da direção do tratamento, do desejo, do amor

6

Click here to load reader

Transcript of da direção do tratamento, do desejo, do amor

Page 1: da direção do tratamento, do desejo, do amor

Da direção do tratamento, do desejo e do amor

Tiago Azevedo Nunes Santos

Resumo: Este breve artigo tem por objetivo discorrer sobre a direção do tratamento na

clínica psicanalítica Lacaniana. Para tal, foi posto em contraponto as improbidades

herdadas da teoria Freudiana, que o psicanalista faz interpretações, e assim, termina

desejando pelo paciente. Além de relações com o amor, o desejo e a transferências - fatores

preponderantes para a análise.

Palavras-chave: Clínica, amor, desejo, direção do tratamento

"Scratch my head, would you?"

Em A direção do tratamento e os princípios de seu poder, Lacan delata a improbidade de

uma tentativa de clínica pautada apenas nos escritos de Freud, pois muitos, sob o nome de

psicanálise, empenham-se em uma "reeducação emocional do paciente", o que não é conduta

adequada para um analista (LACAN, 1998).

A forma freudiana de análise era impositiva e precipitada, tentando adequar as pacientes à

teoria que Freud estava pensando. Havia o excesso da interpretação, "A esse tipo de

Page 2: da direção do tratamento, do desejo, do amor

orientação prematura do desejo Lacan chamou, no seminário cinco, de intromissão

forçada " (CORREIA, 2003)

O analista tem que dirigir o tratamento e não o paciente. O paciente se dirige. Tentar dirigir a

consciência do paciente é ser o padre que reza a missa para o fiel, ficar dando dogmas a ele.

A direção do tratamento é "fazer com que o sujeito aplique a regra analítica", sustentar o

sujeito na análise, manter a angústia que impulsiona o paciente a si mesmo (LACAN, 1998)..

No tratamento há investimento de ambos, pois a linha de comunicação não é unívoca, o

paciente irá implicar-se através das palavras, mas não precisa estar a par disso - ainda que o

analista saiba sempre disso. O analista irá se implicar quando fala e está sujeito a

interpretação; quando sua pessoa serve "como suporte aos fenômenos singulares que a

análise descobriu na transferência". E desinteressar-se no ser, pois, assim, poderá guiar o

tratamento dando lugar ao ser do analisando como guia do seu próprio barco e próprio

oráculo - a analista adere à posição do falta-a-ser "onde o deslizamento da fala leva à

metonímia dos desejos" (JÚNIOR, 2003).

Assim, o analista se põe na posição de objeto, não tenta ajustar nada, apenas o paciente se

ajusta à sua própria realidade e a entrar em contato com o desejo próprio, não o querer do

Outro - "O desejo está assumido pelo sujeito diante do objeto, mas também a uma posição

que ele assume fora da relação com o objeto" (LACAN, 1999).

Como uma relação a dois, dentro do set, a transferência se torna um fator a ser encarado e

simbolizado. Por sinal, o analista é o sujeito de suposto saber que não vai acalentar, situado

posição de objeto, vai abster-se de suprir a demanda do paciente, vai guiar o tratamento

através da fala. Assim, "A análise nos mostra o caráter vagabundo, fugidio e inapreensível

do desejo. Ele escapa a qualquer síntese do eu, não deixando outra saída senão ser, a todo

instante, apenas uma afirmação ilusória de síntese". (Correia, 2003)

O desejo: "a expressão de uma cobiça que tendem a se satisfazer no absoluto, isto é, fora de

qualquer realização de um anseio ou de uma propensão (...) (desejo no sentido de desejo de

um desejo)" (ROUDINESCO, 1998)

Page 3: da direção do tratamento, do desejo, do amor

Lacan em "As formações do inconsciente" discorre que a relação com o objeto de desejo

não se esgota. O desejo ocorre com o objeto e fora do objeto, ele está além do objeto. Dessa

forma a análise se diferencia das terapias, pois a análise não normatiza nem demonstra

princípios, isto seria transformar o analisando em objeto.

O objeto: "o objeto desejado pelo sujeito e que se furta a ele a ponto de ser não

representável, ou de se tornar um 'resto' não simbolizável. Nessas condições, ele aparece

apenas como uma 'falha-a-ser', ou então de forma fragmentada..." (procurar referência)

Dessa díade entre vir-a-ser e falha-a-ser,que ocorre na análise, o desejo se simboliza na

demanda, ele fala na demanda. A demanda é a angústia que pede pelo algo mais, uma

insatisfação que não cessa. Segundo Correia, o visado no Outro está "para além" da

satisfação, pois a demanda é por amor.

Em seu Seminário 8, "A Transferência", Lacan escreve "amar é dar o que não se tem para

aquele que não é". "Como dom ativo, o amor visa o ser, para além da captura imaginária,

sustentando-se e equivocando-se na trama significante. O que Lacan sublinha é, sobretudo, a

falta de harmonia fundamental entre sujeito e objeto. Como a linguagem, o amor, em sua

vertente simbólica, revela um esforço, sempre precário, de fazer frente ao real da falta."

(LEITE apud STOTZ, 2005)

Então o objeto (pequeno) a só pode ser amado quando é diferenciado do sujeito, mas, ainda

assim, haverá a falta. Amar só irá apaziguar a falta, que nunca será preenchida, mas o sujeito

irá evitá-la, achando que de alguma pode se completar - fechar a fenda narcísica obtida na

castração. Tanto que em algum momento ele pode perceber a falta, afinal o objeto não é, pois

também é faltante.

Se o desejo se expressa pela demanda de um amor faltante que nunca irá completá-lo, não há

essa resposta absoluta do desejo, pois ele estará sempre no além do sujeito.

Deste modo o analista observa na fala do analisando o desejo que se aparece através da

demanda e a própria que vem através da fala. De forma que sustentar a demanda é alienar o

paciente com um alívio que vai apaziguá-lo e ir de encontro ao processo analítico, pois seria

uma fala do analista interpretada como uma sugestão.

Page 4: da direção do tratamento, do desejo, do amor

Daí o absenteísmo, pois o sujeito satisfeito ignora a fenda narcísica, e assim, não entra em

contato o que o desejo vai lhe proporcionar quando a sensação de completude passar e a

angústia vir à tona.

Insistir na sugestão, então, se torna uma resistência do analista, o que vai atrapalhar o rumo

da análise, afinal o analista sai da posição de objeto e se torna sujeito desejante. Isso

impossibilita o paciente ao desejo de ter seu próprio desejo, para uma relação de

resistência onde o analista desejaria pelo paciente assim como a mãe deseja pelo filho a ser

cuidado.

Comentários sugestivos, respostas, afeto excessivo, dentre outros comportamentos não são

papel do analista, este tem que frustrar, pois abster-se da demanda é frustrar. O analista não

será o preenchimento narcísico, nem quem vai amar ou ser amado pelo analisando. "Trata-

se de uma frustração profunda, que intervém na essência da fala e faz surgir o horizonte da

demanda de amor, ou demanda de reconhecimento, ou ainda demanda de saber".

(CORREIA, 2003).

O analista não pretende satisfazer, mas não quer decepcionar; ele não tem medo do erro,

mas da ignorância; o receio de se demonstrar com não faltante. Lacan, em Escritos, diz que

a análise como uma relação dual vai existir interpretação, mas ele deve apenas possibilitar a

tradução "precisamente aquilo que a função do Outro permite no receptáculo do código,

sendo a propósito dele que aparece o elemento faltante". (referência)

Se o desejo do analista invade o divã, o desejo do sujeito ficará opaco em relação com o

Outro. Mas quando o Outro se nega, o confronto com a demanda irá ocorrer no lugar da

fala, pois o Outro não suprirá esse lugar. Assim, a partir das entrelinhas do discurso o

desejo do analisando poderá desejar.

Não interessa ao analista dar um retorno simbólico ou compensar as

insatisfações do sujeito nos diferentes momentos do desenvolvimento da

demanda. O importante na análise é saber quais os problemas vividos entre

sujeito e Outro em cada uma dessas fases: oral, anal ou genital. É saber que

tipo de insatisfação mantém o sujeito retido, ligado num determinado

estágio da relação com o objeto.

Page 5: da direção do tratamento, do desejo, do amor

A excentricidade do desejo em relação a qualquer satisfação possibilita

compreender sua profunda afinidade com a dor. O que o desejo retém, não

na forma desenvolvida, mascarada, alienada, mas em sua forma pura e

simples, é a dor de existir. Aos olhos de Freud essa dor de existir está

ligada ao âmago do sujeito. O masoquismo se encontra na base da

exploração analítica do desejo. (CORREIA, 2003)

Desse modo o analisando poderá completar seus vários processos de análise, à medida que

conseguir desejar e se organizar subjetivamente. Sabendo diferenciar o seu querer da

acepção do desejo do outro e o desejo do seu desejo, possibilitando-se ser um sujeito

desejante e, portanto, frustrado com sua fenda narcísica. Que, em algum momento, vai saber

que é um sujeito faltante e que o desejo só suprirá a fenda narcísica temporariamente, pois a

castração é como uma grande lixiviação que o desejo tenta tapar com areia, porém a falta é

uma chuva que vai levar tudo sempre. Resta ao analisando realizar a impossibilidade da

completude.

Segundo Júnior (2003), depois dos 70 anos, em uma entrevista a um jornalista, Freud dizia: '

o verdadeiro companheiro do amor é a morte'. O ódio, por exemplo, muitas vezes é a

resposta para a presentificação do amor por algum recurso como o da recusa, como também

do desejo insatisfeito. O companheiro do amor é a morte e a nossa vivência se faz aí. Somos

siris na lata e ela está no fogo, não há como fugir, resta saber o que fazer com o tempo que

nos resta.

E o amor pode não ser eterno e não completar, mas é tão presente como a falta.

"Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer,

amar e mal amar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados, amar?"

(Amar - Carlos Drummond de Andrade)

Page 6: da direção do tratamento, do desejo, do amor

Referências:

LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 5: as Formações do Inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999

STOTZ, Ma do Rosário. Amar se aprende amando, [online]. Em: http://www.unisul.br/content/iornalunisulhoie/home/integradanoticia.cfm?obiectid=6E 5E7240-3048-6857-8838A3C21FAA99B6&secao=Artigos

JÚNIOR, Everaldo Soarez. A direção do tratamento e os princípios de poder, [online] Em: ://www.interseccaopsicanalitica.com.br/artl O6.htm#_ftnref24

DAYRELL, Maria Angela Assis. Sobre a direção do tratamento. Reverso.

[online], set. 2007, vol.29, no.54 [citado 11 Maio 2009], p.95-98. Disponível na World Wide Web: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-73952007000100014&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0102-7395.

CORREIA, Mônica P. de Barros. Desejo na direção do tratamento. Díponível em: http://www.interseccaopsicanalitica.com.br/artl O6.htm#_ftnref24