Curso Elementar de Direito Romano - Leopoldo Justino Girardi

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LEOPOLDO JUSTINO GlRARDI Professor e Magistrado LIda. Porto Alegre 1997 '.

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LEOPOLDO JUSTINO GlRARDI Professor e Magistrado

LIda.

Porto Alegre 1997 •

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PREFACIO •

Este opúsculo não tem outra pretensão que não a de servir de instrumento didático aos acadêmicos das Facul­dade de Direito que tomam contato, mesmo que perfunc­toriamente , com o direito romano. Ao ministrar as au­las, ao longo dos últimos anos, fui percebendo que os alunos apresentavam dificuldades cada vez mais sérias com relação à aprendizagem. As razões para justificar essa realidade são as mais variadas, incluindo-se a precá­ria preparação do aluno no curso secundário, a preguiça mental crônica e a falta de métodos para estudar. Os índices de reprovação se elevaram demasiadamente . Percebi também que os estudantes, com muita facilidade, se perdem com livros volumosos onde digressões e mi­nudências perturbam a clareza e a concisão , deixando o aluno perplexo.

Face a essa realidade, resolvi preparar este CURSO ELEMENTAR DE DIREITO ROMANO especialmente destinado aos alunos da Faculdade de Direito da Pontifí­cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul que, no. currículo do curso, tomam um leve contato com o orde­namento jurídico romano.

Dada a exigüidade do tempo, equivalente a 30 horas­aula num curso de 6 anos, este manual pretende ser um auxiliar na aprendizagem e conhecimento do direito for­mulado e consolidado pelos romanos. Em razão de sua função especificamente didática e da própria premência do tempo, não houve preocupações com ilustrações ao pé das páginas e, nem mesmo, com uma apresentação bibliográfica, vez que nesta área as obras são numerosas.

Se os acadêmicos, com este livro, tiverem facilitado a sua aprendizagem e forem levados, senão a amar, pelo

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menos a admirar o direito romano, o Autor se julga ple­namente recompensado.

Esta terceira edição foi enriquecida com alguns acréscimos e interpolações, tornando o texto mais com­pleto e mais atraente.

Colho o ensejo para deixar aqui expressos os meus agradecimentos aos integrantes de minha família, sobre­tudo à Deolmira, dedicada esposa, pela compreensão e carinho em permitir que horas preciosas lhe fossem su­primidas.

" "

o Autor.

Porto Alegre, abril de 1997 .

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CAPITULO I -

INTRODUÇAO GERAL

1. Noção de Direito Romano

A história da civilização humana marca a presença, num determinado espaço e durante um considerável tempo, de um povo que se distinguiu por um profundo senso prático diante das contingências da vida e por um acentuado culto aodireito: trata-se do povo e da civiliza-

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çao romana. Pois este povo, situado na península itálica, expandindo-se por quase toda a Europa a partir de

753 A. C. até 565 D. c., criou, modelou, aperfeiçoou uma ordem jurídica admirável, atingindo todos os se­tores da vida do cidadão e do Estado, constituindo-se o direito , a doutrina, a legislação naquilo que se costuma denominar DIREITO ROMANO.

Na mesma proporção com que os gregos pontificaram nas artes, os romanos pontificaram no direito, por vocação especial, servindo o seu procedimento jurídico, no trato com a pessoa humana e com os estrangeiros, de exemplo a pretensas modernas civilizações que ainda não chegaram a descortinar os rudimentos dos direitos humanos.

A despeito de sua vocação jurídica, não se pode afir­mar que os romanos sejam os criadores e inventores de todas as instituições e institutos que legaram ao mundo

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jurídico universal. E notório que os romanos, em sua per-sonalidade-base, não se distinguiram como cultores da inteligência e da abstração. Não se pode pretender gran­des vôos mentais e agudas especulações entre os roma­nos. Não era seu estilo e não fazia parte dos caracteres de

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sua personalidade. Muito mais voltados ao prático do que ao teórico, distinguiram-se os romanos como excelentes guerreiros e estrategistas militares e admiráveis cultores dos campos. Os romanos eram sobretudo pragmáticos, daí a razão de a ordem jurídica ter evoluído de acordo com as mudanças econômicas, políticas, sociais provocadas

pelo próprio crescimento econômico e pela expansão ter-ritorial, com periódicas anexações de novos territórios e novos povos.

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E este espírito pragmático que leva os juristas e auto- . ridades romanas ' a servirem-se de institutos conhecidos . . � ,.

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em contatos com outras civilizações e. integrá-los numa . _.�

ordem monocromática: romana. Nem se poderá pensar que o direito romano tenha

surgido em pouco tempo e em sua totalidade . O acervo jurídico romano é fruto da vida dos romanos, presente na história por quase 15 séculos, em que houve uma paula­tina evolução ... , adaptação e consolidação, com os vários institutos e leis passando por muitas alterações e modifi­cações. Houve, pois, toda uma paciente elaboração até ser atingida a perfeição que hoje podemos conhecer e

apreCIar.

2. O direito para os RomanQs •

.

O termo "direito" está vinculado ao verbo cujo particípio passado é directum. Há no termo um sentido de direção e ordenamento da conduta dos. indiví­duos na ordem social . Os romanos empregavam o termo JUS, oriundo da raiz sânscrita , que significa ligar,

. vincular. A princípio os romanos denominavam a tudo o

que fosse instituição e obra, fruto do labor e inventiva

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humana para contrapor às obras e instituições de origem divina, a que denominavam FAS. Com o passar do tem­po, porém, essa distinção vai desaparecendo e o termo JUS se aplica a todo o direito, seja de origem humana, seja de origem divina.

Os jurisconsultos, ao tratarem essa questão, não pri­mavam pela unidade de pensamento. Para CELSO, o direito era uma arte; para ULPIANO, o direito era uma ciência. Para o primeiro, o direito se restringia ao bem e à equidade; para o segundo, o direito envolve também as coisas divinas e até mesmo aquilo que pode ser tido por injusto. Nem sempre havia uma clareza no tocante à

. . - -

distinção entre direito e moral. . Assim é que, citando Celso, Ulpiano diz que JUS EST ARS BONI ET AEQUI, a arte do bom e do justo, do equânime. Ele próprio, definindo jurisprudência afirma que é ATQUE HUMANARUM RERUM NOTITIA, JUSTI ATQUE INJUSTI SCIENTIA, um conhecimento das coisas divinas e humanas, uma ciência do justo e do injusto. Na Digesto, o jurisconsulto PAULO confirma o pensamento de Celso, ao dizer que QUOD

,

SEMPER AEQUUM ET EST, DICI-TUR, ou seja, denomina-se direito o que sempre é bom e justo.

Essa realidade do bom e do justo, das coisas divinas e humanas, se acha corporificada na legislação, nos códi­gos, nos editos dos magistrados, na interpretação dos prudentes, nas constituições imperiais, no costume.

3. O Direito e a Moral

Na preservação dos bons costumes, como uma das tarefas atribuídas aos censores, há um testemunho claro

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de que os romanos tinham consciência da existência de uma distinção entre a norma jurídica e a norma mQJal.

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O procedimento e o comportamento das pessoas era condicionado também pelo cumprimento de certas nor­mas aceitas pelo consenso social e havidas como boas em razão dos benefícios que produziam. Da mesma forma a sociedade coibia certas condutas como atentató­rias aos bons costumes presentes na sociedade. Eram condutas imorais, embora não necessariamente antijurí­dicas. Não é outra a razão do jurisconsulto PAULO quando afirma: NON OMNE QUOD LlCET TUM EST, nem tudo o que é lícito, é honesto.

Há, pois, um reconhecimento de que existe um pa­tamar de condutas regido por normas morais que situam o indivíduo no espaço da honestidade. Uma certa coisa

é o DIREITO. Outra, a MORAL.

4. O JUS e o FAS

Nos primeiros séculos de Roma, foi notável a vincu­lação entre a r�ligião e o direito. Sob certa forma houve

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até mesmo uma subordinação do direito à religião. E impensável um direito romano secularizado. A fundação de Roma deu-se sob a égide de rituais religiosos com invocação, augúrios e presságios dos deuses. A delimita­ção da cidade por Rômulo foi um ritual marcadamente religioso. Os sacerdotes da religião, os pontífices sempre foram presenças mercantes na vida civil de Roma. A eleição de um novo rei, a nomeação de cônsules eram sempre precedidas de funções e rituais religiosos cele­brados por autoridades da religião para identificar os

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Rômulo, o primeiro rei de Roma, ao ser morto, foi endeusado e passou a ter o culto devido a qualquer fun­dador de cidade. As cidades eram colocadas sob a pro­teção dos deuses. Para cada família havia o seu deus ou deuses protetores, os deuses lares, em cuja honra era oficiado um culto doméstico, tendo o pater familias como sacerdote.

Para os romanos se purificarem de todas as faltas cometidas contra o culto, havia, a cada quatro anos, uma festa de purificação. Na verdade, na vida particular e na vida pública, não havia um só ato que não clamasse pela intervenção divina. O Senado, em Roma, sempre se reunia num templo. Fora dele as decisões tomadas eram nulas. A própria Justiça só funcionava em dias conside­rados. favoráveis, os dias fastos. Em dia,s nefastos os presságios não eram bons.

A leitura das obras de Virgílio deixa transparecer que os reis estavam constantemente ocupados com cerimô­nias sagradas. O historiador TITO LIVIO diz que "'o cos­tume dos antigos era considerar o rei também como sa-cerdote e pontífice', ou seja, IIAEC ERA T

UT REX ESSET SACER-DOS ET PONTIFEX (Tito Lívio, Ad Aen. III, 268).

Pois toda essa realidade religiosa os romanos a iden­tificavam como FAS, subordinando-se às instituições, normas, rituais religiosos como algo divino e marcando sua vida numa dimensão profundamente religiosa. O FA-S. como direito divino brotava dos deuses enquanto - _ . - ' . . ... . , . .. � - " '-- . . . . -.. _ _ ._---_ ... - - - _ . _ . -', . - - ' . . , . . _- - ' _. _ . ' . - - - -

que o JUS era de fonte humana. Aos poucos, porém, a •

distinção foi desaparecendo e tudo foi englobado sob o , - --, - " - - ' ,-nome de JUS, tanto o direito de origem humana quanto divina .

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A Digesto afirma sem vacilações a ligação da lei com Deus, dizendo que a lei é tarefa e criação de Deus:

LEX INVENTUM AC MUNUS DEI EST.

5. Divisão do Direito Romano

o direito romano pode ser considerado como um todo unitário, incluindo tanto a legislação como a doutri­na. A divisão deste todo unitário depende dos critérios que são usados para separar o todo em partes. Segundo a maioria dos estudiosos é possível dividir o direito ro­mano segundo quatro critérios distintos: a forma, a fon­te, a extensão e o interesse.

Consoante a FORMA, o direito pode ser: escrito e não-escrito ijus scriptum e jus non scriptum) . No direito escrito se encontra a legislação, a doutrina, os editos, as constituições imperiais. No direito não escrito está o costume.

Pelo critério da FONTE, o direito romano pode ser: civil, honorário, extraordinário. O jus civile era o direi-

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to peculiar e próprio dos cidadãos romanos. E o que diz o jurista GAlO em suas INSTlTUT AS: quod quisque

sibi jus constituit id est, vocaturque jus quasi jus proprium civi­tatis. Esse direito também era conhecido como jus qui­ritium ou direito das lanças porque a lança (quiris) era o símbolo da força que dava sustentação ao direito usado pelos romanos.

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O jus honorarium, também chamado de direito

pretoriano, era o direito criado pelos pretores na admi­nistração da Justiça, à medida em que procuravam adap­tar as normas de direito civil às novas exigências da soci­edade. Sem revogar nada da ordem civil, os pretores 10

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foram responsáveis pela atualização do direito, mormen­te no que tange às normas processuais .

Seguindo . o costume dos pretores, os imperadores romanos também modificaram e adaptaram o direito segundo critérios próprios, nascendo daí o jus extraordinarium.

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Pelo critério da EXTENSAO, o direito romano pode ser dividido em jus com mune e jus singulare. ° direi­to comum encerra todas as normas que servem para re­gular todo um conjunto de relações. Aquilo que, dentro de um conjunto geral, faz exceção à regra e tem normas próprias, é o direito singular.

Finalmente , segundo o critério do INTERESSE, o direito romano pode ser dividido em jus privatum e jus publicum. Embora, na prática , nem sempre seja nítida a distinção, do ponto de vista teórico , porém, pertence ao direito privado o que diz respeito às pessoas enquanto indivíduos particulares. Pertence ao direito público o que atine ao Estado da coisa pública romana. Ao menos é o que afirma ULPIANO: jus publicum: est quod ad sta­tum rei publicae romanae spectat; privatum, quod ad singulorum utilitatem. .

Incluídos no direito privado e como partes dele se acham o jus civile, o jus gentium e o jus naturale. O jus civile entendido como a ordem jurídica própria dos cidadãos romanos; o jus gentium entendido como aquele conjunto de direito inerentes a todos os povos e aplicável , em Roma, a todos os estrangeiros. Durante certo tempo chegou a ser confundido com o jus natu­rale. Com a penetração das idéias cristãs no seio do império romano, aos poucos foi sendo feita uma distin­ção entre os direitos dos povos e o direito natural, en­tendido este como aquele direito assente na própria na-

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tureza humana e considerado patrimônio de qualquer indivíduo como ser humano.

Os romanos, porém, nem sempre foram felizes na reflexão sobre o tema do direito natural. A afirmação de que o direito natural é aquilo que a natureza ensinou a todos os animais (quod natura omnia animalia do­cuit) mostra um pouco a confusão dos romanos. CÍCE­RO, no entanto, redime seus compatriotas quando, de forma muito cristalina, escreve a respeito do direito natu­ral: est quaedam vera lex, natura congruens, di­ffusa in omnes, constans, sempiterna ... é uma certa lei verdadeira, congruente com a natureza, difundida em todos, constante, sempiterna. .

O ponto crucial do debate quanto à distinção entre o jus gentium e o jus naturele girava em torno do re­gime de escravidão, considerado um direito das gentes e, por isso mesmo, um direito natural. O cristianismo não poderia aceitar isso. Daí a necessidade de distinguir o jus gentium do jus naturale.

6. A importância do Direito Romano

Dentro da atual circunstância histórica, onde quase tudo é visto sob o aspecto da utilidade, há uma tendência no mundo do aprendizado jurídico em proceder de acor­do com critérios eminentemente pragmáticos. O resulta­do desta filosofia discutível é o paulatino abandono do estudo e conhecimento do direito romano. Nas Faculda­des de Direito o tempo dedicado ao estudo do direito romano foi diminuindo sensivelmente. Há inclusive insti-

. tuições em que não existe no currículo a disciplina de Direito Romano. .

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Fugindo, porém, do aspecto meramente pragmático e analisando-se a questão sob o ângulo da formação e do embasamento jurídicos, o estudo do direito romano tem um lugar reservado na propedêutica jurídica. Segundo o romanista Eugene Petit, "o estudo do direito romano não cessou de constituir, com justo título, o fundamento de toda educação jurídica verdadeiramente digna deste nome" (E. Petit- Tratado elemental de derecho ro- ­mano, pág. 10) .

Para o estudante brasileiro, o direito romano tem uma importância e, até mesmo, um sabor especial, dada a estreita vinculação existente entre a atual ordem jurídi­ca em vigor e o mundo jurídico dos romanos. O Brasil, via Portugal, por questões lingüisticas e culturais, guarda uma ligação íntima com o mundo latino.

As legislações que imperaram nestas terras, como as Ordenações Alfonsinas, as Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas, tiveram como fonte principal de inspiração o direito romano, que também marcou indele­velmente o famoso Código Napoleônico, inspirador das modernas legislações.

De modo que, sob o aspecto da formação jurídica, necessário para dar ao bacharel uma fundamentação e embasamento para a sua cultura jurídica, o estudo do direito romano é um instrumento imprescindível, maxi-

ma vema concessa.

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CAPITULO 11 ,

O DIREITO ROMANO NA EPOCA DA REALEZA (753 a 510 a. C).

1. Introdução histórica

Com toda a obscuridade que paira sobre a origem de Roma, com uma série de lendas a confundir o que real­mente tem fundamento histórico, admite·se que Roma tenha sido fundada por Rômulo em torno de 753 a. c. e governada por reis até a instalação da República em 510 a.c.

A fundação se deu por obra da união de três tribos •

oriundas dos latinos (a tribo ramnense), dos sabinos (a tribo dos tícios) e dos etruscos ( a tribo dos lúceros) que se estabeleceram nas imediações das colinas, à mar­gem esquerda do Tibre. Cada tribo era formada por um certo número de famílias, as gens, unidas por uma linha da parentesco varonil partindo de um autor comum. Essas tribos, divididas naturalmente em gens, foram di­vididas em cúrias. Cada tribo possuía dez cúrias, sendo cada cúria formada por um certo número de gens.

Além disso, também se admite como verdadeira na fundação de Roma, a estreita vinculação entre a organi­zação da cidade, o estabelecimento do seus limites e a religião dos fundadores. Roma não fugiu às regras da fundação de outras cidades do mundo antigo.

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2. Organização social

a - Os patrícios

Eram os componentes das 30 cúrias que formavam as três tribos fundadoras da cidade . A célula mater era a família tendo à frente o chefe , o pater famílias. Com sua morte, os filhos, casando , formavam famílias distin­tas, preservando, porém, uma origem comum e o nome da família .

Os patrícios constituíam uma raça nobre , monopoli­zando o governo da cidade e preservando, com exclusi­vidade, todos os privilégios da cidadania romana, o que foi motivo de muita pressão por parte da plebe .

b - Os clientes

A origem dos clientes não é muito clara. O que se sabe é que junto a cada família vivia um certo número de pessoas que ficava sob a proteção do chefe . Talvez fos­sem pessoas que tivessem alguma vinculação com a gens do chefe de família. Entre ele e essa clientela se cria uma relação de direitos e deveres. Da parte do che­fe havia a obrigação de prestar assistência emprestando suas terras aos clientes para que pudessem viver do tra­balho, a título gratuito. Dos clientes era exigido respeito e dedicação. Em caso de guerra deveriam acompanhar o patrão para a frente da batalha e pagar o resgate se, porventura , houvesse cativeiro do chefe , bem como pa­gar possíveis multas e providenciar o dote das filhas do seu patrão . Essas normas eram rígidas de parte a parte, não sendo descartada a punição de morte em caso de infração .

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Com a expansão de Roma e os resultados das pri­meiras conquistas , o número de clientes aumentou con­sideravelmente . Entre os vencidos mais humildes havia aqueles que se colocavam nesta condição social, vivendo protegidos, embora com liberdade mais restrita. A con­dição de cliente era transmitida por via hereditária.

c - Os plebeus

Se a origem da clientela é bastante obscura , a origem da plebe é uma incógnita. Há uma série de suposiçõE' quanto à formação desta multidão de gente que mare sua presença pela luta em favor da igualdade com o r

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triciado . Em latim, plebs significa multidão . E um terr ligado a pletos que, em grego, significa povo: Os p. beus poderiam ser clientes que se tornaram autõnomo como poderiam ser vencidos de condição inferior . Como não possuíam o status civitatis, não pertenciam ao populus, formado por patrícios. Eram simplesmente a PLEBE.

Junto à plebe e sem os privilégios da cidadania se achavam os estrangeiros, denominados "peregrinos", em número crescente , ficando, com os plebeus, sob a prote­ção direta do rei . Os escravos não faziam parte da estrutura social, pois não eram considerados pessoas/ mas res, coisas, fazen­do parte do patrimônio do dominus.

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3. Organização Política

a - O Rei (rex)

Roma primitiva foi governada por reis . O monarca era eleito pelo senado, mas recebia o poder dos deuses, pois sua eleição era precedida por uma série de funções religiosas visando às manifestações dos bons auspícios e augúrios . No exercício do poder, em caráter quase ab­soluto , o rei era o chefe político, o comandante militar, o

2magistrado judicial e o sumo sacerdote . Possuía o poder 0@e fundar instituições , dividir terras conquistadas, criar iYiinador e impor leis. Era vitalício no cargo, mas, na

''fundição de chefe de uma república aristocrática, sua -�berania era controlada pelos patrícios, divididos em 2cúrias, com interesses às vezes conflitantes, dada a falta

,

. de homogeneidade na origem das tribos .

b - O Senado •

Era um conselho formado por patrícios, em geral idosos, que o rei deveria consultar quando tratava de as­suntos envolvendo interesses do Estado. A princípio eram 100 senadores, todos nomeados pelo rei. Posteri­ormente, o número foi elevado para 300. Enquanto o rei detinha o poder de imperium, ao senado cabia a auctoritas, representando a soberania do patriciado, que formava o povo, populus.

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c - A plebe e suas conquistas

Como classe pobre, a plebe cresceu consideravel­mente em número . As conquistas de Roma tiveram como conseqüência um aumento considerável de ple­beus. Na vida da cidade, porém, os plebeus não tinham nenhum direito de interferir. Dado que somente os pa­trícios pagavam impostos e somente eles serviam ao exército, detinham, por isso, todos os privilégios.

O crescimento da plebe , porém, era motivo de preo­cupação para os reis, em razão de uma profunda desi­gualdade existente entre patrícios e plebeus. Quando TARQUINIO , O Antigo , quis criar três tribos de plebeus , sofre a pressão rápida e enérgica dos patrícios. SÉRVIO

,

TULIO, no entanto, ao assumir o poder fez um nova divisão da população, embora respeitasse os critérios de origem da antiga divisão . O novo critério divisório do povo, incluindo os plebeus, foi a fortuna pessoal. A ple­be foi convocada a pagar impostos, servir ao exército e a pronunciar-se sobre a criação de novas leis em comícios por centúrias. Roma foi · dividida em quatro regiões ou tribos urbanas e a campanha e mais algumas tribos rústi­cas. Ignora-se o número .

Com uma divisão geográfica, cada tribo compreendia cidadãos , tanto patrícios quanto plebeus.

SÉRVIO TÚLIO instituiu também o censo, como de­corrência da nova divisão da população . Cada chefe de família deveria se inscrever na tribo onde tinha seu domi-• cílio , declarando, sob juramento, o nome, a idade de sua mulher e filhos, bem como o montante de seu patrimô­nio . Em base à fortuna de cada um era feita a escala de impostos, com critérios para a isenção e a caracterização

"do proletário: aquele que , ao Estado, só poderia dar a prole para o serviço militar.

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Essa iniciativa de SÉRVIO TÚLIO possibilitou a uma parte dos plebeus participar de alguns privilégios ou direi­tos exclusivos dos patrícios, como o serviço militar, a prática do jus commercii e o exercício do voto.

O patriciado, para fins de votação fora dividido em 30 cúrias, tendo um curião como autoridade à frente da cúria. Para debater e discutir normas, as 30 cúrias eram convocadas para comparecer no Fórum, perto do Capi­tólio, num lugar denominado comitium. Aí se origina­ram os comícios curiatos, uma espécie de assembléia legislativa para aprovar as "leis curiatas".

,

Com a divisão da população operada por SERVIO ,

TULIO, os comícios curiatos foram perdendo . impor-tância, pois foram substituídos pelos comícios centuria­tos, com participação também dos plebeus, consoante o domicílio e a fortuna de cada um. A votação não era individual, mas por centúrias, em cujas reuniões eram aprovadas as leis, acusados os· criminosos, eleitos os ma­gistrados. Para a validade, porém, era preciso a confir­mação do Senado, detentor da auctoritas.

, ,

Embora a política de SERVIO TULIO possa ser en-tendida como favorável aos plebeus, estrategicamente, porém, os patrícios conservaram o poder, pelo próprio critério de distribuição dos cidadãos, a partir da riqueza. Basta dizer-se que a 6ª classe, a mais numerosa e a mais pobre, formava somente uma centúria, enquanto que a primeira classe, a mais rica, era dividida em 80 centúrias. Da segunda à sexta classe o número de centúrias somava 98. Isso significa que a primeira classe, por centúrias tinha a maioria de votos, num total de 193 centúrias .

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4. O Direito

a - Fontes

Entende-se por fonte a realidade que dá origem a al­guma coisa , até mesmo uma informação . A existência de um direito clama por uma fonte que justifique tanto como facultas agendi quanto como norma agendi. Dar a razão da sua existência significa identificar a fonte . Neste período do direito romano, as fontes principais de direitos eram duas: o costume e a lei .

b - O costume

Na época da realeza era o costume a única fonte de direito privado . Era entendido, segundo ULPIANO, como um consenso tácito do povo, envelhecido por lon­go uso, a respeito de um direito, de uma conduta, de um procedimento : tacitus consensus populi, longa con­suetudine inveteratus. Denominava mores.

Para a configuração dos mores nada há de formal e nem existe a aprovação do poder legislativo. Por isso o costume era denominado jus non scriptum, direito não

,

escrito . CICERO, completando e confirmando o · pensa-mento de ULPIANO, diz que " por costume se entende aquele direito que o tempo consagrou sem lei pela von­tade de todos" ou consuetudine autem jus esse pu­tatur id quod voluntate omnium sine lege vetus­tas comprobaverit.

Para a validade de um costume, como norma de di­reito, era necessáriO que o costume revelasse que , dentre possíveis condutas, aquela era a melhor e mais consen-

, tânea . A isso se denominava opinio necessitatis. Esse seria o elemento interno do costume. ° elemento exter­no é o efetivo uso da conduta, da norma produzindo efei-

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tos, sendo eficaz. Sem isso o costume não é fonte de direito , mas simples artigo folclórico .

Do ponto de vista da natureza, para os romanos, o costume pode ser: - juxta legem: quando conforme à lei . - contra legem: quando se opõe à lei. - praeter legem: quando inova, .introduzindo um

direito antes inexistente .

c - A lei

o que se conhece a respeito da lei , nesta época, não tem muita segurança histórica. Há, contudo, informa­ções de CÍCERO e TITO LIVIO a respeito da existência de leis reais, promulgadas pelos reis no exercício de sua função régia, confirmando eleição de magistrados, inves­tindo autoridades, declarando guerra , nomeando chefes militares, criando tributos, normas de justiça e outras ins­tituições . Todas essas leis foram codificadas por SEXTO PAPÍRIO, um famoso pontífice , dando origem ao que foi , na época, denominado jus civile papirianum. Ignora-se o conteúdo desta codificação. Presume-se que estaria eivada de direito sagrado ou fas. .

A respeito da gênese da lei , sabe-se que há inicial­mente uma proposta do rei, uma aprovação ou rejeição por parte dos comícios curiatos. Em caso de aprovação, a lei passa a ser obrigatória após ratificação da auctori­tas, ou seja, do Senado.

Há, portanto, na elaboração da lei, a presença do populus para aprovar ou reprovar, o que manifesta o relativismo do poder monárquico. Junto ao povo, po­rém, continua presente a idéia de que há uma ligação entre a lei e as normas da religião, quanto à necessidade do cumprimento e o respeito às leis. No poder do rei há uma dimensão divina .

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CAPITULO IH ,

O DIREITO ROMANO NA EPOCA DA REPÚBLICA (510 a 27 a .c. ) .

1. Introdução.

A alteração no sistema de governo se deu por uma série de razões . En.tre elas, o predomínio de uma tribo sobre outra, com hegemonia da corrente etrusca que provocou um movimento de caráter nacionalista coman­dado pelos patrícios e pelo senado que, aliando-se aos

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militares, depuseram o arbitrário e violento TARQUINIO, O SOBERBO.

Os poderes exercidos pelo rei passaram para dois cônsules com mandato anual e exercício do poder com

,

alternância de 30 em 30 dias. JUNIO BRUTO e TAR-,

QUINIO COLA TINO, chefes da rebelião, foram os dois primeiros cônsules. Eram eleitos anualmente , em comí­cios centuriados. O cônsul que ficava no aguardo de sua vez, tinha um poder fiscalizador sobre o desempenho do cônsul titular. Era a intercessio ou poder de veto .

Em caso de graves perigos ameaçando a república, um cônsul poderia se auto proclamar ditador por período, em geral, não superior a seis meses . Essa proclamação se achava simbolizada numa passeata do cônsul conduzi­do numa sédia por lidores portando machadinhas enfei­tados com feixes de varas, denominadós Í'âsces. Na época o machado era símbolo do. poder. Enfeixado de varas simbolizava o poder total e absoluto .

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2. Organização política •

Além dos cônsules, chamados, a prinCfpio, também de pretores e que tinham oninis cura rerum. publica­

como magistrados eleitos, com idade nãp inferior a 43 anos, continuava o senado, com seu poder consulti­vo. Os senadores, em número de 300, eram nomeados pelos cônsules e o exercício do poder era vitalício. O povo, a partir desta época, inclui tanto patrícios como plebeus.

,

A medida em que as tarefas dos cônsules se tornaram uma carga excessivamente onerosa, mormente pelas responsabilidades na área militar, passou-se a fazer uma descentralização administrativa, com algumas tarefas dos cônsules sendo transferidas a novos cargos criados. Entre esse cargos podemos destacar:

a - A questura: para a administração financeira fo--

ram criados os questores (quaestores aerarií) eleitos pelos comícios curiatos. A idade mínima requerida era 31 anos. No tempo de César estavam em ação 40 ques-tores. - .

b - A censura: para ordenar e realizar o censo,es-. .

colher os senadores e fiscalizar os costumes. A institui-ção deu-se em 443 a.C. A eleição dos censores se dava em comícios centuriatos para um exercício de 18 meses, de cinco em cinco anos, quando era processado o censo. Para a escolha dos senadores, os censores organizaram o album senatorum, a fim de eliminar as intrigas desne-

, . cessanas. c - A edilidade: foi criada em 494 a.c., visando a

plebe. Por isso os edis eram chamados aediles plebis • e tinham como funções principais fazer o policiamento da cidade, ordenar o tráfego, prover o abastecimento e

23

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fiscalizar o comércio, sobretudo no tocante, à precisão das balanças, dos pesos, medidas e preços. Em 367 a.c. foram criados edis para os patrícios denominados aedí­les curoles. A idade mínima para ser edil era 37 anos.

d - A pretura: para a distribuição da Justiça foi cri­ado o cargo de pretor, em 364 a.c. A idade mínima exi­gida para o exercício do cargo era 40 anos. A eleição se . . dava em comícios centuriatos. Posteriormente, com o aumento de litígios envolvendo estrangeiros, foi criado o cargo de "pretor peregrino", em 244 a.c. para distribuir a Justiça para essa gente. O pretor urbano foi reservado, em sua competência, para administrar a Justiça para os cidadãos romanos.

Embora haja no direito romano um direito denomi­nado "pretoriano", o pretor não tinha competência para legislar ou fazer leis. CÍCERO chamava o pretor de "guarda do direito civil" ou juris civilis custos.

Além do pretor urbano e pregrino, ligados intima­mente à Justiça, na época imperial notar-se-á a presença

, ,

de praetores cereales, criados por JULIO CESAR para ordenar o abastecimento de mantimentos para a

,

cidade. MARCO AURELIO haverá de criar os praeto-res . tutelares para defender os interesses dos órfãos. Para cuidar do fisco NERV A criará os praetores fisca­les.

e - Prefeitos de jurisdição: Eram delegados dos pretores para administrar a Justiça nas colônias romanas, dizendo o direito. Por isso eram chamados de praefecti jure dicundo.

f - Governadores das províncias: Eram os re­presentantes. pessoais dos cônsules no governo das províncias que formavam o território da república roma­na. Eram chamados também de "pró-cônsules".

24 . ..

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3 - A plebe na República

Como as desigualdades persistiam, com os patrícios sempre suplantando os plebeus, apesar de sua importân­cia na economia, a plebe sempre procurou usar dos mei­os ao seu alcance para poder ter acesso aos privilégios do patriciado. Nesta luta diuturna há dois acontecimen­tos mercantes em favor da plebe: as leis das XII tábuas e os tribunos da plebe.

a - Leges tabularum

o fato de o costume possuir, na ordem prática, uma importância superior à lei escrita, era motivo de muito descontentamento da parte da plebe que se via sempre prejudicada, uma vez que diante do costume se acentua­vam as desigualdades de classes. Pressionava, -por isso, os cônsules para que codificassem a legislação e todos os cidadãos romanos pudessem ser tratados igualitariamente diante das leis. Os patrícios opuseram uma resistência consciente, sobretudo protelando qualquer possível inicia­tiva neste sentido. Finalmente, em 462 a.c. a proposta de codificação é feita por T ARENTILIO ARSA. Em co­mícios centuriados é eleita uma comissão de dez mem­bros, os decênviros. Três patrícios são enviados à Itália Meridional para um estudo e pesquisa sobre a legislação grega, famosa pelas leis de Sólon e de Licurgo.

Em questão de um ano, os decênviros completaram o trabalho, escrito em 10 tábuas, havendo recebido a aprovação nos comícios centuriatos. Como a legislação foi insuficiente, uma nova comissão foi nomeada . para completar o trabalho. Foram acrescidas, por isso, mais duas tábuas, escritas em latim como as demais, em car-

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-

valho ou bronze e expostas no· Fórum Romano. Um incêndio em 390 a. c. as destruiu.

Havendo permanecido exposta durante 62 anos, essa legislação foi suficientemente vulgarizada para que permanecesse familiar. aos jurisconsultos tanto da Repú­blica quanto da primeira parte do Império. O conteúdo, porém, não é desconhecido. Houve tentativas de re­constituição em base às citações e fragmentos de juris­consultos.

Para a época foi uma legislação completa, incluindo direito privado, público, normas de direito processual. Segundo o testemunho do historiador TITO L TVIO essa legislação era "fonte de todo direito privado e público" ou fons omnis publici privatique juris. Segundo analistas posteriores, somente a declaração dos direitos do homem e do cidadão, ao tempo da Revolução Fran­cesa, pode ser comparada à lei decenviral, a despeito de alguns ressaibos de excessivo rigorismo na legislação ro-

,

mana. CICERO chegou a afirmar que nas duas últimas tábuas havia "leis iníquas".

b - os tribunas da plebe

,

E uma conquista da plebe pela qual passou a ter di-reito de eleger dois representantes no senado denomina­dos 'tribunos da plebe". Eram sagrados, invioláveis no exercicio do mandato e com direito à intercessio quan­to às decisões tomadas pelo senado. Deveriam ter seu domicílio em Roma ou cercanias e estar à disposição da plebe constantemente. A princípio eram dois. Mais tar­de chegaram a ser dez.

A criação deste cargo deu-se em 494 a.c. , após uma paralisação seguida de uma fuga dos plebeus para o

,

Monte Aventíno. E a chamada secessio plebis aconte-

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cida em 493 a.c. O magistrado Mnêmio Agripa foi o interlocutor e o negociador dos côsules, de cujo trabalho redundou a criação do cargo dos tribunos da plebe.

Essas foram duas conquistas de maior vulto. A plebe, entretanto, não estava plenamente satisfeita. A igualda­de que reclamavam os plebeus não lhes foi outorgada. Continuavam discriminados e excluídos de todas as ma­gistraturas e não podiam contrair núpcias com os patrí­cios e nem como os patrícios. Aos poucos e com muita persistência, porém, os plebeus levam avante a luta. Pela Lei Canuléia, de 444 a.C. conseguem permissão para o casamento com os patrícios. A seguir passam a ter acesso à questura e às demais magistraturas, até que

, . .

o plebeu LUCIO SEXTO se toma cônsul. Na hierarquia religiosa o primeiro plebeu a se tomar Sumo Pontífice é TIBÉRIO CORUNCÂNIO que também tinha sido o pio­neiro dos estudos jurídicos em Roma, ao abrir a primeira escola de direito. Com essas conquistas foram abrindo as portas do Senado e, em pouco tempo, nele os sena­dores plebeus se tomaram maioria.

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4. As fontes de Direito na República

a - O costume ••

, •

Apesar de ter perdido a sua importância em razão da legislação codificada, continuou a ser uma fonte de direi­to também no período republicano.

b - A lei •

No período republicano, a lei adquire uma força ex- , traordinária como fonte de direito. Por obra dos juris­consultos' se passa a ter uma compreensão da norma escrita, seu sentido, sua configuração e seu alcance. Bas­ta que se analise a definição oferecida por ATÉLIO CÁ­PITO, jurista posterior à república, mas que retrata o espírito com que era entendida a norma legal: generale jussum populi aut plebis rogante magistratu, ou seja, uma ordem geral do povo ou da plebe mediante pedido de um magistrado. Havia, pois, na lei um forte sentido de presença popular através do debate e da pro­vação em comícios centuriatos. Essas idéias são corrobo­radas por GAlO quando diz que "a lei é aquilo que o povo ordena e constitui" ou, então, lex quod populus jubet atque constituit.

c - O plebiscito

Era a lei aprovada pelos plebeus mediante uma pro­posta de um tribuno da plebe, válida somente para a ple­be. Pela lex Hortensia, de 286 a.C. as decisões da

. plebe passaram a ter a mesma importância das demais leis e sua obrigatoriedade foi estendida, aos poucos, a todos os cidadãos romanos. 28

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d - A interpretação dos prudentes

Sabe-se que as leis transcritas nas XII Tábuas eram conci�as e genéricas, enumerando os casos de sua apli­cação. A forma, os detalhes dos procedimentos, as pos­síveis lacunas requeriam uma interpretação. Essa era feita pelos prudentes ou jurisprudentes. A princípio tais prudentes eram os pontífices, pois havia uma vinculação entre o direito civil e o jus sacrum. Aos poucos os magistrados patrícios ombrearam com as autoridades religiosas e monopolizaram a interpretação, adonando-se dos segredos procedimentais e do rol dos dias fastos, em que eram permitidas as ações da lei ou legis actiones.

,

Diz CICERO que só era bom pontífice aquele que conhe-cesse direito civiL .. pontificem neminern bonum esse nisi qui juris civile cognoscet (De Legibus, II, 19).

Essa situação de monopólio constrangedor da evolu­ção jurídica durou até o momento em que um magistrado patrício, APPIO CLAUDIO CAECUS, incentivou seu

,

secretário CNEO FLAVIO para que se revelassem tanto os procedimentos jurídicos quanto o rol dos dias fastos. Com isso ficou aberto a todos os interessados o acesso à ciência do direito, tanto a patrícios como a plebeus. O já citado TIBÉRIO CORUNCÂNIO foi o primeiro plebeu a abrir uma escola de direito em Roma e o primeiro pontí­fice "prudente" a dar consultas sobre direito. Mais tarde tornou-se um hábito dos prudentes dar consultas. O próprios magistrados se faziam cercár por esse sábios para as suas decisões.

A penetração, em Roma, da filosofia estóica fez cres­cer a importância destes sábios que, talvez, passassem a ser chamados de prudentes, de vez que para o estoicismo

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,

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a sabedoria era denominada 'prudência". A do direito seria juris prudentia.

As tarefas principais dos prudentes eram: - respondére:quando consultados davam Sl\as res-

o postas, em forma oral ou escrita; . •

- ágere: assistir os clientes no curso processual; •

- cavére: orientar cuidadosamente os clientes na re-dação de atos jurídicos;

- scribére: dar pareceres e redigir obras de direito. Muito embora as decisões dos o prudentes não tives­

sem força de vincular os magistrados, aos poucos suas respostas foram se tornando fonte de direito, à medida em que foi oficializada a interpretação como uma espécie de direito ligado a uma função. Tanto é assim que, pela lei das citações publicada em 426 a.c. o número de ju­risconsultos cujos escritos pudessem ter força de lei foi reduzido a cinco: GAlO, PAULO, ULPIANO, PAPINIA­NO e MODESTINO.

A doutrina de jurisprudentes, portanto, era fonte de direito e tinha força de lei. A oficialização foi obra do

,

imperador OTAVIO AUGUSTO ao delegar aos juristas mais eminentes o "jus respondendi ex auctoritate principis" ou o direito de responder pela autoridade do

, . pnnClpe.

Como interpretar?

Toda a tarefa de interpretação das leis por obra dos conhecedores do direito partia de alguns princípios e, aos poucos, novos princípios foram sendo criados bus­cando a aproximação da interpretação jurídica. Desde os tempos de CELSO havia uma convicção de que o real conhecimento das leis não consiste em saber o que elas dizem pelas palavras, mas a força e o poder que se es-30

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condem sob a forma verbal: scire leges non est verba earum tenére, sed vim ac

A par desta convicção, o principio da própria neces-sidade de interpretar, mesmo que o edito do pretor ou a norma seja' claríssima: quamvis manifestissimum sit aedictum, attamen non est negligenda interpreta­tio eius (Digesto).

O intérprete entendia também que uma lei se aplica a fatos nela não compreendidos literalmente, mas abrangi­dos pela extensão dos conceitos. Era a interpretação ex­tensiva, baseada no seguinte princípio: ubi eadem est ratio, ibi eadem currit dispositio. Há, contudo, o caso inverso em que a interpretação é restritiva: os ca­sos que aparentemente se achariam compreendidos na lei, na verdade estão excluídos porque fora da razão, do espírito da lei: cessante ratione legis, cessat eius dispositio, com a ressalva, porém, que "onde a lei não distingue, nem o intérprete deve distinguir" ou ubi lex non distinguit, nec interpreti est distinguere. O costume, entretanto, tem nestes casos a sua força, pois é um excelente intérprete das leis: optim,a est legum interpres consuetudo.

-

e - Editos. dos magistrados

Magistrados eram os cônsules, os pretores, os edis, os questores, os governadores de províncias. Todos eram detentores da potestas, ou seja, o poder de ex­pressar a vontade do Estado com sua própria vontade, gerando direitos e obrigações. Somente os cônsules e os pretores, porém, possuíam, com a potestas, o poder de imperium, isto é, o poder de personificar em si própri­os a supremacia do Estado exigindo submissão e obedi-

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ência dentro das limitações imposta� pe\9s direitos e ga­rantias dos cidadãos.

O instrumento usual para colocar em ' prática o im­mormente por parte dos pretores, era o aedic­

tum, um termo oriundo de ex dicere significando pro­clamar em voz alta, declarar em público. A tomar posse do cargo, o pretor fazia uma proclamação anunciando o que pretendia fazer e as modalidades que haveria de usar. Essas proclamações eram escritas em preto sobre uma tábua branca denominada album, valendo as de-

terminações até o final do mandato do magistrado. Por isso o edito era perpétuo, com sentido de permanente.

Caso precisasse tomar uma decisão não prevista no edito, proclama um edito repentino, mais tarde vedado em razão de abusos. O edito era translatício quando o

-

novo pretor agia de acordo com o seu antecessor. Essa declaração era necessária para que todos pudessem to­mar conhecimento dos direitos.

Foi por meio do expediente dos editos que os preto­res, ajudando, suprindo ou corrigindo o direito civil, de­ram origem ao direito pretoriano ou honorário, como a viva voz do direito civil, segundo diz MARCIANO: nam et ipsum jus honorarium viva vox est juris civilis. Para fixar e codificar os princípios do direito pretoriano SALVIO JULIANO, um dos mais ilustres jurisconsultos da época do imperador ADRIANO, reuniu num só corpo todas as regras publicadas pelos pretores, nascendo o

,

famoso EDITO PERPETUO, ratificado pelo senado através de um senatus consulto. Apesar disso, os magis­trados não foram privados do seu direito de editar ou do jus edicendi.

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CAPITULO IV ,

O DIREITO ROMANO NO IMPERIO (27 a.c. a 565 d.C.).

1. Introdução histórica

Uma série de dissensões envolvendo os cônsules e comandantes militares com interferências do senado,

. , ,

após a batalha de Acio, OTAVIO se torna monarca, as-. sumindo os títulos de Imperador e Augusto e enfeixando em suas mãos todos os poderes, incluindo o de Pontífice Máximo. As magistraturas continuaram, acrescidas de outras, criadas nesta época, como o Prefeito de Roma e

_ . _ _ , ' o . - - '�-'.-'- ,� _____ . _o,.

o Prefeito do Pretório. O primeiro cargo, denominado ... . . . ' , -, ,', " " -� " " ' .' .• '�

praefectus urbis, detinha um poder extraordinário no tocante a assuntos da cidade de Roma, participando in­clusive da administração da Justiça no que tange à políti-

o � .. ' • . � . • ' . ' • • ca criminal. O chefe da guarda imperial, denominado praefectus praetorii era a figura mais poderosa após o Imperador. Comandava a guarda imperial interferindo a seu bel talante · nos negóciós' pÚblicos e na distribuição da Justiça, prolatando sentenças sem apelação. Ambos os cargos foram criados por OTÁVIO AUGUSTO.

Este longo período costuma ser dividido em duas ,

etapas distintas: uma etapa que inicia com OTAVIO AUGUSTO e se prolonga até a ascensão do Imperador DIOCLECIANO, em 284. A segunda etapa começa em DIOCLECIANO e · finda com a morte do Imperador JUSTINIANO, em 565.A divisão se dá em razão da pre­sença mais marcante do senado na primeira etapa. Na segunda etapa o senado perde o poder e o imperador governa absoluto. Nesta etapa, há que se levar em con­sideração a mudança da capital, operada apelo Impera-

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dor CONSTANTINO e a divisão do império concretizada ,

após a morte do Imperador TEODOSIO I, em 395, ori-ginando-se, então, o Império Romano do Ocidente e o Império Romano do Oriente, o primeiro comandado por HONÓRIO e o segundo por ARCÁDIO.

2. Organização política

Na primeira etapa, apesar do poder do imperador, perdura a importância e o poder do senado. Propria­mente há uma diarquia, com o senado dividindo o poder judiciário, legislativo e executivo com o imperador. Ha­via províncias imperiais das quais eram cobrados impos­tos para o fiscus do imperador. As províncias senatori­ais eram administradas pelo senado. Dos impostos co­brados era alimentado o uma espécie de te­souro do Estado.

Em virtude de uma sucessão de crises internas que ameaçavam gravemente a estabilidade do império, em 284 DIOCLECIANO assumiu poderes absolutos, per­dendo importância as magistraturas e o senado, passan-

,

do o imperador a governar personalisticamente, em que . ,

sua vontade tinha força de lei. E o que se pretendia dizer com o adágio: quod principi placuit, legis habet vigorem. A ordem jurídica passa, então, a depender de constituições imperiais.

3. Fontes do direito na época. imperial

. A época imperial alcança o apogeu da evolução jurí- . dica com o aparecimento de famosos jurisconsultos que burilaram muitos institutos e aperfeiçoaram a ordem jurí-

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dica. Perduram nesta época as fontes presentes em perí­odos anteriores, com o aparecimento, porém, de duas novas fontes: as constituições imperiais e os senatuscon­sultos.

a - A lei

Continua a ter, em sua essência, o sentido de ordem, determinação, que se compreende no termo jussum ou jussa como eram denominadas as leis. Jussum pro­vém do verbo jubére que, em latim, significa mandar, determinar, estabelecer, ordenar. Nesta época, a lei ad­quire configuração própria, dividida em parte, a seguir:

- praescriptio: nesta parte constava o nome do pro­ponente, o lugar onde a lei tinha sido votada, a cen­túria que tinha aprovado e o dia da publicação;

- rogatio: era a parte que possuía o texto da lei com o objetivo e a finalidade, considerada a alma da lei;

- sanctio: era a previsão da penalidade para o trans­gressor.

As leis não eram todas do mesmo tipo. Segundo o testemunho de MODESTINO, havia quatro tipos diferen­tes de leis, conforme sua força: leis imperativas, leis proibitivas, leis permissivas e leis punitivas. Legis virtus haec est: imperare, vetare, permittere, punire.

Pelo critério da origem das leis, estas podem ser: lex rogata, quando era proposta por um magistrado e vota­da nos comícios. Quando a lei era emanada por um ma­gistrado por delegação dos comícios, como no caso da lei das XII tábuas, tinhamos a lex data.

Relacionada com a ordem jurídica existente, uma lei poderia ser denominada rogatio se fosse um norma

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nova; abrogatio, se eliminasse lei · anterior; derogatio, •

no caso de eliminar somente uma parte; subrogatio, se acrescentasse algo a uma lei anterior.

No que tange à publicação da lei, sua leitura era feita em voz · alta após aprovação por maioria de votos. A lei­tura solene era feita pelo presidente da assembléia. Sen­do uma lei importante era gravada em duas tábuas de bronze ; sendo de pouca importância era escrita em preto sobre uma tábua branca, em duas vias. Uma cópia ficava no Fórum e a outra era depositada no templo de Satur­no, onde o Estado guardava os documentos de maior valor.

b - Senatus-consultus

,

E uma fonte de direito peculiar da época imperial, quando o senado · chegou ao ponto de maior presença na vida do Estado romano. Os asse­melham-se a resoluções legislativas com base no poder constitutivo do próprio senado. Para essas resoluções o povo não era ouvido, por isso recalcitrava para se subor­dinar a tais resoluções. O senado, porém, tinha o poder de mandar e constituir . E o senatus-consultus era uma conseqüência deste poder: est quod senatus ju­bet et constituit.

36 •

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c - Constituições imperiais

,

E a fonte de direito mais importante de todo este longo período. Nada tinha a ver co?n o sentido moderno de constituição como Lei Maior que estabelece a ordem geral de um país. Tudo o que brotava do imperador e que tivesse cunho legislativo era considerado constituição imperial, pressupondo-se até o princípio de que o que agrada ao príncipe tem vigor de lei: quod principi pla­cuit, legis habet vigorem.

As formas com que estas constituições se apresentam são diversas, podendo ser um decreto, um edito, uma carta ou um mandato. Assim entendem as institutas de JUSTINIANO, quando definiam a constituição imperial como aquilo que o imperador constitui por decreto ou edito ou carta, constitutio principis est quod impe­rator decreto vel edicto vel epístola constituit.

Poderiam ser constituições pessoais, se referentes a uma só pessoa e constitu ições gerais, quando aplicadas a todos os cidadãos. Historicamente sabe-se que a . pri­meira constituição imperial é obra do imperador ADRI­ANO, mas tem-se como provável que remontem ao go-

,

verno de OTAVIO AUGUSTO. Poderiam assumir a forma de editos: eram as proclamações feitas quando da consagração do imperador; decretos: como supremo juiz o imperador era detentor de todo o poder judiciário. Suas sentenças, ouvido o auditorium principis, eram decretos invocados posteriormente como fontes de direi­to; mandatos: eram as instruções enviadas pelo impera­dor aos seus funcionários, sobretudo os governadores de províncias; rescritos: à semelhança de um pretenso juris­consulto, o imperador também recebia consultas de fun­cionários do governo e cidadãos particulares. A respons-

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ta do imperador se denominava rescrito e poderia ser per epistulam, quando em forma de carta e per subscriptionem quando dada ao pé do instrumento de consulta, em geral pergaminho.

4. Os jurisconsultos

Inegavelmente a época imperial que viveu o apogeu do império romano sob o aspecto econômico, político, militar e social, no que tange ao direito, também viveu o maior pique de desenvolvimento . A presença dos gran­des nomes do direito romano acontece neste período. Embora não houvesse uma unanimidade no pensamento, os desencontros serviram para a busca de uma perfeição no ordenamento jurídieo .

Os métodos, os valores históricos serviram para dar a uma escola de jurisconsultos um aspecto de conservado­rismo tendo como opositores jurisconsultos progressistas, ansiosos por adaptar o direito às novas realidades sociais.

Durante aproximadamente dois séculos se defronta­ram essas duas escolas. Por um lado os progressistas, dotados de espírito pragmátiCo e com profundas convic­ções de que o direito deveria ser constantemente adapta­do às novas situações sociais. Um dos mais famosos representantes desta escola era o jurisconsulto PROCUL, do primeiro século depois de Cristo e que acabou confe-

-

rindo o nome à escola: procu liana. Do outro lado se achavam os conservadores, de espírito mais precavido e mais dados às especulações teóricas, cujo representante

,

principal foi MASSURIO SABINO, contemporâneo de Nero . O último representante desta escola foi o famoso GAlO. Por causa de SABINO a escola conservadora se denominou sabiniana. •

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Sem a contribuição preciosa destes juristas o direito romano não teria alcançado a perfeição a que chegou. Entre os nomes mais famosos desta plêiade de sábios do direito poderíamos destacar:

a - SÁLVIO JULIANO, pretor, cônsul, prefeito de Roma e conselheiro dos imperadores ADRIANO e ANTONINO PIO. Foi o responsável pela elaboração do edito perpé­tuo que codificou o direito pretoriano. Segundo alguns romanistas, é o mais ilustre jurisconsulto romano . .

b - EMILIO PAPINIANO, cognominado " . . . príncipe dos jurisçonsultos" . Partilhou da amizade do imperador SEPTÍMIO SEVERO, tendo sido prefeito do pretório sob o governo de CARACALA. Pressionado a escamotear um crime de fràtricídio perpetrado pelo imperador, que lhe pedira para fazer uma defesa ante o senado, negou- . se e foi condenado à morte.

c - JÚLIO PAULO: é contemporâneo de Papiniano, tendo sido também conselheiro de SEPTÍMIO SEVERO. Foi prefeito do pretório no governo · de ,ALEXANDRE SEVERO. Nas pandectas de JUSTINIANO há mais de dois mil fragmentos de suas obras.

d - ULPIANO: foi prefeito do pretório no governo de ALEXANDRE SEVERO. Em termos de direito tem uma ext�aordinária produção jurídica .

e - MODESTINO: foi prefeito de Roma em 244. É o último dos grandes jurisconsultos. O declínio da evolu­ção jurídica começa a partir de sua morte .

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5. As codificações

Toda a avalancha legislativa acumulada a partir da publicação da lei das XII tábuas até o inflacionado núme­ro de constituições imperiais, plebiscitos, senatusconsul­tos, editos tornou impraticável a aplicação da Justiça. Sem uma organização e uma racionalização, os magis­trados, em enorme facilidade , se perdiam na parafernália legislativa . Houve até mesmo um que outro pretor e ju­risconsulto que tentou fazer uma codificação para uso particular. O que foi feito, porém, se perdeu.

Sabe-se da existência do CÓDIGO GREGORIANO, uma codificação feita pelo prefeito do pretório no gover­no do imperador CONSTANTINO. Seu nome era GRE-

,

GORIO. Como pertencia também ao consilium prin-cipis, . devendo responder a muitas consultas, fez uma reunião das constituições imperiais deste ADRIANO até CONSTANTINO. Como a obra foi perdida não há cer­teza quanto ao seu conteúdo.

,

Um jurista de nome HERMOGENES também tentou algo semelhante . Sabe-se, por informações esparsas, da existência do CÓDIGO HERMOGENEANO que teria sido publicado no governo de DIOCLECIANO. O Codex .

Theodosianus, reunindo as constituições imperiais des­de CONSTANTINO até THEDÓSIO II foi publicado no

,

Oriente em 439. O 'genro de THEODOSIO II, VALEN-TINIANO II, fez publicar este código no Ocidente, um ano depois.

A codificação mais famosa e mais completa, porém, ,

é o CO DIGO DE JUSTINIANO, publicado em torno de 530, em Constantinopla. , JUSTINIANO (483-565) era sobrinho do imperador JUSTINO, que o adotou e educou. Filho de lavradores eslavos, Upranda, como se chamava, estudou direito e ,

40 •

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teologia, tendo sido, antes de assumir o trono, prefeito do pretório. Era uma pessoa dotada de enorme capaci­dade de trabalho, profundamente religioso e amante do direito. Assim que assumiu o poder, preocupou-se em

fazer um codificação para colocar ordem na casa jurídica romana. Nomeou uma comissão de juristas , presidida por TRIBONIANO, para proceder à codificação da le­gislação e do direito. A comissão se empenhou com mui­to entusiasmo e em menos de três anos estava pronta a codificação das leis e constituições imperiais . Nasceu assim o Código Antigo ou Codex Vetus, reunindo as constituições imperiais promulgadas desde ADRIANO até JUSTINIANO. Isso em 529.

Em pouco tempo essa codificação foi refeita, remo­delada e atualizada, incluindo algumas leis de JUSTINI­ANO. Nasceu como segunda edição do Código Antigo, o Código Novo ou Segundo Código, dividido em 12 livros.

JUSTINIANO preocupou-se também com toda a produção jurídica e determinou uma grande síntese de

doutrina . Sob a presidência novamente de TRIBONIA-NO e mais 16 juristas surgiu em 533 o DIGESTO ou PANDECTAS, como uma grande e ordenada compila­ção dos escritos de todos os jurisconsultos romanos . Simultaneamente com este trabalho, TRIBONIANO pre­parou com TEÓFILO, professor de direito em Constan­tinopla e DOROTEO, professor em Berito, um manual para os estudantes de direito tendo como modelo as Ins­titutas de GAlO. Nasceram. então, as Institutas ou Insti­tutiones ou elementa que foram anexadas ao Código de Justiniano.

As constituições promulgadas por JUSTINIANO nos últimos anos de seu reinado foram publicadas sob o nome de authenticae seu novellae constitutiones

Divi Justiniani. Tudo acabou fazendo parte do Codex

4 1

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Justiniani ou CORPUS Jums CMLIS, como foi denominado, em 1 583, pelo jurista francês Denis Gode­froy.

Tem-se conhecimento que JUSTINIANO, cujo reina­do foi longo, envolveu-se em guerra para tentar recon­quistar o ocidente que caíra em mãos dos bárbaros; sabe­se que, em força de seu espírito religioso, edificou muitos templos incluindo a majestosa basílica de Santa Sofia; ao que consta historicamente, foi um excelente governante. Se sua atuação, porém, houvesse se restringido à codifi­cação realizada, teria justificado plenamente o seu gover­no. O mundo civilizado medieval e moderno pôde tomar contato com o direito romano graças a essa feliz e opor­tuna codificação . Se JUSTINIANO nada mais houvesse feito, além disso , merece a gratidão da humanidade pelo monumento jurídico deixado, que eternizou a ordem jurí­dica romana colocada como fundamento de todas as or­dens jurídicas das civilizações européias.

6. A queda do império romano

Entre as civilizações antigas nenhuma teve um orde­namento jurídico tão perfeito e nenhuma foi tão forte política e economicamente . O apelativo de que Roma era a caput mundi soava de forma autêntica. Aliando a força das armas com exércitos imbatíveis e a sabedoria das leis com jurisconsultos e magistrados de raro brilho, Roma se tornou senhora do mundo. Sob o ponto de vis­ta das instituições políticas, o império romano estava de tal forma consolidado que as loucuras e barbaridades perpetradas por alguns imperadores não chegaram a abalá-lo.

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Com a concessão de CARAC , em 212 , fazendo de todos os habitantes do império cidadãos romanos, à exceção dos peregrinos deditícios, o mundo estava pro­priamente romanizado. Ao chegar ao apogeu, porém, só restou aos romanos o declínio e a decadência. Em fins do século 11 e inícios do século III já havia manifestações inconfundíveis de que o poderoso império estava sofren­do uma crise civilizacional. Os romanos não foram capa­zes de conviver com sua grandeza e poder. Nem mesmo a concentração do poder nas mãos do imperador com DIOCLECIANO, CONSTANTINO e outros, conseguiu deter uma inevitável derrocada.

No setor político e administrativo houve um enfra­quecimento do poder central em face de constantes aber­rações por parte de alguns detentores do poder. O pre-

. feito do pretório tomou-se uma figura de excessivo poder e de fácil manipulação. Uma das falhas da legislação ro­mana foi a de nunca ter legislado a respeito . de como se deveria processar a sucessão do monarca. A conseqüên� cia desta falha foi o constante crime de regicídio. Basta dizer que do ano 180 a 284 sucederam-se no trono 30 imperadores, dos quais somente cinco morreram de mor­te natural. Os demais foram assassinados.

O setor militar também entrou em crise, porque a mística do serviço militar foi perdida. Anteriormente era privilégio de patrícios e nobres. Nesta época passou a se tomar uma pesada obrigação imposta a todos os cida­dãos. A crise andava tão séria que o exército teve de apelar até mesmo para mercenários.

A diminuição da fecundidade da família romana, em virtude também da forte aceitação do hedonismo como filosofia de vida, teve seus reflexos nas legiões romanas, deficientes não só em qualidade, mas também em quan­tidade . As famílias romanas não geravam mais os filhos

• 43

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que o exército precisava , apesar das providências toma-. .

das e até mesmo da proibição do celibato . A decadência moral, provocada pela visão hedonista

da vida, corroeu o império romano por dentro atingindo sua medula. Os intelectuais da época, os poetas e histo­riadores se esfalfaram em denunciar a situação, mas tudo em vão. "Hoje os bosques sagrados estão desertos - dizia

,

PROPERCIO nas Elegias - e os santuários abandonados, a piedade vencida e só o ouro adorado. O ouro expulsou a boa fé; o ouro tomou venal a Justiça; o ouro comanda a lei, e, em breve, o pudor não conhecerá mais a lei. . . " Valia mais o conselho de HORACIO: enquanto temos tempo aproveitemos a vida ao máximo, ou seja, babemus .tempus, rosis .

Para complicar essa situação, o governo, na falta de dinheiro, foi criando novos tributos, onerando excessi­vamente a classe média e as classes produtoras. A essa pressão fiscal os romanos não resistiram, empobrecendo cada vez mais. Quando os bárbaros desceram do norte e invadiram o império romano, tudo foi fácil . O poderoso império romano não passava de um monumento com pés de barro. Um empurrão e tudó

"'veio abaixo .

• •

44

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,

CAPITULO V •

O DIREITO DAS PESSOAS.

1. Noção de pessoa

O termo "pessoa", embora presente no âmbito da fi-o losofia, da psicologia, da sociologia e de outros ramos do saber, é um termo de conotação tipicamente jurídica. O indivíduo tomado sujeito de direitos e obrigações passa a ser pessoa. Essa é a noção comum com guarida também entre os romanos, com algumas peculiaridades, porém.

Segundo a opinião mais generalizada, o termo "pes­soa" provém de personare, para soar. Para poder ele­var o tom da voz, os atores de teatro romanos usaram uma máscara especial a que davam o nome de persona. Na evolução da língua o nome da máscara (persona) pas­sou a identificar o mascarado (o ator, personagem) .

Junto aos romanos, no entanto, não era todo indiví­duo que era pessoa. Para tanto era preciso ter persona­lidade jurídica, satisfazendo a uma série de .condições que serão vistas a seguir.

2. Espécies de pessoas

Para o direito romano, há a pessoa física ou natural que é o indivíduo tomado sujeito de direitos e obrigações a partir das seguintes condições: fisicamente perfeito ao nascer com vida, . viabilidade na sobrevivência e possuir o status Iibertatis, status civitatis e status familiae, vale dizer, ser livre, ser cidadão romano e provir de uma família legítima.

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Para os romanos o homem existe quando nasce. Segundo o Digesto "antequam edatur mulieris por­tio est vel viscer�m", ou seja, antes de ser dado à luz é parte da mulher e das vísceras. Mas é preciso nascer com vida e de um parto perfeito, ou seja, completado o sétimo mês de gestação. Os que nascem mortos pare­cem nem nascidos e nem procriados ou "qui mortui nascuntur negue nati negue procreati videntur", segundo se lê no Digesto. Para nascer com vida basta emitir um vagido ou qualquer outro sinal de vida .

Além da pessoa física há também a pessoa jurídica ou moral ou fictícia, entendida como um conjunto de pessoas ou de coisas a que é atribuída a condição de ser sujeito de direitos e obrigações. O direito romano tinha muita convicção quanto à condição de pessoa jurídica. Basta que se considere o que diz ULPIANO: si quid universitati debent, singulis non debetur; nec quod debet universitas, singuli debent, ou seja, dever algo ao conjunto não significa dever a cada um dos componentes do grupo, nem quando o conjunto é deve­dor significa que a dívida é de cada um dos integrantes do conjunto ou grupo.

O direito romano, embora aceite a pessoa jurídica, . . ao tratar da personalidade jurídica refere-se à pessoa físi­ca que satisfaz as condições para ser pessoa .

3. A "capitis deminutio"

Para os romanos o indivíduo é sempre denominado "caput" , independentemente de sua personalidade . O indivíduo livre era denominado "caput liberum" e o es­cravo "caput servile" , ou seja, cabeça livre e cabeça es-

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crava, respectivamente. Modificações nesta situação ju­rídica levam o nome de "cápitis deminutio".

Uma pessoa física será sui juris quando for autô­noma em relação a uma possível dependência de sua família. Sendo autônoma é de direito seu, direito pró­prio, sui juris. Caso não tenha autonomia e se encon­tre numa situação de dependência com relação ao pater ' familias serão então alieni juris, de direito alheio. Quem confirma essa divisão é o jurista GAlO quando diz nas Institutas I, §48: Sequitur de jure personarum alia divisio: nam quaedam personae ' sui juris sunt, quaedam' alieno jure subjectae.

Além destes conceitos, para o direito romano é pos­sível à pessoa sofrer alterações em sua liberdade , em sua condição de cidadão e em seu estado de família . Trata­se da capitis deminutio ou status 'deminutio. Pode ser qualquer alteração, graduada em três patamares: má­xima, quando a pessoa for privada da liberdade , perden­do ipso facto a cidadania e a vinculação familiar; média, quando a pessoa é privada do direito de cidadania; mí­nima, quando houver alterações no estado familiar,

como ao casar, ao se tornar sui juris a pessoa . •

4. O "status libertatis"

a - Noção de liberdade •

Os romanos não foram dados a muita especulação filosófica . Entendiam as coisas dentro de uma visão mais pragmática. Para uma sociedade que convivia com a es­cravidão não era difícil compreender a liberdade dentro de uma visão de possuir, ter como algo próprio, mas que

,

pode ser perdido. E muito mais um conceito na linha de , 47 •

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ter liberdade do que ser livre por isso compreendida na dimensão da ação .

No Digesto a liberdade é definida como um faculdade natural daquele que faz o que quiser desde que não seja proibido pelo direito ou pela força ou naturalis facul­tas eius quod cuique facere Iibet, nisi si quid vi aut jure prohibetur. Para o romano a liberdade é o maior bem.

Perdido este bem, o homem fica reduzido à res, , a

coisa, pois servus est res. Perante a ordem civil, o escravo é considerado um

ninguém e sem direito algum: servi pro nullis haben­tur; nullum jus habet. A escravidão é uma instituição

. do direito das gentes pela qual alguém é submetido ao ,

domínio alheio contra a natureza . E o que se lê no Diges-to : servitus est constitutio juris gentium, qua quis domínio alieno contra naturam subicitur.

b - Fontes da escravidão

Para o direito romano antigo, imune às influências das idéias cristãs, a escravidão era concebida como um direito natural com fundamento em conquistas militares. Era natural que os cativos de guerra fossem reduzidos à escravidão, servindo aos interesses dos vencedores. Nas sociedades antigas era um elemento essencial. Na sua

,

POLITICA, o velho ARISTOTELES considera a escravi-,

dão tanto natural quanto legítima. CICERO, em outros termos no seu DE REPUBLICA considera a escravidão como um fato inseparável das necessidades da vida.

Para os romanos, alguém poderia ser escravo por nascimento, caso fosse filho de escrava : ou se tomar es­cravo por fatos posteriores ao nascimento:

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- cativeiro: os prisioneiros de guerra eram escravi­zados pelo Estado e , após, vendidos aos interessados. Era a "servitus justa". Um romano tomado prisionei­ro do inimigo também se tomava escravo pelo mesmo princípio . Só que era chamada de "servitus injusta" ;

- deserção: a penalidade da deserção do exército era a escravidão;

- negligência: inscrição periódica no censo, a cada cinco anos, era uma obrigação

grave . O incensus era tomado escravo e vendido pelo Estado;

- addictio: era a situação do insolvente que pode­ria ser reduzido à escravidão pelo seu credor; - prisão em flagrante: para certos delitos; - condemnatio ad metaUa et ad bestias: quem recebesse essa condena­ção era reduzido à escravidão . Houve supressão desta pena ao tempo de CONSTANTINO. JUSTINIANO des­vinculou a escravidão da condenação às minas.

c - Conquista da liberdade ou alforria • ,

A ordem jurídica romana previa fatos que tinham como decorrência a perda da liberdade. Previa, entre­tanto, também fatos que redundavam na conquista da liberdade, entendida como valor supremo para um ro­mano. Entre o fatos há, sobretudo, três dignos de análi-se: a lei, a post e a

Em ocasiões especiais, a liberdade deveria ser conce­dida em força de lei, geralmente em razão de celebrações festivas. Pelo direito das gentes todo vencido capturado era reduzido à condição de escravo até o momento da libertação ou da fuga. Em caso de fuga o escravo ficava protegido pelo jus post liminii, retomando à condição

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anterior, exceto nas relações fundadas em pressuposto de fato, como a posse.

A modalidade mais comum, todavia, de concessão da

. liberdade era a manumissio, ou seja, o ato de conceder a liberdade em força de um poder identificado, no caso, como" manus. Pelas Institutas, manumissio est datio Iibertatis.

.

A manumissio poderia ser · concedida cumprindo o dominus uma série de formalidades que redundavam numa desvinculação plena do escravo. A liberdade não era só de fato, mas também de direito. Se a manumis­sio não fosse solene , a liberdade do escravo seria so­mente de fato , propiciando ao senhor a redução de seu escravo à nova escravidão, ao seu alvitre, causando evi­dentemente abusos, o que exigia a interferência constan­te dos magistrados.Sendo solene a o liber­to passa a fazer parte da gens do seu patrão como se este fôra seu pai, tomando dele o nome, origem e domi­cílio, pois é ao ex-patrão que o escravo deve a sua exis­tência civil . Entre as formas solenes de manumissio, O

direito romano reconhece. - a "pelo censo": o amo conduzia seu escravo ante o censor e declarava, por uma fórmula ofi­cial, sua vontade de conceder a liberdade ao escravo. Era a professio. O censor confirmava e o escravo se tornava, então, civis romanus. - a per ou pela varinha: acompanhado de um amigo, o senhor conduz seu escra­vo perante o pretor e aí, tocando-o com uma varinha, diz: quero este homem livre, hunc Iiberum volo. O pretor confirma dizendo: sê cidadão romano, esto civis romanus.

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- a manumissio pelo como manifestação de última vontade o testador determina a concessão da liberdade a seus escravos. Basta que se cumpra o testa­mento .

Entre as formas não solenes que provocavam uma al­forria de fato, não porém de direito, há a manumissio inter amicos, celebrada diante de amigos; per men­sam, quando o amo colocava seu escravo consigo à mesa; per epistulam, através de uma comunicação es­crita. No tempo do imperador CONSTANTINO foi ofi­cializada a manumissio in sacrossantis ecclesiis, realizada na igreja, perante os fiéis, pelo "dóminus" que declara a sua vontade .

Os escravos alforriados eram denominados libertos . pelo antigo dono e libertinos pelos demais cidadãos,

embora os filhos de libertos também se chamassem liber­tinos. O instituto da manumissio sofreu alterações e restrições sob o governo de OTÁVIO AUGUSTO em razão do excessivo número de libertinos desocupados . gerando problemas de ordem social.

d - semi-escravidão: pessoas "in mancipium"

é um poder exercido por um homem li­vre sobre outro homem livre colocado sob seu poder por algum motivo. O que está in mancipium não é escravo e nem perde a ingenuidade. Mas também não está no gozo pleno da liberdade. As razões que podem reduzir uma pessoa a essa peculiar situação são três: - em caso de delito: o pater famílias abandona o filho delituoso alieni juris em mãos da vítima para que possa se ressarcir dos danos. Mais tarde JUSTINIANO supri­mirá essa aberração;

5 1

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- a negociação , pela mancipatio, de um filho pelo seu pai e outro cidadão com o intúito de obter lucros na

, .

transação . E por tempo limitado e o pai só pode fazer isso três vezes. Após isso, o filho se torna ípso facto sui

,

juris e emancipado do pai . E o que ensina a lei das XII tábuas;

- a situação jurídica do colono, no baixo império ro­mano, a partir do século III d.e. O termo colono nesta época passou a designar o homem livre que se vinculava perpetuamente à terra de outrem para cultivá-la median-

te um pagamento em dinheiro ou em bens, resultado do cultivo da terra. Tomar-se colono era um direito de todo homem livre . O colono também é denominado servo da gleba. Vinculado à terra que se propõe cultivar, não pode fugir, sob pena de ser reduzido à escravidão · em . caso de captura . Em relação à terra que cultiva, o colo­no é um acessório, seguindo o destino do principal.

Embora a lei salvaguardasse o direito de todo homem livre optar pelo colonato nesta esdrúxula situação, havia colonos que assim se tornavam em razão do nascimento; outros por convenção com o proprietário da gleba ; ou­tros por denúncia, sobretudo se mendigos; outros por iniciativa do Estado. Havia também o colonato por pres­crição, quando alguém trabalhasse um gleba durante 30 anos consecutivos. O proprietário adquiriria sobre o colo­rio e sua família o direito de colonato, perdendo com isso o direito de expulsá-lo da terra .

Para que um colono pudesse se livrar desta situação deveria comprar a gleba cultivada, o que era, na prática, muito difícil. Ou, então, ser o colono elevado à dignidade de bispo, o que, na prática, era muito raro.

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5. O "Status civitatis"

a - Noção ,

o estado de cidadania tem sua origem remota na própria fundação de Roma. As três tribos de gens que formaram a cidade mantiveram com exclusividade uma série de privilégios a que os estrangeiros não tinham acesso. Estes privilégios estavam ligados a um direito de cidade próprio dos cives, fazendo parte do direito civil.

Inicialmente só os patrícios eram cidadãos ro­manos. Por pressão constante os plebeus foram tendo acesso também a esse direito com alguns privilégios até que, em 212, o imperador CARA CALA concede o direi­to de cidadania a todos os habitantes do império, excetu­ados os peregrinos deditícios. Com esta decisão, a con­dição de cidadão romano perdeu sua mística e seu en­canto .

b - Aquisição da cidadania

A fonte mais comum era o nascimento: Todo filho de cidadãos romanos ou cidadã romana recebia o status civitatis por nascimento . Outra fonte eram os fatos pos­teriores ao nascimento: trata-se de estrangeiros que fo­ram adquirindo o direito de cidadania. Poderia ser em razão de mudança de domicilio, no caso dos latinos; po­deria ser em força de lei, como aconteceu com a lex Julia que concedeu a cidadania aos latinos ou a lei de CARA CALA que concedeu o direito de cidadania para todos; a prestação do serviço militar acarretava como beneficio a cidadania. Poderia se dar por concessão gra­ciosa, tanto individual como coletiva, como aconteceu com os habitantes de Tarso, na Cilícia. Um estrangeiro

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denunciando um magistrado por prevaricação, se con­firmada, dava ao denunciante o direito à cidadania.

c - Direitos dos cidadãos romanos

Há um rol de direitos públicos entre os quais estão incluídos:

- o jus suffragii ou o direito de votar nos comícios; . - o jus honorum ou o · direito de pleitear e exercer

magistraturas às quais estavam vinculados algumas mor­domias, como o direito aos lictores, a cadeira curul, às simbolizações inerentes aos cargos, cujo exercício não era remunerado;

- o jus sacrorum ou o direito ao exercício de minis­térios religiosos como o pontificado;

- o jus censendi ou o direito de fazer as declarações exigidas pelo censo;

- o jus militiae ou o direito de prestar serviço mili-tar'

,

- o jus agendi ou o direito de, pelo processo da le­gis actio, intentar as ações judiciais cabíveis .

Entre os direitos privados se incluem o jus com­mercii ou o direito de executar algumas práticas comer-

ciais solenes e o jus connubii ou o direito de casar sob a proteção da ordem jurídica romana. "Commercium" designava a capacidade jurídica com relação aos direitos patrimoniais e significava o direito recíproco de comprar . .

e vender ou vendendique invicem jus. "Connubium" era a capacidade de contrair casamento

válido . Com a perda da cidadania, todos esses direitos mor­

. rem. Isso era possível quando o cidadão perdesse a Ii-54

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"

berdade e fosse reduzido ' à escravidão, bem como quan-do assumisse a cidadania de outro país, ou fosse conde­nado às penalidades de exílio e expatriação. A todos esses direitos não tinham acesso os peregrinos, tanto ordinários, ou seja, aqueles que se submetiam a Roma mediante tratados de amizade, como os peregrinos dedi­tícios, ou seja ,aqueles estrangeiros que não aceitavam a submissão, só fazendo alianças .

6. O " familiae"

a - A família romana

Era uma família do tipo constelação, muito grande e numerosa sob o comando e autoridade do chefe deno­minado pater familias. Sob o poder da manus se achava sua mulher, a mater famílias e as noras; sob a patria potestas se encontravam os filhos, mesmo ca­sados e os parentes agnatos; sob o poder do pium se achavam os membros da familia "in manci­pium' ; sob a dominica potestas se achavam os escra­vos e sob o dominium se encontrava o património da familia.

O chefe de familia, nem sempre necessariamente o pai, era todo poderoso, enfeixando em suas mãos um rol considerável de poderes que o transfouoava, na domus, em dirigente do grupo econômico, sacerdote do grupo religioso e magistrado do grupo jurídico-político . Esses poderes só seriam extintos com a morte do pater, ocasi­ão em que o membro mais velho assume o lugar do pa­ter e os filhos casados passam a constituir suas próprias famílias. Excepcionalmente os poderes poderiam ser extintos pela redução do pater à escravidão, pela eman-

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cipação dos filhos, pelo abandono dos filhos em mãos de credores, pela elevação dos filhos a eventuais dignidades ou pela perda da cidadania.

Não somente a mulher casada pode ser mater fa­milias. A mulher sui juris, mesmo solteira poderá ' ser mater familias desde que honesta, podendo dispor de um patrimônio e exercer a dominica potestas. Não

tinha a mulher acesso à manus, ao mancipium e à patria potestas pois eram poderes exclusivos do ho­mem romano . Também não podia exercer funções pú-

. , ,

blicas, ser tutora, servir de testemunha e advogar. Era, ,

pois, segregada em relação ao homem. E o 'que reco-. '

nhece o jurisconsulto GAlO quando afirma: in multis juris nostri articulis deterior est conditio foemina-

b - O parentesco

O direito romano reconhecia um parentesco por li­nha consangüínea denominado cognatio. Mais impor­tante , no princípio ao menos, que a cognatio era o pa­rentesco civil denominado agnatio fundado sobre o po­der paterno ou marital. A mulher, casada in é parente agnata do marido. São parentes agnatos todos os que estão sob a autoridade paterna ou poder da ma­nus do chefe de família, entre si e com relação ao chefe.

Os autores têm discutido muito esta questão. Segun­do Fustel de Coulanges, em A cidade antiga, pág. 47, "o problema torna-se de fácil solução quando se compa­r.a a agnação com a religião doméstica. Do mesmo modo que a religião não se transmitia senão de varão para va­rão, assim também nos afirmam todos os antigos juris-

56 •

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consultos não poderem dois homens estar agnados entre si , quando, remontando sempre de varão em va­rão , não achassem um antepassado comum" .

Segundo informação prestada por GAlO (1 , 1 56) , a agnação existe entre o pai e os filhos ou filhos nascidos de um matrimônio legítimo ou anexados à família pelo instituto da adoção. Se os filhos casam e geram filhos, esses filhos são agnatos entre si e agnatos de seu pai e de seu avô paterno : Sunt agnati per virilis sexus personas cognatione juncti, veluti frater ex eo­dem patre natus, fratris filius, neposve ex eo, item patruus et patrui filius et nepos ex eo.

Os privilégios da agnação foram liquidados por JUS­TINIANO que estabeleceu a cognação como linha sufici­ente para transmitir e conferir os direitos de família .

c - A emancipação

,

E o ato jurídico pelo qual o pater famílias exclui de sua patria potestas o filho ou filha fazendo-os passar da condição de alieni juris para a de sui juris, confe­

. rindo-lhes o que hodiernamente se chama plena capaci-dade jurídica.

Era um ato da exclusiva competência do pater inde­pendentemente da vontade do emancipando. Passando à condição de sui juris o emancipado era desligado da domus e da gens, perdendo todos os direitos inerentes , -

a sucessao. Uma das formas de emancipar era fazer o uso por

três vezes da mancipatio envolvendo filhos que eram colocados temporariamente a serviço de outras famílias, permanecendo na condição jurídica de pessoas in man­cipium. Com a evolução do direito, essa forma meio

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complicada e um tanto quanto deprimente foi substituída por formas mais simples, como a emancipação anasta­siana: o pater solicitaria a concessão da emancipação ao imperador que haveria de responder através de um res­crito ; ou a emancipação pela abdica tio: o pater abre mão da patria potestas deserdando o filho ; ou a emancipação justinianéa: o pai se dirige ao magistrado e diante dele faz uma declaração emancipando o filho, seguida do consentimento do emancipando.

d - A adoção

,

Não é um instituto peculiar do direito romano. E co-nhecido desde a mais remota antigüidade . Sabe-se que o Código de Hamurabi já contempla este instituto que é minuciosamente regulamentado. Na Sagrada Escritura a adoção também é encontrada e extremamente valoriza­da. Térmulas, filha do Faraó, 'adotou Moisés assim como Mardoqueu adotou Ester e Putifar adotou José . Em Roma se conhece a condição de filhos adotivos de alguns personagens famosos como Cipião Emiliano, Calígula, Tibério, Justiniano e , até mesmo, Nero.

Segundo ensinamento do Código de JUSTINIANO, a adoção é um ato legítimo que, imitando a natureza, dá os filhos que queremos ou legitimus actus, naturam immitans, quo Iiberos nobis quaerimus. Em sentido lato , adotar significa colocar alguém sob a patria potes­tas. Em sentido estrito é o ato pelo qual um alieni ju­ris sai de sua família de origem para abrigar-se em outra família e ali colocar-se sob outra patria potestas.

Tinha este instituto as finalidades de prover herdeiros - , . . .. ..... . aos que nao os pOSSUlssem ou propIcIar a sequencla aos

cultos domésticos nas famílias sem filhos varões. A ado­ção foi usada também com finalidades políticas, na linha

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do nepotismo ou para transformar plebeus em patrícios e •

v1ce-versa . Por não possuírem a patria potestas, as mulheres

não podem ser adotantes, a não ser por indulgentia principis como aconteceu no tempo de JUSTINIANO.

� .

E também este imperador que faz a distinção entre ado-ção plena e menos plena. Aquela se dá entre parentes e esta entre estranhos. Quanto aos eunucos e impotentes não havia restrições em serem adotantes .

e - Tutela e curatela

Tutela se origina do verbo tueor, que em latim signi­fica guardar, proteger. A tutela é o instituto do direito romano que tem por finalidade proteger a pessoa e so­bretudo os bens das crianças impúberes de ambos os sexos, bem como das mulheres púberes sui juris em razão de orfandade ou emancipação. Para as mulheres a tutela era perpétua .

Tratava-se de impúberes sui juris nascidos fora do .

matrimônio e impúberes emancipados antes da puberda-,

de. A tutela , que não suprimia a condição de sui juris findava com a puberdade . Para as meninas a idade da puberdade era aos 12 anos. Para os meninos, em tomo de 14 anos, mas dependiam de um exame sobre os si­nais da puberdade.

Ser tutor era considerado um munus publicum e era preciso ser livre, ser cidadão e do sexo masculino. Normalmente tutor era o agnato mais próximo. Na falta deste, o magistrado nomeava um tutor, cuja responsabi­lidade maior era cuidar dos bens do pupilo e não tanto de sua educação.

A curatela, originária de curare, cuidar, velar, é o instituto criado para proteger pessoas físicas incapazes,

.

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como loucos, dementes, mentecaptos e pródigos. o cu­rador é um administrador dos bens do curatelado. A Lei das XII Tábuas previa curatela para os loucos furiosos e para os pródigos. Posteriormente o instituto foi estendi­do também aos mentecaptos, surdos-mudos e aos ataca­dos por enfermidades consideradas graves. Mentecaptos eram aqueles cidadãos cujas faculdades mentais tinham pouco desenvolvimento. Pródigos eram aqueles que, por esbanjamento, dilapidavam um patrimônio recebido por herança . Eram interditados e, a seguir, colocados sob curatela, com a interdição atingido somente o "jus com-

. . " merCll .

f - O matrimônio no direito romano .....

Entre os direitos dos cidadãos há o jus connubii ou o direito de casar. Na evolução jurídica romana, em ra­zão da forte vinculação entre poder civil e religioso, o matrimônio era uma questão de direito público . Havia as chamadas justas núpcias para os cidadãos romanos e injustas núpcías para os estrangeiros, escravos e outros .

Quem melhor retratou o sentido do casamento para os romanos foi · o jurisconsulto MODESTINO quando afirmava : nuptiae sunt conjuctio maris et foemi­nae, consortium omnis vitae, divini et humani ju-

,

ris communicatio. E, pois, a união do homem e da mulher num consórcio total de vida, uma associação de direito divino e humano.

Para definir o casamento, MODESTINO usa três termos que se completam: conjunção, consórcio e co­municação. Estão presentes alguns princípios importan­tes : o casamento monogâmico, indissolúvel e uma impli­cância entre exigências de direito divino e direito huma-

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no. Não está caracterizada formalmente a dimensão ,

contratual . E muito mais importante o elemento psicoló-gico denominado affectio maritalis, sendo o amor um componente destacável deste instituto.

.

Para a validade de um matrimônio era necessário que os esposos fossem púberes, gozassem do jus connubii e consentissem mutuamente com a união , além de obte­rem o consentimento do chefe de família em caso de os nubentes ainda se encontrarem na condição de alieni • •

jUrlS. Sacramentado o casamento , os esposos passam a ser

vir et uxor devendo-se mútua fidelidade, sendo legítimos os filhos que daí nascerem. O adultério era um crime matrimonial ferindo o dever de fidelidade, castigado de forma mais rigorosa para a mulher quando descumprido. No tempo de CONSTANTINO, o adultério da mulher era penalizado com a morte. JUSTINIANO abrandou

. -

esse ngor. Para os romanos, o casamento tinha como finalidade

principal a procriação. O celibato não era bem visto e, em certo tempo, foi até condenado.

A vinculação entre a ordem jurídica humana e divina , como enfatiza MODESTINO ao conceituar o casamento, é um assunto interessante , mas não prosperou na evolu­ção histórica dos romanos. JUSTINIANO, ao tratar desta questão, nem faz alusão à communicatio divina.

Quanto à forma do casamento justo, este poderia ser cum manu e sine manu, conforme houvesse ou não comunicação de patrimônio entre os cônjuges. Para os patrícios a modalidade mais comum de casamento era a confarreatio, uma solenidade de caráter religioso em que estavam presentes os noivos, dez testemunhas, uma testemunha qualificada (em geral o Pontífice Máximo),

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atos e palavras, além do bolo de trigo oferecido no altar dos deuses protetores da família do noivo.

Para os plebeus havia a modalidade da coemptio, em que era simbolizada uma compra-e-venda da mulher pelo marido . Existia também a modalidade do usus, um casamento de fato que se tornava de direito após com­pletado um ano de coabitação contínua. A posse durante um ano consolida o matrimônio. A interrupção da coabi­tação por três noites consecutivas protegia a mulher con­tra as pretensões do marido . Era a usurpatio trino-

xlum. Para os estrangeiros, os escravos e os cidadãos le­

galmente impedidos de casar, havia as núpcias injus­tas. Para os cidadãos impedidos de contrair núpcias jus­tas havia a modalidade do concubinato. A mulher é concubina porque não pode ser tomada como uxor. Os filhos que daí nascessem eram considerados semi­indignos e o pai não podia adotá-los, embora fosse obri­gado a alimentá-los.

Para os estrangeiros ou peregrinos vale o casamento jure gentium que os romanos denominavam sine connubio. Da mesma forma se o casamento fosse mis­to. Para os escravos e livres que casassem com escravos, o casamento se denominava contubernium. A bem da verdade o escravo não contrai matrimônio mas somente realiza uma relação sem conseqüências jurídicas , sem direitos de família ou sucessórios . Não há parentesco entre escravos . "Servilis cognatio nulla est". Igual­mente não contrai créditos ou dívidas porque incapaz de obrigações e de sofrer qualquer tipo de ação. "In per­sopam servilem cadit obligatio... Cum servo nulla actio est". Assim diz o Digesto.

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Em termos de dissolução do matrimônio, uma das causas era a morte de um dos cônjuges . O cônjuge viúvo, sendo homem, poderia casar novamente quando quises­se; sendo mulher, deveria aguardar dez meses, por ques­tões relacionadas com a paternidade incerta.

A redução à escravidão de um dos cônjuges resultava na dissolução do casamento, porque a perda da liberdade arrastava consigo a perda do jus CODDUbii. Poderia o casamento ser dissolvido pelo divórcio, por vontade do pai do cônjuge varão ou por vontade dos cônjuges, ou de somente um deles. O imperador MARCO AURÉLIO eliminou o poder de o pater famílias exigir o divórcio do filho. Haveria um divórcio bODa gratia se fosse consensual, sem formalidade a não ser a difarreatio, para os patrícios. Haveria, enfim, o repudium se a se­paração se desse pela vontade de qualquer um dos côn­juges que poderia dar ao outro o libelo de repúdio.

,

OTAVIO AUGUSTO, para dificultar a separação, exigiu, pela lex Julia, que o libelo fosse apresentado perante 7 testemunhas.

Havendo filhos, a questão da guarda é ao magistrado que cabia decidir. Isso em força de uma constituição im­perial de DIOCLECIANO.

• •

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CAPITULO VI DIREITO DAS COISAS.

1. Noção de coisa

,

Res ou coisa não é um termo unívoco . E passível de várias acepções. Segundo entendimento das Institutas de JUSTINIANO, res . são "todas as relações patrimoniais" . Também res pode ser entendido como tudo o que possa ser avaliado economicamente ou tudo o que possa satis­fazer as necessidades humanas.

2. Classificação

Podem as res serem in patrimonium e extra pa­trimonium. São res in patrimonium todas aquelas

coisas que podem ser patrimonializadas, adquiridas, ven-didas, comercializadas . Diversamente, todas aquelas coi­sas pertencentes ao poder público ou de uso público , fora de qualquer comercialização, são as coisas extra patrimonium. As primeiras são as res privatae e as segundas são as res publicae.

Entre as res in patrimonium ou privadas podem ser destacadas:

. . . . -

a - res manclpl e res nec manclpl: sao as que se transmitem respectivamente de forma solene e não sole­ne . As res mancipi se transmitem pela mancipatio e in jure cessio, como as transações comerciais envol­vendo as terras na Itália, as casas, os escravos, os ani­mais de carga e tração. As res nec mancipi pela sim­ples entrega ou traditio.

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b - res corporales e res incorporales: as coisas corpóreas são aquelas que podem ser tocadas, enquanto que as incorpóreas são as que não podem ser tocadas, como as que se constituem em direitos, a exemplo dos

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direitos de heranças, o usufruto, as obrigações. E o que entende o jurisconsulto GAlO: Corporales hae sunt quae tangi possunt; incorporales sunt quae tangi non possunt, qualia sunt ea quae jure consistunt sicut haereditas, usufructus, obligationes. A única exceção é o direito de propriedade, considerado uma coisa corporal em virtude da fonte vinculação existente entre a coisa e o direito de propriedade . As res in cor­porales, em força de sua Ratureza, não podem ser obje­to de posse .

c - res mobiles e res immobiles: são as coisas que podem ser deslocadas de um lugar para outro sem que sua substância ou forma seja alterada . São as coisas móveis . Também são coisas móveis aquelas que se des­locam por força própria, como os animais . São chama­das de semoventes. As que não podem se deslocar, nem ser deslocadas sem que se altere sua substância ou forma, são coisas imóveis . Tal é o solo e tudo o que a ele se liga natural ou artificialmente, como as construções e plantações.

d - res fungibiles e res infungibiles: são aquelas coisas que são designadas por quantidades, pesos ou medidas. Os romanos as denominavam res quae pon­dere, numero, mensura consistunt. As coisas fungí­veis podem ser substituídas por outras de igual natureza desde que preservadas as medidas, o peso ou a quanti­dade. As que não podem ser substituídas em razão de sua individualidade e Singularidade são as coisas infungí-

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veis, ressalvando-se que o termo fungibilis é uma inter­polação introduzida no direito romano por volta do sé­culo XVI.

. .

e - res divisibiles e res indivisibiles: como o ter-mo mesmo diz são coisas divisíveis aquelas que podem ser divididas sem que haja alteração em sua natureza, enquanto as indivisíveis não podem sofrer divisão sem alterar sua essência.

As res extra-patrimonium podem ser:

a - De direito ·públic�, como as res communes, as coisas que não são propriedade de ninguém e até mesmo a sua natureza exclui a apropriação individual como a água corrente, o mar e suas praias; as res uni­versitatis: são as pessoas jurídicas tais como as cidades , as corporações e as coisas pertencentes às cidades, como os teatros, as praças, os banhos públicos; as res publicae: são as coisas comuns a todos , mas proprieda-

de exclusiva do povo romano, como as ruas, as vias, por-tos e rios perenes.

b - De direito divino: eram as coisas consagradas aos deuses e submetidas à autoridade dos pon·tífices . Eram consideradas propriedade dos deuses, denomina­das também res nullius, porque ninguém poderia delas se apropriar. Subdividem-se em: res sacrae: aquelas coisas que foram transformadas em res de direito divino através de uma consagração. Diz GAlO que as coisas sacras são res quae diis superis consecratas sunt, sao aquelas coisas consagradas aos deuses superiores; res religiosae: as consagradas aos deuses inferiores , os

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deuses Manes, como os túmulos e os cemitérios; res sanctae: são aquelas coisas protegidas por uma sanção penal porque não poderiam ser violadas , como as portas e os muros da cidade.

3. A propriedade

a - Noção de propriedade

Para o direito romano, o direito de propriedade é um dos pontos axiais de toda a sua ordem jurídica . Pelo di­reito de propriedade um indivíduo possui · um poder total e absoluto sobre uma coisa. Era a plena in re potes­tas, como se costumava dizer . Tal poder pleno a princí­pio era entendido em sentido profundamente individualis­ta . Com o passar do tempo foi despertado um sentido social, consolidado à época de JUSTINIANO.

Não se confunde o direito de propriedade com a posse , que é um fato com poderes de exteriorizar o direi­to de propriedade, fundamentalmente um direito.

Assim relata o Digesto : Nihil commune habet proprietas cum possessione . . . Separata esse de­bet possessio a proprietate. Vale dizer, a proprieda­de com a posse nada tem de comum e a propriedade deve ser separada da posse . ULPIANO arremata dizen­do: Nec possessio et proprietas misceri debent, ou seja, posse e propriedade não devem ser misturados .

b - Características do direito de propriedade

Pode-se dizer do direito de propriedade que se trata de um direito personalíssimo, exclusivo, oponível erga om­nes, garantido pela ação chamada reivindicatio. Em

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síntese, pode-se dizer que o direito de propriedade confe­re ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor , que os latinos denominavam de jus utendi aut usus� jus fruendi aut fructus, jus abutendi aut abusus, en­tendendo-se por abuso o poder de consumir a coisa pelo uso .

c - Formas de aquisição de propriedad�

Para o direito romano, as formas de aquisição de propriedade são duas: a aquisição originária, que surge a partir da res nullius, entrando para a propriedade do primeiro proprietário completamente livre de qualquer ônus; a aquisição derivada , quando algo é adquirido já tendo sofrido anterior propriedade , com possíveis emba-

� raços, gravames e onus.

.

d - Formas de transferência de propriedade

Também são duas: as formas convencionais e as não-convencionais. As primeiras implicam, na transfe­rência, uma convenção entre as partes, exigindo neces­sariamente dois elementos. Poderá se dar uma transfe­rência seguindo formalidades legais, tornado o negócio

,

solene. E o caso da mancipatio, uma transação feita entre particulares e que se dá perante cinco testemunhas e um porta-balança, presente a coisa, exceto em caso de imóveis . O adquirente toma na mão a coisa e faz uma declaração formal, se dizendo proprietário . Golpeia a balança com uma peça de cobre entregando-a ao vende­dor ou alienante para simbolizar o preço . Outra forma convencional é a in jure cessio. A transa­ção é feita perante o magistrado, presentes o adquirente, o alienante e a coisa. O adquirente se declara proprietá-

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rio segundo o direito civil . O magistrado consulta o ven­dedor para ver se há oposição. Não havendo, confirma o negócio, declarando proprietário o adquirente. A transferência convencional sem solenidade ocorre na traditio, sendo suficiente a entrega da coisa para con­sumar a transferência de propriedade.

Nas formas não-convencionais a transferência se dá com a participação de um elemento só. Na verdade ine­xiste a figura do alienante . Isso ocorre: - na ocupação, em que alguém se toma proprietário de uma res nullius tomando posse, como nos casos de saque militar, na posse de coisas abandonadas, res derelictae, como os frutos da caça, pesca e no encontro de tesouros; - na especificação: a coisa, em seu gênero, é transfor­mada numa espécie. O proprietário da coisa genérica será também da especificada; - na acessão: o proprietário do principal é também do acessório pela aplicação do principio : acessorium se­quitur principale; - no usucapião: aquisição da propriedade em razão do transcurso de determinado lapso de tempo çom a coisa em mãos do possuidor, desde que a posse seja de boa fé e a título justo. O prazo, segundo a lei decenviral, é de dois anos para os bens imóveis e de um ano para os bens móveis; - na adjudicação: acontece nos processos de partilha e deslinde em que o magistrado faz a transferência e de­termina a propriedade; - na aquisição "ex lege ti : quando a propriedade era

,

atribuída a alguém em força da aplicação de uma lei. E o caso do dono do terreno onde alguém encontra um te-• souro. Metade do tesouro pertence ao proprietário, em virtude de uma lei do Imperador ADRIANO.

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4. A posse

a - Noção

,

E o poder físico sobre a coisa, exercido pelo possui-dor de forma efetiva. O possuidor não precisa ser pro­prietário . para caracterizar a posse são necessários dois elementos: a intenção declarada de possuir e a posse de fato. Na intenção está o animus e na dominação efetiva está o corpus. Na ausência de qualquer um destes ele­mentos ou não há posse ou ocorreu a perda da posse.

b - Efeitos jurídicos da posse

,

E sempre uma questão de fato , mas é fundamento para algumas formas de aquisição de propriedade, como usucapião e a traditio. Da mesma forma numa ação reivindicatória a posse é um fato de especial importância .

c - perda da P9sse

O instrumento legal de proteção à posse e o "inter­dictum": ordem expressa dada pelos magistrados a re­querimento de um particular contra o procedimento de outrem. O interdictum é uma ordem que impõe certo procedimento . Distinguem-se os interdicta conforme a finalidade. Temos assim os interdicta adipiscendae possessionis, que protegem um título de possuir, vi­sando dar a posse a quem não a tem. Para manter o estado de possuidor protegendo-o contra turbações há os in,terdicta retinendae possessionis. Os interditos que tem como escopo a reaquisição da posse perdida se de­nominam interdicta reciperandae possessionis .

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CAPITULO VII -

DIREITO DAS OBRIGAÇOES

1. Noção geral

O termo obligatio . provém de uma ação (actio) de ligar (ligare) em razão de um motivo (Ob) . A obriga­ção, portanto , tem presente um vínculo, um liame, um nexo. De acordo com o pensamento de FLORENTINO, expresso nas Institutas de JUSTINIANO, obligatio est juris vinculum, quo necessitate adstringimur ali­cuius solvedae rei secundum nostrae civitatis

I

jura. E, pois, um vínculo jurídico pelo qual somos obri-gados a resolver alguma coisa de acordo com os direitos de nossa cidade. Não é qualquer vinculo que gera obri-

I .

gação. E preciso que a obrigação esteja escudada na or-dem jurídica para que gere um compromisso no presente projetando-se no futuro .

Para que haja uma obrigação, portanto, é preciso que duas pessoas se comprometam entre si num dar, num fazer ou num prestar, caracterizando um credor, um devedor e um vínculo, dentro da ordem jurídica. Há, pois, como elementos necessários de uma obrigação um sujeito ativo (credor) , um sujeito passivo (devedor) e um objeto (débito) que será sempre um ato que o devedor executa em proveito do credor, constituído num facere, dare ou praestare.

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2. Fontes principais das obrigações

. Em geral toda obrigação brota de um fato ou de um ato, que seria sua fonte. Do ponto de vista das obriga­ções, as fontes principais são quatro: contrato, quase contrato, · delito, quase delito .

a - Contrato .-

Dentre os institutos do direito romano, o contrato é um dos que se caracteriza por uma notável rigidez e for­malidade. Uma obrigação contratual não brota do sim­ples consentimento das partes. Sem o uso de formas especiais não há contrato . Poderá haver pacto. Palavras apropriadas, gestos simbólicos, objetos e pessoas são elementos que perfazem a essência de um contrato num ordem jurídica onde o formalismo atinge a substância dos atos.

Inicialmente, porém, não era· assim. Antes do direito escrito, os contratos eram celebrados por palavras, com os contratantes dando-se as mãos olhando para o templo da deusa Bona Fides. O formalismo contratual é poste­rior. o espírito vivificado r do comércio e o primeiro ele­mento que deve estar presente na atividade comercial é a boa fé. "Bona fidés est mobile ac spiritus vivificans comercii".

Contrato é, portanto, um acordo celebrado entre du­as ou mais pessoas a respeito de um mesmo objeto se­guindo determinadas formalidades e produzindo efeitos jurídicos sobre as partes vinculantes. Para a validade de um contrato são exigidos os seguintes requisitos: mani­festação da vontade ou consentimento, a capacidade jurídica dos contratantes, objeto lícito e observância das

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formalidades prescritas. A inobservância de qualquer des­tes requisitos acarreta a nulidade do contrato.

O elemento fundamental , porém, é a manifestação da vontade, que pode ser viciada e anular o contrato em razão de erro, violência ou dolo.

Haverá erro quando uma das partes tem noção falsa ou até ignorância sobre o objeto ou parte contratante ou

. ,

a modalidade contratual . E possível, pois, um error in persona, quando o falso conhecimento se dá com rela­ção a uma das partes contratantes; será um error in negotio se a ignorância versar sobre a natureza do ato jurídico contratual ; será um error in corpore quando o erro incidir sobre o objeto do contrato . Se o erro versar sobre substância da matéria , objeto do contrato, será um error in materia aut in substantia.

Dolo é o vício que atinge o procedimento ou conduta do contratante que tem a intenção, de forma premedita­da, de buscar benefícios para si ou para outrem usando de meios ilícitos. Esconder defeitos do objeto com o in­tuito de ludibriar torna nulo o contrato por vício redibitó­rio. Contrato celebrado sob coação física ou moral é nulo de pleno direito em razão da violência sobre a von­tade.

No que tange às espécies, os contratos podem ser:

- contratos formais: são aqueles cuja forma exterior é determinada em lei, atingindo a essência do contrato. o mais importante destes contratos era o nexum, que de­signava toda operação de compra feita com a solenidade da pesagem diante de testemunhas;

- contratos verbais: a formalidade se achava no uso de determinadas palavras, como spondesne? Spondeo! A estipulação era contrato verbal reservado aos cidadãos

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romanos, com exceção dos surdos-mudos. As fórmulas mais comuns eram: Promittis? Promitto. Dabis? Dabo.

- contratos literais: eram os contratos escritos. O fato de serem escritos provava tanto o contrato em si como pro-

. vocava sua existência. Eram, por isso, registrados em livro especial. Quando escritos em folhas volantes eram denominados contratos quirografários, mas não tinham o valor de um contrato literal. .

.

- contratos reais: são aqueles contratos que envolviam a entrega de alguma coisa, . datum, aut factum. Entre eles, os principais eram o mútuo (contrato pelo qual uma pessoa recebe de outra um ou mais objetos e se obriga a dar, em troca, objetos iguais ou da mesma

.

natureza) ; o comodato (contrato pelo qual uma pessoa · entrega a outra um obj�to não consumível para dele se servir de forma gratuita com a obrigação de restituir no tempo estipulado); o depósito (é um contrato semelhante ao comodato, só que em vez do uso gratuito há a guarda gratuita do depositário com restituição quando exigida) : o penhor (o pignus é o contrato pelo qual o devedor deposita em mão do credor um bem para garantir o pa­gamento de um dívida, ficando o credor pignoraticio com a posse do bem).

- contratos consensuais ou convencionais: são aqueles contratos que fogem ao rigor do formalismo e do ritua­Iis·mo sendo suficiente , para a sua validade, o consenti­mento das partes contratantes . Baseava-se na boa fé das partes que assumiam o compromisso de honra com a

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vinculação religiosa à deusa Bona Fides, cujo templo, construído por Numa Pompílio, se achava sobre o monte

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Palatino . Entre os principais contratos consensuais se achavam: a venda, emptio ou venditio (mediante um preço estipulado uma pessoa se obriga a transferir para outra os direitos sobre uma determinada coisa; a locação (contrato pelo qual uma pessoa, locator cede o uso de um bem a outra pessoa, inquilinus ou colonus medi­ante um preço previamente estipulado; a sociedade (du­as ou mais pessoas, com o fim de obter lucro comum, resolvem colocar alguma coisa em comum); o mandato (contrato pelo qual uma pessoa se obriga a tratar gratui­tamente dos negócios e interesses de outra pessoa) .

b - Quase contrato

Como o termo diz, ' não chega a se configurar um contrato porque , embora haja uma obrigação, não houve o consentimento entre as partes. Em força da ação de uma das partes, há o benefício da outra, gerando a obri­gação , pois , sem ela , haveria enriquecimento injusto . Verifica-se no caso da gestão de riegócios sem mandato expresso ou mesmo tácito , no pagamento indevido, na administração da tutela e da curatela, entre outros .

c - Delitos

São atos ilícitos em que há lesão de direitos de outra pessoa ou prejuízo de ordem social . Poderiam ser priva­dos se a ofensa for a pessoas particulares e públicos se perturbassem a ordem pública.

Como a conhecida lei de talião era um patrimônio comum dos povos antigos , a princípio em Roma se re­solvia tudo na base do 'dente por dente, olho por olho' , em nível individual . Em seguida, a composição da coisa passou ao nível de família, em geral com indenização

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pecuniária . Por fim, interveio o Estado, impondo as pe­nas a serem aplicadas aos réus.

A Lei das XII tábuas só previa três tipos de danos por atos ilícitos: corte de árvores, a provocação de incêndio na casa alheia e a pastagem do gado no terreno de ou­trem. No século III a.C. foi publicada a lex Aquilia que tinha por objetivo principal punir os delitos, entre eles os danos causados por atos ilícitos, com ênfase para o furto ,

. . . , .

a rapma e a mjuna. O dano advindo do ato ilícito provoca uma obrigação

de reparação e desagravo. Por isso, o delito é fonte de obrigações. .

Tratando-se de delito privado, a iniciativa da ação é da vítima. A pena, em geral , é uma multa em benefício da vítima. Tratando-se de delito público, a iniciativa da ação pode ser de qualquer cidadão. Para os culpados, as penas podem ser a morte , o exílio, multas e penas cor­porais . Em caso de multa pecuniária, o beneficiado não é o autor, mas sempre o Estado.

d - quase delitos

Eram atos ilícitos e prejudiciais, não porém arrolados pela legislação entre os atos ilícitos propriamente ditos . .

Também a lei não previa um tipo de ação para proteger os prejudicados. As Institutas de JUSTINIANO apresen­tam alguns casos em que se configuram os quasedelitos:

. o positum et suspensum, quando alguém pendura numa casa um objeto que pode despencar sobre a cabe­ça de outrem; o effusum et dejectum, quando alguém derrama líquidos em vias públicas provocando quedas ; o caso do juiz que profere sentença injusta por ignorância ou negligência; o roubo em hospedaria ou navio, provo­cado por empregados gerava uma obrigação de repara-

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ção por parte do proprietário da · hospedaria ou do co­mandante do navio .

Além destas causas principais geradoras de obriga­ções, os jurisconsultos romanos fazem referências a vári­as outras figuras de causas, como as obrigações oriundas das relações de vizinhança em caso de obra que altere curso de água em prejuízo do vizinho; a obrigação de alimentos em virtude de contrato ou por disposição tes­tamentária; as obrigações do dominus em força de prejuízos causados por seu escravo a outrem; os prejuí­zos causados por animais geravam obrigações nos pro-

. prietários deles; a fraude contra credores era causa de uma obrigação dos devedores com os credores, cuja ação se escudava na lex Pauliana.

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CAPI o VIII -

DIREITO DAS SUCESSOES.

1. Noção

Esse é um assunto intimamente ligado ao direito de propriedade. Com a morte do proprietário desaparece o poder de domínio sobre o patrimônio deixado. Como ficam os bens que pertenciam ao falecido? A resposta cabe ao direito das sucessões.

Em sentido objetivo pode se entender sucessão como sendo o conjunto de bens deixados por um proprietário ao morrer. Confunde-se, pois, o patrimônio com a su­cessão ou herança. Em sentido subjetivo, porém, suces­são é a transmissão do , ' patrimônio da pessoa falecida

,

para aqueles que concorrem com este patrimônio. E o que os romanos chamam de sucessio bonorum de­functi. '

••

2. Tipos de sucessão

Fundamentalmente a sucessão se dava em força de lei quando o proprietário fosse colhido pela morte sem ter feito nenhuma manifestação quanto ao destino dos seus bens. Tínhamos, então, a sucessão legítima ou ab intestato. Caso decidisse o destino do seu patrimônio através de testamento, teríamos então a sucessão testa­lJlentária. Sob o ponto de vista histórico, a sucessão legí­tima é anterior à testamentária.

Nesta questão os romanos se regeram por dois prin­cípios muito claros: a superioridade da sucessão testa­mentária sobre a legítima e a incompatibilidade dos dois tipos de sucessão entre si, excluindo-se mutuamente, de

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tal forma que a sucessão acontecia ou em força de lei , ou em força da vontade do falecido. A respeito do mesmo patrimônio a simultaneidade dos dois sistemas não era possível.

3. A sucessão legítima

Na hipótese de morte sem testamento, quem herda? Inicialmente os filhos, como determinava o costume. Eram os haeredes sui, que ao tempo da morte se en­contravam sob a patria potestas do pater famílias. Incluem-se aqui também os filhos naturais · e os adotivos. Ao tempo de JUSTINIANO são incluídos entre os hae­redes sui também os filhos legitimados. São denomi­nados haeredes sui porque são de casa e, sob · certa forma, são herdeiros do que é · próprio, como co­proprietários do falecido .

Inexistindo os herdeiros seus entram na sucessão, por ordem, os agnatos e, por fim, os gentiles. Agnatos eram os parentes colocados sob o mesmo pátrio po-

,

der. E um parentesco civil, não natural . Havendo agna-tos de graus diferentes, os mais próximos ' excluem os mais remotos. Quanto aos gentiles, não se sabe dizer quem eram.

A opinião mais divulgada era a de que esses gentiles eram pessoas ligadas a gens do falecido . No tempo de JUSTINIANO os gentiles foram excluídos da ordem de sucessão. Da mesma forma os agnatos, que foram substi­tuídos pelos cognatos, preservando-se a linha do paren­tesco consangüíneo e desprezando-se o parentesco civil . Sendo os herdeiros todos do mesmo grau de parentesco, a partilha será feita per caput. Sendo de grau diferente, será feita per stirpes, sem haver distinção de sexo .

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4. A sucessão testamentária

a - Noção

o direito romano sempre prezou cuidadosamente o direito de propriedade . . A plena in re potestas tem seus reflexos e seu valor enquanto o proprietário pode dispor de seus bens. A força de sua disposição tem con­seqüências mesmo após a morte do proprietário. Isso se . dá no testamento, como manifestação da vontade do proprietário com disposições a vigorar após a morte do testador. ULPIANO assim define o testamento: testa­mentum est · mentis nostrae justa contestatio, in id sollemniter, ut post mortem nostram valeat.

Para que tenha valor como testamento, a manifesta­ção da vontade deve ser justa, ou seja, de acordo com a ordem jurídica e com as formalidades legais exigidas, passando a ser eficaz somente após a morte do testador.

b - Fonllas de testamento •

Embora se deva reconhecer que em todos os institu­tos do direito romano há sempre muita riqueza de deta­lhes e modificações havidas ao longo de quase 15 sécu­los de história, as formas de testamento ma�s usuais eram duas: em tempo de paz o testamento calatis comitiis e, em tempo de guerra, o testamento in procinctu.

O primeiro tipo de testamento era feito em Roma perante os comícios curiatos convocados especialmente para este fim duas vezes ao ano. Na oportunidade se achavam presentes também as autoridades religiosas, dada a íntima relação que se passa entre a transmissão

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do patrimônio e a sucessão no culto dos deuses proteto-res da família. O chefe de família declarava ante os comí­cios quem era seu herdeiro. Os comícios aprovavam, embora fossem livres para rejeitar.

O herdeiro , como sucessor na universalidade dos bens, era como uma espécie de representante do faleci­do, devendo, a seu tempo, agir como se fosse a pessoa do defunto , assumindo todas as obrigações, inclusive as dívidas.

O testamento in procinctu era feito exclusivamente pelo chefe da família militar, diante do exército, em tem­po de guerra.

c - Características da sucessão testamentária

Sendo uma forma de dispor dos bens superior à von­tade da lei, a regra geral era a sucessão por testamento . Uma das preocupações de todo pater famílias, deten­tor de um patrimônio, era deixar o seu testamento . Era um ato jurídico protegido pelo direito civil , de tal forma que sem possuir o status civitatis não era possível tes­tar. Era um ato personalíssimo, realizado pelo testador em pessoa, não sendo admitida a figura do representante ou procurador . Era, porém, um ato formal e uni lateral, sendo obrigatória , para a sua validade , a observância da solenidade, gerando obrigações somente para o testador. Como ato personalíssimo e unilateral é um ato sempre revogável porque , em vida do testador, pode ser substi­tuído, modificado ou mesmo revogado, valendo a última manifestação de vontade .

Finalmente , além das formas usuais antes assinala­das , havia também o testamento nuncupativo em que o testador declarava oralmente suas últimas vontades e escolhia o seu herdeiro diante de um certo número de

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testemunhas. Como simplificação, levada a cabo pelos pretores, apareceu a forma do testamento pretoríano, eliminando algumas exigências e reduzindo o testamento à apresentação das tabulas a sete testemu­nhas que punham o signum. Por esta forma de testa­mento , o herdeiro era um mero possuidor dos bens. Em razão dó' jogo de interesses que está envolvido no testa­mento, o instituto sofreu muitas e consideráveis altera­ções ao longo de sua história.

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CAPITULO IX . O PROCESSO NO DIREITO ROMANO.

E um dos setores do ordenamento jurídico romano em que mais se acha manifesto o formalismo e o apego aos detalhes. Como se sabe, a norma processual que regula as ações é o instrumento de defesa dos direitos. Estes, sem o instrumento de garantia, poderiam ser me-

. ramente teóricos . Em caso de violação de um direito, como se daria a reparação, o desagravo? Cada cidadão buscaria defender-se ou vingar-se? A ordem jurídica tal não permite . O Estado se apresenta como o agente que garante os direitos e propõe instrumentos e formas para a reparação, a composição e o desagravo todas as vezes que houver lesão a direitos. Basta recorrer à autoridade constituída que possui o poder de jurisdição . Por isso existem as ações, pois todo detentor de direitos pode e deve defendê-los . Segundo os romanos, "quem usa de seu direito, não prejudica ninguém" ou, qui jure suo utitur, neminem laedit.

. .

Em caso de necessidade, o sujeito poderia té mesmo empregar a força , porquanto "é lícito repelir a força pela força" ou, então, vim vi repellere Iicet .

Na evolução processual romana, o poder de julgar era privilégio inicialmente do rei. Na época da república, dos cônsules e, posteriormente, dos pretores.

1. Noção de Ação

Segundo o conceito exarado nas Institutas de · JUS­TINIANO, ação é o direito de buscar em juízo o que é devido, jus persequendi judicio quod sibi debetur.

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,

E, portanto, um direito, já reconhecido na · própria lei decenviral e constituído como um dos privilégios do direi­to de cidadania: o jus . ad legis actiones. Para tanto basta a existência de um direito no cidadão e a lesão por outrem. Indo o prejudicado a juízo, configura-se a rela­ção com os elementos da ação: autor, réu e julgador.

2 . Espécies de ações

Fundamentalmente, há duas espécies de ações, con­soante nasçam de um direito real ou de uma obrigação. Há, desta forma, as chamadas ações reaís (actiones in rem) e ações Pessoais (actiones in personam ou condictiones). A partir desta distinção, o direito roma­no foi fazendo uma série dé subdivisões çonforme o tipo de direito ou o poder . do magistrado que criou a ação. Temos, entre outras, as ações confessórias, negatórias, ações civis, pretorianas, ação publiana, ação pauliana, etc.

3. A evolução do Processo Civil

A princípio , na época da realeza, as funções jurisdi­ciemais eram desempenhadas pelo Rei, que se sentia sob inspiração divina ao fazer a Justiça . Há uma tradição que afirma serem as primeiras leis, as chamadas leges

. - - -

regiae, fruto desta inspiração dos deuses. Quando o rei se viu na contingência de de1egar os poderes, nomeou os pontífices como auxiliares da Justiça .

Na época republicana, os cônsules enfeixavam em suas mãos tanto o poder de império, quanto o poder de jurisdição (imperium et jurisdictio). A avalancha de tarefas , porém, levou os cônsules a criar os pretores com

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função específica de administrar a Justiça em . recintos apropriados (tribunais) e com poderes de solicitar a ou­tros cidadãos o auxílio para fazer a Justiça. · Aparecem, então, os árbitros ou juizes.

Para fazer a Justiça e recompor os direitos lesados, o processo romano sofreu uma paulatina transformação iniciando nas legis actiones passando a seguir pelo formularum processus e consolidando-se nos extra­ordinarii processus, processos extraordinários.

a - As legis actiones

o processo das ações da lei tinha sua essência no emprego de formas solenes em base a palavras, gestos simbólicos e atos impostos pela lei e executados na fren­te do magistrado . A veneração ao formalismo era algo espantoso . Para a nulidade do processo bastava um erro ou troca de termos. Quidquid fit contra legem nullum este

Esse procedimento era totalmente oral e se desenvol-via em duas fases sucessivas: a fase in jure dava-se pe-• •

rante o magistrado, presentes as partes (autor e réu) acompanhadas de parentes ou amigos. Não havia cita­ção do réu. Este comparecia a convite do autor. Em caso de recusa do convite, poderia ser conduzido coerci­tivamente. Era a in jus vocatio. O autor formulava, então, o pedido . O magistrado ouvia o réu. A seguir concedia ou não a ação, entre as cinco possíveis : sa­cramentum, judieis postulatio, condictio, manus injectio e pignoris captio.

Atendendo a pretensão do autor, o magistrado desi­gnava o judex ou árbitro estabelecendo-se, então, a litis contestatio com a fixação do objeto do litígio sem ha�

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ver possibilidades de modificação e com o compromisso de as partes seguirem a seqüência dos atos até a senten­ça final.

Começava, então, a segunda fase: in judieio, reali­zada perante o juiz ou árbitro, ou mesmo perante os ju­rados. Nesta ocasião eram produzidas as provas, feitos os debates e, por fim, prolatada a sentença. Como nesta época não havia advogados, as partes deveriam estar presentes pessoalmente em' todo o processo.

Como anteriormente foi visto, havia cinco tipos de ações possíveis : Saéramentum: as partes que disputa­vam um direito simulavam uma luta perante o magistrado até este intervir. Cada contendor entregava ao magistra­do uma quantia chamada sacramentum. A seguir o processo tinha seqüência normal . A parte sucumbente perdia a quantia depositada. Esta ação, prevista na lei decenviral, foi posteriormente substituída pela judieis postulatio: os litigantes se dirigiam ao pretor e postula-

vam-lhe a indicação de um cidadão que pudesse dirimir uma questão dizendo-lhes de quem era o direito. A for­ma éra "Judicem postulo ut des". Ignora-se como o processo seguia depois.

A condictio consistia num chamamento em juízo . com prazo marcado para pagamento em dinheiro ou

entrega de coisa certa . As partes expunham suas razões e era-lhes concedido um prazo de 30 dias para um novo . . encontro, quando então era indicado um juiz para resol-ver o Íitígio. Tudo isso preservando formalidades e sole­nidades.

A manus injectio era uma ação mais parecida com o processo de execução, pois havia uma coerção sobre a pessoa no devedor. Na presença do magistrado o credor agarrava o devedor e dizia: porque me deves tanto ( dizia o quantum), eu te agarro. Era a manus injectio. Em

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caso de inadimplência da dívida, o credor algemava o devedor e durante 60 dias, por 3 vezes, poderia conduzi­lo ao mercado anunciando o valor da dívida. Se algum parente ou amigo saldasse a dívida, o devedor seria liber­tado. Em caso negativo era tomado escravo podendo até mesmo ser morto. Esse rigoroso . procedimento foi modificado e humanizado em 325 a.c. pela "Iex Pete­lia Papiria".

A ação denominada pignoris actio erÇl de uso mui-•

to restrito, em geral envolvendo interesses religiosos, fiscais ou militares. Na ausência do devedor, o credor se apoderava de um objeto do devedor sem interferência da autoridade, mas pronunciando expressões formais . O devedor só poderia reaver a coisa mediante caução .

b - o processo formulário

,

E a partir de 149 a .c . , com a lex Aebutia, que co-meça a ser usado o processo per formulas prolongan­do-se até o séc . I1I d .C. A nova modalidade processual nasceu em razão do próprio crescimento econômico, político e social do império romano trazendó fatos e situ­ações novas . A presença de numerosos peregrinos nas fronteiras do império romano e o seu envolvimento com cidadãos romanos obrigou os cônsules à criação de pre­tores peregrinos, como já foi anteriormente visto. Aos peregrinos não se aplicava o jus civile, por isso os pre­tores se viram na contingência de buscar novos princípi­os e novas fórmulas., Havendo um litígio envolvendo pe­regrinos, a parte que se julgava prejudicada se dirigia ao pretor . Este dava ao peregrino uma fórmula escrita

,

em que fixava o objeto do litígio. Com esta fórmula os litigantes compareciam perante o juiz escolhido por eles e que tomaria ciência do litígio dando-lhe a solução . A

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inovação passou a ser usada também pelo pretor urbano, o que redundou na extinção do procedimento anterior através da lex Aebutia.

Este procedimento também se desenvolvia em duas fases : in jure e in judicio. Na primeira fase, autor e réu, a convite daquele, compareciam perante o pretor que ouvia a pretensão do Autor e defesa do réu. Tudo oralmente . Ao expor a pretensão, o autor também indi­cava a fórmula correpondente ao tipo de ação que inicia­va. As fórmulas se achavam nos editos dos magistrados. Concedida a ação, o magistrado entregava ao autor a fórmula escrita em pequena tábua de madeira onde cons­tava também o nome do árbitro escolhido pelas partes ou nomeado pelo pretor. Ficava então estabelecida a litis contestatio, as partes se obrigavam a permanecer . em juízo até sentença final, cuja força se acha na con­venção da Iitis contestatio e não na condição do juiz. As partes se comprometiam a acatar a decisão .

A fórmula era negada somente em caso de o réu sa­tisfazer a pretensão do autor (confessio in jure) , ou na hipótese .de o pretor verificar que o autor é carecedor do direito de ação.

Na segunda fase , in judicio, a direção da ação era do juiz ou árbitro ou colégio de juizes na condição de pessoas físicas particulares. Perante o juiz era feita a produção de provas, os debates em que eram ouvidas testemunhas, apresentados documentos, sem excluir a possibilidade de confissão ou juramento . Ao final: a sen­tença do juiz aplicando o direito aos fatos . Atendo-se à fórmula, o juiz dava a sentença oralmente . No momento dos debates as partes poderiam se fazer acompanhar de cognitores ou procuratores.

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.c - Os processos extraordinários

Na evolução do processo este é o terceiro período: o da cognitio exbaordinal'ia, com início em 294 d.C. quando o imperador DIOClECIANO extinguiu o processo formulá­rio. Como foi visto, no período das fórmulas, a sentença era tarefa de árbitros ou juizes sem vínculo nenhum com o · Es­tado. A partir de agora, as funções judiciárias passam a ser atribuições de funcionários públicos.

A estes juizes oficiais, na condição de representantes do Estado, competia presidir, dirigir o processo, prolatar a sentença e providenciar a sua execução. A função de juiz, a partir de agora, é pública. Desaparecem as fases e fórmulas . Na figura do juiz se concentra o processo, pois conhece a causa, dá prosseguimento, decide, e, por fim, executa.

O esquema era mais simples, acentuando-se paulati­namente o princípio da forma escrita . O autor se dirige ao juiz expondo sua pretensão que é reduzida a termo, Deferida a petição o réu é citado para se defender com-

,

parecendo em juízo . E a chamada Iitis denunciatio. No · tempo de JUSTINIANO a pretensão do autor era formulada no conventionis. A resposta escrita

era o Iibellus responsionis. Em seguida eram produ­zidas as provas em que eram admitidos documentos, confissões, juramentos, depoimentos de testemunhas e outros. Ao final, a sentença, da qual cabia apelação.

4 - o processo

, . .

E um dos pontos do direito romano que manHesta uma pobreza atroz. Sabe-se que o jurisconsulto GAlO teria tratado desta questão em seus escritos, mas foram

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perdidos . . O pouco que se conhece a respeito do proces­so criminal é a partir das informações prestadas pelo Código de JUSTINIANO nas Institutas. Ali está dito que . . "os processos públicos não se organizam por ações e não tem semelhança com outros processos, judicia

neque per actiones ordinantur,

quidquam simile habet. Ao tempo da realeza, o rei tinha poder para condenar

qualquer cidadão por crime contra a vida, o patrimônio e o Estado. Desaparecendo a monarquia, os cônsules passa- ·

. ram a decidir as questões criminais. Com o crescimento do número de delitos foram criadas autoridades com po-deres especiais para julgar. Eram os quaestores panici­

a quem competia acusar e julgar os criminosos. A lei decenviral confil rua este poder dos questores. Para crimes mais graves, como alta traição, concussão e envenena­mento , a competência era do Senado. Para os plebeus foi criado, após a paralisação da plebe, o tribunato da plebe com os tribunos tendo competência para fazer a acusação de crime de plebeus perante a população.

As penas eram aplicadas consoante os costumes, após ouvido o povo em comícios, que votava pela absol­vição ou condenação, pública ou secretamente. Na evolução da coisa foram aparecendo as comissões julga-

. doras formadas de jurisconsultos e magistrados para a averiguação e aplicação das penas. A essas comissões de caráter permanente foi dado o nome de quaestiones

e foram responsáveis pelo desenvolvimento da política criminal. No período imperial, com o poder concentrado em mãos do imperador, os processos eram o reflexo da vontade do Princeps, perdendo a justiça a

. majestade, a retidão e a sabedoria que houvera conquis­tado. A presença de valores cristãos no império romano contribuiu para amenizar o rigor das decisões criminais.

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,

INIJlCE

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Capítulo I - Introdução Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1 . Noção de Direito Romano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 2 . O direito para os romanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 3 . O direito e a moral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 4. 0 JUS e o FAZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 5 . Divisão do Direito Romano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 6 . A importância do Direito Romano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

Capítulo 11 - O Direito Romano na época da realeza (753 a 510 a. C.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

1 . Introdução histórica . . . . . . . . . . : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2 . Organização social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 3. Organização política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 7 4. O direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

Capítulo 111 - O Direito Romano na época da República

. (5 10 a 27 a.C.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 1 . Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 2 . Organização política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3 . A plebe na República . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4. As fontes e Direito na República . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

Capítulo IV - O Direito Romano no Império .

(27 a.C. a 565 d.C.) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 1 . Introdução Histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2 . Organização política . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3. Fontes do direito na época imperial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4. Os jurisconsultos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 5 . As codificações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 6 . A queda do império romano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

Capítulo V - O Direito das Pessoas 1 . Noção de pessoa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2 . Espécies de pessoas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 3 . A "capis deminutio" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 4. O "status libertatis" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 7 5 . O "status civitatis" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 6 . O "status familiae" . . . . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

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Capítulo VI - Direito das coisas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 1 . Noção de coisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 2 . Classificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 3 . Propriedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 4. A posse . . . _ . . . . . . 0 . 0 • • • • • 0 . 0 • • • • • • • • • 0 . 0 • • • • 0 . 0 • • • _ • • • • • _ • • • • • • • • _ • • • • • • • • • • • • • 70

Capítulo VII - Direito das obrigações . . . . � . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1 1 . Noção geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1 2. Fontes principais das obrigações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

Capítulo VIII - Direito das sucessões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 1 . Noção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 2 . Tipos de sucessão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 3 . A sucessão legítima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 4. A sucessão testamentária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

Capítulo IX - O processo no Direito Romano . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 1 . Noção de ação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 2 . Espécies de ações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . � . . . . . . . . . . . . . . 84 3 . Evolução do Processo Civil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 4. O Processo Criminal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

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