CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO JORNALISMO · 2017-02-20 · As notícias intituladas...
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CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
HABILITAÇÃO JORNALISMO
Julianne Barragan Wagner
O BAIRRO EWALDO PRASS NA EDITORIA DE POLÍCIA DO JORNAL DE
CANDELÁRIA: UMA ANÁLISE DE DISCURSO
Santa Cruz do Sul
2016
Julianne Barragan Wagner
O BAIRRO EWALDO PRASS NA EDITORIA DE POLÍCIA DO JORNAL DE
CANDELÁRIA: UMA ANÁLISE DE DISCURSO
Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. Ms. Hélio Afonso Etges
Santa Cruz do Sul
2016
Julianne Barragan Wagner
O BAIRRO EWALDO PRASS NA EDITORIA DE POLÍCIA DO JORNAL DE
CANDELÁRIA: UMA ANÁLISE DE DISCURSO
Esta monografia foi submetida ao Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.
Ms. Hélio Afonso Etges
Professor orientador – UNISC
Dra. Cristiane Lindemann
Professora examinadora – UNISC
Dra. Veridiana Pivetta de Mello
Professora examinadora – UNISC
Santa Cruz do Sul
2016
Em memória de Vera Regina Wagner, avó, amiga e guardiã.
AGRADECIMENTOS
O percurso desta pesquisa nunca foi solitário. Os dias de leitura, escrita e, por
vezes, de apreensão na escrivaninha do quarto foram compartilhados com a Anne
Luiza, o Juliano Adolfo e o Alisson. Obrigada mãe, pai e irmão pelo incentivo, amor e
orientação no caminho do justo. Também agradeço a minha avó Elaine, figura
essencial na consolidação deste sonho que tem sido o ensino superior.
Muito obrigada Adryan e Francieli, colegas de curso e irmãs de coração; Laura,
conselheira e parceira na profissão e na vida; equipe do Jornal de Candelária, por ter
sido paciente nas buscas constantes nos arquivos da empresa; funcionários da
prefeitura municipal de Candelária, sempre solícitos; Danieta, Alana e Elias, pelo
compartilhamento de experiências.
Agradeço, ainda, às professoras Cristiane e Veridiana, que aceitaram o convite
para avaliar esta monografia e compartilhar conhecimento; e ao professor Hélio, pela
paciência, competência e leveza na condução das orientações.
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – Divisão em bairros das notícias publicadas na editoria de Polícia do
JC no período de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016 57
Tabela 02 – Notícias divulgadas na editoria de Polícia do JC sobre o
Bairro Ewaldo Prass 58
Tabela 03 – Notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass e respectiva
divulgação na capa e contracapa do JC 59
RESUMO
Nesta monografia foram estudadas quatro notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo
Prass à luz da Análise de Discurso da escola inglesa, publicadas na editoria de Polícia
do Jornal de Candelária entre 6 de fevereiro de 2015 e 26 de fevereiro de 2016. A
partir desse objeto de estudo a pesquisa buscou entender o discurso do jornal em
relação ao bairro para verificar os significados que emergiram das expressões e dos
vocábulos utilizados pelos repórteres nas notícias. Também teve como objetivo
compreender a forma como representantes do bairro se apropriaram do discurso do
jornal. Neste caso foram feitas entrevistas abertas. Além disso, a pesquisa fez uso da
entrevista semiaberta junto à editora e aos repórteres do Jornal de Candelária e das
técnicas de pesquisa documental e bibliográfica. No referencial teórico foram
apresentados conceitos de jornalismo e notícia e elencados os critérios usados pelos
meios de comunicação para a seleção dos acontecimentos. A bibliografia trouxe,
ainda, a teoria sobre crime, violência e editorias. A desconstrução dos textos
jornalísticos nas instâncias conversacional, indexical e acional, com base na técnica
da Análise de Discurso da escola inglesa, permitiu constatar que o Jornal de
Candelária, nas notícias selecionadas, mostrou um posicionamento sobre os
homicídios e o local em que aconteceram. Isso reforçou os estereótipos existentes em
relação ao Bairro Ewaldo Prass. As escolhas feitas pelos repórteres quanto às
palavras empregadas nos textos e às fontes de informação provocaram uma ideia de
exclusão para com esse local.
Palavras-chave: Análise de Discurso; Jornal de Candelária; Notícias policiais;
Jornalismo do interior.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
2 A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE A PARTIR DO JORNALISMO .......... 13
2.1 A abordagem singular do jornalismo ........................................................... 13
2.2 A notícia pelo viés conceitual ....................................................................... 16
2.2.1 Critérios para a seleção dos fatos ................................................................ 17
2.3 A objetividade das técnicas jornalísticas ..................................................... 21
2.3.1 Estruturação da notícia através do singular .......................................... ......22
3 CAMINHOS QUE ORIENTAM O JORNALISMO POLICIAL ........................... 25
3.1 A violência midiatizada .................................................................................. 25
3.2 Noticiário policial como fórmula de sucesso .............................................. 27
3.2.1 Dependência excessiva das fontes oficiais ................................................. 29
3.3 O leitor exposto ao socialmente desejável .................................................. 31
3.3.1 A imprensa reforça estereótipos e preconceitos ........................................ 33
3.3.2 O jornalismo é responsável por reputações ................................................ 34
4 JORNALISMO DO INTERIOR: CARACTERÍSTICAS E
FUNCIONAMENTO.......................................................................................... 36
4.1 Contexto histórico e social do município de Candelária ............................ 39
4.1.2 Bairro Ewaldo Prass: terceiro maior contingente populacional ................ 40
4.2 A consolidação do Jornal de Candelária ..................................................... 43
5 CAMINHOS DA PESQUISA ............................................................................ 48
5.1 Combinação de métodos: as pesquisas quantitativa e qualitativa ........... 49
5.1.2 Bases documentais para uma perspectiva histórica .................................. 50
5.1.3 A bibliografia submetida a uma nova abordagem ....................................... 51
5.1.4 Um diálogo profissional e intencional .......................................................... 52
5.2 Desconstruir para interpretar: a técnica da Análise de Discurso .............. 53
5.2.1 A conversação: implícitos e pressupostos .................................................. 55
5.2.2 Indexical: discursos diretos e indiretos ....................................................... 56
5.2.3 Falas e expressões levam a ações ............................................................... 57
6 O DISCURSO DO JC SOBRE O BAIRRO EWALDO PRASS ........................ 58
6.1 Implícitos e pressupostos nas notícias sobre homicídios ......................... 64
6.2 A representação das fontes em discursos diretos e indiretos .................. 70
6.3 O universo extralinguístico das palavras ..................................................... 78
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 85
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 89
ANEXO A – Notícia 1 ...................................................................................... 95
ANEXO B – Notícia 2 ...................................................................................... 96
ANEXO C – Notícia 3 ...................................................................................... 97
ANEXO D – Notícia 4 ...................................................................................... 98
ANEXO E – Questões para entrevista semiaberta com a editoria do JC ... 99
ANEXO F – Questões para entrevista semiaberta com os
repórteres do JC ........................................................................................... 100
9
1 INTRODUÇÃO
O jornalismo tem a função de informar a sociedade e a responsabilidade de
garantir o bem comum. Cabe a ele promover a representatividade dos grupos sociais
e facilitar a comunicação entre eles. Por meio da notícia, faz um recorte da realidade
e mostra os acontecimentos sob um ângulo singular. Diante de inúmeros fatos que
emocionam, indignam e assustam, o trabalho de apuração jornalística é condicionado
por valores-notícia que orientam os profissionais dos meios de comunicação. Esses
valores funcionam como filtros que dão destaque aos acontecimentos que são
divulgados em forma de notícias.
Em jornais do interior, em que a tiragem é inferior a dez mil exemplares, o
trabalho de cobertura leva em conta tanto os critérios estabelecidos pelo veículo
impresso quanto a repercussão das notícias junto aos leitores. Embora a aceitação e
a credibilidade do público sejam características exigidas em todos os meios de
comunicação para a sobrevivência econômica, no interior esses aspectos assumem
significados mais amplos.
O assinante quer acesso facilitado ao proprietário, ao editor e aos repórteres do
jornal para sugerir pautas que atendam às suas reivindicações. No jornalismo
praticado no interior, o leitor quer ver a rua e o bairro, onde reside, em destaque nas
páginas do impresso. Aparecer no jornal significa, muitas vezes, a possibilidade de
conserto do calçamento e de continuidade da obra da creche do bairro por parte do
poder executivo. Nestes casos, o fato ultrapassa as divisas do bairro a que está
relacionado para ganhar a atenção de todo o município.
Em situações em que um bairro é evidenciado na editoria de Polícia dos jornais
por meio de notícias sobre homicídios, por exemplo, o medo e a insegurança tendem
a fazer parte da vida dos leitores. A divulgação frequente de acontecimentos
relacionados a um determinado território da cidade pode fazer com que o local perca,
aos poucos, os valores que o integram ao município, pois pode ser considerado um
bairro desvinculado dos ideais de comunidade feliz e solidária. Não só o local, mas
também seus moradores são tachados a partir de estereótipos.
Esta monografia buscou identificar o discurso do Jornal de Candelária sobre o
Bairro Ewaldo Prass nas notícias sobre homicídios. Para elucidar o problema de
pesquisa, foram selecionados quatro textos jornalísticos que noticiaram esse crime e
10
foram publicados na editoria de Polícia do Jornal de Candelária entre 6 de fevereiro
de 2015 e 26 de fevereiro de 2016.
As notícias intituladas “Homem é executado no Bairro Ewaldo Prass”, edição de
27 de março de 2015; “Nhonho é morto a tiros no Ewaldo Pras”, 14 de agosto de 2015;
e “Homem é morto a tiros no Bairro Ewaldo Prass”, 15 de janeiro de 2016, divulgam
assassinatos que aconteceram no Bairro Ewaldo Prass e apresentam detalhes sobre
os fatos, desde o nome das vítimas até a forma como teriam sido mortas. Já o texto
“Candelária tem seis homicídios em 29 dias”, edição de 29 de janeiro de 2016, trata
dos homicídios registrados no município com base no relato do delegado da Polícia
Civil, que descreve o trabalho feito pelo órgão para reprimir essas ações.
A escolha por essas notícias foi feita com base em um levantamento estatístico
realizado pela pesquisadora que mostrou a grande divulgação, no período
mencionado, de homicídios no Bairro Ewaldo Prass em comparação aos demais
bairros de Candelária. A partir desse corpus de pesquisa, o objetivo principal da
monografia foi compreender se as escolhas do jornal quanto às palavras e expressões
usadas nos textos jornalísticos e às fontes, que tiveram seus depoimentos divulgados,
induzem o leitor a uma interpretação pré-determinada sobre o fato e o local onde ele
aconteceu.
Além disso, o trabalho teve o intuito de resgatar um pouco da história do Jornal
de Candelária e, principalmente, do noticiário policial do impresso. Também buscou
compreender como a editora e os repórteres fizeram a cobertura das notícias que
foram analisadas. E, ainda, entender como alguns representantes do Bairro Ewaldo
Prass, como a diretora da Escola Christiano Affonso Graeff e a coordenadora do
Centro Social, apropriaram-se do discurso dos textos jornalísticos para formar um
sistema de significados sobre o bairro.
Para a escolha do objeto de estudo da monografia foi utilizado o método
quantitativo, que possibilitou a realização do levantamento estatístico, conforme
destacado. A pesquisa também fez uso de procedimentos qualitativos como as
entrevistas semiaberta, junto à editora e aos repórteres do Jornal de Candelária, e
aberta para conversar com pessoas ligadas ao Bairro Ewaldo Prass. Utilizou-se,
ainda, a Análise de Discurso da escola inglesa que permitiu a desconstrução das
notícias nas instâncias conversacional, indexical e acional a partir de teóricos como
Fairclough (2001), Austin (1990) e Manhães (2006).
11
A técnica de pesquisa documental garantiu a investigação de documentos
pertencentes ao jornal e às secretarias municipais de Planejamento e de Indústria,
Comércio e Habitação de Candelária. Os documentos foram utilizados para breve
apresentação das histórias do município, do bairro e do jornal. Já a pesquisa
bibliográfica foi feita para consultar a teoria e trazer conceitos referentes a, por
exemplo, jornalismo; procedimentos de apuração jornalística e de escrita das notícias;
editorias e noticiário policial; jornalismo do interior; pertencimento; estereótipos e
preconceitos; e assassinato de reputação.
O referencial teórico inicia pelos estudos de Briggs e Burke (2004) relacionados
à comunicação oral e à aparição dos primeiros jornais. Os autores auxiliaram no
entendimento da comunicação como uma ferramenta que se adapta às necessidades
do público. Essa ideia é complementada pela tese de Peucer que, em 1690, já
orientava os repórteres quanto aos critérios válidos para a seleção dos
acontecimentos. Autores como Alsina (2009), Genro Filho (2012), Bucci (2000),
Meditsch (1992) e Beltrão (1980) trouxeram contribuições acerca da função social do
jornalismo, da objetividade e subjetividade jornalística e do texto estruturado em
pirâmide invertida.
A monografia segue para a compreensão de violência anômica a partir de Sodré
(2006) e traz o conceito de crime com base em Costa (2009) e Wainberg (2010).
Também é trabalhado o surgimento das editorias a partir de Erbolato (1981) e Neveu
(2006), e Ramos e Paiva (2007) conduzem a apresentação das características
próprias da cobertura da editoria de Polícia. Lage (2003) e Pacheco (2005) expõem o
que representa a notícia conduzida unicamente pela fala das fontes oficiais. Já
Christofoletti (2008), Blázquez (2000), Tófoli (2008) e Dapieve (2007) são consultados
para falar sobre como a notícia que generaliza, ao invés de contextualizar, leva ao
assassinato de reputação.
Na sequência, indicam-se os aspectos do jornalismo do interior, com foco na
relação entre repórteres e leitores. Essa discussão é conduzida por Dornelles (2004)
e Peruzzo (2007). Para aproximar esse debate do objeto de estudo da pesquisa, as
histórias de Candelária, do Bairro Ewaldo Prass e do Jornal de Candelária foram
apresentadas de forma sucinta.
As técnicas e métodos elencados foram utilizados para alcançar os objetivos da
monografia. Por meio da Análise de Discurso da escola inglesa foi possível descontruir
12
as notícias selecionadas nas instâncias conversacional, indexical e acional e
identificar o discurso do Jornal de Candelária em relação ao Bairro Ewaldo Prass.
13
2 A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE A PARTIR DO JORNALISMO
A sociedade estrutura-se com base em acontecimentos: a criança que cai da
bicicleta e a morte em um acidente de trânsito são exemplos de fatos inesperados do
cotidiano. No entanto, essas situações somente irão transpor o espaço privado e
tornarem-se informação pública a partir do que a imprensa entende por notícia. Para
compreender a forma como os jornalistas selecionam, apuram e veiculam os fatos que
chegam ao receptor por meio do jornalismo impresso, digital, televisivo ou radiofônico,
este capítulo traz os conceitos de valores-notícia, objetividade jornalística, lide e
pirâmide invertida.
Também verifica-se o modo como essas técnicas jornalísticas são utilizadas para
que as notícias simulem um diálogo com o receptor – o que remete à Idade Média e
à comunicação oral, antes da aparição dos periódicos. Destina-se, ainda, ao
entendimento de como os acontecimentos divulgados pelos meios de comunicação
visam suprir a necessidade do público de compreender o seu entorno a partir do olhar
lançado pelo jornalismo acerca da realidade.
2.1 A abordagem singular do jornalismo
O interesse do ser humano em ter acesso, de alguma forma, aos acontecimentos
pode ser considerado o fio condutor do jornalismo. Para Pena (2010, p. 22-23), esse
interesse é, na verdade, o medo do homem “de não ter a menor ideia do que se passa
ao [...] redor”. Por isso, o autor diz que a natureza do jornalismo está no medo do
desconhecido, pois o ser humano necessita de informação para buscar a segurança
e a estabilidade da vida em comunidade.
Na Idade Média, por exemplo, a Igreja Católica se apropriava dessa necessidade
para disseminar, através da oralidade, informações que estimulassem a obediência
da população para com o governo (BRIGGS; BURKE, 2004). O sermão dos padres
nas igrejas e também nas ruas e praças ocorria principalmente nos domingos e em
datas festivas. As possibilidades oferecidas pela comunicação oral eram exploradas
pelo clero, tanto que “o estilo da pregação (simples ou rebuscado, sério ou divertido,
contido ou histriônico) era conscientemente adaptado às plateias urbana ou rural,
clerical ou leiga” (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 38).
14
Segundo eles, a comunicação oral abriu espaço para aparição, no século XVI,
de panfletos e páginas duplas e, no século XVII, começaram a ser impressos os
primeiros jornais, as gazetas, que não utilizavam uma forma específica para a
produção de notícias, mas apropriavam-se de características da fala para simular um
contato mais próximo com o leitor. O jornalismo não era algo simples do cotidiano,
pois haviam discussões sobre a confiabilidade dos relatos publicados nas gazetas.
Por isso, virou objeto de estudo de uma tese, a primeira da área apresentada em uma
universidade, em 16901. Na pesquisa, Tobias Peucer relaciona a atividade jornalística
a “relatos periodísticos”, que
contêm a notificação de coisas diversas acontecidas recentemente em qualquer lugar que seja. Estes relatos, com efeito, têm mais em conta a sucessão exata dos fatos que estão inter-relacionados e suas causas, limitando-se somente a uma simples exposição, unicamente a bem do reconhecimento dos fatos históricos mais importantes, ou até mesmo misturam coisas de temas diferentes, como acontece na vida diária ou como são propagadas pela voz pública, para que o leitor curioso se sinta atraído pela variedade de caráter ameno e preste atenção. (PEUCER, 2004, p. 16).
O autor vincula a aparição dos periódicos ao entendimento de que haveria um
público consumidor interessado nas publicações. Com base na apropriação dessa
curiosidade do leitor, explorou-se o caráter mercadológico da atividade. Contudo, as
possibilidades de lucro foram percebidas graças à Revolução Industrial, que
oportunizou a disseminação da informação de forma mais rápida e num território mais
abrangente (MEDITSCH, 1992).
Porém, esse perfil do jornalismo – associado à sociedade capitalista – não pode
servir de argumento para diminuí-lo diante das ciências, fundamentadas na precisão
de seus métodos. Tanto as ciências quanto o jornalismo podem ser considerados
formas sociais de conhecimento, cada qual com metodologias e lógicas próprias que
visam ao cumprimento de suas finalidades. Enquanto as ciências são alicerçadas na
exatidão,
o Jornalismo, embora não tenha deixado de se especializar, não descartou o generalismo. Pelo contrário, encontra neste generalismo uma de suas principais funções sociais: a de manter a comunicabilidade entre o físico, o advogado, o operário e o filósofo. (MEDITSCH, 1992, p. 54-55).
1 Denominada De relationibus novellis, a tese foi defendida na Universidade de Leipzig, na Alemanha.
O texto na íntegra foi traduzido para a língua portuguesa por Paulo da Rocha Dias e publicado em 2004.
15
O que o autor sugere é uma espécie de universalização da linguagem promovida
pelo jornalismo, que aproxima classes sociais historicamente divididas pelo
capitalismo. Essa característica da atividade, assim como outros aspectos, faz com
que ela ultrapasse “a mera funcionalidade ao sistema capitalista” (GENRO FILHO,
2012, p. 42). Para ele, a novidade trazida pelo jornalismo está na percepção subjetiva
dos fatos, que permite a reconstrução dos acontecimentos sob um novo ângulo.
A interpretação dos fatos e posterior transmissão à sociedade é vista como a
essência do jornalismo, pois propicia a difusão de conhecimento e a orientação da
opinião pública, “no sentido de promover o bem comum” (BELTRÃO, 1980, p. 27).
Esse viés do jornalismo, atrelado à promoção de causas sociais, é o oposto do perfil
objetivo e neutro, que busca se distanciar dos acontecimentos noticiados (KUNCZIK,
1997). Conforme o autor, no jornalismo há, ao mesmo tempo, o comprometimento
“com a reportagem objetiva e neutra e com uma obrigação social” (KUNCZIK, 1997,
p. 97).
O cumprimento dessa obrigação social tem como efeito positivo o fortalecimento
da democracia, tida como a causa nobre do bom jornalismo, que promove a “educação
permanente do público – um fator de combate aos preconceitos, sejam eles quais
forem” (BUCCI, 2000, p. 49). Portanto, o jornalismo tem como base noções
mercadológicas e sociais, as quais, juntas, transformam os acontecimentos em
informações. Derivado do latim, o verbo informar
[...] originalmente significava em inglês e francês não somente relatar os fatos, o que poderia ser incriminador, mas “formar a mente”. A importância da informação já era claramente apreciada em alguns círculos (políticos e científicos) no século XVII, mas foi ressaltada ainda mais na sociedade comercial e industrial do século XIX, quando as noções de velocidade e distância sofreram transformações. (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 193).
Essas duas últimas mudanças citadas pelos autores exigiram que o jornalismo
aprimorasse suas técnicas, pensando para além do generalismo e da aproximação
com o meio oral. As transformações mais efetivas aconteceram no tocante à produção
de notícias que, segundo defende Meditsch (1992), devem ser elaboradas pelo ângulo
da singularidade, com a inclusão de características e detalhes que aproximem o fato
do receptor. Sem abandonar seu caráter mercadológico, o jornalismo passa a ter um
viés informacional, relacionado às mudanças ocorridas no que tange às notícias.
16
2.2 A notícia pelo viés conceitual
O século XIX trouxe mudanças à atividade jornalística. Conhecido, até então,
pelo seu caráter propagandístico, o jornalismo incorporou um perfil informacional que
contemplou valores “ainda hoje identificados [...]: a notícia, a procura da verdade, a
independência, a objetividade, e uma noção de serviço ao público [...]” (TRAQUINA,
2012, p. 34). A manifestação maior do jornalismo se dá, sem dúvidas, através da
notícia. Com ela, revelam-se os demais fatores concernentes à atividade.
Erbolato (1991) verifica que o conceito de notícia é, na maioria das vezes,
limitado, pois o que se entende por notícia é, na verdade, um conjunto de técnicas que
determina como deve ser o texto jornalístico. Apesar disso, ele ensaia uma definição:
“As notícias são a matéria-prima do jornalismo, pois somente depois de conhecidas e
divulgadas é que os assuntos aos quais se referem podem ser comentados,
interpretados e pesquisados [...]” (ERBOLATO, 1991, p. 49).
O autor diz que os assuntos divulgados se referem a fatos novos que serão
melhor interpretados quando auxiliarem o receptor a compreender sua própria
existência e a vida em sociedade. Cabe ao jornalista a tarefa de procurar essas
novidades e transformá-las em notícias, que são produtos dependentes do jornalismo
para não ficar invisíveis (CORNU, 1994). Mas, para que a mensagem emitida faça
sentido, é preciso mais do que a narração de um fato por parte dos jornalistas. É
necessário, também, a compreensão dos receptores. De acordo com Albertos (1978),
citado por Alsina (2009, p. 296),
Para que exista a notícia jornalística, para que esse fenômeno social que chamamos de jornalismo aconteça, o primeiro requisito é que uns emissores-codificadores selecionem e divulguem determinadas histórias para fazê-las chegar a uns sujeitos receptores, que guardam tais mensagens na esperança de conseguir nelas, uma satisfação imediata ou diferida, e através da qual, conseguem elaborar um quadro de referências pessoais que é válido para compreenderem o contexto existencial em que vivem. (ALBERTOS, 1978 apud ALSINA, 2009, p. 296).
Com base nesse ciclo, que começa pelo emissor, percebe-se um processo que
só estará completo quando o receptor decodificar a mensagem e, a partir dela, formar
opiniões que auxiliem na compreensão do contexto da comunidade à qual pertence.
Logo, à notícia é reservado um papel importante na construção da realidade, embora
Alsina (2009) perceba que o acontecimento noticiado nem sempre tenha veracidade
– critério que, para ele, não é válido para determinar o que é notícia.
17
No entanto, Cornu (1994) diz que o respeito à verdade é um dever do jornalista.
Se a informação não for exata, o autor a enxerga como uma simples manipulação da
mensagem e do público que a recebe. Mesmo que haja exatidão, ele reconhece que
estará presente na revelação de apenas um fragmento da totalidade, uma vez que as
informações noticiadas não representam todos os acontecimentos do dia a dia.
Noticiar, portanto, seria o ato de anunciar determinado fato e, independente do número de acontecimentos que possam ocorrer, só serão notícia aqueles que forem ‘anunciados’. A circulação da notícia, isto é, a veiculação através da qual se faz o ‘anúncio’ de um fato, depende de uma reação subjetiva e não objetiva: os critérios que norteiam esse ‘anunciar’ são determinados pelo interesse do médium ou pelo suposto interesse do público. (SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 17-18).
Portanto, antes da veiculação das notícias há uma seleção que pressupõe o que
o meio de comunicação entende por interesse de seus receptores. Chaparro (1993,
p. 82) percebe que o leitor vem antes do jornalista ou dos jornais na escala de
importância e, por conseguinte, o profissional deve abandonar a arrogância e o
interesse pessoal para garantir ao público o direito à informação correta e plena, que
é um “dos compromissos que tem com a construção e o aperfeiçoamento de uma
sociedade livre [...]”.
O relato veraz não significa, todavia, que os acontecimentos noticiados são um
reflexo dos fatos vividos ou presenciados. Isso porque o jornalismo percebe e produz
as notícias de uma maneira própria, através de critérios objetivos e subjetivos, pois
“os fatos não existem previamente como tais. Existe um fluxo objetivo na realidade,
de onde os fatos são recortados e construídos [...]” (GENRO FILHO, 2012, p. 194).
Uma das principais maneiras de reconstruir os fatos é através de entrevistas.
Tão logo o perfil informacional do jornalismo foi reconhecido e praticado, desenvolveu-
se também “a ideia de que competia ao próprio jornal andar atrás da ‘notícia’”
(TRAQUINA, 2012, p. 56). Conforme o autor, o repórter tornou-se, desta forma, uma
nova figura no jornalismo, cuja importância foi sacramentada a partir da
especialização como correspondente de guerra.
2.2.1 Critérios para a seleção dos fatos
O acompanhamento presencial, por parte dos repórteres, da Guerra Civil norte-
americana, entre 1861 e 1865, tornar-se-ia uma importante contribuição para o
18
desenvolvimento de técnicas no trabalho jornalístico. Ao se deparar com um grande
número de fatos, os profissionais da área tiveram que fazer escolhas e, mais do que
isso, fixar critérios que permitissem embasar essa seleção, os quais são denominados
noticiabilidade, que é
constituída pelo conjunto de requisitos que se exigem dos acontecimentos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos órgãos de informação e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas – para adquirirem a existência pública de notícias. Tudo o que não corresponde a esses requisitos é “excluído”, por não ser adequado às rotinas produtivas e aos cânones da cultura profissional. Não adquirindo o estatuto de notícia, permanece simplesmente um acontecimento que se perde entre a “matéria-prima” que o órgão de informação não consegue transformar e que, por conseguinte, não irá fazer parte dos conhecimentos do mundo adquiridos pelo público através das comunicações de massa. (WOLF, 2009, p. 190).
A legitimidade desse conhecimento produzido pelo jornalismo esbarra no perfil
mercadológico da atividade. Apesar disso, admite-se que “ao reportar o mundo, o
jornalista cria e recria conhecimento” (MEDITSCH, 1992, p. 81). Essa visão de mundo,
pondera o autor, tem relação com a realidade, mas não é a realidade. São
interpretações dos fatos em que “[...] a mídia fornece discursos a partir dos quais os
grupos ou as classes constroem uma imagem das vidas, significados, práticas e
valores de outros grupos ou classes sociais [...]” (ALSINA, 2009, p. 71).
Com base nessa importância atribuída aos repórteres dos meios de
comunicação acerca da interpretação da realidade, é necessária a utilização de
critérios tanto na apuração dos fatos quanto na divulgação. Segundo Peucer (2004,
p. 18), a falta de separação entre os rumores e as ações verídicas não é objeto de
preocupação dos autores de crônicas, mas deve orientar o trabalho dos jornalistas,
ou, conforme o autor, os “redatores de periódicos”. Desta maneira, sugerem-se três
precauções para a escolha das notícias.
A primeira é esta: que aí não se ponha coisas de pouco peso ou as ações diárias dos homens; ou as desgraças humanas, das quais há uma fecunda abundância na vida comum. Depois, a segunda precaução é esta: que não se expliquem indiscriminadamente aquelas coisas dos príncipes que não querem que sejam divulgadas. Porque é coisa perigosa escrever sobre aquilo que pode lhe mandar ao degredo. Assim então, as pessoas prudentes aconselham que cabe esperar até que aqueles tenham desaparecido dentre os vivos ou que já não lhe possa causar danos. [...] Eis a terceira precaução: que não se insira nos periódicos nada que prejudique os bons costumes ou a verdadeira religião, tais como coisas obscenas, crimes cometidos de modo perverso, expressões ímpias dos homens que sejam graves para os ouvidos piedosos. (PEUCER, 2004, p. 21-22).
19
Nessas orientações, o autor já antecipava critérios que, hoje, orientam não
somente pequenos grupos, mas empresas jornalísticas. No entanto, o que Peucer
(2004) denominava de precauções, hoje são conhecidos como valores-notícia, que
“constituem a resposta à pergunta seguinte: quais os acontecimentos que são
considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem
transformados em notícias?” (WOLF, 2009, p. 195). O território de abrangência do
jornal é um dos fatores que influencia na seleção.
Nota-se a importância do elemento de proximidade por meio do exemplo de um
assalto numa farmácia. De acordo com Alsina (2009), o jornal local noticiará o crime
como sendo um grande acontecimento, concedendo-o espaço na capa da edição
seguinte. Um veículo impresso de circulação nacional também publicará o fato, mas
provavelmente sem o mesmo destaque, enquanto que um jornal estrangeiro sequer
vai dar atenção ao ocorrido.
Esse exemplo, além de ilustrar o critério de seleção com base na abrangência
do jornal, mostra a relevância dada pelos meios de comunicação a fatos que tenham
alguma conotação violenta. Isso ocorre porque “a mensagem jornalística deve
bombardear o receptor, despertar-lhe o interesse e provocar, conforme o tema,
comentários e discussões entre grupos interessados” (ERBOLATO, 1991, p. 56).
Por isso é que o autor cita a repercussão como um dos fatores usados pelos
meios de comunicação para selecionar os acontecimentos que serão notícia e
delimitar o tamanho do texto. Na maioria das vezes, uma grande repercussão
depende da ruptura da normalidade, o que acontece, por exemplo, nos crimes.
[...] algo banal pode de um momento para outro ser notícia. [....] O professor primário, modesto e humilde que dá aulas às crianças do grupo escolar do bairro nunca foi notícia. Mas, se for encontrado morto, com um tiro no coração ou na cabeça, a matéria merecerá várias colunas. (ERBOLATO, 1991, p. 54).
A veiculação frequente da violência, agressividade, dor, das catástrofes, dos
delitos e acidentes é uma estratégia utilizada pelos meios de comunicação para que
o público se sinta envolvido por tanta violência e tenha a sensação de estar
constantemente ameaçado (ALSINA, 2009). O capítulo 3 destina-se especificamente
à discussão da violência, do noticiário policial e de outras temáticas que se relacionam
a esse assunto. Destaca-se, na sequência, outros elementos que influenciam na
seleção das notícias.
20
Segundo observa Erbolato (1991), o leitor tem interesse pelo que desconhece –
novidades – ou o que sabe apenas superficialmente. Logo, ele sugere a técnica de
“redigir sobre o que aconteceu ontem ou recentemente” (ERBOLATO, 1991, p. 55).
Mas o autor percebe que os critérios variam conforme a linha editorial da empresa
jornalística: enquanto um jornal dá destaque a crimes, outro trata de temas ligados à
ecologia. Apesar disso, há valores que orientam a escolha das notícias de um modo
geral.
Silva (2005) cita como valores-notícia o impacto, que inclui o número de pessoas
envolvidas no fato e afetadas por ele; a proeminência, que destaca a notoriedade do
indivíduo, instituição ou país ligado ao acontecimento; conflito, seja ele reivindicação
ou guerra; entretenimento/curiosidade, em que se inclui aventura e esporte; polêmica,
como um escândalo; conhecimento/cultura, tanto descobertas científicas quanto algo
relacionado à religião; raridade, que apresenta o fato como incomum; surpresa, ou
seja, o inesperado; governo, compreendidas as decisões políticas; tragédia/drama,
tais como crimes e catástrofes naturais; e justiça, em que aparecem, por exemplo,
investigações.
A partir dessa categorização, a notícia é compreendida como uma construção
social. Dessa forma, os valores-notícia funcionam como
[...] um mapa, código, perspectiva ou esquema que orienta o trabalho do jornalista, que o auxilia no campo do saber de reconhecimento. [...] os valores-notícia constituem também referências para a operacionalidade de análises de notícias, permitindo identificar similaridades e diferenciações na seleção ou hierarquização de acontecimentos em diversos veículos da imprensa [...]. (SILVA, 2005, p. 100).
Ao notarem-se similaridades, a transformação de fatos em notícias torna-se,
teoricamente, um processo rápido. E a velocidade é exigência em um cenário
jornalístico em que há redações enxutas e, consequentemente, profissionais que
devem executar multitarefas. Mas a seleção não pode ser descrita “como uma escolha
subjetiva do jornalista, mesmo que seja, profissionalmente, motivada” (WOLF, 2009,
p. 241). Pelo contrário, é um processo complexo realizado ao longo do ciclo de
trabalho.
Por isso, Silva (2005) destaca a necessidade de critérios também na produção
de textos jornalísticos. Essas técnicas – que garantem algum rigor científico à
atividade jornalística – auxiliam o jornalista na elaboração das notícias e também
21
contribuem para o entendimento do receptor acerca da mensagem, o que não
significa, todavia, que a informação seja totalmente objetiva e imparcial.
2.3 A objetividade das técnicas jornalísticas
A objetividade é tida como um dos valores que orientam o trabalho jornalístico.
Seu surgimento tem relação com a importância dada – no decorrer do século XIX –
aos fatos, já que, até esse período, eram as opiniões que prevaleciam nos meios de
comunicação. O problema, porém, está em restringir a discussão “a uma simples
dicotomia entre objetividade e subjetividade” (TRAQUINA, 2012, p. 137). Para esse
autor, quando o jornalista utiliza procedimentos tidos como objetivos, reduz críticas
relativas ao seu trabalho. Logo, a intenção não é negar a existência da subjetividade
do profissional.
Pena (2010) defende a ideia de que o jornalista é subjetivo, mas os
procedimentos usados na atividade jornalística são objetivos. Isso significa,
basicamente, que no relato dos acontecimentos estão pressupostos “preconceitos,
ideologias, carências, interesses pessoais ou organizacionais e outras idiossincrasias”
(PENA, 2010, p. 50). Diante da inviabilidade de amenizar a influência desses fatores,
criam-se técnicas capazes de assegurar algum rigor científico ao noticiar os fatos.
Apesar de haver técnicas, Genro Filho (2012) assegura a inexistência da informação
objetiva e imparcial.
A ideologia da objetividade e imparcialidade do jornalismo corresponde não ao fato ou possibilidade real da existência desse tipo de informação, mas, ao contrário, ao fato de que as necessidades sociais objetivas e universais de informação só podem ser supridas conforme uma visão de classe. É a carência objetiva da sociedade como um todo que fornece as bases para o mito ideológico de que o jornalismo pode vincular-se direta e abstratamente a essas necessidades gerais, segundo um interesse político global da sociedade, que se revela como mesquinho interesse da manutenção da ordem burguesa. Ora, sabemos que, numa sociedade dividida em classes, a universalidade sempre se manifesta mediada por interesses particulares. (GENRO FILHO, 2012, p. 153-154).
A partir dessa linha de raciocínio, verifica-se que a universalização da linguagem
– uma das características atribuídas ao jornalismo – é uma falsa percepção de que
todos os setores da sociedade estão proporcional e ideologicamente contemplados
no noticiário. Abandona-se, com isso, o mito da “objetividade como a enunciação da
verdade absoluta” (ALSINA, 2009, p. 55). Mas, se o jornalismo cumpre a exigência de
22
uma informação objetiva, ele aproxima-se mais da verdade ao possibilitar que o
receptor interprete a mensagem e ela se torne valiosa para um público mais
abrangente (BELTRÃO, 1980).
É por isso que o uso de técnicas objetivas garante que a notícia seja decodificada
pelo receptor. Portanto, “ser objetivo é apegar-se ao acontecimento, esmiuçá-lo,
narrá-lo de modo a que nenhum aspecto importante seja sonegado ao conhecimento
do receptor” (BELTRÃO, 1980, p. 26). Contudo, a objetividade não é válida somente
ao indivíduo que recebe a informação.
Sem dúvida, a objetividade é útil aos jornalistas. A objetividade traça os métodos que o jornalista deve seguir. Forçado pela exigência de rapidez, o jornalista precisa de métodos que possam ser aplicados fácil e rapidamente. (TRAQUINA, 2012, p. 143).
Logo, há necessidade de elaborar as notícias com base em uma lógica que seja
rapidamente assimilada pelos profissionais – que trabalham sob a pressão do tempo
e dos interesses da empresa jornalística – e também reconhecida pelos leitores. Em
função disso, a estrutura narrativa denominada pirâmide invertida assume um papel
importante para a hierarquização dos fatos pelo ângulo da singularidade e
decodificação da mensagem.
2.3.1 Estruturação da notícia através do singular
Ao serem retirados do seu contexto, os acontecimentos adquirem a existência
pública de notícia através de um novo formato, o qual é elaborado pelo jornalismo.
Para que a estruturação desses fatos seja objetiva – o conceito de objetividade
jornalística foi debatido no subcapítulo 2.3 – a notícia deve expressar as dimensões
do “singular, particular e universal” (GENRO FILHO, 2012, p. 167). O autor utiliza os
indivíduos para exemplificar a aplicação desses três conceitos.
Então, pode-se dizer que cada homem é um sujeito singular, com características
próprias, mas mantendo aspectos universais que permitem associá-lo ao gênero
humano. O particular, com base nessa lógica, localiza-se entre o singular e o
universal, referindo-se à família, ao grupo de amigos ou à classe social do indivíduo.
Nas informações jornalísticas, essas três dimensões existem de forma simultânea.
Genro Filho (2012) cita a notícia sobre uma greve em São Paulo para mostrar a
coexistência dessas dimensões. Primeiro, o repórter vai descrever os aspectos
23
singulares do acontecimento: quem está em greve; líderes da paralisação;
reivindicações. A particularidade do fato se manifestará quando a greve for comparada
a outros fenômenos sociais dessa natureza, para situá-la dentro de um tipo específico
de acontecimentos. A universalidade estará presente para dar um significado geral à
notícia, relacionando a greve à luta de classes existente na sociedade.
Portanto, tomando essas relações como premissa histórica, podemos afirmar que o singular é a matéria-prima do jornalismo, a forma pela qual se cristalizam as informações ou, pelo menos, para onde tendem essa cristalização e convergem as determinações particulares e universais. Assim, o critério jornalístico de uma informação está indissoluvelmente ligado à reprodução de um evento pelo ângulo de sua singularidade. Mas o conteúdo da informação vai estar associado (contraditoriamente) à particularidade e universalidade que nele se propõem, ou melhor, que são delineadas ou insinuadas pela subjetividade do jornalista. (GENRO FILHO, 2012, p. 171-172).
Para que a singularidade do acontecimento se manifeste na notícia é preciso
sintetizar o fato nos parágrafos iniciais do texto. Isso funcionará como um convite para
que o leitor acompanhe a sequência do relato. O jornalista, desse modo, deve
responder “às perguntas básicas do leitor: o quê, quem, como, onde, quando e por
quê” (PENA, 2010, p. 41-42). A resposta a esses questionamentos caracteriza o lide.
Conforme o autor, o conceito foi trazido ao Brasil pelo jornalista Pompeu de Souza,
na década de 1950.
Traquina (2012, p. 59) atribui ao lide um viés mais mercadológico do que
funcional. Segundo ele, seu uso disseminou-se “à medida que as notícias começaram
a ser tratadas como um produto”. O autor também enxerga no lide a possibilidade de
o jornalista afirmar uma autoridade profissional, já que faz o texto jornalístico assumir
um status mais elevado se comparado aos relatos usuais.
No que tange à localização do lide, Genro Filho (2012) diz que normalmente
aparece no começo da notícia. No entanto, cita alguns repórteres criativos que
inserem as seis perguntas até mesmo no último parágrafo, mas garantindo ao lide, da
mesma forma, o título de momento jornalístico mais importante.
O lead é uma importante conquista da informação jornalística, pois representa a reprodução sintética da singularidade da experiência individual. As formulações genéricas são incapazes de reproduzir essa experiência. O caráter pontual do lead, sintetizando algumas informações básicas quase sempre no início da notícia, visa à reprodução do fenômeno em sua manifestação empírica, fornecendo um epicentro para a percepção do conjunto. É por esse motivo que o lead torna a notícia mais comunicativa e mais interessante, pois otimiza a figuração singularizada da reprodução jornalística. (GENRO FILHO, 2012, p. 205-206).
24
Outra importante contribuição para a estrutura narrativa jornalística é o relato
que assume o formato de pirâmide invertida. A nomenclatura tem relação com as
pirâmides egípcias e, conforme Pena (2010, p. 48), visa à descrição dos fatos em
termos de importância, “em uma montagem que os hierarquiza de modo a apresentar
inicialmente os mais atraentes, terminando por aqueles de menor apelo”. A facilidade
do método está em permitir que o último parágrafo seja eliminado sem prejuízo do
entendimento da notícia – caso a diagramação exija esse corte.
Contudo, há autores que não concordam com a afirmativa de que, na pirâmide
invertida, a notícia percorra a narrativa do mais importante para o menos importante.
Meditsch (1992) e Genro Filho (2012), por exemplo, defendem um conhecimento que
caminha do singular para o particular. Já Traquina (2012) analisa a perspectiva de que
o relato não fique, necessariamente, restrito à ordem cronológica dos fatos, como
ocorria até 1900.
Percebe-se, nos tópicos abordados nesse capítulo, que as mudanças verificadas
no jornalismo refletem uma necessidade de aprimoramento contínuo da atividade,
uma exigência de mercado, como também do público. O capítulo 3 destina-se à
continuidade dessa análise, mas voltada à segmentação jornalística e à editoria de
Polícia. Verifica-se, principalmente, como os meios de comunicação divulgam a
violência e de que forma os repórteres policiais realizam a apuração jornalística.
25
3 CAMINHOS QUE ORIENTAM O JORNALISMO POLICIAL
Este capítulo destina-se à compreensão dos avanços empreendidos pelos
jornais na divulgação da violência e do crime na editoria de Polícia, especialmente no
que tange à escolha das fontes cujas informações servirão de base para elaboração
da notícia. Nele, busca-se também entender como os acontecimentos violentos e
criminais são retratados pelos meios de comunicação e a apropriação feita pelos
leitores desse discurso jornalístico para formar juízos de valor sobre a violência, o
crime e quem os pratica.
3.1 A violência midiatizada
O conhecimento informal tende a considerar a violência um crime, mas nem
todas as ações violentas são tipificadas como criminosas. Para Sodré (2006), o
conceito de violência está atrelado a atos que contrariem a ordem estabelecida, pois
são consideradas violentas as ações que vão contra a legitimidade das instituições
designadas para manter a ordem e a segurança. Além das relações de poder, para
caracterizar um ato como violento é necessário verificar o momento e o contexto social
no qual ele foi praticado (MIRANDA, 2011).
Por isso, a autora diz que não há uma definição universal para o termo, embora
ele seja normalmente associado a “um comportamento que causa dano a outra
pessoa...que faz uso excessivo de força...que fere a integridade do outro...que envolve
uma relação de domínio do outro...” (MIRANDA, 2011, p. 4). Embora haja diferentes
modalidades de violência – anômica, representada, sociocultural, sociopolítica, estado
de violência ou violência social – Sodré (2006) verifica que a violência anômica é a
mais explorada pelos meios de comunicação e, portanto, esse será o viés considerado
neste capítulo.
Essa modalidade de violência está relacionada a atos que podem causar lesões
internas, externas ou ambas “por meio de força física, de algum tipo de arma ou
instrumento” (CARVALHO, 2010, p. 31). Mesmo que cause danos a alguém, a
violência, como não está tipificada no Código Penal, não é crime (MIRANDA, 2011).
Segundo a autora, em muitos momentos esses fenômenos acontecem juntos, mas
violência e crime são processos sociais diferentes.
26
A Polícia Civil2 (s.d.) define crime, sinônimo de delito, como toda ação humana
antijurídica e culpável praticada por pessoas maiores de 18 anos, que gera registro
de ocorrência policial. Antijurídico significa que o fato contrariou alguma norma, como
“é proibido furtar”, estabelecida pelo Direito na lei penal, a qual “descreve as condutas
criminosas, que por isso estão sujeitas às aplicações das sanções penais” (COSTA,
2009, p. 42). Ao infringir essas normas, o sujeito será punido pela prática de crime.
Nos meios de comunicação, os crimes são acolhidos com entusiasmo, pois
essas condutas criminais abalam, são controversas, polêmicas e prometem embate
(WAINBERG, 2010). O autor percebe que, para a imprensa, boas notícias são más
notícias, o que faz o mal nutrir as páginas dos jornais. Essa divulgação constante de
crimes pode incentivar a prática de atos dessa natureza. Sodré (2006) exemplifica a
influência gerada pelos meios de comunicação acerca da divulgação de crimes com
base em um caso ocorrido em 4 de novembro de 1999.
[...] um estudante de medicina, de 24 anos de idade, sem nenhum motivo aparente, dispara quarenta tiros a esmo com uma metralhadora contra o público que assistia num cinema o filme O Clube da Luta (violentíssimo) em São Paulo. Três pessoas morreram e várias ficaram feridas. Mais tarde, já detido, o jovem admite à polícia ter planejado a ação durante todo um mês, revelando: “Antes, pensei entrar no cinema com uma granada, mas me pediram cento e cinquenta dólares e achei que não valia. Escolhi a metralhadora porque ia dar mais impacto na mídia”. (SODRÉ, 2006, p. 10).
Pensando para além dos motivos que o levaram a cometer o crime, percebe-se
um cuidado em garantir que a ação fosse interpretada pela imprensa como um fato
capaz de ser transformado em notícia. O estudante, então, opta pela metralhadora
para que o ato tenha “um lugar efetivo na mídia – que, por princípio, necessita de
acontecimentos com tal carga de ruptura” (DIAS, 1996, p. 103).
A autora diz que esse desejo pela violência é atribuído ao leitor, cabendo ao
jornal a função de satisfazê-lo. Segundo Lemos (2001), o público convive diariamente
com ações que mostram o perigo do desvio de conduta – como aconteceu com o
assassino no cinema. O leitor, por consequência, tem a sensação de medo sempre
realimentada por causa da proximidade com o crime tanto no cotidiano quanto nas
páginas impressas, principalmente na editoria de Polícia.
2 O site da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul disponibiliza um glossário em que é possível
consultar termos utilizados pelos profissionais que atuam no órgão.
27
3.2 Noticiário policial como fórmula de sucesso
O surgimento dos cursos de jornalismo, que eram raros na década de 1960,
impulsionou a especialização dos meios de comunicação, graças à profissionalização
dos repórteres (NEVEU, 2006). Primeiro, de acordo com o autor, os jornais tinham
editorias tradicionais – como Política, Social e Esporte – às quais se somaram, ao
longo dos anos 1970, Saúde e Educação. Tais editorias são consideradas
permanentes, cada qual com um responsável que orienta as notícias relacionadas ao
tema (ERBOLATO, 1991).
Porém, o autor explica que algumas editorias podem ser transitórias, pois
surgem quando um assunto for atual e importante como Meningite, Inundações, Seca
e Itaipu. Nas editorias, os acontecimentos são filtrados “em função das definições
implícitas e explícitas que os jornalistas fazem de ‘seus’ assuntos” (NEVEU, 2006, p.
84). À proporção que os repórteres se dedicam à cobertura de assuntos concernentes
a uma editoria, há como consequência positiva a qualidade da notícia, pois o
profissional tem mais tempo para pesquisar sobre o tema.
No entanto, Ramos e Paiva (2007) defendem a reestruturação das editorias para
permitir que jornalistas responsáveis por notícias sobre criminalidade, por exemplo,
também cubram outros temas. A sugestão das autoras está relacionada
especialmente ao noticiário policial, pois elas percebem que essa conexão dos
repórteres policiais com outras editorias favorece
[...] nos textos a integração do fenômeno da criminalidade a temas como educação, habitação, saúde, trânsito etc. Outro ponto positivo [...] é a diversidade de temas, que exige mais informação e preparação dos jornalistas, evitando que eles incorporem o estereótipo do repórter de polícia, que pouco se diferencia dos policiais e não consegue transitar além da delegacia. (RAMOS; PAIVA, 2007, p. 20).
As ideias elencadas pelas autoras ficam, porém, mais no campo da proposição
do que da efetividade. Isso porque a inclusão – ou fim – da editoria de Polícia nos
periódicos não muda o fato de a maioria dos meios de comunicação considerar as
notícias sobre criminalidade e violência “como um atrativo para o público leitor”
(ERBOLATO, 1981, p. 53). Por isso, além do texto jornalístico, são publicadas
ilustrações e fotografias do local do crime, do assassino e da vítima.
Para Foucault (2004), ver o criminoso – através de imagens – e entender suas
motivações – por meio de depoimentos – é uma exigência feita pelo leitor, que se
28
transforma em testemunha do crime quando acompanha o noticiário policial. Mais do
que incitar o medo do público, a imprensa concede-lhe o direito de verificar que o
sujeito terá a devida punição, já que o leitor se sente parte do julgamento, na condição
de acusador.
Apesar de ser recorrente o uso de imagens violentas no noticiário policial, como
corpos baleados, as fotos “têm sido suavizadas em relação aos padrões do passado”
(RAMOS; PAIVA, 2007, p. 64). As autoras relacionam esse cuidado dos jornalistas à
rejeição, por parte dos leitores, das fotografias sangrentas, especialmente quando a
imagem se refere a um fato ocorrido na cidade onde o jornal está localizado.
Isso porque os jornais locais apresentam prudência “na cobertura de tudo o que
pode gerar conflito entre os atores do local” (NEVEU, 2006, p. 57). Para o autor, a
particularidade desses jornais é, sobretudo, a proximidade que mantêm com as fontes
e os leitores, o que gera uma sensação de pertencimento. Nesse sentido, textos
jornalísticos e fotografias que impactam tendem a ser evitados para não quebrar a
ideia de conjunto e de vida associativa e feliz (NEVEU, 2006).
Apesar de ocorrer essa tentativa de minimizar o impacto gerado pelo noticiário
policial, os leitores são atraídos pelos textos jornalísticos que causam rupturas, os
quais são “sem profundidade e com grandes possibilidades de distorcer o contexto
real dos fatos” (PACHECO, 2005, p. 11). Segundo ele, essa distorção – causada pelo
relato dos episódios, sem aprofundar causas e consequências – deve-se à apuração
jornalística inadequada.
Um desses equívocos é somente ouvir pessoas ligadas a departamentos
policiais e outros órgãos de segurança ou retirar informações do Boletim de
Ocorrência policial (B.O.), que é elaborado em uma Delegacia de Polícia e torna
público um crime para fins de investigação ou, ainda, trata sobre itens perdidos, para
fins de direito (POLÍCIA CIVIL, s.d.). O registro do B.O. também é feito pelos policiais
militares, que se deslocam até o local do fato quando acionados. Os policiais civis
também vão até a cena do crime, mas em caráter investigativo, pois o B.O. deve ser
feito na Delegacia de Polícia por alguém que comunique o crime (COSTA, 2009).
Nas duas possibilidades de registro do B.O., pela Polícia Civil e pela Brigada
Militar, o acontecimento é narrado sob a perspectiva de alguém que presenciou o
crime e que pode dar detalhes que auxiliem a instauração do inquérito policial para
dar início à investigação. Em função disso, os repórteres cometem um equívoco
técnico e social ao destacarem no noticiário somente depoimentos coletados na
29
Delegacia de Polícia, pois é dado destaque exclusivo às fontes oficiais, tais como
delegados e policiais.
3.2.1 Dependência excessiva das fontes oficiais
Se, por um lado, há atenção redobrada quanto às imagens, em contrapartida
não se notam mudanças em relação às fontes utilizadas nas notícias policiais. O
resultado é a dependência excessiva dos repórteres para com as informações da
polícia, que é a principal fonte desses textos jornalísticos e, às vezes, a única a ser
consultada.
A consequência mais grave da dependência das informações policiais é que ela diminui a capacidade da imprensa de criticar ações das forças de segurança. [...] a verdade é que o noticiário sobre violência e criminalidade é principalmente composto de registros de ações policiais: prisões, apreensões, apresentações de criminosos etc. A imprensa tem exercido um papel fundamental na fiscalização da atuação das forças de segurança. No entanto, em grande parte dos textos, ela divulga sem questionar os atos cometidos por elas. (RAMOS; PAIVA, 2007, p. 37-38).
Sem a realização da cobertura policial no local do acontecimento, o fato é
noticiado sob a perspectiva das fontes oficiais, que não têm uma visão jornalística e
isenta (PACHECO, 2005). A falta de isenção deve-se ao fato de elas representarem
em seu pronunciamento os órgãos mantidos pelo Estado (executivo, legislativo e
judiciário) ou as organizações agregadas, como companhias públicas, pois as fontes
oficiais são pessoas que exercem função ou cargo público e, portanto, emitem
informações que beneficiam os grupos dominantes (LAGE, 2003).
Tal como nas demais especializações, os repórteres da editoria de Polícia
beneficiam nas notícias os depoimentos das fontes “particularmente reconhecidas por
causa de sua representatividade e de seu status institucional” (NEVEU, 2006, p. 97-
98). Para o autor, as fontes oficiais, ou institucionais, apresentam manifestações orais
ou escritas com visão profissional, o que garante, no entendimento dos repórteres,
textos jornalísticos mais importantes por causa da visibilidade das fontes. Por isso, os
jornalistas se dirigem espontaneamente às pessoas com autoridade (NEVEU, 2006).
Contudo, ao ficar restrito ao espaço da Delegacia de Polícia, o repórter divulga
uma informação sem qualidade por causa dos equívocos cometidos. É o que Costa
(2002, p. 146) denomina de “opinionismo”, ou seja, sustentar “as versões da realidade
baseadas na autoridade, não nos fatos em si”, de modo que ocorra
30
um processo de autorização que legitima a opinião de agentes, os quais, em função do saber presumido, acabam expressando juízos de valor sobre os temas cobertos. Tais fontes tendem a corresponder ao sistema estratificado de forças societárias, privilegiando as autoridades governamentais, empresariais, científicas e religiosas. Já na seleção das fontes dá-se o comprometimento da versão do fato noticioso. (COSTA, 2002, p. 149).
De acordo com o autor, essa prática dos meios de comunicação faz com que
normas, crenças e valores dominantes permaneçam em destaque para o leitor, como
se o pensamento das fontes oficiais fosse incontestável. Apesar disso, Erbolato (1981,
p. 56) diz que a Delegacia de Polícia deve ser visitada pelos repórteres, pois é um
local onde é possível anotar “o que há nos livros de registros e [...] entrevistar os
delegados, investigadores, legistas e demais pessoas que estejam participando do
inquérito”. Porém, o autor sugere uma ampliação do leque de fontes.
Vítimas poderão ser ouvidas nos hospitais se seu estado de saúde o permitir. Os prontos-socorros também oferecem informações excelentes, podendo o repórter saber pormenores sobre as ocorrências, obtendo-os de médicos, enfermeiros e, se for o caso, até perguntando aos motoristas das ambulâncias. (ERBOLATO, 1981, p. 56).
A realidade do jornalismo policial, contudo, mostra uma cobertura pouco
diversificada quanto às fontes e aos temas. Para Ramos e Paiva (2007), é perceptível
a existência de problemas na cobertura policial, embora a imprensa tenha se mostrado
decisiva para que as autoridades públicas tomem iniciativas que auxiliem o
enfrentamento da violência. As autoras citam a repercussão gerada pelo Massacre do
Carandiru, acontecido em 2 de outubro de 1992 no Pavilhão 9 da Casa de Detenção,
na zona norte de São Paulo.
As reportagens e fotografias acerca dos presos mortos por policiais levaram à
condenação do coronel da reserva Ubiratan Guimarães a 632 anos de prisão, além
do complexo do Carandiru ter sido desativado em setembro de 2002 por causa da
superlotação. Quando a polícia tem seus atos questionados pela imprensa, como no
Massacre do Carandiru, ocorre – conforme observa Souza (2002) – um rompimento
da relação com os repórteres. Nessas situações, a polícia “adora queixar-se da
imprensa e nunca percebe que a maioria das notícias é favorável a ela” (SOUZA,
2002, p. 118).
No centro desse jogo de poder e interesses está o leitor que, diante da
divulgação crescente da violência, aflora seus medos em relação ao crime e ao
criminoso (MENDEZ, 2000). Ambos passam a ser vistos como inimigos, os quais
31
devem ser combatidos pela polícia. “O modelo cega-os à percepção pura e simples
de que os policiais são cidadãos como aqueles com quem eles trabalham, e que não
há nenhum inimigo.” (CHEVIGNY, 2000, p. 65).
O que reforça a existência de um inimigo – que, na visão da sociedade, deve ser
combatido – é a exclusão de determinadas manifestações linguísticas na editoria de
Polícia. Para Dias (1996, p. 49), “o valor de um discurso depende do status social do
locutor”. Conforme a autora, isso explica porque o discurso das fontes oficiais alimenta
grande parte das notícias policiais. O problema é que, ao tratar de áreas mais
vulneráveis das cidades, a imprensa contribui com a construção de um muro invisível
entre os setores mais ricos e os menos favorecidos da sociedade, como se os crimes
acontecessem apenas em favelas e fossem praticados exclusivamente por moradores
desses locais.
3.3 O leitor exposto ao socialmente desejável
A falta de apuração jornalística junto ao local do acontecimento é um dos fatores
que garante primazia às declarações da polícia. O repórter que fica restrito às
informações das fontes oficiais gera, por consequência, um noticiário que leva ao
“lugar-comum que opõe a sociedade (os homens de bem, que têm educação e base
familiar sólida) e o resto (que só pode ser a favela)” (MORETZSOHN, 2003, p. 31).
Segundo a autora, essa diferenciação é percebida principalmente em jornais como
Folha de S. Paulo e O Globo, que têm a classe média como público-alvo.
Apesar de esses veículos não assumirem a lógica que orienta a cobertura
criminal, Moretzsohn (2003) analisa que os fatos abordados visam denominar as
classes populares de perigosas para os leitores dessas publicações. É como se a
manifestação do crime fosse exclusiva da classe social mais baixa. “A lei e a justiça
não hesitam em proclamar sua necessária dissimetria de classe.” (FOUCAULT, 2004,
p. 230).
Não somente a lei e a justiça, mas também a imprensa tem papel preponderante
na atribuição da violência às classes populares. De acordo com Ramos e Paiva
(2007), as notícias policiais apresentam mais opinião do que análise, o que ocorre em
razão do lado emocional do jornalista – que opta por incorporar o sentimento de medo
da população – e também por causa do espaço limitado para a publicação do texto
jornalístico. Desta maneira, é válido afirmar que os
32
veículos têm grande responsabilidade na caracterização dos territórios populares como espaços exclusivos da violência. Ao mesmo tempo, [...] a população dessas comunidades raramente conta com a cobertura de assuntos não relacionados ao tráfico de drogas e à criminalidade. A cultura, o esporte, a economia e as dificuldades cotidianas enfrentadas pelos moradores desses locais aparecem muito pouco em jornais e revistas, especialmente quando se considera o imenso número de reportagens e notas sobre operações policiais, tiroteios, invasões, execuções etc. (RAMOS; PAIVA, 2007, p. 77).
A divulgação de assuntos variados acerca dos bairros com vulnerabilidade social
é mínima, pois as autoras dizem que os repórteres têm dificuldades para circular
nesses espaços, na maioria das vezes ocupados por grupos armados. Essa
justificativa corrobora para que a imprensa relacione os bairros habitados por classes
populares aos fatos criminais e violentos (RAMOS; PAIVA, 2007).
Contudo, Erbolato (1981) defende a divulgação de notícias policiais, mesmo que
tenham facetas violentas. Para ele, esses fatos já são do conhecimento do público
antes de o jornal circular, o que justifica a importância de sua publicação. O autor
também percebe que o jornalista enfrenta uma missão penosa ao noticiar textos
jornalísticos desse cunho, em especial os que envolvam morte, já que se relacionam
à perda e ao choque emocional dos familiares.
Para Moretzsohn (2003, p. 14), o problema não está na divulgação da violência,
mas na atribuição errônea de seu significado. Segundo a autora, a imprensa explora
o termo pelo viés político, o que favorece a disseminação da sensação de medo entre
o público e o uso de “medidas como pôr mais policiais nas ruas, criar novas leis [...]”.
Além do discurso da repressão, a imprensa interliga o crime com as carências
existentes na sociedade, como se buscasse um argumento simplificador para
relacionar a violência à classe social baixa.
Ao nomear e estruturar o mundo social marginal, o jornal integra a realidade de ambientes marginais na realidade predominante do cotidiano porque as situações divergentes, tomadas isoladamente, constituem uma ameaça à existência da ordem naturalmente aceita e rotinizada na sociedade. O lado obscuro, perigoso, sinistro da marginalidade fascina e ameaça o lado civilizado da sociedade. Por isso, precisa ser mostrado para ser reconhecido, negado e colocado exoticamente distante do lado positivo. (PEDROSO, 2001, p. 98).
Há, por parte da imprensa, uma tentativa de mostrar revolta quanto às condições
de vida desiguais. No entanto, sem potencial crítico, o noticiário policial faz com que
os conflitos sociais sejam minimizados aos enfrentamentos entre bandidos e
33
mocinhos. Ao criminoso – inimigo que mora na favela – é atribuído o estereótipo de
criatura exótica e perigosa, assim como o local onde reside.
3.3.1 A imprensa reforça estereótipos e preconceitos
As notícias da editoria de Polícia tendem a atribuir estereótipos aos criminosos
e às vítimas, bem como a reforçar os preconceitos dos leitores em relação a essas
pessoas. Grande parte da imprensa também define os bairros com vulnerabilidade
social como locais que tiram a tranquilidade das pessoas de bem (MORETZSOHN,
2003). Segundo a autora, esses espaços – em razão da conotação negativa dada
pelos meios de comunicação – ora são denominados de violentos, ora despertam
compaixão por parte do leitor que vive geográfica e socialmente afastado dessa
realidade.
Para Dias (1996), não há como negar que o repórter, na editoria de Polícia,
mostra sua revolta com a violência, condenando a ineficiência das medidas de
segurança. No entanto, ele também apoia o julgamento preestabelecido pelo leitor
sobre os criminosos.
[...] o redator se aproveita, na exposição desse fato, de um modelo subjetivo do leitor, a fim de potencializar a violência, generalizando um ato ocasional e dando, pois, pleno apoio a um julgamento estabelecido pelo leitor, a propósito de um aspecto do mundo em que vive [...]. (DIAS, 1996, p. 133).
Entende-se, com base nessa análise, que a imprensa está reforçando medos
e preconceitos a partir de seu discurso, como se apenas legitimasse o pensamento
do leitor. Essa postura tem como um dos fatores a pressa do furo jornalístico, pois os
meios de comunicação impressos buscam “alcançar a cobertura ‘em tempo real’ da
televisão e saciar o público” (LEMOS, 2001, p. 14).
Porém, a imprensa restringe-se ao nível do senso comum ao expressar
estereótipos com o argumento de que esse é o desejo do público. Moretzsohn (2003)
diz que essas caracterizações muito específicas sobre quem é o criminoso bloqueiam
a capacidade crítica do leitor, o que inviabiliza qualquer ação transformadora, pois a
sociedade utiliza as notícias como referência para a compreensão da realidade.
34
3.3.2 O jornalismo é responsável por reputações
Os meios de comunicação são tidos como uma das instituições a que a
sociedade recorre para elaborar seu entendimento da realidade. Logo, os fatos
apurados pelos repórteres e noticiados nas páginas impressas, no caso de jornais e
revistas, são tomados como referência pelo leitor, pois “a mídia contribui para o
julgamento social de pessoas e organizações, às vezes, decidindo sua imagem atual
ou mesmo seu futuro imediato” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 31).
Segundo o autor, as narrativas jornalísticas têm pessoas como protagonistas e
isso faz com que o jornalismo seja responsável por reputações e honras pessoais,
carregando consigo um senso de verdade. Com base na interação social, o ser
humano molda suas ações e seus pensamentos e, por isso, os estereótipos e
preconceitos afloram de acordo com o consenso social engendrado pelos meios de
comunicação (TÓFOLI, 2008).
Isso ocorre, basicamente, porque a imprensa – além de ter importante
contribuição na interação social – fortalece a integração da sociedade (DAPIEVE,
2007). Para ele, os temas abordados e descartados pelos meios de comunicação,
bem como a linguagem utilizada por eles, moldam a compreensão do público sobre
determinado assunto, pré-julgamento que nem sempre corresponde à realidade.
Mal ouvimos o nome de um país, assunto ou pessoa, interpõe-se essa opinião preconcebida e a projetamos, para o bem ou para o mal (geralmente para o mal), em forma de juízo condenatório ou de louvor, à margem da realidade objetiva. (BLÁZQUEZ, 2000, p. 57).
Esse pré-julgamento é característico de grupos afastados ideológica ou
geograficamente das realidades noticiadas nos meios de comunicação.
Consequentemente, o único olhar lançado pelo leitor sobre o assunto é o olhar
intermediado pelo repórter. A partir disso, Bucci (2000, p. 129) considera o erro de
informação um vício, que é ocasionado pela generalização – fator que, para o autor,
leva ao assassinato de reputação, que vitima “pessoas de diferentes matizes políticos
ou religiosos”.
Bucci (2000) percebe que assassinar reputações é um pecado que pode ser
cometido por jornalistas com distintas doutrinas, e que a responsabilidade social é o
mínimo exigido para não corromper o jornalismo. É preciso, sobretudo, que o
profissional da área não abuse do poder que lhe é investido. Para Christofoletti (2008),
35
a equidade no tratamento das fontes é um dos valores jornalísticos que contribui para
manter a responsabilidade social do jornalista acima da aspiração pelo poder. O autor
diz que o mínimo de respeito para com as diferentes pessoas envolvidas no fato evita
a disseminação da intolerância.
Prudência, tolerância e boa-fé são virtudes que auxiliam a produção de um jornalismo mais zeloso em suas práticas e relações. A imprudência leva ao erro, que pode ser altamente danoso e, o que é pior, irreversível. A intolerância e a má-fé tornam o jornalismo uma máquina de pré-julgamentos, punições e atentados às reputações. Em vez de apurar versões e checar informações, jornalistas intolerantes e mal-intencionados fustigam. (CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 37).
A intolerância manifestada nas páginas da editoria de Polícia pode ser
considerada – a partir dos conceitos e técnicas abordadas neste capítulo – uma
máquina com grande potencial para pré-julgamentos. Portanto, ao jornalista cabe
refletir sobre seu papel para garantir a integração da sociedade. A partir disso, no
capítulo 4 é descrita a forma pela qual os repórteres e a editora do Jornal de
Candelária (JC) realizam a cobertura jornalística de acontecimentos que se
relacionam à violência e ao crime.
36
4 JORNALISMO DO INTERIOR: CARACTERÍSTICAS E FUNCIONAMENTO
A cobertura da editoria de Polícia em jornais do interior tem particularidades,
principalmente por causa do contato mais próximo entre repórteres e leitores. Por isso,
este capítulo destina-se à compreensão do funcionamento de jornais com sede em
municípios do interior, com foco no JC, onde foram publicadas as notícias analisadas
no capítulo 6. Também apresenta-se um breve histórico de Candelária e do Bairro
Ewaldo Prass – território onde aconteceram os homicídios noticiados nos textos
jornalísticos selecionados – e elencam-se as características atribuídas aos jornais que
se dedicam à divulgação da violência e do crime.
As notícias que tratam dessa temática tendem a ser parciais e imprecisas, como
foi exposto no capítulo 3. Os jornais que se dedicam a provocar sensações a partir
desse noticiário são caracterizados como sensacionalistas, mas o termo muitas vezes
é utilizado de maneira incorreta (AMARAL, 2006). Na cobertura policial, o
sensacionalismo pode ser relacionado ao jornalismo que “privilegia a superexposição
da violência por intermédio [...] da publicação de fotos chocantes, de distorções, de
mentiras e da utilização de uma linguagem composta por palavras chulas, gírias e
palavrões” (AMARAL, 2006, p. 22).
Mas, a autora afirma que “provocar sensações” não serve de justificativa para
qualificar um meio de comunicação como sensacionalista. Essa característica pode
ser atribuída aos jornais que manipulam os leitores para estimular emoções acima da
informação que o fato pode oferecer (PEDROSO, 2001). Segundo a autora, esses
meios de comunicação apostam em um projeto editorial destinado unicamente a fazer
o leitor comprar o jornal.
O modo sensacionalista de construção do fato, então, escolhe aspectos representáveis da vida porque precisa suscitar interesse e estimular a atenção do leitor, o qual deve ser orientado na sua simpatia e emoções, supostamente já conhecidas. Por essa razão, os aspectos temáticos valorizados são sempre coloridos pela emoção, que não é introduzida pelo leitor. Para cativar a atenção, o texto sensacional desperta emoções no leitor que se dirigem à sua vontade (movimento físico para a compra do jornal). Esse modo de cativar/seduzir/encantar o leitor é buscado no efeito de fantástico (que inspira admiração, medo, curiosidade pelo real exagerado e engendrado discursivamente como extravagante, mas verossímil). Isso permite a prática do absurdo no jornalismo, porque o consumo do discurso exige que o fato esteja preso a uma ilusão mesmo que imperfeita e enganosa da realidade. (PEDROSO, 2001, p. 112-113).
37
As ideias elencadas pela autora auxiliam a qualificar um jornal sensacionalista e
também servem de base para contrapor os termos sensacionalismo e “popular”3, o
qual “identifica um tipo de imprensa que se define pela sua proximidade e empatia
com o público-alvo, por intermédio de algumas mudanças de pontos de vista, pelo tipo
de serviço que presta e pela sua conexão com o local e o imediato” (AMARAL, 2006,
p. 16). No entanto, o termo também é atribuído à imprensa de baixa qualidade que
reafirma estereótipos (SELIGMAN; COZER, 2009).
As autoras observam um avanço nesse sentido, pois os jornais populares
passaram a apostar em uma linguagem simples, no lugar de gírias e palavrões, para
conquistar a credibilidade dos leitores. Para Amaral (2006), a reformulação da postura
desses jornais faz com que eles sejam importantes meios de integração, que é
determinada pela estratégia de divulgar informações ligadas ao cotidiano do leitor, à
prestação de serviços e ao entretenimento.
Essa valorização do cotidiano, que prima pela personalização e subjetividade
dos fatos, faz com que o leitor projete nesses meios de comunicação os anseios e as
necessidades não atendidas pelas esferas de poder (AMARAL, 2006). Desse modo,
o jornal faz visíveis os acontecimentos e os aproxima dos indivíduos, pois “o que não
aparece na mídia não existe para muita gente” (ALSINA, 2009, p. 95). Além disso, o
autor diz que a interpretação eficaz das notícias depende de quão semelhante é o
sistema de significados compartilhado pelos leitores.
Em grandes cidades, por exemplo, os interesses dos habitantes são variados e,
por isso, os jornais precisam divulgar temas diversos e amplos (DORNELLES, 2004).
Segundo ela, nos municípios pequenos há mais homogeneidade nos significados
atribuídos aos fatos e os leitores querem saber o que acontece em sua cidade. Em
razão disso, os jornais do interior pautam-se por “temas que afetam o cotidiano local
e regional” (PERUZZO, 2007). Esses impressos têm tiragem inferior a dez mil
exemplares e periodicidade variada como diária, bissemanária ou semanária
(DONELLES, 2004).
Outra característica elencada pela autora é a postura adotada pelos jornalistas,
os quais buscam acompanhar a evolução dos municípios com base na divulgação
regular de dados relativos à indústria, ao ensino e ao policiamento, por exemplo. De
3 Este trabalho não tem como objeto de estudo os jornais sensacionalistas e populares, mas, sim, a
editoria de Polícia do Jornal de Candelária. A conceituação dos termos foi feita para auxiliar o entendimento sobre as características atribuídas ao jornalismo do interior.
38
acordo com ela, para coletar essas informações os repórteres do interior participam
de quase todos os encontros promovidos no município, como reuniões nas escolas,
em sindicatos, na Câmara de Vereadores e audiências dos líderes locais com
autoridades estaduais e federais.
Essa postura participativa dos jornalistas legitima seu papel social e faz o
profissional ser considerado aquele que “conta o que acontece no mundo” (ALSINA,
2009, p. 199). Apesar dessa conduta, o autor observa que o trabalho do repórter de
jornais do interior também pode ser contestado pelos assinantes, anunciantes e pelas
fontes. Por isso, os meios de comunicação buscam renovar a cada edição a
credibilidade depositada pelo leitor (ALSINA, 2009).
Mesmo que as exigências relativas aos jornalistas sejam semelhantes nas
grandes e pequenas cidades, os leitores dos jornais do interior esperam que os
profissionais não sejam arrogantes, prepotentes ou esnobes, o que pode ocasionar a
“morte” do periódico, pois eles se consideram “donos” do meio de comunicação da
cidade e primam por um atendimento personalizado (DORNELLES, 2004, p. 133).
Quando [os leitores] chegam na redação do jornal, querem ser atendidos pelo dono. Nada de crachás, nem de secretárias anunciando quem deseja falar. [...] No Interior, a comunidade é também mais unida, mais solidária e humana. Os vizinhos se conhecem há anos e, geralmente, são amigos. No mínimo, respeitam-se uns aos outros. Na cidade grande, os moradores não sabem quem mora nas paredes vizinhas, mas acompanham o movimento da vizinhança, sem compromisso com nada. (DORNELLES, 2004, p. 133).
O envolvimento da população junto ao jornal se dá por meio dos cidadãos,
individualmente, ou por representantes de associações e entidades. Embora no
interior a proximidade entre jornalistas e população seja uma exigência, a “intensidade
e a amplitude” da participação dos leitores varia de acordo com o meio de
comunicação e o município (PERUZZO, 2007, p. 52).
Em algumas cidades, a personalização do atendimento ocorre também na
distribuição do periódico. O proprietário participa da entrega do jornal e conversa com
“o assinante, anota sugestões de pauta, informa-se sobre quem está de aniversário,
quem vai casar, quem faz 15 anos, quem está para nascer, etc. Toma ‘chimarrão’ com
o leitor e assim por diante” (DORNELLES, 2004, p. 134). Ela diz que isso estimula a
relação entre jornal e munícipes, o que estabelece uma conexão formada pela área
territorial e pelo compartilhamento de valores e ideias.
O JC – onde foram publicadas as notícias que são objeto de estudo desta
pesquisa – é um meio de comunicação do interior que compartilha com seus leitores
39
um sistema de significados, especialmente na editoria de Polícia, onde a
hierarquização das notícias por grau de relevância leva em conta o interesse do
público. Com sede em Candelária, o jornal precisa compreender as necessidades dos
habitantes, o que pressupõe o entendimento da localização, do funcionamento e da
história do município, desde a sua colonização.
4.1 Contexto histórico e social do município de Candelária
A colonização do município de Candelária iniciou em 1862, quando João
Kochenborger e Jacob Welsch, filhos de imigrantes alemães, foram morar nas terras
onde está localizada a cidade, que era um distrito de Rio Pardo. Impulsionado pelo
desenvolvimento da agricultura, pecuária, do comércio e de pequenas indústrias, o
distrito foi elevado a freguesia em 9 de maio de 1876 e recebeu a denominação de
Nossa Senhora de Candelária. O decreto de criação do município foi assinado em 7
de julho de 1925.
Candelária está localizada no centro do Rio Grande do Sul, no Vale do Rio
Pardo, e faz divisa com Cachoeira do Sul, Cerro Branco, Novo Cabrais, Passa Sete,
Rio Pardo, Vale do Sol e Vera Cruz. A economia é oriunda dos setores agrícola –
cultivo de fumo, arroz, milho, feijão e soja –, pecuário, com destaque para os rebanhos
de ovinos, bovinos e suínos, e industrial, nos ramos calçadista, fumageiro, moveleiro,
metalúrgico, cerâmico e da construção civil. As maiores empresas em operação no
município, no que tange à geração de emprego, são as unidades da Calçados Beira
Rio e da Gazin Indústria de Colchões e Estofados.
Além de ter economia diversificada, o município possui pontos turísticos que
atraem visitantes e aventureiros, entre eles o Cerro Botucaraí, a Ponte do Império,
Cascata da Ferradura, o Aqueduto e o Museu Municipal Aristides Carlos Rodrigues,
que preserva fósseis de dinossauros encontrados em afloramentos da cidade. Na área
da comunicação social, Candelária conta com três emissoras de rádio, duas FM e uma
AM, e dois jornais com circulação semanal4.
Com área territorial de 943,949 quilômetros quadrados, o município tem um total
de 30.171 habitantes, dos quais 15.715 residem no perímetro urbano e em localidades
próximas à sede, como Vila Botucaraí, e 14.456 na zona rural. Segundo o Instituto
4 Informações da Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Habitação, 2016.
40
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010), citado por Rizzi (2016)5, a
população urbana do “distrito sede” é de 14.248 pessoas, número que se refere
apenas aos moradores dos dez bairros: Centro (3.619), Esmeralda (868), Nova
Germânia (783), Rincão Comprido (3.764), Marilene (1.345), Boa Vista (306), Princesa
(811), Ewaldo Prass (1.725), Pôr do Sol (740) e Costa Norte (287).
Juntos, os três bairros mais populosos de Candelária – Rincão Comprido, Centro
e Ewaldo Prass, respectivamente – contabilizam 9.108 moradores, o que corresponde
a 63,93% da população urbana do “distrito sede”. O subcapítulo 4.1.2 traz
especificidades do Bairro Ewaldo Prass, visando historicizar o território onde
aconteceram os homicídios noticiados em quatro textos jornalísticos que compõem o
corpus deste trabalho.
4.1.2 Bairro Ewaldo Prass: terceiro maior contingente populacional
Antes da sanção da lei municipal nº 33, de 14 de dezembro de 1987, o Bairro
Ewaldo Prass era conhecido por loteamento. A denominação do logradouro foi
aprovada pela Câmara Municipal de Vereadores e sancionada pelo então prefeito
Ronildo Gehres (CANDELÁRIA, 1987). O nome é uma homenagem ao ex-prefeito de
Candelária, Ewaldo Eugênio Prass, que esteve à frente do executivo municipal na
gestão 1959-1963.
Com 1.725 habitantes, o Ewaldo Prass é o terceiro bairro mais populoso de
Candelária. Esse número representa 12,11% das 14.248 pessoas que moram no
perímetro urbano do “distrito sede”. Do total de moradores do bairro, 888 são mulheres
(51,48%) e 837 homens (48,52%), de acordo com o IBGE (2010), citado por Rizzi
(2016).
O local, que tem 40.150 metros quadrados de área territorial, possui 14 ruas e
duas travessas. São elas: Rua Felisberto Muniz Reis; Rua Raimundo Gomes de Sá;
Rua Presidente Médici; Rua Zenith Heinze; Rua Castelo Branco; Rua Costa e Silva;
Rua Tancredo Neves; Rua Emílio Jacobi; Rua Fernando Ferrari; Rua Aloísio Schmitt;
Rua Oscar Schmitt; Rua Nestor da Silveira; Rua Edilo dos Santos Machado; parte da
extensão da Rua Botucaraí; Travessa Celso Schmitt; e Travessa Lauro Hoeltz.
5 Bernardo Rizzi é secretário de Planejamento de Candelária no ano de 2016.
41
Dentre os serviços públicos municipais oferecidos no bairro estão o posto de
saúde Irene da Silva Oliveira, a Escola Municipal de Educação Infantil Zenith Heinze
e a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Christiano Affonso Graeff6. O
educandário tem estudantes da rede regular de ensino e atendimento especializado
para alunos autistas e com deficiência auditiva, visual e de fala. Também há grupos
de teatro, uma das atividades paralelas que a escola possui (HEINEN, 2016)7.
A diretora verifica uma melhora na postura dos pais em relação ao
acompanhamento escolar dos filhos. A primeira reunião realizada no educandário ao
assumir a diretoria, em 2008, teve a participação de 16 pais, enquanto no último
encontro foram contabilizadas 136 pessoas. De acordo com ela, essa consciência
quanto à importância da educação é consequência da queda na taxa de
desempregados no bairro.
Quando nós viemos para cá, em torno de 50% das famílias não tinham emprego, no máximo eram pessoas que faziam bicos. Hoje, nós temos, acredito eu, acima de 80% das pessoas trabalhando e, na verdade, os que não estão trabalhando ou são envolvidos com tráfico ou são usuários de drogas, que daí em função daquilo que fazem acabam não tendo um emprego regular, não é necessariamente pela falta de emprego, porque há oferta e, na verdade, essa demanda muitas vezes é suprida por pessoas de outros bairros e até de outras cidades. Esse é um fator de crescimento, sem dúvida nenhuma. Segundo fator: eu acho que o fato de o bairro ter melhorado esteticamente – houve o calçamento de uma boa quantidade de ruas, lixeiro passando, [embora] haja aquele ranço de jogar o lixo na esquina, que não é uma coisa que vai ser solucionada tão depressa, mas que já está havendo uma melhora. Então, acho que isso trouxe bem-estar para as pessoas, de repente ficou bom morar onde se morava e não o bairro ser um lugar onde eu sou obrigado a morar. Acabou se tornando um lugar bom. (HEINEN, 2016).
Além da escola, está situado no bairro o Centro Social Amigo da Criança, que
atende crianças e adolescentes de seis a 16 anos em situação de vulnerabilidade
social. O local é administrado pela prefeitura municipal e disponibiliza aulas de dança,
música, coral e violão. O Centro também desenvolve os projetos “Semeando
Esperança” – que aborda temas como moral, respeito e espiritualidade – e “Te liga!”,
em que pessoas da comunidade falam sobre superação. “O que eu noto aqui [no
Centro Social] é que todo dia tu tens que fazer um trabalho novo. Tudo que você fala,
eles voltam para casa e não é isso que eles encontram.” (RODRIGUES, 2016)8.
6 Informações da Secretaria Municipal de Planejamento, 2016. 7 Danieta Heinen é diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Christiano Affonso Graeff
desde 2008. 8 Alana Rodrigues é coordenadora do Centro Social Amigo da Criança.
42
A prefeitura municipal também disponibiliza, através do governo federal, o
cadastro no programa Bolsa Família para os moradores do bairro que se encontram
em situação de pobreza ou de extrema pobreza. Conforme dados do Sistema Único
de Assistência Social (SUAS) de Candelária, citados por Bordignhão (2016)9, no
“distrito sede” 557 famílias foram beneficiadas com o programa no mês de setembro
de 2016, das quais 170 residem no Bairro Ewaldo Prass, que concentra o maior
número de famílias na linha de pobreza (71), com renda per capita entre R$ 85,01 e
R$ 170, e extrema pobreza (99), renda per capita de até R$ 85.
De acordo com Bordignhão (2016), as famílias em situação de pobreza recebem
R$ 39 mensais por criança de 0 a 15 anos que mora na casa, mais R$ 46 por
adolescente menor de 18. No caso de pobreza extrema, a família tem um benefício
mensal de R$ 85 mais acréscimo com base no número de crianças e adolescentes
que vivem na residência. Os critérios são estabelecidos pelo governo federal. Ao
poder público municipal cabe fazer o acompanhamento das condicionalidades para o
pagamento do benefício, como cumprimento do percentual mínimo de frequência
escolar para crianças e adolescentes.
Diferentes situações indicam a exclusão e a vulnerabilidade social de um
território, entre elas a insuficiência de rendimentos monetários. O valor da renda
domiciliar também traz outros fatores que configuram a vulnerabilidade e a exclusão:
“a desocupação de adultos; a ocupação informal de adultos pouco escolarizados; a
dependência com relação à renda de pessoas idosas; assim como a presença de
trabalho infantil” (BRASIL, 2015, p. 16).
O Bairro Ewaldo Prass, além de ser referência por causa do número de
habitantes e de indicadores de vulnerabilidade social, é conhecido dos candelarienses
em função da frequência com que é citado no noticiário de um dos veículos impressos
do município, o JC, especialmente na editoria de Polícia10.
A relação do bairro com o noticiário policial do jornal existe desde a primeira
edição desse impresso, quando foi divulgado um arrombamento na Escola Christiano
Affonso Graeff, situada nesse bairro. As notícias que constituem a editoria de Polícia
do JC são selecionadas com base em critérios apresentados no subcapítulo 4.2, que
também contém um breve histórico do jornal.
9 Jocimara Bordignhão é auxiliar administrativo no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de
Candelária, setor vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social. 10 Ver Tabela 1 no capítulo 6.
43
4.2 A consolidação do Jornal de Candelária
A primeira edição do JC circulou em 3 de abril de 1997, quinta-feira, com 16
páginas em preto e branco divididas nas editorias Caleidoscópio – na página 2, com
charge e textos opinativos –, Geral, Reportagem especial, Economia, Cultura, Sociais,
Esportes e Polícia. No ano de fundação, a equipe de reportagem do veículo impresso
era formada por Lúcia Gewehr, Adriano Ellwanger e Itamar Marques, os quais eram
orientados pelo editor e jornalista responsável, Cyro Visalli (JORNAL DE
CANDELÁRIA, 1997).
A criação do jornal tem relação com o crescimento verificado na época em
Candelária, o que, na visão do fundador Cyro Visalli, favorecia o surgimento de mais
um veículo impresso – já existia no município o semanário Folha de Candelária
(LOPES, 2013). Segundo ele, a partir dessa ideia, Visalli foi em busca de profissionais
para fazerem parte da equipe. De acordo com Marques (2013), citado por Lopes
(2013, p. 7), o jornal recebeu comentários positivos da comunidade desde a primeira
edição.
O jornal, que circulava com suas primeiras edições, era muito bem visto e muito bem aceito na comunidade, pois inovou a forma de se dar notícias em Candelária, como segue até hoje. O JC introduziu a notícia dada em uma linguagem mais aberta e direta, mais acessível, despertando o interesse e a curiosidade das pessoas para o que estava acontecendo na cidade. Muitas coisas o JC modernizou ou simplificou em Candelária e, nesse conjunto, a minha participação no jornal também era recompensada com o reconhecimento de todos. Algo muito gratificante. (MARQUES, 2013 apud LOPES, 2013, p. 7).
Ele foi um dos primeiros repórteres do JC e diz que, logo após receber as pautas,
saía para fazer as entrevistas e, ao retornar à redação, produzia as notícias em uma
máquina de escrever (MARQUES, 2013 apud LOPES, 2013, p. 7). A sede do jornal
era localizada na Rua Pinheiro Machado, 326. Tanto a impressão quanto a editoração
eram feitas em empresas terceirizadas, a Cia. Jornalística J.C Jarros e a C&C
Assessoria e Planejamento Gráfico, respectivamente (JORNAL DE CANDELÁRIA,
1997).
Hoje, impresso em Cachoeira do Sul, o jornal– que desde a sua criação é
chamado de JC pelos profissionais da empresa, assinantes e anunciantes – tem
tiragem de dois mil exemplares e circulação às sextas-feiras. Cerca de 80% dos
exemplares distribuídos são destinados aos assinantes, que residem nos perímetros
44
urbano e rural de Candelária. O periódico também é comercializado em
estabelecimentos do município, como supermercados, farmácias e postos de
gasolina, bem como na sede da empresa, na Avenida Pereira Rego, 938, no Centro
(NETTO, 2016)11.
Segundo ela, a redação possui três repórteres, que se revezam entre as
editorias, além de um arte-finalista. A distribuição do jornal é feita com motocicletas
por três funcionários, cada qual responsável por determinadas regiões do município,
tanto no perímetro urbano quanto na zona rural. O jornal tem 20 páginas, número que
pode diminuir ou aumentar com base na quantidade de anunciantes.
A diminuição acontece entre os meses de janeiro e fevereiro, por causa da queda dos anunciantes, férias, etc., então a gente opta por diminuir o número de páginas até porque as notícias também não são tantas, pois a cidade para no período de férias. O aumento de páginas acontece em datas festivas e ocasiões especiais, quando também são feitas vendas especiais, como Natal, Dia do Colono e Motorista, Dia do Município, essas datas assim. (NETTO, 2016).
Quando o periódico é impresso em 20 páginas, de quatro a oito páginas são
coloridas, o que também depende do número de anunciantes. Na maioria das vezes,
a divisão entre pretas e brancas e coloridas é estabelecida pela empresa terceirizada
que realiza a impressão. As páginas são preenchidas por notícias das editorias
Política, Geral, Esporte, Rural e Polícia. Existem, ainda, as páginas denominadas
Caleidoscópio, com textos opinativos; Indicador, que contém resumos de novelas e
pequenos anúncios de vendas; Variedades, com comentários sobre os famosos; e
Coluna social, em que há fotos de eventos beneficentes e festas (NETTO, 2016).
As notícias publicadas em cada uma das editorias passam por uma seleção dos
jornalistas, pois é preciso filtrar as informações que chegam ao jornal “pelas agências,
repórteres, redatores, informantes, órgãos particulares e repartições governamentais”
(ERBOLATO, 1991, p. 19). Após essa seleção, o autor explica que as notícias são
hierarquizadas a partir da relevância atribuída pelos leitores do jornal.
No JC, a editoria de Polícia é a mais requisitada pelos leitores, pois sempre que
uma notícia policial estampa a capa, aumentam as vendas avulsas do jornal,
principalmente quando se trata de um fato que já está em evidência em Candelária e
gera comoção ou revolta na população. Apesar disso, não é toda notícia da editoria
11 Jaqueline Netto é editora e proprietária do Jornal de Candelária e trabalha na empresa desde o ano
de sua criação, quando era responsável pela editoria Sociais.
45
de Polícia que pode se transformar em manchete, por exemplo, mas no município
esse noticiário “vende jornal”, ainda mais que os índices de violência são altos e
sempre acontecem crimes (NETTO, 2016).
Por causa dessa relevância atribuída à editoria de Polícia, ela ocupa a página
13. Segundo a editora, as páginas ímpares têm mais visibilidade e, por isso, nelas são
colocadas as notícias mais importantes. Essa é uma das técnicas utilizadas para atrair
o leitor e fazer com que ele compre o jornal.
Embora com a finalidade de informar, entreter, orientar e difundir cultura, as empresas jornalísticas são, também, firmas com objetivos comerciais, pois somente conseguirão continuar funcionando se obtiverem lucros, uma vez que dessa forma haverá o incentivo para o capital aplicado. (ERBOLATO, 1991, p. 236).
Junto com as finalidades informativas e objetivos comerciais está a opinião do
editor, do proprietário e a força da linha editorial do meio de comunicação (PEREIRA
JUNIOR, 2006). Mais do que convenções jornalísticas, essas escolhas revelam a
opinião dos profissionais responsáveis pela notícia e determinam o valor que
determinado fato tem para o jornal.
Apesar de verificar a preferência do leitor do JC pela editoria de Polícia, Netto
(2016) observa que essa é uma área difícil de noticiar. O jornal já respondeu a dois
processos judiciais relacionados a fatos publicados nessa editoria e, por isso, grande
parte das notícias policiais é apurada, escrita e diagramada pela editora, tanto que
dois dos quatro textos jornalísticos analisados no capítulo 6 levam a sua assinatura.
Lopes (2016)12, que assina uma das notícias que compõem o corpus desta
pesquisa, concorda com o apontamento de Netto (2016) sobre os cuidados exigidos
na editoria de Polícia. Nessa área, o repórter deve utilizar termos técnicos, saber
exatamente o que escreve e atrair a atenção do leitor no lide com um relato que deixe
o fato mais interessante. Essas orientações são válidas para todas as editorias, pois
não há diferenças em relação à ética, à precisão, à verdade e à dinâmica de trabalho
(LOPES, 2016).
Uma das características dos jornais localizados em cidades do interior é o
dinamismo dos repórteres para circular pelas editorias e exercer diferentes atividades
12 Luiz Carlos Lopes é agente penitenciário e trabalha como freelancer no Jornal de Candelária desde
2007.
46
na redação, como fazer entrevistas, fotografias e a diagramação (GROSS, 2016)13.
Apesar disso, a repórter – responsável por uma das notícias selecionadas para análise
neste trabalho – conta que contribuiu pouco com a editoria de Polícia no período em
que esteve no JC, pois, em razão das técnicas exigidas, as pautas eram produzidas
pela editora ou por Luiz Carlos Lopes.
Embora concorde com Lopes (2016) acerca das técnicas jornalísticas
empregadas em todas as editorias, ela vê especificidades na Polícia como a
necessidade de nunca dar a sentença para ninguém,
utilizando sempre a palavra suspeito. Mesmo que o indivíduo esteja preso e assumiu [o crime], ele ainda vai ser julgado. Então, eu tinha sempre muito cuidado para não explicitar nada que ainda não tivesse sido sentenciado.
(GROSS, 2016).
Ela explica que procurava sempre ser exata quanto aos dados passados pelo
delegado da Polícia Civil, de modo a não criar problemas para a empresa e não
divulgar uma informação imprecisa. Quanto à divulgação das notícias policiais na capa
do jornal como uma forma de atrair os leitores, Gross (2016) observa que essas fotos,
manchetes ou chamadas relacionadas à editoria de Polícia normalmente são
interpretadas pela editora Jaqueline Netto como os principais acontecimentos da
edição. Dentre os critérios de seleção existentes para dar destaque à notícia na capa,
também cita a relevância do fato policial comparado aos demais acontecimentos
divulgados.
Dar visibilidade a uma notícia na capa é uma estratégia discursiva que,
aparentemente invisível para o leitor “ingênuo”, expõe a forma como o jornal interpreta
a realidade social (ALSINA, 2009, p. 290). Para o autor, a primeira página funciona
como um catalisador da importância dos acontecimentos, pois mostra quais os fatos
devem ter atenção especial por parte do receptor e qual a hierarquização estabelecida
pelo jornal. Além disso, as manchetes são rentáveis.
13 Mariele Gomes Gross trabalhou de 16 de agosto de 2015 a 16 de agosto de 2016 no Jornal de
Candelária. Ela é estudante do 8º semestre do Curso de Comunicação Social/Jornalismo na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
47
Com décadas de dependência da venda em banca, os jornais consolidaram o modelo Pulitzer. As manchetes com grande tipologia atraíam o leitor e facilitavam a apreensão do cardápio informativo. Quanto mais garrafais os títulos, mais exemplares exibidos nas laterais das bancas, para deleite dos passantes e bom faturamento dos jornaleiros. Com a evolução do negócio e a propagação do sistema de assinaturas, o consumo sofreu uma guinada. Grandes jornais não só no Brasil passam a ter o grosso da circulação destinado ao assinante, não à venda avulsa, cara a cara com o jornaleiro. Muitos dos leitores habituais, por sua vez, são consumidores com interesse específico, pulam para a seção de seu agrado, sem passar necessariamente pela capa-chamariz. As condições que levaram ao uso de títulos exageradamente garrafais na primeira página já não se manteriam. Hoje, além das manchetes para a principal notícia do dia, as primeiras páginas também estampam ‘chamadas’, que encabeçam textos curtos, que remetem ao noticiário contido no interior do jornal. (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 148-149).
A leitura das manchetes e chamadas permite reconhecer os “efeitos discursivos”
que os jornalistas pretendem produzir nos receptores (PEDROSO, 2001, p. 67-68).
Esses efeitos, de acordo com ela, são ampliados quando o leitor se direciona às
páginas internas e aos títulos das notícias, porque eles reforçam o assunto ao qual a
manchete se refere. Pereira Junior (2006) percebe que o título antecipa uma
interpretação da notícia, pois é uma síntese dela, e revela o que editores e jornalistas
pensam sobre o assunto.
Lopes (2016) afirma que a escolha da manchete e a escrita do título têm como
base critérios estabelecidos pela editora a partir de uma conversa com a equipe de
redação. Entretanto, ele diz que algumas notícias da editoria de Polícia se tornam,
aos poucos, banais.
Se houve algum fato mais relevante na cidade, pode ser o destaque de capa este outro assunto, mesmo que um homicídio chame a atenção. Por outro lado, por se tratar de uma vila pobre em Candelária [Bairro Ewaldo Prass] onde ocorrem muitos homicídios, muitas vezes um homicídio nem chama tanto a atenção como uma nova lei que foi aprovada pela Câmara ou um veto do prefeito, ou a buraqueira da estrada. (LOPES, 2016).
Com base nesse depoimento, observa-se que os critérios que orientam os
repórteres do JC estão presentes durante todo o trabalho jornalístico, muitas vezes
pautado pelo poder de venda da notícia, especialmente na editoria de Polícia, em que
os acontecimentos tendem a ser banalizados quando fazem referência ao Bairro
Ewaldo Prass. Para dar um passo adiante a fim de compreender o discurso do JC nas
notícias sobre homicídios no bairro, o capítulo 5 apresenta as técnicas e os métodos
usados na produção desta monografia.
48
5 CAMINHOS DA PESQUISA
Esta pesquisa analisa quatro textos jornalísticos publicados na editoria de Polícia
do JC entre 6 de fevereiro de 2015 e 26 de fevereiro de 2016 que noticiaram
homicídios no Bairro Ewaldo Prass. O objetivo principal da seleção dessas notícias foi
compreender o discurso do jornal acerca do bairro, para verificar se a divulgação de
depoimentos de fontes oficiais, o silenciamento de outras declarações e o uso de
determinadas palavras e expressões direcionam o entendimento do leitor sobre o fato
e o local onde ele aconteceu. Para tanto foi utilizada a técnica de Análise de Discurso
da escola inglesa.
O trabalho também teve o intuito de historicizar, de forma sucinta, a presença
das notícias policiais nesse veículo impresso, de modo a entender como a editora e
os repórteres realizam a cobertura desses fatos; e buscou-se perceber como as
pessoas se apropriam do discurso do jornal para formar um sistema de significados
sobre o bairro. Para isso, foi utilizada a técnica de entrevista aberta junto a
representantes do bairro, tais como a diretora da Escola Christiano Affonso Graeff, a
coordenadora do Centro Social Amigo da Criança e um morador.
Justifica-se a escolha pelas notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass
em razão da grande divulgação, no período analisado, de homicídios registrados
nessa área da cidade. A partir de levantamento estatístico14 feito pela pesquisadora,
que teve como base o método quantitativo, foram contabilizados 66 textos jornalísticos
publicados na editoria de Polícia nesse intervalo de tempo, dos quais 31 fazem
referência ao Bairro Ewaldo Prass e 13 retratam tentativas de homicídios e
homicídios15 no bairro.
Destes, foram selecionados quatro que são intitulados: “Homem é executado no
Bairro Ewaldo Prass”, edição de 27 de março de 2015 (ANEXO A); “Nhonho é morto
a tiros no Ewaldo Pras”, 14 de agosto de 2015 (ANEXO B); “Homem é morto a tiros
no Bairro Ewaldo Prass”, 15 de janeiro de 2016 (ANEXO C); e “Candelária tem seis
homicídios em 29 dias”, 29 de janeiro de 2016 (ANEXO D).
Além do uso do método quantitativo e da técnica de entrevista aberta, este
trabalho foi elaborado pelo viés da pesquisa qualitativa e utilizou os procedimentos de
14 Ver Tabela 1 no capítulo 6. 15 Ver Tabela 2 no capítulo 6.
49
revisão bibliográfica e pesquisa documental. Também fez uso da entrevista
semiaberta junto aos repórteres e a editora do jornal responsáveis pelas notícias
analisadas. A combinação de métodos e técnicas foi feita com o intuito de alcançar os
objetivos elencados.
5.1 Combinação de métodos: as pesquisas quantitativa e qualitativa
A pesquisa quantitativa em ciências sociais, área que inclui o jornalismo,
costuma ser menos valorizada. Esse procedimento, “por seu caráter reducionista”, é
mais usual em ciências naturais, pois valoriza-se as estatísticas e objetiva-se a
precisão (EPSTEIN, 2006, p. 26). Neste trabalho, porém, o método foi necessário para
a coleta de dados numéricos, com a finalidade de elaborar uma tabela que justificasse
a escolha pelas notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass, como especificado
anteriormente.
Para Creswell (2010), essa pesquisa é eficaz para testar teorias objetivas e
examinar a relação entre as variáveis, que representam apenas uma parte de todo um
conjunto. Por isso é que ela é tida como reducionista, embora o procedimento
qualitativo também seja, mas em menor grau (EPSTEIN, 2006).
Há então a necessidade de fazer um exame cuidadoso dos procedimentos analíticos quantitativos e qualitativos mais adequados para cada caso particular e em relação aos objetivos pretendidos. (EPSTEIN, 2006, p. 26).
Conforme mencionado, para este trabalho a metodologia quantitativa objetivou
embasar com estatísticas a investigação que, no geral, analisa uma realidade social
por um viés subjetivo, característico da pesquisa qualitativa. Isso significa dizer que
ela “evita números [e] lida com interpretações [...]” (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2004,
p. 23). Nesse tipo de pesquisa ocorre a análise de dados de texto e imagem, o que
permite o uso de diferentes estratégias de investigação.
Na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória etc. (GOLDENBERG, 2011, p. 14).
De acordo com a autora, os pontos negativos da pesquisa qualitativa
apresentados por cientistas sociais dão conta de caracterizá-la como um estudo sem
fundamentos científicos, visto que suas conclusões variam conforme a análise.
50
Entende-se, contudo, que este trabalho parte de uma interpretação subjetiva do
discurso do JC sobre o Bairro Ewaldo Prass a partir de notícias sobre homicídios no
local, o que explica a opção pelo uso da metodologia.
Para compreender o discurso do jornal em relação ao bairro nas notícias sobre
homicídios, objetivo principal desta análise, foi indispensável a construção de um
corpus proveniente da editoria de Polícia do impresso.
[...] a construção de um corpus e a amostragem representativa são funcionalmente equivalentes, embora sejam estruturalmente diferentes. Empregando este tipo de linguagem, conseguimos uma formulação positiva para a seleção qualitativa, em vez de defini-la como uma forma inferior de amostragem. Em resumo, nós defendemos que a construção de um corpus tipifica atributos desconhecidos, enquanto que a amostragem estatística aleatória descreve a distribuição de atributos já conhecidos no espaço social. (BAUER; AARTS, 2004, p. 40).
A forma pela qual foi feita a seleção das matérias que compõem o que os autores
denominam de corpus é relatada no item 4.1.2, que também visa ao entendimento da
pesquisa documental, procedimento utilizado no trabalho para historicizar e
caracterizar tanto o JC quanto o Bairro Ewaldo Prass.
5.1.2 Bases documentais para uma perspectiva histórica
Após a definição do tema e delimitação da pesquisa, a etapa seguinte para a
confecção do presente trabalho foi a construção de um corpus a partir de notícias
policiais do JC, optando-se por aquelas publicadas no período de fevereiro de 2015 a
fevereiro de 2016. Após, foi feita a análise das edições e foram selecionadas notícias
sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass por causa da prevalência desse noticiário,
verificada por meio de levantamento estatístico.
Esse processo nomina-se pesquisa documental, cuja coleta de dados tem como
fonte “documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes
primárias” (MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 48-49). Nessa fase da pesquisa a
intenção, explicam as autoras, é recolher informações prévias sobre o tema a ser
trabalhado. Cervo, Bervian e Da Silva (2007) dizem que a pesquisa documental é uma
das formas assumidas pela pesquisa descritiva. Segundo eles, nesse tipo de análise
são investigados documentos com o propósito de descrever e comparar usos e costumes, tendências, diferenças e outras características. As bases documentais permitem estudar tanto a realidade presente como o passado, com a pesquisa histórica. (CERVO; BERVIAN; DA SILVA, 2007, p. 62).
51
Os arquivos investigados na pesquisa documental podem ser públicos,
particulares e fontes estatísticas (MARCONI; LAKATOS, 2008). No trabalho foram
utilizados arquivos particulares como os pertencentes ao JC e à Secretaria Municipal
de Planejamento de Candelária, de forma a elaborar um breve histórico do município
e do veículo impresso. O levantamento de dados é o primeiro passo de uma pesquisa
científica. Nele, além da pesquisa documental, há a bibliográfica.
5.1.3 A bibliografia submetida a uma nova abordagem
O objetivo principal da pesquisa bibliográfica é evitar que o pesquisador
apresente como autoral uma solução já proposta por outro autor. Por isso, Stumpf
(2006) sugere que o exercício de consultar a literatura publicada sobre o assunto
estudado acompanhe o investigador durante todo o processo, não apenas na
construção do referencial teórico. A partir da leitura de artigos e livros, por exemplo,
Cervo, Bervian e Da Silva (2007, p. 60) dizem que “[...] busca-se conhecer e analisar
as contribuições culturais ou científicas do passado sobre determinado assunto, tema
ou problema”.
Mesmo que ocorra uma adaptação das contribuições já apresentadas por
autores, há a possibilidade de o pesquisador acrescentar ideias e opiniões junto à
pesquisa bibliográfica, que “não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre
certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem,
chegando a conclusões inovadoras” (MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 57). Dessa
forma, a pesquisa bibliográfica é caracterizada, num sentido restrito, como
um conjunto de procedimentos para identificar, selecionar, localizar e obter documentos de interesse para a realização de trabalhos acadêmicos e de pesquisa, bem como técnicas de leitura e transcrição de dados que permitem recuperá-los quando necessário. (STUMPF, 2006, p. 54).
Dentre esses procedimentos necessários para a pesquisa bibliográfica,
destacam-se a identificação das leituras disponíveis acerca do assunto e o fichamento
das citações consideradas preponderantes para o trabalho do investigador
(MARCONI; LAKATOS, 2008). Nesta pesquisa, além da consulta à bibliografia
existente acerca da conceituação de jornalismo, notícia e critérios de noticiabilidade,
relacionando-os à editoria de Polícia, foram feitas entrevistas, que também são meios
de obter informações sobre o tema estudado.
52
5.1.4 Um diálogo profissional e intencional
A entrevista é uma conversa presencial entre duas pessoas. Nesse diálogo, os
indivíduos transformam-se em entrevistador e entrevistado, pois a conversa deve ter
caráter profissional (MARCONI; LAKATOS, 2008). Por isso, ela é controlada pelo
entrevistador com o intuito de coletar dados, como é feito no questionário e no
formulário (CERVO; BERVIAN; DA SILVA, 2007). Devido à importância para a
pesquisa, os autores dão dicas quanto aos questionamentos.
Deve-se evitar perguntas diretas que precipitariam as informações, deixando-as incompletas. É conveniente apresentar primeiramente as perguntas que tenham menores probabilidades de provocar recusa ou produzir qualquer forma de negativismo, uma após outra, a fim de não confundir o entrevistado. Sempre que possível, conferir as respostas, mantendo-se alerta a eventuais contradições. (CERVO; BERVIAN; DA SILVA, 2007, p. 52).
Em ciências sociais, a principal técnica utilizada é a entrevista em profundidade,
que normalmente é individual, mas também pode ser feita com duas fontes em
conjunto (DUARTE, 2006). Por meio dela é possível “recolher respostas a partir da
experiência subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja
conhecer” (DUARTE, 2006, p. 62). A técnica busca intensidade nas respostas e,
portanto, foge da quantificação ou representação estatística. Neste trabalho optou-se
por duas tipologias da entrevista em profundidade: semiaberta e aberta.
Segundo Duarte (2006), no modelo semiaberto o investigador elabora um roteiro
com, no máximo, sete questões. Embora o conhecimento do entrevistado seja
valorizado para além das perguntas feitas, é essa estrutura que vai orientar o
pesquisador. A padronização visa “obter, dos entrevistados, respostas às mesmas
perguntas” (MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 83). Assim, é possível notar semelhanças
e contradições acerca do tema.
Enquanto a entrevista semiaberta segue um roteiro, a aberta não tem itinerário,
pois é realizada a partir de um tema central, sem questões preestabelecidas
(DUARTE, 2006). Por isso, ela é mais flexível, já que não segue um roteiro. No
entanto, o pesquisador deve ter atenção e dominar o assunto para que a flexibilidade
não torne a conversa improdutiva.
53
[A entrevista aberta] tem como ponto de partida um tema ou questão ampla e flui livremente, sendo aprofundada em determinado rumo de acordo com aspectos significativos identificados pelo entrevistador enquanto o entrevistado define a resposta segundo seus próprios termos, utilizando como referência seu conhecimento, percepção, linguagem, realidade, experiência. Desta maneira, a resposta a uma questão origina a pergunta seguinte e uma entrevista ajuda a direcionar a subsequente. A capacidade de aprofundar as questões a partir das respostas torna este tipo de entrevista muito rico em descobertas. (DUARTE, 2006, p. 65).
Por meio da entrevista semiaberta buscou-se compreender, junto aos repórteres
(ANEXO F) e à editora-chefe do JC (ANEXO E), de que modo ocorre a seleção,
apuração e veiculação das notícias policiais nesse impresso, ao passo que a
entrevista aberta verificou como representantes do Bairro Ewaldo Prass – a diretora
da Escola Christiano Affonso Graeff, Danieta Heinen; a coordenadora do Centro
Social Amigo da Criança, Alana Rodrigues; e o universitário e morador do bairro, Elias
Vandi Gonçalves – se apropriam do discurso do jornal para a construção de sentido
sobre a comunidade.
5.2 Desconstruir para interpretar: a técnica da Análise de Discurso
Além dos procedimentos que foram apresentados, este trabalho utilizou a
técnica da Análise de Discurso (AD) inglesa para compreender o discurso do JC sobre
o Bairro Ewaldo Prass nas notícias sobre homicídios. Essa técnica relaciona-se à
pragmática, ciência que estuda a forma pela qual as palavras são empregadas para
alcançar determinado objetivo em um diálogo, por exemplo (MANHÃES, 2006).
Segundo o autor, essa linha da AD entende que o discurso “é a apropriação da
linguagem (código, formal, abstrato e impessoal) por um emissor, o que confere a este
um papel ativo, que o constitui em sujeito da ação social” (MANHÃES, 2006, p. 305-
306). Esse sentido atribuído ao discurso prima pelo papel ativo do emissor, mas
também ressalta a importância do receptor para a sua produção e interpretação
(FAIRCLOUGH, 2001).
Ele percebe que essa interação entre jornalista – o autor usa o termo escritor –
e leitor vai além da emissão e interpretação de um texto. Isso porque o discurso exerce
efeitos “sobre as identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de
conhecimento e crença” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 31-32). Contudo, o autor diz que as
“relações de poder e ideologia” nem sempre são percebidas pelos receptores.
54
Para Austin (1990, p. 89-90), esses efeitos às vezes são produzidos sem que o
emissor tenha esse “propósito, intenção ou objetivo”. Normalmente, a influência sobre
os sentimentos e as ações dos receptores é proporcional à frequência que o discurso
foi emitido (AUSTIN, 1990). Nesse contexto, Fairclough (2001, p. 90-91) não
considera o discurso uma atividade individual, mas apropriação da linguagem “como
forma de prática social”.
A AD, portanto, parte do pressuposto que há mais de um indivíduo presente no
discurso e, por isso, nessa metodologia o texto é descontruído em vozes. “A técnica
consiste em desmontar para perceber como foi montado.” (MANHÃES, 2006, p. 306).
Essa desconstrução, conforme Fairclough (2001), analisa os processos de produção,
distribuição e consumo textual, que podem variar por causa de fatores sociais.
Por exemplo, os textos são produzidos de formas particulares em contextos sociais específicos: um artigo de jornal é produzido mediante rotinas complexas de natureza coletiva por um grupo cujos membros estão envolvidos variavelmente em seus diferentes estágios de produção – no acesso a fontes, [...] na transformação dessas fontes [...] na primeira versão de uma reportagem, na decisão sobre o local do jornal em que entra a reportagem e na edição da reportagem [...]. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 106-107).
A AD inglesa tem como base a pragmática, termo que “está historicamente
relacionado às condições de fabrico ou maquinação de objetos ou assuntos com o
intuito de obter determinada retribuição” (MANHÃES, 2006, p. 306). Um dos primeiros
trabalhos relacionados à ciência da pragmática é de autoria do filósofo John Austin16
e também é a contribuição clássica para a AD inglesa (MANHÃES, 2006). O autor
também destaca os conceitos apresentados por John Searle, Oswald Ducrot, Emile
Benvenist e Norman Fairclough. A linha inglesa da AD
[...] caracteriza-se pela ênfase no papel ativo do sujeito, daquele que utiliza pragmaticamente as palavras para fazer coisas, embora ela não descarte o fato de o sujeito estar obrigado a obedecer a imperativos linguísticos, o que implica um relativo assujeitamento. Entretanto, o sujeito é movido por uma razão que visa a fins específicos em situações específicas, datadas e determinadas. Para a consecução desses fins, apropria-se conscientemente da linguagem, de suas regras e procedimentos, e emite atos de fala. [...] análise de discurso inglesa resulta na identificação da pessoa que conduz a narrativa dos acontecimentos e das proposições que formula para os interlocutores: pedidos ou ordens, por exemplo. (MANHÃES, 2006, p. 306).
16 Publicado originalmente em 1962 com o título How to do things with words, o trabalho do filósofo,
citado acima, foi traduzido para a língua portuguesa por Danilo Marcondes de Souza Filho, em 1990.
55
Portanto, a AD inglesa objetiva a identificação dos emissores que narram um
acontecimento, como os jornalistas e as fontes, e a compreensão dos mecanismos
que eles utilizam para fazer afirmativas, pedidos ou ordens para os receptores do
discurso (MANHÃES, 2006). O uso da técnica nesta pesquisa visa compreender o
discurso do JC a partir da cobertura feita pelos repórteres, mas também com base no
modo como os leitores interpretam as notícias. Para isso, é necessário descontruir o
texto jornalístico nas instâncias conversacional, indexical e acional.
5.2.1 A conversação: implícitos e pressupostos
A primeira instância da AD inglesa determina que emissor e receptor tenham um
conhecimento inteligível a respeito da mensagem que os cerca (MANHÃES, 2006). A
mensagem em questão deve, ainda, fazer sentido de acordo com o contexto social
em que está inserida. As diferenças quanto ao entendimento do texto têm relação,
embora parcialmente, “com o tipo de trabalho interpretativo que neles se aplica (tais
como exame minucioso ou atenção dividida com a realização de outras coisas) [...]”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 107-108).
Apesar disso, entende-se que é a “consciência coletiva” que vai atribuir
significado aos procedimentos linguísticos denominados implícitos e pressupostos
(MANHÃES, 2006, p. 307). Segundo o autor, pressuposições são elementos
linguísticos que colaboram com a construção de significados de determinados grupos
sociais. Logo, o emissor considera que esses elementos serão totalmente
interpretados, mas o entendimento é facilitado com algumas pistas deixadas no texto,
como artigos e conjunções (FAIRCLOUGH, 2001).
Por exemplo, a proposição em uma oração introduzida pela conjunção ‘que’ pressupostamente segue verbos como ‘esquecer’, ‘lamentar’ e ‘perceber’ (por exemplo, ‘Eu esqueci que sua mãe tinha casado novamente’); e os artigos definidos indicam proposições que têm significados ‘existenciais’ (por exemplo, ‘a ameaça soviética’ pressupõe que há uma ameaça soviética; ‘a chuva’, que está/estava chovendo). (FAIRCLOUGH, 2001, p. 155).
Os implícitos – complementando a análise da instância conversacional – também
se incorporam na linguagem de um grupo. A diferença, nesse caso, é que não
precisam estar explícitos na conversação. Por isso é que o local onde as palavras
foram proferidas deve ser observado, pois seu significado depende do contexto
(AUSTIN, 1990).
56
Como exemplo, Manhães (2006) cita a conversa entre dois surfistas que se
encontram na praia. Um deles usa a expressão ‘beleza’ como se questionasse o
estado de espírito do companheiro, que responde: ‘irado’. No entanto, como a
conversa ocorre na praia, entende-se que o ‘irado’ se refere ao mar, e não à pessoa,
pois essa é a consciência coletiva dos surfistas. Implícitos e pressupostos integram o
cenário conversacional de um discurso, o qual também é formado pela instância
indexical.
5.2.2 Indexical: discursos diretos e indiretos
O entendimento de que há implícitos e pressupostos em um discurso depende
da existência de enunciados. Em um texto, jornalístico ou não, os enunciados
incorporam partes de textos de outras pessoas (FAIRCLOUGH, 2001). Segundo o
autor, a essa prática é atribuído o termo intertextualidade, cuja abordagem foi
desenvolvida ao longo da carreira acadêmica do filósofo russo Mikhail Bakhtin,
embora o termo não seja uma criação sua.
Uma das formas assumidas pela intertextualidade é a representação do
discurso, em que outros textos são parcialmente incorporados a um texto principal
(FAIRCLOUGH, 2001). O autor faz uma distinção entre representação do discurso
direto e indireto. Quando são utilizadas as palavras exatas proferidas pelo sujeito – a
fonte jornalística – e elas são colocadas entre aspas, há um discurso direto, que
delimita bem a voz do responsável pelo texto e a voz de quem disse a sentença.
Manhães (2006, p. 310) denomina o recurso de aspas ou travessão utilizado no
texto de ‘ele’, que faz referência ao pronome pessoal, entendido como “a voz de
terceiras pessoas utilizadas [...] para conferir verossimilhança, sensação e eloquência
ao discurso”17. Nesse contexto, o ‘eu’ – que assume a posição de locutor – se apropria
do ‘ele’ para construir um discurso (MANHÃES, 2006). A partir da terminologia de
Fairclough (2001), o locutor realiza um discurso indireto, pois a fala da fonte é
incorporada à perspectiva de quem relata.
17 Nesta monografia, especialmente no capítulo da análise, é utilizada a nomenclatura apresentada por
Fairclough (2001), pois o trabalho desse autor é uma das contribuições originais para o estudo da Análise de Discurso inglesa. Enfatiza-se, porém, que as diferenças entre ele e Manhães (2006) existem somente no que tange à nomenclatura, uma vez que há verossimilhança entre os conceitos.
57
Nesse caso não há o recurso das aspas, o que dificulta a separação das vozes
do locutor e da fonte. Manhães (2006) insere outro sujeito nessa discussão: o ‘tu’, que
é o interlocutor, o indivíduo que recebe a mensagem. No contexto do jornalismo
impresso, pode-se comparar o interlocutor ao leitor. A relação entre os discursos direto
e indireto, componentes da instância indexical, auxiliam a interpretar quem emite o
enunciado. Contudo, a AD inglesa também busca verificar as intenções por trás
dessas mensagens, o que cabe à instância acional.
5.2.3 Falas e expressões levam a ações
Os componentes conversacional e indexical da AD pertencente à escola inglesa
– ambos já apresentados – são elementos que constituem a forma textual do discurso.
Mas, além desses, os textos possuem “variáveis de natureza extradiscursiva”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 107-108). Tais variáveis, explica o autor, podem modificar
atitudes e crenças das pessoas, bem como conduzir a atos violentos.
Isso acontece porque o locutor “apropria-se da linguagem para ordenar, explicar
ou pedir e, ao fazê-lo, mostra o mundo a partir de seu ponto de vista a interlocutores”
(MANHÃES, 2006, p. 312). Logo, a instância acional pressupõe que todo proferimento
carrega consigo a realização de uma ação, que são atos de fala praticados por quem
usa a expressão (AUSTIN, 1990). Por isso é que um ato violento, por exemplo, pode
ser praticado não somente pelo leitor que se apropriou do discurso, mas também pelo
locutor que incitou a ação através de alguma expressão utilizada no texto.
A força de parte de um texto (frequentemente, mas nem sempre, uma parte na extensão de uma frase) é seu componente acional, parte de seu significado interpessoal, a ação social que realiza, que ‘ato(s) de fala’ desempenha (dar uma ordem, fazer uma pergunta, ameaçar, prometer, etc.). [...] Assim, no caso de ‘Prometo pagar ao(à) portador(a) se exigida a soma de 5 libras’, a força é a de uma promessa [...]. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 111).
As escolhas metodológicas para a elaboração da monografia objetivaram o
cruzamento de procedimentos. O intuito foi garantir a amplitude dos questionamentos
e das conclusões às quais o problema de pesquisa leva. No capítulo 6, são
analisadas as quatro notícias selecionadas da editoria de Polícia do JC com base nas
instâncias conversacional, indexical e acional, que pertencem à AD inglesa e
possibilitam descontruir o texto jornalístico pelos vieses do repórter, da fonte e do
leitor.
58
6 O DISCURSO DO JC SOBRE O BAIRRO EWALDO PRASS
As quatro notícias analisadas neste capítulo foram publicadas entre 6 de
fevereiro de 2015 e 26 de fevereiro de 2016 na editoria de Polícia do JC. Para chegar
neste corpus, de início, fez-se um levantamento de notícias policiais publicadas no
jornal nesse período. Para tanto usou-se o método quantitativo, descrito no capítulo
5. Os dados obtidos a partir da observação das edições impressas do JC são
apresentados nas tabelas a seguir, que contêm informações sobre os bairros de
Candelária, os tipos de crime divulgados no período selecionado e o destaque dado
pelo jornal às notícias escolhidas.
Tabela 1 – Divisão em bairros das notícias publicadas na editoria de Polícia do JC no período de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016
Fonte: tabela elaborada por Julianne Barragan Wagner a partir de informações recolhidas nas edições de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016 do Jornal de Candelária.
A Tabela 1 elenca os bairros existentes em Candelária e enumera a quantidade
de vezes que cada região foi citada na editoria de Polícia do JC no período analisado.
Para contabilizar esses números foram consideradas as notícias que apresentaram
explicitamente os nomes dos bairros. Os textos jornalísticos que fizeram referência
Bairros de Candelária Referência ao bairro na editoria de Polícia
Notícias sobre homicídios
Boa vista - -
Centro 21 1
Costa Norte 2 2
Esmeralda - -
Ewaldo Prass 31 5
Marilene 5 1
Nova Germânia - -
Pôr do Sol - -
Princesa 2 -
Rincão Comprido 5 4
59
somente às ruas e travessas não integram a contagem. Com base nessas
delimitações, verifica-se que 66 notícias policiais foram divulgadas, das quais 31 têm
relação com o Bairro Ewaldo Prass, o que representa 46,97% do total.
Os dados mostram que 13 notícias sobre homicídios foram publicadas e,
novamente, o Ewaldo Prass aparece na frente, com 5 textos jornalísticos presentes
nessa soma. As informações dessa tabela auxiliaram a pesquisadora a justificar a
escolha pelas notícias relacionadas ao bairro citado. Também foram considerados
outros aspectos, como os tipos de crime e a frequência com que apareceram.
Tabela 2 – Notícias divulgadas na editoria de Polícia do JC sobre o Bairro Ewaldo Prass
Fonte: tabela elaborada por Julianne Barragan Wagner a partir de informações recolhidas nas edições de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016 do Jornal de Candelária.
Ações da BM e PC/crimes Nº de notícias sobre o fato
Abigeato 1
Apreensão de carne 1
Apreensão de drogas 1
Arrombamento 2
Assalto 1
Captura de foragido 1
Disparos de arma de fogo 1
Furto 4
Homicídio (execução, morte) 5
Prisão 5
Recuperação de veículo 1
Roubo 2
Tentativa de homicídio 6
60
Na Tabela 2, as 31 notícias sobre o Bairro Ewaldo Prass publicadas na editoria
de Polícia foram especificadas de acordo com o crime ou a ação da Brigada Militar e
da Polícia Civil a que se referem. Essa classificação levou em consideração a
nomenclatura usada pelo JC nos textos jornalísticos. Verifica-se que, das 31 notícias,
6 divulgaram tentativas de homicídio, crime mais publicado no período analisado,
seguido dos homicídios, com 5 registros na página policial. A escolha pelos textos
jornalísticos sobre homicídios deu-se em razão de esse ser um crime consumado,
enquanto o outro, como o termo indica, é uma tentativa. Após essa definição, outro
critério utilizado foi o de divulgação na capa ou contracapa do jornal.
Tabela 3 – Notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass e respectiva divulgação na capa e contracapa do JC
Fonte: tabela elaborada por Julianne Barragan Wagner a partir de informações recolhidas nas edições de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016 do Jornal de Candelária.
Nomenclatura
utilizada
pelo JC
“Homem é
executado
no Bairro
Ewaldo
Prass”
“Polícia
Civil
investiga
a morte
de Bijau”
“Nhonho é
morto a
tiros no
Ewaldo
Prass”
“Homem é
morto a tiros
no Bairro
Ewaldo
Prass”
“Candelária
tem seis
homicídios
em 29 dias”
Notícia
principal
x - x x x
Notícia
secundária
- x - - -
Foto
secundária
na capa
-
-
-
-
x
Manchete - - - x -
Chamada
na capa
- - x - -
Foto na
contracapa
x - - - -
61
O cabeçalho da Tabela 3 apresenta, nos textos entre aspas, os títulos das
notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass. Na primeira coluna estão colocadas
algumas das nomenclaturas utilizadas pelo JC para definir os espaços que foram
ocupados pelos textos jornalísticos tanto nas páginas internas quanto na capa e
contracapa do impresso. A partir disso, foram selecionadas as notícias principais, que
no JC são aquelas assinadas pelos repórteres, e que tiveram destaque na capa ou
contracapa. Em função desses motivos, a notícia com o título “Polícia Civil investiga a
morte de Bijau” não faz parte da análise.
Com base nos critérios apresentados, esta pesquisa analisa os textos
jornalísticos intitulados “Homem é executado no Bairro Ewaldo Prass” (Notícia 1),
“Nhonho é morto a tiros no Ewaldo Prass” (Notícia 2), “Homem é morto a tiros no
Bairro Ewaldo Prass” (Notícia 3) e “Candelária tem seis homicídios em 29 dias”
(Notícia 4). Os nomes destacados entre parênteses após cada título foram inseridos
pela pesquisadora e são utilizados a seguir quando é feita alguma referência às
notícias.
Os textos jornalísticos utilizam a estrutura narrativa da pirâmide invertida,
apresentada no capítulo 2, pois privilegiam no início da notícia as características
singulares dos fatos – o que aconteceu; quem está envolvido; como foi – e, nos
parágrafos finais, buscam mostrar os aspectos particulares ao relacionar a maioria
dos homicídios à conduta criminosa das vítimas (GENRO FILHO, 2012).
A Notícia 1 foi publicada na edição de 27 de março de 2015 na página 17,
colorida, e é assinada pela editora Jaqueline Netto, a quem são creditadas as duas
fotografias que acompanham o texto. Ela divulga o homicídio de um homem de 37
anos e descreve que a morte pode estar relacionada com o furto de uma motocicleta,
crime que teria sido praticado pela vítima.
A editora também é responsável pela Notícia 3, da edição de 15 de janeiro de
2016, que aparece na página 11, impressa em preto e branco. Na notícia há duas
imagens, uma feita por Jaqueline e outra de divulgação. O texto jornalístico informa
sobre a execução de um homem de 36 anos e trabalha com a hipótese de que o crime
esteja relacionado à dívida que a vítima possuía em função do uso de drogas.
Em 14 de agosto de 2015, na página 13, em preto e branco, foi publicada a
Notícia 2, que expõe as circunstâncias do homicídio de um homem de 35 anos. De
acordo com a notícia, assinada pelo repórter Luiz Carlos Lopes, o crime pode estar
62
relacionado ao tráfico de drogas. O texto contém três fotografias de divulgação. Assim
como na Notícia 1 e na Notícia 3, as imagens da Notícia 2 são colocadas na
horizontal, em duas colunas, quando mostram o local do crime e o corpo da vítima
que, nos casos em que aparece, é encoberto por panos ou tem o rosto do morto
quadriculado por uma tarja inserida. Nos três casos, além das imagens horizontais,
há fotos boneco das vítimas, estilo três por quatro.
Essas notícias têm como fontes de informação o B.O., policiais civis e militares
e os delegados que comandaram as investigações. Conforme foi destacado no
capítulo 3, essas fontes são denominadas oficiais, pois representam executivo,
legislativo e judiciário e, por causa dessa relação, apresentam dados e pareceres que
favorecem esses poderes (LAGE, 2003). A partir desses depoimentos, os três textos
jornalísticos informam os nomes das vítimas, as idades e situam as ruas e o bairro
onde os homicídios aconteceram, além de destacarem que as vítimas tinham
antecedentes criminais e elencarem os tipos de fatos a que estavam ligadas.
Lopes (2016) e Gross (2016) explicam que os nomes das vítimas foram
publicados por orientação da editora. Segundo os repórteres, a divulgação dessa
informação coincide com o interesse do leitor, que quer saber quem morreu. Nesses
acontecimentos o repórter “oferece a notícia por interação porque o leitor é tido por
sabedor de que na sociedade existem crimes e perversões [...]” (PEDROSO, 2001, p.
83). Com essa visão de que as informações sobre os homicídios chegam ao receptor
antes do jornal, o JC publica os dados das vítimas e situa o local dos crimes para
confirmar o acontecimento.
Além desses itens, a Notícia 2 contém, no último parágrafo, os números de
telefone da Polícia Civil para que os leitores entrem em contato se tiverem informações
que possam auxiliar na investigação do crime. Já a Notícia 3 acrescenta que a vítima
deixou a mãe e os cinco irmãos enlutados. Enquanto esses textos destinam-se à
divulgação de um fato isolado, a Notícia 4 aborda os homicídios registrados em
Candelária em janeiro de 2016 e descreve a preocupação causada nos
candelarienses em razão desses acontecimentos.
Ela foi publicada em 29 de janeiro de 2016, na página 10 – em preto e branco –
com uma imagem horizontal, em duas colunas, do delegado que é a fonte da
informação, mais seis fotos boneco das vítimas. A fotografia do delegado é de autoria
da repórter Mariele Gomes Gross, que assina a notícia, e as demais são do arquivo
63
do JC. Junto das imagens dos executados são informados seus nomes e suas idades,
além do local onde o crime aconteceu. A partir do relato do delegado, a notícia
apresenta as circunstâncias em que se deram os homicídios e o que a Polícia Civil
tem feito para reprimir essas ações.
Conforme destacado no início deste capítulo, os textos jornalísticos analisados
foram publicados na editoria de Polícia do JC no período de 6 de fevereiro de 2015 a
26 de fevereiro de 2016. A seleção das quatro notícias que compõem o corpus do
trabalho teve como base a pesquisa quantitativa que, de acordo com Epstein (2006),
é pouco usual em ciências sociais. Nesta monografia, o método possibilitou o
levantamento estatístico para obtenção dos dados apresentados na Tabela 1, na
Tabela 2 e na Tabela 3.
Embora a análise estatística das notícias policiais seja considerada reducionista
e “rigidamente controlada”, é ela que garantiu o avanço na observação dos textos
jornalísticos para “testagem de uma teoria” (CRESWELL, 2010, p. 177). Segundo o
autor, nessa nova etapa da monografia os dados coletados são interpretados pelo
pesquisador, que utiliza o método qualitativo para compreender a complexidade do
objeto de estudo, atribuindo-lhe significados.
A pesquisa qualitativa permitiu compreender o discurso do JC sobre o Bairro
Ewaldo Prass nos textos que noticiaram homicídios, que é o principal objetivo da
monografia. Com base nesse método de pesquisa os textos foram descontruídos nas
instâncias conversacional, indexical e acional, que são os componentes da AD
inglesa. A técnica, apresentada no capítulo 5, visa ao entendimento das intenções do
emissor ao divulgar um discurso e da interpretação feita pelo receptor ao entrar em
contato com o mesmo (FAIRCLOUGH, 2001).
Os textos jornalísticos foram analisados em cada instância, representadas nos
subcapítulos 6.1, 6.2 e 6.3. As notícias são identificadas pelos nomes destacados
anteriormente. A análise começa pela instância conversacional, que visa ao
entendimento dos implícitos e pressupostos presentes em trechos retirados das
notícias do JC sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass.
64
6.1 Implícitos e pressupostos nas notícias sobre homicídios
Na AD da escola inglesa, a instância conversacional, que se divide em implícitos
e pressupostos, destina-se à interpretação do sentido de determinada sentença
(AUSTIN, 1990). Para que haja o entendimento do conteúdo da mensagem o receptor
deve interpretá-la de acordo com o contexto social em que ela está inserida
(MANHÃES, 2006). Mas, a partir dos conceitos trabalhados no capítulo 2, percebe-
se que a interpretação feita pelo leitor depende também do discurso adotado pelo
jornal acerca do tema.
Nesse discurso, além da linha editorial do meio de comunicação, está presente
a subjetividade do repórter, que aborda o fato com base no conhecimento prévio que
tem sobre o mesmo. Desse modo, os significados das notícias variam de acordo com
a proximidade que o repórter tem do acontecimento. Esses significados por trás do
uso de determinadas palavras e expressões no texto jornalístico influenciam no
entendimento do leitor acerca do fato.
A partir da compreensão de que a informação jornalística exerce um papel
importante na interpretação da realidade, foram selecionados trechos das quatro
notícias do JC que contêm palavras, expressões e vocábulos em que está inserido o
posicionamento do repórter sobre o acontecimento noticiado. A análise das sentenças
levou em consideração o referencial teórico dos capítulos anteriores, as entrevistas
feitas com a editora e os repórteres do JC, bem como os depoimentos de pessoas
ligadas ao Bairro Ewaldo Prass, onde aconteceram os homicídios noticiados.
Com esse último caso, já são cinco as vítimas de homicídio no município em 2015. (Notícia 1). Mais uma cena de violência foi proporcionada em Candelária [...]. (Notícia 2). A escalada de crimes violentos continua a subir em Candelária. (Notícia 3). Depois da onda de assaltos registrada durante o mês de setembro de 2015 em Candelária, agora o que assusta a população é a violência que se mostra permanente no município. (Notícia 4).
Nesses trechos, verifica-se que o jornal tem feito um monitoramento quanto aos
homicídios registrados em Candelária. O que deixa implícito se o número de casos é
grande ou não é o local em que os fatos aconteceram. Como se trata de Candelária,
um município do interior, e a Notícia 1, por exemplo, foi publicada em março – ou
seja, o ano recém tinha começado – compreende-se que o número de vítimas de
homicídio é grande e que a população deve ficar atenta a esses casos.
65
Segundo Fairclough (2001), alguns elementos do texto auxiliam na identificação
do sentido da sentença. O uso do vocábulo “mais” e do artigo definido “a” em “A
escalada [...]”, no início das frases da Notícia 2 e da Notícia 3, respectivamente, é um
pressuposto linguístico de que o número de "crimes violentos" em Candelária tem sido
grande. Ao passo que o trecho da Notícia 4 deixa implícito que o município tem sofrido
muito por causa da violência e que cabe aos órgãos de segurança devolver a
tranquilidade à população.
A frequência com que um discurso é publicado atribui relevância ao tema
noticiado. Nos fragmentos da Notícia 1, da Notícia 2, da Notícia 3 e da Notícia 4
estão em evidência a violência e o crime que se manifestam na forma de homicídios.
À proporção que essas mortes são repercutidas no JC através das notícias, a
preocupação em torno da criminalidade passa a ser compartilhada pelos leitores, pois
apesar de o jornal não ter “o poder de oferecer às pessoas a forma como elas devem
pensar, [...] consegue de fato [...] impor-lhes o que têm de pensar” (ALSINA, 2009, p.
87).
Na expressão “crimes violentos”, por exemplo, que aparece na Notícia 3, o JC
faz uso de dois conceitos distintos – de crime e de violência – para identificar tanto os
assaltos quanto os homicídios registrados no município. A partir das definições
trazidas no subcapítulo 3.1, compreende-se que, por meio da expressão, o jornal
reforça o caráter cruel do criminoso. O JC enfatiza a brutalidade com que a ação
criminosa foi praticada – com o uso de força física ou de algum tipo de instrumento ou
arma – e mostra o resultado desse ato: lesões graves ou morte (CARVALHO, 2010).
Expressões como “cena de violência” (Notícia 2), “crimes violentos” (Notícia 3),
e “onda de assaltos” (Notícia 4) expõem uma opinião do jornal. A informação
transmitida pelo JC “passa do fazer saber para o fazer acreditar (a persuasão), e para
o fazer sentir (o sensacionalismo emocional)” (ALSINA, 2009, p. 246). Seu discurso
não se atém a informar, mas a opinar para provocar a sensação de medo e
insegurança em quem lê o texto e, principalmente, em quem mora no Bairro Ewaldo
Prass.
Os antetítulos utilizados nas notícias também ajudam a contextualizar e ampliar
a ideia de que os homicídios registrados no Bairro Ewaldo Prass causam uma
sensação de medo e insegurança em todo o município, pois mostram o quanto a
violência – que antes estaria restrita a esse bairro – é um problema que atinge toda a
população. Os antetítulos da Notícia 3, “Mais um”, e da Notícia 4, “Violência sem fim”,
66
apesar de sucintos “dizem o ponto de observação em que o editor se colocou para
abordar os fatos” (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 147).
De acordo com o autor, ao antetítulo cabe antecipar a informação central da
notícia e complementar o enunciado apresentado no título. Do modo como foram
apresentadas no JC, essas expressões – “Mais um” e “Violência sem fim” – não
podem ser consideradas ingênuas, pois mostram o papel desempenhado pelo jornal
na “formação de ondas de crime” (MORETZSOHN, 2003, p. 13). Isso significa que,
vistos isoladamente, os homicídios não representariam medo e insegurança. No
entanto, mesmo que sejam casos reduzidos, eles são descritos pelos repórteres nos
mínimos detalhes e associados a enunciados que generalizam a violência (ALSINA,
2009).
O uso de palavras e expressões que reforçam a quantidade de crimes no
município e a crueldade desses fatos, bem como a frequência com que esses
acontecimentos são divulgados, espalha uma atmosfera de insegurança para todo o
município – todos começam a ter a sensação de medo, de que o município é um lugar
violento e qualquer um pode ser a próxima vítima. Como os textos selecionados se
referem ao Bairro Ewaldo Prass, essa insegurança parece ser ocasionada unicamente
pelos moradores do local, pois o jornal pretende que o leitor analise os fatos e
“reconheça o seu lugar na estruturação da sociedade” (PEDROSO, 2001, p. 87). A
diretora da escola localizada no bairro opina sobre a repercussão da violência.
Como fazem nove anos que a gente está trabalhando aqui, eu fico triste, vamos dizer assim, cada vez que o bairro é citado por problemas de violência. Nós sabemos que a violência no Brasil está bem generalizada – aqui no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, a gente só ouve falar dessas coisas – então a gente não foge à regra. Mas, realmente, aqui no bairro existe. Por envolvimentos com tráfico ou alguns que ainda se mantêm desocupados, automaticamente isso faz com que a violência apareça de uma maneira um pouco mais acentuada. (HEINEN, 2016).
Embora reconheça que a violência está generalizada no País, ela considera um
equívoco noticiar esses atos com frequência, pois a divulgação crescente incentiva
essa conduta criminosa (HEINEN, 2016). Notícias em excesso sobre esses
acontecimentos também tornam a prática algo banal, principalmente no bairro, onde
os moradores convivem cotidianamente com furtos, mortes e brigas normalmente
relacionadas ao tráfico de drogas. Isso é possível perceber na Notícia 3, onde se lê:
“A vítima era usuária de drogas e possuía passagens na polícia pela prática de
pequenos furtos, possivelmente para sustentar o vício”.
67
Nessa frase o jornal minimiza a morte da vítima, como se o fato de ela ter
antecedentes criminais e ser usuária de drogas justifique as motivações do crime e
faça o leitor compreender que esse é o único caminho para quem tem esse tipo de
conduta. Essa banalização é recorrente na editoria de Polícia. Independente da linha
editorial dos jornais, eles unem-se e assumem o “discurso oficial que [...] trata de
definir [...] um inimigo mitificado e demonizado – [...] a droga” (MORETZSOHN, 2003,
p. 8).
A escolha de uma pessoa ou, nesse caso, de uma substância ilícita como
“símbolo [da criminalidade] é parte da cartilha básica do jornalismo. Produz empatia,
torna mais fácil a compreensão de contextos complexos e traz para o cotidiano
conceitos abstratos” (RAMOS; PAIVA, 2007, p. 61). De acordo com as autoras, essa
busca pela interação com o leitor chegou a justificar a criação de um assassino fictício
na década de 1970. O exterminador de ladrões Mão Branca, que assustou o Rio de
Janeiro, teria sido um personagem inventado por um repórter.
O trecho da Notícia 3 destacado anteriormente também possui uma intervenção
do repórter. Embora não haja nenhum personagem fictício, a utilização do termo
“possivelmente” traz uma conclusão explícita sobre os motivos que levaram a vítima
a furtar: “para sustentar o vício”. O uso desse termo apresenta uma especulação a
respeito da conduta da vítima e, como já indicado, banaliza o homicídio. Ao fazer este
indicativo na notícia, o repórter publica uma sentença antes mesmo do encerramento
do inquérito policial.
“A escolha desse tipo de discurso [...] não é gratuita: visa expor, indiretamente,
um posicionamento crítico, não apenas do redator, mas do próprio jornal, em relação
ao tema da notícia.” (SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 23-24). Nesse caso, o fato em si –
o homicídio – é minimizado em relação à conduta da vítima. Com a manipulação de
algumas palavras a notícia passa do âmbito da divulgação de um acontecimento para
o pronunciamento da sentença sobre um fato.
O JC também se posiciona criticamente na sentença “O desempregado
Claudiomiro Borges, o Nhonho, 35 anos, ex-detento do Presídio Estadual de
Candelária, foi morto a tiros [...]” (Notícia 2). As expressões “desempregado” e “ex-
detento” diminuem o choque ocasionado pela morte violenta, pois o discurso do JC
induz o leitor à interpretação de que não estar trabalhando e já ter sido preso são
situações que só podem levar à morte.
68
Nessa sentença, o jornal naturaliza implicitamente o homicídio ao reconhecer
que o “fato de a pessoa estar desempregada ou não possuir formação profissional”
são indícios que identificam a delinquência da vítima (PEDROSO, 2001, p. 100). Logo,
o JC atribui à vítima características que levam à glorificação da morte e do assassino.
“Viva a tortura! Viva o ser humano transformado em picadinho! Viva a morte!” (SOUZA,
2002, p. 48). Em razão dos estereótipos conferidos pelas notícias às pessoas
executadas, os assassinos transformam-se em heróis, pois os leitores se identificam
com eles ao entenderem que tiraram de circulação os verdadeiros criminosos.
Como grande parte desses homicídios vincula-se ao tráfico de drogas, alguns
moradores do Bairro Ewaldo Prass, especialmente as crianças e os adolescentes, têm
uma visão distorcida da figura do traficante, que é o modelo a ser seguido. Por isso,
ser professor em escolas que convivem com a guerra entre grupos rivais “é um ato
quase heroico”, pois o ensino às vezes não consegue se impor diante de propostas
irrecusáveis feitas pelos traficantes aos alunos, valores que estão muito acima do
“padrão social do lugar” (SOUZA, 2002, p. 63). No Bairro Ewaldo Prass, Rodrigues
(2016) nota a influência da criminalidade a partir dos diálogos que tem com as crianças
e os adolescentes.
Eles [adolescentes e crianças] falam que o traficante é o dono da vila. Eles falam com respeito. Mas nunca têm muitos detalhes. Parece uma figura de respeito mesmo, que tu nem podes falar muito. Não se fala detalhes, não se dedura ninguém, mas essa figura está lá em cima, hierarquicamente superior. Inclusive quando é perguntado “o que você quer ser quando crescer?”, muitos falam “bandido, traficante”. Para eles, porque você vai trabalhar direitinho, cumprir horário, para ganhar mil reais, digamos, sendo que o traficante, por exemplo, ganha muito mais. Quem lida com isso [drogas] é que tem poder financeiro e poder sobre a comunidade. Posso dizer que é assim pelo que as crianças falam. (RODRIGUES, 2016).
Nas notícias do JC, esses dilemas relatados pela coordenadora do Centro Social
não são percebidos. No discurso do jornal, mesmo quem não tem nenhum
envolvimento com a criminalidade pode ser tachado como apoiador ou pessoa que
não auxilia nas investigações da polícia, como se verifica nos trechos a seguir.
69
Contudo, apesar do movimento nas ruas, ninguém viu ou ouviu nada. (Notícia 1). [...] a ausência de testemunhas dispostas a falar dificulta o trabalho da polícia. (Notícia 1). [...] mais uma vez a lei do silêncio reinante no Bairro Ewaldo Prass com relação às atividades do crime se manifestou e nenhuma testemunha foi encontrada para falar do caso. (Notícia 2). Até o momento, não apareceram testemunhas que tivessem presenciado o crime. (Notícia 3). Marquardt concorda que o quadro da violência que se instalou em Candelária é algo preocupante e que em alguns locais impera a lei do silêncio, dificultando o trabalho policial. (Notícia 4).
A utilização do artigo definido “a” em “a ausência”, na Notícia 1, e do vocábulo
“mais”, na Notícia 2, é um pressuposto linguístico de que existe uma negativa
frequente das testemunhas para falar sobre homicídios ocorridos no bairro. Da forma
como são empregados nas frases, esses elementos deixam implícito que a “lei do
silêncio” prejudica a investigação da Polícia Civil. Segundo Heinen (2016) e Gonçalves
(2016)18, as “pessoas de bem” do local procuram não se envolver com os casos para
não entrar em confronto com os traficantes, que têm armamentos e podem ameaçar
as testemunhas e seus familiares.
Para eles, cabe ao jornal contextualizar os acontecimentos e divulgar, além da
violência, os fatos positivos. “Porque as pessoas que vêm aqui tendem a achar que é
uma coisa que pega fogo. Como se aqui fosse outro município, um distrito separado.”
(GONÇALVES, 2016). A partir desses depoimentos, entende-se que a “lei do silêncio”
é uma proteção encontrada pelos moradores, não um apoio aos criminosos. Porém,
essa conduta é compreendida somente pelas pessoas que residem no bairro ou que
convivem com os habitantes do local.
Portanto, os leitores do JC que são de outras regiões de Candelária e não têm
entendimento do significado por trás da ausência de testemunhas podem
compreender, a partir dos trechos assinalados anteriormente, que todos os moradores
do Bairro Ewaldo Prass são coniventes com os homicídios e apoiam os assassinos.
Isso se dá em razão da distância territorial e ideológica existente entre dois territórios,
pois, sem conhecimento dos fatos, a notícia tem poder decisório sobre a realidade
(SODRÉ, 2006). Esse discurso que distorce o real é ocasionado também pela
cobertura feita pelos repórteres.
18 Elias Vandi Gonçalves é estudante de Biologia na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), de
Cachoeira do Sul, e morador da Rua Castelo Branco, no Bairro Ewaldo Prass.
70
De acordo com Lopes (2016), ele foi poucas vezes ao bairro, pelo fato de não
residir no município e não estar na cidade quando o homicídio acontecia. Nesses
casos, noticiava o crime a partir de informações do B.O. ou de declarações do
delegado e de policiais. Gross (2016) diz ter ido ao local em três momentos: na
cobertura de um incêndio em uma casa; quando houve a denúncia de um leitor sobre
um depósito de lixo; e para entregar um presente a uma menina que foi selecionada
na promoção de Natal promovida pelo JC.
Apesar disso, explica que fazia poucas notícias da editoria de Polícia, pois na
maioria das vezes eram produzidas pela editora ou por Luiz Carlos Lopes. No caso
da Notícia 4, coube a Mariele Gomes Gross porque era um levantamento estatístico
dos homicídios, cuja pauta foi sugerida pela repórter. Contudo, embora os textos
jornalísticos sejam assinados por repórteres diferentes e em edições distintas, verifica-
se um discurso repetido, especialmente na questão da “lei do silêncio”.
Os principais elementos que transformam os fatos em notícias com estrutura e
conteúdo quase idênticos são os valores-notícia, conforme exposto no capítulo 2, que
se encontram “profundamente enraizados em todo o processo informativo [e] incidem
na qualidade da informação” (WOLF, 2009, p. 118). No que tange à divulgação da
violência, os valores-notícia do JC “amortizam a indignação” dos leitores, pois a
narrativa dos fatos sobre homicídios – que de forma repetitiva explora o lado curioso
dos acontecimentos, sem contextualização – faz com que o receptor deixe de “ser
capaz de se sensibilizar quanto ao trágico, à miséria, à dor” (COSTA, 2002, p. 135).
Do mesmo modo que a apresentação das notícias influencia na interpretação
dos leitores acerca de determinada realidade social, a seleção das fontes que vão
relatar os acontecimentos também tem papel fundamental na compreensão dos fatos.
Por isso, após a instância conversacional, a instância seguinte analisada neste
capítulo foi a indexical.
6.2 A representação das fontes em discursos diretos e indiretos
Nas quatro notícias do JC selecionadas para análise é possível observar que as
fontes de informação foram os registros do B.O., policiais civis e militares e delegados
responsáveis pela investigação dos homicídios noticiados. Os dados obtidos junto à
71
Brigada Militar e à Polícia Civil aparecem nos textos jornalísticos tanto como discurso
indireto quanto direto, duas das formas assumidas pela instância indexical.
De acordo com Fairclough (2001), no discurso indireto o repórter se apropria das
informações das fontes e adapta-as à linguagem jornalística, enquanto no discurso
direto há uma transcrição das palavras utilizadas pelas fontes. Nesse caso existe uma
diferenciação explícita, por meio do recurso gráfico das aspas, entre as vozes de quem
proferiu a sentença e de quem escreveu a notícia.
Para análise da instância indexical das notícias do JC foram retirados trechos
que correspondem às duas formas de discurso elencadas. A intenção não foi apenas
verificar as diferenças entre os discursos, mas também compreender as razões que
levaram os repórteres a representar um fato a partir de um ponto de vista em vez de
outro, como se observa nos seguintes fragmentos dos textos jornalísticos.
De acordo com o delegado Felipe Staub Cano, que comanda as investigações, existem poucas pistas sobre como teria ocorrido o crime [...]. (Notícia 1).
Conforme o delegado Rodrigo Marquardt da Silveira, Nhonho cumpria pena por tráfico de drogas no Presídio Estadual de Candelária desde 17 de março do ano passado e estava em liberdade desde 22 de julho último. (Notícia 2).
Conforme o delegado de Polícia de Candelária, Rodrigo Marquardt da Silveira, pelo menos três dos homicídios que ocorreram nos últimos dias estão relacionados ao tráfico de drogas. Contudo, os demais são por motivos diversos tais como desavenças familiares. (Notícia 4).
Até o momento, de acordo com o delegado, três dos crimes já foram elucidados e devem ter seus inquéritos concluídos já na próxima semana. Os demais seguem em investigação, porém a Polícia já possui suspeitas sobre os autores dos homicídios. (Notícia 4).
Nesses trechos, as informações quanto aos homicídios são prestadas
exclusivamente pelos delegados na forma de discurso indireto. Embora haja uma
indicação explícita das fontes, por meio dos nomes e dos cargos, as palavras emitidas
não estão entre aspas, recurso gráfico que caracteriza o discurso direto. No discurso
indireto, a designação do cargo das fontes – inclusive evidenciando que o delegado
“comanda as investigações” (Notícia 1) – corresponde à necessidade do repórter de
legitimar os depoimentos pelo status da pessoa. Isso garante veracidade à informação
por causa da autoridade de quem a pronunciou (NEVEU, 2006).
Portanto, os pontos de vista dos delegados são evidenciados nos fragmentos
dos textos do JC porque eles têm status de autoridade policial. Segundo Netto (2016),
por causa disso ela sempre recomenda que os repórteres entrevistem as fontes
72
oficiais em coberturas para a editoria de Polícia. Para a editora, a opção por essas
fontes deve-se também à segurança jurídica e informativa.
A gente evita ouvir pessoas na cena do crime para evitar eventuais processos, porque uma pessoa pode dizer uma coisa, outra dizer outra e esse conflito pode gerar algum problema jurídico para o jornal. Então a gente sempre opta por ouvir a fonte que dá essa segurança ao jornal. (NETTO, 2016).
Além de representarem uma espécie de proteção para o jornal quanto a
processos jurídicos, essas fontes tendem a ser receptivas com os repórteres e
programam suas atividades de acordo com as necessidades dos meios de
comunicação (WOLF, 2009). No JC, essa receptividade é percebida inclusive na
forma como os fatos policiais chegam ao conhecimento da equipe de redação.
Segundo Netto (2016), além de informações repassadas por “populares”, às vezes a
própria polícia entra em contato com o jornal. Logo, evita-se a publicação de notícias
que questionem as ações da Brigada Militar e da Polícia Civil a fim de manter a
confiança depositada no JC por esses órgãos de segurança pública.
Em outros termos, os repórteres não cumprem o papel do jornalismo de recorrer
a “fontes múltiplas” para que a notícia apresente ao leitor o outro lado, ou outros lados,
da história, que se tornou uma “prática estabelecida” (TRAQUINA, 2012, p. 59). Com
isto, os homicídios – “fatos [...] jornalísticos por excelência” – deixam de ser abordados
no seu potencial crítico, pois não há uma orientação para se fazer um jornalismo
investigativo (MORETZSOHN, 2003, p. 25).
Mesmo que saibam que o acontecimento vai ter uma “dimensão pública” ao ser
noticiado, os repórteres não contextualizam o fenômeno observado pela fonte
(ALSINA, 2009, p. 229). Deste modo, à narrativa da Brigada Militar e da Polícia Civil
é conferida uma posição de autoridade.
A relação do repórter com o policial, seja ele delegado, inspetor ou brigadiano, é uma relação de confiança. Geralmente, no início, ocorre uma apresentação: “Eu sou o fulano, repórter do jornal tal, eu preciso saber as informações...”. Por exemplo, se o delegado te pediu para não publicar tal coisa, você deve seguir aquilo ali. Você publica somente o que foi autorizado, porque muitas vezes, na vontade de dar um furo ou algo diferente no teu jornal, você acaba revelando uma coisa que viu porque estava lá dentro da delegacia e acaba prejudicando o trabalho de investigação. Aí, em vez de o jornal fazer seu papel social, ele acaba fazendo um desserviço e o trabalho policial vai por água abaixo. Caso contrário, da próxima vez que você chegar lá [na delegacia] não vai ser bem recebido. Comigo nunca aconteceu, mas já teve colegas que tiveram que ser substituídos da editoria de Polícia. (LOPES, 2016).
73
O depoimento do repórter demonstra a necessidade contínua que o profissional
do JC tem de colocar os interesses da Brigada Militar e da Polícia acima da relevância
do fato. Por causa do acesso único à polícia com fonte jornalística, as notícias
apresentam uma estrutura narrativa semelhante, como se fossem formulários pré-
fabricados em que apenas se substituíssem a data do homicídio e o nome de quem
foi assassinado. Isso acontece pois, ao relatar o fato, a fonte vai mostrar a importância
do seu ponto de vista. No entanto, cabe ao repórter “decidir onde está a notícia”, e
não o delegado, como ocorre (ALSINA, 2009, p. 228).
A partir da observação dos discursos indiretos nas notícias do JC sobre
homicídios no Bairro Ewaldo Prass, percebe-se que para os repórteres desse
impresso a informação está, na maioria das vezes, na Delegacia de Polícia. Isso
porque os policiais são tratados como “fontes confiáveis [...] cujas vozes são aquelas
que são mais largamente representadas no discurso da mídia” (FAIRCLOUGH, 2001,
p. 143-144). Em relação ao discurso direto, essas vozes são identificadas e
demarcadas de forma explícita.
“Ainda é cedo para afirmar, mas estamos investigando essa relação”, destacou Cano. (Notícia 1). “Ele tinha antecedentes por tráfico e também por lesão corporal, ameaça, homicídio, dano, desobediência, entre outros”, revelou. (Notícia 2). “Ainda não há pistas sobre o caso, que poderá ser de difícil solução”, finalizou. (Notícia 2). “Intensificamos as investigações para podermos efetuar estas prisões. Mesmo o número de mortes sendo algo alarmante, estamos trabalhando para combater esse mal observado em todo o país”, pontua. (Notícia 4).
O depoimento da Notícia 1 foi proferido pelo delegado Felipe Staub Cano e as
falas da Notícia 2 e da Notícia 4 são do delegado Rodrigo Marquardt da Silveira.
Como já destacado, é o recurso gráfico das aspas que deixa clara a divisão entre as
vozes do jornal e da fonte e diferencia os discursos indireto e direto, esse último
representado nos trechos acima. Contudo, essa divisão explícita entre as vozes
presentes na notícia é um recurso mais visual do que conceitual, pois nas citações
diretas também há subjetividade do repórter, desde o contato com as fontes até a
seleção das falas que serão utilizadas. Portanto, o discurso direto causa um falso
efeito de objetividade, como que dizendo: a reprodução do fato foi possibilitada ao jornalista devido aos relatos que conseguiu apurar; isenta-se, assim, ilusoriamente, o enunciador de uma possível coparticipação ao captar e redigir o fato. (PEDROSO, 2001, p. 84-85).
74
Conforme mencionado no subcapítulo 2.3, os jornalistas pautam seu trabalho
por procedimentos – como recorrer às fontes oficiais – que são tidos como objetivos
e garantem um rigor científico à atividade jornalística (GENRO FILHO, 2012). Porém,
não há objetividade quando o repórter intervém na informação com um discurso que
oculta algum “aspecto importante” do acontecimento (BELTRÃO,1980, p. 26). A ilusão
quanto à objetividade do repórter na descrição dos depoimentos diretos também se
perde ao analisar os verbos representadores selecionados para impor uma
interpretação às falas dos entrevistados.
A escolha por “destacou” (Notícia 1), “revelou” e “finalizou” (Notícia 2) e “pontua”
(Notícia 4), ao invés de disse, especifica o prestígio e a importância das fontes
(FAIRCLOUGH, 2001). Conforme explica o autor, o verbo representador assinala a
importância dos entrevistados.
Para o entendimento do conteúdo dessas declarações é preciso compreender,
além das citações diretas, o discurso indireto. Nos fragmentos anteriores dos textos
do JC as sentenças entre aspas reforçam ou complementam uma informação já
apresentada. Por exemplo, o trecho retirado da Notícia 1 tem relação com o discurso
indireto do JC na frase anterior: “o delegado adiantou que o envolvimento da vítima
com o furto de uma motocicleta pode estar relacionada com o crime”. Nesse caso, a
opinião da fonte – que representa um órgão de segurança e, portanto, o poder
judiciário – prevalece tanto por causa de seu status quanto pela repetição que causa
o “efeito de dizer a verdade” (ALSINA, 2009, p. 174).
No texto jornalístico, a verdade não simboliza o nome de uma qualidade. Ela diz
respeito a uma “dimensão de apreciação de como as palavras se situam quanto à sua
adequação aos fatos, eventos, situação, etc., a que se referem” (AUSTIN, 1990, p.
122). Neste contexto, nas notícias sobre homicídios publicadas no JC – em que o fato
é transmitido ao leitor sob a perspectiva única das fontes oficiais – ocorre uma
manipulação da mensagem. Isso porque, mesmo que a informação seja exata, não
estará completa tendo em vista a inexistência de pessoas que relatem o
acontecimento por outro viés (CORNU, 1994).
Além de os repórteres destacarem explicitamente a fonte de informação, por
meio dos nomes dos delegados, e darem ênfase aos seus depoimentos transcrevendo
as palavras pronunciadas, outro recurso utilizado é o de recorrer ao B.O. Conforme
mencionado no capítulo 3, o documento é elaborado tanto em uma Delegacia de
Polícia quanto por policiais militares que se deslocam ao local do acontecimento.
75
A facilidade com que os relatos do B.O. são aceitos pelos jornalistas amplia as
possibilidades de serem propagados pré-julgamentos nas notícias policiais, pois esse
tipo de apuração não permite a “separação nítida entre jornalismo e polícia”
(CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 61). O autor descreve que, geralmente, o repórter copia
os registros desse documento e, na redação, adapta as informações à linguagem do
veículo impresso sem checagem ou visão crítica. Em função dessa adaptação que
ocorre na narrativa contida no B.O., ele é considerado uma fonte que será
representada no jornal por meio do discurso indireto.
De acordo com Lopes (2016), no JC são mínimas as ocasiões em que o repórter
vai ao local onde o fato policial aconteceu e, por isso, as informações do B.O. – que
normalmente é acessado pelo repórter na Delegacia de Polícia – tornam-se
primordiais para a descrição do homicídio e da cena do crime.
Conforme ocorrência, a Brigada Militar foi acionada por populares, por volta das 21h, dando conta de que havia um homem caído na rua. Ao chegar ao local, os PMs constataram que o homem já estava sem vida. A vítima, mais tarde identificada como José Luiz da Silva Pais, apresentava pelo menos cinco perfurações de bala no corpo, uma delas na cabeça. (Notícia 1). Conforme o registro policial, a Brigada Militar foi acionada, via telefone 190, para a ocorrência e, quando a guarnição chegou ao local, já encontrou o corpo caído na rua, em decúbito dorsal atingido por um tiro de raspão em um dos braços, uma perfuração no braço direito e outra na lateral direita do peito. (Notícia 2). Conforme apurou a polícia, a vítima estaria cuidando de uma casa vazia que estava à venda na Rua Nestor da Silveira, situada ao lado da casa em que foi encontrado baleado. O homem provavelmente foi alvejado no pátio da casa que zelava, e tentou fugir por um estreito corredor e, mesmo atingido, pelo rastro de sangue encontrado no local, pulou um muro que dava nos fundos de uma residência vizinha, onde acabou tombando. (Notícia 3).
Esses trechos das notícias são discursos indiretos do JC em que não é possível
delimitar claramente as vozes do jornal e da Brigada Militar ou da Polícia Civil. Mesmo
que esteja destacado no início das sentenças que as informações foram retiradas da
“ocorrência” (Notícia 1), do “registro policial” (Notícia 2) ou foram “apuradas pela
polícia” (Notícia 3), algumas expressões utilizadas não deixam claro se está sendo
representada a posição do jornal ou da polícia. Por exemplo, “acionada por populares”
(Notícia 1), “corpo caído na rua” (Notícia 2) e “rastro de sangue” (Notícia 3).
Em alguns casos, a dificuldade de identificar a voz representada se deu em todo
parágrafo, não apenas em frases e expressões. Isso porque não há nenhuma
indicação da fonte, seja pelo uso das aspas ou pela utilização do nome da pessoa ou
do órgão de segurança que concedeu a informação. Conforme Goffmann (1981),
citado por Fairclough (2001), nessas sentenças – como no exemplo a seguir – a
76
impressão é de que o posicionamento acerca do fato é do jornal, da editora ou do
repórter que assinou a notícia.
O morador de rua Jefferson Gomes da Silva, 36 anos, foi encontrado morto por volta da 1h45 da última segunda-feira num pátio de uma casa no Bairro Ewaldo Prass. Ele apresentava ter levado pelo menos dois tiros, um no braço e outro no tórax. A Brigada Militar foi acionada por moradores que ouviram disparos de arma de fogo e, em seguida, encontraram o homem ferido dentro do pátio de uma residência na Rua Nestor da Silveira. Ele foi socorrido pela ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas chegou sem vida ao Hospital Candelária. (Notícia 3).
A sentença destaca onde o corpo da vítima foi encontrado – “num pátio de uma
casa” – como aconteceu o homicídio – “dois tiros, um no braço e outro no tórax” – e
quando o homem morreu – “chegou sem vida ao Hospital Candelária”. Apesar de não
haver a identificação da fonte, percebe-se que as informações foram retiradas do B.O.,
pois, a partir das entrevistas com os repórteres do JC, verifica-se que essa prática é
constante.
Ao adaptar os dados do B.O. à linguagem popular, o parágrafo simula a “fala
cotidiana” e aproxima o fato dos leitores (FAIRCLOUGH, 2001, p. 143-144). Segundo
o autor, quando as fontes oficiais são representadas por falas que poderiam ter sido
usadas pelos próprios leitores torna-se mais fácil concordar com a interpretação que
elas fazem do acontecimento. Porém, com base no depoimento de Rodrigues (2016),
percebe-se que os receptores inseridos na realidade do Bairro Ewaldo Prass
consideram que as fontes utilizadas pelo jornal banalizam o homicídio em vez de
contextualizá-lo.
Confesso que a editoria de Polícia não chama muito a atenção. Porque a gente sempre lê o jornal por cima. E, aqui [Centro Social], você acaba sabendo pelas crianças. Daí quando vem o jornal a gente já sabe de tudo, porque são mil informações que chegam até nós. Até você olha [a notícia] e parece uma coisa bem simplificada, não tem muitos detalhes. E é mais essa questão de inquérito policial mesmo, do que a polícia está fazendo e não, talvez, dos fatos em si. Aqui, você fica sabendo antes. (RODRIGUES, 2016).
Com base nesse depoimento, observa-se que pessoas que frequentam o Bairro
Ewaldo Prass – no caso de Rodrigues (2016) a trabalho – não veem as fontes oficiais
como sinônimo de informação completa. Nesse caso, o conhecimento acerca dos
homicídios que é transmitido através de canais interpessoais apresenta mais detalhes
e chega ao receptor antes do jornal. Esse compartilhamento coletivo de informações
é denominado “audiência secundária” (ALSINA, 2009, p. 76). Existe, ainda, a
77
“audiência primária”, representada pelos leitores que recebem a notícia diretamente
do jornal.
Apesar de Rodrigues (2016) considerar os canais interpessoais mais completos
que as notícias do JC, os repórteres desse impresso dizem que não há alternativas
para ampliar a apuração jornalística sobre os homicídios no Bairro Ewaldo Prass. Para
eles, as informações da Brigada Militar e da Polícia Civil representam a necessidade
de seguir as recomendações da editora. Essa conduta dos repórteres relaciona-se ao
controle editorial exercido no JC. De forma sutil, as normas são disseminadas e
“estimulam o conformismo à política editorial”. Os profissionais têm “sentimentos de
obrigação e estima para com seus chefes” e, por isso, as recomendações dos
superiores anulam qualquer tentativa de “contestar a política empresarial” (PEREIRA
JUNIOR, 2006, p. 35).
Os repórteres também explicam que não há testemunhas que se disponibilizem
a falar sobre os homicídios em razão da “lei do silêncio” existente no Bairro Ewaldo
Prass, conforme mencionado no subcapítulo 6.1. Contudo, durante as entrevistas
eles não descreveram nenhuma tentativa de ouvir alguém para além das fontes
oficiais. Portanto, nas notícias do JC sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass “nem
sempre estão presentes todos os que participam do acontecimento”, enquanto outras
fontes têm acesso imediato ao jornal (ALSINA, 2009, p. 146). O acesso restrito de
algumas pessoas – como representantes de associações e porta-vozes da
comunidade – acaba por marginalizá-las por causa de seu “pouco peso social” em
comparação ao status dos policiais civis e militares (NEVEU, 2006, p. 98).
A falta de pluralidade nas notícias do JC sobre homicídios no Bairro Ewaldo
Prass vai de encontro às características atribuídas a um jornal do interior, que deveria
“refletir a diversidade [da] cidade” por meio da divulgação das visões e perspectivas
de “grupos organizados, movimentos sociais e organizações sem fins lucrativos e de
interesse social” (PERUZZO, 2007, p. 111). Para a autora, de nada adianta o jornal
ser local se não representar todas as comunidades e integrá-las em um só município.
Sem a participação de todas as fontes que podem ajudar na interpretação da
notícia, o acontecimento fica restrito aos apontamentos de grupos específicos, como
a polícia. Logo, o jornal classifica as vítimas de homicídios como traficantes, usuários
de drogas ou ladrões baseado “obviamente em informações da própria polícia”
(RAMOS; PAIVA, 2007, p. 66).
78
Com isso, são os depoimentos diretos e indiretos dos policiais civis e militares
que explicam os homicídios divulgados na editoria de Polícia do JC, não a apuração
jornalística do repórter. Embora a busca pelas fontes oficiais já caracterize uma
tentativa de entender o fato e repassá-lo ao leitor na forma de notícia, o movimento
frequente e quase espontâneo do repórter policial do JC de procurar a informação na
Brigada Militar ou na Polícia Civil reduz a probabilidade de compreender os
posicionamentos de todos os lados envolvidos no fato. Isso faz com que a notícia seja
produzida “através de notícias”, que são os significados atribuídos pelos policiais aos
homicídios (ALSINA, 2009, p. 254).
Esses significados presentes nos discursos das fontes refletem o
posicionamento do jornal acerca do acontecimento, pois os depoimentos são
divulgados por causa dos critérios que norteiam a apuração dos repórteres do JC.
Para os leitores que têm acesso ao fato exclusivamente pela notícia publicada, o
posicionamento do jornal tende a ser considerado a verdade sobre o acontecimento e
pode moldar o modo como a realidade é vista, conduzindo a uma ação como atribuir
estereótipos aos moradores do Bairro Ewaldo Prass. A ação que é instigada pelas
palavras e expressões usadas nas notícias é analisada na instância acional.
6.3 O universo extralinguístico das palavras
A instância acional, terceiro componente da AD inglesa, visa à compreensão dos
efeitos sociais produzidos pelas notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass. A
partir da desconstrução dos textos jornalísticos nas instâncias conversacional, no
subcapítulo 6.1, e indexical, no subcapítulo 6.2, foi possível identificar alguns
procedimentos utilizados pelos repórteres do JC para mostrar o posicionamento do
jornal acerca do fato.
O uso de determinadas expressões e vocábulos nas notícias, bem como a
divulgação do acontecimento sob o olhar exclusivo da Brigada Militar e da Polícia Civil,
“materializam intenções [...] que extrapolam o universo estrito da linguagem”
(MANHÃES, 2006, p. 311). Nesta monografia, as ações construídas pelo discurso do
JC – análise que cabe à instância acional – são delimitadas com base em trechos da
Notícia 1, da Notícia 2, da Notícia 3 e da Notícia 4 que contêm explicitamente o
nome do Bairro Ewaldo Prass, onde os homicídios divulgados aconteceram.
79
Entende-se que a análise das sentenças que mencionam o nome desta região
do município e as entrevistas com a editora do JC e os representantes do bairro,
juntamente com o referencial teórico sobre jornalismo, discurso, exclusão social e
pertencimento, permitem ampliar o entendimento da prática discursiva como mera
reprodutora da sociedade. A seleção desses fragmentos teve como objetivo principal
verificar se o discurso, que deu ênfase ao lado negativo do bairro, contribui para
transformar a sociedade e suas “identidades sociais, relações sociais, sistemas de
conhecimento e de crença” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 92).
Para tanto, a análise começa pelos títulos dos textos jornalísticos: “Homem é
executado no Bairro Ewaldo Prass” (Notícia 1); “Nhonho é morto a tiros no Ewaldo
Prass” (Notícia 2); “Homem é morto a tiros no Bairro Ewaldo Prass” (Notícia 3). Esses
títulos formam frases “com afirmação completa, sujeito, verbo e predicado” (PEREIRA
JUNIOR, 2006, p. 149-150). Segundo o autor, a utilização do verbo no presente indica
uma ação, algo que se fez e acabou de acontecer.
No JC, o verbo no presente é um modo de reafirmar a atualidade do fato pois,
por se tratar de um jornal semanal, o acontecimento pode ter sido noticiado
antecipadamente em outros meios de comunicação do município, como as rádios, que
dão a notícia em primeira mão. Além disso, conforme mencionado no subcapítulo
6.2, os canais interpessoais divulgam a informação antes de ser publicada na forma
de texto jornalístico. Mesmo assim, apresentar o fato como atual é uma necessidade
do jornal e um dos valores-notícia que orienta os meios de comunicação.
Para Netto (2016), o título é o elemento que tem mais destaque nas notícias da
editoria de Polícia e, por isso, deve “em poucas palavras dizer o que houve ali”. Nessa
frase sucinta, sua função é “despertar o interesse do leitor para certos pontos que,
espera-se, sejam desenvolvidos no corpo da notícia” (DIAS, 1996, p. 106-107).
Conforme a autora, a partir da informação geral contida no título o jornal já mostra o
que julga ser o mais importante do acontecimento e conduz o receptor a uma “leitura
predeterminada”.
De início, a morte como um dos componentes principais do título pode até
assustar e causar ruptura na lógica do jornalismo do interior como uma prática
estabelecida pela “política de vizinhança, a solidariedade, o coletivismo”
(DORNELLES, 2004, p. 132). Mas, com base na entrevista com a editora do JC,
verifica-se que a escrita do título leva em conta a imagem de um leitor curioso, que
80
“não resiste ao apelo e [...] acaba criando o hábito de ler o jornal” (PEDROSO, 2001,
p. 39).
Do mesmo modo como o homicídio ilustrado no jornal, com ênfase à morte no
título, vai na contramão do que Dornelles (2004) entende por jornalismo solidário do
interior, o destaque ao Bairro Ewaldo Prass como região do crime e da violência não
permite integrá-lo aos ideais de coletividade entre os munícipes. A menção ao bairro
no título, que nos faz “conhecer algo que, em seguida, ‘reconheceremos’ com a leitura
da matéria e dos outros elementos da página”, incentiva a exclusão dos moradores
dessa região de Candelária, que recebem estereótipos por causa das características
atribuídas ao local onde vivem (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 145).
Os estereótipos e os preconceitos permitem que haja a construção de sentidos
acerca do meio em que se está inserido e também agem para dar sentido “a realidades
das quais temos pouca informação” (ALSINA, 2009, p. 274). Apesar da semelhança
quanto ao significado dos termos, o autor apresenta diferentes conceitos para eles.
Um preconceito é simplesmente uma crença ou uma opinião pré-concebida. Ou seja, é uma ideia que temos antes de que a situação nos exija sua elaboração. Assim, apenas precisamos fazer um esforço para transmitir-lhe o sentido à circunstância, porque o sentido já está previamente elaborado, trata-se agora, apenas, de aplicá-lo mecanicamente sem muito esforço. A palavra estereótipo vem do procedimento de impressão denominado estereotipia, que é a reprodução a partir de um molde. Portanto, trata-se de aplicarmos um conceito a uma circunstância, a uma determinada realidade, partindo de um molde pré-configurado, sem levar muito em conta se está se tratando do molde certo ou não, para a interpretação do tal fenômeno. (ALSINA, 2009, p. 275).
De acordo com o autor, é preocupante a prática jornalística que contribui para
que sejam atribuídas características – normalmente negativas – às pessoas pelo fato
de residirem em determinado local. Essas opiniões pré-concebidas são, na maioria
das vezes, formadas quando acontece uma “vasta operação de prótese em cima do
real tradicional” (SODRÉ, 2006, p. 31). Nestes casos, os sujeitos que não têm acesso
à realidade noticiada compartilham um sistema de significados disseminado pelo
discurso do jornal.
Para Gonçalves (2016), os significados existentes nas notícias sobre homicídios
no Bairro Ewaldo Prass mostram uma realidade “aumentada”. Segundo ele, a ênfase
dada pelo JC ao nome do bairro, como é feito nos títulos da Notícia 1, da Notícia 2 e
da Notícia 3, é uma estratégia do jornal que objetiva “chamar mais atenção” para o
81
fato. Mas, além de dar destaque ao acontecimento e conduzir à leitura da notícia, esse
discurso leva a pré-julgamentos que corroboram com a exclusão social.
A visão que as pessoas têm, de fora, é que aqui [Bairro Ewaldo Prass] são todos bandidos. Daí o que acontece: na loja, quando tu falas de onde tu és, já te olham estranho. Porque tem o preconceito. Eu faço faculdade, daí quando eu conto o pessoal diz: “que legal!”. Mas onde tu moras: “lá”. Daí parece que o teu reconhecimento, tudo o que foi construído, vai apagando. Geralmente é isso, cria-se uma imagem negativa. (GONÇALVES, 2016).
Este depoimento mostra que as notícias do JC sobre homicídios no Ewaldo
Prass reforçam os estereótipos que tendem a ser atribuídos aos moradores desse
bairro. O diálogo descrito na fala do entrevistado aconteceu em um estabelecimento
comercial localizado no Centro. Na conversa, o reconhecimento quanto ao fato de
uma pessoa ingressar no ensino superior é minimizado em relação ao local onde o
universitário reside.
A predominância do nome do Bairro Ewaldo Prass na editoria de Polícia do JC
– conforme exposto na Tabela 1 – leva à interpretação estereotipada de que os
moradores dessa região da cidade são desempregados, ladrões ou traficantes.
Mesmo que o jornal apenas reforce “a ideologia dos leitores”, que são movidos por
suas próprias razões, isso não isenta o veículo impresso da responsabilidade de
contextualizar os acontecimentos em vez de direcioná-los a uma ideia desvinculada
da realidade (DAPIEVE, 2007, p. 90).
Quando a notícia é utilizada somente para reproduzir os ideais e valores dos
leitores, ou de uma parte deles, o jornalismo perde o senso de “comunicação que
serve para integrar o homem, para que ele funcione dentro do sistema ao qual
pertence” (MEDITSCH, 1992, p. 25). A partir do depoimento de Gonçalves (2016) e
dos apontamentos de Alsina (2009) e Genro Filho (2012), verifica-se que o destaque
ao nome do bairro no título reforça os preconceitos dos leitores e estabelece divisas
que definem limites entre nós – pessoas de bem – e eles – moradores do Bairro
Ewaldo Prass.
A indicação do bairro no título permite, ainda, que esse elemento da página seja
autônomo em relação ao texto. Ao elaborar o título o jornal quer a “garantia de leitura
elementar da informação”, pois antecipa que a notícia em formato de pirâmide
invertida não será explorada pelo leitor na íntegra (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 145).
Em função de serem curtos, os títulos se apoiam no lide para determinar o aspecto
principal a ser destacado no acontecimento. Os trechos a seguir das notícias do JC
82
ilustram o modo como esses dois elementos reforçam e complementam as
informações.
A Polícia Civil de Candelária investiga as circunstâncias em que ocorreu a morte de José Luiz da Silva Pais, 37 anos. Ele foi encontrado morto na noite do último domingo (22), na Rua Fernando Ferrari, no Bairro Ewaldo Prass. (Notícia 1). O desempregado Claudiomiro Borges, o Nhonho, 35 anos, ex-detento do Presídio Estadual de Candelária, foi morto a tiros por volta das 5h de domingo (9) em frente à sua casa, na Travessa Costa e Silva, Bairro Ewaldo Prass. (Notícia 2). O assassinato de um homem a tiros na madrugada da última segunda-feira (11), no Bairro Ewaldo Prass, foi o segundo homicídio registrado em 2016. (Notícia 3).
O lide está localizado normalmente na parte inicial dos textos jornalísticos e
sintetiza as informações básicas para se manifestar “diretamente aos sentidos do
leitor” (GENRO FILHO, 2012, p. 146). Ao estruturar a notícia no formato de pirâmide
invertida o repórter realiza escolhas com base no que o jornal entende por elementos
mais importantes do fato, “que devem figurar no primeiro parágrafo da notícia”
(TRAQUINA, 2012, p. 119).
De acordo com que o que foi abordado no capítulo 2, esses elementos
divulgados no parágrafo inicial dão conta de explicar o que aconteceu; quem está
envolvido; quando, onde e como se deu o fato; e o porquê desse acontecimento. Nos
fragmentos anteriores, que mostram parte do primeiro parágrafo da Notícia 1, da
Notícia 2 e da Notícia 3, o onde contém significados que extrapolam a função objetiva
do lide de situar o fato: ao mesmo tempo que localiza o homicídio, o jornal qualifica o
Bairro Ewaldo Prass como território da insegurança e do medo.
Com base na AD da escola inglesa, observa-se que, por trás da necessidade de
divulgar uma informação completa – que responda às seis perguntas básicas do lide
– está subentendida uma ação. Esse ato é realizado pelo jornal quando o repórter
mostra um posicionamento na notícia por meio das escolhas feitas para a estruturação
do texto. Então, considera-se que, ao emitir o proferimento, há mais do que “um mero
equivalente a dizer algo”, pois esse discurso produz efeitos como convencer,
persuadir e confundir (AUSTIN, 1990, p. 25).
No caso do lide das notícias do JC, o onde, que especifica o local em que
aconteceram os homicídios, tem o efeito de reforçar os estereótipos e os preconceitos
dos leitores acerca do Bairro Ewaldo Prass. Entende-se que a divulgação desses fatos
corresponde aos valores-notícia que orientam os repórteres do impresso, tais como o
território de abrangência do jornal e o grau de tragédia/drama do acontecimento.
83
Apesar de a publicação dos homicídios no JC corresponder a critérios
jornalísticos, verifica-se que a vinculação frequente do bairro a fatos criminais e
violentos tende a minimizar a importância de acontecimentos e projetos positivos
registrados nesse local. Por não haver a divulgação dessas ações, elas passam
despercebidas e legitimam os estereótipos e preconceitos. Neste contexto, ao ocultar
o bem o JC engrandece o mal.
Na madrugada do dia 11, Jéfferson Gomes da Silva, de 43 anos, foi assassinado a tiros, na Rua Nestor Silveira, no Bairro Ewaldo Prass. (Notícia 4). Na madrugada do dia 18, por volta das 5h, o jovem Hércules Josias do Nascimento, de 18 anos, foi executado com 15 tiros dentro de uma residência no Bairro Ewaldo Prass. (Notícia 4).
Mesmo que os repórteres do JC produzam notícias para outras editorias além
da Polícia, contata-se, a partir das entrevistas com Lopes (2016) e Gross (2016), que
a percepção deles quanto ao Bairro Ewaldo Prass fica restrita ao senso comum. Por
isso, a caracterização do bairro como território do crime e da violência relaciona-se
com a falta de acompanhamento presencial de acontecimentos que auxiliariam na
contextualização da realidade desse território. Ao decidir cobrir preferencialmente os
homicídios, como se observa nos trechos da Notícia 4, o JC oculta fatos que também
seriam significativos para seus leitores.
Acho que o jornal poderia divulgar mais aquilo que é legal, porque tem tanta coisa boa [no Bairro Ewaldo Prass]. A Christiano Graeff, por exemplo, é uma escola de ponta com relação ao atendimento de autistas, surdos, mudos e cegos. Tem tanta coisa legal que poderia ser mais divulgada. Na verdade a gente fica até constrangida de estar sempre chamando para divulgar, parece que é uma autopromoção, e não é bem isso. Isso seria legal, se houvesse uma divulgação e um acompanhamento [por parte do jornal]. Se essas coisas fossem mais divulgadas, o olhar do povo também seria outro. (HEINEN, 2016).
A diretora da Escola Christiano Affonso Graeff, localizada no Bairro Ewaldo
Prass, explica que grande parte das notícias publicadas no JC sobre as atividades e
os projetos desenvolvidos no educandário se origina de sugestões dela e de outros
membros da equipe diretiva. Tal como acontece com o B.O., o repórter aguarda
informações que não exijam um trabalho investigativo para “escolher qual
acontecimento é mais merecedor de adquirir existência pública como notícia” (SILVA,
2005, p. 97).
Conforme destacado por Heinen (2016), a equipe diretiva da escola evita um
contato frequente com o JC a fim de não caracterizar essa divulgação como uma
84
autopromoção. O distanciamento entre o jornal e os representantes de associações,
instituições de ensino e outros grupos marginaliza alguns aspectos do bairro em favor
de outros. Esse recorte da realidade social causa “distorções inconscientes [...] que
entram em jogo na dinâmica da difusão de efeitos cognitivos ligados àquela imagem
da realidade” (WOLF, 2009, p. 184).
Embora o leitor não tenha que aceitar passivamente o discurso do jornal, o ato
de ler as notícias já configura uma necessidade que as pessoas têm “de se sentirem
partícipes da história cotidiana” (AMARAL, 2006, p. 59). Por isso, a informação que
transmite um senso de pertencimento e compartilha ideias e valores sociais tende a
se sobressair à notícia que apenas causa espanto, repulsa e medo.
A essência do jornalismo está em integrar, o que confere ao JC a
responsabilidade pela escolha das expressões e dos vocábulos usados nas notícias,
análise feita na instância conversacional; pelas falas das fontes, estudadas na
instância indexical; e pelas ações resultantes da maneira como os acontecimentos
são selecionados e hierarquizados no jornal, conforme observado na instância
acional.
85
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass mostrou que o
discurso do Jornal de Candelária reforçou os estereótipos existentes em relação ao
bairro. Os textos jornalísticos apresentaram expressões e vocábulos que transmitiram
uma ideia de exclusão para com os moradores do local. A desconstrução das notícias
nas instâncias conversacional, indexical e acional, técnica da Análise de Discurso da
escola inglesa, possibilitou compreender que o discurso do jornal não foi inocente,
expôs seu posicionamento sobre os homicídios e, em especial, sobre o local em que
aconteceram.
Embora a pesquisadora tenha realizado somente a análise das notícias sobre
homicídios, foi possível notar que a divulgação desses crimes correspondeu a uma
categorização que o jornal fez de Candelária como um município dominado pela
violência. Isso ficou claro na observação de elementos contidos nas páginas em que
os textos foram impressos, principalmente dos antetítulos formados por termos que
nomearam a violência como um fenômeno que, a qualquer momento, poderia atingir
o cidadão de bem no Bairro Ewaldo Prass.
Essa estratégia discursiva visou a aproximação entre os leitores e o jornal, uma
vez que os receptores veem nos meios de comunicação uma ferramenta que
repercute seus anseios e suas necessidades. Dessa forma, o impresso buscou
garantir um lugar efetivo como representante da insegurança e do medo causados na
população por causa dos homicídios no Bairro Ewaldo Prass. Mais do que representar
os leitores, a divulgação desses fatos deixou explícito quem são os culpados pela
onda de violência: os desempregados, ladrões e traficantes que residem no Bairro
Ewaldo Prass.
O discurso de exclusão feito pelo jornal acerca do bairro foi constatado tanto na
análise conversacional das notícias – que permitiu o entendimento dos significados
presentes nas expressões e vocábulos – quanto na instância indexical, a partir da qual
foram identificados as fontes e os significados de seus pronunciamentos. Todos os
homicídios foram noticiados com base nas interpretações que a Brigada Militar e a
Polícia Civil fizeram dos fatos, registrados em Boletins de Ocorrência, fonte de origem
da maior parte das informações. Em nenhuma das notícias houve um trabalho de
investigação por parte dos repórteres, que se limitaram a divulgar as falas dos
86
profissionais dos órgãos de segurança sem contestar os dados ou procurar outras
informações.
A teoria referente à estruturação dos jornais em editorias foi fundamental para a
observação de que o repórter, ao cobrir um tema específico, pode especializar-se e
trazer informações mais aprofundadas sobre o fato. Porém, na editoria de Polícia há
um cuidado maior quanto às terminologias empregadas para a descrição do
acontecimento em detrimento de sua contextualização.
A editora do Jornal de Candelária, por exemplo, mostrou uma preocupação
relacionada às sanções jurídicas que poderiam ser acarretadas caso as notícias sobre
homicídios apresentassem erros técnicos. Esse cuidado foi válido, uma vez que o
equívoco informativo diminui a credibilidade dos leitores. Mas em nenhum momento
das entrevistas com a editora e os repórteres houve um posicionamento crítico quanto
ao uso exclusivo da Brigada Militar e da Polícia Civil como fontes.
Para o jornal, não há o que questionar, pois as testemunhas dos homicídios, se
fossem ouvidas, trariam informações desconexas e, ainda, elas se negariam a falar.
Mas não tem como afirmar que as testemunhas não quiseram dar entrevistas, pois
não houve indícios de que os repórteres tentaram procurar outras fontes que não
fossem as oficiais. Essa afirmativa pareceu ser mais uma justificativa do que um
verdadeiro interesse do impresso em noticiar os homicídios sob o ponto de vista das
testemunhas.
Isso porque essas pessoas conduziriam os repórteres a um trabalho
investigativo, que iria requerer mais tempo para a apuração dos fatos, enquanto as
fontes oficiais representaram, para o Jornal de Candelária, a informação rápida e sem
erro. A escolha da Brigada Militar e da Polícia como únicas fontes ratificou a análise
de que o jornal teve uma postura muito clara acerca dos homicídios, das vítimas e dos
assassinos ao opinar sobre os acontecimentos, ao invés de cumprir a sua função
informativa.
Apesar de os textos terem sido escritos por repórteres diferentes e também pela
editora, foi o discurso de delimitação do mal – moradores do Bairro Ewaldo Prass – e
do bem – demais candelarienses – que prevaleceu. Esse discurso levou em conta
pressupostos pessoais sobre o bairro e, principalmente, características internas do
Jornal de Candelária que asseguraram o conformismo dos repórteres aos aspectos
editoriais.
87
Como foi a editora Jaqueline Netto quem escreveu grande parte das notícias da
editoria de Polícia, os repórteres Luiz Carlos Lopes e Mariele Gomes Gross realizaram
a apuração dos acontecimentos com base nas orientações da editora, para que os
textos tivessem uma uniformidade quanto à estrutura, ao conteúdo e à fonte. Essa
repetição informativa foi mais um fator que contribuiu para o entendimento de que o
Jornal de Candelária considerou o Bairro Ewaldo Prass como um local exclusivo do
crime e da violência que se manifestaram por meio dos homicídios divulgados.
Com base no referencial teórico sobre jornalismo do interior foi possível notar
que o jornal poderia auxiliar na caracterização do município como uma comunidade
plural e solidária, em que os candelarienses compartilhassem significados que os
integrassem à comunidade e valorizassem o senso de pertencimento. Contudo, as
entrevistas abertas feitas com Heinen, Rodrigues e Gonçalves trouxeram
contribuições no sentido de entender que o discurso do Jornal de Candelária, ao invés
de integrar, induziu ao distanciamento entre os moradores do Ewaldo Prass e dos
demais bairros de Candelária.
A presença massiva do bairro na editoria de Polícia, aliada à predominância da
divulgação de homicídios que aconteceram no local, levaram ao assassinato de
reputação dos moradores do Bairro Ewaldo Prass. As entrevistas com Heinen,
Rodrigues e Gonçalves, bem como os apontamentos sobre intolerância e pré-
julgamento apresentados no referencial teórico, permitiram constatar – a partir da
instância acional – que o discurso do jornal fez com que os estereótipos atribuídos ao
bairro fossem transferidos automaticamente aos seus moradores.
No andamento da pesquisa, ficou perceptível que o assassinato de reputação é
um tema pouco explorado pelos teóricos da área de comunicação social. As
contribuições encontradas fazem uma análise do termo relacionado a pequenos
grupos, não a locais que englobam centenas de pessoas, como é o caso do Bairro
Ewaldo Prass. Por isso, para associar o termo ao bairro a teoria que trata de
pertencimento foi indispensável.
As referências quanto à Análise de Discurso de linha inglesa também se
mostraram restritas. Apesar das limitações teóricas, a técnica apresentou grande
potencial para aprofundar as discussões sobre os significados de natureza discursiva
e extradiscursiva que emergem das notícias. O jornalismo, de uma maneira geral,
produz efeitos nos receptores ao noticiar os acontecimentos sob um ângulo singular
e trazer à tona realidades, muitas vezes, desconhecidas. No interior, tem um potencial
88
ainda maior para se tornar porta-voz da comunidade. Quando esse viés é bem
explorado, o jornalismo aproxima-se da sua essência, que está na representatividade
de uma sociedade plural.
89
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95
ANEXO A – Notícia 1
96
ANEXO B – Notícia 2
97
ANEXO C – Notícia 3
98
ANEXO D – Notícia 4
99
ANEXO E – Questões para entrevista semiaberta com a editora do JC
- Nas notícias policiais selecionadas foram entrevistadas somente as fontes oficiais,
como a Polícia Civil. Por que a escolha por essas fontes?
- Normalmente, qual a orientação que você passa aos repórteres para cobrir a editoria
de Polícia?
- As orientações quanto à cobertura das notícias policiais são as mesmas repassadas
para a cobertura de fatos das outras editorias? Ou há orientações específicas para a
editoria de Polícia?
- Você acompanha todo o processo de produção da notícia (desde a apuração junto
às fontes, a escrita do texto e a produção de fotos) ou como funciona?
- Você intervém na elaboração do título da notícia?
- Como é feita a seleção das notícias que vão compor a capa e a contracapa do jornal?
- Como chega ao jornal a informação de que aconteceu algum fato policial?
100
ANEXO F – Questões para entrevista semiaberta com os repórteres do JC
- Por que somente foram entrevistadas as fontes oficiais?
- Normalmente, qual era a orientação passada pela editora ao cobrir notícias policiais?
- Quanto tempo você teve para a produção da notícia, abrangendo tanto a apuração
da informação junto às fontes quanto a escrita do texto?
- Como foi o processo de produção das fotografias (havia um fotógrafo
acompanhando; a foto foi cedida pela polícia)?
- Quem criou o título das notícias?
- Como foi a negociação para ver se a notícia ia ou não na capa ou contracapa do
jornal?
- Teve instrução de como fazer a legenda e o corte da foto?
- Houve orientação sobre publicar o nome, sobrenome ou apelido do criminoso ou da
vítima?
- As orientações quanto à cobertura das notícias policiais são as mesmas repassadas
para a cobertura de fatos das outras editorias? Ou há orientações específicas para a
editoria de Polícia?
- Quantas vezes você foi ao Bairro Ewaldo Prass como repórter?