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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

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Ficha para catálogo de Produção Didático – Pedagógica

Professor PDE/2009

Título: O universo feminino nos contos: ―A Cartomante” e “Uns Braços”.

Autora: Luzia Irene Plaça Farias

Escola de Atuação: Colégio José de Anchieta – Ensino Médio

Município da escola: Borrazópolis

Núcleo Regional da Educação: Apucarana

Orientador: Luiz Carlos Migliozzi Ferreira de Mello

Instituição de Ensino Superior: Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Área do Conhecimento: Letras

Produção Didático-Pedagógica: Unidade didática

Público Alvo: Alunos do 1º ano das turmas ―A‖ e ―C‖ do Ensino Médio

Localização: Colégio José de Anchieta - Ensino Médio. Avenida Brasil Nº 911

Os objetivos do projeto são:

_ Desenvolver habilidades linguístico-

discursivas.

_ Mostrar a organização interna dos contos de

Machado de Assis e os efeitos de sentidos que

são ali gerados.

_ Depreender das tramas do texto a visão

apresentada das personagens femininas.

_ Ampliar as visões de mundo inscrita na

leitura, bem como, as marcas de interação

escritor-texto-leitor.

A metodologia inclui embasamento teórico

dentro das teorias enunciativas, da linguística

textual e da semiótica argumentativa,

avaliação e ajustes de atividades didáticas,

antes de obter formato final. O projeto espera

contribuir para o crescimento intelectual dos

alunos, bem como, para motivar a leitura dos

clássicos de forma a demonstrar o seu caráter

atemporal

Apresentação:

A leitura dos clássicos recomendada aos

alunos do Ensino Médio parece, num primeiro

momento, uma tarefa muito difícil ou até

impossível levando-se em conta a linguagem e

o momento histórico da sua produção. Dessa

forma, o trabalho com a leitura torna-se árduo

quando o professor não consegue motivar o

aluno a ―provar‖ da leitura.

Porém, em muitas delas, ou na maioria, é possível observar que são obras atuais, pois atravessam o seu tempo, sendo, portanto, obras atemporais. Machado de Assis, a exemplo disso, é um autor que deve ocupar lugar em nossas aulas de Literatura, pois aborda em suas obras temas que são eternos conflitos humanos como: verdade e mentira, perdão e vingança, credulidade e incredulidade, etc. A opção pelos contos machadianos deve-se ao fato de que esses possuem formato enxuto, sem, contudo, perder a densidade dos romances.

A estratégia utilizada será a utilização da

presente Unidade didática que contempla a

habilidade de leitura dos contos: “A

Cartomante” e “Uns Braços” de Machado de

Assis e atividades que possibilitem a reflexão

sobre a construção dos personagens

femininos e o posicionamento crítico, bem

como, reconhecer as marcas internas e

externas deixadas pelo autor.

Palavras-chave: conto, leitura,

semiótica, Machado de Assis.

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LUZIA IRENE PLAÇA DE FARIAS

O UNIVERSO FEMININO NOS CONTOS:

―A CARTOMANTE‖ E ―UNS BRAÇOS‖

Londrina 2010

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LUZIA IRENE PLAÇA DE FARIAS

O UNIVERSO FEMININO NOS CONTOS: ―A CARTOMANTE‖

E ―UNS BRAÇOS‖

Material didático

apresentado para o

Programa PDE 2009 da

Secretaria do Estado do

Paraná, vinculada a

Universidade Estadual de

Londrina.

Orientador: Luiz C.Migliozzi

Ferreira de Mello.

Londrina

2010

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Apresentação

Prezado estudante:

As linguagens acompanham as mudanças que sofrem as relações sociais

em constante transformação, não possui limites. Ela perpassa cada uma das

nossas atividades, sejam elas individuais ou coletivas.

Os avanços tecnológicos permitiram a aproximação dos povos

propiciados pela rede internacional de computadores, a internet. Surgiu com ela

também uma linguagem própria e formas particulares de textos. No entanto,

essas novas formas não se opõem as já existentes, consolidadas como

clássicas e tidas como atemporais, mas somam-se a essas contribuindo para o

enriquecimento da linguagem.

Esta Unidade Didática pretende ajudá-lo na desafiante tarefa de ler obras

literárias produzidas no século XIX, observando seus aspectos artísticos, sociais

e históricos, cruzando-as com outras do mesmo período e com manifestações

artísticas contemporâneas. O gênero utilizado é o conto que apresenta estilo

conciso, rapidez e compactação da história, onde tudo é significativo.

Os contos utilizados foram produzidos por Machado de Assis: “A

Cartomante” e “Uns Braços”. Seus contos elegem temas ousados. Ele coloca em

ação personagens complexos que ganham ali dimensão inusitada na Literatura.

Nos perfis femininos de Machado de Assis, as mulheres não são vistas como

mães amorosas ou a maternidade é relegada, o que não condiz com uma

sociedade patriarcal do século XIX.

Por meio das atividades propostas, pretende-se também ajudá-lo a

compreender o funcionamento e a fazer melhor uso da Língua Portuguesa, em

suas múltiplas variedades.

Um abraço,

A autora.

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SUMÁRIO

1. CONTO ...................................................................................................... 6

1.1 CONHECENDO O GÊNERO CONTO .......................................................7

1.2 O realismo do conto machadiano ............................................................. 8

1.3 Atividade oral – primeiras impressões ...................................................... 9

2. CONHECENDO O CONTO: ―A CARTOMANTE‖ ...................................... 10

2.1 Conhecendo o autor ................................................................................. 14

2.2 Intertextualidade ....................................................................................... 16

2.3 Ampliando o tema – notícia ...................................................................... 17

2.4 Ampliando o tema – entrevista .................................................................. 19

3. CONHECENDO O CONTO: ―UNS BRAÇOS‖ ............................................ 21

3.1 Outro conto, a mesma temática ................................................................ 22

3.2 A personagem feminina ............................................................................ 25

3.3 Filme: Iracema, a virgem dos lábios de mel .............................................. 26

3.4 Ampliando o tema – romance ................................................................... 28

3.5 Leitura: fragmento de Dom Casmurro ....................................................... 29

3.6 Filme: Dom ................................................................................................ 30

3.7 Personagens e obras marcantes ............................................................... 31

3.8 Produzindo: texto argumentativo ............................................................... 32

REFERÊNCIAS ............................................................................................... 33

ANEXO: Contos ―A Cartomante‖ e ―Uns Braços‖ ............................................ 35

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Conto

Conto

Conto

Conto

Conto

Conto

Conto

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Para classificar os diversos tipos de texto, partimos de algumas características que são semelhantes

entre eles. Vamos conhecer algumas características do gênero textual conto.

O conto surge na Literatura Brasileira durante o início do Romantismo, mas os autores

românticos não se destacam como contistas. Foi no período Realista que Machado de Assis

ganha destaque como um dos maiores contistas, imprimindo marca única ao gênero. É como

contista que constrói um narrador capaz de prender o leitor. Sua primeira publicação foi em

1858, com o conto: ―Três tesouros perdidos‖. Os temas predominantes são os conflitos humanos

apresentando seus vícios e limitações, impregnado de personagens complexas e marcantes,

tendo sempre como cenário a cidade do Rio de Janeiro, sendo analisados ali os hábitos sócio-

culturais.

Conhecendo o gênero

Conto

O conto é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão (no sentido estrito de tamanho).

Para Gotlib (1990, p.64) ‖A base diferencial do conto é, pois, a contração: o contista

condensa a matéria para apresentar os seus melhores momentos.‖

Entre suas principais características estão:

a concisão - tudo o que se diz é significativo, breve ;

a precisão – clareza do que se quer expressar;

a densidade – o que faz com que o leitor se envolva ;

a unidade de efeito – é a partir do todo que se tem a impressão total.

O conto precisa causar um efeito singular no leitor, muita excitação e emotividade. Deve

marcar o leitor, não permitindo que entre uma ação e outra haja o rompimento entre o leitor

e o texto.

Quando surge o conto no

Brasil

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Avenida central do Rio de Janeiro (1910), de Marc Ferrez. http://www.machadodeassis.ufsc.br/imagens.html

primeiro conto que vamos ler é ―A Cartomante‖. A temática abordada é o amor

que leva a um crime passional, já o segundo ―Uns Braços‖, trata de paixão de um

adolescente por uma mulher mais velha. Estes contos encontram-se no livro Várias histórias de

Machado de Assis ou disponível no site http://www.academia.org.br/. Leia com atenção e

mergulhe no final do século XIX, onde os homens vestiam-se esmeradamente com fraques,

camisas lisas e gravatas finas. O chapéu de copa era indispensável para dar um charme

especial os cumprimentos. As mulheres também esbanjavam elegância em longos vestidos de

saias amplas, muitas vezes estruturadas com crinolinas e anquinhas, o que normalmente lhes

restringia o movimento. Adornos com rendas, babados e fitas. Cabelos compridos com

penteados em coques. Chapéus e leques como adereços. Essa era a moda da elite brasileira.

Após a leitura, vamos conversar a respeito do que lemos.

O

O Realismo do

Conto machadiano

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Os slides que vamos assistir demonstram que o conto possui a seguinte estrutura:

Introdução: adultério em curso; flashback, volta ao presente.

Desenvolvimento: cartas anônimas; bilhete curto e imperativo de Vilela; Camilo

pressente o drama; assustado, com medo, dirige-se à casa de Vilela; trânsito impedido; ida

à casa da cartomante; sai de lá confiante e tranquilo, parte para a casa de Vilela.

Desfecho: ao entrar na casa de Vilela, vê Rita morta e ensanguentada; recebe dois

tiros de revólver e cai morto ao chão.

Tema: adultério – as contradição humana:

Razão X Emoção e Lealdade X Traição

a) O tema tratado no conto é o adultério seguido de um crime passional. Você

considera esse tema atual? Por quê?

b) Você identifica semelhanças entre o texto e as notícias de TV e jornais?

c) Você assistiu ou leu notícias relacionadas a crimes passionais nos últimos dias?

d) A linguagem (palavras desconhecidas, expressões estranhas) utilizada pelo

autor ofereceu dificuldade para a compreensão geral do texto?

e) O que mais lhe chamou a atenção no texto com relação à maneira de escrever

do autor?

f) É possível identificar hábitos ou atitudes que relacionem o texto como sendo

publicado no século XIX?

Atividade oral – primeiras impressões

Questões:

Slides

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1. Marque a alternativa correta.

a) As personagens no conto são marcadas por sentimentos contraditórios que as colocam em

conflito interior: Rita por romper a promessa de lealdade ao esposo e Camilo por trair a amizade

do amigo e envolver-se com Rita. Quais os termos que mais se destacam na narrativa?

( ) vida X morte

( ) razão X emoção

( ) medo X coragem

( ) crença X descrença

( ) certeza X dúvida

b) Qual destes termos é afirmado quando Rita trai o esposo?

c) Qual destes termos é afirmado quando Camilo ‖começou a rarear as visitas à casa de Vilela‖?

d) No conto, considerando o todo, qual destes termos prevalece, ou seja, tem valor positivo?

2. Uma das características de Machado de Assis é apresentar personagens psicologicamente

complexos. Qual das personagens abaixo exemplifica melhor essa afirmação? Em seguida,

argumente a sua escolha.

( ) cartomante ( ) Rita ( ) Camilo

Conhecendo o conto:

“A Cartomante”

O conto ”A cartomante”

• 1ª publicação: Gazeta de Notícias (RJ), em 1884.

• Publicação em livro: Várias Histórias, em 1896.

• Fase da maturidade do autor.

• Tom pessimista.

• Forte crítica à hipocrisia humana.

http://www.academia.org.br/

Atividad Atividades:

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3. Leia as definições abaixo, retiradas do dicionário Aurélio e, em seguida, responda:

a) Quais as personagens no conto apresentam atitudes que podem ser relacionadas ao tema

sincretismo?

b) Qual personagem possui as características relacionadas ao tema ocultismo?

4. Quais são as significações que se podem ser abstraídos dos trechos abaixo?

a)―Realmente, era graciosa e viva nos gestos.‖

b)―olhos sonsos e agudos‖, ―indiferente Destino.‖

c)―Falta-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal.‖

d)―Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé.‖

5. As diferentes interpretações que Camilo faz quando lê o bilhete estão relacionadas ao seu

estado emocional ora mais racional ora mais emocional. Retire trechos que demonstrem esses

estados de espírito.

6. Os acontecimentos no conto podem ser divididos em quatro blocos. Relacione-os aos

exemplos dados abaixo.

( a ) O amor dos amantes Rita e Camilo.

( b ) Refreamento da paixão.

( c ) Confirmação do amor.

( d ) Término do romance.

Ocultismo s.m. Ciência que trata dos fenômenos que parecem não ter explicação pelas leis naturais, como a levitação, a telepatia. / Prática das ciências ocultas. &151; Diz-se que alguém tem conhecimento de coisas ocultas, se entende de assuntos que não podem ser compreendidos por outros e que estão fora do campo da ciência. O oculto significa o que é secreto ou misterioso.

Sincretismo s.m. Sistema filosófico ou religioso que tende a fundir numa só várias doutrinas diferentes; ecletismo. / Amálgama de concepções heterogêneas.

http://dicionariodoaurelio.com/

O Conto

Um conto é uma narrativa ficcional curta, por

essa razão, tudo nele possui uma significação.

Apresenta poucos personagens, poucas

ações, com tempo e espaço reduzidos.

Geralmente apresenta a seguinte estrutura:

introdução, complicação, clímax, e desfecho.

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( ) a morte dos amantes: ―gritos de terror‖.

( ) arriscam-se, encontros furtivos, felicidade: ‖Separam-se contentes‖.

( ) Camilo vai à Cartomante, conflito interior, paz de espírito: ‖ia alegre‖.

( ) suspeitas da traição, cartas anônimas, medo: ―inquieto e nervoso‖..

7. No conto, as personagens femininas são dotadas do poder de manipulação e de comando.

Camilo é a personagem que se deixa manipular pelas três personagens femininas. Encontre

no texto trechos que justifiquem essas afirmações:

a) Manipulação pela mãe.

b) Manipulação por Rita.

c) Manipulação pela cartomante.

8. Há no texto pistas que identificam que Vilela sabe da traição da esposa? Exemplifique.

9. Cada autor possui marcas de estilo próprias e utiliza recursos linguísticos diversos o que

torna sua obra particular. Uma das marcas do estilo machadiano consiste em incluir o leitor

na narrativa. Em qual das frases abaixo o autor cria uma aproximação com o leitor?

( ) Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se.

( ) Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela.

( ) Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca.

10. A cartomante é uma charlatã ou possui o dom da vidência? Explique.

* O papel da mulher na sociedade do século XIX

* Contexto histórico do Realismo no Brasil.

* Personagens femininas nos contos machadianos.

Pesquisando

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11. Confronte os principais aspectos levantados em sua pesquisa com as informações do quadro

acima. Discuta com seus colegas e com o professor em seguida responda:

a) Quais os elementos na narrativa contribuem para desidentificação da mulher como mãe e

esposa?

b) Quais aspectos do conto revelam o compromisso estético do autor com o Realismo?

c) Relacione alguns fatos históricos que justificam a mudança de postura dos autores quanto à

estética que se propunha apresentar.

A ficção machadiana reflete a mentalidade vigente no Brasil no final do século XIX, onde

se buscava os valores ditados pela modernidade em oposição com o meio ainda

marcado pelos valores patriarcais e seus conflitos peculiares. O fio condutor em suas

obras é a relatividade dos valores e das fraquezas humanas. Evidenciam-se, assim, os

triângulos amorosos, os impasses e os dilemas de consciência a que estão expostos as

personagens.

As mulheres, não raramente, são fascinantes, interesseiras, inteligentes, com presença

forte. Nas obras machadianas, elas vão crescendo de forma sutil, desfazendo a pseudo-

dominação masculina. Elas não demonstram qualquer marca de romantismo e quando o

fazem é por puro interesse. Na época, a única forma de ascensão social feminina era

por meio do casamento, é por essa razão, que elas não são exemplos de mães e de

esposas e sim, adúlteras e com sexualismo sugestivo, apresentadas sempre de forma

dúbia.

A estética realista ambicionava apresentar o mundo ―como ele é‖, fazendo contundente

crítica dos costumes sociais. Para isso, contribuiu a difusão do conhecimento científico,

da filosofia positivista e do pensamento evolucionista. Com o surgimento de uma

intelectualidade rompeu-se com o modo romântico de ver o mundo e adota-se uma

postura que privilegiava uma relação impessoal com a realidade. Foram valorizados os

ideais de objetividade científica.

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Conhecendo o autor

Nasceu em 1839 no Rio de Janeiro de família muito pobre, ficou órfão cedo.

Mulato, tímido, gago e epilético.

Autodidata.

Foi funcionário público e escritor, desde os 16 anos, trabalhou como aprendiz de tipógrafo, tornando-se revisor.

Em 1860 trabalha na redação do Diário do Rio de Janeiro.

Aos 30 anos, casou-se com Carolina Xavier de Novais.

Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.

Faleceu no Rio, em 1908, aos 69 anos.

http://www.academia.org.br/

11. Para caracterizar as personagens, o enunciador utiliza palavras ou expressões que imprimem

efeito de realidade as mesmas. Retire do texto:

a) Marcas de sedução e de adultério/traição em Rita.

b) Marcas de credulidade e de medo em Camilo.

c) Marcas de desconfiança e de vingança em Villela.

Slides

Enunciador - desdobramento do sujeito

da enunciação, o enunciador cumpre os

papéis de destinador do discurso e está

sempre implícito no texto, nunca nele

manifestado. (BARROS, 1988, p.86)

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12. Marque a alternativa correta:

Qual figura de linguagem pode ser identificada nas

expressões abaixo?

―A casa olhava para ele.‖

―... o mistério empolgava-o com as unhas de ferro.‖

―... onde a água e o céu dão um abraço infinito.‖

(a) Comparação (b) Metáfora

(c) personificação (d) Hipérbole

13. Ao narrar, o enunciador faz escolhas que vão desde o vocabulário até a forma de apresentar

o texto, escolhas essas que não são ao acaso, mas cheias de intencionalidade para

convencer o leitor da ―verdade‖ do texto. Explique a opção do enunciador em não dar, de

forma direta, voz ao personagem Vilela.

14. Relacione os lugares citados no texto com as expressões que os identificam tematicamente.

( a ) casa de Vilela e Rita

( b ) a rua

( c ) a casa da cartomante

( ) liberdade ―removido o obstáculo‖, repressão ―obstáculo‖

( ) mistério ―janelas fechadas‖, desmazelo ―corrimão pegajoso‖

( ) mistério ―saleta interior‖, medo ―ao fundo ensanguentada‖

15. Considerando que o foco narrativo utilizado no conto é o narrador em 3º pessoa onisciente,

ou seja, aquele que conhece, analisa a o interior da personagem. Encontre, no texto,

fragmentos que confirmam tal afirmação.

Os contos machadianos,

cerca de 300, estão assim

reunidos:

Contos Fluminenses, 1870.

Histórias da meia-noite, 1873.

Papéis avulsos, 1882.

Histórias sem data, 1884.

Várias histórias, 1896.

Páginas recolhidas, 1899.

Relíquias de casa velha,

1906.

http://www.academia.org.br/

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16. No conto, ocorre uma intertextualidade com a obra Hamlet de Shakespeare, ou seja, o autor

utiliza, por três vezes, palavras de outro autor. Por que esse recurso foi usado? Identifique

onde isso ocorre no texto.

A cena do coveiro de Eugène Delacroix (1839).

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hamlet

19. O tema ocultismo presente no conto é bastante atual ainda hoje, pois vemos pessoas que

recorrem a ―consultas místicas‖ na tentativa de prever ou modificar o futuro. Em sua opinião, o

que leva as pessoas a procurarem por tal serviço, mesmo sabendo que, na maioria das

vezes, estão sendo lesadas? Você acha que os avanços científicos e tecnológicos podem

tornar o homem mais racional e menos místico?

Intertextualidade

No conto há uma intertextualidade com a obra

Hamlet (ato I, cena 5 de Shakespeare). Hamlet,

universalmente conhecido como um dos êxitos

mais felizes do extraordinário talento de

Shakespeare é seguramente o drama mais

representado no teatro e de maior transposição

cinematográfica - última direção Zeffirelli. Hamlet

é um príncipe dinamarquês atormentado pelo

desejo de vingança. O espectro do pai aparece-

lhe pedindo que vingasse a sua morte. Revela

que o assassino é seu tio Claudio, agora rei e

casado com sua mãe, a rainha Gertrudes.

“Há mais coisas no céu e na terra,

Horácio, do que pode pensar a tua vã

filosofia.” Shakespeare

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Seqüestro de Eloá e Nayara: cobertura completa

A estudante Eloá Pimentel foi refém do ex-namorado por 100 horas.

No desfecho do seqüestro, a jovem e a amiga Nayara foram baleadas.

Eloá aparece na janela de seu apartamento em Santo André, onde ficou 100 horas em cativeiro (Foto:

José Cordeiro/Agência O Globo)

Durante 100 horas, os olhos de todo o Brasil estiveram voltados para um conjunto habitacional na

periferia de Santo André, no ABC. Em um dos apartamentos, Lindemberg Alves, de 22 anos,

tomado pelo ciúmes, mantinha a ex-namorada Eloá Cristina Pimentel, de 15, refém.

Lindemberg, antes considerado calmo pelos amigos, invadiu o apartamento na segunda-feira (13),

por volta das 13h30. Ele chegou a manter quatro reféns, mas no mesmo dia libertou dois

adolescentes que estavam no local para realizar um trabalho de geografia. No dia seguinte, libertou

Nayara. Entretanto, como parte das estratégias de negociação, a adolescente voltou ao apartamento

na manhã de quinta-feira (16).

O jovem chegou a falar em entrevistas por telefone que iria libertar também a ex-namorada, mas as

negociações não avançaram. Um promotor de Justiça esteve na

Ampliando o tema. Notícia e Entrevista

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sexta-feira (17) no local com um documento que dava garantia de que o seqüestrador não seria

ferido ao se entregar. O advogado do rapaz disse que essa era uma de suas exigências, e havia

expectativa de que ele se entregasse no começo da noite.

Quando a polícia organizava uma coletiva de imprensa para falar sobre as negociações foi ouvido

um estrondo. Às 18h08, a PM afirma que policiais que estavam em um apartamento ao lado do

cativeiro ouviram um tiro disparado pelo seqüestrador. O Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate)

explodiu a porta e deteve Lindemberg. A adolescente Nayara deixou o apartamento andando,

enquanto Eloá, carregada, foi levada inconsciente para o hospital. A morte cerebral da jovem foi

diagnosticada no fim da noite de sábado (18).

http://g1.globo.com/

1. Os textos jornalísticos procuram apresentar uma linguagem direta e objetiva com indicações

que comprovam os fatos. Aponte algumas marcas que comprovem a veracidade da notícia?

2. Quais as principais diferenças com relação à linguagem usada no conto e na notícia?

3. Embora a notícia e o conto tratem basicamente do mesmo assunto, há uma nítida diferença

na forma usada para narrar os fatos. Releia os trechos que narram a cena do tiro e aponte os

principais aspectos que as distinguem.

Leia as informações do quadro abaixo e responda:

A Procuradora de Justiça, Luiza Nagib Eluf, autora do livro: A paixão no banco

dos réus, assim argumenta:

―A paixão não basta para produzir o crime. Esse sentimento é comum aos seres

humanos, que, em variáveis medidas, já o sentiram ou sentirão em suas vidas. Nem por

isso praticaram a violência ou suprimiram a existência de outra pessoa. A literatura

mundial está repleta de romances que relatam homicídios passionais. Tanto se escreveu

sobre o tema, e de forma por vezes tão adocicada, que se criou uma aura de perdão em

torno daquele que mata seu objeto de desejo‖. (ELUF, 2007, p.38)

O Código Penal vigente prevê o fato delituoso sendo homicídio qualificado, que é

hediondo, elencado nos moldes do artigo 121, § 2º:

“§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou

de que possa resultar perigo comum;

Atividades:

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4. Na opinião da Procuradora, a forma que a literatura explora o tema contribui para punir os

assassinos?

5. O que levou o jovem a sequestrar e matar a adolescente é classificado pelo Código Penal

como motivo torpe. Qual o real motivo para o assassinato da adolescente?

6. Para esta atividade, a turma deve ser dividida em duas equipes. Uma equipe pesquisará

notícias de crimes passionais de repercussão nacional, enquanto a outra deverá trazer notícias

atuais onde se evidenciem crimes passionais. Cada equipe (de 4 a 5 alunos) trabalhará com

uma notícia. Observem as características do gênero notícia como: o uso de fotos, legendas,

lealde e aspectos relacionados às escolhas lexicais, marcas de sensacionalismos comuns em

textos jornalísticos, etc.

L: O que é o crime passional?

F: O crime passional é aquele cometido por amor, paixão. A conduta criminosa se dá

quando um dos dois é rejeitado, gerando o sentimento egoísta, ciumento ou de

vingança. O agressor tem poder de dominação sobre a vítima.

L: Os crimes passionais são cometidos, em sua maioria, por homens como se explica

isso?

Entrevista

Derivado do latim passionalis, de passio (paixão), a expressão crime passional ou

homicídio passional é utilizada na terminologia jurídica para designar o ato que se comete

movida por paixão. O que vige no Código Penal brasileiro, é que a emoção ou a paixão

não exclui a culpabilidade de quem fere ou mata outra pessoa.

Os casos de violência contra a mulher ocorrem, ainda hoje, em todas as classes sociais.

As estatísticas indicam que 70% dos casos de violência contra mulheres ocorrem dentro

de casa e em muitos desses casos o agressor é o marido ou o amante.

Para compreender melhor os fatores que determinam tais crimes. Nós conversamos com

a advogada Fernanda Rodrigues Moretti sobre os crimes ditos passionais.

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F: Antigamente, o homem era tido como superior a mulher. Ela era vista como

propriedade, ou seja, havia uma desigualdade entre os gêneros e a mulher era

submissa ao homem. Hoje ainda temos resquícios dessa cultura machista, por esse

motivo, os crimes passionais ainda são, na sua maioria, cometidos por homens,

porém, não é só o sexo masculino que comete o delito, há alguns casos, talvez

inexpressivos, em que as mulheres cometem tal crime.

L: Homens e mulheres cometem os crimes da mesma forma?

F: O que distingue um do outro é o modus operandi. O homem normalmente planeja

todos os passos para o feito com antecedência, tal como compra de arma, como

abordar a vítima para que não haja falhas. Já a mulher age mais pelo impulso e, na

maioria das vezes, não planeja.

L: A incidência desse tipo de crime é significativa ainda hoje?

F: Sim. Evidencia-se que a conduta criminosa passional sempre esteve presente nos

mais diversos níveis sociais, mesmo com as mudanças das relações afetivas, é um

crime que ainda faz muitas vítimas.

1. A emoção sempre foi tida como uma característica essencialmente feminina. Como isso se

evidencia na fala da advogada?

2. Para a advogada, qual a explicação dada para o fato de os homens cometerem o maior

número de crimes passionais?

3. Qual a definição jurídica para crime passional?

Questões:

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O conto liga-se ao desejo de ouvir e contar histórias, hábito inerente ao ser humano. Vem das

narrativas orais em noite de luar, passa pelas narrativas gregas e romanas, pelas lendas

orientais, pelas parábolas bíblicas.

Ao longo do tempo, ele tomou formas distintas, resultando numa riqueza de tipos com difícil

classificação. No entanto, são comuns antologias que os reúna por regiões, por nacionalidade

ou por subgêneros: contos fantásticos, maravilhosos, mistério, terror, etc.

Os críticos literários, os escritores, os estudiosos da literatura vêm, de longa data, tentando

definir o conto, sem, no entanto, chegar a um senso comum. O Brasil possui grandes contistas,

entre eles podemos citar: Rubem Braga, Clarice Lispector, Dalton Trevisan, Guimarães Rosa,

Mário de Andrade e inúmeros outros.

Agora, vamos conhecer outro conto que também trata de paixão e adultério. O conto ―Uns

Braços‖ (publicado em 1885) encontra-se disponível no site http://www.academia.org.br/ ou

consulte a livro Várias histórias de Machado de Assis. Após a leitura vamos estudar o texto.

Os slides que vamos assistir demonstram que o conto apresenta a seguinte estrutura:

Introdução: a paixão de Inácio por D. Severina; atitudes sonhadoras; maus tratos do patrão.

Desenvolvimento: constatação da paixão por D. Severina; atenção especial ao jovem,

oscilando com desprezo; Inácio cada vez mais apaixonado; observação atenta por parte dela;

envolvimento dela.

Desfecho: ela beija Inácio; arrependimento, conflito interior; Borges despede Inácio; separação;

Inácio não compreende o ocorrido; a lembrança será eterna para ele.

Tema: Paixão adolescente/ adultério

Conhecendo o conto:

”Uns Braços”

Slides

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1. A caracterização da adolescência é descrita pelo uso da metáfora: ‖alguma coisa que deve

sentir a planta, quando abotoa a primeira flor‖. Partindo dessa metáfora, por que a paixão de

Inácio foi tão significativa para ele?

2. No trecho: ―Encarou-os pouco a pouco, ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os

foi descobrindo, mirando e amando‖. Que efeito de sentido que se obtém com a sequência de

verbos no gerúndio?

Mary Cassatt - Woman with a Pearl Necklace in a Loge, 1879.

http://www.maguetas.com.br/impressionismo/cassatt/

3. Os braços de D. Severina são descritos na perspectiva do jovem Inácio o que justifica o

título do conto, já que ele apaixona-se por eles. Como se explica a admiração de Inácio

pelos braços de D. Severina?

4. No início do conto, a caracterização de D. Severina é de uma dona de casa comum e pouco

sensual, porém essa imagem se desfaz no decorrer do percurso. Como se explica essa

mudança?

Outro conto, a mesma temática

É inevitável a comparação com o conto Missa do Galo

(publicado originalmente em 1893, portanto, oito anos

depois de Uns Braços), que apresenta a mesma

temática. A personagem Conceição é uma mulher

madura que fascina um jovem de dezessete anos. Ela,

valendo-se da técnica da dissimulação, seduz

Nogueira que vê os braços parcialmente descobertos

o que, para ele, é um encanto a mais. O efeito

narrativo nos dois contos reforça-se pelo fato de os

jovens serem ingênuos e possuírem compreensão

parcial do fato. Essa obsessão visual quase táctil na

descrição dos ―braços‖ aparece também em Dom

Casmurro, onde o autor dispensa um capítulo para

descrevê-los.

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5. O enunciador cria uma atmosfera de silenciamento nos momentos que antecedem a cena do

beijo, silêncio que vai sendo quebrado aos poucos. Que elementos são usados para reforçar

a cena e qual a função que desempenham?

6. A Fantasia, no conto, está diretamente ligada ao personagem Inácio como característica

fundamental da adolescência, porém essa característica vai marcar também a personagem D.

Severina. Identifique onde isso ocorre na narrativa e o motivo que leva a essa mudança.

7. A prosa realista geralmente é marcada por registrar o tempo, o lugar e o espaço precisos na

narrativa, isto para imprimir um tom de realidade aos fatos. Qual o tempo de duração da

paixão de Inácio? Qual cidade é o cenário do conto?

Teatro municipal do Rio de Janeiro (1910), de Marc Ferrez. http://www.machadodeassis.ufsc.br/imagens.html

8. Há, no conto, uma referência bíblica quando Inácio está devaneando e vê na parede as

imagens de São Pedro e São João. Como essas imagens contribuem para evidenciar as

oposições Juventude X Maturidade?

9. Ao longo da narrativa, é possível identificar que a personagem D. Severina apresenta atitudes

de rejeição e de aceitação dos sentimentos de Inácio.

a) Quais as atitudes que demonstram essa ambiguidade?

b) Qual das atitudes predomina no percurso? Exemplifique.

Em muitas obras de

Machado de Assis, o teatro

municipal do Rio de Janeiro

figura como cenário.

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10. No conto, as personagens são marcadas por sentimentos antagônicos que as colocam em

conflito interior. Quais os termos que mais se destacam na narrativa?

( ) juventude X maturidade

( ) amor X ódio

( ) hipocrisia X sinceridade

( ) fantasia X realidade

11. A palavra sonho é usada com dois sentidos distintos no texto. O sentido real ―imagens do

inconsciente‖ e como ―fantasias, devaneios‖. Encontre trechos que exemplifiquem essas

afirmações.

12. O narrador do conto é onisciente, isto é, domina o universo psicológico das personagens, ao

mesmo tempo, nos oferece indícios do que vai acontecer. Explique como isso ocorre na

cena posterior ao beijo.

13. Para caracterizar as personagens, o enunciador utiliza-se de palavras ou expressões que

imprimem efeito de realidade as mesmas. Retire do texto:

a) Marcas de ingenuidade de Inácio.

b) Marcas da paixão de Inácio.

c) Marcas da maturidade de D. Severina.

d) Marcas de severidade de Borges.

As entrelinhas

“O modo pelo qual o contista Machado representa a

realidade traz consigo a sutileza em relação ao não-dito,

que abre para as ambigüidades, em que vários sentidos

dialogam entre si. Portanto, nos seus contos,

paralelamente ao que acontece, há sempre o que parece

estar acontecendo. E disto nunca chegamos há uma

certeza. Isto tudo é montado a partir dos gestos, olhares,

cochichos e entrelinhas.‖

(GOTLIB, 1990, p.78)

Narrador - é o simulacro discursivo do

enunciador, explicitamente instalado no

discurso, a quem o enunciador delegou a voz,

ou seja, o dever e o poder narrar o discurso em

seu lugar. (BARROS, 1988, p.88)

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14. Uma particularidade nas obras do autor é não apresentar o amor materno e uma

desconstrução da instituição familiar. Justifique essa afirmação com elementos do texto.

* A visão jurídica da traição no Brasil hoje.

15. Observe os trechos abaixo, em seguida responda:

a) Em quais trechos o narrador demonstra proximidade com o leitor? Qual o propósito dessa

aproximação?

b) Como é o posicionamento do narrador nos demais trechos?

A personagem feminina

Ressalta-se aqui, que as mulheres nos contos machadianos não são

idealizadas como mulher-mãe, mas sim, como mulheres dissimuladas,

fascinantes e dominadoras. Os casamentos são apresentados de forma

pessimista, insatisfatórios e infelizes, observe que no conto o casamento nem

se quer é oficializado: ‖senhora com vivia maritalmente‖. Sob o ponto de vista

jurídico da época, a traição implicava em adultério para as mulheres,

enquanto os relacionamentos extraconjugais masculinos eram previstos como

concubinato, essa distinção expõe o machismo a que as mulheres eram

submetidas.

I. ―Aqui o sonho coincide com a realidade, e as mesmas bocas uniram se na imaginação e fora dela‖.

II. ―Não digo que ficou em paz com os meninos, porque nosso Inácio não era propriamente um menino‖.

III. ―E esta ideia abateu-lhe o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a turvação dos sentidos‖.

IV. ―Aceso o charuto, fincou os cotovelos na mesa e falou a D. Severina de trinta mil coisas que não interessavam nada ao nosso Inácio‖.

Pesquisando

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15. ‖Não era só um domingo cristão; era um imenso domingo universal‖. A utilização do adjetivo

―universal‖ produz qual efeito de sentido no trecho acima?

16. No decorrer da narrativa, podemos identificar em várias ocorrências a oposição entre os

termos Realidade X Fantasia.

A partir das frases dadas, diga se predomina nelas a fantasia ou a realidade.

a) ―pôs os olhos na parede donde viu sair a dama de seus cuidados‖

b) ‖Aguentava toda a trabalheira‖

Faça o mesmo, agora observando as ações de D. Severina.

a) ―turvação dos sentidos‖

b) ‖fugiu até à porta, vexada‖

7. Leia o texto que divulga o filme: “Iracema, a virgem dos lábios de mel” e responda:

Iracema - personagem de José de Alencar

http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/modules/mylinks/viewcat.php?cid=14

Filme: Iracema, a virgem dos lábios

de mel

―Iracema, a virgem dos lábios de mel‖ é um filme brasileiro de 1979. Dirigido por Carlos Coimbra com trilha sonora de Toquinho e Vinicius de Moraes.

É uma adaptação do romance de José de Alencar ―Iracema‖. Tem no elenco: Helena Ramos, Tony Correia, Carlos Koppa, Francisco Di Franco, Alberto Ruschel, Mário Benvenuti Filho.

Leitura complementar

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Iracema, um dos mais belos romances de José de Alencar, foi publicado em 1865. O

romance é um dos maiores representantes da literatura romântica brasileira. De forma

poética, o romance narra o amor de um branco, Martim Soares Moreno, pela índia Iracema,

a virgem dos lábios de mel e de cabelos tão negros como a asa da graúna.

O envolvimento amoroso do casal, segundo os críticos, servirá de alegoria para a formação da nação brasileira. A índia Iracema representaria a natureza virgem e a inocência, enquanto o colonizador Martim (referência explicita ao deus grego da guerra, Marte) representa a cultura (européia). Da junção dos dois surgirá à nação brasileira representada alegoricamente, então, pelo filho do casal, Moacir ("filho do sofrimento"). A palavra Iracema é um anagrama da palavra América.

18. A descrição é um recurso bastante usado nas narrativas, especialmente para caracterizar as

personagens. Observe a descrição da personagem Iracema, do romance de José de Alencar

e de D. Severina, do conto de Machado de Assis. Há entre as duas obras diferenças do

período de produção e, portanto, traços que as vinculam respectivamente ao Romantismo e

ao Realismo.

a) Em qual dos fragmentos a personagem é apresentada de forma mais próxima do real?

b) Em qual deles temos uma descrição que exalta e idealiza a personagem?

c) Qual dos textos possui vocabulário e construções mais sofisticadas, estilo poético?

d) Considerando as estéticas realista e romântica dos trechos acima classifique - os.

I- ―Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da

graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu

sorriso, nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.‖

II – ―De pé, era muito vistosa; andando, tinha meneios engraçados; ele, entretanto, quase

que só a via à mesa, onde, além dos braços, mal poderia mirar-lhe o busto. Não se pode

dizer que era bonita; mas também não era feia. Tudo isso com vinte e sete anos floridos e

sólidos.‖

IRACEMA

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Talvez o romance mais conhecido e polêmico da nossa Literatura seja ―Dom Casmurro”. Isso

se deve ao fato de se querer provar a infidelidade de Capitu ou se a infidelidade dela foi,

apenas, fruto da mente atormentada de Bento. A obsessão visual quase táctil na descrição

dos ―braços‖ aparece também em ―Dom Casmurro”, onde o autor dispensa um capítulo inteiro

só para descrevê-los. Em todos os textos, há o fetichismo masculino por eles, que estão nus,

nudez parcial que representa todo o corpo. A história se passa no Rio de Janeiro no Segundo

Império e conta a trajetória de Bentinho e Capitu. É um romance narrado em primeira pessoa

pelo personagem principal Bentinho. Sendo assim, apresenta apenas a interpretação dos

fatos na perspectiva do narrador-personagem, não apresentando em nenhum momento

outras visões.

Capitu - personagem de Machado de Assis

http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/modules/mylinks/viewcatphp?cid=14

Agora, vamos ler um trecho do capítulo CV ―Os Braços‖, onde o narrador descreve os braços

de Capitu em seguida responda as questões.

Ampliando o tema. Romance e Filme

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Dom Casmurro - capítulo CV

a) No texto, Bento possui atitudes quase doentias para impedir que os braços de Capitu

fossem visto ou tocados por outros. O que os braços de Capitu representam,

considerando que Bento está enciumado?

b) O enunciador nos apresenta o comentário de Capitu a respeito dos braços da amiga

Sancha. Esse comentário reforça o conceito que ela possui de si. Qual conceito Capitu

expõe com tal comentário?

c) A aproximação com a leitora evidencia-se no texto acima com um tom provocativo. Retire

do texto o trecho que comprova essa afirmação.

d) No trecho: ―fartavam de olhar para eles, de os buscar, quase de os pedir...‖. Qual o efeito

de sentido que se obtém com a sequência verbal?

Os braços merecem um período.

Eram belos, e na primeira noite que os levou nus a um baile, não creio que houvesse iguais na

cidade, nem os seus, leitora, que eram então de menina, se eram nascidos, mas provavelmente

estariam ainda no mármore, donde vieram, ou nas mãos do divino escultor. Eram os mais belos

da noite, a ponto que me encheram de desvanecimento. Conversava mal com as outras pessoas,

só para vê-los, por mais que eles se entrelaçassem aos das casacas alheias. Já não foi assim no

segundo baile; nesse, quando vi que os homens não se fartavam de olhar para eles, de os

buscar, quase de os pedir, e que roçavam por eles as mangas pretas, fiquei vexado e aborrecido.

Ao terceiro não fui, e aqui tive o apoio de Escobar, a quem confiei candidamente os meus

tédios; concordou logo comigo.

— Sanchinha também não vai, ou irá de mangas compridas; o contrário parece-me decente.

— Não é? Mas não diga o motivo; hão de chamar-nos seminaristas. Capitu já me chamou

assim.

Nem por isso deixei de contar a Capitu a aprovação de Escobar. Ela sorriu e respondeu que os

braços de Sanchinha eram mal feitos, mas cedeu depressa, e não foi ao baile; a outros foi, mas

levou-os meio vestidos de escumilha ou não sei que, que nem cobria nem descobria

inteiramente, como o cendal de Camões. http://www.academia.org.br/

Machado de Assis, Dom

Casmurro

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Muitas obras literárias são transportadas para o cinema, apresentando outra linguagem e

outras leituras. O trecho do filme (algumas cenas não são adequadas para menores) que

vamos assistir é baseado na obra de Machado de Assis, “Dom Casmurro‖.

Sinopse: Bento, vivido pelo ator Marcos Palmeira, é batizado com esse nome porque seus pais

são admiradores das obras de Machado de Assis. A homenagem ao personagem homônimo do

livro "Dom Casmurro", foi sendo reforçada inúmeras vezes pelos pais e amigos. O jovem Bento

foi cresceu é foi assumindo a identidade do personagem e sentindo-se destinado a viver aquela

história. Ele teve na infância uma amiga chamava Ana, interpretada por Maria Fernanda

Cândido, a quem apelidou Capitu. Já adulto trabalha como engenheiro e morra em São Paulo. A

reaproximação dos dois se dá por meio do também amigo de infância Miguel, Bruno Garcia, que

é produtor musical. O encontro se dá em São Paulo, mas é o Rio de Janeiro o cenário perfeito

para que o romance renasça de forma avassaladora. Ciúmes, desconfianças e uma paixão sem

limites são os ingredientes do filme que tem a direção de Moacyr Góes.

1. Pela leitura do texto acima, é possível traçar um paralelo entre a personagem Ana do filme

(apelidada de Capitu) e Capitu a personagem do romance. Neste, Capitu deixa dúvidas quanto

a sua lealdade ao amor do esposo. A ambiguidade da traição de Ana evidencia-se também no

filme? Argumente.

Ficha técnica:

título original: Dom gênero: Drama duração: 01 hs 31 min ano de lançamento: 2003 estúdio: Diler & Associados / Warner

Bros. distribuidora: Warner Bros. direção: Moacyr Góes roteiro: Moacyr Góes produção: Telmo Maia e Diler Trindade música: Ary Sperling fotografia:Toca Seabra direção de arte: Paulo Flaksman

Filme

Cartaz que divulga o filme. http://www.adorocinema.com/filmes/dom/dom.asp

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Personagens e obras marcantes

As grandes obras literárias, além de apresentar os

homens e o mundo de maneira particular e inusitada,

apresentam também, essa possibilidade de dialogar com

outras criações artísticas, em momentos distintos. A

exemplo disso, a personagem Capitu do romance Dom

Casmurro que nasceu em 1889, considerando a data em

que o livro foi publicado, sempre esteve entre nós,

graças ao seu intrigante comportamento e às dúvidas

que pairam sobre um possível adultério. Canções,

filmes, miniséries, entre outros usos e referências ao

personagem são feitos todos os dias, o que nos permite

assegurar, com certa segurança, que ainda vamos ouvir

falar muito dela.

2. A personagem Ana é apresenta com caractrísticas femininas marcantes que a vincula ao

século XXI. No filme, há uma referência quanto a isso numa conversa de Bento com o amigo

Miguel.

a) Quais os traços feministas da personalidade de Ana despertam o ciúme de Bento?

b) Que atitude ele toma em relação a isso?

3. O romance de Machado utiliza-se o recurso de flashback, ou seja, as lembranças da infância

estão sempre presentes na mente de Bento e os acontecimentos não seguem uma sequência

fixa. Considerando que o cinema possui outras linguagens, como isso foi explorando no filme?

4. Como no livro, Bento tem dúvidas quanto à paternidade de Joaquim e consequentemente

suspeita da lealdade do amigo. Em várias cenas, o comportamento doentio de Bento vai

tomando-se evidente.

a) Qual a cena do filme que essas suspeitas começam a se delinear?

b) Cite a atitude extrema que ele toma para comprovar a paternidade do filho, e quais as

consequências disso.

5. Argumente sobre o desfecho do filme. Bento demonstra arrependimento por ter despresado

Ana? Sente-se culpado pelo ocorrido? Quais as atitudes dele comprovam que ele estava

enganado?

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Todos os textos abordados até o momento apresentaram uma visão romanceada do amor, relacionada à emoção, porém não podemos deixar de lado a visão científica que explica as reações químicas que ocorrem no organismo de quem está apaixonado. Os textos abaixo servirão de parâmetro para essa discussão. Em seguida, produza um texto argumentativo com o tema:

Mais cedo ou mais tarde ela chegará, mas é na adolescência que a paixão aparece com mais força. O que fazer quando ―rolar a química‖?

Planejando o seu texto:

Expresse claramente o seu ponto de vista, ele deve ser defendido com os argumentos selecionados e organizados previamente;

Empregue a norma padrão;

Acrescente um título sugestivo;

Revisse o seu texto, fazendo as alterações necessárias.

Produzindo

PAIXÃO X TEMPO

Existe um limite de tempo para homens e mulheres sentirem os

arroubos da paixão? Segundo a professora Cindy Hazan, da

Universidade Cornell de Nova Iorque, sim. Ela diz: "seres

humanos são biologicamente programados para se sentirem

apaixonados durante 18 a 30 meses". Ela entrevistou e testou

5.000 pessoas de 37 culturas diferentes e descobriu que a paixão

possui um "tempo de vida" longo o suficiente para que o casal se

conheça, copule e produza uma criança.

http://www.afh.bio.br/especial/paixao.asp

A química do amor

A tontura inicial que surge quando estamos nos apaixonando inclui um aceleramento do

coração, rubor na pele e umidade nas mãos. Os pesquisadores afirmam que isso ocorre por

causa da dopamina, norepinefrina e feniletilamina que eliminamos. A dopamina é

considerada o "elemento químico do prazer", que produz a sensação de felicidade. A

norepinefrina é semelhante à adrenalina e causa a aceleração do coração e a excitação. De

acordo com Helen Fisher, antropóloga e pesquisadora do amor da Universidade Rutgers,

estes dois elementos juntos causam elevação, energia intensa, falta de sono, paixão, perda de

apetite e foco único. Ela também afirma que "O corpo humano lança o coquetel do êxtase do

amor apenas quando encontramos certas condições e... os homens produzem esse coquetel

com mais facilidade, por causa de sua natureza mais visual".

http://pessoas.hsw.uol.com.br/amor6.htm

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REFERÊNCIAS

ACADEMIA Brasileira de Letras. Disponível em: <http://www.academia.org.br/> Acesso

em: 12/03/2010.

ADORO Cinema. Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/dom/dom.asp>.

Acesso em: 18/03/2010.

ASSIS, Machado de. Contos completos de Machado de Assis. Disponível em:

<http://www2.uol.com.br/machadodeassis/machado.html>. Acesso em: 15/08/2009.

ASSIS, Machado de. Obra completa. 2ed. Rio de Janeiro: Aguilar, 1962, v. 3, p. 806,

apud BRAYNER, Sônia (org.). O conto de Machado de Assis. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1981, p. 8.

BARROS, Diana Luz Pessoa & Fiorin, José Luiz (org.). Dialogismo, Polifonia,

Intertextualidade. São Paulo, Edusp, 1994.

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo, Ática, 1988.

BRAYNER, Sônia (org.). O conto de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1981, 12.

COMO tudo funciona. Disponível em: <http://pessoas.hsw.uol.com.br/amor6.htm>

Acesso em: 15/08/2009.

DICIONÁRIO do Aurélio Online. Disponível em: <http://dicionariodoaurelio.com/>.

Acesso 20/03/2010.

ELUF, Luiza Nagib. A Paixão no Banco dos Réus. 3 ed. São Paulo Saraiva, 2007.

FILMES raros. Disponível em: <http://www.filmesraros.com.br/>. Acesso 18/03/2010.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Homicídio qualificado: motivo fútil e motivo torpe.

Disponível em:

<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/4776/4346>.

Acesso em: 05/05/2010.

GALERIA de Pintores Impressionistas Clássicos. Disponível em:

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ANEXO: Contos ―A Cartomante‖ e ―Uns Braços:

A Cartomante

Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.

— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: A senhora gosta de uma pessoa...‖ Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

— Errou! interrompeu Camilo, rindo. — Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você

sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria... Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os

seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois...

— Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa. — Onde é a casa? — Aqui perto, na Rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu

não sou maluca. Camilo riu outra vez: — Tu crês deveras nessas coisas? perguntou-lhe. Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita coisa

misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila e satisfeita.

Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.

Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga Rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu pela Rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda Velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.

Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a

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magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.

— É o senhor? exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do senhor.

Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmentia as cartas do

marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vinte e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava- lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.

Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário, Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.

Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femmina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; — ela mal — ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aí as coisas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo.

Assim é o homem, assim são as coisas que o cercam. Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando

dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura;

mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se

acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.

Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido para tornar menos dura a aleivosia do ato.

Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.

Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio. Rita concordou que era possível.

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— Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com as das cartas que lá

aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a... Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando

pouco, como desconfiado. Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram. A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lhe ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combinaram os meios de se corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas.

No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: ― Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas coisas com a notícia da véspera.

— Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora — repetia ele com os olhos no papel.

Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando da pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a idéia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a idéia de estarem descobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto.

Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas; ou então — o que era ainda pior — eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. ―Vem já, já, à nossa casa;preciso falar-lhe sem demora‖. Ditas assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo depois rejeitava a idéia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na direção do Largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo.

― Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar assim...‖ Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria

a entestar com o perigo. Quase no fim da Rua da Guarda Velha, o tílburi teve de parar; a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.

Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver nada. A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas.

O cocheiro propôs-lhe voltar à primeira travessa, e ir por outro caminho; ele respondeu que não, que esperasse. E inclinava-se para fitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a idéia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas; desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens, safando a carroça:

— Anda! agora! empurra! vá! vá!

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Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras

coisas; mas a voz do marido sussurrava-lhe às orelhas as palavras da carta: ―Vem, já, já...‖ E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas queriam descer e entrar... Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas coisas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários; e a mesma frase do príncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro: ―Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a filosofia...‖ Que perdia ele, se...?

Deu por si na calçada, ao pé da porta; disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pegajoso; mas ele não viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teve idéia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para o telhado dos fundos. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que destruía o prestígio.

A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:

— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto... Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo. — E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não... — A mim e a ela, explicou vivamente ele. A cartomante não sorriu; disse-lhe só que esperasse. Rápido pegou outra vez das cartas e

baralhou-as, com os longos dedos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os maços, uma, duas, três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela, curioso e ansioso.

— As cartas dizem-me... Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse

medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável muita cautela; ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.

— A senhora restituiu-me a paz ao espírito, disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.

Esta levantou-se, rindo. — Vá, disse ela; vá, ragazzo innamorato... E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa. Camilo estremeceu, como se fosse a mão

da própria sibila, e levantou-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas, tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las, mostrando duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma ação comum, a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse; ignorava o preço.

— Passas custam dinheiro, disse ele afinal, tirando a carteira. Quantas quer mandar buscar? — Pergunte ao seu coração, respondeu ela. Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço

usual era dois mil-réis. — Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá,

tranqüilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...

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A cartomante tinha já guardado a nota na algibeira, e descia com ele, falando, com um leve

sotaque. Camilo despediu-se dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante, alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.

Tudo lhe parecia agora melhor, as outras coisas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.

— Vamos, vamos depressa, repetia ele ao cocheiro. E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer coisa; parece que formou

também o plano de aproveitar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos, reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas e contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a exortação: — Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz. A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável. Daí a pouco chegou à casa de Vilela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.

— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?

Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão...

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Uns Braços

Inácio estremeceu, ouvindo os gritos do solicitador, recebeu o prato que este lhe apresentava e tratou de comer, debaixo de uma trovoada de nomes, malandro, cabeça-de-vento, estúpido, maluco.

— Onde anda que nunca ouve o que lhe digo? Hei de contar tudo a seu pai, para que lhe sacuda a preguiça do corpo com uma boa vara de marmelo, ou um pau; sim, ainda pode apanhar, não pense que não. Estúpido! maluco!

— Olhe que lá fora é isto mesmo que você vê aqui, continuou, voltando-se para D. Severina, senhora que vivia com ele maritalmente, há anos. Confunde-me os papéis todos, erra as casas, vai a um escrivão em vez de ir a outro, troca os advogados: é o diabo! É o tal sono pesado e contínuo. De manhã é o que se vê; primeiro que acorde é preciso quebrar-lhe os ossos... Deixe; amanhã hei de acordá-lo a pau de vassoura!

D. Severina tocou-lhe no pé, como pedindo que acabasse. Borges expectorou ainda alguns impropérios, e ficou em paz com Deus e os homens.

Não digo que ficou em paz com os meninos, porque o nosso Inácio não era propriamente menino. Tinha quinze anos feitos e bem feitos. Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, que quer saber e não acaba de saber nada. Tudo isso posto sobre um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido. O pai é barbeiro na Cidade Nova, e pô-lo de agente, escrevente, ou que quer que era, do solicitador Borges, com esperança de vê-lo no foro, porque lhe parecia que os procuradores de causas ganhavam muito. Passava-se isto na Rua da Lapa, em 1870.

Durante alguns minutos não se ouviu mais que o tinir dos talheres e o ruído da mastigação. Borges abarrotava-se de alface e vaca; interrompia-se para virgular a oração com um golpe de vinho e continuava logo calado.

Inácio ia comendo devagarzinho, não ousando levantar os olhos do prato, nem para colocá-los onde eles estavam no momento em que o terrível Borges o descompôs. Verdade é que seria agora muito arriscado. Nunca ele pôs os olhos nos braços de D. Severina que se não esquecesse de si e de tudo.

Também a culpa era antes de D. Severina em trazê-los assim nus, constantemente. Usava mangas curtas em todos os vestidos de casa, meio palmo abaixo do ombro; dali em diante ficavam-lhe os braços à mostra. Na verdade, eram belos e cheios, em harmonia com a dona, que era antes grossa que fina, e não perdiam a cor nem a maciez por viverem ao ar; mas é justo explicar que ela os não trazia assim por faceira, senão porque já gastara todos os vestidos de mangas compridas. De pé, era muito vistosa; andando, tinha meneios engraçados; ele, entretanto, quase que só a via à mesa, onde, além dos braços, mal poderia mirar-lhe o busto. Não se pode dizer que era bonita; mas também não era feia. Nenhum adorno; o próprio penteado consta de mui pouco, alisou os cabelos, apanhou-os, atou-os e fixou-os no alto da cabeça com o pente de tartaruga que a mãe lhe deixou. Ao pescoço, um lenço escuro; nas orelhas, nada. Tudo isso com vinte e sete anos floridos e sólidos.

Acabaram de jantar. Borges, vindo o café, tirou quatro charutos da algibeira, comparou-os, apertou-os entre os dedos, escolheu um e guardou os restantes. Aceso o charuto, fincou os cotovelos na mesa e falou a D. Severina de trinta mil coisas que não interessavam nada ao nosso Inácio; mas enquanto falava, não o descompunha e ele podia devanear à larga.

Inácio demorou o café o mais que pôde. Entre um e outro gole, alisava a toalha, arrancava dos dedos pedacinhos de pele imaginários, ou passava os olhos pelos quadros da sala de jantar, que eram dois, um S. Pedro e um S. João, registros trazidos de festas encaixilhados em casa. Vá que disfarçasse com S. João, cuja cabeça moça alegra as imaginações católicas; mas com o austero S. Pedro era demais. A única defesa do moço Inácio é que ele não via nem um nem outro; passava os olhos por ali como por nada. Via só os braços de D. Severina — ou porque sorrateiramente olhasse para eles, ou porque andasse com eles impressos na memória.

— Homem, você não acaba mais? bradou de repente o solicitador.

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Não havia remédio; Inácio bebeu a última gota, já fria, e retirou-se, como de costume, para o

seu quarto, nos fundos da casa. Entrando, fez um gesto de zanga e desespero e foi depois encostar-se a uma das duas janelas que davam para o mar. Cinco minutos depois, a vista das águas próximas e das montanhas ao longe restituía-lhe o sentimento confuso, vago, inquieto, que lhe doía e fazia bem, alguma coisa que deve sentir a planta, quando abotoa a primeira flor. Tinha vontade de ir embora e de ficar. Havia cinco semanas que ali morava, e a vida era sempre a mesma, sair de manhã com o Borges, andar por audiências e cartórios, correndo, levando papéis ao selo, ao distribuidor, aos escrivães, aos oficiais de justiça. Voltava à tarde, jantava e recolhia-se ao quarto, até a hora da ceia; ceava e ia dormir. Borges não lhe dava intimidade na família, que se compunha apenas de D. Severina, nem Inácio a via mais de três vezes por dia, durante as refeições. Cinco semanas de solidão, de trabalho sem gosto, longe da mãe e das irmãs; cinco semanas de silêncio, porque ele só falava uma ou outra vez na rua; em casa, nada.

— Deixe estar — pensou ele um dia — fujo daqui e não volto mais. Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D. Severina. Nunca vira outros tão

bonitos e tão frescos. A educação que tivera não lhe permitia encará-los logo abertamente, parece até que a princípio afastava os olhos, vexado. Encarou-os pouco a pouco, ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os foi descobrindo, mirando e amando. No fim de três semanas eram eles, moralmente falando, as suas tendas de repouso. Agüentava toda a trabalheira de fora, toda a melancolia da solidão e do silêncio, toda a grosseria do patrão, pela única paga de ver, três vezes por dia, o famoso par de braços.

Naquele dia, enquanto a noite ia caindo e Inácio estirava-se na rede (não tinha ali outra cama), D. Severina, na sala da frente, recapitulava o episódio do jantar e, pela primeira vez, desconfiou alguma coisa. Rejeitou a idéia logo, uma criança! Mas há idéias que são da família das moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tornam e pousam. Criança? Tinha quinze anos; e ela advertiu que entre o nariz e a boca do rapaz havia um princípio de rascunho de buço. Que admira que começasse a amar? E não era ela bonita? Esta outra idéia não foi rejeitada, antes afagada e beijada. E recordou então os modos dele, os esquecimentos, as distrações, e mais um incidente, e mais outro, tudo eram sintomas, e concluiu que sim.

— Que é que você tem? disse-lhe o solicitador, estirado no canapé, ao cabo de alguns minutos de pausa.

— Não tenho nada. — Nada? Parece que cá em casa anda tudo dormindo! Deixem estar, que eu sei de um bom

remédio para tirar o sono aos dorminhocos... E foi por ali, no mesmo tom zangado, fuzilando ameaças, mas realmente incapaz de as

cumprir, pois era antes grosseiro que mau. D. Severina interrompia-o que não, que era engano, não estava dormindo, estava pensando na comadre Fortunata. Não a visitavam desde o Natal; por que não iriam lá uma daquelas noites? Borges redargüia que andava cansado, trabalhava como um negro, não estava para visitas de parola; e descompôs a comadre, descompôs o compadre, descompôs o afilhado, que não ia ao colégio, com dez anos! Ele, Borges, com dez anos, já sabia ler, escrever e contar, não muito bem, é certo, mas sabia. Dez anos! Havia de ter um bonito fim: — vadio, e o côvado e meio nas costas. A tarimba é que viria ensiná-lo.

D. Severina apaziguava-o com desculpas, a pobreza da comadre, o caiporismo do compadre, e fazia-lhe carinhos, a medo, que eles podiam irritá-lo mais. A noite caíra de todo; ela ouviu o tlic do lampião do gás da rua, que acabavam de acender, e viu o clarão dele nas janelas da casa fronteira. Borges, cansado do dia, pois era realmente um trabalhador de primeira ordem, foi fechando os olhos e pegando no sono, e deixou-a só na sala, às escuras, consigo e com a descoberta que acaba de fazer.

Tudo parecia dizer à dama que era verdade; mas essa verdade, desfeita a impressão do assombro, trouxe-lhe uma complicação moral, que ela só conheceu pelos efeitos, não achando meio de discernir o que era. Não podia entender-se nem equilibrar-se, chegou a pensar em dizer

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tudo ao solicitador, e ele que mandasse embora o fedelho. Mas que era tudo? Aqui estacou: realmente, não havia mais que suposição, coincidência e possivelmente ilusão. Não, não, ilusão não era. E logo recolhia os indícios vagos, as atitudes do mocinho, o acanhamento, as distrações, para rejeitar a idéia de estar enganada. Daí a pouco (capciosa natureza!), refletindo que seria mau acusá-lo sem fundamento, admitiu que se iludisse, para o único fim de observá-lo melhor e averiguar bem a realidade das coisas.

Já nessa noite, D. Severina mirava por baixo dos olhos os gestos de Inácio; não chegou a achar nada, porque o tempo do chá era curto e o rapazinho não tirou os olhos da xícara. No dia seguinte pôde observar melhor, e nos outros otimamente. Percebeu que sim, que era amada e temida, amor adolescente e virgem, retido pelos liames sociais e por um sentimento de inferioridade que o impedia de reconhecer-se a si mesmo. D. Severina compreendeu que não havia recear nenhum desacato, e concluiu que o melhor era não dizer nada ao solicitador; poupava-lhe um desgosto, e outro à pobre criança. Já se persuadia bem que ele era criança, e assentou de o tratar tão secamente como até ali, ou ainda mais. E assim fez; Inácio começou a sentir que ela fugia com os olhos, ou falava áspero, quase tanto como o próprio Borges. De outras vezes, é verdade que o tom da voz saía brando e até meigo, muito meigo; assim como o olhar geralmente esquivo, tanto errava por outras partes, que, para descansar, vinha pousar na cabeça dele; mas tudo isso era curto.

— Vou-me embora, repetia ele na rua como nos primeiros dias. Chegava a casa e não se ia embora. Os braços de D. Severina fechavam-lhe um parêntese

no meio do longo e fastidioso período da vida que levava, e essa oração intercalada trazia uma idéia original e profunda, inventada pelo céu unicamente para ele. Deixava-se estar e ia andando. Afinal, porém, teve de sair, e para nunca mais; eis aqui como e por quê.

D. Severina tratava-o desde alguns dias com benignidade. A rudeza da voz parecia acabada, e havia mais do que brandura, havia desvelo e carinho. Um dia recomendava-lhe que não apanhasse ar, outro que não bebesse água fria depois do café quente, conselhos, lembranças, cuidados de amiga e mãe, que lhe lançaram na alma ainda maior inquietação e confusão. Inácio chegou ao extremo de confiança de rir um dia à mesa, coisa que jamais fizera; e o solicitador não o tratou mal dessa vez, porque era ele que contava um caso engraçado, e ninguém pune a outro pelo aplauso que recebe. Foi então que D. Severina viu que a boca do mocinho, graciosa estando calada, não o era menos quando ria.

A agitação de Inácio ia crescendo, sem que ele pudesse acalmar-se nem entender-se. Não estava bem em parte nenhuma. Acordava de noite, pensando em D. Severina. Na rua, trocava de esquinas, errava as portas, muito mais que dantes, e não via mulher, ao longe ou ao perto, que lha não trouxesse à memória. Ao entrar no corredor da casa, voltando do trabalho, sentia sempre algum alvoroço, às vezes grande, quando dava com ela no topo da escada, olhando através das grades de pau da cancela, como tendo acudido a ver quem era.

Um domingo — nunca ele esqueceu esse domingo — estava só no quarto, à janela, virado para o mar, que lhe falava a mesma linguagem obscura e nova de D. Severina. Divertia-se em olhar para as gaivotas, que faziam grandes giros no ar, ou pairavam em cima d’água, ou avoaçavam somente. O dia estava lindíssimo. Não era só um domingo cristão; era um imenso domingo universal.

Inácio passava-os todos ali no quarto ou à janela, ou relendo um dos três folhetos que trouxera consigo, contos de outros tempos, comprados a tostão, debaixo do passadiço do Largo do Paço. Eram duas horas da tarde. Estava cansado, dormira mal a noite, depois de haver andado muito na véspera; estirou-se na rede, pegou em um dos folhetos, a Princesa Magalona, e começou a ler. Nunca pôde entender por que é que todas as heroínas dessas velhas histórias tinham a mesma cara e talhe de D. Severina, mas a verdade é que os tinham. Ao cabo de meia hora, deixou cair o folheto e pôs os olhos na parede, de onde, cinco minutos depois, viu sair a dama dos seus cuidados. O natural era que se espantasse; mas não se espantou. Embora com

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as pálpebras cerradas viu-a desprender-se de todo, parar, sorrir e andar para a rede. Era ela; eram os seus mesmos braços.

É certo, porém, que D. Severina, tanto não podia sair da parede, dado que houvesse ali porta ou rasgão, que estava justamente na sala da frente ouvindo os passos do solicitador que descia as escadas. Ouviu-o descer; foi à janela vê-lo sair e só se recolheu quando ele se perdeu ao longe, no caminho da Rua das Mangueiras. Então entrou e foi sentar-se no canapé. Parecia fora do natural, inquieta, quase maluca; levantando-se, foi pegar na jarra que estava em cima do aparador e deixou-a no mesmo lugar; depois caminhou até à porta, deteve-se e voltou, ao que parece, sem plano. Sentou-se outra vez, cinco ou dez minutos. De repente, lembrou-se que Inácio comera pouco ao almoço e tinha o ar abatido, e advertiu que podia estar doente; podia ser até que estivesse muito mal.

Saiu da sala, atravessou rasgadamente o corredor e foi até o quarto do mocinho, cuja porta achou escancarada. D. Severina parou, espiou, deu com ele na rede, dormindo, com o braço para fora e o folheto caído no chão. A cabeça inclinava-se um pouco do lado da porta, deixando ver os olhos fechados, os cabelos revoltos e um grande ar de riso e de beatitude.

D. Severina sentiu bater-lhe o coração com veemência e recuou. Sonhara de noite com ele; pode ser que ele estivesse sonhando com ela. Desde madrugada que a figura do mocinho andava-lhe diante dos olhos como uma tentação diabólica. Recuou ainda, depois voltou, olhou dois, três, cinco minutos, ou mais. Parece que o sono dava à adolescência de Inácio uma expressão mais acentuada, quase feminina, quase pueril. Uma criança! disse ela a si mesma, naquela língua sem palavras que todos trazemos conosco. E esta idéia abateu-lhe o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a turvação dos sentidos.

— Uma criança! E mirou-o lentamente, fartou-se de vê-lo, com a cabeça inclinada, o braço caído; mas, ao

mesmo tempo que o achava criança, achava-o bonito, muito mais bonito que acordado, e uma dessas idéias corrigia ou corrompia a outra. De repente estremeceu e recuou assustada: ouvira um ruído ao pé, na saleta do engomado; foi ver, era um gato que deitara uma tigela ao chão. Voltando devagarinho a espiá-lo, viu que dormia profundamente. Tinha o sono duro a criança! O rumor que a abalara tanto, não o fez sequer mudar de posição. E ela continuou a vê-lo dormir — dormir e talvez sonhar.

Que não possamos ver os sonhos uns dos outros! D. Severina ter-se-ia visto a si mesma na imaginação do rapaz; ter-se-ia visto diante da rede, risonha e parada; depois inclinar-se, pegar-lhe nas mãos, levá-las ao peito, cruzando ali os braços, os famosos braços. Inácio, namorado deles, ainda assim ouvia as palavras dela, que eram lindas, cálidas, principalmente novas — ou, pelo menos, pertenciam a algum idioma que ele não conhecia, posto que o entendesse. Duas, três e quatro vezes a figura esvaía-se, para tornar logo, vindo do mar ou de outra parte, entre gaivotas, ou atravessando o corredor, com toda a graça robusta de que era capaz. E tornando, inclinava-se, pegava-lhe outra vez das mãos e cruzava ao peito os braços, até que, inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou os lábios e deixou-lhe um beijo na boca.

Aqui o sonho coincidiu com a realidade, e as mesmas bocas uniram-se na imaginação e fora dela. A diferença é que a visão não recuou, e a pessoa real tão depressa cumprira o gesto, como fugiu até à porta, vexada e medrosa. Dali passou à sala da frente, aturdida do que fizera, sem olhar fixamente para nada. Afiava o ouvido, ia até o fim do corredor, a ver se escutava algum rumor que lhe dissesse que ele acordara, e só depois de muito tempo é que o medo foi passando. Na verdade, a criança tinha o sono duro; nada lhe abria os olhos, nem os fracassos contíguos nem os beijos de verdade. Mas, se o medo foi passando, o vexame ficou e cresceu. D. Severina não acabava de crer que fizesse aquilo; parece que embrulhara os seus desejos na idéia de que era uma criança namorada que ali estava sem consciência nem imputação; e, meia mãe, meia amiga, inclinara-se e beijara-o. Fosse como fosse, estava confusa, irritada, aborrecida, mal consigo e mal com ele. O medo de que ele podia estar fingindo que dormia apontou-lhe na alma e deu-lhe um calafrio.

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Mas a verdade é que dormiu ainda muito, e só acordou para jantar. Sentou-se à mesa lépido.

Conquanto achasse D. Severina calada e severa e o solicitador tão ríspido como nos outros dias, nem a rispidez de um, nem a severidade da outra podiam dissipar-lhe a visão graciosa que ainda trazia consigo, ou amortecer-lhe a sensação do beijo. Não reparou que D. Severina tinha um xale que lhe cobria os braços; reparou depois, na segunda-feira, e na terça-feira, também, e até sábado, que foi o dia em que Borges mandou dizer ao pai que não podiaficar com ele; e não o fez zangado, porque o tratou relativamente bem e ainda lhe disse à saída:

— Quando precisar de mim para alguma coisa, procure-me. — Sim, senhor. A sra. D. Severina... — Está lá para o quarto, com muita dor de cabeça. Venha amanhã ou depois despedir-se

dela. Inácio saiu sem entender nada. Não entendia a despedida, nem a completa mudança de D.

Severina, em relação a ele, nem o xale, nem nada. Estava tão bem! falava-lhe com tanta amizade! Como é que, de repente... Tanto pensou que acabou supondo de sua parte algum olhar indiscreto, alguma distração que a ofendera; não era outra coisa; e daqui a cara fechada e o xale que cobria os braços tão bonitos... Não importa; levava consigo o sabor do sonho. E através dos anos, por meio de outros amores, mais efetivos e longos, nenhuma sensação achou nunca igual à daquele domingo, na Rua da Lapa, quando ele tinha quinze anos. Ele mesmo exclama às vezes, sem saber que se engana:

— E foi um sonho! um simples sonho!