DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · Acreditamos que o conhecimento das ... ao quadro de...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
TEORIAS PEDAGÓGICAS E O TRABALHO DOCENTE NA ATUALID ADE
Autora: Elisabete Pinheiro Anziliero1 Orientadora: Neide de Almeida Lança Galvão Fávaro2
Resumo
Este artigo é resultado dos estudos realizados durante o Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, promovido pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná. Tem como objeto de estudo as principais teorias pedagógicas e sua influência no trabalho docente na atualidade. A análise teórica-crítica por nós apresentada tem o intuito de contribuir para os debates epistemológicos e pedagógicos referentes à educação escolar atual, a fim de auxiliar na elaboração de novas perspectivas educativas e propostas de trabalho mais consistentes, embasadas em uma teoria do conhecimento adequada às expectativas de uma formação humana integral. É relevante uma discussão que explicita as concepções epistemológicas de cada teoria, ou seja, a concepção de conhecimento que as permeia, ressaltando suas consequências para a prática docente e para a formação humana. Por intermédio do conhecimento das tendências pedagógicas, esperamos contribuir ofertando um subsídio para (re) avaliação da prática docente em sala de aula, pois muitas vezes há limitações para orientar a ação cotidiana. O desconhecimento dos fundamentos teóricos e epistemológicos das teorias escolhidas acaba não possibilitando o acesso a elementos essenciais para refletir o fazer pedagógico, o que resulta na adoção do ecletismo que permeia o ensino atual, em que são utilizadas distintas teorias sem o conhecimento de suas consequências. Nesse sentido esta contribuição é essencial para os professores e equipe pedagógica das escolas, no sentido de definir a ação teórico-metodológica a ser adotada para o enfrentamento dos problemas concretos do âmbito escolar.
Palavras-chave: Tendências pedagógicas; epistemologia; trabalho docente.
1 Professora da rede pública de ensino paranaense e participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/PR, da Área de Pedagogia, do Núcleo Regional de Loanda, PR. Pós-graduada em Psicopedagogia, atuando no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos – CEEBJA-Nova Londrina, PR, – Ensino Fundamental e Médio. 2 Mestre em Educação (UEM), Graduação em Pedagogia (UEM), Professora da Universidade Estadual do Paraná – FAFIPA, no Curso de Pedagogia.
1. Introdução
Este estudo pretende fornecer elementos teóricos que sirvam de
orientação e recondução da prática docente nas escolas, visando a contribuir
para a melhoria da qualidade do ensino. Acreditamos que o conhecimento das
tendências pedagógicas por parte do professor propiciará a este condições de
(re)avaliar sua prática em sala de aula, pois muitas vezes esse profissional
limita-se a agir sem a consciência dos fundamentos epistemológicos e
filosóficos que embasam sua prática, e dessa forma, não tem elementos para
refletir sobre seu fazer pedagógico com vistas à maximização da qualidade de
seu trabalho.
Realizamos este artigo graças à implementação pelo Estado do Paraná
de um programa inovador: o Programa de Desenvolvimento Educacional –
PDE, que se propõe a oferecer estudos de aprofundamento teórico-científico
ao quadro de professores do Estado do Paraná, em uma parceria com as
Instituições de Ensino Superior. Nesse Projeto, Os professores têm a
oportunidade de retornarem os estudos e pesquisarem questões pertinentes a
sua escola, buscando alternativas e respostas consistentes às dificuldades
enfrentadas no cotidiano escolar.
O Programa PDE envolve estudos e pesquisas orientadas, cujos
resultados obtidos são compartilhados com os demais colegas por meio da
implementação do material produzido pelo professor PDE na escola, além de
cursos de formação continuada, através do Grupo de Trabalho em Rede –
GTR, que envolve um grande número de professores do Estado do Paraná. A
capacitação que o professor PDE recebe das Instituições de Ensino Superior
objetiva tornar o professor da rede estadual de ensino habilitado para atuar
como professor-pesquisador em sala de aula e também como gestor
multiplicador de políticas de formação, entre seus pares, junto à Secretaria de
Estado da Educação. Espera-se que, ao retornar para a escola, tais
professores estejam amparados por novos conhecimentos que possam
embasar sua prática diária, visando a um trabalho pedagógico mais
significativo.
Com os estudos até aqui realizados, podemos constatar, tanto no GTR
quanto na implementação na escola, que os professores em geral necessitam
de mais estudos para fundamentar sua prática diária. Através dos estudos e
discussões teóricas e práticas realizadas, verificamos que a grande maioria dos
educadores não conhece as tendências pedagógicas e seus fundamentos
epistemológicos, consequentemente, realiza seu trabalho da maneira que acha
que parece dar mais certo, sem seguir uma linha teórica. Não há, portanto, um
conhecimento mais profundo para embasar a prática cotidiana escolar. No GTR
e durante a implementação deste Projeto na escola, observamos grande
interesse dos nossos pares acerca da temática por nós abordada, embora
pontuamos a ocorrência de desistências de participantes do GTR.
A maior parte dos professores concorda que há necessidade de se
seguir uma teoria pedagógica que tenha uma proposta vinculada a um projeto
de transformação da realidade social. Nesse processo, tanto o professor
quanto o aluno são essenciais, cada um devendo cumprir papéis diferentes. A
finalidade a atingir, nesse sentido, é recuperar a importância do conteúdo na
formação humana sem desconsiderar sua vinculação à realidade prática.
Neste estudo tomamos ciência de que as tendências pedagógicas
estão intimamente relacionadas às transformações sociais, filosóficas e
econômicas, e atendem a determinados interesses presentes no momento
histórico em que são criadas e utilizadas. Elas influenciam as práticas
pedagógicas, as quais, por sua vez, estão associadas a diferentes expectativas
da sociedade. Por isso é fundamental que os professores as conheçam, a fim
de que construam conscientemente a sua própria trajetória político-pedagógica.
Esse é o pressuposto teórico e metodológico que norteia este estudo.
A escola está inserida em um contexto permeado de ideologias. As
políticas neoliberais atualmente ditam as regras e prevalece uma constante
preocupação com os índices de aproveitamento escolar. A ênfase dos debates
recai sobre os índices de aprovação, de evasão, de repetência. Em tais
políticas, a responsabilidade do fracasso ou do sucesso é atribuída aos
indivíduos, sem analisar as condições que lhes são impostas.
Neste trabalho, organizamos os resultados dos estudos e intervenção
prática realizada na escola para sistematização das conclusões obtidas. A
exposição divide-se em três momentos: primeiramente, apresentamos as
teorias pedagógicas que mais influenciam nossa prática escolar, a saber, a
Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova e a Pedagogia Tecnicista. Também
apontamos as contribuições das teorias contra-hegemônicas, destacando as
teorias francesas, a Pedagogia Libertadora e a Pedagogia Histórico-Crítica.
A seguir, explicitamos as concepções epistemológicas das teorias
hegemônicas, ou seja, a concepção de conhecimento que as permeia,
ressaltando suas consequências para a prática docente e para a formação
humana. Para finalizar, aprofundamos as discussões sobre as concepções de
conhecimento presentes nas demais teorias pedagógicas, salientando, dentre
elas, a Pedagogia Histórico-Crítica, por considerarmos que ela é, dentre as que
se apresentam hoje, a que mais oferece subsídios para uma atuação
educacional mais ampla e crítica.
2. Concepções pedagógicas e suas influências nas es colas brasileiras
Ao analisarmos as teorias pedagógicas que ao longo dos anos vêm
marcando os momentos históricos da educação brasileira, percebemos que a
tendência pedagógica Tradicional ou Conservadora no Brasil envolveu a
vertente religiosa (1549-1759), na qual, segundo Saviani (2008, p. 31), “o eixo
do trabalho catequético era de caráter pedagógico, uma vez que os jesuítas
consideravam que a primeira alternativa de conversão era o convencimento
que implicava práticas pedagógicas institucionais (as escolas) e não-
institucionas (o exemplo)”. Além disso, o ensino era voltado para a religião
católica, que interferiu durante muitos anos na educação. Naquele período, a
cultura dos índios e negros não era considerada e nem valorizada; somente era
considerada como válida a cultura dos padres jesuítas.
A vertente leiga (1759-1932) aparece após a expulsão dos jesuítas e
deixa-se de acreditar que tudo acontece por ordem divina. O objetivo dessa
pedagogia era formar o homem culto, para enfrentar as exigências contidas
nas novas relações capitalistas que se construíam. Era necessário ao menos
que as pessoas soubessem ler, escrever e contar para que fossem
comerciantes ou consumidores. Pretendia-se formar um homem ideal para
aprimorar a sociedade e, assim, substituir as relações feudais.
Tal concepção se fortalece no período da Revolução Francesa, no final
do século XVIII, quando a burguesia se consolidou no poder, pautada em
princípios democráticos, nos ideais de igualdade, fraternidade e liberdade. A
burguesia, atuando nesse momento histórico como classe revolucionária,
defendia a igualdade dos homens, seus interesses, além de buscar o novo, a
transformação, a liberdade. Argumentava que os direitos da nobreza e do clero
não eram divinos, mas sociais, pois quem cria as diferenças e privilégios é a
sociedade.
Logo aquela sociedade fundada em senhores e servos não podia persistir. Ela teria que ser substituída por uma sociedade igualitária. É nesse sentido, então, que a burguesia vai reformar a sociedade, substituindo uma sociedade com base no suposto direito natural por uma sociedade contratual (SAVIANI, 2008, p. 39).
Defendia-se o direito de escolarização para todos e pretendia-se
transformar os servos em cidadãos, postulando dar oportunidade para que
todos participassem do processo político, consolidando a democracia
burguesa. Nessa perspectiva, a escola teria a função de consolidar a ordem
democrática, e seu papel seria o de transmitir os conhecimentos acumulados
pela humanidade.
Os pensadores modernos discutiram a natureza humana e passaram a
defender a escola como “instrumento de realização dos ideais liberais, dado o
seu papel na difusão das luzes, tal como formulado pelo racionalismo iluminista
que advogava a implantação da escola pública, universal, gratuita, leiga e
obrigatória” (SAVIANI, 2005, p. 33).
Pretendiam superar a ignorância e a opressão servil por meio da
escola, porque entendiam que era marginalizado na sociedade quem não era
esclarecido. O empirismo de John Locke (1632-1704), considerado o pai do
liberalismo moderno, exerceu grande influência na pedagogia tradicional. Ele
acreditava que não havia ideias inatas, visto que todo conhecimento provinha
da experiência. A mente seria como uma “tábula rasa” e a criança, ao nascer,
“um papel em branco sobre o qual o professor podia tudo escrever”, tendo
assim a educação uma importância extraordinária (GADOTTI, 1993, p. 78).
A burguesia, ao se consolidar no poder, deixou de ser classe
revolucionária. Nesse momento da história, não lutaria mais por
transformações na sociedade, mas por sua perpetuação no poder. Sendo
assim, o proletariado se torna a classe revolucionária, exigindo mudanças e
ameaçando a hegemonia burguesa.
Outra teoria educacional começou então a despontar, a Escola Nova,
que para Saviani (2005, p. 33) “se ancora numa visão filosófica baseada na
existência, na vida, na atividade”, não mais na essência. Se antes o adulto era
considerado completo, por oposição à criança, imatura, agora é “o homem
considerado completo desde o nascimento e inacabado até morrer”. Então, “o
adulto não pode constituir-se como modelo, razão pela qual a educação passa
a centrar-se na criança”.
Amaral e Fávaro (2009) enunciam que já no século XVIII, no
Iluminismo, apareceram as bases desse ideário, com Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), que defendia que a educação não deveria preparar para a vida,
mas ser a própria vida da criança. Entretanto, foi o pragmatismo que mais
exerceu influências sobre a Escola Nova, principalmente o de John Dewey
(1859-1952), considerado o filósofo da democracia. Em sua visão, os alunos
deveriam aprender coisas úteis para a vida e o ensino deveria se dar pela
ação, não pela instrução, como Herbart preconizava. A escola prepararia para
o presente, para a vida imediata da criança.
Introduziram-se assim no Brasil as ideias da Escola Nova, e no século
XX vários educadores se destacaram, principalmente após a divulgação do
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Entre eles, citamos
Lourenço Filho e Anísio Teixeira, destacando que este último foi aluno de
Dewey. A Escola Nova começou em forma de escolas experimentais, para
pequenos grupos de elite, porém seu ideário foi se expandindo, chegando às
escolas oficiais, que eram, contudo, organizadas conforme a pedagogia
tradicional.
A Psicologia exerceu grande influência na Escola Nova, com os testes
de inteligência, de personalidade e outros. Ela veio com a função de reintegrar
o aluno ao grupo, tornando-o o centro do processo ensino-aprendizagem, um
sujeito ativo, que aprende pela descoberta. O professor passava a ser o
facilitador da aprendizagem, realizava trabalhos em grupo, dinâmicas coletivas,
orientava pesquisas, utilizava jogos de criatividade e deveria ser positivo e
acolhedor. O importante era adotar métodos novos, sem modelos prontos,
além de valorizar as tentativas realizadas pelo aluno.
O eixo da questão pedagógica, antes centrada no conteúdo, no professor e na diretividade, agora se desloca para os métodos ou processos pedagógicos, para o aluno e para a não diretividade, tratando-se de uma teoria ‘onde o importante não é aprender, mas aprender a aprender’ (MARSIGLIA; DUARTE, 2009, p. 02).
Em nome da democracia, a Escola Nova prioriza o atendimento das
diferenças individuais, as necessidades e interesses dos alunos, seus
processos mentais e habilidades cognitivas, em prejuízo dos conteúdos
organizados racionalmente.
Com base neste tipo de pedagogia, considera-se que os homens são essencialmente diferentes, e nós temos que respeitar as diferenças entre os homens. Então há aqueles que têm mais capacidade e aqueles que têm menos capacidade; há aqueles que aprendem mais devagar; há aqueles que se interessam por isso e os que se interessam por aquilo (SAVIANI, 2008, p. 41).
Com a Ditadura Militar (1964-1985), que foi marcada por intensas
transformações político-sociais, novamente foi necessária outra concepção
pedagógica. Além de um regime ditatorial, que reprimiu a liberdade de opinião,
foi um período de intensificação da industrialização brasileira, que se abriu ao
capital estrangeiro, criando novas demandas para suprir a falta de mão de obra
qualificada. Emergem então as críticas à escola tradicional, que não alcançou o
pretendido, e principalmente ao escolanovismo, que apresentava baixa
produtividade no sistema escolar.
Desenvolve-se no Brasil, no âmbito educacional, a Teoria Tecnicista
de base produtivista, que teve como principal característica o controle rígido
das atividades pedagógicas, dirigidas de forma mecânica, automática,
repetitiva e programada. O centro do processo de ensino não seria mais o
professor ou o aluno, mas sim o especialista, que apresentava as técnicas a
serem trabalhadas.
O elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais (SAVIANI, 2008, p.13).
Nessa pedagogia, o marginalizado é o que não produz. Acreditava-se
que a questão da marginalidade seria transformada por intermédio do
desenvolvimento das competências dos alunos. O objetivo era aumentar a
produtividade social, por isso o treinamento profissional, para satisfazer às
demandas do capital.
As escolas ficavam fortemente vinculadas às exigências de preparação
de mão de obra para atender às necessidades da expansão industrial. A
concepção produtivista foi transferida para a escola, exigindo-se eficiência e
produtividade em seus resultados, que eram verificados por meio de avaliações
externas constantes. Ainda hoje suas influências são intensas na educação
brasileira, contudo são propagadas sob novas roupagens, sob a forma da
Pedagogia das Competências, da Qualidade Total. Isso torna imprescindível o
entendimento de suas bases teóricas e de suas consequências práticas.
Após este breve relato das tendências pedagogias que conseguiram
hegemonia e marcam nossas escolas até hoje, analisamos a seguir algumas
das teorias que não se generalizaram no âmbito das discussões educacionais
no Brasil. Consideramos indispensável sua citação por conceberem a
educação a serviço das forças que lutam para transformar a ordem social
vigente, inserindo-se no âmbito das pedagogias que visam à superação da
sociedade capitalista.
Uma dessas propostas pedagógicas não-hegemônicas foi a Pedagogia
Libertária, ligada ao movimento anarquista e anarco-sindicalista, que chegou
ao Brasil no final do século XIX e início do século XX. Nela, a educação era
fundamental e aparecia no movimento de crítica à educação burguesa.
Tratava-se de uma concepção pedagógica própria das classes trabalhadoras,
que criaram escolas autônomas e autogeridas. Saviani (2005, p. 23) pontua
que no “aspecto crítico denunciavam o uso da escola como instrumento de
sujeição dos trabalhadores por parte do Estado, da Igreja e dos partidos”. Sua
metodologia partia do princípio de que vivemos em grupo e deve haver a livre-
expressão. Foram criadas universidades populares, centros de estudos sociais
e escolas próprias, as quais, no entanto, foram alvo de perseguição, até que
em 1919 a última escola foi fechada pela polícia.
Também nesse período aconteceram experiências de uma Pedagogia
Socialista, cujo objetivo era formar uma nova sociedade, em que todos
possuíssem as mesmas oportunidades. Para tanto, era essencial acabar com a
ignorância, o que seria feito por meio da educação. Defendia-se uma escola
pública e gratuita, bibliotecas, mas não se chegou a explicitar a concepção
pedagógica que orientaria seus procedimentos de ensino.
A concepção pedagógica Libertadora, por sua vez, foi elaborada na
década de 1960 por Paulo Freire (1921-1997), sendo marcada por experiências
de renovação pedagógica. Sua proposta teve como ponto de partida a vivência
popular, na qual a descoberta da situação do oprimido seria a condição para se
libertar da exploração política e econômica. O pensamento pedagógico e
político dessa concepção buscou romper com as relações excludentes. Ela
ainda hoje é usada, principalmente nas escolas para alfabetização de jovens e
adultos, e também no processo de continuidade dos estudos, no nível de
Ensino Fundamental e Médio, destinada à parcela da população que, pelos
mais variados motivos, não conseguiram cursar seus estudos na idade
apropriada.
A Pedagogia Libertadora tem como método o grupo de discussão, o
diálogo, com resolução da situação-problema, em que alunos e professor
dialogam em condições de igualdade, desafiados por situações-problemas que
devem compreender e solucionar. Os alunos são alfabetizados com as
palavras que usam no dia-a-dia, associando o processo de alfabetização com a
vida.
Analisando a pedagogia de Freire, observamos que ela indica um
caminho compromissado com a ética e a justiça social. Avança como um meio
de libertação dos indivíduos em prol da sociedade, formando cidadãos ativos
na construção da história. A contribuição de Freire na busca de uma pedagogia
crítica da educação centrada na qualidade são pontos importantes, porém sua
maior contribuição é o chamado que faz ao educador para posicionar-se
politicamente em prol da formação de uma sociedade mais justa.
Também exerceram influências contra-hegemônicas as teorias
denominadas por Saviani (2008) crítico-reprodutivistas, que surgiram no final
da década de 1970 na França e no cenário educacional mundial. Elas tentaram
explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal como está constituída,
relacionando-a às exigências da sociedade capitalista. Tal debate foi um marco
para as análises críticas educacionais; entretanto, foram elaboradas por
sociólogos e não contemplaram uma proposta pedagógica, o que as levou a
serem consideradas apenas teorias educacionais, não pedagógicas.
No entanto, como também se assinalou, elas são teorias sobre a educação e não teorias da educação. Isso significa que, elas não são, em sentido próprio, pedagogias. Com efeito, se toda a pedagogia é teoria da educação, nem toda a teoria da educação é pedagogia (SAVIANI, 2007, p. 399).
Elas procuravam explicar os mecanismos de funcionamento da escola
e como ela levava ao fracasso escolar dos alunos. Entendiam que a escola, na
verdade, cumpre eficientemente seu papel na sociedade capitalista, dividida
em classes: reproduz as dominações e explorações existentes. As que
alcançaram maior repercussão e nível de elaboração foram a Teoria do
Sistema de Ensino enquanto Violência Simbólica, a Teoria da Escola enquanto
Aparelho Ideológico de Estado e a Teoria da Escola Dualista.
A Teoria da Violência Simbólica foi desenvolvida por Pierre Bourdieu e
Jean Claude Passeron. Para eles, a sociedade capitalista promove uma
violência simbólica que se manifesta de várias maneiras, reproduzindo a
cultura dominante, seja por meio da mídia que forma opiniões, da religião, da
moda, que reforça um padrão exigido pelo poder dominante. Nessa
perspectiva, o papel da educação é o de reforçar a marginalidade por meio da
dissimulação. Conforme Saviani (2008, p. 20), nessa teoria não existe saída: a
escola é um agente de marginalização. “A função da educação é a de
reprodução das desigualdades sociais. Pela reprodução cultural, ela contribui
especificamente para a reprodução social”.
Desenvolvida por Althusser, a Teoria da Escola enquanto Aparelho
Ideológico de Estado acredita que a escola reforça as características das
classes dominantes e dominadas, porque ela seria um aparelho ideológico a
serviço do Estado. Apesar de as lutas dessas classes, as chances de vitórias
do marginalizado, que é a camada trabalhadora, são pequenas. A escola é
apenas um dos mecanismos construídos pela burguesia para garantir e
perpetuar seus interesses.
[...] o Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes política e ideológicas contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho Ideológico Escolar (ALTHUSSER apud SAVIANI, 2008, p. 22).
A Teoria da Escola Dualista, elaborada por Christian Baudelot e Roger
Establet, por sua vez, acreditava que na escola se reproduzia a divisão social,
sendo distinta a educação das duas classes: da burguesia e do proletariado.
Assim, ela contribui para a formação da força de trabalho, impondo a ideologia
burguesa.
[...] não cabe dizer que a escola qualifica diferentemente o trabalho intelectual e o trabalho manual. Cabe, isto sim, dizer que ela qualifica o trabalho intelectual e desqualifica o trabalho manual, sujeitando o proletariado à ideologia burguesa sob um disfarce pequeno-burguês (SAVIANI, 2008, p. 28).
Para o autor, nenhuma dessas teorias vê a possibilidade de uma
contribuição da escola para a transformação social. Por isso as chama de
críticas, porque fazem a crítica da sociedade, e de reprodutivistas, já que
acreditam que a educação só serve para reproduzir as condições de
desigualdade social existentes. A marginalidade nada mais seria do que um
fenômeno inerente à própria sociedade capitalista.
Saviani (1992, p. 95) acredita que a visão crítico-reprodutivista precisa
ser superada, visto que ela anula qualquer possibilidade de transformação pela
escola. Para o autor, sua difusão no Brasil causou grande desânimo e
impotência entre os educadores, na década de 1970. Ele considera que “a
Educação é, sim, determinada pela sociedade, mas que essa determinação é
relativa e na forma da ação recíproca – o que significa que o determinado
também reage sobre o determinante”. A partir dos estudos e discussões sobre
essa questão, Saviani elaborou e propôs a Pedagogia Histórico-Crítica.
A Pedagogia Histórico-Crítica foi marcada pelo desenvolvimento das
análises críticas da educação, com início na década de 1970. Ela veio para
avançar em relação às teorias que Saviani considera não-críticas – a
Tradicional, Escola Nova e Tecnicismo –, bem como às teorias crítico-
reprodutivistas. Sua base teórica é o método dialético de elaboração do
conhecimento científico, o materialismo histórico-dialético de Marx. Para
analisar e compreender o momento histórico presente e em defesa da
especificidade da escola, ela trabalha a partir dos conhecimentos
sistematizados e leva em consideração a realidade do aluno.
Nessa proposta, o método de ensino deve respeitar os ritmos
individuais de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas avançando,
sem perder de vista a ordenação e graduação dos conteúdos. Instiga a
atividade e a iniciativa do professor, favorecendo o diálogo dos alunos entre si
e com o professor, este sendo responsável por socializar o conhecimento
acumulado historicamente.
Saviani (2008) organizou cinco passos metodológicos para o trabalho
educativo nessa tendência, que são a prática social inicial, a problematização,
a instrumentalização, a catarse e a prática social final. A proposta metodológica
parte da prática social, que compreende professores e alunos. Estes
apresentam diferentes níveis de desenvolvimento, conhecimento e experiência
de seu cotidiano, por isso verifica-se o conhecimento que os educandos já
possuem.
A seguir, vem a problematização, que tem como objetivo identificar as
questões que precisam ser resolvidas dentro da prática social e os
conhecimentos que devem ser adquiridos para tanto. Um terceiro passo é a
instrumentalização, ou seja, a apropriação dos instrumentos teóricos e práticos
necessários à solução dos problemas encontrados. Esses conhecimentos
foram produzidos socialmente e preservados historicamente.
Outro momento fundamental no processo de ensino-aprendizagem é a
catarse, a forma elaborada de entender a transformação social, em que o aluno
toma uma nova posição. Nesse momento, o aluno efetiva sua aprendizagem e
pode demonstrar o quanto assimilou do novo conteúdo; esse conhecimento é
demonstrado na escola na maioria das vezes apenas de forma mental e teórica
(provas, textos, debate e reflexões), todavia deve aqui ofertar subsídios
também para a prática social.
O último momento é a prática social, definida como ponto de chegada,
cujo objetivo é sua alteração qualitativa, “é a confirmação de que aquilo que o
educando somente conseguia realizar com a ajuda dos outros, agora o
consegue sozinho, ainda que trabalhando em grupo” (GASPARIN, 2003, p.
146).
Por meio dos estudos de Saviani e do desenvolvimento do método da
Pedagogia Histórico-Crítica, Gasparin, com base em sua prática docente,
buscou nos cinco passos dessa pedagogia desenvolver uma didática para sua
aplicação em sala de aula. Logo, essa didática surgiu da prática, indo à teoria e
voltando à prática, buscando um sentido mais unificado para a prática
pedagógica.
Essa metodologia dialética do conhecimento perpassa todo o trabalho docente-discente, estruturando e desenvolvendo o processo de construção do conhecimento escolar, tanto no que se refere à nova forma de o professor estudar e preparar os conteúdos e elaborar e executar seu projeto de ensino, como as respectivas ações dos alunos. A nova metodologia de ensino-aprendizagem expressa a totalidade do processo pedagógico, dando-lhe centro e direção na construção e reconstrução do conhecimento. Ela dá unidade a todos os elementos que compõem o processo educativo escolar (GASPARIN, 2003, p. 5).
Para possibilitar uma educação mais aprofundada e crítica, o
método dialético do conhecimento foi incorporado à metodologia de ensino-
aprendizagem na Pedagogia Histórico-Crítica.
O movimento que vai da síncrese (a visão caótica do todo) à síntese (uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas) pela mediação da análise (as abstrações e determinações mais simples) constituiu uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de transmissão assimilação de conhecimentos (o método de ensino) (SAVIANI, 2008, p. 74).
Nessa perspectiva, a função social da escola está na socialização do
saber sistematizado às classes trabalhadoras, abrindo espaço para que essa
classe se insira em uma ação mais ampla de construção de uma nova
sociedade. De acordo com Saviani (2008, p. 80), “será tanto mais eficaz quanto
mais o professor for capaz de compreender os vínculos da sua prática com a
prática social global”. Para subsidiar o trabalho do professor, aprofundamos a
seguir a discussão das teorias hegemônicas.
3. O conhecimento nas teorias hegemônicas e o traba lho docente
Apresentamos neste item uma análise que explicita as concepções
epistemológicas das teorias pedagógicas hegemônicas vistas anteriormente,
ou seja, a concepção de conhecimento que as permeia, ressaltando suas
consequências para a prática docente e para a formação humana.
Observamos que na pedagogia tradicional o professor era o centro do
processo, preocupava-se em dar conta do currículo. Já o aluno acabava tendo
um papel mais submisso, receptivo. Devia demonstrar sua aprendizagem nas
provas e era incentivado a fazer uso da memorização. A forma de promoção se
dava por meio da avaliação classificatória, provas e interrogatórios orais. Não
conseguindo a nota mínima, era retido na mesma série, ano após ano, o que
era muito frequente nesse método, sendo este um dos principais motivos do
abandono da escola. “A escola organiza-se como uma agência centrada no
professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural
aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são
transmitidos” (SAVIANI, 2008, p. 06).
O saber produzido (conteúdos) era mais importante que a experiência
que o aluno viesse a produzir, sendo ele repassado como verdade absoluta,
dissociado do cotidiano do aluno e de sua realidade social. Além disso, a
quantidade prevalecia sobre a qualidade. Como resultado, a prática
pedagógica se tornava estática, visto que se trabalhava com o conhecimento
clássico, sem relacioná-lo com a realidade existente.
As grandes obras da cultura eram um modelo ideal que resistia ao tempo, por isso era indispensável propiciar a leitura de obras clássicas, [...]. Assim, a proposta da Pedagogia Tradicional prescreve a necessidade de inserir um modelo a ser seguido pelo aluno (RODRIGUES et al., 2009, p. 39).
Geralmente, não havia questionamento das relações sociais existentes
e não se visualizava a transformação social, porque a educação em nada
contribuía para a mudança social. Enfatizava-se apenas o aspecto
humanístico, deslocado da realidade. Essa concepção pedagógica predominou
na educação brasileira até 1932, marcando a vertente leiga da Pedagogia
Tradicional brasileira, mas ainda hoje exerce fortes influências sobre a prática
escolar.
Marsiglia e Duarte (2009, p. 5) preconizam que devemos reconhecer os
aspectos positivos dessa pedagogia, mas não podemos ignorar suas
insuperáveis limitações. Por ser uma pedagogia burguesa, desconsidera por
completo a existência da luta de classes e a distribuição social do
conhecimento, acreditando que este é destituído de historicidade ao ser
ensinado na escola.
A Escola Nova, por sua vez, trouxe sérias consequências,
principalmente para as escolas públicas, na medida em que as mesmas não
dispunham de recursos para manter o nível desejado. Elas se tornavam então
mais onerosas do que as escolas tradicionais, pois exigiam trabalho com
pequenos grupos de alunos, material didático rico, bibliotecas, além de um
ambiente multicolorido, vivo. Os professores, por sua vez, não tiveram uma
formação que lhes proporcionasse a total compreensão dos pressupostos da
Escola Nova, o que gerou sérias consequências para a escola pública
brasileira. Desloca-se a preocupação com os conteúdos a serem ensinados e
privilegiam-se as metodologias de aprendizagem.
Cumpre assinalar que tais consequências foram mais negativas que positivas, uma vez que, provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou a absorção do escolanovismo pelos professores por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares, as quais muito frequentemente tem na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida a ‘Escola Nova’ aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites (SAVIANI, 2008, p. 10).
Os conteúdos são mais ligados à prática imediata do aluno, passam a
ser selecionados a partir dos interesses dos educandos. Na avaliação são
considerados, além dos conteúdos, os aspectos afetivos, as atitudes, dando
ênfase à auto-avaliação, porque o aluno deve assumir a responsabilidade por
sua aprendizagem.
Suas influências na educação brasileira foram intensas e até hoje
prevalecem no ambiente escolar e nas propostas pedagógicas veiculadas nas
políticas públicas oficiais. A partir da década de 1970, o construtivismo
piagetiano, com base nesses pressupostos, teve intensa aceitação nas escolas
brasileiras. Depois disso, o ideário do “aprender a aprender” foi retomado com
renovado vigor, a partir da década de 1990 (neoescolanovismo), aliado ao
neoliberalismo e ao pós-modernismo, afetando intensamente o trabalho
docente.
A Escola Nova apresenta ares progressistas, aparece como um modelo
de superação de formas excludentes e alienadoras, que era como se
apresentava a escola anteriormente. Para Sforni (2004, p. 76), ao
“observarmos os conteúdos, a metodologia e a avaliação sugeridos podemos
perceber que a inovação tem um caráter muito mais utilitário que propriamente
de formação intelectual”.
Em termos de conhecimento, suas consequências são bastante
graves. Conforme Duarte (1998, p. 3), “trata-se, isto sim, de uma proposta
pedagógica em cujo cerne encontra-se uma secundarização do ato de
transmissão dos conteúdos escolares pelo professor”. O ensino acaba
rebaixado e o professor perde sua função principal, que é de transmitir os
conteúdos acumulados historicamente, tornando-se um mero auxiliar da
aprendizagem do aluno, que afinal é quem deve “aprender a aprender”.
A pedagogia tecnicista pretendeu suprir as falhas que a pedagogia
tradicional e a escola nova apresentavam. Sua preocupação central residia na
produtividade e na qualificação de mão de obra especializada para atender aos
interesses da sociedade capitalista. Os conteúdos deviam ser utilidade para o
processo produtivo. Ela foi estabelecida em um momento político em que a
livre expressão era proibida e a escola seguia modelos prontos. Novamente, a
escola saiu perdendo na aquisição de conteúdos e conhecimentos que não
promoviam o senso crítico e tampouco a formação integral do aluno.
Podemos perceber, na pedagogia tecnicista, que o trabalho do
professor foi relegado a um segundo plano, priorizando-se os materiais
formulados pelos especialistas e técnicos. Havia muitos estímulos e
recompensas às atividades realizadas pelos alunos, instigando a
competitividade entre eles. No processo educativo, passou a ser mais
importante o “saber fazer”. As consequências pedagógicas e sociais de tal
proposta complicaram ainda mais o quadro educacional brasileiro.
A pedagogia tecnicista acabou por contribuir para aumentar o caos no campo educativo, gerando total nível de descontinuidade, de heterogeneidade e de fragmentação, que praticamente inviabiliza o trabalho pedagógico. Com isso, o problema da marginalidade só tendeu a se agravar: o conteúdo do ensino tornou-se ainda mais rarefeito e a relativa ampliação das vagas tornou-se irrelevante em face dos altos índices de evasão e repetência (SAVIANI, 2008, p. 15).
Ainda hoje ele vigora, levando Saviani (2007) a denominá-lo
neotecnicismo, que representa a necessidade de ajustar os indivíduos ao tipo
de sociedade exigida pela reorganização do processo produtivo. Isso leva as
empresas a substituírem o conceito de qualificação pelo de competência, e nas
escolas passa a vigorar a pedagogia das competências, que substitui o ensino
centrado nas disciplinas. Os processos se flexibilizam e o controle se desloca
para os resultados, sendo o sistema de avaliação central para o Estado garantir
a produtividade e a eficiência desejadas.
Como o modelo empresarial passa a ser adotado nas escolas, também
somos afetados pela égide da qualidade total, mas o cliente passa a ser a
sociedade ou a empresa, e os alunos são os produtos fornecidos. Saviani
(2007, p. 440) observa que “as próprias empresas vêm crescentemente se
convertendo em agências educativas, configurando uma nova corrente
pedagógica: a ‘pedagogia corporativa’, que se dissemina principalmente no
ensino de nível superior”.
Em suma, as idéias pedagógicas no Brasil da última década do século XX expressam-se no neoprodutivismo, nova visão da teoria do capital humano que surge em conseqüência das transformações materiais que marcaram a passagem do fordismo ao toyotismo, determinando uma orientação educativa, que se expressa na ‘pedagogia da exclusão’. Em correspondência, o neoescolanovismo retoma o lema “aprender a aprender” como orientação pedagógica. Essa reordena, pelo neoconstrutivismo, a concepção psicológica do sentido do aprender como atividade construtiva do aluno, por sua vez objetivada no neotecnicismo, enquanto forma de reorganização das escolas por parte de um Estado que busca maximizar os resultados dos recursos aplicados na educação (SAVIANI, 2007, p. 441-442).
Essa Pedagogia não levou em conta as mediações entre escola e o
processo produtivo, perdendo-se a especificidade da educação. Com sua
implementação, as escolas foram burocratizadas, propagou-se o uso da
instrução programada, das máquinas de ensinar, dos testes de múltipla-escola,
do tele-ensino e diversos recursos audiovisuais.
A Pedagogia Tradicional, a Escola Nova e a Pedagogia Tecnicista
podem ser definidas como pedagogias burguesas e não críticas, pois todas
elas atendem às necessidades de formação dos sujeitos para adaptação às
condições sociais vigentes. Como vimos, elas vêm sendo retomadas com todo
vigor nas últimas décadas, trazendo consequências para a formação humana,
o que exige de nós, educadores, uma tomada de posição consciente quanto à
teoria e prática a adotar. Com essa nova ressignificação e roupagem de
modernidade, elas levam o educador, quando não está bem fundamentado, a
realizar um trabalho voltado para a necessidade da globalização e do mercado
de trabalho, não da formação humana.
Concomitante à construção do vocabulário ressignificado, o discurso hegemônico nas políticas educacionais dos anos de 1990 apregoava a obsolescência das antigas referências e propunha um projeto educativo de outro porte, formador do “cidadão” possuidor das competências necessárias para dominar os chamados “códigos da modernidade” (MORAES, 2011, p. 2).
Nessas tendências pedagógicas, defende-se uma educação que, para
alguns (classe trabalhadora), é importante apenas para a preparação para o
trabalho, para a formação de mão de obra qualificada, rápida e barata,
constituindo-se em uma formação pragmática e aligeirada. É no sentido de
contraposição e crítica a esse posicionamento restrito que nos propomos a
evidenciar a seguir suas diferenças em relação às demais teorias, não
hegemônicas, a fim de dar subsídios teóricos para uma definição mais precisa
da teoria a adotar.
4. Teorias contra-hegemônicas, o conhecimento e a f ormação humana
Vimos que as teorias educacionais crítico-reprodutivistas elaboradas na
década de 1970 creem que a educação não tem poder de transformar as
relações sociais, que a escola acaba por perpetuar o que está estabelecido.
Para Saviani (2008), nessas teorias existentes na sociedade capitalista, a
educação apenas reproduz os interesses do capital. O conhecimento é
manipulado pelas classes dominantes, que o utilizam para propagar sua
ideologia às classes trabalhadoras. O conhecimento é um produto da ideologia
e cultura burguesas. Sua contribuição fundamental foi no sentido de
problematizar as relações entre a escola e a sociedade, demonstrando que ela
não é neutra, assim como o conhecimento com que trabalha. No entanto, ela
desembocava na crença da impotência da escola para mudar a sociedade.
As teorias libertárias e socialistas também desempenharam um
importante papel ao criticarem a educação burguesa e tentarem criar seus
próprios espaços educativos, embora logo tenham sido extintas. Tratava-se de
construir uma cultura própria da classe operária, que superasse a escola e o
conhecimento burguês.
Já a Pedagogia Libertadora teve maior repercussão, especialmente por
seus resultados na alfabetização de jovens e adultos das classes populares.
Ela possui, entretanto, vários pontos em comum com a Escola Nova, porque
também “valoriza o interesse e iniciativa dos educandos, dando prioridade aos
temas e problemas mais próximos das vivências dos educandos sobre os
conhecimentos sistematizados”. Por outro lado, avança em relação ao
escolanovismo por trabalhar com “temas e problemas políticos sociais”,
conceituando a educação como fundamental para a “libertação dos oprimidos”
(SAVIANI, 2005, p. 36).
Saviani (2007, p. 330) já se referira antes à pedagogia libertadora como
uma espécie de “escola nova popular”, mas ressalta que não teve como
objetivo desmerecer sua contribuição para os movimentos progressistas que
lutaram a serviço de uma educação popular. Nessa pedagogia, acredita-se que
através do diálogo, da problematização, encontrava-se a mediatização do
conhecimento, em uma ação entre educador-educando, educando-educador.
Em ambos os momentos, enquanto ensinam aprendem e enquanto aprendem
também ensinam, pois educadores e educandos se tornam sujeitos do seu
processo,
A pedagogia histórico-crítica busca a superação das demais
pedagogias, está voltada aos interesses da classe explorada pela classe
dominante e vem despontando no cenário educacional como uma teoria aceita
pela grande maioria dos educadores das escolas públicas. Em nossa
implementação dos estudos realizados na escola, percebemos que os
educadores são firmes ao apontar que esta é a teoria que orienta sua prática
educativa, no entanto, o conhecimento que detém sobre esta teoria é
superficial. A nosso ver, isso dificulta o trabalho tão necessário às escolas, que
é o de garantir o acesso ao conhecimento intelectual, científico, superando o
senso comum. O objetivo é auxiliar na transformação da sociedade, utilizando
no ato educativo movimento dialético prática/teoria/prática.
Devido a sua identificação como a teoria mais adotada pelos docentes
e devido a sua potencialidade para transformar a prática pedagógica das
escolas, optamos por aprofundar sua concepção de conhecimento e sua
metodologia. Essa teoria propicia o diálogo dos alunos entre si e com o
professor, no entanto, privilegia o acesso dos educandos à cultura acumulada
historicamente, priorizando e transformando a formação de conceitos do senso
comum para os conhecimentos científicos.
Vimos que em muitas pedagogias privilegia-se uma forma de
educação adaptativa ao meio e às necessidades imediatas, valorizando o
“aprender a aprender”. Destacamos dentre elas a pedagogia das
competências, que procura apenas capacitar os indivíduos, desenvolvendo
habilidades e formando neles as competências necessárias para encontrar
formas de resolução dos problemas enfrentados no dia-a-dia, que satisfaçam
aos ditames das relações regidas pelo capital. Na Pedagogia Histórico-Crítica,
ao contrário, procura-se garantir o acesso a conhecimentos mais amplos, que
permitam o entendimento das relações sociais, a fim de possibilitar a
construção consciente de uma alternativa social.
Ressalte-se, aqui, o caráter social da alternativa, ou seja, é o processo social que determina, delimitando concretamente o espaço das perguntas e respostas possíveis, as alternativas que podem ser realmente transformadas em prática, o que permite inferir que a escolha entre alternativas supõe o caráter aberto do mundo social (MORAES, 2009, p. 599).
O que constatamos é a necessidade de uma pedagogia que leve em
consideração o conhecimento acumulado pela humanidade, relacionando-o
aos problemas e necessidades vividos pelos alunos. Não se trata de um
conhecimento restrito, que seja útil para seu trabalho, para situações
cotidianas, mas sim de algo que contribua para sua humanização, que sirva
para a compreensão das desigualdades e dos problemas sociais existentes,
que possa conduzir o educando para além da alienação que impera na lógica
da sociedade capitalista. Para conseguirmos isso, os conhecimentos devem
estar relacionados à prática social, mas deve-se estruturá-los sistematicamente
e novamente voltar para a prática, agora com ele ressignificado.
Os conteúdos não interessam, a priori e automaticamente, aos aprendentes. É necessário relacioná-los às opiniões trazidas pelos educandos. A contextualização dos saberes dos alunos implica que o professor, nas fases posteriores do método de trabalho, contextualize os conteúdos programáticos (GASPARIN, 2003, p. 17).
Temos que considerar que essa pedagogia supera as demais, tanto na
questão dos conteúdos, ao defender o acesso aos conhecimentos científicos,
quanto na questão metodológica, pois a pratica social é o ponto de partida e o
ponto de chegada do processo de ensino. É na prática social que os
professores encontram os temas para o ensino, começando pela
problematização, que deve apresentar conhecimentos significativos, que
contribuam para uma reflexão sobre a vida social. Os conteúdos são sempre
reavaliados frente à realidade social, são culturais e universais; o professor
direciona o processo ensino-aprendizagem e é o mediador entre conteúdos e
alunos, embora o processo de ensino/aprendizagem tenha como foco o aluno.
Mas o que ainda vemos nos dias de hoje, infelizmente, é a resistência
das pedagogias neoconservadoras revestidas de roupagem sedutora,
impedindo a transformação tão necessária para as classes dominadas.
Professores que acreditam estarem embasados em uma pedagogia
progressista, mas sua prática ainda é com fundamentos nas teorias não
críticas. Em sua grande maioria, apenas verbalizam uma retórica permeada de
características inovadoras, mas que não é verificada na prática do trabalho
docente, que se mantém conservador e reprodutivista, apenas com pequenos
retoques que tentam configurá-la como progressista.
Percebemos, durante a implementação, que os educadores percebem
a necessidade de mudança na prática diária, mas também alertam que, para
haver essa mudança, é necessário conhecimento, domínio de conteúdo e de
práticas inovadoras. Para trabalhar com novas metodologias, seria necessário
o professor ter mais tempo de hora atividade, receber mais orientações e um
acompanhamento mais efetivo por parte dos pedagogos, além de
capacitações.
A carência dessas condições muitas vezes acarreta o ecletismo
pedagógico, pois a formação dos docentes ainda é mais tradicional que
progressista. A maioria acredita na mudança, na transformação, mas sabe que
provavelmente levará alguns anos. Enquanto isso, gerações de estudantes
permanecem com uma formação aligeirada, sem superar a alienação,
acreditando ser suficiente apenas um curso profissionalizante de Ensino Médio,
sem receber uma formação voltada para o desenvolvimento global. Com isso,
atende-se à necessidade de mão de obra, para a sociedade capitalista, mas
limita-se a ampliação da formação humana, dificultando a construção de
alternativas para uma sociedade mais justa.
5. Considerações finais
É fundamental compreendermos a escola como o local de apropriação
do saber, que transforma o senso comum em conhecimento científico.
Acreditamos na importância de trabalhar com os conhecimentos científicos por
meio do processo de ensino e de aprendizagem escolares. Isso é
substancialmente diferente da concepção que defende a aprendizagem
espontânea como norteadora do processo de aprendizagem, porque esta
defende uma limitação do aceso ao conhecimento historicamente acumulado.
Constatamos a necessidade de cada escola fazer uma ampla
discussão sobre a teoria pedagógica a adotar, suas influências e
consequências para a educação atual, imprescindível na definição da proposta
pedagógica e para que se possa repensar o complexo processo de ensino-
aprendizagem, contribuindo para reorientar o trabalho docente e superar
práticas fragmentadas e descoladas da realidade mais ampla. Sem a clareza
deste tema não teremos condições de realizar as transformações necessárias
e mesmo para a compreensão das políticas adotadas.
Ao socializar o resultado das pesquisas do PDE por meio da
implementação na escola, observamos que, em sua grande maioria, quem se
inscreveu e deu continuidade no GTR ou na implementação na escola já sente
a necessidade de realizar um trabalho mais crítico diante da realidade social.
Também percebem a necessidade de aderir a uma pedagogia crítica em seu
trabalho diário, pois só assim conseguirão atender às necessidades dos
educandos, organizando e elaborando coerentemente o Projeto Político
Pedagógico, já que é nele que se organiza o trabalho da escola.
Sabemos das dificuldades desse processo devido à formação de
muitos docentes, que muitas vezes carregam graves lacunas. Isso pode ser
facilmente constatado pelas diversas instituições que foram
indiscriminadamente abertas nos últimos anos, ofertando variadas modalidades
de cursos, na maioria das vezes guiados pelos interesses dos mercados. O
educador cede lugar ao treinador e a educação deixa de ser esclarecimento
das consciências para se tornar treinamento para o mercado.
Sendo assim, a formação de muitos professores não lhes proporcionou
o estudo aprofundado das correntes pedagógicas, até mesmo pelo caráter
parcial e fragmentário das estruturas curriculares das licenciaturas, ficando
uma lacuna em sua formação de educador. O resultado é muitas vezes uma
total confusão pedagógica no meio docente. Além disso, na própria formação
docente imperam concepções epistemológicas que priorizam a prática, a
experiência cotidiana, já que atendem aos interesses do mercado, o que faz
com que deixem de lado os conceitos científicos e evidenciem a tendência
pragmática.
[...] há uma hegemonia da orientação epistemológica pragmática na formação docente, tanto no âmbito político quanto no pedagógico. Predomina uma formação docente voltada para a prática, a valorização do conhecimento tácito, espontâneo, proveniente das experiências pessoais de professores e alunos, gestado no cotidiano escolar e defendido nas pedagogias do ‘aprender a aprender’ (FÁVARO, 2009, p. 2-3).
Acreditamos na urgência de proporcionar embasamento teórico
metodológico para que o professor possa refletir sobre seu fazer pedagógico, a
fim de construir conscientemente a sua própria trajetória político-pedagógica.
Só assim ele poderá propor mudanças que transformem fazeres e saberes,
conhecer métodos, técnicas e procedimentos presentes nas tendências
pedagógicas, fazendo com que reveja suas atitudes e sua práxis.
Conhecendo a teoria que sustenta a sua prática, o educador pode ao
menos tentar fazer uma transformação em direção à conscientização, tornando
o processo de ensino e aprendizagem algo significativo, tanto para o educador
como para o educando.
Enfim, o que podemos concluir é que, embora exista uma grande
mudança na sociedade, as antigas concepções, como a tradicional e
escolanovista, ainda permeiam a atividade educativa no interior das escolas.
Para superá-las, é preciso conhecimento aprofundado do trabalho pedagógico
proposto e de suas consequências para a formação humana, para que não nos
deixemos seduzir pelas falsas promessas que são apresentadas.
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