo e julgamento. Ou seja, possuem
duas repercussões, sendo uma procedimental, porque dá azo aos simultaneus
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processus, e a outra se dá no âmbito da competência, pois se há processo único,
deve-se ter juízo único. Assim, o juízo que em princípio seria competente para uma
demanda, terá essa competência prorrogada para as demais. Dessa forma, conexão
e continência são formas de prorrogação legal ou obrigatória da competência.
Observando o desenho acima, a conexão e a continência não repercutem em
nada na legitimação ad causam, sendo este o primeiro equívoco dessa posição –
vislumbrar um litisconsórcio ativo. O que se tem são duas demandas, cada qual com
seu autor – o autor da demanda relacionada ao crime de ação penal privada é a
vítima e o autor da demanda relacionada ao crime de ação penal pública é o MP.
Ademais, porque se estenderia os princípios que regem a ação penal pública
à ação penal privada? Não há nenhuma lógica, até porque como a ação penal
privada é disponível, terá várias causas de extinção da punibilidade exclusivas,
como a renúncia, o perdão, a perempção. Nada disso estará presente na ação penal
pública. Logo, à margem de qualquer preceito legal, estaria eliminando várias
causas de extinção da punibilidade em uma interpretação extensiva in malam
partem.
Isso vulneraria de morte, em âmbito penal, o princípio da legalidade penal
estrita e, no âmbito processual, o devido processo legal (art. 5º, LIV, CR/88).
Se falar que uma ação é adesiva à outra, pressupõe-se uma relação de
dependência. Imagine o seguinte cenário de conexão: o crime de ação penal pública
foi cometido por A para garantir a impunidade do crime de ação penal privada
cometido por B. A, autor do crime de ação penal pública, morre, sendo causa
primeira de extinção da punibilidade (art. 107, I, CP). Assim, o crime de ação penal
pública termina. A ação penal privada prosseguirá, não sendo, de fato, adesiva.
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“Em verdade, a ação penal adesiva tem previsão na Alemanha, pois
formalizada a denúncia, notifica-se a vítima para, querendo, ajuizar pedido
indenizatório integral, de maneira que ao ser citado, o réu apresentará
resposta às duas pretensões, conhecendo o juiz da indenizatória, se julgar
procedente a condenatória, hipótese na qual a primeira adere à segunda”.
“Este modelo previsto no projeto de lei do Novo CPP encontra-se, hoje,
parcialmente positivado no Brasil, porque o art. 387, IV c/c art. 63, caput e
parágrafo único do CPP, prevê como efeito da sentença condenatória a
estipulação de verba indenizatória mínima se houver provocação (Pleno do
STF e 5ª Turma do STJ, esclarecendo a última que o pedido pode partir tanto
do MP quanto da vítima)”.
Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
3.2 – Ação penal pública
3.2.1 – Princípios da ação penal pública
Princípio da titularidade (art. 129, I, CR/88): a ação penal pública é privativa do
MP. O MP é o Estado. Assim, tem-se o MP/Estado, exercendo em nome próprio o
direito de punir. O MP, portanto, atua investido de legitimação ativa ad causam
ordinária, vez que está litigando em nome próprio direito seu, já que o direito de
punir é do Estado.
Pelo delineamento constitucional, tem-se a ação penal pública privativa do MP, com
a possibilidade de intervenção do particular somente se o MP se mantiver inerte,
cabendo a ação penal privada subsidiária da pública, nos moldes do art. 5º, LIX,
CR/88.
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Contudo, a súmula 714 do STF estabeleceu uma inusitada legitimação concorrente
entre o particular (ofendido) e o MP, dando uma filtragem constitucional, à luz da
isonomia, ao art. 145, parágrafo único, CP.
SÚMULA 714: É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções.
Nos crimes contra a honra, a regra geral é que serão de ação penal de iniciativa
privada. Porém, nos termos do parágrafo único, se o ofendido for funcionário público
em razão das suas funções, migra-se de uma ação penal privada para uma ação
penal pública condicionada à representação. Assim, se um funcionário público
estiver de férias e for injuriado, a ação penal será privada. Contudo, se este mesmo
funcionário público sofrer a mesma injúria em razão da função pública
desempenhada, sairia de uma ação penal privada para uma ação penal pública
condicionada à representação. A titularidade da vítima seria transferida ao MP.
Esse entendimento nunca foi bem digerido pelo STF, pois um tratamento como este
feriria o princípio da isonomia. Assim, após várias decisões, editou-se a súmula 714,
estabelecendo que nesse caso haveria uma legitimação concorrente entre o
particular e o MP. Ou seja, desse fato pode-se ter uma queixa ou uma denúncia.
Mas o STF criou um problema, pois permitiu a concorrência entre duas ações
informadas por princípios antagônicos – a ação penal privada é oportuna,
conveniente, ao passo que a ação penal pública é obrigatória. A ação penal privada
é disponível e a ação penal pública indisponível. Como compatibilizar isso? O STF
resolveu o problema da seguinte forma: a vítima escolhe, mas sua escolha não
admite que volte atrás. Ou a vítima formaliza a queixa e segue pela ação penal
privada, ou formaliza a representação, consolidando a legitimação ad causam do MP
para denunciar. A escolha da vítima será definitiva.
Consequências: se a vítima optou pela queixa, se no curso desta sobrevier a
perempção (art. 60, CPP), haverá extinção da punibilidade (art. 107, IV, CPP). Por
outro lado, se representar ao MP, consolida-se a sua legitimação ad causam,
unicamente sua, podendo ter três desdobramentos:
1. O MP promove o arquivamento;
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2. O MP fica inerte, cabendo a vitima propor ação penal privada subsidiária da
pública;
3. Denúncia – nada impede que a vítima, enquanto tal, se habilite como assistente
de acusação.
Princípio da intranscendência: guarda relação direta com a responsabilidade
penal, que é pessoal. É personalíssima, pois ninguém poderá ser demandado por
ilícito penal de outrem. A legitimidade passiva ad causam também se mostra
ordinária, portanto. Só se pode admitir demandar criminalmente alguém por um
ilícito penal por esse alguém supostamente cometido. O espaço que se tem para
articular uma preliminar de ilegitimidade passiva ad causam no processo penal é
mínimo. Qualquer alegação de ilegitimidade passiva ad causam se pautará na
alegação de que não se pode figurar no pólo passivo da relação processual, pois
não cometeu o fato. Isso é articular uma negativa de autoria (art. 386, V, CPP), que
é questão de mérito, cujo equacionamento vai repercutir na procedência ou
improcedência do pedido.
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
Algumas dúvidas surgem, a saber:
a) Homonímia: não se trata de ilegitimidade passiva ad causam, vez que é mero
erro material, sendo sanável a qualquer tempo, com base no art. 259, CPP.
Art. 259. A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes.
Obs.: “Nos termos do art. 259, CPP, a retificação pode se dar até na fase
executiva, o que é viável se diminuta. Caso altere todos os dados
qualificativos do condenado lá referido, deve-se passar pela revisão
criminal para certificar que a pessoa lá constante não corresponde à
processada, julgada e condenada. Autores como Marcellus Polastri e
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José Barcelos de Souza entendem que nestes casos o juiz da execução
pode cautelarmente sobrestá-la aguardando resultado do julgamento da
revisão”.
b) Denunciado menor de 18 anos: a temática não se resolve mais no plano da
ilegitimidade passiva ad causam, pois está demandando aquele que
supostamente tenha sido o autor da infração. O problema será a possibilidade
jurídica do pedido, pois está diante de um denunciado imputável etário, não
cometendo crime, mas ato infracional análogo a crime. Resolve-se pela
rejeição da denúncia por impossibilidade jurídica do pedido, além de extração
de cópia dos autos e o envio ao MP da Infância e Juventude, para que ele
decida perante o juízo da Infância e Juventude formalizar ou não contra o
adolescente infrator a representação socioeducativa.
c) Crimes ambientais – lei 9.605/98: é a única hipótese até hoje prevendo a
responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais e crimes
contra a ordem econômica e financeira. Contudo, até hoje só se implementou
a responsabilização penal da pessoa jurídica em se tratando de crimes
ambientais. A pessoa jurídica é uma ficção. Logo, do ponto de vista
naturalístico, nunca haverá uma infração penal implementada pela pessoa
jurídica, pois como admitir que uma ficção implemente uma infração penal?
Na realidade, a infração penal será implementada por pessoas físicas
vinculadas à pessoa jurídica. Tendo essa percepção, o primeiro entendimento
da 6ª turma do STJ era que só poderia alcançar a pessoa jurídica se
passasse pela pessoa física, devendo ter um litisconsórcio passivo
necessário entre a pessoa jurídica e a pessoa física. Essa era a hipótese de
ilegitimidade passiva ad causam no processo penal, pois se o MP
demandasse criminalmente apenas em nome da pessoa jurídica, o juiz
rejeitaria a denúncia, alegando ilegitimidade passiva ad causam, pois o
litisconsórcio seria necessário. O mesmo crime poderia ser imputado
novamente à mesma pessoa jurídica, desde que dessa vez a pessoa jurídica
viesse acompanhada das pessoas físicas.
Todavia, o STF, 1ª Turma, entendeu que a pessoa jurídica pode ser
demandada sozinha pelo seguinte argumento: nada impede que nesse
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processo a pessoa física seja absolvida, pois demonstra que para aquela
infração penal ambiental ela não concorreu. Assim, será absolvida por
negativa de autoria. Mas no mesmo processo, se mostra que o dano
ambiental de fato decorreu da atividade empresarial desenvolvida pela
pessoa jurídica. A responsabilidade penal da pessoa jurídica é objetiva. Logo,
ao final do processo é perfeitamente possível que haja a absolvição do réu
pessoa física e a condenação da pessoa jurídica. Deste modo, concluiu o
STF que o litisconsórcio não seria unitário, porque então haveria de ser
necessário? Portanto, o STF estabeleceu a possibilidade de a pessoa jurídica
ser demandada criminalmente “sozinha”. Ainda que não seja possível
identificar os autores, partícipes, pessoas físicas do crime ambiental, desde
que haja justa causa reveladora do nexo causal entre a atividade
desenvolvida pela pessoa jurídica e o dano ambiental verificado, pode-se
demandar apenas a pessoa jurídica. Com isso elimina-se a hipótese de
preliminar de ilegitimidade passiva ad causam.
Isso potencializa os institutos despenalizadores. Grande parte dos crimes
ambientais é de menor potencial ofensivo, desafiando transação penal, o que
deixava a pessoa jurídica em uma situação muito confortável, pois à medida
que transacionava, inviabilizava, por completo, a ação penal. Se sobreviesse
a ação penal, seria apenas em face da pessoa jurídica, o que não seria
possível. Afastando a necessidade desse litisconsórcio passivo, acaba
potencializando os institutos despenalizadores, pois ainda que a pessoa física
celebre uma transação penal com o MP, não afasta a possibilidade de
punição da pessoa jurídica.
O leading case dessa jurisprudência foi um julgado da 1ª turma que terminou
3 a 2. O relator foi o Ministro Dias Toffoli e com ele votaram Rosa Weber e
Luiz Roberto Barroso. Votaram vencidos Luiz Fux e Marco Aurélio. No
entanto, ressalta-se que a divergência não se deu quanto a possibilidade de a
pessoa jurídica litigar sozinha no pólo passivo, mas quanto a viabilidade da
responsabilização penal da pessoa jurídica, por ser esta uma ficção. Em
relação à pessoa jurídica, Hassemer propôs que o fato jurígeno da
responsabilização da pessoa jurídica é penal, mas as sanções seriam de
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natureza administrativa. Isso está muito presente na lei 9.605/98, arts. 22 a
24.
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. § 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. § 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. § 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
Essa orientação do STF já está contando com a adesão do STJ – vários
precedentes da 5ª Turma do STJ vêm adotando a mesma linha de raciocínio.
Princípio da obrigatoriedade da ação penal pública: tem matiz infraconstitucional
no art. 24, CPP. O referido artigo não nos diz que a ação penal poderá ser ajuizada
por denúncia do MP, mas que SERÁ ajuizada por denúncia do MP. Logo, revela a
imperatividade da ação penal pública, pois não coloca seu ajuizamento como uma
faculdade do MP, mas como um dever. Ante o princípio da obrigatoriedade da ação
penal pública, esta se mostra ao MP como um dever-poder deste. Um dever em
decorrência da obrigatoriedade da ação penal pública e poder pela sua titularidade.
Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. § 1
o No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por
decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. § 2
o Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio
ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública.
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Afrânio Silva Jardim ainda coloca como valor constitucional inspiradores da
obrigatoriedade a isonomia, pois a regra é igual para todos. Na medida em que o MP
reunir as condições para o regular exercício da ação penal pública, não interessa de
qual classe social vem o infrator, pois a solução será a denúncia. Reduzindo a
margem de discricionariedade, reduz, por óbvio, a possibilidade de tratamento anti-
isonômico. Assim, o princípio da obrigatoriedade teria inspiração na isonomia e na
ideia de um Estado Democrático de Direito (art. 5º, caput, CR/88).
O princípio da obrigatoriedade não tornaria o MP um acusador contumaz. O referido
princípio se mostra presente desde que presentes estejam as condições para o
regular exercício do direito de ação.
As condições para o regular exercício do direito de ação são:
a) Legitimidade ad causam;
b) Possibilidade jurídica do pedido: “essa condição não se encontra mais
prevista no CPC 2015, não se podendo projetar idêntico panorama para
o processo penal, considerado o art. 15, NCPC e a feição distinta desta
no âmbito processual penal, considerado o princípio da tipicidade”.
A possibilidade jurídica do pedido sempre teve uma raiz no mérito. Afinal de
contas, verificar se o pedido tem ou não guarida legal já seria uma avaliação
meritória. Na primeira metade do século XX estabeleceu-se a ideia de que os
direitos de ação seriam abstratos. Para minimizar essa abstração do direito
de ação veio a teoria eclética, ou seja, o direito é abstrato, mas seu exercício
válido estaria condicionado ao preenchimento de determinados requisitos -
condições para o regular exercício para o direito de ação. Diante disso, e para
evitar o que se convencionou chamar à época de demandismo (demandas
em profusão), propuseram, autores como Chiovenda, a possibilidade de se
colocar no início da demanda a possibilidade jurídica do pedido. Ou seja, só
se admitir demandas que se mostrassem minimamente factíveis do ponto de
vista jurídico. Mas como isso seria decidido logo no início, por uma cognição
sumária, por razões de política legislativa se determinou dar a essa decisão a
qualidade de coisa julgada apenas formal, já que cognições sumárias são
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mais suscetíveis a equívocos. Mas nunca se perdeu de vista que a
possibilidade jurídica do pedido, a rigor, tem uma raiz no mérito.
A maior prova disso é que Enrico Tullio Liebman, na última edição de seu
Manual de Direito Processual Civil, em 1969, não reconheceu mais a
possibilidade jurídica do pedido como uma das condições para o regular
exercício para o direito e ação, considerada sua natureza meritória. Nessas
águas se abeberou o atual CPC, que deixou de contemplar a possibilidade
jurídica do pedido como condição para o regular exercício do direito de ação.
É difícil reproduzir isso no âmbito do processo penal, e a primeira razão é que
o art. 15, NCPC, prevê que o Código de Processo Civil será aplicado
subsidiariamente à legislação trabalhista, administrativa e eleitoral. Mas não
há menção à aplicação subsidiária ao direito penal. Não foi esquecimento,
pois foi debatido durante o processo legislativo e se entendeu que o espírito
cooperativo introduzido no Novo CPC seria incompatível com o processo
penal. Assim, alguns autores entenderam a necessidade de haver uma teoria
geral do processo penal, distinta de uma teoria geral do processo civil. Se
projetar a possibilidade jurídica do pedido, sempre teve, no âmbito penal, uma
feição distinta do civil. No processo civil, a possibilidade jurídica do pedido
girava em torno de o pedido ser atendível desde que não houvesse vedação
legal. No processo penal é justamente o inverso, vez que o pedido será
atendido desde que se tenha previsão legal, uma norma penal incriminadora
(consequência lógica do princípio da tipicidade). Portanto, a possibilidade
jurídica do pedido continua passível de ser trabalhada no âmbito do processo
penal. Ex.: Denúncia formalizada contra uma pessoa menor de 18 anos – é
um pedido juridicamente inatendível, pois menor de 18 anos não comete
crime, mas ato infracional análogo a crime.
No âmbito processual penal, pensar em possibilidade jurídica do pedido é
pensar em dois grandes parâmetros, tipicidade e punibilidade.
c) Interesse de agir: se expressa a partir de um binômio –
necessidade/adequação. Adequação no processo penal não tem apelo
algum, pois se o Estado pretende a condenação do imputado, não há
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múltiplas vias para alcançá-la, sendo somente pela ação penal condenatória.
As discussões em torno da adequação no processo penal não existem, pois
se pretender a condenação do réu, isso só será alcançável através de uma
ação penal.
Todas as discussões sobre o direito de agir gravitam em torno da
necessidade, atrelada à utilidade. A primeira delas é quanto a prescrição pela
pena ideal (prescrição pela pena em perspectiva; prescrição pela pena virtual;
prescrição pela pena provável). “Projetando-se o acolhimento do pedido
condenatório e a resposta penal ideal, constata-se o alcance da
prescrição retroativa ou intercorrente da pretensão punitiva estatal,
comprometendo a utilidade da ação penal, porque para nada terá
servido”.
Ex.: Furto simples cometido em janeiro de 2010. Escala penal de 01 a 04
anos. Como a pena máxima é de 04 anos, prescreve em 08 anos. Estamos
em 2016, ainda longe de haver a prescrição, que se dará em janeiro de 2018.
Entretanto, ao examinar o caso concreto, verifica-se que o valor da res furtiva
é de R$ 100,00 (muitos julgados dos tribunais superiores reputam esse valor
insignificante). Ainda, a folha de antecedentes do réu é imaculada, não tendo
nenhuma anotação além daquele inquérito. Ainda que formalize a denúncia e
o pedido condenatório seja julgado procedente, tudo leva a crer que a pena
ficará no mínimo de 01 ano. Se essa pena ficar ainda em 02 anos, o prazo
prescricional seria de 04 anos. Estando em 2016, esse fato já estaria prescrito
desde 2014. Ou seja, ainda que o pedido condenatório fosse julgado
procedente, a conseqüência prática seria zero, vez que entre o fato e a
denúncia passaram-se mais de 06 anos (prescrição retroativa da pretensão
punitiva estatal). Logo, não haveria utilidade nenhuma nesta demanda.
Ademais, como essa prescrição ainda atingiu a pretensão punitiva estatal,
essa condenação em si será desconstituída, não consubstanciando maus
antecedentes ou reincidência. Não haverá nenhum efeito prático. Portanto,
não haveria utilidade.
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A prescrição pela pena ideal não é admitida, tanto pelo Pleno do STF, quanto
pelo STJ, considerada a súmula 438, STJ.
Súmula 438, STJ: É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.
“A prescrição pela pena ideal não é admitida pelos tribunais superiores,
mesmo se relacionada a falta de interesse de agir, porque: a) sem
previsão legal; b) considerações sobre a pena consubstanciam o munus
privativo do juiz a ser valorado na sentença, haja vista o risco de, na
instrução, sobrevir fato novo, agravando a pena, elevando o parâmetro
prescricional (art. 384, CPP – mutatio libelli)”.
Esse instituto conheceu um duro golpe em 2010, ano em que a lei 12.234
entrou em vigor no dia 06/05/10, data da sua publicação, eliminando o
cômputo prescricional entre a data do fato e o recebimento da denúncia,
primeiro marco interruptivo da prescrição. Se se chega à fase do recebimento
com o crime já prescrito, resta declarar extinta pela prescrição. Se não estiver
prescrito ainda, esse interregno temporal será desconsiderado. Como a
prescrição retroativa é uma novatio in pejus, irretroagirá. Ou seja, fatos
delituosos antes da lei 12.234, ainda irão desafiar a prescrição retroativa.
Quanto aos fatos cometidos após, essa discussão estará bem reduzida, pois
não se projeta no plano da prescrição retroativa, mas no plano da prescrição
intercorrente.
Obs.: “Quando se evocar a prescrição pela pena ideal intercorrente, a
hipótese não será de ausência originária do interesse de agir e sim
superveniente”.
Outro reflexo também controvertido diz respeito ao perdão judicial. Este
possui natureza declaratória de extinção da punibilidade ou desconstitutiva da
condenação? Se entender o perdão judicial como tendo natureza declaratória
significa que desde o advento do fato a punibilidade já estaria extinta, ou seja,
significa dar ao perdão judicial eficácia ex tunc – desde o advento do fato a
punibilidade já estava extinta (súmula 18 do STJ). Mas grande parte da
doutrina encara o perdão judicial como tendo natureza constitutiva da
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condenação, isto é, se implementaria a condenação, mas não seria
efetivamente executada por razões de política criminal, pois a dor sofrida pelo
réu já seria infinitamente superior à pena a ele aplicada. Assim, o perdão
judicial teria efeito ex nunc – do momento que foi concedido para frente.
Súmula 18 do STJ: A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório
O STF tem precedentes nesse sentido, mas muito antigos, relacionados a
fatos anteriores à CR/88. Ao contrário do STJ, que tem jurisprudência recente
sobre o tema, reforçando a súmula 18.
Ex.: Pai brincando com sua filha no balanço se excede, o balanço gira em um
360º a criança cai e morre instantaneamente. Caso típico de perdão judicial.
Se o promotor se filiar à corrente de que o perdão judicial tem natureza
desconstitutiva (adotar essa posição em provas do MP) irá formalizar a
denúncia, pois a premissa é de que deve passar pelo processo, alcançar a
apenação, se for o caso, para ai deixar de implementá-la – desconstituí-la em
prol do perdão judicial. Imagine que no curso dessa instrução criminal se
prove que o pai estava divorciado da esposa, com outro relacionamento no
qual o maior entrave para que o relacionamento deslanchasse era a própria
filha, resolvendo matá-la. Neste caso sairia de uma quadra culposa para uma
dolosa, onde impensável o perdão judicial. Assim, em uma prova para o MP
não cabe defender que o perdão judicial teria natureza declaratória.
Em uma prova objetiva, especialmente prova Cespe, o parâmetro de resposta
seria o perdão judicial como natureza declaratória, pois nessa linha há a
súmula 18 do STJ, que vem sendo reafirmada pelo próprio. Para o mesmo
caso, deveria promover o arquivamento por falta de interesse de agir, pois
ainda que os fatos narrados na denúncia viessem a ser cabalmente provados,
o resultado final seria o perdão judicial, declarando-se extinta a punibilidade já
operada a extinção desde o fato. Esse processo não teria nenhuma utilidade.
“Falece interesse de agir para denunciar infração penal integrante de
idêntico cúmulo formal perfeito ou continuação delitiva na qual houve a
incidência da fração máxima de aumento, haja vista a impossibilidade de
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ir além do teto. A indenização, único efeito possível a ser alcançado,
deve ser buscada na esfera cível, sua via própria”.
A ação é penal, sendo assim, sua utilidade estaria relacionada à possibilidade
de aplicar uma pena. Se essa possibilidade não mais existir, não haverá
interesse. O interesse nunca será mensurado com base nos efeitos
secundários de uma sentença, mas com base no dispositivo dela.
Se o cúmulo formal for imperfeito ou material não há óbices, pois para cada
crime se aplica uma pena, sendo todas somadas posteriormente.
Uma discussão clássica sempre travada academicamente se refere ao
interesse de agir no que toca em se alcançar ou não a justa causa. Justa
causa é o lastro probatório mínimo necessário para a demanda. Portanto,
justa causa é, simultaneamente, um ônus para a acusação (só pode
denunciar desde que reúna respaldo probatório mínimo para tanto) e uma
garantia do imputado (resguardo contra acusações infundadas, arbitrárias).
Assim o é em respeito ao preceito constitucional da presunção de não
culpabilidade – art. 5º, LVII, CR/88.
Alguns autores, como Vicente Greco Filho, mencionam que o MP foi
incumbido pela CR/88 para a defesa da ordem jurídica (art. 127, caput,
CR/88). Se ele não reúne lastro probatório mínimo necessário, tampouco teria
interesse em deflagrar a demanda. Nesse sentido, a justa causa não seria
condição autônoma, mas dentro do interesse de agir. Por muito tempo essa
posição foi dominante. Contudo, essa posição se tornou minoritária com a
reforma de 2008. Quanto às causas de rejeição da denúncia ou da queixa,
tem-se no art. 395, II, III, CPP, ou seja, o próprio legislador tratou de destacar
a justa causa do interesse, tornando-a uma quarta condição para o regular
exercício de ação. Quando ausente o interesse agir, aciona-se o art. 395, II,
CPP; quando falecer justa causa, aciona-se o art. 395, III. Portanto, são
categorias diversas.
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
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Obs.: “Alguns autores como Polastri, ainda resistem à justa causa
enquanto condição da ação, exatamente porque estas estariam
mencionadas no inciso II, do art. 395, enquanto a justa causa veio em
separado no inciso III. Seria então um “fundamento razoável” para o
exercício da ação penal pública (o que, ontologicamente, em nada difere
das condições)”.
Ainda há alguns autores que não reconhecem a justa causa como condição
para o regular exercício da ação, com base no argumento textualiza trazido
acima.
Alguns autores ainda defendem uma quinta condição:
“A originalidade da demanda é, majoritariamente, pressuposto
processual de validade, influência da Escola Italiana de Processo.
Porém, autores como Afrânio Silva Jardim e André Luiz Nicolitt a
colocam como condição para o regular exercício da ação, pautados na
Escola Alemã”.
Uma vez presentes as condições para o regular exercício da ação, pode-se falar na
obrigatoriedade da ação penal pública.
Não se deve confundir obrigatoriedade com legalidade da ação penal pública. A
legalidade desta, enquanto princípio contraposto à obrigatoriedade, tem muito
respeito na Escola de Processo da USP. A ação penal pública seria exercida pelo
MP, na forma da lei. Ou seja, não significaria exercer a ação penal pública pelo
simples fato de ser obrigatória, mas exercê-la na forma da lei – art. 24, CPP. Sob
essa ótica, poderia dizer que a transação penal (não oferecer a denúncia em prol de
um acordo entre o MP e o suposto autor do fato) mitigaria a legalidade? Não, pois a
transação penal não parte da cabeça do promotor, mas só é por ele veiculada se
presentes os requisitos legais. A transação penal convive com o princípio da
legalidade da ação penal pública, pois também é exercida na forma da lei, mais
precisamente no art. 76, § 2º, Lei 9.099/95. Logo, não mitiga a legalidade.
Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
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§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
Contudo, há uma ruptura entre a transação penal e a obrigatoriedade, porque tendo
justa causa para a denúncia, estando presentes as condições para o regular
exercício da ação, ainda assim a denúncia não será realizada, sendo preterida em
prol de um acordo pré-processual entre o MP e o suposto autor do fato.
A lei 12.850/13 trouxe uma quadra bem extravagante, porque sempre se trabalhou
no processo penal até essa referida lei a obrigatoriedade da ação penal pública
versus legalidade da ação penal pública. Porém, hoje há uma segunda via ditada
pelo art. 4º, § 4º da lei 12.850/13. Trata-se da colaboração premiada.
Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial,
reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas: II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de
oferecer denúncia se o colaborador: I - não for o líder da organização criminosa; II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.
O art. 4º, § 4º, lei 12.850, também mitiga a obrigatoriedade, vez que é outra hipótese
na qual estarão presentes as condições para o regular direito de ação e, mesmo
assim, a ação penal pública não será exercida. Será que o referido artigo da lei
12.850 dialogaria com a legalidade? Não, pois para que se tenha a premiação de
uma colaboração, deve ter alcançado os resultados previstos na norma, no caso o
art. 4º, caput. Mas a lei não diz quais ou quantos resultados será necessário
alcançar para justificar o não oferecimento da denúncia. Ou seja, oferecer ou não a
denúncia nesse cenário é subjetiva do promotor, pois a lei só estabeleceu
pressupostos de admissibilidade.
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Por força dessa previsão normativa, há no Brasil a introdução do princípio da
oportunidade regrada – o MP, em todas as suas manifestações, há de fundamentá-
las. Não é uma oportunidade pura e simples. Em uma ação penal privada, a vítima
não precisa dar satisfação se não quiser formalizar a queixa crime, apenas não
oferece, renuncia, perdoa ou deixa transcorrer o prazo decadencial. Entretanto,
presente a ação penal pública, pela imperatividade desta, o promotor deve
fundamentar o porquê de não denunciar o colaborador. Daí o princípio da
oportunidade e não legalidade. Aqui a lei não disciplinou o não oferecimento, só
estabelecendo os pressupostos de admissibilidade para que não se tenha a
denúncia.
Neste diapasão, o art. 4º, § 4º, da Lei 12.850/13 mitiga não só a obrigatoriedade,
como também a legalidade.
Se estiver em uma etapa pré-processual, fala-se em obrigatoriedade. Na medida em
que a denúncia for ofertada, o que era obrigatoriedade se convola em
indisponibilidade, nos termos do art. 42 do CPP. A ação penal pública, se presentes
as condições para o regular exercício da ação, é obrigatória. Sendo assim,
formalizada a denúncia, o MP não poderá desistir da ação penal pública.
Art. 42. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.
Se o MP não pode desistir da ação penal quando já ofertada a denúncia, a vítima,
depois de ofertada a denúncia, não poderá se retratar da representação, com base
no art. 25 do CPP. Assim, há a irretratabilidade da representação após o
oferecimento da denúncia, como consequência lógica da indisponibilidade.
Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia.
Há duas exceções ao art. 25, CPP. Logo, mitiga, por conseguinte, a própria
indisponibilidade. O primeiro caso é o Juizado de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, que prevê a retratação da representação até o recebimento da
denúncia (art. 16, lei 11.340/06). Cuidado: Lesão corporal doméstica ou familiar
contra a mulher é de ação penal pública incondicionada, mas há outros crimes de
ação penal pública condicionada factíveis no âmbito do Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, como a ameaça e o estupro.
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Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
Obs.: Observação a ser aplicada em prova discursiva, especialmente Defensoria
Pública. A Lei Maria da Penha veio com uma proposta punitiva, até pelo fato de
estar vedada a lei 9.099/95 (art. 41, lei 11.340/06). Mesmo no âmbito punitivo,
admitiu o legislador a retratação até o recebimento e não até o oferecimento. Assim,
o discurso será:
“O art. 16 da Lei Maria da Penha, em apreço à razoabilidade sob o prisma da
proporcionalidade, justifica o afastamento da regra geral do art. 25, CPP,
porque se a retratação da representação é viável até o recebimento da
denúncia dentro de um universo bastante punitivo como o da lei Maria da
Penha, o que dizer nas demais hipóteses”.
“Em sentido contrário, pondera-se tratar de mérito do ato legislativo, não
competindo ao Judiciário imiscuir-se, devendo se limitar a observar o princípio
da especialidade”.
O entendimento hoje do STJ é na linha de só designar essa audiência se
houver pedido da vítima, para evitar constrangimentos desnecessários. Para evitar
que a vítima fique face a face com o agressor, sem necessidade. Logo, a regra é
não designar audiência, a não ser que a vítima requeira.
A segunda exceção está prevista nos arts. 79 c/c 74, parágrafo único, da lei
9.099/95. O art. 79 versa sobre a abertura da audiência de instrução, interrogatório e
julgamento. Se não houve tentativa anterior de composição, o juiz, logo na abertura
da audiência, terá que oportunizar os institutos despenalizadores, sob pena de ser
ter nulidade absoluta. Em uma prova objetiva o raciocínio deve parar neste ponto.
Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação. Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta Lei.
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Em uma fase discursiva deve-se dizer que em não havendo tentativa anterior,
será dever do juiz oportunizar. De outro modo, se a tentativa anterior foi fracassada,
não é dever do juiz oportunizar, porém, não poderá obstaculizar, pois no Juizado
Especial Criminal deve-se buscar, sempre que possível, a composição e a
transação. Logo, a meta do Juizado é fomentar o consenso e não o litígio.
Se há AIIJ, já se tem denúncia formalizada, ou seja, se sobrevier a
composição, haverá a retratação da representação após o oferecimento da
denúncia. Assim, outra exceção ao art. 25, CPP, o que mitiga, mais uma vez, a
indisponibilidade.
Ainda é possível traçar mais algumas exceções à indisponibilidade. A primeira
delas é a suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/95). Na suspensão
condicional do processo, o MP abre mão de ver examinada a sua pretensão
condenatória em prol de uma alternativa consensual.
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
Obs.: “O princípio da verdade material encontra-se relativizado pela
Justiça Penal Negocial”. Todos esses institutos importam em descarte de se
buscar se o fato realmente existiu, se o acusado foi seu autor, em prol de um
acordo. Portanto, a verdade material já reinou absoluta entre nós, hoje não mais.
No que toca à outra exceção, quando se pensa na composição civil dos
danos, na transação penal, verificando a lei 9.099/95, conclui-se que são institutos
que ocorrem em uma fase pré-processual. A tendência natural é associar a
composição civil e a transação penal a eventuais instrumentos mitigadores da
obrigatoriedade, mas nunca da indisponibilidade, afinal de contas já teria
ultrapassado essa fase. Daí surge uma pegadinha: tais institutos podem,
eventualmente, ser oportunizados incidentalmente ao processo, com o processo já
em andamento. Sempre que isso ocorrer não estará mitigando a obrigatoriedade,
pois a denúncia já foi formalizada, vez que estará mitigando a indisponibilidade da
ação penal pública. Isso dialoga com a reforma de 2008, vez que essa hipótese está
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positivada no art. 383, § 2º, CPP (alteração pela lei 11.719/08) c/c art. 492, § 1º,
CPP (alteração pela lei 11.689/08).
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 2
o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão
encaminhados os autos. Art. 492, § 1
o Se houver desclassificação da infração para outra, de
competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei n
o 9.099, de 26
de setembro de 1995.
“A composição civil e a transação penal incidentais ao processo mitigam o
princípio da indisponibilidade”.
Obs.: “Parte substancial da doutrina sempre encarou a transação penal como
espécie de ação penal condenatória imprópria, porque o art. 76 da lei 9.099/95
prevê aplicação de pena. Haveria então uma condenação, porém imprópria por
não consubstanciar reincidência, maus antecedentes nem título executivo
judicial, não traduzindo reconhecimento de culpa”.
Por essa premissa a transação não mitigaria a obrigatoriedade, pois a pretensão
punitiva não deixou de ser exercida.
“Por essa premissa, a transação não mitiga a obrigatoriedade e, se incidental
ao processo, não relativiza a indisponibilidade, pois a pretensão punitiva não
deixa de ser exercida”.
“O STJ adotava essa orientação, recuando ante a súmula vinculante 35,
que enxerga a transação como mero acordo, sendo meramente homologatória
a sentença chanceladora, motivo pelo qual o descumprimento do acordado
restabelece ao MP o direito de ação, desde que ainda não operada a
prescrição”.
Súmula Vinculante 35: A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial.