Da Idade Media Ao Renascimento
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Da Idade Média ao Renascimento: música da Inglaterra e do
ducado da Borgonha no século XV
A música continuou a evoluir no sentido da criação de um estilo internacional ao longo do
século XV.
Os compositores ingleses contribuíram decisivamente para este estilo em meados do século.
A composição continuava a centrar-se principalmente nas formas profanas; a textura da
cantilena gozou de um favor cada vez maior, chegando a ser, em certa medida, transposta
para o motete (forma que, por seu turno, se tomava cada vez mais secular e cerimonial) e
para a música da missa.
Música inglesa
CARACTERÍSTICAS GERAIS
A música inglesa, tal como, a de toda a Europa do Norte, caracteriza-se desde os tempos mais
remotos por uma relação bastante estreita com o estilo popular e (nisto contrastando com a
evolução musical do continente) por uma certa relutância em levar às últimas consequências,
na prática, as teorias musicais abstractas.
Sempre houvera na música inglesa uma tendência para a tonalidade maior (por oposição às
linhas independentes, aos textos divergentes e às dissonâncias harmónicas do motete
francês), para uma maior plenitude de som e para um uso mais livre das terceiras e sextas do
que na música do continente.
A improvisação e a escrita musical em terceiras e sextas paralelas eram correntes na prática
polifónica do século XIII inglês.
As obras da escola de Notre Dame eram conhecidas nas Ilhas Britâncias.
No século XIII foram compostos em Inglaterra conductus e motetes a três vozes, alguns dos
quais chegaram também a ser conhecidos no continente;
O motete, presumivelmente inglês, Alle psallite — Alleluia, por exemplo, está incluído no
códice de Montpellier.
Século XIV
Recorde-se que o reportório básico do cantochão em Inglaterra era o do rito saro (da catedral
de Salisbúria), cujas melodias diferem, em certa medida, das do rito romano, consignadas no
Líber usualis e noutros livros modernos de cantochão.
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E no século XV não só os compositores ingleses, mas também muitos músicos continentais,
preferiram utilizar as versões de Salisbúria do cantochão, em vez das romanas, como cantus
firmus nas suas composições.
As características tipicamente inglesas
estão também patentes no famoso
Sumer is icumen in, obra que se inclui
na categoria conhecida com rota,
basicamente um round ou cânone.
Esta peça, de origem inglesa, datando
aproximadamente de 1250, apresenta
muitas feições características da
música medieval inglesa, em especiala textura cordal, a livre utilização das
terceiras como consonâncias e a
tonalidade nitidamente maior.
Fauxbourdon
A música inglesa, que começava a tornar-se conhecida no continente nos primeiros anos do
século XV, poderá ter fornecido o exemplo das sucessões de sexta-terceira que tanto
fascinaram os compositores continentais.
Entre cerca de 1420 e 1450 esta forma de escrita musical afectou todos os tipos de
composição.
A sua designação habitual é fauxbourdon.
No sentido estrito do termo, um fauxbourdon era uma composição escrita a duas vozes que
evoluía em sextas paralelas com oitavas intercaladas e sempre com uma oitava no final de
cada frase;
A estas vozes escritas acrescentava-se na execução uma terceira voz, movendo-seinvariavelmente uma quarta abaixo do soprano.
A sonoridade do fauxbourdon assemelhava-se, por conseguinte, à de certas passagens do
descante inglês; a diferença estava em que no fauxbordon a melodia principal era a do
soprano, enquanto nas composições inglesas a melodia do cantus firmus se fazia geralmente
ouvir na voz do meio ou na voz mais grave.
A técnica do fauxbourdon era usada principalmente na composição dos cânticos mais simples
do ofício (hinos e antífonas) e dos salmos e textos semelhantes aos dos salmos, como o
Magnificat e o Te Deum.
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Todavia, a consequência prática mais importante deste dispositivo não foi a produção de tais
peças, mas sim a emergência, em meados do século, de um novo estilo de escrita a três vozes.
Neste estilo a linha melódica principal encontra-se na voz mais aguda, aspecto que o aproxima
da cantilena do século XIV.
A voz mais aguda e o tenor estão interligados como num dueto; estas duas vozes — e mais
tarde também o contratenor — tornam-se quase iguais em importância e no ritmo (se bem
que o soprano possa ser enriquecido por notas ornamentais), sendo as três assimiladas
naquilo que é, em comparação com o século anterior, uma sonoridade mais consonante.
O manuscrito de OLD HALL
A mais importante colectânea de música inglesa da primeira parte do século XV é o manuscrito
de Old Hall.
Este contém 147 composições datadas de cerca de 1370 a 1420, das quais, aproximadamente,
quatro quintos são obras sobre diversas secções do ordinário da missa, sendo as restantes
motetes, hinos e sequências.
A maioria das partes da missa são em estilo de descante.
Outros trechos da missa incluídos no manuscrito de Old Hall são em estilo de cantilena, com a
melodia principal no soprano; noutros ainda a melodia de cantochão surge, quer nesta, quer
naquela voz, como um cantus firmus «errante».
Cerca de um sétimo das composições desta colectânea, incluindo, quer trechos da missa, quer
peças sobre outros textos, são no estilo do motete isorrítmico.
No poema de Martin Lê Franc apresentado a seguir alude-se concretamente ao mais
importante compositor inglês desse tempo, John Dunstable (c. 1385-1453).
John dunstable
É quase certo que Dunstable terá passado uma parte da vida ao serviço do duque de Bedford,
regente inglês de França entre 1422 e 1435 e comandante dos exércitos ingleses que
enfrentaram Joana d'Arc; as vastas possessões e as ambições que os Ingleses tinham nesta
época em França explicam, em parte, a presença de Dunstable e de muitos compositores
ingleses no continente, bem como a difusão da sua música.
As composições de Dunstable, das quais conhecemos cerca de setenta, compreendem
exemplos de todos os principais tipos e estilos de polifonia cultivados no seu tempo: motetes
isorrítmicos, partes do ordinário da missa, cantigas profanas e obras a três vozes sobre os
mais diversos textos litúrgicos.
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Os seus doze motetes isorrítmicos atestam a grande vitalidade desta antiga e veneranda
forma de composição ainda no início do século XV.
O seu motete mais famoso, uma composição a quatro vozes que combina o hino Veni Creator
Spiritus e a sequência Veni Sancte Spiritus , é não apenas um magnífico exemplo de estrutura
isorrítmica, mas também uma peça musical extremamente impressiva, encarnando apredilecção inglesa por uma sonoridade plena.
Alguns dos trechos do ordinário da missa, que constituem cerca de um terço das obras
conhecidas de Dunstable, são também construídos sobre uma melodia litúrgica apresentada
isorritmicamente no tenor.
São escassas as canções profanas atribuídas a Dunstable: entre estas, O rosa bella e Puisque
m'amour ilustram as expressivas melodias líricas e o límpido perfil harmónico da música do
seu tempo.
Audição: Veni Sancte Spriritus, John Dunstable
Música sacra a três vozes de dunstable
As mais numerosas e, historicamente, as mais importantes obras de Dunstable são as peças
sacras a três vozes — composições sobre antífonas, hinos e outros textos litúrgicos ou bíblicos.
Estas peças são compostas de diversas maneiras: algumas têm o cantus firmus na voz dotenor;
Outras têm uma linha melódica ornamentada no soprano e uma melodia extraída de outra
peça na voz do meio, que evolui quase sempre em terceiras e sextas acima do tenor;
Outras têm uma melodia de cantochão ornamentada no soprano;
Outras ainda são compostas livremente, sem material temático extraído de outro reportório.
Nesta última categoria incluise a antífona Quam pulchra es, obra que não só exemplifica o
estilo de Dunstable, como também ilustra algumas evoluções históricas importantes.
Audição: Quam pulchra es, Dunstable
Antífonas votivas
Um género musical muito cultivado em Inglaterra era a antífona votiva , composição sacra em
louvor de determinado santo ou, mais frequentemente, da Virgem Maria.
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Uma grande colecção destas antífonas, em elaborados arranjos polifónicos para cinco a nove
vozes, está reunida num livro de coro de finais do século XV no Colégio de Eton.
A sonoridade plena destas obras, a alternância de grupos de vozes maiores e menores e a
divisão em larga escala em trechos de tempo ora perfeito, ora imperfeito, são características
da composição de antífonas votivas e missas em Inglaterra até meados do século XVI.
A carol
Outra forma de composição inglesa que floresceu no século XV foi a carol .
Tal como o rondeau e a ballata, a carol era na origem uma cantiga de dança monofónica em
que alternavam um solista e um coro.
No século XV era já uma forma estilizada, uma composição a duas ou três vozes (por vezes
quatro) sobre um poema religioso de estilo popular, frequentemente sobre um tema da
encarnação e por vezes escrito numa mistura de versos rimados ingleses e latinos.
Na forma, a carol compunha-se de um certo número de estrofes, todas cantadas com a
mesma música, e de um burden (coro) ou refrão com a sua frase musical própria, que era
cantada no início e depois repetida a seguir a cada estrofe.
O motete do século XV
Quam pulchra es vem classificado na edição de referência das obras de Dunstable como um
motete.
Este termo, que até agora utilizámos para designar a forma francesa do século XIII e a forma
isorrítrnica do século XIV e início do século XV, começara já no século XV a ganhar um sentido
mais amplo.
Originalmente, o motete era uma composição sobre um texto litúrgico para ser interpretadana igreja; como tivemos ocasião de ver, em finais do século XIII o termo aplicava-se também a
obras com textos profanos, incluindo até as que utilizavam uma melodia profana como cantus
firmus do tenor.
Nos motetes isorrítmicos do século XIV e princípio do século XV os tenores eram, geralmente,
melodias de cantochão, e estes motetes conservavam ainda outras características tradicionais,
nomeadamente os textos múltiplos e uma textura fortemente contrapontística. O motete
isorrítmico era uma forma conservadora, só até certo ponto participando na evolução geral do
estilo musical de finais do século xiv e início do seguinte; por volta de 1450 tinha-se tornado
um anacronismo e desapareceu. Alguns motetes foram escritos ainda depois dessa data com
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tenores de cantochão, mas em tudo o mais sem grandes semelhanças relativamente aos
antigos tipos medievais.
Entretanto, na primeira metade do século XV o termo motete começou também a ser aplicado
a peças escritas sobre textos litúrgicos ou mesmo profanos, no mais novo estilo musical da
época.
Este significado mais lato da palavra prevaleceu até aos nossos dias: um motete, neste
sentido, pode designar quase qualquer composição polifónica sobre um texto latino
(excepto os do ordinário da missa), assim abrangendo formas tão diversas como antífonas,
responsórios e outros textos do próprio e dos ofícios.
A partir do século XVI, o termo passou também a aplicar-se a composições sacras em outras
línguas além do latim.
A música no ducado da Borgonha
Os duques da Borgonha, embora vassalos feudais dos reis de
França, tinham um poder praticamente igual ao dos seus
soberanos.
Ao longo da segunda metade do século XIV e nos primeiros
anos do século XV, através de uma série de casamentos
políticos e de uma estratégia diplomática que tirou o máximo
partido dos desaires dos reis de França na guerra dos Cem
Anos, foram adquirindo territórios que abarcavam boa parte
daquilo que são hoje a Holanda, a Bélgica, o Nordeste da
França, o Luxemburgo e a Lorena e anexaram-nos aos seus
feudos de origem, o ducado e condado da Borgonha, no Centro-Leste da França.
Os duques governaram este conjunto de possessões como saberanos praticamenteindependentes até 1477.
Embora a capital nominal fosse Dijon, não tinham residência principal fixa em qualquer cidade,
antes faziam estadas mais ou menos prolongadas em diversos pontos dos seus domínios.
A maioria dos grandes compositores nortenhos de finais do século XV eram oriundos desta
região, e muitos deles estiveram ligados, de uma maneira ou de outra, à corte borgonhesa.
Hubert e Jan van Eyck contam-se entre os pintores que gozaram da protecção dos duques.
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No final do século XIV e início do século XV foram criadas um pouco por toda a Europa capelas
com excelentes recursos musicais: papas, imperadores, reis e príncipes disputavam os serviços
dos cantores e compositores eminentes.
Tinctoris, um teórico flamengo, escrevendo por volta de 1475, diz-nos que as recompensas
oferecidas, em honorários e riquezas, a tal ponto estimulavam os talentos que no seu tempo amúsica parecia «uma nova arte, cuja fonte estava nos ingleses, com Dunstable à cabeça, e
nos franceses, entre os quais este se incluía, Dufay e Binchois».
Os duques da Borgonha tinham uma capela , com um corpo auxiliar de compositores, cantores
e instrumentistas que faziam música para os serviços divinos, contribuindo também
provavelmente para os divertimentos profanos da corte, e acompanhavam o seu senhor nas
viagens.
A corte e a capela de Filipe, o Bom, duque da Borgonha entre 1419 e 1467, foram as mais
brilhantes da Europa.
A capela borgonhesa contava com vinte e oito músicos quando Filipe, o Ousado, morreu em
1404; em seguida, após um período de inactividade, foi reorganizada e em 1445 compunha-se
de dezasseis capelães.
Nas primeiras décadas do século os músicos eram recrutados principalmente no Norte da
França.
Além da capela, Filipe, o Bom, tinha ainda um grupo de menestréis — tocadores de trombeta,
tambor, viela, alaúde, harpa, órgão, gaita de foles e charamela —. entre os quais se contavam
franceses, italianos, alemães e portugueses.
A atmosfera cosmopolita desta corte do século
XV era ainda reforçada pelas frequentes visitas
de músicos estrangeiros e pela enorme
mobilidade dos próprios elementos da capela,
passando do serviço de um para o de outro
senhor em busca de melhores oportunidades.
Nestas circunstâncias, o estilo musical não
poderia ser senão internacional
O prestígio da corte borgonhesa era tal que o
tipo de música aí cultivado influenciou outros
centros musicais europeus, como as capelas do
papa em Roma, do imperador da Alemanha, dos
reis de França e Inglaterra e das diversas cortes
italianas, bem como dos coros das catedrais,
tanto mais que muitos dos músicos destes centros haviam estado em tempos, ou esperavam
vir a estar um dia, ao serviço do próprio duque da Borgonha.
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Guillaume Dufay
É habitualmente associado à corte da Borgonha, embora, provavelmente, nunca tenha sido um
elemento regular da capela ducal.
Nasceu por volta de 1400 em Cambrai e tornou-se menino do coro da catedral em 1409
Em 1420 encontrava-se já em Itália, onde esteve ao serviço da família Malatesta, em Pesaro,
até cerca de 1426.
De 1428 a 1433 foi membro da capela papal em Roma.
Após um interlúdio de dois anos ao serviço do duque de Sabóia, Dufay voltou a integrar a
capela do papa, em Florença e Bolonha, de 1435 a 1437.
Desde, pelo menos, 1439 até 1450 Dufay passou a maior parte do tempo em Cambrai.
Em 1452 voltou a desempenhar as funções de mestre do coro do duque de Sabóia,
provavelmente até 1458; regressou depois a Cambrai, onde morreu, em 1474.
Era um homem excepcionalmente instruído, pois frequentara a escola de uma catedral e era
doutor em Direito Canónico pela Universidade de Bolonha.
As obras de Dufay e dos seus contemporâneos conservaram-se num grande número de
manuscritos, principalmente de origem italiana.
Os principais tipos de composição no período borgonhês foram as missas, os magnificats , osmotetes e as chansons profanas com textos em francês.
Tal como no século XIV, a tendência era para que na interpretação cada linha melódica tivesse
um timbre diferente e o conjunto da peça uma textura transparente,.
O estilo, de um modo geral, pode ser definido como uma combinação da suavidade
homofónica do fauxbourdon com uma certa dose de liberdade melódica e independência
contrapontística. incluindo um ou outro momento de imitação.
A linha melódica típica do discantus evolui em frases líricas, expressivas, desembocando em
graciosos melismas antes das cadências importantes.
A fórmula cadencial preferida continuava a ser na maioria dos casos a do século XIV
A par deste tipo mais antigo de cadência, encontramos na escrita a três vozes uma variação
sobre a progressão da sexta maior para a oitava, na qual a voz mais grave sobe uma oitava, de
forma que o ouvido capta uma quarta ascendente nas notas mais graves da sucessão sexta-
oitava.
A grande maioria das composições do período borgonhês eram numa ou noutra forma de
compasso ternário, com frequentes misturas de ritmos.
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O compasso binário era usado principalmente em substituições de obras mais longas como um
meio de introduzir um certo contraste.
A chanson borgonhesa
No século XV, chanson era a designação genérica para qualquer composição polifónica sobre
um texto profano em francês.
Nesta época as chansons eram, de facto, canções a solo com acompanhamento.
Os seus textos — quase sempre poemas de amor — seguiam na maioria dos casos o modelo
do rondel, umas vezes na forma tradicional com refrão de dois versos, outras numa forma
desenvolvida.
As chansons foram o produto mais característico da escola borgonhesa.
Entretanto, os compositores continuavam a escrever ballades na forma tradicional aabC.
Gilles Binchois
Outro notável meste da chanson foi Gilles Binchois.
Nascido, provavelmente, em Mons por volta de 1400, parece ter conciliado na juventude a
actividade musical com uma carreira militar
A partir da década de 1420 e até se retirar para Soignies, em 1453, fez parte da capela do
duque Filipe, o Bom.
As chansons de Binchois exprimem admiravelmente um sentimento de terna melancolia.
Audição: Chanson, Gilles Binchois.
Motetes borgonheses
Não havia, de início, um estilo sacro distinto do estilo profano: tanto motetes como missas
eram escritos à maneira das chansos, com um soprano solo melodicamente livre associado a
um tenor e apoiado por um contratenor na habitual textura a três vozes.
O soprano podia ser composto de novo, mas em muitos casos era uma versão embelezada de
uma peça de cantochão
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Nos motetes borgonheses pretendia-se que as melodias gregorianas fossem reconhecidas
Estas não se limitavam a ser um resíduo simbólico da tradição, eram também uma parte
concreta e musicalmente expressiva da composição.
Além dos motetes ao moderno estilo da chanson, Dufay e os seus contemporâneoscontinuaram a cultivar ocasionalmente o costume de escreverem motetes isorrítmicos para
cerimónias públicas solenes, uma vez que se considerava apropriado a tais ocasiões um estilo
musical arcaico e um não menos arcaico estilo literário.
Foi assim que Dufay escreveu a obra Nuper rosarum flores , interpretada na consagração da
igreja de Santa Maria dei Fiore (Duomo), em Florença, em 1436.
O papa Eugênio IV oficiou em pessoa.
Audição: Nuper rosarum flores, Dufay
Missas
Foi nas missas que os compositores do período borgonhês desenvolveram um estilo musical
especificamente sacro, fazendo delas o principal veículo do pensamento e dos esforços dos
compositores.
Uma das realizações fundamentais do século XV foi tornar prática regular a composição
polifónica do ordinário como um todo musicalmente uno
De início só se estabelecia uma relação musical perceptível entre um par de secções (por
exemplo, o Gloria e o Credo); gradualmente, a prática foi-se alargando até abranger todas as
cinco divisões do ordinário.
O motivo desta evolução foi o desejo dos músicos de darem coerência a uma forma musical
ampla e complexa.
Se cada andamento tomasse para cantus firmus um cântico apropriado do Graduale (que
surgiria, geralmente, sob forma ornamentada, no soprano), a impressão de unidade era
reforçada, mas mais pela associação litúrgica do que pela semelhança musical, uma vez que as
melodias de cantochão não tinham forçosamente uma relação temática entre si.
O modo mais prático de conseguir uma interligação musical clara e perceptível entre as várias
partes da missa é usar em todas elas o mesmo material temático.
A princípio a ligação consistia apenas em iniciar cada andamento com o mesmo motivo
melódico, geralmente no soprano, mas esta técnica em breve foi substituída ou completada
por outra, ou seja, o uso do mesmo cantus firmus em todos os andamentos
A forma musical cíclica que daí resulta chamar-se missa de cantus firmus ou missa de tenor .
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As primeiras missas cíclicas deste tipo foram escritas por compositores ingleses, mas a forma
rapidamente veio a ser adoptada no continente e na segunda metade do século XV já se
tornara o modo habitual de compor missas.
O tenor passou a ser a segunda voz mais grave, colocando-se abaixo dela uma voz inicialmente
chamada contratenor bassus («contratenor baixo»), mais tarde simplesmente bassus;
Acima do tenor situava-se um segundo contratenor, chamado contratenor altus, mais tarde
altus;
Na posição mais alta ficava o soprano, designado quer por cantus («melodia»), quer por
discantus («descante») ou superius (voz «mais alta»).
Estas quatro vozes surgiram em meados do século XV, e esta distribuição conservou--se até
aos nossos dias, com raras interrupções, como a forma-padrão.
Um outro legado do motete medieval foi o costume de escrever o tenor de uma missa decantus firmus em notas mais longas do que as restantes vozes e isorritmicamente,
Assim, tal como no motete isomtmico, a identidade da melodia extraída do cantochão podia
ficar absolutamente camuflada
Ainda assim, o seu poder regulador, unificando as cinco divisões da missa, era inegável.
As melodias usadas como cantus firmi eram extraídas dos cânticos do próprio ou do ofício, ou
ainda de uma fonte profana, quase sempre o tenor de uma chanson; nem num caso nem
noutro tinham a menor relação litúrgica com o ordinário da missa. O nome da melodia tomada
de empréstimo era dado à missa a que servia de cantus firmus.
Entre tais obras contam-se as numerosas missas baseadas na popular canção L'homme arme
(«O homem armado»), sobre a qual quase todos os compositores de finais do século XVe do
século XVI, de Dufay e Ockeghem a Palestrina, escreveram, pelo menos, uma missa.
Audição: L'homme arme, Dufay
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A era renascentista: de Ockeghem a Josquin
CARACTERÍSTICAS GERAIS
A experiência de redescoberta da antiga cultura greco-latina avassalou a tal ponto a Europados séculos XV e XVI que não podia ter deixado de afectar o modo como as pessoas concebiam
a música.
É verdade que não era possível um contacto directo com a própria música da antiguidade, ao
contrário do que sucedera com os monumentos arquitectónicos, com a escultura e a poesia.
O bispo Bernardino Cirillo não foi o único a manifestar um certo desencanto pela música
erudita do seu tempo e uma aspiração de regresso à grandeza do passado: "Assim, os músicos
de hoje deveriam procurar fazer no seu ofício aquilo que fizeram os escultores, pintores e
arquitectos do nosso tempo, recuperando a arte dos antigos, e o que fizeram os escritores,
arrancando a literatura ao inferno para onde fora banida por eras mais corruptas,
explicando-a e oferecendo-a ao nosso tempo em toda a sua pureza, tal como aconteceu com
as ciências."
Tal opinião era bastante comum entre os leigos no mesmo momento em que músicos como
Zarlino chamavam orgulhosamente a atenção para os progressos da técnica contrapontística
da época.
Tanto os críticos como os defensores da música moderna exprimiram as suas opiniões como
reacção a um movimento a que se deu o nome de humanismo.
Consiste ele num reavivar da sabedoria da antiguidade, em particular nos domínios da
gramática, da retórica, da poesia, da história e da filosofia moral.
Segundo os padrões clássicos, as missas polifónicas que o bispo Cirillo ouvia na igreja eram
inadequadas, porque não o comoviam.
Adrian Willaert, a quem Zarlino atribui o mérito de ter inaugurado uma nova idade de ouro,
foi, na década de 1540, um dos pioneiros de uma nova tendência para exprimir as emoções
na música, e Zarlino, no seu livro Le Istitutioni harmoniche, de 1558, consagrou um capítulo à
forma de exprimir eficaz e fielmente o espírito de um texto, adaptando a música à letra
através do contraponto.
O humanismo foi o movimento intelectual mais característico do período a que os
historiadores chamam o Renascimento.
Afectou a música relativamente mais tarde do que alguns outros domínios, como, por
exemplo, a poesia e a crítica textual literária.
Os mais importantes tratados musicais gregos foram redescobertos em manuscritos trazidos
para o Ocidente. Entre estes contavam-se os tratados de Bacchius Senior, Aristides
Quintiliano, Cláudio Ptolemeu, Cleónides, Euclides….
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Todos estes textos estavam traduzidos para latim já em finais do século XV, se bem que
algumas das traduções fossem feitas apenas para uso particular dos estudiosos e não tivessem
grande circulação.
Franchino Gaffurio foi um dos estudiosos da música que teve ao seu dispor algumas destas
traduções e incorporou boa parte dos conhecimentos e da teoria gregos nas suas obras maisimportantes, Theorica musice (Teoria da música), de 1492, Practica musice (Prática da música),
de 1496, e De harmonia musicorum instrumentorum opus (Obra sobre a harmonia dos
instrumentos musicais), de 1518.
A convicção de que a escolha de um modo era a chave do compositor para despertar as
emoções do ouvinte foi introduzida pela leitura dos antigos filósofos.
Tanto Platão como Aristóteles insistiam nos diferentes efeitos éticos dos vários modos.
A história de Pitágoras, conseguindo acalmar um jovem agitado de tendências violentas ao
mandar o flautista passar de um para outro modo, ou a de Alexandre Magno, levantando-se de
repente da mesa do banquete e armando-se para o combate ao ouvir uma ária no modo frígio,
foram contadas inúmeras vezes.
Os teóricos e os compositores partiam do princípio de que estes modos gregos eram idênticos
aos modos eclesiásticos com os mesmos nomes e de que os poderes emotivos dos antigos
podiam ser atribuídos aos modos eclesiásticos, procurando, assim, inflectir o seu potencial
para servir determinados fins.
O teórico suíço Henrique Glareano, no seu famoso livro Dodekachordon (A Lira de Doze
Cordas), acrescentou quatro novos modos aos oito tradicionais -- o eólico e o hipoeólico com afinal em Lá e o jónico e hipojónio com a final em Dó.
Quando as terceiras e sextas foram admitidas não apenas na prática, mas também na teoria,
estabeleceu-se uma distinção mais clara entre consonância e dissonância, e os mestres do
contraponto criaram novas regras para o controle da dissonância.
O mais importante manual de ensino do contraponto no século XV era o Liber de arte
contrapuncti (Livro de Arte do Contraponto, 1477), de Johannes Tinctoris, compositor
flamengo que se instalou em Nápoles no início da década de 1470.
Ele deplorava as obras dos "compositores mais antigos, nas quais havia mais dissonâncias do
que consonâncias", e proclamava no seu prefácio que nada do que fora escrito mais de
quarenta anos antes era digno de ser ouvido.
Tinctoris estabeleceu regras muito rígidas para a instrodução de dissonâncias, restringindo-as
aos tempos fracos e às passagens sincopadas (aquilo a que chamamos retardos) nas
cadências.
Estas regras vieram a ser ainda mais apuradas em ulteriores tratados de autores italianos,
sendo, finalmente, sintetizadas na grande obra de Gioseffo Zarlino, Le Istitutioni harmoniche,
de 1558.
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Apesar do uso constante das terceiras e sextas os intervalos soavam de forma áspera.
Era a chamada "afinação pitagórica", que resultava do modo como o monocórdio era dividido
segundo as instruções de Boécio, Guido e outros autores da Idade Média.
Só em 1482 surgiu uma proposta para modificar esta divisão por forma a produzir terceiras esextas na sua afinação óptima.
A ideia foi sendo gradualmente aceite, tanto na teoria como na prática.
Todavia, veio mais tarde a verificar-se que o sistema apresentava certas desvantagens para a
música polifónica, pelo que passaram a gozar de maior favor diversas soluções de
compromisso, como a afinação mesatónica e o temperamento igual.
Sistemas de afinação
A procura de novos sistemas de afinação foi estimulada não apenas por um desejo de
conseguir consonâncias mais suaves, como também pela expansão dos recursos tonais para
além dos modos diatónicos, até às notas da escala cromática.
A musica ficta improvisada só requeria um número limitado de acidentes -- principalmente
Fá#, Dó#, Sol#, Sib e Mib --, mas, à medida que os compositores procuravam obter novos
efeitos expressivos, começaram a explorar ciclos de quintas, que os levaram a reconhecer até
mesmo notas como Dób e Sibb.
Foram então concebidas escalas ficta, tomando por modelo a escala convencional, por forma a
incluir estas notas.
Nos sistemas pitagóricos de afinação em vigor no século xv, porém, uma nota sustenida e a
nota bemol correspondente, como Dó# e Réb, não coincidiam.
Isto levou à criação de teclados duplos nos órgãos e nos cravos.
Nicola Vicentino ficou famoso por ter inventado um cravo com três teclados que podiam ser
tocados nos géneros cromático, enarmónico e diatónico.
Renascimento Musical
O efeito mais importante que o humanismo teve sobre a música foi o de a associar mais
estreitamente às artes literárias.
A imagem do poeta e músico da antiguidade, unidos numa pessoa só, convidava, quer poetas,
quer compositores, a procurarem formas de expressão comuns.
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Os poetas passaram a preocupar-se mais com o som dos seus versos e os compositores com
a imitação desse som.
As imagens e o sentido do texto inspiravam os motivos e as texturas da música, a mistura de
consonâncias e dissonâncias, os ritmos e a duração das notas.
Procuraram-se novas formas de dramatizar o conteúdo do texto.
Os compositores passaram a respeitar a regra de seguir o ritmo da fala, não violando a
acentuação natural das sílabas, quer em latim, quer em língua vernácula.
A palavra francesa Renaissance, que significa "renascimento", foi pela primeira vez utilizada
nessa língua em 1885, quando o historiador Jules Michelet a escolheu para subtítulo de um
dos volumes da sua Histoire de France.
A partir daí foi adoptada pelos historiadores da cultura, em particular da arte e também da
música, para designar um período histórico.
Esta ideia de renascimento tinha ainda outra faceta, a de uma nova atenção consagrada aos
valores humanos, por oposição aos valores espirituais.
Sentir e exprimir toda a gama das emoções humanas e gozar os prazeres dos sentidos já não
eram consideradas coisas más.
Artistas e escritores voltavam-se tanto para temas profanos como religiosos e procuravam que
as suas obras fossem compreensíveis e agradáveis aos homens, além de aceitáveis aos olhos
de Deus.
A Península Itálica, no século XV, estava dividida numa quantidade de cidades-estados e
pequenos principados frequentemente em guerra uns com os outros.
Os governantes procuravam engrandecer-se e engrandecer o prestígio das suas cidades,
erigindo palácios e casas de campo decoradas com novas obras de arte e artefactos antigos
recém-exumados, mantendo capelas de cantores e conjuntos de instrumentistas e recebendo
com o maior fausto os potentados vizinhos.
Entretanto, os cidadãos, livres do dever de prestarem serviço feudal a um senhor e isentos de
obrigações militares, acumulavam riqueza através do comércio, da banca e dos ofícios.
Mesmo os papas e os cardeais, após o regresso da sede da Igreja a Roma, empenhavam-se
tanto como os príncipes seculares em conseguirem manter um alto nível de actividade e
mecenato cultural, e alguns dos melhores músicos, artistas e eruditos foram patrocinados por
cardeais de famílias como os Médicis, os Este, os Sforza e os Gonzaga, que governavam,
respectivamente, Florença, Ferrara, Milão e Mântua.
Foram eles que trouxeram para a Itália os compositores e músicos mais talentosos de França,
da Flandres e dos Países Baixos.
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Na década de 1480 Lorenzo de Médicis reorganizou a capela desta igreja, recrutando os
cantores-compositores flamengos Alexander Agricola e Johannes Ghiselin (também conhecido
por Verbonnet).
Em Milão, governada desde a década de 1450 pela família Sforza, havia, em 1474, 18 cantores
de câmara e 22 cantores de capela, entre os quais se contaram, em diversos momentos,Josquin des Prez e Johannes Martini, da zona franco-flamenga, Gaspar van Weerbeke, dos
Países Baixos, e Loyser CompÍre, da França.
A corte de Ferrara, sob os duques d'Este, acolheu Johannes Martini, Johannes Chiselin, Jacob
Obrecht, Antoine Brumel e Adrian Willaert, entre outros.
Mântua, governada pela família Gonzaga, foi outro importante centro de mecenato, Martini,
Josquin, CompÍre, Collinet de Lannoy e Elzéar Genet (conhecido por Carpentras) contam-se
entre os estrangeiros atraídos a Mântua.
Muitos destes mesmos cantores fizeram parte, por maiores ou menores períodos de tempo,
da capela papal de Roma, incluindo Josquin, Weerbecke, Marbriano de Orto, Johannes Prioris,
Antoine Bruhuier e Carpentras.
Também havia, é claro, músicos italianos a trabalhar nas cortes dos princípes, mas até cerca de
1550 predominaram os músicos da Europa do Norte.
Traziam consigo a música, as técnicas de cantar e compor e as canções na sua língua nacional.
Mas ao mesmo tempo iam assimilando alguns aspectos da música improvisada e popular que
encontravam em Itália.
Esta conjugação de elementos setentrionais e italianos explica, provavelmente, muitas das
características que encontramos no estilo internacional de meados do século XVI.
Imprensa musical
Toda esta actividade criou uma forte procura de música para tocar e cantar.
Foram compilados manuscritos em cada centro, comportando o reportório local, e copiadosoutros manuscritos.
Mas este processo era dispendioso e nem sempre transmitia fielmente as obras do
compositor.
Com os progressos da arte da imprensa tornou-se possível uma difusão muito maior e mais
exacta da música escrita.
A arte de imprimir livros com caracteres móveis, aperfeiçoada por Johann Gutenberg cerca de
1450, foi aplicada aos livros litúrgicos com notação de cantochão por volta de 1473.
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Em finais do século XV surgiram, em diversos livros de teoria ou manuais de ensino, exemplos
de música impressa com blocos de madeira.
A primeira colectânea de peças polifónicas impressa com caracteres móveis foi editada em
Veneza, no ano de 1501, por Otaviano de Petrucci.
Petrucci utilizava o método da tripla impressão, ou seja, uma primeira para as linhas da pauta,
uma segunda para a letra e uma terceira para as notas.
Era um processo moroso, difícil e caro; alguns impressores do século xvi reduziram-no a duas
impressões, uma para a letra e outra para a música.
A impressão única, ou seja, com caracteres que imprimiam pautas, notas e texto numa única
operação, foi, segundo parece, praticada pela primeira vez por John Rastell, em Londres, cerca
de 1520, e pela primeira vez aplicada sistematicamente em larga escala por Pierre Attaignant,
em Paris, a partir de 1528.
Continuaram a copiar-se livros.
A aplicação da arte da imprensa à música foi, como é evidente, um acontecimento de amplas
consequências.
Em vez de um reduzido número de manuscritos preciosos laboriosamente copiados à mão e
sujeitos a todo o tipo de erros e variantes, os músicos tinham agora ao dispor um
fornecimento abundante de música.
Compositores do Norte
A hegemonia dos músicos do Norte, que começara já no início do século XV, fica bem ilustrada
pelas carreiras dos principais compositores e intérpretes entre 1450 e 1550: a maioria passou
boa parte da vida ao serviço do imperador, do rei de França, do papa ou de uma das cortes
italianas.
Em Itália as cortes ou cidades de Nápoles, Ferrara, Modena, Mântua, Milão e Veneza foram osmais importantes centros de difusão da arte dos compositores franceses, flamengos e dos
Países Baixos.
Johannes Ockeghem
Existe um elogio poético em sua memória, musicado por Josquin des Prez em 1497, a
Déploration sur le trépas de Jean Ocheghem.
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Era costume, no século XV, compor lamentações ou déplorations por ocasião da morte dos
músicos famosos.
A primeira informação que temos sobre Ockeghem, nascido cerca de 1420, é que em 1443 era
cantor no coro da catedral de Antuérpia.
Em meados da década de 1440 passou ao serviço de Carlos I, duque de Bourbon, em França.
Em 1452 ingressou na capela real do rei de França e num documento de 1454 é referido como
premier chapelain.
É provável que tenha conservado esse posto até se reformar, tendo servido três reis: Carlos
VII, Luís IX e Carlos VIII.
Morreu em 1497.
Ockeghem ficou famoso não apenas como compositor, mas também como mestre de muitosdos compositores mais destacados da geração seguinte.
As suas obras conhecidas incluem cerca de treze missas, dez motetes e umas vinte chansons.
A maioria das missas de Ockeghem, incluindo a missa Caput , são semelhantes, na sonoridade
global, às de Dufay.
Quatro vozes de natureza basicamente idêntica interagem numa textura contrapontística de
linhas melódicas independentes.
Todavia, o baixo, que até 1450 raramente cantava abaixo de dó, desce agora até Sol ou Fá e,
por vezes, até uma quarta mais abaixo em combinações especiais de vozes graves.
Audição: Kyrie , missa Caput, Ockeghem
Cânone
De um modo geral, Ockeghem não recorria muito à imitação nas suas missas.
Em contrapartida, Obrecht inicia cada uma das três versões do Agnus sobre o tema Caput (daantífona Venit ad Petrum, para a Quinta--Feira Santa) com entradas imitativas.
O método mais corrente de escrever cânones consistia em fazer derivar uma ou mais
adicionais de uma única voz inicial.
As vozes adicionais tanto podiam ser escritas pelo compositor como cantadas a partir das
notas da voz inicial, modificadas de acordo com certas instruções.
A regra segundo a qual se obtinham estas vozes suplementares chamava-se canone, termo
que significa precisamente "regra" ou "lei". (Aquilo a que hoje damos o nome de cânone
chamava-se então fuga.)
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Uma composição podia ainda comportar um cânone duplo, ou seja, dois cânones (ou até mais)
cantados ou tocados em simultâneo. Duas ou mais vozes podiam evoluir em cânone, enquanto
outras vozes evoluíam em linhas independentes.
Em suma, torna-se evidente que era possível um considerável grau de complexidade.
Audição: Ockeghem, Sanctus da Missa prolationum
Um exemplo de escrita canónica é a Missa prolationum de Ockeghem, em que todos os
andamentos são construídos como duplos cânones mensurais, utilizando vários intervalos e
várias combinações de sinais mensurais.
Mais importante do que saber que Ockeghem escreveu cânones é perceber, ouvindo a sua
música, a capacidade do compositor de comunicar através da música, mesmo com ouvintes
menos instruídos na "ciência" da composição musical.
Ockeghem parece ter partilhado com os seus contemporâneos a convicção de que o cânoneperfeito não devia levantar sequer as suspeitas do ouvinte vulgar, e muito menos ser por ele
detectado.
As instruções para se fazer derivar a segunda voz da primeira (ou para se cantar a voz escrita)
são, por vezes, formuladas de modo intencionalmente obscuro ou jocoso, por exemplo, Clama
ne cesses ("Grita sem cessar"), ou seja, ignora as pausas, e outras mais enigmáticas.
Algumas das missas de Ockeghem baseiam-se, à maneira da missa Se la face ay pale de Dufay,
num cantus firmus, utilizando determinada melodia como estrutura básica de cada um dos
andamentos.
Por exemplo, a missa De plus en plus usa como cantus firmus o tenor de uma chanson de
Binchois e a missa Ecce ancilla baseia-se numa antífona de cantochão.
Na maioria das missas de cantus firmus de Ockeghem o tratamento dado à melodia de base é
bastante livre.
Nos séculos XV e XVI as missas sem cantus firmus passaram a ser designadas a partir do modo
em que eram escritas (por exemplo, missa quinti toni , "missa no modo v") ou de alguma
particularidade da sua estrutura
A missa mi-mi de Ockeghem vai buscar o nome às duas primeiras notas do baixo, mi-Lá, que na
solmização eram ambas cantadas com a sílaba mi.
Uma missa que não tivesse cantus firmus nem qualquer outra particularidade característica,
era muitas vezes designada por missa sine nomine, "sem nome".
A geração seguinte de compositores religiosos franco-flamengos restabeleceu um maior
equilíbrio entre a elevação mística, por um lado, e a clareza expressiva, por outro.
Muitos destes compositores eram, directa e indirectamente, discípulos de Ockeghem.
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As três figuras mais eminentes desta geração foram Jacob Obrecht, Heinrich Isaac e Josquin
des Prez, todos eles nascidos em meados do século.
Todos adquiriram a primeira formação e experiência musical nos Países Baixos.
Todos viajavam muito, trabalhando em diversas cortes e igrejas de vários países .
É perfeitamente natural que encontremos na sua música uma variedadede elementos do
Norte e do Sul: o tom sério, a tendência para a adopção de uma estrutura rígida, os ritmos
fluentes do Norte; a disposição mais espontânea, a textura homofónica mais simples, os
ritmos mais marcados e as frases mais claramente articuladas dos Italianos.
Jacob Obrecht
Pouco se sabe da vida de Jacob Obrecht (c. 1452-1505).
Ocupou cargos importantes em Cambrai, Bruges e Antuérpia.
É possível que tenha feito várias visitas à Itália
As obras de Obrecht que chegaram até nós incluem 29 missas, 28 motetes e várias chansons,
canções em holandês e instrumentais.
A maioria das suas missas são constituídas sobre cantus firmus, que tanto podem ser canções
profanas como melodias gregorianas.
Em certas missas é usada a melodia inteira em todos os andamentos; noutras a primeira frase
da melodia é usada no Kyrie, a segunda no Gloria, e assim sucessivamente.
Algumas missas combinam dois ou mais cantus firmi; a Missa carminum inclui cerca de vinte
melodias profanas diferentes. Ao longo das missas surgem frequentes passagens em cânone.
Audição: Jacob Obrecht: Missa de Sancto Donatiano: Agnus Dei
A chanson
Embora a música sacra polifónica tenha adquirido maior prestígio na segunda metade do
século XV, não faltaram nesta época as composições profanas.
As chansons de 1460-1480 revelam um uso crescente do contraponto imitativo, envolvendo
inicialmente apenas o superius e o tenor e mais tarde as três vozes.
Filles a marier , de Binchois, tem um tenor e um contratenor com notas longas (possivelmente
instrumentais), suportando duas vozes de soprano escritas em imitação livre e num vivo estilo
silábico.
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As chansons de Ockeghem, de Busnois e dos seus sucessores gozaram de enorme
popularidade.
Algumas de entre elas especialmente apreciadas, como Ma bouche rit de Ockeghem e Adieu
mes amours de Josquin, aparecem vezes sem conta nos manuscritos e publicações de muitos
países diferentes.
Audição: Ma bouche rit de Ockeghem
As chansons eram livremente alteradas, escritas em novos arranjos e transcritas para
instrumentos.
Ockeghem utilizou o superius da sua chanson Ma maitresse, completo e sem alterações, para
o Gloria de uma missa, a primeira parte no contratenor e a segunda parte, mais adiante, no
tenor, de forma que a mesma melodia que antes servira o texto "Minha senhora e meu mui
caro amor" é aqui cantada com a letra "E paz na terra aos homens de boa vontade" - exemplo
da reconversão religiosa de uma melodia profana, processo extremamente comum neste
período.
O odhecaton
A chanson da geração de Obrecht, Isaac e Josquin pode ser estudada numa das mais famosas
de todas as antologias musicais, o Harmonice musices odhecaton A, que inaugurou o
programa de publicações de Petrucci em Veneza em 1501.
O título significa "Cem canções [na realidade são apenas noventa e seis] de música harmónica
[ou seja, polifónica]"; a letra A indica que se trata da primeira de uma série de colectâneas
similares, vindo os outros volumes, Canti B e Canti C, a ser editados em 1502 e 1504.
O Odhecaton é uma selecção de chansons escritas, aproximadamente, em 1470 e 1500
Mais de metade das chansons são para três vozes, e são estas que, em geral, estão escritas em
estilo mais antiquado.
Entre os compositores representados na colectânea contam-se Isaac, Josquin e dois
contemporâneos destes, Alexander Agricola (c. 1446-1506) e Loyset Compíre (c. 1455-1518).
As chansons a quatro vozes do Odhecaton mostram como o género evoluiu, no início do
século xvi, no sentido de uma textura mais densa, de um contraponto mais plenamente
imitativo, de uma estrutura harmónica mais clara, de uma maior igualdade das vozes e de
uma união mais estreita entre elementos novos e antigos no estilo da chanson.
O compasso binário tendia a substituir o ternário.
Muitas destas chansons, tal como as missas da mesma época, baseavam--se, quer numa
melodia popular, quer numa das vozes de uma chanson mais antiga.
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Audição: Josquin des Prez, chanson: Mille regretz
Josquin des Prez
A CARREIRA DE JOSQUIN
O início do século XVI foi um período de intensa criatividade produtiva.
De entre o número extraordinariamente grande de compositores de primeiro plano que
viveram por volta de 1500 há um, Josquin des Prez, que deve ser considerado como um dos
maiores de todos os tempos.
Poucos músicos gozaram em vida de maior fama ou exerceram mais profunda e mais
duradoura influência sobre os seus sucessores.
Josquin foi saudado pelos seus contemporâneos como o "melhor compositor do nosso
tempo", o "pai dos músicos".
"Ele é o senhor das notas.", disse Martinho Lutero. "Estas são obrigadas a fazer-lhe a
vontade; quanto aos outros compositores, são eles quem tem de fazer a vontade das notas."
Cosimo Bartoli, homem de letras florentino, escreveu em 1567 que na música Josquin nãotinha par, tal como Miguel -Ângelo na arquitectura, na pintura e na escultura.
Josquin nasceu cerca de 1440, provavelmente em, França.
Entre 1459 e 1472 foi cantor na catedral de Milão e mais tarde membro da capela ducal de
Galeazzo Maria Sforza.
Entre 1486 e 1494 temos notícia da sua presença episódica na capela papal de Roma;
Entre 1501 e 1503 esteve em França, talvez na corte de Luís XII.
Em 1503 foi nomeado maestro di cappella da corte de Ferrara, com o salário mais alto da
história dessa capela, mas no ano seguinte trocou a Itália pela França, fugindo à peste que
mais tarde veio a vitimar Obrecht.
De 1504 até ao fim da vida Josquin residiu na sua região natal.
As suas composições foram publicadas num grande número de colectâneas impressas do
século XVI e surgem também em muitos manuscritos da época.
O conjunto das suas obras inclui cerca de 18 missas, 100 motetes e 70 chansos e outras peças
vocais profanas.
A forte proporção de motetes na obra de Josquin é digna de nota.
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A missa poucas oportunidades oferecia para a realização de novas experiências.
Os motetes eram mais livres; podiam ser escritos sobre uma vasta gama de textos, todos
relativamente pouco familiares e, por isso mesmo, sugerindo novas e interessantes
possibilidades de relacionamento entre letra e música.
No século XVI, por conseguinte, o motete veio a ser a f orma de composição sacra que mais
atraía os compositores.
AS MISSAS DE JOSQUIN
A sua música engloba tanto elementos tradicionais como modernos.
Dele se pode dizer, mais do que de qualquer outro compositor, que está na fronteira entre a
Idade Média e o mundo moderno.
Os aspectos conservadores da sua obra são mais evidentes nas missas.
A maioria de entre elas utiliza uma melodia popular como cantus firmus, mas todas abundam
em demonstrações de virtuosismo técnico.
Na missa L'homme armé super voces musicales Josquin transpõe a famosa canção do século
XV para sucessivos graus de hexacórdio (as voces musicales), começando com Dó para o Kyrie,
Ré para o Gloria, e assim por diante.
Nesta missa utiliza também o dispositivo do cânone mensural.
Audição: missa L'homme armé super voces musicales , Josquin des Prez
Missas de imitação
A missa de Josquin Malheur me bat ilustra uma técnica que se foi tornando mais corrente à
medida que avançava o século XVI.
Esta missa baseia-se numa chanson de Ockeghem, mas, em vez de uma única voz, todas as
vozes da chanson são objecto de livre fantasia e desenvolvimento.
Uma missa que assim utiliza não apenas uma voz, mas várias, de uma chanson, missa ou
motete preexistente denomina-se missa de imitação.
O nome tradicional era o de missa de paródia.
No seu tempo a missa de Josquin chamar-se-ia "missa de imitação da música de Malheur me
bat".
Uma escolha consiste em por simplesmente uma nova letra à velha música, procedimento a
que se refere o termo contrafactum.
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Uma missa de cantus firmus com uma melodia tomada de empréstimo no tenor exemplifica o
método típico do século XV; numa extensão desta prática, podem ouvir-se motivos de uma
determinada melodia noutras vozes além do tenor.
O passo decisivo no sentido da missa de imitação é dado quando o modelo escolhido deixa de
ser uma única linha melódica, passando a ser toda uma textura de vozes contrapontísticas.
A missa de imitação, na sua forma plenamente desenvolvida, não se limita a tomar de
empréstimo uma grande quantidade de material musical, faz a partir dele algo de novo,
especialmente através da combinação de motivos preexistentes numa estrutura
contrapontística original, com recurso à imitação sistemática entre todas as vozes.
A missa de imitação começa a substituir a missa de cantus firmus como forma dominante
por volta de 1520.
Não nos é difícil compreender que no século XVI, os compositores quisessem mostrar a sua
devoção adornando melodias sacras com todos os recursos da sua arte.
Mas porquê recorrer a melodias profanas?
Do ponto de vista do compositor, as melodias profanas tinham certas vantagens enquanto
ponto de partida para organizar um longo andamento polifónico: a forma musical era mais
pronunciada do que a do cantochão e as implicações harmónicas eram mais definidas.
Se L'homme armé, por exemplo, gozou de tão grande popularidade, isso ficou a dever-se, pelo
menos em parte, à clareza da sua forma tripartida e ao seu acentuado equilíbrio harmónico.
As canções profanas tinham ainda outra vantagem sobre as citações de cantochão: a de não
estarem ligadas a determinado ordinário da missa ou associadas a um momento preciso do
calendário eclesiástico, tornando, assim, a missa mais uniformemente utilizável.
Do ponto de vista do ouvinte, havia o prazer de ouvir de vez em quando alguma coisa familiar
no meio de uma corrente quase sempre incompreensível de sons complicados.
Por exemplo, o vice-chanceler bávaro Dr. Seld escreveu em 1559 numa carta ao arquiduque
Alberto V da Baviera acerca de uma missa que ouvira em Viena: "O tema em que se baseava
soou-me aos ouvidos, mas não consegui logo identificá-lo. Mais tarde, ao cantá-lo para
comigo, descobri que o mestre da capela imperial [Jacob Vaet] o baseara no motete Tityre tupatulae, composto por Orlando di Lasso."
Texto e música
Uma das tarefas mais árduas quando se preparam edições ou interpretações modernas da
música do início do século XVI é a de distribuir convenientemente o texto - fazendo
corresponder as sílabas das palavras às notas da música -, uma vez que a maioria dos
manuscritos e cadernos individuais impressos da época são pouco esclarecedores quanto a
este aspecto.
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Os impressores e os escribas nem sempre tinham o cuidado de colocarem cada sílaba
exactamente por baixo da nota (ou da primeira de um grupo de notas) ao som da qual seria
cantada, e não havia qualquer sinal, como a moderna ligadura, para indicar a duração de uma
sílaba.
Além disso, a localização das palavras raramente era idêntica nos vários manuscritos ouedições contemporâneos da mesma peça.
Boa parte da música vocal do tempo de Josquin atesta a influência do humanismo e,
indubitavelmente, também a da chanson e de formas italianas contemporâneas, como a
frottola e a lauda, nos esforços dos compositores para tornarem o texto compreensível e
respeitarem a correcta acentuação das palavras.
Esta tendência contrastava com o estilo extremamente ornamentado e melismático de
Ockeghem e dos outros compositores franco-flamengos da primeira geração.
Audição. Josquin des Prez, motete: Tu solus, qui facis mirabilia (tomou por base o
modelo italiano)
Josquin foi objecto de especiais elogios dos seus contemporâneos pelo cuidado que punha em
adequar a música ao texto.
Nos seus últimos motetes utilizou todos os recursos então ao dispor dos compositores para
levar ao ouvinte a mensagem do texto.
Música reservada
Musica Reservata: Este termo (à letra, "música reservada") começou, aparentemente, a ser
usado pouco depois de meados do século XVI para designar o "novo" estilo dos compositores
que, impelidos por um desejo de servirem eficaz e pormenorizadamente as palavras do
texto, introduziram na música e num grau até então inédito o cromatismo, a variedade
modal, os ornamentos e os contrastes de ritmo.
Subentende-se ainda que esta música estaria, possivelmente, "reservada" aos aposentos de
um determinado mecenas.
Uma das mais eloquentes demonstrações desta tendência é o motete de Josquin Absalon fili
mi, que se crê ter sido escrito para o papa Alexandre VI, em memória do seu filho Juan Borgia,
assassinado em 1497.
Próximo do fim da peça há uma extraordinária passagem de descrição sonora sobre as
palavras "mas desça chorando à sepultura”.
Aqui as vozes descem não apenas melodicamente, mas também harmoniosamente, fazendo
com que a música descreva um círculo de quatro quintas, de Sib a Solb.
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Josquin revela-se, assim, um ousado experimentador, pois no século XVI, regra geral, nunca se
descia nesta direcção abaixo de Mib, e mesmo esta nota só muito excepcionalmente aparecia.
Audição: Josquin, motete: Absalon fili mi
Uma obra tardia que nos mostra Josquin na sua melhor forma, quer como arquitecto deestruturas antifonais e imitativas, quer como intérprete de um texto sagrado, é a música deste
salmo latino 92.
Por exemplo, ao chegar às palavras Elevaverunt flumina Domine: elevaverunt flumina vocem
suam ("Levantaram os rios, Senhor, levantaram os rios sua voz"), o tenor anuncia um tema que
começa com uma oitava ascendente e que é sucessivamente imitado, com o breve intervalo
de meio compasso, por cada uma das outras vozes, elevando-se como uma onda para logo a
seguir retroceder.
As ondas sonoras voltam a elevar-se, repetindo o mesmo motivo, às palavras elevaverunt
flumina fluctus suis ("levantaram os rios o seu rumor").
Na secunda pars o versículo Testimonia tua credibilia facta sunt nimis: domum tuam decet
sanctitudo ("Teus testemunhos são firmes de facto: a santidade é o adorno da tua casa") é
dramatizado através da introdução de uma cadência perfeita no final da primeira metade do
versículo, sublinhando a firmeza dos testemunhos; depois há uma pausa de meio compasso
antes de o resto do versículo ser reverentemente declamado em estilo nota-contra-nota
Heinrich Isaac
Flamengo de nascimento (c. 1450-1517), esteve ao serviço dos Médicis, em Florença.
Em 1497 foi nomeado compositor da corte do imperador Maximiliano I em Viena e
Innsbruck.
Parece que terá passado a maior parte dos anos entre 1501 e 1517, data da morte, na cidade
de Florença.
Isaac incorporou no seu estilo pessoal muitas influências musicais da Itália, França, Alemanha,Flandres e Países Baixos, de forma que a sua produção tem um carácter mais internacional do
que a de qualquer outro compositor da sua geração.
Escreveu um grande número de canções sobre textos franceses, alemães e italianos e muitas
outras peças breves de estrutura semelhante à das chansons, que, como aparecem nas fontes
sem texto, se considera, geralmente, terem sido compostas para conjuntos instrumentais.
Na primeira estada em Florença Isaac compôs seguramente música para alguns canti
carnascialeschi (canções carnavalescas), que eram cantados nas alegres procissões e cortejos
que assinalam as quadras festivas florentinas, em especial o Carnaval - precedendo
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imediatamente a Quaresma - e o Calendimaggio - de 1 de Maio até à festa de S. João Baptista,
em 24 de Junho.
Audição: Doulce Mémoire - Denis Raisin-Dadre, Trionfo di Bacco - Chants de Carnaval
O estilo simples, em acordes e declamatório, das quase sempre anónimas cançõescarnavalescas influenciou as versões que Isaac escreveu de algumas cantigas populares
alemãs, como Innsbruck, ich muss dich lassen.
Audição: Heinrich Isaac, lied: Innsbruck, ich muss dich lassen
A obra de Isaac inclui cerca de trinta composições sobre o ordinário da missa e um ciclo de
motetes baseados nos textos e melodias litúrgicos do próprio da missa (incluindo numerosas
sequências) para boa parte do ano litúrgico.
Este ciclo monumental de motetes, compilado em três volumes é comparável, pela sua
dimensão, ao Magnus liber de Léonin e Pérotin, é conhecido pelo nome de ChoralisConstantinus.
Outros contemporâneos dignos de referência são o compositor flamengo, autor de muitas
missas e motetes, Pierre de La Rue (c. 1460-1518) e o francês Jean Mouton (1459-1522).
Novas correntes no século XVI: A geração franco-flamenga de
1520-1550
Os anos de 1520-1550 testemunharam uma diversidade cada vez mais acentuada da
expressão musical.
O número e a importância das composições instrumentais aumentaram.
No Norte da Europa a geração seguinte à de Josquin não deixou de ser afectada por estas
mudanças.
Os que viviam no estrangeiro, especialmente em Itália e no Sul da Alemanha, foram, como énatural, influenciados pelo contacto com os idiomas musicais das suas pátrias de adopção.
Mesmo os músicos mais conservadores abandonaram quase por completo os cânones e
outros processos similares da antiga escola.
Na missa, a imitação de modelos polifónicos - a missa de imitação - foi substituindo
gradualmente a técnica mais antiga de um único cantus firmus.
Nicolas Gombert
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O estilo de motete do Norte da Europa no período de 1520-1550 é exemplificado pelas obras
de Nicolas Gombert (c. 1495-c. 1556), que se julga ter sido discípulo de Josquin e que, na
qualidade de membro da capela do imperador Carlos V, acompanhou a corte em viagens,
tendo trabalhado em Viena, Madrid e Bruxelas.
Super flumina Babilonis constitui um bom exemplo da sua forma de abordar o motete(conhecemos mais de 160 motetes da sua autoria).
Basicamente, temos uma série contínua de frases imitativas interligadas por cadências.
Esta estrutura só é interrompida por uma única e breve secção contrastante em compasso
ternário e harmonia de fauxbourdon
A textura, quase sempre suave e uniformemente densa, sem muitas pausas, com a maioria
das dissonâncias cuidadosamente preparadas e resolvidas, não deixa de revelar uma
sensibilidade bastante apurada ao ritmo e ao espírito do texto.
Jacobus Clemens
Outro importante compositor flamengo deste período foi Jacob Clemente ou, na forma
latinizada, Jacobus Clemens (c. 1510-c. 1556), conhecido por Clemens non Papa.
Clemens trabalhou em Bruges e em várias igrejas dos Países Baixos.
A sua obra inclui chansons, 15 missas, mais de 200 motetes e 4 livros de salmos com textosholandeses, escritos em polifonia simples, a três vozes, com base em melodias de origem
popular.
Todas as missas de Clemens, excepto uma, são baseadas em modelos polifónicos.
Os motetes são semelhantes no estilo aos de Gombert, embora as frases sejam mais
claramente demarcadas umas das outras, os motivos melódicos mais cuidadosamente
delineados, de acordo com o sentido das palavras, e o compositor se mostre mais atento à
definição modal através das cadências e do perfil melódico.
Adrian Willaert
Adrian Willaert foi um pioneiro na criação de uma relação mais estreita entre texto e música
e participou em experiências no domínio do cromatismo e do ritmo que anunciavam já as
novas tendências da evolução musical.
Nascido cerca de 1490, na Flandres, Willaert estudou composição com Mouton em Paris.
Esteve em Roma em 1515, ao serviço do cardeal Ippolito I d'Este.
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Depois de ocupar vários cargos em Ferrara e Milão, Willaert foi nomeado director musical da
igreja de S. Marcos em Veneza no ano de 1527.
Entre estes discípulos contavam-se Zarlino, Cipriano de Rore, Nicola Vicentino, Andrea
Gabrieli e Constanzo Porta.
Nas composições sacras de Willaert, que constituem o grosso da sua obra, o texto determina a
forma musical em todas as suas dimensões.
Foi um dos primeiros a exigir que as sílabas fossem rigorosamente impressas por baixo das
notas correspondentes.
Audição: Adrian Willaert - 'O magnum mysterium'.
Nesta antífona para as primeiras vésperas da festa do Encontro da Santa Cruz, as várias partes
da música são cuidadosamente concebidas de acordo com a acentuação, retórica e pontuação
do texto.
A chave desta arquitectura é a técnica de evitar a cadência.
Zarlino: "quando as vozes dão a impressão de conduzirem a uma cadência perfeita e, em vez
disso, tomam uma direcção diferente".
Itália
Embora os compositores franco-flamengos estivessem espalhados por toda a Europa ocidental
no início do século XVI e o seu idioma constituísse uma linguagem musical internacional, cada
país tinha também a sua música própria.
Gradualmente, ao longo do século XVI estes vários idiomas nacionais foram ganhando relevo e
acabaram por introduzir modificações, mais ou menos profundas, no estilo dominante.
Foi na Itália que o processo foi mais relevante.
A passagem do testemunho da música estrangeira à música nacional neste país é claramenteilustrada pela posição, em Veneza, do flamengo Adrian Willaert e dos seus discípulos.
Cerca de 1515 o compositor veio para Itália e em 1527 foi nomeado director musical de S.
Marcos, em Veneza, o cargo musical mais prestigioso de toda a Itália.
Entre os muitos discípulos italianos de Willaert conta-se Andrea Gabrieli (c. 1520-1586), que
mais tarde veio a desempenhar funções em S. Marcos e cujo discípulo e sobrinho Giovanni
Gabrieli (c. 1556-1613) se tornou o mais famoso dos compositores venezianos da sua geração.
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Assim, no espaço de menos de um século a Itália suplantara a França, a Flandres e os Países
Baixos como centro da vida musical europeia, persistindo esta primazia durante duzentos
anos.
Em todos os países europeus a dependência musical em relação à Flandres e à Holanda no
início do século XVI foi substituída por uma dependência relativamente à Itália no início doséculo XVII, mas, entretanto, cada país desenvolvera uma escola nacional própria.
A frottola
Quando Petrucci iniciou a sua actividade de edição musical em Veneza, no ano de 1501,
começou por imprimir chansons, missas e motetes, mas depois, entre 1504 e 1514, publicou
nada menos do que onze colectâneas de canções estróficas italianas, compostas em estilo
silábico e a quatro vozes, com uma estrutura rítmica bem marcada, harmonias diatónicas
simples e um estilo claramente homofónico, com a melodia na voz mais aguda.
Estas canções eram designadas por frottole (singular, frottola), termo genérico que engloba
muitos subtipos.
A frottola floresceu no final do século XV e início do século XVI.
A forma habitual de interpretação consistia, provavelmente, em cantar a voz superior e tocar
as restantes como acompanhamento instrumental.
Audição: Marco Cara, frottola: Io non compro pio speranza
O cantor solista podia dar um tratamento bastante livre às notas escritas, introduzindo
ornamentos melismáticos improvisados em uma ou várias cadências principais.
Apesar da simplicidade da música e da liberdade sem restrições de muitos dos textos
amorosos e satíricos, as frottole não eram uma forma de música popular ou "folclórica”.
Os principais compositores de frottole foram italianos.
A frottola é historicamente importante, enquanto precursora do madrigal italiano.
A lauda
A contrapartida religiosa da frottola era a lauda polifónica (pl. laude), uma canção de devoção
não litúrgica, de carácter popular.
Os textos eram umas vezes em italiano, outras em latim; a música era a quatro vozes, sendo
as melodias muitas vezes extraídas de canções profanas.
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As laude eram, geralmente, cantadas em reuniões semipúblicas de crentes, quer a cappella,
quer, possivelmente, com instrumentos tocando as três vozes mais graves.
Tal como as frottole, as laude eram, na sua maioria, silábicas, homofónicas e ritmicamente
regulares, com a melodia quase sempre situada na voz mais aguda.
As passagens declamatórias da música de muitos compositores dos finais do século XVI
(Palestrina e Victoria, por exemplo) derivam, provavelmente, pelo menos em parte, da
tradição da lauda.
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