DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2007 · Em grego, verdade se diz aletheia, ... Em latim, verdade se...

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE Produção Didático-Pedagógica 2007 Versão Online ISBN 978-85-8015-038-4 Cadernos PDE VOLUME II

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

Produção Didático-Pedagógica 2007

Versão Online ISBN 978-85-8015-038-4Cadernos PDE

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Autora: Silvana Aparecida Dias Bello

Título: O romance histórico contemporâneo de Ana Miranda: Possibilidades de leitura

Orientadora: Dra. Mariléia Gärtner

Material Didático: Folhas

Quando nos referimos às narrativas de ficção (contos, romances) escrevemos: histórias ou estórias? Não responda sem antes dar uma olhada no que alguns dicionários trazem. Nos de bolso, o vocabulário estória não aparece, não é mesmo?

Assim, poderíamos dizer que a história designa narrativa de verdade, estória é narrativa que traz fatos que nunca ocorreram. Será verdade?

Mas o que é a verdade?

“Não se aprende filosofia, mas a filosofar”, já disse Kant. A filosofia não é um conjunto de idéias e de sistemas que possamos aprender automaticamente, não é um passeio turístico pelas paisagens intelectuais, mas uma decisão ou

deliberação orientada por um valor: a verdade. É o desejo do verdadeiro que move a filosofia e suscita filosofias.

O espanto, a admiração, assim como a dúvida e a perplexidade, nos fazem querer saber o que não sabíamos, nos fazem querer sair do estado de insegurança ou de encantamento, nos fazem perceber nossa ignorância e criam o desejo de superar a incerteza.

Quando isso acontece, estamos na disposição de espírito chamada busca da verdade.

Nossa idéia de verdade foi construída ao longo dos séculos, a partir de três concepções diferentes, vindas da língua grega, da latina e da hebraica.

Em grego, verdade se diz aletheia, significando não-oculto, não-escondido, não-dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito; a verdade é a manifestação daquilo que é ou existe tal como é. O verdadeiro se opõe ao falso, pseudos, que é o encoberto, o escondido, o dissimulado, o que parece ser e não é como parece. O verdadeiro é o evidente ou o plenamente visível para a razão.

Em latim, verdade se diz veritas e se refere à precisão, ao rigor e à exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes, pormenores e fidelidade o que aconteceu. Verdadeiro se refere, portanto, à linguagem enquanto narrativa de fatos acontecidos, refere-se a enunciados que dizem fielmente as coisas tais como foram ou aconteceram. Um relato é veraz ou

Então veja como o Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse (1980) define a palavra estória: s.f. Narrativa de ficção; exposição romanceada de fatos puramente imaginários (distinta da história, que se baseia em documentos ou testemunhos); conto, novela, fábula; estórias de quadrinhos.

dotado de veracidade quando a linguagem enuncia os fatos reais.

Em hebraico, verdade se diz emunah e significa confiança. Agora são as pessoas e é Deus quem são verdadeiros. Um Deus verdadeiro ou um amigo verdadeiro são aqueles que cumprem o que prometem, são fiéis à palavra dada ou a um pacto feito; enfim, não traem a confiança.

Palavras como “averiguar” e “verificar” indicam buscar a verdade; “veredito” é pronunciar um julgamento verdadeiro, dizer um juízo veraz; “verossímil” e “verossimilhante” significam ser parecido com a verdade, ter traços semelhantes aos de algo verdadeiro.

Existe ainda uma quarta teoria da verdade que se distinguem das anteriores porque define o conhecimento verdadeiro por um critério que não é teórico, e sim prático. Trata-se da teoria pragmática, para qual um conhecimento é verdadeiro por seus resultados e suas aplicações práticas, sendo verificado pela experimentação e pela experiência. A marca do verdadeiro é a verificabilidade dos resultados.

Agora que você já sabe a verdade sobre a verdade, pois acompanhou o pensamento da filósofa Marilena Chaui, no seu livro Filosofia (2002), poderá compreender melhor um subgênero da literatura: o romance histórico, que traz o não-acontecido dentro do acontecido.

O marco inicial deste tipo de romance foi a publicação de Ivanhoé (1819), de Sir Walter Scott, escritor inglês. A partir daí, a febre alastrou-se na Europa e chegou à América. Os

estudiosos concluem que nele há duas correntes.

Veja como identificar o romance histórico tradicional.

• Assim como nas novelas ou filmes de época, há um ambiente histórico rigorosamente construído no qual se dá a ação. Figuras que realmente existiram convivem com personagens... inventados e intrigam o leitor.

• A trama do romance acontece num passado anterior ao presente do escritor. Isto quer dizer que ele precisa fazer muita pesquisa histórica para atingir a verossimilhança.

• Este ambiente histórico servirá de pano de fundo para uma trama fictícia onde costumam aparecer paixões, episódios cômicos, sátiras. Através da qual o leitor tem a possibilidade de fugir de uma realidade menos atraente.

• Oferece uma releitura da história, supre deficiências da historiografia ao dar voz a discriminados silenciados pela sociedade como, por exemplo, os negros, mulheres, índios, judeus.

• O romance será como uma máquina do tempo, permitindo-nos uma aproximação íntima com o passado.

O romance histórico contemporâneo ainda traz:

• Apresentação de idéias filosóficas, questionamentos sobre fatos que pareciam incontestáveis.

• Algumas distorções da história oficial por causa de omissões, exageros, inserção de episódios.

• Figuras bem conhecidas, heróis, mártires cristalizados pela história atuam como personagens fictícios que protagonizam o enredo.

• Há metaficção, ou seja, comentários do narrador de como o livro foi produzido.

• Intertextualidade – aparecem documentos, poemas, cartas, notícias de jornal inseridos na obra.

No Brasil, escritores famosos também deixaram suas contribuições em romances históricos, como José de Alencar (As Minas de Prata); Érico Veríssimo ( O Continente); Jorge Amado (Tocaia grande); José Lins do Rego (Os cangaceiros); Jô Soares (O xangô de Baker Street); os paranaenses Paulo Leminski ( O catatau) e Domingos Pelegrini (Caramuru).

Nas últimas décadas foram às telas: Galvez, Imperador do Acre e Mad Maria, de Márcio Souza; A Muralha, de Dinah Silveira de Queirós; Carlota Joaquina e Xica da Silva de João Felício dos Santos; O Quatrilho, de José Clemente Pozenato; O Memorial de Maria Moura, de Rachel de Queiroz; Desmundo, de Ana Miranda.

Cartaz do filme Ana Miranda

Esta última que citamos merece ser melhor estudada, pois é considerada o maior expoente do gênero no Brasil. Ela iniciou sua carreira de escritora publicando dois livros de poesias: Anjos e Demônios, 1979 e Celebrações do Outro, 1983. Após o seu primeiro romance histórico-- Boca do Inferno (1989), que logo vendeu 50.000 exemplares, deu-se início a sucessivas publicações desse subgênero da literatura no nosso país. Ana Miranda nasceu em Fortaleza, em 1951 cresceu em Brasília, foi professora universitária no Rio de Janeiro e atualmente mora em São Paulo.

A maioria de seus livros traz escritores consagrados pela literatura nacional como personagens ficcionalizados. No seu primeiro romance o protagonista é Gregório de Matos, que atua junto ao Padre Antônio Vieira, ambos representantes do Barroco no Brasil. Neste livro, a autora descreve a Bahia do século XVII.

Gregório de Matos

Leia alguns fragmentos deste romance:

Numa suave região cortada por rios límpidos, de céu sempre azul, terras férteis, florestas de arvores frondosas, a cidade parecia ser a imagem do Paraíso. Era, no entanto, onde os demônios aliciavam almas para povoarem o Inferno. (p. 12)

...

Esta cidade acabou-se” pensou Gregório de Matos, olhando pela janela do sobrado no terreiro de Jesus. “Não é mais a Bahia. Antigamente havia muito respeito. Hoje, até dentro da praça, nas barbas da infantaria, nas bochechas dos granachas, na frente da forca fazem assaltos à vista .(p. 13)

...

De noite, aqueles mesmo freqüentadores de missas andavam em direção aos calundus e feitiços. Homens e mulheres compareciam com devoção a esses rituais de magia, em busca de ventura. Iam gastar suas patacas com os mestres do cachimbo. Deliravam, dançavam de maneira que muitos acreditavam ver dentro deles o próprio Satanás. Quando se confessavam na igreja, escondiam isso dos padres apesar de não ser raro ver-se um sacerdote em tais cerimônias. .(p. 14)

Os fiéis que chegavam à igreja traziam rosários e devocionários. Antes de entrar muitos faziam o sinal-da-cruz, sendo que alguns deles, como observava Gregório de Matos, persignavam-se ao contrário do que ensinava o catecismo. Dentro da igreja, prosternavam-se com um leve tocar do joelho no chão, como se fossem um besteiro prestes a atirar. (p. 14)

Enquanto aguardavam a missa, alguns admiravam os santos em seus nichos, outros preferiam ficar vendo o movimento das pessoas. Um homem cochilava sentado no muro, um grupo de jovens olhava duas belas negras que iam passando com fardos à cabeça. (p. 15)

As mulheres que se dirigiam à igreja usavam brincos, mangas e volá, broches, saias de labirintos. Com essas alfaias iam caminhando ao som do repicar dos sinos do Carmo, São Bento, colégio ou São Francisco. Muitos comentavam que as mulheres iam à missa para maldizer seus maridos, ou amantes, ou talvez cair em erros indignos. (p. 15)

A porta da igreja estava repleta de miseráveis e loucos. Com tanta riqueza, havia grande pobreza e muita gente morria de fome. (p. 15

O sexo com prostitutas, assim como as ciladas de inimigos, eram atividades associadas às sombras da noite, quando Deus e seus vigilantes se recolhiam e o Diabo andava à solta, as armas e os falos se erguiam em nome do prazer ou da destruição, que muitas vezes estavam ligados num mesmo intuito. Os furtos, passatempo da cidade, também ocorriam à noite. De dia as missas se sucediam

interminavelmente, às quais o povo comparecia para expiar suas culpas e assim poder cometer novos pecados: concubinatos, incestos, jogatinas, nudez despudorada, bebedeiras, prevaricações, raptos, defloramentos, poligamia, roubos, desacatos, adultério, preguiça, paganismo, sodomia, lesbianismo, glutonaria. .(p. 21)

Nos últimos cem anos todos os bispos pelejaram contra os governadores. Sardinha contra Duarte da Costa, Constantino Barradas contra o Diogo Botelho. Diogo Botelho era aquele filho da puta que usava para fins militares o dinheiro destinado a órfãos e viúvas, e por sua vez acusava o outro filho da puta, que era o bispo, de santo unhate. Intransigências, hostilidades, excomunhões, interdições, imposições sempre aconteceram entre nossos homens da Igreja e da Coroa. No fundo o problema era os salários eclesiásticos. (p.103)

1. Nos fragmentos temos a descrição da Cidade da Bahia, no tempo do Brasil Colônia. Como aparecem os tipos humanos nestes textos?

2. Como Gregório de Matos expõe a hipocrisia na sociedade da Colônia?

3. Gregório de Matos aparece como personagem do romance. Quem foi ele? Em que época ele viveu?

4. Os fragmentos foram extraídos do romance Boca do Inferno, de Ana Miranda. Na sua opinião, porque o romance recebeu esse título?

5. É característica do romance histórico contemporâneo apresentar uma nova leitura da história. Quais os elementos históricos presentes nestes

fragmentos? Como a escritora propõe a crítica à história oficial?

6. O que esses fragmentos têm em comum com esta poesia de Gregório de Matos?

Define a Sua Cidade

De dois ff se compõe esta cidade a meu ver: um furtar, outro foder.

Recopilou-se o direito, e quem o recopilou com dous ff o explicou por estar feito, e bem feito: por bem digesto, e colheito só com dous ff o expõe, e assim quem os olhos põe no trato, que aqui se encerra, há de dizer que esta terra de dous ff se compõe.

Se de dous ff composta está a nossa Bahia, errada a ortografia, a grande dano está posta: eu quero fazer aposta e quero um tostão perder, que isso a há de perverter, se o furtar e o foder bem não são os ff que tem esta cidade ao meu ver.

Provo a conjetura já, prontamente como um brinco: Bahia tem letras cinco que são B-A-H-I-A: logo ninguém me dirá que dous ff chega a ter, pois nenhum contém sequer, salvo se em boa verdade são os ff da cidade um furtar, outro foder.

7- Os dois ff representam a denúncia dos dois maiores problemas sociais da Bahia segundo Boca do Inferno. Quais eram?

8- Tanto Gregório de Matos (no Brasil Colônia) como Ana Miranda (no Brasil contemporâneo) utilizam expressões consideradas de baixo calão em seus textos, que sentido esta técnica

literária produz em suas respectivas obras?

Uma das características de Ana Miranda é a reavaliação do papel da mulher na história, para isso vale-se de vários modelos femininos na sua obra: moças angelicais, mulheres negras e escravas, respeitadas senhoras da sociedade da época, prostitutas, freiras, beatas, entre outras. Coincidentemente (ou não) as poesias de Gregório de Matos também são povoadas por vários tipos de mulheres. Leia mais esta poesia do escritor baiano e descreva a mulher que aí aparece.

À mesma dona Ângela

Anjo no nome, Angélica na cara!

Isso é ser flor, e Anjo juntamente:

Ser Angélica flor, e Anjo florente,

Em quem, senão em vós, se uniformara:

Quem vira uma tal flor, que a não cortara,

De verde pé, da rama florescente;

E quem um Anjo vira tão luzente;

Que por seu Deus o não idolatrara?

Se pois como Anjo sois dos meus altares,

Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,

Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda,

Posto que os Anjos nunca dão pesares,

Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

Flor angélica Polianthes tuberosa

http://www.holminas.com.br/corte.asp?tipo=outras

9. A obra de Gregório de Matos divide-se em satírica, religiosa e lírica. Em quais temas, os poemas que você acabou de ler, se encaixam?

10. Gregório de Matos é um representante do Barroco. O que você sabe sobre essa escola literária? Pesquise.

A presença da mulher na história do colonialismo brasileiro, sob a ótica masculina, também pode ser observado na pintura, como em O Jantar no Brasil (1827), do francês Jean Baptiste Debret.

O Brasil Colônia também é

tema do romance Desmundo

(1996). A leitura inicial dessa obra

faz o leitor perceber que a obra

comporta muitos elementos do

modelo de romance histórico do

século XIX. No entanto, a forma

como a mulher é aí apresentada,

rompe com a concepção

tradicional de ficção histórica. Pois

Desmundo é mais que uma

simples releitura do passado, uma

vez que se aproxima da ficção

mais do que do discurso oficial

documentário. Assim, o leitor,

através de um processo de

construção mimética, crê que os

acontecimentos contados são

realmente passados no século XVI,

inclusive porque a autora tenta

reproduzir a linguagem utilizada

na época.

As gravuras que ilustram a obra

são partes integrantes do romance,

elas estando intimamente ligadas ao

processo de construção de sentido da

narrativa. Dez vinhetas introduzem as

diferentes partes do livro, elas são

mais que gravuras, fazem parte da

linguagem do romance,

assemelhando-se aos antigos

bestiários medievais, foram

desenhadas pela autora. Neste

sentido observe a vinheta número

sete, denominada DESMUNDO:

Figura 1 Desmundo

11. A vinheta representa o

estranhamento de Oribela diante

do Novo Mundo. O que seria

“desmundo” para você?

Sempre que Oribela se refere à nova terra, utiliza palavras que são iniciadas pelo prefixo de negação “des”, e entre elas algumas palavras são dicionarizadas e outras não: “despejado lugar” (MIRANDA, 1996, p. 16), “terras desabafadas” (MIRANDA, 1996, p. 26), “desventura” (MIRANDA, 1996, p. 1), “desrumo” (MIRANDA, 1996, p. 138) , “desmundo” (MIRANDA, 1996, p. 138) e “desmoveu” (MIRANDA, 1996, p. 151). Esse recurso confere à linguagem uma matiz arcaica e ao mesmo tempo popular, resultado da contínua evolução histórica de uma língua

viva. Mas, o uso do prefixo “des” também remete à negação e à desconstrução dos valores patriarcais possíveis nesse mundo anti-feminino.

O fragmento que segue apresenta a concepção de Oribela em relação ao “desmundo”:

Havia ainda em meu coração o desejo de tornar, embora fosse a cada anoitecer mais pálida a vista da Princesa, suas torres e muralhas dentro de mim, mais apagada a vista do rio, mais borrada a face de minhas amizades, de Sabina, de Giralda, de dona Isobel morta. Nem em sonhos vinha mais minha mãe, vinha sim uma terra seca de cinzas e a mulher velha, a lembrança má dos marujos se servindo de mim, o mouro em fogo avoando sobre minha cama a tentar com sua beleza má, seus olhos de pérolas brancas, nos meus quilates de virtude em que devia exercitar minha vida, afastada da igreja por maldade de um esposo que só queria se adentrar pelo mato a ter para consolação um pé de santa a beijar no oratório, pequena como porcelana. De bom restava as flores do Mendo Curvo e o mel de suas abelhas. E a tanto me agarrava eu, como se fosse um fio de seda que levasse ao mundo, estando eu no desmundo (MIRANDA, 1996, p. 138).

12. Você entendeu o porquê do título Desmundo? Que tal pesquisar em uma gramática mais alguns prefixos que compõem a estrutura das palavras da Língua Portuguesa?

O histórico e o ficcional se entrecruzam já no início do romance, quando aparece a carta em que o padre Manuel da Nóbrega solicita

ao rei de Portugal o envio de mulheres brancas para o Brasil:

A El-Rei D. Jo o (1552)’ ã

JESUS

J que escrevi a Vossa Alteza aá falta que nesta terra ha de mulheres, com quem os homens casem e vivam em servi o de Nosso Senhor,ç apartados dos pecados, em que agora vivem, mande Vossa Alteza muitas orph s, e si n o houverã ã muitas, venham de mistura dellas e quaesquer, porque s o desejadas asã mulheres brancas c , que quaesquerá far o c muito bem terra, e Ellaã á à se ganhar o, e os homens de cã á apartar-se-h o do pecado.ã

Manuel da Nobrega

13. A carta de Nóbrega é um documento histórico?

14. Por que ele solicita o envio de mulheres para o Brasil?

15. Qual o perfil da maior parte dos primeiros colonizadores do Brasil?

Observe como Ana Miranda descreve estes colonizadores no seu texto ficcional:

...e se disse ter a nau mais de quatrocentas pessoas, sem contar escravos, uns tantos que ficavam na terra do Brasil, outros que seguiam às Índias, para onde iam uns viciosos, que antes se metiam lá os fidalgos para fazer suas mercas e ficar muito ricos, mas agora eram ladrões, chatins cobiçosos que lá iam fazer coisas feias (MIRANDA, 1996, p.22). Diziam que era aquela gente tanoeiros, carvoeiros, caldereiros, cavaqueiros, soldados, sangradores, pedreiros, ferreiros, calheiros, pescadores, lavradores, eiros, eiros, ores, ores, e tudo o mais necessário para se fazer do mato uma cidade (MIRANDA, 1996, p.25).

16. O texto de Miranda é ficcional, mas descreve um fato histórico. Qual a diferença deste texto em relação aos textos dos livros e manuais de história?

17. Na sua opinião, Ana Miranda escreveu Desmundo e Boca do Inferno preocupada com a verdade histórica? Por quê?

18. Por que filmes e romances com temáticas históricas têm grande aceitação do público, nos dias atuais?

Observe como a protagonista- narradora descreve sua condição de orfandade:

“Órfã, só o que restava, pudesse querer se mover a tão distante país, como se diz desse tipo de mulher que ninguém quer, tesoura aberta, martelo sem cabo, alfinete sem ponta, que como o cão sorrateiro morde o cavalo e mata o cavaleiro. Filhas das pobres

ervas e netas das águas correntes. As enjeitadas, as fideputas, que nem se rapta nem se dota, mulher de cafraria. Que teve a rainha de dotar e o rei de dar ofício. Mulher de pele branca e fala um bom português (MIRANDA, 1996, p.52).

19. A história oficial discute a presença da mulher na colonização brasileira?

20. Qual a diferença entre as órfãs e as negras ou índias que povoavam o Brasil?

Extraído e adaptado do livro História das Mulheres no Brasil, Editora Contexto, São Paulo, 2000

Como na gravura, em Desmundo também percebe-se a presença da mulher no Brasil quinhentista. Não como mero artefato doméstico, mas interagindo com a cultura local:

Eu pintava o rosto de urucum, comia do prato das naturais e me desnudava nos dias quentes, deixava os chicos chuparem meus peitos, dançava, de modo que dona Branca veio baixar umas regras, antes que virasse eu uma bárbara da selva e me metesse a comer de carne humana. (MIRANDA, 1996, p.127).

A Chegada

Figura 2 Desmundo

1

A vista de uma colina distante tangeu dentro do meu coração música de boas falas, com doçainas e violas d’arco, a ventura mais escondida clareia a alma. Ali estava bem na frente a terra do Brasil, eu a via pelos estores treliçados, lustrada pelo sol que deitava. Uxtrix, uxte, xulo, cá! Verdadeira? Tão pequena quanto pudesse eu imaginar, lavada por uma chuva de inverno, verde, umas palmeiras altas no sopé, por detrás de nuvens de tapeçaria, véu de leve fumo. Hio, hio, huhá! Espantada que a alegria pudesse entrar tão profundamente em meu coração, em joelhos rezei. Deus, graças, fazes a mim, tua pequena Oribela, a mais vossa mercê em idade inocente, um coração novo e um espírito de sabedoria, já estou tão cegada pela porta de meus olhos que nada vejo senão deleitos, folganças do corpo, louvores, graça prazentes e meu coração endurecido, entrevado sem saber amar ou odiar. Assim como o azeite acende o lume, a vista acende o desejo. Dá a mim a graça de muitas lágrimas com que lavar o meu sonho, maior que meu corpo.

Nossa carne quebrada, já sendo vencida pela fraqueza e ainda assim se batiam palmas. Cantai, cantai. Davam pancadas nas tábuas de nosso camarote para aviso da terra,

não tivéssemos dois olhos bons em cada fuça, diziam para darmos mostra da ventura, queridas, boa a chegada, acabada a água do armário do camarote e só chuva para tomar, atinava eu que ia beber água fresca, água fresca, água fresca água fresca águafrescáguafresca larari lara, molhar as mãos, as ventas, derramar o que fosse, sem contar gota por gota, não ouvir mais gente bradar por água, molhar meus cabelos em um chafariz, bica, ter um lugar onde ficar só, sem ver caçarem os peixes, ferroarem seus olhos, rasgarem suas gargantas, pardeus, sem ouvir mais a litania do padre Antolim e suas gritarias para despossuir gente tomada pelo Diabo, as más línguas da Parva amarrada ao pé do condenado, ia eu ter uma cama onde pudesse estirar minhas pernas e sem me acordarem cotovelos alheios, nem o medo, nem o suor, nem as vacas batendo os chifres nas cavernas, será? (p. 11)

2

Ia tirar de mim o cheiro de lã podre, vestir camisa limpa, lavar o sal da pele, comer fruta da árvore, carne assada, esquentar as mãos num fogão de lenha, assentar à mesa, adeus ferrugem, adeus carne de porco na banha, ai um pão quente, um ceitil de cerejas, tudo parecia alta maravilha, qualquer botão de corno, qualquer fita nova vida, sem rezar pelas monções nem temer as tempestades e jogar os pequenos ágnus-dei de cera na água para acalmar rainha de nossa sorte, lançar às águas as cartas de baralho, os livros de pecados e fornicações fora o preço da nossa vida tão mal

paga, que nada vale, ia poder andar numa relva, ter uma igreja onde assistir à missa e imagem de santa, deixar malga de leite à janela para os mortos, lavar minha boca, que sentia os dentes escuros da mula espanhola, ia deitar numa cama sem me importar se era dia santo ou domingo e ao acordar comer chorizos de sangue, depois de estômago cheio rezar pois, dissera meu pai, na hora do batismo encostaram em minha testa uma cruz e eu gritara muito, prova de haver coisa em mim. Amém, amém, mas nada podia eu compreender do mundo e do céu, meu modo era esquivar e renegar, no que fiz o sinal-da-cruz no peito, a face vazia sem obra sem costume, sem a memória do passado, os olhos alongados ao verde da terra, pensando naquelas coisas que desfazem um coração limpo. (p. 12)

Dimensão Religiosa na Colonização

A influência da Igreja no processo colonizador foi considerável. Os primeiros jesuítas chegaram com Tomé de Souza em 1549, chefiados por Manoel da Nóbrega (...)

A criação do bispado em 1551, coordenando as atividades de forma mais organizada, facilitou o êxito de seus intentos: restaurar o poder político da Igreja de Roma, impedir a penetração de seitas consideradas heréticas e manter idéias católicas entre os colonos. (...)

O poder da Igreja atingia toda a sociedade colonial, funcionando como instrumento de controle social. Essa ação encontrava eco, pois a condição social do individuo implicava o “ser cristão”. A obediência aos preceitos religiosos era conseguida através de medidas como a excomunhão e a exposição dos pecadores à reprovação pública.

A Igreja patrocinava festas e divertimentos populares, orientando formas de manifestações coletivas. No conjunto, pode-se afirmar que disciplinava maneiras de pensar e sentir na colônia.

KOSHIBA, Luiz e PEREIRA, Denise Manzi Frayse. História do Brasil p.51

1) Identifique algumas características do Romance Histórico presentes nos fragmentos de Boca do Inferno e Desmundo.

2) Reúna-se com alguns colegas da sua sala de aula, converse sobre o envio de órfãs para casarem-se com os desbravadores do Brasil depois escreva sobre esse assunto, priorizando nele valores éticos e morais.

3)Na Bahia do século XVII, Gregório de Matos denuncia alguns problemas sociais. E sua cidade seu bairro, tem problemas? Liste alguns e em grupo, busque soluções. Pode-se redigir um texto e enviá-lo às autoridades, como vereadores, prefeitos. Que tal?

4) Afinal como se explica história x estória?

Estória=> Ver história

Com inspiração no inglês, tem-se proposto o termo estória (forma aportuguesada do inglês story) para referência a peça de ficção, folclórica, reservando-se história (forma correspondente ao inglês history) para designar história real. Os irmãos ouvem tudo aquilo como se fosse uma ESTÓRIA, algo que nunca poderiam imaginar nas suas cabecinhas.

Entretanto, o substantivo história é o usual (99%) tanto para ficção quanto para fatos reais. Estória é um neologismo proposto por João Ribeiro (membro da Academia Brasileira de Letras) em 1919, para designar, no campo do folclore, a narrativa popular, o conto tradicional.

Alguns consideram o termo arcaico, mas ele difere claramente de “História”, pelo primeiro ser algo inventado e o segundo algo verídico.

O termo acabou por não ter uma aceitação generalizada, uma vez que pode ser feita a distinção entre "história " (minúscula) e "História"

Para alguns filósofos a “verdade” pode ser relativa. E há quem não se preocupe com a verdade sobre a “verdade”. Veja por exemplo, o humor de Oswald de Andrade, escritor modernista, quando se refere a fatos do Brasil- Colônia.

Brasil

O Zé Pereira chegou de caravela

E preguntou pro guarani da mata virgem

− Sois cristão?

− Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da morte

Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!

Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!

O negro zonzo saído da fornalha

Tomou a palavra respondeu

− Sim pela graça de Deus

Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum!

E fizeram o Carnaval.