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Conteúdo

Fontes do Direito Internacional ............................................................................ Pág. 8

Sujeitos de Direito Internacional Público .............................................................. Pág. 22

Tribunal Penal Internacional ................................................................................. Pág. 54

Domínio Público Internacional .............................................................................. Pág. 82

Nacionalidade ...................................................................................................... Pág. 94

Aspectos Gerais do Direito Internacional Privado ................................................ Pág. 109

Competência Internacional ................................................................................... Pág. 113

Homologação de Sentenças Estrangeiras ........................................................... Pág. 116

Direito Penal ......................................................................................................... Pág. 120

Pessoas Jurídicas ................................................................................................ Pág. 125

Direito de Família Internacional ............................................................................ Pág. 131

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Direito Internacional Público

1. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL 1.1 Introdução O direito internacional público, também conhecido como direito das gentes, é o ramo do direito que normatiza as relações externas entre componentes da sociedade internacional. Os principais sujeitos de direito internacional são os Estados e as organizações internacionais. Conforme a doutrina de Francisco Rezek, “no plano internacional não existe autoridade superior nem milícia permanente. Os Estados se organizam horizontalmente, e dispõem-se a proceder de acordo com normas jurídicas na exata medida em que estas tenham constituído objeto de seu consentimento. A criação das normas é, assim, obra direta de seus destinatários” (2010, p. 1). O direito internacional possui fontes formais e materiais. Fontes formais são as criações normativas para aplicação em caráter geral. Esse caráter geral, em relação ao direito internacional, significa que as espécies normativas tem aplicabilidade apenas aqueles Estados que concordarem e ratificarem a respectiva fonte normativa, e não a todos os Estados do mundo, pois cada um possui a sua soberania e situam-se em plano horizontal. Já as fontes materiais são acontecimentos econômicos, políticos ou sociais que motivam a elaboração de normas sobre o assunto ou a ele relacionados. São fontes formais do direito internacional:

a) os tratados;

b) os costumes;

c) os princípios gerais de direito;

d) a doutrina;

e) a jurisprudência;

f) a equidade;

g) os atos unilaterais; e

h) as decisões tomadas pelas organizações internacionais. 1.2 Tratados Antes, os tratados eram elaborados apenas com base nos costumes internacionais, dentro das margens da boa-fé e do pacta sunt servanda. Hoje, no entanto, já existem normas elaboradas em âmbito internacional com o específico propósito de disciplinar essa matéria. Nesse contexto, é importante conhecer o preâmbulo da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969:

Os Estados Partes na presente Convenção,

Considerando o papel fundamental dos tratados na história das relações internacionais,

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Reconhecendo a importância cada vez maior dos tratados como fonte do Direito Internacional e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer que sejam seus sistemas constitucionais e sociais,

Constatando que os princípios do livre consentimento e da boa fé e a regra pacta sunt servanda são universalmente reconhecidos,

Afirmando que as controvérsias relativas aos tratados, tais como outras controvérsias internacionais, devem ser solucionadas por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da Justiça e do Direito Internacional,

Recordando a determinação dos povos das Nações Unidas de criar condições necessárias à manutenção da Justiça e do respeito às obrigações decorrentes dos tratados,

Conscientes dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas, tais como os princípios da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, da igualdade soberana e da independência de todos os Estados, da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados, da proibição da ameaça ou do emprego da força e do respeito universal e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos,

Acreditando que a codificação e o desenvolvimento progressivo do direito dos tratados alcançados na presente Convenção promoverão os propósitos das Nações Unidas enunciados na Carta, que são a manutenção da paz e da segurança internacionais, o desenvolvimento das relações amistosas e a consecução da cooperação entre as nações,

Afirmando que as regras do Direito Internacional consuetudinário continuarão a reger as questões não reguladas pelas disposições da presente Convenção,

Convieram no seguinte: […]

Segundo a mencionada Convenção, tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica (art. 1º, alínea “a”, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados – CVDT). A Convenção de Viena de 1969 não previa como pessoas jurídicas de direito internacional as organizações internacionais, motivo pelo qual a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 1986,

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cuidou do assunto praticamente reproduzindo a Convenção de 1969, apenas para incluir na regulamentação dos tratados as organizações internacionais. Nesse contexto, veja-se a conceituação de tratado pelo artigo 2º da Convenção de Viena, de 1986:

Art. 2º – Termos empregados:

1. Para efeitos da presente Convenção:

a) Por “tratado” entende-se um acordo internacional regido pelo direito internacional e celebrado por escrito:

i) Entre um ou várias Estados e uma ou várias organizações internacionais; ou

ii) Entre organizações internacionais, quer esse acordo conste de um instrumento único ou de dois ou mais instrumentos conexos e qualquer que seja a sua denominação particular.

Os diversos instrumentos normativos internacionais demonstram que “acordo” e “convenção” são expressões que tem sido utilizadas como sinônimas de tratado. 1.2.1 Requisitos de validade São requisitos que condicionam a validade dos tratados:

a) a capacidade das partes;

b) a habilitação dos agentes signatários;

c) o consentimento mútuo; e

d) o objeto lícito e possível.

A capacidade dos Estados consta expressamente do artigo 6º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, que prevê que todo Estado tem capacidade para concluir tratados. Já a capacidade das organizações internacionais está contida no artigo 6º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 1986, que dispõe que as organizações internacionais tem capacidade para concluir tratados, e que essa capacidade rege-se pelas regras das respectivas organizações. A habilitação se traduz na entrega de plenos poderes aos representantes dos sujeitos internacionais, também conhecidos como plenipotenciários. Veja-se o conceito de plenos poderes segundo o artigo 2º da Convenção de Viena de 1986:

Art. 2º – Termos empregados:

1. Para efeitos da presente Convenção:

[…]

c) Por “plenos poderes” entende-se um documento que emana da autoridade competente de um Estado ou do órgão competente de uma organização internacional e

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pelo qual se designa uma ou várias pessoas para representar o Estado ou a organização na negociação, na adoção ou na autenticação do texto de um tratado, para expressar o consentimento do Estado ou da organização em obrigar-se por um tratado, ou para executar qualquer outro ato relativamente a um tratado.

O consentimento mútuo indica a necessidade de concordância recíproca entre as partes contratantes, de forma volitiva. Segundo a Convenção de Viena, tanto a de 1969 como a de 1986, o vício de consentimento gera a nulidade do tratado e pode se manifestar sob a forma de erro, dolo, corrupção e coação. No caso de coação, ela pode ocorrer tanto por meio de um representante do Estado, como através de um Estado ou de uma organização internacional, pela ameaça ou pelo emprego de força. Acerca do tema, veja-se a redação dos artigos 46 a 52 da Convenção de Viena de 1969:

Artigo 46 - Disposições do Direito Interno sobre Competência para Concluir Tratados:

1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental.

2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa fé.

Artigo 47 - Restrições Específicas ao Poder de Manifestar o Consentimento de um Estado:

Se o poder conferido a um representante de manifestar o consentimento de um Estado em obrigar-se por um determinado tratado tiver sido objeto de restrição específica, o fato de o representante não respeitar a restrição não pode ser invocado como invalidando o consentimento expresso, a não ser que a restrição tenha sido notificada aos outros Estados negociadores antes da manifestação do consentimento.

Artigo 48 – Erro:

1. Um Estado pode invocar erro no tratado como tendo invalidado o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado se o erro se referir a um fato ou situação que esse Estado supunha existir no momento em que o tratado foi concluído e que constituía uma base

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essencial de seu consentimento em obrigar-se pelo tratado.

2. O parágrafo 1 não se aplica se o referido Estado contribui para tal erro pela sua conduta ou se as circunstâncias foram tais que o Estado devia ter-se apercebido da possibilidade de erro.

3. Um erro relativo à redação do texto de um tratado não prejudicará sua validade; neste caso, aplicar-se-á o artigo 79.

Artigo 49 – Dolo:

Se um Estado foi levado a concluir um tratado pela conduta fraudulenta de outro Estado negociador, o Estado pode invocar a fraude como tendo invalidado o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado.

Artigo 50 - Corrupção de Representante de um Estado:

Se a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado foi obtida por meio da corrupção de seu representante, pela ação direta ou indireta de outro Estado negociador, o Estado pode alegar tal corrupção como tendo invalidado o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado.

Artigo 51 - Coação de Representante de um Estado:

Não produzirá qualquer efeito jurídico a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado que tenha sido obtida pela coação de seu representante, por meio de atos ou ameaças dirigidas contra ele.

Artigo 52 - Coação de um Estado pela Ameaça ou Emprego da Força:

É nulo um tratado cuja conclusão foi obtida pela ameaça ou o emprego da força em violação dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas.

Por fim, último requisito de validade dos tratados é o objeto lícito e possível, isto é, o objeto contratual não pode ser contraposto às normas de direito internacional público e deve ser materialmente executável. Acerca do tema, veja-se a redação do artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados:

Artigo 53 - Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens):

É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito

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Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.

1.2.2 Processo de formação dos tratados O processo de formação dos tratados possui dois âmbitos, um externo e outro interno. No âmbito externo, são fases do processo de formação dos tratados:

a) a negociação, a adoção e a assinatura (1ª fase);

b) a ratificação (3ª fase);

Já no âmbito interno, são fases do processo de formação dos tratados:

a) o referendo parlamentar (2ª fase); e

b) a promulgação e a publicação (4ª fase).

Essas fases, no entanto, não são sucessivas, mas interligadas. O referendo parlamentar (em âmbito interno), ocorre após a negociação, adoção e assinatura (em âmbito externo), ao passo que a promulgação e publicação (em âmbito interno) ocorre após a ratificação (em âmbito externo). 1.2.2.1 Negociação, adoção e assinatura (1ª fase) Após a fase de discussões e negociações, aos Estados é apresentado um texto escrito finalmente elaborado. Conforme prevê o artigo 9º da Convenção de Viena, a adoção do texto de um tratado far-se-á por consentimento de todos os Estados e de todas as organizações internacionais, salvo no caso de conferência internacional, caso em que essa adoção pode depender de quórum diferente, a depender do que fora acordado entre os participantes da mesma. Nesse caso, se não se conseguir um acordo sobre tal procedimento, a adoção do texto far-se-á por 2/3 (dois terços) dos participantes presentes e votantes, a menos que esses participantes decidam por igual maioria aplicar regra diferente. Ato contínuo, passa-se a fase de autenticação do tratado. Sobre o assunto, veja-se o procedimento por meio da análise do artigo 10 da Convenção de Viena, de 1986:

Artigo 10 - Autenticação do Texto:

1. O texto de um tratado entre um ou vários Estados e uma ou várias organizações internacionais ficará estabelecido como autêntico e definitivo:

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a) Mediante o procedimento que nele se prescrever ou que seja acordado entre os Estados e as organizações que tenham participado na sua elaboração; ou

b) Na falta de tal procedimento, mediante a sua assinatura, assinatura ad referendum ou a rubrica pelos representantes desses Estados e dessas organizações, do texto do tratado ou do ato final de uma conferência em que o texto tenha sido incluído.

2. O texto de um tratado entre organizações internacionais ficará estabelecido como autêntico e definitivo:

a) Mediante o procedimento que nele se prescreva ou que seja acordado pelas organizações que tenham participado na sua elaboração;

b) Na falta de tal procedimento, mediante a sua assinatura, assinatura ad referendum ou a rubrica pelos representantes dessas organizações, do texto do tratado ou do ato final de uma conferência em que o texto tenha sido incluído.

Como se vê, portanto, a assinatura não tem o caráter de aceite definitivo do tratado. Embora seja etapa relevante, tem caráter de provisoriedade. No caso do representante do Estado ou organização internacional não possuir autorização regular, ele deve apenas rubricar o texto, que posteriormente deve ser assinado por quem tenha poderes de representação regular do Estado ou organização internacional. 1.2.2.2 Referendo parlamentar (2ª fase) Após a assinatura, a segunda fase para aprovação de um tratado não é internacional, mas interna. Tão logo seja concluída a primeira fase, o texto do tratado deve ser remetido ao Congresso Nacional, que deve sobre ele deliberar. São 4 (quatro) as condutas passíveis de serem adotadas pelo Congresso Nacional:

a) aprovação integral;

b) aprovação com reservas;

c) aprovação com declaração de discordância às reservas do Poder Executivo; ou

d) rejeição integral.

Caso o Congresso Nacional rejeite integralmente o texto do tratado, a decisão tem caráter definitivo. Nos demais casos, há continuação do procedimento relativo a aprovação e aplicação do respectivo tratado. Acerca das reservas, é importante conhecer o teor do artigos 19 e 20 da Convenção de Viena de 1969:

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Artigo 19 - Formulação de Reservas Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, formular uma reserva, a não ser que:

a) a reserva seja proibida pelo tratado;

b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quais não figure a reserva em questão; ou

c) nos casos não previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do tratado.

Artigo 20 - Aceitação de Reservas e Objeções às Reservas:

1. Uma reserva expressamente autorizada por um tratado não requer qualquer aceitação posterior pelos outros Estados contratantes, a não ser que o tratado assim disponha.

2. Quando se infere do número limitado dos Estados negociadores, assim como do objeto e da finalidade do tratado, que a aplicação do tratado na íntegra entre todas as partes é condição essencial para o consentimento de cada uma delas em obrigar-se pelo tratado, uma reserva requer a aceitação de todas as partes.

3. Quando o tratado é um ato constitutivo de uma organização internacional, a reserva exige a aceitação do órgão competente da organização, a não ser que o tratado disponha diversamente.

4. Nos casos não previstos nos parágrafos precedentes e a menos que o tratado disponha de outra forma:

a) a aceitação de uma reserva por outro Estado contratante torna o Estado autor da reserva parte no tratado em relação àquele outro Estado, se o tratado está em vigor ou quando entrar em vigor para esses Estados;

b) a objeção feita a uma reserva por outro Estado contratante não impede que o tratado entre em vigor entre o Estado que formulou a objeção e o Estado autor da reserva, a não ser que uma intenção contrária tenha sido expressamente manifestada pelo Estado que formulou a objeção;

c) um ato que manifestar o consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado e que contiver uma reserva produzirá efeito logo que pelo menos outro Estado contratante aceitar a reserva.

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5. Para os fins dos parágrafos 2 e 4, e a não ser que o tratado disponha diversamente, uma reserva é tida como aceita por um Estado se este não formulou objeção à reserva quer no decurso do prazo de doze meses que se seguir à data em que recebeu a notificação, quer na data em que manifestou o seu consentimento em obrigar-se pelo tratado, se esta for posterior.

Naturalmente, não pode ser alvo de reserva o próprio objeto ou finalidade do tratado. Por derradeiro, quanto a retirada de reservas e de objeções feitas às reservas, veja-se o artigo 22 da Convenção de Viena de 1969:

Artigo 22 - Retirada de Reservas e de Objeções às Reservas:

1. A não ser que o tratado disponha de outra forma, uma reserva pode ser retirada a qualquer momento, sem que o consentimento do Estado que a aceitou seja necessário para sua retirada.

2. A não ser que o tratado disponha de outra forma, uma objeção a uma reserva pode ser retirada a qualquer momento.

3. A não ser que o tratado disponha ou fique acordado de outra forma:

a) a retirada de uma reserva só produzirá efeito em relação a outro Estado contratante quando este Estado receber a correspondente notificação;

b) a retirada de uma objeção a uma reserva só produzirá efeito quando o Estado que formulou a reserva receber notificação dessa retirada.

1.2.2.3 Ratificação (3ª fase) Após a manifestação do Congresso Nacional, desde que não tenha sido pela rejeição integral do tratado, o texto do mesmo segue para o Presidente da República, que pode ou não ratificar a assinatura nele proferida. Como se havia mencionado, note-se o caráter precário da assinatura, pois o Presidente da República, em ato discricionário, pode ou não ratificá-la. Realizada a ratificação, pelo Presidente da República, o tratado se torna obrigatório para o Estado, e este se vincula definitivamente com os demais Estados-Partes.

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1.2.2.4 Promulgação (4ª fase) Se o Presidente da República ratificar, ele deve também promulgar o respectivo tratado e publicá-lo no Diário Oficial da União, com o que ele adquire relevância jurídica externa e interna. 1.2.3 Interpretação dos tratados A interpretação dos tratados não pode se afastar da boa-fé, tão menos da finalidade que motivou a celebração do mesmo. Acerca do assunto, é necessário conhecer os artigos 31 e 32 da Convenção de Viena, de 1969:

Artigo 31 - Regra Geral de Interpretação:

1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.

2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos:

a) qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado;

b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.

3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto:

a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições;

b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação;

c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.

4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes.

Artigo 32 - Meios Suplementares de Interpretação:

Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31

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ou de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o artigo 31:

a) deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou

b) conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado.

1.2.4 Tratados e terceiros Estados Os tratados, via de regra, não produzem efeitos em relação aos Estados que não tenham figurado como partes, sob pena de lesão à soberania dos mesmos. Há, no entanto, relevantes ressalvas, consoante se faz citação dos seguintes dispositivos da Convenção de Viena:

Artigo 34 - Regra Geral com Relação a Terceiros Estados:

Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento.

Artigo 35 - Tratados que Criam Obrigações para Terceiros Estados:

Uma obrigação nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado tiverem a intenção de criar a obrigação por meio dessa disposição e o terceiro Estado aceitar expressamente, por escrito, essa obrigação.

Artigo 36 - Tratados que Criam Direitos para Terceiros Estados:

1. Um direito nasce para um terceiro Estado de uma disposição de um tratado se as partes no tratado tiverem a intenção de conferir, por meio dessa disposição, esse direito quer a um terceiro Estado, quer a um grupo de Estados a que pertença, quer a todos os Estados, e o terceiro Estado nisso consentir. Presume-se o seu consentimento até indicação em contrário, a menos que o tratado disponha diversamente.

2. Um Estado que exerce um direito nos termos do parágrafo 1 deve respeitar, para o exercício desse direito, as condições previstas no tratado ou estabelecidas de acordo com o tratado.

Artigo 37 - Revogação ou Modificação de Obrigações ou Direitos de Terceiros Estados:

1. Qualquer obrigação que tiver nascido para um terceiro Estado nos termos do artigo 35 só poderá ser revogada ou modificada com o consentimento das

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partes no tratado e do terceiro Estado, salvo se ficar estabelecido que elas haviam acordado diversamente.

2. Qualquer direito que tiver nascido para um terceiro Estado nos termos do artigo 36 não poderá ser revogado ou modificado pelas partes, se ficar estabelecido ter havido a intenção de que o direito não fosse revogável ou sujeito a modificação sem o consentimento do terceiro Estado.

Artigo 38 - Regras de um Tratado Tornadas Obrigatórias para Terceiros Estados por Força do Costume Internacional:

Nada nos artigos 34 a 37 impede que uma regra prevista em um tratado se torne obrigatória para terceiros Estados como regra consuetudinária de Direito Internacional, reconhecida como tal.

1.2.5 Extinção dos tratados A extinção de um tratado ou a retirada de uma das partes pode ocorrer de conformidade com as disposições do tratado ou a qualquer momento, pelo consentimento de todas as partes, após a consulta com os outros Estados contratantes (art. 54 da Convenção de Viena). São formas de extinção dos tratados:

a) a execução completa;

b) o consentimento mútuo;

c) o termo ou a condição resolutória;

d) a ruptura das relações diplomáticas;

e) a impossibilidade de execução;

f) a inexecução por uma das partes;

g) a caducidade; ou

h) a denúncia.

A extinção do tratado pela execução completa ocorre quando todas as partes cumprem o pactuado, de modo que resta exaurido o objeto do tratado. Um tratado também pode ser extinto quando, por consentimento de todas as partes, decide-se colocar fim ao mesmo. Ultrapassado o prazo previsto para ocorrência do evento previsto (termo), sem que este tenha se verificado e sendo o tratado por tempo determinado, este reputa-se extinto. Do mesmo modo, extingue-se o tratado quando se constata a ocorrência de evento futuro e incerto, de modo a revelar a ocorrência da condição resolutória nele prevista. A ruptura das relações diplomáticas, via de regra, verifica-se pela iminência ou efetivo início de uma guerra. Com ela quebram-se as relações entre os envolvidos e, consequentemente, extinguem-se os tratados celebrados. Embora seja frequente, nada impede que determinados tratados

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sejam mantidos durante uma guerra. O próprio artigo 63 da Convenção de Viena dispõe que o rompimento de relações diplomáticas ou consulares entre partes em um tratado não afeta as relações jurídicas estabelecidas entre elas pelo tratado, salvo na medida em que a existência de relações diplomáticas ou consulares for indispensável à aplicação do tratado. Conforme prevê o artigo 61 da Convenção de Viena, uma parte pode invocar a impossibilidade de cumprir um tratado como causa para extingui-lo ou para dele retirar-se, se esta possibilidade resultar da destruição ou do desaparecimento definitivo de um objeto indispensável ao cumprimento do tratado. Caso a impossibilidade seja temporária, só poderá ser invocada como causa para suspender a execução do tratado. Quando uma das partes não cumprir o tratado, e este for de natureza bilateral, a outra parte pode optar pela suspensão ou extinção do mesmo. E caso o tratado seja de natureza multilateral, a inexecução por uma das partes confere às demais o direito de não executar o tratado em relação a todas as partes, apenas em relação ao Estado infrator, ou apenas entre o Estado infrator e o Estado afetado pela inexecução. Um tratado se extingue pela caducidade quando deixa de ser aplicado com o decorrer do tempo, ou quando práticas opostas a ele surgem no tempo, de modo a torná-lo inexecutável. Por fim, a denúncia, ou declaração unilateral de extinção, é o meio pelo qual um Estado declara sua vontade de não fazer mais parte do tratado, o que gera a extinção do mesmo em relação, apenas, ao Estado denunciante. 1.3 Costume internacional O costume foi, durante muito tempo, a principal base do direito internacional público. Embora não tenha desaparecido, sucumbiu ante uma tendência moderna de codificação das normas. Se diz que não desapareceu, pois em inúmeros casos essa codificação nada mais faz do que formalizar, através de tratados, os costumes internacionalmente reconhecidos. Conforme dispõe o artigo 38, parágrafo primeiro, alínea “b”, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, os costumes são práticas gerais aceitas como direito. Por derradeiro, cumpre mencionar, conforme a doutrina de Francisco Rezek, que não há hierarquia entre os tratados e os costumes internacionais, sendo comum que um seja causa de derrogação do outro. 1.4 Princípios gerais de direito Um princípio geral de direito é aquele reconhecido como tal por vários Estados civilizados, nos termos em que dispõe o artigo 38, parágrafo primeiro, alínea “c” do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.

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Dentre os principais, pode-se citar os seguintes princípios gerais de direito, todos consagrados através do artigo 4º da Constituição Federal de 1988:

a) independência nacional;

b) prevalência dos direitos humanos;

c) autodeterminação dos povos;

d) não-intervenção;

e) igualdade entre os Estados;

f) defesa da paz;

g) solução pacífica dos conflitos;

h) repúdio ao terrorismo e ao racismo;

i) cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

j) concessão de asilo político. 1.5 Doutrina e jurisprudência A doutrina e a jurisprudência mostram-se segundo a melhor doutrina, como instrumento de interpretação da norma de direito internacional público, e não propriamente como fonte do mesmo. A doutrina, consabido, é o estudo de reconhecidos especialistas em direito internacional, enquanto a jurisprudência internacional forma-se pelo conjunto de decisões judiciais proferidas em âmbito internacional. É importante frisar que as decisões judiciais nacionais não constituem jurisprudência, apta a ser utilizada em âmbito internacional. 1.6 Equidade e analogia A equidade e a analogia são instrumentos que conduzem ao melhor raciocínio acerca da aplicação das normas. Não são, portanto, propriamente fontes do direito internacional. Por meio desses dois instrumentos busca-se a correta e mais adequada interpretação a determinados casos concretos. Em relação a equidade, conforme salienta Francisco Rezek, “parece generalizada a convicção de que a equidade pode operar tanto na hipótese de insuficiência da norma de direito positivo aplicável quanto naquela em que a norma, embora bastante, traz ao caso concreto uma solução inaceitável pelo senso de justiça do intérprete” (2010, p. 148). 1.7 Atos unilaterais Os atos unilaterais não foram incluídos no rol do artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, motivo pelo qual é controverso o reconhecimento deles como fonte do direito internacional público.

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O ato unilateral é aquele praticado por apenas um sujeito de direito internacional público. A denúncia de um tratado ou a reserva em relação a parte dele constituem, pois, atos unilaterais. 1.8 Decisões das organizações internacionais As decisões das organizações internacionais, da mesma forma que os atos unilaterais, por não constarem do rol do artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça também tem questionado seu caráter de fonte do direito internacional público. Uma resolução editada por uma organização internacional, como a Organização das Nações Unidas por exemplo, embora não vincule, convida os diversos Estados que dela fazem parte a observarem suas recomendações. 2. Sujeitos de Direito Internacional Público Os sujeitos de direito internacional, também chamados de sujeitos em direito das gentes, ou simplesmente de pessoas jurídicas de direito internacional público, são os Estados soberanos e as organizações internacionais. A Santa Sé, é importante salientar, equipara-se aos Estados soberanos. É originária a personalidade jurídica de direito internacional público dos Estados soberanos, enquanto é derivada a das organizações internacionais. As empresas, sejam públicas ou privadas, não são consideradas sujeitos de direito internacional público, assim como as Organizações Não-Governamentais (ONG's). Exceção em relação as ONG's seja feita em relação ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha, ao qual se reconhece a personalidade jurídica de direito internacional. Em relação as pessoas, individualmente consideradas, há divergência doutrinária sobre o reconhecimento da sua personalidade jurídica de direito internacional. Parece mais adequada a posição de Francisco Rezek (2010, p. 154), por meio da qual não se consideram os indivíduos como sujeitos de direito internacional. Os que filiam-se à teoria que atribuiu essa personalidade aos indivíduos, utilizam o argumento de que eles são os destinatários das normas e, portanto, também gozam dessa personalidade de direito internacional público. Todo sujeito de direito internacional público é sujeito de direitos e também de deveres. Conforme apontado pela melhor doutrina, os sujeitos de direito internacional podem ser classificados em:

a) Estados;

b) Organizações internacionais; e

c) Coletividades não estatais.

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2.1 Estados Para que se fale em Estado, há que se falar na reunião de 4 (quatro) elementos:

a) território;

b) povo;

c) governo; e

d) soberania.

Território é o elemento material (ou físico) do Estado. Compreende, grosso modo, a superfície, o subsolo e o espaço aéreo que o território ocupa. Povo é o elemento pessoal do Estado. Note-se que a expressão “povo” é mais precisa que “população” quando se fala de elementos do Estado, pois enquanto população compreende todos aqueles que estejam em território nacional, sejam nacionais ou não, estejam de maneira permanente ou temporária, povo compreende apenas as pessoas que possuem vínculo jurídico com o respectivo Estado. Governo é a medida de organização necessária ao exercício e à manutenção do poder político. Soberania é o poder do Estado que o autoriza a não se submeter à nenhuma autoridade exterior, permitindo-lhe reger-se de acordo com os sistemas que adotar. Não se pode deixar de mencionar que segundo Dalmo de Abreu Dallari, em sua clássica obra “Elementos de Teoria Geral do Estado”, fala-se em um quinto elemento para que se possa falar na existência de um Estado, que é a finalidade. O elemento finalidade delimita a forma de atuação do Estado, que deve direcionar suas atividades com o objetivo de satisfazer suas finalidades. 2.1.1 Reconhecimento do Estado O reconhecimento de um Estado é feito por parte dos demais, com o que o primeiro adquire personalidade jurídica de direito internacional público. Para que esse reconhecimento ocorra exige-se o pedido do Estado interessado, que se formaliza por meio do instrumento chamado notificação. É controversa a natureza jurídica do ato de reconhecimento da personalidade estatal a um Estado, existindo, pois, as seguintes teorias:

a) teoria constitutiva;

b) teoria declarativa; e

c) teoria mista.

A teoria constitutiva informa que o Estado adquire personalidade estatal após com o ato de reconhecimento, pelos demais Estados. Pela teoria declarativa, diferentemente, reconhece-se que o Estado adquire personalidade estatal tão logo preencha os 4 (quatro) elementos necessários (supra mencionados), caso em que o ato dos demais Estados

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apenas atestam a personalidade que o Estado já possuiu. Essa teoria é majoritária no cenário internacional. Já pela teoria mista entende-se que o reconhecimento do novo Estado pelos demais atesta a personalidade deste e constitui entre os Estados que reconheceram e o Estado reconhecido, uma relação de direitos e de obrigações. 2.1.2 Reconhecimento de governo Se fala em reconhecimento de governo quando, presumivelmente, já ocorreu o reconhecimento do Estado, e mais, que esse Estado que já era reconhecido suportou uma alteração em sua ordem política. Quando houver a instalação de um novo governo em um Estado, há que se operacionalizar o reconhecimento desse governo. Não haverá reconhecimento quando, por exemplo, houver golpe de Estado. Acerca do reconhecimento de governo, duas são as teorias internacionalmente difundidas:

a) doutrina Tobar; e

b) doutrina Estrada.

Por meio da doutrina Tobar, os demais Estados só devem reconhecer o Estado que esteja sob um governo provisório quando ficar demonstrado que esse governo conta com apoio e aprovação popular. A doutrina Estrada, por sua vez, informa que os demais Estados não devem se pronunciar acerca do reconhecimento ou não do governo provisório de um Estado, pois esse reconhecimento fere a soberania desse Estado, já que os outros não devem assumir posturas críticas, favoráveis ou desfavoráveis, em relação a capacidade desse novo regime. Por derradeiro, há que se salientar que não há que se falar na necessidade de reconhecimento quando a alteração da ordem política ocorrer de maneira legitima, por meio de eleições democráticas, por exemplo. 2.2 Coletividades não estatais Algumas pessoas jurídicas de direito internacional público não se encaixam no conceito de Estado, tão menos no de organização internacional. Inobstante, são reconhecidas pelos demais Estados. 2.2.1 Beligerantes Beligerantes são os movimentos revolucionários de grupos armados que comandam parte de um território estatal e objetivam sua independência. Se houver reconhecimento de uma coletividade como beligerante, ela passará a gozar de direitos e deveres em relação aos demais Estados, os quais se relacionam exclusivamente à guerra. Do mesmo modo que os

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grupos beligerantes podem receber ajuda humanitária, podem sofrer restrições das mais variadas órbitas. É importante frisar que para que se fale em coletividade beligerante há que se falar em movimento armado de grandes proporções e que aparentam possuir força para exercer poderes similares ao do Estado. 2.2.2 Insurgentes Se o movimento armado não tem grandes proporções, não pode ser chamado de beligerante, mas pode ser classificado como insurgente. Os movimentos insurgentes assumem motivação política e não alcançam características palpáveis de guerra civil. Também pode haver o reconhecimento de coletividades insurgentes por outros Estados, mas os direitos e deveres decorrentes desse reconhecimento são mais restritos do que os decorrentes do reconhecimento dos movimentos beligerantes. 2.2.3 Movimentos de libertação nacional Como é sugestiva a expressão, os movimentos de libertação nacional tem por objetivo alcançar a liberdade de um determinado povo. Reconhecida a personalidade jurídica de direito internacional público ao movimento de libertação nacional, ela se manifesta sob três âmbitos:

a) nas relações internacionais;

b) nos direitos dos tratados; e

c) no direito humanitário. 2.2.4 Santa Sé O Estado da Cidade do Vaticano foi reconhecido como Estado pelos acordos de Latrão, em 1929, entre a Santa Sé e a Itália. O tratado de Latrão foi incorporado à Constituição Italiana em 1947. A Santa Sé, apesar de não se identificar como um Estado comum, possui personalidade jurídica de direito internacional (REZEK, 2010, p. 250 e 251). Isso ocorre pois embora o Estado da Cidade do Vaticano tenha todos os elementos de um Estado (território, povo, governo e soberania), sua finalidade é a de governo da Igreja Católica, e não apenas de governo do Estado da Cidade do Vaticano. Considerada como detentora de soberania originária, a Santa Sé, pois, equipara-se aos demais Estados.

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2.2.5 Comitê Internacional da Cruz Vermelha Dentre os vários órgãos que formam a Cruz Vermelha, é apenas o Comitê Internacional que possui personalidade jurídica de direito internacional público. Com sede em Genebra, na Suíça, o Comitê é uma organização humanitária, independente e neutra. A missão do Comitê Internacional da Cruz Vermelha é a de prestar assistência às vítimas de conflitos armados e demais situações de violência. 2.3 Organizações internacionais Organizações internacionais, ou entidades interestatais são o resultado da associação volitiva de sujeitos de direito internacional público, constituídas mediante um tratado, composta por órgãos próprios e voltada para a finalidade comum estabelecida pelos seus membros. A personalidade jurídica de direito internacional público é conferida às organizações internacionais em razão da vontade dos Estados que participam de seus atos constitutivos. Quanto a composição, “dois órgãos, pelo menos, têm parecido indispensáveis na estrutura de toda organização internacional, independentemente de seu alcance e finalidade: uma assembléia geral – onde todos os Estados-membros tenham voz e voto, em condições igualitárias, e que configure o centro de uma possível competência 'legislativa' da entidade – e uma secretaria, órgão de administração, de funcionamento permanente, integrado por servidores neutros em relação à política dos Estados-membros – particularmente à de seus próprios Estados patriais” (REZEK, 2010, p. 259). 2.3.1 Organização das Nações Unidas A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada em 26 de junho de 1945, por meio da Conferência de São Francisco. O objetivo de criação da ONU foi substituir a “Liga das Nações”, que havia sido criada em 1919, na França, por meio do Tratado de Versalhes. Enquanto a Liga das Nações foi uma criação pós Primeira Guerra Mundial, a ONU é uma criação pós Segunda Guerra Mundial. O ato constitutivo da ONU é a Carta das Nações Unidas, e o início das suas atividades ocorreu em 24 de outubro de 1945. No total, 51 (cinquenta e um) países foram signatários da Carta das Nações Unidas, dentre os quais estava o Brasil. A sede da ONU é em Nova Iorque, nos Estados Unidos, e a sede européia fica situada em Genebra, na Suíça. Os idiomas oficiais da ONU são:

a) o inglês;

b) o francês;

c) o chinês;

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d) o russo;

e) o espanhol; e

f) o árabe.

O financiamento da ONU se dá por meio de contribuições voluntárias de seus membros. O maior contribuinte são os Estados Unidos, seguidos do Japão, da Alemanha, do Reino Unido e da França. O artigo 2º da Carta das Nações Unidas aponta os seguintes princípios adotados pela Organização das Nações Unidas:

a) igualdade: a Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros;

b) boa-fé: todos os Membros, a fim de assegurarem para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boa-fé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta;

c) solução pacífica dos conflitos: todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais;

d) não agir contra os propósitos da ONU: todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas;

e) prestação de auxílio material: todos os Membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo;

f) observar os princípios da ONU: a Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais; e

g) não-intervenção: nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII da Carta das Nações Unidas. 2.3.1.1 Objetivos Os principais objetivos da Organização das Nações Unidas são:

a) manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;

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b) desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;

c) conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e

d) ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns. 2.3.1.2 Órgãos São os principais órgãos das Nações Unidas:

a) a Assembléia Geral;

b) o Conselho de Segurança;

c) o Conselho Econômico e Social;

d) o Conselho de Tutela;

e) o Tribunal Internacional de Justiça; e

f) o Secretariado.

Todos os órgãos supra mencionados possuem sede em Nova Iorque (EUA), exceto o Tribunal Internacional de Justiça, que está situado em Haia, Países Baixos. 2.3.1.2.1 Assembléia Geral A Assembléia Geral pode discutir quaisquer questões ou assuntos que estejam incluídos nas finalidades da Carta da Nações Unidas, ou que se relacionem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos e, com exceção do estipulado no seu artigo 12 (quando o Conselho de Segurança estiver exercendo, em relação a qualquer controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na Carta das Nações Unidas, a Assembléia Geral não deve fazer nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, exceto se solicitado pelo próprio Conselho de Segurança) poderá fazer recomendações aos Membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles, conjuntamente, com referência a qualquer daquelas questões ou assuntos. A Assembléia Geral pode considerar os princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os princípios que disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e pode fazer recomendações relativas a tais princípios aos Membros ou ao Conselho de Segurança, ou a este e àqueles conjuntamente (art. 11, da Carta das Nações Unidas).

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À Assembléia Geral é conferida a possibilidade de discutir quaisquer questões relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, que a ela forem submetidas por qualquer Membro das Nações Unidas, ou pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado que não seja Membro das Nações unidas, de acordo com o Artigo 35, parágrafo segundo, e, com exceção do estipulado no Artigo 12, poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados interessados, ou ao Conselho de Segurança ou a ambos. Qualquer destas questões, para cuja solução for necessária uma ação, deve ser submetida ao Conselho de Segurança pela Assembléia Geral, antes ou depois da discussão. Sempre que necessário, a Assembléia Geral pode solicitar a atenção do Conselho de Segurança para situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais. Conforme estipula o artigo 13 da Carta das Nações Unidas, a Assembléia Geral deve realizar estudos e fazer recomendações, destinados a:

a) promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação;

b) promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Também é incumbência da Assembléia Geral receber e examinar os relatórios anuais e especiais do Conselho de Segurança. Esses relatórios devem incluir uma relação das medidas que o Conselho de Segurança tenha adotado ou aplicado com a finalidade manter a paz e a segurança internacionais. Além dos relatórios do Conselho de Segurança, a Assembléia Geral tem a atribuição de receber e examinar os relatórios de outros órgãos das Nações Unidas. Compete a Assembléia Geral, conforme prevê o artigo 17 da Carta das Nações Unidas, considerar e aprovar o orçamento da organização. 2.3.1.2.1.1 Votação Casa Membro da Assembléia Geral tem direito a um voto. As decisões da Assembléia Geral, em questões importantes, serão tomadas por quórum qualificado, de maioria de 2/3 (dois terços) dos Membros presentes e votantes. Essas questões compreendem:

a) recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais;

b) à eleição dos Membros não permanentes do Conselho de Segurança;

c) à eleição dos Membros do Conselho Econômico e Social;

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d) à eleição dos Membros dos Conselho de Tutela, de acordo com o parágrafo primeiro, alínea “c”, do Artigo 86 da Carta das Nações Unidas;

e) à admissão de novos Membros das Nações Unidas; à suspensão dos direitos e privilégios de Membros;

f) à expulsão dos Membros;

g) questões referentes o funcionamento do sistema de tutela; e

h) questões orçamentárias.

As decisões sobre outras questões exigem apenas a maioria dos membros presentes e que votem. O Membro das Nações Unidas que esteja em atraso no pagamento de sua contribuição financeira à Organização não terá direito à voto na Assembléia Geral, se o total de suas contribuições atrasadas igualar ou exceder a soma das contribuições correspondentes aos dois anos anteriores completos. A Assembléia Geral pode entretanto, permitir que o referido Membro vote, se ficar provado que a falta de pagamento é devida a condições independentes de sua vontade. 2.3.1.2.1.2 Sessões A Assembléia Geral reunir-se-á:

a) em sessões anuais regulares; e

b) em sessões especiais, exigidas pelas circunstâncias.

As sessões especiais devem ser convocadas pelo Secretário-Geral, a pedido do Conselho de Segurança ou da maioria dos Membros das Nações Unidas. 2.3.1.2.2 Conselho de Segurança O Conselho de Segurança é composto de 15 (quinze) Membros das Nações Unidas, dos quais são membros permanentes :

a) a China;

b) a França;

c) a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas;

d) o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte; e

e) os Estados Unidos da América.

A Assembléia Geral deve eleger, ainda, 10 (dez) outros Membros das Nações Unidas para serem Membros não permanentes do Conselho de Segurança, tendo especialmente em vista, em primeiro lugar, a contribuição dos Membros das Nações Unidas para a manutenção da paz e da segurança internacionais e para os outros propósitos da Organização e também a distribuição geográfica equitativa. Esses membros não permanentes serão eleitos por um período de 2 (dois) anos.

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Cada membro do Conselho de Segurança deve ter um representante. Basicamente, a função do Conselho de Segurança é a manutenção

da paz e da segurança internacionais. Com essa finalidade, o Conselho de Segurança deve estabelecer um sistema de regulamentação dos armamentos, desviando para estes o menos possível dos recursos humanos e econômicos do mundo. Como mencionado, o Conselho de Segurança deve submeter relatórios anuais e, quando necessário, especiais à Assembléia Geral para sua consideração. Conforme estipula o artigo 25 da Carta das Nações Unidas, os membros das Nações Unidas devem concordar sobre a aceitação e execução das decisões do Conselho de Segurança. O Conselho de Segurança tem funcionamento contínuo e cada membro do Conselho deve ser, em todos os momentos, representado na sede da Organização. As reuniões do Conselho de Segurança são periódicas, nas quais cada um de seus membros pode, se assim o desejar, ser representado por um membro do governo ou por outro representante especialmente designado. Admite-se que o Conselho de Segurança reúna-se em outros lugares, fora da sede da Organização, desde que para facilitar o seu trabalho. Sempre que qualquer membro das Nações Unidas, que não seja membro do Conselho de Segurança, ou qualquer Estado que não seja membro das Nações Unidas for parte em uma controvérsia submetida ao Conselho de Segurança, será convidado a participar da discussão dessa controvérsia, mas sem direito a voto, naturalmente. Nesse caso, o Conselho de Segurança deve determinar as condições que lhe parecerem justas para a participação de um Estado que não seja membro das Nações Unidas. 2.3.1.2.2.1 Solução pacífica das controvérsias As partes de uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, devem procurar, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. Quando julgar necessário, o Conselho de Segurança deve convidar as partes envolvidas em conflito a resolver, por tais meios, suas controvérsias. O Conselho de Segurança pode investigar qualquer controvérsia ou situação suscetível de provocar atritos entre as Nações ou dar origem a uma controvérsia, com a finalidade de determinar se a continuação de tal controvérsia ou situação pode constituir ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais. Conforme salienta o artigo 35 da Carta das Nações Unidas, qualquer membro pode solicitar a atenção do Conselho de Segurança ou da Assembléia Geral para qualquer controvérsia, ou qualquer situação capaz de constituir ameaça à paz e à segurança internacionais.

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Também o Estado que não for membro das Nações Unidas pode solicitar a atenção do Conselho de Segurança ou da Assembléia Geral para qualquer controvérsia em que seja parte, uma vez que aceite, previamente, em relação a essa controvérsia, as obrigações de solução previstas na Carta das Nações Unidas. 2.3.1.2.2.2 Ação relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão Sempre que o Conselho identificar a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, deve fazer recomendações ou decidir que medidas devem ser tomadas, com a finalidade de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Com o objetivo de evitar que a situação se agrave, o Conselho de Segurança pode, antes de fazer quaisquer recomendações ou decidir a respeito das medidas que devem ser tomadas, convidar as partes interessadas a que aceitem as medidas provisórias que lhe pareçam necessárias ou aconselháveis. Tais medidas provisórias não prejudicarão os direitos ou pretensões, nem a situação das partes interessadas. Compete ao Conselho de Segurança decidir sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial:

a) das relações econômicas;

b) dos meios de comunicação:

b.1) ferroviários;

b.2) marítimos;

b.3) aéreos;

b.4) postais;

b.5) telegráficos;

b.6) radiofônicos; ou

b.7) de outra qualquer espécie;

Outra medida que pode ser adotada é o rompimento das relações diplomáticas, conforme prevê o artigo 41 da Carta das Nações Unidas. No entanto, caso o Conselho de Segurança considere que as medidas supra mencionadas sejam inadequadas, poderá ser levada a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que for julgada necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas. Quando o Conselho de Segurança decidir pelo emprego de força, deverá, antes de solicitar a um Membro nele não representado, o fornecimento de forças armadas em cumprimento das obrigações

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assumidas, e convidar o referido Membro, se este assim o desejar, a participar das decisões do Conselho de Segurança relativas ao emprego de contingentes das forças armadas do dito Membro. Prevê o artigo 49 da Carta das Nações Unidas que os membros das Nações Unidas prestar-se-ão assistência mútua para a execução das medidas determinadas pelo Conselho de Segurança. 2.3.1.2.2.3 Acordos regionais Prevê o artigo 52 da Carta das Nações Unidas que, nada impede a existência de acordos ou de entidades regionais, destinadas a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou entidades regionais e suas atividades sejam compatíveis com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas. Sendo parte em tais acordos ou constituindo tais entidades, os membros das Nações Unidas devem empregar todo o esforço para chegar a uma solução pacífica das controvérsias locais por meio desses acordos e entidades regionais, antes de as submeter ao Conselho de Segurança. 2.3.1.2.2.4 Cooperação internacional econômica e social Com a finalidade de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas devem favorecer:

a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;

b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e

c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Para a realização desses propósitos, todos os membros da Organização das Nações Unidas se comprometeram a agir com esta, em conjunto ou separadamente, conforme previsão do artigo 56 da Carta das Nações Unidas. 2.3.1.2.3 Conselho Econômico e Social O Conselho Econômico e Social compõe-se por 54 (cinquenta e quatro) membros das Nações Unidas eleitos pela Assembléia Geral. A função do Conselho Econômico e Social é realizar ou indicar estudos e elaborar relatórios sobre assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos. Poderá,

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igualmente, fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos. Também no Conselho Econômico e Social cada membro tem direito a um voto, sendo que as decisões são tomadas pelo voto da maioria dos membros presentes e votantes. 2.3.1.2.3.1 Declaração relativa a territórios sem governo próprio Prevê o artigo 73 da Carta das Nações Unidas, que qualquer membro das Nações Unidas, que assuma responsabilidades pela administração de territórios cujos povos não tenham atingido a plena capacidade de se autogovernarem, devem reconhecer o princípio de que os interesses dos habitantes desses territórios são da mais alta importância, e deve aceitar, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na Carta das Nações Unidas, o bem-estar dos habitantes desses territórios e, para tal fim, se obrigam a:

a) assegurar, com o devido respeito à cultura dos povos interessados, o seu progresso político, econômico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua proteção contra todo abuso;

b) desenvolver sua capacidade de governo próprio, tomar devida nota das aspirações políticas dos povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo de suas instituições políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus habitantes e os diferentes graus de seu adiantamento;

c) consolidar a paz e a segurança internacionais;

d) promover medidas construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar uns com os outros e, quando for o caso, com entidades internacionais especializadas, com vistas à realização prática dos propósitos de ordem social, econômica ou científica enumerados neste artigo; e

e) transmitir regularmente ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por considerações de segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de outro caráter técnico, relativas às condições econômicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são respectivamente responsáveis e que não estejam compreendido entre aqueles a que se referem os Capítulos XII e XIII da Carta.

Os membros das Nações Unidas que venham a atuar nessas condições também devem embasar sua atuação com vistas à política seguida nos respectivos territórios metropolitanos, no princípio geral de boa vizinhança, tendo sempre em vista os interesses e o bem-estar do resto do mundo no que se refere às questões sociais, econômicas e comerciais.

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2.3.1.2.4 Conselho de Tutela A função do Conselho de Tutela é administrar e fiscalizar os territórios que estejam sem um governo próprio. A finalidade do Conselho é assegurar e garantir a paz e a segurança internacionais, fomentar o progresso econômico, social, político e educacional dos habitantes dos territórios tutelados, estimular o respeito dos direitos humanos e às liberdades fundamentais e garantir o respeito à igualdade. Cada membro do Conselho de Tutela tem direito a um voto. As decisões do Conselho serão tomadas pela maioria dos membros presentes e votantes, conforme prevê o artigo 89 da Carta das Nações Unidas. 2.3.1.2.5 Corte Internacional de Justiça A Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário das Nações Unidas e tem sede em Haia, Países Baixos. O funcionamento da Corte Internacional de Justiça, também chamada de Tribunal Internacional de Justiça é disciplinado por estatuto. A composição da Corte Internacional de Justiça é feita por todos os membros da Organização das Nações Unidas. Ademais, prevê o artigo 93 da Carta das Nações Unidas, que um Estado que não for Membro das Nações Unidas poderá tornar-se parte no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, em condições que serão determinadas, em cada caso, pela Assembléia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. É importante conhecer a redação do artigo 94 da Carta das Nações Unidas: “1. cada Membro das Nações Unidas se compromete a conformar-se com a decisão da Corte Internacional de Justiça em qualquer caso em que for parte. 2. Se uma das partes num caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença”. A Carta das Nações Unidas não impede, contudo, que os membros das Nações Unidas confiem a solução de suas divergências a outros tribunais, seja em razão de acordos vigentes em momento anterior ou posterior à Carta. Por derradeiro, é também importante mencionar que a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança podem solicitar parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, sobre qualquer questão de ordem jurídica. Mas não apenas, já que outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas, que forem em qualquer época devidamente autorizados pela Assembléia Geral, poderão também solicitar pareceres consultivos da Corte sobre questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades. É importante, ainda, não confundir a Corte Internacional de Justiça com o Tribunal Penal Internacional, estabelecido em 2002, também em Haia, Países Baixos. O objetivo do Tribunal Penal Internacional (ou Corte Penal Internacional) é julgar indivíduos e não Estados, como a Corte Internacional

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de Justiça. O Tribunal Penal Internacional é competente para processar e julgar crimes como genocídios, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, conforme definição do Estatuto de Roma.

Entrada – Tribunal Penal Internacional Corte Internacional de Justiça Haia – Países Baixos Haia – Países Baixos 2.3.1.2.6 Secretariado O Secretariado é composto de um Secretário-Geral e do pessoal exigido pela Organização. Esse Secretário-Geral deve ser indicado pela Assembléia Geral mediante a recomendação do Conselho de Segurança. O Secretário-Geral, conforme dispõe o artigo 97 da Carta das Nações Unidas, é o principal funcionário administrativo da Organização. Incumbe ao Secretário-Geral atuar em todas as reuniões da Assembléia Geral, do Conselho de Segurança, do Conselho Econômico e Social e do Conselho de Tutela e desempenhar outras funções que lhe forem atribuídas por estes órgãos. O Secretário-Geral deve elaborar, ainda, um relatório anual à Assembléia Geral sobre os trabalhos da Organização. O Secretário-Geral tem autonomia para chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer assunto que em sua opinião possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais (art. 99 da Carta das Nações Unidas). Para o desempenho de seus deveres, o Secretário-Geral e o pessoal do Secretariado não podem solicitar nem receber instruções de qualquer governo ou de qualquer autoridade estranha à Organização. Eles também tem o dever de se abster de qualquer ação que seja incompatível com a sua posição de funcionários internacionais responsáveis somente perante a Organização. Cada membro das Nações Unidas tem o dever de respeitar o caráter exclusivamente internacional das atribuições do Secretário-Geral e do pessoal do Secretariado e não deve procurar exercer qualquer influência sobre eles, no desempenho de suas funções. Conforme previsão do artigo 101 da Carta das Nações Unidas, o pessoal do Secretariado deve ser nomeado pelo Secretário Geral, de acordo com as regras estabelecidas pela Assembléia Geral. Também deve ser nomeado, em caráter permanente, o pessoal adequado para o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e, quando for necessário, para outros órgãos das Nações Unidas. Esses funcionários, conforme estipulação do mencionado artigo, farão parte do Secretariado. A consideração principal

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que deve prevalecer na escolha do pessoal e na determinação das condições de serviço será a da necessidade de assegurar o mais alto grau de eficiência, competência e integridade. 2.3.2 Organizações regionais As organizações regionais, como é sugestiva a expressão, atuam em âmbito regional, cujo objetivo é de cooperação nesse âmbito. As organizações regionais também são organizações internacionais. São exemplos de organizações regionais:

a) o MERCOSUL (Mercado Comum do Sul), na América do Sul;

b) a União Africana, na África;

c) a União Européia, na Europa;

d) a OEA (Organização dos Estados Americanos).

Naquilo que interessa ao presente estudo, passa-se à análise do Mercado Comum do Sul. 2.3.2.1 Mercosul O Mercado Comum do Sul foi criado pelo Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991. O Objetivo foi de integrar economicamente a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, de modo a acelerar o desenvolvimento econômico com justiça social para esses países e entendendo que esse objetivo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a coordenação de políticas macroeconômicas e a complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios da gradualidade, flexibilidade e equilíbrio. Em dezembro de 1994, na cidade mineira de Ouro Preto foi assinado um protocolo adicional ao Tratado de Assunção, que estabeleceu a estrutura institucional do Mercosul e lhe atribuiu personalidade jurídica internacional. Além disso, esse protocolo adicional cuidou de adotar instrumentos de política comercial que caracterizam a União Aduaneira. O Mercosul tem como países membros:

a) o Brasil;

b) a Argentina;

c) o Paraguai; e

d) o Uruguai.

E são Estados associados:

a) a Bolívia;

b) o Chile;

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c) o Peru; e

d) a Venezuela.

Em relação à Bolívia, ela foi admitida após aprovação de um protocolo em 4 de junho de 2006. Dispõe o artigo 1º do Tratado de Assunção, que o Mercado Comum do Sul implica:

a) a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente;

b) o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum e relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;

c) a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes, e

d) o compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

E consoante expõe o artigo 2º do mencionado Tratado, o Mercado comum está fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados Partes. 2.3.2.1.1 Estrutura do Mercosul A estrutura institucional do Mercosul conta com os seguintes órgãos:

a) o Conselho do Mercado Comum (CMC);

b) o Grupo Mercado Comum (GMC);

c) a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM);

d) a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC);

e) o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES);

f) a Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).

Além destes, o artigo 1º, parágrafo único do Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul, conhecido como Protocolo de Ouro Preto, previu a possibilidade de criação de órgãos auxiliares que se mostrem necessários à consecução dos objetivos do processo de integração. Dentre os órgãos mencionados, possuem capacidade decisória, de natureza intergovernamental:

a) o Conselho do Mercado Comum (CMC);

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b) o Grupo Mercado Comum (GMC); e

c) Comissão de Comércio do Mercosul (CCM).

A seguir serão abordados individualmente cada um dos órgãos do Mercosul, para melhor estudo das suas respectivas peculiaridades. 2.3.2.1.1.1 Conselho do Mercado Comum (CMC) O Conselho do Mercado Comum (CMC) é o órgão superior do Mercosul, ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr a constituição final do mercado comum, conforme dispõe o artigo 3º do Protocolo de Ouro Preto. Prevê o artigo 4º do Protocolo de Ouro Preto, que o Conselho do Mercado Comum é integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia, ou seus equivalentes, dos Estados Partes. A presidência do Conselho do Mercado Comum deve ser exercida por rotação dos Estados Partes, em ordem alfabética, pelo período de 6 (seis) meses cada, (art. 5º do Protocolo de Ouro Preto). Quanto às reuniões, o Conselho do Mercado Comum pode se reunir quantas vezes estime oportuno, devendo fazê-lo ao menos uma vez por semestre com a participação dos Presidentes dos Estados Partes. As reuniões do Conselho do Mercado Comum devem ser coordenadas pelos Ministérios das Relações Exteriores e podem ser convidados a delas participar outros Ministros ou autoridades de nível ministerial. Conforme determina o artigo 8º do Protocolo de Ouro Preto, são funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum:

a) velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito;

b) formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum;

c) exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul.

d) negociar e assinar acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organizações internacionais. Estas funções podem ser delegadas ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladas no inciso VII do artigo 14;

e) manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam elevadas pelo Grupo Mercado Comum;

f) criar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhe sejam remetidos pelas mesmas;

g) criar os órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou extingui-los;

h) esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suas Decisões;

i) designar o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul.

j) adotar Decisões em matéria financeira e orçamentária; e

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k) homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum.

A manifestação do Conselho do Mercado Comum ocorre mediante a prolação de decisões, as quais assumem o caráter de obrigatoriedade para os Estados Partes, consoante previsão do artigo 9º do Protocolo de Ouro Preto. 2.3.2.1.1.2 Grupo Mercado Comum (GMC) O Grupo Mercado Comum (GMC) é o órgão executivo do Mercosul. Ele é integrado por 4 (quatro) membros titulares e 4 (quatro) membros alternos por país, designados pelos respectivos Governos, dentre os quais devem constar necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais. A coordenação do Grupo Mercado Comum é exercida pelos Ministérios das Relações Exteriores (art. 11 do Protocolo de Ouro Preto). Quando o Grupo Mercado Comum elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus trabalhos, ele pode convocar, se julgar conveniente, representantes de outros órgãos da Administração Pública ou da estrutura institucional do Mercosul. As reuniões do Grupo Mercado Comum são ordinárias ou extraordinárias, quantas vezes forem necessárias, nas condições em que estipuladas por seu Regimento Interno (art. 13 do Protocolo de Ouro Preto). Conforme dispõe o artigo 14 do Protocolo de Ouro Preto, são funções e atribuições do Grupo Mercado Comum:

a) velar, nos limites de suas competências, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito;

b) propor projetos de Decisão ao Conselho do Mercado Comum;

c) tomar as medidas necessárias ao cumprimento das Decisões adotadas pelo Conselho do Mercado Comum;

d) fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do mercado comum;

e) criar, modificar ou extinguir órgãos tais como subgrupos de trabalho e reuniões especializadas, para o cumprimento de seus objetivos;

f) manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe forem submetidas pelos demais órgãos do Mercosul no âmbito de suas competências;

g) negociar, com a participação de representantes de todos os Estados Partes, por delegação expressa do Conselho do Mercado Comum e dentro dos limites estabelecidos em mandatos específicos concedidos para esse fim, acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais. O Grupo Mercado Comum, quando dispuser de mandato para tal fim, procederá à assinatura dos mencionados acordos. O Grupo Mercado Comum, quando autorizado pelo Conselho do

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Mercado Comum, poderá delegar os referidos poderes à Comissão de Comércio do Mercosul;

h) aprovar o orçamento e a prestação de contas anual apresentada pela Secretaria Administrativa do Mercosul;

i) adotar Resoluções em matéria financeira e orçamentária, com base nas orientações emanadas do Conselho do Mercado Comum;

j) submeter ao Conselho do Mercado Comum seu Regimento Interno;

k) organizar as reuniões do Conselho do Mercado Comum e preparar os relatórios e estudos que este lhe solicitar.

l) eleger o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul;

m) supervisionar as atividades da Secretaria Administrativa do Mercosul; e

n) homologar os Regimentos Internos da Comissão de Comércio e do Foro Consultivo Econômico-Social.

A manifestação do Grupo de Mercado Comum ocorre mediante resoluções, as quais assumem caráter de obrigatoriedade para os Estados Partes, conforme previsão do artigo 15 do Protocolo de Ouro Preto. 2.3.2.1.1.3 Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) A Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) é o órgão incumbido de assistir o Grupo Mercado Comum (GMC), e a ela compete velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e com terceiros países (art. 16 do Protocolo de Ouro Preto). A Comissão de Comércio do Mercosul é integrada por 4 (quatro) membros titulares e 4 (quatro) membros alternos por Estado Parte e é coordenada pelos Ministérios das Relações Exteriores. A Comissão de Comércio do Mercosul deve se reunir pelo menos uma vez por mês ou sempre que solicitado pelo Grupo Mercado Comum (GMC) ou por qualquer dos Estados Partes (art. 18 do Protocolo de Ouro Preto). Conforme prevê o artigo 19 do Protocolo de Ouro Preto, são funções e atribuições da Comissão de Comércio do Mercosul:

a) velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercial intra-Mercosul e com terceiros países, organismos internacionais e acordos de comércio;

b) considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos Estados Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum;

c) acompanhar a aplicação dos instrumentos de política comercial comum nos Estados Partes;

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d) analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira e formular Propostas a respeito ao Grupo Mercado Comum;

e) tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes;

f) informar ao Grupo Mercado Comum sobre a evolução e a aplicação dos instrumentos de política comercial comum, sobre o trâmite das solicitações recebidas e sobre as decisões adotadas a respeito delas;

g) propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações às normas existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul;

h) propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no âmbito do Mercosul;

i) estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas funções, bem como dirigir e supervisionar as atividades dos mesmos;

j) desempenhar as tarefas vinculadas à política comercial comum que lhe solicite o Grupo Mercado Comum; e

k) adotar o Regimento Interno, que submeterá ao Grupo Mercado Comum para sua homologação.

As manifestações da Comissão de Comércio do Mercosul ocorrem por meio de diretrizes ou propostas. Enquanto as diretrizes tem caráter de obrigatoriedade para os Estados Partes, as propostas não assumem esse caráter. Além das já mencionadas funções e atribuições da Comissão de Comércio do Mercosul, a ela compete, também, considerar reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados Partes ou em demandas de particulares - pessoas físicas ou jurídicas -, relacionadas com as situações previstas nos artigos 1 ou 25 do Protocolo de Brasília, quando estiverem em sua área de competência. Para esclarecer, o artigo 1º do Protocolo de Brasília trata das controvérsias sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das decisões do Conselho do Mercado Comum e das resoluções do Grupo Mercado Comum. Por sua vez, o artigo 25 do mesmo protocolo trata das reclamações efetuadas por particulares, sejam pessoas físicas ou jurídicas, em razão da sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, das decisões do Conselho do Mercado Comum ou das resoluções do Grupo Mercado Comum. E conforme prevê o parágrafo primeiro do artigo 21 do Protocolo de Ouro Preto, o exame das referidas reclamações no âmbito da Comissão de Comércio do Mercosul não obsta a ação do Estado Parte que efetuou a

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reclamação ao amparo do Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias. 2.3.2.1.1.4 Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) é o órgão representativo dos parlamentos dos Estados partes no âmbito do Mercosul, conforme estipula o artigo 22 do Protocolo de Ouro Preto. A Comissão Parlamentar Conjunta é integrada por igual número de parlamentares representantes dos Estados Partes. Os integrantes da Comissão Parlamentar Conjunta devem ser designados pelos respectivos Parlamentos nacionais, de acordo com seus procedimentos internos. Consoante previsão o artigo 25 do Protocolo de Ouro Preto, a Comissão Parlamentar Conjunta deve procurar acelerar os procedimentos internos correspondentes nos Estados Partes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do Mercosul. Da mesma forma, deve coadjuvar na harmonização de legislações, tal como requerido pelo avanço do processo de integração. Quando necessário, o Conselho do Mercado Comum deve solicitar à Comissão Parlamentar Conjunta o exame de temas prioritários. A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) deve encaminhar, por intermédio do Grupo Mercado Comum (GMC), recomendações ao Conselho do Mercado Comum (CMC). 2.3.2.1.1.5 Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) O Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) é o órgão de representação dos setores econômicos e sociais e é integrado por igual número de representantes de cada Estado Parte (art. 28 do Protocolo de Ouro Preto). A função do Foro Consultivo Econômico-Social é consultiva e ele se manifesta mediante recomendações ao Grupo Mercado Comum (GMC). 2.3.2.1.1.6 Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) A Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) é órgão de apoio operacional ao Mercosul. Ela tem a responsabilidade pela prestação de serviços aos demais órgãos do Mercosul e tem sede permanente na cidade de Montevidéu, Uruguai. Conforme prevê o artigo 32 do Protocolo de Ouro Preto, a Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) deve desempenhar as seguintes atividades:

a) servir como arquivo oficial da documentação do Mercosul;

b) realizar a publicação e a difusão das decisões adotadas no âmbito do Mercosul. Nesse contexto, lhe corresponderá:

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i) realizar, em coordenação com os Estados Partes, as traduções autênticas para os idiomas espanhol e português de todas as decisões adotadas pelos órgãos da estrutura institucional do Mercosul, conforme previsto no artigo 39.

ii) editar o Boletim Oficial do Mercosul.

c) organizar os aspectos logísticos das reuniões do Conselho do Mercado Comum, do Grupo Mercado Comum e da Comissão de Comércio do Mercosul e, dentro de suas possibilidades, dos demais órgãos do Mercosul, quando as mesmas forem realizadas em sua sede permanente. No que se refere às reuniões realizadas fora de sua sede permanente, a Secretaria Administrativa do Mercosul fornecerá apoio ao Estado que sediar o evento.

d) informar regularmente os Estados Partes sobre as medidas implementadas por cada país para incorporar em seu ordenamento jurídico as normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2 deste Protocolo.

e) registrar as listas nacionais dos árbitros e especialistas, bem como desempenhar outras tarefas determinadas pelo Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991;

f) desempenhar as tarefas que lhe sejam solicitadas pelo Conselho do Mercado Comum, pelo Grupo Mercado Comum e pela Comissão do Comércio do Mercosul;

g) elaborar seu projeto de orçamento e, uma vez aprovado pelo Grupo Mercado Comum, praticar todos os atos necessários à sua correta execução; e

h) apresentar anualmente ao Grupo Mercado Comum a sua prestação de contas, bem como relatório sobre suas atividades.

A Secretaria Administrativa do Mercosul fica a cargo de um diretor, o qual deve ser nacional de um dos Estados Partes. Esse diretor deve ser eleito pelo Grupo Mercado Comum (GMC), em bases rotativas, prévia consulta aos Estados Partes, e designado pelo Conselho de Mercado Comum (CMC). A duração do mandato do diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul é de 2 (dois) anos, vedada a reeleição (art. 33 do Protocolo de Ouro Preto). 2.3.2.1.2 Solução de controvérsias Considerando a necessidade de garantir a correta interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do processo de integração e do conjunto normativo do Mercosul, os Estados Partes celebraram o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no Mercosul. O primeiro capítulo do Protocolo de Olivos aborda as controvérsias entre os Estados Partes. Assim, é importante conhecer o teor do artigo 1º do mencionado protocolo:

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Artigo 1 - Âmbito de aplicação:

1. As controvérsias que surjam entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul serão submetidas aos procedimentos estabelecidos no presente Protocolo.

2. As controvérsias compreendidas no âmbito de aplicação do presente Protocolo que possam também ser submetidas ao sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio ou de outros esquemas preferenciais de comércio de que sejam parte individualmente os Estados Partes do Mercosul poderão submeter-se a um ou outro foro, à escolha da parte demandante. Sem prejuízo disso, as partes na controvérsia poderão, de comum acordo, definir o foro.

Uma vez iniciado um procedimento de solução de controvérsias de acordo com o parágrafo anterior, nenhuma das partes poderá recorrer a mecanismos de solução de controvérsias estabelecidos nos outros foros com relação a um mesmo objeto, definido nos termos do artigo 14 deste Protocolo.

Não obstante, no marco do estabelecido neste numeral, o Conselho do Mercado Comum regulamentará os aspectos relativos à opção de foro.

Quando surgir uma controvérsia entre os Estados Partes, primeiramente há que se buscar resolvê-la mediante negociações diretas. Essas “negociações diretas” constituem, pois, a primeira fase do procedimento de solução de controvérsias, segundo o Protocolo de Olivos. Conforme previsão do artigo 5º do Protocolo em análise, as negociações diretas não podem, salvo acordo entre as partes na controvérsia, exceder um prazo de quinze (15) dias a partir da data em que uma delas comunicou à outra a decisão de iniciar a controvérsia. Os Estados partes em uma controvérsia devem informar ao Grupo Mercado Comum (GMC), por intermédio da Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM), sobre as gestões que se realizarem durante as negociações e os resultados das mesmas. Caso não se alcance um acordo mediante as negociações diretas, ou caso haja solução da controvérsia apenas de forma parcial, qualquer dos Estados partes na controvérsia pode iniciar diretamente um procedimento arbitral, previsto no Capítulo VI do Protocolo de Olivos. Outra possibilidade é a de submeter a controvérsia à consideração do Grupo Mercado Comum (GMC), o que exige acordo entre os Estados partes na controvérsia. Admite-se, também, que a controvérsia seja levada à consideração do Grupo

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Mercado Comum se outro Estado, que não seja parte na controvérsia, solicitar, justificadamente, tal procedimento ao término das negociações diretas. Nesse caso, o eventual procedimento arbitral iniciado pelo Estado Parte demandante não deve ser interrompido, salvo se houver acordo entre os Estados partes na controvérsia. Por ordem didática, a sequência do procedimento de solução de controvérsias passa a ser exposta por tópicos. 2.3.2.1.2.1 Intervenção do Grupo Mercado Comum na solução das controvérsias Submetido ao Grupo Mercado Comum (GMC), este deve avaliar a situação dando oportunidade às partes na controvérsia para que exponham suas respectivas posições, requerendo, quando considere necessário, o assessoramento de especialistas. Após, o Grupo Mercado Comum deve formular recomendações que, se possível, deverão ser expressas e detalhadas, visando à solução da divergência. Contudo, caso a controvérsia tenha sido levada à consideração do Grupo Mercado Comum a pedido de um Estado que dela não é parte, o Grupo Mercado Comum pode apenas formular comentários ou recomendações a respeito. Esse procedimento, conforme prevê o artigo 8º do Protocolo de Olivos, não pode estender-se por prazo superior a 30 (trinta) dias, a partir da data da reunião em que a controvérsia foi submetida à consideração do Grupo Mercado Comum (GMC). Essa submissão ao Grupo Mercado Comum, como se mencionou, é opcional. Caso não solicitada a intervenção do GMC, pode-se utilizar o Tribunal Arbitral, conforme procedimento exposto na sequência. 2.3.2.1.2.2 Procedimento perante o Tribunal Arbitral para a solução de controvérsias O procedimento arbitral tem início com a comunicação do desejo de instaurá-lo, por qualquer dos Estados partes na controvérsia, à Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM). Após, a Secretaria Administrativa do Mercosul deve notificar, imediatamente, ao outro ou aos outros Estados envolvidos na controvérsia e ao Grupo Mercado Comum (GMC). O procedimento arbitral tramita perante o Tribunal Arbitral Ad Hoc, que é composto por 3 (três) árbitros. Sobre a composição do Tribunal e sobre as listas de árbitros, veja-se os artigos 10 e 11 do Protocolo de Olivos:

Artigo 10 - Composição do Tribunal Arbitral Ad Hoc:

1. O procedimento arbitral tramitará ante um Tribunal Ad Hoc composto de três (3) árbitros.

2. Os árbitros serão designados da seguinte maneira:

i) Cada Estado parte na controvérsia designará um (1) árbitro titular da lista prevista no artigo 11.1, no prazo de quinze (15) dias, contado a partir da data

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em que a Secretaria Administrativa do Mercosul tenha comunicado aos Estados partes na controvérsia a decisão de um deles de recorrer à arbitragem. Simultaneamente, designará da mesma lista, um (1) árbitro suplente para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade ou escusa deste em qualquer etapa do procedimento arbitral.

ii) Se um dos Estados partes na controvérsia não tiver nomeado seus árbitros no prazo indicado no numeral 2 (i), eles serão designados por sorteio pela Secretaria Administrativa do Mercosul em um prazo de dois (2) dias, contado a partir do vencimento daquele prazo, dentre os árbitros desse Estado da lista prevista no artigo 11.1.

3. O árbitro Presidente será designado da seguinte forma:

i) Os Estados partes na controvérsia designarão, de comum acordo, o terceiro árbitro, que presidirá o Tribunal Arbitral Ad Hoc, da lista prevista no artigo 11.2 (iii), em um prazo de quinze (15) dias, contado a partir da data em que a Secretaria Administrativa do Mercosul tenha comunicado aos Estados partes na controvérsia a decisão de um deles de recorrer à arbitragem. Simultaneamente, designarão da mesma lista, um árbitro suplente para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade ou escusa deste em qualquer etapa do procedimento arbitral. O Presidente e seu suplente não poderão ser nacionais dos Estados partes na controvérsia.

ii) Se não houver acordo entre os Estados partes na controvérsia para escolher o terceiro árbitro dentro do prazo indicado, a Secretaria Administrativa do Mercosul, a pedido de qualquer um deles, procederá a sua designação por sorteio da lista do artigo 11.2 (iii), excluindo do mesmo os nacionais dos Estados partes na controvérsia.

iii) Os designados para atuar como terceiros árbitros deverão responder, em um prazo máximo de três (3) dias, contado a partir da notificação de sua designação, sobre sua aceitação para atuar em uma controvérsia.

4. A Secretaria Administrativa do Mercosul notificará os árbitros de sua designação.

Artigo 11 - Listas de árbitros:

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1. Cada Estado Parte designará doze (12) árbitros, que integrarão uma lista que ficará registrada na Secretaria Administrativa do Mercosul. A designação dos árbitros, juntamente com o curriculum vitae detalhado de cada um deles, será notificada simultaneamente aos demais Estados Partes e à Secretaria Administrativa do Mercosul.

i) Cada Estado Parte poderá solicitar esclarecimentos sobre as pessoas designadas pelos outros Estados Partes para integrar a lista referida no parágrafo anterior, dentro do prazo de trinta (30) dias, contado a partir de tal notificação.

ii) A Secretaria Administrativa do Mercosul notificará aos Estados Partes a lista consolidada de árbitros do Mercosul, bem como suas sucessivas modificações.

2. Cada Estado Parte proporá, ademais, quatro (4) candidatos para integrar a lista de terceiros árbitros. Pelo menos um dos árbitros indicados por cada Estado Parte para esta lista não será nacional de nenhum dos Estados Partes do Mercosul.

i) A lista deverá ser notificada aos demais Estados Partes, por intermédio da Presidência Pro Tempore, acompanhada pelo curriculum vitae de cada um dos candidatos propostos.

ii) Cada Estado Parte poderá solicitar esclarecimentos sobre as pessoas propostas

pelos demais Estados Partes ou apresentar objeções justificadas aos candidatos indicados, conforme os critérios estabelecidos no artigo 35, dentro do prazo de trinta (30) dias, contado a partir da notificação dessas propostas.

As objeções deverão ser comunicadas por intermédio da Presidência Pro Tempore ao Estado Parte proponente. Se, em um prazo que não poderá exceder a trinta (30) dias contado da notificação, não se chegar a uma solução, prevalecerá a objeção.

iii) A lista consolidada de terceiros árbitros, bem como suas sucessivas modificações, acompanhadas do curriculum vitae dos árbitros, será comunicada pela Presidência Pro Tempore à Secretaria Administrativa do Mercosul, que a registrará e notificará aos Estados Partes.

Os Estados partes na controvérsia devem designar seus representantes perante o Tribunal Arbitral Ad Hoc e podem também designar assessores para a defesa de seus direitos.

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Caso dois ou mais Estados partes façam a sustentação da mesma posição na controvérsia, eles podem unificar a sua representação perante o Tribunal Arbitral, caso em que devem designar um árbitro de comum acordo. Conforme prevê o artigo 14 do Protocolo de Olivos, o objeto das controvérsias determina-se pelos textos de apresentação e de resposta apresentados perante o Tribunal Arbitral, não podendo ser ampliado posteriormente. As alegações das partes perante o Tribunal arbitral devem ser baseadas nas questões consideradas nas etapas prévias e devem abranger uma exposição dos fundamentos de fato e de direito de suas respectivas posições. É lícito ao Tribunal Arbitral, por solicitação da parte interessada, e na medida em que existam presunções fundamentadas de que a manutenção da situação poderá ocasionar danos graves e irreparáveis a uma das partes na controvérsia, aplicar as medidas provisórias que considere apropriadas para prevenir tais danos. Uma vez aplicadas medidas dessa natureza, pode o Tribunal, a qualquer momento, torná-las sem efeito, conforme dispõe o parágrafo segundo do artigo 15 do Protocolo de Olivos. Acerca das medidas provisórias, importante é o conteúdo do parágrafo terceiro do artigo 15 do Protocolo de Olivos, que prevê que caso o laudo (decisão proferida pelo Tribunal Arbitral) seja objeto de recurso de revisão, as medidas provisórias que não tenham sido deixadas sem efeito antes da emissão do mesmo se manterão até o tratamento do tema na primeira reunião do Tribunal Permanente de Revisão, que deverá resolver sobre sua manutenção ou extinção. Sobre o laudo arbitral, dispõe o artigo 16 do Protocolo de Olivos que ele deve ser emitido num prazo de sessenta (60) dias, prorrogáveis por decisão do Tribunal por um prazo máximo de trinta (30) dias, contado a partir da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) às partes e aos demais árbitros, informando a aceitação pelo árbitro Presidente de sua designação. 2.3.2.1.2.3 Procedimento de revisão A qualquer das partes na controvérsia é dado o direito de apresentar um recurso de revisão do laudo proferido pelo Tribunal Arbitral, dirigido ao Tribunal Permanente de Revisão, em prazo não superior a 15 (quinze) dias, contados da notificação do mesmo. O recuso de revisão deve ser limitado às questões de direito tratadas na controvérsia e às interpretações jurídicas desenvolvidas no laudo do Tribunal Arbitral, conforme estipula o parágrafo segundo do artigo 17 do Protocolo de Olivos. É importante frisar que, conforme prevê o parágrafo terceiro do artigo 17 do Protocolo de Olivos, os laudos dos Tribunais Arbitrais que forem emitidos com base nos princípios ex aequo et bono não serão suscetíveis de recurso de revisão. Decidir com base no ex aequo et bono é decidir por equidade, aplicando regras de bom sendo e boa-fé.

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Diferentemente do Tribunal Arbitral, o Tribunal de Revisão é permanente. Sobre sua composição, veja-se o artigo 18 do Protocolo de Olivos:

Artigo 18 - Composição do Tribunal Permanente de Revisão:

1. O Tribunal Permanente de Revisão será integrado por cinco (5) árbitros.

2. Cada Estado Parte do Mercosul designará um (1) árbitro e seu suplente por um período de dois (2) anos, renovável por no máximo dois períodos consecutivos.

3. O quinto árbitro, que será designado por um período de três (3) anos não renovável, salvo acordo em contrário dos Estados Partes, será escolhido, por unanimidade dos Estados Partes, da lista referida neste numeral, pelo menos três (3) meses antes da expiração do mandato do quinto árbitro em exercício. Este árbitro terá a nacionalidade de algum dos Estados Partes do Mercosul, sem prejuízo do disposto no numeral 4 deste Artigo. Não havendo unanimidade, a designação se fará por sorteio que realizará a Secretaria Administrativa do Mercosul, dentre os integrantes dessa lista, dentro dos dois (2) dias seguintes ao vencimento do referido prazo.

A lista para a designação do quinto árbitro conformar-se-á com oito (8) integrantes. Cada Estado Parte proporá dois (2) integrantes que deverão ser nacionais dos países do Mercosul.

4. Os Estados Partes, de comum acordo, poderão definir outros critérios para a designação do quinto árbitro.

5. Pelo menos três (3) meses antes do término do mandato dos árbitros, os Estados Partes deverão manifestar-se a respeito de sua renovação ou propor novos candidatos.

6. Caso expire o mandato de um árbitro que esteja atuando em uma controvérsia, este deverá permanecer em função até sua conclusão.

7. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos descritos neste artigo o disposto no artigo 11.2.

Quando a controvérsia envolver dois Estados Partes, o Tribunal deve ser integrado por 3 (três) árbitros. Dois árbitros serão nacionais de cada Estado parte na controvérsia e o terceiro, que exercerá a Presidência, deve ser designado mediante sorteio a ser realizado pelo Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM), entre os árbitros restantes que não sejam

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nacionais dos Estados partes na controvérsia. A designação do Presidente dar-se-á no dia seguinte à interposição do recurso de revisão, data a partir da qual estará constituído o Tribunal para todos os efeitos (art. 20 do Protocolo de Olivos). Caso a controvérsia envolva mais de 2 (dois) Estados Partes, o Tribunal Permanente de Revisão deverá ser integrado pelos 5 (cinco) árbitros. Apresentado o recurso de revisão, a parte contrária tem o direito de contestá-lo, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, contados da notificação de apresentação de tal recurso. Após a contestação, o Tribunal Permanente de Revisão pronunciar-se-á sobre o recurso em um prazo máximo de 30 (trinta) dias, contado a partir da apresentação da contestação ou do vencimento do prazo para a referida apresentação, conforme o caso. Por decisão do Tribunal, o prazo de 30 (trinta) dias poderá ser prorrogado por mais 15 (quinze) dias, conforme prevê o artigo 21 do Protocolo de Olivos. Proferido o laudo do Tribunal Permanente de Revisão, este assume caráter de definitividade e prevalece sobre o laudo proferido pelo Tribunal Arbitral. Tanto os laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc como os do Tribunal Permanente de Revisão devem ser adotados por maioria, e devem ser fundamentados e assinados pelo Presidente e pelos demais árbitros. 2.3.2.1.2.4 Recurso de esclarecimento Qualquer dos Estados partes na controvérsia tem o direito de solicitar esclarecimento do laudo proferido pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc ou pelo Tribunal Permanente de Revisão e sobre a forma com que o mesmo deverá ser cumprido, dentro do prazo de 15 (quinze) dias subsequentes à sua notificação. Sobre o recurso de esclarecimento, o Tribunal deve se manifestar no prazo de 15 (quinze) dias e pode outorgar um prazo adicional para o cumprimento do laudo, conforme prevê o artigo 28 do Protocolo de Olivos. 2.3.2.1.2.5 Obrigatoriedade e cumprimento dos laudos Conforme prevê o artigo 26 do Protocolo de Olivos, os laudos dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc são obrigatórios para os Estados partes na controvérsia a partir de sua notificação e tem, em relação a eles, força de coisa julgada se, transcorrido o prazo para interpor recurso de revisão, este não tenha sido interposto. No mesmo sentido, os laudos do Tribunal Permanente de Revisão são inapeláveis, obrigatórios para os Estados partes na controvérsia a partir de sua notificação e assumem, com relação a eles, força de coisa julgada. É obrigatório o cumprimento dos laudos, na forma e com o alcance com que foram emitidos. Esse cumprimento deve ocorrer no prazo estabelecido pelo Tribunal Arbitral ou Tribunal Permanente de Revisão. Se

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não for estipulado prazo, os laudos devem ser cumpridos no prazo de 30 (trinta) dias, seguintes à data de sua notificação. No caso de interposição do recurso de revisão, o cumprimento do laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc fica suspenso durante o trâmite do mesmo. Caso o Estado beneficiado pelo laudo entenda que as medidas adotadas não dão cumprimento ao mesmo, terá um prazo de 30 (trinta) dias, a partir da adoção das mesmas, para levar a situação à consideração do Tribunal Arbitral Ad Hoc ou do Tribunal Permanente de Revisão, conforme o caso. Nesse caso, o Tribunal respectivo terá um prazo de 30 (trinta) dias para dirimir tais questões. Conforme prevê o artigo 31 do Protocolo de Olivos, se um Estado parte na controvérsia não cumprir total ou parcialmente o laudo do Tribunal Arbitral, a outra parte na controvérsia assume a faculdade, dentro do prazo de 1 (um) ano, e independentemente de recorrer aos procedimentos utilizados no caso de divergência sobre o cumprimento do laudo, de iniciar a aplicação de medidas compensatórias temporárias, tais como a suspensão de concessões ou outras obrigações equivalentes, com vistas a obter o cumprimento do laudo. Qualquer medida compensatória deve ser formalmente comunicada, pelo Estado parte que a aplicará, ao Estado parte que a deve cumprir, com uma antecedência mínima de 15 (quinze) dias. 2.3.2.1.2.6 Reclamações de particulares Quando particulares (pessoas físicas ou jurídicas) sofrerem alguma sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, podem apresentar reclamação perante a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte onde tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios. Admitida a reclamação pela Seção Nacional do Grupo Mercado Comum, esta deve entabular consultas com a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte a que se atribui a violação, com a finalidade de buscar, mediante tais consultas, uma solução imediata à questão levantada. Contudo, caso a questão não se resolva em um prazo de 15 (quinze) dias, mediante essas consultas, a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum deve elevar a reclamação ao Grupo Mercado Comum. Recebida a reclamação, o Grupo Mercado Comum deve avaliar se ela preenche os requisitos necessários (demonstração da veracidade da violação e existência ou ameaça de prejuízo), sobre os quais se baseou sua admissão pela Seção Nacional, na primeira reunião subsequente ao seu recebimento. Se concluir que não estão reunidos os requisitos necessários para dar-lhe curso, deve rejeitar a reclamação sem mais trâmite, devendo pronunciar-se por consenso. Em contrapartida, se Grupo Mercado Comum não rejeitar a reclamação, esta considerar-se-á admitida. Neste caso, o

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Grupo Mercado Comum deve proceder imediatamente à convocação de um grupo de especialistas que deverá emitir um parecer sobre sua procedência, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias contado a partir da sua designação. Nesse prazo, o grupo de especialistas deve conceder oportunidade ao particular reclamante e aos Estados envolvidos na reclamação de serem ouvidos e de apresentarem seus argumentos, em audiência conjunta, conforme prevê o artigo 42 do Protocolo de Olivas. Sobre o grupo de especialistas, veja-se a redação do artigo 43 do Protocolo em análise:

Artigo 43 - Grupo de especialistas:

1. O grupo de especialistas a que faz referência o artigo 42.2 será composto de três (3) membros designados pelo Grupo Mercado Comum ou, na falta de acordo sobre um ou mais especialistas, estes serão escolhidos por votação que os Estados Partes realizarão dentre os integrantes de uma lista de vinte e quatro (24) especialistas. A Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará ao Grupo Mercado Comum o nome do especialista ou dos especialistas que tiverem recebido o maior número de votos. Neste último caso, e salvo se o Grupo Mercado Comum decidir de outra maneira, um (1) dos especialistas designados não poderá ser nacional do Estado contra o qual foi formulada a reclamação, nem do Estado no qual o particular formalizou sua reclamação, nos termos do artigo 40.

2. Com o fim de constituir a lista dos especialistas, cada um dos Estados Partes designará seis (6) pessoas de reconhecida competência nas questões que possam ser objeto de reclamação. Esta lista ficará registrada na Secretaria Administrativa do Mercosul.

3. Os gastos derivados da atuação do grupo de especialistas serão custeados na proporção que determinar o Grupo Mercado Comum ou, na falta de acordo, em montantes iguais pelas partes diretamente envolvidas na reclamação.

Elaborado o parecer pelo grupo de especialistas, este será elevado ao Grupo Mercado Comum. A partir daí, três situações podem se verificar:

a) se, em parecer unânime, se verificar a procedência da reclamação formulada contra um Estado Parte, qualquer outro Estado Parte poderá requerer-lhe a adoção de medidas corretivas ou a anulação das medidas questionadas. Se o requerimento não prosperar num prazo de 15 (quinze) dias, o Estado Parte que o efetuou poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral. b) recebido um parecer que considere improcedente a reclamação por unanimidade, o Grupo Mercado Comum imediatamente dará por concluída a mesma.

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c) caso o grupo de especialistas não alcance unanimidade para emitir um parecer, elevará suas distintas conclusões ao Grupo Mercado Comum que, imediatamente, dará por concluída a reclamação.

A conclusão da reclamação por parte do Grupo Mercado Comum, nos dois últimos casos, não impede que o Estado Parte reclamante dê início aos procedimentos previstos nos Capítulos IV (Negociações Diretas), V (Intervenção do Grupo Mercado Comum) e VI (Procedimento Arbitral Ad Hoc) do Protocolo de Olivas, conforme derradeira disposição do artigo 44. 3. Tribunal Penal Internacional O Tribunal Penal Internacional foi criado por meio do Estatuto de Roma, assinado em 17 de julho de 1998, na cidade de Roma, Itália. No Brasil, o aludido Estatuto foi promulgado por meio do Decreto n.º 4.388, de 25 de setembro de 2002. É importante conhecer o preâmbulo do Estatuto de Roma:

Os Estados Partes no presente Estatuto.

Conscientes de que todos os povos estão unidos por laços comuns e de que suas culturas foram construídas sobre uma herança que partilham, e preocupados com o fato deste delicado mosaico poder vir a quebrar-se a qualquer instante,

Tendo presente que, no decurso deste século, milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade,

Reconhecendo que crimes de uma tal gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade,

Afirmando que os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional,

Decididos a por fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes,

Relembrando que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais,

Reafirmando os Objetivos e Princípios consignados na Carta das Nações Unidas e, em particular, que todos os Estados se devem abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força, contra a integridade territorial ou a

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independência política de qualquer Estado, ou de atuar por qualquer outra forma incompatível com os Objetivos das Nações Unidas,

Salientando, a este propósito, que nada no presente Estatuto deverá ser entendido como autorizando qualquer Estado Parte a intervir em um conflito armado ou nos assuntos internos de qualquer Estado,

Determinados em perseguir este objetivo e no interesse das gerações presentes e vindouras, a criar um Tribunal Penal Internacional com caráter permanente e independente, no âmbito do sistema das Nações Unidas, e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu conjunto,

Sublinhando que o Tribunal Penal Internacional, criado pelo presente Estatuto, será complementar às jurisdições penais nacionais,

Decididos a garantir o respeito duradouro pela efetivação da justiça internacional,

Convieram no seguinte: […]

O Estatuto de Roma, em seu artigo inaugural, dispõe acerca da criação do Tribunal Penal Internacional e acrescenta que ele é uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, além de possuir caráter complementar às jurisdições penais nacionais. A sede do Tribunal Penal Internacional é em Haia, Países Baixos (popularmente chamado de Holanda), mas por conveniência admite-se que ele funcione, excepcionalmente, em outro local, nos termos estabelecidos pelo Estatuto de Roma. 3.1 Competência do Tribunal Penal Internacional O Tribunal Penal Internacional tem personalidade jurídica internacional, e, igualmente, a capacidade jurídica necessária ao desempenho das suas funções e à prossecução dos seus objetivos (art. 4º do Estatuto de Roma). A competência do Tribunal em estudo se restringe aos Estados-Partes, isto é, não é universal (aplicável a qualquer Estado). A competência do Tribunal Penal Internacional se restringe aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional como um todo. Assim, conforme previsão do artigo 5º do Estatuto de Roma, ao Tribunal foi atribuída competência para julgar os crimes:

a) de genocídio;

b) contra a humanidade;

c) de guerra; e

d) de agressão.

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Sobre o genocídio, veja-se a redação do artigo 6º do Estatuto de Roma:

Artigo 6° - Crime de Genocídio:

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:

a) homicídio de membros do grupo;

b) ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;

d) imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;

e) transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

Já o artigo 7º do Estatuto em análise dispõe acerca dos crimes contra a humanidade:

Artigo 7° - Crimes contra a Humanidade:

1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

a) Homicídio;

b) Extermínio;

c) Escravidão;

d) Deportação ou transferência forçada de uma população;

e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;

f) Tortura;

g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;

h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como

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inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;

i) Desaparecimento forçado de pessoas;

j) Crime de apartheid;

k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

2. Para efeitos do parágrafo 1°:

a) Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1° contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;

b) O "extermínio" compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população;

c) Por "escravidão" entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças;

d) Por "deportação ou transferência à força de uma população" entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional;

e) Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas;

f) Por "gravidez à força" entende-se a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez;

g) Por "perseguição'' entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito

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internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa;

h) Por "crime de apartheid" entende-se qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1°, praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime;

i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.

3. Para efeitos do presente Estatuto, entende-se que o termo "gênero" abrange os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado.

Na sequência, são descritos os crimes de guerra pelo artigo 8º do Estatuto em estudo:

Artigo 8.° - Crimes de Guerra:

1. O Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes.

2. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crimes de guerra":

a) As violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente:

i) Homicídio doloso;

ii) Tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas;

iii) O ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde;

iv) Destruição ou a apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer

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necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária;

v) O ato de compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga;

vi) Privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um julgamento justo e imparcial;

vii) Deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade;

viii) Tomada de reféns;

b) Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos:

i) Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades;

ii) Dirigir intencionalmente ataques a bens civis, ou seja bens que não sejam objetivos militares;

iii) Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à proteção conferida aos civis ou aos bens civis pelo direito internacional aplicável aos conflitos armados;

iv) Lançar intencionalmente um ataque, sabendo que o mesmo causará perdas acidentais de vidas humanas ou ferimentos na população civil, danos em bens de caráter civil ou prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa;

v) Atacar ou bombardear, por qualquer meio, cidades, vilarejos, habitações ou edifícios que não estejam defendidos e que não sejam objetivos militares;

vi) Matar ou ferir um combatente que tenha deposto armas ou que, não tendo mais meios para se defender, se tenha incondicionalmente rendido;

vii) Utilizar indevidamente uma bandeira de trégua, a bandeira nacional, as insígnias militares ou o uniforme do inimigo ou das Nações Unidas, assim como os emblemas distintivos das Convenções de

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Genebra, causando deste modo a morte ou ferimentos graves;

viii) A transferência, direta ou indireta, por uma potência ocupante de parte da sua população civil para o território que ocupa ou a deportação ou transferência da totalidade ou de parte da população do território ocupado, dentro ou para fora desse território;

ix) Dirigir intencionalmente ataques a edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares;

x) Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de uma parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar, nem sejam efetuadas no interesse dessas pessoas, e que causem a morte ou coloquem seriamente em perigo a sua saúde;

xi) Matar ou ferir à traição pessoas pertencentes à nação ou ao exército inimigo;

xii) Declarar que não será dado quartel;

xiii) Destruir ou apreender bens do inimigo, a menos que tais destruições ou apreensões sejam imperativamente determinadas pelas necessidades da guerra;

xiv) Declarar abolidos, suspensos ou não admissíveis em tribunal os direitos e ações dos nacionais da parte inimiga;

xv) Obrigar os nacionais da parte inimiga a participar em operações bélicas dirigidas contra o seu próprio país, ainda que eles tenham estado ao serviço daquela parte beligerante antes do início da guerra;

xvi) Saquear uma cidade ou uma localidade, mesmo quando tomada de assalto;

xvii) Utilizar veneno ou armas envenenadas;

xviii) Utilizar gases asfixiantes, tóxicos ou outros gases ou qualquer líquido, material ou dispositivo análogo;

xix) Utilizar balas que se expandem ou achatam facilmente no interior do corpo humano, tais como balas de revestimento duro que não cobre totalmente o interior ou possui incisões;

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xx) Utilizar armas, projéteis; materiais e métodos de combate que, pela sua própria natureza, causem ferimentos supérfluos ou sofrimentos desnecessários ou que surtam efeitos indiscriminados, em violação do direito internacional aplicável aos conflitos armados, na medida em que tais armas, projéteis, materiais e métodos de combate sejam objeto de uma proibição geral e estejam incluídos em um anexo ao presente Estatuto, em virtude de uma alteração aprovada em conformidade com o disposto nos artigos 121 e 123;

xxi) Ultrajar a dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes;

xxii) Cometer atos de violação, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f) do parágrafo 2° do artigo 7°, esterilização à força e qualquer outra forma de violência sexual que constitua também um desrespeito grave às Convenções de Genebra;

xxiii) Utilizar a presença de civis ou de outras pessoas protegidas para evitar que determinados pontos, zonas ou forças militares sejam alvo de operações militares;

xxiv) Dirigir intencionalmente ataques a edifícios, material, unidades e veículos sanitários, assim como o pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, em conformidade com o direito internacional;

xxv) Provocar deliberadamente a inanição da população civil como método de guerra, privando-a dos bens indispensáveis à sua sobrevivência, impedindo, inclusive, o envio de socorros, tal como previsto nas Convenções de Genebra;

xxvi) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades;

c) Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, as violações graves do artigo 3° comum às quatro Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos atos que a seguir se indicam, cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido a doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo:

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i) Atos de violência contra a vida e contra a pessoa, em particular o homicídio sob todas as suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis e a tortura;

ii) Ultrajes à dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes;

iii) A tomada de reféns;

iv) As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento prévio por um tribunal regularmente constituído e que ofereça todas as garantias judiciais geralmente reconhecidas como indispensáveis.

d) A alínea c) do parágrafo 2° do presente artigo aplica-se aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplica a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante;

e) As outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no quadro do direito internacional, a saber qualquer um dos seguintes atos:

i) Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades;

ii) Dirigir intencionalmente ataques a edifícios, material, unidades e veículos sanitários, bem como ao pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, em conformidade com o direito internacional;

iii) Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à proteção conferida pelo direito internacional dos conflitos armados aos civis e aos bens civis;

iv) Atacar intencionalmente edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares;

v) Saquear um aglomerado populacional ou um local, mesmo quando tomado de assalto;

vi) Cometer atos de agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f do parágrafo 2° do artigo 7°; esterilização à força ou qualquer outra forma de

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violência sexual que constitua uma violação grave do artigo 3° comum às quatro Convenções de Genebra;

vii) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou em grupos, ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades;

viii) Ordenar a deslocação da população civil por razões relacionadas com o conflito, salvo se assim o exigirem a segurança dos civis em questão ou razões militares imperiosas;

ix) Matar ou ferir à traição um combatente de uma parte beligerante;

x) Declarar que não será dado quartel;

xi) Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de outra parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar nem sejam efetuadas no interesse dessa pessoa, e que causem a morte ou ponham seriamente a sua saúde em perigo;

xii) Destruir ou apreender bens do inimigo, a menos que as necessidades da guerra assim o exijam;

f) A alínea e) do parágrafo 2° do presente artigo aplicar-se-á aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplicará a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante; aplicar-se-á, ainda, a conflitos armados que tenham lugar no território de um Estado, quando exista um conflito armado prolongado entre as autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre estes grupos.

3. O disposto nas alíneas c) e e) do parágrafo 2°, em nada afetará a responsabilidade que incumbe a todo o Governo de manter e de restabelecer a ordem pública no Estado, e de defender a unidade e a integridade territorial do Estado por qualquer meio legítimo.

Quanto aos crimes de agressão, conforme dispõe o parágrafo segundo do artigo 5º do Estatuto em análise, sua tipificação ficou reservada para momento posterior, no caso de revisão do Estatuto. Conforme expressa disposição do artigo 11 do Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional só possui competência para processar e julgar os crimes cometidos após a entrada em vigor do aludido Estatuto. E conforme complementa a regra contida no parágrafo segundo do mencionado artigo, se um Estado se tornar parte no Estatuto de Roma depois de sua entrada em vigor (ocorrida em 1º de julho de 2002), ao Tribunal só é lícito exercer sua competência em relação aos crimes

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cometidos depois da entrada em vigor do Estatuto em estudo relativamente a esse Estado. 3.2 Ne bis in idem Conforme prevê o artigo 20 do Estatuto de Roma, salvo disposição em sentido oposto, contida no próprio Estatuto, nenhuma pessoa poderá ser julgada pelo Tribunal por atos constitutivos de crimes pelos quais este já tenha condenado ou absolvido. Também nenhuma pessoa poderá ser julgada por outro tribunal por um crime mencionado no artigo 5º do Estatuto (genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra ou crime de agressão), relativamente ao qual já tenha sido condenada ou absolvida pelo Tribunal Penal Internacional. Por fim, dispõe o parágrafo terceiro do artigo 20 do Estatuto de Roma que o Tribunal Penal Internacional não pode julgar uma pessoa que já tenha sido julgada por outro tribunal, por atos também punidos pelos artigos 6º (genocídio), 7º (crimes conta a humanidade) ou 8º (crimes de guerra), a menos que o processo nesse outro tribunal:

a) tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal; ou

b) não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça. 3.3 Direito aplicável Acerca do direito aplicável pelo Tribunal Penal Internacional, o artigo 21 do Estatuto de Roma determina que se aplicará:

a) em primeiro lugar, o presente Estatuto, os elementos constitutivos do crime e o regulamento processual;

b) em segundo lugar, se for o caso, os tratados e os princípios e normas de direito internacional aplicáveis, incluindo os princípios estabelecidos no direito internacional dos conflitos armados;

c) na falta destes, os princípios gerais do direito que o Tribunal retire do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes, incluindo, se for o caso, o direito interno dos Estados que exerceriam normalmente a sua jurisdição relativamente ao crime, sempre que esses princípios não sejam incompatíveis com o presente Estatuto, com o direito internacional, nem com as normas e padrões internacionalmente reconhecidos.

Ao Tribunal também é lícito aplicar princípios e normas de direito tal como já tenham sido por si interpretados em decisões anteriores. Conforme prevê o parágrafo terceiro do artigo 21 do Estatuto de Roma, a aplicação e interpretação do direito deve ser compatível com os

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direitos humanos internacionalmente reconhecidos, sem discriminação alguma baseada em motivos tais como o gênero, definido no parágrafo 3° do artigo 7°, a idade, a raça, a cor, a religião ou o credo, a opinião política ou outra, a origem nacional, étnica ou social, a situação econômica, o nascimento ou outra condição. 3.4 Princípios gerais de direito penal O primeiro princípio geral de direito penal abordado pelo Estatuto de Roma é o nullum crimen sine lege, ou seja, não há crime sem lei, conforme disposição do seu artigo 22:

Artigo 22 - Nullum crimen sine leqe

1. Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, nos termos do presente Estatuto, a menos que a sua conduta constitua, no momento em que tiver lugar, um crime da competência do Tribunal.

2. A previsão de um crime será estabelecida de forma precisa e não será permitido o recurso à analogia. Em caso de ambiguidade, será interpretada a favor da pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada.

3. O disposto no presente artigo em nada afetará a tipificação de uma conduta como crime nos termos do direito internacional, independentemente do presente Estatuto.

A complementar o anterior, o artigo 23 do Estatuto de Roma consagra o princípio de que nulla poena sine lege, ou seja, não há pena sem lei. Veja-se a redação legal:

Artigo 23 - Nulla poena sine lege

Qualquer pessoa condenada pelo Tribunal só poderá ser punida em conformidade com as disposições do presente Estatuto.

Também em consonância com os anteriores, o artigo 24 do Estatuto em estudo consagra o princípio de não retroatividade ratione personae, ou seja, fixa a impossibilidade de punição por qualquer conduta anterior ao início da vigência do Estatuto de Roma. Veja-se a redação do dispositivo:

Artigo 24 - Não retroatividade ratione personae

1. Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, de acordo com o presente Estatuto, por uma conduta anterior à entrada em vigor do presente Estatuto.

2. Se o direito aplicável a um caso for modificado antes de proferida sentença definitiva, aplicar-se-á o direito

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mais favorável à pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada.

O artigo 25 do Estatuto de Roma, por sua vez, consagra o princípio da responsabilidade criminal individual, consoante abaixo mencionado:

Artigo 25 - Responsabilidade Criminal Individual

1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas.

2. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto.

3. Nos termos do presente Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem:

a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável;

b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa;

c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática;

d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. Esta contribuição deverá ser intencional e ocorrer, conforme o caso:

i) Com o propósito de levar a cabo a atividade ou o objetivo criminal do grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da competência do Tribunal; ou

ii) Com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o crime;

e) No caso de crime de genocídio, incitar, direta e publicamente, à sua prática;

f) Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente para a sua execução, ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Porém, quem desistir da prática do crime, ou impedir de outra forma que este se consuma, não poderá ser punido em conformidade com o presente Estatuto pela tentativa, se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso.

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4. O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas em nada afetará a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional.

O Tribunal Penal Internacional não tem jurisdição sobre pessoas que, à data da alegada prática criminosa, não tenham ainda completado 18 anos de idade (princípio da exclusão da jurisdição relativamente a menores de 18 anos), consoante consagra o artigo 26 do Estatuto de Roma. Outro princípio consagrado pelo Estatuto em análise é o da irrelevância da qualidade oficial, consoante artigo 27 abaixo citado:

Artigo 27 - Irrelevância da Qualidade Oficial:

1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena.

2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa.

Já o artigo 28 do Estatuto de Roma aborta questões de responsabilidade dos chefes militares e outros superiores hierárquicos:

Artigo 28 - Responsabilidade dos Chefes Militares e Outros Superiores Hierárquicos:

Além de outras fontes de responsabilidade criminal previstas no presente Estatuto, por crimes da competência do Tribunal:

a) O chefe militar, ou a pessoa que atue efetivamente como chefe militar, será criminalmente responsável por crimes da competência do Tribunal que tenham sido cometidos por forças sob o seu comando e controle efetivos ou sob a sua autoridade e controle efetivos, conforme o caso, pelo fato de não exercer um controle apropriado sobre essas forças quando:

i) Esse chefe militar ou essa pessoa tinha conhecimento ou, em virtude das circunstâncias do momento, deveria ter tido conhecimento de que essas forças estavam a cometer ou preparavam-se para cometer esses crimes; e

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ii) Esse chefe militar ou essa pessoa não tenha adotado todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática, ou para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes, para efeitos de inquérito e procedimento criminal.

b) Nas relações entre superiores hierárquicos e subordinados, não referidos na alínea a), o superior hierárquico será criminalmente responsável pelos crimes da competência do Tribunal que tiverem sido cometidos por subordinados sob a sua autoridade e controle efetivos, pelo fato de não ter exercido um controle apropriado sobre esses subordinados, quando:

a) O superior hierárquico teve conhecimento ou deliberadamente não levou em consideração a informação que indicava claramente que os subordinados estavam a cometer ou se preparavam para cometer esses crimes;

b) Esses crimes estavam relacionados com atividades sob a sua responsabilidade e controle efetivos; e

c) O superior hierárquico não adotou todas as medidas necessárias e adequadas ao seu alcance para prevenir ou reprimir a sua prática ou para levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes, para efeitos de inquérito e procedimento criminal.

Importante disposição do Estatuto, dentro do tópico de princípios, é a que consagra a regra da imprescritibilidade dos crimes da competência do Tribunal Penal Internacional (art. 29 do Estatuto de Roma). 3.5 Elementos psicológicos O elemento psicológico do crime se relaciona com a intenção do agente em praticá-lo. Conforme prevê o artigo 30 do Estatuto de Roma, salvo disposição em sentido oposto, nenhuma pessoa pode ser criminalmente responsabilizada e punida por um crime da competência do Tribunal Penal Internacional, a menos que atue com vontade de o cometer e conhecimento dos seus elementos materiais. Dessa forma, entende que atua intencionalmente quem:

a) relativamente a uma conduta, se propuser adotá-la;

b) relativamente a um efeito do crime, se propuser causá-lo ou estiver ciente de que ele terá lugar em uma ordem normal dos acontecimentos.

Por derradeiro, conforme dispõe o parágrafo terceiro do mencionado artigo 30, entende-se por “conhecimento” a consciência de que existe uma

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circunstância ou de que um efeito irá ter lugar, em uma ordem normal dos acontecimentos. 3.6 Causas de exclusão da responsabilidade criminal Segundo o Estatuto de Roma, são causas de exclusão da responsabilidade criminal:

Artigo 31 - Causas de Exclusão da Responsabilidade Criminal

Sem prejuízo de outros fundamentos para a exclusão de responsabilidade criminal previstos no presente Estatuto, não será considerada criminalmente responsável a pessoa que, no momento da prática de determinada conduta:

a) Sofrer de enfermidade ou deficiência mental que a prive da capacidade para avaliar a ilicitude ou a natureza da sua conduta, ou da capacidade para controlar essa conduta a fim de não violar a lei;

b) Estiver em estado de intoxicação que a prive da capacidade para avaliar a ilicitude ou a natureza da sua conduta, ou da capacidade para controlar essa conduta a fim de não transgredir a lei, a menos que se tenha intoxicado voluntariamente em circunstâncias que lhe permitiam ter conhecimento de que, em consequência da intoxicação, poderia incorrer numa conduta tipificada como crime da competência do Tribunal, ou, de que haveria o risco de tal suceder;

c) Agir em defesa própria ou de terceiro com razoabilidade ou, em caso de crimes de guerra, em defesa de um bem que seja essencial para a sua sobrevivência ou de terceiro ou de um bem que seja essencial à realização de uma missão militar, contra o uso iminente e ilegal da força, de forma proporcional ao grau de perigo para si, para terceiro ou para os bens protegidos. O fato de participar em uma força que realize uma operação de defesa não será causa bastante de exclusão de responsabilidade criminal, nos termos desta alínea;

d) Tiver incorrido numa conduta que presumivelmente constitui crime da competência do Tribunal, em consequência de coação decorrente de uma ameaça iminente de morte ou ofensas corporais graves para si ou para outrem, e em que se veja compelida a atuar de forma necessária e razoável para evitar essa ameaça, desde que não tenha a intenção de causar um dano

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maior que aquele que se propunha evitar. Essa ameaça tanto poderá:

i) Ter sido feita por outras pessoas; ou

ii) Ser constituída por outras circunstâncias alheias à sua vontade.

2. O Tribunal determinará se os fundamentos de exclusão da responsabilidade criminal previstos no presente Estatuto serão aplicáveis no caso em apreço.

3. No julgamento, o Tribunal poderá levar em consideração outros fundamentos de exclusão da responsabilidade criminal; distintos dos referidos no parágrafo 1°, sempre que esses fundamentos resultem do direito aplicável em conformidade com o artigo 21. O processo de exame de um fundamento de exclusão deste tipo será definido no Regulamento Processual.

Via de regra, o erro de fato, o erro direito e o cometimento de crime em função de cumprimento de uma decisão emanada de um superior hierárquico não excluem a responsabilidade criminal, mas os artigos 32 e 33 do Estatuto de Roma apresentam algumas exceções:

Artigo 32 - Erro de Fato ou Erro de Direito

1. O erro de fato só excluirá a responsabilidade criminal se eliminar o dolo requerido pelo crime.

2. O erro de direito sobre se determinado tipo de conduta constitui crime da competência do Tribunal não será considerado fundamento de exclusão de responsabilidade criminal. No entanto, o erro de direito poderá ser considerado fundamento de exclusão de responsabilidade criminal se eliminar o dolo requerido pelo crime ou se decorrer do artigo 33 do presente Estatuto.

Artigo 33 - Decisão Hierárquica e Disposições Legais

1. Quem tiver cometido um crime da competência do Tribunal, em cumprimento de uma decisão emanada de um Governo ou de um superior hierárquico, quer seja militar ou civil, não será isento de responsabilidade criminal, a menos que:

a) Estivesse obrigado por lei a obedecer a decisões emanadas do Governo ou superior hierárquico em questão;

b) Não tivesse conhecimento de que a decisão era ilegal; e

c) A decisão não fosse manifestamente ilegal.

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2. Para os efeitos do presente artigo, qualquer decisão de cometer genocídio ou crimes contra a humanidade será considerada como manifestamente ilegal.

3.7 Composição e Administração do Tribunal Penal Internacional O Tribunal Penal Internacional é composto pelos seguintes órgãos:

a) a Presidência;

b) uma Seção de Recursos, uma Seção de Julgamento em Primeira Instância e uma Seção de Instrução;

c) o Gabinete do Procurador; e

d) a Secretaria.

No âmbito do Tribunal Penal Internacional, os juízes são eleitos para exercer funções em regime de exclusividade e devem estar disponíveis para desempenhar o respectivo cargo desde o início do seu mandato. Conforme prevê o parágrafo segundo do artigo 35 do Estatuto de Roma, os juízes que compõem a Presidência devem desempenhar as suas funções em regime de exclusividade desde a sua eleição. Sobre a Presidência, veja-se o artigo 38 do Estatuto de Roma:

Artigo 38 - A Presidência:

1. O Presidente, o Primeiro Vice-Presidente e o Segundo Vice-Presidente serão eleitos por maioria absoluta dos juizes. Cada um desempenhará o respectivo cargo por um período de três anos ou até ao termo do seu mandato como juiz, conforme o que expirar em primeiro lugar. Poderão ser reeleitos uma única vez.

2. O Primeiro Vice-Presidente substituirá o Presidente em caso de impossibilidade ou recusa deste. O Segundo Vice-Presidente substituirá o Presidente em caso de impedimento ou recusa deste ou do Primeiro Vice-Presidente.

3. O Presidente, o Primeiro Vice-Presidente e o Segundo Vice-Presidente constituirão a Presidência, que ficará encarregada:

a) Da adequada administração do Tribunal, com exceção do Gabinete do Procurador; e

b) Das restantes funções que lhe forem conferidas de acordo com o presente Estatuto.

4. Embora eximindo-se da sua responsabilidade nos termos do parágrafo 3° a), a Presidência atuará em coordenação com o Gabinete do Procurador e deverá obter a aprovação deste em todos os assuntos de interesse comum.

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O Tribunal Penal Internacional organiza-se nas Seções de Recursos, de Julgamento em Primeira Instância e de Instrução. A Seção de Recursos é composta pelo Presidente e 4 (quatro) juízes, a Seção de Julgamento em Primeira Instância por, pelo menos, 6 (seis) juizes e a Seção de Instrução por, pelo menos, 6 (seis) juízes. Os juízes são adstritos às Seções de acordo com a natureza das funções que correspondem a cada um e com as respectivas qualificações e experiência, de forma que cada Seção dispõe de um conjunto adequado de especialistas em direito penal e processual penal e em direito internacional (art. 39 do Estatuto de Roma). Sobre a independência, impedimento e desqualificação dos juízes, é importante conhecer o teor dos artigos 40 e 41, ambos do Estatuto de Roma:

Artigo 40 - Independência dos Juízes:

1. Os juízes serão independentes no desempenho das suas funções.

2. Os juízes não desenvolverão qualquer atividade que possa ser incompatível com o exercício das suas funções judiciais ou prejudicar a confiança na sua independência.

3. Os juízes que devam desempenhar os seus cargos em regime de exclusividade na sede do Tribunal não poderão ter qualquer outra ocupação de natureza profissional.

4. As questões relativas à aplicação dos parágrafo 2° e 3° serão decididas por maioria absoluta dos juízes. Nenhum juiz participará na decisão de uma questão que lhe diga respeito.

Artigo 41 - Impedimento e Desqualificação de Juízes:

1. A Presidência poderá, a pedido de um juiz, declarar seu impedimento para o exercício de alguma das funções que lhe confere o presente Estatuto, em conformidade com o Regulamento Processual.

2. a) Nenhum juiz pode participar num caso em que, por qualquer motivo, seja posta em dúvida a sua imparcialidade. Será desqualificado, em conformidade com o disposto neste número, entre outras razões, se tiver intervindo anteriormente, a qualquer titulo, em um caso submetido ao Tribunal ou em um procedimento criminal conexo em nível nacional que envolva a pessoa objeto de inquérito ou procedimento criminal. Pode ser igualmente desqualificado por qualquer outro dos motivos definidos no Regulamento Processual;

b) O Procurador ou a pessoa objeto de inquérito ou procedimento criminal poderá solicitar a desqualificação de um juiz em virtude do disposto no presente número;

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c) As questões relativas à desqualificação de juízes serão decididas por maioria absoluta dos juízes. O juiz cuja desqualificação for solicitada, poderá pronunciar-se sobre a questão, mas não poderá tomar parte na decisão.

Outro órgão do Tribunal Penal Internacional, o Gabinete do Procurador é órgão autônomo e que atua de forma independente. Ao Gabinete do Procurador compete recolher comunicações e qualquer outro tipo de informação, devidamente fundamentada, sobre crimes da competência do Tribunal, a fim de os examinar e investigar e de exercer a ação penal junto ao Tribunal. Os membros do Gabinete do Procurador não devem solicitar nem cumprir ordens de fontes externas ao Tribunal. A presidência do Gabinete do Procurador é exercida pelo Procurador, que possui plena autoridade para dirigi-lo e administrá-lo, incluindo o pessoal, as instalações e outros recursos. Conforme prevê o parágrafo segundo do artigo 42 do Estatuto de Roma, o Procurador deve ser coadjuvado por um ou mais Procuradores-Adjuntos, que podem desempenhar qualquer uma das funções que incumbam àquele. O Procurador e os Procuradores-Adjuntos devem ser de nacionalidades diferentes e devem desempenhar o respectivo cargo em regime de exclusividade. A Secretaria, por sua vez, é o órgão responsável pelos aspectos não judiciais da administração e do funcionamento do Tribunal. A direção da Secretaria é feita pelo Secretário, principal responsável administrativo do Tribunal. Conforme prevê o parágrafo segundo do artigo 43 do Estatuto de Roma, o secretário deve exercer as sua funções na dependência do Presidente do Tribunal. Por derradeiro, cumpre mencionar que é dever do secretário criar, no âmbito da Secretaria, uma Unidade de Apoio às Vítimas e Testemunhas. Esta Unidade, em conjunto com o Gabinete do Procurador, deve adotar medidas de proteção e dispositivos de segurança e prestar assessoria e outro tipo de assistência às testemunhas e vítimas que compareçam perante o Tribunal e a outras pessoas ameaçadas em virtude do testemunho prestado por aquelas. A Unidade deve incluir pessoal especializado para atender as vítimas de traumas, nomeadamente os relacionados com crimes de violência sexual. 3.8 Inquérito e Procedimento Criminal O procurador, após examinar a informação de que dispõe, deve instaurar um inquérito, a menos que considere que não há fundamento razoável para tanto. Concluído o inquérito, se o procurador chegar à conclusão de que não há fundamento suficiente para proceder criminalmente, nada impede que em momento posterior, em reconsideração a sua decisão, ele possa proceder criminalmente com base em novos fatos ou novas informações (art. 53 do Estatuto de Roma).

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Sobre as funções e os poderes do procurador em matéria de inquérito, é necessário conhecer o teor do artigo 54 do Estatuto de Roma:

Artigo 54 - Funções e Poderes do Procurador em Matéria de Inquérito:

1. O Procurador deverá:

a) A fim de estabelecer a verdade dos fatos, alargar o inquérito a todos os fatos e provas pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, em conformidade com o presente Estatuto e, para esse efeito, investigar, de igual modo, as circunstâncias que interessam quer à acusação, quer à defesa;

b) Adotar as medidas adequadas para assegurar a eficácia do inquérito e do procedimento criminal relativamente aos crimes da jurisdição do Tribunal e, na sua atuação, o Procurador terá em conta os interesses e a situação pessoal das vítimas e testemunhas, incluindo a idade, o gênero tal como definido no parágrafo 3° do artigo 7°, e o estado de saúde; terá igualmente em conta a natureza do crime, em particular quando envolva violência sexual, violência por motivos relacionados com a pertença a um determinado gênero e violência contra as crianças; e

c) Respeitar plenamente os direitos conferidos às pessoas pelo presente Estatuto.

2. O Procurador poderá realizar investigações no âmbito de um inquérito no território de um Estado:

a) De acordo com o disposto na Parte IX; ou

b) Mediante autorização do Juízo de Instrução, dada nos termos do parágrafo 3°, alínea d), do artigo 57.

3. O Procurador poderá:

a) Reunir e examinar provas;

b) Convocar e interrogar pessoas objeto de inquérito e convocar e tomar o depoimento de vítimas e testemunhas;

c) Procurar obter a cooperação de qualquer Estado ou organização intergovernamental ou instrumento intergovernamental, de acordo com a respectiva competência e/ou mandato;

d) Celebrar acordos ou convênios compatíveis com o presente Estatuto, que se mostrem necessários para facilitar a cooperação de um Estado, de uma organização intergovernamental ou de uma pessoa;

e) Concordar em não divulgar, em qualquer fase do processo, documentos ou informação que tiver obtido, com a condição de preservar o seu caráter confidencial

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e com o objetivo único de obter novas provas, a menos que quem tiver facilitado a informação consinta na sua divulgação; e

f) Adotar ou requerer que se adotem as medidas necessárias para assegurar o caráter confidencial da informação, a proteção de pessoas ou a preservação da prova.

No curso de um inquérito aberto perante o Tribunal Penal Internacional:

a) nenhuma pessoa poderá ser obrigada a depor contra si própria ou a declarar-se culpada;

b) nenhuma pessoa poderá ser submetida a qualquer forma de coação, intimidação ou ameaça, tortura ou outras formas de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; e

c) qualquer pessoa que for interrogada numa língua que não compreenda ou não fale fluentemente, será assistida, gratuitamente, por um intérprete competente e disporá das traduções que são necessárias às exigências de equidade;

d) nenhuma pessoa poderá ser presa ou detida arbitrariamente, nem ser privada da sua liberdade, salvo pelos motivos previstos no próprio Estatuto de Roma e em conformidade com os procedimentos nele estabelecidos.

Caso existam motivos para crer que uma pessoa cometeu algum crime da competência do Tribunal Penal Internacional e que deva ser interrogada pelo procurador ou pelas autoridades nacionais, em razão de um pedido feito com base nas disposições do Estatuto de Roma, essa pessoa deve ser informada, antes de seu interrogatório, que também goza dos seguintes direitos:

a) de ser informada antes de ser interrogada de que existem indícios de que cometeu um crime da competência do Tribunal;

b) de guardar silêncio, sem que tal seja tido em consideração para efeitos de determinação da sua culpa ou inocência;

c) de ser assistida por um advogado da sua escolha ou, se não o tiver, a solicitar que lhe seja designado um defensor dativo, em todas as situações em que o interesse da justiça assim o exija e sem qualquer encargo se não possuir meios suficientes para lhe pagar; e

d) de ser interrogada na presença do seu advogado, a menos que tenha renunciado voluntariamente ao direito de ser assistida por um advogado.

Concluído o inquérito, abre-se o procedimento penal perante o Tribunal Penal Internacional, com o início da fase instrutória. Assim que uma pessoa seja entregue ao Tribunal ou nele compareça voluntariamente em cumprimento de uma notificação, o Juízo de Instrução deverá assegurar-se de que essa pessoa foi informada dos crimes que lhe

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são imputados e dos direitos que lhe são conferidos, incluindo o direito de solicitar autorização para aguardar o julgamento em liberdade. Antes do julgamento, o Juízo de Instrução deve realizar uma audiência para apreciar os fatos constantes da acusação com base nos quais o Procurador pretende requerer o julgamento. Nessa audiência devem estar presentes o Procurador e o acusado, assim como o defensor deste. Também admite-se que o Juízo de Instrução, de ofício ou a pedido do Procurador, realize a audiência sem a presença do acusado, caso este tenha renunciado ao seu direito de estar presente ou caso tenha fugido ou não seja possível encontrá-lo. Na mencionada audiência, o procurador deve produzir provas satisfatórias dos fatos constantes da acusação, nos quais baseou a sua convicção de que o acusado cometeu o crime que lhe é imputado. É dado ao procurador a faculdade de basear-se em provas documentais ou um resumo das provas, não sendo obrigado a chamar as testemunhas que irão depor no julgamento. Nessa audiência, o acusado pode:

a) contestar as acusações;

b) impugnar as provas apresentadas pelo procurador; e

c) apresentar provas.

Conforme previsão do parágrafo sétimo do artigo 61 do Estatuto de Roma, com base nos fatos apreciados durante a audiência, o Juízo de Instrução deve decidir se existem provas suficientes de que o acusado cometeu os crimes que lhe são imputados. De acordo com essa decisão, o Juízo de Instrução:

a) declarará procedente a acusação na parte relativamente à qual considerou terem sido reunidas provas suficientes e remeterá o acusado para o juízo de Julgamento em Primeira Instância, a fim de aí ser julgado pelos fatos confirmados;

b) não declarará procedente a acusação na parte relativamente à qual considerou não terem sido reunidas provas suficientes;

c) adiará a audiência e solicitará ao Procurador que considere a possibilidade de:

i) Apresentar novas provas ou efetuar novo inquérito relativamente a um determinado fato constante da acusação; ou

ii) Modificar parte da acusação, se as provas reunidas parecerem indicar que um crime distinto, da competência do Tribunal, foi cometido.

Se houver a declaração de improcedência apenas em relação a parte da acusação, nada obsta que o procurador solicite novamente a sua apreciação, desde que apresente provas adicionais. Caso os fatos constantes da acusação sejam declarados procedentes, e antes do inicio do julgamento, o procurador pode, mediante autorização do Juízo de Instrução e notificação prévia do acusado, alterar alguns fatos constantes da acusação. Se o procurador pretender acrescentar novos fatos ou substituí-los por outros de natureza mais grave, deverá requerer uma nova audiência para a respectiva apreciação. Após o início do

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julgamento, o procurador poderá retirar a acusação, com autorização do Juízo de Instrução, conforme prevê parágrafo nono do artigo 61 do Estatuto de Roma. Com a declaração de procedência, a Presidência deve designar um Juízo de Julgamento em Primeira Instância, ao qual incumbe a fase seguinte do processo e o qual pode exercer as funções do Juízo de Instrução que se mostrarem pertinentes e apropriadas nessa fase do processo. 3.8.1 Julgamento Via de regra, o julgamento deve ocorrer na sede do Tribunal Penal Internacional. Conforme prevê o artigo 63 do Estatuto de Roma, o acusado deve estar presente durante o julgamento. Sobre as funções e os poderes do Juízo para julgamento em primeira instância, é necessário conhecer o teor do artigo 64 do Estatuto de Roma:

Artigo 64 - Funções e Poderes do Juízo de Julgamento em Primeira Instância:

1. As funções e poderes do Juízo de Julgamento em Primeira Instância, enunciadas no presente artigo, deverão ser exercidas em conformidade com o presente Estatuto e o Regulamento Processual.

2. O Juízo de Julgamento em Primeira Instância zelará para que o julgamento seja conduzido de maneira equitativa e célere, com total respeito dos direitos do acusado e tendo em devida conta a proteção das vítimas e testemunhas.

3. O Juízo de Julgamento em Primeira Instância a que seja submetido um caso nos termos do presente Estatuto:

a) Consultará as partes e adotará as medidas necessárias para que o processo se desenrole de maneira eqüitativa e célere;

b) Determinará qual a língua, ou quais as línguas, a utilizar no julgamento; e

c) Sob reserva de qualquer outra disposição pertinente do presente Estatuto, providenciará pela revelação de quaisquer documentos ou da informação que não tenha sido divulgada anteriormente, com suficiente antecedência relativamente ao início do julgamento, a fim de permitir a sua preparação adequada para o julgamento.

4. O Juízo de Julgamento em Primeira Instância poderá, se mostrar necessário para o seu funcionamento eficaz e imparcial, remeter questões

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preliminares ao Juízo de Instrução ou, se necessário, a um outro juiz disponível da Seção de Instrução.

5. Mediante notificação às partes, o Juízo de Julgamento em Primeira Instância poderá, conforme se lhe afigure mais adequado, ordenar que as acusações contra mais de um acusado sejam deduzidas conjunta ou separadamente.

6. No desempenho das suas funções, antes ou no decurso de um julgamento, o Juízo de Julgamento em Primeira Instância poderá, se necessário:

a) Exercer qualquer uma das funções do Juízo de Instrução consignadas no parágrafo 11 do artigo 61;

b) Ordenar a comparência e a audição de testemunhas e a apresentação de documentos e outras provas, obtendo para tal, se necessário, o auxílio de outros Estados, conforme previsto no presente Estatuto;

c) Adotar medidas para a proteção da informação confidencial;

d) Ordenar a apresentação de provas adicionais às reunidas antes do julgamento ou às apresentadas no decurso do julgamento pelas partes;

e) Adotar medidas para a proteção do acusado, testemunhas e vítimas; e

f) Decidir sobre qualquer outra questão pertinente.

7. A audiência de julgamento será pública. No entanto, o Juízo de Julgamento em Primeira Instância poderá decidir que determinadas diligências se efetuem à porta fechada, em conformidade com os objetivos enunciados no artigo 68 ou com vista a proteger informação de caráter confidencial ou restrita que venha a ser apresentada como prova.

8. a) No início da audiência de julgamento, o Juízo de Julgamento em Primeira Instância ordenará a leitura ao acusado, dos fatos constantes da acusação previamente confirmados pelo Juízo de Instrução. O Juízo de Julgamento em Primeira Instância deverá certificar-se de que o acusado compreende a natureza dos fatos que lhe são imputados e dar-lhe a oportunidade de os confessar, de acordo com o disposto no artigo 65, ou de se declarar inocente;

b) Durante o julgamento, o juiz presidente poderá dar instruções sobre a condução da audiência, nomeadamente para assegurar que esta se desenrole de maneira eqüitativa e imparcial. Salvo qualquer orientação do juiz presidente, as partes poderão

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apresentar provas em conformidade com as disposições do presente Estatuto.

9. O Juízo de Julgamento em Primeira Instância poderá, inclusive, de ofício ou a pedido de uma das partes, a saber:

a) Decidir sobre a admissibilidade ou pertinência das provas; e

b) Tomar todas as medidas necessárias para manter a ordem na audiência.

10. O Juízo de Julgamento em Primeira Instância providenciará para que o Secretário proceda a um registro completo da audiência de julgamento onde sejam fielmente relatadas todas as diligências efetuadas, registro que deverá manter e preservar.

Dispõe o artigo 66 do Estatuto em estudo que toda pessoa é presumivelmente inocente até prova da sua culpa perante o Tribunal, e que ao procurador incumbe o ônus da prova sobre a culpa do acusado. Nesse contexto, o Tribunal só pode proferir sentença condenatória se estiver convencido de que o acusado é culpado, acima de qualquer dúvida razoável. A audiência deve ser sempre conduzida de forma equitativa e imparcial, e deve conferir ao acusado as seguintes garantias mínimas, em situação de plena igualdade:

a) informá-lo, sem demora e de forma detalhada, numa língua que compreenda e fale fluentemente, da natureza, motivo e conteúdo dos fatos que lhe são imputados;

b) conceder-lhe tempo e meios adequados para a preparação da sua defesa e à comunicação livre e confidencial com um defensor da sua escolha;

c) julgá-lo sem atrasos indevidos;

d) salvo o disposto no parágrafo 2° do artigo 63 (pertubação persistente da audiência), ao acusado deve ser conferido o direito de estar presente na audiência de julgamento e a defender-se a si próprio ou a ser assistido por um defensor da sua escolha; se não o tiver, deverá ser informado sobre o direito de o tribunal lhe nomear um defensor sempre que o interesse da justiça o exija, sendo tal assistência gratuita se o acusado carecer de meios suficientes para remunerar o defensor assim nomeado;

e) inquirir ou fazer inquirir as testemunhas de acusação e a obter o comparecimento das testemunhas de defesa e a inquirição destas nas mesmas condições que as testemunhas de acusação. O acusado terá também direito a apresentar defesa e a oferecer qualquer outra prova admissível;

f) ser assistido gratuitamente por um intérprete competente e a serem-lhe facultadas as traduções necessárias que a equidade exija, se não compreender perfeitamente ou não falar a língua utilizada em qualquer ato processual ou documento produzido em tribunal;

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g) não ser obrigado a depor contra si próprio, nem a declarar-se culpado, e a guardar silêncio, sem que este seja levado em conta na determinação da sua culpa ou inocência;

h) prestar declarações não ajuramentadas, oralmente ou por escrito, em sua defesa; e

i) que não lhe seja imposta quer a inversão do ônus da prova, quer a impugnação.

Analisado o conjunto probatório e processual, o Juízo de Julgamento em Primeira Instância deve proferir decisão fundamentada (sentença), a qual não pode exorbitar dos fatos e circunstâncias descritos na acusação ou nas alterações que lhe tenham sido feitas. Deve buscar, conforme previsão do parágrafo terceiro do artigo 74 do Estatuto de Roma, a tomada de uma decisão por unanimidade, mas, não sendo possível, por simples maioria. A sentença deve ser proferida por escrito e deve conter uma exposição completa e fundamentada da apreciação das provas e das conclusões do Juízo de Julgamento em Primeira Instância. A leitura da decisão ou de sua súmula far-se-á em audiência pública (art. 74, §5º do Estatuto de Roma). 3.8.2 Recurso da sentença condenatória ou absolutória ou da pena Proferida a sentença pelo Juízo de Julgamento em Primeira Instância, ela é recorrível nos seguintes termos:

a) o procurador poderá interpor recurso com base em um dos seguintes fundamentos:

i) vício processual; ii) erro de fato; ou iii) erro de direito;

b) o condenado ou o procurador, no interesse daquele; poderá interpor recurso com base em um dos seguintes fundamentos:

i) vício processual; ii) erro de fato; iií) erro de direito; ou iv) qualquer outro motivo suscetível de afetar a equidade ou a

regularidade do processo ou da sentença.

Tanto o procurador como o condenado podem interpor recurso da pena decretada, sob o argumento de desproporção entre esta e o crime. Apresentado o recurso, este será julgado pelo Juízo de Recursos, que tem todos os poderes conferidos ao Juízo de Julgamento em Primeira Instância e já oportunamente citados. Quando o Juízo de Recursos concluir que o processo sujeito a recurso padece de vícios tais que afetem a regularidade da decisão ou da sentença, ou que a decisão ou a sentença recorridas estão materialmente afetadas por erros de fato ou de direito, ou vício processual, ele poderá:

a) anular ou modificar a decisão ou a pena; ou

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b) ordenar um novo julgamento perante um outro Juízo de Julgamento em Primeira Instância.

O acórdão do Juízo de Recursos deve ser proferido por maioria dos juízes e proferido em audiência pública. Esse acórdão deve ser sempre fundamentado e poderá ser emitido na ausência da pessoa absolvida ou condenada. Conforme prevê o artigo 82 do Estatuto de Roma, além da sentença, qualquer uma das partes tem o direito de recorrer das seguintes decisões:

a) decisão sobre a competência ou a admissibilidade do caso;

b) decisão que autorize ou recuse a libertação da pessoa objeto de inquérito ou de procedimento criminal;

c) decisão do Juízo de Instrução de agir por iniciativa própria, nos termos do parágrafo 3° do artigo 56 (adoção de medidas para preservar meios de prova, sem solicitação do procurador);

d) decisão relativa a uma questão suscetível de afetar significativamente a tramitação equitativa e célere do processo ou o resultado do julgamento, e cuja resolução imediata pelo Juízo de Recursos poderia, no entender do Juízo de Instrução ou do Juízo de Julgamento em Primeira Instância, acelerar a marcha do processo.

Em qualquer caso, o recuso só terá efeito suspensivo se o Juízo de Recursos assim o ordenar, mediante requerimento da parte interessada. 3.8.3 Revisão da sentença ou da pena Prevê o artigo 84 do Estatuto de Roma, que o condenado ou, se este tiver falecido, o cônjuge sobrevivo, os filhos, os pais ou qualquer pessoa que, em vida do condenado, dele tenha recebido incumbência expressa, por escrito, nesse sentido, ou o procurador no seu interesse, poderá submeter ao Juízo de Recursos um requerimento solicitando a revisão da sentença condenatória ou da pena pelos seguintes motivos:

a) a descoberta de novos elementos de prova: i) de que não dispunha ao tempo do julgamento, sem que essa

circunstância pudesse ser imputada, no todo ou em parte, ao requerente; e

ii) de tal forma importantes que, se tivessem ficado provados no julgamento, teriam provavelmente conduzido a um veredicto diferente;

b) A descoberta de que elementos de prova, apreciados no julgamento e decisivos para a determinação da culpa, eram falsos ou tinham sido objeto de contrafação ou falsificação;

c) Um ou vários dos juízes que intervieram na sentença condenatória ou confirmaram a acusação hajam praticado atos de conduta reprovável ou de incumprimento dos respectivos deveres de tal forma graves que justifiquem a sua cessação de funções nos termos do artigo 46 do Estatuto de Roma.

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Quando o pedido for manifestamente infundado, deve ser rejeitado de plano pelo Juízo de Recursos. Caso contrário, poderá o Juízo:

a) convocar de novo o Juízo de Julgamento em Primeira Instância que proferiu a sentença inicial;

b) constituir um novo Juízo de Julgamento em Primeira Instância; ou

c) manter a sua competência para conhecer da causa, a fim de determinar se, após a audição das partes, haverá lugar à revisão da sentença. 3.8.4 Penas Ao condenado perante o Tribunal Penal Internacional podem ser aplicadas as seguintes penas:

a) pena de prisão por um número determinado de anos, até ao limite máximo de 30 anos; ou

b) pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem.

E além da pena de prisão, o Tribunal também pode aplicar:

a) uma multa, de acordo com os critérios previstos no Regulamento Processual;

b) a perda de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indiretamente, do crime, sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa fé.

Na determinação da pena, o Tribunal deve atender a fatores como a gravidade do crime e as condições pessoas do condenado, consoante estipula o parágrafo primeiro do artigo 78 do Estatuto de Roma. 4. Domínio Público Internacional O domínio público internacional se refere aos espaços que interessam a mais de um Estado e abrange, pois, o mar, os rios internacionais, o espaço aéreo, o espaço extra-atmosférico e o continente antártico (REZEK, 2010, p. 313). 4.1 Mar territorial O conceito de mar territorial é dado pelo artigo 2º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982, conhecida apenas como Convenção de Montego Bay:

1. A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de

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Estado arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar territorial.

2. Esta soberania estende-se ao espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste mar.

3. A soberania sobre o mar territorial é exercida de conformidade com a presente Convenção e as demais normas de direito internacional.

A largura do mar territorial é de até 12 milhas marítimas, medidas a partir de linhas de base determinadas de acordo com a Convenção de Montego Bay. Já o artigo 1º da Lei n.º 8.617/93 dispõe no mesmo sentido, estipulando que o mar territorial brasileiro compreende uma faixa de 12 (doze) milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular. No setor de mar territorial, admite-se a passagem inocente de embarcações estrangeiras. A passagem inocente é aquela que não é prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser contínua e rápida (art. 3º, §1º, da Lei n.º 8.617/93). A passagem inocente pode compreender o parar e o fundear, mas apenas na medida em que tais procedimentos constituam incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim prestar auxílio a pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave (art. 3º, §2º, da Lei n.º 8.617/93). Sobre o mesmo assunto, dispõe a Convenção de Montego Bay:

Art. 17 -Direito de passagem inocente Salvo disposição em contrário da presente Convenção, os navios de qualquer Estado, costeiro ou sem litoral, gozarão do direito de passagem inocente pelo mar territorial.

Art. 18 - Significado de passagem

1. „Passagem‟ significa a navegação pelo mar territorial com o fim de:

a) atravessar esse mar sem penetrar nas águas interiores nem fazer escala num ancoradouro ou instalação portuária situada fora das águas interiores;

b) dirigir-se para as águas interiores ou delas sair ou fazer escala num desses ancoradouros ou instalações portuárias.

2. A passagem deverá ser contínua e rápida. No entanto, a passagem compreende o parar e o fundear, mas apenas na medida em que os mesmos constituam incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de força maior ou por dificuldade grave ou

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tenham por fim prestar, auxílio a pessoas, navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave.

Art. 19 - Significado de passagem inocente:

1. A passagem é inocente desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Estado costeiro. A passagem deve efetuar-se de conformidade com a presente Convenção e demais normas de direito internacional.

2. A passagem de um navio estrangeiro será considerada prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Estado costeiro, se esse navio realizar, no mar territorial, alguma das seguintes atividades:

a) qualquer ameaça ou uso da força contra a soberania, a integridade territorial ou a independência política do Estado costeiro ou qualquer outra ação em violação dos princípios de direito internacional enunciados na Carta das Nações Unidas;

b) qualquer exercício ou manobra com armas de qualquer tipo;

c) qualquer ato destinado a obter informações em prejuízo da defesa ou da segurança do Estado costeiro;

d) qualquer ato de propaganda destinado a atentar contra a defesa ou a segurança do Estado costeiro;

e) o lançamento, pouso ou recebimento a bordo de qualquer aeronave;

f) o lançamento, pouso ou recebimento a bordo de qualquer dispositivo militar;

g) o embarque ou desembarque de qualquer produto, moeda ou pessoa com violação das leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários do Estado costeiro;

h) qualquer ato intencional e grave de poluição contrário à presente Convenção;

i) qualquer atividade de pesca;

j) a realização de atividades de investigação ou de levantamentos hidrográficos;

k) qualquer ato destinado a perturbar quaisquer sistemas de comunicação ou quaisquer outros serviços ou instalações do Estado costeiro;

l) qualquer outra atividade que não esteja diretamente relacionada com a passagem.

No caso dos submarinos e demais veículos submersíveis, eles tem o dever de navegar à superfície e arvorar a sua bandeira (art. 20 da Convenção de Montego Bay).

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4.2 Zona contígua Zona contígua é uma faixa que se estende das 12 (doze) às 24 (vinte e quatro) milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial (art. 4º, da Lei n.º 8.617/93). Acerca da zona contígua, dispõe o artigo 33 da Convenção de Montego Bay:

Art. 33 - Zona contígua:

1. Numa zona contígua ao seu mar territorial, denominada zona contígua, o Estado costeiro pode tomar as medidas de fiscalização necessárias a:

a) evitar as infrações às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial;

b) reprimir as infrações às leis e regulamentos no seu território ou no seu mar territorial.

2. A zona contígua não pode estender-se além de 24 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Em continuidade, veja-se o artigo 5º da Lei n.º 8.617/93:

Art. 5º Na zona contígua, o Brasil poderá tomar as medidas de fiscalização necessárias para:

I - evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários, no seu territórios, ou no seu mar territorial;

II - reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território ou no seu mar territorial.

Na zona contígua, portanto, o Estado brasileiro tem dupla atribuição: de evitar e também de reprimir infrações à lei e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários. 4.3 Zona econômica exclusiva A zona econômica exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende das 12 (doze) às 200 (duzentas) milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial (art. 6º da Lei n.º 8.617/93). O limite de 200 (duzentas) milhas é determinado pelo artigo 57 da Convenção de Montego Bay:

Art. 57 - Largura da zona econômica exclusiva:

A zona econômica exclusiva não se estenderá além de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial.

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Conforme prevê o artigo 7º da Lei n.º 8.617/93, na zona econômica exclusiva, o Brasil exerce direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos. Na zona econômica exclusiva, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marítimo, assim como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas (art. 8º, caput, da Lei n.º 8.617/93). Dessa forma, a investigação científica marinha na zona econômica exclusiva só pode ser conduzida por outros Estados com se houver o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor. No mesmo sentido, prevê o artigo 9º da Lei n.º 8.617/93 que a realização, por outros Estados, na zona econômica exclusiva, de exercícios ou manobras militares, em particular as que impliquem o uso de armas ou explosivas, somente poderá ocorrer com o consentimento do Governo brasileiro. O Estado brasileiro reconhece a todos o Estados o gozo, na zona econômica exclusiva, das liberdades de navegação e sobrevôo, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de navios e aeronaves, a teor do que dispõe o artigo 10 da Lei n.º 8.617/93. 4.4 Plataforma continental Prevê o caput do artigo 11 da lei n.º 8.617/93, que a plataforma continental do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 (duzentas) milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância. E o parágrafo único do mesmo dispositivo informa que o limite exterior da plataforma continental deve ser fixado de conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 76 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982. Dessa forma, veja-se o artigo 76 da Convenção de Montego Bay:

Art. 76 - Definição da Plataforma Continental:

1. A plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das

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linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.

2. A plataforma continental de um Estado costeiro não se deve estender além dos limites previstos nos parágrafos 4º e 6º.

3. A margem continental compreende o prolongamento submerso da massa terrestre do Estado costeiro e é constituída pelo leito e subsolo da plataforma continental, pelo talude e pela elevação continental. Não compreende nem os grandes fundos oceânicos, com as suas cristas oceânicas, nem o seu subsolo.

4. a) para os fins da presente Convenção, o Estado costeiro deve estabelecer o bordo exterior da margem continental, quando essa margem se estender além das 200 milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, por meio de:

i) uma linha traçada de conformidade com o parágrafo 7º, com referência aos pontos fixos mais exteriores em cada um dos quais a espessura das rochas sedimentares seja pelo menos 1% da distância mais curta entre esse ponto e o pé do talude continental; ou

ii) uma linha traçada de conformidade com o parágrafo 7º, com referência a pontos fixos situados a não mais de 60 milhas marítimas do pé do talude continental.

b) Salvo prova em contrário, o pé do talude continental deve ser determinado como ponto de variação máxima do gradiente na sua base.

5. Os pontos fixos que constituem a linha dos limites exteriores da plataforma continental no leito do mar, traçada de conformidade com as sub-alíneas i) e ii) da alínea a) do parágrafo 4º, devem estar situadas a uma distância que não exceda 350 milhas marítimas da linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial ou a uma distância que não exceda 100 milhas marítimas da isóbata de 2500 metros, que é uma linha que une profundidades de 2500 metros.

6. Não obstante as disposições do parágrafo 5º, no caso das cristas submarinas, o limite exterior da plataforma continental não deve exceder 350 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial. O presente parágrafo não se aplica a elevações submarinas que sejam componentes naturais da margem continental, tais

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como os seus planaltos, elevações continentais, topes, bancos e esporões.

7. O Estado costeiro deve traçar o limite exterior da sua plataforma continental, quando esta se estender além de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, unindo, mediante linhas retas, que não excedam 60 milhas marítimas, pontos fixos definidos por coordenadas de latitude e longitude.

8. Informações sobre os limites da plataforma continental, além das 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, devem ser submetidas pelo Estado costeiro à Comissão de Limites da Plataforma Continental, estabelecida de conformidade com o Anexo II, com base numa representação geográfica equitativa. A Comissão fará recomendações aos Estados costeiros sobre questões relacionadas com o estabelecimento dos limites exteriores da sua plataforma continental. Os limites da plataforma continental estabelecidas pelo Estado costeiro com base nessas recomendações serão definitivos e obrigatórios.

9. O Estado costeiro deve depositar junto do Secretário Geral das Nações Unidas mapas e informações pertinentes, incluindo dados geodésicos, que descrevam permanentemente os limites exteriores da sua plataforma continental. O Secretário Geral das Nações Unidas deve dar a esses documentos a devida publicidade.

10. As disposições do presente artigo não prejudicam a questão da delimitação da plataforma continental entre Estados com costas adjacentes ou situadas frente a frente.

Em combinação dos diplomas legais, o artigo 12 da Lei n.º 8.617/93 dispõe que o Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental, para efeitos de exploração dos recursos naturais. E parágrafo único do aludido dispositivo complementa estipulando que os recursos naturais a que se refere o caput do mencionado artigo 12 são os recursos minerais e outros não-vivos do leito do mar e subsolo, bem como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, àquelas que no período de captura estão imóveis no leito do mar ou no seu subsolo, ou que só podem mover-se em constante contato físico com esse leito ou subsolo. No mesmo sentido, veja-se o artigo 77 da Convenção de Montego Bay:

Art. 77 - Direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental:

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1. O Estado costeiro exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais.

2. Os direitos a que se refere o parágrafo 1º, são exclusivos no sentido de que, se o Estado costeiro não explora a plataforma continental ou não aproveita os recursos naturais da mesma, ninguém pode empreender estas atividades sem o expresso consentimento desse Estado.

3. Os direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental são independentes da sua ocupação, real ou fictícia, ou de qualquer declaração expressa.

4. Os recursos naturais a que se referem as disposições da presente Parte, são os recursos minerais e outros recursos não vivos do leito do mar e subsolo bem como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, aquelas que no período de captura estão imóveis no leito do mar ou no seu subsolo ou só podem mover-se em constante contato físico com esse leito ou subsolo.

Na plataforma continental, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, assim como a construção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas (art. 13, caput, da Lei n.º 8.617/93). Na plataforma continental, só se admite que a investigação científica marinha seja conduzida por outros Estados mediante o prévio consentimento do Governo brasileiro, em obediência a legislação em vigor sobre a matéria. O artigo 14 da lei n.º 8.617/93 reconhece a todos os Estados o direito de colocar cabos e dutos na plataforma continental. No entanto, o traçado desses cabos e dutos na plataforma continental depende do consentimento do Governo brasileiro, que pode estabelecer condições para a colocação daqueles que penetrem seu território ou seu mar territorial. 4.5 Alto-mar Todas as partes do mar que não estiverem compreendidas no conceito de águas interiores, mar territorial, zona contígua ou zona econômica exclusiva compõe o conceito de alto-mar. O alto-mar não está sob a jurisdição de nenhum Estado. É, pois, uma área de uso comum. O espaço do alto-mar é livre, desde que utilizado para fins pacíficos, seja para navegação, sobrevôo, pesca, colocação de cabos e dutos, construção de ilhas artificiais, realização de pesquisas científicas etc. Conforme dispõe o artigo 90 da Convenção de Montego Bay, todos os Estados, quer costeiros quer sem litoral, tem o direito de fazer navegar em alto mar navios que arvorem a sua bandeira.

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Consoante expressa determinação da Convenção de Montego Bay, é proibida a utilização do alto-mar para o transporte de escravos (art. 99), tráfico ilícito de drogas (art. 108) e pirataria (art. 100 e seguintes). Por derradeiro, cumpre expor o conceito de pirataria, segundo o artigo 101 da Convenção de Montego Bay:

Art. 101 - Definição de pirataria:

Constituem pirataria quaisquer dos seguintes atos:

a) todo ato ilícito de violência ou de detenção ou todo ato de depredação cometidos, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma aeronave privados, e dirigidos contra:

i) um navio ou uma aeronave em alto mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos;

ii) um navio ou uma aeronave, pessoas ou bens em lugar não submetido à jurisdição de algum Estado;

b) todo ato de participação voluntária na utilização de um navio ou de uma aeronave, quando aquele que o pratica tenha conhecimento de fatos que dêem a esse navio ou a essa aeronave o caráter de navio ou aeronave pirata;

c) toda a ação que tenha por fim incitar ou ajudar intencionalmente a cometer um dos atos enunciados nas alíneas a) ou b).

4.6 Estreitos O estreito “é o corredor cujas águas integram o mar territorial de um ou mais Estados, e que assegura comunicação entre espaços de alto-mar ou zona econômica exclusiva, interessando à navegação internacional” (REZEK, 2010, p. 331). A Convenção de Montego Bay garante o direito de passagem para a navegação internacional sobre os estreitos, direito este que, via de regra, não pode ser impedido. 4.7 Canais Conforme a doutrina de Francisco Rezek, “os canais também são corredores que facilitam o trânsito entre dois espaços marítimos, porém não constituem obra da natureza” (2010, p. 332). Portanto, a diferença fundamental entre estreitos e canais é que, enquanto os primeiros são obra da natureza, os últimos são produções artificiais. Por serem artificiais, isto é, feitos pelo homem, cada canal tem suas próprias normas, e dentre estas contempla-se a liberdade de passagem para a navegação internacional, via de regra.

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4.8 Rios internacionais Rios internacionais são aqueles que percorrem o território de mais de um Estado. Os rios internacionais tanto podem separar (rios limítrofes), como podem atravessar (rios de curso sucessivo) mais de um Estado. Há separação quando o rio internacional marca a fronteira de um Estado com outro, hipótese em que cada Estado exerce soberania até a linha divisória das águas. Já na hipótese do rio internacional atravessar mais de Estado, cada um deles exerce soberania sobre o trecho do rio que percorre o seu respectivo território. A navegação internacional nos rios internacionais não é regra, mas nada impede que seja adotada mediante tratados internacionais. 4.9 Espaço aéreo Espaço aéreo é a área atmosférica situada acima do território e acima do mar territorial de um Estado. Conforme lembra Francisco Rezek, “ao contrário, porém, do que sucede no mar territorial, não há no espaço aéreo um direito de passagem inocente que seja fruto de princípio geral ou norma costumeira. Senhor absoluto desse espaço, o Estado subjacente só o libera à aviação de outros países mediante a celebração de tratados ou permissões avulsas” (2010, p. 340). Sobre o assunto dispõe a Convenção sobre Aviação Civil Internacional, concluída em Chicago em 7 de dezembro de 1944 e firmada pelo Brasil em 29 de maio de 1945, conhecida apenas como Convenção de Chicago. Segundo mencionada Convenção:

Art. 1º – Soberania:

Os Estados contratantes reconhecem ter cada Estado a soberania exclusiva e absoluta sobre o espaço aéreo sobre seu território.

Art. 2º – Territórios:

Para os fins da presente Convenção, considera-se como território de um Estado, a extensão terrestre e as águas territoriais adjacentes, sob a soberania, jurisdição, proteção ou mandato do citado Estado.

E mais:

Art. 5º - Direito de vôos são regulares

Os Estados contratantes concordam em que, todas as aeronaves de outros Estados contratantes que não se dediquem a serviços aéreos internacionais regulares, tenham direito nos termos desta Convenção a voar e transitar sem fazer escala sobre seu território, e a fazer escalas para fins não comerciais sem necessidades de

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obter licença prévia, sujeitos porém ao direito do Estado sobre o qual o vôo de exigir aterrissagem. Os Estados contratantes se reservam no entanto o direito, por razões de segurança da navegação aérea, de exigir que as aeronaves que desejam voar sobre regiões inacessíveis ou que não contém com as facilidades adequadas para a navegação aérea, de seguir rotas determinadas ou de obter licenças especiais para esses vôos.

Tais aeronaves, quando dedicadas ao transporte de passageiros, carga ou correio, remunerada ou fretada, em serviços internacionais não regulamentarão também o privilégio, sujeito ao disposto no Artigo 7º (cabotagem), de tomar ou descarregar passageiros carga ou correio, tendo o Estado onde se faça o embarque ou desembarque, o direito de impor os regulamentos, condições e restrições que considerar necessários.

4.10 Espaço extra-atmosférico O espaço extra-atmosférico, também chamado de espaço sideral ou cósmico, é juridicamente singular, isto é, é de uso comum, respeitadas as normais internacionais sobre o assunto. O principal conjunto normativo sobre o tema é o Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes, mas existem outros, como a Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, por exemplo. 4.11 Pólo Norte e Antártica A superfície do pólo norte é considerada como alto-mar. A região em si desperta pouca relevância jurídica, sendo considerada como área de tráfego livre. A relevância do pólo norte é econômica, pois ele é utilizado como via alternativa para o transporte de mercadorias, matéria estanha ao objeto do presente estudo. Situação diversa ocorre em relação à Antártica, cujo interesse manifestado pelos Estados é extremamente maior. Acerca do tema foi celebrado o Tratado da Antártica, em Washington, na data de 1º de dezembro de 1969, ao qual o Brasil aderiu em 16 de maio de 1975. Por meio do mencionado tratado, reconheceu-se que a Antártica é de interesse de toda a humanidade e convencionou-se que ela deveria ser utilizada exclusivamente com fins pacíficos. Nesse sentido, o artigo 1º do Tratado da Antártica dispõe:

Art. 1º:

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1. A Antártida será utilizada somente para fins pacíficos. Serão proibidas, inter alia, quaisquer medidas de natureza militar, tais como o estabelecimento de bases e fortificações, a realização de manobras militares, assim como as experiências com quaisquer tipos de armas.

2. O presente Tratado não impedirá a utilização de pessoal ou equipamento militar para pesquisa científica ou para qualquer outro propósito pacífico.

Outro importante dispositivo do Tratado da Antártica é o artigo 4º, veja-se:

Art. 4º:

1. Nada que se contenha no presente Tratado poderá ser interpretado como:

a) renúncia, por quaisquer das Partes Contratantes, a direitos previamente invocados ou a pretensões de soberania territorial na Antártida;

b) renúncia ou diminuição, por quaisquer das Partes Contratantes, a qualquer base de reivindicação de soberania territorial na Antártida que possa ter, quer como resultado de suas atividades, ou de seus nacionais, na Antártida, quer por qualquer outra forma;

c) prejulgamento da posição de qualquer das Partes Contratantes quanto ao reconhecimento dos direitos ou reivindicações ou bases de reivindicação de algum outro Estado quanto à soberania territorial na Antártida.

2. Nenhum ato ou atividade que tenha lugar, enquanto vigorar o presente Tratado, constituirá base para programar, apoiar ou contestar reivindicação sobre soberania territorial na Antártida, ou para criar direitos de soberania na Antártida. Nenhuma nova reivindicação, ou ampliação de reivindicação existente, relativa à soberania territorial na Antártida será apresentada enquanto o presente Tratado estiver em vigor.

Como se vê, a presença de algum Estado no continente antártico, como o Brasil, que possui uma estação de pesquisa no local, não implica em renúncia a quaisquer pretensões de soberania territorial sobre o local, assim como não constitui base para qualquer reivindicação de soberania sobre aquele território. Outra importante disposição do Tratado da Antártica consta de seu artigo 5º, veja-se:

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Art. 5º

1. Ficam proibidas as explosões nucleares na Antártida, bem como o lançamento ali de lixo ou resíduos radioativos.

2. No caso da conclusão de acordos internacionais sobre a utilização da energia nuclear inclusive as explosões nucleares e o lançamento de resíduos radioativos, de que participem todas as Partes Contratantes, cujos representantes estejam habilitados a participar das reuniões previstas no Artigo X, aplicar-se-ão à Antártida as regras estabelecidas em tais acordos.

A proibição de atividade nuclear e o depósito de lixo ou resíduos radioativos apenas consagra a disposição inicial do Tratado, que reconheceu a Antártica como de interesse de toda a humanidade. 5. Nacionalidade Diversos documentos internacionais preocuparam-se em garantir a todos o direito à uma nacionalidade, visando evitar a figura do apátrida. Apátrida (ou heimatlo) é aquele que não tem nacionalidade reconhecida por nenhum Estado. No Brasil, um apátrida pode obter a nacionalidade brasileira por naturalização, desde que atendidos os requisitos. A nacionalidade dividi-se em originária (ou primária) e adquirida (ou secundária). Nacionalidade originária é aquela adquirida com o nascimento, decorrente de vontade unilateral do Estado. Já a nacionalidade adquirida é a decorrente de manifestação de vontade da pessoa e do Estado. Quanto a nacionalidade originária, dois são os critérios para sua atribuição por parte do Estado:

a) ius soli ou critério da territorialidade;

b) ius sanguinis ou critério sanguíneo, de ascendência.

No Brasil, o critério utilizado para aquisição da nacionalidade é o territorial mitigado (ou temperado). Territorial, pois adota-se o critério ius soli de forma preponderante e, mitigado (ou temperado), por albergar traços do critério ius sanguinis. O artigo 12 da CRFB/88 deve ser lido com muita atenção pelo candidato. Consta do inciso I de mencionado artigo as hipóteses de aquisição de nacionalidade originária. Assim, são brasileiros natos:

a) art. 12, I, “a”: os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país. O critério adotado é o ius soli ou da territorialidade. Dispõe o enunciado que será brasileiro todo aquele que nascer no território brasileiro, ainda que de pais estrangeiros, salvo se estes estiverem a serviço de seu país. Serviço este que deve ser público, em sentido amplo.

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b) art. 12, I, “b”: os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil. O critério adotado é o ius sanguinis condicionado. É brasileiro nato o nascido no estrangeiro, mas filho de pai ou mãe brasileira, desde que qualquer destes esteja a serviço do Brasil. Serviço este, repita-se, de natureza pública em sentido amplo, inclusive o exercido em organização internacional da qual o Brasil faça parte.

c) art. 12, I, “c”: os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira. Critério ius sanguinis condicionado, em ambas as hipóteses. Na primeira parte do enunciado a condição é o registro em repartição pública brasileira competente, já na segunda parte do enunciado a condição é a opção pela nacionalidade brasileira e residência no país. É brasileiro nato, portanto, aquele nascido de pai ou mãe brasileira, desde que registrado em repartição brasileira competente ou que venha a residir no Brasil e opte, a qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira. Esta última hipótese é também chamada de nacionalidade potestativa, já que depende exclusivamente da vontade da pessoa, constituindo direito público subjetivo da mesma.

Por sua vez, o inciso II, do artigo 12 da CRFB/88 elenca as hipóteses de nacionalidade adquirida, isto é, elenca as hipóteses em que uma pessoa pode se tornar, atendidos os requisitos, brasileiro naturalizado. Assim, são brasileiros naturalizados:

a) art. 12, II, “a”: os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral. Trata-se de delegação ao legislador ordinário da incumbência de elencar hipóteses e requisitos para obtenção da naturalização brasileira. Trata-se de norma de eficácia limitada, cuja regulamentação ocorreu por meio da Lei n.º 6.815/80. Porém, não só ao trato da legislação ordinária se restringem as hipóteses de naturalização, uma vez que a própria Constituição estipulou, consoante alínea “a” do inciso II, que adquire a nacionalidade brasileira o originário de país de língua portuguesa que resida por um ano ininterrupto no Brasil e que possua idoneidade moral;

b) art. 12, II, “b”: os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. Inobstante ter atribuído ao legislador infraconstitucional a incumbência de legislar sobre as hipóteses e requisitos para obtenção da nacionalidade brasileira, o próprio constituinte tratou da hipótese mencionada na segunda parte da alínea “b” do inciso II, do artigo 12, e de outra, mencionada na alínea “b”, do mesmo dispositivo. Segundo a citada alínea, podem requerer a nacionalidade brasileira, o estrangeiro de qualquer nacionalidade, residente no Brasil há mais de 15 anos ininterruptos e sem

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condenação penal. A hipótese prevista nesta alínea é chamada de naturalização extraordinária.

A competência para tramitação do procedimento de naturalização é administrativa e não judicial. O processo administrativo corre perante o Ministério da Justiça e não é vinculado, isto é, não confere ao estrangeiro que preencha os requisitos o direito público subjetivo de exigir a concessão da nacionalidade brasileira. Isso ocorre porque a concessão da nacionalidade é ato atinente a soberania do Estado, sendo, portanto, discricionário. É importante não confundir as hipóteses de naturalização (nacionalidade adquirida) com a hipótese mencionada na última parte do artigo 12, Inciso I, alínea “c” (nacionalidade originária), pois na última há um direito público subjetivo ao titular do direito, uma vez que se trata de forma originária de aquisição da nacionalidade, ao contrário das hipóteses de concessão da nacionalidade a estrangeiros, como as duas hipóteses do inciso II do artigo 12 e as demais previstas na Lei n.º 6.815/80. Enquanto a hipótese do art. 12, I, “c” é vinculada, as hipóteses do art. 12, II e Lei n.º 6.815/80 são discricionárias. 5.1 Português equiparado O português equiparado não é brasileiro naturalizado. A hipótese de naturalização é diversa da equiparação, prevista no art. 12, §1º da CRFB/88. O português pode optar pela naturalização (hipótese do art. 12, I, “a”, CRFB/88) ou pela equiparação, caso em que continua sendo cidadão português, mas equiparado ao brasileiro naturalizado, nos termos do art. 12, §1º da CRFB/88. Há uma condicionante para equiparação do português ao brasileiro naturalizado que é reciprocidade em favor dos brasileiros, em Portugal. A hipótese do artigo 12, §1º é chamada de quase-nacionalidade e a reciprocidade em favor dos brasileiros exigida pelo dispositivo existe e é assegurada pelo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa. É certo que existem distinções entre brasileiros natos e naturalizados, sendo importante ao candidato ao exame da OAB e concursos públicos estar atento às diferenças. O parágrafo segundo do artigo 12 da CRFB/88 estipula que a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. Trata-se, portanto, de reserva constitucional à distinção, isto é, apenas a Constituição pode trazer hipóteses de discriminação entre brasileiros natos e naturalizados. Assim, qualquer hipótese legal que discrimine um e outro será inconstitucional. Sequencialmente, o parágrafo terceiro do artigo 12 estipula que são cargos privativos de brasileiros natos:

1) de Presidente da República;

2) de Vice-Presidente da República;

3) de Presidente da Câmara dos Deputados;

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4) de Presidente do Senado Federal;

5) de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

6) da carreira diplomática;

7) de oficial das Forças Armadas;

8) de Ministro de Estado da Defesa.

Há que se mencionar que existem outras hipóteses de distinção entre brasileiros natos e naturalizados, como as previstas no art. 5º, LI (extradição do naturalizado); art. 89, VII (composição do Conselho da República apenas para brasileiros natos); e art. 222 (direito de propriedade privativo de brasileiro nato, ou naturalizado há mais de 10 anos), todos da Constituição Federal de 1988. Fechando o artigo 12, seu parágrafo quarto trata das hipóteses de perda da nacionalidade. Segundo o inciso I do mencionado parágrafo, apenas o brasileiro naturalizado pode perder a nacionalidade se for condenado por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional. Já o inciso II, do mencionado parágrafo quarto, dispõe que perderá a nacionalidade brasileira (seja o brasileiro nato ou naturalizado) aquele que adquirir outra, exceto:

1) se houver reconhecimento da nacionalidade originária, por outro país;

2) se a naturalização for imposta para que o brasileiro possa permanecer no Estado estrangeiro ou para que possa exercer direitos civis. Na segunda hipótese, o brasileiro (nato ou naturalizado) que perdeu a nacionalidade brasileira só poderá readquiri-la mediante regular processo de naturalização. 5.2 Estatuto do estrangeiro O estatuto do estrangeiro é a Lei n.º 6.815/80, cujo objetivo é definir a situação jurídica do estrangeiro no Brasil. Em tempo de paz, qualquer estrangeiro pode, satisfeitas as condições do estatuto do estrangeiro, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais (art. 1º, da Lei n.º 6.815/80). Na aplicação do Estatuto do Estrangeiro, são fatores a serem considerados:

a) a segurança nacional;

b) a organização institucional;

c) os interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil;

d) a defesa do trabalhador nacional.

Conforme previsão do artigo 3º do Estatuto do Estrangeiro, a concessão do visto, a sua prorrogação ou transformação ficam sempre condicionadas aos interesses nacionais. Para esclarecer, visto é a permissão dada a um estrangeiro para que possa entrar no país. Uma vez

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concedida essa permissão, admite-se que ela seja prorrogada. Via de regra, o visto é individual, mas admite-se que ele seja estendido aos dependentes do requerente. A depender do motivo que o estrangeiro pretende ingressar no país, diferente é o visto que lhe deve ser concedido. Assim, pode ser concedido visto:

a) de trânsito;

b) de turista;

c) temporário;

d) permanente;

e) de cortesia;

f) oficial; e

g) diplomático.

O visto de trânsito pode ser concedido ao estrangeiro que, para atingir o país de destino, tenha de entrar em território nacional (art. 8º, caput, do Estatuto do Estrangeiro). O visto de trânsito é válido para uma estada de até 10 (dez) dias improrrogáveis e uma só entrada. Não se exige o visto de trânsito ao estrangeiro em viagem contínua, que só se interrompa para as escalas obrigatórias do meio de transporte utilizado. O visto de turista pode ser concedido ao estrangeiro que venha ao Brasil em caráter recreativo ou de visita, assim considerado aquele que não tenha finalidade imigratória, nem intuito de exercício de atividade remunerada. Admite-se, no entanto, a dispensa da exigência de visto ao turista nacional de país que confira ao brasileiro idêntico tratamento. A reciprocidade, nesse caso, deve ser estabelecida mediante acordo internacional. O prazo de validade do visto de turista pode ser de até 5 (cinco) anos, fixado pelo Ministério das Relações Exteriores, dentro de critérios de reciprocidade, e deve proporcionar múltiplas entradas no País, com estadas não excedentes a 90 (noventa) dias, prorrogáveis por igual período, totalizando o máximo de 180 (cento e oitenta) dias por ano. O visto temporário pode ser concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil:

a) em viagem cultural ou em missão de estudos;

b) em viagem de negócios;

c) na condição de artista ou desportista;

d) na condição de estudante;

e) na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro;

f) na condição de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira.

g) na condição de ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa.

No caso de viagem de negócios e para o artista ou desportista, o prazo de estada no Brasil pode ser de até 90 (noventa) dias. No caso do

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ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de via consagrada e de congregação de ordem religiosa, o prazo de estada pode ser de até 1 (um) ano. Para os demais casos, o prazo de estada pode ser o correspondente à duração da missão, do contrato, ou da prestação de serviços, comprovada perante a autoridade consular, observado o disposto na legislação trabalhista. Ressalva seja feita, no entanto, em relação ao estudante, cujo prazo de estada no Brasil deve ser de até 1 (um) ano, prorrogável, quando for o caso, mediante prova do aproveitamento escolar e da matrícula, conforme prevê o parágrafo único do artigo 14 do Estatuto do Estrangeiro. O visto permanente pode ser concedido ao estrangeiro que pretenda se fixar definitivamente no Brasil (art. 16, caput, do Estatuto do Estrangeiro). Conforme prevê o parágrafo único do artigo 16 do Estatuto em análise, a imigração deve ter por objetivo, primordialmente, propiciar mão-de-obra especializada aos vários setores da economia nacional, visando à Política Nacional de Desenvolvimento em todos os aspectos e, em especial, ao aumento da produtividade, à assimilação de tecnologia e à captação de recursos para setores específicos. Para obtenção do visto permanente, o estrangeiro deve satisfazer, além dos requisitos exigidos em regulamento próprio, as exigências de caráter especial previstas nas normas de seleção de imigrantes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Imigração. A concessão do visto permanente pode ficar condicionada, por prazo não-superior a 5 (cinco) anos, ao exercício de atividade certa e à fixação em região determinada do território nacional (art. 18, do Estatuto do Estrangeiro). Incumbe ao Ministério das Relações Exteriores definir os casos de concessão, prorrogação ou dispensa dos vistos diplomático, oficial e de cortesia. Visto diplomático é aquele concedido a autoridades e funcionários estrangeiros com status diplomático e que entrem no Brasil para missão oficial. Visto oficial é aquele concedido é aquele concedido a autoridades e funcionários estrangeiros para missão oficial, tenha ela caráter transitório ou permanente. Já o visto de cortesia é aquele concedido a personalidades e autoridades do país onde se encontra a repartição consular brasileira, em viagem não oficial ao Brasil, para visitas por prazo não superior a 90 (noventa) dias. O artigo 6º do Estatuto do Estrangeiro é claro ao dispor que a posse ou a propriedade de bens no Brasil não confere ao estrangeiro o direito de obter visto de qualquer natureza, ou autorização de permanência no território nacional. Não se deve conceder visto ao estrangeiro:

a) menor de 18 (dezoito) anos, desacompanhado do responsável legal ou sem a sua autorização expressa;

b) considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais;

c) anteriormente expulso do País, salvo se a expulsão tiver sido revogada;

d) condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira; ou

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e) que não satisfaça às condições de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

Estipula o artigo 20 do Estatuto do Estrangeiro que pela concessão de visto cobrar-se-ão emolumentos consulares, ressalvados:

a) os regulados por acordos que concedam gratuidade;

b) os vistos de cortesia, oficial ou diplomático;

c) os vistos de trânsito, temporário ou de turista, se concedidos a titulares de passaporte diplomático ou de serviço.

A validade para a utilização de qualquer dos vistos é de 90 (noventa) dias, contados da data de sua concessão, podendo ser prorrogada pela autoridade consular uma só vez, por igual prazo, cobrando-se os emolumentos devidos, aplicando-se esta exigência somente a cidadãos de países onde seja verificada a limitação recíproca. Àquele que seja natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade. Nesse caso, se o estrangeiro pretender exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino daqueles municípios, lhe deve ser fornecido documento especial que o identifique e caracterize a sua condição, e, ainda, Carteira de Trabalho e Previdência Social, quando for o caso. Conforme previsão do parágrafo segundo do artigo 21 do Estatuto do Estrangeiro, esses documentos não conferem o direito de residência no Brasil, nem autorizam o afastamento dos limites territoriais daqueles municípios. 5.3 Entrada do estrangeiro A entrada do estrangeiro no território nacional far-se-á somente pelos locais onde houver fiscalização dos órgãos competentes dos Ministérios da Saúde, da Justiça e da Fazenda (art. 22 do Estatuto do Estrangeiro). É de responsabilidade do transportador ou de seu agente, a qualquer tempo, a manutenção e demais despesas do passageiro em viagem contínua ou do tripulante que não estejam presentes por ocasião da saída do meio de transporte, bem como pela retirada dos mesmos do território nacional. Nenhum estrangeiro procedente do exterior tem o direito de afastar-se do local de entrada e inspeção, sem que o documento de viagem e o cartão de entrada e saída hajam sido visados pelo órgão competente do Ministério da Justiça (art. 24 do Estatuto do Estrangeiro). 5.4 Impedimento O visto concedido pela autoridade consular configura mera expectativa de direito, podendo a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser obstado ocorrendo qualquer dos casos que impedem a

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concessão de visto (art. 7º do Estatuto do Estrangeiro) ou a inconveniência de sua presença no território nacional, a critério do Ministério da Justiça. Portanto, o visto pode deixar de ser concedido por critérios objetivos, a teor dos contidos no artigo 7º do Estatuto do Estrangeiro, mas também pode deixar de ser concedido por critérios de conveniência e oportunidade, aferidos pelos Ministério da Justiça. O estrangeiro que se retirar no Brasil sem ter recolhido a multa devida, aplicada com base no Estatuto do Estrangeiro, não pode reentrar no território nacional sem efetuar o seu pagamento, acrescido de correção monetária (art. 26, §1º, do Estatuto do Estrangeiro). Aplicado o impedimento a qualquer dos integrantes de uma família, ele pode se estender a todo o grupo familiar, conforme previsão do parágrafo segundo do artigo 26 do Estatuto do Estrangeiro. 5.5 Condição de asilado Asilo político é a permissão para que uma pessoa que esteja sendo perseguida por suas convicções políticas possa ingressar ou permanecer no território nacional. O estrangeiro admitido no território nacional na condição de asilado político fica sujeito, além dos deveres que lhe forem impostos pelo Direito Internacional, a cumprir as disposições da legislação vigente e as que o Governo brasileiro lhe fixar (art. 28 do Estatuto do Estrangeiro). O asilado não pode sair do Brasil sem prévia autorização do Governo brasileiro, sob pena de renúncia ao asilo e consequente impedimento de reingresso nessa condição. 5.6 Registro do estrangeiro O estrangeiro que for admitido no Brasil na condição de: a) permanente; b) temporário: b.1) em viagem cultural ou em missão de estudos; b.2) na condição de estudante; b.3) na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro; b.4) na condição de correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira; ou na condição de c) asilado, é obrigado a registrar-se no Ministério da Justiça, dentro dos 30 (trinta) dias seguintes à entrada ou à concessão do asilo, e a identificar-se pelo sistema datiloscópico, observadas as disposições regulamentares. Devem ser considerados o nome e a nacionalidade do estrangeiro, para o efeito de registro, aqueles constantes do documento de viagem (art. 31 do Estatuto do Estrangeiro). Conforme prevê o caput do artigo 32 do Estatuto do Estrangeiro, o titular de visto diplomático, oficial ou de cortesia, acreditado junto ao Governo brasileiro ou cujo prazo previsto de estada no País seja superior a 90 (noventa) dias, deve providenciar seu registro no Ministério das Relações Exteriores. E também o estrangeiro titular de passaporte de serviço, oficial

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ou diplomático, que haja entrado no Brasil ao amparo de acordo de dispensa de visto, tem o dever, igualmente, de proceder ao registro anteriormente mencionado sempre que sua estada no Brasil deva ser superior a 90 (noventa) dias. Após o pertinente registro, ao estrangeiro deve ser fornecido documento de identidade. A emissão desse documento, conforme prevê o parágrafo único do artigo 33 do Estatuto do Estrangeiro, está sujeita ao pagamento de tarifa, salvo nos casos de asilado ou de titular de visto de cortesia. 5.7 Prorrogação do prazo de estada Ao estrangeiro que tenha entrado na condição de turista, temporário ou asilado e aos titulares de visto de cortesia, oficial ou diplomático, admite-se a concessão da prorrogação do prazo de estada no Brasil. No caso da estada do turista, essa prorrogação não deve exceder a 90 (noventa) dias, podendo ser cancelada a critério do Ministério da Justiça. A prorrogação do prazo de estada do titular do visto temporário, na condição de ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa, não deve exceder a 1 (um) ano. 5.8 Cancelamento e restabelecimento do registro O estrangeiro terá seu registro cancelado:

a) se obtiver naturalização brasileira;

b) se tiver decretada sua expulsão;

c) se requerer a saída do território nacional em caráter definitivo, renunciando, expressamente, ao direito de retorno previsto no artigo 51 do Estatuto do Estrangeiro;

d) se permanecer ausente do Brasil por prazo superior ao previsto no artigo 51 Estatuto do Estrangeiro;

e) se ocorrer a transformação de visto de que trata o artigo 42 Estatuto do Estrangeiro;

f) se houver transgressão do artigo 18, artigo 37, § 2º, ou 99 a 101, todos do Estatuto do Estrangeiro; e

g) se temporário ou asilado, no término do prazo de sua estada no território nacional.

No caso de obtenção de naturalização ou de decreto de expulsão, o registro pode ser restabelecido se, cessada a causa do cancelamento, e, nos demais casos, se o estrangeiro retornar ao território nacional com visto de temporário ou permanente, ou obtiver a transformação de visto diplomático ou oficial em temporário ou permanente.

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5.9 Documento de viagem para estrangeiro São documentos de viagem:

a) o passaporte do estrangeiro; e

b) o laissez-passer.

O passaporte é o documento que identifica a pessoa que o porta, como nacional de um determinado Estado, assim como solicita permissão para ingresso em outro. Já o laissez-passer (deixar passar) é a autorização concedida ao estrangeiro portador de documento de viagem não reconhecido, ou inválido perante o Brasil, expedido por Estados com os quais não há relação diplomática. Conforme dispõe o parágrafo único do artigo 54 do Estatuto do Estrangeiro, os documentos mencionados são de propriedade da União, cabendo a seus titulares a posse direta e o uso regular. Prevê o artigo 55 do Estatuto do Estrangeiro que pode ser concedido passaporte para o estrangeiro:

I - no Brasil:

a) ao apátrida e ao de nacionalidade indefinida;

b) a nacional de país que não tenha representação diplomática ou consular no Brasil, nem representante de outro país encarregado de protegê-lo;

c) a asilado ou a refugiado, como tal admitido no Brasil.

II - no Brasil e no exterior, ao cônjuge ou à viúva de brasileiro que haja perdido a nacionalidade originária em virtude do casamento.

No caso de concessão de passaporte, no Brasil, a nacional de país que não tenha representação diplomática ou consular no Brasil, nem representante de outro país encarregado de protegê-lo, exige-se prévia consulta ao Ministério das Relações Exteriores. Por derradeiro, dispõe o caput do artigo 56 do Estatuto do Estrangeiro que o laissez-passer pode ser concedido, no Brasil ou no exterior, ao estrangeiro portador de documento de viagem emitido por governo não reconhecido pelo Governo brasileiro, ou não válido para o Brasil. A concessão, no exterior, de laissez-passer a estrangeiro registrado no Brasil como permanente, temporário ou asilado, depende de audiência prévia do Ministério da Justiça. 5.10 Deportação A deportação é a saída compulsória do estrangeiro nos casos de entrada ou estada irregular, quando ele não se retirar voluntariamente do território nacional. A deportação far-se-á para o país da nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo.

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O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de 60 (sessenta) dias (art. 61, caput, do Estatuto do Estrangeiro). Não sendo exequível a deportação ou quando existirem indícios sérios de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro, proceder-se-á à sua expulsão (art. 62 do Estatuto do Estrangeiro). Não se deve proceder à deportação quando implicar em extradição não admitida pela lei brasileira, em atenção ao artigo 63 do Estatuto do Estrangeiro. Por derradeiro, ao deportado só será permitido reingressar no território nacional quando ressarcir o Tesouro Nacional, com correção monetária, das despesas com a sua deportação e efetuar, se for o caso, o pagamento da multa devida à época, também corrigida. 5.11 Expulsão Sujeita-se a expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais. Também é passível de expulsão o estrangeiro que:

a) praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil;

b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo aconselhável a deportação;

c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou

d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro.

É de incumbência exclusiva do Presidente da República resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão, assim como de sua revogação. Tanto a medida expulsória como a sua revogação devem ser veiculadas mediante decreto. Prevê o artigo 67 do Estatuto do Estrangeiro que desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação. Compete ao Ministro da Justiça, de ofício ou acolhendo solicitação fundamentada, determinar a instauração de inquérito para a expulsão do estrangeiro (art. 70 do Estatuto do Estrangeiro). Conforme prevê o artigo 75 do Estatuto do Estrangeiro, não se deve proceder à expulsão:

I - se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou

II - quando o estrangeiro tiver:

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a) cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou

b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.

Não constitui impedimento à expulsão a adoção ou o reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o motivar. Por derradeiro, verificados o abandono do filho, o divórcio ou a separação, de fato ou de direito, a expulsão pode ser efetivada a qualquer tempo. 5.12 Extradição Segundo a doutrina de Francisco Rezek, “extradição é a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena” (2010, p. 202). O pressuposto para a extradição é a existência de um tratado entre os países envolvidos, ou quando o outro Estado prometer ao Brasil a reciprocidade. Prevê o artigo 77 do Estatuto do Estrangeiro que não se deve conceder a extradição quando:

a) se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido;

b) o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;

c) o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;

d) a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;

e) o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;

f) estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;

g) o fato constituir crime político; e

h) o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.

Quando o fato constituir crime político, não haverá impedimento à extradição quando o mesmo constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal. É importante frisar que cabe, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração (art. 77, §2º, do Estatuto do Estrangeiro).

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Admite-se, a teor do parágrafo terceiro do artigo 77 do Estatuto do Estrangeiro, que o Supremo Tribunal Federal deixe de considerar crimes políticos os atentados contra Chefes de Estado ou quaisquer autoridades, bem assim os atos de anarquismo, terrorismo, sabotagem, sequestro de pessoa, ou que importem propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social. São condições para concessão de extradição:

a) ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; e

b) existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente, salvo o disposto no artigo 82 do Estatuto em análise (quando houver situação de urgência, pode ser ordenada a prisão preventiva do extraditando).

Quando mais de um Estado requerer a extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, deve ser conferida preferência ao pedido daquele em cujo território a infração foi cometida. Mas no caso de crimes diversos, terão preferência, sucessivamente:

a) o Estado requerente em cujo território haja sido cometido o crime mais grave, segundo a lei brasileira;

b) o que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se a gravidade dos crimes for idêntica; e

c) o Estado de origem, ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando, se os pedidos forem simultâneos.

Nos casos não previstos, a decisão sobre a preferência incumbe ao Governo brasileiro. Caso haja algum tratado ou convenção com algum dos Estados requerentes, prevalecerão suas normas no que disserem respeito à preferência de que trata as hipóteses supra mencionadas, conforme disposição do parágrafo terceiro do artigo 79 do Estatuto do Estrangeiro. A extradição deve ser requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de Governo a Governo, devendo o pedido ser instruído com a cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória, da de pronúncia ou da que decretar a prisão preventiva, proferida por Juiz ou autoridade competente. Esse documento ou qualquer outro que se juntar ao pedido deve conter indicações precisas sobre o local, data, natureza e circunstâncias do fato criminoso, identidade do extraditando, e, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a pena e sua prescrição (art. 80, caput, do Estatuto do Estrangeiro). Caso não haja tratado que disponha em sentido oposto, os documentos anteriormente mencionados devem ser acompanhados de versão oficialmente feita para o idioma português no Estado requerente. Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão (art. 83, do Estatuto do Estrangeiro).

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Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de 60 (sessenta) dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional (art. 86, do Estatuto do Estrangeiro). Prevê o artigo 87 do Estatuto do Estrangeiro que, se o Estado requerente não retirar o extraditando do território nacional no prazo supra mencionado, será ele posto em liberdade, sem prejuízo de responder a processo de expulsão, se o motivo da extradição o recomendar. Em contrapartida, caso seja negada a extradição, não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato (art. 88, do Estatuto do Estrangeiro). Não deve ser efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:

a) de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;

b) de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;

c) de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;

d) de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e

e) de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena. 5.13 Direitos e deveres do estrangeiro O estrangeiro residente no Brasil possui todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição Federal e demais leis. Conforme prevê o artigo 106 do Estatuto do Estrangeiro, é vedado ao estrangeiro:

a) ser proprietário, armador ou comandante de navio nacional, inclusive nos serviços de navegação fluvial e lacustre;

b) ser proprietário de empresa jornalística de qualquer espécie, e de empresas de televisão e de radiodifusão, sócio ou acionista de sociedade proprietária dessas empresas;

c) ser responsável, orientador intelectual ou administrativo das empresas mencionadas no item anterior;

d) obter concessão ou autorização para a pesquisa, prospecção, exploração e aproveitamento das jazidas, minas e demais recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica;

e) ser proprietário ou explorador de aeronave brasileira, ressalvado o disposto na legislação específica;

f) ser corretor de navios, de fundos públicos, leiloeiro e despachante aduaneiro;

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g) participar da administração ou representação de sindicato ou associação profissional, bem como de entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada;

h) ser prático de barras, portos, rios, lagos e canais;

i) possuir, manter ou operar, mesmo como amador, aparelho de radiodifusão, de radiotelegrafia e similar, salvo reciprocidade de tratamento; e

j) prestar assistência religiosa às Forças Armadas e auxiliares, e também aos estabelecimentos de internação coletiva.

Já ao português equiparado, lhe é vedado, apenas:

a) assumir a responsabilidade e a orientação intelectual e administrativa de empresa jornalística de qualquer espécie, e de empresas de televisão e de radiodifusão;

b) ser proprietário, armador ou comandante de navio nacional, inclusive de navegação fluvial e lacustre, ressalvado o disposto no parágrafo anterior; e

c) prestar assistência religiosa às Forças Armadas e auxiliares.

O estrangeiro admitido no território nacional também não pode exercer atividade de natureza política, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do Brasil, sendo-lhe especialmente vedado:

a) organizar, criar ou manter sociedade ou quaisquer entidades de caráter político, ainda que tenham por fim apenas a propaganda ou a difusão, exclusivamente entre compatriotas, de idéias, programas ou normas de ação de partidos políticos do país de origem;

b) exercer ação individual, junto a compatriotas ou não, no sentido de obter, mediante coação ou constrangimento de qualquer natureza, adesão a idéias, programas ou normas de ação de partidos ou facções políticas de qualquer país;

c) organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, ou deles participar, com os fins a que se referem os itens anteriormente mencionados.

Ao português equiparado que tenha tido reconhecido o gozo de direitos políticos não se aplicam as disposições supra mencionadas, conforme previsão do parágrafo único do artigo 107 do Estatuto do Estrangeiro.

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Direito Internacional Privado 6. ASPECTOS GERAIS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO A principal função do direito internacional privado é determinar quando se aplicará, no Brasil, uma legislação estrangeira. Note-se que se trata de situação excepcional, em que deixa-se de lado o direito interno para aplicação do direito estrangeiro. O Direito Internacional Privado é, pois, o conjunto de normas jurídicas que são utilizados na solução de conflitos de lei no espaço quando uma determinada relação jurídica, de âmbito privado, mantém contato com mais de uma ordem jurídica ao mesmo tempo. Por exemplo, se duas pessoas, no Brasil, decidem se casar, elas se sujeitam, via de regra, à lei brasileira, mais especificamente, ao Código Civil brasileiro. No entanto, se essas pessoas forem de nacionalidade francesa, admite-se que o casamento se realize no consulado da França, local em que haverá aplicação da legislação estrangeira em relação a um casamento realizado no Brasil. Quando uma situação interessa a 2 (dois) ou mais países, se diz que os fatos são mistos ou multinacionais. Logo, a função do direito internacional privado é indicar qual direito deve ser aplicável: o interno ou o estrangeiro. O Direito Internacional Privado, na realidade, é um método indireto de solução da controvérsia, já que ele se limita a indicar qual direito será aplicável, mas ele não resolve o conflito em si. O objeto do Direito Internacional Privado, dessa forma, é a relação jurídica que guarde alguma relação com outro ordenamento jurídico por força da presença de um elemento estrangeiro, também chamado de elemento de conexão. São dois os posicionamentos sobre as relações jurídicas disciplinadas pelo Direito Internacional Privado:

a) restritiva; e

b) ampliativa.

Pela posição restritiva, o Direito Internacional Privado abrange apenas as relações jurídicas de natureza privada, como as relações trabalhistas, civis ou empresariais. Essa posição foi adotada pela Lei de Introdução ao Código Civil. Pela posição ampliativa, o Direito Internacional Privado abrange não só as relações privadas, como também as de natureza pública, como as relações penais e fiscais, por exemplo. O Código de Bustamante adota essa posição ampliativa. O fator que justifica a existência do Direito Internacional Privado é a consideração, pelos Estados, que a soberania não é dotada de caráter absoluto, admitindo relativização em alguns casos. O critério da territorialidade, quanto à aplicação da lei interna no território nacional não é absoluto, por isso se fala em indicação de qual ordenamento jurídico a ser utilizado diante de um fato multinacional, pois admite-se a adoção mitigada dos critérios de territorialidade, de modo a se permitir a incidência de uma ordem jurídica alienígena sobre determinado fato ocorrido no Brasil.

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O objetivo do Direito Internacional Privado é permitir a prevalência da justiça substancial. Por isso autoriza-se que a aplicação do direito alienígena em lugar do direito interno, para que a relação jurídica tenha a melhor disciplina jurídica, de modo que as partes nela envolvidas possam obter justiça substancial. 6.1 Direito uniforme As regras sobre os conflitos normativos, em matéria internacional, são uniformes quando há um tratado internacional disciplinando esses conflitos. Nesse contexto, o direito internacional privado será uniforme quando houver convenções erga omnes ou leis uniformes. A principal fonte sobre a uniformização do direito internacional privado é a Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, cujo objetivo foi o de trabalhar para a unificação progressiva das regras de direito internacional privado. Além da Conferência de Haia, existem outras que foram elaboradas em âmbito interamericano e são aplicáveis aos países que as ratificaram. Portanto, se fala em direito uniforme quando vários Estados conjuntamente aceitam a disciplina dada em relação a qual direito deve ser aplicado para resolução de determinados conflitos. 6.2 Direito uniforme material Quando há uma impossibilidade de se criar um direito uniforme, isto é, quando não é possível criar regras com efeito erga omnes para disciplinar qual direito deve ser aplicado em sede de determinados conflitos, surge o direito uniforme material, que nada mais é do que a elaboração de normas de direito material diretamente aplicáveis às relações jurídicas multinacionais. Note-se que nesse caso não há indicação de qual direito deve ser aplicado (o interno ou o estrangeiro), mas há disciplina da própria matéria em âmbito internacional, com a finalidade de que seja observada por todos os Estados. A Lei Uniforme do Cheque é um exemplo de direito uniforme material, já que não indica qual direito deve ser aplicado em relação às controvérsias multinacionais relacionadas ao cheque, mas sim indica diretamente quais regras de direito material são pertinentes. 6.3 Lex mercatoria A lex mercaroria, ou lei de mercado, tem a função de estabelecer regras para a disciplina do comércio internacional. A Câmara Internacional de Comércio de Paris, por exemplo, visa defender a economia global com vistas ao crescimento econômico, criação de emprego e prosperidade para as nações. A Câmara Internacional de Comércio também desempenha funções arbitrais e de resolução de litígios,

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visando defender o livre comércio e o sistema de economia de mercado, de negócios de auto-regulação, combate à corrupção e combate ao crime comercial. 6.4 Fontes A principal fonte do direito internacional privado é a lei, esteja ela codificada ou não. No Brasil, a principal fonte de direito internacional privado é a Lei de Introdução ao Código Civil. Mas não apenas a lei, já que os tratados, a jurisprudência, a doutrina e os costumes são também fontes do direito internacional privado. No Brasil, quando um tratado é ratificado ele adquire a mesma hierarquia de uma lei ordinária. No entanto, se esse tratado internacional versar sobre direitos humanos e for aprovado em cada Casa do Congresso Nacional, em 2 (dois) turnos, por 3/5 (três quintos) dos votos dos respectivos membros, será equivalente à uma emenda constitucional, conforme prevê o artigo 5º, parágrafo terceiro, da Constituição Federal de 1988. O principal tratado de direito internacional privado aprovado pelo Brasil é o Código de Bustamante, de 20 de fevereiro de 1928. Assim como ocorre no âmbito do direito interno, também no direito internacional a jurisprudência funciona como fonte do direito, especialmente utilizada em casos de lacuna legal. A doutrina é também fonte do direito internacional privado, pois contribui para universalização e evolução da matéria, extremamente útil também nos casos em que a lei nada menciona sobre determinadas controvérsias. Por fim, os costumes são importante fonte do direito internacional privado. O direito costumeiro (ou costumes internacionais) auxiliam especialmente nos casos em que a lei é omissa. 6.5 Premissas básicas Em matéria de direito internacional privado, algumas premissas são básicas e devem sempre ser tidas em mente antes da admissão da incidência de uma legislação alienígena no Estado brasileiro. Apenas depois da análise dessas premissas é que se pode concluir pela aplicação, ou não, do direito estrangeiro no país. Como se teve a oportunidade de mencionar, com a admissão de que tenha incidência, no Brasil, uma legislação de outro Estado, há mitigação do critério de territorialidade, e, consequentemente, da soberania nacional, o que só pode ser admitido mediante situações excepcionais, previamente determinadas e desde que analisadas as premissas sequencialmente apresentadas. São premissas, pois, que devem ser observadas em sede do direito internacional privado:

a) ordem pública;

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b) fraude à lei;

c) reenvio (ou retorno, ou devolução);

d) questão prévia;

e) adaptação (ou aproximação);

f) alteração de estatuto (ou conflito móvel);

g) direitos adquiridos.

Primeiramente, o direito estrangeiro não pode ser aplicado, ainda que haja previsão legal para tanto, quando violar a ordem pública. Logo, a ordem pública é uma cláusula de exceção, que impede a aplicação do direito alienígena no âmbito do território nacional quando essa aplicação atentar em razão da ordem pública nacional. Quando se fizer presente essa situação, o conflito concreto deverá ser solucionado mediante a utilização do direito interno (lei da localidade). Também não deve ser aplicado o direito alienígena quando sua aplicação decorrer de algum caso de fraude à lei, situação em que o direito interno (lei da localidade) deve ser aplicado em detrimento do estrangeiro. Não se pode admitir que seja aplicado o direito estrangeiro, por exemplo, em relação a uma empresa constituída em um paraíso fiscal com a intenção de fraudar a lei nacional. Quando a controvérsia oriunda de uma relação jurídica multinacional deva ser solucionada pelas regras do direito estrangeiro, e este remeta ao direito de outro ordenamento jurídico, o conflito deve ser solucionado pela lei da localidade. Em outras palavras, se para solução de uma controvérsia, determina-se a aplicação do direito estrangeiro, mas esse direito remete ao direito de um terceiro país, a matéria é devolvida ao primeiro e o conflito será solucionado pela lei da localidade. Acerca do assunto, é inequívoca a disciplina do artigo 16 da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe: “quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei”. Veja-se o exemplo:

Imagine-se que “A” (brasileiro) e “B”

(paraguaio), celebrem determinado contrato comercial no Brasil e que diante de um

conflito multinacional, as regras de direito internacional privado apontem para

aplicação da lei paraguaia.

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No entanto, imagine-se que a lei paraguaia, quanto a disciplina do

mencionado conflito, faça remissão à lei colombiana. Nesse caso, não se admite que o conflito entre “A” e “B” seja solucionado pela lei estrangeira (art. 16, da LICC), caso em que há

retorno da matéria, para aplicação do direito interno, brasileiro.

Já a questão prévia é aquela que antecede a solução da questão principal. Ela se faz presente quando há dúvida em relação à multinacionalidade da questão principal, dúvida que só poderá ser sanada após a resolução da questão prévia. Por exemplo, se há dúvida sobre a paternidade do de cujus em relação a um filho brasileiro, primeiramente deve esta dúvida ser sanada, para apenas depois verificar se se trata ou não de uma controvérsia multinacional. A adaptação é um instrumento que visa afastar um resultado indesejado, causado pela aplicação das normas apontadas pelo direito internacional privado. A alteração de estatuto (ou conflito móvel), por sua vez, é a modificação do direito que seria aplicável a uma relação jurídica multinacional, em razão da alteração de um fato. Modificado o fato, altera-se a lei aplicável. Por derradeiro, é também premissa que deve ser considerada no âmbito do direito internacional privado, o direito adquirido. Deve-se constatar se o direito tido por adquirido no estrangeiro também pode assumir essa conotação no Brasil, em consonância com as regras jurídicas brasileiras. 7. Competência Internacional A competência internacional visa delimitar a atuação dos órgãos jurisdicionais brasileiros e alienígenas na resolução de controvérsias decorrentes de relações jurídicas mistas (ou multinacionais). Essa delimitação, no entanto, é indireta, pois a lei brasileira não pode impor a atuação de qualquer órgão judiciário estrangeiro, sob pena de ferir-lhe a soberania. Quando um ordenamento jurídico estrangeiro se diz competente sobre determinado assunto, e o ordenamento jurídico brasileiro faz o

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mesmo, o Brasil não é obrigado a aceitar a decisão proferida no estrangeiro. O mesmo ocorre quando a decisão alienígena violar a ordem pública, tiver por objetivo à fraude a lei ou à lesão a direitos adquiridos. Nesses casos, cabe ao Judiciário brasileiro não homologar essas decisões, pois sem a homologação, elas não produzem qualquer efeito no território nacional. Em que pese falar-se de competência, note-se que a questão é de jurisdição, pois, na verdade, o que se está a discutir é qual o Estado exercerá jurisdição sobre os fatos considerados multinacionais (ou mistos). A competência, como se sabe, é mera delimitação do exercício jurisdicional, o que ocorre no âmbito interno de cada Estado soberano. A competência internacional se desdobra na possibilidade dos órgão jurisdicionais brasileiros conhecerem de atos ou fatos que tenham, além da relação jurídica com o Brasil, relação jurídica com outro ordenamento jurídico ou que tenham ocorrido no exterior. É por isso que o artigo 88 do Código de Processo Civil prevê que a autoridade judiciária brasileira é competente quando o réu, qualquer que seja sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil. E também é desdobramento da competência internacional, a admissão, no Brasil, de decisões proferidas no estrangeiro, de modo que elas aqui produzam seus efeitos, a partir de sua homologação. Portanto, a competência internacional pode dar origem à causas:

a) de competência exclusiva do Judiciário brasileiro;

b) de competência concorrente, entre o Judiciário brasileiro e o Judiciário de outro Estado; e

c) de competência exclusiva do Judiciário estrangeiro.

A finalidade de se prever a competência internacional é determinar em que situações será possível que o Judiciário brasileiro aprecie fatos ocorridos fora do território nacional, ou que embora tenham ocorrido aqui, guardem relação, também, com outro ordenamento jurídico. Também é finalidade de se prever a competência internacional, a determinação de quais situações, decididas pelo Judiciário de outro Estado podem ser homologadas pelo Judiciário brasileiro para que aqui produzam seus efeitos. Para que se fale em competência internacional exige-se que o conflito possua relação com dois ou mais ordenamentos jurídicos, relação chamada de elemento de conexão. A competência internacional abrange conflitos que apresentem conexão com pessoas ou coisas também relacionadas a outros Estados (fatos mistos ou multinacionais). Via de regra, a competência internacional é delimitada pelo direito interno de cada Estado. 7.1 Classificação das normas que tratam da competência internacional As normas jurídicas sobre competência internacional dividem-se em:

a) diretas; e

b) indiretas.

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As normas diretas definem quando o Judiciário interno é competente perante um processo com conexão internacional, assim como faz o artigo 88 do Código de Processo Civil:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Já as normas indiretas definem situações em que já houve a apreciação da matéria com conexão internacional por um Judiciário estrangeiro, assim como faz o artigo 105, inciso I, alínea “i”, da Constituição Federal de 1988:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

[...]

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.

Como se percebe, as normas indiretas delimitam uma atuação secundária do Judiciário brasileiro, que atua apenas conferindo validade e eficácia às decisões proferidas no estrangeiro. 7.2 Divisão da competência internacional A competência internacional divide-se em:

a) concorrente:

b) absoluta.

Fala-se em competência concorrente quando dois ou mais Judiciários, de diferentes Estados, são competentes para processar e julgar uma mesma causa. O artigo 88 do Código de Processo Civil fornece o exemplo de causas de competência concorrente, quais sejam:

a) quando o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

b) quando no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; e

c) quando a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

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No caso de competência concorrente, é pressuposto para o reconhecimento de uma sentença proferida no estrangeiro, que a decisão brasileira sobre o mesmo conflito não tenha transitado em julgado quando da homologação da sentença estrangeira. Já na competência absoluta há exclusão da apreciação de determinados conflitos pelo Judiciário de outros países. O artigo 89 do Código de Processo Civil dispõe que compete à autoridade judiciária brasileira, com exceção de qualquer outra:

a) conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

b) proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

Portanto, em relação aos imóveis situados no Brasil e ao inventário e partilha de bens, situados no Brasil, a competência é absoluta, pertencente exclusivamente ao Judiciário brasileiro. 8. Homologação de Sentenças Estrangeiras Como se teve a oportunidade de mencionar, as normas que versam sobre a competência internacional dividem-se em diretas e indiretas. Enquanto as diretas definem a competência do Judiciário interno em relação a fatos multinacionais, a indireta se relaciona ao reconhecimento, pelo Judiciário interno, de um fato multinacional decidido no estrangeiro. As normas indiretas acerca da competência internacional, tratam, pois, da homologação de sentença, disciplinada no artigo 105, inciso I, alínea “i”, da Constituição Federal de 1988. Segundo o mencionado dispositivo, compete ao Superior Tribunal de Justiça realizar a homologação de sentenças estrangeiras, assim como conceder exequatur às cartas rogatórias. Também a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 15 estipula:

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que, foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (adaptação realizada em consonância com o texto vigente da Constituição Federal de 1988).

E o Código de Processo Civil, no mesmo sentido, dispõe que:

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Art. 483. A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (adaptação realizada em consonância com o texto vigente da Constituição Federal de 1988).

Parágrafo único. A homologação obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (adaptação realizada em consonância com o texto vigente da Constituição Federal de 1988).

Art. 484. A execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza.

A homologação confere à decisão proferida no estrangeiro, a confirmação necessária para que ela possa produzir efeitos no Brasil. É apenas com a homologação que a decisão alienígena adquire força executiva. Com a homologação, a sentença estrangeira é nacionalizada e surte os efeitos como se tivesse sido proferida por qualquer órgão do Judiciário brasileiro. Para a homologação, a análise judicial do Superior Tribunal de Justiça deve se limitar à forma da decisão estrangeira, não podendo re-analizar o mérito dessa decisão. Com isso, conclui-se que a sentença homologatória tem natureza constitutiva e produz efeitos ex nunc. Embora a natureza da sentença proferida no processo de homologação seja constitutiva, qualquer tipo de sentença pode ser objeto de homologação, ou seja, sentenças declaratórias, condenatórias, mandamentais, constitutivas e executivas lato sensu, proferidas em jurisdição alienígena podem ser objeto de processo de homologação perante o Superior Tribunal de Justiça, com o que adquirirão eficácia perante o Judiciário brasileiro. Em relação à disciplina legal da homologação de sentença, além da Constituição Federal, Lei de Introdução ao Código Civil e Código de Processo Civil, também o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça trata do assunto, por meio da Resolução n.º 9, de 4 de maio de 2005. Conforme dispõe o artigo 2º de mencionada Resolução, é atribuição do Presidente do Superior Tribunal de Justiça homologar sentenças estrangeiras e conceder exequatur a cartas rogatórias. A homologação de sentença estrangeira deve ser requerida pela parte interessada, e a petição inicial deve conter as indicações da lei processual, além de ser instruída com a certidão ou cópia autêntica do texto integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos e autenticados (art. 3º, da Resolução n.º 9/05, do STJ). Possuem legitimidade para requerer a homologação da sentença estrangeira perante o Superior Tribunal de Justiça:

a) o autor e réu do processo alienígena;

b) os sucessores das partes; e

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c) os terceiros que possam ser atingidos pela eficácia da sentença alienígena.

Conforme prevê a Resolução supra mencionada, pode haver a homologação parcial de decisões estrangeiras. Essa homologação parcial pode ocorrer, por exemplo, quando parte de uma decisão proferida no exterior seja atentatória à ordem pública, caso em que só será conferida exigibilidade à parte que não seja contrária ao ordenamento nacional. Dispõe o artigo 5º de mencionada Resolução, que constituem requisitos indispensáveis à homologação da sentença estrangeira:

a) haver sido proferida por autoridade competente;

b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

c) ter transitado em julgado; e

d) estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.

Não se admite a homologação de sentença estrangeira, nem se conde exequatur a carta rogatória que ofenda a soberania ou a ordem pública, conforme salienta o artigo 6º da Resolução n.º 9/05, do Superior Tribunal de Justiça. As cartas rogatórias podem ter como objeto atos decisórios, assim como atos não decisórios (art. 7º, da Resolução n.º 9/05, do STJ). Requerida a homologação de sentença estrangeira, a parte interessada será citada para, no prazo de 15 (quinze) dias, contestar o pedido de homologação. No caso de rogatória, a parte será intimada para, no mesmo prazo, impugná-la. Admite-se, no entanto, que a medida solicitada na carta rogatória seja realizada sem a outiva da parte interessada quando sua prévia intimação possa resultar na ineficácia da cooperação internacional. Prevê o artigo 9º da Resolução em estudo que tanto na homologação de sentença estrangeira como na carta rogatória, a defesa só pode versar sobre a autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos previstos na Resolução n.º 9/05, do Superior Tribunal de Justiça. Se for apresentada contestação à homologação de sentença estrangeira, o processo deve ser distribuído para julgamento pela Corte Especial, cabendo ao Relator os demais atos relativos ao andamento e instrução do processo. No caso de apresentação de impugnação às cartas rogatórias que tenham atos decisórios como objeto, o processo pode, por determinação do Presidente, ser distribuído para julgamento pela Corte Especial, conforme lição do parágrafo segundo do artigo 9º da Resolução n.º 9/05, do Superior Tribunal de Justiça. Se o requerido for revel ou incapaz, dar-se-lhe-á curador especial que deve ser pessoalmente notificado. Ao Ministério Público deve ser dada vista dos autos nas cartas rogatórias e homologações de sentenças estrangeiras, pelo prazo de 10 (dez) dias, podendo impugná-las.

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Das decisões do Presidente, proferidas na homologação de sentença estrangeira e nas cartas rogatórias, dispõe o artigo 10 da Resolução n.º 9/05, do Superior Tribunal de Justiça, que o recurso cabível é o agravo regimental. Homologada a sentença estrangeira, ela deve ser executada por carta de sentença, perante o juízo federal competente. A homologação de sentença estrangeira adquire validade com a extração da carta de sentença, o que ocorre, superadas todas as etapas previstas, após a publicação da decisão no Diário da Justiça. A carta rogatória, depois de concedido o exequatur, também deve ser remetida para o cumprimento pelo juízo federal competente. No cumprimento da carta rogatória pelo juízo federal competente cabem embargos relativos a quaisquer atos que lhe sejam referentes, no prazo de 10 (dez) dias, por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, julgando-os o Presidente. Da decisão que julgar os embargos, cabe agravo regimental (art. 13, §2º, da Resolução n.º 9/05, do STJ). Cumprida a carta rogatória, esta deve ser devolvida ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, no prazo de 10 (dez) dias, e por este deve ser remetida, em igual prazo, por meio do Ministério da Justiça ou do Ministério das Relações Exteriores, à autoridade judiciária de origem. 8.1 Homologação da sentença arbitral estrangeira Dispõe o artigo 31 da Lei de Arbitragem (Lei n.º 9.307/96), que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo. Assim sendo, se a sentença arbitral for proferida no estrangeiro deverá ela também ser homologada, só com o que surtirá efeitos no Brasil. Conforme previsão do artigo 34 da Lei de Arbitragem, a sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executa no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a Sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Superior Tribunal de Justiça. Embora a redação do artigo 35 da Lei de Arbitragem fale em Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucional n.º 45/04 alterou essa competência. No que cabível, aplica-se à homologação da sentença arbitral estrangeira, o dispostos nos artigos 483 e 484 do Código de Processo Civil. A homologação da sentença arbitral estrangeira deve ser requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme estipulação do artigo 282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com:

a) o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial;

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b) o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.

Só poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o requerido demonstrar que:

a) as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;

b) a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;

c) não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

d) a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;

e) a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;

f) a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.

Também deve ser denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Superior Tribunal de Justiça constatar que:

a) segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;

b) a decisão ofende a ordem pública nacional.

Não se considera ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que tenha sido assegurado à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa (art. 38, parágrafo único, da Lei n.º 9.307/96). Por derradeiro, dispõe o artigo 40 da Lei de Arbitragem que a denegação da homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira por vícios formais, não obsta que a parte interessada renove o pedido, desde que corrigidos os vícios inicialmente apresentados. 9. Direito Penal Embora o direito penal seja considerado como ramo do direito público, em âmbito interno, é importante recordar que o objetivo do direito internacional privado é delimitar qual direito deve ser aplicável à resolução de um conflito misto (ou multinacional).

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Dessa forma, o direito penal é objeto do direito internacional privado, pois nesse âmbito pode haver a ocorrência de conflitos normativos, onde dois ou mais Estados declarem-se competentes para exercer o direito de punir àquele que cometeu determinada infração penal. Quando se fala de direito internacional e de direito penal, se está a falar do conflito de leis no espaço, que se norteia pelos critérios de territorialidade adotados. O artigo 5º do Código Penal brasileiro dispõe que:

Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

Como se vê, o caput do citado artigo 5º estipula a aplicação da lei penal brasileira ao crime cometido no território penal, sem afastar a possível incidência de convenções, tratados e regras de direito internacional do qual o Brasil seja signatário. Se a regra contida no caput do artigo 5º fosse absoluta, o critério da territorialidade também o seria, mas não é o caso da legislação brasileira, que por admitir exceções quanto a aplicação da lei brasileira ao crime cometido em território nacional, adota, pois, o critério da territorialidade mitigada (ou relativa, ou temperada). Dentre as exceções que mitigam o critério da territorialidade, tem-se o crime cometido por agente diplomático ou Chefe de Estado, no território nacional, pois o Brasil ratificou o Código de Bustamante, que expressamente dispõe que estão imunes às leis penais de cada Estado os chefes de outros Estados que se encontrarem no seu território. E o Código de Bustamante também estende essa imunidade aos representantes diplomáticos dos Estados, assim como aos seus empregados estrangeiros, e às pessoas da família dos representantes que vivam em sua companhia. Veja-se os dispositivos do Código de Bustamante:

Art. 297. Estão isentos das leis penais de cada Estado contratante os chefes de outros Estados que se encontrem no seu território.

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Art. 298. Gozam de igual isenção os representantes diplomáticos dos Estados contratantes, em cada um dos demais, assim como os seus empregados estrangeiros, e as pessoas da família dos primeiros, que vivam em sua companhia.

Também a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas aborda a questão da imunidade conferida ao agente diplomático em relação à jurisdição penal do Estado em que se encontrar. Veja-se os dispositivos da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas:

Artigo 31

1. O agente diplomático gozará da imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e administrativa, a não ser que se trate de:

[...]

2. O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha.

3. [...]

4. A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditado não o isenta da jurisdição do Estado acreditante.

Estado acreditado é aquele que recebe o agente diplomático, enquanto Estado acreditante é aquele que o envia para a prestação de serviços. Quando o Brasil envia um agente diplomático à França, por exemplo, o Brasil é o Estado acreditante em relação ao agente, ao passo que a França é o Estado acreditado, enquanto ele lá estiver. Acerca do assunto, é relevante mencionar o conteúdo do artigo 32 da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas:

Artigo 32

1. O Estado acreditante pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozem de imunidade nos termos do artigo 37.

2. A renúncia será sempre expressa.

3. Se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37 inicia uma ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção diretamente ligada à ação principal.

4. A renúncia à imunidade de jurisdição no tocante às ações cíveis ou administrativas não implica renúncia à imunidade quanto às medidas de execução da sentença, para as quais nova renúncia é necessária.

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Portanto, só há que se falar em renúncia à imunidade mediante manifestação expressa do Estado acreditante, sem o que ela subsistirá para todos os efeitos. Outra exceção ao critério da territorialidade é a imunidade conferida em relação aos integrantes de tropas estrangeiras, quando algum deles praticar um crime. Sobre o assunto dispõem os artigos 299 e 300 do Código de Bustamante:

Art. 299. As leis penais dum Estado não são, tão pouco, aplicáveis aos delitos cometidos no perímetro das operações militares, quando esse Estado haja autorizado a passagem, pelo seu território, dum exercito de outro Estado contratante, contanto que tais delitos não tenham relação legal com o dito exercito.

Art. 300. Aplica-se a mesma isenção aos delitos cometidos em águas territoriais ou no espaço aéreo nacional, a bordo de navios ou aeronaves estrangeiros de guerra.

Como se vê, também há imunidade em relação aos integrantes de tropas estrangeiras, quando alguma infração penal seja cometida durante a passagem da tropa perante o Estado acreditado, desde que esse Estado tenha autorizado essa passagem. Quando seja feita a leitura do caput do artigo 5º do Código Penal, portanto, é importante recordar esses valiosos exemplos, em que se aplica a lei penal brasileira ao crime cometido em território nacional, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional. A imunidade dos agentes diplomáticos, dada por meio da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas e o Código de Bustamante, assim como a imunidade em relação aos crimes praticados por integrantes de tropas estrangeiras, dada pelo Código de Bustamante são, pois, exceções ao critério da territorialidade. 9.1 Critérios para aplicação da lei penal brasileira No Brasil observa-se, via de regra, o critério da territorialidade, como já se teve a oportunidade de expor, segundo o qual ao crime praticado no território nacional aplica-se a lei penal brasileira. Mas não apenas, já que a lei brasileira também se aplica a situações em que o crime é cometido fora do território nacional, casos em que se fala de extraterritorialidade. Assim como o Brasil admite que em determinados casos não seja aplicada a lei penal brasileira em relação ao crime que tenha sido cometido no território nacional, outros Estados também o fazem, permitindo que, embora o crime lá tenha sido praticado, seja punido com base nas leis brasileiras. Como o tema da extraterritorialidade está intimamente ligado à soberania dos Estados, ele deve ser disciplinado por meio de acordo,

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convenção ou tratado internacional, de modo que um Estado não interfira na soberania do outro. Sobre a extraterritorialidade, dois são seus tipos de aplicação:

a) a incondicionada; e

b) a condicionada.

O artigo 7º, inciso I, do Código Penal apresenta a seguinte disposição:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;

c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.

Nesses casos, o agente deve ser processado, julgado e punido segundo as leis brasileiras, ainda que tenha sido absolvido ou condenado no estrangeiro. O inciso primeiro trata, pois, dos casos de extraterritorialidade incondicionada, isto é, haverá aplicação da lei penal brasileira independentemente da aplicação ou não da lei penal estrangeira. Por sua vez, o artigo 7º, inciso II, do Código Penal, dispõe que:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

[…]

II - os crimes:

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

b) praticados por brasileiro;

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

Nesses casos, a aplicação da lei brasileira se condiciona ao concurso das seguintes condições:

a) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

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d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

As hipóteses do inciso segundo do mencionado artigo 7º do Código Penal são, pois, hipóteses de extraterritorialidade condicionada. Sem o preenchimento dos mencionados requisitos, a lei penal brasileira não poderá ser aplicada. Acerca da extraterritorialidade condicionada, o parágrafo terceiro do artigo 7º do Código Penal acrescenta que a lei brasileira aplica-se, também, ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições supra mencionadas:

a) não foi pedida ou foi negada a extradição;

b) houve requisição do Ministro da Justiça.

Portanto, para encerrar, pode-se resumir o conteúdo exposto mencionando que são critérios utilizáveis para a aplicação da lei brasileira:

a) a territorialidade (art. 5º, caput, do CP);

b) a proteção de interesses (art. 7º, inciso I, do CP);

c) a universalidade ou justiça mundial (art. 7º, inciso II, alínea “a”, do CP);

d) a nacionalidade ou personalidade do sujeito ativo ou passivo da infração penal (art. 7º, inciso II, alínea “b”, do CP); ou

e) a bandeira, pavilhão ou representação (art. 7º, inciso II, alínea “c”, do CP). 10. Pessoas Jurídicas Pessoa jurídica é uma criação legal, uma ficção jurídica, cuja finalidade é compor uma individualidade própria e independente da de seus titulares, para efeito de exercer direitos e contrair obrigações. As pessoas jurídicas podem ser:

a) de direito público:

a.1) interno;

a.2) externo;

b) de direito privado.

O artigo 41 do Código Civil prevê que são pessoas jurídica de direito público interno:

a) a União;

b) os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;

c) os Municípios;

d) as autarquias, inclusive as associações públicas;

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e) as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Já o artigo 42 do mesmo Códex, naquilo que interessa ao presente estudo, prevê que são pessoas jurídicas de direito público externo:

a) os Estados estrangeiros; e

b) todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.

Portanto, as pessoas jurídicas de direito público externo regem-se pelas regras de direito internacional público (e não privado). Essas pessoas são chamadas de pessoas jurídicas internacionais ou supra-estatais. Admite-se que elas pratiquem atos jurídicos no Brasil, desde que elas observem o ordenamento jurídico aqui vigente. O mesmo não ocorre em relação as pessoas jurídicas de direito privado que tenham origem estrangeira, chamadas de sociedades estrangeiras, as quais só podem atuar no território brasileiro mediate prévia autorização, conforme previsão do caput do artigo 1.134 do Código Civil:

Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.

Ao pedido de autorização dirigido ao Poder Executivo, exige-se que as sociedades estrangeiras juntem:

a) prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país;

b) inteiro teor do contrato ou do estatuto;

c) relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da sociedade;

d) cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no território nacional;

e) prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização;

f) último balanço.

Todos os documentos devem ser autenticados e estar em conformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo. Ao Poder Executivo faculta-se, para conceder a autorização, estabelecer condições convenientes à defesa dos interesses nacionais (art. 1.135, do CC). As sociedades estrangeiras autorizadas a funcionar ficam sujeitas às lei e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações praticados no

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Brasil, conforme prevê o artigo 1.137 do Código Civil. A sociedade estrangeira deve funcionar no território nacional com o nome que tiver em seu país de origem, podendo acrescer as palavras “do Brasil” ou “para o Brasil” (art. 1.137, parágrafo único). Não é a nacionalidade dos integrantes, nem a fonte dos recursos empregados que determina a nacionalidade da pessoa jurídica. Conforme prevê o artigo 1.126 do Código Civil, considera-se nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no país a sede de sua administração. Sem esses requisitos, a sociedade será considerada estrangeira. Constituída no exterior, mas requerida e obtida a autorização para funcionar em território nacional, a sociedade estrangeira é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade (art. 1.138, caput, do CC). Esse representante só pode agir perante terceiros após o arquivamento e averbação do competente instrumento de sua nomeação (art. 1.138, parágrafo único, do CC). Qualquer modificação no contrato ou no estatuto depende, obrigatoriamente, da aprovação do Poder Executivo, só com o que produzirá efeitos no território nacional (art. 1.139, do CC). A sociedade estrangeira deve estar atenta a realizar, sob pena de lhe ser cassada a autorização de funcionamento, a reprodução no órgão oficial da União, e do Estado, se for o caso, as publicações que, segundo a sua lei nacional, seja obrigada a fazer relativamento ao balanço patrimonial e ao resultado econômico, assim como aos atos de sua administração, a teor da determinação contido no artigo 1.140, caput, do Código Civil. E também sob pena de lhe ser cassada a autorização, a sociedade estrangeira deve publicar o balanço patrimonial e o do resultado econômico das sucursais, filiais ou agência existentes no Brasil (art. 1.140, parágrafo único, do CC). Conforme prevê o artigo 1.141 do Código Civil, mediante autorização do Poder Executivo, a sociedade estrangeira admitida a funcionar no Brasil pode nacionalizar-se, caso em deverá transferir sua sede para o Brasil, em consonância com a exigência contida no artigo 1.126 do Código Civil. Nesse caso, o Poder Executivo pode impor as condições que julgar convenientes à defesa dos interesses nacionais (art. 1.141, §2º, do CC). 10.1 Conflitos normativos sobre as pessoas jurídicas e critérios utilizados para sua solução Sempre que estiver presente algum elemento de conexão em relação a alguma questão que envolva pessoas jurídicas, há que serem utilizadas as regras de direito internacional privado para que se determine qual direito (o interno ou o estrangeiro) é aplicável à resolução do conflito instaurado. Um conflito sobre qual direito deve ser aplicado pode se instaurar quando, por exemplo, os sócios da pessoa jurídica tenham nacionalidade diversas ou estejam domiciliados em Estados diferentes. Nesses casos, o critério utilizado para identificação de qual direito deve ser aplicável pode ser

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o do estatuto pessoal, o que só pode ser confirmado mediante efetiva análise do caso concreto. Segundo apontado pelo doutrina (STRENGER, 2003, p. 519 e 520), os critérios mais indicados na identificação de qual direito deve ser utilizado para resolver conflitos normativos relacionados às pessoas jurídicas são:

a) nacionalidade do país que cria e autoriza a sociedade;

b) nacionalidade dos sócios;

c) nacionalidade dos diretores e gerentes;

d) nacionalidade do lugar em que foi subscrito o capital social;

e) nacionalidade do lugar da constituição;

f) nacionalidade do lugar da exploração;

g) nacionalidade determinada pelo domicílio social; e

h) nacionalidade de onde está situada a direção dos negócios sociais, isto é, do país ao qual pertencem os dirigentes e o respectivo capital.

Independentemente do critério adotado, não pode, em hipótese alguma, haver violação da soberania e da ordem pública nacional. Dentre os vários critérios mencionados, não há consenso entre os país sobre a utilização deste ou daquele, cabendo a cada Estado selecionar os que reputar conveniente. No entanto, pode haver uma convenção internacional entre vários Estados, de modo que eles adotem critérios específicos, caso em que todos os que o ratificarem sujeitar-se-ão a sua disciplina. No Brasil, o artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil prevê:

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.

§ 1o Não poderão, entretanto. ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.

§ 2o Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou suscetíveis de desapropriação.

§ 3o Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.

Como se vê, a disciplina do caput do mencionado artigo é clara ao indicar o critério da nacionalidade do lugar da constituição, indicando o direito desse local como aplicável a um eventual conflito, desde que presente um elemento de conexão, envolvendo pessoas jurídicas. Há,

regras de direito

internacional privado

regras de direito

internacional público

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portanto, o desprezo dos demais critérios, uma vez que a eleição, pela Lei de Introdução ao Código Civil, foi do critério da nacionalidade do lugar da constituição. Por exemplo, se uma empresa se constituir na França, e após autorização, atuar no Brasil, no caso de eventual conflito, uma vez presente algum elemento de conexão, a lei a ser utilizada deve ser a francesa, em observância ao citado artigo 11. O citado parágrafo primeiro apenas corrobora a regra contida no artigo 1.134 do Código Civil, que exige prévia autorização do Poder Executivo nacional para que sociedades estrangeiras aqui possam se instalar. Já os mencionados parágrafos segundo e terceiro, abordam regras de direito internacional público, pois não se destinam a indicar qual o direito aplicável em caso de conflito, mas sim de disciplinar, de forma direta, que os Estados e organizações estrangeiras não podem adquiri no Brasil bens imóveis ou suscetíveis de desapropriação, exceto em relação aos prédios necessários à instalação da sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares. Nesse sentido, dispõe o artigo 31 do Código de Bustamante:

Art. 31. Cada Estado contratante, no seu caráter de pessoa jurídica, tem capacidade para adquirir e exercer direitos civis e contrair obrigações da mesma natureza no território dos demais, sem outras restrições, senão as estabelecidas expressamente pelo direito local.

Portanto, é plenamente válida a restrição do parágrafo segundo do artigo 11 da Lei de Introdução ao Código Civil, estando ela em perfeita harmônia com o Código de Bustamante. 10.2 Convenção Interamericana sobre Personalidade e Capacidade de Pessoas Jurídicas no Direito Internacional Privado Em 24 de maio de 1984, na cidade de La Paz, Bolívia, os governos dos Estados-membros da Organização dos Estados Americanos instituíram a Convenção Interamericana sobre Personalidade e Capacidade de Pessoas Jurídicas no Direito Internacional Privado. Atualmente, 35 (trinta e cinco) países ratificaram a Carta da Organização dos Estados Americanos e, portanto, são membros dela. Esses países são: Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, El Salvador, Equador, Estados Unidos da América, Grenada, Guatemala, Guiana, Haiti, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Domicana, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trindad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Cuba, embora tenha ratificado a Carta da Organização dos Estados Americanos, havia sido excluída em 1962, mas solicitou seu retorno, o que motivou a declaração de ineficácia da resolução de exclusão e criou um processo de diálogo entre o país e a Organização. Já Honduras teve sua participação suspensa após o golpe que retirou o Presidente José Manuel Zelaya do poder.

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Essa convenção aplica-se para todas as pessoas jurídicas constituídas em qualquer dos Estados-Partes, entendendo-se por pessoa jurídica toda entidade que tenha existência e responsabilidade próprias, distintas das dos seus membros ou fundadores e que seja qualificada como pessoa jurídica segundo a lei do lugar de sua constituição (art. 1º, da mencionada Convenção). Dispõe o artigo 2º da Convenção em estudo, que a existência, a capacidade de ser titular de direitos e obrigações, o funcionamento, a dissolução e a fusão das pessoas jurídicas de caráter privado serão regidos pela lei do lugar de sua constituição. Entende-se por "lei do lugar de sua constituição" a do Estado-Parte em que forem cumpridos os requisitos de forma e fundo necessários à criação das referidas pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas privadas devidamente constituídas em um Estado-Parte devem ser reconhecidas de pleno direito nos demais. No entanto, o reconhecimento de pleno direito não exclui a faculdade do Estado-Parte exigir a comprovação de que a pessoa jurídica existe conforme a lei do lugar de sua constituição. Ademais, não se admite que a capacidade reconhecida às pessoas jurídicas privadas constituídas em um Estado-Parte seja maior do que a capacidade que a lei do Estado-Parte que as reconheça outorgue àquelas constituídas neste último (art. 3º da Convenção em estudo). Para a realização de atos compreendidos no objeto social das pessoas jurídicas privadas, aplica-se a lei do Estado-Parte em que se realizem tais atos, conforme previsão do artigo 4º da Convenção em análise. Consoante exige a legislação brasileira, prevê o artigo 5º da Convenção em estudo que as pessoas jurídicas constituídas em um Estado-parte que pretendam estabelecer a sede efetiva de sua administração em outro Estado-parte podem ser obrigadas a cumprir os requisitos estabelecidos na legislação deste último. Quando uma pessoa jurídica privada atuar por intermédio de representante em Estado-Parte que não seja o de sua constituição, entender-se-á que esse representante, ou quem o substituir, poderá responder, de pleno direito, às reclamações e demandas que contra a referida pessoa sejam intentadas por motivo dos atos de que se trate (art. 6º, da Convenção Interamericana sobre Personalidade e Capacidade de Pessoas Jurídicas no Direito Internacional Privado). Cada Estado-Parte e demais pessoas jurídicas de direito público organizadas de acordo com sua lei gozam de personalidade jurídica privada de pleno direito e podem adquirir direitos e contrair obrigações no território dos demais Estados-Partes, com as restrições estabelecidas por essa lei e pelas leis destes últimos, especialmente no que se refere aos atos jurídicos relativos a direitos reais e sem prejuízo de invocar, quando for o caso, imunidade de jurisdição (art. 7º da Convenção em estudo). Quando houver a criação de pessoas jurídicas internacionais, por meio de um acordo internacional entre Estados-Partes ou por uma resolução de organização internacional, elas serão regidas pelas disposições do acordo ou resolução de sua criação e serão reconhecidas de pleno direito como sujeitos de direito privado em todos os Estados-Partes da mesma

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forma que as pessoas jurídicas privadas e sem prejuízo de invocar, quando for o caso, imunidade de jurisdição. É expressamente garantido que, sempre que alguma disposição da Convenção Interamericana sobre Personalidade e Capacidade de Pessoas Jurídicas no Direito Internacional Privado seja manifestamente contrária a ordem pública de um Estado-Parte, que este Estado deixe de aplicá-la. Nesse sentido, admite-se que cada Estado possa formular reservas em relação a Convenção no momento de assiná-la, ratificá-la ou a ela aderir, desde que a reserva se refira a uma ou mais disposições específicas. A mencionada Convenção foi ratificada em cada Estado-Parte, só com o que adquiriu eficácia no respectivo Estado, sendo que os instrumentos de ratificação foram ser depositados na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, conforme previsão do artigo 11 da Convenção em estudo. Ademais, a Convenção está aberta à adesão de qualquer outro Estado. Nesse caso, os instrumentos de adesão devem, da mesma forma, serem depositados na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos. Os Estados-Partes que tenham duas ou mais unidades territoriais em que vigorem sistemas jurídicos diferentes com relação a questões de que trata esta Convenção podem declarar, no momento da assinatura, ratificação ou adesão, que a Convenção se aplicará a todas as suas unidades territoriais ou somente a uma ou mais delas. Tais declarações são passíveis de modificação mediante declarações ulteriores, que devem especificar expressamente a unidade ou as unidades territoriais a que se aplicará esta Convenção. Tais declarações ulteriores devem ser transmitidas à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos e surtirão efeito 30 (trinta) dias depois de recebidas (art. 15 da Convenção em estudo). Conforme disposição do artigo 16 da Convenção em estudo, é indefinido o prazo de vigência da mesma, mas a qualquer dos Estados-Partes é dado o direito de denunciá-la. Para esclarecer, denúncia é um ato unilateral, por meio do qual o Estado manifesta sua vontade de deixar de ser parte na Convenção. Nesse caso, o instrumento de denúncia deve ser depositado na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos. Transcorrido um ano da data do depósito do instrumento de denúncia, cessam os efeitos da Convenção para o Estado denunciante, mas subsiste para os demais Estados-Partes. 11. Direito de Família Internacional Desde que presente algum elemento de conexão, o direito de família também pode ser objeto do direito internacional. É tarefa do direito internacional privado indicar qual o direito aplicável em relação ao casamento celebrado por pessoas de países diferentes, por exemplo, ou em relação a um divórcio praticado em país diverso daquele onde ocorreu a celebração do casamento. Os principais critérios a serem adotados pelo direito internacional privado, na identificação de qual direito aplicáveis aos conflitos relativos ao direito de família são:

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a) a lei da nacionalidade da pessoa física (lex patriae); e

b) a lei do domicílio (lex domicilli).

Ambos os critérios estão relacionados ao estatuto pessoal. No Brasil, em relação ao direito de família, o estatuto pessoal é regido, via de regra, pela lei do domicílio (lex domicilli). O artigo 7º, caput, da Lei de Introdução do Código Civil dispõe:

Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.

Já o parágrafo primeiro do mencionado dispositivo estipula:

§1º - Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

Portanto, ainda que o contraente seja estrangeiro, ao casamento realizado no Brasil aplica-se a lei brasileira (lex loci celebrationis), quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. Por sua vez, o parágrafo segundo do artigo 7º informa:

§2º - O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.

Sendo ambos os contraentes estrangeiros, o casamento deles pode ser celebrado perante a competente autoridade diplomática ou consular, com o que adquirirá a mesma validade ,como se tivesse sido realizado no próprio Estado estrangeiro. O mesmo artigo 7º, parágrafo terceiro, dispõe que quando os nubentes tiverem domicílio diverso, os casos de invalidade do casamento serão regidos pela lei do 1º (primeiro) domicílio conjugal. O Código de Bustamante, em seu artigo 38, estipula:

Art. 38. A legislação local é aplicável aos estrangeiros, quanto aos impedimentos que, por sua parte, estabelecer e que não sejam dispensáveis, à forma do consentimento, à, força obrigatória ou não dos esponsais, à oposição ao matrimonio ou obrigação de denunciar os impedimentos e ás consequências civis da denuncia falsa, à forma das diligencias preliminares e à autoridade competente para celebrá-lo.

O Código de Bustamante utiliza neste dispositivo, como se vê, a lei do local da celebração do casamento, sempre trazendo ressalvas em relação a ordem pública, assim como faz o seu artigo 40:

Art. 40. Os Estados contratantes não são obrigados a reconhecer o casamento celebrado em qualquer deles, pelos seus nacionais ou por estrangeiros, que infrinjam

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as suas disposições relativas à necessidade da, dissolução dum casamento anterior, aos graus de consanguinidade ou afinidade em relação aos quais exista estorvo absoluto, à proibição de se casar estabelecida em relação aos culpados de adultério que tenha sido motivo de dissolução do casamento de um deles e à própria proibição, referente ao responsável de atentado contra a vida de um dos cônjuges, para se casar com o sobrevivente, ou a qualquer outra causa de nulidade que se não possa remediar.

Portanto, o casamento deve seguir a lei do local de sua celebração, embora outros Estados não se obriguem a reconhecer um casamento quando ele viole qualquer norma interna de ordem pública ou quando contradiga qualquer disposição legal do respectivo direito interno. Realizado no exterior, o casamento é válido em qualquer Estado, mas só produz efeitos após o competente registro e autenticação, no sentido da exigência contida no artigo 41 do Código de Bustamante:

Art. 41. Ter-se-á em toda parte como valido, quanto á forma, o matrimonio celebrado na que estabeleçam como eficaz as leis do país em que se efetue. Contudo, os Estados, cuja legislação exigir uma cerimônia religiosa, poderão negar validade aos matrimônios contraídos por seus nacionais no estrangeiro sem a observância dessa formalidade.

Nesse sentido, dispõe o artigo 32, caput e parágrafo primeiro da Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73):

Art. 32. Os assentos de nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em que forem feitos, legalizadas as certidões pelos cônsules ou quando por estes tomados, nos termos do regulamento consular.

§1º Os assentos de que trata este artigo serão, porém, transladados nos cartórios de 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal, em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir efeito no País, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules serão obrigados a remeter por intermédio do Ministério das Relações Exteriores.

Em relação as disposições acerca da vida em comum dos cônjuges, aplica-se a lei do local em que eles estiverem domiciliados (lex domicilli). Também a Organização das Nações Unidas faz várias exigências para o casamento através da Convenção sobre o Consentimento para o Matrimônio, a Idade Mínima para o Casamento e Registros de Casamento, de 7 de novembro de 1962.

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Segundo mencionada Convenção, não se pode contrair legalmente o matrimônio sem o pleno e livre consentimento de ambos os contraentes, expressado pelos mesmos em pessoa, depois da devida publicação, frente a autoridade competente para formalizar o matrimônio e testemunhas, de acordo com a lei. No entanto, admite-se que uma das partes não esteja presente quando a autoridade competente ficar convencida de que as circunstâncias são excepcionais e de que tal parte, frente a uma autoridade competente e de modo prescrito pela lei, tenha expressado seu consentimento, sem o haver retirado depois (art. 1º da Convenção em análise). Já o artigo 2º (segundo) da mencionada Convenção sobre o casamento estipulou o dever dos Estados-Partes adotarem medidas legislativas para determinar a idade mínima para contrair casamento. Determinou, ainda, que não poderiam contrair matrimônio as pessoas que não tivessem completado a idade mínima, salvo com a autoridade competente por causa justificada que dispense o requisito idade. No Brasil, há que se lembrar que a idade núbil é de 16 (dezesseis) anos. E o artigo 3º (terceiro) da Convenção em estudo determinou que todo matrimônio seja registrado por autoridade competente em um órgão de registro oficial, destinada para essa finalidade. O objetivo dessa convenção era o de abolir antigos costumes que permitiam o casamento de crianças em diversos Estados. Quanto ao regime de bens, está na Lei de Introdução ao Código Civil que:

Art. 7º, § 4º - O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.

Portanto, via de regra, o regime patrimonial rege-se pela lei do local onde os cônjuges tiverem domicílio (lex domicilli), ou, excepcionalmente, caso sejam diferentes os domicílios dos cônjuges, a regência do regime patrimonial far-se-á pela lei do primeiro domicílio conjugal.

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