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CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO JORNALISMO Julianne Barragan Wagner O BAIRRO EWALDO PRASS NA EDITORIA DE POLÍCIA DO JORNAL DE CANDELÁRIA: UMA ANÁLISE DE DISCURSO Santa Cruz do Sul 2016

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CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO JORNALISMO

Julianne Barragan Wagner

O BAIRRO EWALDO PRASS NA EDITORIA DE POLÍCIA DO JORNAL DE

CANDELÁRIA: UMA ANÁLISE DE DISCURSO

Santa Cruz do Sul

2016

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Julianne Barragan Wagner

O BAIRRO EWALDO PRASS NA EDITORIA DE POLÍCIA DO JORNAL DE

CANDELÁRIA: UMA ANÁLISE DE DISCURSO

Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.

Orientador: Prof. Ms. Hélio Afonso Etges

Santa Cruz do Sul

2016

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Julianne Barragan Wagner

O BAIRRO EWALDO PRASS NA EDITORIA DE POLÍCIA DO JORNAL DE

CANDELÁRIA: UMA ANÁLISE DE DISCURSO

Esta monografia foi submetida ao Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.

Ms. Hélio Afonso Etges

Professor orientador – UNISC

Dra. Cristiane Lindemann

Professora examinadora – UNISC

Dra. Veridiana Pivetta de Mello

Professora examinadora – UNISC

Santa Cruz do Sul

2016

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Em memória de Vera Regina Wagner, avó, amiga e guardiã.

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AGRADECIMENTOS

O percurso desta pesquisa nunca foi solitário. Os dias de leitura, escrita e, por

vezes, de apreensão na escrivaninha do quarto foram compartilhados com a Anne

Luiza, o Juliano Adolfo e o Alisson. Obrigada mãe, pai e irmão pelo incentivo, amor e

orientação no caminho do justo. Também agradeço a minha avó Elaine, figura

essencial na consolidação deste sonho que tem sido o ensino superior.

Muito obrigada Adryan e Francieli, colegas de curso e irmãs de coração; Laura,

conselheira e parceira na profissão e na vida; equipe do Jornal de Candelária, por ter

sido paciente nas buscas constantes nos arquivos da empresa; funcionários da

prefeitura municipal de Candelária, sempre solícitos; Danieta, Alana e Elias, pelo

compartilhamento de experiências.

Agradeço, ainda, às professoras Cristiane e Veridiana, que aceitaram o convite

para avaliar esta monografia e compartilhar conhecimento; e ao professor Hélio, pela

paciência, competência e leveza na condução das orientações.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Divisão em bairros das notícias publicadas na editoria de Polícia do

JC no período de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016 57

Tabela 02 – Notícias divulgadas na editoria de Polícia do JC sobre o

Bairro Ewaldo Prass 58

Tabela 03 – Notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass e respectiva

divulgação na capa e contracapa do JC 59

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RESUMO

Nesta monografia foram estudadas quatro notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo

Prass à luz da Análise de Discurso da escola inglesa, publicadas na editoria de Polícia

do Jornal de Candelária entre 6 de fevereiro de 2015 e 26 de fevereiro de 2016. A

partir desse objeto de estudo a pesquisa buscou entender o discurso do jornal em

relação ao bairro para verificar os significados que emergiram das expressões e dos

vocábulos utilizados pelos repórteres nas notícias. Também teve como objetivo

compreender a forma como representantes do bairro se apropriaram do discurso do

jornal. Neste caso foram feitas entrevistas abertas. Além disso, a pesquisa fez uso da

entrevista semiaberta junto à editora e aos repórteres do Jornal de Candelária e das

técnicas de pesquisa documental e bibliográfica. No referencial teórico foram

apresentados conceitos de jornalismo e notícia e elencados os critérios usados pelos

meios de comunicação para a seleção dos acontecimentos. A bibliografia trouxe,

ainda, a teoria sobre crime, violência e editorias. A desconstrução dos textos

jornalísticos nas instâncias conversacional, indexical e acional, com base na técnica

da Análise de Discurso da escola inglesa, permitiu constatar que o Jornal de

Candelária, nas notícias selecionadas, mostrou um posicionamento sobre os

homicídios e o local em que aconteceram. Isso reforçou os estereótipos existentes em

relação ao Bairro Ewaldo Prass. As escolhas feitas pelos repórteres quanto às

palavras empregadas nos textos e às fontes de informação provocaram uma ideia de

exclusão para com esse local.

Palavras-chave: Análise de Discurso; Jornal de Candelária; Notícias policiais;

Jornalismo do interior.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9

2 A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE A PARTIR DO JORNALISMO .......... 13

2.1 A abordagem singular do jornalismo ........................................................... 13

2.2 A notícia pelo viés conceitual ....................................................................... 16

2.2.1 Critérios para a seleção dos fatos ................................................................ 17

2.3 A objetividade das técnicas jornalísticas ..................................................... 21

2.3.1 Estruturação da notícia através do singular .......................................... ......22

3 CAMINHOS QUE ORIENTAM O JORNALISMO POLICIAL ........................... 25

3.1 A violência midiatizada .................................................................................. 25

3.2 Noticiário policial como fórmula de sucesso .............................................. 27

3.2.1 Dependência excessiva das fontes oficiais ................................................. 29

3.3 O leitor exposto ao socialmente desejável .................................................. 31

3.3.1 A imprensa reforça estereótipos e preconceitos ........................................ 33

3.3.2 O jornalismo é responsável por reputações ................................................ 34

4 JORNALISMO DO INTERIOR: CARACTERÍSTICAS E

FUNCIONAMENTO.......................................................................................... 36

4.1 Contexto histórico e social do município de Candelária ............................ 39

4.1.2 Bairro Ewaldo Prass: terceiro maior contingente populacional ................ 40

4.2 A consolidação do Jornal de Candelária ..................................................... 43

5 CAMINHOS DA PESQUISA ............................................................................ 48

5.1 Combinação de métodos: as pesquisas quantitativa e qualitativa ........... 49

5.1.2 Bases documentais para uma perspectiva histórica .................................. 50

5.1.3 A bibliografia submetida a uma nova abordagem ....................................... 51

5.1.4 Um diálogo profissional e intencional .......................................................... 52

5.2 Desconstruir para interpretar: a técnica da Análise de Discurso .............. 53

5.2.1 A conversação: implícitos e pressupostos .................................................. 55

5.2.2 Indexical: discursos diretos e indiretos ....................................................... 56

5.2.3 Falas e expressões levam a ações ............................................................... 57

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6 O DISCURSO DO JC SOBRE O BAIRRO EWALDO PRASS ........................ 58

6.1 Implícitos e pressupostos nas notícias sobre homicídios ......................... 64

6.2 A representação das fontes em discursos diretos e indiretos .................. 70

6.3 O universo extralinguístico das palavras ..................................................... 78

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 85

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 89

ANEXO A – Notícia 1 ...................................................................................... 95

ANEXO B – Notícia 2 ...................................................................................... 96

ANEXO C – Notícia 3 ...................................................................................... 97

ANEXO D – Notícia 4 ...................................................................................... 98

ANEXO E – Questões para entrevista semiaberta com a editoria do JC ... 99

ANEXO F – Questões para entrevista semiaberta com os

repórteres do JC ........................................................................................... 100

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1 INTRODUÇÃO

O jornalismo tem a função de informar a sociedade e a responsabilidade de

garantir o bem comum. Cabe a ele promover a representatividade dos grupos sociais

e facilitar a comunicação entre eles. Por meio da notícia, faz um recorte da realidade

e mostra os acontecimentos sob um ângulo singular. Diante de inúmeros fatos que

emocionam, indignam e assustam, o trabalho de apuração jornalística é condicionado

por valores-notícia que orientam os profissionais dos meios de comunicação. Esses

valores funcionam como filtros que dão destaque aos acontecimentos que são

divulgados em forma de notícias.

Em jornais do interior, em que a tiragem é inferior a dez mil exemplares, o

trabalho de cobertura leva em conta tanto os critérios estabelecidos pelo veículo

impresso quanto a repercussão das notícias junto aos leitores. Embora a aceitação e

a credibilidade do público sejam características exigidas em todos os meios de

comunicação para a sobrevivência econômica, no interior esses aspectos assumem

significados mais amplos.

O assinante quer acesso facilitado ao proprietário, ao editor e aos repórteres do

jornal para sugerir pautas que atendam às suas reivindicações. No jornalismo

praticado no interior, o leitor quer ver a rua e o bairro, onde reside, em destaque nas

páginas do impresso. Aparecer no jornal significa, muitas vezes, a possibilidade de

conserto do calçamento e de continuidade da obra da creche do bairro por parte do

poder executivo. Nestes casos, o fato ultrapassa as divisas do bairro a que está

relacionado para ganhar a atenção de todo o município.

Em situações em que um bairro é evidenciado na editoria de Polícia dos jornais

por meio de notícias sobre homicídios, por exemplo, o medo e a insegurança tendem

a fazer parte da vida dos leitores. A divulgação frequente de acontecimentos

relacionados a um determinado território da cidade pode fazer com que o local perca,

aos poucos, os valores que o integram ao município, pois pode ser considerado um

bairro desvinculado dos ideais de comunidade feliz e solidária. Não só o local, mas

também seus moradores são tachados a partir de estereótipos.

Esta monografia buscou identificar o discurso do Jornal de Candelária sobre o

Bairro Ewaldo Prass nas notícias sobre homicídios. Para elucidar o problema de

pesquisa, foram selecionados quatro textos jornalísticos que noticiaram esse crime e

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foram publicados na editoria de Polícia do Jornal de Candelária entre 6 de fevereiro

de 2015 e 26 de fevereiro de 2016.

As notícias intituladas “Homem é executado no Bairro Ewaldo Prass”, edição de

27 de março de 2015; “Nhonho é morto a tiros no Ewaldo Pras”, 14 de agosto de 2015;

e “Homem é morto a tiros no Bairro Ewaldo Prass”, 15 de janeiro de 2016, divulgam

assassinatos que aconteceram no Bairro Ewaldo Prass e apresentam detalhes sobre

os fatos, desde o nome das vítimas até a forma como teriam sido mortas. Já o texto

“Candelária tem seis homicídios em 29 dias”, edição de 29 de janeiro de 2016, trata

dos homicídios registrados no município com base no relato do delegado da Polícia

Civil, que descreve o trabalho feito pelo órgão para reprimir essas ações.

A escolha por essas notícias foi feita com base em um levantamento estatístico

realizado pela pesquisadora que mostrou a grande divulgação, no período

mencionado, de homicídios no Bairro Ewaldo Prass em comparação aos demais

bairros de Candelária. A partir desse corpus de pesquisa, o objetivo principal da

monografia foi compreender se as escolhas do jornal quanto às palavras e expressões

usadas nos textos jornalísticos e às fontes, que tiveram seus depoimentos divulgados,

induzem o leitor a uma interpretação pré-determinada sobre o fato e o local onde ele

aconteceu.

Além disso, o trabalho teve o intuito de resgatar um pouco da história do Jornal

de Candelária e, principalmente, do noticiário policial do impresso. Também buscou

compreender como a editora e os repórteres fizeram a cobertura das notícias que

foram analisadas. E, ainda, entender como alguns representantes do Bairro Ewaldo

Prass, como a diretora da Escola Christiano Affonso Graeff e a coordenadora do

Centro Social, apropriaram-se do discurso dos textos jornalísticos para formar um

sistema de significados sobre o bairro.

Para a escolha do objeto de estudo da monografia foi utilizado o método

quantitativo, que possibilitou a realização do levantamento estatístico, conforme

destacado. A pesquisa também fez uso de procedimentos qualitativos como as

entrevistas semiaberta, junto à editora e aos repórteres do Jornal de Candelária, e

aberta para conversar com pessoas ligadas ao Bairro Ewaldo Prass. Utilizou-se,

ainda, a Análise de Discurso da escola inglesa que permitiu a desconstrução das

notícias nas instâncias conversacional, indexical e acional a partir de teóricos como

Fairclough (2001), Austin (1990) e Manhães (2006).

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A técnica de pesquisa documental garantiu a investigação de documentos

pertencentes ao jornal e às secretarias municipais de Planejamento e de Indústria,

Comércio e Habitação de Candelária. Os documentos foram utilizados para breve

apresentação das histórias do município, do bairro e do jornal. Já a pesquisa

bibliográfica foi feita para consultar a teoria e trazer conceitos referentes a, por

exemplo, jornalismo; procedimentos de apuração jornalística e de escrita das notícias;

editorias e noticiário policial; jornalismo do interior; pertencimento; estereótipos e

preconceitos; e assassinato de reputação.

O referencial teórico inicia pelos estudos de Briggs e Burke (2004) relacionados

à comunicação oral e à aparição dos primeiros jornais. Os autores auxiliaram no

entendimento da comunicação como uma ferramenta que se adapta às necessidades

do público. Essa ideia é complementada pela tese de Peucer que, em 1690, já

orientava os repórteres quanto aos critérios válidos para a seleção dos

acontecimentos. Autores como Alsina (2009), Genro Filho (2012), Bucci (2000),

Meditsch (1992) e Beltrão (1980) trouxeram contribuições acerca da função social do

jornalismo, da objetividade e subjetividade jornalística e do texto estruturado em

pirâmide invertida.

A monografia segue para a compreensão de violência anômica a partir de Sodré

(2006) e traz o conceito de crime com base em Costa (2009) e Wainberg (2010).

Também é trabalhado o surgimento das editorias a partir de Erbolato (1981) e Neveu

(2006), e Ramos e Paiva (2007) conduzem a apresentação das características

próprias da cobertura da editoria de Polícia. Lage (2003) e Pacheco (2005) expõem o

que representa a notícia conduzida unicamente pela fala das fontes oficiais. Já

Christofoletti (2008), Blázquez (2000), Tófoli (2008) e Dapieve (2007) são consultados

para falar sobre como a notícia que generaliza, ao invés de contextualizar, leva ao

assassinato de reputação.

Na sequência, indicam-se os aspectos do jornalismo do interior, com foco na

relação entre repórteres e leitores. Essa discussão é conduzida por Dornelles (2004)

e Peruzzo (2007). Para aproximar esse debate do objeto de estudo da pesquisa, as

histórias de Candelária, do Bairro Ewaldo Prass e do Jornal de Candelária foram

apresentadas de forma sucinta.

As técnicas e métodos elencados foram utilizados para alcançar os objetivos da

monografia. Por meio da Análise de Discurso da escola inglesa foi possível descontruir

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as notícias selecionadas nas instâncias conversacional, indexical e acional e

identificar o discurso do Jornal de Candelária em relação ao Bairro Ewaldo Prass.

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2 A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE A PARTIR DO JORNALISMO

A sociedade estrutura-se com base em acontecimentos: a criança que cai da

bicicleta e a morte em um acidente de trânsito são exemplos de fatos inesperados do

cotidiano. No entanto, essas situações somente irão transpor o espaço privado e

tornarem-se informação pública a partir do que a imprensa entende por notícia. Para

compreender a forma como os jornalistas selecionam, apuram e veiculam os fatos que

chegam ao receptor por meio do jornalismo impresso, digital, televisivo ou radiofônico,

este capítulo traz os conceitos de valores-notícia, objetividade jornalística, lide e

pirâmide invertida.

Também verifica-se o modo como essas técnicas jornalísticas são utilizadas para

que as notícias simulem um diálogo com o receptor – o que remete à Idade Média e

à comunicação oral, antes da aparição dos periódicos. Destina-se, ainda, ao

entendimento de como os acontecimentos divulgados pelos meios de comunicação

visam suprir a necessidade do público de compreender o seu entorno a partir do olhar

lançado pelo jornalismo acerca da realidade.

2.1 A abordagem singular do jornalismo

O interesse do ser humano em ter acesso, de alguma forma, aos acontecimentos

pode ser considerado o fio condutor do jornalismo. Para Pena (2010, p. 22-23), esse

interesse é, na verdade, o medo do homem “de não ter a menor ideia do que se passa

ao [...] redor”. Por isso, o autor diz que a natureza do jornalismo está no medo do

desconhecido, pois o ser humano necessita de informação para buscar a segurança

e a estabilidade da vida em comunidade.

Na Idade Média, por exemplo, a Igreja Católica se apropriava dessa necessidade

para disseminar, através da oralidade, informações que estimulassem a obediência

da população para com o governo (BRIGGS; BURKE, 2004). O sermão dos padres

nas igrejas e também nas ruas e praças ocorria principalmente nos domingos e em

datas festivas. As possibilidades oferecidas pela comunicação oral eram exploradas

pelo clero, tanto que “o estilo da pregação (simples ou rebuscado, sério ou divertido,

contido ou histriônico) era conscientemente adaptado às plateias urbana ou rural,

clerical ou leiga” (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 38).

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Segundo eles, a comunicação oral abriu espaço para aparição, no século XVI,

de panfletos e páginas duplas e, no século XVII, começaram a ser impressos os

primeiros jornais, as gazetas, que não utilizavam uma forma específica para a

produção de notícias, mas apropriavam-se de características da fala para simular um

contato mais próximo com o leitor. O jornalismo não era algo simples do cotidiano,

pois haviam discussões sobre a confiabilidade dos relatos publicados nas gazetas.

Por isso, virou objeto de estudo de uma tese, a primeira da área apresentada em uma

universidade, em 16901. Na pesquisa, Tobias Peucer relaciona a atividade jornalística

a “relatos periodísticos”, que

contêm a notificação de coisas diversas acontecidas recentemente em qualquer lugar que seja. Estes relatos, com efeito, têm mais em conta a sucessão exata dos fatos que estão inter-relacionados e suas causas, limitando-se somente a uma simples exposição, unicamente a bem do reconhecimento dos fatos históricos mais importantes, ou até mesmo misturam coisas de temas diferentes, como acontece na vida diária ou como são propagadas pela voz pública, para que o leitor curioso se sinta atraído pela variedade de caráter ameno e preste atenção. (PEUCER, 2004, p. 16).

O autor vincula a aparição dos periódicos ao entendimento de que haveria um

público consumidor interessado nas publicações. Com base na apropriação dessa

curiosidade do leitor, explorou-se o caráter mercadológico da atividade. Contudo, as

possibilidades de lucro foram percebidas graças à Revolução Industrial, que

oportunizou a disseminação da informação de forma mais rápida e num território mais

abrangente (MEDITSCH, 1992).

Porém, esse perfil do jornalismo – associado à sociedade capitalista – não pode

servir de argumento para diminuí-lo diante das ciências, fundamentadas na precisão

de seus métodos. Tanto as ciências quanto o jornalismo podem ser considerados

formas sociais de conhecimento, cada qual com metodologias e lógicas próprias que

visam ao cumprimento de suas finalidades. Enquanto as ciências são alicerçadas na

exatidão,

o Jornalismo, embora não tenha deixado de se especializar, não descartou o generalismo. Pelo contrário, encontra neste generalismo uma de suas principais funções sociais: a de manter a comunicabilidade entre o físico, o advogado, o operário e o filósofo. (MEDITSCH, 1992, p. 54-55).

1 Denominada De relationibus novellis, a tese foi defendida na Universidade de Leipzig, na Alemanha.

O texto na íntegra foi traduzido para a língua portuguesa por Paulo da Rocha Dias e publicado em 2004.

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O que o autor sugere é uma espécie de universalização da linguagem promovida

pelo jornalismo, que aproxima classes sociais historicamente divididas pelo

capitalismo. Essa característica da atividade, assim como outros aspectos, faz com

que ela ultrapasse “a mera funcionalidade ao sistema capitalista” (GENRO FILHO,

2012, p. 42). Para ele, a novidade trazida pelo jornalismo está na percepção subjetiva

dos fatos, que permite a reconstrução dos acontecimentos sob um novo ângulo.

A interpretação dos fatos e posterior transmissão à sociedade é vista como a

essência do jornalismo, pois propicia a difusão de conhecimento e a orientação da

opinião pública, “no sentido de promover o bem comum” (BELTRÃO, 1980, p. 27).

Esse viés do jornalismo, atrelado à promoção de causas sociais, é o oposto do perfil

objetivo e neutro, que busca se distanciar dos acontecimentos noticiados (KUNCZIK,

1997). Conforme o autor, no jornalismo há, ao mesmo tempo, o comprometimento

“com a reportagem objetiva e neutra e com uma obrigação social” (KUNCZIK, 1997,

p. 97).

O cumprimento dessa obrigação social tem como efeito positivo o fortalecimento

da democracia, tida como a causa nobre do bom jornalismo, que promove a “educação

permanente do público – um fator de combate aos preconceitos, sejam eles quais

forem” (BUCCI, 2000, p. 49). Portanto, o jornalismo tem como base noções

mercadológicas e sociais, as quais, juntas, transformam os acontecimentos em

informações. Derivado do latim, o verbo informar

[...] originalmente significava em inglês e francês não somente relatar os fatos, o que poderia ser incriminador, mas “formar a mente”. A importância da informação já era claramente apreciada em alguns círculos (políticos e científicos) no século XVII, mas foi ressaltada ainda mais na sociedade comercial e industrial do século XIX, quando as noções de velocidade e distância sofreram transformações. (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 193).

Essas duas últimas mudanças citadas pelos autores exigiram que o jornalismo

aprimorasse suas técnicas, pensando para além do generalismo e da aproximação

com o meio oral. As transformações mais efetivas aconteceram no tocante à produção

de notícias que, segundo defende Meditsch (1992), devem ser elaboradas pelo ângulo

da singularidade, com a inclusão de características e detalhes que aproximem o fato

do receptor. Sem abandonar seu caráter mercadológico, o jornalismo passa a ter um

viés informacional, relacionado às mudanças ocorridas no que tange às notícias.

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2.2 A notícia pelo viés conceitual

O século XIX trouxe mudanças à atividade jornalística. Conhecido, até então,

pelo seu caráter propagandístico, o jornalismo incorporou um perfil informacional que

contemplou valores “ainda hoje identificados [...]: a notícia, a procura da verdade, a

independência, a objetividade, e uma noção de serviço ao público [...]” (TRAQUINA,

2012, p. 34). A manifestação maior do jornalismo se dá, sem dúvidas, através da

notícia. Com ela, revelam-se os demais fatores concernentes à atividade.

Erbolato (1991) verifica que o conceito de notícia é, na maioria das vezes,

limitado, pois o que se entende por notícia é, na verdade, um conjunto de técnicas que

determina como deve ser o texto jornalístico. Apesar disso, ele ensaia uma definição:

“As notícias são a matéria-prima do jornalismo, pois somente depois de conhecidas e

divulgadas é que os assuntos aos quais se referem podem ser comentados,

interpretados e pesquisados [...]” (ERBOLATO, 1991, p. 49).

O autor diz que os assuntos divulgados se referem a fatos novos que serão

melhor interpretados quando auxiliarem o receptor a compreender sua própria

existência e a vida em sociedade. Cabe ao jornalista a tarefa de procurar essas

novidades e transformá-las em notícias, que são produtos dependentes do jornalismo

para não ficar invisíveis (CORNU, 1994). Mas, para que a mensagem emitida faça

sentido, é preciso mais do que a narração de um fato por parte dos jornalistas. É

necessário, também, a compreensão dos receptores. De acordo com Albertos (1978),

citado por Alsina (2009, p. 296),

Para que exista a notícia jornalística, para que esse fenômeno social que chamamos de jornalismo aconteça, o primeiro requisito é que uns emissores-codificadores selecionem e divulguem determinadas histórias para fazê-las chegar a uns sujeitos receptores, que guardam tais mensagens na esperança de conseguir nelas, uma satisfação imediata ou diferida, e através da qual, conseguem elaborar um quadro de referências pessoais que é válido para compreenderem o contexto existencial em que vivem. (ALBERTOS, 1978 apud ALSINA, 2009, p. 296).

Com base nesse ciclo, que começa pelo emissor, percebe-se um processo que

só estará completo quando o receptor decodificar a mensagem e, a partir dela, formar

opiniões que auxiliem na compreensão do contexto da comunidade à qual pertence.

Logo, à notícia é reservado um papel importante na construção da realidade, embora

Alsina (2009) perceba que o acontecimento noticiado nem sempre tenha veracidade

– critério que, para ele, não é válido para determinar o que é notícia.

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No entanto, Cornu (1994) diz que o respeito à verdade é um dever do jornalista.

Se a informação não for exata, o autor a enxerga como uma simples manipulação da

mensagem e do público que a recebe. Mesmo que haja exatidão, ele reconhece que

estará presente na revelação de apenas um fragmento da totalidade, uma vez que as

informações noticiadas não representam todos os acontecimentos do dia a dia.

Noticiar, portanto, seria o ato de anunciar determinado fato e, independente do número de acontecimentos que possam ocorrer, só serão notícia aqueles que forem ‘anunciados’. A circulação da notícia, isto é, a veiculação através da qual se faz o ‘anúncio’ de um fato, depende de uma reação subjetiva e não objetiva: os critérios que norteiam esse ‘anunciar’ são determinados pelo interesse do médium ou pelo suposto interesse do público. (SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 17-18).

Portanto, antes da veiculação das notícias há uma seleção que pressupõe o que

o meio de comunicação entende por interesse de seus receptores. Chaparro (1993,

p. 82) percebe que o leitor vem antes do jornalista ou dos jornais na escala de

importância e, por conseguinte, o profissional deve abandonar a arrogância e o

interesse pessoal para garantir ao público o direito à informação correta e plena, que

é um “dos compromissos que tem com a construção e o aperfeiçoamento de uma

sociedade livre [...]”.

O relato veraz não significa, todavia, que os acontecimentos noticiados são um

reflexo dos fatos vividos ou presenciados. Isso porque o jornalismo percebe e produz

as notícias de uma maneira própria, através de critérios objetivos e subjetivos, pois

“os fatos não existem previamente como tais. Existe um fluxo objetivo na realidade,

de onde os fatos são recortados e construídos [...]” (GENRO FILHO, 2012, p. 194).

Uma das principais maneiras de reconstruir os fatos é através de entrevistas.

Tão logo o perfil informacional do jornalismo foi reconhecido e praticado, desenvolveu-

se também “a ideia de que competia ao próprio jornal andar atrás da ‘notícia’”

(TRAQUINA, 2012, p. 56). Conforme o autor, o repórter tornou-se, desta forma, uma

nova figura no jornalismo, cuja importância foi sacramentada a partir da

especialização como correspondente de guerra.

2.2.1 Critérios para a seleção dos fatos

O acompanhamento presencial, por parte dos repórteres, da Guerra Civil norte-

americana, entre 1861 e 1865, tornar-se-ia uma importante contribuição para o

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desenvolvimento de técnicas no trabalho jornalístico. Ao se deparar com um grande

número de fatos, os profissionais da área tiveram que fazer escolhas e, mais do que

isso, fixar critérios que permitissem embasar essa seleção, os quais são denominados

noticiabilidade, que é

constituída pelo conjunto de requisitos que se exigem dos acontecimentos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos órgãos de informação e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas – para adquirirem a existência pública de notícias. Tudo o que não corresponde a esses requisitos é “excluído”, por não ser adequado às rotinas produtivas e aos cânones da cultura profissional. Não adquirindo o estatuto de notícia, permanece simplesmente um acontecimento que se perde entre a “matéria-prima” que o órgão de informação não consegue transformar e que, por conseguinte, não irá fazer parte dos conhecimentos do mundo adquiridos pelo público através das comunicações de massa. (WOLF, 2009, p. 190).

A legitimidade desse conhecimento produzido pelo jornalismo esbarra no perfil

mercadológico da atividade. Apesar disso, admite-se que “ao reportar o mundo, o

jornalista cria e recria conhecimento” (MEDITSCH, 1992, p. 81). Essa visão de mundo,

pondera o autor, tem relação com a realidade, mas não é a realidade. São

interpretações dos fatos em que “[...] a mídia fornece discursos a partir dos quais os

grupos ou as classes constroem uma imagem das vidas, significados, práticas e

valores de outros grupos ou classes sociais [...]” (ALSINA, 2009, p. 71).

Com base nessa importância atribuída aos repórteres dos meios de

comunicação acerca da interpretação da realidade, é necessária a utilização de

critérios tanto na apuração dos fatos quanto na divulgação. Segundo Peucer (2004,

p. 18), a falta de separação entre os rumores e as ações verídicas não é objeto de

preocupação dos autores de crônicas, mas deve orientar o trabalho dos jornalistas,

ou, conforme o autor, os “redatores de periódicos”. Desta maneira, sugerem-se três

precauções para a escolha das notícias.

A primeira é esta: que aí não se ponha coisas de pouco peso ou as ações diárias dos homens; ou as desgraças humanas, das quais há uma fecunda abundância na vida comum. Depois, a segunda precaução é esta: que não se expliquem indiscriminadamente aquelas coisas dos príncipes que não querem que sejam divulgadas. Porque é coisa perigosa escrever sobre aquilo que pode lhe mandar ao degredo. Assim então, as pessoas prudentes aconselham que cabe esperar até que aqueles tenham desaparecido dentre os vivos ou que já não lhe possa causar danos. [...] Eis a terceira precaução: que não se insira nos periódicos nada que prejudique os bons costumes ou a verdadeira religião, tais como coisas obscenas, crimes cometidos de modo perverso, expressões ímpias dos homens que sejam graves para os ouvidos piedosos. (PEUCER, 2004, p. 21-22).

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Nessas orientações, o autor já antecipava critérios que, hoje, orientam não

somente pequenos grupos, mas empresas jornalísticas. No entanto, o que Peucer

(2004) denominava de precauções, hoje são conhecidos como valores-notícia, que

“constituem a resposta à pergunta seguinte: quais os acontecimentos que são

considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem

transformados em notícias?” (WOLF, 2009, p. 195). O território de abrangência do

jornal é um dos fatores que influencia na seleção.

Nota-se a importância do elemento de proximidade por meio do exemplo de um

assalto numa farmácia. De acordo com Alsina (2009), o jornal local noticiará o crime

como sendo um grande acontecimento, concedendo-o espaço na capa da edição

seguinte. Um veículo impresso de circulação nacional também publicará o fato, mas

provavelmente sem o mesmo destaque, enquanto que um jornal estrangeiro sequer

vai dar atenção ao ocorrido.

Esse exemplo, além de ilustrar o critério de seleção com base na abrangência

do jornal, mostra a relevância dada pelos meios de comunicação a fatos que tenham

alguma conotação violenta. Isso ocorre porque “a mensagem jornalística deve

bombardear o receptor, despertar-lhe o interesse e provocar, conforme o tema,

comentários e discussões entre grupos interessados” (ERBOLATO, 1991, p. 56).

Por isso é que o autor cita a repercussão como um dos fatores usados pelos

meios de comunicação para selecionar os acontecimentos que serão notícia e

delimitar o tamanho do texto. Na maioria das vezes, uma grande repercussão

depende da ruptura da normalidade, o que acontece, por exemplo, nos crimes.

[...] algo banal pode de um momento para outro ser notícia. [....] O professor primário, modesto e humilde que dá aulas às crianças do grupo escolar do bairro nunca foi notícia. Mas, se for encontrado morto, com um tiro no coração ou na cabeça, a matéria merecerá várias colunas. (ERBOLATO, 1991, p. 54).

A veiculação frequente da violência, agressividade, dor, das catástrofes, dos

delitos e acidentes é uma estratégia utilizada pelos meios de comunicação para que

o público se sinta envolvido por tanta violência e tenha a sensação de estar

constantemente ameaçado (ALSINA, 2009). O capítulo 3 destina-se especificamente

à discussão da violência, do noticiário policial e de outras temáticas que se relacionam

a esse assunto. Destaca-se, na sequência, outros elementos que influenciam na

seleção das notícias.

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Segundo observa Erbolato (1991), o leitor tem interesse pelo que desconhece –

novidades – ou o que sabe apenas superficialmente. Logo, ele sugere a técnica de

“redigir sobre o que aconteceu ontem ou recentemente” (ERBOLATO, 1991, p. 55).

Mas o autor percebe que os critérios variam conforme a linha editorial da empresa

jornalística: enquanto um jornal dá destaque a crimes, outro trata de temas ligados à

ecologia. Apesar disso, há valores que orientam a escolha das notícias de um modo

geral.

Silva (2005) cita como valores-notícia o impacto, que inclui o número de pessoas

envolvidas no fato e afetadas por ele; a proeminência, que destaca a notoriedade do

indivíduo, instituição ou país ligado ao acontecimento; conflito, seja ele reivindicação

ou guerra; entretenimento/curiosidade, em que se inclui aventura e esporte; polêmica,

como um escândalo; conhecimento/cultura, tanto descobertas científicas quanto algo

relacionado à religião; raridade, que apresenta o fato como incomum; surpresa, ou

seja, o inesperado; governo, compreendidas as decisões políticas; tragédia/drama,

tais como crimes e catástrofes naturais; e justiça, em que aparecem, por exemplo,

investigações.

A partir dessa categorização, a notícia é compreendida como uma construção

social. Dessa forma, os valores-notícia funcionam como

[...] um mapa, código, perspectiva ou esquema que orienta o trabalho do jornalista, que o auxilia no campo do saber de reconhecimento. [...] os valores-notícia constituem também referências para a operacionalidade de análises de notícias, permitindo identificar similaridades e diferenciações na seleção ou hierarquização de acontecimentos em diversos veículos da imprensa [...]. (SILVA, 2005, p. 100).

Ao notarem-se similaridades, a transformação de fatos em notícias torna-se,

teoricamente, um processo rápido. E a velocidade é exigência em um cenário

jornalístico em que há redações enxutas e, consequentemente, profissionais que

devem executar multitarefas. Mas a seleção não pode ser descrita “como uma escolha

subjetiva do jornalista, mesmo que seja, profissionalmente, motivada” (WOLF, 2009,

p. 241). Pelo contrário, é um processo complexo realizado ao longo do ciclo de

trabalho.

Por isso, Silva (2005) destaca a necessidade de critérios também na produção

de textos jornalísticos. Essas técnicas – que garantem algum rigor científico à

atividade jornalística – auxiliam o jornalista na elaboração das notícias e também

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contribuem para o entendimento do receptor acerca da mensagem, o que não

significa, todavia, que a informação seja totalmente objetiva e imparcial.

2.3 A objetividade das técnicas jornalísticas

A objetividade é tida como um dos valores que orientam o trabalho jornalístico.

Seu surgimento tem relação com a importância dada – no decorrer do século XIX –

aos fatos, já que, até esse período, eram as opiniões que prevaleciam nos meios de

comunicação. O problema, porém, está em restringir a discussão “a uma simples

dicotomia entre objetividade e subjetividade” (TRAQUINA, 2012, p. 137). Para esse

autor, quando o jornalista utiliza procedimentos tidos como objetivos, reduz críticas

relativas ao seu trabalho. Logo, a intenção não é negar a existência da subjetividade

do profissional.

Pena (2010) defende a ideia de que o jornalista é subjetivo, mas os

procedimentos usados na atividade jornalística são objetivos. Isso significa,

basicamente, que no relato dos acontecimentos estão pressupostos “preconceitos,

ideologias, carências, interesses pessoais ou organizacionais e outras idiossincrasias”

(PENA, 2010, p. 50). Diante da inviabilidade de amenizar a influência desses fatores,

criam-se técnicas capazes de assegurar algum rigor científico ao noticiar os fatos.

Apesar de haver técnicas, Genro Filho (2012) assegura a inexistência da informação

objetiva e imparcial.

A ideologia da objetividade e imparcialidade do jornalismo corresponde não ao fato ou possibilidade real da existência desse tipo de informação, mas, ao contrário, ao fato de que as necessidades sociais objetivas e universais de informação só podem ser supridas conforme uma visão de classe. É a carência objetiva da sociedade como um todo que fornece as bases para o mito ideológico de que o jornalismo pode vincular-se direta e abstratamente a essas necessidades gerais, segundo um interesse político global da sociedade, que se revela como mesquinho interesse da manutenção da ordem burguesa. Ora, sabemos que, numa sociedade dividida em classes, a universalidade sempre se manifesta mediada por interesses particulares. (GENRO FILHO, 2012, p. 153-154).

A partir dessa linha de raciocínio, verifica-se que a universalização da linguagem

– uma das características atribuídas ao jornalismo – é uma falsa percepção de que

todos os setores da sociedade estão proporcional e ideologicamente contemplados

no noticiário. Abandona-se, com isso, o mito da “objetividade como a enunciação da

verdade absoluta” (ALSINA, 2009, p. 55). Mas, se o jornalismo cumpre a exigência de

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uma informação objetiva, ele aproxima-se mais da verdade ao possibilitar que o

receptor interprete a mensagem e ela se torne valiosa para um público mais

abrangente (BELTRÃO, 1980).

É por isso que o uso de técnicas objetivas garante que a notícia seja decodificada

pelo receptor. Portanto, “ser objetivo é apegar-se ao acontecimento, esmiuçá-lo,

narrá-lo de modo a que nenhum aspecto importante seja sonegado ao conhecimento

do receptor” (BELTRÃO, 1980, p. 26). Contudo, a objetividade não é válida somente

ao indivíduo que recebe a informação.

Sem dúvida, a objetividade é útil aos jornalistas. A objetividade traça os métodos que o jornalista deve seguir. Forçado pela exigência de rapidez, o jornalista precisa de métodos que possam ser aplicados fácil e rapidamente. (TRAQUINA, 2012, p. 143).

Logo, há necessidade de elaborar as notícias com base em uma lógica que seja

rapidamente assimilada pelos profissionais – que trabalham sob a pressão do tempo

e dos interesses da empresa jornalística – e também reconhecida pelos leitores. Em

função disso, a estrutura narrativa denominada pirâmide invertida assume um papel

importante para a hierarquização dos fatos pelo ângulo da singularidade e

decodificação da mensagem.

2.3.1 Estruturação da notícia através do singular

Ao serem retirados do seu contexto, os acontecimentos adquirem a existência

pública de notícia através de um novo formato, o qual é elaborado pelo jornalismo.

Para que a estruturação desses fatos seja objetiva – o conceito de objetividade

jornalística foi debatido no subcapítulo 2.3 – a notícia deve expressar as dimensões

do “singular, particular e universal” (GENRO FILHO, 2012, p. 167). O autor utiliza os

indivíduos para exemplificar a aplicação desses três conceitos.

Então, pode-se dizer que cada homem é um sujeito singular, com características

próprias, mas mantendo aspectos universais que permitem associá-lo ao gênero

humano. O particular, com base nessa lógica, localiza-se entre o singular e o

universal, referindo-se à família, ao grupo de amigos ou à classe social do indivíduo.

Nas informações jornalísticas, essas três dimensões existem de forma simultânea.

Genro Filho (2012) cita a notícia sobre uma greve em São Paulo para mostrar a

coexistência dessas dimensões. Primeiro, o repórter vai descrever os aspectos

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singulares do acontecimento: quem está em greve; líderes da paralisação;

reivindicações. A particularidade do fato se manifestará quando a greve for comparada

a outros fenômenos sociais dessa natureza, para situá-la dentro de um tipo específico

de acontecimentos. A universalidade estará presente para dar um significado geral à

notícia, relacionando a greve à luta de classes existente na sociedade.

Portanto, tomando essas relações como premissa histórica, podemos afirmar que o singular é a matéria-prima do jornalismo, a forma pela qual se cristalizam as informações ou, pelo menos, para onde tendem essa cristalização e convergem as determinações particulares e universais. Assim, o critério jornalístico de uma informação está indissoluvelmente ligado à reprodução de um evento pelo ângulo de sua singularidade. Mas o conteúdo da informação vai estar associado (contraditoriamente) à particularidade e universalidade que nele se propõem, ou melhor, que são delineadas ou insinuadas pela subjetividade do jornalista. (GENRO FILHO, 2012, p. 171-172).

Para que a singularidade do acontecimento se manifeste na notícia é preciso

sintetizar o fato nos parágrafos iniciais do texto. Isso funcionará como um convite para

que o leitor acompanhe a sequência do relato. O jornalista, desse modo, deve

responder “às perguntas básicas do leitor: o quê, quem, como, onde, quando e por

quê” (PENA, 2010, p. 41-42). A resposta a esses questionamentos caracteriza o lide.

Conforme o autor, o conceito foi trazido ao Brasil pelo jornalista Pompeu de Souza,

na década de 1950.

Traquina (2012, p. 59) atribui ao lide um viés mais mercadológico do que

funcional. Segundo ele, seu uso disseminou-se “à medida que as notícias começaram

a ser tratadas como um produto”. O autor também enxerga no lide a possibilidade de

o jornalista afirmar uma autoridade profissional, já que faz o texto jornalístico assumir

um status mais elevado se comparado aos relatos usuais.

No que tange à localização do lide, Genro Filho (2012) diz que normalmente

aparece no começo da notícia. No entanto, cita alguns repórteres criativos que

inserem as seis perguntas até mesmo no último parágrafo, mas garantindo ao lide, da

mesma forma, o título de momento jornalístico mais importante.

O lead é uma importante conquista da informação jornalística, pois representa a reprodução sintética da singularidade da experiência individual. As formulações genéricas são incapazes de reproduzir essa experiência. O caráter pontual do lead, sintetizando algumas informações básicas quase sempre no início da notícia, visa à reprodução do fenômeno em sua manifestação empírica, fornecendo um epicentro para a percepção do conjunto. É por esse motivo que o lead torna a notícia mais comunicativa e mais interessante, pois otimiza a figuração singularizada da reprodução jornalística. (GENRO FILHO, 2012, p. 205-206).

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Outra importante contribuição para a estrutura narrativa jornalística é o relato

que assume o formato de pirâmide invertida. A nomenclatura tem relação com as

pirâmides egípcias e, conforme Pena (2010, p. 48), visa à descrição dos fatos em

termos de importância, “em uma montagem que os hierarquiza de modo a apresentar

inicialmente os mais atraentes, terminando por aqueles de menor apelo”. A facilidade

do método está em permitir que o último parágrafo seja eliminado sem prejuízo do

entendimento da notícia – caso a diagramação exija esse corte.

Contudo, há autores que não concordam com a afirmativa de que, na pirâmide

invertida, a notícia percorra a narrativa do mais importante para o menos importante.

Meditsch (1992) e Genro Filho (2012), por exemplo, defendem um conhecimento que

caminha do singular para o particular. Já Traquina (2012) analisa a perspectiva de que

o relato não fique, necessariamente, restrito à ordem cronológica dos fatos, como

ocorria até 1900.

Percebe-se, nos tópicos abordados nesse capítulo, que as mudanças verificadas

no jornalismo refletem uma necessidade de aprimoramento contínuo da atividade,

uma exigência de mercado, como também do público. O capítulo 3 destina-se à

continuidade dessa análise, mas voltada à segmentação jornalística e à editoria de

Polícia. Verifica-se, principalmente, como os meios de comunicação divulgam a

violência e de que forma os repórteres policiais realizam a apuração jornalística.

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3 CAMINHOS QUE ORIENTAM O JORNALISMO POLICIAL

Este capítulo destina-se à compreensão dos avanços empreendidos pelos

jornais na divulgação da violência e do crime na editoria de Polícia, especialmente no

que tange à escolha das fontes cujas informações servirão de base para elaboração

da notícia. Nele, busca-se também entender como os acontecimentos violentos e

criminais são retratados pelos meios de comunicação e a apropriação feita pelos

leitores desse discurso jornalístico para formar juízos de valor sobre a violência, o

crime e quem os pratica.

3.1 A violência midiatizada

O conhecimento informal tende a considerar a violência um crime, mas nem

todas as ações violentas são tipificadas como criminosas. Para Sodré (2006), o

conceito de violência está atrelado a atos que contrariem a ordem estabelecida, pois

são consideradas violentas as ações que vão contra a legitimidade das instituições

designadas para manter a ordem e a segurança. Além das relações de poder, para

caracterizar um ato como violento é necessário verificar o momento e o contexto social

no qual ele foi praticado (MIRANDA, 2011).

Por isso, a autora diz que não há uma definição universal para o termo, embora

ele seja normalmente associado a “um comportamento que causa dano a outra

pessoa...que faz uso excessivo de força...que fere a integridade do outro...que envolve

uma relação de domínio do outro...” (MIRANDA, 2011, p. 4). Embora haja diferentes

modalidades de violência – anômica, representada, sociocultural, sociopolítica, estado

de violência ou violência social – Sodré (2006) verifica que a violência anômica é a

mais explorada pelos meios de comunicação e, portanto, esse será o viés considerado

neste capítulo.

Essa modalidade de violência está relacionada a atos que podem causar lesões

internas, externas ou ambas “por meio de força física, de algum tipo de arma ou

instrumento” (CARVALHO, 2010, p. 31). Mesmo que cause danos a alguém, a

violência, como não está tipificada no Código Penal, não é crime (MIRANDA, 2011).

Segundo a autora, em muitos momentos esses fenômenos acontecem juntos, mas

violência e crime são processos sociais diferentes.

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A Polícia Civil2 (s.d.) define crime, sinônimo de delito, como toda ação humana

antijurídica e culpável praticada por pessoas maiores de 18 anos, que gera registro

de ocorrência policial. Antijurídico significa que o fato contrariou alguma norma, como

“é proibido furtar”, estabelecida pelo Direito na lei penal, a qual “descreve as condutas

criminosas, que por isso estão sujeitas às aplicações das sanções penais” (COSTA,

2009, p. 42). Ao infringir essas normas, o sujeito será punido pela prática de crime.

Nos meios de comunicação, os crimes são acolhidos com entusiasmo, pois

essas condutas criminais abalam, são controversas, polêmicas e prometem embate

(WAINBERG, 2010). O autor percebe que, para a imprensa, boas notícias são más

notícias, o que faz o mal nutrir as páginas dos jornais. Essa divulgação constante de

crimes pode incentivar a prática de atos dessa natureza. Sodré (2006) exemplifica a

influência gerada pelos meios de comunicação acerca da divulgação de crimes com

base em um caso ocorrido em 4 de novembro de 1999.

[...] um estudante de medicina, de 24 anos de idade, sem nenhum motivo aparente, dispara quarenta tiros a esmo com uma metralhadora contra o público que assistia num cinema o filme O Clube da Luta (violentíssimo) em São Paulo. Três pessoas morreram e várias ficaram feridas. Mais tarde, já detido, o jovem admite à polícia ter planejado a ação durante todo um mês, revelando: “Antes, pensei entrar no cinema com uma granada, mas me pediram cento e cinquenta dólares e achei que não valia. Escolhi a metralhadora porque ia dar mais impacto na mídia”. (SODRÉ, 2006, p. 10).

Pensando para além dos motivos que o levaram a cometer o crime, percebe-se

um cuidado em garantir que a ação fosse interpretada pela imprensa como um fato

capaz de ser transformado em notícia. O estudante, então, opta pela metralhadora

para que o ato tenha “um lugar efetivo na mídia – que, por princípio, necessita de

acontecimentos com tal carga de ruptura” (DIAS, 1996, p. 103).

A autora diz que esse desejo pela violência é atribuído ao leitor, cabendo ao

jornal a função de satisfazê-lo. Segundo Lemos (2001), o público convive diariamente

com ações que mostram o perigo do desvio de conduta – como aconteceu com o

assassino no cinema. O leitor, por consequência, tem a sensação de medo sempre

realimentada por causa da proximidade com o crime tanto no cotidiano quanto nas

páginas impressas, principalmente na editoria de Polícia.

2 O site da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul disponibiliza um glossário em que é possível

consultar termos utilizados pelos profissionais que atuam no órgão.

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3.2 Noticiário policial como fórmula de sucesso

O surgimento dos cursos de jornalismo, que eram raros na década de 1960,

impulsionou a especialização dos meios de comunicação, graças à profissionalização

dos repórteres (NEVEU, 2006). Primeiro, de acordo com o autor, os jornais tinham

editorias tradicionais – como Política, Social e Esporte – às quais se somaram, ao

longo dos anos 1970, Saúde e Educação. Tais editorias são consideradas

permanentes, cada qual com um responsável que orienta as notícias relacionadas ao

tema (ERBOLATO, 1991).

Porém, o autor explica que algumas editorias podem ser transitórias, pois

surgem quando um assunto for atual e importante como Meningite, Inundações, Seca

e Itaipu. Nas editorias, os acontecimentos são filtrados “em função das definições

implícitas e explícitas que os jornalistas fazem de ‘seus’ assuntos” (NEVEU, 2006, p.

84). À proporção que os repórteres se dedicam à cobertura de assuntos concernentes

a uma editoria, há como consequência positiva a qualidade da notícia, pois o

profissional tem mais tempo para pesquisar sobre o tema.

No entanto, Ramos e Paiva (2007) defendem a reestruturação das editorias para

permitir que jornalistas responsáveis por notícias sobre criminalidade, por exemplo,

também cubram outros temas. A sugestão das autoras está relacionada

especialmente ao noticiário policial, pois elas percebem que essa conexão dos

repórteres policiais com outras editorias favorece

[...] nos textos a integração do fenômeno da criminalidade a temas como educação, habitação, saúde, trânsito etc. Outro ponto positivo [...] é a diversidade de temas, que exige mais informação e preparação dos jornalistas, evitando que eles incorporem o estereótipo do repórter de polícia, que pouco se diferencia dos policiais e não consegue transitar além da delegacia. (RAMOS; PAIVA, 2007, p. 20).

As ideias elencadas pelas autoras ficam, porém, mais no campo da proposição

do que da efetividade. Isso porque a inclusão – ou fim – da editoria de Polícia nos

periódicos não muda o fato de a maioria dos meios de comunicação considerar as

notícias sobre criminalidade e violência “como um atrativo para o público leitor”

(ERBOLATO, 1981, p. 53). Por isso, além do texto jornalístico, são publicadas

ilustrações e fotografias do local do crime, do assassino e da vítima.

Para Foucault (2004), ver o criminoso – através de imagens – e entender suas

motivações – por meio de depoimentos – é uma exigência feita pelo leitor, que se

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transforma em testemunha do crime quando acompanha o noticiário policial. Mais do

que incitar o medo do público, a imprensa concede-lhe o direito de verificar que o

sujeito terá a devida punição, já que o leitor se sente parte do julgamento, na condição

de acusador.

Apesar de ser recorrente o uso de imagens violentas no noticiário policial, como

corpos baleados, as fotos “têm sido suavizadas em relação aos padrões do passado”

(RAMOS; PAIVA, 2007, p. 64). As autoras relacionam esse cuidado dos jornalistas à

rejeição, por parte dos leitores, das fotografias sangrentas, especialmente quando a

imagem se refere a um fato ocorrido na cidade onde o jornal está localizado.

Isso porque os jornais locais apresentam prudência “na cobertura de tudo o que

pode gerar conflito entre os atores do local” (NEVEU, 2006, p. 57). Para o autor, a

particularidade desses jornais é, sobretudo, a proximidade que mantêm com as fontes

e os leitores, o que gera uma sensação de pertencimento. Nesse sentido, textos

jornalísticos e fotografias que impactam tendem a ser evitados para não quebrar a

ideia de conjunto e de vida associativa e feliz (NEVEU, 2006).

Apesar de ocorrer essa tentativa de minimizar o impacto gerado pelo noticiário

policial, os leitores são atraídos pelos textos jornalísticos que causam rupturas, os

quais são “sem profundidade e com grandes possibilidades de distorcer o contexto

real dos fatos” (PACHECO, 2005, p. 11). Segundo ele, essa distorção – causada pelo

relato dos episódios, sem aprofundar causas e consequências – deve-se à apuração

jornalística inadequada.

Um desses equívocos é somente ouvir pessoas ligadas a departamentos

policiais e outros órgãos de segurança ou retirar informações do Boletim de

Ocorrência policial (B.O.), que é elaborado em uma Delegacia de Polícia e torna

público um crime para fins de investigação ou, ainda, trata sobre itens perdidos, para

fins de direito (POLÍCIA CIVIL, s.d.). O registro do B.O. também é feito pelos policiais

militares, que se deslocam até o local do fato quando acionados. Os policiais civis

também vão até a cena do crime, mas em caráter investigativo, pois o B.O. deve ser

feito na Delegacia de Polícia por alguém que comunique o crime (COSTA, 2009).

Nas duas possibilidades de registro do B.O., pela Polícia Civil e pela Brigada

Militar, o acontecimento é narrado sob a perspectiva de alguém que presenciou o

crime e que pode dar detalhes que auxiliem a instauração do inquérito policial para

dar início à investigação. Em função disso, os repórteres cometem um equívoco

técnico e social ao destacarem no noticiário somente depoimentos coletados na

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Delegacia de Polícia, pois é dado destaque exclusivo às fontes oficiais, tais como

delegados e policiais.

3.2.1 Dependência excessiva das fontes oficiais

Se, por um lado, há atenção redobrada quanto às imagens, em contrapartida

não se notam mudanças em relação às fontes utilizadas nas notícias policiais. O

resultado é a dependência excessiva dos repórteres para com as informações da

polícia, que é a principal fonte desses textos jornalísticos e, às vezes, a única a ser

consultada.

A consequência mais grave da dependência das informações policiais é que ela diminui a capacidade da imprensa de criticar ações das forças de segurança. [...] a verdade é que o noticiário sobre violência e criminalidade é principalmente composto de registros de ações policiais: prisões, apreensões, apresentações de criminosos etc. A imprensa tem exercido um papel fundamental na fiscalização da atuação das forças de segurança. No entanto, em grande parte dos textos, ela divulga sem questionar os atos cometidos por elas. (RAMOS; PAIVA, 2007, p. 37-38).

Sem a realização da cobertura policial no local do acontecimento, o fato é

noticiado sob a perspectiva das fontes oficiais, que não têm uma visão jornalística e

isenta (PACHECO, 2005). A falta de isenção deve-se ao fato de elas representarem

em seu pronunciamento os órgãos mantidos pelo Estado (executivo, legislativo e

judiciário) ou as organizações agregadas, como companhias públicas, pois as fontes

oficiais são pessoas que exercem função ou cargo público e, portanto, emitem

informações que beneficiam os grupos dominantes (LAGE, 2003).

Tal como nas demais especializações, os repórteres da editoria de Polícia

beneficiam nas notícias os depoimentos das fontes “particularmente reconhecidas por

causa de sua representatividade e de seu status institucional” (NEVEU, 2006, p. 97-

98). Para o autor, as fontes oficiais, ou institucionais, apresentam manifestações orais

ou escritas com visão profissional, o que garante, no entendimento dos repórteres,

textos jornalísticos mais importantes por causa da visibilidade das fontes. Por isso, os

jornalistas se dirigem espontaneamente às pessoas com autoridade (NEVEU, 2006).

Contudo, ao ficar restrito ao espaço da Delegacia de Polícia, o repórter divulga

uma informação sem qualidade por causa dos equívocos cometidos. É o que Costa

(2002, p. 146) denomina de “opinionismo”, ou seja, sustentar “as versões da realidade

baseadas na autoridade, não nos fatos em si”, de modo que ocorra

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um processo de autorização que legitima a opinião de agentes, os quais, em função do saber presumido, acabam expressando juízos de valor sobre os temas cobertos. Tais fontes tendem a corresponder ao sistema estratificado de forças societárias, privilegiando as autoridades governamentais, empresariais, científicas e religiosas. Já na seleção das fontes dá-se o comprometimento da versão do fato noticioso. (COSTA, 2002, p. 149).

De acordo com o autor, essa prática dos meios de comunicação faz com que

normas, crenças e valores dominantes permaneçam em destaque para o leitor, como

se o pensamento das fontes oficiais fosse incontestável. Apesar disso, Erbolato (1981,

p. 56) diz que a Delegacia de Polícia deve ser visitada pelos repórteres, pois é um

local onde é possível anotar “o que há nos livros de registros e [...] entrevistar os

delegados, investigadores, legistas e demais pessoas que estejam participando do

inquérito”. Porém, o autor sugere uma ampliação do leque de fontes.

Vítimas poderão ser ouvidas nos hospitais se seu estado de saúde o permitir. Os prontos-socorros também oferecem informações excelentes, podendo o repórter saber pormenores sobre as ocorrências, obtendo-os de médicos, enfermeiros e, se for o caso, até perguntando aos motoristas das ambulâncias. (ERBOLATO, 1981, p. 56).

A realidade do jornalismo policial, contudo, mostra uma cobertura pouco

diversificada quanto às fontes e aos temas. Para Ramos e Paiva (2007), é perceptível

a existência de problemas na cobertura policial, embora a imprensa tenha se mostrado

decisiva para que as autoridades públicas tomem iniciativas que auxiliem o

enfrentamento da violência. As autoras citam a repercussão gerada pelo Massacre do

Carandiru, acontecido em 2 de outubro de 1992 no Pavilhão 9 da Casa de Detenção,

na zona norte de São Paulo.

As reportagens e fotografias acerca dos presos mortos por policiais levaram à

condenação do coronel da reserva Ubiratan Guimarães a 632 anos de prisão, além

do complexo do Carandiru ter sido desativado em setembro de 2002 por causa da

superlotação. Quando a polícia tem seus atos questionados pela imprensa, como no

Massacre do Carandiru, ocorre – conforme observa Souza (2002) – um rompimento

da relação com os repórteres. Nessas situações, a polícia “adora queixar-se da

imprensa e nunca percebe que a maioria das notícias é favorável a ela” (SOUZA,

2002, p. 118).

No centro desse jogo de poder e interesses está o leitor que, diante da

divulgação crescente da violência, aflora seus medos em relação ao crime e ao

criminoso (MENDEZ, 2000). Ambos passam a ser vistos como inimigos, os quais

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devem ser combatidos pela polícia. “O modelo cega-os à percepção pura e simples

de que os policiais são cidadãos como aqueles com quem eles trabalham, e que não

há nenhum inimigo.” (CHEVIGNY, 2000, p. 65).

O que reforça a existência de um inimigo – que, na visão da sociedade, deve ser

combatido – é a exclusão de determinadas manifestações linguísticas na editoria de

Polícia. Para Dias (1996, p. 49), “o valor de um discurso depende do status social do

locutor”. Conforme a autora, isso explica porque o discurso das fontes oficiais alimenta

grande parte das notícias policiais. O problema é que, ao tratar de áreas mais

vulneráveis das cidades, a imprensa contribui com a construção de um muro invisível

entre os setores mais ricos e os menos favorecidos da sociedade, como se os crimes

acontecessem apenas em favelas e fossem praticados exclusivamente por moradores

desses locais.

3.3 O leitor exposto ao socialmente desejável

A falta de apuração jornalística junto ao local do acontecimento é um dos fatores

que garante primazia às declarações da polícia. O repórter que fica restrito às

informações das fontes oficiais gera, por consequência, um noticiário que leva ao

“lugar-comum que opõe a sociedade (os homens de bem, que têm educação e base

familiar sólida) e o resto (que só pode ser a favela)” (MORETZSOHN, 2003, p. 31).

Segundo a autora, essa diferenciação é percebida principalmente em jornais como

Folha de S. Paulo e O Globo, que têm a classe média como público-alvo.

Apesar de esses veículos não assumirem a lógica que orienta a cobertura

criminal, Moretzsohn (2003) analisa que os fatos abordados visam denominar as

classes populares de perigosas para os leitores dessas publicações. É como se a

manifestação do crime fosse exclusiva da classe social mais baixa. “A lei e a justiça

não hesitam em proclamar sua necessária dissimetria de classe.” (FOUCAULT, 2004,

p. 230).

Não somente a lei e a justiça, mas também a imprensa tem papel preponderante

na atribuição da violência às classes populares. De acordo com Ramos e Paiva

(2007), as notícias policiais apresentam mais opinião do que análise, o que ocorre em

razão do lado emocional do jornalista – que opta por incorporar o sentimento de medo

da população – e também por causa do espaço limitado para a publicação do texto

jornalístico. Desta maneira, é válido afirmar que os

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veículos têm grande responsabilidade na caracterização dos territórios populares como espaços exclusivos da violência. Ao mesmo tempo, [...] a população dessas comunidades raramente conta com a cobertura de assuntos não relacionados ao tráfico de drogas e à criminalidade. A cultura, o esporte, a economia e as dificuldades cotidianas enfrentadas pelos moradores desses locais aparecem muito pouco em jornais e revistas, especialmente quando se considera o imenso número de reportagens e notas sobre operações policiais, tiroteios, invasões, execuções etc. (RAMOS; PAIVA, 2007, p. 77).

A divulgação de assuntos variados acerca dos bairros com vulnerabilidade social

é mínima, pois as autoras dizem que os repórteres têm dificuldades para circular

nesses espaços, na maioria das vezes ocupados por grupos armados. Essa

justificativa corrobora para que a imprensa relacione os bairros habitados por classes

populares aos fatos criminais e violentos (RAMOS; PAIVA, 2007).

Contudo, Erbolato (1981) defende a divulgação de notícias policiais, mesmo que

tenham facetas violentas. Para ele, esses fatos já são do conhecimento do público

antes de o jornal circular, o que justifica a importância de sua publicação. O autor

também percebe que o jornalista enfrenta uma missão penosa ao noticiar textos

jornalísticos desse cunho, em especial os que envolvam morte, já que se relacionam

à perda e ao choque emocional dos familiares.

Para Moretzsohn (2003, p. 14), o problema não está na divulgação da violência,

mas na atribuição errônea de seu significado. Segundo a autora, a imprensa explora

o termo pelo viés político, o que favorece a disseminação da sensação de medo entre

o público e o uso de “medidas como pôr mais policiais nas ruas, criar novas leis [...]”.

Além do discurso da repressão, a imprensa interliga o crime com as carências

existentes na sociedade, como se buscasse um argumento simplificador para

relacionar a violência à classe social baixa.

Ao nomear e estruturar o mundo social marginal, o jornal integra a realidade de ambientes marginais na realidade predominante do cotidiano porque as situações divergentes, tomadas isoladamente, constituem uma ameaça à existência da ordem naturalmente aceita e rotinizada na sociedade. O lado obscuro, perigoso, sinistro da marginalidade fascina e ameaça o lado civilizado da sociedade. Por isso, precisa ser mostrado para ser reconhecido, negado e colocado exoticamente distante do lado positivo. (PEDROSO, 2001, p. 98).

Há, por parte da imprensa, uma tentativa de mostrar revolta quanto às condições

de vida desiguais. No entanto, sem potencial crítico, o noticiário policial faz com que

os conflitos sociais sejam minimizados aos enfrentamentos entre bandidos e

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mocinhos. Ao criminoso – inimigo que mora na favela – é atribuído o estereótipo de

criatura exótica e perigosa, assim como o local onde reside.

3.3.1 A imprensa reforça estereótipos e preconceitos

As notícias da editoria de Polícia tendem a atribuir estereótipos aos criminosos

e às vítimas, bem como a reforçar os preconceitos dos leitores em relação a essas

pessoas. Grande parte da imprensa também define os bairros com vulnerabilidade

social como locais que tiram a tranquilidade das pessoas de bem (MORETZSOHN,

2003). Segundo a autora, esses espaços – em razão da conotação negativa dada

pelos meios de comunicação – ora são denominados de violentos, ora despertam

compaixão por parte do leitor que vive geográfica e socialmente afastado dessa

realidade.

Para Dias (1996), não há como negar que o repórter, na editoria de Polícia,

mostra sua revolta com a violência, condenando a ineficiência das medidas de

segurança. No entanto, ele também apoia o julgamento preestabelecido pelo leitor

sobre os criminosos.

[...] o redator se aproveita, na exposição desse fato, de um modelo subjetivo do leitor, a fim de potencializar a violência, generalizando um ato ocasional e dando, pois, pleno apoio a um julgamento estabelecido pelo leitor, a propósito de um aspecto do mundo em que vive [...]. (DIAS, 1996, p. 133).

Entende-se, com base nessa análise, que a imprensa está reforçando medos

e preconceitos a partir de seu discurso, como se apenas legitimasse o pensamento

do leitor. Essa postura tem como um dos fatores a pressa do furo jornalístico, pois os

meios de comunicação impressos buscam “alcançar a cobertura ‘em tempo real’ da

televisão e saciar o público” (LEMOS, 2001, p. 14).

Porém, a imprensa restringe-se ao nível do senso comum ao expressar

estereótipos com o argumento de que esse é o desejo do público. Moretzsohn (2003)

diz que essas caracterizações muito específicas sobre quem é o criminoso bloqueiam

a capacidade crítica do leitor, o que inviabiliza qualquer ação transformadora, pois a

sociedade utiliza as notícias como referência para a compreensão da realidade.

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3.3.2 O jornalismo é responsável por reputações

Os meios de comunicação são tidos como uma das instituições a que a

sociedade recorre para elaborar seu entendimento da realidade. Logo, os fatos

apurados pelos repórteres e noticiados nas páginas impressas, no caso de jornais e

revistas, são tomados como referência pelo leitor, pois “a mídia contribui para o

julgamento social de pessoas e organizações, às vezes, decidindo sua imagem atual

ou mesmo seu futuro imediato” (CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 31).

Segundo o autor, as narrativas jornalísticas têm pessoas como protagonistas e

isso faz com que o jornalismo seja responsável por reputações e honras pessoais,

carregando consigo um senso de verdade. Com base na interação social, o ser

humano molda suas ações e seus pensamentos e, por isso, os estereótipos e

preconceitos afloram de acordo com o consenso social engendrado pelos meios de

comunicação (TÓFOLI, 2008).

Isso ocorre, basicamente, porque a imprensa – além de ter importante

contribuição na interação social – fortalece a integração da sociedade (DAPIEVE,

2007). Para ele, os temas abordados e descartados pelos meios de comunicação,

bem como a linguagem utilizada por eles, moldam a compreensão do público sobre

determinado assunto, pré-julgamento que nem sempre corresponde à realidade.

Mal ouvimos o nome de um país, assunto ou pessoa, interpõe-se essa opinião preconcebida e a projetamos, para o bem ou para o mal (geralmente para o mal), em forma de juízo condenatório ou de louvor, à margem da realidade objetiva. (BLÁZQUEZ, 2000, p. 57).

Esse pré-julgamento é característico de grupos afastados ideológica ou

geograficamente das realidades noticiadas nos meios de comunicação.

Consequentemente, o único olhar lançado pelo leitor sobre o assunto é o olhar

intermediado pelo repórter. A partir disso, Bucci (2000, p. 129) considera o erro de

informação um vício, que é ocasionado pela generalização – fator que, para o autor,

leva ao assassinato de reputação, que vitima “pessoas de diferentes matizes políticos

ou religiosos”.

Bucci (2000) percebe que assassinar reputações é um pecado que pode ser

cometido por jornalistas com distintas doutrinas, e que a responsabilidade social é o

mínimo exigido para não corromper o jornalismo. É preciso, sobretudo, que o

profissional da área não abuse do poder que lhe é investido. Para Christofoletti (2008),

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a equidade no tratamento das fontes é um dos valores jornalísticos que contribui para

manter a responsabilidade social do jornalista acima da aspiração pelo poder. O autor

diz que o mínimo de respeito para com as diferentes pessoas envolvidas no fato evita

a disseminação da intolerância.

Prudência, tolerância e boa-fé são virtudes que auxiliam a produção de um jornalismo mais zeloso em suas práticas e relações. A imprudência leva ao erro, que pode ser altamente danoso e, o que é pior, irreversível. A intolerância e a má-fé tornam o jornalismo uma máquina de pré-julgamentos, punições e atentados às reputações. Em vez de apurar versões e checar informações, jornalistas intolerantes e mal-intencionados fustigam. (CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 37).

A intolerância manifestada nas páginas da editoria de Polícia pode ser

considerada – a partir dos conceitos e técnicas abordadas neste capítulo – uma

máquina com grande potencial para pré-julgamentos. Portanto, ao jornalista cabe

refletir sobre seu papel para garantir a integração da sociedade. A partir disso, no

capítulo 4 é descrita a forma pela qual os repórteres e a editora do Jornal de

Candelária (JC) realizam a cobertura jornalística de acontecimentos que se

relacionam à violência e ao crime.

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4 JORNALISMO DO INTERIOR: CARACTERÍSTICAS E FUNCIONAMENTO

A cobertura da editoria de Polícia em jornais do interior tem particularidades,

principalmente por causa do contato mais próximo entre repórteres e leitores. Por isso,

este capítulo destina-se à compreensão do funcionamento de jornais com sede em

municípios do interior, com foco no JC, onde foram publicadas as notícias analisadas

no capítulo 6. Também apresenta-se um breve histórico de Candelária e do Bairro

Ewaldo Prass – território onde aconteceram os homicídios noticiados nos textos

jornalísticos selecionados – e elencam-se as características atribuídas aos jornais que

se dedicam à divulgação da violência e do crime.

As notícias que tratam dessa temática tendem a ser parciais e imprecisas, como

foi exposto no capítulo 3. Os jornais que se dedicam a provocar sensações a partir

desse noticiário são caracterizados como sensacionalistas, mas o termo muitas vezes

é utilizado de maneira incorreta (AMARAL, 2006). Na cobertura policial, o

sensacionalismo pode ser relacionado ao jornalismo que “privilegia a superexposição

da violência por intermédio [...] da publicação de fotos chocantes, de distorções, de

mentiras e da utilização de uma linguagem composta por palavras chulas, gírias e

palavrões” (AMARAL, 2006, p. 22).

Mas, a autora afirma que “provocar sensações” não serve de justificativa para

qualificar um meio de comunicação como sensacionalista. Essa característica pode

ser atribuída aos jornais que manipulam os leitores para estimular emoções acima da

informação que o fato pode oferecer (PEDROSO, 2001). Segundo a autora, esses

meios de comunicação apostam em um projeto editorial destinado unicamente a fazer

o leitor comprar o jornal.

O modo sensacionalista de construção do fato, então, escolhe aspectos representáveis da vida porque precisa suscitar interesse e estimular a atenção do leitor, o qual deve ser orientado na sua simpatia e emoções, supostamente já conhecidas. Por essa razão, os aspectos temáticos valorizados são sempre coloridos pela emoção, que não é introduzida pelo leitor. Para cativar a atenção, o texto sensacional desperta emoções no leitor que se dirigem à sua vontade (movimento físico para a compra do jornal). Esse modo de cativar/seduzir/encantar o leitor é buscado no efeito de fantástico (que inspira admiração, medo, curiosidade pelo real exagerado e engendrado discursivamente como extravagante, mas verossímil). Isso permite a prática do absurdo no jornalismo, porque o consumo do discurso exige que o fato esteja preso a uma ilusão mesmo que imperfeita e enganosa da realidade. (PEDROSO, 2001, p. 112-113).

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As ideias elencadas pela autora auxiliam a qualificar um jornal sensacionalista e

também servem de base para contrapor os termos sensacionalismo e “popular”3, o

qual “identifica um tipo de imprensa que se define pela sua proximidade e empatia

com o público-alvo, por intermédio de algumas mudanças de pontos de vista, pelo tipo

de serviço que presta e pela sua conexão com o local e o imediato” (AMARAL, 2006,

p. 16). No entanto, o termo também é atribuído à imprensa de baixa qualidade que

reafirma estereótipos (SELIGMAN; COZER, 2009).

As autoras observam um avanço nesse sentido, pois os jornais populares

passaram a apostar em uma linguagem simples, no lugar de gírias e palavrões, para

conquistar a credibilidade dos leitores. Para Amaral (2006), a reformulação da postura

desses jornais faz com que eles sejam importantes meios de integração, que é

determinada pela estratégia de divulgar informações ligadas ao cotidiano do leitor, à

prestação de serviços e ao entretenimento.

Essa valorização do cotidiano, que prima pela personalização e subjetividade

dos fatos, faz com que o leitor projete nesses meios de comunicação os anseios e as

necessidades não atendidas pelas esferas de poder (AMARAL, 2006). Desse modo,

o jornal faz visíveis os acontecimentos e os aproxima dos indivíduos, pois “o que não

aparece na mídia não existe para muita gente” (ALSINA, 2009, p. 95). Além disso, o

autor diz que a interpretação eficaz das notícias depende de quão semelhante é o

sistema de significados compartilhado pelos leitores.

Em grandes cidades, por exemplo, os interesses dos habitantes são variados e,

por isso, os jornais precisam divulgar temas diversos e amplos (DORNELLES, 2004).

Segundo ela, nos municípios pequenos há mais homogeneidade nos significados

atribuídos aos fatos e os leitores querem saber o que acontece em sua cidade. Em

razão disso, os jornais do interior pautam-se por “temas que afetam o cotidiano local

e regional” (PERUZZO, 2007). Esses impressos têm tiragem inferior a dez mil

exemplares e periodicidade variada como diária, bissemanária ou semanária

(DONELLES, 2004).

Outra característica elencada pela autora é a postura adotada pelos jornalistas,

os quais buscam acompanhar a evolução dos municípios com base na divulgação

regular de dados relativos à indústria, ao ensino e ao policiamento, por exemplo. De

3 Este trabalho não tem como objeto de estudo os jornais sensacionalistas e populares, mas, sim, a

editoria de Polícia do Jornal de Candelária. A conceituação dos termos foi feita para auxiliar o entendimento sobre as características atribuídas ao jornalismo do interior.

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acordo com ela, para coletar essas informações os repórteres do interior participam

de quase todos os encontros promovidos no município, como reuniões nas escolas,

em sindicatos, na Câmara de Vereadores e audiências dos líderes locais com

autoridades estaduais e federais.

Essa postura participativa dos jornalistas legitima seu papel social e faz o

profissional ser considerado aquele que “conta o que acontece no mundo” (ALSINA,

2009, p. 199). Apesar dessa conduta, o autor observa que o trabalho do repórter de

jornais do interior também pode ser contestado pelos assinantes, anunciantes e pelas

fontes. Por isso, os meios de comunicação buscam renovar a cada edição a

credibilidade depositada pelo leitor (ALSINA, 2009).

Mesmo que as exigências relativas aos jornalistas sejam semelhantes nas

grandes e pequenas cidades, os leitores dos jornais do interior esperam que os

profissionais não sejam arrogantes, prepotentes ou esnobes, o que pode ocasionar a

“morte” do periódico, pois eles se consideram “donos” do meio de comunicação da

cidade e primam por um atendimento personalizado (DORNELLES, 2004, p. 133).

Quando [os leitores] chegam na redação do jornal, querem ser atendidos pelo dono. Nada de crachás, nem de secretárias anunciando quem deseja falar. [...] No Interior, a comunidade é também mais unida, mais solidária e humana. Os vizinhos se conhecem há anos e, geralmente, são amigos. No mínimo, respeitam-se uns aos outros. Na cidade grande, os moradores não sabem quem mora nas paredes vizinhas, mas acompanham o movimento da vizinhança, sem compromisso com nada. (DORNELLES, 2004, p. 133).

O envolvimento da população junto ao jornal se dá por meio dos cidadãos,

individualmente, ou por representantes de associações e entidades. Embora no

interior a proximidade entre jornalistas e população seja uma exigência, a “intensidade

e a amplitude” da participação dos leitores varia de acordo com o meio de

comunicação e o município (PERUZZO, 2007, p. 52).

Em algumas cidades, a personalização do atendimento ocorre também na

distribuição do periódico. O proprietário participa da entrega do jornal e conversa com

“o assinante, anota sugestões de pauta, informa-se sobre quem está de aniversário,

quem vai casar, quem faz 15 anos, quem está para nascer, etc. Toma ‘chimarrão’ com

o leitor e assim por diante” (DORNELLES, 2004, p. 134). Ela diz que isso estimula a

relação entre jornal e munícipes, o que estabelece uma conexão formada pela área

territorial e pelo compartilhamento de valores e ideias.

O JC – onde foram publicadas as notícias que são objeto de estudo desta

pesquisa – é um meio de comunicação do interior que compartilha com seus leitores

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um sistema de significados, especialmente na editoria de Polícia, onde a

hierarquização das notícias por grau de relevância leva em conta o interesse do

público. Com sede em Candelária, o jornal precisa compreender as necessidades dos

habitantes, o que pressupõe o entendimento da localização, do funcionamento e da

história do município, desde a sua colonização.

4.1 Contexto histórico e social do município de Candelária

A colonização do município de Candelária iniciou em 1862, quando João

Kochenborger e Jacob Welsch, filhos de imigrantes alemães, foram morar nas terras

onde está localizada a cidade, que era um distrito de Rio Pardo. Impulsionado pelo

desenvolvimento da agricultura, pecuária, do comércio e de pequenas indústrias, o

distrito foi elevado a freguesia em 9 de maio de 1876 e recebeu a denominação de

Nossa Senhora de Candelária. O decreto de criação do município foi assinado em 7

de julho de 1925.

Candelária está localizada no centro do Rio Grande do Sul, no Vale do Rio

Pardo, e faz divisa com Cachoeira do Sul, Cerro Branco, Novo Cabrais, Passa Sete,

Rio Pardo, Vale do Sol e Vera Cruz. A economia é oriunda dos setores agrícola –

cultivo de fumo, arroz, milho, feijão e soja –, pecuário, com destaque para os rebanhos

de ovinos, bovinos e suínos, e industrial, nos ramos calçadista, fumageiro, moveleiro,

metalúrgico, cerâmico e da construção civil. As maiores empresas em operação no

município, no que tange à geração de emprego, são as unidades da Calçados Beira

Rio e da Gazin Indústria de Colchões e Estofados.

Além de ter economia diversificada, o município possui pontos turísticos que

atraem visitantes e aventureiros, entre eles o Cerro Botucaraí, a Ponte do Império,

Cascata da Ferradura, o Aqueduto e o Museu Municipal Aristides Carlos Rodrigues,

que preserva fósseis de dinossauros encontrados em afloramentos da cidade. Na área

da comunicação social, Candelária conta com três emissoras de rádio, duas FM e uma

AM, e dois jornais com circulação semanal4.

Com área territorial de 943,949 quilômetros quadrados, o município tem um total

de 30.171 habitantes, dos quais 15.715 residem no perímetro urbano e em localidades

próximas à sede, como Vila Botucaraí, e 14.456 na zona rural. Segundo o Instituto

4 Informações da Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Habitação, 2016.

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Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010), citado por Rizzi (2016)5, a

população urbana do “distrito sede” é de 14.248 pessoas, número que se refere

apenas aos moradores dos dez bairros: Centro (3.619), Esmeralda (868), Nova

Germânia (783), Rincão Comprido (3.764), Marilene (1.345), Boa Vista (306), Princesa

(811), Ewaldo Prass (1.725), Pôr do Sol (740) e Costa Norte (287).

Juntos, os três bairros mais populosos de Candelária – Rincão Comprido, Centro

e Ewaldo Prass, respectivamente – contabilizam 9.108 moradores, o que corresponde

a 63,93% da população urbana do “distrito sede”. O subcapítulo 4.1.2 traz

especificidades do Bairro Ewaldo Prass, visando historicizar o território onde

aconteceram os homicídios noticiados em quatro textos jornalísticos que compõem o

corpus deste trabalho.

4.1.2 Bairro Ewaldo Prass: terceiro maior contingente populacional

Antes da sanção da lei municipal nº 33, de 14 de dezembro de 1987, o Bairro

Ewaldo Prass era conhecido por loteamento. A denominação do logradouro foi

aprovada pela Câmara Municipal de Vereadores e sancionada pelo então prefeito

Ronildo Gehres (CANDELÁRIA, 1987). O nome é uma homenagem ao ex-prefeito de

Candelária, Ewaldo Eugênio Prass, que esteve à frente do executivo municipal na

gestão 1959-1963.

Com 1.725 habitantes, o Ewaldo Prass é o terceiro bairro mais populoso de

Candelária. Esse número representa 12,11% das 14.248 pessoas que moram no

perímetro urbano do “distrito sede”. Do total de moradores do bairro, 888 são mulheres

(51,48%) e 837 homens (48,52%), de acordo com o IBGE (2010), citado por Rizzi

(2016).

O local, que tem 40.150 metros quadrados de área territorial, possui 14 ruas e

duas travessas. São elas: Rua Felisberto Muniz Reis; Rua Raimundo Gomes de Sá;

Rua Presidente Médici; Rua Zenith Heinze; Rua Castelo Branco; Rua Costa e Silva;

Rua Tancredo Neves; Rua Emílio Jacobi; Rua Fernando Ferrari; Rua Aloísio Schmitt;

Rua Oscar Schmitt; Rua Nestor da Silveira; Rua Edilo dos Santos Machado; parte da

extensão da Rua Botucaraí; Travessa Celso Schmitt; e Travessa Lauro Hoeltz.

5 Bernardo Rizzi é secretário de Planejamento de Candelária no ano de 2016.

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Dentre os serviços públicos municipais oferecidos no bairro estão o posto de

saúde Irene da Silva Oliveira, a Escola Municipal de Educação Infantil Zenith Heinze

e a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Christiano Affonso Graeff6. O

educandário tem estudantes da rede regular de ensino e atendimento especializado

para alunos autistas e com deficiência auditiva, visual e de fala. Também há grupos

de teatro, uma das atividades paralelas que a escola possui (HEINEN, 2016)7.

A diretora verifica uma melhora na postura dos pais em relação ao

acompanhamento escolar dos filhos. A primeira reunião realizada no educandário ao

assumir a diretoria, em 2008, teve a participação de 16 pais, enquanto no último

encontro foram contabilizadas 136 pessoas. De acordo com ela, essa consciência

quanto à importância da educação é consequência da queda na taxa de

desempregados no bairro.

Quando nós viemos para cá, em torno de 50% das famílias não tinham emprego, no máximo eram pessoas que faziam bicos. Hoje, nós temos, acredito eu, acima de 80% das pessoas trabalhando e, na verdade, os que não estão trabalhando ou são envolvidos com tráfico ou são usuários de drogas, que daí em função daquilo que fazem acabam não tendo um emprego regular, não é necessariamente pela falta de emprego, porque há oferta e, na verdade, essa demanda muitas vezes é suprida por pessoas de outros bairros e até de outras cidades. Esse é um fator de crescimento, sem dúvida nenhuma. Segundo fator: eu acho que o fato de o bairro ter melhorado esteticamente – houve o calçamento de uma boa quantidade de ruas, lixeiro passando, [embora] haja aquele ranço de jogar o lixo na esquina, que não é uma coisa que vai ser solucionada tão depressa, mas que já está havendo uma melhora. Então, acho que isso trouxe bem-estar para as pessoas, de repente ficou bom morar onde se morava e não o bairro ser um lugar onde eu sou obrigado a morar. Acabou se tornando um lugar bom. (HEINEN, 2016).

Além da escola, está situado no bairro o Centro Social Amigo da Criança, que

atende crianças e adolescentes de seis a 16 anos em situação de vulnerabilidade

social. O local é administrado pela prefeitura municipal e disponibiliza aulas de dança,

música, coral e violão. O Centro também desenvolve os projetos “Semeando

Esperança” – que aborda temas como moral, respeito e espiritualidade – e “Te liga!”,

em que pessoas da comunidade falam sobre superação. “O que eu noto aqui [no

Centro Social] é que todo dia tu tens que fazer um trabalho novo. Tudo que você fala,

eles voltam para casa e não é isso que eles encontram.” (RODRIGUES, 2016)8.

6 Informações da Secretaria Municipal de Planejamento, 2016. 7 Danieta Heinen é diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Christiano Affonso Graeff

desde 2008. 8 Alana Rodrigues é coordenadora do Centro Social Amigo da Criança.

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A prefeitura municipal também disponibiliza, através do governo federal, o

cadastro no programa Bolsa Família para os moradores do bairro que se encontram

em situação de pobreza ou de extrema pobreza. Conforme dados do Sistema Único

de Assistência Social (SUAS) de Candelária, citados por Bordignhão (2016)9, no

“distrito sede” 557 famílias foram beneficiadas com o programa no mês de setembro

de 2016, das quais 170 residem no Bairro Ewaldo Prass, que concentra o maior

número de famílias na linha de pobreza (71), com renda per capita entre R$ 85,01 e

R$ 170, e extrema pobreza (99), renda per capita de até R$ 85.

De acordo com Bordignhão (2016), as famílias em situação de pobreza recebem

R$ 39 mensais por criança de 0 a 15 anos que mora na casa, mais R$ 46 por

adolescente menor de 18. No caso de pobreza extrema, a família tem um benefício

mensal de R$ 85 mais acréscimo com base no número de crianças e adolescentes

que vivem na residência. Os critérios são estabelecidos pelo governo federal. Ao

poder público municipal cabe fazer o acompanhamento das condicionalidades para o

pagamento do benefício, como cumprimento do percentual mínimo de frequência

escolar para crianças e adolescentes.

Diferentes situações indicam a exclusão e a vulnerabilidade social de um

território, entre elas a insuficiência de rendimentos monetários. O valor da renda

domiciliar também traz outros fatores que configuram a vulnerabilidade e a exclusão:

“a desocupação de adultos; a ocupação informal de adultos pouco escolarizados; a

dependência com relação à renda de pessoas idosas; assim como a presença de

trabalho infantil” (BRASIL, 2015, p. 16).

O Bairro Ewaldo Prass, além de ser referência por causa do número de

habitantes e de indicadores de vulnerabilidade social, é conhecido dos candelarienses

em função da frequência com que é citado no noticiário de um dos veículos impressos

do município, o JC, especialmente na editoria de Polícia10.

A relação do bairro com o noticiário policial do jornal existe desde a primeira

edição desse impresso, quando foi divulgado um arrombamento na Escola Christiano

Affonso Graeff, situada nesse bairro. As notícias que constituem a editoria de Polícia

do JC são selecionadas com base em critérios apresentados no subcapítulo 4.2, que

também contém um breve histórico do jornal.

9 Jocimara Bordignhão é auxiliar administrativo no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de

Candelária, setor vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social. 10 Ver Tabela 1 no capítulo 6.

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4.2 A consolidação do Jornal de Candelária

A primeira edição do JC circulou em 3 de abril de 1997, quinta-feira, com 16

páginas em preto e branco divididas nas editorias Caleidoscópio – na página 2, com

charge e textos opinativos –, Geral, Reportagem especial, Economia, Cultura, Sociais,

Esportes e Polícia. No ano de fundação, a equipe de reportagem do veículo impresso

era formada por Lúcia Gewehr, Adriano Ellwanger e Itamar Marques, os quais eram

orientados pelo editor e jornalista responsável, Cyro Visalli (JORNAL DE

CANDELÁRIA, 1997).

A criação do jornal tem relação com o crescimento verificado na época em

Candelária, o que, na visão do fundador Cyro Visalli, favorecia o surgimento de mais

um veículo impresso – já existia no município o semanário Folha de Candelária

(LOPES, 2013). Segundo ele, a partir dessa ideia, Visalli foi em busca de profissionais

para fazerem parte da equipe. De acordo com Marques (2013), citado por Lopes

(2013, p. 7), o jornal recebeu comentários positivos da comunidade desde a primeira

edição.

O jornal, que circulava com suas primeiras edições, era muito bem visto e muito bem aceito na comunidade, pois inovou a forma de se dar notícias em Candelária, como segue até hoje. O JC introduziu a notícia dada em uma linguagem mais aberta e direta, mais acessível, despertando o interesse e a curiosidade das pessoas para o que estava acontecendo na cidade. Muitas coisas o JC modernizou ou simplificou em Candelária e, nesse conjunto, a minha participação no jornal também era recompensada com o reconhecimento de todos. Algo muito gratificante. (MARQUES, 2013 apud LOPES, 2013, p. 7).

Ele foi um dos primeiros repórteres do JC e diz que, logo após receber as pautas,

saía para fazer as entrevistas e, ao retornar à redação, produzia as notícias em uma

máquina de escrever (MARQUES, 2013 apud LOPES, 2013, p. 7). A sede do jornal

era localizada na Rua Pinheiro Machado, 326. Tanto a impressão quanto a editoração

eram feitas em empresas terceirizadas, a Cia. Jornalística J.C Jarros e a C&C

Assessoria e Planejamento Gráfico, respectivamente (JORNAL DE CANDELÁRIA,

1997).

Hoje, impresso em Cachoeira do Sul, o jornal– que desde a sua criação é

chamado de JC pelos profissionais da empresa, assinantes e anunciantes – tem

tiragem de dois mil exemplares e circulação às sextas-feiras. Cerca de 80% dos

exemplares distribuídos são destinados aos assinantes, que residem nos perímetros

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urbano e rural de Candelária. O periódico também é comercializado em

estabelecimentos do município, como supermercados, farmácias e postos de

gasolina, bem como na sede da empresa, na Avenida Pereira Rego, 938, no Centro

(NETTO, 2016)11.

Segundo ela, a redação possui três repórteres, que se revezam entre as

editorias, além de um arte-finalista. A distribuição do jornal é feita com motocicletas

por três funcionários, cada qual responsável por determinadas regiões do município,

tanto no perímetro urbano quanto na zona rural. O jornal tem 20 páginas, número que

pode diminuir ou aumentar com base na quantidade de anunciantes.

A diminuição acontece entre os meses de janeiro e fevereiro, por causa da queda dos anunciantes, férias, etc., então a gente opta por diminuir o número de páginas até porque as notícias também não são tantas, pois a cidade para no período de férias. O aumento de páginas acontece em datas festivas e ocasiões especiais, quando também são feitas vendas especiais, como Natal, Dia do Colono e Motorista, Dia do Município, essas datas assim. (NETTO, 2016).

Quando o periódico é impresso em 20 páginas, de quatro a oito páginas são

coloridas, o que também depende do número de anunciantes. Na maioria das vezes,

a divisão entre pretas e brancas e coloridas é estabelecida pela empresa terceirizada

que realiza a impressão. As páginas são preenchidas por notícias das editorias

Política, Geral, Esporte, Rural e Polícia. Existem, ainda, as páginas denominadas

Caleidoscópio, com textos opinativos; Indicador, que contém resumos de novelas e

pequenos anúncios de vendas; Variedades, com comentários sobre os famosos; e

Coluna social, em que há fotos de eventos beneficentes e festas (NETTO, 2016).

As notícias publicadas em cada uma das editorias passam por uma seleção dos

jornalistas, pois é preciso filtrar as informações que chegam ao jornal “pelas agências,

repórteres, redatores, informantes, órgãos particulares e repartições governamentais”

(ERBOLATO, 1991, p. 19). Após essa seleção, o autor explica que as notícias são

hierarquizadas a partir da relevância atribuída pelos leitores do jornal.

No JC, a editoria de Polícia é a mais requisitada pelos leitores, pois sempre que

uma notícia policial estampa a capa, aumentam as vendas avulsas do jornal,

principalmente quando se trata de um fato que já está em evidência em Candelária e

gera comoção ou revolta na população. Apesar disso, não é toda notícia da editoria

11 Jaqueline Netto é editora e proprietária do Jornal de Candelária e trabalha na empresa desde o ano

de sua criação, quando era responsável pela editoria Sociais.

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de Polícia que pode se transformar em manchete, por exemplo, mas no município

esse noticiário “vende jornal”, ainda mais que os índices de violência são altos e

sempre acontecem crimes (NETTO, 2016).

Por causa dessa relevância atribuída à editoria de Polícia, ela ocupa a página

13. Segundo a editora, as páginas ímpares têm mais visibilidade e, por isso, nelas são

colocadas as notícias mais importantes. Essa é uma das técnicas utilizadas para atrair

o leitor e fazer com que ele compre o jornal.

Embora com a finalidade de informar, entreter, orientar e difundir cultura, as empresas jornalísticas são, também, firmas com objetivos comerciais, pois somente conseguirão continuar funcionando se obtiverem lucros, uma vez que dessa forma haverá o incentivo para o capital aplicado. (ERBOLATO, 1991, p. 236).

Junto com as finalidades informativas e objetivos comerciais está a opinião do

editor, do proprietário e a força da linha editorial do meio de comunicação (PEREIRA

JUNIOR, 2006). Mais do que convenções jornalísticas, essas escolhas revelam a

opinião dos profissionais responsáveis pela notícia e determinam o valor que

determinado fato tem para o jornal.

Apesar de verificar a preferência do leitor do JC pela editoria de Polícia, Netto

(2016) observa que essa é uma área difícil de noticiar. O jornal já respondeu a dois

processos judiciais relacionados a fatos publicados nessa editoria e, por isso, grande

parte das notícias policiais é apurada, escrita e diagramada pela editora, tanto que

dois dos quatro textos jornalísticos analisados no capítulo 6 levam a sua assinatura.

Lopes (2016)12, que assina uma das notícias que compõem o corpus desta

pesquisa, concorda com o apontamento de Netto (2016) sobre os cuidados exigidos

na editoria de Polícia. Nessa área, o repórter deve utilizar termos técnicos, saber

exatamente o que escreve e atrair a atenção do leitor no lide com um relato que deixe

o fato mais interessante. Essas orientações são válidas para todas as editorias, pois

não há diferenças em relação à ética, à precisão, à verdade e à dinâmica de trabalho

(LOPES, 2016).

Uma das características dos jornais localizados em cidades do interior é o

dinamismo dos repórteres para circular pelas editorias e exercer diferentes atividades

12 Luiz Carlos Lopes é agente penitenciário e trabalha como freelancer no Jornal de Candelária desde

2007.

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na redação, como fazer entrevistas, fotografias e a diagramação (GROSS, 2016)13.

Apesar disso, a repórter – responsável por uma das notícias selecionadas para análise

neste trabalho – conta que contribuiu pouco com a editoria de Polícia no período em

que esteve no JC, pois, em razão das técnicas exigidas, as pautas eram produzidas

pela editora ou por Luiz Carlos Lopes.

Embora concorde com Lopes (2016) acerca das técnicas jornalísticas

empregadas em todas as editorias, ela vê especificidades na Polícia como a

necessidade de nunca dar a sentença para ninguém,

utilizando sempre a palavra suspeito. Mesmo que o indivíduo esteja preso e assumiu [o crime], ele ainda vai ser julgado. Então, eu tinha sempre muito cuidado para não explicitar nada que ainda não tivesse sido sentenciado.

(GROSS, 2016).

Ela explica que procurava sempre ser exata quanto aos dados passados pelo

delegado da Polícia Civil, de modo a não criar problemas para a empresa e não

divulgar uma informação imprecisa. Quanto à divulgação das notícias policiais na capa

do jornal como uma forma de atrair os leitores, Gross (2016) observa que essas fotos,

manchetes ou chamadas relacionadas à editoria de Polícia normalmente são

interpretadas pela editora Jaqueline Netto como os principais acontecimentos da

edição. Dentre os critérios de seleção existentes para dar destaque à notícia na capa,

também cita a relevância do fato policial comparado aos demais acontecimentos

divulgados.

Dar visibilidade a uma notícia na capa é uma estratégia discursiva que,

aparentemente invisível para o leitor “ingênuo”, expõe a forma como o jornal interpreta

a realidade social (ALSINA, 2009, p. 290). Para o autor, a primeira página funciona

como um catalisador da importância dos acontecimentos, pois mostra quais os fatos

devem ter atenção especial por parte do receptor e qual a hierarquização estabelecida

pelo jornal. Além disso, as manchetes são rentáveis.

13 Mariele Gomes Gross trabalhou de 16 de agosto de 2015 a 16 de agosto de 2016 no Jornal de

Candelária. Ela é estudante do 8º semestre do Curso de Comunicação Social/Jornalismo na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).

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Com décadas de dependência da venda em banca, os jornais consolidaram o modelo Pulitzer. As manchetes com grande tipologia atraíam o leitor e facilitavam a apreensão do cardápio informativo. Quanto mais garrafais os títulos, mais exemplares exibidos nas laterais das bancas, para deleite dos passantes e bom faturamento dos jornaleiros. Com a evolução do negócio e a propagação do sistema de assinaturas, o consumo sofreu uma guinada. Grandes jornais não só no Brasil passam a ter o grosso da circulação destinado ao assinante, não à venda avulsa, cara a cara com o jornaleiro. Muitos dos leitores habituais, por sua vez, são consumidores com interesse específico, pulam para a seção de seu agrado, sem passar necessariamente pela capa-chamariz. As condições que levaram ao uso de títulos exageradamente garrafais na primeira página já não se manteriam. Hoje, além das manchetes para a principal notícia do dia, as primeiras páginas também estampam ‘chamadas’, que encabeçam textos curtos, que remetem ao noticiário contido no interior do jornal. (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 148-149).

A leitura das manchetes e chamadas permite reconhecer os “efeitos discursivos”

que os jornalistas pretendem produzir nos receptores (PEDROSO, 2001, p. 67-68).

Esses efeitos, de acordo com ela, são ampliados quando o leitor se direciona às

páginas internas e aos títulos das notícias, porque eles reforçam o assunto ao qual a

manchete se refere. Pereira Junior (2006) percebe que o título antecipa uma

interpretação da notícia, pois é uma síntese dela, e revela o que editores e jornalistas

pensam sobre o assunto.

Lopes (2016) afirma que a escolha da manchete e a escrita do título têm como

base critérios estabelecidos pela editora a partir de uma conversa com a equipe de

redação. Entretanto, ele diz que algumas notícias da editoria de Polícia se tornam,

aos poucos, banais.

Se houve algum fato mais relevante na cidade, pode ser o destaque de capa este outro assunto, mesmo que um homicídio chame a atenção. Por outro lado, por se tratar de uma vila pobre em Candelária [Bairro Ewaldo Prass] onde ocorrem muitos homicídios, muitas vezes um homicídio nem chama tanto a atenção como uma nova lei que foi aprovada pela Câmara ou um veto do prefeito, ou a buraqueira da estrada. (LOPES, 2016).

Com base nesse depoimento, observa-se que os critérios que orientam os

repórteres do JC estão presentes durante todo o trabalho jornalístico, muitas vezes

pautado pelo poder de venda da notícia, especialmente na editoria de Polícia, em que

os acontecimentos tendem a ser banalizados quando fazem referência ao Bairro

Ewaldo Prass. Para dar um passo adiante a fim de compreender o discurso do JC nas

notícias sobre homicídios no bairro, o capítulo 5 apresenta as técnicas e os métodos

usados na produção desta monografia.

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5 CAMINHOS DA PESQUISA

Esta pesquisa analisa quatro textos jornalísticos publicados na editoria de Polícia

do JC entre 6 de fevereiro de 2015 e 26 de fevereiro de 2016 que noticiaram

homicídios no Bairro Ewaldo Prass. O objetivo principal da seleção dessas notícias foi

compreender o discurso do jornal acerca do bairro, para verificar se a divulgação de

depoimentos de fontes oficiais, o silenciamento de outras declarações e o uso de

determinadas palavras e expressões direcionam o entendimento do leitor sobre o fato

e o local onde ele aconteceu. Para tanto foi utilizada a técnica de Análise de Discurso

da escola inglesa.

O trabalho também teve o intuito de historicizar, de forma sucinta, a presença

das notícias policiais nesse veículo impresso, de modo a entender como a editora e

os repórteres realizam a cobertura desses fatos; e buscou-se perceber como as

pessoas se apropriam do discurso do jornal para formar um sistema de significados

sobre o bairro. Para isso, foi utilizada a técnica de entrevista aberta junto a

representantes do bairro, tais como a diretora da Escola Christiano Affonso Graeff, a

coordenadora do Centro Social Amigo da Criança e um morador.

Justifica-se a escolha pelas notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass

em razão da grande divulgação, no período analisado, de homicídios registrados

nessa área da cidade. A partir de levantamento estatístico14 feito pela pesquisadora,

que teve como base o método quantitativo, foram contabilizados 66 textos jornalísticos

publicados na editoria de Polícia nesse intervalo de tempo, dos quais 31 fazem

referência ao Bairro Ewaldo Prass e 13 retratam tentativas de homicídios e

homicídios15 no bairro.

Destes, foram selecionados quatro que são intitulados: “Homem é executado no

Bairro Ewaldo Prass”, edição de 27 de março de 2015 (ANEXO A); “Nhonho é morto

a tiros no Ewaldo Pras”, 14 de agosto de 2015 (ANEXO B); “Homem é morto a tiros

no Bairro Ewaldo Prass”, 15 de janeiro de 2016 (ANEXO C); e “Candelária tem seis

homicídios em 29 dias”, 29 de janeiro de 2016 (ANEXO D).

Além do uso do método quantitativo e da técnica de entrevista aberta, este

trabalho foi elaborado pelo viés da pesquisa qualitativa e utilizou os procedimentos de

14 Ver Tabela 1 no capítulo 6. 15 Ver Tabela 2 no capítulo 6.

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revisão bibliográfica e pesquisa documental. Também fez uso da entrevista

semiaberta junto aos repórteres e a editora do jornal responsáveis pelas notícias

analisadas. A combinação de métodos e técnicas foi feita com o intuito de alcançar os

objetivos elencados.

5.1 Combinação de métodos: as pesquisas quantitativa e qualitativa

A pesquisa quantitativa em ciências sociais, área que inclui o jornalismo,

costuma ser menos valorizada. Esse procedimento, “por seu caráter reducionista”, é

mais usual em ciências naturais, pois valoriza-se as estatísticas e objetiva-se a

precisão (EPSTEIN, 2006, p. 26). Neste trabalho, porém, o método foi necessário para

a coleta de dados numéricos, com a finalidade de elaborar uma tabela que justificasse

a escolha pelas notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass, como especificado

anteriormente.

Para Creswell (2010), essa pesquisa é eficaz para testar teorias objetivas e

examinar a relação entre as variáveis, que representam apenas uma parte de todo um

conjunto. Por isso é que ela é tida como reducionista, embora o procedimento

qualitativo também seja, mas em menor grau (EPSTEIN, 2006).

Há então a necessidade de fazer um exame cuidadoso dos procedimentos analíticos quantitativos e qualitativos mais adequados para cada caso particular e em relação aos objetivos pretendidos. (EPSTEIN, 2006, p. 26).

Conforme mencionado, para este trabalho a metodologia quantitativa objetivou

embasar com estatísticas a investigação que, no geral, analisa uma realidade social

por um viés subjetivo, característico da pesquisa qualitativa. Isso significa dizer que

ela “evita números [e] lida com interpretações [...]” (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2004,

p. 23). Nesse tipo de pesquisa ocorre a análise de dados de texto e imagem, o que

permite o uso de diferentes estratégias de investigação.

Na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória etc. (GOLDENBERG, 2011, p. 14).

De acordo com a autora, os pontos negativos da pesquisa qualitativa

apresentados por cientistas sociais dão conta de caracterizá-la como um estudo sem

fundamentos científicos, visto que suas conclusões variam conforme a análise.

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Entende-se, contudo, que este trabalho parte de uma interpretação subjetiva do

discurso do JC sobre o Bairro Ewaldo Prass a partir de notícias sobre homicídios no

local, o que explica a opção pelo uso da metodologia.

Para compreender o discurso do jornal em relação ao bairro nas notícias sobre

homicídios, objetivo principal desta análise, foi indispensável a construção de um

corpus proveniente da editoria de Polícia do impresso.

[...] a construção de um corpus e a amostragem representativa são funcionalmente equivalentes, embora sejam estruturalmente diferentes. Empregando este tipo de linguagem, conseguimos uma formulação positiva para a seleção qualitativa, em vez de defini-la como uma forma inferior de amostragem. Em resumo, nós defendemos que a construção de um corpus tipifica atributos desconhecidos, enquanto que a amostragem estatística aleatória descreve a distribuição de atributos já conhecidos no espaço social. (BAUER; AARTS, 2004, p. 40).

A forma pela qual foi feita a seleção das matérias que compõem o que os autores

denominam de corpus é relatada no item 4.1.2, que também visa ao entendimento da

pesquisa documental, procedimento utilizado no trabalho para historicizar e

caracterizar tanto o JC quanto o Bairro Ewaldo Prass.

5.1.2 Bases documentais para uma perspectiva histórica

Após a definição do tema e delimitação da pesquisa, a etapa seguinte para a

confecção do presente trabalho foi a construção de um corpus a partir de notícias

policiais do JC, optando-se por aquelas publicadas no período de fevereiro de 2015 a

fevereiro de 2016. Após, foi feita a análise das edições e foram selecionadas notícias

sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass por causa da prevalência desse noticiário,

verificada por meio de levantamento estatístico.

Esse processo nomina-se pesquisa documental, cuja coleta de dados tem como

fonte “documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes

primárias” (MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 48-49). Nessa fase da pesquisa a

intenção, explicam as autoras, é recolher informações prévias sobre o tema a ser

trabalhado. Cervo, Bervian e Da Silva (2007) dizem que a pesquisa documental é uma

das formas assumidas pela pesquisa descritiva. Segundo eles, nesse tipo de análise

são investigados documentos com o propósito de descrever e comparar usos e costumes, tendências, diferenças e outras características. As bases documentais permitem estudar tanto a realidade presente como o passado, com a pesquisa histórica. (CERVO; BERVIAN; DA SILVA, 2007, p. 62).

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Os arquivos investigados na pesquisa documental podem ser públicos,

particulares e fontes estatísticas (MARCONI; LAKATOS, 2008). No trabalho foram

utilizados arquivos particulares como os pertencentes ao JC e à Secretaria Municipal

de Planejamento de Candelária, de forma a elaborar um breve histórico do município

e do veículo impresso. O levantamento de dados é o primeiro passo de uma pesquisa

científica. Nele, além da pesquisa documental, há a bibliográfica.

5.1.3 A bibliografia submetida a uma nova abordagem

O objetivo principal da pesquisa bibliográfica é evitar que o pesquisador

apresente como autoral uma solução já proposta por outro autor. Por isso, Stumpf

(2006) sugere que o exercício de consultar a literatura publicada sobre o assunto

estudado acompanhe o investigador durante todo o processo, não apenas na

construção do referencial teórico. A partir da leitura de artigos e livros, por exemplo,

Cervo, Bervian e Da Silva (2007, p. 60) dizem que “[...] busca-se conhecer e analisar

as contribuições culturais ou científicas do passado sobre determinado assunto, tema

ou problema”.

Mesmo que ocorra uma adaptação das contribuições já apresentadas por

autores, há a possibilidade de o pesquisador acrescentar ideias e opiniões junto à

pesquisa bibliográfica, que “não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre

certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem,

chegando a conclusões inovadoras” (MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 57). Dessa

forma, a pesquisa bibliográfica é caracterizada, num sentido restrito, como

um conjunto de procedimentos para identificar, selecionar, localizar e obter documentos de interesse para a realização de trabalhos acadêmicos e de pesquisa, bem como técnicas de leitura e transcrição de dados que permitem recuperá-los quando necessário. (STUMPF, 2006, p. 54).

Dentre esses procedimentos necessários para a pesquisa bibliográfica,

destacam-se a identificação das leituras disponíveis acerca do assunto e o fichamento

das citações consideradas preponderantes para o trabalho do investigador

(MARCONI; LAKATOS, 2008). Nesta pesquisa, além da consulta à bibliografia

existente acerca da conceituação de jornalismo, notícia e critérios de noticiabilidade,

relacionando-os à editoria de Polícia, foram feitas entrevistas, que também são meios

de obter informações sobre o tema estudado.

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5.1.4 Um diálogo profissional e intencional

A entrevista é uma conversa presencial entre duas pessoas. Nesse diálogo, os

indivíduos transformam-se em entrevistador e entrevistado, pois a conversa deve ter

caráter profissional (MARCONI; LAKATOS, 2008). Por isso, ela é controlada pelo

entrevistador com o intuito de coletar dados, como é feito no questionário e no

formulário (CERVO; BERVIAN; DA SILVA, 2007). Devido à importância para a

pesquisa, os autores dão dicas quanto aos questionamentos.

Deve-se evitar perguntas diretas que precipitariam as informações, deixando-as incompletas. É conveniente apresentar primeiramente as perguntas que tenham menores probabilidades de provocar recusa ou produzir qualquer forma de negativismo, uma após outra, a fim de não confundir o entrevistado. Sempre que possível, conferir as respostas, mantendo-se alerta a eventuais contradições. (CERVO; BERVIAN; DA SILVA, 2007, p. 52).

Em ciências sociais, a principal técnica utilizada é a entrevista em profundidade,

que normalmente é individual, mas também pode ser feita com duas fontes em

conjunto (DUARTE, 2006). Por meio dela é possível “recolher respostas a partir da

experiência subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja

conhecer” (DUARTE, 2006, p. 62). A técnica busca intensidade nas respostas e,

portanto, foge da quantificação ou representação estatística. Neste trabalho optou-se

por duas tipologias da entrevista em profundidade: semiaberta e aberta.

Segundo Duarte (2006), no modelo semiaberto o investigador elabora um roteiro

com, no máximo, sete questões. Embora o conhecimento do entrevistado seja

valorizado para além das perguntas feitas, é essa estrutura que vai orientar o

pesquisador. A padronização visa “obter, dos entrevistados, respostas às mesmas

perguntas” (MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 83). Assim, é possível notar semelhanças

e contradições acerca do tema.

Enquanto a entrevista semiaberta segue um roteiro, a aberta não tem itinerário,

pois é realizada a partir de um tema central, sem questões preestabelecidas

(DUARTE, 2006). Por isso, ela é mais flexível, já que não segue um roteiro. No

entanto, o pesquisador deve ter atenção e dominar o assunto para que a flexibilidade

não torne a conversa improdutiva.

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53

[A entrevista aberta] tem como ponto de partida um tema ou questão ampla e flui livremente, sendo aprofundada em determinado rumo de acordo com aspectos significativos identificados pelo entrevistador enquanto o entrevistado define a resposta segundo seus próprios termos, utilizando como referência seu conhecimento, percepção, linguagem, realidade, experiência. Desta maneira, a resposta a uma questão origina a pergunta seguinte e uma entrevista ajuda a direcionar a subsequente. A capacidade de aprofundar as questões a partir das respostas torna este tipo de entrevista muito rico em descobertas. (DUARTE, 2006, p. 65).

Por meio da entrevista semiaberta buscou-se compreender, junto aos repórteres

(ANEXO F) e à editora-chefe do JC (ANEXO E), de que modo ocorre a seleção,

apuração e veiculação das notícias policiais nesse impresso, ao passo que a

entrevista aberta verificou como representantes do Bairro Ewaldo Prass – a diretora

da Escola Christiano Affonso Graeff, Danieta Heinen; a coordenadora do Centro

Social Amigo da Criança, Alana Rodrigues; e o universitário e morador do bairro, Elias

Vandi Gonçalves – se apropriam do discurso do jornal para a construção de sentido

sobre a comunidade.

5.2 Desconstruir para interpretar: a técnica da Análise de Discurso

Além dos procedimentos que foram apresentados, este trabalho utilizou a

técnica da Análise de Discurso (AD) inglesa para compreender o discurso do JC sobre

o Bairro Ewaldo Prass nas notícias sobre homicídios. Essa técnica relaciona-se à

pragmática, ciência que estuda a forma pela qual as palavras são empregadas para

alcançar determinado objetivo em um diálogo, por exemplo (MANHÃES, 2006).

Segundo o autor, essa linha da AD entende que o discurso “é a apropriação da

linguagem (código, formal, abstrato e impessoal) por um emissor, o que confere a este

um papel ativo, que o constitui em sujeito da ação social” (MANHÃES, 2006, p. 305-

306). Esse sentido atribuído ao discurso prima pelo papel ativo do emissor, mas

também ressalta a importância do receptor para a sua produção e interpretação

(FAIRCLOUGH, 2001).

Ele percebe que essa interação entre jornalista – o autor usa o termo escritor –

e leitor vai além da emissão e interpretação de um texto. Isso porque o discurso exerce

efeitos “sobre as identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de

conhecimento e crença” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 31-32). Contudo, o autor diz que as

“relações de poder e ideologia” nem sempre são percebidas pelos receptores.

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Para Austin (1990, p. 89-90), esses efeitos às vezes são produzidos sem que o

emissor tenha esse “propósito, intenção ou objetivo”. Normalmente, a influência sobre

os sentimentos e as ações dos receptores é proporcional à frequência que o discurso

foi emitido (AUSTIN, 1990). Nesse contexto, Fairclough (2001, p. 90-91) não

considera o discurso uma atividade individual, mas apropriação da linguagem “como

forma de prática social”.

A AD, portanto, parte do pressuposto que há mais de um indivíduo presente no

discurso e, por isso, nessa metodologia o texto é descontruído em vozes. “A técnica

consiste em desmontar para perceber como foi montado.” (MANHÃES, 2006, p. 306).

Essa desconstrução, conforme Fairclough (2001), analisa os processos de produção,

distribuição e consumo textual, que podem variar por causa de fatores sociais.

Por exemplo, os textos são produzidos de formas particulares em contextos sociais específicos: um artigo de jornal é produzido mediante rotinas complexas de natureza coletiva por um grupo cujos membros estão envolvidos variavelmente em seus diferentes estágios de produção – no acesso a fontes, [...] na transformação dessas fontes [...] na primeira versão de uma reportagem, na decisão sobre o local do jornal em que entra a reportagem e na edição da reportagem [...]. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 106-107).

A AD inglesa tem como base a pragmática, termo que “está historicamente

relacionado às condições de fabrico ou maquinação de objetos ou assuntos com o

intuito de obter determinada retribuição” (MANHÃES, 2006, p. 306). Um dos primeiros

trabalhos relacionados à ciência da pragmática é de autoria do filósofo John Austin16

e também é a contribuição clássica para a AD inglesa (MANHÃES, 2006). O autor

também destaca os conceitos apresentados por John Searle, Oswald Ducrot, Emile

Benvenist e Norman Fairclough. A linha inglesa da AD

[...] caracteriza-se pela ênfase no papel ativo do sujeito, daquele que utiliza pragmaticamente as palavras para fazer coisas, embora ela não descarte o fato de o sujeito estar obrigado a obedecer a imperativos linguísticos, o que implica um relativo assujeitamento. Entretanto, o sujeito é movido por uma razão que visa a fins específicos em situações específicas, datadas e determinadas. Para a consecução desses fins, apropria-se conscientemente da linguagem, de suas regras e procedimentos, e emite atos de fala. [...] análise de discurso inglesa resulta na identificação da pessoa que conduz a narrativa dos acontecimentos e das proposições que formula para os interlocutores: pedidos ou ordens, por exemplo. (MANHÃES, 2006, p. 306).

16 Publicado originalmente em 1962 com o título How to do things with words, o trabalho do filósofo,

citado acima, foi traduzido para a língua portuguesa por Danilo Marcondes de Souza Filho, em 1990.

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55

Portanto, a AD inglesa objetiva a identificação dos emissores que narram um

acontecimento, como os jornalistas e as fontes, e a compreensão dos mecanismos

que eles utilizam para fazer afirmativas, pedidos ou ordens para os receptores do

discurso (MANHÃES, 2006). O uso da técnica nesta pesquisa visa compreender o

discurso do JC a partir da cobertura feita pelos repórteres, mas também com base no

modo como os leitores interpretam as notícias. Para isso, é necessário descontruir o

texto jornalístico nas instâncias conversacional, indexical e acional.

5.2.1 A conversação: implícitos e pressupostos

A primeira instância da AD inglesa determina que emissor e receptor tenham um

conhecimento inteligível a respeito da mensagem que os cerca (MANHÃES, 2006). A

mensagem em questão deve, ainda, fazer sentido de acordo com o contexto social

em que está inserida. As diferenças quanto ao entendimento do texto têm relação,

embora parcialmente, “com o tipo de trabalho interpretativo que neles se aplica (tais

como exame minucioso ou atenção dividida com a realização de outras coisas) [...]”

(FAIRCLOUGH, 2001, p. 107-108).

Apesar disso, entende-se que é a “consciência coletiva” que vai atribuir

significado aos procedimentos linguísticos denominados implícitos e pressupostos

(MANHÃES, 2006, p. 307). Segundo o autor, pressuposições são elementos

linguísticos que colaboram com a construção de significados de determinados grupos

sociais. Logo, o emissor considera que esses elementos serão totalmente

interpretados, mas o entendimento é facilitado com algumas pistas deixadas no texto,

como artigos e conjunções (FAIRCLOUGH, 2001).

Por exemplo, a proposição em uma oração introduzida pela conjunção ‘que’ pressupostamente segue verbos como ‘esquecer’, ‘lamentar’ e ‘perceber’ (por exemplo, ‘Eu esqueci que sua mãe tinha casado novamente’); e os artigos definidos indicam proposições que têm significados ‘existenciais’ (por exemplo, ‘a ameaça soviética’ pressupõe que há uma ameaça soviética; ‘a chuva’, que está/estava chovendo). (FAIRCLOUGH, 2001, p. 155).

Os implícitos – complementando a análise da instância conversacional – também

se incorporam na linguagem de um grupo. A diferença, nesse caso, é que não

precisam estar explícitos na conversação. Por isso é que o local onde as palavras

foram proferidas deve ser observado, pois seu significado depende do contexto

(AUSTIN, 1990).

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56

Como exemplo, Manhães (2006) cita a conversa entre dois surfistas que se

encontram na praia. Um deles usa a expressão ‘beleza’ como se questionasse o

estado de espírito do companheiro, que responde: ‘irado’. No entanto, como a

conversa ocorre na praia, entende-se que o ‘irado’ se refere ao mar, e não à pessoa,

pois essa é a consciência coletiva dos surfistas. Implícitos e pressupostos integram o

cenário conversacional de um discurso, o qual também é formado pela instância

indexical.

5.2.2 Indexical: discursos diretos e indiretos

O entendimento de que há implícitos e pressupostos em um discurso depende

da existência de enunciados. Em um texto, jornalístico ou não, os enunciados

incorporam partes de textos de outras pessoas (FAIRCLOUGH, 2001). Segundo o

autor, a essa prática é atribuído o termo intertextualidade, cuja abordagem foi

desenvolvida ao longo da carreira acadêmica do filósofo russo Mikhail Bakhtin,

embora o termo não seja uma criação sua.

Uma das formas assumidas pela intertextualidade é a representação do

discurso, em que outros textos são parcialmente incorporados a um texto principal

(FAIRCLOUGH, 2001). O autor faz uma distinção entre representação do discurso

direto e indireto. Quando são utilizadas as palavras exatas proferidas pelo sujeito – a

fonte jornalística – e elas são colocadas entre aspas, há um discurso direto, que

delimita bem a voz do responsável pelo texto e a voz de quem disse a sentença.

Manhães (2006, p. 310) denomina o recurso de aspas ou travessão utilizado no

texto de ‘ele’, que faz referência ao pronome pessoal, entendido como “a voz de

terceiras pessoas utilizadas [...] para conferir verossimilhança, sensação e eloquência

ao discurso”17. Nesse contexto, o ‘eu’ – que assume a posição de locutor – se apropria

do ‘ele’ para construir um discurso (MANHÃES, 2006). A partir da terminologia de

Fairclough (2001), o locutor realiza um discurso indireto, pois a fala da fonte é

incorporada à perspectiva de quem relata.

17 Nesta monografia, especialmente no capítulo da análise, é utilizada a nomenclatura apresentada por

Fairclough (2001), pois o trabalho desse autor é uma das contribuições originais para o estudo da Análise de Discurso inglesa. Enfatiza-se, porém, que as diferenças entre ele e Manhães (2006) existem somente no que tange à nomenclatura, uma vez que há verossimilhança entre os conceitos.

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Nesse caso não há o recurso das aspas, o que dificulta a separação das vozes

do locutor e da fonte. Manhães (2006) insere outro sujeito nessa discussão: o ‘tu’, que

é o interlocutor, o indivíduo que recebe a mensagem. No contexto do jornalismo

impresso, pode-se comparar o interlocutor ao leitor. A relação entre os discursos direto

e indireto, componentes da instância indexical, auxiliam a interpretar quem emite o

enunciado. Contudo, a AD inglesa também busca verificar as intenções por trás

dessas mensagens, o que cabe à instância acional.

5.2.3 Falas e expressões levam a ações

Os componentes conversacional e indexical da AD pertencente à escola inglesa

– ambos já apresentados – são elementos que constituem a forma textual do discurso.

Mas, além desses, os textos possuem “variáveis de natureza extradiscursiva”

(FAIRCLOUGH, 2001, p. 107-108). Tais variáveis, explica o autor, podem modificar

atitudes e crenças das pessoas, bem como conduzir a atos violentos.

Isso acontece porque o locutor “apropria-se da linguagem para ordenar, explicar

ou pedir e, ao fazê-lo, mostra o mundo a partir de seu ponto de vista a interlocutores”

(MANHÃES, 2006, p. 312). Logo, a instância acional pressupõe que todo proferimento

carrega consigo a realização de uma ação, que são atos de fala praticados por quem

usa a expressão (AUSTIN, 1990). Por isso é que um ato violento, por exemplo, pode

ser praticado não somente pelo leitor que se apropriou do discurso, mas também pelo

locutor que incitou a ação através de alguma expressão utilizada no texto.

A força de parte de um texto (frequentemente, mas nem sempre, uma parte na extensão de uma frase) é seu componente acional, parte de seu significado interpessoal, a ação social que realiza, que ‘ato(s) de fala’ desempenha (dar uma ordem, fazer uma pergunta, ameaçar, prometer, etc.). [...] Assim, no caso de ‘Prometo pagar ao(à) portador(a) se exigida a soma de 5 libras’, a força é a de uma promessa [...]. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 111).

As escolhas metodológicas para a elaboração da monografia objetivaram o

cruzamento de procedimentos. O intuito foi garantir a amplitude dos questionamentos

e das conclusões às quais o problema de pesquisa leva. No capítulo 6, são

analisadas as quatro notícias selecionadas da editoria de Polícia do JC com base nas

instâncias conversacional, indexical e acional, que pertencem à AD inglesa e

possibilitam descontruir o texto jornalístico pelos vieses do repórter, da fonte e do

leitor.

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6 O DISCURSO DO JC SOBRE O BAIRRO EWALDO PRASS

As quatro notícias analisadas neste capítulo foram publicadas entre 6 de

fevereiro de 2015 e 26 de fevereiro de 2016 na editoria de Polícia do JC. Para chegar

neste corpus, de início, fez-se um levantamento de notícias policiais publicadas no

jornal nesse período. Para tanto usou-se o método quantitativo, descrito no capítulo

5. Os dados obtidos a partir da observação das edições impressas do JC são

apresentados nas tabelas a seguir, que contêm informações sobre os bairros de

Candelária, os tipos de crime divulgados no período selecionado e o destaque dado

pelo jornal às notícias escolhidas.

Tabela 1 – Divisão em bairros das notícias publicadas na editoria de Polícia do JC no período de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016

Fonte: tabela elaborada por Julianne Barragan Wagner a partir de informações recolhidas nas edições de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016 do Jornal de Candelária.

A Tabela 1 elenca os bairros existentes em Candelária e enumera a quantidade

de vezes que cada região foi citada na editoria de Polícia do JC no período analisado.

Para contabilizar esses números foram consideradas as notícias que apresentaram

explicitamente os nomes dos bairros. Os textos jornalísticos que fizeram referência

Bairros de Candelária Referência ao bairro na editoria de Polícia

Notícias sobre homicídios

Boa vista - -

Centro 21 1

Costa Norte 2 2

Esmeralda - -

Ewaldo Prass 31 5

Marilene 5 1

Nova Germânia - -

Pôr do Sol - -

Princesa 2 -

Rincão Comprido 5 4

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59

somente às ruas e travessas não integram a contagem. Com base nessas

delimitações, verifica-se que 66 notícias policiais foram divulgadas, das quais 31 têm

relação com o Bairro Ewaldo Prass, o que representa 46,97% do total.

Os dados mostram que 13 notícias sobre homicídios foram publicadas e,

novamente, o Ewaldo Prass aparece na frente, com 5 textos jornalísticos presentes

nessa soma. As informações dessa tabela auxiliaram a pesquisadora a justificar a

escolha pelas notícias relacionadas ao bairro citado. Também foram considerados

outros aspectos, como os tipos de crime e a frequência com que apareceram.

Tabela 2 – Notícias divulgadas na editoria de Polícia do JC sobre o Bairro Ewaldo Prass

Fonte: tabela elaborada por Julianne Barragan Wagner a partir de informações recolhidas nas edições de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016 do Jornal de Candelária.

Ações da BM e PC/crimes Nº de notícias sobre o fato

Abigeato 1

Apreensão de carne 1

Apreensão de drogas 1

Arrombamento 2

Assalto 1

Captura de foragido 1

Disparos de arma de fogo 1

Furto 4

Homicídio (execução, morte) 5

Prisão 5

Recuperação de veículo 1

Roubo 2

Tentativa de homicídio 6

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60

Na Tabela 2, as 31 notícias sobre o Bairro Ewaldo Prass publicadas na editoria

de Polícia foram especificadas de acordo com o crime ou a ação da Brigada Militar e

da Polícia Civil a que se referem. Essa classificação levou em consideração a

nomenclatura usada pelo JC nos textos jornalísticos. Verifica-se que, das 31 notícias,

6 divulgaram tentativas de homicídio, crime mais publicado no período analisado,

seguido dos homicídios, com 5 registros na página policial. A escolha pelos textos

jornalísticos sobre homicídios deu-se em razão de esse ser um crime consumado,

enquanto o outro, como o termo indica, é uma tentativa. Após essa definição, outro

critério utilizado foi o de divulgação na capa ou contracapa do jornal.

Tabela 3 – Notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass e respectiva divulgação na capa e contracapa do JC

Fonte: tabela elaborada por Julianne Barragan Wagner a partir de informações recolhidas nas edições de 6 de fevereiro de 2015 a 26 de fevereiro de 2016 do Jornal de Candelária.

Nomenclatura

utilizada

pelo JC

“Homem é

executado

no Bairro

Ewaldo

Prass”

“Polícia

Civil

investiga

a morte

de Bijau”

“Nhonho é

morto a

tiros no

Ewaldo

Prass”

“Homem é

morto a tiros

no Bairro

Ewaldo

Prass”

“Candelária

tem seis

homicídios

em 29 dias”

Notícia

principal

x - x x x

Notícia

secundária

- x - - -

Foto

secundária

na capa

-

-

-

-

x

Manchete - - - x -

Chamada

na capa

- - x - -

Foto na

contracapa

x - - - -

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61

O cabeçalho da Tabela 3 apresenta, nos textos entre aspas, os títulos das

notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass. Na primeira coluna estão colocadas

algumas das nomenclaturas utilizadas pelo JC para definir os espaços que foram

ocupados pelos textos jornalísticos tanto nas páginas internas quanto na capa e

contracapa do impresso. A partir disso, foram selecionadas as notícias principais, que

no JC são aquelas assinadas pelos repórteres, e que tiveram destaque na capa ou

contracapa. Em função desses motivos, a notícia com o título “Polícia Civil investiga a

morte de Bijau” não faz parte da análise.

Com base nos critérios apresentados, esta pesquisa analisa os textos

jornalísticos intitulados “Homem é executado no Bairro Ewaldo Prass” (Notícia 1),

“Nhonho é morto a tiros no Ewaldo Prass” (Notícia 2), “Homem é morto a tiros no

Bairro Ewaldo Prass” (Notícia 3) e “Candelária tem seis homicídios em 29 dias”

(Notícia 4). Os nomes destacados entre parênteses após cada título foram inseridos

pela pesquisadora e são utilizados a seguir quando é feita alguma referência às

notícias.

Os textos jornalísticos utilizam a estrutura narrativa da pirâmide invertida,

apresentada no capítulo 2, pois privilegiam no início da notícia as características

singulares dos fatos – o que aconteceu; quem está envolvido; como foi – e, nos

parágrafos finais, buscam mostrar os aspectos particulares ao relacionar a maioria

dos homicídios à conduta criminosa das vítimas (GENRO FILHO, 2012).

A Notícia 1 foi publicada na edição de 27 de março de 2015 na página 17,

colorida, e é assinada pela editora Jaqueline Netto, a quem são creditadas as duas

fotografias que acompanham o texto. Ela divulga o homicídio de um homem de 37

anos e descreve que a morte pode estar relacionada com o furto de uma motocicleta,

crime que teria sido praticado pela vítima.

A editora também é responsável pela Notícia 3, da edição de 15 de janeiro de

2016, que aparece na página 11, impressa em preto e branco. Na notícia há duas

imagens, uma feita por Jaqueline e outra de divulgação. O texto jornalístico informa

sobre a execução de um homem de 36 anos e trabalha com a hipótese de que o crime

esteja relacionado à dívida que a vítima possuía em função do uso de drogas.

Em 14 de agosto de 2015, na página 13, em preto e branco, foi publicada a

Notícia 2, que expõe as circunstâncias do homicídio de um homem de 35 anos. De

acordo com a notícia, assinada pelo repórter Luiz Carlos Lopes, o crime pode estar

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62

relacionado ao tráfico de drogas. O texto contém três fotografias de divulgação. Assim

como na Notícia 1 e na Notícia 3, as imagens da Notícia 2 são colocadas na

horizontal, em duas colunas, quando mostram o local do crime e o corpo da vítima

que, nos casos em que aparece, é encoberto por panos ou tem o rosto do morto

quadriculado por uma tarja inserida. Nos três casos, além das imagens horizontais,

há fotos boneco das vítimas, estilo três por quatro.

Essas notícias têm como fontes de informação o B.O., policiais civis e militares

e os delegados que comandaram as investigações. Conforme foi destacado no

capítulo 3, essas fontes são denominadas oficiais, pois representam executivo,

legislativo e judiciário e, por causa dessa relação, apresentam dados e pareceres que

favorecem esses poderes (LAGE, 2003). A partir desses depoimentos, os três textos

jornalísticos informam os nomes das vítimas, as idades e situam as ruas e o bairro

onde os homicídios aconteceram, além de destacarem que as vítimas tinham

antecedentes criminais e elencarem os tipos de fatos a que estavam ligadas.

Lopes (2016) e Gross (2016) explicam que os nomes das vítimas foram

publicados por orientação da editora. Segundo os repórteres, a divulgação dessa

informação coincide com o interesse do leitor, que quer saber quem morreu. Nesses

acontecimentos o repórter “oferece a notícia por interação porque o leitor é tido por

sabedor de que na sociedade existem crimes e perversões [...]” (PEDROSO, 2001, p.

83). Com essa visão de que as informações sobre os homicídios chegam ao receptor

antes do jornal, o JC publica os dados das vítimas e situa o local dos crimes para

confirmar o acontecimento.

Além desses itens, a Notícia 2 contém, no último parágrafo, os números de

telefone da Polícia Civil para que os leitores entrem em contato se tiverem informações

que possam auxiliar na investigação do crime. Já a Notícia 3 acrescenta que a vítima

deixou a mãe e os cinco irmãos enlutados. Enquanto esses textos destinam-se à

divulgação de um fato isolado, a Notícia 4 aborda os homicídios registrados em

Candelária em janeiro de 2016 e descreve a preocupação causada nos

candelarienses em razão desses acontecimentos.

Ela foi publicada em 29 de janeiro de 2016, na página 10 – em preto e branco –

com uma imagem horizontal, em duas colunas, do delegado que é a fonte da

informação, mais seis fotos boneco das vítimas. A fotografia do delegado é de autoria

da repórter Mariele Gomes Gross, que assina a notícia, e as demais são do arquivo

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63

do JC. Junto das imagens dos executados são informados seus nomes e suas idades,

além do local onde o crime aconteceu. A partir do relato do delegado, a notícia

apresenta as circunstâncias em que se deram os homicídios e o que a Polícia Civil

tem feito para reprimir essas ações.

Conforme destacado no início deste capítulo, os textos jornalísticos analisados

foram publicados na editoria de Polícia do JC no período de 6 de fevereiro de 2015 a

26 de fevereiro de 2016. A seleção das quatro notícias que compõem o corpus do

trabalho teve como base a pesquisa quantitativa que, de acordo com Epstein (2006),

é pouco usual em ciências sociais. Nesta monografia, o método possibilitou o

levantamento estatístico para obtenção dos dados apresentados na Tabela 1, na

Tabela 2 e na Tabela 3.

Embora a análise estatística das notícias policiais seja considerada reducionista

e “rigidamente controlada”, é ela que garantiu o avanço na observação dos textos

jornalísticos para “testagem de uma teoria” (CRESWELL, 2010, p. 177). Segundo o

autor, nessa nova etapa da monografia os dados coletados são interpretados pelo

pesquisador, que utiliza o método qualitativo para compreender a complexidade do

objeto de estudo, atribuindo-lhe significados.

A pesquisa qualitativa permitiu compreender o discurso do JC sobre o Bairro

Ewaldo Prass nos textos que noticiaram homicídios, que é o principal objetivo da

monografia. Com base nesse método de pesquisa os textos foram descontruídos nas

instâncias conversacional, indexical e acional, que são os componentes da AD

inglesa. A técnica, apresentada no capítulo 5, visa ao entendimento das intenções do

emissor ao divulgar um discurso e da interpretação feita pelo receptor ao entrar em

contato com o mesmo (FAIRCLOUGH, 2001).

Os textos jornalísticos foram analisados em cada instância, representadas nos

subcapítulos 6.1, 6.2 e 6.3. As notícias são identificadas pelos nomes destacados

anteriormente. A análise começa pela instância conversacional, que visa ao

entendimento dos implícitos e pressupostos presentes em trechos retirados das

notícias do JC sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass.

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6.1 Implícitos e pressupostos nas notícias sobre homicídios

Na AD da escola inglesa, a instância conversacional, que se divide em implícitos

e pressupostos, destina-se à interpretação do sentido de determinada sentença

(AUSTIN, 1990). Para que haja o entendimento do conteúdo da mensagem o receptor

deve interpretá-la de acordo com o contexto social em que ela está inserida

(MANHÃES, 2006). Mas, a partir dos conceitos trabalhados no capítulo 2, percebe-

se que a interpretação feita pelo leitor depende também do discurso adotado pelo

jornal acerca do tema.

Nesse discurso, além da linha editorial do meio de comunicação, está presente

a subjetividade do repórter, que aborda o fato com base no conhecimento prévio que

tem sobre o mesmo. Desse modo, os significados das notícias variam de acordo com

a proximidade que o repórter tem do acontecimento. Esses significados por trás do

uso de determinadas palavras e expressões no texto jornalístico influenciam no

entendimento do leitor acerca do fato.

A partir da compreensão de que a informação jornalística exerce um papel

importante na interpretação da realidade, foram selecionados trechos das quatro

notícias do JC que contêm palavras, expressões e vocábulos em que está inserido o

posicionamento do repórter sobre o acontecimento noticiado. A análise das sentenças

levou em consideração o referencial teórico dos capítulos anteriores, as entrevistas

feitas com a editora e os repórteres do JC, bem como os depoimentos de pessoas

ligadas ao Bairro Ewaldo Prass, onde aconteceram os homicídios noticiados.

Com esse último caso, já são cinco as vítimas de homicídio no município em 2015. (Notícia 1). Mais uma cena de violência foi proporcionada em Candelária [...]. (Notícia 2). A escalada de crimes violentos continua a subir em Candelária. (Notícia 3). Depois da onda de assaltos registrada durante o mês de setembro de 2015 em Candelária, agora o que assusta a população é a violência que se mostra permanente no município. (Notícia 4).

Nesses trechos, verifica-se que o jornal tem feito um monitoramento quanto aos

homicídios registrados em Candelária. O que deixa implícito se o número de casos é

grande ou não é o local em que os fatos aconteceram. Como se trata de Candelária,

um município do interior, e a Notícia 1, por exemplo, foi publicada em março – ou

seja, o ano recém tinha começado – compreende-se que o número de vítimas de

homicídio é grande e que a população deve ficar atenta a esses casos.

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Segundo Fairclough (2001), alguns elementos do texto auxiliam na identificação

do sentido da sentença. O uso do vocábulo “mais” e do artigo definido “a” em “A

escalada [...]”, no início das frases da Notícia 2 e da Notícia 3, respectivamente, é um

pressuposto linguístico de que o número de "crimes violentos" em Candelária tem sido

grande. Ao passo que o trecho da Notícia 4 deixa implícito que o município tem sofrido

muito por causa da violência e que cabe aos órgãos de segurança devolver a

tranquilidade à população.

A frequência com que um discurso é publicado atribui relevância ao tema

noticiado. Nos fragmentos da Notícia 1, da Notícia 2, da Notícia 3 e da Notícia 4

estão em evidência a violência e o crime que se manifestam na forma de homicídios.

À proporção que essas mortes são repercutidas no JC através das notícias, a

preocupação em torno da criminalidade passa a ser compartilhada pelos leitores, pois

apesar de o jornal não ter “o poder de oferecer às pessoas a forma como elas devem

pensar, [...] consegue de fato [...] impor-lhes o que têm de pensar” (ALSINA, 2009, p.

87).

Na expressão “crimes violentos”, por exemplo, que aparece na Notícia 3, o JC

faz uso de dois conceitos distintos – de crime e de violência – para identificar tanto os

assaltos quanto os homicídios registrados no município. A partir das definições

trazidas no subcapítulo 3.1, compreende-se que, por meio da expressão, o jornal

reforça o caráter cruel do criminoso. O JC enfatiza a brutalidade com que a ação

criminosa foi praticada – com o uso de força física ou de algum tipo de instrumento ou

arma – e mostra o resultado desse ato: lesões graves ou morte (CARVALHO, 2010).

Expressões como “cena de violência” (Notícia 2), “crimes violentos” (Notícia 3),

e “onda de assaltos” (Notícia 4) expõem uma opinião do jornal. A informação

transmitida pelo JC “passa do fazer saber para o fazer acreditar (a persuasão), e para

o fazer sentir (o sensacionalismo emocional)” (ALSINA, 2009, p. 246). Seu discurso

não se atém a informar, mas a opinar para provocar a sensação de medo e

insegurança em quem lê o texto e, principalmente, em quem mora no Bairro Ewaldo

Prass.

Os antetítulos utilizados nas notícias também ajudam a contextualizar e ampliar

a ideia de que os homicídios registrados no Bairro Ewaldo Prass causam uma

sensação de medo e insegurança em todo o município, pois mostram o quanto a

violência – que antes estaria restrita a esse bairro – é um problema que atinge toda a

população. Os antetítulos da Notícia 3, “Mais um”, e da Notícia 4, “Violência sem fim”,

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apesar de sucintos “dizem o ponto de observação em que o editor se colocou para

abordar os fatos” (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 147).

De acordo com o autor, ao antetítulo cabe antecipar a informação central da

notícia e complementar o enunciado apresentado no título. Do modo como foram

apresentadas no JC, essas expressões – “Mais um” e “Violência sem fim” – não

podem ser consideradas ingênuas, pois mostram o papel desempenhado pelo jornal

na “formação de ondas de crime” (MORETZSOHN, 2003, p. 13). Isso significa que,

vistos isoladamente, os homicídios não representariam medo e insegurança. No

entanto, mesmo que sejam casos reduzidos, eles são descritos pelos repórteres nos

mínimos detalhes e associados a enunciados que generalizam a violência (ALSINA,

2009).

O uso de palavras e expressões que reforçam a quantidade de crimes no

município e a crueldade desses fatos, bem como a frequência com que esses

acontecimentos são divulgados, espalha uma atmosfera de insegurança para todo o

município – todos começam a ter a sensação de medo, de que o município é um lugar

violento e qualquer um pode ser a próxima vítima. Como os textos selecionados se

referem ao Bairro Ewaldo Prass, essa insegurança parece ser ocasionada unicamente

pelos moradores do local, pois o jornal pretende que o leitor analise os fatos e

“reconheça o seu lugar na estruturação da sociedade” (PEDROSO, 2001, p. 87). A

diretora da escola localizada no bairro opina sobre a repercussão da violência.

Como fazem nove anos que a gente está trabalhando aqui, eu fico triste, vamos dizer assim, cada vez que o bairro é citado por problemas de violência. Nós sabemos que a violência no Brasil está bem generalizada – aqui no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, a gente só ouve falar dessas coisas – então a gente não foge à regra. Mas, realmente, aqui no bairro existe. Por envolvimentos com tráfico ou alguns que ainda se mantêm desocupados, automaticamente isso faz com que a violência apareça de uma maneira um pouco mais acentuada. (HEINEN, 2016).

Embora reconheça que a violência está generalizada no País, ela considera um

equívoco noticiar esses atos com frequência, pois a divulgação crescente incentiva

essa conduta criminosa (HEINEN, 2016). Notícias em excesso sobre esses

acontecimentos também tornam a prática algo banal, principalmente no bairro, onde

os moradores convivem cotidianamente com furtos, mortes e brigas normalmente

relacionadas ao tráfico de drogas. Isso é possível perceber na Notícia 3, onde se lê:

“A vítima era usuária de drogas e possuía passagens na polícia pela prática de

pequenos furtos, possivelmente para sustentar o vício”.

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Nessa frase o jornal minimiza a morte da vítima, como se o fato de ela ter

antecedentes criminais e ser usuária de drogas justifique as motivações do crime e

faça o leitor compreender que esse é o único caminho para quem tem esse tipo de

conduta. Essa banalização é recorrente na editoria de Polícia. Independente da linha

editorial dos jornais, eles unem-se e assumem o “discurso oficial que [...] trata de

definir [...] um inimigo mitificado e demonizado – [...] a droga” (MORETZSOHN, 2003,

p. 8).

A escolha de uma pessoa ou, nesse caso, de uma substância ilícita como

“símbolo [da criminalidade] é parte da cartilha básica do jornalismo. Produz empatia,

torna mais fácil a compreensão de contextos complexos e traz para o cotidiano

conceitos abstratos” (RAMOS; PAIVA, 2007, p. 61). De acordo com as autoras, essa

busca pela interação com o leitor chegou a justificar a criação de um assassino fictício

na década de 1970. O exterminador de ladrões Mão Branca, que assustou o Rio de

Janeiro, teria sido um personagem inventado por um repórter.

O trecho da Notícia 3 destacado anteriormente também possui uma intervenção

do repórter. Embora não haja nenhum personagem fictício, a utilização do termo

“possivelmente” traz uma conclusão explícita sobre os motivos que levaram a vítima

a furtar: “para sustentar o vício”. O uso desse termo apresenta uma especulação a

respeito da conduta da vítima e, como já indicado, banaliza o homicídio. Ao fazer este

indicativo na notícia, o repórter publica uma sentença antes mesmo do encerramento

do inquérito policial.

“A escolha desse tipo de discurso [...] não é gratuita: visa expor, indiretamente,

um posicionamento crítico, não apenas do redator, mas do próprio jornal, em relação

ao tema da notícia.” (SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 23-24). Nesse caso, o fato em si –

o homicídio – é minimizado em relação à conduta da vítima. Com a manipulação de

algumas palavras a notícia passa do âmbito da divulgação de um acontecimento para

o pronunciamento da sentença sobre um fato.

O JC também se posiciona criticamente na sentença “O desempregado

Claudiomiro Borges, o Nhonho, 35 anos, ex-detento do Presídio Estadual de

Candelária, foi morto a tiros [...]” (Notícia 2). As expressões “desempregado” e “ex-

detento” diminuem o choque ocasionado pela morte violenta, pois o discurso do JC

induz o leitor à interpretação de que não estar trabalhando e já ter sido preso são

situações que só podem levar à morte.

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Nessa sentença, o jornal naturaliza implicitamente o homicídio ao reconhecer

que o “fato de a pessoa estar desempregada ou não possuir formação profissional”

são indícios que identificam a delinquência da vítima (PEDROSO, 2001, p. 100). Logo,

o JC atribui à vítima características que levam à glorificação da morte e do assassino.

“Viva a tortura! Viva o ser humano transformado em picadinho! Viva a morte!” (SOUZA,

2002, p. 48). Em razão dos estereótipos conferidos pelas notícias às pessoas

executadas, os assassinos transformam-se em heróis, pois os leitores se identificam

com eles ao entenderem que tiraram de circulação os verdadeiros criminosos.

Como grande parte desses homicídios vincula-se ao tráfico de drogas, alguns

moradores do Bairro Ewaldo Prass, especialmente as crianças e os adolescentes, têm

uma visão distorcida da figura do traficante, que é o modelo a ser seguido. Por isso,

ser professor em escolas que convivem com a guerra entre grupos rivais “é um ato

quase heroico”, pois o ensino às vezes não consegue se impor diante de propostas

irrecusáveis feitas pelos traficantes aos alunos, valores que estão muito acima do

“padrão social do lugar” (SOUZA, 2002, p. 63). No Bairro Ewaldo Prass, Rodrigues

(2016) nota a influência da criminalidade a partir dos diálogos que tem com as crianças

e os adolescentes.

Eles [adolescentes e crianças] falam que o traficante é o dono da vila. Eles falam com respeito. Mas nunca têm muitos detalhes. Parece uma figura de respeito mesmo, que tu nem podes falar muito. Não se fala detalhes, não se dedura ninguém, mas essa figura está lá em cima, hierarquicamente superior. Inclusive quando é perguntado “o que você quer ser quando crescer?”, muitos falam “bandido, traficante”. Para eles, porque você vai trabalhar direitinho, cumprir horário, para ganhar mil reais, digamos, sendo que o traficante, por exemplo, ganha muito mais. Quem lida com isso [drogas] é que tem poder financeiro e poder sobre a comunidade. Posso dizer que é assim pelo que as crianças falam. (RODRIGUES, 2016).

Nas notícias do JC, esses dilemas relatados pela coordenadora do Centro Social

não são percebidos. No discurso do jornal, mesmo quem não tem nenhum

envolvimento com a criminalidade pode ser tachado como apoiador ou pessoa que

não auxilia nas investigações da polícia, como se verifica nos trechos a seguir.

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Contudo, apesar do movimento nas ruas, ninguém viu ou ouviu nada. (Notícia 1). [...] a ausência de testemunhas dispostas a falar dificulta o trabalho da polícia. (Notícia 1). [...] mais uma vez a lei do silêncio reinante no Bairro Ewaldo Prass com relação às atividades do crime se manifestou e nenhuma testemunha foi encontrada para falar do caso. (Notícia 2). Até o momento, não apareceram testemunhas que tivessem presenciado o crime. (Notícia 3). Marquardt concorda que o quadro da violência que se instalou em Candelária é algo preocupante e que em alguns locais impera a lei do silêncio, dificultando o trabalho policial. (Notícia 4).

A utilização do artigo definido “a” em “a ausência”, na Notícia 1, e do vocábulo

“mais”, na Notícia 2, é um pressuposto linguístico de que existe uma negativa

frequente das testemunhas para falar sobre homicídios ocorridos no bairro. Da forma

como são empregados nas frases, esses elementos deixam implícito que a “lei do

silêncio” prejudica a investigação da Polícia Civil. Segundo Heinen (2016) e Gonçalves

(2016)18, as “pessoas de bem” do local procuram não se envolver com os casos para

não entrar em confronto com os traficantes, que têm armamentos e podem ameaçar

as testemunhas e seus familiares.

Para eles, cabe ao jornal contextualizar os acontecimentos e divulgar, além da

violência, os fatos positivos. “Porque as pessoas que vêm aqui tendem a achar que é

uma coisa que pega fogo. Como se aqui fosse outro município, um distrito separado.”

(GONÇALVES, 2016). A partir desses depoimentos, entende-se que a “lei do silêncio”

é uma proteção encontrada pelos moradores, não um apoio aos criminosos. Porém,

essa conduta é compreendida somente pelas pessoas que residem no bairro ou que

convivem com os habitantes do local.

Portanto, os leitores do JC que são de outras regiões de Candelária e não têm

entendimento do significado por trás da ausência de testemunhas podem

compreender, a partir dos trechos assinalados anteriormente, que todos os moradores

do Bairro Ewaldo Prass são coniventes com os homicídios e apoiam os assassinos.

Isso se dá em razão da distância territorial e ideológica existente entre dois territórios,

pois, sem conhecimento dos fatos, a notícia tem poder decisório sobre a realidade

(SODRÉ, 2006). Esse discurso que distorce o real é ocasionado também pela

cobertura feita pelos repórteres.

18 Elias Vandi Gonçalves é estudante de Biologia na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), de

Cachoeira do Sul, e morador da Rua Castelo Branco, no Bairro Ewaldo Prass.

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De acordo com Lopes (2016), ele foi poucas vezes ao bairro, pelo fato de não

residir no município e não estar na cidade quando o homicídio acontecia. Nesses

casos, noticiava o crime a partir de informações do B.O. ou de declarações do

delegado e de policiais. Gross (2016) diz ter ido ao local em três momentos: na

cobertura de um incêndio em uma casa; quando houve a denúncia de um leitor sobre

um depósito de lixo; e para entregar um presente a uma menina que foi selecionada

na promoção de Natal promovida pelo JC.

Apesar disso, explica que fazia poucas notícias da editoria de Polícia, pois na

maioria das vezes eram produzidas pela editora ou por Luiz Carlos Lopes. No caso

da Notícia 4, coube a Mariele Gomes Gross porque era um levantamento estatístico

dos homicídios, cuja pauta foi sugerida pela repórter. Contudo, embora os textos

jornalísticos sejam assinados por repórteres diferentes e em edições distintas, verifica-

se um discurso repetido, especialmente na questão da “lei do silêncio”.

Os principais elementos que transformam os fatos em notícias com estrutura e

conteúdo quase idênticos são os valores-notícia, conforme exposto no capítulo 2, que

se encontram “profundamente enraizados em todo o processo informativo [e] incidem

na qualidade da informação” (WOLF, 2009, p. 118). No que tange à divulgação da

violência, os valores-notícia do JC “amortizam a indignação” dos leitores, pois a

narrativa dos fatos sobre homicídios – que de forma repetitiva explora o lado curioso

dos acontecimentos, sem contextualização – faz com que o receptor deixe de “ser

capaz de se sensibilizar quanto ao trágico, à miséria, à dor” (COSTA, 2002, p. 135).

Do mesmo modo que a apresentação das notícias influencia na interpretação

dos leitores acerca de determinada realidade social, a seleção das fontes que vão

relatar os acontecimentos também tem papel fundamental na compreensão dos fatos.

Por isso, após a instância conversacional, a instância seguinte analisada neste

capítulo foi a indexical.

6.2 A representação das fontes em discursos diretos e indiretos

Nas quatro notícias do JC selecionadas para análise é possível observar que as

fontes de informação foram os registros do B.O., policiais civis e militares e delegados

responsáveis pela investigação dos homicídios noticiados. Os dados obtidos junto à

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Brigada Militar e à Polícia Civil aparecem nos textos jornalísticos tanto como discurso

indireto quanto direto, duas das formas assumidas pela instância indexical.

De acordo com Fairclough (2001), no discurso indireto o repórter se apropria das

informações das fontes e adapta-as à linguagem jornalística, enquanto no discurso

direto há uma transcrição das palavras utilizadas pelas fontes. Nesse caso existe uma

diferenciação explícita, por meio do recurso gráfico das aspas, entre as vozes de quem

proferiu a sentença e de quem escreveu a notícia.

Para análise da instância indexical das notícias do JC foram retirados trechos

que correspondem às duas formas de discurso elencadas. A intenção não foi apenas

verificar as diferenças entre os discursos, mas também compreender as razões que

levaram os repórteres a representar um fato a partir de um ponto de vista em vez de

outro, como se observa nos seguintes fragmentos dos textos jornalísticos.

De acordo com o delegado Felipe Staub Cano, que comanda as investigações, existem poucas pistas sobre como teria ocorrido o crime [...]. (Notícia 1).

Conforme o delegado Rodrigo Marquardt da Silveira, Nhonho cumpria pena por tráfico de drogas no Presídio Estadual de Candelária desde 17 de março do ano passado e estava em liberdade desde 22 de julho último. (Notícia 2).

Conforme o delegado de Polícia de Candelária, Rodrigo Marquardt da Silveira, pelo menos três dos homicídios que ocorreram nos últimos dias estão relacionados ao tráfico de drogas. Contudo, os demais são por motivos diversos tais como desavenças familiares. (Notícia 4).

Até o momento, de acordo com o delegado, três dos crimes já foram elucidados e devem ter seus inquéritos concluídos já na próxima semana. Os demais seguem em investigação, porém a Polícia já possui suspeitas sobre os autores dos homicídios. (Notícia 4).

Nesses trechos, as informações quanto aos homicídios são prestadas

exclusivamente pelos delegados na forma de discurso indireto. Embora haja uma

indicação explícita das fontes, por meio dos nomes e dos cargos, as palavras emitidas

não estão entre aspas, recurso gráfico que caracteriza o discurso direto. No discurso

indireto, a designação do cargo das fontes – inclusive evidenciando que o delegado

“comanda as investigações” (Notícia 1) – corresponde à necessidade do repórter de

legitimar os depoimentos pelo status da pessoa. Isso garante veracidade à informação

por causa da autoridade de quem a pronunciou (NEVEU, 2006).

Portanto, os pontos de vista dos delegados são evidenciados nos fragmentos

dos textos do JC porque eles têm status de autoridade policial. Segundo Netto (2016),

por causa disso ela sempre recomenda que os repórteres entrevistem as fontes

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oficiais em coberturas para a editoria de Polícia. Para a editora, a opção por essas

fontes deve-se também à segurança jurídica e informativa.

A gente evita ouvir pessoas na cena do crime para evitar eventuais processos, porque uma pessoa pode dizer uma coisa, outra dizer outra e esse conflito pode gerar algum problema jurídico para o jornal. Então a gente sempre opta por ouvir a fonte que dá essa segurança ao jornal. (NETTO, 2016).

Além de representarem uma espécie de proteção para o jornal quanto a

processos jurídicos, essas fontes tendem a ser receptivas com os repórteres e

programam suas atividades de acordo com as necessidades dos meios de

comunicação (WOLF, 2009). No JC, essa receptividade é percebida inclusive na

forma como os fatos policiais chegam ao conhecimento da equipe de redação.

Segundo Netto (2016), além de informações repassadas por “populares”, às vezes a

própria polícia entra em contato com o jornal. Logo, evita-se a publicação de notícias

que questionem as ações da Brigada Militar e da Polícia Civil a fim de manter a

confiança depositada no JC por esses órgãos de segurança pública.

Em outros termos, os repórteres não cumprem o papel do jornalismo de recorrer

a “fontes múltiplas” para que a notícia apresente ao leitor o outro lado, ou outros lados,

da história, que se tornou uma “prática estabelecida” (TRAQUINA, 2012, p. 59). Com

isto, os homicídios – “fatos [...] jornalísticos por excelência” – deixam de ser abordados

no seu potencial crítico, pois não há uma orientação para se fazer um jornalismo

investigativo (MORETZSOHN, 2003, p. 25).

Mesmo que saibam que o acontecimento vai ter uma “dimensão pública” ao ser

noticiado, os repórteres não contextualizam o fenômeno observado pela fonte

(ALSINA, 2009, p. 229). Deste modo, à narrativa da Brigada Militar e da Polícia Civil

é conferida uma posição de autoridade.

A relação do repórter com o policial, seja ele delegado, inspetor ou brigadiano, é uma relação de confiança. Geralmente, no início, ocorre uma apresentação: “Eu sou o fulano, repórter do jornal tal, eu preciso saber as informações...”. Por exemplo, se o delegado te pediu para não publicar tal coisa, você deve seguir aquilo ali. Você publica somente o que foi autorizado, porque muitas vezes, na vontade de dar um furo ou algo diferente no teu jornal, você acaba revelando uma coisa que viu porque estava lá dentro da delegacia e acaba prejudicando o trabalho de investigação. Aí, em vez de o jornal fazer seu papel social, ele acaba fazendo um desserviço e o trabalho policial vai por água abaixo. Caso contrário, da próxima vez que você chegar lá [na delegacia] não vai ser bem recebido. Comigo nunca aconteceu, mas já teve colegas que tiveram que ser substituídos da editoria de Polícia. (LOPES, 2016).

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O depoimento do repórter demonstra a necessidade contínua que o profissional

do JC tem de colocar os interesses da Brigada Militar e da Polícia acima da relevância

do fato. Por causa do acesso único à polícia com fonte jornalística, as notícias

apresentam uma estrutura narrativa semelhante, como se fossem formulários pré-

fabricados em que apenas se substituíssem a data do homicídio e o nome de quem

foi assassinado. Isso acontece pois, ao relatar o fato, a fonte vai mostrar a importância

do seu ponto de vista. No entanto, cabe ao repórter “decidir onde está a notícia”, e

não o delegado, como ocorre (ALSINA, 2009, p. 228).

A partir da observação dos discursos indiretos nas notícias do JC sobre

homicídios no Bairro Ewaldo Prass, percebe-se que para os repórteres desse

impresso a informação está, na maioria das vezes, na Delegacia de Polícia. Isso

porque os policiais são tratados como “fontes confiáveis [...] cujas vozes são aquelas

que são mais largamente representadas no discurso da mídia” (FAIRCLOUGH, 2001,

p. 143-144). Em relação ao discurso direto, essas vozes são identificadas e

demarcadas de forma explícita.

“Ainda é cedo para afirmar, mas estamos investigando essa relação”, destacou Cano. (Notícia 1). “Ele tinha antecedentes por tráfico e também por lesão corporal, ameaça, homicídio, dano, desobediência, entre outros”, revelou. (Notícia 2). “Ainda não há pistas sobre o caso, que poderá ser de difícil solução”, finalizou. (Notícia 2). “Intensificamos as investigações para podermos efetuar estas prisões. Mesmo o número de mortes sendo algo alarmante, estamos trabalhando para combater esse mal observado em todo o país”, pontua. (Notícia 4).

O depoimento da Notícia 1 foi proferido pelo delegado Felipe Staub Cano e as

falas da Notícia 2 e da Notícia 4 são do delegado Rodrigo Marquardt da Silveira.

Como já destacado, é o recurso gráfico das aspas que deixa clara a divisão entre as

vozes do jornal e da fonte e diferencia os discursos indireto e direto, esse último

representado nos trechos acima. Contudo, essa divisão explícita entre as vozes

presentes na notícia é um recurso mais visual do que conceitual, pois nas citações

diretas também há subjetividade do repórter, desde o contato com as fontes até a

seleção das falas que serão utilizadas. Portanto, o discurso direto causa um falso

efeito de objetividade, como que dizendo: a reprodução do fato foi possibilitada ao jornalista devido aos relatos que conseguiu apurar; isenta-se, assim, ilusoriamente, o enunciador de uma possível coparticipação ao captar e redigir o fato. (PEDROSO, 2001, p. 84-85).

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Conforme mencionado no subcapítulo 2.3, os jornalistas pautam seu trabalho

por procedimentos – como recorrer às fontes oficiais – que são tidos como objetivos

e garantem um rigor científico à atividade jornalística (GENRO FILHO, 2012). Porém,

não há objetividade quando o repórter intervém na informação com um discurso que

oculta algum “aspecto importante” do acontecimento (BELTRÃO,1980, p. 26). A ilusão

quanto à objetividade do repórter na descrição dos depoimentos diretos também se

perde ao analisar os verbos representadores selecionados para impor uma

interpretação às falas dos entrevistados.

A escolha por “destacou” (Notícia 1), “revelou” e “finalizou” (Notícia 2) e “pontua”

(Notícia 4), ao invés de disse, especifica o prestígio e a importância das fontes

(FAIRCLOUGH, 2001). Conforme explica o autor, o verbo representador assinala a

importância dos entrevistados.

Para o entendimento do conteúdo dessas declarações é preciso compreender,

além das citações diretas, o discurso indireto. Nos fragmentos anteriores dos textos

do JC as sentenças entre aspas reforçam ou complementam uma informação já

apresentada. Por exemplo, o trecho retirado da Notícia 1 tem relação com o discurso

indireto do JC na frase anterior: “o delegado adiantou que o envolvimento da vítima

com o furto de uma motocicleta pode estar relacionada com o crime”. Nesse caso, a

opinião da fonte – que representa um órgão de segurança e, portanto, o poder

judiciário – prevalece tanto por causa de seu status quanto pela repetição que causa

o “efeito de dizer a verdade” (ALSINA, 2009, p. 174).

No texto jornalístico, a verdade não simboliza o nome de uma qualidade. Ela diz

respeito a uma “dimensão de apreciação de como as palavras se situam quanto à sua

adequação aos fatos, eventos, situação, etc., a que se referem” (AUSTIN, 1990, p.

122). Neste contexto, nas notícias sobre homicídios publicadas no JC – em que o fato

é transmitido ao leitor sob a perspectiva única das fontes oficiais – ocorre uma

manipulação da mensagem. Isso porque, mesmo que a informação seja exata, não

estará completa tendo em vista a inexistência de pessoas que relatem o

acontecimento por outro viés (CORNU, 1994).

Além de os repórteres destacarem explicitamente a fonte de informação, por

meio dos nomes dos delegados, e darem ênfase aos seus depoimentos transcrevendo

as palavras pronunciadas, outro recurso utilizado é o de recorrer ao B.O. Conforme

mencionado no capítulo 3, o documento é elaborado tanto em uma Delegacia de

Polícia quanto por policiais militares que se deslocam ao local do acontecimento.

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A facilidade com que os relatos do B.O. são aceitos pelos jornalistas amplia as

possibilidades de serem propagados pré-julgamentos nas notícias policiais, pois esse

tipo de apuração não permite a “separação nítida entre jornalismo e polícia”

(CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 61). O autor descreve que, geralmente, o repórter copia

os registros desse documento e, na redação, adapta as informações à linguagem do

veículo impresso sem checagem ou visão crítica. Em função dessa adaptação que

ocorre na narrativa contida no B.O., ele é considerado uma fonte que será

representada no jornal por meio do discurso indireto.

De acordo com Lopes (2016), no JC são mínimas as ocasiões em que o repórter

vai ao local onde o fato policial aconteceu e, por isso, as informações do B.O. – que

normalmente é acessado pelo repórter na Delegacia de Polícia – tornam-se

primordiais para a descrição do homicídio e da cena do crime.

Conforme ocorrência, a Brigada Militar foi acionada por populares, por volta das 21h, dando conta de que havia um homem caído na rua. Ao chegar ao local, os PMs constataram que o homem já estava sem vida. A vítima, mais tarde identificada como José Luiz da Silva Pais, apresentava pelo menos cinco perfurações de bala no corpo, uma delas na cabeça. (Notícia 1). Conforme o registro policial, a Brigada Militar foi acionada, via telefone 190, para a ocorrência e, quando a guarnição chegou ao local, já encontrou o corpo caído na rua, em decúbito dorsal atingido por um tiro de raspão em um dos braços, uma perfuração no braço direito e outra na lateral direita do peito. (Notícia 2). Conforme apurou a polícia, a vítima estaria cuidando de uma casa vazia que estava à venda na Rua Nestor da Silveira, situada ao lado da casa em que foi encontrado baleado. O homem provavelmente foi alvejado no pátio da casa que zelava, e tentou fugir por um estreito corredor e, mesmo atingido, pelo rastro de sangue encontrado no local, pulou um muro que dava nos fundos de uma residência vizinha, onde acabou tombando. (Notícia 3).

Esses trechos das notícias são discursos indiretos do JC em que não é possível

delimitar claramente as vozes do jornal e da Brigada Militar ou da Polícia Civil. Mesmo

que esteja destacado no início das sentenças que as informações foram retiradas da

“ocorrência” (Notícia 1), do “registro policial” (Notícia 2) ou foram “apuradas pela

polícia” (Notícia 3), algumas expressões utilizadas não deixam claro se está sendo

representada a posição do jornal ou da polícia. Por exemplo, “acionada por populares”

(Notícia 1), “corpo caído na rua” (Notícia 2) e “rastro de sangue” (Notícia 3).

Em alguns casos, a dificuldade de identificar a voz representada se deu em todo

parágrafo, não apenas em frases e expressões. Isso porque não há nenhuma

indicação da fonte, seja pelo uso das aspas ou pela utilização do nome da pessoa ou

do órgão de segurança que concedeu a informação. Conforme Goffmann (1981),

citado por Fairclough (2001), nessas sentenças – como no exemplo a seguir – a

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impressão é de que o posicionamento acerca do fato é do jornal, da editora ou do

repórter que assinou a notícia.

O morador de rua Jefferson Gomes da Silva, 36 anos, foi encontrado morto por volta da 1h45 da última segunda-feira num pátio de uma casa no Bairro Ewaldo Prass. Ele apresentava ter levado pelo menos dois tiros, um no braço e outro no tórax. A Brigada Militar foi acionada por moradores que ouviram disparos de arma de fogo e, em seguida, encontraram o homem ferido dentro do pátio de uma residência na Rua Nestor da Silveira. Ele foi socorrido pela ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas chegou sem vida ao Hospital Candelária. (Notícia 3).

A sentença destaca onde o corpo da vítima foi encontrado – “num pátio de uma

casa” – como aconteceu o homicídio – “dois tiros, um no braço e outro no tórax” – e

quando o homem morreu – “chegou sem vida ao Hospital Candelária”. Apesar de não

haver a identificação da fonte, percebe-se que as informações foram retiradas do B.O.,

pois, a partir das entrevistas com os repórteres do JC, verifica-se que essa prática é

constante.

Ao adaptar os dados do B.O. à linguagem popular, o parágrafo simula a “fala

cotidiana” e aproxima o fato dos leitores (FAIRCLOUGH, 2001, p. 143-144). Segundo

o autor, quando as fontes oficiais são representadas por falas que poderiam ter sido

usadas pelos próprios leitores torna-se mais fácil concordar com a interpretação que

elas fazem do acontecimento. Porém, com base no depoimento de Rodrigues (2016),

percebe-se que os receptores inseridos na realidade do Bairro Ewaldo Prass

consideram que as fontes utilizadas pelo jornal banalizam o homicídio em vez de

contextualizá-lo.

Confesso que a editoria de Polícia não chama muito a atenção. Porque a gente sempre lê o jornal por cima. E, aqui [Centro Social], você acaba sabendo pelas crianças. Daí quando vem o jornal a gente já sabe de tudo, porque são mil informações que chegam até nós. Até você olha [a notícia] e parece uma coisa bem simplificada, não tem muitos detalhes. E é mais essa questão de inquérito policial mesmo, do que a polícia está fazendo e não, talvez, dos fatos em si. Aqui, você fica sabendo antes. (RODRIGUES, 2016).

Com base nesse depoimento, observa-se que pessoas que frequentam o Bairro

Ewaldo Prass – no caso de Rodrigues (2016) a trabalho – não veem as fontes oficiais

como sinônimo de informação completa. Nesse caso, o conhecimento acerca dos

homicídios que é transmitido através de canais interpessoais apresenta mais detalhes

e chega ao receptor antes do jornal. Esse compartilhamento coletivo de informações

é denominado “audiência secundária” (ALSINA, 2009, p. 76). Existe, ainda, a

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“audiência primária”, representada pelos leitores que recebem a notícia diretamente

do jornal.

Apesar de Rodrigues (2016) considerar os canais interpessoais mais completos

que as notícias do JC, os repórteres desse impresso dizem que não há alternativas

para ampliar a apuração jornalística sobre os homicídios no Bairro Ewaldo Prass. Para

eles, as informações da Brigada Militar e da Polícia Civil representam a necessidade

de seguir as recomendações da editora. Essa conduta dos repórteres relaciona-se ao

controle editorial exercido no JC. De forma sutil, as normas são disseminadas e

“estimulam o conformismo à política editorial”. Os profissionais têm “sentimentos de

obrigação e estima para com seus chefes” e, por isso, as recomendações dos

superiores anulam qualquer tentativa de “contestar a política empresarial” (PEREIRA

JUNIOR, 2006, p. 35).

Os repórteres também explicam que não há testemunhas que se disponibilizem

a falar sobre os homicídios em razão da “lei do silêncio” existente no Bairro Ewaldo

Prass, conforme mencionado no subcapítulo 6.1. Contudo, durante as entrevistas

eles não descreveram nenhuma tentativa de ouvir alguém para além das fontes

oficiais. Portanto, nas notícias do JC sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass “nem

sempre estão presentes todos os que participam do acontecimento”, enquanto outras

fontes têm acesso imediato ao jornal (ALSINA, 2009, p. 146). O acesso restrito de

algumas pessoas – como representantes de associações e porta-vozes da

comunidade – acaba por marginalizá-las por causa de seu “pouco peso social” em

comparação ao status dos policiais civis e militares (NEVEU, 2006, p. 98).

A falta de pluralidade nas notícias do JC sobre homicídios no Bairro Ewaldo

Prass vai de encontro às características atribuídas a um jornal do interior, que deveria

“refletir a diversidade [da] cidade” por meio da divulgação das visões e perspectivas

de “grupos organizados, movimentos sociais e organizações sem fins lucrativos e de

interesse social” (PERUZZO, 2007, p. 111). Para a autora, de nada adianta o jornal

ser local se não representar todas as comunidades e integrá-las em um só município.

Sem a participação de todas as fontes que podem ajudar na interpretação da

notícia, o acontecimento fica restrito aos apontamentos de grupos específicos, como

a polícia. Logo, o jornal classifica as vítimas de homicídios como traficantes, usuários

de drogas ou ladrões baseado “obviamente em informações da própria polícia”

(RAMOS; PAIVA, 2007, p. 66).

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Com isso, são os depoimentos diretos e indiretos dos policiais civis e militares

que explicam os homicídios divulgados na editoria de Polícia do JC, não a apuração

jornalística do repórter. Embora a busca pelas fontes oficiais já caracterize uma

tentativa de entender o fato e repassá-lo ao leitor na forma de notícia, o movimento

frequente e quase espontâneo do repórter policial do JC de procurar a informação na

Brigada Militar ou na Polícia Civil reduz a probabilidade de compreender os

posicionamentos de todos os lados envolvidos no fato. Isso faz com que a notícia seja

produzida “através de notícias”, que são os significados atribuídos pelos policiais aos

homicídios (ALSINA, 2009, p. 254).

Esses significados presentes nos discursos das fontes refletem o

posicionamento do jornal acerca do acontecimento, pois os depoimentos são

divulgados por causa dos critérios que norteiam a apuração dos repórteres do JC.

Para os leitores que têm acesso ao fato exclusivamente pela notícia publicada, o

posicionamento do jornal tende a ser considerado a verdade sobre o acontecimento e

pode moldar o modo como a realidade é vista, conduzindo a uma ação como atribuir

estereótipos aos moradores do Bairro Ewaldo Prass. A ação que é instigada pelas

palavras e expressões usadas nas notícias é analisada na instância acional.

6.3 O universo extralinguístico das palavras

A instância acional, terceiro componente da AD inglesa, visa à compreensão dos

efeitos sociais produzidos pelas notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass. A

partir da desconstrução dos textos jornalísticos nas instâncias conversacional, no

subcapítulo 6.1, e indexical, no subcapítulo 6.2, foi possível identificar alguns

procedimentos utilizados pelos repórteres do JC para mostrar o posicionamento do

jornal acerca do fato.

O uso de determinadas expressões e vocábulos nas notícias, bem como a

divulgação do acontecimento sob o olhar exclusivo da Brigada Militar e da Polícia Civil,

“materializam intenções [...] que extrapolam o universo estrito da linguagem”

(MANHÃES, 2006, p. 311). Nesta monografia, as ações construídas pelo discurso do

JC – análise que cabe à instância acional – são delimitadas com base em trechos da

Notícia 1, da Notícia 2, da Notícia 3 e da Notícia 4 que contêm explicitamente o

nome do Bairro Ewaldo Prass, onde os homicídios divulgados aconteceram.

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Entende-se que a análise das sentenças que mencionam o nome desta região

do município e as entrevistas com a editora do JC e os representantes do bairro,

juntamente com o referencial teórico sobre jornalismo, discurso, exclusão social e

pertencimento, permitem ampliar o entendimento da prática discursiva como mera

reprodutora da sociedade. A seleção desses fragmentos teve como objetivo principal

verificar se o discurso, que deu ênfase ao lado negativo do bairro, contribui para

transformar a sociedade e suas “identidades sociais, relações sociais, sistemas de

conhecimento e de crença” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 92).

Para tanto, a análise começa pelos títulos dos textos jornalísticos: “Homem é

executado no Bairro Ewaldo Prass” (Notícia 1); “Nhonho é morto a tiros no Ewaldo

Prass” (Notícia 2); “Homem é morto a tiros no Bairro Ewaldo Prass” (Notícia 3). Esses

títulos formam frases “com afirmação completa, sujeito, verbo e predicado” (PEREIRA

JUNIOR, 2006, p. 149-150). Segundo o autor, a utilização do verbo no presente indica

uma ação, algo que se fez e acabou de acontecer.

No JC, o verbo no presente é um modo de reafirmar a atualidade do fato pois,

por se tratar de um jornal semanal, o acontecimento pode ter sido noticiado

antecipadamente em outros meios de comunicação do município, como as rádios, que

dão a notícia em primeira mão. Além disso, conforme mencionado no subcapítulo

6.2, os canais interpessoais divulgam a informação antes de ser publicada na forma

de texto jornalístico. Mesmo assim, apresentar o fato como atual é uma necessidade

do jornal e um dos valores-notícia que orienta os meios de comunicação.

Para Netto (2016), o título é o elemento que tem mais destaque nas notícias da

editoria de Polícia e, por isso, deve “em poucas palavras dizer o que houve ali”. Nessa

frase sucinta, sua função é “despertar o interesse do leitor para certos pontos que,

espera-se, sejam desenvolvidos no corpo da notícia” (DIAS, 1996, p. 106-107).

Conforme a autora, a partir da informação geral contida no título o jornal já mostra o

que julga ser o mais importante do acontecimento e conduz o receptor a uma “leitura

predeterminada”.

De início, a morte como um dos componentes principais do título pode até

assustar e causar ruptura na lógica do jornalismo do interior como uma prática

estabelecida pela “política de vizinhança, a solidariedade, o coletivismo”

(DORNELLES, 2004, p. 132). Mas, com base na entrevista com a editora do JC,

verifica-se que a escrita do título leva em conta a imagem de um leitor curioso, que

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“não resiste ao apelo e [...] acaba criando o hábito de ler o jornal” (PEDROSO, 2001,

p. 39).

Do mesmo modo como o homicídio ilustrado no jornal, com ênfase à morte no

título, vai na contramão do que Dornelles (2004) entende por jornalismo solidário do

interior, o destaque ao Bairro Ewaldo Prass como região do crime e da violência não

permite integrá-lo aos ideais de coletividade entre os munícipes. A menção ao bairro

no título, que nos faz “conhecer algo que, em seguida, ‘reconheceremos’ com a leitura

da matéria e dos outros elementos da página”, incentiva a exclusão dos moradores

dessa região de Candelária, que recebem estereótipos por causa das características

atribuídas ao local onde vivem (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 145).

Os estereótipos e os preconceitos permitem que haja a construção de sentidos

acerca do meio em que se está inserido e também agem para dar sentido “a realidades

das quais temos pouca informação” (ALSINA, 2009, p. 274). Apesar da semelhança

quanto ao significado dos termos, o autor apresenta diferentes conceitos para eles.

Um preconceito é simplesmente uma crença ou uma opinião pré-concebida. Ou seja, é uma ideia que temos antes de que a situação nos exija sua elaboração. Assim, apenas precisamos fazer um esforço para transmitir-lhe o sentido à circunstância, porque o sentido já está previamente elaborado, trata-se agora, apenas, de aplicá-lo mecanicamente sem muito esforço. A palavra estereótipo vem do procedimento de impressão denominado estereotipia, que é a reprodução a partir de um molde. Portanto, trata-se de aplicarmos um conceito a uma circunstância, a uma determinada realidade, partindo de um molde pré-configurado, sem levar muito em conta se está se tratando do molde certo ou não, para a interpretação do tal fenômeno. (ALSINA, 2009, p. 275).

De acordo com o autor, é preocupante a prática jornalística que contribui para

que sejam atribuídas características – normalmente negativas – às pessoas pelo fato

de residirem em determinado local. Essas opiniões pré-concebidas são, na maioria

das vezes, formadas quando acontece uma “vasta operação de prótese em cima do

real tradicional” (SODRÉ, 2006, p. 31). Nestes casos, os sujeitos que não têm acesso

à realidade noticiada compartilham um sistema de significados disseminado pelo

discurso do jornal.

Para Gonçalves (2016), os significados existentes nas notícias sobre homicídios

no Bairro Ewaldo Prass mostram uma realidade “aumentada”. Segundo ele, a ênfase

dada pelo JC ao nome do bairro, como é feito nos títulos da Notícia 1, da Notícia 2 e

da Notícia 3, é uma estratégia do jornal que objetiva “chamar mais atenção” para o

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fato. Mas, além de dar destaque ao acontecimento e conduzir à leitura da notícia, esse

discurso leva a pré-julgamentos que corroboram com a exclusão social.

A visão que as pessoas têm, de fora, é que aqui [Bairro Ewaldo Prass] são todos bandidos. Daí o que acontece: na loja, quando tu falas de onde tu és, já te olham estranho. Porque tem o preconceito. Eu faço faculdade, daí quando eu conto o pessoal diz: “que legal!”. Mas onde tu moras: “lá”. Daí parece que o teu reconhecimento, tudo o que foi construído, vai apagando. Geralmente é isso, cria-se uma imagem negativa. (GONÇALVES, 2016).

Este depoimento mostra que as notícias do JC sobre homicídios no Ewaldo

Prass reforçam os estereótipos que tendem a ser atribuídos aos moradores desse

bairro. O diálogo descrito na fala do entrevistado aconteceu em um estabelecimento

comercial localizado no Centro. Na conversa, o reconhecimento quanto ao fato de

uma pessoa ingressar no ensino superior é minimizado em relação ao local onde o

universitário reside.

A predominância do nome do Bairro Ewaldo Prass na editoria de Polícia do JC

– conforme exposto na Tabela 1 – leva à interpretação estereotipada de que os

moradores dessa região da cidade são desempregados, ladrões ou traficantes.

Mesmo que o jornal apenas reforce “a ideologia dos leitores”, que são movidos por

suas próprias razões, isso não isenta o veículo impresso da responsabilidade de

contextualizar os acontecimentos em vez de direcioná-los a uma ideia desvinculada

da realidade (DAPIEVE, 2007, p. 90).

Quando a notícia é utilizada somente para reproduzir os ideais e valores dos

leitores, ou de uma parte deles, o jornalismo perde o senso de “comunicação que

serve para integrar o homem, para que ele funcione dentro do sistema ao qual

pertence” (MEDITSCH, 1992, p. 25). A partir do depoimento de Gonçalves (2016) e

dos apontamentos de Alsina (2009) e Genro Filho (2012), verifica-se que o destaque

ao nome do bairro no título reforça os preconceitos dos leitores e estabelece divisas

que definem limites entre nós – pessoas de bem – e eles – moradores do Bairro

Ewaldo Prass.

A indicação do bairro no título permite, ainda, que esse elemento da página seja

autônomo em relação ao texto. Ao elaborar o título o jornal quer a “garantia de leitura

elementar da informação”, pois antecipa que a notícia em formato de pirâmide

invertida não será explorada pelo leitor na íntegra (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 145).

Em função de serem curtos, os títulos se apoiam no lide para determinar o aspecto

principal a ser destacado no acontecimento. Os trechos a seguir das notícias do JC

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ilustram o modo como esses dois elementos reforçam e complementam as

informações.

A Polícia Civil de Candelária investiga as circunstâncias em que ocorreu a morte de José Luiz da Silva Pais, 37 anos. Ele foi encontrado morto na noite do último domingo (22), na Rua Fernando Ferrari, no Bairro Ewaldo Prass. (Notícia 1). O desempregado Claudiomiro Borges, o Nhonho, 35 anos, ex-detento do Presídio Estadual de Candelária, foi morto a tiros por volta das 5h de domingo (9) em frente à sua casa, na Travessa Costa e Silva, Bairro Ewaldo Prass. (Notícia 2). O assassinato de um homem a tiros na madrugada da última segunda-feira (11), no Bairro Ewaldo Prass, foi o segundo homicídio registrado em 2016. (Notícia 3).

O lide está localizado normalmente na parte inicial dos textos jornalísticos e

sintetiza as informações básicas para se manifestar “diretamente aos sentidos do

leitor” (GENRO FILHO, 2012, p. 146). Ao estruturar a notícia no formato de pirâmide

invertida o repórter realiza escolhas com base no que o jornal entende por elementos

mais importantes do fato, “que devem figurar no primeiro parágrafo da notícia”

(TRAQUINA, 2012, p. 119).

De acordo com que o que foi abordado no capítulo 2, esses elementos

divulgados no parágrafo inicial dão conta de explicar o que aconteceu; quem está

envolvido; quando, onde e como se deu o fato; e o porquê desse acontecimento. Nos

fragmentos anteriores, que mostram parte do primeiro parágrafo da Notícia 1, da

Notícia 2 e da Notícia 3, o onde contém significados que extrapolam a função objetiva

do lide de situar o fato: ao mesmo tempo que localiza o homicídio, o jornal qualifica o

Bairro Ewaldo Prass como território da insegurança e do medo.

Com base na AD da escola inglesa, observa-se que, por trás da necessidade de

divulgar uma informação completa – que responda às seis perguntas básicas do lide

– está subentendida uma ação. Esse ato é realizado pelo jornal quando o repórter

mostra um posicionamento na notícia por meio das escolhas feitas para a estruturação

do texto. Então, considera-se que, ao emitir o proferimento, há mais do que “um mero

equivalente a dizer algo”, pois esse discurso produz efeitos como convencer,

persuadir e confundir (AUSTIN, 1990, p. 25).

No caso do lide das notícias do JC, o onde, que especifica o local em que

aconteceram os homicídios, tem o efeito de reforçar os estereótipos e os preconceitos

dos leitores acerca do Bairro Ewaldo Prass. Entende-se que a divulgação desses fatos

corresponde aos valores-notícia que orientam os repórteres do impresso, tais como o

território de abrangência do jornal e o grau de tragédia/drama do acontecimento.

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Apesar de a publicação dos homicídios no JC corresponder a critérios

jornalísticos, verifica-se que a vinculação frequente do bairro a fatos criminais e

violentos tende a minimizar a importância de acontecimentos e projetos positivos

registrados nesse local. Por não haver a divulgação dessas ações, elas passam

despercebidas e legitimam os estereótipos e preconceitos. Neste contexto, ao ocultar

o bem o JC engrandece o mal.

Na madrugada do dia 11, Jéfferson Gomes da Silva, de 43 anos, foi assassinado a tiros, na Rua Nestor Silveira, no Bairro Ewaldo Prass. (Notícia 4). Na madrugada do dia 18, por volta das 5h, o jovem Hércules Josias do Nascimento, de 18 anos, foi executado com 15 tiros dentro de uma residência no Bairro Ewaldo Prass. (Notícia 4).

Mesmo que os repórteres do JC produzam notícias para outras editorias além

da Polícia, contata-se, a partir das entrevistas com Lopes (2016) e Gross (2016), que

a percepção deles quanto ao Bairro Ewaldo Prass fica restrita ao senso comum. Por

isso, a caracterização do bairro como território do crime e da violência relaciona-se

com a falta de acompanhamento presencial de acontecimentos que auxiliariam na

contextualização da realidade desse território. Ao decidir cobrir preferencialmente os

homicídios, como se observa nos trechos da Notícia 4, o JC oculta fatos que também

seriam significativos para seus leitores.

Acho que o jornal poderia divulgar mais aquilo que é legal, porque tem tanta coisa boa [no Bairro Ewaldo Prass]. A Christiano Graeff, por exemplo, é uma escola de ponta com relação ao atendimento de autistas, surdos, mudos e cegos. Tem tanta coisa legal que poderia ser mais divulgada. Na verdade a gente fica até constrangida de estar sempre chamando para divulgar, parece que é uma autopromoção, e não é bem isso. Isso seria legal, se houvesse uma divulgação e um acompanhamento [por parte do jornal]. Se essas coisas fossem mais divulgadas, o olhar do povo também seria outro. (HEINEN, 2016).

A diretora da Escola Christiano Affonso Graeff, localizada no Bairro Ewaldo

Prass, explica que grande parte das notícias publicadas no JC sobre as atividades e

os projetos desenvolvidos no educandário se origina de sugestões dela e de outros

membros da equipe diretiva. Tal como acontece com o B.O., o repórter aguarda

informações que não exijam um trabalho investigativo para “escolher qual

acontecimento é mais merecedor de adquirir existência pública como notícia” (SILVA,

2005, p. 97).

Conforme destacado por Heinen (2016), a equipe diretiva da escola evita um

contato frequente com o JC a fim de não caracterizar essa divulgação como uma

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autopromoção. O distanciamento entre o jornal e os representantes de associações,

instituições de ensino e outros grupos marginaliza alguns aspectos do bairro em favor

de outros. Esse recorte da realidade social causa “distorções inconscientes [...] que

entram em jogo na dinâmica da difusão de efeitos cognitivos ligados àquela imagem

da realidade” (WOLF, 2009, p. 184).

Embora o leitor não tenha que aceitar passivamente o discurso do jornal, o ato

de ler as notícias já configura uma necessidade que as pessoas têm “de se sentirem

partícipes da história cotidiana” (AMARAL, 2006, p. 59). Por isso, a informação que

transmite um senso de pertencimento e compartilha ideias e valores sociais tende a

se sobressair à notícia que apenas causa espanto, repulsa e medo.

A essência do jornalismo está em integrar, o que confere ao JC a

responsabilidade pela escolha das expressões e dos vocábulos usados nas notícias,

análise feita na instância conversacional; pelas falas das fontes, estudadas na

instância indexical; e pelas ações resultantes da maneira como os acontecimentos

são selecionados e hierarquizados no jornal, conforme observado na instância

acional.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das notícias sobre homicídios no Bairro Ewaldo Prass mostrou que o

discurso do Jornal de Candelária reforçou os estereótipos existentes em relação ao

bairro. Os textos jornalísticos apresentaram expressões e vocábulos que transmitiram

uma ideia de exclusão para com os moradores do local. A desconstrução das notícias

nas instâncias conversacional, indexical e acional, técnica da Análise de Discurso da

escola inglesa, possibilitou compreender que o discurso do jornal não foi inocente,

expôs seu posicionamento sobre os homicídios e, em especial, sobre o local em que

aconteceram.

Embora a pesquisadora tenha realizado somente a análise das notícias sobre

homicídios, foi possível notar que a divulgação desses crimes correspondeu a uma

categorização que o jornal fez de Candelária como um município dominado pela

violência. Isso ficou claro na observação de elementos contidos nas páginas em que

os textos foram impressos, principalmente dos antetítulos formados por termos que

nomearam a violência como um fenômeno que, a qualquer momento, poderia atingir

o cidadão de bem no Bairro Ewaldo Prass.

Essa estratégia discursiva visou a aproximação entre os leitores e o jornal, uma

vez que os receptores veem nos meios de comunicação uma ferramenta que

repercute seus anseios e suas necessidades. Dessa forma, o impresso buscou

garantir um lugar efetivo como representante da insegurança e do medo causados na

população por causa dos homicídios no Bairro Ewaldo Prass. Mais do que representar

os leitores, a divulgação desses fatos deixou explícito quem são os culpados pela

onda de violência: os desempregados, ladrões e traficantes que residem no Bairro

Ewaldo Prass.

O discurso de exclusão feito pelo jornal acerca do bairro foi constatado tanto na

análise conversacional das notícias – que permitiu o entendimento dos significados

presentes nas expressões e vocábulos – quanto na instância indexical, a partir da qual

foram identificados as fontes e os significados de seus pronunciamentos. Todos os

homicídios foram noticiados com base nas interpretações que a Brigada Militar e a

Polícia Civil fizeram dos fatos, registrados em Boletins de Ocorrência, fonte de origem

da maior parte das informações. Em nenhuma das notícias houve um trabalho de

investigação por parte dos repórteres, que se limitaram a divulgar as falas dos

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profissionais dos órgãos de segurança sem contestar os dados ou procurar outras

informações.

A teoria referente à estruturação dos jornais em editorias foi fundamental para a

observação de que o repórter, ao cobrir um tema específico, pode especializar-se e

trazer informações mais aprofundadas sobre o fato. Porém, na editoria de Polícia há

um cuidado maior quanto às terminologias empregadas para a descrição do

acontecimento em detrimento de sua contextualização.

A editora do Jornal de Candelária, por exemplo, mostrou uma preocupação

relacionada às sanções jurídicas que poderiam ser acarretadas caso as notícias sobre

homicídios apresentassem erros técnicos. Esse cuidado foi válido, uma vez que o

equívoco informativo diminui a credibilidade dos leitores. Mas em nenhum momento

das entrevistas com a editora e os repórteres houve um posicionamento crítico quanto

ao uso exclusivo da Brigada Militar e da Polícia Civil como fontes.

Para o jornal, não há o que questionar, pois as testemunhas dos homicídios, se

fossem ouvidas, trariam informações desconexas e, ainda, elas se negariam a falar.

Mas não tem como afirmar que as testemunhas não quiseram dar entrevistas, pois

não houve indícios de que os repórteres tentaram procurar outras fontes que não

fossem as oficiais. Essa afirmativa pareceu ser mais uma justificativa do que um

verdadeiro interesse do impresso em noticiar os homicídios sob o ponto de vista das

testemunhas.

Isso porque essas pessoas conduziriam os repórteres a um trabalho

investigativo, que iria requerer mais tempo para a apuração dos fatos, enquanto as

fontes oficiais representaram, para o Jornal de Candelária, a informação rápida e sem

erro. A escolha da Brigada Militar e da Polícia como únicas fontes ratificou a análise

de que o jornal teve uma postura muito clara acerca dos homicídios, das vítimas e dos

assassinos ao opinar sobre os acontecimentos, ao invés de cumprir a sua função

informativa.

Apesar de os textos terem sido escritos por repórteres diferentes e também pela

editora, foi o discurso de delimitação do mal – moradores do Bairro Ewaldo Prass – e

do bem – demais candelarienses – que prevaleceu. Esse discurso levou em conta

pressupostos pessoais sobre o bairro e, principalmente, características internas do

Jornal de Candelária que asseguraram o conformismo dos repórteres aos aspectos

editoriais.

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Como foi a editora Jaqueline Netto quem escreveu grande parte das notícias da

editoria de Polícia, os repórteres Luiz Carlos Lopes e Mariele Gomes Gross realizaram

a apuração dos acontecimentos com base nas orientações da editora, para que os

textos tivessem uma uniformidade quanto à estrutura, ao conteúdo e à fonte. Essa

repetição informativa foi mais um fator que contribuiu para o entendimento de que o

Jornal de Candelária considerou o Bairro Ewaldo Prass como um local exclusivo do

crime e da violência que se manifestaram por meio dos homicídios divulgados.

Com base no referencial teórico sobre jornalismo do interior foi possível notar

que o jornal poderia auxiliar na caracterização do município como uma comunidade

plural e solidária, em que os candelarienses compartilhassem significados que os

integrassem à comunidade e valorizassem o senso de pertencimento. Contudo, as

entrevistas abertas feitas com Heinen, Rodrigues e Gonçalves trouxeram

contribuições no sentido de entender que o discurso do Jornal de Candelária, ao invés

de integrar, induziu ao distanciamento entre os moradores do Ewaldo Prass e dos

demais bairros de Candelária.

A presença massiva do bairro na editoria de Polícia, aliada à predominância da

divulgação de homicídios que aconteceram no local, levaram ao assassinato de

reputação dos moradores do Bairro Ewaldo Prass. As entrevistas com Heinen,

Rodrigues e Gonçalves, bem como os apontamentos sobre intolerância e pré-

julgamento apresentados no referencial teórico, permitiram constatar – a partir da

instância acional – que o discurso do jornal fez com que os estereótipos atribuídos ao

bairro fossem transferidos automaticamente aos seus moradores.

No andamento da pesquisa, ficou perceptível que o assassinato de reputação é

um tema pouco explorado pelos teóricos da área de comunicação social. As

contribuições encontradas fazem uma análise do termo relacionado a pequenos

grupos, não a locais que englobam centenas de pessoas, como é o caso do Bairro

Ewaldo Prass. Por isso, para associar o termo ao bairro a teoria que trata de

pertencimento foi indispensável.

As referências quanto à Análise de Discurso de linha inglesa também se

mostraram restritas. Apesar das limitações teóricas, a técnica apresentou grande

potencial para aprofundar as discussões sobre os significados de natureza discursiva

e extradiscursiva que emergem das notícias. O jornalismo, de uma maneira geral,

produz efeitos nos receptores ao noticiar os acontecimentos sob um ângulo singular

e trazer à tona realidades, muitas vezes, desconhecidas. No interior, tem um potencial

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ainda maior para se tornar porta-voz da comunidade. Quando esse viés é bem

explorado, o jornalismo aproxima-se da sua essência, que está na representatividade

de uma sociedade plural.

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ANEXO A – Notícia 1

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ANEXO B – Notícia 2

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ANEXO C – Notícia 3

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ANEXO D – Notícia 4

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ANEXO E – Questões para entrevista semiaberta com a editora do JC

- Nas notícias policiais selecionadas foram entrevistadas somente as fontes oficiais,

como a Polícia Civil. Por que a escolha por essas fontes?

- Normalmente, qual a orientação que você passa aos repórteres para cobrir a editoria

de Polícia?

- As orientações quanto à cobertura das notícias policiais são as mesmas repassadas

para a cobertura de fatos das outras editorias? Ou há orientações específicas para a

editoria de Polícia?

- Você acompanha todo o processo de produção da notícia (desde a apuração junto

às fontes, a escrita do texto e a produção de fotos) ou como funciona?

- Você intervém na elaboração do título da notícia?

- Como é feita a seleção das notícias que vão compor a capa e a contracapa do jornal?

- Como chega ao jornal a informação de que aconteceu algum fato policial?

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ANEXO F – Questões para entrevista semiaberta com os repórteres do JC

- Por que somente foram entrevistadas as fontes oficiais?

- Normalmente, qual era a orientação passada pela editora ao cobrir notícias policiais?

- Quanto tempo você teve para a produção da notícia, abrangendo tanto a apuração

da informação junto às fontes quanto a escrita do texto?

- Como foi o processo de produção das fotografias (havia um fotógrafo

acompanhando; a foto foi cedida pela polícia)?

- Quem criou o título das notícias?

- Como foi a negociação para ver se a notícia ia ou não na capa ou contracapa do

jornal?

- Teve instrução de como fazer a legenda e o corte da foto?

- Houve orientação sobre publicar o nome, sobrenome ou apelido do criminoso ou da

vítima?

- As orientações quanto à cobertura das notícias policiais são as mesmas repassadas

para a cobertura de fatos das outras editorias? Ou há orientações específicas para a

editoria de Polícia?

- Quantas vezes você foi ao Bairro Ewaldo Prass como repórter?