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    Da msica e da dana, como formas de expresso espontneaspopulares, aos ranchos folclricos1

    Jorge Dias (1970)

    Esta comunicao no a obra de um especialista do folclore musical, mas odepoimento de um etnlogo, que nasceu nos primeiros anos deste sculo e teve a dita depercorrer todo o Pas, conhecendo a vida do campo desde muito cedo, observando muitasdas transformaes que se foram operando no decorrer dos ltimos decnios.

    At 1922, o Entre Douro e Minho vivia numa festa permanente. Embora aalimentao da maioria fosse pobre em protenas e noutros princpios energticos, comoconsideravam isso natural e ignoravam que noutras regies podia haver uma alimentaomais rica, no conheciam sentimentos de frustrao e brotava do povo rural uma alegriafranca e irreprimvel.

    Aos domingos e dias de festa danava-se nos largos e terreiros, por toda a parte, edurante o trabalho o canto animava constantemente as lides do campo.

    No Baixo Minho, nos concelhos de Braga e Guimares, era rara a casa rural, onde nohouvesse uma viola ou um cavaquinho e, por vezes, uma harmnica, a que mais tarde vierama chamar concertina.2

    Espontaneamente, bastava que um comeasse a tocar, para que rapidamente viessemvizinhos de quintas prximas e formava-se uma festada. As raparigas apareciam com osseus trajas garridos e passavam a tarde de domingo a danar e a cantar ao som dosinstrumentos.

    Em muitos trabalhos de campo colectivos3, quando rogavam os vizinhos e os amigospara virem ajudar a uma sacha, ou malha de centeio, ou s vindimas, era sabido que tudoterminava numa festa.

    Se nas quintas grandes estavam os senhorios (os fidalgos) que davam vinho discrio, ento os caseiros rogavam os melhores tocadores e cantadeiras da vizinhana.

    As raparigas, alm das festas, onde cantavam em grupo com os rapazes ou cantavamindividualmente ao desafio, tambm se juntavam com frequncia para certos trabalhosfemininos, como as espadeladas e as estopadas, e ento ouviam-se os belos corais minhotosa duas e trs vozes.

    Nas esfolhadas tambm se juntava muita gente. s vezes, l vinham os instrumentose danava-se um pouco pela noite fora, sobretudo nas noites de luar.

    1 Comunicao feita no XXIX Congresso Luso-Espanhol (Lisboa, 31 de Maro a 4 de Abril de 1970).Separata do Tomo III da actas. Digitalizado e revisto por Domingos Morais em Agosto de 1999.2 Sobre instrumentos musicais ver Ernesto Veiga de Oliveira, Instrumentos Musicais Populares Portugueses(Fundao Calouste Gulbenkian), Lisboa, 19663 Ver Ernesto Veiga de Oliveira, Trabalhos Colectivos Gratuitos e Reciprocos em Portugal e no Brasil,Revista de Antropologia, So Paulo, vol. 3 ( I ), Junho de 1955

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    Alm dos domingos e dias de festa locais, havia as grandes romarias minhotas. Dasmais clebres, lembramos, um pouco ao acaso, a Senhora da Agonia em Viana do Castelo, adas Cruzes em Barcelos, o So Bento da Porta Aberta, l para os lados do Gers, o S.Gualter em Guimares, a Peregrinao Penha (Guimares), Nossa Senhora da Graa emCelorico de Basto, S. Loureno da Montaria na Serra da Arga e muitssimas outras.

    A todas elas acorriam numerosos romeiros, vindos, por vezes, de terras distantes eque calcorreavam estradas e caminhos, a cantar e a tocar, danando mesmo grandes pedaosdos trajectos.

    As mulheres e raparigas levavam os merendeiros cabea, o vinho ia, por vezes, empequenos barris com asa de ferro, em cabaas, ou em grandes chifres, que os homenstransportavam a tiracolo. Nas mos dos homens no faltavam nunca os varapaus de lodo,para qualquer refrega que surgisse.

    As mulheres usavam os seus trajos garridos, muito variados, conforme as regies doMinho de onde provinham. Os homens, de chapu bragus, de aba larga, colete de costas decor, em geral vermelho, jaqueta de alamares ao ombro, camisa de linho bordado, com o nomedo dono bordado a vermelho, em certas regies a azul. Na cinta, uma faixa preta de vriasvoltas segurava as calas.

    Seria sem sentido tentar dar uma lista das romarias do Entre Douro e Minho, tantaselas eram, incluindo os locais que s atraam os das terras prximas. Mas no devemosesquecer que descendo de Braga e Guimares para Sudeste, na regio de Amarante, a violade coraes animava as festas, sobretudo as de S. Gonalo, que se difundiu para o Brasil,onde se mantm vivaz. Continuando para o Douro ia-se dar famosa regio de Barqueiros,clebre pela sua chula brbara, violenta e de esfuziante alegria.

    O prprio Douro Litoral, apesar da influncia da cidade do Porto, no escapava exuberncia que trasbordava do Minho. As romarias eram cheias de colorido e de alegria. OSenhor da Pedra (perto de Miramar) era visitado por numerosssimas rusgas vindas dasaldeias prximas. Nesse tempo, Ramalde e Gondomar eram inteiramente rurais, e dentro dacidade actual havia ainda muitas quintas. Mas a prpria classe popular citadina participavanas romarias dos arredores formando tambm pequenas rusgas ou grupos festivos, compequenos bombos, pandeiretas, ferrinhos, por vezes violas e cavaquinhos e reques-reques.

    Logo ao romper do dia, comeavam a sair da cidade, indo numerosssimos a p, outrosem charab, ao som dos bombos e dos demais instrumentos. A ponte de D. Maria chegava aabanar de maneira impressionante com a massa de romeiros que a atravessavacontinuamente.

    As romarias do Senhor de Matosinhos e da Senhora da Hora eram igualmentefrequentadas por gentes dos arredores e da cidade do Porto. E tudo cantava, formando-senos terreiros grupos que danavam.

    Em Trs-os-Montes, o povoamento concentrado, as pequenas povoaes distantesumas das outras, apresentavam uma feio diferente.

    Aos domingos e dias de festa tambm se danava a jota ao som da gaita-de-foles edos tambores, sobretudo nos planaltos de Este. Os adufes e os cantos eram nalgumasregies dominantes.

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    No distrito de Bragana havia muitas canes de trabalho, sobretudo no tempo dasmalhadas, e nas segadas do centeio. Os romances tradicionais eram ainda cantados, a solo ouem grupos.

    Pelo Natal cantavam as loas ao Deus Menino, por vezes acompanhados pela gaita.Era frequente cantarem volta da grande fogueira do Natal, acesa em frente do adro daigreja, depois da Missa do Galo.

    No distrito de Bragana havia uma festa ritual, no ciclo do Inverno, em que usavammscaras, as chamadas festas dos rapazes4, que em certas fases eram, por vezes,acompanhadas de msica.

    Os clebres fiandeiros, em que tocavam o adufe (pandeiro) e cantavam, sobretudo asmulheres, eram festas tocantes pela alegria simples e pela pureza das canes.

    Era costume em Trs-os-Montes anunciar as festas por uma ronda, que, ao romper dodia, passava ao longo das ruas, com instrumentos locais ou com uma pequena orquestracontratada as alvoradas.

    Pelo S. Joo e outros Santos do ciclo do vero eram frequentes as festas, nas prpriaspovoaes, a que podiam acorrer vizinhos de aldeias prximas e ao som do tambor e dagaita-de-foles tudo danava5.

    As romarias eram mais raras e os romeiros, que no eram de aldeias vizinhas, vinhammontados em cavalos e burros. Algumas festas, como Nossa Senhora do Naso, em Terras deMiranda, S. Pedra da Silva e Argozelo eram muito concorridas. Alm dos pauliteiros queapareciam logo de manh nas rondas a pedir esmola para o Santo, danava-se nos grandesterreiros durante o dia e de noite luz das fogueiras. No eram festas movimentadas, nemtrasbordantes de alegria como as do Minho, mas havia nelas uma intensidade ldica, de umafora interior impressionante.

    Na regio do Alto Douro, a poca animada, era a das vindimas. Ento eramnecessrios muitos braos, e formavam-se rogas nos planaltos e serras de Trs-os-Montes eda Beira, que desciam ao vale do Douro. Estes grupos de gente nova vinham menos pelapaga do que pela brincadeira e pelas uvas que comiam. Muitos eram de regies, onde nohavia uvas, nem mesmo fruta de qualquer espcie, como os das aldeias altas da serra deMontemuro. As rogas iam-se formando conforme combinaes feitas com antecipao e jlevavam, em geral, o seu destino. Pelo caminho tambm era frequente cantarem e s vezestransportavam o seu tambor e, em certas regies ferrinhos e concertina.

    Os de Barqueiros, com a sua orquestra estrdula, com rabecas de brao curto,animavam as vindimas das grandes quintas de perto da Rgua.

    Para o Sul do Douro, nas regies serranas, cantava-se e danava-se menos, mas emPias, perto de Porto Antigo, havia lindos corais de mulheres que se ouviam s tardes nasmargens do rio Bestana. A Senhora da Lapa era visitada por muitos romeiros, mas nohavia grande animao festiva. S em Lamego, na Nossa Senhora dos Remdios, entre os

    4 Francisco Manuel Alves (Abade de Baal), Memrias Arqueologico-Histricas do Distrito de Bragana,Tomo IX, Porto, 1934, p. 289-296.5 Ver Jorge Dias, Rio de Onor, Porto, 1953, p.349-357.

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    numerosos grupos que acorriam de diferentes regies, havia alguns que cantavam edanavam, mas nada que se comparasse com as romarias para o norte do Douro.

    Nesta rea eram frequentes as bandas, como as da Gralheira e Maqueija, na Serra deMontemuro, que iam a cavalo, tocar s festas para que eram convidados.

    Na Beira Litoral ouvia-se a gaita-de-foles, acompanhada pelos grandes bombos dosZs-Pereiras, a animar as solenidades. At na cidade de Coimbra era frequente elescolaborarem em algumas festas de estudantes. A viola toeira tambm se usava paraacompanhar o canto.

    A grande regio musical de entre Douro e Tejo era a Beira Baixa, com as suas clebresromarias, como a Senhora dos Altos Cus, na Lousa, a Senhora do Almurto, a Senhora daPvoa e as chamadas festas do Castelo em Monsanto. A era o mundo maravilhoso doscoros e dos cantos acompanhados, ou no, a adufe. Era msica lindssima de tipocerimonial, de grande pureza e de raiz mais antiga. Embora se mantivesse, aqui e ali, a violaque acompan