Revista Prosa&Cinema

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ANO 1 - EDIÇÃO 1 - 30 DE SETEMBRO DE 2010

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Revista tematica que conta a historia de um filme trazendo personagens reais.

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Construir um projeto é trabalhoso. Concretizá-lo requer trabalho dobrado. A “Prosa&Cinema” nasce das ideias de um grupo que visa in-ovar e preencher as lacunas deixadas pelos grandões da comunicação. A partir desta edição o cotidiano passa a ser visto com olhar cinéfilo e particular. Cada edição trará um filme diferente, que servirá como trampolim para as pautas. Ou seja, os assuntos mostrados nas cenas serão trazidos para a vida real, para a nossa aldeia.

E para estrear as páginas até então brancas, levamos a você leitor um longa-metragem que consegue ser simples e ousado ao mesmo tempo. Coisas Insignificantes traz histórias a partir de objetos sem val-or material. Diante desse enfoque encontramos na vida real: Pompeu e os seus objetos históricos (veja página ...), Ricardo e o amor pela coleção (veja página...), os perdidos que acabam sob os cuidados de Victor(veja página...) e a espinhosa e exemplar história da psicóloga Giovana (veja página ...). São personagens da realidade, retratados tendo como base cenas de um filme.

A escolha foi inspirada no objetivo de surpreender a cada edição. O rigor de qualidade é pontuado neste editorial e deverá ser estendido aos demais. Então, caro leitor, seja bem-vindo ao universo da cultura e do cinema mesclado com o dia a dia da sociedade.

A maneira como as coisas in-significantes ganham sentido nas nossas vidas é a principal lição do filme. “Coisas Insignificantes” é um longa-metragem mexicano, di-rigido por Andrea Martinez. Lança-do em 2008, o filme traz a história de uma menina chamada Esmer-alda, que tem a mania de guardar em um baú objetos que encontra, como um papel com um número de telefone, um origami de cavalo marinho, uma flecha de papel en-tre outras coisas.

O filme gira em torno do que se passa por trás desses obje-tos aparentemente tão insignifi-cantes, mas que contém histórias desde problemas entre pai e filha a câncer infantil.

Esmeralda é uma menina que assumiu responsabilidades muito cedo. Além de trabalhar, a protag-onista cuida de sua irmã mais nova e de sua avó, que sofre de alucina-ções e passa acamada quase que a trama inteira.

O grande prazer da garota está em somar e observar os vários objetos que têm em um baú. O desenrolar deste belo filme cir-cula entre algumas dessas coi-sas, mostrando suas histórias e contando como foram parar no baú, mostrando que várias coisas passam despercebidas por nos-sos olhos, nos ensinando que coi-sas aparentemente insignificantes podem ser dotadas de um grande significado.

ENSAIOEDITORIAL

ExpedienteTrabalho realizado para a disciplina de “Práticas em Jornalismo Impresso” do 4º período do curso de Jornalismo da Faculdade Assis Gurgacz.

Jornalista responsável/Professora: Franciele Luzia de OliveiraAcadêmicos: Douglas Fernando, Maria Fernanda Kusmirski , Maycon Corazza e Pedro Sarolli.Projeto Gráfico: Douglas FernandoContato: (45) 8405-2725 / (44) 9960 - 4654E-mail: [email protected]

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achados ou perdidos ?

A rotina do responsável pelo lugar que é des-tino do resultado da correria e falta de atenção

uma moeda e muitas histórias

Alberto Pompeu, 72 anos, é um “vivente do Oeste do Paraná” que deseja manter viva a história através de objetos.

fósforos, canetas e corujas

O engenheiro que herdou do pai a paixão por coleções

METADES INSEPARÁVEIS

Lidar diariamente com o câncer é comum para a psicóloga Giovana Kreuz, mas não menos doloroso.

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Bizarrices são tão comuns quanto você pode imaginar. O local parece com tantas outras salas de uma fac-uldade particular de Cascavel. Não fosse o balcão presente logo após a porta e as mercadorias guardadas em prateleiras extensas e armários, o espaço em questão poderia muito bem abrigar alunos.

Mas no lugar dos estudantes está Vitor Hugo Onofre, funcionário deste departamento chamado al-moxarifado, ou na pronúncia de muitos almoXERIFADO. O que tor-na esse lugar usado normalmente como depósito estranho, ou bizarro como escrito no início desta report-agem? Bom, convido você a passar pro lado de lá do balcão e descobrir entre tantas coisas, como um biquí-ni molhado foi parar nas mãos de Vitor em uma tarde absolutamente normal.

O almoxarife parece um pouco

com Esmeralda, a garotinha que você viu descrita nas páginas desta revista, e que participou ativamente como mediadora da sua própria história e de muitas outras nas tomadas de Coisas Insignificantes. A personagem mexicana tra-balhava em uma espécie de restaurante. Pessoas pas-savam pelo e s t a b e l e c i -mento todos os dias: comiam, bebiam e mais de uma vez es-queciam objetos, ou simplesmente os descartavam. Atraída e seduzida por essas coi-sas insignificantes, a pequena em vez de jogar fora optava por guardá-los em uma caixinha.

Na vida real, Vitor trabalha há três anos na faculdade. Por ali, tam-bém passam pessoas em número mais significante. Elas comem, bebem, estudam, conversam, fu-mam e esquecem... é uma bolsa

deixada aqui, uma caneta per-dida por ali, e um documento lá. Como ócio do ofício, Vitor recebe essas coisas perdidas; e proibido de jogar fora as guarda em um armário. O almoxarifado também é o “achados e perdidos” da instituição.

No filme temos a chance de ver através dos olhos do diretor como os objetos pos-

suem histórias por trás de si. Con-hecer estas histórias e ver como elas se relacionam com a da guardiã dos objetos é o que mais encanta. Com Vitor é um pouco diferente.

Achados ou Perdidos ??por Maycon Corazza e Douglas Fernando

04// ACHADOS OU PERDIDOS?

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Ao contrário dos cacarecos - como diria minha avó - da tela de cinema, os do almoxarifado não valem nada sentimentalmente. Prova disso são as próprias coisas em questão.

Antes de realizar a entrevista pedi a Vitor que ele abrisse o armário onde os objetos se exilam. E então diante dos meus olhos estavam o resultado da desatenção ou/e des-cuido dos acadêmicos. Não ficar-ia feliz somente em conversar com o personagem, pergun-tar quais são os objetos que chegam até ali, e outras coi-sas do gênero. Sou obrigado a fazer outro pedido, desta vez quase que um desafio.

- Posso tirar essas coisas daí e dar uma olhada?

Ele ficou quieto e me olhou de um jeito contrariado que lembrou minha mãe quando pro-vocada. Antes de qualquer reação nova, emendei.

- Prometo que guardo tudo como estava – dou minha última cartada.

- Tudo bem, vai lá – disse pegando alguns cadernos.

Tinha muita coisa. No chão ficar-am espalhados: cadernos, bolsas, estojos, canetas, lápis, borrachas, chaves, livros, documentos, blu-sas, jalecos etc. Isso que mudanças foram feitas para diminuir o acúmu-lo de objetos. Há cerca de três anos eles ficam apenas durante um mês guardado no almoxarifado à espera do dono; depois alguns vão para doação, outros como documentos, são encaminhados aos Correios ou tomam outro destino.

“Melhorou bastante. Antes de ser desta forma as coisas ocupavam mais de um armário. Ficavam por aí até 6 meses esperando alguém vir buscar. Aí dei a ideia de diminuírem o tempo para trinta dias e eles aceitaram”, explicou.

Vendo aquele monte de coisas resolvi contar, principalmente os cadernos, que tinham maior vol-ume.

- 1,2,3,4,5...24,25,26 cadernos – terminei, enfim.

Surpreendente. Matematica-mente quase um caderno é perdido por dia. Identidades são 20; cartei-ras de motorista (CNH) 13, fora as certidões de nascimento, CPF’S, títulos de eleitor e afins.

“Grande parte dos documentos são esquecidos em concursos re-alizados aqui. São pessoas de fora, de outras cidades. Neste caso é por

descuido mesmo, porque no con-curso você leva o documento, aca-ba colocando embaixo da carteira e esquece. Mas como essas pessoas são de longe, não compensa vir buscar”, explicou.

Havia também no meio daque-le amontoado, alguns livros, que por sinal são caros, como o Vade-Mécum do curso de direito. Es-

ses acabam ficando mais tempo guardados e caso mesmo assim

o dono não vá atrás o mate-rial é doado à biblioteca da faculdade. “Mas geralmente aparece. Geralmente eles vêm buscar”, afirmou.

Durante a conversa Vi-tor pareceu se divertir com a

função que desempenha. Em nenhum momento se mostrou

estressado ou algo do gênero, devido a qualquer situação relacio-nada ao trabalho. Pelo contrário, ficou quase o tempo todo dividindo sorrisos com palavras. No entanto, risada mesmo ele deu quando fa-lou de um bendito estojo preto, rabiscado com errorex. É o carma do “achados e perdidos”. Já foi per-dido umas tantas vezes e reapos-sado outras. O contato é tanto que o almoxarife sabe até o apelido do dono da “coisa”: Betinho.

“O estojo dele está aí faz uns 10 meses. Ele sabe que está aqui. Já perdeu várias vezes e veio parar de novo aqui. Eu aviso ele: ‘o seu es-tojo está lá’. Ele sabe que está aqui, não vem buscar por que não quer.”

Os objetos chegam diariamente através de zeladoras e monitores.

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Da mesma forma todos os dias pessoas procuram pelos perdi-dos. Porém, além da exceção do estojo largado que virou quase um mascote do departamento, outro objeto permaneceu por um tempo extra até ser doado. Vitor se lembra apenas de alguns detalhes daquela tarde. Ele es-tava ali como em tantos outros dias. Uma funcionária chegou como era de praxe. E o que im-pressionou foi o objeto que ela trazia nas mãos

- Um biquíni molhado cara! - Estava completo? – pergunto

sem conseguir mais segurar a ri-sada.

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“Na pressa do cotidiano e com tanta coisa na cabeça, as pessoas perdem e muitas nem voltam pra buscá-las”, afirma Vitor.

CORRERIA OU DESATENÇÃO?

e aqui + uma.

- Sim, com a parte de cima e debaixo.

- Era avantajado? – caiu na gar-galhada.

- Não, era pequeno - disse rin-do.

- Como pode isso ter parado aqui cara? – questiono.

- Sei lá. Não tem como entend-er, não mesmo!

Acontecimentos como esse tor-nam esse almoxarifado diferente de tantos outros. Ali é o destino do resultado de muito descuido, cor-reria e outras hipóteses difíceis, inclusive, de serem apontadas.

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EM BREVE

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Uma moeda e muitas histórias

Passado, presente e futuro se misturam facilmente em uma breve conversa. Com a lógica de um contador, paixão de colecionador e coração de avô, Beto Pompeu, cabelos grisalhos, voz rouca e suave, tenta traçar o caminho dos objetos que vem guardando há anos. Hoje, o homem de 72 anos diz aguçar a vontade dos netos para que no futuro eles prossigam com a arte de colecionar. “É claro que só o tempo pode dizer se esses netos vão preservar [os objetos]. Eu espero que sim. Vai ser um orgulho muito grande se isso acontecer”, diz entusiasmado.

A preocupação é justificável, afinal os objetos significantes acolhidos por Seu Beto são formados simboli-camente de histórias, e acumulam valor sentimental que não pode ser medido com cifras. São: selos postais, livros históricos, máquinas de contabilidade, equipamentos da comunicação, dinheiro de diferentes épocas e países – em cédula e moeda -, mapas, livros contábeis, equipamentos de topografia e muitas armas, ocu-pando vários cômodos da casa dos Pompeu.

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08 // Uma moeda e muitas histórias

por Maycon Corazza

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Enquanto os descendentes ainda se preocupam com as brincadeiras, mamadeira e tudo aquilo que faz parte do mundo de qualquer crian-ça – neta ou não de um amante da História – Seu Beto realiza mudan-ças. No primeiro andar do prédio localizado na Rua Souza Naves, no Centro de Cascavel, em que mora há 49 anos, funcionará o atual pro-jeto de Seu Beto: um museu. O local vai abrigar a herança que o amante da contabilidade espera deixar para os netinhos.

Na noite de uma terça-feira de lua cheia e amarelada fomos recebidos pelo pioneiro cascavelense Alberto Pompeu. Vestido com roupa social impecável, ele abriu o portão que dá acesso tanto a carros quanto a pedestres. O nosso entrevistado se mostrou muito prestativo desde o primeiro contato, e naquele mo-mento não foi diferente.

- Olá, vamos entrando, vamos en-trando, disse Seu Beto.

No início da garagem estavam dois carros repousando. Após o es-paço usado para guardar os veícu-los se formou um extenso corredor, por onde Seu Beto seguiu explican-do: “No local onde ficavam algumas coisas da coleção será a ampliação de uma loja que é nossa inquilina. Eles me pediram espaço e eu resolvi deixar ali para eles”, aponta most-rando uma área marcada por um risco de poeira, indícios de que ali havia uma parede de madeira que antes isolava o ambiente. “Como tive que fazer isso resolvi começar a montar o museu para abrigar todas

as minhas coisas. Faltava um pon-tapé inicial e acho que ele foi dado”, contextualiza nos convidando para seguirmos até a área do museu vin-douro.

Atrás de uma porta de madeira um espaço escuro se fez ver. A lumi-nosidade que conseguia se infiltrar entre brechas não era suficiente. Seu Beto entrou e foi acendendo as lâmpadas, uma a uma. O formato antigo - o interruptor fica junto ao equipamento - necessita de que alguém faça esse serviço. Era uma lâmpada acesa, uma explicação, mais uma acesa, outra explica-ção. Com memória de dar inveja a qualquer elefante o anfitrião de-senhava com palavras a planta ar-quitetônica.

- “Veja aqui já estão algumas madeiras”, aponta para o chão. “ O carpinteiro começou a fazer as prateleiras. Só não sei ainda onde

vai ficar cada coisa. Por enquanto, olha só, grande parte está em caix-as, mostra para algumas pilhas ao lado de prateleiras que já contin-ham alguns objetos”.

Para explicar como pretende que seja o museu, Seu Beto nos con-vida a sentar em uma mesa bem diferente destas que compramos atualmente. Madeira legítima, com certeza.

“Aqui neste mesa recebo amigos frequentemente para contarmos estórias e ampliarmos o nosso con-hecimento”.

Era difícil de darmos continui-dade a uma conversa ininterrupta. Por todos os lados havia coisas que mereciam algumas palavras de Seu Beto.

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o gatilho na história // 09

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- “Pegue esse livro”, aponta para um livro em cima da mesa, próximo a mim. “Veja só de que data ele é”.

- “1926”, leio na capa. - “Veja só, essa é uma das

relíquias que eu tenho”, exclama com orgulho.

Durante toda a nossa conversa ele mostrou mais alguns livros. Chama a atenção para o fato de que ele conhece o conteúdo de todos eles, sabe explicar, contextualizar, isso mostra que além de colecionar, ele também consome cultura.

“Todos os que caíram na minha mão já eram. Claro que quando os livros começam a ficar chatos eu pulo algumas coisas”, confessa.

Sabendo um pouco mais sobre a história do Cabeza de Vaca e de outros personagens da história do Paraná, podemos continuar com a do nosso paranaense em questão.

Montar um museu não é tarefa fácil. Você tem que organizar tudo da melhor forma, catalogar e fazer outros procedimentos típicos da atividade. Saber o que pretende fazer parece ser o início, e isso Seu Beto já tem na ponta da língua.

“Dentro do museu vamos ter uma mapoteca – isso é idéia ainda talvez nós mudemos isso - , uma biblioteca só de livros antigos, um setor para a contabilidade, um para a coleção de armas – dividida em armas longas, curtas, espadas, punhais. Esse não ficará junto aos outros por questão de segurança. Teremos também a área filatélica [coleção de selos] e da numismática [coleção de dinheiro]. Meu museu terá esses setores. En-

tão, quem gosta de dinheiro vai ver dinheiro e assim por diante.”

O espaço será aberto ao público, possivelmente mediante agenda-mento. Seu Beto diz que receberá a todos como recebe os amigos: da melhor forma possível. O projeto deve atender principalmente esco-las e vai ampliar o roteiro cultural cascavelense, que, diga-se de pas-sagem, é vergonhoso perante out-ras cidades.

Para que tudo fique como imagi-na, Seu Beto pretende fazer um cur-so de museologia. “Quero ter mais conhecimento. Vou visitar também outros museus, e quero ver como se faz as fichas, como se cataloga, se expõe melhor e se divide por setor”.

algumas peças DO MUSEU:

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Livro sobre a primeira guerra mundial, que Seo Pompeu conserva como ouro.

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Mas, visitar a casa de Beto Pompeu e não ter contato com as relíquias bélicas é como ir à Itália e não comer macarrão. Esses objetos são o ponto alto das coleções, os xodós de Pompeu. Subimos alguns degraus e chegamos a um deter-minado cômodo*. Os cadeados são destrancados e as portas ab-ertas como se fossem as cortinas de um palco. O espetáculo estava começando. São inúmeras armas que representam a ele fragmentos preciosos da História e até mesmo da sua própria vida.

Na ampla sala, armas estão dispostas de todos os jeitos: em suportes, guardadas em quadros pela parede, apoiadas, em cima de balcões, fora é claro, as que ficam trancadas a “sete chaves”. Em meio ao arsenal, uma mesa de escritório, estantes com livros sobre armas, outra mesa – essa comprida - e uma geladeira escondida atrás de uma parede divisória, compões o ambiente.

Sob um armário estavam três es-padas, uma delas é acima de tudo especial. Usada na guarda francesa a espada sabre está entre as armas prediletas do colecionador.

“Um imigrante alemão trouxe essa espada da Alemanha e me ven-deu. Ela pertenceu aquele período em que os franceses invadiram a Rússia, passando pela Alemanha. E um indivíduo deve ter perdido essa daqui, com certeza morreu. Você sabe que essa espada deve ter matado muita gente! Mas hoje

nós a usamos para abrir cham-panhe. Um símbolo da vitória. Os legendários de Napoleão quando retornavam da batalha, tomavam o vinho deles – champanhe – e com pressa de beber sacavam a espada, rancavam de uma vez a ponta da garrafa e tomavam no bico.”

O fio da espada se foi junta-mente com os inúmeros cham-panhes abertos. De volta ao seu lugar privilegiado, a espada re-pousa solenemente. Próximo ao local fica a arma mais valiosa para o anfitrião chamada carinhosa-mente de número 1. “Ela per-tenceu a meu pai. Tem um valor

sentimental muito grande; finan-ceiramente não vale nada, mas é muito importante para mim”

Todo o conhecimento sobre as armas foi adquirido pelos próprios livros que formarão a biblioteca. A utilização dos diferentes obje-tos para o próprio enriquecimento cultural torna Beto um aspirante de professor. Com propriedade ele disseca os assuntos, busca citações em livros e reflete sobre os acon-tecimentos que existem por de trás de cada gatilho.

Como bom brasileiro, Seu Beto não poderia deixar de contrapor armas brasileiras e de outras nacio-nalidades, com as dos hermanos.

Por motivos de segurança, não pudemos exibir fotos de todo arma-mento. No entanto, conseguimos um pequeno registro no meio de

diversos objetos.

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“São uma porcaria, material ruim. Como tudo que é argentino elas são

ruins,

mas brasileiras e de outras nacio-nalidades, com as dos hermanos. “São uma porcaria, material ruim. Como tudo que é argentino elas são ruins. Se derrubar uma delas no chão quebra facilmente”, alfin-eta com dose de bom humor.

A conversa é interrompida quan-do Seu Beto faz uma oferta ten-tadora. “Não querem tomar um vinho do porto?”, deixa no ar. Não poderíamos deixar de aceitar, prin-cipalmente depois da insistência do nosso entrevistado. “Vou pegar para vocês. Esse vinho se toma de pouquinho”, fala enquanto entrega as miniaturas de taças. Abastece cada um daqueles reservatórios e pede um brinde. “É quase uma tradição. Quando recebo visitantes sirvo um pouco de vinho do porto. A conversa fica mais solta, as pes-soas voltam para casa mais satisfei-tas. E além de tudo é delicioso”.

Sob a doçura do vinho ele fala sobre um assunto que já o preocu-pou. Em 2005 Seu Beto teve toda a coleção ameaçada – sem exceção – com a realização do plebiscito do desarmamento. A questão foi dis-cutida a nível nacional. E é claro que Seu Beto foi contra; ele man-tém, inclusive, o adesivo da cam-panha “Desarmamento: NÃO” co-lado em um dos armários. Foi uma campanha difícil, mas que terminou com a vitória daqueles que com-partilham da mesma ideia que ele. A nível nacional 63,94% foi contra o desarmamento, e coincidência ou não, na região Sul foi registrado o maior índice de rejeição à proposta: 79,59%.

“Ganhamos essa”, comemora como se o resultado tivesse aca-bado de sair. “Era um golpe, um truque safado. Nós estávamos com medo de perdermos [a coleção]”, afirma.

O susto passou e felizmente o acervo continua intacto e devida-mente legalizado. Cada arma está registrada pelo Exército. Exigência da lei e do próprio colecionador.

“Eu como contador sou um cara que tenho que andar sempre muito dentro da linha. Na parte fiscal sou muito rigoroso, sempre fui com as minhas empresas, meus clientes e tal. Então, eu sei como fazer. Esta foi a primeira coleção que se regis-trou aqui na região. Um oficial do Exército e eu tivemos que apren-der a fazer.”

É engraçado como a vida brinca com as pessoas sem que elas per-cebam. Toda essa história contada até o parágrafo anterior: os proje-tos para o futuro, a preocupação com os herdeiros das coleções, e o empenho de Seu Beto, começou com uma naturalidade inimagináv-el.

“Algumas armas foram deixadas pelo meu pai e nós também prat-icávamos muito tiro ao alvo. E a gente foi partindo para a aquisição de armas com melhor qualidade e praticando outras modalidades de tiro. Como eu tinha armas antigas, o acúmulo de peças foi aconte-cendo. Eu fui ganhando de muitos amigos, já que nessa época existia muitas armas antigas ainda na mão da população”, explica.

Perguntado sobre se ele acredi-tava que tudo teria sido uma se-quência espontânea, ele respon-deu: “ Foi automático. Não houve propósito, foram conseqüências, uma coisa levou a outra. Ou então uma sequência de fatos que foram me levando até o que tenho hoje”.

Sensato, Seu Beto jamais pagou por um objeto valor estrondoso. Sempre com uma mão no bolso e outra na consciência, ele conseg-ue negociar e adquirir produtos de “primeira qualidade”. A técnica utilizada é saber onde procurar e pechinchar.

“Eu nunca paguei muito caro, pois quem quer se desfazer ofer-ece condições. Nós não podemos, nenhum cidadão pode, desviar re-

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