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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

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CLEIDE FARAGO DE LIMA

HISTÓRIA LOCAL

Caso de Pitangueiras: cuidando de nossa memória

Produção Didática Pedagógica – Caderno Pedagógico – apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional da SEED/PR, em parceria com a Universidade Estadual de Londrina, área curricular de História.

Orientador: Prof. Dr. José Miguel Arias Neto

LONDRINA - PR

2010

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Professora PDE: Cleide Farago de Lima

Área PDE: História

NRE: Londrina

Professor Orientador IES: Prof. Dr. José Miguel Arias Neto

IES vinculada: UEL – Universidade Estadual de Londrina

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 4

ENCAMINHAMENTO ................................................................................................ 6

1. CONHECIMENTOS PRÉVIOS ....................................................................... 6

1.1. CONHECIMENTOS PRÉVIOS INDIVIDUAIS ...................................... 7

1.2. SOCIALIZAÇÃO DOS CONHECIMENTOS PRÉVIOS ........................ 8

2. ANÁLISE DE DOCUMENTOS ........................................................................ 8

2.1. REGISTRO DE BATISMO .................................................................... 9

2.2. CERTIDÃO DE NASCIMENTO .......................................................... 10

3. HISTÓRIA ORAL .......................................................................................... 12

3.1. ENTREVISTAS ................................................................................... 13

3.2. MONTAGEM DE CADERNO (LIVRO) SOBRE A HISTÓRIA DA

FAMÍLIA .............................................................................................. 14

3.3. ENTREVISTAS COM OS PIONEIROS .............................................. 15

3.4. ENTREVISTAS COM OUTROS MORADORES ................................ 16

3.5. TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS ............................................... 16

4. PRODUÇÃO TEXTUAL ................................................................................ 17

5. ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL COLETADO ............................................ 17

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 18

ANEXOS ............................................................................................................. 20

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OS DESBRAVADORES DO SERTÃO

No ventre da terra roxa abençoada,Nos rastros dos caingangues derradeiros,

Em meio à floresta da onça pintada,De longe chegaram os aventureiros.

Construíram pontes, abriram estradas.

Foram à luta sem se render jamais.Heróis guerreiros de mãos calejadas

Transformaram as matas em cafezais. [...]

Gilberto Braz Almeida

APRESENTAÇÃO

Este trabalho tem por objetivo contribuir para a reconstrução da memória

do Município de Pitangueiras no sentido de, através de pesquisas em fontes escritas

e não escritas, conscientizar as novas gerações da importância de valorizar a

comunidade e sua trajetória através de lutas, conquistas e derrotas, enfim, de seu

saber historicamente acumulado. Tem também a finalidade de registrar a história oral

do município, evitando que a mesma, progressivamente, caia no esquecimento. “A

lembrança é a sobrevivência do passado. O passado, conservando-se no espírito de

cada ser humano, aflora à consciência na forma de imagens-lembrança”. (ECLEA

BOSI, 1987, p.15).

Dentro da perspectiva do tempo presente e história oral, levando em

conta o escasso material bibliográfico, avaliamos que “os depoimentos orais são

instrumentos para preencher lacunas deixadas pelas fontes escritas (...). Na

recuperação da história dos excluídos, os depoimentos orais podem (...) constituir-se

em instrumentos de construção de identidade e de transformação social”

(FERREIRA, 2002, p. 327).

No ano de 2011 Pitangueiras completará 20 anos de instalação do

município, efetivado posteriormente através de plebiscito. Inexiste, até o momento,

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bibliografia a respeito e escassas são as fontes de pesquisa sobre a história da

formação e organização da comunidade pitangueirense. Ao tentar trabalhar o

conteúdo em sala de aula percebe-se a desqualificação do passado como

experiência digna de conhecimento e interesse por parte de alguns estudantes.

A velocidade com que avança a tecnologia parece fazer com que tudo

envelheça rapidamente e pareça sem valor para as novas gerações. Segundo o

historiador Marc Bloc (1970, p. 42) “a incompreensão do presente nasce da

ignorância do passado”. Porém, ele mesmo ressalta que “de nada adianta

conhecermos o passado se nada sabemos do presente”.

Levar o aluno a valorizar o conhecimento histórico é um grande desafio.

Maior ainda é o desafio de trabalhar a pluralidade cultural na formação do povo norte

paranaense, quando grande parte dos nossos alunos não consegue associar a

história local com a história do país. Faz-se necessário, então, um reconhecimento

dessa realidade buscando alternativas pedagógicas para que ocorra a efetivação do

conhecimento.

Se o intuito é despertar o interesse pela História e, mais precisamente,

pela história local e pelo povo (ou povos) que a construiu, há que se propiciar uma

sensibilização acerca da memória e história local. Serão analisados documentos

escritos e não escritos que funcionarão como pistas a serem desvendadas e que

proporcionarão a reconstrução da história local. “As novas gerações, via de regra,

não reconhecem os antigos habitantes de nossa cidade como pessoas ativas que

foram e ainda são.” (ARIAS NETO, 1994, p. 194).

Nesse contexto, utilizando como estratégia a investigação e construção

de conhecimento, a participação do aluno será fundamental tendo em vista que

nosso intuito é contribuir para que possa refletir e se perceber como parte do

processo histórico. O trabalho procurará proporcionar reflexões, percepções,

interação entre as gerações e, principalmente, levar a pensar historicamente.

Este Caderno pretende fornecer elementos que possam contribuir com o

trabalho docente, em especial aos profissionais que irão atuar em séries do Ensino

Médio, porém é uma proposta bastante flexível que pode ser aplicada em qualquer

série, desde que adaptada para tanto.

A intenção é trabalhar com alunos da 3ª série do Ensino Médio

abordando a origem das famílias que se fixaram no Norte do Paraná, em especial no

município de Pitangueiras, valendo-se do interesse e da curiosidade do aluno frente

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às peculiaridades de cada etnia que contribuiu para a formação desta parte do

Estado, a partir da própria história familiar.

Assim, espera-se despertar maior interesse e valorização da disciplina,

bem como orientar o aluno para o conhecimento dos deslocamentos populacionais e

sua importância na estruturação econômica e cultural da sociedade local. Sociedade

da qual o aluno faz parte.

ENCAMINHAMENTO

As atividades propostas nesse caderno visam, além da produção final,

permitir ao aluno a vivência de como o conhecimento histórico é produzido e, ao

perceber a dimensão do trabalho do historiador, a possibilidade de se compreender

enquanto sujeito do processo histórico.

A princípio se fará a explanação sobre a proposta de trabalho e os

passos a serem seguidos. Posteriormente, serão introduzidas as atividades que

darão vida ao projeto.

Para todas as etapas será adotado um “caderno de campo”, para o

qual os alunos serão orientados a anotar todas as suas impressões sobre as

atividades desenvolvidas: análise de documentos, história oral, produção textual,

organização e exposição do material coletado ao longo do projeto. Dentro da história

oral o trabalho com entrevistas deverá ser acompanhado em todos os seus detalhes,

pois tudo deverá ser anotado, inclusive o que não for gravado: aspecto do depoente;

local da entrevista; como estava o tempo (chuvoso, nublado...); impressões sobre o

ambiente no qual se deu o encontro, sobre o que conversou além da entrevista; se

teve cafezinho, risos. Esse recurso será de grande valia no momento de montagem

do material a ser produzido ao final do projeto.

1. Conhecimentos préviosPara que se possa atribuir mais significado ao aprendizado, é

importante que se considere os conhecimentos prévios dos alunos. Como afirma o

psicólogo da aprendizagem David Paul Ausubel “O fator isolado mais importante que

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influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece. Averígue isso e

ensine-o de acordo” (AUSUBEL, NOVAK, HANESIAN, 1980, P. 137).

Considerar o conhecimento prévio dos alunos é o ponto de partida para

o ensino e para a sequência das atividades.

Alegro, em sua tese de doutorado, ao discorrer sobre conhecimento

prévio e aprendizagem significativa de conceitos históricos no Ensino Médio, afirma

que:Considerar os conteúdos substantivos históricos dos estudantes, (...) implica em concebê-los como “conhecimentos prévios”, ou seja, são reconhecidos num processo de (nova) aprendizagem e referem-se a conceitos pré-existentes na estrutura cognitiva do estudante. (...) Assim, os conceitos já aprendidos determinam novas aprendizagens e são por elas modificados (ALEGRO, 2008, p.19).

1.1. Conhecimentos prévios individuaisEssa primeira atividade consistirá em solicitar aos alunos que, em uma

folha avulsa, discorram sobre o que sabem da história do município.

Tal procedimento será de fundamental importância nessa fase do

projeto, pois, como foi citado anteriormente, utilizaremos como estratégia a

investigação e construção de conhecimento e isso se dará a partir daquilo que o

aluno já sabe.

De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica, (2008,

p. 29), “... as idéias prévias dos estudantes (...), advindas do contexto de suas

experiências e de seus valores culturais, devem ser reestruturadas e

sistematizadas...” e isso se dá a partir do processo de ensino-aprendizagem

contextualizado.

Importante ressaltar que, também de acordo com as Diretrizes

Curriculares da Educação Básica, (2008, p. 28), a contextualização deve servir

“apenas como ponto de partida da abordagem pedagógica, cujos passos seguintes

permitam o desenvolvimento do pensamento abstrato e da sistematização do

conhecimento”.

1.2. Socialização dos conhecimentos prévios Terminada a primeira atividade, os alunos farão, neste segundo passo,

a exposição de suas produções que, na sequência, serão discutidas no grande

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grupo. “A interação dos estudantes favorece a troca de significados” (NETTO, 2003),

isto é, a socialização de conhecimentos prévios favorece a ampliação do

conhecimento de todos.

Após as discussões será solicitado aos alunos que produzam um novo

texto, a partir das novas informações obtidas. O novo texto será confrontado com o

texto anterior para que seja observado se houve mudança, ou não, sobre os

conhecimentos acerca da história do município.

O novo texto produzido ficará arquivado para que, ao final do projeto, os

alunos possam compará-lo com a nova produção que farão após conhecimentos

adquiridos ao longo da pesquisa.

2. Análise de documentos

Para essa atividade se faz necessária uma discussão sobre o trabalho

do historiador e o uso dos documentos históricos. Sobre o trabalho com vestígios e

fontes históricas, as Diretrizes Curriculares da Educação (apud BITENCOURT, 2004)

afirmam que “a intenção do trabalho com documentos em sala de aula é de

desenvolver a autonomia intelectual adequada, que permita ao aluno realizar

análises críticas da sociedade por meio de uma consciência histórica”.

Desta forma, a sala de aula se tornará uma comunidade de

investigação científica. Isso não significa que exista aqui a pretensão de transformar

os alunos em historiadores, mas dar condições para que sejam capazes, por si

mesmos, de produzir conhecimento histórico.

“O contato com as fontes históricas facilita a familiarização do aluno com formas de representação das realidades do passado e do presente, habituando-o a associar o conceito histórico à análise que o origina e fortalecendo sua capacidade de raciocinar baseado em uma situação dada”.(SCHMIDT e CAINELLI, 2006, p.94)

As Diretrizes Curriculares da Educação Básica, em seus

encaminhamentos metodológicos sobre o ensino fundamentado na historiografia,

reforça a necessidade do professor orientar os alunos para as “múltiplas leituras e

interpretações históricas”, propondo a eles algumas questões: “Como o historiador

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chegou a essa interpretação? Que documentos/fontes o ajudaram a chegar a essas

conclusões? Existem outras pesquisas a respeito?...”.

Necessário se faz que os alunos compreendam que é preciso fazer

perguntas aos documentos, conhecer sua natureza e perceber que, para cada tipo

de material, é necessário fazer perguntas adequadas, a fim de obter o máximo de

informações e perceber suas possibilidades e seus limites.

2.1.Registro de batismoProporcionar aos alunos o contato com o texto desse tipo de

documentação (abaixo) leva para dentro da sala as pessoas de “carne e osso” que

viveram no passado.

Até a Proclamação da República, a prerrogativa de realizar os registros referentes à vida dos habitantes do Brasil era da Igreja. Não existiam os registros civis aos quais estamos habituados – certidões de nascimento, casamento, óbito; eles surgiram com o advento da República. Os registros realizados por ocasião de batismo, casamento e sepultamento nos registros da Igreja eram os únicos existentes e tinham valor reconhecido pelo Estado (Moreira; Vasconcelos, 2007, p. 72 e 73).

Exemplo de um desses documentos:

No primeiro dia do mês de abril de mil oitocentos e sessenta e seis, nesta Freguesia de Nossa Senhora da Victoria, baptizei e pus os Santos Óleos a Antonio, preto, nascido em oito de abril de mil oitocentos e sessenta e quatro, filho de Ângela, escravos de Vicente Borges de Vasconcellos Duart forão padrinhos o mesmo Vicente de Vasconcellos Duarte Dona Rosa Emilia de Souza.1

Atividade :A partir da leitura desse documento, responda às questões:

a. Qual a natureza desse documento?

b. De quando é?

c. Do que trata este documento? c. Quem é a pessoa que está sendo registrada no documento?

Na seqüência haverá discussão com a turma sobre as questões que,

certamente, darão vazão a outros questionamentos.

1Livro de batismos da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória. 1866, f. 27. Arquivo Público do Estado do Maranhão.

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Faz-se importante destacar, nesse momento, valendo-se do conteúdo do

documento, que essa não é uma situação comum. Numa sociedade marcada pela

religiosidade, ser padrinho significava assumir um compromisso com Deus. Além

disso, outras questões estavam envolvidas como, para o escravo, ter um filho

batizado por seu dono significaria possibilidade de ascensão social, pois passaria a

ser compadre de seu senhor.

Também é importante que se compare esse tipo de registro àqueles que

são realizados hoje em dia. “Ao se comparar os registros de batismo a uma certidão

de nascimento pode-se verificar que tipo de dados cada um dos documentos

informa, que tipo de família cada um representa” (Moreira e Vasconcelos, 2007,

p.74).

2.2. Certidão de nascimento Ao longo da história a forma de registrar o nascimento das pessoas foi

sofrendo alterações.

Silveira e Laurenti ao discorrerem sobre o rompimento entre o Estado

e a Igreja, e da importância, para a Igreja Católica, do fim da subordinação por ela

enfrentada, afirmaram que:

“No Império, o regime vigente era de padroado, isto é, o Estado pagava o clero. (...) Logo no começo da Primeira República aprovaram-se leis que tiraram da Igreja certas atribuições. Por exemplo: (...) o registro de nascimento, que deixou de ser feito nas paróquias para ser feito em um cartório de registro civil. (...) Houve de fato uma separação entre Igreja e Estado, e a Igreja Católica deixou de ser a oficial.” (SILVEIRA e LAURENTI, 1973).

Atividade 1:

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“Tal mudança revela que, com o passar do tempo, a

religiosidade perdeu sua centralidade na sociedade

brasileira como um todo (ou, na melhor das

hipóteses, o Estado divorciou-se da Igreja).”

(Moreira e Vasconcelos, 2007, p.74)

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Para essa atividade será apresentado aos alunos o texto “Registro Civil

de Nascimento” (anexo 1), um recorte de dissertação de mestrado de Jáder Lúcio de

Lima Pessoa, onde é feito um relato sobre a história da Certidão de Nascimento.

Após leitura silenciosa serão discutidas as ideias centrais do texto com o

intuito de levar o aluno a perceber as alterações sofridas pelo registro de

documentos civis ao longo da história.

Atividade 2:De posse da cópia da certidão de nascimento, cada aluno fará a

comparação entre ela e o documento apresentado no item 2, Registro de Batismo.

Feito isso, através de pesquisa bibliográfica e de visita ao cartório, responderá às

seguintes questões:

a- Por que esse documento existe?Por que surgiu?

b- Que tipo de informação ele dá?

c- Por que é o cartório que emite tal documento?

d- O que é um cartório?

e- Qual a importância desse documento?

f- Por que, ao longo do tempo, houve mudanças no conteúdo do

registro?

Atividade 3:Para essa atividade haverá uma nova análise da certidão de

nascimento, agora com o intuito de perceber as informações pessoais.

Nesse momento o aluno levantará dados em relação a ele a sua família

e preencherá a ficha “Quadro de gerações” (anexo 2), que servirá de base para a

construção de uma árvore genealógica. Quanto aos demais ancestrais, que não

constem na Certidão de Nascimento, o aluno pesquisará junto aos familiares. Deve

ficar claro que estão recolhendo material para escrever a história da própria família.

Atividade 4:Pesquisa, em jornais, revistas e internet, sobre os acontecimentos

marcantes no Paraná, no Brasil e no mundo, no ano em que o aluno nasceu. Aqui é

importante deixar claro para eles a natureza desses acontecimentos: políticos,

sociais, esportivos, artísticos e outros. Isso feito haverá a apresentação dos

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resultados. Também é importante levá-lo a entender que existiram pessoas antes

dele e que a história dele não começa quando ele nasceu.

3. História Oral

Um dos objetivos mais relevantes do ensino de História é a constituição

da noção de identidade. Maria Cecília C. Souza, em seu livro “A escola e a

memória”, afirma:“Os livros da disciplina são escritos de forma impessoal. Não se reconhece a origem da fonte. É como se os fatos fossem contados por um deus, absoluto e inquestionável. Ao ouvir um relato ao vivo, a criança verifica que ela é contada por alguém real, que passou por aquilo. Por fim se reconhece no mesmo contexto”. (SOUZA, 2004, p.196).

Proporcionar aos jovens a oportunidade de comparar suas

experiências as experiências de outras pessoas, em especial aos mais velhos,

fortalece o sentido de identidade. Nessa perspectiva, as considerações de Kessel

(2003) são fundamentais. Para ela “a memória contribui para a construção da

identidade porque nos possibilita elaborar os conceitos de si e de nós em oposição

ao conceito de outro(s)”.

A história oral como fonte histórica é tão importante quanto os

documentos escritos.

Um dos momentos mais importantes de uma atividade sobre história

oral é a entrevista. Porém, antes mesmo de partir para esse campo, é importante

que se faça a discussão do texto “A memória oral no mundo contemporâneo” de

Fernando Frochtengarten (anexo cinco). Pelo fato do trabalho ser desenvolvido com

alunos do 3º ano do Ensino Médio, acredita-se de que há necessidade de utilizar

textos mais elaborados. Nesse sentido, o texto proposto vem ao encontro dos

objetivos do projeto, pois oportuniza ao aluno conhecer a trajetória histórica da

memória oral e sua “resistência frente à ameaça de desenraizamento”

(FROCHTENGARTEN, 2005, p. 376).

Atividade

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Leitura e discussão do texto: “A memória oral no mundo

contemporâneo” (anexo cinco). Os alunos serão divididos em grupos, farão leitura e

discussão do texto, bem como, tirarão suas dúvidas com a professora sobre termos

e expressões desconhecidas. Em seguida os grupos, sob a orientação da

professora, exporão suas conclusões sobre o texto.

3.1. EntrevistasAcredita-se que, nesse momento, o aluno já esteja preparado para

esse novo passo: a entrevista. Assim, ele fará “investigações” acerca dele mesmo,

de seu colega, de sua família e da comunidade.

As considerações da professora Marieta de Moraes Ferreira são aqui

fundamentais. Para ela “a realização de entrevistas permite tanto produzir um

conjunto de relatos de histórias de vida, quanto recuperar uma memória oral

passada de geração em geração. Em ambos os casos trata-se de estratégias de

pesquisa interessantes” (FERREIRA, 2000, p.5).

Em especial, com relação às entrevistas com a família e comunidade,

para se alcançar bons resultados é importante que seja valorizado cada detalhe. O

entrevistado, no caso da família do aluno e dos pioneiros, é quem deve escolher o

local da entrevista, para que se sinta mais à vontade. Com relação às entrevistas

com outros moradores (vide item quatro “Entrevistas com outros moradores”), por se

tratar de um outro tipo de abordagem, o local já estará estabelecido pelos alunos,

porém no que tange aos demais procedimentos deverão ser mantidos os mesmos

cuidados.

Atividade 1:Os alunos serão colocados em duplas e, de posse do formulário de

entrevista com o aluno (anexo três), um colega entrevistará o outro.

Terminada a entrevista, os alunos apresentarão o resultado para a

turma e exporão suas impressões, dúvidas, críticas e sugestões sobre o material

utilizado, bem como, sobre a atividade apresentada.

Atividade 2:A intenção aqui é ampliar a coleta de dados para montar a história da

família. Para tanto serão convidados familiares do aluno, que tenham disponibilidade

de tempo, para irem ao Colégio e socializar sua história de vida. Esse momento

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deve receber especial cuidado, a começar pelo dia, horário e local do Colégio para

receber os entrevistados.

O formulário “entrevista com a família” (anexo quatro), que será

utilizado para essa atividade, será discutido com os alunos, previamente. Caso haja

necessidade o mesmo sofrerá alterações. Cada aluno aplicará posteriormente, em

sua casa, o mesmo formulário para que possa coletar mais informações com outros

familiares.

3.2. Montagem de caderno (livro) sobre a história da famíliaFinalizada as atividades com os familiares, é importante que se

verifique se os alunos:“- identificam elementos do cotidiano de várias gerações de familiares;- ampliam os referenciais de tempo e espaço;- reconhecem permanências e mudanças nas relações familiares;- reconhecem a memória oral como fonte histórica;- reconhecem que a sua vida e de seus familiares não está fora da história, mas é parte dela;- conseguem trabalhar com fontes de natureza diversa: documentos pessoais, fotografias, vestimentas etc.” (Ensinar e aprender: Impulso inicial – História. Material produzido pelo CENPEC para o Projeto de Correção de Fluxo da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. 1998, p.45)

Esse momento será de fundamental importância para identificar os

pontos fortes e os pontos críticos para planejar as próximas etapas deste material.

Aqui é importante levantar, com o grupo, os dados mais significativos que farão parte

do caderno (ou livro) sobre a história de suas famílias.

Atividade 1:Individualmente os alunos deverão desenvolver as seguintes

atividades:

- Com o conteúdo das entrevistas e com as informações coletadas na certidão de

nascimento, elaborar um texto sobre a história familiar.

- Organizar as entrevistas, e o texto, formar um caderno.

- Anexar cópias de fotografias e demais documentos significativos.

- Fazer a capa

- Arquivar no portfólio individual sob o registro “história da minha família”.

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Atividade 2:No grande grupo os alunos farão a leitura dos textos produzidos na

atividade anterior e refletirão sobre pontos em comum, ou não, sobre suas histórias

de vida. Nesse contexto “as diferenças podem reforçar a ideia da identidade pessoal

e as semelhanças podem ajudar os alunos a se perceberem como grupo social”

(Ensinar e aprender: Impulso inicial – História, 1998, p. 36).

Atividade 3:Coletivamente, os alunos elaborarão um outro texto que fará parte da

introdução do caderno (ou livro) de cada um. Nesse novo texto, os alunos

expressarão o que aprenderam sobre a história de todas as famílias da classe. Essa

atividade exigirá “dos alunos outra abstração, pois devem sair da particularidade das

histórias das respectivas famílias para fazer algumas generalizações, contemplando

as noções e conceitos trabalhados de tempo, permanência e mudanças,

simultaneidade, diferenças e semelhanças” (Ensinar e aprender: impulso inicial,

1998, p. 45).

3.3. Entrevista com pioneirosA população definida para essa atividade é um grupo de pessoas que

resida no Município há mais de trinta anos. As entrevistas com os pioneiros serão

realizadas após retomada da importância desse procedimento. Esse trabalho deve

ficar bem entendido pelos alunos e, por eles, deve ser valorizado, pois também da

qualidade das entrevistas dependerá o sucesso desse projeto.

Graebin e Penna sugerem que os alunos devam se reunir com os

pioneiros onde esclarecerão os “objetivos do projeto e a dimensão de sua

participação. (...). Assim, além da instrumentalização teórico-metodológica, o

entrevistador deverá ter postura ética específica para lidar com a alteridade, o que

pressupõe percepção e respeito pela diferença” (GRAEBIN e PENNA, 2006, p.91).

Nessa reunião deverão ser definidos: local, dia e horário para a

gravação das entrevistas. Aqui deve ficar claro aos entrevistados que haverá

necessidade do uso de filmadora, máquina fotográfica e, posteriormente às

transcrições, haverá a conferência e a cessão dos direitos das entrevistas.

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Para esse trabalho adotou-se o modelo de entrevistas semi-

estruturadas, contendo os itens abaixo, para que o depoente possa organizar sua

narrativa:

● identificação do entrevistado;

● onde nasceu;

● onde morava antes de vir para Pitangueiras;

● quando chegou à Pitangueiras;

● por que veio para cá;

● quais impressões guardou do primeiro contato com o Município;

● qual espaço mais antigo que representa ou simboliza a cidade;

● qual espaço moderno (atual) que melhor representa ou simboliza a cidade de

Pitangueiras;

● Qual paisagem ou vista antiga mais marcante da cidade de Pitangueiras;

● Qual paisagem (ou vista) atual mais marcante da cidade.

3.4. Entrevistas com outros moradoresA ideia aqui é entrevistar os moradores do pequeno município de

Pitangueiras em um estúdio que será montado em local estratégico da cidade, de

forma que os transeuntes sejam abordados e convidados a ajudar a “fazer a história

de Pitangueiras”. Nesse caso depoimentos orais de descendentes de pioneiros e de

outros moradores que tenham adotado o Município há trinta anos, ou menos, serão

enriquecedores para o projeto, pois “os entrevistados centram seus depoimentos

não na sua trajetória pessoal, mas numa memória oral narrada através de diferentes

gerações” (FERREIRA, 2000, p.3).

Na organização do estúdio serão tomados os mesmos cuidados e

providências elencados para as entrevistas com familiares dos alunos e pioneiros, a

saber: cadeiras, filmadora, máquina fotográfica, formulários de entrevistas e carta de

doação.

3.5. Transcrições das entrevistasApós a finalização das entrevistas deverá ocorrer a sua transcrição.

Paul Thompson afirma que “a transcrição destina-se à mudança do estágio da

gravação oral para o escrito” (THOMPSON, 1992, p. 57). Não haverá nesse

momento nenhum confronto entre as entrevistas ou os entrevistados, pois o que

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importa são as memórias dos habitantes, ou seja, a reconstrução da história do

município de Pitangueiras através das lembranças dos pitangueirenses por

nascimento ou por opção. Para esse projeto o “interesse está no que foi lembrado,

no que foi escolhido para perpetuar-se na história de sua vida” (BOSI, 1987, p.1).

Desta forma a transcrição deverá respeitar a integralidade dos depoimentos.

4. Produção Textual

A proposta aqui é que os alunos produzam um novo texto a partir do

trabalho desenvolvido e do aprendizado adquirido. Agora terão a oportunidade de

expressar o que aprenderam sobre a história do município e das memórias de seus

habitantes. Este novo texto será comparado com o texto produzido na atividade

“conhecimentos prévios” e verificado se houve avanços e permanências entre eles.

5. Organização do material coletado

Montar uma exposição aberta ao público com o título “A história de

Pitangueiras segundo seus habitantes”, e um arquivo para a biblioteca do Colégio

Estadual Odete Borges Botelho, com todo o material coletado serão as atividades de

fechamento desse caderno pedagógico.

A exposição ocorrerá por ocasião dos festejos do aniversário da cidade

em local a ser definido e receberá ampla divulgação através de cartazes que serão

colocados nos vários espaços da cidade e, também, convites que serão enviados à

população em geral.

O material exposto será formado pelos vídeos das entrevistas, textos e

cadernos produzidos pelos alunos, cartazes com a fala dos entrevistados e

fotografias coletadas junto às famílias e comunidade.

Espera-se que as famílias e a comunidade prestigiem o evento se

identifiquem com o material que será o resultado do esforço coletivo.

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ANEXOS

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ANEXO 1

REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO

JÁDER LÚCIO DE LIMA PESSOA

O registro de fatos essenciais na vida de uma pessoa, tais como o nascimento, o casamento e a morte, remonta à antigüidade4. Não há, no entanto, relato histórico seguro sobre o registro das pessoas naturais antes da fase justinéia no Direito Romano. No Direito Justiniano, há vestígios de que o registro tinha a finalidade de constituição de prova do matrimônio.

O registro de nascimento teria sido introduzido em Roma, no tempo do Império, por Marco Aurélio, que confiara tal mister ao prefeito do erário, nas cidades, e aosmagistrados municipais, nas províncias, os denominados tabularii6. O registro, em tempos antigos, servia como instrumento de contagem da população, inclusive para fins militares. O instituto do registro das pessoas naturais está mais bem documentado a partir da Idade Média. Antes do Concílio de Trento, a Igreja Católica interessou-se pelo registro de bispos, príncipes ou fiéis vivos ou mortos, em cuja intenção celebravam-se as missas. Para perpetuação da memória, eram registrados os benfeitores e aqueles dignos de sepultura cristã.

Muito ilustrativas são as reminiscências de Padre Manoel, personagem da Trilogia do Camponês de Andorra, que nos esclarece sobre o costume da Igreja em registrar seus colaboradores:

Meus Maiores colaboradores costumavam ler, nas igrejas, os nomes alistados das pessoas falecidas que haviam feito alguma doação à paróquia, a um convento ou mosteiro, para que os fiéis, agradecidos, rezassem por suas almas. Essas listas eram lançadas em livros grandes (que se chamavam obituarii), cada qual com trezentas e sessenta e cinco folhas, um folha para cada um dos dias do ano, e, de comum, os nomes dos mortos se lançavam no dia correspondente ao óbito. E, afinal, até mesmo quando as doações eram simbólicas, os beneficiários tinham direito a orações e a ver suas mortes publicadas.

Frisa-se um outro uso em cidades italianas da época medieval: em livros públicos eram anotados a emancipação dos filhos de família e o abandono de crianças.

A sistemática de registro se intensificou durante os séculos XIV e XV. O Concílio de Trento (séc. XIV10) sistematizou os usos da época, tornando obrigatório, para oscatólicos, o registro dos batismos e casamentos, obrigação esta estendida aos óbitos pelo costume.

Contudo, os assentamentos eclesiásticos possuíam alguns inconvenientes: eram restritos aos católicos, além de não haver uniformidade de procedimento entre os párocos. Os registros paroquiais, muitas vezes, não incluíam os nomes dos pais, mas sim os dos padrinhos; às vezes, faziam menção à data de batismo e não à de nascimento.

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Traz-se à colação novamente a figura de Padre Manoel:É verdade, disse o bom padre, que o registro do batismo, por exemplo, tinha lá suas deficiências para os fins civis, porque nele constava a data de celebração do sacramento e não a data do nascimento da criança, ali se mencionavam os nomes dos padrinhos e não os dos pais; do registro da morte constava, em alguns casos, somente a data do enterro mas não se aludia ao falecimento. Como quer que seja, essas enunciações, se atendiam primeiro a objetivos eclesiásticos, não deixaram de abrigar, ainda que indiretamente, interesses civis.

Os registros paroquiais, além dos fins eclesiásticos, passaram a abrigar paulatinamente interesses civis. Com o tempo, foi sendo padronizado o procedimento para o registro paroquial, atendendo também aos fins civis. Padre Manuel continua:

‘salvo engano, por meados do século XVI, em França – la fille aînée del’Eglise -, o regulamento de Villers-Cotterets determinou que os obituários mencionassem a data do falecimento, depositando-se os livros do registro eclesial em repartições do Estado’. E no século seguinte, em Saint-germain-em-Laye, ‘o poder público mandara que os párocos enviassem aos escrivães civis cópias dos assentamentos que fizessem’.

Após a Revolução Francesa, houve uma ruptura progressiva entre o Estado e aIgreja. O Código Napoleônico conferiu ao Registro Civil, mediante formas rígidas, força probante absoluta.

Essa passagem do Estado Confessional para o Estado Laico não ocorreu completamente em alguns países. Em Portugal, o registro paroquial (aquele chamado de registro do vigário) tem validade jurídica, com efeito restrito, estando também assegurada a validade dos casamentos religiosos inscritos posteriormente no registro civil.

Na Suécia, bem como nos demais países escandinavos, o casamento religioso existe paralelamente ao casamento civil, devendo este ser transcrito nos livros eclesiásticos.

Em certos estados norte-americanos, os nascimentos são comunicados às autoridades competentes pelos próprios médicos ou parteiras. Outra característica: os casamentos são celebrados, em alguns estados, pelos ministros religiosos ou pelos magistrados, neste último caso para nubentes que não professam nenhuma religião.

No Brasil, da época colonial até quase o final do período imperial, o registro eclesiástico efetuado pela Igreja Católica era revestido de todo valor probante, inexistindo o registro civil. Não havia o registro civil de nascimento, sendo suprido pelo assentamento de batismo16: o denominado registro paroquial ou registro eclesiástico.

A implantação do registro civil no Brasil, em substituição aos assentos paroquiais, foi um processo lento e difícil17. Em 18 de janeiro de 1852 foi expedido o primeiro regulamento, de nº. 798, determinando o registro civil de nascimento em substituição ao registro eclesiástico, referente à Lei nº 586, de 6 de setembro de 1850. A execução do referido regulamento foi, no entanto, suspensa por decreto de 29 de janeiro de 1852. O casamento de pessoas não católicas foi permitido em 1861 (Lei nº. 1.114, de 11 de setembro de 1861, e Regulamento nº. 3.069, de 17 de abril de 1863). A mesma legislação instituiu o registro civil de nascimento de pessoas acatólicas. O casamento de pessoas católicas continuou regulado pelas determinações do Concílio Tridentino e da Constituição do Arcebispado da Bahia (Decreto de 11/09/1564; Lei de 08/04/1869; Ordenações L. IV, T. 46, § 1º; Lei de 03/1/1857). Nessa época, já era permitido o casamento misto, de pessoas católicas com não católicas, segundo as regras do Direito Canônico.

A Lei nº. 1.829, de 9 de setembro de 1870, tratou do registro dos nascimentos, casamentos e óbitos, para acatólicos, tendo sido regulamentada pelo Decreto nº. 5604, de 25 e abril de 1874. Os nascimentos e óbitos ocorridos em viagens marítimas foram também regidos pelo Decreto nº. 5604/1874. Esses serviços foram colocados sob a competência dos escrivães de

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paz, sob a imediata direção e inspeção dos respectivos juízes, desde a Lei nº. 1.144, de 11/09/1861. Daí a antiga designação de Cartórios de Paz.

Finalmente, pouco antes da Proclamação da República22, o Decreto nº. 9.886, de 7 de março de 1888, instituiu os registros de nascimento, de casamento e de óbito, exclusivamente civis, tendo sido marcado o início do serviço para o dia 1º de janeiro de 1889, pelo Decreto 10.044, de 22 de setembro de 1888. O Decreto-Lei nº. 1.116, de 24 de fevereiro de 1939, facultou aos nascidos anteriormente à obrigatoriedade do registro civil (01/01/1889) requererem a inscrição do seu nascimento, se ocorrido após 01/01/1879.

Os nascimentos de pessoas católicas, ocorridos antes de primeiro de janeiro de 1889, provar-se-iam pelas certidões de batismo (batistérios24), extraídas dos registros eclesiásticos, e os nascimentos de acatólicos, após 1861, por meio das certidões expedidas pelos escrivães de paz (Constituição do Acerbispado da Bahia; Decreto nº.13/1832; Decreto nº. 18/1838; Lei nº. Lei nº 1.144/1861; Decreto nº. 10.044/1888).

Os óbitos, ocorridos antes de 1º de janeiro de 1889, seriam provados pelas certidões extraídas dos livros dos cemitérios e dos hospitais de misericórdia e mediante as certidões expedidas pela Igreja Católica e pelos escrivães de paz (art. 24 do Decreto nº. 706/1851; art. 64 do Decreto nº. 1557/1855; Lei nº. 1.114/1861; Decreto nº. 13/1832; Decreto nº. 18/ 1838).

O Decreto nº. 181 de 1890 tratou do casamento civil, que passou a ser o único reconhecido oficialmente25, não mais se admitindo o registro do casamento religioso com efeitos civis. A Constituição Federal de 16 de julho de 1934 restabeleceu a eficácia do casamento religioso, sem prejuízo do casamento civil.

O Código Civil de 1916 manteve a cargo do Estado, por meio dos Cartórios e não da Igreja, a inscrição de nascimentos, casamentos e óbitos27. Os registros públicos foram disciplinados pela Lei nº. 4.827, de 07 de março de 1924, que unificou os registros públicos civis28, sendo alterada pelo Decreto nº. 4.847, de 9 de novembro de 1939. Atualmente vigora a Lei nº. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, conhecida como Lei dos Registros Públicos.

A estrutura do registro civil de nascimento não sofreu grandes alterações desde o Código Civil de 191629. Apenas a natureza jurídica dos encarregados do registro oscilou: ora funcionários públicos, que recebiam salários pelos cofres públicos; ora particulares em colaboração com o Poder Público, que recebiam emolumentos diretamente dos usuários do serviço. A natureza jurídica dos serviços registrais e notariais foi fixada pela Constituição Federal de 1988 de maneira expressa. Os serviços registrais e notariais são exercidos com característicos típicos de função pública, em caráter privado, por delegação do Poder Público:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.§ 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.§ 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e deregistro.§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

A Lei nº. 8.935, de 18 de novembro de 1994, conhecida como Lei dos Notários e Registradores, regulamentou o § 1º do art. 236 da Constituição Federal, estabelecendo regras para os concursos públicos correspondentes. O Código Civil de 2002 não introduziu modificações nas atribuições dos registradores civis das pessoas naturais31. A natureza de tais serviços, conforme será visto, também permaneceu a mesma.

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Dissertação a ser submetida à banca de examinadores, como exigência final do Curso de Pós-Graduação – Mestrado em Direito da Faculdade de Direito de Campos.Orientadora: Dra. Gisele Cittadinodisponível em www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/.../JaderLucioLimaPessoa.pdf

ANEXO 2

QUADRO DE GERAÇÕES

Nome completo naturalidade nacionalidade profissão Data de nascimento

aluno

pai

mãe

Avô materno

Avó materna

Avô paterno

Avó paterna

Bisavô paterno

Bisavô paterno

Bisavó paterna

Bisavó paterna

Bisavô materno

Bisavô materno

Bisavó materna

Bisavó materna

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ANEXO 3

ENTREVISTA COM O ALUNO

1. Nome: _______________________________________________ série: ____________

2 Idade: ___________ Data de nascimento: ______________ Local: __________________

3 Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

4 Qual a sua descendência? ________________________________________________

5 Local da cidade onde mora: _________________________________________________

6 Quais são as suas ocupações, ofícios/trabalho, estudo?

_________________________________________________________________________

7. Quais são os seus momentos de lazer (festas, passeios brincadeira) preferidos?

__________________________________________________________________________

8. Quais festas ou comemorações da cidade são importantes e freqüentados por você?

__________________________________________________________________________

9. Quais suas atividades religiosas ou igrejas que você freqüenta? ( se não freqüenta anotar

também)

__________________________________________________________________________

10. Qual o espaço antigo (prédio, praça, comércio, etc) que melhor representa ou simboliza a cidade

de Pitangueiras?

__________________________________________________________________________

11. Qual espaço moderno (atual) que melhor representa ou simboliza a cidade de Pitangueiras?

_________________________________________________________________________

12. Qual a paisagem ou vista antiga mais marcante da cidade de Pitangueiras?

__________________________________________________________________________

13. Qual a paisagem (ou vista) atual mais marcante da cidade de Pitangueiras?

__________________________________________________________________________

14. Quais os acontecimentos mais lembrados na história da cidade?

__________________________________________________________________________

15. Você ou alguém de sua família participou dos acontecimentos lembrados? De que maneira?

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__________________________________________________________________________

ANEXO 4

ENTREVISTA COM OS MAIS VELHOS DA FAMÍLIA: AVÔ, AVÓ, MÃE, PAI, TIOS (AO MENOS COM DOIS)

Nome(s):__________________________________________________________________

__________________________________________________________________________

Idade(s): __________________________________________________________________________

Ocupação(s):_______________________________________________________________

Parentesco(s): ______________________________________________________________________

Grau de instrução___________________________________________________________

1. Onde sua família morava antes de mudar para Pitangueiras?

__________________________________________________________________________

2. Por que motivo sua família se mudou para Pitangueiras? Em que época isso aconteceu?

__________________________________________________________________________

3. Na chegada como era a cidade e o local onde sua família passou a morar?

_________________________________________________________________________

4. Quais eram as ocupações, ofícios/trabalho, dos principais membros de sua família quando chegaram na cidade de

Pitangueiras? E hoje?

__________________________________________________________________________

5. Como eram os momentos de lazer (festas, passeios brincadeira) antigamente?

- das crianças? ________________________________________________________

- dos adultos? _________________________________________________________

6. Como são os momentos de lazer hoje?

- das crianças? _______________________________________________________

- dos adultos? _________________________________________________________

7. Quais festas ou comemorações da cidade são importantes e freqüentados por sua família?

- antigamente: ________________________________________________________

- hoje: _______________________________________________________________

8. Quais atividades religiosas ou igrejas sua família tem relação?

- antigamente: _________________________________________________________

- hoje: _______________________________________________________________

9. Qual o espaço antigo (prédio, praça, comércio, etc) que melhor representa ou simboliza a cidade de Pitangueiras?

__________________________________________________________________________

10. Qual espaço moderno (atual) que melhor representa ou simboliza a cidade de Pitangueiras?

______________________________________________________________

11. Qual a paisagem ou vista antiga mais marcante da cidade de Pitangueiras?

__________________________________________________________________________

12. Qual a paisagem (ou vista) atual mais marcante da cidade de Pitangueiras?

__________________________________________________________________________

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13. Quais os acontecimentos mais lembrados na história da cidade?

- antigamente: ________________________________________________________

- hoje: ______________________________________________________________

14. Você ou alguém de sua família participou dos acontecimentos lembrados? De que maneira?

__________________________________________________________________

ANEXO 5

A memória oralno mundo contemporâneoFERNANDO FROCHTENGARTEN

TEMOS ASSISTIDO a um movimento de valorização do recurso à memória oral no

campo das ciências humanas. Entre psicólogos sociais, antropólogos e historiadores, cada vez mais assídua tem sido a prática do recolhimento de lembranças por meio de depoimentos. Os quadros de tal modo produzidos alimentam de conteúdos o interesse dos pesquisadores, não sem suscitar o debate em torno do conhecimento engendrado pela narração.

Recentemente escreveu Ecléa Bosi (2003, p. 16): “O movimento de recuperação da memória nas ciências humanas será moda acadêmica ou tem origem mais profunda como a necessidade de enraizamento? Do vínculo com o passado se extrai a força para formação de identidade”. Alinhado ao pensamento da psicóloga social para quem a tendência acadêmica traduz uma demanda do homem contemporâneo, este artigo tem a intenção de investigar as condições psicossociais que levam à derrocada da memória e aquelas que, em contrapartida, reclamam sua valorização.

* * *A concepção da memória como produto de uma atividade meramente subjetiva foi

superada pelo pensamento de Maurice Halbwachs (1956), para quem as lembranças são frutos de uma atividade de reconstrução do vivido. Esse trabalho da memória conta com o suporte de imagens e idéias, valores e afetos vinculados a grupos sociais junto aos quais o memorialista experimenta algum sentimento de pertença. Se há ocasiões em que a aprovação social assenta as lembranças sobre a operação de ideologias e estereótipos (Bosi, 2003, pp. 113-126), há momentos outros em que os apoios comunitários são articulados de modo original pela memória individual, desde então participando de um ponto de vistaparticular sobre o passado.

O sentimento de pertença a um grupo não pressupõe a presença atual de seus membros. Suas influências podem permanecer vivas, orientando o olhar do memorialista sobre o passado. Ainda assim, o apoio coletivo à memória é mais vigoroso quando envolve a presença sensível de antigos companheiros e suas marcas no entorno. A materialidade como que incrementa a presença do grupo em pensamento. A convivência entre antigos

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companheiros nutre a comunicação entre visões de mundo que se limitam, se conformam e se interpenetram. O passado permanece então em contínua reconstrução pela memória coletiva.

Enfatizando o caráter coletivo da memória, diríamos que seu suporte social é doado por grupos pregressos e atuais, especialmente em condições promotoras de uma participação enraizada dos homens no meio coletivo. São circunstâncias em que o passado de um homem pode mais vigorosamente ser vivido como o passado do grupo.

* * *A recente incorporação dos termos “enraizamento” e “desenraizamento” pela

linguagem cotidiana do senso comum pode fazer pressupor alguma convicção quanto ao sentido de seu emprego. É preciso, entretanto, esclarecer o conceito assim concebido por Simone Weil (1943a, p. 411):

O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida daalma humana. É uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz

por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade queconserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro.

O enraizamento pressupõe a participação de um homem entre outros, em condições bastante determinadas. O homem enraizado participa de grupos que conservam heranças do passado. Podem ser transmitidas pelas palavras dos mais velhos: um ensinamento, uma sugestão prática ou uma norma. Podem ser recebidas como bens materiais: a paisagem de uma cidade, a terra revolvida pelos ancestrais, a casa por eles habitada ou objetos que revivem feitos de antigas gerações. Em outros termos, diríamos que a participação social do homem enraizado está assentada em meios onde recebe os princípios da vida moral, intelectual e espiritual que irão informar sua existência. Participação que pode vir do nascimento, da casa, da vizinhança, do trabalho, da cidade.

É preciso esclarecer que a comunicação enraizada com o passado não se confunde com uma atitude meramente contemplativa. Tampouco assume uma orientação reacionária. Onde os homens espraiam raízes, as lutas e construções dos antepassados, suas idéias e tradições, alicerçam realizações que, por sua vez, poderão revesti-las com novos significados. Esclarece Simone Weil (1943, p. 418) que este vínculo com o pregresso não coincide com sua importação passiva:

Seria vão voltar as costas ao passado para só pensar no futuro. É uma ilusãoperigosa acreditar que haja aí uma possibilidade. A oposição entre o futuro e o

passado é absurda. O futuro não nos traz nada, não nos dá nada; nós é que,para construí-lo, devemos dar-lhe tudo, dar-lhe nossa própria vida. Mas para

dar é preciso ter, e não temos outra vida, outra seiva a não ser os tesourosherdados do passado e digeridos, assimilados, recriados por nós. De todas as

necessidades da alma humana não há outra mais vital que o passado.

Um passado elaborado não se reduz à idolatria irrefletida que apenas apoiaria projeções de um futuro utópico (Bosi, 1987, p. 18). Simone Weil faz referência a um passado que serve como inspiração para iniciativas.

“Iniciar” e “começar” são palavras cujas origens remetem a archein, termo grego equivalente ao latino agere que, por sua vez, significa “imprimir mento a alguma coisa”. Uma ação, nesta medida, corresponde ao início de algo inédito e singular, em que um homem se revela aos outros não sob a mediação da matéria, mas por meio de atos e palavras (Arendt, 1997, pp. 188-193). Meios promotores de enraizamento garantem esta condição política aos seres humanos: preservam as condições de igualdade que asseguram aos homens o livre exercício da palavra e que conservam aberturas para novas fundações.

O enraizamento não pressupõe o isolamento do espaço geográfico ou da produção cultural de uma coletividade. No sentido proposto por Simone Weil, a multiplicação de contatos (1943, p. 419) e a troca de influências (1943a, p. 419) podem alimentar revelações de

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parte a parte e estimular a originalidade de seus partícipes. É por meio da aparição diante do outro que os homens desenham sua identidade pessoal. Tal pluralidade é condição para a ação e para o discurso: funda e alimenta o corpo político.

A noção antagonista de desenraizamento surge, na obra de Simone Weil, a partir de sua experiência como operária em linhas de montagem de indústrias francesas, na década de 1930. Seus diários revelam formas pelas quais a substituição do trabalho manual pela técnica industrial impôs um distanciamento entre os trabalhadores. A interdição das relações intersubjetivas decorria do exílio de cada operário em um fragmento da produção, orientada que estava segundo um modelo fordista. Naquele cotidiano fabril restava, a cada trabalhador, a subordinação ao ritmo e à força das máquinas e a repetição de movimentos incompatíveis com o pensamento. Um afastamento de si mesmo acompanhava o isolamento relativo aos companheiros de trabalho. Para além da alienação sobre o produto final, primeiro apontada por Marx, a fábrica obliterava a comunicação com princípios e valores transmitidos pela vida familiar e escolar, sem acolhimento em meio ao barulho dos metais.

Ainda sobre o desenraizamento, José Moura Gonçalves Filho (1998, pp.11-67) afirma tratar-se de uma doença da cultura. Esclarece que ele comporta um impedimento político: prejudica a reunião entre os homens, sua comunicação com o passado e seu campo de iniciativas. São condições que desfazem o laço de comunicabilidade entre as experiências vividas. Prevalece uma modalidade de vivências marcadas pelo isolamento, em que as lembranças se limitam ao âmbito de uma história pessoal, mais se aproximando de atos visionários.

No mesmo decênio em que Simone Weil dirigia seu olhar à experiência operária, a vigência da produção industrial, especialmente seus abalos sobre a narração, ocupava o pensamento de Walter Benjamin (1936). Para o historiador, a ruptura do sistema corporativo medieval e a ascensão da burguesia européia desfizeram as condições favoráveis à aproximação entre o narrador e seus ouvintes. O sistema artesanal propiciava as condições para o encontro entre experiências de longa data do mestre sedentário e as vivências de aprendizes migrantes, oriundos de distantes paragens. O sistema fabril rompe com o que sejam as experiências de vida do trabalhador e acaba por dissipar o vínculo entre a identidade de cada homem e sua origem. Onde cada qual conta por sua função produtiva sucumbe a memória, musa da narração.

Os escritos de Simone Weil e Walter Benjamin estão fundados sobre a crise cultural disparada pela modernidade e seus desdobramentos sobre o campo intersubjetivo. A contemporaneidade entre a formulação do conceito de desenraizamento e as reflexões sobre o decaimento da narração não é casual. As circunstâncias que ameaçam as raízes da participação dos homens na vida comunitária igualmente ferem as modalidades de relacionamento apoiadas sobre a narração. São condições que prejudicam a memória social.

* * *A atual valorização da memória oral ganhou impulso a partir de acontecimentos

sucessivos aos anos vividos por Walter Benjamin e Simone Weil e que, experiências de desenraizamento por excelência, vieram a exasperar alguns dos fenômenos por ambos apontados. A Shoah e a bomba nuclear, justamente eventos que ameaçaram suas vítimas de apagamento e esquecimento, transformaram o testemunho sobre o passado em uma modalidade decisiva de relacionamento dos homens com os acontecimentos (Felman, 2000, p. 18). Na esteira desses eventos, elementos da realidade contemporânea vieram a imprimir uma lógica da descontinuidade sobre a experiência humana. Vivências de ruptura são marcas de um tempo em que os imperativos econômicos passaram a mediar mesmo as relações interpessoais, em que a globalização emergiu como ameaça às tradições, em que o cotidiano se acelerou de forma inaudita e em que a identidade dos homens mais estreitamente vinculou-se a suas façanhas pessoais.

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Entre os problemas brasileiros que tornam o desenraizamento um tema relevante, o movimento migratório para as metrópoles é das mais graves situações. A mentalidade e as habilidades que o migrante ousa carregar ameaçam perder-se no lugar em que aporta. Personagem urbano, mergulha em um mundo onde vigoram relações de subordinação vinculadas ao trabalho e à ameaça do desemprego. Freqüentemente, a migração representa um choque com a cultura letrada, cuja prevalência cala a oralidade essencial à cultura popular. No espaço urbano, mas igualmente para além dele, sua tradição é atrofiada pela indústria cultural.

A urbanização tradicional, acidentada e orientada pelo capital, não raramente faz minguar a intimidade entre a vida compartilhada por um grupo de pessoas e a geografia do lugar (Frochtengarten, 2004). É o caso de paisagens das grandes cidades que vêm sendo subitamente rasgadas por grandes obras. Outras vezes são os empreendimentos do setor elétrico que represam rios e obrigam populações inteiras ao deslocamento. São circunstâncias que espoliam lembranças porque diluem os apoios da memória espacial.

Nos recônditos que permanecem distantes das cidades, são os avanços da monocultura e a mecanização da lavoura que ameaçam o pequeno agricultor. O saber herdado de safras pregressas não germina na paisagem corrompida, nosolo compactado, impermeabilizado e irrigado por águas poluídas.

Nas regiões produtoras de carvão, sisal ou babaçu, o trabalho freqüentemente deixa de ser extensão do brinquedo, da escola e da convivência com o ofício dos pais. Converte-se em choque sobre os corpos de meninos e meninas relegados à mão-de-obra infantil. É o que ocorre em extensos laranjais do nordeste brasileiro. Os corpos franzinos são priorizados pelo empregador, já que poupam mesmo os mais delgados galhos das árvores. Aos poucos, o ácido cítrico apaga suas impressões digitais, roubando-lhes a identidade infantil.

Há casos em que as raízes dos homens são ameaçadas pela transformação de uma região em área de proteção ambiental. Não raramente, a desapropriação de terras desaloja gente cuja vida por longa data esteve embrenhada na paisagem e impede a manutenção de atividades extrativistas tradicionais. São casos em que, geralmente, as alternativas oferecidas à população pressupõem uma equivalência entre o espaço outrora habitado e a propriedade de um novo pedaço de terra. Planos de manejo ocupados com estas regiões mais deveriam considerar o plano simbólico das relações entre o bicho-homem e seu ambiente.

Este elenco de situações não comporta qualquer pretensão de esgotar os fenômenos brasileiros que, nos dias de hoje, ameaçam tornar perecíveis as relações entre os homens e o mundo comunitário. Antes, pretende lançar alguma luz sobre realidades nas quais a narrativa e a escuta sobre o passado emergem como atos de resistência. As raízes dos homens não se deixam arrancar impunemente.Às vezes, o feitiço vira contra o feitiçeiro: é o palhaço Piolim quem ri das momices dos netinhos.

* * *Ao menos duas dimensões devem ser valorizadas em uma psicologia da resistência dedicada à memória. A narrativa carrega um sentido político nos termos propostos por Arendt (2002, pp. 91-115) e esclarecidos por Gonçalves Filho (2003, pp. 211-212). Entre os antigos gregos, Sócrates considerava uma opinião (doxa) como a formulação, em fala, da maneira como o mundo se parece para cada homem (dokei moi). Se todos compartilhamos a vivência de um mundo “comum”, este fato não reside na equivalência de nossas opiniões, mas no fato de que o mundo se abre a tantas opiniões quanto somos os homens. No sentido socrático, a verdade sobre o mundo não reclama a superação da diversidade de opiniões, mas resulta de um diálogo em que a opinião de cada homem pode ser compreendida pelo outro. Desde então, a medida de objetividade (utilizando o termo da filosofia moderna) vem por meio de uma prática intersubjetiva: o que é tomado por verdade abrange um ponto de vista que se deixa

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atravessar por outros, seus encontros e desencontros, acordos e conflitos, a superação de um olhar particularpor outro que comporta o ponto de vista de outros homens1. O passado narrado carrega uma opinião: uma lembrança é uma perspectiva sobre o vivido. Por meio dela o memorialista aparece aos demais. A arte de narrar envolve a coordenação da alma, da voz, do olhar e das mãos. É como que uma performance em que a palavra, associada à ação, permite ao homem mostrar quem ele é. Porque representa uma forma de participação dos homens no domínio político, a memória oral levanta-se contra o isolamento humano. Quando habita o campo compartilhado por narrador e ouvinte, o passado de um homem ingressa no regime de inteligibilidade de outros homens, aproxima-se do passado do grupo. Com Ecléa Bosi (1995, pp. 413-414), diríamos que se converte em realidade social. Entre os antigos atenienses, apenas aos heróis era permitido recolher as migalhas que caíam ao solo durante as refeições. Explica Benjamin (s.d., p. 26) que a interdição do ato a outros homens consistia em uma experiência ética, já que as migalhas conferem proveito ao solo e às gerações vindouras. O narrador carrega uma disposição heróica para juntar os fragmentos da vida transcorrida. Inversamente ao herói grego, no entanto, é por meio deste recolhimento quedoa sua experiência no mundo a seus herdeiros. Em nossos dias, o pretenso conhecimento sobre a realidade tem se desenvolvido em meios restritos e impregnado por ideologias que orientam sua veiculação aos meios considerados não cultivados. A memória oral resiste a essesaber que mais se aproxima da verdade por necessidade. O direito à narração alarga o debate sobre o vivido e conserva um mundo acolhedor de olhares geralmente impedidos de ascender à condição política. Assim considerando, transforma-se o caráter do que podemos tomar por conhecimento sobre o passado. O que supomos como verdade não mais abrange uma conclusão definitiva e universal como requisito de sua validade. Antes, o pregresso permanece aberto e provisório, sujeito à experiência de morada na perspectiva de outro amigo.* * *Em um tempo em que se esgarçam os tecidos que vascularizam a participação dos homens no mundo social, uma interrupção ameaça fraturar suas biografias. As instituições formadoras do sujeito não mais encontram ressonância na vida social. Convertidas em imposturas, deixam de informar o porvir e o que produzem é o mal-estar de uma existência desperdiçada. A ruptura biográfica é a dimensão psicológica do desenraizamento social.Frente ao trauma de uma ruptura biográfica, a significação da vida parece precipitar-se no ponto de sua erosão, gerando algo como um esvaziamento identitário. As rachaduras então geradas dispersam sobre o passado e o futuro de suas vítimas. Nesta medida, a significação de uma experiência de desenraizamento dificilmente pode ser alcançada por uma atenção ao intervalo de sua duração cronológica. Sua compreensão requer um olhar alargado, retrospectivo e perspectivo. Solicita um abraço sobre os prejuízos gerados sobre a comunicação com o passado que, desde então, insiste em aparecer à consciência como indício dos desdobramentos que estariam por vir. Escreve Walter Benjamin (1936, p. 213): “um homem que morre aos trinta e cinco anos aparecerá sempre, na rememoração, em cada momento de sua vida, como um homem que morre aos trinta e cinco anos”. Igualmente, a significação de uma experiência de desenraizamento carece de relacionamento com os prejuízos gerados sobre o futuro, com o que pode sucumbir e permanecer como apoio a novas fundações. Em uma realidade assombrada por vivências de rupturas biográficas, a narração de memórias de vida propicia um trabalho de elaboração psíquica no qual reside outra razão para a ascensão da memória oral2. Quando conta sua biografia, o memorialista não tem a oferecer um discurso completo e definitivo sobre o vivido. Uma narração é uma prática da linguagem em processo e que se renova a cada experiência de recordar, pensar e contar. O passado

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lembrado não é linear. A narração avança e recua sobre a linha do tempo, como que transbordando a finitude espaço-temporal que é própria dos acontecimentos vividos (Benjamin, 1929, p. 37). As lembranças abrem as portas para o que veio antes e depois. Uma recordação chama outra, compondo uma teia de rememorações mais ou menos singular, cuja textura se alinhava pelamaneira como cada memorialista recolhe e amarra as imagens pregressas e busca sua significação.A narração doa um tempo e um lugar, uma seqüência e uma causalidade às reminiscências. A ela atribui um início e um final; um antes, um durante e um depois (Laub, 1992, p. 69). Contar o passado envolve alguma organização das idéias, a nomeação das vivências e sua integração a outras representações. A memória integra o trabalho de elaboração psíquica. É pela reconstrução do ponto de fricção de sua experiência no mundo, por sua recorrente inscrição na subjetividade, que o sujeito poderá caminhar, mais ou menos bem sucedido, para a liberação de novas significações ao vivido (Frochtengarten, 2004a). Dispersos os antigos companheiros e desfeitas as paisagens, é por meio de uma escuta que o narrador encontra apoio para convocar o passado ao presente. Quando entrega suas vivências a um ouvinte, de algum modo libertando-se do fardo solitário do testemunho, um homem pode ouvir a si próprio e suturar suas reminiscências ao momento atual. A resistência da memória oral assenta sobre a necessidade de atribuir algum sentido de permanência à existência dos homens no mundo.* * *A aproximação entre o narrador e seu ouvinte é obra de um tempo transcorrido. Sua reunião é cimentada pela vitalidade do passado. Em sentido inverso, este encontro apóia a comunicação com o pregresso e a reconstrução do vivido. Sua reunião confere vitalidade ao passado. Concluindo, diríamos que o campo compartilhado pelo narrador e seu ouvinte propicia um ingresso no campo político, uma abertura ao engajamento do passado no presente e alguma elaboração de vivências que exigem respostas mentais. A memória oral é condição promotora de enraizamento. Narrar o passado deveria ser um direito estendido a todos os homens. Aqueles que partem sem ter o heroísmo de sua biografia reconhecido por um ouvinte deixam a impressão de ter morrido duas vezes. Uma vida é vivida quando narrada.

Notas1 Segundo a tradição socrática, a arte da persuasão era a forma especificamente política de falar. O julgamento e a condenação de Sócrates, que foi incapaz de persuadir seus juízes, fez com que Platão duvidasse da validade da persuasão. Este desencanto para com a opinião (doxa) socrática orientaria os escritos platônicos na busca de padrões absolutos para o conhecimento. Diversamente do caráter político-filosófico do pensamento socrático, a verdade platônica é o oposto da opinião. Com Platão abre-se um abismo entre a filosofia e a política. 2 A narração de memórias de vida à qual faz referência este artigo é orientada por uma metodologia de entrevistas com roteiro, cuja sistematização é devida a Ecléa Bosi e José Moura Gonçalves Filho. Uma entrevista com roteiro não pressupõe um questionário fechado, que imponha ao memorialista os interesses do ouvinte-pesquisador. Tampouco dispensa perguntas previamente elaboradas, o que arriscaria precipitar a narrativa em abstrações, estereotipias e associações pouco exigentes à memória e ao enfrentamento dos fenômenos. Uma entrevista com roteiro pretende estimular a comunicação do memorialista com vivências concretas e uma narrativa pessoal, em que não seja obstruído o fluxo de sua elaboração. Nesta medida, as questões devem exigir um relacionamento com a alteridade da experiência narrada e o enlace de lembrança e pensamento em uma mesma tarefa (Frochtengarten, 2004).

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