Cybelle Weinberg - Por Que Estou Assim

128
Por que estou assim?

Transcript of Cybelle Weinberg - Por Que Estou Assim

Por que estou assim?

APRESENTAÇÃO

Gilberto Dimenstein

ILUSTRAÇÕES

Alex Coi

Cybelle Weinberg

Os momentos difíceis da adolescência

Por que estou

assim?

ISBN: 85-

Todos os direitos reservados.SÁ EDITORATel./Fax: (11) 5051-9085 / [email protected]

© 2007 by Cybelle Weinberg

CAPA E PROJETO GRÁFICO

2 Estúdio Gráfico

ILUSTRAÇÕES:Alex Coi

PREPARAÇÃO DE TEXTO E REVISÃO

Valquíria Della Pozza

Índice

Apresentação 7

Introdução 9

AAddoolleessccêênncciiaa –– oo qquuee éé iissssoo?? 13

QUEM SOU EU ?? quem sou eu 25

OO qquuee aaccoonn tteecceeuu ccoo mm ooss mmeeuu ss ppaaiiss?? 37

Amores adolescentes 51

Pensando em sexo 67

PPoorr qquuee eexxiissttee eessccoollaa?? 81

EEnnttrraannddoo nnoo mmuunnddoo ddooss aadduullttooss 97

SSóó eeuu tteennhhoo pprroobblleemmaass?? 107

SSeerráá qquuee eeuu ssoouu nnoorrmmaall?? 123

??

Apresentação

Ao entregar-me os originais deste livro, CybelleWeinberg atirou no que viu, acertou no que não viu.

Queria a opinião do jornalista-educador que seapaixonou pelas experiências com jovens, retratadasem livros e colunas, acostumado a ver a adolescênciainvariavelmente acompanhada de palavras como “con-flito”, “crise”, “problema” – ou, como se cunhou noBrasil, “aborrecência”.

Quem leu Por que estou assim? com mais interessenão foi, porém, o jornalista neutro, com a chance daasséptica neutralidade, capaz de aprender para refor-çar ou desmontar teorias. Foi o pai de um pré-adoles-cente, dando os primeiros sinais de “conflito”, “crise”,“problema” e “aborrecência”.

Cybelle pensou em escrever para adolescentes; daía linguagem precisa, simples, charmosa.

Mas acabou por realizar uma obra que ajuda tam-bém os pais, as, digamos, “vítimas” dos adolescentes.Vemos que, pela falta de informação, somos, na ver-dade, vítimas de nós próprios. Sem entendê-las, frasesdo tipo “você não sabe nada”, “lá vem falar de novode seu tempo de jovem” são encaradas, muitas vezes,como ofensas pessoais. Na sonoplastia da incom-preensão, ouvimos dos pais frases do “tipo”: “ele/elavai me enlouquecer”, “não respeita ninguém”, “pen-sa que já pode fazer tudo”.

O livro ajuda os adolescentes a entender aquela sen-

Cybelle Weinberg8

sação de incômodo, de deslocamento, de inseguran-ça, parte do processo de crescimento, que Cybellenão aprendeu só nos livros – mas no “embate” nas es-colas ou consultório terapêutico. O entendimentodesse processo auxilia os pais a perceber que agres-sividade é mais do que agressividade – mas tambéminsegurança, dificuldade de lidar com novos limites,novos riscos.

O que Cybelle faz é expor os mecanismos de evo-lução, facilitando que as crises, conflitos, problemas,aborrecências sejam apenas fenômenos passageiros econstrutivos, e não uma trajetória de dores e ressen-timentos levados para a vida adulta.

Gilberto Dimenstein

Introdução

Outro dia, conversando com uma amiga sobre ado-lescência,ela me contou uma história que aconteceu comela quando tinha 15 anos. Certa vez o professor docolégio onde ela estudava levou a classe toda para umpasseio num lugar onde havia um jardim imenso. Nessejardim, feito de um tipo de arbusto com folhagem bas-tante densa, havia um labirinto. O professor pediu queos alunos entrassem ali e procurassem a saída. Nocomeço, conta ela, era muito divertido. Uns conseguiamsair logo, outros não, e os que ficavam ouviam as vozesdos que já estavam fora. Só que foi diminuindo o núme-ro dos que ficavam, e ela estava entre esses. Não é pre-ciso dizer que o desespero foi crescendo e que a sensa-ção que se apoderou dela foi a de que nunca mais iriaconseguir sair de lá.

Por fim ela conseguiu. Então, depois que todosestavam fora, o professor levou-os para um lugar maisalto, de onde poderiam ver o labirinto todo. E ela con-ta como foi engraçado ver como era ridiculamente fá-cil sair de lá. Só que, claro, quando ela estava lá nãoachava isso. Achava mesmo era que jamais encontra-ria a saída, e, pior, que os que haviam conseguido saiririam morrer de rir da cara dela.

Isso não se parece um pouco com o que acontececom a gente na adolescência? A sensação é igual. Unssaem numa boa, sem grandes dificuldades, e outros pe-nam à beça.

Cybelle Weinberg10

Mas não é exatamente sobre os que saem numaboa que nós vamos conversar. Mesmo porque seriamelhor dizer “mais ou menos” numa boa. Será queeles saem numa boa ou ficam quietinhos sobre os seusmedos e angústias? Não sei não. Mas se conseguiram,sorte deles!

Agora, sobre os que sofrem, e sobre aqueles quesofrem muito, a conversa vai longe... Porque às vezesé necessária a ajuda de alguém que mostre a saída. Ouque esteja ao nosso lado nesse caminho obscuro. Essealguém pode ser o pai, a mãe, um amigo mais velho...

O problema é que muitas vezes pai, mãe, o amigoou a amiga não conseguem ajudar. Porque se esque-ceram do seu percurso, ou, se esse percurso foi dolo-roso, fazem de tudo para não revivê-lo. Ou até mes-mo porque, se mostrarem a saída, não adiantará nada,pois cada um tem que achar a sua. Além disso, cadaum tem o seu labirinto, que é sempre diferente.

Nesse caso, um profissional pode ajudar. Seus paisestão metidos no mesmo labirinto que você, mas o pro-fissional não. Ele está capacitado para ver esse seucaminho de fora.

Eu sei que existe muito preconceito e conheço pes-soas que vão ao consultório do psicólogo escondidas,para ninguém dizer que são loucas. Mas procurar umpsicólogo não é estar louco, não. Porque louco não pro-cura psicólogo... É, aliás, bastante saudável admitir asdificuldades e pedir ajuda.

No meu trabalho, como psicopedagoga e psicana-lista, conheci muitos meninos e meninas superlegais

Por que estou assim? 11

que estavam perdidíssimos, que não só não achavama saída como acreditavam piamente que não haviasaída! Pois bem, encontraram-na, e lhes digo umacoisa: quando achamos a nossa saída, ninguém nossegura, mesmo que estejamos na contramão!

Infelizmente, existem aqueles que não conseguemsair. São os “adolescentes”de 40, 50 anos que conti-nuam procurando uma saída, alguns angustiados,outros já descrentes da sua existência.

Neste livro, gostaria de dar uma mãozinha àquelesque querem sair.

De que forma? Contando um pouco da minha experiência em clí-

nica e em escolas, do que ouvi dos adolescentes, do quetenho conversado com eles ao longo desses anos.

Sou psicanalista, e, como você já deve saber, a Psi-canálise é um trabalho que se faz para descobrir os por-quês dos nossos atos.

A Psicanálise foi criada por um médico vienense,Sigmund Freud (1856 — 1939), o primeiro a afirmarque temos um Inconsciente, e que ele é responsávelpor aquilo que somos, que pensamos e fazemos.

Então, em lugar de ficar só gemendo e chorando egritando com todo mundo “Por que será que eu souassim?”, vamos pensar juntos sobre o que está acon-tecendo com você.

Você não nasceu assim, nasceu? Angustiado,medroso, se achando feio e incompetente? Claro quenão. Provavelmente seus pais até dizem que você nãoera asssim, que era confiante, seguro e feliz. E que você

Cybelle Weinberg12

não é feio ou feia coisa nenhuma. Mas dá para acre-ditar? Claro que não, afinal você tem certeza de queeles só falam isso para você se acalmar... Bem, mas vocêtem lembranças, fotos, histórias, e com um pouqui-nho de esforço irá concordar que não nasceu assim.

Então, já temos algo para pensar: você ficou assim!Mas temos ainda outra questão: precisa ser sem-

pre assim? Acho que não. Se achasse, pararia já de trabalhar.

E nem pensaria em escrever este livro. Porque se vocêacreditar que sofrer é coisa do destino, é melhor pe-gar um banquinho, sentar no seu labirinto e ficar dan-do tchauzinho para os que, mesmo quebrando a cara,vão em busca da saída.

Adolescência o que é isso?

Adolescência é o período que começa lá pelos 10 anos e termina quando a gente se casa.

Marcelo, 14 anos

Vamos começar nosso bate-papo pensando sobreo que significa ser adolescente.

Que período é esse, a adolescência? Quando co-meça? Quando acaba?

Sempre existiu? Todos passam por ela? É difícil pa-ra todo mundo?

Começando pela primeira questão, podemos dizerque é um período de mudanças, dedesenvolvimento e de adaptação.Quanto às outras perguntas, acoisa se complica um pou-co. Mesmo porque, paraentender a adolescên-cia, é preciso diferen-ciá-la da puberdade,que acontece antes.

Cybelle Weinberg14

A puberdade tem uma duração definida, ainda quese possa entrar ou sair dela em idades diferentes. Porisso se fala em duração. É um período de mudançasbiológicas, que ocorrem mais ou menos entre 9 e 11 anos.

Essas mudanças variam muito de pessoa para pes-soa. Por isso você pode ler ou ouvir falar que a puberda-de começa aos 10 anos, ou aos 8. E que termina aos 12,ou aos 13. Não existe uma regra para isso, porque essasmudanças significam que o corpo infantil está se pre-parando para ser um corpo de homem ou de mulher,e cada corpo é diferente e tem o seu próprio ritmo.

Essa idade, justo essa idade, me deixa superirritada. Se sai alguma briga em casa entre eu e meus irmãos, eles começam a dizer que é fase, que é a puberdade. Isso me deixa irada.

Regina, 13 anos

Na puberdade, os hormônios trabalham loucamen-te para que você, rapaz, possa ejacular e você, garota,possa menstruar. E fazem uma verdadeira revolução.Aliás, a palavra hormônio vem do grego e significa ex-citar, estimular. Então já dá para entender por que me-ninos e meninas nessa idade parecem estar o tempo to-do sentados num formigueiro. Não conseguem parar

Por que estou assim? 15

de rir (ou de chorar...), falam ao telefone mil vezes pordia, cutucam o irmão menor, chutam o cachorro, co-mem como uns esfomeados... Ficar sentado na classeentão é uma tortura, escutar a explicação do professorou da professora exige um esforço sobrenatural.

E dá para ser de outra maneira? A sexualidade es-tá, literalmente, explodindo. E tudo excita, tudo é mo-tivo de deslumbramento e vergonha. E são cochichose mais cochichos, segredos, medos e descobertas.Descoberta do próprio corpo e do corpo do outro. Edas coisas que o livro de Biologia e as aulas de Edu-cação Sexual não falam: que a proximidade do corpodo outro excita muito, que as brincadeiras de mão des-pertam coisas esquisitas. E que dão um medo dana-do, principalmente se o amigo ou amiga for do mes-mo sexo que o seu. Esse aí então é um segredão quenão dá para contar para ninguém! Afinal, o que vãopensar de você?

Outra coisa que os livros não falam é do medo queos outros percebam o que está acontecendo. Porexemplo: menino tem ereção direto! Até a perna damesa excita. E o pênis fica duro nas horas mais im-próprias. Acontece no meio da aula, na sala de casa,no banheiro do clube. E aí, é gozação na certa se, porexemplo, der azar e o professor ou a professora cha-mar lá na lousa – tem que ir com o caderno na fren-te, pra disfarçar!

E meninas também tentam disfarçar o que estáacontecendo com elas.Amarram a blusa na cintura pa-ra esconder o bumbum e os quadris, vestem roupa lar-

Cybelle Weinberg16

ga ou abraçam os cadernos, para que ninguém veja osseios que estão crescendo. Se ficam menstruadas, en-tão, quem irá convencê-las de que todo o mundo nãoestá sabendo?

Aliás, você já percebeu que a maioria dos adultosse refere à primeira ejaculação e à primeira menstrua-ção como se fossem a mesma coisa? É sempre assim:Agora que você já produz esperma, ou agora que vo-cê já menstrua, já pode ser pai – ou mãe, e isso daquipara a frente deve ser motivo de grande orgulho. Masserá que a primeira menstruação da menina é assimtão legal quanto a primeira ejaculação do menino?

Existe um livro chamado Casamento e Acalento, es-crito por um médico psiquiatra, o Dr. Haim Grüns-pun, junto com a mulher dele, a Dra. Feiga Grüns-pun. Nesse livro, eles falam sobre essa diferença. Queseria bom que se prestasse atenção a isso – as primei-ras menstruações, ainda que sejam motivo de orgu-lho, podem vir acompanhadas de cólicas, inchaço,dor no corpo. E duram 3 dias ou mais. E a menina achaque todos estão sentindo o cheiro da menstruação de-la e se sente desconfortável com aquela sensação defralda molhada, mesmo com os absorventes de últi-ma geração.

E a menina sabe que deve ser muito mais gostosoejacular do que menstruar. Mesmo que a menstrua-ção seja motivo de orgulho e lhe dê a possibilidade deter filhos. O que, aliás, também é motivo de medo, por-que fica todo mundo falando “Olha, cuidado, agora vo-cê já pode ficar grávida, hein!” E se não lhe explicam

Por que estou assim? 17

como, é mais um fantasma na cabeça dela. De orgas-mo, que é bom, ninguém lhe fala.

O que é menstruação? Não sei. A professoraexplicou na escola, mas eu não me lembro.Minha mãe falou que é um sangue sujo quesai da gente. Só isso.

Katia, 10 anos

E a adolescência? A adolescência, como não se refere apenas a mu-

danças no corpo, mas também a mudanças no jeitode sentir, de pensar, de se comportar, é mais difícil deser entendida. Por exemplo, um menino ou menina quese veja obrigado a trabalhar desde muito cedo e tenhacomo responsabilidade ajudar no orçamento da casaou mesmo prover o sustento de familiares que depen-dem dele não viverá sua adolescência da mesma for-ma que outro que nunca precisou se preocupar coma sua sobrevivência. No mínimo, eles terão preocupa-ções diferentes, não acha? Enquanto o primeiro tem,digamos, sua adolescência encurtada por necessidadeseconômicas, outros podem ter a sua esticada por cau-sas econômicas, o que é bem diferente.

A sociedade em que vivemos exige, cada vez mais,que você esteja preparado para enfrentar uma com-petição muito grande no mercado de trabalho. Isso sig-

Cybelle Weinberg18

nifica que se tem que estar muito preparado, fazendocursos atrás de cursos: línguas, informática, faculda-de, especialização, pós-graduação e não sei o que mais.E isso leva tempo. E dinheiro. Bom, e quem patroci-na tudo isso? Sua família, se você tiver sorte.

O problema é que até acabar todos esses cursos e po-der ganhar dinheiro suficiente para se manter ou man-ter uma família, já se está lá perto dos 30 anos... E mui-tos se aproveitam disso e viram adolescentes profissionais– nunca estão prontos para cuidar de si mesmos.

Você sabia que a adolescência, em algumas comu-nidades, nem existe?

Ou que em outras épocas, como na Idade Média,não havia nem uma palavra sequer para definir esseperíodo da vida? Existiam crianças, adultos e velhos.Nada de adolescentes.

Pois é, crise de identidade, crise disso e crise daqui-lo é coisa da nossa sociedade.

Entre grupos primitivos, por exemplo, as criançasque chegam à puberdade são submetidas a certas ce-rimônias chamadas de rituais de passagem, e depoisdisso podem participar do mundo adulto, com todasas suas responsabilidades, direitos e deveres.

Esses rituais, em geral, são diferentes para meni-nos e meninas.

Por exemplo, entre as tribos da Nova Guiné existe

Por que estou assim? 19

um grupo chamado tchambuli. O menino tchambu-li, mais ou menos entre os seus 8 e 12 anos, depen-dendo mais da vontade do pai do que propriamenteda sua idade, é, literalmente, “retalhado”. Fica preso auma pedra, contorcendo-se, enquanto um tio mater-no mais alguém da tribo que se “especializou”em fa-zer incisões na pele recortam desenhos em suas cos-tas. Pode uivar quanto quiser. Seus gritos serãoignorados, enquanto o cerimonial se desenrola à suavolta: presentes são trocados, mulheres da família re-cebem novas saias, novos cestos, tudo com muita os-tentação. Depois de feitas as incisões, ele é pintado comóleo e um pó corante extraído de uma planta chama-da açafrão. Em seguida, deve ficar recluso por um lon-go período na casa dos homens. De quatro em qua-tro dias é lavado e novamente pintado. Passado operíodo de reclusão, é considerado um iniciado, ou se-ja, alguém que já faz parte do mundo adulto.

Outros grupos exigem provas de coragem e capa-cidade para suportar a dor. Os índios da tribo Sateré-Mawé da Amazônia se tornam homens enfiando a mãonuma luva cheia de formigas. Com 12 anos e a mão in-chada, esses índios já podem se considerar adultos.

Entre os banks da Melanésia o iniciado, durante 100dias, passa por todo tipo de humilhação: jogam sua co-mida no fogo, rasgam suas roupas, obrigam-no a ta-refas difíceis de serem cumpridas.

Esses rituais, no entanto, não são um mero espe-táculo de sadismo. Os garotos, apesar do sofrimentoe do medo, se orgulham de ter vencido as provas.

Cybelle Weinberg20

Aqueles que não conseguem continuam sendo trata-dos como crianças até conseguirem. E a tribo sabe queaquele menino que deu provas de ser um homem eque exibe suas cicatrizes também é capaz de protegere defender a comunidade.

Mais ou menos como acontece com os meninos dehoje, mesmo não vivendo em tribos.

Se pensarmos bem, também não é exigido de vocêque não banque o bebezinho da mamãe, que mostreque já é uma mulher que sabe fazer muitas coisas sozi-nha, ou prove que é um homem mostrando firmeza, ca-ra de bravo, chamando pra briga aquele cara que olhouesquisito e você não gostou? Pois é, é a mesma coisa,mesmo porque se o cara topa a briga ou a turma delevem tirar satisfação, a vontade é de sair correndo. Mastem que ficar e enfrentar. Mesmo que por dentro vocêse sinta como o garoto com a mão no formigueiro.

E você que detesta cigarro e álcool nunca se viu obri-gado a fumar e beber na festa, para não parecer crian-cinha? Meninos e meninas já me contaram que, nafrente dos outros, fumaram e beberam, e depois emcasa vomitaram até as tripas. Um até me disse que, co-mo odiava cerveja, teve a idéia de “treinar”em casa, an-tes de sair com os amigos. Comprou várias latas de cer-veja, de marcas diferentes, para descobrir qual era amenos insuportável. Não deu outra. Passou mal, amãe descobriu e não o deixou sair.

Vai ver, era isso mesmo que, no fundo, ele queria!

Por que estou assim? 21

Mas, ainda que geralmente os ritos de passagem se-jam acompanhados de dor e provas de coragem, issonão é regra geral. Ainda na Nova Guiné existe um ou-tro povo, chamado arapesh, que promove seus ritos depassagem de forma bem mais suave. Entre eles, as fes-tas de iniciação ocorrem de seis em seis anos, e todosos meninos com idade apropriada participam dela.Enquanto a grande festa é preparada, às vezes com anosde antecedência, os candidatos à iniciação devem ob-servar certos tabus alimentares. Na ocasião da festa,os segredos da tribo lhes são revelados. Entre essas re-velações, a melhor é a de que o tamberan, uma espéciede espírito que faz muito barulho e que assusta as crian-ças, não existe e que os sons atribuídos a ele eram fei-tos pelos adultos. Seria, mais ou menos, como lhecontar que Papai Noel não existe.

Quanto às meninas, a iniciação está ligada à primei-ra menstruação. O que varia é a forma como elas sãotratadas. Quase sempre elas são levadas para algum lu-gar afastado da tribo, que pode ser uma casa ou localno bosque, e entregues aos cuidados e preparativos dasmulheres mais velhas. Dependendo do costume, sãobanhadas, pintadas ou enfeitadas, e depois apresenta-das ao grupo ou levadas aos futuros maridos.

Entre os tupinambás, quando uma menina mens-trua pela primeira vez, toda a tribo festeja com dan-ças, bebidas e brincadeiras. Só ela é obrigada a jejuarpor 3 dias. Seus cabelos são cortados e lhe fazem in-cisões nas costas, deixando cicatrizes profundas. En-rolam fios de algodão em seus braços e na sua cintu-

Cybelle Weinberg22

ra e esses fios só serão tirados no dia em que ela dei-xar de ser virgem.

Mas será que nós também não temos os nossos ri-tuais de passagem?

A Igreja Católica, por exemplo, mantém o costu-me da Primeira Comunhão, que o jovem faz depois deum curso de iniciação, chamado Catecismo. A tradi-ção judaica celebra o Bar Mitzvah para meninos quechegam aos 13 anos e o Bat Mitzvah para as meninasde 12 – nessas ocasiões, o jovem é chamado pela pri-meira vez para ler um trecho da Torá, o livro sagrado.São celebrações, tanto a católica como a judaica, quemarcam o fim da infância.

Mesmo quando não se segue nenhuma tradição re-ligiosa, inventa-se algum ritual de passagem – um bai-le de debutantes, a carta de motorista, a chave de ca-sa, a aprovação no vestibular. É a prova de que não seé mais criança!

Não deveria ser suficiente ter um corpão de 1,80me barba na cara, ou seios grandes e quadris largos, pa-ra provar que não se é mais um menininho ou umamenininha? Pois é, não basta. Porque você não vivenem na Europa medieval nem na Nova Guiné.

Você vive numa sociedade em que tanto o homemcomo a mulher continuam sendo legalmente crianças,ainda muito tempo depois de terem se tornado biologi-

Por que estou assim? 23

camente adultos. Só muito tempo depois da puberdadepodem votar, ter carta de motorista, casar.Há pouco tem-po os jornais de São Paulo noticiaram que um meninade 13 anos deu à luz um bebê e que o pai, de 14 anos,só pôde tirar o filho da maternidade com a autorizaçãodo seu pai. Porque, legalmente, ainda eram crianças.

Se vivessem em outra época, as coisas correriam deoutra forma. Mas, nos dias de hoje, é difícil imaginarum menino de 14 e uma menina de 13 constituindouma família. Ainda que possam ter filhos.

Isso é contraditório, mas é apenas uma das contra-dições que você vive.As contradições e ambivalênciasestão por toda parte. A sociedade e os pais, muitas ve-zes, exigem de você um comportamento maduro. Masnem sempre lhe dão oportunidade de amadurecer.Cobram responsabilidade, mas não confiam em você.Querem que você escolha, aos 16 anos, a profissão quevai seguir, mas eles próprios, aos 40 ou 50 anos, estãoloucos para se aposentar, porque odeiam a profissãoque escolheram.

Queria ter uma poção mágica que me fizesse amadurecer num piscar de olhos.Mas, como não tenho, só posso amadureceratravés de minhas falhas e cabeçadas.

João, 16 anos

Cybelle Weinberg24

Não é à toa, portanto, que angústia, desorientação,insegurança façam parte do seu dia-a-dia. A pressãoé grande, e vem de todos os lados. Ser maduro, ser res-ponsável, saber o que quer, fazer sexo seguro...

Dá mesmo vontade de fazer como a Bela Adorme-cida: deitar e dormir uns 100 anos, e quando acordar játer tudo pronto – até casamento e palácio para morar.

Mas a adolescência, mesmo sendo difícil, não dura100 anos. Ainda que alguns gostassem que durasse!

E se você refletir um pouco sobre as mudanças to-das que estão acontecendo na nossa sociedade – mu-danças de valores, mudanças na família, na escola, nomercado de trabalho – talvez você possa ter algumasrespostas para aquela pergunta que é o seu maior tor-mento: por que sou assim?

quem sou eu?QUEM SOU EU?

Eu sempre escuto as pessoas falando que você deve ser apenas vocêmesmo. Mas eu realmente não sei o que isso significa.

Carlos, 15 anos

Ser você mesmo, desenvolver sua própria identida-de, vivenciar uma confusão de identidade ou estar pas-sando por uma crise de identidade. O que essas expres-sões realmente querem dizer?

Na verdade, é um jeito de falar sobre os senti-mentos e comportamentos ambivalentes quesão próprios da adolescência. Sentimen-to ambivalente é aque-le que comporta duascoisas completamen-te opostas. Por exem-plo, amar e odiar amesma pessoa. To-do mundo tem senti-mentos assim, e isso é

Cybelle Weinberg26

normal. Mas, na adolescência, esses sentimentos es-tão exagerados.

Comportar-se como criança e como adulto quasesimultaneamente, por exemplo, é algo ambivalente.A garota que vai passar o fim de semana sozinha como namorado e leva seus bichinhos de pelúcia, ou o ra-paz que enfrenta o pai e minutos mais tarde chora por-que o irmão menor comeu o danoninho dele estão secomportando de forma ambivalente. Isso é ruim? Não.É próprio dessa fase. Primeiro, porque os sentimentosinfantis e os de adulto estão ali, convivendo lado a la-do. Segundo, porque esses sentimentos estão à flor dapele, gritantes. As primeiras transas podem assustaruma menina. Então ela pode querer levar o seu ursi-nho de pelúcia para viajar junto, porque ele a acalma.Como quando ela foi para a escola pela primeira vez.Ou para aquele acampamento. E o garotão que brigacom o irmãozinho realmente preferia que aquele pen-telho não tivesse nascido. O danoninho só foi motivopara que aquele ciúme antigo viesse à tona.Porque quemagora tem toda a proteção da mamãe é o irmão menor.

E sobre esse monstro do qual se fala tanto: desen-volver sua própria identidade? O que é isso? Se a iden-tidade se forma na adolescência, você poderia per-guntar: ”E antes, eu não era ninguém?”. Era, lógico.E mesmo agora, você é alguém que tem uma identi-dade adolescente.Antes, você pensava como os outros,tomava o que os outros diziam como verdades abso-lutas. Na adolescência, tudo precisa ser questionado,mesmo que seja para chegar às mesmas conclusões que

Por que estou assim? 27

os outros. Ter idéias e posições próprias sobre educa-ção, política ou religião é ter uma identidade.

Como você pode ver, não é fácil adquirir uma iden-tidade adulta. Por isso, no início da adolescência, é co-mum escolher alguns adultos com os quais se quer pa-recer, e outros com os quais não se quer parecer de jeitoalgum. Se você ainda não sabe muito bem quem vocêé, uma coisa certamente você sabe: como não quer ser.

O que está acontecendo com você, agora, é uma coi-sa parecida com o que aconteceu quando você tinha 2anos de idade, só que em outras proporções. Um bebê,quando ainda é bem novinho, não percebe a diferençaentre ele e o mundo.O processo de separação entre oeu e o não-eu vai acontecendo aos poucos e só termi-na no fim do segundo ano de idade. Por isso essa é aépoca do “Não!”, que a criança gosta tanto de repetir,às vezes antes mesmo de aprender a falar, só mexendoa cabecinha.Ela já mostra que ela não gosta daquela mú-sica, daquele suco, de que a segurem no colo. Esse é umprocesso de individuação, um movimento para distin-guir-se, tornar-se um indivíduo. Lá foi dado o primei-ro passo. Os outros são dados na adolescência. E ao“Não!” do bebê corresponde o “Eu não sou isso!” doadolescente. Ou o “Eu não quero ser como você!”.

E confusão de identidade – o que significa? Provavelmente, já lhe disseram que você parece ter

várias personalidades. Digamos que, como você es-tá em busca de um papel, você pode desempenhar vá-

Cybelle Weinberg28

rios deles ao mesmo tempo. Pode ser líder nos espor-tes, tímido nas festas, agressivo em casa, amável na es-cola, valentão com os amigos. Sua mãe pode ficarsurpreendida quando, na escola, a orientadora dizque você é uma pessoa educadíssima, finíssima. Vo-cê, aquele troglodita que ela tem em casa? Será queestão falando da mesma pessoa? Ou ainda ela podese espantar quando é informada, pelo zelador, que vo-cê, um doce de menina, ameaçou-o de morte caso elecontasse sobre a festa de arromba que você deu en-quanto ela viajava.

Afinal, você é santo ou vilão? É meiga ou agressi-va? Nem só uma coisa nem só outra. Talvez seja tu-do isso ao mesmo tempo. Daí a confusão de identida-des. Pois se até a identidade sexual se define naadolescência...

Freud já dizia que a identidade masculina ou femi-nina deve ser construída. O que é diferente de ter ca-racterísticas sexuais de homem ou de mulher. Quan-do o médico vê o bebê dentro da barriga da mãe,através do ultra-som, ou na hora do parto, quando dizé um menino ou é uma menina, quer dizer que essacriança tem um aparelho genital de um sexo ou de ou-tro. Mas, se ela será realmente um menino ou uma me-nina, só a vida dirá. Porque o que está dado ao nasceré apenas o biológico. O processo de tornar-se mascu-lino ou feminino é muito mais longo. O comportamen-to dessa criança, os seus sentimentos, as suas emoçõesserão fruto de um aprendizado, de um convívio, e mes-mo de um desejo, consciente ou inconsciente, dos

Por que estou assim? 29

seus pais. Em outras palavras, a história de um indi-víduo depende de um conglomerado de situações, quevão se processar para dar uma identidade masculinaou feminina.

Até a puberdade, você, sendo menino ou menina,tem um aparelho genital infantil, quer dizer, incapazde procriar. Na puberdade as características sexuaisvão se definindo – se você é um menino, nasce bar-ba no seu rosto e seu pênis cresce. Se é menina, seusseios se desenvolvem, seus quadris se alargam. Entãovocê passa a ter um corpo de homem ou de mulher,pronto para ter relações sexuais e gerar filhos. Isto secomplica quando você, mesmo tendo um pênis quecresceu, não tem vontade de transar com meninas, masse excita com o corpo dos meninos. Ou quando vo-cê, que é menina, mesmo tendo seios grandes e qua-dris arredondados, não se interessa por rapazes. Terum pênis ou uma vagina não é garantia nenhuma deque o desejo seja por alguém do sexo oposto. Os im-pulsos homossexuais, na adolescência, são fortes e po-dem gerar muitos conflitos.

Outra questão angustiante, ainda que de menoresproporções, é que você ainda não sabe como é ser ho-mem ou mulher. Então observa os outros, imita seusgestos no espelho, estuda poses. Às vezes esse papel,como não é natural, pode parecer exagerado. Obser-ve alguns de seus amigos. Parece caricatura – o rapazde peito aberto, segurando com toda naturalidade o co-po numa mão e o cigarro na outra. Ou a garota que-rendo se destacar, jogando o cabelo para um lado e pa-

Cybelle Weinberg30

ra o outro, dando gritinhos e falando alto. É estranhoporque eles parecem estar representando, não estão sen-do eles mesmos.

Temporariamente, você até pode representar o pa-pel dos outros, mas vai ter que achar o seu. E, talvez,lutar contra os Procustos da vida.

Os gregos contavam que Procustos era um assaltan-te que vivia na estrada que ligava Megara a Atenas. Elepossuía duas camas,uma grande e uma pequena.Quan-do aprisionava os viajantes, deitava os pequenos na ca-ma grande e os altos na cama menor. E, para que as ca-mas lhes servissem, cortava os pés de uns e esticavaviolentamente os de outros, com o que os matava.

Então, lição de casa: achar uma cama do seu tama-nho. E cuidado, porque muitas vezes a gente nem pre-cisa de alguém que nos force a deitar numa cama quenão é para nós. A gente mesmo se estica para parecergrande ou se mutila para caber num bercinho.

Angústia, depressão, desilusão e tristezasão as principais palavras do meu vocabulário. Muitas vezes penso que seria melhor morrer.

Andrea, 15 anos

Por que estou assim? 31

A expressão crise de identidade, por sua vez, refe-re-se à necessidade de resolver essa dificuldade, depôr um fim a essa confusão de papéis. Mas significatambém uma luta entre duas forças antagônicas: umaimpulsionando para a vida adulta e outra atraindo pa-ra os privilégios da infância. Entrar para o mundo dosadultos – desejado e temido – significa a perda da con-dição de criança.

Por isso tudo, esse é um período de contradições,confuso, ambivalente e, fundamentalmente, doloroso.Fazer uma terapia, nessa época, pode ajudar muito. En-tre outras coisas, é para isso que serve a Psicanálise:para que a pessoa possa aceitar e viver a sua vida doseu jeito.

Às vezes, quando estou só, sinto-me comose o mundo tivesse me abandonado. O pior é que esses momentos não são poucos, a maior parte da minha vida passo sozinha, e, mesmo acompanhada, sinto um grande vazio.

Claudia, 16 anos

Que dor e que vazio são esses de que falam os ado-lescentes?

Vários psicanalistas tentaram explicar a origemdesses sentimentos e sensações, mas uma psicanalis-

Cybelle Weinberg32

ta em especial, Arminda Aberastury, argentina, já fa-lecida, o fez muito bem. Ela, juntamente com outropsicanalista argentino, Maurício Knobel, fala que aadolescência é uma época de lutos.

O que é um luto? É uma perda, não é? Essa per-da pode ser de um amigo ou parente querido, mas po-de ser também de uma coisa ou lugar.

Pois bem, Aberastury diz que o adolescente devepassar por três lutos.

O primeiro é o luto pelo corpo infantil perdido. Vo-cê tinha um corpo de criança e estava acostumado ouacostumada com ele.De repente esse corpo deixa de exis-tir. Seu corpo cresce, se transforma. E é como se vocêficasse observando, passivamente, tudo isso que estáacontecendo com ele. Esse corpo novo você ainda nãoconhece muito bem – tem reações que são surpreen-dentes – e tambem não sabe como ele vai ficar. E o ou-tro, conhecido, foi-se, não existe mais.

O segundo é o luto pelo papel e pela identidade in-fantis. “Você não é mais uma criança!”, lhe dizem a todahora. O que querem dizer com isso? Que uma crian-ça pode ser, entre outras coisas, irresponsável e depen-dente. Claro que você agora quer ser responsável pe-los seus atos e também independente – “Ninguémmanda em mim!”. Mas às vezes tem sérias recaídas e fazcoisas absolutamente irresponsáveis e adora ter al-guém de quem dependa. Porque, aqui entre nós, sercriança é muito gostoso! E ser responsável e indepen-dente é “um saco” e custa caro (para todo mundo). En-tão fica aquela luta entre dependência e independên-

Por que estou assim? 33

cia. Você quer ser independente, quer que seus paisparem com aquelas cobranças todas, mas se eles pa-rarem com toda a encheção você certamente irá recla-mar que ninguém liga para você.

O terceiro é o luto pelos pais da infância. Aquelespais da infância eram protetores e sabiam tudo. O queaconteceu com eles? Idealmente, morreram, não exis-tem mais. Além disso, você se dá conta de que eles es-tão envelhecendo e que um dia virão a morrer mes-mo. Então é uma luta manter internamente a imagemdaqueles superpais, que não bate com a dos pais reais.

Não por acaso, esse é o momento das crises reli-giosas.Antes, era Deus no céu e o papai na terra.Ago-ra a crença naquele Deus todo-poderoso também co-meça a balançar.Aquele Deus justo, que sempre ajudavae protegia, tornou-se suspeito. Então os momentos deateísmo, que podem durar para sempre, podem se al-ternar com momentos fervorosos de fé. Quantas ve-zes você, que se disse ateu ou atéia, não se pegou re-zando ardentemente na véspera da prova?

É a mesma coisa quando você sai de carro à noitee se nega a dizer para o seu pai ou sua mãe para on-de você vai.Você sabe se cuidar.Aí bate o carro. O pri-meiro pensamento é chamar um dos dois para que-brar o seu galho, ir com você à delegacia, levar osdocumentos que você esqueceu. E a maioria dos paisvai na mesma hora.Apesar de dizerem sempre que vo-cê agora já é grande e deve se cuidar sozinho ou sozi-

Cybelle Weinberg34

nha. E perguntarão mil vezes se você está bem, se nãose machucou, se passou o susto. E, apesar de ser bomtê-los por perto, você vai se arrepender amargamentede tê-los chamado. Então vai se pegar dizendo que elessão exagerados e que não precisam tratá-lo assim por-que você não é mais criança. E eles, ofendidos, se per-guntarão por que, afinal, você os chamou...Aí não pre-cisa mais nada para o circo pegar fogo.

E eles são exagerados mesmo. E sabe por quê? Por-que eles também estão vivendo um luto parecido como seu. Eles também têm saudade do tempo em quevocê era pequeno, ou pequena, e os achava o máxi-mo. Eles estão vivendo a perda da criança que não exis-te mais e a perda do papel que eles representavam pa-ra você. Muitas mães, durante a adolescência dosfilhos, começam a reclamar da vida, sentem que as coi-sas não vão bem, mas que não sabem o que é. Comfreqüência, isso acontece porque elas perderam suafunção de mãe – dar banho, ajudar na lição, levar pa-ra cá e para lá. Não fazer mais isso, e não ter nada maisinteressante para fazer, também dá um vazio danado.

SERA QUE SO EU SOU ASSIM?Nunca conto minhas intimidades, meus tombos, a ninguém. Acho que esse é o meumaior grilo. O orgulho. Sou orgulhoso de doer. Por isso, estou sempre apanhando.

Carlos, 16 anos

- -

Por que estou assim? 35

Será que todas as pessoas saem por aí contando osseus erros e as suas inseguranças para todo o mun-do? Alguns sim, mas a maioria guarda suas dificulda-des a sete chaves. Então, parece que todos são segu-ros, confiantes, e que só você quebra a cara.

Mas veja só este poema:

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.Todos os meus conhecidos têm sido campeões

em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,Indesculpavelmente sujo,Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência

para tomar banho,Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,Que tenho enrolado os pés publicamente nos

tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e

arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado,Que quando não tenho calado, tenho sido mais

ridículo ainda;(...)Eu, que tenho sofrido as angústias das pequenas

coisas ridículas,Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Fernando Pessoa

Cybelle Weinberg36

Sentir-se mesquinho, ridículo e absurdo, como vocêpode ver, não é coisa só de adolescentes. Para você tal-vez alguns sentimentos e sensações sejam tão novos que fi-ca difícil defini-los ou mesmo falar sobre eles.Por isso con-versar com alguém de confiança, que o ajude a convivercom suas dificuldades, pode trazer um grande alívio.

Não sei fazer isso, não sei fazer aquilo, achoque não sirvo pra nada... Tenho medo deerrar. Tenho dificuldade para me expressare por isso também muitas coisas dão errado.

Luís, 17 anos

É difícil mesmo se expressar bem, encontrar a pa-lavra certa para certos sentimentos.

Como o poeta tem essa capacidade, você pode sepegar, de repente, gostando de poesia. Ou se surpreen-der repetindo mil vezes a letra de uma música sem sa-ber por quê:

Quantas chances desperdiceiQuando o que eu mais queria Era provar pra todo mundoQue não precisavaProvar nada pra ninguém. Mas não sou mais tão criança A ponto de saber tudo.

Legião Urbana

O que aconteceu com meus pais?

É impressionante como meus pais mudaram de um dia para o outro. Eles estão insuportáveis. Não sei o que está acontecendo com eles.

Murilo, 13 anos

Meus pais mudaram muito. Estão superlegais. Agora dá até pra conversar com eles numa boa.

Claudia, 22 anos

O que será que acontece com os pais durante aadolescência?

Adolescência do fi-lho, é claro.

Eles ficam insuportá-veis! Por que de repentefica tão difícil convivercom eles?

Cybelle Weinberg38

Acho que o que se passa é que tanto o filho comoos pais ficam mais sensíveis nessa fase, mais vulnerá-veis. E qualquer palavra pode ser entendida com umoutro sentido. Isto porque mudanças estão ocorren-do dos dois lados – mudanças no filho e mudanças nospais. Até aqui, todos estavam acostumados a um cer-to tipo de convivência – o filho precisava dos pais e ospais sabiam disso. Agora as coisas mudaram. O filhonão precisa mais tanto dos pais. Apesar de continuarprecisando. E os pais não sabem quanto o filho aindaprecisa – de cuidados, atenção, proteção, limites.

Este é um período de mal-entendidos. Por issoqualquer palavra pode desencadear uma guerra.

Tentar entender o que se passa dos dois lados é oprimeiro passo para uma convivência mais ou menospacífica. E, para entender esse período, é preciso vol-tar muitos anos atrás.

Pense que, antes mesmo de nascer, você já existia nacabeça deles. Sua mãe, quando ainda brincava com bo-necas, já queria um bebê. E o seu pai, muito antes deconhecer sua mãe, já tinha planos secretos para você.

Então, quando resolveram ter um filho, você repre-sentava todos os desejos deles. Desejos conscientes einconscientes. Você seria tudo o que eles não foram eteria tudo o que eles não tiveram. Eles sim, saberiameducá-lo e não fariam com você o que os pais delesfizeram com eles. Cuidariam para que não faltasse na-da a você: conforto, carinho, escola. Imagine quantoinvestimento amoroso, quantos sonhos, quanta idea-lização. E tudo para você, seu filho ingrato!

Por que estou assim? 39

Porque os filhos são ingratos, todos. Essa é a lamen-tação interminável de todos os pais. Eles depositaramem você todas as esperanças, você teria tudo o que lhesfoi recusado. Não espanta que a relação entre vocêsseja decepcionante. Porque todo objeto ideal decep-ciona. E no fim todos nós decepcionamos todo mun-do. O filho decepciona os pais, e os pais também de-cepcionam os filhos, porque não são os todo-poderososque eles imaginavam. E não tem outro jeito, porquetudo o que é colocado num lugar ideal decepciona. Evocê, que tinha por missão concretizar os sonhos de-les, falhou bonito!

Bom, mas quando você nasceu, ainda não os tinhadecepcionado tanto. Acho!

Porque você passou por um período fantástico,que não foi privilégio seu, porque todo ser humanomais ou menos normal passou, de narcisização.

Narcisização é uma palavra inventada pela Psica-nálise e que tem a ver com o mito de Narciso.

Diz esse mito que na Grécia antiga Liríope, uma nin-fa, deu à luz uma criança de beleza extraordinária, aquem chamou de Narciso. Preocupada com o futurodo seu filho, a ninfa consultou o advinho Tirésias. Elepreviu que Narciso viveria, desde que nunca visse suaprópria imagem.

Sob essa condição, ele cresceu e tornou-se um jo-vem tão belo quanto o fora em criança. Não havia quemnão se apaixonasse por ele. Narciso, entretanto, per-manecia indiferente.

Um dia, estando com muita sede, aproximou-se de

Cybelle Weinberg40

um lago e, ao curvar-se para beber, viu sua imagem re-fletida no espelho das águas. Maravilhado com sua pró-pria figura, apaixonou-se por si mesmo. Desesperada-mente, passou a precisar do objeto do seu amor, viuque não conseguiria mais viver sem aquele ser deslum-brante. Sua vida reduziu-se à contemplação daquelejovem tão belo: desejava-o, queria possuí-lo. Desvai-rado, inclinando-se cada vez mais ao encontro do seramado, mergulhou para a morte.

Esta é a história de Narciso.E o que tem você a ver com ele? Tudo. Porque quan-

do você nasceu, não tinha a menor idéia de quem era,com o que se parecia nem o que seria.

O seu espelho foi o olhar dos seus pais. Eles olha-vam para você e você se via refletido no olhar deles. Eeles o viam como o bebê mais lindo deste mundo –mesmo que não fosse. E certamente não era. Mas oque eles viam em você era, também, o bebê que umdia os pais deles viram neles. E babavam...

Por um tempo, você foi o reizinho ou a rainha dacasa. Você foi o que Freud chamou de Sua Majestadeo Bebê. Qualquer careta era uma graça, qualquer olharera interpretado como sinal de inteligência. Se você me-xia os dedos, pronto – ia ser pianista. Se berrava, ia sercantor ou cantora de ópera. Como Tirésias, o advinho,faziam mil previsões para o seu futuro.

Enfim, tudo girava à sua volta. Você era o centrodo universo.

Se você tiver a oportunidade de observar uma mãee um bebê nos seus primeiros meses, preste atenção

Por que estou assim? 41

na paixão dos dois. Seja o bebê um menino ou umamenina, a mãe só tem olhos para ele e nada mais lheinteressa na vida. E o bebê só tem olhos para ela. Pai-xão igual, nunca mais. Ali nada falta. Os dois se bas-tam. É a dupla narcísica perfeita. Olhando os dois, po-de-se dizer que nesse momento a mãe também é a SuaMajestade para o bebê.

Só que esse período não durou muito. Ainda bem.Sorte sua que ele existiu e sorte sua que acabou! Docontrário, você seria um bobalhão ou uma bobalhona.

Mal se passaram alguns meses e sua mãe já come-çou a sentir falta de um cineminha, pensou que esta-va na hora de voltar para a ginástica, sair com o pa-pai... E você dançou!

Então você cresceu e foi para a escola. Outra se-paração. Dura para você e para os seus pais. Às vezes,a separação é pior para os pais do que para a criança.É muito engraçado ver algumas mães ou pais levaremo filho para a escola pela primeira vez. Os pais achamque a criança vai chorar muito, não vai querer entrar,e ficam estupefatos quando o filho fala tchau e entrasem nem olhar para trás. É a morte! E quando maistarde, lá pelos sete anos, o filho diz que o pai ou a mãenão sabem nada, porque quem sabe tudo mesmo é atia da escola, é outra punhalada!

Mas mesmo achando a tia da escola o máximo, vo-cê ainda pensava mais ou menos como seus pais. Sealguém perguntava porque você achava tal coisa, vo-cê respondia “Por que meu pai disse!” ou “Por que mi-nha mãe falou!” Porque eles sabiam tudo, eram seus

Cybelle Weinberg42

heróis. E eram fantásticos. Se alguém o enchia muito,era só dizer “Olha que eu chamo o meu pai!”.

Você provavelmente não se lembra, mas se você éuma menina, amou apaixonadamente o seu pai e que-ria se parecer com sua mãe, porque foi ela que ele es-colheu para casar. E se você é um menino, na certa que-ria ser o namorado da sua mãe e morria de ciúmes deseu pai. Inconscientemente, você o amava, queria separecer com ele, mas ao mesmo tempo o odiava, por-que ele era o seu rival. Isso acontece com todo mun-do, e é o famoso Complexo de Édipo. Meninas seapaixonam pelo pai e meninos se apaixonam pela mãe.Isso acontece lá por volta dos cinco anos, depois pas-sa. Quer dizer, a gente pensa que passa! Porque a gen-te esquece. Mas não some. O amor, a raiva, o ciúmeque cada um sentiu pelo pai ou pela mãe ficam bemguardados num lugar chamado Inconsciente.

Mas Complexo de Édipo não é assim uma equa-ção tão fácil: meninos apaixonados pelas mães e me-ninas apaixonadas pelos pais. O caso da menina é bemdiferente.Antes de querer casar com o papai, foi a ma-mãe quem ela amou. Claro que não é esse amor de na-morados, ou de marido e mulher. Primeiro, porque foimuito mais intenso.A paixão entre namorados é só umapálida lembrança daquele primeiro amor. Claro que vo-cê não se lembra e pode pensar que isso é ridículo, masé só ver como um bebê se acalma na presença da mãe,como ele a olha, maravilhado, sendo menino ou me-

Por que estou assim? 43

nina. Segundo, porque é uma relação de dependênciatotal. Longe da mãe, a angústia invade, a sensação éde morte, porque os dois são um só! Observe a ale-gria de um bebê quando a mãe aparece. Parece um ca-chorrinho abanando o rabo. Agita-se todo, balançapernas e braços, se ilumina. É o céu!

Só mais tarde, então, é que a menina virá com essahistória de querer ser a namorada do papai. E se esque-cerá de que, no começo, era a mãe que a fascinava, queera tudo para ela, mesmo que agora, na adolescência,ache a mãe uma chata e uma ridícula sem proporções.

Aliás, é por isso que os pais se magoam tanto quan-do o filho ou a filha os chamam de ridículos. Dói tan-to quanto eles dizerem para você que você é uma an-ta, que não sabe nada. Ou quando os filhos sentemvergonha dos pais. Ou os pais dos filhos.Tudo isso ofen-de muito, é o que se chama de ofensa narcísica. Por-que, um dia, pais e filhos não foram um só? Como,agora, um ou outro podem dizer essas coisas?

Dor narcísica é isso: a gente sente toda vez que “caido cavalo”. Toda vez que alguém diz, com todas as le-tras, que a gente não é o máximo e que pode ir deso-cupando o trono, que o reinado acabou.

Mas, voltando àquela época, seus pais ainda eramo máximo. Decidiam o que era melhor para você e is-so lhe dava muita segurança.

Então você chegou à puberdade. Foi um susto pa-ra você, mas também para os seus pais, porque eles nem

Cybelle Weinberg44

perceberam. Quando menos se espera, os filhos estãona puberdade. Você cresce e eles se assustam. Não en-tendem que você não queira mais aquelas intimidadesde antes e dizem que você está se distanciando. Mas ain-da bem, não? Chega de sentar no colo, de beijo gruden-to. É difícil para eles entender que seu corpo agora rea-ge diferente aos beijos e abraços de antes. E que por issovocê lhes dá um “chega pra lá”. Outras vezes, são os paisque dão um “chega pra lá” aos filhos, quando eles que-rem continuar com nhenhenhém e colinho.

Para os pais, geralmente, aceitar que o filho ou a fi-lha cresceram é muito difícil. Então alguns se negama perceber isso. Outros têm uma atitude oposta. Que-rem parecer modernos e se antecipam, causando osmaiores constrangimentos para os filhos. Contam pa-ra os amigos deles que o filho, imagina só, já tem peli-nhos, e que a filha, que graça, já tem peitinhos. Aliás,tudo é uma graça, o pelinho, os peitinhos, as espinhas,a menstruação, a Playboy escondida no banheiro. Ofilho ou a filha querem morrer, ficam vermelhos de ódioe vergonha, mas é uma graça como eles ficam vermelhos quan-do a gente fala disso, que bobagem!

E você começa a achar que seus pais não têm o me-nor desconfiômetro, que não são tão confiáveis comovocê imaginava. Começa a vê-los com outros olhos –como eles realmente são: humanos. Cadê aquele he-rói que você idolatrava? Cadê a mulher maravilha queresolvia tudo?

Por que estou assim? 45

Você os percebe fracos e se dá conta, tristemente,de que eles não são tudo aquilo que você pensava. Eeles caem do pedestal, porque é o que acontece quan-do alguém é colocado lá em cima.

A sensação, então, é de muita raiva. Como se elestivessem enganado você esse tempo todo. Só que nãoforam eles que o enganaram, foi você que se enganou.

Você descobriu como eles realmente são. E passaa criticar e questionar tudo o que eles dizem. Não é àtoa que eles chamam a sua adolescência de aborrecên-cia. E, para falar a verdade, eles têm razão, porque émesmo. É muito chato ter alguém no pé o tempo to-do criticando. Mas o que eles não sabem é que essacrítica é de raiva, é defesa contra a sensação de desam-paro em que se cai. Desamparo de saber que aquelaproteção era uma ilusão e que daqui para a frente seestará sempre sozinho!

Ante a crítica dos filhos, alguns pais reagem seafastando, ofendidos. Justo no momento em que os fi-lhos precisam deles, precisam que eles agüentem as crí-ticas, porque elas não significam falta de amor. Signi-ficam auto-afirmação.

Penso que essa é a verdadeira causa da crise da ado-lescência – a desidealização dos pais. Sem dúvida, é umadas maiores dores pelas quais se passa. É como se vo-cê precisasse matar, dentro de você, aqueles pais sa-bichões. É ruim, é doloroso, mas necessário.

Todos passam por isso. Ou quase todos. Pelo me-

Cybelle Weinberg46

nos todos os que querem crescer com autonomia depensamentos e sentimentos. Assim, a crise da adoles-cência, em certo sentido, é normal. Acho que anor-mal é não ter crise, não sentir dor, não passar por es-se processo.

Claro que tudo isso não é consciente, ninguémpensa assim: “Bom, já tenho 15 anos, está na hora dematar meus pais idealizados dentro de mim!”. A coi-sa vai acontecendo e é um rolo danado.Ao mesmo tem-po que se deseja a liberdade, a independência, o me-dão corrói a alma.

O processo de autonomia é um caminho de vai-e-vem.Algumas vezes você é a própria insegurança per-sonificada, incapaz de pegar num telefone e resolverseus problemas. Não consegue marcar hora no den-tista ou no médico, e muito menos ligar para a esco-la para pedir qualquer informação. Parece que o bicho-papão vai atender do outro lado. Se a mãe não ligarpara o dentista, o dente cai de podre. Se usar apare-lho, então, é o caos. Se o aparelho for móvel, sua mãevai ter que procurá-lo na lixeira do McDonald’s. Se forfixo e ela não ameaçá-lo de morte para ir ao dentista,o aparelho vira bom-bril na sua boca.

Outras vezes, você anda como se fosse o chefão daMáfia ou como a sabe-tudo do pedaço. Se eles cobramseus horários, você fica uma fera. Se não cobram, é por-que não estão nem aí para você...

Por que estou assim? 47

“Pra onde você vai? A que horas vai voltar?Com quem vai? Você é muito nova pra isso.Leve a sua irmã junto.” Essas frases mechateiam, mas eu consigo entender. Só que não dou o braço a torcer. Fico morrendo de raiva.

Cristina, 14 anos

Às vezes meus amigos me convidam praviajar com eles mas eu fico com medo doque vai rolar na viagem. Então eu digo quevou pedir para os meus pais e encho o sacodeles até eles deixarem. Mas aí quando elesdeixam eu digo para os meus amigos queeles não deixaram. Para os meus pais eu digo que agora que eles estragaram tudo eutambém não quero ir mais.

Luís, 14 anos

Não é para dar um nó na cabeça dos pais? É paradeixar ou para não deixar? É para cobrar horários ounão cobrar?

Fale a verdade: apesar de chatos, é bom saber queeles estão lá, que nem um cabide onde todas as inse-guranças podem ser penduradas.

Cybelle Weinberg48

Se meu filho disser para mim todas as coisasque eu digo para o meu pai, eu quebro a cara dele. Filho tem que respeitar o pai.Com meu filho vai ser assim.

Pedro, 16 anos

Pois é. Se seus pais soubessem que o que vocêquer é alguém forte, alguém que você possa enfren-tar, economizariam horas de bate-boca e terapia.

Lembra aquela música Rebelde sem causa? Os carasjá gritavam pra quem quisesse ouvir

Meus dois pais me tratam muito bem(O que é que você tem que não fala com ninguém?)Meus dois pais me dão muito carinho(Então por que você se sente sempre tão sozinho?)Meus dois pais me compreendem totalmente(Como é que você se sente, desabafa com a gente!)Meus dois pais me dão apoio moral(Não dá pra ser legal, só pode ficar mal!)

E diz o refrão:

Não vai dar, assim não vai darComo é que eu vou crescer sem ter com quem me revoltarNão vai dar, assim não vai darPra amadurecer sem ter com quem me rebelar

Ultraje a Rigor

Por que estou assim? 49

Mas o que é se revoltar? Será que é sair por aí, chu-tando tudo o que tem na frente? Acho que não.

A própria sociedade, a cada época, vai dando ma-neiras diferentes para as gerações se revoltarem. Se re-voltar pode ser fazer tatuagens, usar brincos e cabeloslongos para ser diferente dos pais caretões. Ou raspara cabeça quando o pai, já quase careca, resolve deixaro cabelo crescer e usar rabinho. Ou ser ateu numa fa-mília religiosa. Ou religioso numa família de ateus. Oucomunista, se é isso o que os pais odeiam. Ou andarpelado com uma flor na mão em Woodstock...

E os pais, em vez de prestar atenção na letra da mú-sica, ficam horas conversando com os amigos sobrevocê. Pais de adolescentes adoram falar dos filhos.

“Eu fiz tudo por essa menina, não sei onde errei. Não entendo como ela ficou assim!”

“Esse menino vai acabar se dando mal. Não me escuta, não escuta ninguém. Não sei o que ele quer da vida.Vai morrer de fome se eu não puder mais sustentá-lo.”

E fica um papo que não acaba mais sobre como nasua idade eles eram diferentes. Em certos aspectos, eram

Cybelle Weinberg50

mesmo. Mas, em relação aos pais deles, era a mesmacoisa. Talvez esteja aí a chave da questão. Como su-portar que você seja diferente deles? Que não pensecomo eles, que não queira o que eles querem para vo-cê? Aceitar o diferente é das coisas mais difíceis da vi-da, principalmente quando esse diferente é o própriofilho ou filha. E, ainda, diferente do que se sonhou!

Daí a sensação de fracasso que os pais sentem.Onde erraram? Como o filho, ou a filha, ficou assim?Mas assim, como? Assim, desse jeito! Quer dizer, do seujeito e não do jeito deles.

Pois é, o caminho da aceitação é árduo. Eles pre-cisam aceitar você como você é, e você precisa aceitá-los como eles são. Mas isso demora, é um longo pro-cesso. Isso é amadurecer.

Mas ninguém amadurece de uma hora para outra.Se você fosse um mamão ou um abacate, podia dor-mir embrulhado num jornal e no dia seguinte estavamadurinho. Como você é gente e não fruta, amadu-recer demora. E, sinto muito, também dói!

Amores

adolescentes

Amor é a coisa mais alegreamor é a coisa mais triste

amor é a coisa que mais quero.

Adélia Prado

Eu acrescentaria maisum verso: amor é a coisaque mais me dá medo.

Todos querem um amorlindo, maravilhoso, de conto defadas. Mas morrem de medo deamar. Então passam a vida esperan-do esse amor chegar. O problema éque princesas estão em extinção. E prín-cipes encantados não chegam mais parasalvar ninguém...

Então, se o que mais se quer é um grandeamor, é preciso batalhar por ele. E essa batalhanão é contra dragões nem contra feiticeiras. Àsvezes, essa batalha é contra a gente mesmo. Éenorme a capacidade que o ser humano tem para

Cybelle Weinberg52

se boicotar, para afastar um amor, achando que esteainda não é aquele, o verdadeiro.

O que parece muito esquisito, já que todos queremo amor.

Acontece que o amor é cheio de contradições, e des-de tempos imemoriais os homens tentam entendê-lo.

Os gregos, por exemplo, acreditavam que Eros, odeus do Amor, era a força fundamental do mundo. Eraconsiderado um deus nascido ao mesmo tempo quea Terra, saído diretamente do Caos primitivo, que as-seguraria não só a continuação da vida como a uniãode todos os elementos do universo nascente. Era re-presentado como um menino com asas, nu, levandoo arco e as flechas, com as quais feria de amor os co-rações, tanto dos homens como dos deuses. Eros (Cu-pido, para os os romanos ) era filho de Afrodite, a deu-sa do Amor.

Afrodite teria nascido da ondas do mar. Seu pai, Ura-no, teve seus órgãos genitais cortados e atirados ao mar.Do esperma do deus e das águas do mar nasceu Afro-dite, engendrada nas espumas. Saída nua de entre aságuas, era muitas vezes representada com o pé sobreuma concha marinha. Outras vezes envolta em mag-níficos véus leves, perfumada, enfeitada, com bracele-tes, brincos, colares, cintos bordados. Como uma Ie-manjá...

O culto a Afrodite foi muito difundido pela Gréciae no mundo antigo. Em Roma, com o nome de VênusGenitrix, teve vários templos construídos em sua ho-menagem. Aliás, Roma tinha como protetora Afrodi-

Por que estou assim? 53

te-Vênus. Presidia aos casamentos, aos nascimentos,aos amores em geral.

E também os filósofos se ocuparam do amor. Pla-tão principalmente, autor de uma obra chamada OBanquete. Trata-se de uma história em que vários poe-tas e oradores, cada um a seu modo, discursam sobreo Amor.Todos os discursos são interessantes, mas umdeles ficou mais conhecido, o de Aristófanes, autor decomédias para o teatro. Ele começa seu discurso afir-mando que os homens não se dão conta do poder doAmor e que, se se dessem, teriam construído para eleos mais magníficos templos. E, para explicar esse po-der do Amor sobre a natureza humana, recorre a ummito.

Inicialmente, diz ele, os seres humanos eram muitodiferentes do que são hoje. Não havia apenas dois se-xos, o masculino e o feminino, mas três, um masculi-no, um feminino e um terceiro, misto dos dois, chama-do andrógino. Todos esses seres eram circulares, etinham, cada um, quatro braços, quatro pernas, e, so-bre o pescoço bem redondo, uma cabeça com dois ros-tos, um ao contrário do outro. As orelhas eram quatroe a boca, o nariz e os genitais eram duplos. Assim, umser masculino era constituído de dois sexos masculinos,um ser feminino era formado por dois sexos femininose o andrógino tinha em si o masculino e o feminino.

Esses seres eram muito velozes, uma vez que, quan-do corriam, podiam fazê-lo em círculo, girando, apoia-

Cybelle Weinberg54

dos nos quatro membros. Além disso, eram dotadosde grande força e possuíam um orgulho imenso. Tan-to que resolveram escalar o monte Olimpo para me-dir-se com os deuses.

Zeus e os outros deuses puseram-se em discussãopara deliberar sobre o castigo que deveriam impor-lhes.Pensaram inicialmente em matá-los, mas concluíramque a idéia não era boa, porque se extinguissem a ra-ça, ficariam os deuses sem ninguém para prestar-lheshomenagens. Afinal, eles seriam deuses de quem?

Então Zeus revolveu que o melhor seria dividi-losao meio, o que não só os enfraqueceria, como dobra-ria o número deles. E se continuassem insolentes, se-riam novamente divididos, ficando cada um com umaperna só e andando aos pulinhos.

E Zeus assim o fez: dividiu os seres em dois e man-dou que Apolo virasse seus rostos para dentro para queolhassem permanentemente a parte dividida.Apolo deuuma ajeitada, puxou pele daqui e dali, e acertou tudodando um nó no meio da barriga – e fez-se o umbigo.

Ora, dividido o físico em dois, cada metade sentiasaudade da outra. Então buscavam metades e se junta-vam, permanecendo abraçados uns aos outros e, no de-sejo de unificar-se, morriam de inanição, porque não sedispunham a fazer nada um sem o outro. Toda vez quemorria uma das metades, a que sobrava procurava ou-tra e se agarrava a ela,quer fosse metade de homem,querde mulher. E dessa forma iam se acabando.

Condoído, e também com medo de que a espécieacabasse, Zeus inventou novo artifício. Passou-lhes os

Por que estou assim? 55

genitais para a frente, porque até então essas partes ti-nham ficado voltadas para fora. Assim, já que ficavamabraçados, podiam reproduzir-se, no caso de se jun-tarem uma metade masculina e outra feminina. Se sejuntassem duas metades masculinas ou duas femini-nas, não procriariam, mas também ficariam felizes.(Esta seria a origem do amor homossexual.)

Cada um de nós é, portanto, um ser dividido, sem-pre em busca de sua metade. Como prova disso, Aris-tófanes diz que é só perguntar para qualquer par deapaixonados o que mais querem da vida e a respostaserá a mesma – ser um só para sempre. Portanto é aodesejo e à procura da primitiva completude que se dáo nome de Amor.

Nesse mito talvez esteja a origem da expressão po-pular – achar a sua metade.

Por mais esquisita que pareça essa história, no en-tanto, alguma coisa ela tem de verdadeira. Pensandobem, não fomos nós completos um dia? Imagine umbebê e sua mãe. Primeiro, lá dentro da barriga dela, bemgostoso, o bebê e ela sendo literalmente um só. Aíchega um Zeus qualquer e tchum! – corta o umbigoe separa um do outro.A mãe, antes todo-poderosa comseu barrigão, não se conforma com a separação e nãodesgruda do bebê por nada. E o bebê, por sua vez, queainda não entende nada, sente que ele e a mãe são umsó. Afinal, ela pensa e sente por ele, e sabe o que elequer. E tente você dizer para uma mãe que ela não sa-

Cybelle Weinberg56

be do que o seu bebê precisa. “É ló-gi-co que ele es-tá com frio!”, dirá ela, assim que você tirar a manta de-le. Ou “esse choro é pu-ra ma-nha, eu sei muito bem oque ele quer!”

Mas, enfim, sorte de quem teve uma mãe dessas,porque é a única condição para se tornar humano. Foipreciso alguém dizer que ele se parece com a avó (mes-mo que ele não se parecesse com nada deste mundo),ele é manhoso, ele vai ser isso e aquilo, para que essebebê pudesse se tornar alguém.

Bom, mas até a mãe mais dedicada um dia se can-sa. E chega a hora em que ela, ou o médico, ou algumser superior diz que está na hora de desmamar o be-bê. Pronto, mais um corte. E virão muitos mais. Porexemplo, quando ela disser que não vai mais gostar de-le se ele continuar a fazer cocô nas calças. Meu Deus!Acabou-se o amor incondicional, acabou-se o tempoem que ela o amava de qualquer jeito, feio, sujo, vo-mitado, cheirando xixi! Agora é assim: “Come sem sesujar, faz tudo bonitinho pra mamãe gostar de você!”

E o pior corte, o golpe fatal, é quando o pai chegae põe um fim naquela festa. E deixa claro que antesde aquela mulher ser a mamãe ela é a mulher dele! Quetraição! É mesmo para se sentir como uma daquelasmetades abandonadas. E isso vale tanto para meninoscomo para meninas, porque a menina, antes de acharo papai o máximo dos máximos, vivia sua grande pai-xão com a mamãe.

Assim, pensando em todo esse caminho que o serhumano percorre, fica mais fácil entender por que o

Por que estou assim? 57

amor é a coisa que as pessoas mais querem. Quem nãoquer a plenitude, quem não quer, enfim, encontrar al-guém que o compreenda totalmente, que o ame incon-dicionalmente, como um dia se foi amado?

Quem nunca ouviu esta frase “Você continuaria meamando mesmo se descobrisse alguma coisa muito feiaem mim?” Ou “Você me amaria se eu fosse diferente?”

Aliás esta última pergunta não faz muito sentido,porque se você fosse diferente do que é, seria outra pes-soa. E talvez nem se interessasse pela pessoa a quemvocê faz esta pergunta...

Mas eu falava da busca daquele amor maravilho-so, da volta àquele estado ideal, tipo mamãe-bebê.

Essa é uma das contradições do amor: se você en-contrar a sua metade, alguém que se disponha a aban-donar tudo por você, a viver grudadinho em você, queadvinhe todos os seus desejos e se antecipe a eles eque saiba e-xa-ta-men-te o que você está pensando,você vai querer fugir no primeiro trem.

Porque isso é enlouquecedor. Se aquela mãe que umdia achou que sabia tudo o que seu filho queria (o quenaquele momento foi bom e necessário, porque ele nãosabia mesmo) continuasse achando isso pela vida afo-ra, ela não teria dado chance para que ele se desenvol-ver como indivíduo pensante e desejante. Por isso nãoexiste glória maior para uma criança do que quandoela descobre que não podem saber o que ela pensa. Elase descobre separada, com direito a ter as próprias

Cybelle Weinberg58

idéias. E é isso também que muitos parceiros não en-tendem, quando chegam com aquele famoso “Beinhê,em que você está pensando?”. Pior que isso, só ter aseu lado alguém que sabe em que você está pensando.É um desejo assustador – você quer ter a seu lado al-guém que advinhe seus pensamentos, mas isto signi-fica deixar que um outro tome posse de você.

Outra contradição do amor: a pessoa que ama ver-dadeiramente o outro deveria desejar o crescimento ea felicidade desse outro, não é? É, mas geralmentenão é isso o que acontece. As pessoas maduras, segu-ras de seus sentimentos e do sentimento do outro, con-seguem ou suportam que o outro seja feliz sem elas.Mas a maioria...

Aquela mãe de quem eu falava,por exemplo. Ela pre-cisou suportar a idéia de que seu filho era diferente de-la, que para crescer ele precisava se separar dela. Mes-mo a contragosto (dos dois). Porque mãe é fogo! Mãetem que fazer um esforço danado para dizer: “Estábem, se é isso mesmo o que você quer...” (Mas bem láno fundo ela continua achando que ela é quem sabe oque o seu filho quer, mas que é preciso deixá-lo pen-sar que ele sabe, senão ele não aprende... É bom praele quebrar a cara... Mais tarde ele vai dar razão pra ela!)

A maioria das pessoas, e especialmente os adoles-centes, sofre muito com a idéia de que o outro possa

Por que estou assim? 59

se afastar, possa ter seus próprios interesses. Porque éameaçador ver o outro crescer, ser outro. Quem con-segue pensar que, se o outro se desenvolve, é melhorpara os dois? É muito difícil. A pessoa acha que podeser passada para trás se a vida do outro ficar muito in-teressante. (Seria melhor ser um só...) E, preocupadacom isso, não percebe que ela também pode crescer.Imagine um casal vivendo junto as 24 horas do dia,sem se separar um minuto. De que eles vão falar? Oque terão para contar? Na certa vão começar a brigar,só para ter assunto. É aquele famoso diálogo “Por quevocê está me olhando desse jeito?”“Que jeito?”“Ora,você sabe de que jeito!” “Não estou olhando de jeitonenhum, eu nem estava olhando para você...” “Entãopara quem você estava olhando? Em quem você es-tava pensando? Porque essa sua cara eu conheço mui-to bem...”

Agora, quando duas pessoas que estiveram sepa-radas, nem que seja por algumas horas – estudando,trabalhando, passeando, sei lá –, se encontram nova-mente, você concorda que o diálogo pode ser um pou-co mais interessante?

Lembre um pouquinho aquela aula de Matemáti-ca sobre conjuntos. Imagine dois círculos inteiros, fe-chados. Se os dois círculos estiverem completamenteseparados, sem nenhum ponto de contato, é comoduas pessoas que não têm nada em comum.Agora ima-gine os dois círculos totalmente sobrepostos. Se foremiguais, vão virar um só, e se um for menor, vai ser en-globado pelo outro. Mas se tiverem somente uma par-

Cybelle Weinberg60

te em comum, uma intersecção, formando um novoconjunto, esta parte será a das trocas, dos interessescomuns. E cada um poderá manter sua individualida-de, que será o resto do círculo.

O medo (e o desejo) de ser um só com o outro, dese perder no desejo do outro (no outro conjunto), deser “sufocado” é perfeitamente compreensível, e seesse medo é mais ou menos generalizado entre osadultos, entre os adolescentes ele é mais acentuado.Isto porque o adolescente está se descobrindo, está co-meçando a saber o que quer da vida. Ele já viveu es-sa experiência de ser um só e de se separar. Se isso acon-tece de novo, é a alienação total. E o estado da paixãopor si só é alienante.Você nunca ouviu falar que quemestá apaixonado fica bobo?

Quando, nas conversas com jovens, eles me dizemque têm medo de se envolver com alguém, eu pensoque essa é uma das razões. E me lembro de um con-to escrito por uma jornalista, Marina Colasanti, sobreuma moça tecelã. Essa moça tinha o poder de tecer tu-do o que desejava. Passava seus dias tecendo – de ma-nhã tecia um dia de sol ou de chuva, como quisesse.Se tinha fome, tecia o que gostava e pronto, a comidaestava na mesa. Se tinha sede, podia tecer o que tives-se vontade de beber. E, quando se cansava, tecia anoite e se deitava para dormir.

Mas, entre outras coisas, ela foi tecendo também otempo e começou a sentir falta de alguém para lhe fa-zer companhia. Então decidiu que estava na hora detecer um marido. Começou imediatamente e foi esco-

Por que estou assim? 61

lhendo fios e cores conforme seu desejo. À noite, sa-tisfeita com o seu trabalho, e bem na hora em que da-va o último ponto, bateram à porta e ela advinhou queera o marido que havia chegado.

No entanto, a felicidade durou pouco, porque assimque ele soube do tear, pediu-lhe que fizesse uma casamaior. Depois um palácio, estrebarias, criados e exi-gências que não acabavam mais. E ela ali, escrava doscaprichos dele, tecendo sem parar. Até que ela se can-sou. E uma noite, silenciosamente, foi até o tear, puxouo fio e desfez tudo: palácios, criados e marido junto.

Até parece que essa moça fez terapia! Porque, se édifícil estar numa relação em que predomina a vonta-de de um só, mais difícil ainda é sair dela. Pensemosna moça tecelã, por exemplo. Poderia ser também umrapaz tecelão, tanto faz. O que importa é que o com-panheiro, ou tavez a companheira, foi tecido confor-me o seu desejo. E o desejo é traiçoeiro. Quem garan-te que o desejo de alguém não seja justamente o de terum algoz a seu lado? E passar a vida reclamando? Ébom ter um culpado pela infelicidade da gente, não é?

Me ensina a namorar

Com ela, todos os assuntos, menos o assunto principal: o meu amor. Um dia elame fez a pergunta:– Você tem namorada?– Tenho.

Cybelle Weinberg62

– Como se chama?– Segredo.– Ah, eu gostaria tanto de conhecer. Não vaime apresentar? Só pra mim...– Ela... Ela não sabe... – E como Isabel risse,eu dei uma desculpa: – Aqui a gente namoraassim... Quer dizer, menino aqui namoraassim... a namorada não precisa saber...– Em todo lugar menino namora assim...Mas tem namorada que sabe e gosta. Porque você não leva uma conversa com a tua?– Quero, não. Se ela souber, ela desman-cha... Deixa quieto...

José Antonio de Souza, Paixões alegres

Essa é a história de um menino de 12 anos, apai-xonado por Isabel, uma mulher de 25.

Mas me conta qual menino ou menina nunca seapaixonou por alguém mais velho?

A minha adolescência inteira eu sempre me interessei por homens mais velhos queeu. Não sei porquê, mas eu nunca me interessei por garotos da minha idade, sempre gostei de homens mais velhos. Acho isso um pouco estranho.

Mariana, 18 anos

Por que estou assim? 63

Apaixonar-se por um homem ou por uma mulhermais velhos, quando se é jovem, não é tão estranho as-sim. Não é a regra, mas acontece com alguns. Na in-fância as crianças se apaixonam por seu pai ou por suamãe. Quando esse relacionamento começa a se trans-ferir para alguém fora da família, o caminho mais fá-cil é procurar pessoas semelhantes a eles.

Amar pessoas mais velhas, amar em segredo, amarpessoas distantes, amar cada dia um. Tudo isso énormal na adolescência e faz parte do aprendizadodo amor.

Porque na adolescência o que se quer sentir é oamor, não interessa muito o objeto. Nada mais comume normal do que se apaixonar por alguém bem distan-te, que se viu uma vez nas férias do ano retrasado, eque provavelmente nunca mais se vai ver. Ou por al-guém que só é visto nas telas do cinema ou nos showsde rock. Quanto mais longe, menor o perigo – de serrejeitado, de ser traído, e até de ser correspondido. Po-de-se amar tranqüilamente um Tom Cruise ou umaDemi Moore. Colecionar fotos, escrever cartas, so-nhar e até chorar por eles.

Amar em segredo é a mesma coisa. Nada dá maisraiva, por exemplo, do que contar para o amigo ou pa-ra a amiga que se está apaixonado ou apaixonada poralguém e esse amigo ou amiga ir direto no ouvido dooutro e abrir o jogo. Pronto, nega-se tudo, pelo que háde mais sagrado no céu e na terra. Porque a pessoa ama-da não pode saber que é assim amada. Porque, se sou-ber, estraga tudo! Pode zombar da gente, pode achar

Cybelle Weinberg64

ridículo, pode contar pra todo mundo. E, além domais, o que se ama, na verdade, é a cena, é imaginar oque essa pessoa diria, sentiria, responderia, tudo no fu-turo do pretérito. Deus me livre passar para o presen-te do indicativo.

E tem aquele tipo de amor que acontece bastan-te na adolescência, mas que não é privilégio dosadolescentes. É o que chamo de Amor – a missão. Temgente que é especialista em se apaixonar só por quemestá numa pior, por baixo, mal mesmo. Claro que umapessoa que está mal precisa de ajuda. Só que essa aju-da tem que vir do pai, da mãe, ou de um um profis-sional. Amar alguém só porque esse alguém é coi-tado, aquele que ninguém quer, é sintomático. É daruma de salvador ou salvadora e, onipotentemente,achar que ao seu lado, ao lado de uma pessoa tãocompreensiva quanto você, essa pessoa vai se trans-formar. Essa onipotência pode estar escondendouma baita fragilidade, uma grande insegurança. Afi-nal, ao lado de uma pessoa assim, seus defeitos de-saparecem e suas qualidades vão brilhar. Já ao ladode uma pessoa que brilha...

Nunca namorei e não vou namorar tão cedo.Meu maior problema é o medo de ser traída.Não dá pra confiar nesses meninos.

Lucia, 15 anos

Por que estou assim? 65

E, em matéria de amor, dá para confiar em alguém?Nem em meninos nem em meninas nem em nin-guém. Porque o amor não vem com selo de garantia.E não existe um Procon do Amor. Não tem um lugaronde a gente possa reclama “Olha, ele (ou ela) me ga-rantiu que ia me amar para sempre, e agora vem comesse papo que não quer saber de mais nada comigo”.Pois é, não tem. Não dá nem para processar alguémpor propaganda enganosa.

É um risco constante. E quem não se arrisca nãoperde nada, mas também não ganha nada.

A gente pode levar a vida assim, também, numeterno jardim-da-infância, brincando de namorar. E aíse o outro não faz como a gente quer, é só dizer um“Não brinco mais” e pronto.

Enfim, o amor de verdade, aquele que a gente querpara a vida toda, dá trabalho, é exigente. Tem que serconstruído, envolve riscos e necessita de cuidados.

Minha avó dizia que é como fazer bolo. Quando vo-cê põe um bolo no forno, tem que ficar ali por perto,tomando conta. Se você põe o bolo no forno e se dis-trai, vai embora, quando volta está todo queimado. Como amor é igual.Você não pode se distrair, tem que cui-dar. Mas também, se abrir a porta do forno sem parar,naquela ansiedade, tomando conta demais, perguntapara sua avó o que acontece com o bolo...

Pensando

em sexo

Você conhece um livro chamado Metamorfose? É so-bre a história de um rapaz que um dia acorda e se sur-preende porque se transformou numa barata. Ele nãoconsegue mais sair da cama do mesmo modo comofazia antes, e, quando começa a observar seu corpo, vêque passou a ter um corpo de barata. Então não se ani-ma a sair do quarto, porque se sente repulsivo. E as-sim se isola completamente da família.

Claro que isso é ficção. Ninguém se transformarealmente numa barata, ou em qualquer outro bicho.Mas muita gente pode se sentir uma barata. Gregor, orapaz do livro, sentia-se uma barata gigante, imensa. Elese olhava e se estranhava. Não conhecia mais seus mo-vimentos, não sabia mais do que gostava.

Com alguns adolescentes pode aconteceruma coisa parecida. Não virambarata, mas de um dia paraoutro seu corpo começa aficar estranho, grande, comumas partes crescendomais que as outras. E épreciso lidar com essecorpo novo. Quando se é

Cybelle Weinberg68

criança, tem-se um corpo. Na adolescência, tem-se umcorpo em mudança. E é como se a mente ficasse ob-servando esse corpo mudar.

Essas mudanças, para alguns, ocorrem de forma har-moniosa. Mas para a grande maioria não é nenhummar de rosas. Braços e pernas crescem desproporcio-nalmente, pés e mãos se agigantam. Não é à toa quetodos se queixam que adolescente é desajeitado, quederruba tudo, que não sabe andar sem levar junto tu-do o que encontra pelo caminho. É como andar so-bre pernas de pau. É fácil?

Você vai se sentar, mas não percebe que seu cor-po está mais pesado. Então sua mãe reclama que vo-cê não senta, desmorona, e que vai quebrar o sofá de-la.Você vai abraçá-la, e ela diz que você vai esmagá-la.Vai fechar a porta da geladeira e bate com uma forçaque faz tremer tudo o que tem lá dentro. Na escola,suas pernas não cabem mais embaixo da carteira.A rou-pa e o tênis que você usou até o mês passado não lheservem mais. Passa pelo mesmo lugar de sempre eagora bate a cabeça.

Isso de não se dar conta do próprio tamanho, pe-so e força acontece porque a imagem corporal (a idéiaque cada um tem do seu próprio corpo) não conse-gue acompanhar o ritmo do crescimento físico. Aliás,nem sempre a imagem corporal corresponde exata-mente ao corpo. Uma pessoa pode ser magra e seachar gorda, pode ser bonita e se achar feia. Ou, sor-te dela ser gorda e se achar magra ou ser feia e se acharlinda. Infelizmente, o segundo caso é bem mais ra-

Por que estou assim? 69

ro. Portanto, a imagem corporal é algo puramentesubjetivo.

Os órgãos sexuais, na puberdade e adolescência,também se desenvolvem. Isto significa que, objetiva-mente, um adolescente é capaz de ter relações sexuaise ter filhos. Mas a sexualidade, que é algo subjetivo,também precisa se adaptar a essa nova situação. Por-que a sexualidade não aparece na puberdade. Ela é mui-to anterior. Psicanaliticamente, a vida sexual de um su-jeito começa quando ele nasce.

Freud foi o primeiro a falar de sexualidade infan-til. Até aquela época, acreditava-se que as criançaseram completamente assexuadas. E que só na puber-dade, com o desenvolvimento dos órgãos reproduto-res, é que a sexualidade aparecia. Não é preciso dizerque ele foi quase apedrejado quando afirmou que ascrianças não eram aqueles anjinhos que se imagina-va. Se hoje em dia as idéias dele ainda causam arre-pios em muita gente, imagine naquela época, em quea sociedade era superconservadora.

Para que você entenda o que se passa com a suasexualidade, nesse momento, é muito importante quevocê conheça o que a Psicanálise tem a dizer. Talvezvocê não concorde e ache essas idéias muito estranhas.Mas isso acontece, principalmente, porque você, co-mo todo mundo, sofreu uma espécie de amnésia. Querdizer, se esqueceu de grande parte daquilo que sentiuna infância.

Quando você nasceu, alguém cuidou de você. La-vou, trocou, passou talco, fez carinho, beijou e abra-

Cybelle Weinberg70

çou. Você não tinha condições para entender o queestava acontecendo, mas aquilo era bom. E aquelassensações gostosas, apesar de você não se lembrar, nãosumiram. Elas ficaram registradas no seu corpo. En-tão quando se diz que a sexualidade começa no nas-cimento, é sobre isso que se está falando. Que o seiocom leite, o quentinho do colo, a voz e o cheiro damãe eram muito reconfortantes. E causavam muitoprazer. Se você não acredita, observe um bebê que aca-bou de mamar. Parece que acabou de ter um orgas-mo. É de dar inveja!

Além desse prazer que davam a você, você tambémse providenciava coisas gostosas.Chupava o dedo da mão,o dedo do pé, a chupeta, os brinquedos, a mão das vi-sitas. Todo o prazer estava em enfiar coisas na boca.

Depois de algum tempo, você descobriu um novoprazer: fazer cocô na hora em que bem entendesse. Oprazer estava não só em ficar segurando as fezes e emsoltá-las, mas também em controlar toda a família. Co-nheci crianças que ficavam horas sentadas no peniqui-nho, com a mãe perto contando histórias. Ou se cerca-vam de brinquedos e ficavam ali no troninho, como umreizinho, pedindo cada vez mais coisas. Se você duvida,faça uma experiência e pergunte para sua mãe como vo-cê era nessa fase. Provavelmente ela terá histórias en-graçadas para contar, do tipo “dar tchau para o cocô”,e outras menos higiênicas, do tipo “pintar as paredes”.

Mais para a frente, você começou com as suas pes-quisas sexuais. Queria espiar todo mundo e se inte-ressava muito por pipis e xoxotas, querendo descobrir

Por que estou assim? 71

as semelhanças e diferenças. Uma pergunta comum,nessa época, é se todas as coisas têm pipi. E criançaspequenas dividem o mundo entre quem tem e quemnão tem. Gente e bichos têm. Mesa, cadeira, pedra nãotêm. Assim funciona a cabecinha delas.

Você provavelmente se exibia bastante também,adorava andar sem roupa. E como tinha muita coisapara descobrir, inclusive sobre a sexualidade dos seuspais, essa fase demorou um pouco mais que as outras.

Mas você acabou por desistir dessas questões to-das. Elas davam muito trabalho, muita dor de cabeça.Além do mais, eram questões muito excitantes, que da-vam uma culpa e um medo danados. Era melhor dei-xar pra lá e se interessar por outras coisas. Então to-da aquela energia que estava a serviço das questõessexuais foi desviada para a escola, para outro tipo depesquisa. Melhor saber sobre a família dos dinossau-ros do que sobre a sua. No mínimo, evita-se muita en-crenca. Essa fase, em que a sexualidade parece estaradormecida, ou pelo menos desviada, chama-se latên-cia. E dura até a puberdade.

Nessa fase do desenvolvimento biológico, a pu-berdade, os órgãos genitais se desenvolvem e se pre-param para uma vida sexual adulta.

Como tudo aquilo que aconteceu antes foi esque-cido, tem-se a impressão de que a sexualidade só apa-rece nessa época. No entanto, o correto seria dizer quea Biologia obriga a recolocar em primeiro plano a ques-tão da sexualidade. O corpo se desenvolve, independen-temente das preocupações sexuais que se tenha.

Cybelle Weinberg72

E, além do mais, esquecido não é desaparecido.Digamos que tudo o que ocorreu nas fases anterioresfoi arquivado no Inconsciente, para fazer parte de umasexualidade adulta. Beijar, tocar, ouvir, cheirar, olhar,se mostrar, são resquícios de uma sexualidade primá-ria, que permanecem na vida sexual adulta.

Dizer que a sexualidade desperta na puberdade épouco. O melhor seria dizer que ela explode na pu-berdade. E se tem algo que caracteriza e dá vazão à se-xualidade dessa época é a masturbação.

Uma pergunta comum entre os adolescentes é que-rer saber se se masturbar é uma coisa normal. Asse-guro que sim. Masturbar-se não é crime, não é peca-do e não faz mal à saúde. Além do mais, quase todasas pessoas se masturbam ou já se masturbaram um dia.Algumas pessoas não pensam assim, porque para elasmasturbar-se é, unicamente, manipular os órgãos ge-nitais com as mãos. Se for assim, tem mesmo gente quenunca se masturbou. Mas uma pessoa pode mastur-bar-se sem usar as mãos – apertando os músculos dacoxa, se esfregando em alguma coisa, dormindo comtravesseiros no meio das pernas, tendo pensamentos...Até as crianças se masturbam. Ou tentam, porquetem sempre um adulto por perto mandando tirar a mãode lá. E aí também elas descobrem um jeito “alterna-tivo” de se masturbar.

Então, crianças, adolescentes e adultos se mastur-bam. Só que adolescentes se masturbam bem mais.Quer saber por quê?

Primeiro, porque a masturbação funciona como

Por que estou assim? 73

um modo de regular a tensão. Uma situação de ansie-dade, de expectativa ou de medo pode elevar o nível deexcitação e levar à masturbação. Por isso masturbar-sena véspera de uma prova difícil, por exemplo, é muitocomum. Nesse caso a masturbação funciona comouma forma de lidar com a ansiedade, como uma espé-cie de descarga. Observe uma criança brincando. Quan-do a brincadeira se torna muito excitante, ela fecha aspernas e fica segurando o pênis ou apertando a vagi-na. E quando fica muito excitada, pode contar que vaifazer xixi na cama. Esse não é o seu caso, mas você po-de ter orgasmos dormindo. E ter poluções noturnas.

Segundo, porque a masturbação adolescente fun-ciona como uma preparação para a vida sexual adul-ta. Acariciando-se, você explora o seu próprio corpoe redescobre muitas formas de obter prazer. E podeacontecer de você se excitar observando ou tocandoo corpo de alguém do mesmo sexo. Isso não signficanecessariamente que você seja homossexual, mas ape-nas que é mais fácil tocar um corpo igual ao seu doque o de alguém do sexo oposto. Ainda que esse, ooposto, seja o desejado. E, justamente por ser deseja-do e desconhecido, é ainda mais temido. No entanto,essas brincadeiras sexuais com alguém do mesmo se-xo podem ser fonte de muita culpa e preocupação.Tal-vez alivie saber que alguns contatos homossexuais, naadolescência, são passageiros.

E já que se está nesse terreno, é bom falar tambémdas fantasias sexuais. Essas fantasias servem, no mí-nimo, como uma espécie de exercício: você experimen-

Cybelle Weinberg74

ta vários papéis, ora fazendo coisas, ora recebendo. Eolhe, no terreno das fantasias é que não tem norma-lidade mesmo. Cada um desenvolve o seu próprio re-pertório de fantasias, das mais esquisitas às mais tra-dicionais.As fantasias acompanham a sexualidade pelavida toda. Aliás, são próprias do mundo sexual do serhumano. Animais não têm fantasias sexuais. Eles aca-salam e se reproduzem, só isso. Por isso eles não po-dem transar com uma calcinha, com um par de sapa-tos ou com um pote de geléia. Mas o ser humano pode.Porque ele pode recobrir tudo com o véu da fantasia.Inclusive o corpo do outro. Só um médico ou cientis-ta vê o corpo do outro sem fantasia, como um con-junto de órgãos, pele, tecidos. A não ser neste caso, eainda assim, talvez, o corpo do outro nunca seja vis-to como ele realmente é. Será sempre um corpo comum cheiro, com uma cor, com um algo inexplicável,capaz de atrair ou afastar.

Para muitos a masturbação é vista como algo feioe sujo, que pode causar doenças, deixar o sujeito fra-co, louco, um monte de bobagens. Outros podem nãoter problemas desse tipo mas depois, sem saber por-quê, sentir culpa ou se achar anormal. Isso vale paraas fantasias também, porque elas invadem a cabeça dagente, sem que se tenha muito controle sobre elas.

Ne verdade, o modo como cada um encara a mas-turbação depende de várias coisas. Depende da edu-cação recebida, da intimidade com o próprio corpo, dosconhecimentos sobre sexo, da cultura, da tradição, dareligião. Mas, fundamentalmente, depende do rumo que

Por que estou assim? 75

as questões sexuais tomaram dentro do próprio mun-do interno.

Isto quer dizer que existe um tipo de conflito queque se passa dentro das pessoas, e do qual elas não têmnenhum conhecimento. E quem determina esse con-flito é uma espécie de modelo que cada um traz den-tro de si. Esse modelo, que é uma imagem ideal quecada um tem de si mesmo, funciona como um parâ-metro. Cada vez que a pessoa faz algo que a aproximadesse modelo, ela fica exuberante. E toda vez que seafasta desse modelo, sente uma culpa inexplicável.

Mas o que tem a ver masturbação com tudo isso?Tem que eu falava de culpa. E o grande responsávelpor essa culpa é esse modelo interno, essa imagem idealque se quer alcançar. Quer dizer: você faz uma coisacompulsivamente, uma coisa que foge ao seu contro-le, que “é mais forte do que você”, se afasta desse ideal,e se sente culpado.

Tanto meninos como meninas podem ter essasensação. Porque menina também se masturba, ain-da que alguns meninos não acreditem. Para falar a ver-dade, algumas meninas também não! É que os meni-nos têm o órgão genital exposto, bem visível. Qualquerexcitação sexual é confirmada pela percepção – dá pa-ra ver que o cara está excitado. As meninas, ao con-trário, têm o clitóris e a vagina bem escondidinhos. Emuitas meninas sentem prazer e podem chegar ao or-gasmo apenas pressionando alguns músculos ou sen-tando em determinadas posições. Sem usar as mãos(que nem no circo!). Algumas chegam à idade adul-

Cybelle Weinberg76

ta sem nunca ter se tocado e desconhecendo os pró-prios órgãos genitais.

Ter o órgão genital mais exposto ou mais escondi-do determina uma série de diferenças na sexualidademasculina e feminina. Por exemplo, a vida sexual dohomem parece estar concentrada no pênis. Meninoscomparam tamanhos e seguem pela vida afora orgu-lhosos de suas ereções. Enquanto as meninas têm asexualidade mais “espalhada”. Gostam de comparar eexibir o corpo e se preocupam com todos os detalhes:da franjinha ao dedo do pé. Tudo tem que estar per-feito para que ela se sinta feliz. E, na maioria das ve-zes, ela não se sente!

Outra diferença básica entre o erotismo masculinoe o feminino reside na função do olhar. Homens olham,gostam de olhar, ficam excitados olhando.As mulherestambém gostam de olhar um corpo bonito, claro. Masnos homens isso é muito mais forte. Pode-se dizer queo olhar é o caminho para a fantasia. Por isso revista demulher pelada vende tanto.Algumas feministas achamque é puro machismo não haver revistas com homenspelados. Mas não é machismo não, é porque não ven-de. Se as mulheres comprassem, pode apostar como omercado já teria sabido disso e entupido todas as ban-cas com fotos de homens pelados. Ultimamente algu-mas editoras têm feito revistas com nus masculinos, éverdade. Porém o maior público para essas revistas sãoos próprios homens. As mulheres se interessam emcomprar os primeiros números, quando aquilo é novi-dade, mas segundo os vendedores logo as revistas dei-

Por que estou assim? 77

xam de ter uma grande saída. O que não acontece comas revistas “masculinas”, que se mantêm no mercadopor várias décadas. E, além disso, é significativo que oshomens que aparecem nus nas revistas para mulheresnunca estejam de frente. Pelo menos até o momento.

Veja as revistas dedicadas ao público feminino.Quando o assunto é “homens”, são dicas para atraí-los, conquistá-los, mantê-los. Quando o assunto é“beleza”, são dicas para se tornar irresistível – e tê-losa seus pés. O que significa tudo isso? Significa que amulher quer ser amada, desejada. E as editoras sabemdisso. Tanto é que as mulheres compram essas revis-tas. Então, as mulheres não desejam essas coisas por-que lêem essas revistas, mas essas revistas são assimporque parecem adivinhar o desejo das mulheres.

Ver revista de moda, ver revista de mulher pelada –o que é melhor, o que é pior? Nem uma coisa nem ou-tra.A questão é apenas de interesses diferentes. Ou me-lhor, interesses manifestos diferentes. Porque, no fun-do, o interesse é o mesmo, é sexual.

Homens e mulheres são diferentes. E ser diferen-te significa que é preciso respeitar o jeito de ser e o tem-po de cada um.

Hoje em dia, me parece, esse tempo não tem sidolevado em conta. Meninos e meninas estão tendo suaprimeira experiência sexual com 12, 13 anos.Talvez se-ja muito cedo, mas virou moda. Ter 10 anos e nuncater dado um beijo “de língua” é estar completamentepor fora. Não ser mais virgem virou obrigação. É pre-ciso transar logo para fazer parte da turma.

Cybelle Weinberg78

Mas, vem cá, será que a turma precisa mesmo sa-ber de tudo? Onde ficam a privacidade e o tempo decada um? E, principalmente, o desejo de cada um? Asquestões da vida interna viraram objeto de consumo.Assim como é preciso usar determinada marca dejeans ou de tênis, agora é preciso transar para fazer par-te de um grupo. A diferença é que usar determinadotipo de jeans só para agradar aos outros não tem mui-to problema. Mas transar só porque é moda, tem. Po-de causar muitos estragos.

O que acontece é que esses meninos e meninas sem-pre descrevem a sua primeira relação sexual como umacoisa banal, sem graça. Como um dever cumprido.

Esse negócio de mágica, na primeira vez,não existe. Você pergunta: “Cadê a mágicaque me prometeram? Todos esses filmes estão mentindo”.

Tatiana, 16 anos

Eu queria experimentar, saber se era legal como todo mundo falava. Achei interessante, sei lá. Foi a única vez, só paraexperimentar. Agora, quero que aconteçacom um namorado.

Débora, 16 anos, que transou pela 1ª vez aos 13

Por que estou assim? 79

Eu não queria ser mais virgem. Então, nahora, fechei os olhos e pensei “SejaO que Deus quiser!”.

Eliana, 14 anos

O tom, na maioria das descrições, é de frustração.Não lhe parece?

Meninos e meninas, eu acho, estão se pregando umagrande peça.

E, de um modo geral, estão todos colocando cedodemais um ponto final naquela história que começoutão cedo e que prometia tanto.

É como aquelas redações que você vai fazendo tãobem, fica um tempão na introdução, desenvolve o en-redo, está chegando ao clímax da história e aí o pro-fessor diz que o tempo acabou e você tem que entre-gar de qualquer jeito. Para quem lê, fica estranhoporque acabou de repente. E para você, além da frus-tração, fica a raiva de ter terminado assim uma histó-ria, só porque os outros queriam.

Cybelle Weinberg80

Por que existe escola?

– Mãe, hoje eu não vou pra escola.– Não vai? Por quê?– Não vou porque não estou com vontade...– Mas precisa ir! Você não pode faltar

assim, sem motivo.– Posso sim. E além do mais eu não

suporto mais essa escola.– Meu filho, não fale assim... Afinal você

é o Diretor...

Você conhece alguém que goste de escola? Eu co-nheço uma ou outra pessoa, mas, de modo geral, to-dos reclamam dela. Como estudante, professora, orien-tadora, passei quase a vida toda na escola, e não melembro de um começo de ano letivo sem que a primei-ra coisa que todos quisessem saber era sobre o ca-lendário... de férias! Naquele ano, quantos feria-dos haveria? Daria para “emendar” alguns?Ia ter “semana do saco cheio”? E ga-ranto que essa não era umapreocupação só dosalunos não...

Cybelle Weinberg82

Então, se quase todos odeiam escola, por que elaexiste? Quantas vezes você já se perguntou isso?

O que será que é tão ruim na escola? Será o pré-dio, os professores, os colegas? Pode até ser, mas namaioria das vezes não é.

Chato na escola é ter que ficar quieto quando se querbrincar, é ter que olhar para o professor quando se querolhar pela janela, escutar o que ele está dizendo quan-do se quer escutar música, ficar parado quando se quersair correndo. E ainda tem lição de casa e provas...

Mas dá para ser de outro jeito? Infelizmente, não.Já se tentou fazer escolas sem obrigatoriedade de pre-

sença, sem provas, sem precisar ficar quieto na cartei-ra. E deu certo? Não. Porque escola não é playcenter etudo o que se faz lá, se não for obrigatório, ninguém faz.Porque é chato mesmo. Mas é necessário. Ir para a es-cola é tão necessário quanto escovar os dentes ou to-mar banho. Claro que não é preciso escovar os dentescom pimenta ou tomar banho com água fervendo. Es-cola para ser boa não precisa ser insuportável. Apren-der com dor era coisa dos jesuítas. Eles é que tinhamum provérbio – “Com sangue a letra entra”. Quer di-zer, apanhando, levando reguada na cabeça ou palma-tória na mão, eles achavam que qualquer um aprendia.

Hoje não se pensa mais assim, ainda bem. Masnão dá para dispensar a disciplina. Ou a avaliação, se-ja ela como for. Por isso, em vez de ficar sonhando comuma escola “tipo pode tudo”, é melhor entender oque se passa com você quando pensa na escola.

Por que estou assim? 83

Primeiro, ir à escola é diferente de aprender, que tam-bém é diferente de estudar.

Você pode escapar dos estudos ou da escola, masde aprender você não escapa. Aliás, se está lendo istoé porque aprendeu a ler. Mas falo aqui de aprendiza-gem em geral, porque o ser humano tem que apren-der tudo, até a ser humano.

Pense no filhote de qualquer animal, de qualquerespécie. Num bezerrinho, por exemplo. Assim quenasce, fica um pouco com cara de tonto, mas logo seequilibra sobre as pernas e vai procurar a teta da mãe.E logo sai andando, independente.

Agora pense num bebê. Ele precisa aprender abso-lutamente tudo. Ele nasce com capacidades, o que é di-ferente dos animais. Nasce com capacidade para an-dar sobre duas pernas, falar, pensar, ler, escrever, fazermúsica, amar. Os animais, que nascem sabendo mui-ta coisa,“sabem” essas coisas instintivamente. Mas nãoadianta, por exemplo, você falar o dia todo com o seucachorro que ele não vai falar nunca. (Já sei, você vaidizer que o seu fala, mas como talvez só você entenda,deixa pra lá...) Quanto ao ser humano, é preciso queele aprenda, com outro ser humano, a fazer coisas quetodo ser humano faz, a ter características humanas.

Você certamente já ouviu falar de crianças que so-breviveram entre animais. Sobreviveram. Não viraramnenhum Mogly ou Tarzan. Isso é tudo lenda. Mas oscasos de crianças-lobo são verdadeiros. Na Índia, em1920, duas meninas, uma de 8 anos e uma de 1 ano emeio, foram encontradas vivendo no meio de uma fa-

Cybelle Weinberg84

mília de lobos. A menor, Amala, morreu um ano de-pois. A mais velha, Kamala, viveu até 1929. Quandoforam encontradas, não tinham nada de humano e seucomportamento era semelhante ao dos lobos. Veja oque os livros relatam sobre elas:

... caminhavam de quatro, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os péspara os trajetos longos e rápidos. Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre, comiam e bebiam como os animais, jogando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia quietas e prostradas numa sombra. Eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choraram ou riram. Nessa instituição em que viveu por oitoanos, Kamala humanizou-se lentamente.Ela necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco antes de morrer tinha umvocabulário de apenas 50 palavras.Atitudes afetivas foram aparecendo aospoucos. Ela chorou pela primeira vez porocasião da morte de Amala e aos poucos se apegou às pessoas que cuidaram dela eàs outras crianças com as quais conviveu.

Por que estou assim? 85

Histórias como essa, portanto, confirmam que ahumanização é um processo de aprendizagem.

Bem, você poderia dizer, se eu já aprendi a andar,comer, falar, me comportar como gente, pra que apren-der mais?

De fato, se é só isso o que você quer da vida, já es-tá mais do que bom. Mas se você quer ser uma pes-soa interessante, criativa, e principalmente, livre, pre-cisa aprender muito mais.

E aí entra a escola. Eu disse que o ser humano nas-ce com capacidades. Mas ter capacidade para fazer al-guma coisa não significa que realmente se saia por aífazendo tal coisa. Significa apenas que se tem condi-ção para vir a fazer essa coisa. É como se essas capa-cidades estivessem adormecidas. Então, é preciso de-senvolvê-las. E isso requer esforço, gasto de energia.

Pense nas meninas-lobo. Elas tinham capacidadepara andar sobre as duas pernas, para pensar, falar etc.Só que não tiveram oportunidade de desenvolver es-sas capacidades.

Agora pense em você.Você também tem capacida-des que, se forem desenvolvidas, poderão se transfor-mar em habilidades.Você pode ter capacidade para na-dar, tocar piano, fazer medicina, engenharia, pilotaravião... Mas sabe que nada disso é fácil, que tudo exigepreparação. E o lugar onde você terá a oportunidadede desenvolver as suas potencialidades é a escola.

Se você fosse índio e vivesse na selva, precisaria ira uma escola igual à sua? Talvez assim, igualzinha, não.Porque índio caça, pesca, planta mandioca, canta e dan-

Cybelle Weinberg86

ça. E isso os mais velhos ensinam para as crianças (oque não deixa de ser uma escola...). Ensinam tambéma construir armas, cestas e barcos. E lhes contam tam-bém histórias interessantes e lendas sobre a origem dascoisas. Quer dizer, lhe dão a possibilidade de se tor-nar um índio. Da mesma forma que você, tendo au-las de História e Educação Moral e Cívica, pode de-senvolver sua cidadania.

Seus pais também, assim como seus tios e avós, lheensinaram muitas coisas. Os mais velhos sempre en-sinam as crianças. E as histórias que eles contam, his-tórias do “tempo deles”, não deixam de ser uma aulade História. Uma espécie de aula mais divertida e semmétodo, porque é a História que eles viveram e da for-ma como eles se lembram.

Mas a escola tem muitas outras funções.A primeira delas é que na escola você aprende a se

ver separado de seus pais. Quando você era bem pe-queno e alguém chegava à sua casa, seu pai podia di-zer “esse é o meu filho, ou a minha filha”. E você eravisto, ou vista, como o filho ou a filha do João. Na es-cola, você é conhecido por você mesmo, é chamadopelo seu nome, não interessa filho de quem você é. Sóvai interessar saber o nome do seu pai ou da sua mãeporque eles são os seus pais.

A segunda é que você é quem vai começar a trazerhistórias para casa. De coisas que descobriu, do ami-go que brigou. E aqueles são os seus amigos, aquelassão as suas histórias.

E a outra coisa que você aprende na escola é o que

Por que estou assim? 87

se chama de ensino formal. É aquilo que não se apren-de em casa: Gramática, História, Geografia, Matemá-tica etc. Ou pelo menos não se aprende da mesma for-ma. Essa aprendizagem é necessária para que você seenriqueça culturalmente, aprimore seu pensamento, de-senvolva sua criatividade e capacidade de questionamen-to. Enfim, para que você usufrua da civilização. Em ca-sa você pode aprender a falar corretamente, a contar,somar, subtrair, ouvir sobre outros povos e continen-tes. Mas a escola lhe dará a oportunidade de se apro-fundar, com método, em cada um desses assuntos.

Você pode argumentar que estudar Química, Físi-ca, Matemática não lhe serve para nada. Talvez vocênão perceba mesmo a utilidade dessas matérias, e porisso não veja o menor sentido em esquentar a cabeçacom elas. Eu concordo que algumas pessoas tenhammais facilidade para aprender um tipo de matéria e maisdificuldade para aprender outras. Mas daí dizer queaquelas que a gente não gosta não servem para nadatem uma distância. Pense em uma matéria que é mui-to difícil para você. Agora esqueça que você a odeia.E, sem preconceitos, avalie sinceramente se ela é ne-cessária ou não. Português, História, Geografia, Ma-temática são todas matérias necessárias. O que não im-pede que você odeie uma ou outra. Ou todas elas...Alguns colegas seus se saem bem em Física e não en-tendem História ou Geografia. Outros vão bem em Por-tuguês e detestam Física e Química. E provavelmen-te as odeiam porque não dá para gostar daquilo quenão se entende, daquilo que causa frustração. Dá rai-

Cybelle Weinberg88

va não entender alguma coisa, se sentir estúpido pornão saber resolver um problema.

Então, se a escola é necessária e traz benefícios, porque a grande maioria dos alunos não gosta dela? Por-que nem sempre aquilo que é necessário e benéfico éagradável. E a gente gosta do que é agradável, daqui-lo que dá prazer. Ninguém gosta de passar por frus-trações, de ser avaliado, de estudar coisas que não fa-zem parte do interesse imediato. Ninguém gosta deestudar uma coisa agora porque vai precisar dela nofuturo. Principalmente você, que é adolescente. Por-que, na adolescência, a noção do tempo torna-se mui-to especial.

Meu maior problema é o horário a cumprir.Relógios... a gente mal saiu de casa e já é hora de voltar. Nós, jovens, gostamos de explorar a madrugada sem pressa de voltar...

Marina, 17 anos

A verdade é que eu não suporto perder tantas horas da minha vida na escola.

Mário, 15 anos

Por que estou assim? 89

O tempo cronológico, todos sabem, nem semprecoincide com o tempo vivencial. O tempo cronológi-co é aquele marcado pelo relógio, pelo calendário. Otempo vivencial é aquele que nós experimentamos.Enquanto se faz uma coisa gostosa o tempo voa. Emcompensação, o tempo pára quando se faz alguma coi-sa chata. Os gregos tinham até duas palavras diferen-tes para designar o tempo. Usavam cronos para desig-nar o tempo objetivo e kairós para o tempo subjetivo.

Como a tendência é seguir o tempo subjetivo, oadulto se impõe o uso de relógios, agendas, calendá-rios, para “lembrá-lo” do tempo cronológico. Ele temque se habituar a isso tudo. Adolescente faz o contrá-rio: entope a agenda com fotos, bilhetes, poesias. E nãosobra espaço para um horário sequer.

Na adolescência, o tempo vivencial, em oposição aocronológico, se torna dominante. É como se o pensa-mento temporal estivesse mais ligado no desejo do quena realidade. Então, por que estudar hoje, se a prova ésó depois de amanhã? Por outro lado, faz muito senti-do passar horas escolhendo o vestido para a formatu-ra, em Março, porque o baile já é logo no fim do ano.

Na adolescência, a tendência é imobilizar o tem-po, reduzir o passado e o futuro ao presente. Porqueé preciso preservar o passado, a infância, aquilo quefoi bom, e ao mesmo tempo apaziguar as angústias li-gadas ao futuro, ao desconhecido. Então dá para en-tender por que o amanhã, dia de prova, pode estar lon-ge, e a festa de Formatura, tão próxima!

Cybelle Weinberg90

Meu maior problema é não terminar as coisas que eu começo. Começo uma coisae paro na metade. Esportes, inglês, teclado,e nunca acabo uma aula sem dormir.

Cristina, 15 anos

Quando você resolve aprender a tocar um instru-mento, a dançar, falar outra língua, é porque você jáviu alguém fazendo isso e achou legal. Então você seimagina também estraçalhando no teclado ou na gui-tarra, dançando com a maior desenvoltura ou falan-do inglês correntemente. Só que ninguém aprendeessas coisas num passe de mágica.Você já gostaria, porexemplo, de ter uma banda e estar fazendo o maior su-cesso. Ou se sentar ao piano e tocar um grande con-certo. E ser muito aplaudido. Mas aprender qualquercoisa é difícil e pode ser muito chato, porque se co-meça do bê-á-bá e são horas de exercícios.

Um garoto de 13 anos me contou que estava mon-tando uma banda. Já era a terceira que ele montava.Agora era a definitiva e tinha até nome. Nenhum doscomponentes tocava instrumento algum. Eles, depoisde muita discussão, resolveram quem ia tocar o quê esó faltava convencer as mães a deixá-los ter aulas deguitarra, baixo ou bateria. Só isso. E ele me contavatranqüilamente, como se fosse muito natural invertero caminho desse jeito!

É a eterna luta do princípio do prazer e do princí-

Por que estou assim? 91

pio da realidade. O princípio do prazer é o que predo-mina no Inconsciente, é o desejo da satisfação imedia-ta. É se imaginar uma pessoa bem-sucedida, aplaudi-da, o máximo. E o princípio da realidade mostra queo caminho é árduo, às vezes muito longo. Por isso dámuita raiva do pai ou da mãe, quando eles dizem quetal coisa é difícil, ou cara, ou já adiantam que você vaiacabar desistindo. Eles acabam com a sua festa. E vo-cê chora de ódio deles, porque eles representam a rea-lidade, eles furam a sua bolha de sabão!

Dá um tempo...

Me preocupa o meu futuro e eu acho que isso é normal. Eu convivo bem com essa preocupação, só que às vezes eu me apavoro...

Letícia, 16 anos

O que eu farei? Quero dizer, em relação à escolaridade. Me preocupo porque não tenho certeza do que quero fazer e o pior é que a hora da decisão está chegando e eu não tenho certeza alguma.

Marília, 17 anos

Cybelle Weinberg92

Por que é tão angustiante escolher uma profissão? Primeiro, porque quase toda escolha é angustian-

te. Quando se escolhe uma coisa, é porque se deixououtra de lado. Senão não seria escolha. Quando se es-colhe uma roupa, um filme, um restaurante, deixa-sede lado a outra roupa, o outro filme, o outro restau-rante. Só que essas escolhas, apesar de serem difíceispara algumas pessoas, não são tão angustiantes. Por-que se pode usar a outra roupa, ver o outro filme, irao outro restaurante num outro dia.

Quanto à profissão, a coisa é mais séria. Não se po-de fazer Engenharia num dia, Medicina no outro, Fi-losofia num terceiro.

Claro que se pode mudar de profissão, abandonarum curso, acabar uma faculdade e começar outra. Maso que isso representa? Representa tempo e custo, o quejá não é pouco. E persistir numa profissão errada po-de ser sinônimo de fracasso e de uma vida infeliz.

Existe uma dificuldade que é objetiva. Surgiram mui-tas profissões novas, e o mercado está saturado paraalgumas outras. Argumenta-se que existem profissio-nais especializados desempregados, por outro lado sa-be-se que entre os desempregados o maior número édaqueles que não se especializaram em nada.

Outras dificuldades objetivas são o tempo e o cus-to de uma faculdade. Infelizmente, uma pessoa podequerer muito fazer Medicina e não ter condições eco-nômicas para bancar um curso desse porte. Ou nãoteve chance de ter freqüentado boas escolas e ser bar-rado no Vestibular.

Por que estou assim? 93

Mas existem dificuldades que são de outra ordem.Alguns não conseguem escolher porque acham

várias profissões atraentes. Outros não conseguemporque nada os atrai em nenhuma. No fundo,os doiscasos são um problema. Se tudo atrai, ou se nada é in-teressante, é porque não se sabe exatamente do quese gosta. E para se saber do que se gosta, primeiro épreciso se conhecer, saber quem se é.

E talvez seja pedir demais para um adolescente.Que se conheça, saiba do que gosta, se imagine daquia alguns anos fazendo isso ou aquilo. Se é difícil es-colher a roupa para sair, imagine decidir o que se vaiser no futuro.

Em outros países, não se exige que essa decisãoseja tomada tão cedo. Em Israel, por exemplo, quan-do os estudantes terminam o equivalente ao Cole-gial, devem servir no Exército por um ano. Tanto osmeninos como as meninas. Depois disso, costumambotar uma mochila nas costas e passar um ou doisanos viajando pelo mundo. Sem frescuras, sem ho-téis cinco-estrelas. E não vão para a Disney brincarcom o Mickey. Pegam caronas, viajam de trem, dor-mem em alojamentos para estudantes, visitam mu-seus. E se você acha que eles podem fazer isso tudoporque lá é mais seguro, guarde seu argumento nofundo do baú, porque por lá tem campo minado eataque de terroristas. Quando voltam dessas via-gens, estão mais maduros e podem decidir melhora carreira que irão seguir.

Obviamente, isso também é uma questão cultural.

Cybelle Weinberg94

Porque é natural para suas famílias que eles se com-portem assim.

Nos Estados Unidos, ninguém termina o Colegialjá precisando ter uma profissão definida, como aqui.Na Universidade, o aluno passa quatro anos num cur-so básico, estudando assuntos variados, e o processovai se definindo até chegar à pós-graduação. Os doisprimeiros anos do ciclo básico são introdutórios e osdois últimos já contêm matérias mais dirigidas para acarreira escolhida.

No Brasil, a pressão do Vestibular e a necessidadede definir cedo uma profissão podem levar a sérias cri-ses, à depressão, a brigas em família.

Uma saída para essa crise é achar que você não dápara nada mesmo. Mas não saber o que se quer nãosignifica, necessariamente, que não se quer nada. Tal-vez você precise de mais tempo para se conhecer me-lhor e descobrir do que realmente gosta.

Um teste vocacional não lhe dará a resposta defi-nitiva, embora possa apontar alguns caminhos. Mas aescolha final continuará sendo difícil. Em alguns ca-sos, um profissional especializado poderá ajudar a des-cobrir o que está emperrando a sua escolha. Que te-mores estariam por trás da sua indefinição? O medode se arriscar? De desapontar seus pais? O medo defracassar? Ou de ser um sucesso? Isso é um trabalhoque vai além dos testes. É um trabalho mais profun-do e mais demorado, que exige um maior contato en-tre um profissional e você.

Ou você não consegue mesmo escolher porque

Por que estou assim? 95

não gosta de estudar? Se for isso, não é o fim do mun-do. Não gostar de estudar não é pecado. Então, esco-lha uma profissão mais de acordo com as suas habi-lidades. Alguma, certamente, você tem. É só não terpreconceito e lembrar que o mundo precisa de pro-fissionais de todas as áreas. Se todos fossem médicosou engenheiros, quem faria as outras coisas? A regraé fazer qualquer coisa, mas fazer bem. E, fundamen-talmente, com prazer. Quanto mais uma pessoa gos-ta do seu trabalho, mais ele se torna criativo.Acho que,no fundo, esse é o segredo do sucesso. Por que não ga-nhar dinheiro e se sustentar fazendo aquilo de que segosta – desenhando, escrevendo, tocando um instru-mento, jogando bola?

Uma das coisas que mais gosto de fazer é ficar em casa, estudando.

Clara, 15 anos

Gostar de estudar pode parecer coisa de gente mui-to estranha.

Mas não é assim não. Se você pensa assim, é por-que acha que estudar é só para a prova ou porque al-guém mandou.Aí é chato mesmo. Mas, quando se es-tuda alguma coisa por simples curiosidade ou vontadede se aprofundar num assunto que está interessando,estudar pode ser muito gostoso. Mesmo que, para es-

Cybelle Weinberg96

tudar, se abra mão de passear num dia de sol ou se dei-xe de ir ao cinema.

Quantas vezes você já não ficou em casa estudan-do o manual do computador, para descobrir um jogonovo? Ou estudando um modo de tirar aquela músi-ca na guitarra? Isso tudo é estudar.

Claro que é diferente de alguém que se tranca emcasa para estudar e usa o estudo para se isolar do mun-do. Algumas crianças ou mesmo adultos se escondematrás do livro para se defender de coisas que os fazemsofrer. Mas não é isso o que ocorre com a maioria.

Um engenheiro que gosta da sua profissão senteprazer em ler livros e revistas especializados na sua área.Um músico que gosta do que faz passa horas tentan-do criar um arranjo para uma música. Os dois estãoestudando, cada um à sua maneira. Quando você des-cobrir do que gosta, provavelmente também gostaráde estudar.

E pode ser que isso aconteça logo ou daqui a mui-tos anos, quando você já tiver até saído da escola.

Entrando no mundo dos adultos

Eu me preocupo muito com o que eu pretendo ser, se eu vou conseguir o que eu desejo, se no futuro vai dar tudo certo para mim.

Joana, 16 anos

Não faças de tiUm sonho a realizar.Vai.Sem caminho marcado.– Tu és o de todos os caminhos.

Cecília Meireles

Entrar no mundo dos adultos éum desafio para quem está naadolescência. É comose você, que está nes-sa fase, vivesse numcasarão que possui

Cybelle Weinberg98

duas alas, uma infantil e uma dos adultos. E você es-tá exatamente no corredor que liga essas duas alas. Es-se percurso não é linear, quer dizer, você não vai ca-minhando sempre na mesma direção e no mesmoritmo. Você avança um pouco, pára, às vezes volta, àsvezes dá uma corridinha. Isso acontece com todomundo. O que é diferente, para cada um, é o que sefaz nesse corredor enquanto se caminha, e o modo co-mo se entra no mundo dos adultos.

Quando se entra no mundo dos adultos, o que sedeixa para trás? Deixa-se a família da infância, os paisprotetores, um mundo de poucos deveres e quase ne-nhuma responsabilidade. Claro, estou falando de crian-ças que não tiveram, desde muito cedo, que arcar oucontribuir para o sustento da família. Ou de criançasque, por alguma infelicidade, tiveram que assumir pre-cocemente papéis e responsabilidades de adultos.

De modo geral, no entanto, os deveres das criançassão relativos à escola, e as responsabilidades se referema pequenos cuidados pessoais. Mesmo assim os pais es-tão ali, na cola delas, para que esses deveres sejamcumpridos. E, supostamente, são responsáveis por elas.Em contrapartida, na ala dos adultos, espera-se que ca-da um cumpra seus deveres e obrigações sem que nin-guém precise cobrar, e que cada um seja responsávelpelos seus atos e pelo seu sustento.

Por que estou assim? 99

A cada dia que passa a minha vontade de ser independente aumenta. Por outro lado, ter pouca idade também traz certosbenefícios, como não ter de trabalhar, não ter certas responsabilidades...

Mariana, 14 anos

Então funciona assim: dá uma enorme vontade deser independente, mas é muito chato deixar aquelasregalias de quando se era criança. Por isso anda-seum pouquinho para a frente e um pouquinho paratrás. Às vezes um pouquinho para a frente e ummontão para trás. Como naquele jogo de ludo real –avança-se duas casas, depois volta-se três, depois ca-minha-se cinco. A diferença é que no jogo quem co-manda os avanços e retornos é o dado. E se você temde voltar, a culpa não é sua, é do dado. Mas na vidareal quem comanda as idas e vindas, além de umpouco de sorte, é você mesmo. E aí a coisa compli-ca, porque há uma vontade de crescer, de ser inde-pendente, mas também um desejo de continuar crian-ça e de ser dependente.

Além disso, o mundo dos adultos, apesar de atrair,assusta, porque lá o terreno é desconhecido. Enquantoo mundo infantil é familiar e mais ou menos previsível.

Alguns pais têm dificuldade em entender as idas evindas do adolescente, e, quando eles se afastam, sen-tem-se traídos. Então quando eles voltam, os recebemcom um “Ué!, mas você não era tão independente?

Cybelle Weinberg100

Por que precisa de nós agora?”. E isso é horrível deouvir. Porque todo mundo, mesmo na vida adulta,precisa que os pais estejam prontos para prestar so-corro. Mesmo que os pais estejam já bem velhinhos eque os filhos saibam que agora quem precisa de aju-da são eles. Mas isso não importa, porque o que valeé a sensação de poder contar com eles.

Como mãe de adolescentes, uma coisa eu aprendi: não adianta tentar impedir que eles se machuquem. O máximo que a gente pode fazer é cuidar dos machucados deles.

Clarice, 40 anos

Você se lembra da história da Alice no País das Ma-ravilhas? Quando ela seguiu o coelho pela toca aden-tro, ela caiu numa espécie de ante-sala, com portas pa-ra todos os lados.Vendo que o coelho passara por umadelas, quis ir atrás mas se deparou com um problema:a porta era muito pequenininha. Então ela bebeu o lí-quido de uma garrafa e ficou do tamanho da porta. Fi-cou contente, mas descobriu que a chave estava so-bre a mesa, e que agora ela não podia mais alcançá-la.Então comeu um pedaço de bolo, ficou enorme, con-seguiu alcançar a chave, só que aí não podia mais pas-sar pela porta. Então começou a chorar. Chorou mui-

Por que estou assim? 101

to, muito, até que ficou pequena novamente. E comotinha chorado muito, quase se afogou no lago dassuas próprias lágrimas.

É disso que eu estou falando. De uma hora se verpequeno, outra hora se ver grande. E ter vontade dechorar até se afogar nas próprias lágrimas.

Mas o que aconteceu com a Alice quando finalmen-te conseguiu entrar naquele país maravilhoso? Fo-ram tantas as aventuras, teve tantas experiências ma-lucas, que foi com alegria que ela descobriu que estavasonhando e que podia voltar para casa.

E com você, nunca aconteceu isso? Saiu por aí coma mochila, foi circular na madrugada, conheceu ummonte de gente diferente. E quando se meteu numaencrenca, como a Alice com a Rainha de Copas, quequeria cortar a cabeça dela, deu graças a Deus por teruma casa para onde pudesse voltar. Mesmo que essacasa fosse a mesma de onde você vivia dizendo quequeria sair.

Minha turma é a minha família.

Lilian, 16 anos

Por que sua turma é tão importante para você? Provavelmente você vai responder que é porque vo-

cê gosta dela. Isso parece óbvio. Mas não é tão óbvioassim. Primeiro, porque tem muita gente que anda com

Cybelle Weinberg102

a turma para cima e para baixo e não gosta dela tan-to assim. Conheço gente que atura a turma só paranão ficar sozinho.

Quando sinto que todos me abandonaram,me invade uma tristeza enorme. É horrívelse ver só, sem amigos, pais, ninguém.

Raul, 17 anos

Às vezes, quando estou só, sinto-me como se o mundo tivesse me abandonado.O pior é que esses momentos não são poucos. A maior parte da minha vidapasso sozinha, e, mesmo estando acompanhada, sinto um enorme vazio.

Carmem, 15 anos

Para alguns adolescentes, fazer parte de um grupoé uma necessidade fundamental. Porque a solidão,quando bate, dói pra valer. Então eles sentem que épreciso fazer parte de uma turma, mesmo não gostan-do muito dela. Porque ter essa turma ainda é melhordo que ficar só. Então fazem coisas que não gostam,coisas que normalmente não fariam, só para ter a acei-tação dos “amigos”.

Por que estou assim? 103

Mas isso não acontece com a maioria. De um mo-do geral, na adolescência, gosta-se da turma para va-ler. E ela é tão ou mais importante do que a família. Ospais podem achar isso muito injusto, mas é realmenteo que acontece. Porque, afinal, para crescer, entrar nomundo dos adultos, não é preciso abandonar aquela“família da infância”? Como se vai fazer isso tudo so-zinho? Com quem se vai caminhar naquele corredorque liga a ala das crianças com a ala da gente grande?

É preciso companhia, e companhia de alguém quefale a mesma língua, que goste das mesmas coisas, queesteja passando pelas mesmas dificuldades. E que,fundamentalmente, seja capaz de ouvir.

Meu maior medo ultimamente tem sido pensar em suicídio. Eu penso em suicídiovárias vezes ao dia. Minha vida está cadavez mais enrolada. No colégio, em casa. Se eu me suicidasse meu pai sofreria, masacho que menos do que ele já sofre com asminhas notas baixas.

José Carlos, 18 anos

Talvez você também já tenha pensado em se sui-cidar. Na adolescência, não é incomum pensar nisso.Primeiro, porque é uma solução instantânea para to-

Cybelle Weinberg104

dos os problemas. Tá tudo difícil, eu me suicido, ficatudo resolvido. Segundo, porque dá um certo prazerimaginar a cara de todo mundo que enche o saco dagente ali chorando, arrancando os cabelos de arre-pendimento. Fala a verdade – essa é a melhor parte dovelório, não é?

Que difícil me esforçar tanto para alcançaruma coisa e não conseguir! Desejamos tantoalcançar e fracassamos...

Pedro, 17 anos

O medo de fracassar, às vezes, pode assumir pro-porções espantosas. Tão grandes que podem parali-sar qualquer movimento na busca daquilo que se quer.

Sim, eu tenho um sonho...

Martin Luther King Jr.

Quem sabe não é esse o remédio: ter um sonho.Não penso naquelas fantasias de se imaginar o má-

ximo, um superastro, uma top model, alguém irresis-tível. Essas fantasias ajudam, mas funcionam um pou-co como anestésicos. Enquanto se está lá, delirando,

Por que estou assim? 105

não se sofre. Estou falando daqueles sonhos que as pes-soas alimentam, cuidam, brigam por ele.

Talvez você ainda não tenha descoberto o seu so-nho, por isso às vezes as coisas pareçam tão difíceis.Enquanto isso, que tal perseguir pequenos sonhos, sepropor pequenas metas?

Vai ver um grande sonho se faz com um monte des-ses, pequenininhos. Afinal, como disse há muito tem-po um grande poeta espanhol, chamado Calderon DeLa Barca, A vida é sonho...

Cybelle Weinberg106

SSóó eeuu tteennhhoopprroobblleemmaass??

Quem não tem problemas levanta a mão! Você levantaria? Duvido.Quem está vivo tem problemas. Algumas pessoas

têm mais problemas do que as outras, e todo mundo,em alguns momentos da vida, tem mais problemas doque em outros.

As crianças têm seus problemas, assim como o jo-vem, o adulto e o velho. Mas alguns problemas são maisou menos característicos de certas fases da vida. Porisso se fala de problemas da infância, ou de problemasda adolescência. Insegurança, depressão, agressivida-de, ainda que se diga que são problemas da adolescên-cia, nem sempre são problemas e nem sempre ocor-rem só na adolescência.

Alguns, no entanto, ocorrem com mais freqüênciana adolescência, e, por seremmaneiras muito destrutivasde se lidar com a angús-tia, merecem uma aten-ção especial.

Esses problemassão a toxicomania eos transtornos de ali-

Cybelle Weinberg108

mentação. São problemas sérios, que exigem trata-mento e que podem levar à morte.

Hoje em dia o uso de drogas entre as crianças es-tá se tornando cada vez mais comum. E pode ser quealgumas pessoas se tornem usuárias de drogas numafase já bem adiantada da vida. Porém é na adolescên-cia que a toxicomania ocorre com mais freqüência. Eé na adolescência, também, que a grande maioria ex-perimenta algum tipo de droga pela primeira vez.

Uma criança, quando tem algum tipo de dificul-dade, pode recorrer aos seus pais e é isso que faz. Elaconta com eles para que resolvam os seus problemas.A maioria dos adultos enfrenta suas dificuldades poroutros meios que não seja o recurso à droga. Se bemque existem tipos e tipos de drogas. Existem as ma-conhas, cracks e cocaínas da vida, mas existem tam-bém os remédios para dormir, para “acordar”, paraemagrecer, para dar tesão o álcool, e o cigarro. Entãoquando um adulto diz que não precisa de nenhum ti-po de droga, é preciso ver de que tipo de droga ele es-tá falando.

E o adolescente, o que faz quando está em dificul-dades? Na maioria das vezes, por inúmeros motivos,não se sente mais à vontade para pedir ajuda aos pais.Ainda não tem experiência suficiente para recorrersozinho a um profissional, psicólogo ou psicanalista,que poderia ouvi-lo ou orientá-lo. Então pode se ini-ciar no uso de drogas, para sentir-se mais seguro, me-nos ansioso, mais corajoso.

Por que estou assim? 109

A questão é: por que alguns adolescentes vão pa-ra as drogas e outros não?

Primeiro, por que alguns se sentem tentados aexperimentar? Os motivos são vários: curiosidade,pressão do grupo, desejo de parecer independente, vai-dade. Isso vale para o álcool e para o cigarro também.A primeira dose de uísque é desagradável, assim co-mo a primeira tragada do cigarro. No entanto o ado-lescente faz força para gostar da bebida, do mesmojeito que continua tentando se acostumar com o ci-garro, apesar da tosse e da dor de garganta que acom-panham as primeiras tragadas. É desagradável, masvale a pena continuar tentando porque parece mui-to legal. Afinal, os amigos se reúnem para beber,acendem seus cigarros, parecem tão seguros... Aospoucos, a pessoa vai se apegando ao álcool ou ao ci-garro, até não poder mais deixá-los. E passará a fu-mar e a beber quando estiver sozinha. Então já esta-rá viciada.

Com as drogas é diferente. Apesar de os motivospara experimentá-las serem os mesmos, as primeirassensações podem ser muito agradáveis. Claro que al-gumas pessoas podem passar mal a primeira vez queusam uma droga. Podem chegar mesmo a precisar deajuda médica. Ninguém pode saber como seu orga-nismo vai reagir antes de experimentar. Mas, para agrande maioria, o efeito das drogas é muito bom, des-de a primeira “experimentada”.

Cybelle Weinberg110

É claro que as drogas provocam efeitos imediatos agradáveis. Alguém, por acaso, já ouviu falar de pessoas viciadas em comergrama? Coisa ruim não vicia...

Flavio Gikovate, psiquiatra

O que é um vício? É uma paixão, é algo de que senecessita, sem o que a vida parece deixar de ter sentido.É uma compulsão, como estar apaixonado por alguém.A pessoa apaixonada não pensa em outra coisa, a nãoser no objeto da sua paixão.Acontece o mesmo com umapessoa viciada em drogas. Ela gasta uma energia imen-sa pensando em como conseguir mais droga. E vai seisolando da família e dos amigos, só pensando em usarmais e mais, em sentir novamente aquele bem-estar.

Mas que bem-estar é esse, que as pessoas descre-vem como “um barato”, “um êxtase”, “uma viagem”?

Você pode achar esquisito, mas é um bem-estar quelembra o da primeira mamada de um bebê. Isso mes-mo. Pense num bebê recém-nascido, absolutamenteindefeso e dependente. Agora imagine esse bebê comfome. O que é a fome para ele? É algo mortal, uma sen-sação horrorosa, desconhecida, um vazio enorme. Porisso ele grita, esperneia, fica roxo. Aí chega o leite.Imagine o que é essa primeira gota de leite para ele. Éo fim da dor e do desconforto. E se você ainda imagi-nar que esse leite vem acompanhado de um quenti-nho aconchegante que é o colo da mamãe, terá umaidéia do que é esse prazer.

Por que estou assim? 111

O bebê pode então relaxar e dormir. Só que a fo-me volta. Ele acorda e cadê a mãe? Ela não está lá, ime-diatamente. Então, para se acalmar ele chupa a pró-pria bochecha, o dedo, a pontinha do paninho. E porum tempo ele se acalma, porque “se engana”, alucinaque está mamando. Por um momento, repete aqueleprazer primeiro. E se livra da frustração.

Claro que se a fome apertar ele vai berrar até se li-bertar novamente do desconforto. A questão é que,mesmo quando estiver sem fome, vai querer chuparo dedo, a chupeta ou o paninho, porque já vai estar“viciado” nesse prazer. Quando puder, observe umacriança nessa atividade. Ela entra em transe, é uma ver-dadeira “viagem”.

Essa alucinação, que o bebê consegue através da suc-ção, é uma espécie de prazer imediato. Ele sentiu o des-conforto, o peito não veio, mandou brasa no dedo ouna chupeta e o desconforto passou. É mágico.

Essa busca do prazer, no entanto, permanece pelavida afora. Tente se lembrar de algo que você quismuito, mas muito mesmo. E do prazer que você sen-tiu quando conseguiu essa coisa. Pois esse prazer é sóuma amostra, uma sombra remota daquele desejo quese instalou naquela primeira experiência de satisfaçãoque você teve quando ainda era um recém-nascido.

Voltando àquela coisa que você queria muito. Su-ponho que, para consegui-la, alguma dificuldade, ain-da que pequena, você teve. Não foi fácil assim, do ti-po “pá-pum!” – e a coisa estava ali. E não importa porquais meios você conseguiu: procurando, batalhando,

Cybelle Weinberg112

enchendo o saco dos outros... Você teve que esperar,negociar, lidar com a frustração. E enquanto ela nãovinha, você ficava sonhando com o prazer que essa coi-sa lhe daria.

E assim é a vida toda. Você quer uma coisa, batalhapor ela e pode conseguir ou não.Se consegue,quase mor-re de felicidade, sente-se demais! E logo em seguida jávai querer outra coisa. Porque a vida é um desejar semfim. É próprio do ser humano estar insatisfeito.

Quando uma pessoa usa droga, como ela descrevea sua experiência? Como uma sensação de enormeprazer, como um êxtase. Esse prazer é conseguido ime-diatamente, é um prazer químico, mágico. Como aque-le bebê que não agüentava esperar o seio da mãe e alu-cinava chupando o dedo. O toxicômano não conseguelidar com a espera, com o desconforto sem proporçõesque o toma, e precisa do prazer já! Por isso recorre àdroga, que é o prazer garantido. Ele não consegue adiaresse prazer. E nem suportar a experiência de dor.

Então, o sujeito que usa drogas já “funcionava” deum determinado jeito. Por isso se apegou às drogas. Epor isso mesmo os momentos entre a ingestão de umadroga e outra tornam-se cada vez mais insuportáveis.Porque a sensação de vazio tornou-se monstruosa. Ecada vez ele deseja mais e mais a droga, porque ela lhedá a paz, acalma sua dor. Ela é o prazer garantido e agarantia de que nada vai lhe faltar. Até usar tanta dro-ga que seu corpo não agüenta e ele morre.

Agora, adianta dizer para um toxicômano que elevai acabar morrendo? Não. E sabe por quê? Porque

Por que estou assim? 113

ele sabe disso. Não tem importância morrer com a dro-ga, porque é morrer no êxtase! O corpo dele, na ver-dade, só o atrapalha. Se ele pudesse, ele ingeriria mui-to mais droga. Só não o faz porque seu corpo reage,fazendo com que ele passe mal. Então, se ele não ti-vesse um corpo que funciona como um empecilho, eletomaria todas, todas e mais todas. Ele só pára, mesmo,porque o corpo não agüenta. O corpo é o inimigo nabusca do prazer total – ele morre antes que este pra-zer seja alcançado.

Por isso um usuário de drogas necessita da ajudade um profissional de saúde mental. E quanto mais ce-do, melhor. Só a terapia pode ajudar uma pessoa quenão consegue dar conta da sua dor.

Meu melhor amigo está se viciando em dro-gas e eu não sei o que fazer...

Nina, 14 anos

Se você estivesse na praia e visse seu amigo, ou ami-ga, se afogando, o que você faria?

Gritaria por socorro, chamaria o salva-vidas? Oulhe daria as costas, achando que era problema dele?Afinal, ele (ou ela) não sabia muito bem que aquele lu-gar era perigoso e que não deveria ir até lá?

Acredito que você faria tudo para ajudar a salvaressa pessoa. E não só você, mas qualquer pessoa queestivesse por perto.

Cybelle Weinberg114

E o que acontece quando se descobre que uma pes-soa está usando drogas? Todos se afastam, todos a acu-sam. Afinal, ela sabia, antes de usar, que drogas fazemmal. Mas será que saber que drogas fazem mal é su-ficiente para não se tornar um viciado? Botar essapessoa na cadeia, expulsá-la de casa ou da escola nãoseria o mesmo que puxar ainda mais para baixo alguémque está se afogando?

Se na praia você chamaria o salva-vidas, por que nãoavisar os pais desse seu amigo ou amiga? Isso não étraição, não é ser dedo-duro. Se, no entanto, você sa-be que os pais dela não entenderiam, só ficariam “gri-tando na praia” e atrapalhando, sem conseguir ajudar,outras pessoas podem ser chamadas para “prestar so-corro”. Um parente ou um professor, por exemplo. Por-que, você já sabe, quem está usando drogas, ou já setornou um viciado, precisa de muita ajuda.

Você pode se perguntar: então informação nãoadianta nada? Claro que adianta. É muito importan-te saber que riscos você corre quando experimenta umadroga. Mas não é suficiente.Além do mais, é bobagemdizer que alguém se viciou porque não sabia o que es-tava fazendo. Até uma criancinha, se vai tomar um re-médio, pergunta que gosto tem, pra que serve, porque tem que tomar.

O ambiente, por exemplo, é uma condição impor-tante para alguém se tornar um viciado. Se existemuita oferta de uma determinada droga, maior seráa probabilidade de uma pessoa experimentá-la. Por-que, como alguém pode se viciar com algo a que não

Por que estou assim? 115

tem acesso? Como alguém pode se tornar um vicia-do em morfina, por exemplo, se nunca tiver chancede chegar perto dessa droga? Mas sabe-se que entrepessoas que têm acesso fácil a ela, por trabalharem emhospitais, farmácias ou laboratórios, o número de vi-ciados é grande.

Mas, apesar da facilidade em obter certas drogas,nem todas as pessoas se viciam. Uma pessoa que temacesso fácil à morfina não irá necessariamente usá-la.Como podem oferecer maconha ou outra droga paravocê e você não aceitar. Como você já viu, depende daestrutura psíquica de cada um. E de como cada um dáconta da sua angústia. Porque algum tipo de angústiatodo ser humano tem.

Para concluir, se tem uma coisa que não ajuda na-da, mas que atrapalha muito, é o preconceito.

Pense, por exemplo, como a palavra “drogado” vi-rou palavrão! E como, normalmente, o jovem que sedroga é visto como marginal. No entanto, ele pode nãoser “essencialmente” marginal, mas se tornou margi-nal porque a marginalidade é um dos efeitos da toxi-comania. Muitos jovens que se iniciaram nas drogassão pessoas sensíveis, e sensíveis até demais. A droga,no entanto, pode levá-las à delinqüência e à prostitui-ção. Esse jovem se tornou delinqüente ou se prosti-tuiu porque precisava da droga, e não o contrário.

Continuar amigo ou amiga de uma pessoa viciadaem drogas é muito difícil. Na maioria das vezes, ela setorna uma companhia muito chata. E se envolve comoutras pessoas bem desagradáveis. E que podem que-

Cybelle Weinberg116

rer fazer sua cabeça, para que você também use. Se qui-ser se afastar dela, esse é um direito seu. No entanto,mesmo a distância, tentar ajudá-la é um dever.

OOuuttrrooss vvíícciiooss......Parece que eu sou viciada em fazer regime. Já fiz o regime da lua, da sopa, dos líquidos. Não adianta nada, porque eu sempre me acho gorda.

Carol, 15 anos

Você sabia que a cada ano milhões de pessoas de-senvolvem graves doenças, chamadas transtornos decomportamento alimentar? E que chegam a colocar asua vida em risco porque não estão satisfeitas com oseu corpo? E que a grande maioria – mais de 90% –daqueles que sofrem desses transtornos são adolescen-tes e mulheres jovens?

Homens e mulheres mais velhas também podemter essas doenças, é verdade, porém é mais difícil. E umdos motivos pelos quais meninas na puberdade ou naadolescência e mulheres jovens são mais vulneráveisa esses transtornos é a tendência a fazer regimes rigo-rosos para obter aquele corpo “perfeito”.A pessoa co-meça a fazer regime e não consegue parar mais.

Por que estou assim? 117

No começo, ela pára de comer porque quer. Masdepois, mesmo que “queira”, não consegue comer. Écomo se ela entrasse num barco para descer uma ca-choeira e perdesse o controle por causa da força da cor-renteza: não consegue mais sair do barco e vai sendocarregada para baixo. E pior: ela acha que não está cor-rendo risco nenhum!

Fui cortando alimentos, até que tirei tudo.Passava a semana bebendo água e, no fimde semana, comia salada. Sentia fome, mas uma coisa no seu psicológico é tão forteque você esquece. Depois de três meses, o corpo acostuma. Em seis meses, cheguei a 29 kg. Aos 16 anos, comprava roupa em loja de criança. Olhava no espelho e meachava gorda.

Ana Carolina, em depoimento

para a Folha de S.Paulo

Você já deve ter ouvido histórias assim, de alguémque foi emagrecendo, emagrecendo, até ficar um pa-lito. Essas pessoas sofrem de uma doença chamada ano-rexia nervosa, um tipo de transtorno alimentar. Cer-ca de 1% das meninas adolescentes desenvolve essadoença perigosa, que pode literalmente levar à mortepor desnutrição. Outros 2% ou 3% de meninas ado-

Cybelle Weinberg118

lescentes desenvolvem bulimia nervosa, que é ingeriruma quantidade exagerada de alimentos e depois pro-vocar vômitos, usar laxantes, diuréticos e praticar ummonte de exercícios.

Passava três horas na academia e não comia depois. Ficava uma semanapassando fome e descontava no fim de semana. Aí, me enchia de laxante e cheguei a provocar vômito. [...] Acabei sendo internada. No hospital,chorava e fazia abdominais à noite, quando estava sozinha.

Adriana, idem

Essas meninas têm verdadeiro pânico de engordar.E as conseqüências podem ser graves. Uma em cada10 delas morre por desnutrição, parada cardíaca ou sui-cídio, porque o corpo delas não agüenta o tipo de re-gime a que é submetido. E a maior dificuldade para aju-dá-las é que elas se recusam a admitir que têm umproblema, não procuram e não cooperam com o tra-tamentos até que alguém as interne “na marra”.

Durante esse processo de ir perdendo peso, queacontece na anorexia, o organismo precisa se adap-tar. Para se proteger, ele reduz sua atividade, entran-do em “marcha lenta”: a menstruação, por exemplo,deixa de ocorrer. A freqüência respiratória, o pulso e

Por que estou assim? 119

a pressão arterial diminuem. As unhas e os cabelosficam quebradiços e a pele ressecada. Devido à redu-ção de gordura, diminui também a resistência ao frio– por isso essas meninas vivem agasalhadas. E alémdisso a desnutrição pode lesar órgãos vitais, como ocoração e o cérebro.

As garotas bulímicas, ao contrário das anoréxicas,podem manter sua doença em segredo por váriosanos. Como o peso delas fica mais ou menos estável,a família demora para descobrir o que se passa comelas. Geralmente quem descobre é o ginecologista, por-que elas param de menstruar, ou o dentista, porque,de tanto vomitar, os ácidos gástricos destroem o es-malte dos dentes. Outras, infelizmente, morrem porparada cardíaca.

No começo eu provocava vômitos enfiando o dedo na garganta. Fazia isso tantas vezes por dia que cheguei a ficar com a mão toda machucada. Depois aprendi a vomitar sem nenhum esforço, só contraindo o estômago. Comia pacotes de bolacha, um monte de leite condensado,e quando me sentia empanturrada corriapara o banheiro e enquanto dava a descarga, para ninguém ouvir, punha tudo para fora num segundo.

Noemi, 18 anos

Cybelle Weinberg120

Ainda não se sabe a verdadeira causa dessas doen-ças. Existe a pressão da moda, que é um fator a serconsiderado. Existe também a pressão da família,pronta para criticar toda vez que a balança acusa ex-cesso de peso.

De repente a doença, que estava meio adormeci-da, latente, começa a se manifestar como uma preo-cupação excessiva com regimes.

A questão é: o que é que estava latente? Penso: queangústia danada, um peso excessivo para essa meni-na suportar.

Quando essas doenças já estão em estado avança-do, é necessário recorrer a toda uma equipe de pro-fissionais para tirar essas meninas dessa situação: ummédico clínico, um nutricionista, um psiquiatra ou psi-cólogo e um psicoterapeuta de grupo e familiar.

Uma terapia individual com um psicólogo ou psi-canalista, se feita precocemente, pode prevenir essasdoenças. Porque essas meninas, antes de chegar a es-se estado, dão alguns “sinais”. A maioria delas, porexemplo, tem períodos de baixa auto-estima e descre-ve sentimentos de uma falta de esperança impressio-nantes. A anorexia, a bulimia e o transtorno do comercompulsivo (comer, comer, comer até se sentir empan-turrado) são formas de lidar com a angústia.

As meninas com anorexia tendem a ser boazinhasaté demais da conta. Geralmente passam por obedien-tes, mas a sua obediência é uma forma de se afastardos outros, para que ninguém venha lhes “encher osaco”. São também introvertidas, porque sua relação

Por que estou assim? 121

com os outros é fonte de muita ansiedade. Então nãose relacionam com ninguém, não criam vínculos. E ten-dem a ser perfeccionistas, boas alunas e às vezes ex-celentes atletas.

Restringindo sua alimentação, elas adquirem umasensação de controle em determinadas áreas de suasvidas. Porque quase sempre obedeceram à vontadealheia, agora sentem didiculdade para lidar com pro-blemas típicos da adolescência. Controlar o peso po-de apresentar duas vantagens, pelo menos inicialman-te: podem ter controle sobre seu corpo e obter aaprovação de outras pessoas. No entanto, com o tem-po, torna-se claro para os outros que essas pessoas es-tão descontroladas e perigosamente magras.

Pessoas que desenvolvem bulimia e comem com-pulsivamente quase sempre consomem enormes quan-tidades de alimento para diminuir a ansiedade. Mas emseguida batem a culpa e a depressão. Aí querem pôrpara fora tudo aquilo que comeram.

Lidar com uma pessoa anoréxica é uma coisa quedá muita aflição. Porque você acaba desejando as coi-sas por ela. Você deseja que ela coma, você deseja queela se cure, você deseja que ela viva. E ela não está nemaí, nem para o seu desejo nem para o desejo dela.Aliás, ela só deseja mesmo é que nada a perturbe.

Por isso, cada um do seu jeito, a toxicomania e aanorexia são problemas graves, gravíssimos. São doiscaminhos que levam à morte. O primeiro pela inges-tão de drogas e o segundo pela falta de comida. E oque existe na base dos dois é um desejo comum, fun-

Cybelle Weinberg122

damental – o desejo de acalmar a angústia que leva adesejar. Porém não desejar nada, ter a paz absoluta, sóse consegue com a morte.

Será que eusou normal?De todas as perguntas que se fazem na adolescên-

cia, acho que essa ganha disparado em primeiro lu-gar. Aliás é uma preocupação de quase todas as pes-soas, adolescentes ou não.

Mas na adolescência, como não se sabe muito bemcomo se deve reagir diante de determinadas situações,porque é tudo muito novo, fica-se na dúvida se aqui-lo que se pensa ou se faz é normal ou não. Em outraspalavras, é normal se perguntar se se é normal.

Alguns comportamentos de adolescentes, se com-parados com os de uma criança ou de um adulto, po-dem parecer anormais. No entanto, comosão próprios da adolescência, po-dem ser considerados normais.

Além disso, o que quer di-zer realmente essa pergun-ta? Se aquilo que se faz é tí-pico? Se a maioria fazassim? Quantos fazem?Porque, no fundo, umcomportamento é normalou não se ele tem algumsentido.Você já pode ter vis-

Cybelle Weinberg124

to uma pessoa fazer uma coisa que lhe pareceu com-pletamente estranha. No entanto, quando descobriuo sentido daquele comportamento, o seu porquê,aquele mesmo comportamento deixou de ser tão es-quisito assim.

Maurício Knobel, psicanalista, criou uma expres-são – “síndrome da adolescência normal” – para de-signar o conjunto de “sintomas” que são normais naadolescência. Aqueles comportamentos que têm umsentido nessa fase. Comportamentos que, fora des-sa fase, podem ser vistos como não tão “normais” as-sim. Pense, por exemplo, num sujeito adulto que so-fre de extremas e repentinas mudanças de humor.Num dia está completamente maníaco, falando semparar, exageradamente feliz, fazendo planos mirabo-lantes para o seu futuro. No outro está deprimido,achando que sua vida é um horror, que nada vai darcerto, e que o melhor seria mesmo se ele morresse.Este sujeito não está bem, não é verdade? Pode-se di-zer que “não é normal” variar assim de humor.

Mas esse mesmo comportamento, em um ado-lescente, é até bastante normal. Porque aqui existeuma causa que está sendo dada por uma situaçãoreal de dependência. Você está estourando de feli-cidade, sem motivo nenhum. Está achando que a vi-da é maravilhosa e no dia seguinte, ou até no mes-mo dia, sente que nada tem sentido e que você nãovale um tostão furado. Sentir-se o máximo, e nominuto seguinte sentir-se um lixo, faz parte da fa-se que você está vivendo.

Por que estou assim? 125

Meu maior problema é a minha própria vida. A vida que eu levo não é nada boa, eu só me dou mal. Parece que nada dá certo comigo.

Ana,18 anos

Sentir-se feliz e logo em seguida infeliz é normalna adolescência. O que não significa que, quando elaterminar, você vai se sentir feliz. Automaticamente. Sefosse assim, todos os adultos seriam felizes. E você sa-be que não é assim. Ser feliz, aliás, dá muito trabalho.

Também não tem receita para ser feliz. Mesmo quetivesse, não adiantaria nada. Porque cada um precisadescobrir o seu próprio modo de ser feliz.

Eu conheço uma história que fala de sapos, mas queserviria muito bem para falar de pessoas. É a históriade um fazendeiro que, todas as noites, guardava todoo leite que ia ser vendido em grandes latões de alumí-nio. Certa noite, sem perceber, deixou dois latões des-tampados. Durante a noite, dois sapos caíram no lei-te, cada um em um latão diferente. Na manhã seguinteele encontrou os dois sapos. Um estava morto no fun-do de um latão de leite. E o outro estava vivo em ci-ma de um latão de manteiga.

O mesmo acontece com as pessoas. Umas passama vida no fundo do latão. Outras se debatem até con-seguir sair. Às vezes com ajuda, às vezes sozinhas. De-pende do destino? Não. Depende de como cada um

Cybelle Weinberg126

é. E ser assim ou assado não acontece por acaso.Acon-tece porque cada um tem uma história diferente.

A sua história, por exemplo, é a história da sua in-fância, mais a história da infância dos seus pais, maisa história dos pais deles. Isso tudo determina, mais oumenos, o que você é. Não há destino. O destino é oque você pode fazer com aquilo que você é, com aqui-lo que você foi e com aquilo que você pode vir a ser.

Quem é normal, então? Acho que aquele que con-segue viver mais ou menos bem com a sua própria pe-le. Em outras palavras, quem está bem consigo mesmo.

Esta obra foi composta pelo 2 Estúdio Gráfico

em Guardi e impresso pela Bartira Gráfica e Editora S/A

para a Sá Editora em fevereiro de 2007