Aventuras Fantásticas - Uma Introdução Aos Role Playing Games - Taverna Do Elfo e Do Arcanios
DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009...Sonia Rodrigues Mota defendeu a primeira tese de doutorado, em...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
RPG (Role-Playing Game) & LITERATURA:O jogo lúdico da leitura e da escrita
Márcia Juraci Ferreira1 Naira de Almeida Nascimento2
RESUMO
Existe um descompasso entre o discurso pedagógico e o discurso literário no processo de escolarização. Por força da lei, a literatura se tornou “obrigatória” e inserida nos currículos escolares. No entanto, cabe à escola redimensionar e redefinir suas práticas, no sentido de transformar a leitura numa “prática desejante”. Diante disso, este artigo pretende relatar experiências de práticas de leitura e escrita a partir de sessões de RPG (Role-Playing Game), vivenciadas na Oficina: RPG & Literatura e nos encontros do Grupo de Apoio à Implementação do Projeto PDE na Escola, bem como nas discussões no GTR-Grupo de Trabalho em Rede. Este projeto como parte integrante do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná) apresenta as atividades de implementação na escola realizadas no segundo semestre de 2010. Por suas características discursivas, lúdicas, de socialização e cooperação, buscou-se verificar se a prática do RPG constitui uma ferramenta lúdico-pedagógica de alto potencial educativo, que mobiliza a fruição do texto literário e a sua produção criativa. Como resultado, ressalta-se que o projeto revitalizou a parceria literatura-escola-leitura ao apresentar uma proposta, na qual o RPG pôde, sim, ser uma interface pedagógica que além de funcionar como fator de motivação para a leitura, envolvendo o leitor-jogador no jogo da ficção, contribuiu para a produção de narrativas interativas.
Palavras-Chave: Literatura; Role-Playing Game; Narrativas Interativas; Leitura; Escrita.
ABSTRAT
There is a mismatch between the pedagogical discourse and literary discourse in the schooling process. Under the law, literature became "mandatory" and included in school curricula. However, it is the school resize and redefine their practices in order to transform the reading into a "practice desiring. " Thus, this article aims to report experiences of practical reading and writing from sessions RPG (Role-Playing Game), lived at the Workshop: RPG & Literature and in the meetings of the Group of Support to Project Implementation PDE School and As the discussions at the GTR-Working Group Network. This project as part of the EDP (Educational Development
Program of Paraná State) presents the implementation activities at the school held in the second half of 2010. By its discursive features, recreational, socialization and cooperation, we sought to determine whether the practice is an RPG tool playful-educational high educational potential, which mobilizes the enjoyment of literary texts and their creative output. As a result, it is emphasized that the project has revitalized the partnership literature-school-reading by presenting a proposal in which the RPG could indeed be a pedagogical interface that also functions as a motivator for reading, involving the reader-player in the game of fiction, contributed to the production of interactive narratives.
Keywords: Literature; Role-Playing Game; Interactive Storytelling; Reading; Writing.
1
1 INTRODUÇÃO
“A essência do brincar não é um “fazer como se”, mas um “fazer sempre de novo”, transformação da experiência (...)” (Walter Benjamin).
“A aprendizagem, como a vida, não é um jogo. As formas de aprender e de viver é que são”(Lino Macedo).
As histórias interativas conhecidas como Role-Playing Games (RPG),
também chamadas “jogo de interpretação ou representação de papéis”, constitui,
desde 1990, uma nova ferramenta lúdico-pedagógico em diversas escolas
brasileiras. Durante uma sessão de RPG os participantes/ jogadores criam e
interpretam uma personagem. O Mestre do jogo propõe uma aventura ou uma
missão para o grupo de personagens, num mundo imaginário ou ambiente descrito
por ele, segundo regras específicas. Mais do que um jogo, o RPG é uma construção
coletiva: um modo participativo e lúdico de criar, contar e escrever narrativas
interativas. Sonia Rodrigues (2004) define RPG como um “jogo de produzir ficção”,
afirmando que as regras do jogo são as mesmas de construção da narrativa. Para
Klimick (2007), o termo “jogo” não se refere à disputa, mas à interação, ao próprio
ato de representar uma personagem. Isso quer dizer que os jogadores cooperaram
entre si em vez de competir. O objetivo do jogo, portanto, não é vencer, mas contar
uma história.
1 Professora PDE-2009 da rede pública do Paraná, Graduada em Letras pelas UFPR e Pós-Graduada pela PUC-PR em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. E-mail: [email protected]
2 Professora Adjunta da UTFPR, Graduada em Letras pela UFRJ, Mestrado e Doutorado em Estudos Literários pela UFPR. E-mail: [email protected]
Entendendo o ensino como um processo de estimular e dirigir a
aprendizagem, torna-se necessário trabalhar o aluno como uma pessoa inteira, com
sua afetividade, suas percepções, sua expressão, seus sentidos e sua criatividade.
Para que a escola possa cumprir com o que foi exposto acima, foi desenvolvido um
Projeto de Intervenção Pedagógica para o PDE (Programa de Desenvolvimento
Educacional), intitulado RPG (Role-Playing Game): Por uma oficina lúdica do texto
literário, no qual buscou-se construir um contexto interativo e colaborativo de ensino-
aprendizagem, sendo sua implementação na Oficina: RPG & Literatura. Esta oficina
foi organizada por módulos e, nas diferentes situações de aprendizagens propostas
em cada um, o aluno aprendeu a estabelecer diálogos e relações com o texto
literário e a dinâmica do RPG. Destaca-se que o objetivo da oficina foi propiciar um
espaço ao “ofício”, onde o aluno pôde ampliar seus referenciais de mundo,
assumindo uma postura ativa, interagindo com seus pares, desenvolvendo
atividades práticas e trabalhando, simultaneamente, com diferentes linguagens
(escrita, sonora, dramática, plástica, corporal).
Ressalta-se que, no contexto escolar, o poder de sedução da leitura
literária, que poderia contribuir para formação de leitores, esvazia-se pelas
distorções metodológicas e decreta um futuro de não-leitores. A escolarização do
texto literário tende a priorizar o didático em detrimento ao lúdico, transformando a
leitura em um trabalho pedagógico. Diante disso, este projeto foi um Chamado à
Aventura, no sentido de verificar as potencialidades do RPG (Role-Playing Game)
como uma ferramenta lúdico-pedagógica, favorecendo a fruição do texto literário e a
sua produção criativa. A dialogicidade entre o jogo lúdico RPG e literatura
possibilitou a produção coletiva de narrativas interativas.
Se a melhor maneira de “brincar” é brincando, a melhor maneira de
aprender a “narrar” uma história é narrando. Uma aventura de RPG não é uma
narrativa comum. A ambientação, a história e o sistema de regras são os seus
componentes principais. Na verdade, são regras que caracterizam o RPG como um
jogo, sendo estas usadas para resolução das ações das personagens.
A dinâmica do jogo consiste na descrição de fatos e cenários, e na
aplicação de determinadas regras para dar consistência às ações declaradas pelos
jogadores-personagens (PJ). Dentro de um contexto pedagógico, esta oficina
propôs uma dinâmica especial, na qual o aluno assumiu um papel ativo, realizando
atividades práticas em grupo, uma vez que foi preciso levá-lo a ensaiar,
experimentar, descobrir, criar, recriar e interagir com os demais colegas.
1.1 RPG: O estado da arte
Nos anos 90, o jogo de RPG foi tema de diversas discussões
acadêmicas, dando origem a teses e monografias. Pioneira nos estudos sobre RPG,
Sonia Rodrigues Mota defendeu a primeira tese de doutorado, em 1997 na PUC-RJ,
sobre Role-Playing Game e a Pedagogia da Imaginação no Brasil. Para Rodrigues
(2004, p. 23) “o RPG enquanto jogo de produzir ficção, possui seus antepassados
no terreno da narrativa, no mito, na epopéia, nas lendas e no conto maravilhoso”. No
II Simpósio de RPG & Educação, 2004, a autora apresentou o seu projeto Autoria,
um sistema de regras que fogem do formato norte-americano de produção de
narrativas interativas, visando à espontaneidade e a tradição oral. A sua conclusão
foi de que o RPG contribui para a construção espontânea da oralidade e da escrita,
respeitando o universo lúdico do educando e fornecendo ao educador uma nova
ferramenta pedagógica. Outro trabalho que merece destaque é A aventura da leitura
e da escrita entre mestres de Role-Playing Game (1999), de Andrea Pavão. Em sua
tese a autora verificou que entre os jogadores forma-se uma “comunidade de
leitores”, uma vez que os jogadores compartilham livros e leituras (PAVÃO, 2000,
p.197).
Carlos Eduardo Klimick, tendo como base referencial os livros-jogos,
utilizou as teorias vygotskianas para investigar o uso do RPG como auxiliar no
aprendizado linguístico e cultural dos surdos. Na sua pesquisa Klimick empregou o
método das TNT (Técnicas para Narrativas Interativas) sistematizando-as a partir
das experiências de aplicação do RPG como ferramenta didática. Em 2008, o
mesmo autor defendeu a tese de doutorado Uma ponte pela escrita: A narratividade
do RPG como estímulo à escrita e à leitura. Já destacando a importância da
construção das regras e a necessidade de adequar, os métodos de jogos ao
contexto escolar, Thomas Massao Fairchild apresentou em 2004, O discurso da
escolarização do RPG. Nesta mesma linha, Rafael Carneiro Vasques, em 2006,
defende a tese de mestrado As potencialidades do RPG na Educação. O aspecto
motivacional do RPG foi analisado por Ricardo Ribeiro Amaral, da UFRPE, em 2008.
Sua análise visava contribuir para o uso pedagógico do RPG para um ensino
interdisciplinar de Física, integrando-o ao ensino de Matemática, História e Ética.
No início dos anos 80, o RPG foi oficialmente trazido para o Brasil, por
meio da Devir Livraria que importava os materiais. Em 1984, a Editora Marques
Saraiva lança a série Livros-Jogos Aventuras Fantásticas. São livros diferentes:
interativos. O leitor não pode interferir na história e mudar seu destino, uma vez que
as ações estão pré-definidas; entretanto, ele tem a liberdade escolher que caminho
seguir. Uma verdadeira aventura-solo só depende da inteligência, esperteza e sorte
do próprio leitor-herói. Dois dados, um lápis e uma borracha são tudo do que o
jogador precisa para a sua aventura.
1.2 RPG como ferramenta educacional
Nos anos 90, além das publicações, os jogadores se reuniam nas lojas
especializadas para jogarem RPG e trocarem informações. Dessa intensa
movimentação surgiram as primeiras convenções. Com o objetivo de disseminar o
uso do RPG como ferramenta pedagógica e promover a troca de experiências entre
profissionais de ensino, jogadores e games designer, a Ludus Culturalis, em parceria
com a Devir Editora, organizou em São Paulo (2002), o I Simpósio de RPG e
Educação - Transformação e Conhecimento. Esse evento possibilitou a mostra de
resultados de pesquisa e experiências obtidos em sala de aula com a parceria RPG
e educação - um empreendimento no qual o Brasil é pioneiro.
Merecem destaque três obras referenciais para o uso do RPG no contexto
educacional. A primeira é de Marcos Tanaka Riyis, professor e coordenador
pedagógico do Jogo de Aprender (www.jogodeaprender.com.br). Sua obra SIMPLES
- Manual para o uso do RPG na Educação (2004) nos apresenta fundamentação
teórica, jogos cooperativos e resultados de trabalhos já realizados, servindo como
referência para o uso de uma atividade que, ao mesmo tempo, é divertida para o
educando, permite o desenvolvimento de competências, habilidades e conteúdos e
ainda desenvolve a consciência da cooperação para o mundo moderno. Inicialmente
relacionado apenas à Educação Física, os projetos de Riyis começaram a promover
a interdisciplinaridade entre diversas áreas. A segunda Saindo do Quadro (1996), de
Alfeu Marcatto, incentiva a criatividade, a participação, a leitura e a pesquisa em sala
de aula. A metodologia utilizada é de fácil aplicação para qualquer grau de ensino,
disciplina ou conteúdos didáticos. Segundo o autor, o RPG constitui um aliado para a
resolução de questões comportamentais, como falta de interesse, timidez, rebeldia,
dificuldade de aprendizagem (Marcatto, 1996). Marcatto também se destaca pela
produção de 13 (treze) aventuras didáticas, cujo foco é a Educação Ambiental, entre
elas: O Tom da Mata (kit contendo partituras simplificadas das composições de Tom
Jobim, vídeos e os jogos), O Tom do Pantanal, O Tom da Amazônia e O Caminho
das Águas. A terceira, o Livro das Lendas: aventuras didáticas (2004), de Gustavo
César Marcondes, é uma obra inovadora de introdução ao RPG, que possibilita ao
professor, de qualquer disciplina, a construção de suas próprias aventuras didáticas.
Enfim, o espaço do jogo na escola é a garantia de uma possibilidade de
aprendizagem em uma perspectiva criativa, criadora e voluntária. Por conseguinte, o
jogo de RPG é uma situação privilegiada de aprendizagem da leitura e da escrita de
forma cooperativa e interativa, em que o desenvolvimento pode alcançar níveis mais
complexos, exatamente pela possibilidade de interação entre os pares, negociando
regras e socializando conhecimentos. Salienta-se, portanto, que é possível conduzir
o aluno-leitor do processo de leitura literária ao processo criativo, desde que
estimuladas à expressividade e a imaginação.
1.3 O Jogo e a Construção do Conhecimento
“Na brincadeira a criança se relaciona com conteúdos culturais que ela reproduz e transforma, dos quais ela apropria e lhes dá significação”. (Gilles Brougère)
“Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo/ É triste ter meninos sem escola/ mas mais triste é vê-los enfileirados em salas sem ar/ com exercícios estéreis/ sem valor para a formação humana.”
(Carlos Drummond de Andrade)
Embora não tenha sido o primeiro a analisar o valor educativo dos jogos,
Fröebel (1782-1852) foi o primeiro a colocá-lo como parte essencial do trabalho
pedagógico, ao criar o jardim de infância (1911) com uso de jogos e brinquedos. O
educador alemão considerava as brincadeiras como primeiro recurso para a
aprendizagem. Ele defendeu uma proposta educacional que incluía atividades de
cooperação e o jogo, entendidos como a origem da atividade mental (Kishimoto,
2002). Brincar não é uma dinâmica interna do indivíduo, mas uma atividade dotada
de uma significação social precisa que, como outras, necessita de aprendizagem
(Brougère, 1998).
As concepções de Vygotsky e Piaget quanto ao papel do jogo no
desenvolvimento cognitivo diferem radicalmente. Para Piaget (1998), no jogo
prepondera a assimilação, ou seja, a criança assimila no jogo o que percebe da
realidade às estruturas que já construiu e, neste sentido, o jogo não é determinante
nas modificações de estruturas. Vygotsky (2001) afirma o contrário, que o jogo da
criança não é uma recordação simples do vivido, mas sim a transformação criadora
das impressões para a formação de uma nova realidade que responda às exigências
e inclinações da própria criança.
Nesse sentido, verifica-se que o RPG constitui uma ferramenta, com alto
valor pedagógico que propicia o desenvolvimento psicológico, principalmente pelo
fato da interação dos sujeitos, ou seja, os jogadores desenvolvem zonas de
desenvolvimento proximal, pois os jogadores mais experientes colaboram para a
construção da leitura de outros colegas, por conseguinte relações interpessoais são
desenvolvidas e conhecimentos são construídos.
O jogo por si só exercita a função representativa de cognição como um
todo. Assim o simples fato de jogar acaba desenvolvendo habilidades nos
aprendizes extremamente úteis para desempenhar outras atividades, tais como
leitura e escrita. Huizinga destaca um conjunto de requisitos fundamentais para uma
atividade ser considerada:
O jogo é uma atividade voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias dotadas de fim em si mesmo, acompanhado de um sentido de tensão e de uma alegria e de uma consciência de ser diferente da vida quotidiana (HUIZINGA, 2007, p. 33).
Foi no séc. XVIII que começou a surgir três formas definidas de relacionar
o jogo com a educação: como atividade recreativa, como artifício pedagógico e
como facilitador da observação do professor. A primeira inclusão do jogo no espaço
escolar, chamada “recreativa”, é a relação presente até os dias de hoje. A este
respeito, Brougére (1998, p. 54) afirma que: “o jogo é o relaxamento indispensável
ao esforço geral, o esforço físico, em seguida o esforço intelectual e, enfim, muito
especialmente, o esforço escolar”.
Brougère afirma que o surgimento da expressão “jogo educativo” deu-se
no século XX como uma maneira de ensinar as crianças de uma forma dissimulada:
“agir, aprender, educar-se sem o saber através de exercícios que recriam,
preparando o esforço do trabalho propriamente dito” (BROUGÈRE, 1998, p. 35). A
denominação jogo educativo surge, portanto, para inserir o jogo na escola que
devido às questões sociais precisa legitimar-se. Nesta perspectiva, o jogo educativo
acaba descaracterizando o jogo, pois este acaba perdendo, suas principais
características: a improdutividade, o prazer, a liberdade e a frivolidade (BROUGÈRE,
1998). Huizinga (2007, p. 10) corrobora afirmando que: “o jogo é uma atividade
voluntária. Sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no máximo ser uma
imitação forçada”.
Para Lynn Alves, da UFBA, a parceria games e educação ganha
fortalecimento com as pesquisas de “game studies” em diversos países do mundo e,
também, no Brasil. Os estudos analisam desde os aspectos tecnológicos dos games
até possíveis utilizações nos contextos educacionais. Para Lynn esse encontro
escola-game é relevante para o não-afastamento dos alunos e para uma maior
integração professor-aluno. Brougère (2001) corrobora afirmando que é necessário
quebrar preconceitos, introduzindo abordagens dos jogos infantis no contexto da
sala de aula. E mais, o autor lamenta que os educadores, em particular,
desconhecem e possuem uma visão negativa e preconceituosa da cultura infantil.
Na pós-modernidade temos o reconhecimento do lugar relevante do
imaginário, do emocional, dos sentimentos, das fantasias e tudo que constitui a
pessoa, inclusive a ludicidade. Diante deste novo contexto, um novo desafio
apresenta-se para a escola: auxiliar na formação de um novo leitor. Um leitor mais
atento, sensível, crítico e criativo. Leitor capaz de experimentar, descobrir, interpretar
e recriar as linguagens do mundo.
1.4 O Jogo estético da obra literária
“Todo leitor é um caçador a ler os rastros do autor, um detetive, um jogador.” (Zac Z. Cardoso)
“Os autores jogam com os leitores e o texto é o campo do jogo.” (Wolfgang Iser)
Sem dúvida, ler é uma aventura fascinante. E para Elias José:
O jogo literário proposto por cada livro aumenta o espírito sonhador da cada leitor. O livro-objeto é feito de jogo e brinquedo. É jogo de inteligência, imaginação e liberdade. Mais do que provocar a imaginação o autor quer que o seu leitor seja capaz de ler e criar junto com ele, ou seja, deixando-se envolver no jogo que as imagens, as palavras propõem. Assim, ler é dialogar com o objeto livro, com o brinquedo-livro, com a estória, com o autor que criou a obra (JOSÉ, 1987, p.4).
O caráter gratuito que acompanha cada obra convida o leitor a participar do
jogo literário, exigindo do leitor-jogador obediência às regras propostas pelo autor.
Gratuito e sem obrigatoriedade, o jogo da leitura acontece mediante um pacto
estabelecido entre os jogadores e o autor. Ou seja: “Por mais séria que seja a
literatura é, residualmente, rastro de brinquedos, do jogo infantil, mentirinhas,
invencionice. Gato e rato, entre narrador e leitor, no contrato de perseguição dos
sentidos” (CASA NOVA, 1997, p. 29). Para Lacombe é necessário mais que espírito
aventureiro, ou seja,
a atitude do professor é condição fundamental para a eficácia do ensino. Ele precisa gostar do que faz ter prazer em brincar com a língua, estar disponível para descobri-la sempre, não ter medo dela. Aluno e professor, se não escutam o chamado do texto e não ouvem o cantar de suas sereias, não transpõem a linha que separa o espaço insípido e aborrecido de um trabalho sem desejo, daquele do exercício engajado e estimulante. E necessário altar para dentro do navio da aventura da palavra. E o impulso tem de ser interno voluntário. Não se faz essa viagem por imposição ou obrigação. Pode-se até embarcar, mas nunca se conhecerá o sabor salgado das ondas (LACOMBE, 1991, p. 22).
Para Roger Caillois, em os Jogos e os Homens (1990), “todo o jogo é um
sistema de regras que definem o que é e o que não é jogo”, ou seja, o permitido e o
proibido (CAILLOIS, 1990, p.11). Tendo como marcas e essência: limite, liberdade e
invenção, que se refletem no comportamento lúdico. No entanto, jogo também é
risco. O risco existe porque o leitor aceita jogar sem saber ao certo qual será o fim.
Nessa dinâmica, o jogo não é mero objeto de prazer; constitui-se em uma
experiência comunicativa que ultrapassa as regras e as normas. E a arte, como
jogo, representa o diálogo e comunicação. Na relação do jogo com a arte, muitas
experiências já foram realizadas enfocando uma preocupação relativa de
engajamento do espectador com as obras. Com propriedade, Hans Robert Jauss,
em Experiência Estética e Hermenêutica literária (1979), sustenta que não
passamos pela apreensão de uma obra de arte sem que ela produza um efeito em
nós. É por isso que o artista não cumpre sozinho o ato de criação. O próprio
processo carrega esse futuro diálogo entre artista e o receptor. Essa relação
comunicativa é intrínseca ao ato criativo.
Ao propor um “convite à aventura com o RPG” partiu-se do pressuposto
que a obra literária funciona como um jogo em torno das palavras e das ideias, mais
do que provocar a imaginação o autor quer que seu leitor seja capaz de ler e criar
junto com ele, ou seja, deixando-se envolver no jogo que a narrativa propõe. Numa
relação dialógica intertextual, mais do que um jogo, o RPG é uma construção
coletiva: um jogo de construir e contar histórias. Para muitos a amplitude do RPG o
torna tão rico quanto a literatura por ressignificar uma das manifestações culturais
mais antigas do homem: a arte de contar histórias. Segundo Walter Benjamin (1987,
p. 197 e 205), “a arte de narrar está em vias de extinção”. Logo temos nas narrativas
interativas (RPG) o estímulo à oralidade, para que não tenhamos o desaparecimento
do “dom de ouvir” e, consequentemente da “comunidade dos ouvintes”, como nos
alerta Benjamin. À escola cabe proporcionar o jogo literário, na medida em que uma
história se alimenta de outra, e nesse jogo ressignifica-se o ato da leitura e da
escrita enquanto uma prática pedagógica criativa e dinâmica.
2. Abre-se uma nova Oficina
“A arte suprema do mestre consiste em despertar alegria,
provocando curiosidade pelo conhecimento criativo.” (Albert Einstein)
Delineando o processo investigativo, a pesquisa-projeto foi divida em 3
etapas (Planejamento, Execução e Avaliação). Na primeira etapa, tivemos a
apresentação do projeto para a comunidade escolar: Equipe Pedagógica, Direção e
professores. Esta etapa de Planejamento constitui-se o “Chamado à Aventura”.
Sensibilizar e motivar professores de áreas diversificadas do conhecimento para
participar do projeto, contribuiu para o desenvolvimento de um trabalho cooperativo,
coletivo, participativo e interdisciplinar, bem como auxiliou na formação de um Grupo
de Apoio à Implementação do Projeto PDE na Escola. Para os alunos, o convite foi
feito por meio de cartazes de divulgação e, também, entrega de um Questionário de
Pesquisa, que buscou informações sobre os hábitos de leitura e a relação do aluno
com a prática do RPG. Verificou-se que muitos alunos já conheciam o RPG e, mais,
que o praticavam. E aqueles que o desconheciam, possuíam interesse em conhecer
e participar da Oficina: RPG & Literatura.
2.1 Chamado à Aventura
A apresentação do projeto para os professores ocorreu durante a
Semana Pedagógica, no 2° Semestre de 2010, com o objetivo de propor uma
discussão sobre a viabilidade da aplicação do RPG enquanto uma ferramenta
lúdico-pedagógica e sócio-cognitiva, bem como incentivá-los a participar do Grupo
de Apoio. Logo, alguns professores demonstraram interesse pela proposta PDE, e
em participar do grupo de discussão. Desta maneira poderiam experimentar, criar e
interagir com seus pares, processos de criação, desenvolvimento e aplicação de
aventuras de RPG com conteúdo pedagógico.
Na verdade, constatou-se a necessidade que esses professores
possuíam em transformar a sua “práxis pedagógica”. Comprometidos e preocupados
com o processo de ensino-aprendizagem, buscavam um novo referencial para as
práticas de leitura e escrita, bem como a formação do leitor. O convite foi aceito por
12 (doze) professores de diferentes áreas do conhecimento, constatando que a
promoção da leitura na escola deve ser um processo interdisciplinar, não ficando
restrito somente aos professores de língua.
Formou-se um grupo de trabalho, com 3 (três) professores de Língua
Portuguesa/Inglesa, 1(um) de Arte, 1(um) de Educação Física, 1(um) Ciências,
História, 2(dois) Geografia, 1(uma) Pedagoga e 2(dois) Auxiliares Administrativos.
Três participantes tinham conhecimento sobre a prática do RPG, outros
desconheciam totalmente e, também, havia aqueles que já jogavam algum tipo de
RPG. O objetivo da criação deste grupo foi no sentido de acompanhar as atividades
do projeto ao longo do processo de implementação. Durante oito (8) encontros, os
professores puderam vivenciar o RPG, enquanto atividade lúdica e de
cooperativismo, por meio de leituras, análises e discussões. No desenvolvimento de
oficinas, procurou-se mostrar as etapas dos processos de criação, desenvolvimento
e aplicação de uma aventura didática. O professor assim, como o aluno, pôde
também experimentar, descobrir, criar e interagir com os demais colegas,
vivenciando o RPG enquanto uma ferramenta lúdico- pedagógica.
Para os alunos o “Chamado à Aventura” consistiu na divulgação da
Oficina: RPG & Literatura por meio de cartazes e na entrega do Questionário de
Pesquisa, que buscou informações sobre os hábitos de leitura (Gráfico 1) e a
relação do aluno com a prática de RPG (Gráfico 2). Participaram como sujeitos
nesta pesquisa-projeto 343 alunos, pertencentes aos 7°, 8° e 9° anos, do Ensino
Fundamental, do período diurno, do Colégio Estadual Elza Scherner Moro, no
município de São José dos Pinhais, Estado do Paraná.
Mesmo representando para uma grande maioria (49%) que a função da
literatura é uma forma de conhecimento e, consequentemente, a ampliação da visão
de mundo, um número alto, de 45%, afirmou que não gostava de ler. Para aqueles
21% que consideram a literatura uma forma de “recreação”, temos que os livros de
literatura ainda são lidos em número reduzido, visto que a ausência desses livros em
casa também prejudica a formação de “hábitos” de leitura. Na sua maioria, 52%, dos
leitores são do sexo feminino, sendo que estas afirmaram que além de frequentar à
biblioteca para uma leitura lúdica, costumavam emprestar livros dos colegas ou
mesmo comprá-los. Dentre os autores relacionados na pesquisa, destacam-se: J.K.
Rowling (com obras de Harry Potter), Stephenie Meyer (com saga dos vampiros),
Agatha Christie, Conan Doyle, Edgar Allan Poe, Stella Carr (detetives e Cia.), Pedro
Bandeira e João Carlos Marinho. Uma pequena minoria de jogadores-leitores de
RPG citou entre os seus autores: Mark Hagen Rein (Vampiro), Howard Phillips
Lovecraft (autor de contos de terror), J.R.R. Tolkien (Senhor dos Anéis) e C.S. Lewis
(Crônicas de Nárnia).
Gráfico 1 – Relação: Leitura enquanto forma de lazer
Os dados acima demonstram que a literatura canônica enquanto forma
de lazer ainda continua distante dos alunos, cuja preferência recai para as HQs
(histórias em quadrinhos) e revistas, quase 80%. Dentre os autores preferidos, foram
relacionados Maurício de Souza e Ziraldo. Verificou-se que a literatura e HQs
disputam espaço na sala de aula, sendo que a leitura perde seu espaço para outras
atividades, entre elas: assistir TV ou filmes em DVD, praticar esportes ou jogos
diversos. Constata-se que uma maioria não lê porque não sabe e outra, significante
parcela, porque não quer ou não gosta. Apenas 8% gostam da leitura em sala de
aula, sendo que muitos ainda reclamam do excesso de didatismo e cobranças
interpretativas em relação às leituras realizadas na escola.
Relação: Aluno - Leitura enquanto lazer
27%
10%
44%
45%
70%
23%
45%
8%
21%
72%
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Possuem menos de 50 livros de literaturaem casa.
Frequentam a biblioteca por lazer
Emprestam ou compram livros
São os professores que orientam a leitura
Preferem livros de terror e suspense
Leram 3 livros durante o ano
Não gostam de ler
Preferem ler na sala de aula
Consideram que a função da literatura é"recreativa"
Preferem outras atividades à leitura
Gráfico 2 – Relação: Aluno - RPG
É indiscutível a preferência pelos jogos interativos como forma de lazer
(75%), número alto e significativo em detrimento à leitura. Ressalta-se que esses
jogos circulam pelo cotidiano desses jovens, entretanto, não estão presentes no
contexto pedagógico, ou seja, os jogos não são alvo de uma leitura crítica por parte
dos educadores e da própria escola. Segundo CITELLI (2001, p. 33 e 35), “a sala de
aula disputa hoje espaços com verdadeiras “escolas paralelas” formadas pelo amplo
sistema de comunicação que circunda os alunos” e “deve otimizar o seu papel,
ampliando o conceito de leitura e aprendizagem”. Acredita-se que não há uma
preocupação da escola em aproximar a linguagem dos jogos com os conteúdos
trabalhados em sala, em virtude do desconhecimento por parte de muitos
professores das potencialidades do RPG e de outros jogos como ferramentas
didáticas. Segundo diversos autores, na escola o RPG poderá ter diferentes
abordagens: lúdica, motivacional, como verificação de aprendizagem e como
construção do conhecimento.
Questionados sobre os tipos de jogos praticados, foram citados uma
variedade, dentre eles: Gran Turismo, Age of Empires, Second Life, Prince of Persia,
Call of Dutty, Good Hand, Resident Evil, Medal of Honra, God of War, The Sims e
Rise of nations. Dois jogos se destacam na preferência: GTA (Grand Theft Auto: San
Andreas) e Counter Strike. 27% afirmaram que conhecem e jogam MMORPG
(Massive Multiplayer Online Role-Playing Game), sendo que se incluem aqui os
Relação: Aluno - RPG
73%
27%
75%
53%
81%
99%
0 20 40 60 80 100 120
Não sabem o que é RPG
Conhecem e jogam MMORPG
Jogam videogame, jogos de estratégia e cardgames
Preferem jogar com os amigos
Gostam da utilização de jogos em sala de aula
Acreditam que os jogos favorecem acooperação e o raciocínio lógico
alunos do 9°ano e, alguns do 8° ano, cuja faixa etária está entre 14 a 16 anos. Entre
os jogos temos: Rune Scape, Priston Tale, Warcraftt, MuAway, Final Fantasy, WyD
(With Your Destiny), Ragnarök, Tibia, Lineage e Perfect World. Para os 27% que
jogam RPG a “leitura” constitui um elemento importante. Rosana Rios, autora e
jogadora de RPG, corrobora com essa afirmação destacando que:
O RPG não é lição de casa: é lúdico, é brincadeira. Apesar disso, um adolescente que joga, planeja e mestra uma aventura vai ter que ler uma meia dúzia de outros livros, irá pesquisar, fazer todo um planejamento por evento daquela aventura, desenvolver personagem (…). Por conta própria esse pessoal está se ligando ao mundo da escrita e da leitura(RIOS, p. 223, 2004).
Sem dúvida a utilização de jogos, em sala de aula, transforma o
processo-ensino aprendizagem, conferindo-lhe ludicidade e dinamismo. Para 99%
dos alunos, o desenvolvimento da cooperação e do raciocínio lógico é um fator
relevante do potencial educativo dos jogos. Em diversos questionários, os alunos
afirmaram que a presença do lúdico, em sala de aula, aumenta o interesse e a
participação, além de facilitar a fixação e o entendimento de um conteúdo.
2.2 Oficina: RPG & Literatura
Com a implementação da Oficina: RPG & Literatura, ministrada no
contraturno, pretendeu-se criar um “espaço ao ofício criativo”. Quinze alunos
participaram de todos os “módulos” da oficina. Esses módulos correspondem às
Unidades do Caderno Pedagógico, material didático que servirá de apoio para o
professor desenvolver sua prática diária com o RPG, bem como contribuirá para que
o aluno reconheça na prática a sua própria “autoria”. Leitura, escrita, criação,
imaginação, raciocínio lógico, expressão oral e corporal e jogo simbólico foram
experimentações que o grupo desenvolveu nos módulos, conforme relatos abaixo:
MÓDULO I – Mundo das palavras
Neste primeiro módulo, buscou-se uma “autoprovocação” estimulando a
livre expressão e a conscientização da criatividade de cada aluno. Exercícios
práticos, inteligentes e lúdicos desenvolvem habilidades recreativas, pois estimulam
os alunos a proporem suas próprias ideias, evitando a cópia e a simples reprodução.
MÓDULO III – Aventura -Solo: Livros-Jogos
No Módulo III, os alunos ao entrarem em contato com os livros-jogos
perceberam que a “leitura” pode ser um “jogo” e que ele pode ser a “personagem”
das histórias, sendo capaz de decidir e escolher o caminho de sua aventura. Os
livros-jogos foram disponibilizados para a leitura, gerando curiosidade e interesse
por outras leituras do gênero. A grande surpresa: a quebra da linearidade habitual
das narrativas.
Fig. 1 - Livros-Jogos
Fonte: Autor, 2010.
Os livros-jogos, ou aventuras-solo, representam um novo estímulo à
leitura, por meio do sistema de múltipla escolha, os alunos personificam as
personagens, vivenciando a narrativa. Segundo opinião de um aluno: “é um livro
diferente, cheio de surpresas. Cada página é um novo desafio”.
MÓDULO II – Jogos Narrativos (1ª Parte): Cartas de Propp: O Jogo da escrita
Criativa
O Baralho de Propp levou os alunos a descobrirem que o texto literário
constitui um exercício lúdico de criação. O texto narrativo e a sua escritura são
processos em contínuo fazer-se. Ao desconstruir o enredo, da obra literária, as
cartas possibilitam diferentes arranjos e combinações, bem como nova construção
narrativa. A narrativa imagética das cartas une-se ao texto verbal num processo
dinâmico de leitura e escrita. O uso das Cartas de Propp proporcionou aos alunos
uma iniciação ao “jogo narrativo”, assim como representou um novo referencial
teórico para a prática da leitura e da escrita. Num primeiro momento, os alunos
interagiram com o conteúdo das cartas (leitura imagética e verbal). Depois, de forma
criativa e dinâmica, eles produziram suas próprias cartas e, consequentemente,
suas histórias.
Há uma “proximidade identificada entre o RPG e o conto maravilhoso,
especialmente nas ações e atributos das personagens proposto por Propp”, segundo
RODRIGUES (2004, p. 49). Rodrigues (2004) nos chama a atenção para a
importância do estudo de Propp, que sendo elaborado em 1928, somente foi
descoberto nos anos 50 e setenta anos depois o RPG surge como seu herdeiro.
Fig. 2 – Cartas de Propp
Fonte: Le Carte di Propp/ desenhos das cartas. Disponível em: <http://www.rodaricentrostudiorvieto.org/site/10790/default.aspx>
Acesso em 15 mai. 2010.
Para Higuchi a partir das funções estabelecidas por Propp (2006) pode-se
perceber que, assim como os jogos de videogames, o RPG, mantém estreita relação
com os contos maravilhosos e a tradição oral. Verifica-se também, no caso do RPG
“uma relação intertextual dinâmica em que possível incorporar as diferentes
linguagens oriundas quer da literatura, quer do cinema, das HQs, do videogame ou
da televisão” (HIGUCHI, 2001, 181).
MÓDULO II – Jogos Narrativos (1ª Parte): Leitura e Análise Literária
A partir das funções de Propp trabalhadas com o Baralho de Propp, o
grupo realizou a leitura da obra literária A Luta do Cavaleiro Contra o Bruxo Feiticeiro, de João Gomes de Sá. Primeiramente, a estrutura narrativa despertou a
atenção dos alunos: textos em forma de “cordel”. Depois, o grupo realizou uma
leitura compartilhada do texto literário. Em seguida, passou-se para a construção da
jornada do herói, conforme a análise de Propp. Os alunos verificaram que essa
leitura partilhada e coletiva ganhou status de “experiência”, como se fosse a própria
aventura vivida pela personagem-herói. O jogo de combinação das cartas resultou
na desconstrução da narrativa literária, identificando nas “cartas” a trajetória do herói
e suas façanhas. Por meio da leitura imagética o grupo localizou informações do
texto, bem como apreendeu a estrutura constitutiva da narrativa.
Fig. 3 – Baralho - Cordel Literário
Fonte: Autor, 2010.
MÓDULO II – Jogos Narrativos (2ª Parte): Baralho Narrativo: O Jogo da Leitura
A obra literária Os Noturnos, de Flávia Muniz, foi apresentada, neste
módulo, aos alunos em forma de um baralho narrativo. As cartas possuíam
pequenos trechos da obra, bem como indicavam personagens e espaços onde
ocorreram as ações descritas. O objetivo era formar sequências narrativas
(personagem+ação+espaço). O desconhecimento e a falta de uma leitura prévia
causaram certo estranhamento e dificuldade, mas aos poucos o enredo e as
personagens (e suas ações e relações) tornaram-se familiares, assim eles puderam
construir uma rede textual. Após a formação de cada sequência, o texto original da
obra era apresentado oralmente por cada integrante do grupo, seguindo a leitura do
texto integral da obra. O diálogo com o baralho narrativo favoreceu uma leitura
coletiva e colaborativa dos alunos, uma vez que a narrativa estava passando por um
processo de desconstrução e construção.
Fig. 4 - Baralho NarrativoFonte: Autor, 2010.
O diálogo com o baralho narrativo, construído a partir da obra literária Os Noturnos, de Flávia Muniz, contribuiu para uma leitura compartilhada, cooperativa e
interativa entre os alunos, uma vez que o discurso narrativo, da obra em questão
estava passando por um processo de desconstrução e construção. Verificou-se um
interesse por parte dos alunos para a leitura integral da obra após a realização da
atividade.
MÓDULO IV – Rolando os Dados (1ª Parte): Construindo Personagens
Uma das partes mais significativas do jogo de RPG consiste na etapa de
construção das personagens, por isso, neste módulo, o grupo teve total liberdade
para compor suas personagens. Utilizando tabelas (com exemplos de
características, talentos, perícias e falhas), revistas e livros de RPG, os alunos foram
orientados a montarem sua própria Ficha de Personagem. A criatividade e a livre
expressão possibilitaram um maior envolvimento dos alunos, trocando e
socializando ideias e impressões sobre suas criações. A atividade tornou-se
agradável, lúdica e produtiva, sendo que alguns se preocuparam mais com os
aspectos psicológicos das personagens e outros com a sua história, suas origens.
Fig. 5 - Ficha da Personagem
Fonte: Autor, 2010
MÓDULO IV – Rolando os dados: Preparando a sessão de RPG e
MÓDULO V – Live- Action (1ª PARTE)
Desde o início da Oficina os alunos estavam ansiosos para a “Sessão de
RPG” e diziam: ”quando iremos jogar?”. Nesta etapa, eles tomaram conhecimento
da história que seria mestrada e da sua ambientação. O trabalho de construção da
Ficha de Personagem foi um processo coletivo e colaborativo, pois todos queriam
dar sugestões para incrementar a personagem do colega. Para desenvolver a
Sessão de RPG/ Aventura Na Cripta da Irmandade Rubra partiu-se, inicialmente,
para a seleção das personagens pelos jogadores. Sete personagens já estavam
criados, faltando apenas a sua caracterização, ou seja, distribuição dos “atributos”.
Feita a escolha, os jogares passaram ao preenchimento das Fichas.
Os jogos de RPG do tipo Storyteller e Live- Action necessitam de 80% de
interpretação e 20% de regras. Neste caso, o trabalho inicial foi de primeiro contato
coma obra literária selecionada. Como esta obra possuía sete personagens-
narradores, o contar a história representava a união dessas sete vozes. Uma
contação também compartilhada foi o que resultou, valorizando a leitura enquanto
um processo dialógico e coletivo. A obra literária selecionada para realização do
RPG/ Live-Action foi Descase em paz, meu amor, de Pedro Bandeira. O Live é uma
modalidade do RPG que representa uma interpretação direta das ações da
personagem. Uma espécie de “teatro de improviso”. Ficou estabelecido que cada
jogador/aluno ficaria responsável por uma personagem. Como a obra é composta
por vários personagens-narradores abriu-se espaço para uma narrativa/leitura
participativa, incentivando-os a criar um elo entre as personagens. Lembrando que
“nenhum contar é definitivo e pronto e acabado. Toda história contada oralmente é
antes de tudo, uma obra em processo, que precisa do outro para ser completada”.
(SISTO, 2007). Neste caso, contar histórias tornou-se a união de várias vozes.
MÓDULO IV – Sessão de RPG: Aventura _ Na Cripta da Irmandade Rubra
“Se o importante é competir, o fundamental é cooperar”. (Fábio Otuzi Brotto)
A Sessão de RPG transformou-se numa atividade cooperativa, lúdica e
divertida, na qual todos os jogadores/alunos simularam ações para suas
personagens, vivenciando os seus desafios e interagindo com os demais
personagens participantes. Constatou-se que o conceito de “grupo” foi incorporado
por todos, pois aprenderam, em um curto espaço de tempo, a expor suas ideias e a
buscar soluções por meio de atitudes cooperativas, coletivas e colaborativas,
desenvolvendo com isso características como paciência, tolerância e
responsabilidade. Além disso, devido ao caráter teatral do jogo, no qual o PJ tem
que expor suas ações de forma dramatizada frente aos demais participantes,
auxiliou na melhora da expressão oral e corporal dos alunos, que procuravam ser
fiéis na interpretação de seus personagens.
É importante destacar que um dos jogadores precisou ausentar-se,
durante a aventura. Neste caso, o grupo decidiu pela interrupção da narrativa, pois a
participação do colega era fundamental para o desfecho da história. Afirmavam:
“Para vencer os desafios, precisamos do nosso colega... a aventura deve continuar
no próximo encontro.” Ressalta-se, o espírito individualista cedeu lugar ao espírito
coletivo e comunitário. Na aventura não havia disputa do espaço narrativo entre as
PJ (personagens-jogadores). Todos sabiam que para vencer os desafios seriam
necessárias a cooperação e a parceria de todos.
Fig. 6 - Aventura RPG_ Na Cripta da Irmandade Rubra Fonte: Autor, 2010.
MÓDULO IV – II Sessão de RPG: Aventura no Parque dos Montes Uivantes /
MÓDULO III – Aventura-Solo: Livros-Jogos
Apesar de não existir um número exato de personagens-jogadores para
uma sessão de RPG, caso o jogo/aventura apresente pretensões didáticas, o
número de jogadores deverá ser igual ao número de alunos da turma. Para tanto
foram convidados 40 (quarenta) alunos do 7° ano, turma A, para participarem de
uma sessão de RPG. A aventura didática mestrada foi Grande Sertão Veredas - O
Parque dos Montes Uivantes (uma adaptação da aventura “O Vale dos Montes
Uivantes”, de Ricardo Ribeiro do Amaral, disponível em:
http://www.rpgnaescola.com.br). ). Para essa aventura utilizou-se conteúdos de
diferentes disciplinas, entre elas: História, Geografia, Biologia/Ciências, Matemática,
Educação Física e Língua Portuguesa. A história era o pano de fundo para
apresentar aos alunos as dificuldades e desafios vividos por um grupo de
sobreviventes de um acidente aéreo. Os personagens eram fictícios, mas a
ambientação da aventura ocorreu num cenário real, no caso, o “Parque Nacional
Grande Sertão Veredas”, localizado nos estados de Minas Gerais e Bahia.
Fig. 7 - Aventura RPG_O Parque dos Montes UivantesFonte: Autor, 2010.
Nesta segunda sessão de RPG, os alunos do 7° ano, da turma A, jogaram
em duplas, ou seja, cada dois alunos ficou responsável pelas ações e falas de uma
personagem. Foi fundamental o trabalho cooperativo de cada um, no sentido de
dialogar e socializar ideias e decisões. Os Pjs demonstraram integração e trabalho
cooperativo e o raciocínio rápido de algumas duplas, estimulou a busca de soluções
coletivas para os problemas e desafios propostos pelo Mestre-professor. Marcatto
destaca a relevância do caráter cooperativo do jogo ao afirma que:
A diversão não está em vencer ou derrotar os outros jogadores, mas utilizar a inteligência e a imaginação para cooperação com demais participantes, buscar alternativas que permitam encontrar melhores respostas para as situações propostas pela aventura. É um exercício de diálogo, de decisão em grupo, de consenso. (MARCATTO, p.34, 1996)
Organizados em duplas, os alunos, também, realizaram a leitura dos
livros-jogos. A leitura é uma aventura quando o leitor percorre as narrativas não-
lineares e vivencia as peripécias de seus personagens, ou mesmo quando ele é a
própria personagem. A utilização dos livros-jogos contribuiu para estabelecer uma
relação dinâmica entre aluno-texto (obra literária). Essa segunda atividade
correspondeu a uma “leitura solidária”, uma vez que mobilizou a leitura de livros-
jogos, em duplas. Para muitos Rpgistas ler as aventuras-solo é divertido, mas
“participar” sendo o herói, é melhor ainda.
Fig. 8 - Livros-Jogos: Aventura-Solo Fonte: Autor, 2010
MÓDULO V – Apresentação “Live Action” (2ª Parte) -
A apresentação do Live ocorreu para o grupo de participantes da oficina,
pois as turmas do colégio estavam envolvidas com as avaliações finais do trimestre.
Do contador à personagem temos a criação e o envolvimento de cada um. “A alma
de uma boa história está no seu contador (a)”. Sabe-se que “a voz é o elemento
dramático por excelência” (MACHADO, 1994, p. 181). Além da voz, a comunicação
por meio da expressão facial é importante. Por meio dela os sentimentos e as
emoções pessoais das personagens poderão ser percebidas pelo público ouvinte.
Como um ator, o contador deverá vivenciar a sua personagem, sentindo-o vivo em
si, com suas características físicas, comportamentais e emocionais.
3. GTR - GRUPO DE TRABALHO EM REDE
"Toda mudança em educação significa, antes de qualquer coisa, mudança de atitude". (Sanny S. da Rosa)
As atividades do GTR foram desenvolvidas durante o primeiro semestre
de 2010, organizadas em seis unidades. Na primeira unidade, os professores da
rede pública entraram em contato com o Ambiente Virtual de Aprendizagem/
plataforma Moodle, por meio da ambientação e exploração prática das ferramentas
(Fórum, Diário e Tarefa). Na segunda, Demandas Específicas, houve a discussão de
textos teóricos da área encaminhados pela Coordenação da SEED. Coube a
professora PDE aprofundar as questões e fornecer orientações sobre as atividades
Diário e Tarefa desenvolvidas pelos professores. Na unidade 3, apresentou-se para
análise o Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola, sendo em seguida aberto
no Fórum uma discussão sobre questões conceituais e fundamentação teórica. Na
unidade 4, foi apresentado o material didático elaborado, o Caderno Pedagógico:
RPG & Literatura, e debateu-se a viabilidade de sua aplicação, bem como questões
teórico-metodológicas de sua elaboração. Na unidade 5, discutiram-se os
encaminhamentos metodológicos da proposta de implementação do projeto na
escola, avaliando sua aplicabilidade. Na última unidade, avaliaram-se as atividades
propostas, e o percurso realizado pelo do grupo. Além do Questionário para
avaliação do GTR, foi proposta uma atividade, utilizando uma das unidades do
Caderno Pedagógico. O objetivo da Unidade 1 consistia na construção de uma
“personagem”. Nesse sentido, foi proposto aos professores participarem de uma
aventura, o “Expresso da Meia-Noite”, na qual cada um era responsável pela criação
de uma personagem, no caso, um fantasma à procura da salvação. A atividade foi
altamente interativa e participava, pois todos os professores contribuíram de maneira
criativa para a construção da narrativa/aventura.
Conclui-se que a escola deve sair da sua condição de mera transmissora
de conteúdos, logo o professor deve se permitir “ousar” e “inovar”, pois a
experimentação em qualquer área do currículo tende a melhorar a motivação, o
rendimento (inclusive dos professores) e as capacidades cognitivas dos alunos.
Utilizando o RPG a atuação do professor é de um mediador de aprendizagens e
nesse processo-aventura, ele também é um educando em potencial, pois aprende,
transforma-se no próprio ato de ensinar. Professor e aluno são “heróis” na mesma
aventura, segundo afirmou uma participante do GTR:
(...) é possível verificar a importância desse Projeto de Intervenção para os processos de ensino e de aprendizagem, uma vez que estimula a cooperação, tem em sua práxis a função real da escrita, faz do aluno (jogador) alguém que tem voz e vez. Para que um projeto como este se efetive, é preciso que a escola seja um espaço que promova o letramento do aluno, para que ele se envolva nas práticas de uso da língua – sejam de leitura, oralidade e escrita. Acredito que a inovação e a vontade de fazer a diferença podem contribuir muito para a efetivação de um projeto como este (A.M.R., professora, GTR-2010).
Outra participante ressaltou a sua contribuição para uma mudança de postura do professor:
Além da mudança da práxis educativa, utilizando o RPG, como uma poderosa ferramenta para o professor na transformação do educando em leitor, o professor também estará mudando o seu conceito de leitura como um processo estático, passando a vê-lo com processo lúdico, de movimento que leva ao crescimento, a abertura de novos horizontes e a liberdade de criação por meio de ações colaborativas e interativas (O.M.B., professora, GTR-2010).
Quanto à aplicabilidade e relevância do projeto uma participante destacou:
Um dos grandes desafios do trabalho com o Jogo de RPG é demonstrar a muitos educadores que tem medo do novo, daquilo que ainda não conhece ou não domina que há outras possibilidades de se ensinar além do livro didático, do giz e do quadro. Basta acreditar que é possível despertar a imaginação do aluno através do lúdico, do trabalho em equipe e resgatar a narrativa de uma forma diferente (V.P., professora, GTR-2010).
4. Grupo de Apoio à Implementação do Projeto PDE na Escola
O Grupo de Apoio à Implementação constitui uma atividade optativa,
dentro do PDE, e para os professores da rede pública que participam representa
uma Formação Continuada, com certificação de 32 h. Nesta atividade, o professor
PDE tem a oportunidade de constituir com seus pares, um grupo de suporte, que
auxilia e avalia o desenvolvimento das atividades de implementação na escola. O
cronograma foi dividido em oito etapas. Na primeira, deu-se relevância para os
Fundamentos Teórico-Metodológicos do projeto, por meio de leituras, análises e
discussões. Na segunda, formou-se um Círculo de Debates em torno do tema, “O
RPG como ferramenta educacional”, no qual os professores entraram em contato
com a obra de Alfeu Marcatto, que demonstra, por meio de exemplos de aventuras
didáticas prontas, que precisamos estimular o aluno à participação, ao
companheirismo e à colaboração. E mais, que acertos e falhas têm a mesma
importância no processo de aprendizado. Na terceira, procedeu-se uma avaliação
das atividades desenvolvidas na oficina de implementação, bem como a análise de
dois vídeos: “Sala de Aula Interativa”, de Marco Silva e “Projeto Autoria”, de Sônia
Rodrigues. Ao incentivarmos a socialização e a cooperação, favorecemos também a
interatividade, no entanto a professora de Educação Física, ressaltou que “a maioria
das escolas não são atrativas, muito menos interativas, porque não fazemos
interatividade com salas superlotadas e com atividades repetitivas e reprodutivas”.
Na quarta etapa, desenvolveu-se a “Oficina: Jogos_estimulando as inteligências
múltiplas”. A partir da construção de oficinas, buscou-se apresentar para os
professores novos referenciais teóricos para mudanças na sua prática educativa.
Primeiramente, foram apresentadas diferentes atividades que estimulam as
diferentes inteligências, no sentido de provocar uma aprendizagem mais
significativa, estimulando a construção de novos conhecimentos. O
desconhecimento de muitos professores a respeito dessas inteligências leva-os a
repetição de velhas metodologias e materiais didáticos. “Os professores devem
assumir papéis de provocadores, mais do que exigir respostas, devem solicitar
perguntas”, afirmou a professora de Geografia (2).
As etapas quinta, sexta e sétima denominaram-se de “Oficina: RPG na
sala de aula – Construindo Aventuras Didáticas”.
Com certeza a prática do RPG, no contexto escolar, constitui um "desafio"
para professores e alunos. Levá-lo para a sala de aula, representa uma “'inovação”,
pois se trata de uma relevante ferramenta lúdico-pedagógica para todos aqueles que
estão engajados numa ação educativa transformadora da práxis pedagógica, com
ênfase no "ensinar a pensar". Esta constatação foi feita de maneira unânime pelos
professores que participaram do Grupo de Apoio. “Dar abertura para o novo", como
afirmou uma professora, representa para muitos abrir mão de práticas
conservadoras e tradicionais que não ofereçam "risco". Para a professora de Língua
Portuguesa (1):
A revitalização da literatura na escola requer pessoas apaixonadas pela leitura, capazes de contagiar o outro com a emoção, a criatividade e, transformando a escola, realmente, em um espaço de confronto e diálogo entre os seus envolvidos como cita as DCEs. Se hoje é difícil transformar nossos alunos em leitores, mais difícil tem sido criar autores. Uma vez que isso demanda ter uma imaginação fértil, a capacidade de sonhar e se lançar ao desconhecido, relação específica do ser humano (O.M.B., professora, depoimento pessoal).
Já a professora de Geografia (1) corrobora afirmando que:
o RPG se torna viável para o processo ensino-aprendizagem a partir do momento em que o aluno se envolve com o assunto e se torna o personagem também da aventura; ele interage com o conteúdo, pesquisa e busca informações. Com isso o aluno constrói um pensamento crítico e tem oportunidade compartilhar conhecimentos com seus colegas (J.F., professora, depoimento pessoal).
Tornar o processo de aprendizagem interessante, dinâmico e, acima de
tudo, lúdico foi a proposta deste projeto, tendo como suporte pedagógico o RPG. Os
relatos acimas confirmam que as práticas didáticas envolvendo o uso do RPG são
válidas e que o aproveitamento geral bem como os resultados dos trabalhos com os
alunos são satisfatórios e significativos para todos.
Nas “Oficinas: RPG na sala de aula_Construindo Aventuras Didáticas”
cada professor (dentro da sua disciplina) vivenciou a experiência de ser autor (a) de
uma aventura didática de RPG, além disso, pôde participar e interagir com o grupo.
A construção de narrativas interativas foi uma atividade que permitiu a contribuição
ativa do professor, neste caso, ele constitui-se também um agente no processo de
criação, ora como Mestre, ora como personagem-jogador de uma aventura. A
“autoria” se faz num diálogo e a produção de uma escrita criativa promove uma
aprendizagem colaborativa. Os professores experimentaram os papéis de jogador e
Mestre, socializando os diferentes conhecimentos. Com certeza, ao construir esse
novo ambiente de aprendizagem, o professor modificou seus valores e sua práxis. O
sucesso do trabalho com o RPG, segundo uma professora de Língua Portuguesa,
“depende que o professor instigue os alunos à criatividade, ou seja, que ele perceba
o quanto é capaz de criar e compreenda a riqueza de compartilhar”.
Durante a apresentação e/ou sessão de RPG cada professor colaborou
para a construção de uma prática pedagógica cooperativa e interdisciplinar. A
professora de Educação Física desenvolveu a aventura “Uma roubada nos Estados
Unidos”, na qual 11(onze) alunos/atletas são finalistas dos Jogos Internacionais e
selecionados para disputarem um prêmio e uma bolsa de estudos nos Estados
Unidos. O que eles não sabiam: a competição não passava de um “sequestro”, cujo
objetivo era usar os atletas como cobaias num programa de criação de “super-
soldados”. Já a professora de Ciências/Biologia criou a aventura “A Ilha Sagrada”
cujo objetivo era aguçar a curiosidade dos alunos-jogadores para descobrirem os
diferentes ecossistemas de uma bela ilha e construírem após a aventura um
catálogo científico (sobre fauna e flora). Pelos continentes e espaços geográficos da
Terra (vulcão, mata tropical, continente gelado e deserto), levou-nos a professora de
geografia na aventura “Os escolhidos encontram as esferas”. A questão do “Bullying
na Escola” também foi retratado numa aventura mestrada pela Pedagoga da escola.
Os professores verificaram que ao participar de uma aventura tornam-se “parte
dela”, o que estimula a análise crítica dos envolvidos na dinâmica.
A professora de Língua Inglesa convidou-nos para um “Intercâmbio
Aventuresco na Austrália”, com direito a muita confusão e canguru pelo caminho.
Nesta aventura, onze estudantes de diferentes nacionalidades sofrem um acidente e
vão parar numa tribo de aborígenes. Para finalizar, com criatividade e muitas cores,
o professor de Arte mestrou a aventura o “Labirinto das Cores”, um RPG de
Tabuleiro e cartas. Todos aprenderam brincando sobre o “Círculo das Cores”.
Na última etapa realizamos a avaliação das atividades propostas no
projeto, bem como os Portfólios de aventuras dos alunos. A experiência de
vivenciar e construir suas próprias aventuras didáticas ou narrativas interativas foi
altamente rica, pois proporcionou uma autoria cooperativa e coletiva de todos os
professores. Ensinaram e aprenderam nesse processo de troca e diálogo;
interferindo com ações e reações e personificando diferentes personagens. Os
conteúdos didáticos inseridos, em cada aventura, foram socializados, produzindo
uma aprendizagem interdisciplinar. Com certeza, construir novos ambientes de
aprendizagens constitui um desafio para a escola e, nessas aventuras, o professor
pôde verificar que o RPG, enquanto ferramenta pedagógica tem a possibilidade de
transformar sua prática, contribuindo para uma aprendizagem lúdica e significativa.
Para a professora de História, “o RPG possibilita desenvolver qualquer conteúdo de
maneira lúdica, ao mesmo tempo, em que trabalha relações interpessoais e
estimula várias competências e habilidades”.
A construção dessa prática pedagógica cooperativa, participativa e
coletiva favoreceu a produção de uma escrita criativa, logo uma “autoria”. O
encontro de apresentação das aventuras desenvolvidas, pelos professores, foi
altamente divertido, prazeroso e ricamente produtivo. Os professores, não mediram
esforços e construíram aventuras interessantes, com alto grau de desafios e, acima
de tudo, criativas. Utilizando conteúdos didáticos de suas disciplinas desafiaram os
outros professores a interagirem, ou seja, “a entrarem no jogo”.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A “diversão” é parte obrigatória de qualquer sessão de RPG. Logo ao
transformar uma aula e/ou conteúdo didático em uma aventura, motiva-se o
envolvimento do aluno, além de tornar a aula mais agradável, lúdica e produtiva. O
RPG possibilita a vivência do conteúdo e essa riqueza garante o interesse do aluno
em participar da aula, pois o professor coloca o aluno numa situação de participante
ativo, tornando-o agente de seu próprio aprendizado. O conhecimento vem do
desafio, mas é o espírito lúdico o responsável por tornar o processo mais importante
que o fim.
Tem-se no jogo, no seu sentido integral, o mais eficiente meio estimulador
das inteligências. Deste modo, os jogos se prestam a multidisciplinaridade e, desta
forma, viabilizam a atuação do próprio aluno na tarefa de construir significados para
os conteúdos de sua aprendizagem e de explorar suas habilidades e competências,
bem como desenvolve e enriquece sua personalidade.
O uso do RPG no contexto escolar representa uma proposta inovadora,
moderna e consistente, haja vista a fundamentação teórica que a embasa, e que
desloca o centro de atenção do professor (transmissor de
informações/conhecimentos) para o aluno (construtor de seu conhecimento). Além
disso, representa um novo referencial para as práticas de leitura e escrita, bem
como a formação do leitor.
Nesse sentido, esse projeto visa instigar professores e alunos a relerem
o RPG como uma ferramenta lúdico-pedagógica, capaz de criar estratégias lúdicas
para leitura e escrita de textos ficcionais. Sanny Da Rosa afirma que: “Toda mudança
em educação significa, antes de qualquer coisa, mudança de atitude” (ROSA, 2003,
p. 3). Neste caso, o professor precisa repensar a sua prática e a assumir uma nova
postura frente às "inovações". O que pode deixá-lo assustado, uma vez que o "novo"
representa "risco" e "erro". Sabe-se que o caminho da aprendizagem tem início com
uma "dificuldade" - um "desafio"- e com a necessidade de resolvê-la. E despertar o
aluno para a leitura tem sido um grande desafio. O espaço escolar quando
apresenta instrumentos pedagógicos que priorizam a criatividade, o colaborativo, a
expressão, proporcionando à criança o contato com o lúdico e muitos outros
conhecimentos para novas leituras, abre horizontes e cria novos hábitos. A prática
do professor deve estar direcionada ao novo, ao desafiador e propostas que
apresentam uma visão de coletivo e de busca pelo conhecimento.
Neste projeto procurei apresentar uma fundamentação para além do
senso comum acerca do RPG (Role-Playing Game), permitindo que os professores
possam aplicar as atividades do Caderno Pedagógico, como também buscar
informações a respeito dessa prática, tão mal compreendida, e que ainda sofre
preconceitos por falta de informações mais precisas. Considero, porém, que a
melhor forma de entender de fato as emoções vividas pelos jogadores de uma
aventura de RPG seja aventurando-se com eles. E para isso precisamos convidar os
alunos para essa aventura. Com certeza, será uma aventura enriquecedora para
ambos os lados.
As linguagens interativas que fazem parte do cotidiano dos alunos da
escola, precisam também integrar o contexto escolar. De Machado de Assis ao
hipertexto, da Guernica de Picasso ao grafite no muro da escola, do gibi ao às
narrativas interativas/RPG, os discursos dialógicos se entrecruzam, exigindo do
leitor habilidades e novas estratégias de leitura. É neste contexto que o jogo, precisa
ganhar um espaço maior como uma ferramenta de aprendizagem, na medida em
que propõe estímulo ao interesse do aluno, ajudando-o a buscar novas descobertas
e desenvolver e enriquecer sua personalidade e relações interpessoais.
REFERÊNCIAS
ALVES, Lynn. Game Over: Jogos eletrônicos e violência. São Paulo: Siciliano, 2005.
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