DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · promoção de um curso com professores e pedagogos de uma...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
O TRABALHO DO PEDAGOGO: reflexões sobre o conteúdo escolar e a
práxis pedagógica
MENEZES, Carmen Maria Aver 1 FAVORETO, Aparecida
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Resumo
Este artigo apresenta resultados de estudos, pesquisas e intervenção realizados durante o Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná – SEED. O objetivo foi compreender o papel do pedagogo na escola pública, na promoção de reflexões sobre o professor como mediador entre conteúdo escolar e realidade social. O pedagogo desempenha um papel importante na organização da transmissão do conhecimento escolar, visto que, cabe a ele, auxiliar os professores na compreensão da relação ensino aprendizagem, conhecimento e realidade histórico social, promovendo reflexões sobre aquele que ensina, o que é ensinado, como se dá o ensino e qual a sua intencionalidade. Nessa relação, o ideal é ampliar as condições materiais e culturais da vida humana de modo que a todos seja assegurado o direito de sobrevivência, de alimentação, de trabalho, de participação social, de elaboração das leis e de construção da democracia. Esta pesquisa teve por encaminhamento metodológico a promoção de um curso com professores e pedagogos de uma escola pública básica, embasando-se teoricamente em Adolfo Vazquez e sua compreensão de práxis social, levantando reflexões sobre a transmissão do conhecimento e a relação entre conteúdo escolar e sociedade, entre a sociedade alienante e o ideal emancipatório da educação, entre a divisão do trabalho e a visão crítica da totalidade social.
Palavras-chave: Pedagogia; Conhecimento; Conteúdo Escolar; Práxis pedagógica.
1 Professora PDE da Rede Pública de Educação do Estado do Paraná – Pedagoga. Especialista em Metodologia e Didática e Gestão de Sistemas de Ensino. 2 Professora Orientadora PDE - Doutora em Educação (2008) pela Universidade Federal do Paraná. Professora do Colegiado de Pedagogia – UNIOESTE – Cascavel - PR.
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1 Introdução
Neste artigo, analisamos o trabalho do pedagogo como propositor de
reflexões junto aos professores sobre a relação entre conteúdo escolar, ação
educativa e realidade social. Esta reflexão teve como finalidade verificar se a ação
do pedagogo pode contribuir para aperfeiçoar o processo de ensino e aprendizagem
na escola de modo a superar algumas dificuldades recorrentes da escola atual.
Nessa perspectiva, o professor, assim como o pedagogo é compreendido como
mediador entre conteúdo escolar e realidade social, bem como, produtor de
conhecimento em uma perspectiva de práxis pedagógica.
A reflexão da ação educativa do pedagogo, com base em conhecimentos que
buscam explicar a realidade escolar em um sentido amplo, vem se opor à pedagogia
cuidadora e apagadora de incêndios solicitada principalmente pelos professores e
pais/responsáveis.
As relações estabelecidas no espaço escolar não acontecem de forma
totalmente harmoniosa, de modo que possibilite um desenvolvimento intelectual
consistente e reflexivo da maioria dos jovens. Ao contrário, o processo ensino
aprendizagem é permeado de contradições e limitações, acrescentado de uma
precariedade na transmissão do conhecimento escolar. Neste sentido, a escola tem
sido palco de comportamentos de rebeldia, indisciplina e, uma constante reclamação
dos estudantes que não vêem sentido no que está sendo discutido em sala de aula.
Sobre essas questões, há uma série de variáveis explicativas, ao pedagogo
cabe a análise e o auxílio na sua compreensão e enfrentamento, porém, neste
trabalho, queremos voltar nossa atenção ao professor, o qual tem por objetivo fazer
a mediação entre o conhecimento científico, o aluno e a realidade social.
Para o alcance dessa proposição buscamos o embasamento teórico em
autores que vêem refletindo sobre os conteúdos escolares e a práxis educativa,
principalmente Vazquez (1977). Neste sentido, busca-se a identificação da relação
que o professor estabelece entre conteúdo escolar e realidade social e reflexão
sobre o compromisso que a ação educativa tem com a emancipação humana. Para
tanto, desenvolvemos um projeto de intervenção pedagógica em que foram
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desenvolvidas atividades com professores e pedagogos que atuam em uma escola
pública. As atividades se deram através de leitura de textos e exibição de filme,
seguidos de oficinas pedagógicas.
As ações realizadas tiveram a intencionalidade de instigar os participantes à
reflexão sobre a produção do conhecimento escolar, sua intencionalidade e suas
consequências. Refletimos também, sobre o comprometimento dos presentes em
um processo de transformação, utilizando-se para isso de uma obra literária, na qual
se pôde evidenciar a relação entre produção social e conhecimento. Para atingir o
âmbito da sala de aula, utilizamos um filme que retratava um aluno e sua
subjetividade no processo de aprendizagem.
Para que o projeto de intervenção fosse implementado, o mesmo foi colocado
para análise de um grupo de trabalho em rede que o avaliou e contribuiu com
observações e indicações de referências e experiências de práticas pedagógicas,
bem como, produzimos uma unidade didática como material pedagógico em que
foram sistematizadas todas as reflexões realizadas e a organização da metodologia
de análise que é apresentada com seus resultados neste artigo. Por fim, no conjunto
de todas as atividades realizadas, a intenção era trazer a reflexão sobre como a
ação escolar interfere na compreensão, na produção e na transformação da
realidade social.
2 Pressupostos Teóricos
O cotidiano da escola tem solicitado ao pedagogo uma ação cuidadora e
pontual, da qual não desconsideramos, porém, paralelo a este cuidado, propõe-se a
discussão sobre a ação do pedagogo como propositor de reflexões ao professor que
atua em sala de aula na mediação entre o conteúdo escolar, a realidade social e a
ação educativa.
A proposta implica, portanto, em aprofundar estudos sobre o trabalho do
pedagogo na reflexão crítica da atividade educativa escolar, entendendo que, para
isto, lhe é necessária uma sólida base epistemológica que lhe possibilite a
realização do movimento permanente entre o particular e o universal, entre a
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estrutura e a conjuntura.
Essa é a condição para romper com uma visão fragmentada de conhecimento
e de ideologias naturalizantes e desistoricizadas da sociedade capitalista que limita
a compreensão da realidade social ao aparente. Trata-se assim, de oposição à ação
do pedagogo a uma perspectiva subordinada às noções de competências que visam
os resultados no mundo da mercantilização das mercadorias.
A formação acadêmica do pedagogo, assim como sua capacitação em
serviço, deve lhe dar as condições necessárias para intervenção junto aos
professores, auxiliando-os na compreensão da relação ensino, aprendizagem,
conhecimento e realidade histórica social. Isto exige uma série de reflexões sobre
aquilo que se ensina, o que é ensinado, como se dá o ensino e qual sua
intencionalidade. Reflexões que estão interligadas e que têm a realidade social
como base.
Quando a formação acadêmica se dá distante da realidade histórica social,
ocorre o ativismo e o pragmatismo pedagógico que não consegue superar o mundo
do senso comum. Para nós, este conhecimento amplo é necessário porque
entendemos que a ação do pedagogo exige a compreensão da práxis como
fundamento da formação e da ação transformadora no plano histórico social.
A base para a compreensão da realidade é o conhecimento produzido a partir
dela. Nesse sentido, tendo a escola a incumbência de difundir o conhecimento social
e promover a percepção dos sujeitos como partícipes da sociedade, acredita-se que
se faz necessário buscar a relação entre o conhecimento escolar e a realidade
social. Dessa forma, o esperado é que essa reflexão possa romper com o
conhecimento transmitido de forma quantitativa e cumulativa, em que os alunos
repetem fórmulas, datas, nomes, sem sentido para sua prática social.
A relação entre o processo de ensino e aprendizagem e a realidade histórica
social não se faz de forma estática e harmônica. Ela revela um constante
movimento, o qual se dá em meio a conflitos entre as forças produtivas e as
relações sociais. Neste aspecto, ao passo que gera condições de libertação do
homem pelo desenvolvimento das forças produtivas, gera a alienação, a qual se
reproduz pela forma que o trabalho no sistema capitalista é executado, ou seja,
limitado pelos interesses da classe proprietária dos bens produtivos.
Para dar sequência à reflexão, apoiamo-nos em Adolfo Sanches Vazquez,
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que propõe, em seu livro Filosofia da Práxis (1977), a atividade teórica e prática
como transformadora da natureza e da sociedade. Segundo o autor, a atividade
humana é prática, na medida em que a teoria, como guia da ação a orienta e é
teórica, na medida em que essa ação é consciente. Dessa forma, apresenta que a
práxis é mais que prática, significa a unidade entre esta e a teoria.
A práxis, portanto, é a relação dialética entre a natureza e o homem, as
coisas e a consciência. Ela busca adequar os efeitos aos ideais antecipatórios.
Partindo do pressuposto de que a realidade nunca duplica o modelo pensado, a
cada nova ação se constitui um novo ato criador, estado este que se apresenta a
partir da compreensão do anteriormente criado.
O homem não vive num constante estado criador. Ele só cria por necessidade, cria para adaptar-se a novas situações ou para satisfazer novas necessidades. Repete, portanto, enquanto não se vê obrigado a criar. Contudo, criar é para ele a primeira e mais vital necessidade humana, porque só criando, transformando o mundo o homem faz o mundo e se faz a si mesmo. Assim, a atividade fundamental do homem tem um caráter criador; junto a ela, porém, temos também como atividade relativa, transitória aberta à possibilidade e necessidade de ser substituída - a repetição (VAZQUEZ, 1977, p. 248).
O autor considera que é possível falar de níveis diferentes de práxis. Ele
distingue a práxis criadora (reflexiva) e a reiterativa ou imitativa (espontânea). Essas
distinções de nível não eliminam os vínculos mútuos entre uma e outra, eles se dão
no contexto de uma práxis total. O espontâneo não está isento de elementos de
criação e o reflexivo pode estar a serviço de uma práxis reiterativa, visto que, o
sujeito e o objeto se apresentam em unidade indissolúvel na relação prática. O que
distingue cada uma dessas formas de práxis é a teoria que serve de guia.
A práxis imitativa ou reiterativa tem por base uma práxis criadora já existente da qual toma a lei que a rege. È uma práxis de segunda mão que não produz uma nova realidade [...]. Nisso reside sua limitação e sua inferioridade em relação à práxis criadora. Esse lado negativo, porém, não exclui um lado positivo que é ampliar o já criado [...]. Daí que, por positiva que seja sua práxis reiterativa numa determinada circunstância, chega um momento em que tem de ceder caminho – no mesmo campo de atividade – a uma práxis criadora. Em virtude da historicidade fundamental do ser
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humano, o aspecto criador de sua práxis – concebida esta em escala histórica universal - é o determinante (VAZQUEZ, 1977, p. 258 - 259).
Portanto, a educação só pode ser compreendida como forma de relações
mútuas que se instauram entre essas duas instâncias (práxis reiterativa e criativa) e
que nos impedem de considerar qualquer indivíduo de forma isolada ou qualquer
sociedade como resultado de uma massa homogênea de indivíduos. A prática
educativa se apresenta como forma de ação reiterativa e criativa enquanto busca de
compreensão das relações entre sociedade e homem, produto e produtor de
relações.
Na articulação entre teoria e prática, reflexão e ação, localizam a tensão
dialética, em que os enfrentamentos com a realidade, bem como os desafios postos
historicamente, colocam continuamente a necessidade de se avaliar os acertos e os
desacertos, bem como de manter certas práticas ou de criar outras. Esse movimento
se faz em uma tensão permanente entre teoria e prática; entre as mudanças no
plano do conhecimento e o âmbito histórico-social. Faz-se necessário destacar que
a relação entre o pensar e o agir do homem não é algo que se faz naturalmente,
mas é uma relação permeada de sentido histórico.
A humanidade, em seus atos, vai deixando pegadas, que revelam a
historicidade de seus pensamentos e desejos. A ação do homem se faz permeada
de necessidades materiais e de ideais, os quais estão firmados na sua capacidade
de avaliar. Capacidade esta que não é igual em toda época histórica, mas está
relacionada ao contexto histórico. Isto é, ao quadro que cerca de sentido o pensar e
o agir humano. Entretanto, entre o pensar e o agir, faz-se necessário o homem ter
consciência disto. Com base em Vazquez (1977), podemos afirmar que a
consciência não só se projeta em sua obra, mas também se sabe projetada além de
suas próprias expectativas. A práxis é, pois, subjetiva e coletiva; revela
conhecimentos teóricos e práticos. O trabalho de cada ser humano entra nas
relações de produção relativas a um âmbito sócio histórico e ao processo educativo.
Se o processo educativo é uma necessidade da sociedade, é somente a
partir deste que se produz ou reproduz o projeto de trabalho/sociedade idealizado
historicamente.
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Marx (2006) já afirmava que “é necessário agarrar as coisas pela raiz,
conscientes de que a raiz do homem é o próprio homem”. Kosik (1978), apoiado
neste pressuposto, ao se referir ao ato de ensinar, afirma que este deve ser
compreendido dialeticamente, isto é, na trama das relações sociais e históricas
enquanto ação educativa, com propósito de intervir na realidade, totalidade e
contradições.
Os homens ingressam na situação dada independentemente da sua consciência e vontade, mas, tão logo “se acham” dentro da situação a transformam. A situação dada não existe sem os homens, nem os homens sem a situação. Só nesta base pode se desenvolver a dialética entre a situação – que é dada para cada indivíduo, cada geração, cada época e classe – e a ação que se desenvolve com base em pressupostos que são dados e já prontos e acabados. No tocante a este agir, a situação dada se apresenta como condições e pressupostos; por sua vez o agir confere a esta situação um sentido determinado. O homem supera (transcende) originariamente a situação não com a sua consciência, as intenções e os projetos ideais, mas com a práxis. [...] com seu agir o homem inscreve significados no mundo e cria a estrutura significativa do próprio mundo. [...] nos meus projetos, sonhos e visões, posso transformar no reino da liberdade as quatro paredes dentro das quais me encontro acorrentado, mas estes projetos e ideais não mudam absolutamente a realidade, [...] A situação dada e o homem, são elementos constitutivos da práxis, que é a condição fundamental de qualquer transcendência da situação. (KOSIK, 2002, p. 240-241 – grifo no original)
A escola é o espaço formal de ensino, em que se utiliza da teoria para a
representação da realidade. Sendo a teoria produzida na realidade prática, para sua
socialização na escola, é sistematizada em conteúdos escolares nas disciplinas para
que seja socializada pela humanidade.
Cabe à escola a transmissão do conteúdo escolar, o qual se apresenta como
permanência e/ou mudança de valores sociais. Mas de toda forma, é ela que busca
sistematizar condições para o desenvolvimento humano de todos os sujeitos que
nascem, pois, além de garantir a eles o usufruto dos bens da civilização, dota-os de
uma perspectiva analítica e crítica, a fim de que possam se colocar como
construtores de novos modos de processá-la. A escola não pode negar seu papel de
transmissora do conhecimento que não se mostra no imediatamente compreensível,
conforme Klein:
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Aprendemos quase tudo na vida cotidiana. Ela é rica em experiências e impõe necessidade de uma forma tão reiterada que é praticamente impossível não aprender aquilo que nela está presente. Mas, se o cotidiano é tão bom mestre – e ele de fato o é – por que precisamos de escola? A resposta comporta duas razões: ou porque aquilo que queremos aprender não está presente no nosso cotidiano, ou porque está presente numa forma não imediatamente compreensível. [...] o que se espera da escola é exatamente a capacidade de trabalhar com algo que não está no cotidiano da criança. Aliás, é esta, inclusive, uma das mais importantes razões de existência da escola: ampliar os horizontes, permitir que o estudante supere indefinidamente os limites da sua aldeia (KLEIN, 1995, p.03).
Imprime assim à escola, a responsabilidade de transmitir o conhecimento
científico acumulado. Porém, não em forma de repetições, de abstrações, mas, deve
tornar significativo o conteúdo que trabalha. Significativo no que SAVIANI (2003,
p.13) afirma, como “o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens”.
A escola precisa dar conta da transmissão dos elementos culturais
necessários à humanização do indivíduo, e deve ela encontrar formas mais
adequadas para atingir esse objetivo. Tal objetivo só pode ser atingido se a escola
fizer a ponte entre a cultura social e alunos, de modo a provocar a transformação.
Se a humanização é resultante da construção social dessa cultura, entendida como processo histórico de objetivação do gênero humano, a da apropriação das obras e fenômenos culturais pelos indivíduos, então a emancipação da humanidade deverá ocorrer como transformação da apropriação dessa cultura e, por conseqüência, transformação da objetivação tanto do gênero humano quanto de cada indivíduo (DUARTE, 2006, p. 607).
Dessa forma, a emancipação humana, é compreendida como a objetivação
(significado) e a subjetivação (sentido) das ações humanas. Duarte (2004), com
base em Leontiev, explicita este como um dos grandes desafios da educação
escolar contemporânea e complementa que:
Uma das armadilhas contida nas proposições de boa parte das correntes pedagógicas em voga não seria justamente a de postular uma relação
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imediatista e pragmática entre o significado e o sentido da aprendizagem dos conteúdos escolares, atrelando essa aprendizagem ao utilitarismo tão forte no alienante cotidiano da sociedade capitalista contemporânea? A reflexão sobre essa pergunta requer a incorporação da análise que Leontiev faz do processo de alienação na sociedade capitalista, como um processo que ocorre de duas maneiras: pela dissociação entre o significado e o sentido das ações humanas e pela impossibilidade existente, para a grande maioria dos seres humanos, de apropriação das grandes riquezas materiais e não materiais já existentes socialmente (DUARTE, 2004, p. 55).
Em sua análise sobre o processo histórico de desenvolvimento da
consciência humana, Leontiev (apud Duarte, 2004, p. 56) mostra que a divisão
social do trabalho e a propriedade privada produziram historicamente uma estrutura
de consciência humana que dissocia o significado e o sentido da ação. Uma vez que
a escola pode promover a emancipação humana, significa que pode ir além da
explicação dos conteúdos com fins de utilização ou aplicação imediata desses, mas,
dar sentido à vida, entendendo que as ações humanas estão associadas a todas as
relações estabelecidas pelo ser humano.
É na relação sujeito e sociedade, no processo de transformação consciente
que Vazquez considera a educação como um campo de ação transformadora.
Porém, é necessário argumentar que o interesse em transformar esbarra no de
conservar as estruturas sociais, conforme destaca Favoreto:
O campo educacional não é construído com base em interesses homogêneos, não é resultado de um processo linear, mas, sim, de um processo de lutas. O campo de lutas se dá entre os homens quanto às formas de produzir a vida e as idéias; se inserem na relação com o passado, quando este impede o novo de dar um passo à frente. Estabelece-se também no presente, quando, diante das novas necessidades e incertezas do futuro, forçam estes mesmos homens a se confrontarem e produzirem as mais diversas propostas de reformas sociais e educacionais (FAVORETO, 2008, p.14).
A compreensão dessa dinâmica é por si objeto e objetivo do pedagogo, o que
impõe a necessidade de refletirmos sobre a produção do conhecimento
contemporâneo e sua reprodução na realidade escolar. Porém, não o conhecimento
entendido na repetição de informações, enquanto pura abstração ou contemplação,
ou aquele conteúdo limitado nas atividades utilitárias do indivíduo. É necessário
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buscar a relação e/ou a unidade entre teoria e prática. Uma unidade que não é
linear, mas que está em constante movimento e por isso é histórica. Uma unidade
construída na luta pela sobrevivência humana. Segundo Franco (2003, p. 85):
Estas reflexões sugerem então que cabe à pedagogia propor a transformação do senso comum pedagógico, a arte intuitiva presente na práxis, em atos científicos, sob a luz de valores educacionais, garantidos como relevantes socialmente, em uma comunidade social. Seu campo de conhecimentos será formado pela intersecção entre os saberes interrogantes das práticas, os saberes dialogantes das intencionalidades da práxis e os saberes que respondem às indagações reflexivas formuladas por essa práxis.
Assim, a pedagogia está vinculada à forma de compreender o conhecimento
e a práxis social. O pedagogo deve compreender que o conteúdo escolar, o
estudante, o professor, a escola e todo o sistema de ensino estão marcados pelo
acúmulo do conhecimento histórico e pela pressão de interesses divergentes que
buscam a transformação e a manutenção da ordem. A transmissão de
conhecimentos acumulados e a forma de fazê-la, deve levar em consideração não
só a estrutura bio-psicológica do estudante, mas para além dessa, deve verificar
todo o processo de ensino e aprendizagem, bem como o conteúdo no tempo
histórico de sua produção.
2 Encaminhamentos Metodológicos: resultados e reflexões
A implementação deste projeto sobre o trabalho do pedagogo como
propositor de reflexões, junto aos professores, da relação entre conteúdos
escolares, realidade histórica social e alunos se constituiu de algumas etapas: 1.
Realização de um curso a distância com um grupo de trabalho em rede que
contribuiu com análises e indicações de referências e de práticas pedagógicas. 2.
Organização de uma Unidade Didática como contribuição de Material Didático
Pedagógico, que traz as referências teóricas que embasam as reflexões e um
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projeto para implementação de um curso, com professores e pedagogos, em que as
discussões se aprofundam. 3. Implementação do projeto proposto, de forma
presencial, buscando estabelecer o vínculo entre o aporte teórico, as dimensões das
atividades escolares e a realidade escolar.
Neste artigo, estaremos detalhando o encaminhamento do projeto de
implementação, atendo-nos aos resultados e reflexões obtidos.
O primeiro texto escolhido para nortear as reflexões foi um resumo do livro: A
escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos de Mario Sergio
Cortella (2000). O autor do livro apresenta em quatro capítulos, questões
relacionadas ao conhecimento: 1. Humanidade: cultura e conhecimento; 2.
Conhecimento e verdade: matriz da noção de descoberta; 3. A escola e a
construção do conhecimento; 4. Conhecimento escolar: epistemologia e política.
Questões que nos permitiram abrir discussão sobre a relação entre conhecimento e
sociedade, conteúdo escolar e transformação social.
O autor postula uma escola pública que selecione e apresente conteúdos que
possibilitem aos alunos uma compreensão de sua própria realidade, de modo a
serem capazes de transformá-la na direção dos interesses da maioria social. Para
ele, faz-se necessário transmutar os conhecimentos científicos em ferramentas de
transformação e, para isto, não necessita criar um universo a parte do mundo dos
trabalhadores. Segundo ele, o universo vivencial da classe trabalhadora é
extremamente rico em termos culturais, mas precário em termos de conhecimentos
mais elaborados. Então, refletimos que se faz necessário aproximar o homem que
trabalha da bagagem cultural acumulada pela humanidade, de modo a, como afirma
o autor (CORTELLA, p.45 – 46), estabelecer uma ordem na qual tudo se localize e
encontre seu lugar apropriado. Só assim, a vida ganha sentido (na dupla acepção de
significado e direção).
Chama também a atenção para a necessidade dos professores reforçarem a
consciência de que valores e conhecimentos são resultantes de uma sucessão de
ocorrências existenciais e da compreensão recíproca da visão de alteridade:
Buscar "enxergar" o outro não implica de forma alguma aceitá-lo como é; não há prática educativa coerente se não houver inconformidade, dado que a própria palavra "educação" significa conduzir para um lugar diferente
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daquele em que se está. No entanto, a incompreensão da gênese e desdobramentos dos valores e conhecimentos daqueles com os quais convivemos é um obstáculo brutal para uma relação pedagógica autônoma e produtiva. Presos a uma única cultura, somos não apenas cegos às dos outros, mas míopes quando se trata da nossa (CORTELLA, 2000, p.50).
Dessa forma, o autor indica que uma das questões cruciais para a prática
pedagógica tanto do pedagogo quanto do professor é a sua concepção sobre o
conhecimento e denuncia que, na maioria das vezes, o conhecimento é entendido
como algo acabado, pronto, encerrado em si mesmo, sem conexão com sua
produção histórica. Para isso, aponta questões, transcritas abaixo, que foram
refletidas pelo grupo, quais sejam:
1. Quando um educador ou uma educadora nega (com ou sem intenção) aos alunos a compreensão das condições culturais, históricas e sociais de produção do conhecimento, termina por reforçar a mitificação e a sensação de perplexidade, impotência e incapacidade cognitiva. 2. O saber pressupõe uma intencionalidade, ou seja, não há busca de saber sem finalidade. Dessa forma, o método é, sempre, a ferramenta para a execução dessa intencionalidade; como ferramenta, o método é uma escolha e, como escolha, não é neutro. 3. O melhor método é aquele que propuser a melhor aproximação com o objeto, isto é, aquele que propiciar a mais completa consecução da finalidade. No entanto, o método não garante a exatidão, pois esta está relacionada à aproximação com a verdade e o método é apenas garantia de rigorosidade. 4. A aproximação com a verdade depende da intencionalidade e esta é sempre social e histórica; assim, a exatidão não se coloca nunca como absoluta, eterna e universal, pois a intencionalidade também não o é. A intencionalidade está inserida no processo de as mulheres e os homens produzirem o mundo e serem por ele produzidas e produzidos, com seus corpos e consciências e nos seus corpos e consciências. 5. Cada um e cada uma de nós é também método, pois corpos e consciências são ferramentas de intencionalidade (conscientes ou não). É por isso que o anunciado para vir, tem de ser feito por nós como geradores de intenção e também como métodos que somos; se não, não virá! 6. Assim existimos: fazendo. E, porque fazemos, pensamos. E, porque pensamos, fazemos nossa existência. É por isso que a prática de pensar a prática - o que fazemos - é a única maneira de pensar - e de fazer - com exatidão. (CORTELLA, P.102-111)
As questões levantadas foram entendidas pelo grupo como fundamentais na
ação mediadora do professor em sala de aula.
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Para seguir nas discussões, sugerimos também a leitura de um apanhado de
reflexões sobre conhecimento, realidade e práxis educativa que organizamos com
base na obra de Vazquez (1977). Nosso objetivo nesse encontro foi reforçar a
necessidade da aquisição do conhecimento científico para emancipação humana.
Discutimos também o comprometimento dos professores com o processo de
mudança, para isso, reforçamos o entendimento da relação entre conhecimento e
ação humana na dimensão histórica social. Por fim, o debate se fez na tentativa de
expressar o significado da práxis pedagógica como a localização contextualizada do
conhecimento sistematizado a partir da realidade da produção e nas suas
dimensões reiterativa e criadora. Neste encontro, conseguimos pontuar os
fundamentos teórico-epistemológicos de nossa concepção de conteúdo escolar e
relações professor/aluno e de processo de ensino e aprendizagem.
Entretanto, feita toda essa discussão sobre os pressupostos teóricos do ato
de ensinar, do que é conhecimento em relação a sociedade, precisávamos por em
prática. Porém, não podia ser algo mecânico. Então decidimos usar a obra literária:
A Vida de Galileu de Bertold Brecht (1977). Priorizamos três diálogos extraídos da
obra que possibilitassem tais reflexões. O desafio era mostrar o conhecimento como
produto e produtor das relações humanas, a relação entre conhecimento e trabalho
social e retomar alguns pontos da ação mediadora do professor. Iniciamos a reflexão
recorrendo ao autor quando este afirma:
Quem, hoje em dia, quiser combater a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem de vencer, pelo menos, cinco obstáculos. Tem de ter coragem de escrever a verdade, muito embora por toda parte ela seja encoberta; tem de ter a arte de a tornar manejável como uma arma; tem de ter capacidade de ajuizar, para selecionar aqueles em cujas mãos ela será eficaz; tem de ter o engenho de a difundir entre estes (BRECHT, 1977 V).
Na sequência, realizamos a leitura dos diálogos selecionados que se referem
ao entendimento da teoria heliocêntrica da terra discutida por Copérnico e
reafirmada por Galileu. Apesar de tal teoria ter sido comprovada por meio da
pesquisa de Galileu, somente foi aceita quando as formas de produção material se
modificaram, ou seja, quando os interesses de produção passaram a ser as grandes
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navegações que preconizavam alcance de grandes riquezas a partir da produção e
do comércio.
Galileu apresentou a dúvida sobre o conhecimento instituído. Ele procurou
investigar os fenômenos da natureza por meio da experimentação. Na prática, isso
significa que, diferentemente do pensamento filosófico religioso da época, Galileu
propunha que o cientista não assumisse apenas uma postura narrativa da natureza,
mas sim, adotasse um comportamento de quem duvida das afirmações contidas nos
livros, bem como desconfiasse daquilo que a natureza oferece imediatamente aos
olhos.
Partindo desse comportamento, o cientista italiano fez importantes
afirmações, dentre elas, recuperou os estudos de Copérnico e reafirmou que a Terra
não é o centro do universo. Talvez esta seja uma de suas maiores contribuições e
ela só foi possível a partir de seu comportamento pesquisador. Visto da Terra, o Sol
nascente se desloca sobre as nossas cabeças ao longo do dia, até se pôr. Temos,
portanto, a impressão de que é o sol que se move em torno da Terra. Entretanto, se
quisermos refletir sobre a relação conhecimento e sociedade, cabe a nós
perguntarmos se a afirmação de Galileu deve-se unicamente a sua mente brilhante.
Sem negar o sujeito, deve-se verificar que naquele momento o homem começa a
navegar por mares desconhecidos e isto o faz olhar para o céu não só procurando a
morada de Deus, mas passa a ver as estrelas como guia de seus caminhos na terra.
Hoje, temos a convicção de que é a Terra que se move, mas, para se obter tal
convicção, foi preciso duvidar do trajeto do Sol que parecia óbvio e principalmente,
foram necessários novas necessidades e conhecimentos para guiar os homens pelo
“mar tenebroso”.
Galileu foi um homem de seu tempo. Sua afirmação sobre o sistema solar era
uma exigência da época. Naquele momento, o homem busca e vende mercadorias
em todos os lugares do mundo, o que reverte em um novo olhar para a Terra. Nesta
nova prática social, o conhecimento não se pode limitar na discussão das teses
divinas, mas é necessário resolver os problemas práticos do mundo comercial.
Nesse caso, a terra, de plana e estática, passa a ser compreendida como redonda e
em movimento.
Essa reflexão levou ao entendimento da importância de adotarmos na escola,
uma leitura dos conteúdos escolares para além da sua afirmação. Todo
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conhecimento e ou afirmação deve ser vista em sua relação com a realidade na qual
foi produzida. Afirmações científicas devem ser vistas na sua relação com a prática
social.
Com base no pressuposto acima, podemos afirmar que aos professores, não
basta reproduzir o que está posto nos livros didáticos. Cabe a estes fazerem o
movimento de reflexão e crítica dos conteúdos escolares, localizando-os na
realidade que os produziram e na realidade em que são novamente apresentados. O
fato de os conhecimentos científicos serem traduzidos em conteúdos escolares não
impede que os professores trabalhem o conhecimento relacionando-o
constantemente com a prática social na qual foi produzido e que ainda necessita ser
retomado.
Em outro diálogo, Galileu é advertido por um amigo de que, se divulgasse
suas descobertas, poderia ser punido. Porém, Galileu insiste em suas pesquisas.
Ele afirma sua fé na razão humana. Mas, perguntamos de onde vem a razão
humana e as colocações da obra A Vida de Galileu, torna clara a luta entre dois
pensamentos. De um lado, o pensamento filosófico religioso que luta para
permanecer como explicação da vida. Do outro, a defesa da ciência experimental
como forma de explicar os seres humanos, seus problemas e soluções para a vida.
De nossa parte, com base em Vazquez, gostaríamos de destacar que toda
produção do conhecimento (teoria) está relacionada com a prática, ou seja, que a
teoria tem seu fundamento na realidade prática.
Na prática social, o conhecimento está em constante debate com outras
formas de pensar e está em movimento. No caso da teoria heliocêntrica, se tornou
validada no momento em que a prática da vida humana mudou sua forma de
produzir a vida. Sai do feudo isolado e navega por mares distantes. Assim surgia a
necessidade de novos conhecimentos. Antes, se a teoria geocêntrica predominava,
era porque a prática da vida humana estava contida nas pequenas aldeias e o
homem não tinha a navegação como modo de vida. Na sociedade feudal, antes de
tudo, o homem era concebido como sendo a imagem e semelhança de Deus e por
esse pressuposto, não cabia a mudança de pensamento, de classe e de lugar.
A luta teórica de Galileu, tão bem recuperada por Brecht, ao nos levar a
repensar sobre a produção e a divulgação do conhecimento humano, possibilita
refletirmos sobre a escola como socializadora do conhecimento científico. Mais que
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refletir abstrações ou afirmações conceituais generalizadas, a escola deve levar o
aluno ao nível mais elevado de conhecimento, o que Marx denomina de concreto
pensado3. Deve buscar fazer a contextualização crítica dos conteúdos.
Para que seja possível ao aluno chegar ao conhecimento mais elaborado, o
professor deve ser o mediador entre o senso comum do aluno, o que pode ser
assimilável por ele e o conhecimento científico. Para tornar mais clara a relação de
mediação proposta, buscamos auxílio em Arnoni quando afirma que:
A palavra mediação é normalmente utilizada para indicar uma intervenção com a qual se busca produzir um acordo, com o sentido de igualar ou homogeneizar termos. Todavia, quando entendida em uma perspectiva dialética, a mediação significa uma relação de tensão entre termos diferentes: o imediato e o mediato (ARNONI, 2006, p. 08).
A autora também contribui em nosso trabalho, quando apresenta uma
proposição metodológica formada por uma sequência de situações de ensino que
potencializa ao aluno a aprendizagem do conteúdo trabalhado.
Em cada situação de ensino, o conteúdo é retomado com tratamento diferenciado, e cada uma delas serve de patamar para o momento seguinte. As situações de ensino não são estanques e isoladas, ao contrário, são interligadas e interdependentes e, portanto, o limite entre elas não é claramente demarcado. Didaticamente, a Metodologia da Mediação Dialética é composta por momentos pedagógicos (etapas) denominadas de Resgatando/Registrando; Problematizando; Sistematizando e Produzindo (ARNONI, 2006, p.10 - grifos da autora).
Desta forma, um conhecimento nunca está isolado, mas sempre está em
relação com outro, mesmo que contrário em suas afirmações e/ou conclusões
teóricas. O professor deve apontar as contradições entre o conhecimento, bem
como deve evidenciar o movimento no conhecimento e na relação deste com o
3 Marx (1818 - 1883) apresenta o conhecimento como sendo interpretado em três níveis. O
conhecimento empírico/imediato apresentado na vida cotidiana e entendido como senso comum; o abstrato, que define o senso comum e é disseminado pela sociedade, principalmente pela mídia e o concreto pensado que se refere às relações entre os diferentes elementos que compõem a sociedade, inclusive os diferentes conhecimentos.
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processo histórico, ou seja, o professor deve criar formas para o aluno entender a
práxis social.
Em outros termos, o professor deve fazer o aluno compreender a relação
entre teoria e prática, o que significa entender a prática como resultado do embate
de diversas formas de pensar e agir e a teoria como forma de explicar esta
diversidade. A prática não se resume à execução de experiências, nem a teoria à
elaboração de ideias. Na relação teoria e prática, é necessário penetrar na história
das relações sociais e no estudo da forma como o homem produz sua vida.
Refletida a produção do conhecimento como processo histórico e social,
percebemos a necessidade também de analisarmos o aluno em sua subjetividade4.
Para entrar nesta discussão, exibimos o filme: “Preciosa” que nos permitiu
problematizar sobre a educação escolar, a figura do professor mediador e os
reflexos da ação mediadora na mudança de qualidade e vida da protagonista.
O filme apresenta a história de uma jovem de dezesseis anos, residente em
um bairro empobrecido. Em casa, a jovem sofre as mais diversas privações: é
forçada pela mãe à execução de todos os trabalhos domésticos e sofre por ela
violência física e psicológica; é violentada sexualmente pelo pai desde a infância, o
que lhe deu uma filha com síndrome de down e uma segunda gravidez.
Ela frequenta a escola regular porque recebe uma bolsa da ação social que
está vinculada a sua matrícula e frequência, sendo a principal fonte de renda da
família, porém sequer sabe ler; é discriminada pelos colegas por ser negra e obesa
e responde a isso com agressões físicas, o que resulta em constantes advertências,
suspensões das aulas e possibilidade de perda da bolsa de estudos; é dispersa,
foge da realidade com alguns pensamentos, como nas fantasias que tem com o
professor ou como quando se vê como uma estrela hollywoodiana.
Devido a sua condição de aluna que não aprende, é convidada a abandonar a
escola regular e frequentar uma escola alternativa para estudantes que necessitam
de atenção especial.
4A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme
vamos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural. A subjetividade é a maneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar, amar e fazer de cada um, enfim, é o que constitui o nosso modo individual de ser.
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Na nova escola, é acolhida pela professora e pelo grupo de colegas que,
estando em situação similar, não a discriminam. Os conteúdos escolares são lhes
apresentado por meio de visitas como ao museu, à biblioteca e ao cinema. Nesta
nova escola, a professora constrói uma relação de mediação com a aluna, com a
qual, ela percebe que tem capacidade de aprender. Também são construídas
situações em que ela sente que pode se relacionar com os colegas de forma não
violenta. Por exemplo, ela é visitada pela professora e colegas no hospital onde foi
internada para ter o segundo filho. Com a mudança de escola e de relações, muda o
seu referencial o que a leva a ter outras relações de vida.
A personagem, por ser submetida a toda forma de agressão familiar e escolar,
tem uma postura apática perante a vida, isto porque ela não conhece outras formas
de relacionamento. A professora da nova escola, na sala de aula, não só faz a
mediação entre aluno e conhecimento científico, mas também estabelece relações
pessoais que trazem vínculos emocionais que auxiliam no entendimento de formas
diferentes de relacionamento. Este exercício nos permitiu compreender que o
processo de ensino formal pode se apresentar como possibilidade do despertar de
processos internos do indivíduo, aliado ao desenvolvimento das relações com o
ambiente sócio cultural.
As reflexões que se seguiram sobre o cotidiano das ações escolares
revelaram que os professores estão preocupados com a subjetividade dos alunos.
Entretanto, faltam-lhes instrumentos para compreenderem melhor a questão. A
exibição e discussão em torno do filme ampliaram o olhar do professor permitindo-
lhe ver seu aluno e a si mesmo como sujeitos históricos, produto de sua realidade e
instigou-lhe a reflexão sobre sua possibilidade de uma ação consciente sobre as
relações sociais.
Aliando as reflexões dos dois encontros concluímos que o processo de ensino
e de aprendizagem escolar, enquanto processo de trabalho, se apresentam como
instrumentalização do sujeito para sua inserção e interferência na realidade social.
Portando, a definição dos conteúdos, de estratégias de ensino e da avaliação passa
diretamente pela mediação do olhar sobre a realidade social e do sujeito, o que
limita a escola em um contexto histórico. Neste sentido, ao passo que a escola
liberta, ela limita o sujeito. É neste processo contraditório que o pedagogo se insere
como propositor de reflexões junto aos professores sobre a relação entre conteúdo
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escolar, ação educativa e realidade social.
Na sequência do desenvolvimento do projeto de intervenção na escola,
propusemos o exercício de análise de conteúdos apresentados em textos didáticos à
livre escolha dos participantes. Para isto, elencamos algumas questões, quais
sejam: Em que este conteúdo me permite compreender a minha realidade? Existem
outras formas de explicar esta realidade? Que novos questionamentos este
conteúdo me permite? e, em termos da explicação das relações sociais e materiais,
qual o significado deste conteúdo?
Nesta atividade, para alem do conteúdo especifico que cada disciplina escolar
exige, o qual o professor deve dominar, buscou-se verificar a realidade em que o
conteúdo foi produzido, seu significado histórico naquele momento e na atualidade.
No conjunto das questões, também se buscou refletir sobre quem é o aluno no
processo de aprendizagem, ou seja, sua subjetividade.
Participaram do exercício, pedagogos e professores de educação física, ,
matemática, língua portuguesa, ciências e educação especial. Na atividade, os
envolvidos escolheram conteúdos de suas disciplinas.
Este exercício permitiu concentrar o nosso pressuposto teórico com a ação
educativa do professor em sala de aula. Com base nas reflexões teóricas de
Vazquez e as pontuadas a partir da obra de Brecht, nossa intenção foi provocar a
reflexão sobre a historicidade do conteúdo escolar. O objetivo foi, por meio da
análise do conteúdo contido no livro didático, levar os professores a pensar formas
de romper com o conhecimento estático, entendendo o significado histórico do
mesmo.
As análises apresentadas por eles demonstraram preocupação em que o
conteúdo escolar seja significativo para o aluno, reconhecendo o processo de
mediação consciente e intencional como necessário à emancipação humana. Os
professores perceberam também, que os conteúdos dos livros didáticos e a sua
devolução em forma de provas, não dão conta do processo ensino aprendizagem,
havendo necessidade do professor estabelecer constantemente relação entre
atividades contidas nos livros didáticos e a prática social, seja ela do processo
histórico mais amplo ou da vida do aluno.
Pelas discussões e exercícios realizados, notou-se que os participantes
percebem que nenhuma área do conhecimento, isolada em si, auxilia para a
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emancipação do aluno. O conteúdo escolar, descolado da realidade social e
fragmentado em áreas do conhecimento estanques, não permite uma compreensão
da totalidade que compõe a realidade. Seria como a parábola do elefante e os cegos
(autor desconhecido). Aquele que segura o rabo do animal o percebe como fino e
esguio, aquele que segura a pata, como um tronco, o que segura a tromba, como
um grande tubo de ar e aquele que segura a orelha como um grande abanador.
Nenhum deles está totalmente errado, mas defensores das suas percepções não
conseguem definir o animal: elefante.
Nas análises dos textos, os professores permaneceram no objeto de suas
disciplinas. O que muda é que, cada um tem como pressuposto teórico a
necessidade de relacionar o conteúdo com a realidade social. Esta relação permite
encontrar formas de perceber a totalidade social.
A compreensão dos conteúdos por si só, não possibilita o entendimento da
realidade, nem tampouco a construção da identidade do sujeito. O professor
necessita fazer a mediação dos conteúdos com a realidade social do aluno, de modo
a que eles não sejam apropriados pelo imediatamente percebido ou pela sua
memorização, mas que tenham significado na realidade vivida.
Para isso, é necessário que o professor seja criativo e criador de
conhecimento. Criativo na proposição e articulação de ações que promovam o
conhecimento. Criador no envolvimento e incorporação do apreendido, tendo como
referência e possibilitando uma leitura crítica da realidade. Crítica não no
apontamento de elementos isolados, mas no nexo que se estabelece entre
indivíduos, realidade social e conteúdo escolar.
Os conteúdos escolares resultam da sistematização do conhecimento
produzido pela humanidade. Assim organizados, trazem para a sala de aula,
conhecimento, porém, eles necessitam ser refletidos, elucidados, revelados no
tempo e realidade vivida para que possam servir para compreensão da realidade
atual, não como repetição, mas como entendimento da práxis humana, cabendo ao
professor a proposição destas reflexões ao aluno e, ao pedagogo, a articulação
destas e de outras reflexões com os professores.
4 Considerações Finais
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O trabalho do pedagogo, defendido neste artigo, é aquele de atuação na
proposição de reflexões sobre a relação ensino aprendizagem escolar significativa
que, pela mediação dos conteúdos escolares realizada pelos professores, leve à
autonomia e à emancipação do aluno, marcadas pela consciência da realidade
social. A ação consciente do professor é um processo que não se adquire de um
momento para outro e nem somente na sua formação acadêmica, necessitando ser
trazida para reflexão no seu espaço de atuação para que, a luz das suas
experiências, seja enfrentada e discutida de modo a que ganhe significado social.
Uma práxis educativa se caracteriza pela intencionalidade do professor que a
desenvolve, a qual, sendo decidida a priori, aponta o método de análise de produção
do conhecimento, dirige o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação da sua
prática. A intencionalidade de uma práxis educacional é a de articular, de forma
consciente, teoria e prática – objetividade e subjetividade - gerando uma práxis
capaz de desenvolver um processo de ensino que influencie na relação ensino e
aprendizagem e potencialize a compreensão do conteúdo pelo estudante.
Dessa forma, pedagogo e professor não podem se utilizar de qualquer prática
educativa. O seu trabalho está vinculado à forma de compreender o conhecimento e
a práxis social.
Tendo-se conhecimento dos elementos mediadores do processo de ensino e
de aprendizagem, o papel do pedagogo é buscar formas significativas de
aprendizagem que possibilitem a compreensão da importância da mediação entre os
saberes e modos de agir social, seja na produção material, seja na reprodução dos
valores culturais e sociais.
O pedagogo, mais que apagar incêndios na escola, tem que apresentar um
plano de trabalho que integre todas as áreas do conhecimento, de modo que as
soluções sejam pensadas num plano único, o qual envolve toda a escola. Neste
sentido, ele deve proporcionar a reflexão constante sobre a escola em sua relação
histórico social. Deve provocar a reflexão sobre a relação entre realidade social e
conhecimentos científicos sistematizados nos programas escolares.
Neste aspecto, é importante tomar como ponto de partida a realidade do
aluno. Porém, não limitar-se à realidade empírica, imediata e utilitarista.
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Referimo-nos aqui à realidade social em que teoria e prática se materializam
na forma de produzir a vida. Professor e aluno participam de uma mesma realidade
social e necessitam compreendê-la para que essas ações sociais ocorram de forma
consciente. Nesse sentido, os alunos e professores vão se transformando em reais
sujeitos da construção e reconstrução do saber ensinado e das suas relações.
A construção deste artigo se constituiu na pretensão de compreender como
os saberes adquirem sentido no contexto escolar ou ainda, de encontrar formas para
que isso se dê, tendo como elemento articulador o pedagogo. No entanto, sabemos
que é na relação sujeito e sociedade que reside o princípio de conservação e
transformação desta mesma sociedade.
Nesta luta, o pedagogo deve tomar uma posição consciente sobre como a
sua atuação na escola assume uma ou outra posição. Para nós, a ação cuidadora e
pontual do pedagogo revelam uma posição de conservação da sociedade e
apontamos que a ação do pedagogo como propositor de reflexões sobre a práxis
pedagógica pode contribuir na criação de elementos para a transformação da
sociedade.
Referências
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VAZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.