Curso de Direito Comercial - Volume II - 4º Edição - Ano 2003

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JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU Curso de Direito Comercial VOL.II D as S ociedades ALMEDINA

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Coutinho de Abreu

Transcript of Curso de Direito Comercial - Volume II - 4º Edição - Ano 2003

  • JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU

    Cursod e

    Direito Comercial

    V O L . I I

    D a s S o c i e d a d e s

    ALMEDINA

  • JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREUProfessor da Faculdade de Direito de Coimbra

    I N 5 H T U T 0 T G L I T l C N I C OD

    T 0 M A RCentro

  • TTULO:

    AUTOR:

    EDITOR:

    UVRARIAS:

    EXECUOGRFICA:

    DEPSITO LEGAL

    CURSO DE DIREITO COMERCIAL-Vol. III.- EDIO, JANEIRO 2002I.* REIMPRESSO. JANEIRO 2003

    JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU

    LIVRARIA ALMEDINA-COIMBRA www.almedina.net

    LIVRARIA ALMEDIN A ARCODEALMEDINA, 15 TELEF.239 851900 FAX. 239 8519013004-509 COLMBRA - PORTUGAL [email protected]

    LIVRARIA ALMEDIN A ARRBIDA SHOPPING, LOJA 158 PRACETA HENRIQUE MOREIRA AFURADA4400-475 V. N. GAIA - PORTUGAL [email protected]

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    EDIES GLOBO.LDA.RUA S. FILIPENERY, 37-A (AO RATO)TELEF. 21 3857619FAX: 21 38446611250-225 LISBOA - [email protected]

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    G.C. - g r f ic a d e c o im b r a .l d a .PALHEIRA-ASSAFARGE3001-453 COIMBRAEmail: [email protected]

    OUTUBRO, 2003

    156984/00

    Toda a reproduo desta obra, seja por fotocpia ou outro qualquer processo, sem prvia autorizao escrita do Editor, ilcita e passvel de procedimento judicial contra o infractor

  • NOTAS PRVIAS

    O programa da parte II da disciplina de Direito Comercial que venho regendo contm sete captulos. Este livro apresenta cinco (com algumas remisses, alis, para os dois ausentes). Sou o primeiro a lamentar o dfice. Penso, contudo, justificvel a presente edio.

    O vol. I deste Curso apareceu em 1998, foi reimpresso em 1999 e reapareceu em 2 .a edio em 2000. O imperativo de no ficar pelo vol. I e de em prazo cngruo publicar o II obrigou a trabalho intenso. E tempo de sacudir a presso e respirar (mais) outros ares.

    A estrita conciso que (creio) este vol. continua a respeitar no conseguiu impedir um cap. V bem mais comprido do que o previsto (alguns n.os nele includos no tm sido leccionados). Feitas as contas, no me pareceu de menos mais de 400 pginas para umas lies impressas. (Nem me pareceu de mais submeter umas tantas pobres rvores-papel invaso de palavras).

    Parte do que vai neste livro apareceu j em fascculos (o cap. I em 2000, os primeiros quatro caps, em 2001). Circularam principalmente entre os estudantes. Creio valer agora a pena dar a conhecer a pblico mais largo o resultado de labor de investigao e de escrita com mais de dois anos.

    O facto de a escrita deste vol. ter decorrido no tempo ainda agora assinalado explica a no citao de uma ou outra obra que, no fora isso, apareceria j nesta 1.a edio. No obstante, actualizei referncias legislativas e bibliogrficas que apareciam nos referidos fascculos.

  • IV

    Aos que me auxiliaram com sugestes e, sobretudo, na reviso das provas tipogrficas (seja-me permitido destacar Elisabete Ramos e Alexandre Soveral Martins, que prontamente se deram ao trabalho de ler todo o texto) expresso o meu profundo reconhecimento.

    Coimbra, 20 de Dezembro de 2001

  • A B R E V I A T U R A S

    A. - AutorAc. - AcrdoACE - Agrupamento complementar de empresasAcP - Archiv fr die Civilistische PraxisAEIE - Agrupamento europeu de interesse econmicoAktG - AktiengesetzBFD - Boletim da Faculdade de Direito (Coimbra)BGB - Brgerlicher GesetzbuchBMJ - Boletim do Ministrio da JustiaCCiv. - Cdigo CivilCCom. - Cdigo ComercialCCoop. - Cdigo CooperativoCEE - Comunidade Econmica EuropeiaCfr. - ConfiraCI - Contratto e ImpresaCIRC - Cdigo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas

    ColectivasCIRS - Cdigo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas

    SingularesCit. - Citado(a)CJ - Colectnea de JurisprudnciaCJ(ASTJ) - Colectnea de Jurisprudncia (Acrdos do Supremo

    Tribunal de Justia)CVM - Cdigo dos Valores MobiliriosCNot. - Cdigo do NotariadoCP - Cdigo PenalCPC - Cdigo de Processo CivilCRCom. - Cdigo do Registo ComercialCREF - Cdigo dos Processos Especiais de Recuperao da

    Empresa e de Falncia

  • CRP - Constituio da Repblica PortuguesaCS - Cdigo da Sisa e do Imposto sobre as Sucesses e DoaesCSC - Cdigo das Sociedades ComerciaisDJ - Direito e JustiaDL Decreto-LeiDR - Dirio da RepblicaE.i.r.l. - Estabelecimento individual de responsabilidade limitadaED - Enciclopdia del DirittoEIM - Empresa IntermunicipalEM - Empresa MunicipalEP - Empresa pblicaEPE - Entidade Pblica EmpresarialGC - Giurisprudenza CommercialeGmbHG - Gesetz betreffend die Gesellschaften mit beschrnkter

    HaftungGRL - Gazeta da Relao de LisboaJOCE - Jornal Oficial das Comunidades Europeias (ou Journal

    officiel des Communauts europennes)JZ - JuristenzeitungL - LeiLEMI - Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais

    (L 58198, de 18 de Agosto)LGT - Lei Geral TributriaLSA - Ley de Sociedades Annimas (Texto refundido de 1989)LSRL - Ley de Sociedades de Responsabilidad Limitada (1995)NJW - Neue Juristische WochenschriftNRDC - Nuova Rivista di Diritto Commerciale, Diritto

    dellEconomia, Diritto SocialeOb. - ObraP. ex. - Por exemploPOC -P lan o Oficial de Contabilidade (DL 410189, de 21 de

    Novembro, alterado)Plis Enciclopdia Verbo da Sociedade e do EstadoR - Regulamento (CEE)RAU - Regime do Arrendamento Urbano (DL 321-B /90, de 15 de

    Outubro, alterado)RC - Tribunal da Relao de CoimbraRDC - Rivista del Diritto CommercialeRDCiv. - Rivista di Diritto CivileRDE - Revista de Direito e EconomiaRDES - Revista de Direito e de Estudos Sociais

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    RdS - Revista de Derecho de SociedadesRDS - Recueil Dalloz SireyRE Tribunal da Relao de voraRFDUL - Revista da Faculdade de Direito da Universidade

    de LisboaRGIC - Regime Geral das Instituies de Crdito e Socieda

    des Financeiras (DL 298/92, de 31 de Dezembro, alterado)RGIT - Regime Geral das Infraces Tributrias (L 15 / 2001, de 5

    de Junho)RIDE - Revue Internationale de Droit EconomiqueRL - Tribunal da Relao de LisboaRLJ - Revista de Legislao e de JurisprudnciaRN - Revista do NotariadoROA - Revista da Ordem dos AdvogadosRP - Tribunal da Relao do PortoRPPC - Revista Portuguesa de Cincia CriminalRRNPC - Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (apro

    vado pelo DL 129/98, de 13 de Maio)RS - Rivista delle SocietRSEE - Regime do Sector Empresarial do Estado (DL 558/99, de

    17 de Dezembro)RSoc. - Revue des SocitsRTDC - Revue Trimestrielle de Droit Commercial (et de Droit

    conomique - depois de 1980)SI - Scientia IuridicaSTJ - Supremo Tribunal de JustiaTb. Tambmv.g. - Verbi gratia (p. ex.)V. -V ejaZGR - Zeitschrift fiir Unternehmens-und GesellschaftsrechtZHR - Zeitschrift fr das gesamte Handelsrecht und Konkurs-

    recht (ou Wirtschaftsrecht em vez de Konkursrecht)

  • PARTE II

    Das sociedades

  • NOO DE SOCIEDADE E FIGURAS AFINS

    Captulo I

    1. Sociedade enquanto acto jurdico e enquanto entidade

    O vocbulo sociedade utilizado na linguagem jurdica para designar actos jurdicos e entidades. Assim, por exemplo, o art. 980. do CCiv. - primeiro artigo de um captulo epigrafado Sociedade - oferece-nos uma noo de contrato de sociedade; no CSC aparece a sociedade primria e dominantemente como entidade (ente, sujeito, realidade subjectiva). Tambm na doutrina se assinala a polissemia, falando-se (em modos de maior ou menor contraposio) da sociedade como contrato e como colectividade (1), contrato e entidade (2), negcio jurdico e pessoa jurdica (3), negcio e ente (4), contrato e instituio (5).

    (1) V. L. Cunha Gonalves, Comentrio ao cdigo comercial portugus, vol. I, Empreza Editora J. B., Lisboa, 1914, pp. 195-196, JOS Tavares, Sociedades e empresas comerciais, 2.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1924, pp. 19-20.

    (2) y y Q Lobo Xavier, Sociedades comerciais (Lies aos alunos de Direito Comercial do 4. ano jurdico), ed. copiogr., Coimbra, 1987, pp. 3-4.

    (3) L. Brito Correia, Direito comercial, 2. vol., AAFDL, Lisboa, 1989, p. 5.

    (4 ^V. V. BUONOCORE, in V. BUONOCORE (a cura di), Manuale di diritto commerciale, 2. ed., G. Giappichelli Editore, Torino, 1999, p. 108.

    ^ clssica em Frana a contraposio das teses contratual e institucional sobre a natureza da sociedade. Modernamente, a ideia da socit-institution ganhou novos moldes com a doutrina da sociedade como tcnica de organizao da empresa, e a ideia da socit-contrat ganhou

  • 4 Curso de Direito Comercial

    Como deflui da epgrafe deste n. 1, preferimos falar de sociedade-acto jurdico (em vez de contrato ou negcio), porquanto existem actos constitutivos de sociedades sem natureza contratual (v. g., negcios unilaterais constituintes de sociedades unipessoais) e sem natureza negociai (v.g., decreto-lei constituinte de sociedade annima de capitais pblicos)(6). E preferimos dizer sociedade-entidade (em vez de colectividade, pessoa jurdica ou instituio), dada a existncia de sociedades unipessoais e de sociedades sem personalidade jurdica (temas a desenvolver mais tarde).

    E pois legtimo falar de sociedade-acto jurdico e de sociedade-entidade. Impem-se, porm, algumas precises. Entre acto jurdico constituinte e entidade societria h uma ntima ligao: o acto faz nascer a entidade, esta assenta geneticamente nele e por ele em boa medida disciplinada. Mas, por outro lado, h um considervel desprendimento da socie- dade-entidade relativamente ao acto constitutivo: afora o facto de a organizao e funcionamento internos da sociedade serem em larga medida independentes do acto de constituio (sendo directamente regidos pela legislao societria), ela novo sujeito (distinto do(s) scio(s)) que por si actua e se relaciona com outros sujeitos (no sendo, no essencial, tais actuao e relaes da criatura disciplinadas pelo

    novo alento com o influxo de recentes concepes norte-americanas da sociedade como rede de contratos. Contudo, vai ganhando peso a tese mista sobre a natureza da sociedade - contrato e instituio. V. por todos J.-P. Bertrel, Libert contractuelle et socits - Essai dune thorie du juste milieu en droit des socits, RTDC, 1996, pp. 611, ss.. Sobre as aludidas perspectivas americanas, v., p. ex., F. H. EaSTERBROOK/D. R. FiSCHEL, Leconomia delle societ per azioni - Unanalisi strutturale, trad., Giuffr, Milano, 1996, pp. 18, ss. (v. tb. J. M. COUTINHO DE Abreu, Da empresarialidade - As empresas no direito, Almedina, Coimbra, 1996, p. 259, ns. (675M677)).

    ^ V. infra, n. 2. 1. do cap. III. certo, porm, que o contrato no s o tradicional acto de constituio de sociedades mas tambm (ainda hoje) o acto-regra.

  • Noo de sociedade 5

    acto criador...). De todo o modo, estudaremos as sociedades comerciais principalmente na perspectiva da sociedade-enti- dade (perspectiva que tambm, ficou j dito, a do CSC).

    O CSC, diploma regulador bsico das sociedades comerciais (e das sociedades civis de tipo ou forma comercial), diz no n. 2 do art. 1. que so sociedades comerciais aquelas que tenham por objecto a prtica de actos de comrcio e adoptem o tipo de sociedade em nome colectivo, de sociedade por quotas, de sociedade annima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por aces. Diz- -nos, portanto, o Cdigo quando comercial uma sociedade, no nos diz o que uma sociedade; pressupe portanto o gnero sociedade, de que a sociedade comercial espcie, pressupe uma noo genrica de sociedade. Esta noo h- -de comear por buscar-se no art. 980. do CCiv. (direito privado comum e subsidirio - v. art. 2. do CSC)(7). Mas no podemos ficar por a. Principalmente por serem hoje admitidas (inclusive no CSC) sociedades que no assentam em contratos ou negcios jurdicos pluripessoais.

    2. Os elementos ou notas essenciais da noo genrica de sociedade

    O art. 980. do CCiv. define o contrato de sociedade como aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou servios para o exerccio em comum de certa actividade econmica, que no seja de mera fruio, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade. Retiram-se desta definio os seguintes elementos da noo

    ^ Cfr. tb. o n. 4 do prembulo do DL 262 / 8 6 , de 2 de Setembro, que aprovou o CSC.

  • 6 Curso de Direito Comercial

    (civilista) de sociedade enquanto entidade: a) a associao ou agrupamento de pessoas; b) o fundo patrimonial; c) o objecto (exerccio em comum de certa actividade econmica que no seja de mera fruio); d) o fim (obteno de lucros para serem repartidos pelos associados)(8).

    Emprestemos ento algum desenvolvimento a estes elementos e vejamos em que medida eles subsistem ou no numa noo de sociedade abrangente tanto das sociedades civis como das sociedades comerciais.

    2. 1. Sujeito ou agrupamento de sujeitos (scios)

    A sociedade comea por ser uma entidade composta, em regra, por dois ou mais sujeitos (normalmente pessoas, singulares ou colectivas (9)). Tal regra est prevista no apenas no CCiv. (art. 980.) mas tambm no CSC (art. 7.).

    H, todavia, excepes; indiferente s razes da lexicografia, o direito vem admitindo (por c e em outros pases) no s sociedades supervenientemente unipessoais (sociedades reduzidas a um nico scio, embora hajam sido constitudas por dois ou mais) - fenmeno j antigo mas tambm sociedades originariamente unipessoais (sociedades constitudas por um s sujeito) - fenmeno bem mais recente (10).

    A unipessoalidade superveniente (em regra transitria) admitida quer pelo CCiv. (art. 1007., d)) quer pelo CSC (arts. 142., 1, a), 270.-A, 2, 464., 3). A unipessoalidade originria no est prevista no CCiv., mas prev-a o CSC para as sociedades por quotas e annimas - o art. 270.-A, 1 (introduzido pelo DL 2571 96, de 31 de Dezembro), permite

    (8) Cfr. tb. Lobo Xavier, ob. cit., pp. 7-8.^ V. infra n. 2. 1. do cap. III.(10) V. Coutinho de Abreu , ob. cit., pp. 135, ss..

  • Noo de sociedade 7

    que uma pessoa singular ou colectiva constitua uma sociedade unipessoal por quotas, o art. 488., 1, permite que uma sociedade por quotas, annima ou em comandita por aces (cfr. art. 481., 1) constitua uma sociedade annima de cujas aces ela seja inicialmente a nica titular. Por outra via, o Estado tem tambm a possibilidade de, atravs de lei ou decreto-lei, criar sociedades unipessoais de capitais pblicos (derrogando, portanto, o regime estabelecido no CCiv. e no CSC - aprovados por decretos-leis).

    2. 2. Substrato patrimonial

    Qualquer sociedade exige um patrimnio prprio. Esse patrimnio inicialmente constitudo ao menos pelos direitos correspondentes s obrigaes de entrada - todo o scio obrigado a entrar com bens para a sociedade (cfr. CCiv., arts. 980., 983., 1, CSC, art. 20., a)). Veremos mais tarde (n. 2. 2. 1. do cap. V) que as entradas em sociedade comercial (entradas em dinheiro, em outros bens susceptveis de penhora, em indstria ou servios) no tm de ser realizadas no momento inicial da sociedade (11). Ainda quando as obrigaes de entrada no sejam realizadas ou cumpridas nesse momento, j existe patrimnio social, j existem os direitos correspondentes a essas obrigaes. Quando a sociedade nasa com entradas coevamente efectuadas, o patrimnio social composto (exclusiva ou parcialmente) por esses bens (ou, dizendo de outra maneira, pelos direitos relativos a esses bens). Depois, medida que vai correndo a vida da sociedade, o patrimnio social vai-se alterando com a entrada e sada de outros direitos ou bens e de obrigaes pecuniariamente avaliveis (12).

    O mesmo se diga com respeito s sociedades civis simples (ainda que aqui faltem diversas regras aplicveis s sociedades comerciais).

    Sobre o patrimnio social, v. infra, cap. VI.

  • 8 Curso de Direito Comercial

    2. 3. Objecto da sociedade

    O sujeito-scio ou o agrupamento de sujeitos-scios utilizam, total ou parcialmente, a base ou substrato patrimonial para o exerccio de certa actividade econmica que no seja de mera fruio. Nisto consiste o objecto da sociedade. Dizendo com maior preciso, o objecto social a actividade econmica de no mera fruio que o scio ou os scios se propem exercer atravs da sociedade (ou propem que a sociedade exera).

    Actividade econmica. No fcil dizer o que seja. Tanto na economia como no direito aparece o econmico entendido de vrios modos (13).

    Se se fala do econmico, ter-se- de falar do no-econ- mico. Podemos na verdade distinguir na vida social o domnio da economia e os domnios no-econmicos - da cultura, da poltica, da religio, etc. Diremos ento que o domnio ou campo da economia preenchido pela produo (nos sectores primrio, secundrio e tercirio) de bens materiais e imateriais ou servios que exige ou implica o uso e a troca de bens. Os domnios ou campos no econmicos no so - globalmente considerados - preenchidos da mesma maneira; no obstante, tambm estes campos apresentam aspectos ou dimenses econmicas: quando a prestao dos respectivos servios acarrete o uso e a troca de bens (materiais ou imateriais)(14).

    E recorrente na doutrina a ideia de que as actividades culturais, desportivas, recreativas, polticas, religiosas, etc.,

  • Noo de sociedade 9

    por no pertencerem ao crculo das actividades econmicas, no podem ser objecto das sociedades, podendo s-lo das associaes (15). Mas ainda agora vimos que no crculo do no-econmico se podem verificar aspectos econmicos. Por conseguinte, estas dimenses econmicas de actividades (globalmente consideradas) no econmicas podem ser exploradas mediante sociedades (v. g., as actividades teatrais ou musicais podem ser objecto de sociedades).

    Diz-se tambm que a actividade econmica societria significa que dela deve resultar um lucro patrimonial (16). verdade que a actividade-objecto das sociedades possibilitar em regra lucros (17). No significa isto, porm, que toda a actividade no lucrativa tenha de ser, do ponto de vista jurdico, no-econmica. Nem est excludo, por outro lado, que o objecto das associaes possa ser econmico e at lucrativo - s que, no caso das associaes de regime geral, o lucro no repartvel pelos associados (art. 157. do CCiv.).

    A actividade econmica supe uma srie ou sucesso de actos. As sociedades, quer civis (art. 980. do CCiv.) quer comerciais (arts. 1., 2, 3, 11, 2, 3, 6, do CSC), exercem ou propem-se exercer actividades. Por conseguinte, no so sociedades as chamadas sociedades ocasionais, os grupos de sujeitos constitudos para a realizao de um nico acto simples (v. g., para a compra de um bilhete de lotaria nacional, para concurso a uma extraco do totoloto)(18). Alis, as

    Cfr., p. ex., P into FURTADO, Curso de direito das sociedades,4 a ed., Almedina, Coimbra, 2001, p. 107, L obo X a v ie r , ob. cit., p. 12, Buonocore, ob. cit., p. 129 (tenha-se em conta que o art. 980. do CCiv. seguiu muito de perto os arts. 2247 e 2248 do Codice Civile).

    (16> P ires de L im a / A ntunes Varela, Cdigo Civil anotado, vol. II,4.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 286.

    V. infra, n. 2. 4.d) No mesmo sentido, v. Brito C orreia, ob. cit., pp. 18-19,

    J. O liveira A scenso , Direito comercial, vol. IV - Sociedades comerciais, Lisboa, 1993, p. 15, G. Fe r r i, Manuale di diritto commerciale, 10.a ed. (a cura di C. An g e lici/ G. B. F erri), reimpr., Utet, Torino, 1999, p. 244,

  • 10 Curso de Direito Comercial

    sociedades ocasionais no colocam os problema.- que o direito societrio considera e regula: os relativos criao e administrao de um fundo comum, os relativos organizao jurdica do ente societrio

  • Noo de sociedade 11

    obriga a contribuir com as respectivas quotas nas comunhes para o exerccio em comum de determinadas actividades econmicas que no so de mera fruio, a fim de repartirem os lucros resultantes dessas actividades. Esta concluso no infirmada ainda quando B e C no tenham conscincia de que os seus acordos significam a constituio de sociedades, ou no queiram mesmo transformar a situao de compropriedade em situao societria, ou no tenham formalizado devidamente tais acordos (cfr. arts. 981. e 1408.,3, do CCiv., e art. 7., 1, do CSC)(22). Estando reunidas todas as notas caracterizadoras da (do contrato de) sociedade, sociedade temos.

    b) E e F compram um restaurante a G. ba) E e F compraram o restaurante (que lhes pareceu barato), a fim de, logo que possvel, o venderem (com ganho, claro). Entre o momento da compra e o da venda mediaram dois meses, perodo em que E e F, para preservarem o valor do restaurante, o exploraram (tendo para isso contratado um gerente de comrcio). Nesse entretempo, pertenceu a empresa a E e F em compropriedade ou em sociedade? Parece dever falar- -se aqui de simples compropriedade. O que essencialmente E e F fizeram (e quiseram fazer) foi comprar uma empresa para revender e vender uma empresa que haviam adquirido com esse intuito (cfr. art. 463., n.os 1. e 3., do CCom.). A explorao do restaurante entretanto ocorrida, apesar de no representar uma actividade de mera fruio, no apresenta a consistncia necessria para poder dizer-se que E e F arriscaram bens para o exerccio em comum de uma actividade econmico-lucrativa, bb) E e F decidiram comprar a G o restaurante a fim de o explorarem, e para isso cada um entrou com determinada importncia em dinheiro. Feita a

    (22) Sobre as consequncias da inobservncia da forma, v. infra no cap. III.

  • 12 Curso de Direito Comercial

    compra, comearam logo a explor-lo. Apesar de no ter havido qualquer explcito contrato de sociedade, existe sociedade ou so E e F simples comproprietrios da empresa comercial? Deve afirmar-se a existncia de sociedade- mutatis mutandis, valem aqui as consideraes feitas a propsito da hiptese ab).

    A distino entre compropriedade e sociedade importa considerveis diferenas de regime. Por exemplo: em regra, todo o comproprietrio tem direito de exigir a diviso da coisa comum (art. 1412. do CCiv.), no competindo aos scios direito semelhante; em regra, qualquer comproprietrio tem o direito de servir-se da coisa comum (art. 1406. do CCiv.), o que, tambm em regra, se no verifica nas sociedades; a coisa em compropriedade no um patrimnio autnomo, separado do patrimnio dos comproprietrios (as quotas destes na coisa comum respondem por quaisquer dvidas dos mesmos), ao contrrio do que se verifica nas sociedades, inclusive nas sociedades civis simples (arts. 997., 999. e 1000. do CCiv.) e nas sociedades comerciais antes da escritura pblica (art. 36., 2, do CSC)(23).

    c) H pretende comprar um prdio para arrendar. Para enquadrar tais operaes, prope-se constituir uma sociedade unipessoal por quotas (cfr. art. 270.-A do CSC). Poder faz-lo? No, pois a actividade projectada de mera fruio.

    d) Os irmos I e J e sua me L sucedem a M. Por qualquer razo, os herdeiros no estabelecem nenhum acordo sobre o destino da herana, que integra um estabelecimento comercial. L, cabea-de-casal, administra a herana (indivisa) e continua, portanto, a explorao do estabelecimento. H sociedade ou comunho sucessria? Apesar de no caso ser legtimo falar-se de exerccio de actividade econmica

    2^3 ^ V. tb. L obo X a v ie r , ob. cit., pp. 17, ss.. Acerca da autonomia patrimonial das sociedades, v. infra, sobretudo n. 2. 1. do cap. IV.

  • Noo de sociedade 13

    no de mera fruio (imputvel a vrios sujeitos), certo que os herdeiros no acordaram, no contrataram pr as suas quotas hereditrias ao servio daquele exerccio. Teremos pois uma comunho hereditria no regulvel pelo direito societrio (24).

    A actividade econmica que no seja de mera fruio (objecto social) deve ser certa ou determinada - o que diz o art. 980. do CCiv. e resulta do art. 11., 2, do CSC. Contudo, esta (sub-)nota no essencial para o conceito de sociedade. Da falta de especificao do objecto social no acto constituinte ou no estatuto derivam por certo consequncias, mas no passam pela no qualificao como sociedade da entidade (25).

    Diz tambm o art. 980. do CCiv. que a actividade econ- mico-societria h-de ser exercida em comum pelos scios. Claro que no assim nas sociedades unipessoais.

    Mesmo para as sociedades pluripessoais, a expresso no ser a mais adequada. Est bem, pode dizer-se que os scios- embora atravs da sociedade - exercem em comum uma actividade. Ser, no entanto, mais correcto dizer ser a prpria sociedade que exerce a actividade; tenha ou no personalidade jurdica, a sociedade entidade ou sujeito distinto dos scios (26).

    Ainda assim, acrescentaremos que o exerccio em comum no significa que os scios (exceptuados os de indstria) ho-de intervir directamente na actividade social. Significa apenas que os scios podero participar na condu-

    (24) a casos como o hipotizado que se aplicar o art. 41. do RRNPC (recorde-se o seu n. 1: As heranas indivisas, quando se comportem, na sua actividade, com caractersticas de permanncia e relevncia econmica, podem adoptar uma firma ou denominao.).

    (25) y infra n. 2 . 2. do cap. III.(26) y infra n 2 . 1 . do cap. IV.

  • 14 Curso de Direito Comercial

    o (directa, ou indirecta - designadamente atravs da designao dos titulares do rgo de administrao) ou, ao menos, no controlo dessa actividade (27).

    2. 4. Fim da sociedade

    De acordo com o art. 980. do CCiv., o fim ou escopo da sociedade a obteno, atravs do exerccio da actividade- -objecto social, de lucros e a sua repartio pelos scios. O fim social no se basta, assim, com a persecuo de lucros, exige ainda a inteno de os dividir pelos scios; para utilizar expresses habituais nos autores italianos, no suficiente o lucro objectivo, tambm necessrio o lucro subjectivo.

    Apesar de o signo lucro ser polissmico no direito (28), e de havermos de contar no direito societrio com diversas modalidades ou espcies de lucro (29), poderemos acordar (tendo em vista aquela norma do CCiv.) nesta genrica noo do mesmo: um ganho traduzvel num incremento do patrimnio da sociedade. Tal ganho, por ser um valor patrimonial distribuvel, h-de formar-se no patrimnio social (da ser depois transferido para o patrimnio dos scios). Contrape-se por conseguinte o lucro s vantagens econmicas produzveis directamente no patrimnio dos sujeitos agrupados em entidades associativas (lato sensu) e s economias (eliminao ou reduo de despesas) que os associados visam obter participando em actividades daquele gnero (30).

    (27) V. Lobo Xavier, ob. cit., p. 13.2^8 ^V. C outinho de Abreu, Da empresarialidade cit., pp. 178, ss..

    (29) y infra> n, 4 do cap vi.(30) Apresentando idntica noo de lucro social, v. por todos

    A. F e rre r C orreia, Lies de direito comercial, vol. II (c /co lab . de V. Lobo Xavier, M. Henrique M esquita, J. M. Sampaio C abral e A ntnio A. C aeiro), ed. copiogr., Coimbra, 1968, p. 9, e L oboX avier, ob. cit., pp. 23-24. Diferentemente, defendendo uma noo ampla de lucro social (que inclui as economias ou poupanas de despesas), P into FURTADO,

  • Noo de sociedade 15

    Este fim lucrativo vale tambm para as sociedades comerciais (basicamente) disciplinadas pelo CSC? Sim. Nada no Cdigo aponta em sentido diferente. Pelo contrrio, normas vrias confortam aquela resposta. ver, por exemplo, alm do art. 2., os arts. 6., 1, 2 e 3, 10., 5, a), 21.,1, a), 22., 31., 33., 1, 2, 34., 1, 176., 1, b), 217., 294.. As sociedades comerciais (e civis de tipo comercial) propem-se obter lucros; estes lucros so lucros das sociedades, for- mam-se nelas, so incremento dos seus patrimnios, destinando-se a ser depois divididos, distribudos ou repartidos pelos scios (31).

    Sendo o escopo ou intuito lucrativo (entendido nos termos expostos) o fim das sociedades (reguladas basicamente no CCiv. ou no C SC )(32), distinguem-se elas claramente tanto das associaes (contrapostas s sociedades pluri- pessoais) como das fundaes (contrapostas s sociedades

    ob. cit., pp. 139, ss. (com quem concorda M. P upo CORREIA, Direito comercial, 7. ed., Ediforum, Lisboa, 2001, p. 400).

    (31) n 0 mesmo sentido, v. Lobo Xavier, ob. cit., pp. 30, ss., O liveira A scenso , ob. cit., pp. 31-32.

    Deve entretanto avanar-se com uma preciso: em vez de fim de obteno de lucros para repartio (diviso ou distribuio) pelos scios, deve falar-se no fim de obteno de lucros para atribuio ao(s) scio(s) - apesar de o paradigma no CCiv. e no CSC (com menos propriedade neste) ser o das sociedades pluripessoais, no pode ser ignorada a realidade das sociedades unipessoais.

    (32) frequente afirmar-se que o fim lucrativo no o fim da sociedade, sendo antes um dos fins sociais, o mediato (ou ltimo); o outro fim, o imediato (ou fim-meio), seria o exerccio de uma actividade econmica que no de mera fruio (que designmos objecto social) - v., p. ex., P into F urtado, ob. cit., pp. 136, ss., O liveira A s c e n s o , ob. cit., pp. 24-25. Preferimos autonomizar claramente objecto e fim social. No s por a lei ter adoptado idntica terminologia (v., p. ex., CCiv., arts. 980. e 1007., c), CSC, arts. 1., 1, 2 e 3, 6 ., 1 , 2, 3 e 4, 9, 1, d), 10., 1, 5, a), 11., 29., 2, 42., 1, b), c)) mas tambm porque ela liga consequncias jurdicas distintas a um e a outro (so assuntos para ir tratando; v. para j os arts. citados).

  • 16 Curso de Direito Comercial

    unipessoais (33)) de regime geral (arts. 157., ss., 195., ss., do CCiv.). As associaes e as fundaes podem no exercer actividades econmicas. Mas tambm podem exerc-las- podendo mesmo explorar empresas (34). Destas actividades podem resultar lucros (objectivos), no podem ser distribudos pelos associados ou atribudos ao fundador (falha o lucro subjectivo).

    Tambm por falta de escopo lucrativo se distinguem das sociedades as cooperativas e os agrupamentos complementares de empresas. A estas entidades de tipo associativo ou corporativo dedicaremos logo algumas linhas (infra, n. 4 ) . (35)

    O escopo lucrativo enquanto elemento essencial do conceito genrico de sociedade afirmado tradicional e dominantemente nos direitos latinos. Tem sido assim, na verdade, em Espanha (cfr. o art. 1665 do Cdigo Civil, de 1889, e o art. 116 do Cdigo de Comercio, de 1885) (36> e na Itlia (cfr. o art. 2247 do Cdice Civile, de 1942)(3?). Era tambm

    (33) vjg0 qUer js(;0 significar que as sociedades unipessoais se distingam das fundaes (ainda quando institudas por um s sujeito) apenas pelo fim. Alm e antes do mais, estas sociedades so entidades de substrato (tambm) pessoal, no so, como as fundaes, entidades de substrato institucional ou patrimonial.

    (34) Cfr. Coutinho de Abreu, lt. ob. cit., pp. 163-164.(35) Antes da publicao do CCoop. de 1980 e do CSC - quando, por

    tanto, as cooperativas estavam ainda reguladas como sociedades no CCom. - e antes da publicao da legislao sobre os ACE, Ferrer Correia, ob. cit., pp. 15, ss., qualificava as entidades deste tipo como sociedades comerciais; admitia assim, no quadro destas sociedades, uma noo ampla de fim social (equivalente ao escopo da realizao de proveito econmico dos scios por qualquer modo que seja). No mesmo sentido ia o n. 3 do art. 1. do Anteprojecto de lei das sociedades comerciais- Parte geral, I, Coimbra, 1973, do mesmo Autor e de ANTNIO A. CAEIRO. Mas bem outra a realidade normativa vigente.

    06) Indicando e criticando doutrina contrria, v. por todos F. VlCENT CHULI, Compendio crtico de derecho mercantil, t. I, vol. 1., 3. ed., Jos M.a Bosch, Barcelona, 1991, pp. 294, ss..

    3 ) s teses propugnando a superao do fim lucrativo referir-nos- -emos aps este excurso.

  • Noo de sociedade 17

    assim em Frana; porm, o art. 1832 do Code Civil, depois das alteraes introduzidas em 1978 e 1985, passou a apresentar em alternativa duas possveis finalidades da sociedade: partager le bnfice, profiter de 1conomie.

    outra a situao em outros pases. Na Alemanha, as sociedades correspondentes s nossas sociedades civis e com- merciais podem ser constitudas para qualquer fim lcito- econmico-lucrativo, econmico no-lucrativo, ideal, de utilidade geral... 3^8) So explcitos o 705 do BGB, de 1896 (os scios obrigam-se atravs do contrato de sociedade a alcanar um fim comum) e o 1 da GmbHG, de 1892 (podem ser criadas sociedades de responsabilidade limitada para qualquer fim legalmente permitido). No Reino Unido, as partnerships (sem personalidade jurdica) tm, nos termos da sec. 1 do Partnership Act de 1890, escopo lucrativo (39); entre as companies, as limited by guarantee so usadas principalmente para fins de educao e caridade 4^0 .^ Nos EUA, as partnerships tm tambm, nos termos da lei, escopo lucrativo; quanto s corporations, dado que as leis societrias estaduais no se referem directamente aos fins prosseguveis, admitem-se as nonprofit corporations (todavia, quando os respectivos estatutos no estabeleam outros fins, entende a doutrina e a jurisprudncia que elas tm fim lucrativo) (41\

    O escopo lucrativo , entre ns, elemento indefectvel do conceito de sociedade? Atendendo a fenmenos normativos relativamente recentes, no se impor a concluso de que tal finalidade to-s regra (admitindo excepes)? Analisemos.

    Imagine-se que duas ou mais pessoas celebram um contrato que designam de constituio de uma sociedade por

    (38) v por todos Karsten Schmidt, Gesellschaftsrecht, 3. Aufl., C. Heymanns Verlag, Kln, Berlin, Bonn, Mnchen, 1997, pp. 59, ss..

    Cfr. PALMERS Company Law, 25th ed., Sweet & Maxwell, London, 1992-1998, p. 1042.

    (40) y F a r r a r s Company Law, 3rd ed., Butterworths, London, Dublin, Edinburgh, 1991, p. 44.

    (41) V. R. C. CLARK, Corporate Law, Little, Brown and Co., Boston, Toronto, 1986, pp. 5, 16-18, 675, ss..

  • 18 Curso de Direito Comercial

    quotas. A actividade indicada como objecto essencialmente deficitria; ou o escopo declarado no a consecuo de lucros a distribuir pelos associados. Apesar disto, o contrato reduzido a escritura pblica e registado. Posto que a falta de escopo lucrativo no consta do elenco taxativo de causas de nulidade presente no art. 42., 1, do CSC, dir-se-ia que tal contrato vlido e que estamos perante uma sociedade por quotas sem fim lucrativo 42). Contudo, parece mais apropriado situar hipteses destas no campo da qualificao dos contratos, no no campo das invalidades negociais. Faltando um elemento essencial do contrato de sociedade regulado no CSC, no deve falar-se desse contrato; em vez de sociedade temos um contrato de associao (43).

    Dissemos h pouco que o fim lucrativo caracterstica essencial tambm das sociedades unipessoais constitudas nos termos do CSC (devendo no entanto adaptar-se a terminologia do Cdigo, fundada no paradigma contratual). Mas poder retorquir-se: o intuito lucrativo afirmado legalmente para a sociedade assente em contrato, para a sociedade que implica exerccio em comum de actividade e repartio ,distribuio ou diviso dos lucros dela resultantes; por conseguinte, a sociedade unipessoal, porque no baseada em contrato, no tem de visar lucros atribuveis ao scio nico (44). No me parece fundado o argumento. Embora o modelo seja a sociedade pluripessoal baseada em contrato, da decorrendo a terminologia usual, no poder dizer-se que a sociedade unipessoal rompe no essencial com

    (42) Assim discorria em Itlia, tendo em vista o art. 2332 do C. Civile (depois das alteraes introduzidas em 1969, por fora da 1. Directiva em matria de sociedades), G. Santini, Tramonto dello scopo lucrativo nelle societ di capitali, RDCiv., 1973, P. I, pp. 159, ss..

    (43 ^V. neste sentido Galgano, ob. cit., p. 18.4^4* Nesta linha, v. o discurso de A. Rossi, S. r. I. unipersonale e

    tramonto dello scopo lucrativo, GC, 1997, P. I, pp. 115, ss..

  • Noo de sociedade 19

    a sociedade-matriz, que prescinda das notas essenciais desta. No poder dizer-se, por exemplo, que as normas dos arts. 2., 6., 1, 2, 3, 10., 5, a), do CSC se no aplicam directa e literalmente s sociedades unipessoais. O fim lucrativo no algo que pressuponha a pluralidade de scios (cfr. art. 270.-G).

    Revela-se mais complexa a situao respeitante s tradicionalmente denominadas sociedades de capitais pblicos (com um nico scio-entidade pblica ou com vrios scios- -entidades pblicas) e sociedades de economia mista (com scios pblicos e scios privados)(46). Esquematicamente:

    a) Sociedades de economia mista, aa) De participao pblica minoritria. Estas sociedades, quer por se constiturem (em regra) nos termos do CCiv. ou do CSC, quer por

    1 4 Uma sociedade annima unipessoal constituda nos termos do art. 488. do CSC pode, em concreto, ser instrumentalizada pela sociedade dominante de modo a no conseguir lucros a esta atribuveis (cfr. arts. 491. e 503.). No quer isto dizer, todavia, que a sociedade dominada no tenha, em abstracto ou em geral, intuito lucrativo.

    (46) y COUTINHO DE Abreu, Da empresarialidade cit., pp. 154-159.Actualmente, de acordo com o art. 3. do RSEE (Regime do sector

    empresarial do Estado: DL 558/99, de 17 de Dezembro), as sociedades de capitais pblicos de que sejam scios nicos o Estado ou outras entidades pblicas estaduais ou que associem s ou em maioria (relativamente a outros entes pblicos) o Estado e /ou outras entidades pblicas estaduais, bem como as sociedades de economia mista em que o Estado e/ou outras entidades pblicas estaduais detenham a maioria das participaes sociais so consideradas empresas pblicas (a outra espcie do gnero empresa pblica estadual constituda pelas entidades pblicas empresariais, que sucedem s velhas empresas pblicas reguladas pelo agora revogado DL 260/76, de 8 de Abril). Por sua vez, de acordo com a LEMI (Lei das empresas municipais e intermunicipais: L 58/98, de 18 de Agosto), as sociedades de capitais pblicos associando municpios e/ou associaes de municpios (em posio maioritria) com outras entidades pblicas so designadas empresas de capitais pblicos de mbito municipal ou intermunicipal, e as sociedades de economia mista associando municpios e/ou associaes de municpios (em posio maioritria) com entidades privadas so designadas empresas de capitais maioritariamente pblicos de mbito municipal ou intermunicipal. V. o n. 3. 2. 1. do cap. III do vol. I deste Curso.

  • 20 Curso de Direito Comercial

    terem (dominantes) scios privados - que arriscam capital para lucrar ho-de ter fim lucrativo, ab) De participao pblica maioritria. Em princpio, nestas entidades, dada a sua natureza societria e (sobretudo) a existncia de scios privados (que, enquanto tais, no praticam o mecenato...), o fim lucrativo (no equivalente maximizao do lucro) no poder ser anulado pelos interesses pblicos de que so portadores os (dominantes) scios pblicos. verdade que algumas destas sociedades podem ter de exercer actividades necessariamente deficitrias (v. RSEE, arts. 19., ss., LEMI, art. 31.). Porm, em casos tais, as indemnizaes compensatrias no devem repor simplesmente o equilbrio custos-receitas, h que retribuir o capital privado investido.

    b) Sociedades de capitais pblicos, ba) Constitudas nos termos do CSC ou do CCiv.. Por norma, dado terem de respeitar as notas nocionais de sociedade presentes naqueles diplomas, estas sociedades tm escopo lucrativo. Contudo, quando tenham de exercer actividades essencialmente deficitrias, os interesses pblicos podem determinar uma sistemtica actuao sem finalidades lucrativas, bb) Constitudas por lei ou outro meio jurdico-pblico permitido legalmente. Em tais hipteses, pode o acto constituinte, derrogando a genrica noo legal de sociedade, estabelecer logo de modo explcito ou implcito a excluso de intuito lucrativo. E, mais ou menos contestavelmente, o legislador tem feito uso desta possibilidade (47). Para casos destes apropriado falar-se da neutralidade da forma sociedade (a

    V., p. ex., os DL 65 /8 9 , de 1 de Maro (Centro Cultural de Belm, Sociedade de Gesto e Investimento Imobilirio - S. G. I. I.,S. A.), 145 / 92, de 21 de Julho (Lisboa 94 - Sociedade Promotora de Lisboa Capital Europeia da Cultura, S. A.), 418-B /98, de 31 de Dezembro (Porto 2001, S. A.), 98-A / 99, de 26 de Maro (Portugal 2000, S. A.).

  • Noo de sociedade 21

    sociedade como instrumento para fins lucrativos e no lucrativos).

    2. 5. Sujeio a perdas

    Em vez de lucrarem, o scio ou os scios podem perder; podem no recuperar (total ou parcialmente), quando saiam da sociedade ou esta se extinga, o valor das entradas e de outras prestaes feitas mesma. Nenhum scio pode ser isentado deste risco. (48)

    A sujeio a perdas no consta do art. 980. do CCiv.. No obstante, a noo genrica de sociedade deve integrar este elemento, que se extrai facilmente tanto do art. 994. do CCiv. como do art. 22., 3, do CSC (proibio do pacto leonino)(49). (50)

    2. 6. Sntese

    A noo genrica de sociedade (abrangente das diversas espcies societrias) pode agora ser apresentada: sociedade a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (scio(s)), tem um patrimnio autnomo para o exerccio de actividade econmica que no de mera fruio, a fim de (em regra) obter lucros e atribu-los ao(s) scio(s) - ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas.

    (48) y infra> n, 5 , 2. do cap. VI.(49) V. tb. Lobo Xavier , ob. cit., pp. 26-27.

    Sobretudo em Frana, a chamada affectio societatis seria tambm elemento do conceito de sociedade. Todavia, afora o facto de tal locuo latina ter que ver somente com sociedades pluripessoais e de ter mltiplos e mais ou menos imprecisos significados (sobre este ponto, v. por todos Y. GUYON, Droit des affaires, 1.1, 6 e d., Economica, Paris, 1990, pp. 122, ss.), este pretenso elemento parece nada acrescentar ao que deflui j dos elementos acima analisados. V. tb. JosT avares, ob. cit., pp. 22-23, Lobo Xa vier , ob. cit., pp. 27-28, Brito Correia, ob. cit., pp. 69-70.

  • 22 Curso de Direito Comercial

    3. Sociedade e empresa

    Deparamos frequentemente com formulaes idnticas ou semelhantes a estas: a sociedade forma (ou forma jurdica) de empresa; a sociedade forma (ou tcnica) jurdica de organizao da empresa; a sociedade organizao jurdica da empresa; a sociedade uma empresa; empresa e sociedade relacionam-se como matria e forma (51).

    Tais formulaes tm algo de verdadeiro e possuem uma carga sugestiva positiva. Reflectem, com efeito, a estreita ligao entre sociedade e empresa (52): uma sociedade em regra constituda para a explorao de uma empresa; estruturas orgnicas de direco e controlo daquela so-no tambm desta; vicissitudes vrias afectam simultaneamente uma e outra. Mas so formulaes insuficientes e no inteiramente correctas. Porquanto:

    V., entre outros, J. G. PlNTO COELHO, Lies de direito comercial- Obrigaes mercantis em geral, obrigaes mercantis em especial (sociedades comerciais), Fascculo I, C. E. Martins Souto, Lisboa, 1946, p. 176, V. G. L obo X avier, Anulao de deliberao social e deliberaes conexas, Atlntida, Coimbra, 1976, pp. 242, n. (116), 289, e (mais restritivamente) Sociedades comerciais cit., p. 29, A. Pereira DE ALMEIDA, Sociedades comerciais, 2. ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 13, ss., J. PaILLUSSEAU, La socit anonyme - Technique dorganisation de l entreprise, Sirey, Paris, 1967, pp. 4, ss., P. DIDIER, Droit commercial, 2- Lentreprise en socit, PUF, Paris, 1993, p. 29, U. BLZ, Einheit und Vielheit im Konzern, FS Ludwig Raiser, Mohr, Tbingen, 1974, pp. 327-328, W. S chilling , Rechtsform und Unternehmen - Ein Beitrag zum Verhltnis von Gesellschafts- und Unternehmensrecht, FS Konrad Duden, Beck, Mnchen, 1977, pp. 546-547, 551, W. Flum e , Unternehmen und juristiche Person, FS Gnther Beitzke, de Gruyter, Berlin, New York, 1979, pp. 56-57, V icent C h u li , ob. cit., p. 298, Galgano , ob. cit., p. 3. Para precisar mais o pensamento de alguns destes autores, v. tb. Coutinho de Abreu, lt. ob. cit., pp. 214, ss..

    (52) jsjg0 deixe (je notar-se, entretanto, que nem todos os autores citados utilizam empresa no mesmo sentido. No confronto socie- dade-empresa importa atender principalmente acepo de empresa em sentido objectivo (pouco relevam as acepes de empresa em sentido subjectivo, da empresa como actividade mais ou menos desestrutu- rada, etc.).

  • Noo de sociedade 23

    a) H sociedades a que no correspondem empresas (em sentido objectivo). o caso, por exemplo, de muitas sociedades (unipessoais ou pluripessoais) de profissionais liberais e de artesos (53).

    b) As empresas tm contedos e formas prprios (que estudmos j), distintos dos contedos e formas das sociedades (que h pouco comemos a ver).

    c) A sociedade, embora signifique tambm ordenao da empresa (os rgos sociais determinam a estruturao da empresa, planificam, dirigem e controlam o processo produtivo atravs dela actuado), alm de ordenao patrimonial (fixao da fronteira entre as esferas patrimoniais de scio(s) e sociedade e das responsabilidades respectivas), primariamente organizao de sujeitos (determinao dos direitos e deveres do(s) scio(s), da estrutura orgnico-social, etc.)(54). Quer dizer, a sociedade , em boa medida, organizao da empresa (quando exista) - mas no s: organizao que transcende a empresa. Por seu lado, a empresa (no direito societrio mas no s) primordialmente organizao objectivo-ins- trumental da sociedade-sujeito, organizao normalmente no composta ou integrada pelo(s) sujeito(s) scio(s)(55).

    d) O exerccio da actividade empresarial para que constituda a sociedade normalmente posterior a essa constituio (a sociedade precede a empresa). Pode, porm, acontecer ao invs (v. g ., algum, proprietrio de uma empresa, entra com ela para a sociedade constituda para a explorar)- a empresa tambm pode preceder a sociedade.

    (53) Qfr a minha ob. cit., pp. 92, ss., 98, ss., ou os n.os 3. 1. 3. 3. e 3. 1. 3. 4. do cap. Ill do vol. I deste Curso.

    (54) Q fr j j W ie d e m a n n , Gesellschaftsrecht - Ein Lehrbuch des Unternehmens- und Verbandsrechts, B. I, Beck, Mnchen, 1980, pp. 16, ss., a propsito do objecto do direito das sociedades.

    (55) repare-se, a organizao empresarial de certa sociedade pode ficar essencialmente imutvel apesar da transformao dessa sociedade em outra (de tipo diverso).

  • 24 Curso de Direito Comercial

    e) O patrimnio da sociedade, mesmo depois de formada a respectiva empresa (ou empresas), no idntico ao patrimnio empresarial. Ainda que se considere to-s o conjunto dos bens do activo social, normal que o patrimnio da sociedade compreenda bens e valores no afectados empresa (que no so elementos desta).(56)

    f) A sociedade, como outros empresrios, pode efectuar negcios tendo por objecto a respectiva empresa (vendendo- -a, locando-a, etc.) - relao sujeito-objecto separveis.

    g) A sociedade pode sobreviver sua empresa (ou empresas) - v. g ., em caso de dissoluo, a sociedade mantm-se at ao final da liquidao, podendo verificar-se antes desse termo a extino da empresa. Tal como pode extinguir-se antes dela - v. g., num processo de liquidao da sociedade a empresa alienada, continuando na titularidade do adquirente.(57)

    4. Sociedade e figuras (mais ou menos) afins

    4 .1 . Cooperativas

    O movimento cooperativo europeu teve as primeiras experincias (falhadas) na Esccia da segunda metade do

    (56) Defendendo tambm a no confundibilidade do patrimnio social com o patrimnio da empresa (ou a empresa), v., p. ex., L. MOSSA, Trattato del nuovo diritto commerciale secondo il codice civile de 1942, II, Cedam, Padova, 1951, p. 70, e A. F e rre r C orreia , Lies de direito comercial, vol. I (c/colab. de M. H enrique M e sq u ita e A n tn io A. Caeiro), ed. copio gr., Coimbra, 1973, p. 225. Afirmando a identidade ou coincidncia patrimonial, v., p. ex., Barbosa DE M agalhes, Do estabelecimento comercial - Estudo de direito privado, tica, Lisboa, 1951, p. 122, e K arsten SCHMIDT, Handelsrecht, 4. Aufl., Heymanns Verlag, Kln, Berlin, Bonn, Mnchen, 1994, p. 83.

    (57) p ara mais, sobretudo para a anlise crtica de teorias da identidade germnicas, v. COUTINHO DE ABREU, Da empresarialidade cit., pp. 217, ss..

  • Noo de sociedade 25

    sc. XVIII e afirmou-se em meados do sc. XIX na Inglaterra (sobretudo com cooperativas de consumo (58)), em Frana (onde se destacaram as cooperativas operrias de produo) e na Alemanha (com as cooperativas de crdito). Nesta primeira fase, o movimento - alimentado fundamentalmente (sobretudo em Inglaterra e Frana) por ideias de defesa dos sectores populares economicamente mais dbeis contra certas consequncias da revoluo industrial capitalista - comeou por no ter cobertura legal especfica. O Industrial and Provident Societies Act ingls viu a luz do dia em 1852, o legislador francs incluiu na lei de 24 de Julho de 1867 um ttulo III sobre Dispositions particulires aux socits capital variable e a Alemanha (pese embora a precedente lei prussiana de 27 de Maro de 1867) tem desde 1 de Maio de 1889 a Gesetz betreffend die Erwerbs-und Wirtschafts- genossenschaften (59).

    Em Portugal a lei precedeu as cooperativas. A lei, inspirada principalmente no projecto da citada lei francesa, apareceu em 2 de Julho de 1867; as primeiras cooperativas foram constitudas em 1871(60). A partir de 1888, a disciplina bsica das cooperativas passou a constar do Cdigo Comercial (daquela data, recorde-se), que tinha no ttulo II do livro II um captulo V intitulado Disposies especiais s sociedades cooperativas. Tal disciplina perdurou at entrada em vigor do primeiro Cdigo Cooperativo, aprovado pelo DL 454 1 80, de 9 de Outubro. Este cdigo foi substi

    (58) papei fundamental teve a Rochdale Society of Equitables Pioneers (criada em 1844), no s pelo xito econmico que conseguiu, mas tambm pelo facto de ter retinido no seu estatuto as vrias regras que ainda hoje inspiram os chamados princpios cooperativos.

    Acerca da evoluo do movimento cooperativo, v., p. ex., J. M. SRVULO CORREIA, O sector cooperativo portugus - Ensaio de uma anlise de conjunto, BMJ n. 196 (1970), pp. 32, ss., e R. Dabormida, Le legislazi- oni cooperative nei paesi delia Comunit Europea, RDC, 1989, pp. 451, ss..

    (60) y srvulo Correia , ob. cit., pp. 60, ss..

  • 26 Curso de Direito Comercial

    tudo pelo vigente Cdigo Cooperativo, aprovado pela L 51196, de 7 de Setembro (mas no so muito significativas as alteraes)(61).

    Nos termos do n. 1 do art. 2. do CCoop., as cooperativas so pessoas colectivas autnomas, de livre constituio, de capital e composio variveis, que, atravs da cooperao e entreajuda dos seus membros, com obedincia aos princpios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfao das necessidades e aspiraes econmicas, sociais ou culturais daqueles.

    Os princpios cooperativos esto formulados no art. 3. tal como os formulou a Aliana Cooperativa Internacional, por ltimo, no congresso de Manchester comemorativo do centenrio desta organizao (1995). So eles: adeso voluntria e livre (62); gesto democrtica pelos membros (ressaltando a regra um membro, um voto nas cooperativas de primeiro grau); participao econmica dos membros (sendo de destacar a eventual e limitada remunerao dos ttulos de capital e a distribuio dos excedentes pelos cooperadores na proporo das suas transaces com a cooperativa); autonomia e independncia (as cooperativas ho-de ser controladas pelos seus membros, no por entidades externas); educao, formao e informao (dos membros mas no s); intercooperao (das cooperativas entre si); interesse pela comunidade.

    Sobre a evoluo da legislao cooperativa em Portugal, v. Rui N AM ORAD O, Introduo ao direito cooperativo, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 35, ss..

    Em 25 de Abril de 1974 havia 950 cooperativas; nas vsperas do 1. CCoop., o nmero mais que triplicara (v. o n. 6 do prembulo do DL 454/80); em 31/12/98 estavam em actividade 2878 cooperativas (v. Anurio Comercial do Sector Cooperativo 1999/2000, editado pelo INSCOOP).

    Sobre a problem tica suscitada pelo tradicionalmente designado princpio da porta aberta, v. COUTINHO DE A breu, Da empresarialidade cit., pp. 167-170.

  • Noo de sociedade 27

    permitido s cooperativas associarem-se com outras pessoas colectivas de natureza cooperativa ou no cooperativa, desde que da no resulte perda da sua autonomia. Mas no podem adoptar a forma cooperativa as pessoas colectivas resultantes da associao de cooperativas com pessoas colectivas de fins lucrativos (art. 8., 1 e 3).

    So rgos das cooperativas a assembleia geral (rgo supremo, sendo as suas deliberaes vinculativas para os restantes rgos e para os cooperadores), a direco (que administra e representa a cooperativa) e o conselho fiscal (rgos de controlo e fiscalizao); todos estes rgos so compostos exclusivamente por cooperadores (arts. 39., ss.).

    Os excedentes anuais lquidos - exceptuados os provenientes de operaes realizadas com terceiros (no-coopera- dores) , depois do eventual pagamento de juros pelos ttulos de capital e da afectao s diversas reservas (so obrigatrias a reserva legal e a reserva para educao e formao cooperativas - insusceptveis de qualquer tipo de repartio entre os cooperadores), podem retornar aos cooperadores (arts. 69., ss.).

    Note-se ainda, neste pequeno percurso pelo CCoop., que nula a transformao de urna cooperativa em qualquer tipo de sociedade comercial, sendo tambm feridos de nulidade os actos que procurem contrariar ou iludir esta proibio legal (art. 80.)(63).

    Por mais de um sculo foram as cooperativas legalmente qualificadas de sociedades (embora especiais)(64). Deixou de

    (63) o cdigo anterior nada dizia sobre o ponto. Mas j ento se devia defender a ilicitude da transformao de cooperativas em sociedades- v. C outinho de Abreu, ob. cit., pp. 184-186.

    Nem sempre, porm, com a concordncia da doutrina. A lberto Lus, Natureza jurdica das cooperativas em Portugal, ROA, 1966, pp. 172-173, preferia qualific-las como associaes.

  • 28 Curso de Direito Comercial

    ser assim com o CCoop. de 1980 e o de 1996 (e legislao complementar). No diz expressamente o Cdigo que as cooperativas no so sociedades. Mas aponta claramente para a. E como no-sociedades devem na verdade ser consideradas.

    A noo estabelecida no acima transcrito n. 1 do art. 2 diz a propsito o suficiente. As cooperativas so pessoas colectivas autnomas (no diz serem sociedades ou associaes, etc.). De capital e composio variveis, assim se permitindo a fcil e rpida entrada e sada de cooperadores e as correspondentes mutaes do capital (bem diverso o regime societrio quanto entrada e sada de scios na generalidade das sociedades e quanto s alteraes do capital). O fim das cooperativas tanto pode ser a satisfao das necessidades econmicas como das necessidades sociais ou culturais (ou de todas em conjunto) dos cooperadores - e sem fins lucrativos (65) (fundamentalmente diferente a realidade societria). A organizao e o funcionamento das cooperativas obedecem aos princpios cooperativos, que se afastam em muitos pontos da disciplina das sociedades. Uma outra norma (entre outras) sintomtica da natureza

    (65) Tratei j com considervel desenvolvimento da questo do escopo no lucrativo das cooperativas em Da empresarialidade cit., pp. 170-183, e no vol. I do Curso, n. 3. 2. 3. do cap. III. Relembro agora algumas concluses. Os excedentes anuais resultantes de operaes da cooperativa com os cooperadores no so verdadeiros lucros (objectivos), significando antes, no essencial, um valor provisoriamente pago a mais pelos cooperadores cooperativa ou pago a menos pela cooperativa aos cooperadores. Os mesmos excedentes, quando distribudos ou retomados aos cooperadores, no so verdadeiros lucros (subjectivos), significando antes uma economia ou poupana (cooperativas de consumo), ou o equivalente do valor do trabalho prestado pelos cooperadores (cooperativas de produo), ou um complemento das vantagens econmicas j obtidas aquando da realizao das operaes. Os excedentes gerados em operaes da cooperativa com terceiros so lucros (objectivos); mas porque no so distribuveis pelos cooperadores, ainda aqui se no deve falar de escopo lucrativo (no h lucro subjectivo).

  • Noyo de sociedade 29

    no societria das cooperativas e que vale a pena recordar aqui a do art. 80, acima transcrito (ilicitude da transformao de cooperativas em sociedades).(66) (67)

    (66) Entendendo tam bm que as cooperativas no so sociedades, v. Lobo Xavier , Sociedades..., pp. 24-25, 38-40, B rito Correia, ob. cit., pp. 62, ss., O liveira A scenso , ob. cit., p. 31, Rui Namorado , As cooperativas - empresas que so associaes, ed. copiogr., FEUC, 1999, pp. 54 , ss.

    Em sentido oposto manifestaram-se - j depois do CCoop. de 1980 - Pinto Furtado, ob. cit., pp. 146, ss., A. Menezes Cordeiro, Direito da economia, 1. vol., AAFDL, Lisboa, 1986, p. 319 (as cooperativas so sociedades comerciais; mas o A. manifesta dvidas em Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, Lex, Lisboa, 1997, p. 56, n. (38)), PUPO CORREIA, ob. cit., pp. 401-402.

    O panorama no direito estrangeiro variegado. Na Gr- -Bretanha, as cooperativas so qualificadas como tipos especiais de organizao empresarial, distintas das partnerships e das corporations. Tradicionalmente, so organizadas como industrial and provident societies (disciplinadas pelos correspondentes Acts; recorde-se o A c de 1852). Mas podem adoptar outras formas, inclusive a da Company limited by shares. V. PalmerS Company Law cit., pp. 1064, 1069-1070. Em Frana, a lei geral da cooperao (de 10 de Setembro de 1947) qualifica as cooperativas como sociedades. Antes da reforma de 1978 do Code Civil, a jurisprudncia dominante considerava-as, no obstante, associaes. Todavia, com aquela reforma, recorde-se, o art. 1832 estabeleceu como fim possvel da sociedade o proporcionar aos scios uma economia. Logo, aquela qualificao j no est em contradio (...) com a definio do contrato de sociedade (J. Hmel/G . Lagarde/A . Jauffret, Droit commercial, 1.1, 2e d., 2e vol., Dalloz, Paris, 1980, p. 652). Na Alemanha, o conceito de sociedade notavelmente amplo, abarcando, alm das sociedades correspondentes s nossas sociedades civis e comerciais, vrias entidades de tipo associativo (v., p. ex., A. Kraft/P . Kreutz, Gesellschaftsrecht, 10. Aufl., Luchter- hand, Neuwied, 1997, pp. 1, ss.). Entram tambm nesse conceito as cooperativas (e a citada GenG de 1889 define-as como Gesellschaften). Contudo, a doutrina, quando questiona a natureza jurdica delas, v-as como especiais associaes econmicas (v., p. ex., E. H. Meyer/G . Meulenbergh/ /V . Beuthien, Genossenschaftsgesetz, 12. Aufl., Beck, Mnchen, 1983, p. 6, e Schmidt, Gesellschaftsrecht cit., p. 1263). Na Itlia, apesar de a lei falar de sociedades cooperativas (C. Civile, arts. 2511, ss.), no faltam autores negando-lhes carcter societrio (sobre a questo v., p. ex., com amplas referncias bibliogrficas, P. VerrucOLI, Cooperative (Imprese), ED, X, 1962, pp. 560, ss.). Em Espanha, tanto a anterior lei geral das cooperativas (de 1987) como a actual (de 1999) falam de sociedades cooperativas. Mas h quem no lhes reconhea natureza societria (VicentChuli, ob. cit., vol. 2., pp. 1020-1021).

  • 30 Curso de Direito Comercial

    4. 2. ACEs e AEIE

    O legislador portugus desenhou a figura dos agrupamentos complementares de empresas (ACE - L 4 ! 73, de 4 de Junho, e DL 430 ! 73, de 25 de Agosto) tendo vista o modelo francs dos groupements dintrt conomique (Ord. 67-821, de 23 de Setembro de 1967).

    As pessoas singulares ou colectivas e as sociedades podem agrupar-se, sem prejuzo da sua personalidade jurdica, a fim de melhorar as condies de exerccio ou de resultado das suas actividades econmicas. ! As entidades assim constitudas so designadas por agrupamentos complementares de empresas (L 4 ! 73, base I).

    Nos termos da lei, parece que os membros do ACE devem ser empresas em sentido subjectivo a que correspondam empresas em sentido objectivo; os agrupados devem ser sujeitos que explorem (ou se proponham explorar) empresas. o que resulta da designao agrupamento complementar de empresas, dos n.os 2 e 3 da base II da lei (empresas agrupadas) e do art. 11., 2, do DL 430173 (A transmisso, entre vivos ou por morte, da parte de cada agrupado s pode verificar-se juntamente com a transmisso do respectivo estabelecimento ou empresa). No obstante, ser razovel interpretar (extensivamente) empresa de modo a abarcar sujeitos empresrios e no-empresrios, sujeitos que exercem actividades econmicas atravs de empresas em sentido (objectivo e) prprio ou sem elas; por exemplo, artesos no empresrios devem poder participar em ACEs .

    A actividade-objecto do ACE h-de ser no s diversa mas tambm auxiliar ou complementar das actividades

    (-68) Conforta esta interpretao o facto de os AEIE poderem termembros no empresrios e, em certas circunstncias, poderem transformar-se em ACEs (v. infra).

  • Noo de sociedade 31

    exercidas pelos agrupados (cfr. base I, 1, da L 4173, arts. 9. e 13., a), do DL 430 1 73). Tal actividade dirigida a melhorar as condies de exerccio ou de resultado das actividades dos membros, no podendo o ACE ter por fim principal a realizao e partilha de lucros (base II, 1, da L, arts. 15., 16., 1, b), do DL); um escopo acessrio de realizao de lucros - derivados de operaes do ACE com terceiros - e sua partilha pelos membros ser lcito somente quando autorizado expressamente no contrato constitutivo do agrupamento (art. 1. do D L ).(69) Assim, por exemplo, duas empresas de produo de txteis constituem um ACE para comprarem em conjunto matrias-primas a transformar nos respectivos estabelecimentos fabris, ou para venderem em conjunto os produtos finais, ou para prospectar mercados, ou publicitar os seus produtos. Em qualquer caso, no visa o ACE lucrar custa dos seus prprios membros; visa proporcionar matrias-primas mais baratas (tendencialmente a preo de custo), ou possibilitar que os membros vendam mais e 1 ou mais caro. O ACE instrumento para os agrupados, no essencial, realizarem economias ou conseguirem vantagens econmicas directamente produzveis no patrimnio de cada um deles.

    Os ACE adquirem personalidade jurdica com a inscrio do contrato de constituio no registo comercial (base IV da L). Tm um rgo deliberativo-interno (tendo cada agrupado um voto, em regra - art. 7. do DL) e um rgo de administrao (art. 6. do DL), podem ter, e em certos casos tm de ter, um rgo de fiscalizao (base V da L, art. 8., 2, do DL). Os agrupados respondem em regra solidariamente (embora subsidiariamente) pelas dvidas do ACE (base II, 2 e 3,

    (69) Neste quadro de objecto e fim, compreendem-se melhor as limitaes capacidade dos ACE estabelecidas no art. 5. do DL.

  • 32 Curso de Direito Comercial

    da L). O direito subsidiariamente aplicvel o das sociedades em nome colectivo (art. 20. do D L).(70)

    Deve entender-se que os ACE no so sociedades. Ao contrrio destas, so entidades essencialmente, repita- -se, sem fins lucrativos. A prpria lei supe essa natureza no societria. Designadamente no art. 4. do DL 4301 73 (para fins de registo, o agrupamento equiparado s sociedades comerciais; mesmo para estes efeitos, portanto, no h identidade) e no art. 21. do mesmo diploma (sociedades e associaes constitudas antes do DL para objectivos anlogos aos dos ACE podem transformar-se nestes; os ACE no podem transformar-se em sociedades). So pois os ACE, tal como as cooperativas, entidades de tipo associativo que se situam entre as associaes de regime geral e (mais proximamente) as sociedades. ( D

  • Noo de sociedade 33

    Os agrupamentos europeus de interesse econmico (AEIE), basicamente regulados no R(CEE) 2137185 do Conselho, de 25 de Julho de 1985, representam em boa medida a europeizao dos G. I. E. franceses (e so, portanto, parentes dos nossos ACE).

    Os traos caracterizadores h pouco apontados revelam- -se semelhantemente nos AEIE. O objectivo do agrupamento facilitar ou desenvolver a actividade econmica dos seus membros, melhorar ou aumentar os resultados desta actividade; no seu objectivo realizar lucros para si prprio. (Nem sequer se admite acessoriamente fim lucrativo). Acrescenta o 2. pargrafo do n. 1 do art. 3. do Regulamento: A sua actividade deve estar ligada actividade econmica dos seus membros e apenas pode constituir um complemento a esta ltima. Os membros do agrupamento- que no tm de ser empresrios - podem ser de muito variada natureza (art. 4., 1). Mas - e aqui est um trao distintivo essencial do agrupamento europeu - o AEIE h-de ser composto por pelo menos dois sujeitos que tenham a administrao central ou exeram a actividade principal em Estados-membros diferentes (art. 4., 2). A sede de um AEIE h-de tambm localizar-se na Comunidade (arts. 12., 13.). rgos necessrios do agrupamento so o colgio dos membros e a gerncia (com um ou mais gerentes) - art. 16.,1. Em regra, cada membro dispe de um voto (art. 17., 1). Pelas dvidas do agrupamento respondem ilimitada e solidariamente (embora subsidiariamente) os seus membros (art. 24.).

    Um AEIE com sede estatutria em Portugal adquire personalidade jurdica com o registo do contrato constitutivo (DL 148 190, de 9 de Maio, art. 1.); pode transformar-se em ACE quando deixe de satisfazer certas condies previstas no R 2137 (designadamente no citado art. 4., 2) - art. 11.,2, do DL; aplicam-se-lhe subsidiariamente as normas legais aplicveis aos ACE (art. 12. do DL).

  • 34 Curso de Direito Comercial

    Por razes idnticas ou similares s aduzidas para negar natureza societria aos ACE, tambm os AEIE no so qualificveis como sociedades (73). (74)

    4. 3. Consrcios

    O consrcio, da famlia dos contractual joint ventures, originariamente delimitados na jurisprudncia norte-ameri- cana do sc. XIX (75), definvel, de acordo com os arts. 1. e2. do DL 231181, de 28 de Julho, como o contrato pelo qual duas ou mais entidades (singulares ou colectivas) que exeram actividades econmicas se obrigam a, de forma concertada, realizar certas actividades ou efectuar determinadas contribuies a fim de possibilitar a realizao de actos materiais ou jurdicos preparatrios de uma actividade, a execuo de certo empreendimento, o fornecimento a terceiros de bens iguais ou complementares produzidos por cada um dos consorciados, a pesquisa ou explorao de recursos naturais, ou a produo de bens que possam ser repartidos em espcie entre os consorciados (76). Assim, por exemplo,

    7^3 ^ Apontando no mesmo sentido, v. o quinto considerando do prembulo do Regulamento.

    Os AEIE com sede na Alemanha so a por lei considerados sociedades comerciais, aplicando-se-lhes subsidiariamente o direito aplicvel s offene Handelsgesellschaften (OHG - correspondentes s nossas sociedades comerciais em nome colectivo) - v., p. ex., K r a ft /K r e u tz , ob. cit., p. 255.

    I'74) Em 31/11/1999 estavam inscritos no ficheiro central de pessoas colectivas, organizado pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas (v. RRNPC, aprovado pelo DL 129/98, de 13 de Maio, arts. 1., 2., 4., ss.), 533 ACE e 31 AEIE.

    7^5 ^V. A. A s t o l f i , II contratto internazionale di joint venture, RS, 1977, pp. 809, ss..

    '7fi) Como partes do consrcio fala a lei de pessoas singulares ou colectivas. Mas, aqui como em muitos outros casos em que a lei recorre a tais expresses, deve interpretar-se extensivamente pessoas colectivas, de maneira a incluir entidades colectivas no personalizadas mas capazes de contratar (v. g ., sociedades civis simples, sociedades comerciais no

  • Noo de sociedade 35

    de consrcio o contrato pelo qual duas sociedades de construo civil se obrigam, para a abertura de uma estrada, a realizar, de forma concertada (harmonizada ou complementar) trabalhos de terraplenagem, uma, e trabalhos de alca- troamento, a outra.

    O consrcio diz-se interno quando as actividades ou os bens so fornecidos a um dos consorciados pelo(s) outro(s) e s aquele estabelece relaes com terceiros, ou quando as actividades ou os bens so fornecidos a terceiros por cada um dos consorciados sem expressa invocao dessa qualidade (art. 5., 1). E diz-se externo quando as actividades ou os bens so directamente fornecidos a terceiros por cada um dos membros do consrcio e com expressa invocao dessa qualidade (art. 5., 2).

    O contrato de consrcio externo pode prever a criao de um conselho de orientao e fiscalizao composto por todos os consorciados (art. 7.) e deve prever e designar de entre os consorciados um chefe do consrcio, a quem compete exercer funes internas (organizao e promoo da cooperao entre as partes do consrcio) e externas (de representao, mediante procurao) - arts. 12.-14.. Podem as partes do consrcio fazer-se designar, jun tando todos os seus nomes, firmas ou denominaes sociais, com o aditamento Consrcio de ... ou em consrcio (...)- art. 15., 1.

    Nos consrcios externos (bem como nos internos da segunda sub-modalidade - cfr. art. 5., 1, b)), cada um dos

    registadas); convergentemente, v. RaL VENTURA, Primeiras notas sobre o contrato de consrcio, ROA, 1981, p. 633 (nesse estudo encontrar o leitor um comentrio, artigo por artigo, do DL 231 / 81; pode ver-se tambm P. A. S ou sa V a s c o n c e lo s , O contrato de consrcio no mbito dos contratos de cooperao entre empresas, Coimbra Editora, Coimbra, 1999).

    Para as espcies de contribuio que um ou mais consorciados podem efectuar, v. o n. 2 do art. 4..

  • 36 Curso de Direito Comercial

    consorciados percebe em princpio directamente os valores que lhe forem devidos pelos terceiros (para os quais se executou empreendimento ou a quem foram fornecidos bens), ou adquire directamente os produtos resultantes das actividades previstas nas ais. d) e e) do art. 2. (arts. 16. e 17.). Nos consrcios internos da primeira sub-modalidade (s um dos consorciados estabelece relaes com terceiros) pode ser convencionada a participao dos consorciados que no operam com terceiros nos lucros e 1 ou perdas derivados da actividade do consorciado que estabelece as relaes com os terceiros (art. 18.).

    proibida a constituio de fundos comuns em qualquer consrcio; nos externos, as importncias entregues ao respectivo chefe pelos outros membros ou por ele retidas com autorizao deles considcram-se fornecidas nos terinos e para os efeitos do art. 1167., a) do CCiv. (: o mandante obrigado a fornecer ao mandatrio os meios necessrios execuo do mandato, se outra coisa no foi convencionada)- art. 20..

    O consrcio no espcie do contrato de sociedade; do contrato de consrcio no nasce uma entidade (societria ou de outro tipo)(77). Na verdade, no h no consrcio fundo patrimonial comum que suporte actividade comum; no h exerccio em comum de uma actividade econmica, havendo sim actividades ou contribuies individuais (de cada consorciado), embora realizadas de forma concertada; no havendo actividade exercida em comum, impossvel um lucro correspondente e comum - podem os consorciados, individualmente, obter lucros das respectivas actividades

    (77) Defendendo que os consrcios so associaes que tm por fim o lucro econmico dos membros, v. M anuelA . PiTA, Contrato de consrcio, RDES, 1988, pp. 221, 231, ss..

  • Noo de sociedade 37

    individualmente exercidas no quadro do consrcio (e, na hiptese prevista no art. 18., participar nos lucros por um deles obtidos)(78).

    4. 4. Associaes em participao

    Regulada durante quase cem anos no CCom. (arts. 224.-229.) sob a designao conta em participao, a associao em participao hoje disciplinada no cap. II do DL 231 ! 81, de 28 de Julho (arts. 21.-31.).

    um contrato pelo qual um ou mais sujeitos se associam a uma actividade econmica exercida por outro sujeito (associante), ficando o(s) primeiro(s) a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exerccio resultarem para o segundo (cfr. arts. 21., 1, 22., 1). O associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuio de natureza patrimonial (dinheiro, transmisso da propriedade, uso ou fruio de bens, transmisso de crditos, assuno de dvidas do associante, prestao de servios, e tc .(79)); quando a contribuio consista na constituio de um direito ou na sua transmisso, deve ingressar no patrimnio do associante (art. 24., 1 ) (80). O associado fica sempre com o direito de participar nos lucros derivados da actividade econmica do associante; se outra coisa no resultar do contrato, participar ele tambm nas perdas, em regra at ao limite da sua contribuio (v. arts. 21., 2, 23., 2, 25.).

    (78 ^No mesmo sentido, v. Ral V entura , ob. cit., pp. 641, ss.. Tambm no qualificam o consrcio como sociedade B rito C orreia, ob. cit., pp. 20, ss., M anuel P ita, ob. cit., pp. 201, ss., S ousa V asconcelos, ob. cit., pp. 6 6 , ss.. Em termos dubitativos, P into F u rta d o , ob. cit., pp. 1 2 1 , ss., reporta a natureza jurdica do consrcio figura da sociedade.

  • 38 Curso de Direito Comercial

    A actividade econmica em causa do associante, ele que a exerce autonomamente, ele que se relaciona e responsabiliza com e perante terceiros. Apesar de algumas limitaes. Assim, no pode o associante, sem consentimento do associado, fazer cessar ou suspender o funcionamento da empresa, substituir o objecto desta ou alterar a forma jurdica da sua explorao; deve o associante prestar ao associado as informaes justificadas pela natureza e pelo objecto do contrato; pode o contrato estipular que, sob pena de responsabilidade civil, determinados actos de gesto no devam ser praticados pelo associante sem prvia audincia ou consentimento do associado (art. 26., 1, b), d), 2, 3). Por outro lado, deve o associante prestar contas ao associado (art. 31.) D.

    A associao em participao tem, no rectngulo luso e fora dele, antecedentes muito velhos. Entroncando (tal como a sociedade em comandita) na commenda, foi na poca medieval e ps-medieval geralmente considerada sociedade- sociedade secreta, annima, silenciosa ou oculta (com- pagnia secreta, socit anonyme, stille Gesellschaft), dado no se revelar ao pblico, revelando-se to-s o scio ostensivo e ficando na sombra o scio oculto. Alguns cdigos comerciais oitocentistas continuaram a referir-se-lhe como sociedade - sociedad accidental (cdigo espanhol de 1829), sociedade momentanea e anonyma (cdigo portugus de 1833, parte I, livro II, ttulo XII, seco V - epigrafada Da associao em conta de participao), sociedade em conta de participao, acidental, momentnea ou annima (cdigo

    (81) Mas estas contas no so elaboradas nem aprovadas pelo associado. Apenas quando o associante as no apresente ou o associado se no conforme com as apresentadas, poder ser utilizado o processo especial de prestao de contas regulado nos arts. 1014., ss. do CPC (art. 31., 4).

  • Nogo de sociedade 39

    brasileiro de 1850, art. 325.), stille Gesellschaft (HGB alemo de 1897, 230, s s .){82). Actualmente, as socits en participation, apesar de no terem personalidade jurdica nem estarem submetidas a obrigaes de publicidade, continuam a ser qualificadas pela larga maioria da doutrina francesa como sociedades (83); pacfica na Alemanha a qualificao como sociedade da stille Gesellschaft (sociedade considerada interna, por no aparecer como tal no trfico jurd ico)(84). No assim em outros pases. Por exemplo, na Itlia no sociedade a associazione in parte- cipazione (85); em Espanha, a jurisprudncia e a doutrina maioritria negam natureza societria s cuentas en participacin (86).

    Entre ns, na vigncia dos arts. 224.-229. do CCom., a doutrina e a jurisprudncia estavam muito divididas quanto qualificao das contas em participao como sociedades (87). Hoje (como ontem - as associaes em participao mantm fisionomia similar das contas em participao) deve negar-se carcter societrio s associaes em participao. So contratos que no originam novas entidades; a actividade econmica a que os sujeitos se associam no exercida em comum, exercida essencialmente pelos associantes; as contribuies dos associados integram-se

    (82 ^ Sobre as origens e a evoluo da figura, v. por todos L. FERNNDEZ DE LA g n d a r a , Las cuentas en participacin: Un ensayo de caracterizacin dogmtica y funcional, in Estudios de derecho mercantil- Homenage al Professor Justino F. Duque, vol. I, Universidad de Valladolid, 1998, pp. 259, ss..

    (83) y ; p ex ( GuYON, ob. cit., pp. 515, ss..(84) V., p. ex., Schmidt, ob. cit., pp. 178,1284, ss..(8 5) y ; p ex ; Galgano,ob. cit., pp. 2 0 , ss..(8 6 ) y F ernndez de la Gndara , ob. cit., pp. 264, 270, ss. (o A. est

    entre os minoritrios).8^7 ^ V. nufnerosas referencias em Ra l V e n t u r a , lt. ob. cit.,

    pp. 79, ss..

  • 40 Curso de Direito Comercial

    normalmente no patrimnio dos associantes, no h patrimnio comum nem autnomo.(88)

    5. Notas especficas da noo de sociedade comercial

    Curmos at aqui da noo genrica de sociedade. Sabemos j que o gnero sociedade se desdobra em duas espcies: sociedade civil e sociedade comercial. Segundo o n. 2 do art. 1. do CSC, comercial a sociedade que respeite dois requisitos: tenha por objecto a prtica de actos de comrcio (objecto comercial); adopte um dos tipos a previstos - em nome colectivo, por quotas, annima, em comandita simples, em comandita por aces (tipo ou forma comercial). (89)

    Manteve-se, assim, a soluo consagrada no CCom.. Dizia o seu art. 104.: So condies essenciais para que uma sociedade se considere comercial: 1 1. Que tenha por objecto praticar um ou mais actos de comrcio; 1 2 Que se constitua em harmonia com os preceitos deste cdigo (estes preceitos referiam-se - ou tambm se referiam - adopo de um dos tipos ou espcies societrios previstos nessa lei). No consagrou o CSC, pois, a comercialidade societria meramente formal, a qualificao como comercial de toda e qualquer sociedade que adopte um dos tipos previstos na lei

    (88) Os autores que mais recentemente se tm ocupado do assunto chegam a idntica concluso - v. Pinto Furtado, ob. cit., pp. 85, ss., Brito Correia, ob. cit., pp. 20-21, Pupo Correia, ob. cit., p. 398.

    Acrescente-se, a terminar, ser no mnimo equvoca a expresso associao em participao: quer porque no se cria qualquer entidade que integre associante e associado(s), quer porque associao conota em geral finalidades no lucrativas.

    (8 9) d os actos de comrcio tratmos j no cap. I do vol. I do Curso. Dos tipos societrios iremos tratando (para um quadro geral, v. o prximo captulo).

  • Noo de sociedade 41

    como mercantis. Afastou-se, portanto, de vrias leis estrangeiras (90), bem como de um anteprojecto portugus de lei das sociedades comerciais (91).

    Parece decorrer do n. 2 do art. 1. do CSC que os dois assinalados requisitos (objecto comercial, forma comercial) so, ambos, essenciais para qualificar de comercial uma sociedade. No obstante, deve entender-se que s o primeiro requisito (o do objecto) essencial. Uma sociedade que tem por objecto a prtica de actos de comrcio, ainda quando no adopte um dos referidos tipos, sociedade comercial - apesar de irregularmente constituda quando falte essa adopo. Uma sociedade com objecto mercantil deve adoptar, e s pode adoptar, um dos tipos de sociedades comerciais (n. 3 do art. 1.). No o adoptando, no poder dizer-se que tem forma civil ou que sociedade civil. Se verdade que as sociedades com objecto no comercial - civis - podem adoptar formas comerciais (n. 4 do art. 1.), j as sociedades com

    (90) y g ' nos termos do 2. pargrafo do art. 1. da lei francesa das sociedades comerciais (de 1966), so comerciais, independentemente do objecto, as sociedades em nome colectivo, as sociedades em comandita simples, as sociedades de responsabilidade limitada e as sociedades por aces (todavia, ainda nos termos do 1 . pargrafo desse artigo, o carcter comercial de uma sociedade pode tambm ser determinado pelo seu objecto; mas este critrio de importncia muito limitada- v. Ripert/R oblot/G ermain/V ogel, ob. cit., p. 912). Na Alemanha, as sociedades correspondentes s nossas sociedades em nome colectivo e em comandita simples tm de ter objecto comercial; as sociedades por quotas, annimas e em comandita por aces so comerciais independentemente de o objecto ser ou no comercial (cfr., p. ex., KRAFT / Kreutz, ob. cit., pp. 6-7). Vigora actualmente tambm em Espanha o critrio da forma - as sociedades que adoptem um dos tipos regulados nas leis mercantis so comerciais (v. SNCHEZ CALERO, ob. cit., pp. 218-219). Sistema anlogo ao nosso permanece em Itlia - v. art. 2249 do C. Civile e, p. ex., Galgano, ob. cit., pp. 41, ss..

    (91) Ferrer Correia / Antnio Caeiro, Anteprojecto cit., pp. 5, ss..Sobre as razes que levaram o legislador a manter a orientao tra

    dicional, v. o n. 4 do prembulo do decreto-lei que aprovou o CSC.

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    objecto mercantil - comerciais - no tm nem podem ter forma civil. A falta de adopo de um tipo societrio mercantil por sociedade tendo por objecto a prtica de actos de comrcio acarreta com certeza consequncias, variveis de caso para caso, mas consequncias determinadas pela lei societria aplicvel s sociedades comerciais (92).

    6. Sociedades civis simples e sociedades civis de tipo comercial

    So civis as sociedades com objecto civil ou no comercial, as sociedades que no tenham por objecto a prtica de actos de comrcio, o exerccio de uma actividade mercantil. Por exemplo, so civis as sociedades agrcolas, as sociedades de artesos que (no quadro societrio) exercem actividades artesanais, as sociedades de profissionais liberais para o exerccio das respectivas actividades (93).

    V. CSC, arts. 9., 1, b), c), 36., 2, e seguintes, e infra, cap. III.D iferentem ente, defendendo ser civil a sociedade com objecto

    com ercial mas que no adoptou form a comercial, v. Oliveira A scenso , ob. cit., pp. 20, ss..

    Na vigncia do art. 104. do CCom. (de cuja letra parecia decorrer ainda mais a essencialidade dos dois requisitos), a generalidade da doutrina e da jurisprudncia defendia serem comerciais as sociedades com objecto mercantil mas sem forma comercial (mas no so hoje idnticas as consequncias da falta de forma) - v., p. ex., J os Tavares, ob. cit., pp. 214-215, J. Fernandes V az, Lies de direito commercial (coligidas por A. Pinto Gouveia), Typ. Minerva Central, Coimbra, 1907, pp. 315-316, G uilherme M oreira, Lies de direito commercial (coligidas por A. F. Carneiro Pacheco), Minerva Central, Coimbra, 1909, pp. 81, ss., Adriano A nthero , Comentrio ao cdigo commercial portuguez, vol. I, Typ. Artes & Letras, Porto, 1913, p. 189, CUNHA GONALVES, ob. cit., p. 204, Barbosa de M agalhes, Sociedades comerciais irregulares, GRL, ano 47 (1934), pp. 324, ss. (com mais indicaes bibliogrficas).

    (93) c f r 0 voj j este Curso, n. 3. do cap. II e n. 3. 1.3. do cap. III.Registe-se, entretanto, o recente DL 41 1 2001, de 9 de Fevereiro

    (aprova o estatuto do arteso e da unidade produtiva artesanal), cujo art. 1 2 . define ("para efeitos do presente diploma") tort et travers "unidade produtiva artesanal" como "toda e qualquer unidade econmica (...), designadamente sob as formas de empresrio em nome individual, estabe

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    Para que sejam civis, as sociedades ho-de ter exclusivamente por objecto uma actividade no comercial - o que resulta dos n.os 3 e 4 do art. 1. do CSC. Consequentemente, por exemplo, uma sociedade que explora uma empresa agrcola (objecto civil) e, alm disso, se dedica comercializao de sementes adquiridas a terceiros sociedade comercial (o seu objecto desdobra-se em actividades no comerciais e comerciais).

    As sociedades civis podem ser de duas espcies: sociedades civis simples e sociedades civis de tipo ou forma comercial. As primeiras so disciplinadas fundamentalmente pelo CCiv. (arts. 980., ss .)(94). As segundas so sociedades que, embora civis, adoptam um dos tipos de sociedades comerciais, sendo-lhes por isso aplicvel o CSC (n. 4 do art. 1. do CSC)

    Em regra, as sociedades civis podem adoptar (ou no) qualquer tipo societrio mercantil (n. 4 do art. 1. do CSC )(96). Mas h excepes. Por um lado, algumas sociedades no podem adoptar nenhum dos tipos de sociedades comerciais - o caso das sociedades de advogados (DL 513-Q179, de 26 de Dezembro, art. 1., 1 e 2). Por outro

    lecimento individual de responsabilidade limitada, cooperativa, sociedade unipessoal ou sociedade comercial (...)".

    (94) Algumas (sub-)espcies de sociedades civis simples tm disciplina legal suplementar o caso, p. ex., das sociedades de advogados (v. infra).

    Similares disposies se encontravam no art. 106. do CCom. e no nico do art. 1. da lei das sociedades por quotas (de 1901). Tal como ento se entendia, tambm agora se deve entender que as sociedades civis de tipo comercial, no obstante serem reguladas pela lei societria mercantil, no so comerciantes (cfr. vol. I do Curso, n. 2. 2. 1. do cap. II).

    (96) Dadas as grandes semelhanas entre a sociedade civil simples e a sociedade em nome colectivo, muito pouco provvel que este tipo seja escolhido para sociedades civis. O normal ser a adopo dos tipos sociedade por quotas e sociedade annima (ambas permitindo a responsabilidade limitada dos scios).

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    lado, outras sociedades civis apenas podem adoptar certo ou certos tipos - o caso das sociedades de agricultura de grupo, agrupamentos de produo agrcola, agrupamentos complementares da explorao agrcola e empresas familiares agrcolas reconhecidas, tudo sociedades agrcolas (especiais) que tm de ter o tipo de sociedade por quotas (DL 336189, de 4 de Outubro, alterado pelos DL 339190, de 30 de Outubro e 382193, de 18 de Novembro, arts. 1., 12., 13., 12.-A)(97). Por outro lado ainda, determinadas sociedades civis, podendo embora perfilhar qualquer tipo comercial, no podem deixar de adoptar um desses tipos - o caso das sociedades de gestores judiciais e das sociedades de liquidatrios judiciais (DL 79198, de 2 de Abril, art. 3.). (98)

    As sociedades civis que mais e maiores problemas tm suscitado so as sociedades de profissionais liberais (para o exerccio das respectivas actividades profissional-liberais).

    Defendem alguns autores que as sociedades de profissionais liberais s podem ser sociedades civis sem forma comercial, ou sociedades (civis) em nome colectivo, no podendo, portanto, adoptar outros tipos societrio-mercan- tis. S naquelas sociedades, argumenta-se, so admitidas entradas ou contribuies de indstria - e os scios das sociedades de profissionais ho-de ser scios de indstria, ho-de exercer no quadro societrio as suas actividades

    (9' ) As normais sociedades agrcolas podem adoptar qualquer forma societria mercantil.

    (98) No d r ,ja mesma data (2 de Abril de 1998) encontra-se tambm o DL 82/98, regulador das sociedades gestoras de empresas. O seu art. 2. (digno de figurar num DR do 1. de Abril) reza assim: As sociedades gestoras de empresas podem assumir a natureza de sociedades comerciais ou de sociedades civis sob forma comercial. Como se a natureza destas sociedades pudesse por elas ser escolhida! (Tendo em conta o que dissemos j a propsito da generalidade das empresas de servios - vol. I do Curso, n. 3. 1. do cap. I estas sociedades devem ser qualificadas de comerciais.).

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    profissional-liberais (99)- Exceptuados os casos em que a lei estabelea diferentemente (como no citado DL 513-Q179, para as sociedades de advogados), a tese que devemos defender outra: a da possibilidade de adopo de qualquer tipo societrio comercial. Primeiro, porque as sociedades de tipo comercial em que as entradas de indstria no so permitidas (sociedades por quotas, annimas e, quanto aos scios comanditrios, em comandita - arts. 202., 1, 277., 1, 468. do CSC) dispem de meios para assegurar a colaborao profissional dos scios, sendo de destacar as obrigaes de prestaes acessrias (arts. 209., 287., 478.). Segundo, porque a prpria lei j admitiu sociedades de profissionais sem forma comercial e sem qualquer scio de indstria (100), e vem admitindo que sociedades de profissionais optem por qualquer tipo societrio

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    tenham por objecto uma dessas actividades somente podem ter scios possuidores do respectivo ttulo profissional(104). De acordo com este princpio est o diploma regulador das sociedades de advogados (DL 513-Q179, arts. 1, 1, 3., 1, a)). Mas desviou-se dele o diploma regulador das sociedades de revisores oficiais de contas (nos arts. 96. e 97., o DL 487199 admite, embora em estreitos limites, scios no revisores oficiais)(105).

    So lcitas as sociedades pluriprofissionais, onde colaboram profissionais liberais de distintas categorias? H que distinguir. Imagine-se que dois advogados, dois economistas e dois engenheiros pretendem constituir uma sociedade para prestar servios a empresas. Se o grupo desses servios se decompe em sub-grupos, cada um integrando actos prprios de cada categoria dos profissionais interessados (a pretendida sociedade prope-se prestar, de modo relativamente autonomizado, servios de procuradoria e consultori