Da Solidao à Plenitude Humana - Krishnamurti

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Um bom livro!

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  • 1a. Conferncia em Madrasta2a. Conferncia em Madrasta3a. Conferncia em Madrasta4a. Conferncia em Madrasta5a. Conferncia em MadrastaCONFERNCIAS EM MADANAPALE1a. Conferncia em Madanapale2a. Conferncia em Madanapale3a. Conferncia em MadanapaleCONFERNCIAS EM BOMBAIM1a. Conferncia em Bombaim2a. Conferncia em Bombaim3a. Conferncia em Bombaim4a. Conferncia em Bombaim5a. Conferncia em Bombaim6a. Conferncia em Bombaim7a. Conferncia em Bombaim8a. Conferncia em Bombaim

    Titulo do original:TALKS BY KRISHNAMURTI IN INDIA

    NDICE SOBRE ESTE TTULODA SOLIDO A PLENITUDE HUMANANDICE E RESUMO DAS PERGUNTASCONFERNCIAS EM BENARES1a. Conferncia em Benares2a. Conferncia em Benares3a. Conferncia em BenaresCONFERNCIAS EM MADRASTA

    Palestras realizadas na ndia, em Benares, Madrasta, Madanapale e Bombaim, em 1955-1956

  • CONFERNCIAS EM MADRASTA

    1a. Conferncia em Madrasta Debates:

    2a. Conferncia em Madrasta Pergunta:1-Gandhiji recorria ao jejum, como meio de modificar o corao dos outros. Seu exemplo tem sido seguido por muitoslderes. Pode o sofrimento espontneo ser purificador e h purificao "vicria"?

    3a. Conferncia em Madrasta Debates:

    4a. Conferncia em Madrasta Perguntas:1- Dizeis que seguir a tradio gera mediocridade, mas no nos sentimos desorientados sem nenhuma tradio?2-H vrios sistemas de meditao para a "realizao" da divindade espiritual. Que pensais ser a meditao?

    5a. Conferncia em Madrasta Perguntas:1- -nos ensinado na ndia a sermos espirituais e nossa vida diria uma interminvel rotina de rituais e cerimnias. isto espiritualidade?2-Quereis que deixemos completamente de pensar? E, se temos de pensar, como devemos pensar?

    CONFERNCIAS EM MADANAPALE

    1a. Conferncia em Madanapale Perguntas:1- Pode vir paz mundial sem um governo para implant-la e mant-la? Como realizar isso?2-Sois indiano e Andhra, nascido aqui em Madanapale. Por que no passais mais tempo em nossa terra natal, em vezde viverdes na Amrica?3- Tenho um filho que est sujeito a influncias perniciosas, tanto em casa como na escola. Que devo fazer?

    2a. Conferncia em Madanapale Perguntas:1- Se no cremos num Arquiteto do Universo, parece-me que a vida se torna sem significao. Que h de mau nessacrena?2-Neste mundo a bondade no compensa. Como criar uma sociedade que estimule bondade?3- Aceitais a opinio de que o comunismo a maior das ameaas ao progresso humano? Se no, que pensais a seurespeito?

    3a. Conferncia em Madanapale Perguntas:

    NDICE E RESUMO DAS PERGUNTAS

  • 1- No admitis a orientao dada por um guia? Assim como o nosso pensamento se inflama quando vos ouvimos, no necessrio despert-lo pelo contacto com os grandes espritos do passado?2-Todas as religies advogam a orao, como coisa necessria. Que dizeis acerca da orao?3- A idia da morte s me suportvel crendo numa vida futura. Dizeis que a crena um obstculo compreenso.Peo-vos ajudar-me a perceber a verdade, nesta questo.

    CONFERNCIAS EM BOMBAIM

    1a. Conferncia em Bombaim Perguntas:1- Depois de vos termos ouvido durante tantos anos, vemo-nos exatamente no mesmo lugar que estvamos antes.Nada mais h a esperar?2-Em toda parte v-se o incitamento violncia. Qual a vossa soluo para esta crise?3- A pessoa verdadeiramente religiosa no se sentir interessada na situao desditosa de seu semelhante?

    2a. Conferncia em Bombaim Perguntas:1- Os dias se sucedem nesta ftil jornada da existncia. Que significa tudo isso? Tem a vida alguma finalidade?2-Existe alguma maneira de criar boa-vontade e viver juntos em paz com os outros, em vez desse hostil antagonismo?3- Dizeis que o "estado de realidade" nunca se tornar existente por meio do esforo e que at o prprio desejo desseestado, constitui um obstculo. Que podemos ento fazer, de modo que no se crie obstculo algum?

    3a. Conferncia em Bombaim Perguntas:1- O que dizeis parece produzir-me perplexidade. No tinha problema algum e agora me vejo atolado na confuso. Porque razo acontece isso?2- Como posso manter-me ativo, politicamente, sem ser contaminado por tal ao?3- No nos arriscamos a embotar-nos, por excesso de estmulo?4- Deus para vs uma realidade? Se o , falai-nos de Deus.

    4a. Conferncia em Bombaim Perguntas:1- Uma das idias predominantes do hindusmo que este mundo uma iluso. Pensais que esta idia se tornou umdos poderosos fatores que contriburam para nossas atuais aflies?2- E possvel unia sntese do Oriente e do Ocidente?3- Como ser possvel reconhecer o desconhecido?

    5a. Conferncia em Bombaim Perguntas:1- Que dizeis a respeito de Tapas e de Sandhana, como necessrios para se obter a cessao do pensamento?2- Tudo tentei para libertar-me do meu passado. Tende a bondade de mostrar-me como viver livre dele?3- O mandamento bsico de todas as religies : Ama o teu prximo. Por que to difcil pr em prtica esta verdadeto simples?

    6a. Conferncia em Bombaim Perguntas:1- Achais que no amamos os nossos filhos. No sabeis que o amor aos filhos um dos maiores e mais profundosafetos humanos? Estou certo de que percebeis que somos impotentes para fazer qualquer coisa, relativamente guerrae paz.2- Que a beleza?3- Numa sociedade industrializada possvel pr em prtica o que pregais?

  • 7a. Conferncia em Bombaim Perguntas:1- A coisa mais notvel na ndia esse predominante senso de eternidade, de paz e intensidade religiosa. Achaispossvel manter esta atmosfera na moderna era industrial?2- H algo novo em vosso ensino?3- Percebemos que lestes muito e, tambm, tendes um conhecimento direto da realidade. Se assim , porque entocondenais a aquisio de conhecimentos?4- J experimentei muitos sistemas de meditao, que no me tem levado muito longe. Qual o sistema que advogais?

    8a. Conferncia em Bombaim Perguntas:1- Apresentais o lado sombrio da vida, em vez de nos apresentardes o seu lado luminoso. Procedeis assimdeliberadamente?2- Que doena psicossomtica? Podeis sugerir meios de cur-la?3- Dizeis que a transformao s possvel pela vigilncia. Que entendeis por vigilncia?4- Por que existe tanto medo da morte?

    CONFERNCIAS EM BENARES1a. Conferncia em Benares

    11 de dezembro de 1955

    SERIA interessante considerarmos o significado de "aprender" e "ensinar" - pois esta questo meparece importante. Porque, afinal de contas, vos reunistes aqui a fim de aprender alguma coisa, no verdade? Quando ides assistir a uma conferencia, em geral o fazeis com o intuito de vos instruirdes,aprender alguma coisa de que porventura no tendes ainda conhecimento. Assim sendo, acho importanteinvestigarmos o que estamos aprendendo e o que que se est ensinando aqui, e espero que, no finaldeste breve prembulo, possamos entrar juntos neste assunto, de modo que se torne claro a cada um dens o que pretendemos, quando vimos assistir a uma reunio desta natureza.

    Estais aqui com o fim de aprender alguma coisa deste orador? Podeis ter vindo com a idia de aprenderalgo que se vai ensinar; mas se, de modo nenhum, no esta a inteno do orador, neste caso no seestabelecer uma comunicao direta entre ele e os seus ouvintes e, por conseguinte, vos ireis daquisentindo-vos um tanto desapontados e a perguntar-vos o que ganhastes com vossa vinda.

    A fim de evitar completamente que isso acontea, devemos apreciar esta questo de "aprender" e"ensinar", e espero estejais dispostos a faz-lo junto comigo. importante esclarecer bem esta idia deque temos de aprender alguma coisa, porquanto este conceito, penso eu, traz no seu bojo muitomalefcio.

    Pela aquisio de conhecimentos, pode algum perceber diretamente algo verdadeiro, real, algo

  • diferente das formulaes da mente? Estais entendendo o que quero dizer? Existe percebimento diretopela instruo, pelo saber, ou s percebemos diretamente, quando no existe a barreira do saber?

    Que se entende por "aprender"? Desejais encontrar a felicidade, a realidade, a serenidade, a liberdade; isto que em geral estais a buscar, tateando no escuro. Vendo-vos descontentes, insatisfeitos com ascoisas, as relaes, as idias, estais em busca de algo transcendental, e procurais um swami, um guru, ouX, que julgais possuir a qualidade que estais a buscar. Desejais aprender como alcanar essaextraordinria integrao da totalidade da conscincia humana e, assim, vindes aqui com a mesmainteno com que vos aproximais de qualquer instrutor religioso, ou seja a inteno de aprender. Afinalde contas, esta a inteno da maioria das pessoas aqui presentes, e se tiverdes a bondade de prestarateno ao que se est dizendo, estou bem certo de que no perdereis Ao em vo o vosso tempo.

    Ora, pode-se vos ensinar a ter percebimento direto? Pode realizar-se essa totalidade de integrao, essaclaridade de percebimento, mediante o saber, a instruo, ou por meio de algum mtodo? O aprenderuma tcnica ou a observncia de um dado sistema pode levar a esse resultado? Para a maioria de ns,aprender adquirir uma nova tcnica, substituir o velho pelo novo. Espero me esteja fazendo claro aeste respeito.

    Existem vrios mtodos, que bem conheceis, e um ou outro dos quais estais praticando, na esperana deperceberdes diretamente algo que se possa chamar a Realidade, o estado onde no existe "vir a ser",porm apenas Ser. Por essa mesma razo viestes ter aqui: com o propsito de aprender, no verdade?Desejais saber qual o mtodo que este orador vos oferecer para a revelao daquele estadoextraordinrio. Desejais saber como atingir esse estado, passo por passo, pela prtica de certas formasde meditao, pelo cultivo da virtude, da autodisciplina, etc. Mas eu acho que nenhum mtodo podeproduzir o claro percebimento; pelo contrrio.

    Todo mtodo implica tempo, no exato? Quando praticais um mtodo, precisais do tempo, comoponte sobre o intervalo entre o que e o que deveria ser. O tempo necessrio, para se percorrer adistncia criada pela mente entre o fato e a dissoluo do fato, ou seja, o fim que se quer alcanar. Todaideologia se baseia nessa idia de consecuo de um fim, atravs do tempo; e, assim, comeamos aadquirir, a aprender e, por conseguinte, nos amparamos no Mestre, no guru, no instrutor, porque ele vaiajudar-nos a chegar l.

    Pois bem. O percebimento ou experincia direta daquela realidade depende do tempo? Existe umintervalo que necessrio transpor, pelo processo do conhecimento? Se existe, neste caso oconhecimento assume extraordinria importncia. Ento, quanto mais a pessoa souber, quanto mais seexercitar, quanto mais se disciplinar, etc., tanto maior ser a sua capacidade de construir a ponte para arealidade. Admitimos que o tempo necessrio. Isto , se sou violento, digo que necessrio tempopara eu chegar a um estado de no-violencia; preciso de tempo para praticar a "no-violencia", paracontrolar, disciplinar a mente. Aceitamos esta idia; porm ela pode ser uma iluso, pode ser totalmentefalsa. O percebimento pode ser imediato, independente do tempo. Eu penso que, em absoluto, ele nodepende do tempo - se posso empregar a expresso "penso", sem o intuito de transmitir uma opinio,mas de apresentar um fato real. Ou uma pessoa percebe, ou no percebe. No h nenhum processogradual de "aprender a perceber". a ausncia de experincia - baseada, esta, sempre no conhecimento- que d o percebimento.

  • Isto est parecendo muito difcil ou abstrato demais? Deixai-me enunciar o problema de modo diferente.

    Nossas atividades, nossas buscas, so todas egocntricas. Para empregar uma palavra de uso corrente,nossa ao, nosso pensamento egosta, interessado unicamente no "eu"; e, como lemos ou ouvimosdizer que o "eu" uma barreira, reconhecemos necessrio que ele deixe de existir - no o "eu superior"ou o "eu inferior", mas o "eu", a mente que ambiciosa, que tem medo, que ardilosa, em suasatividades ditadas pela prpria avidez, pela prpria dependncia, a mente resultado do tempo. Essamente egocntrica; e pode esse egocentrismo ser removido imediatamente, ou tem de ser desbastadoaos poucos, camada por camada, mediante um processo gradual de instruo, experincia, econtinuidade do tempo? Compreendeis o problema, senhores?

    Tende pacincia, debateremos este assunto, mas preciso ainda dizer umas poucas palavras, se opermitis. Porque, afinal, ns estamos aqui para "experimentar", e no para aprender; e eu desejodiferenar entre "aprender" e "experimentar". Pode-se "experimentar" o que se aprende, mas nesse casoa experincia condicionada pelo que se aprendeu. Uma pessoa pode aprender uma coisa e depois"experiment-la" - isto bem bvio. Posso ler a vida do Cristo e emocionar-me muito, sentir-me vibrar arespeito dela e, posteriormente, "experimentar" aquilo que li. Posso ler o Gita, evocar toda sorte deidias, e "experiment-las". Tanto a leitura consciente como a instruo inconsciente, produzem certasformas de experincia. Podeis no ter lido um nico livro, mas, sendo hindusta, podeis estarcondicionado por sculos de hindusmo; consciente ou inconscientemente, a. mente se tornou orepositrio de certas tradies e crenas produtivas de "experincias" a que atribus extraordinriaimportncia. Mas, na realidade, se examinardes essas experincias, vereis que so, unicamente, a reaode uma mente condicionada.

    Agora, o que estamos tentando averiguar nesta palestra, e bem assim nas prximas palestras que serealizaro aqui, se pode haver experincia direta, destituda de todo e qualquer conhecimento, todainstruo, de modo que essa experincia seja verdadeira e no mera reao de nosso condicionamentocomo hindusta, como budista, como cristo, ou membro de qualquer seita disparatada. O percebimentono pode ser verdadeiro, quando baseado em algum mtodo, porque, bem de ver, o mtodo produz asua peculiar experincia. Se creio no cristianismo ou noutra religio qualquer, e observo um mtodo queme conduzir verdade, de acordo com o cristianismo, por certo a experincia que esse mtodo produzno tem validade alguma. uma experincia baseada em minha prpria convico, minha prprialimitao, minha mente condicionada. O que se experimenta puramente um produto daquele mtodoparticular, ao passo que isso de que estou falando coisa de todo diferente.

    Se percebemos que todo mtodo falso, ilusrio, produto do tempo, e que o tempo no pode levar experincia direta, ento, esse prprio percebimento nos liberta do tempo. Nossa relao ento todadiferente. Percebeis, senhores? No estamos aqui para aprender nenhum mtodo ou tcnica nova,nenhum "novo acesso vida", e outras coisas que tais. Aqui estamos para libertarmos a mente de todasas iluses e percebermos diretamente - e isso exige extraordinria ateno ao que se est dizendo, e nouma acidental comunicao entre ns, como se estivsseis apenas assistindo a mais uma conferncia. Oimportante que se liberte a mente do conhecimento e do mtodo, das prticas baseadas naqueleconhecimento, que s nos podem levar coisa que ansiosamente desejamos. Eis por que de grandeimportncia compreender o que estou dizendo, perceber a iluso que a mente criou, ou seja, o temponecessrio para adquirir, aprender, chegar, alcanar.

  • No digais logo que aquela realidade, Deus, o Atman se acha em nosso interior, e outras coisas de igualjaez. Isto no verdadeiro; idia vossa, superstio, pensar condicionado. Dizeis que Deus se achadentro de ns mesmos, e o comunista, criado diferentemente, de pequenino, diz que no existe Deusnenhum, e que absurdo o que dizeis. Estais condicionado para crer de uma certa maneira, e ele paracrer de outra maneira; portanto, todos dois sois iguais. Mas, tudo o que nos interessa aqui, nesta nossapalestra, descobrir se a mente pode, de pronto, despojar-se desta crena, deste condicionamento, afim de que surja o percebimento direto. Podemos viver mil vidas, praticando a autodisciplina,sacrificando, subjugando, meditando, mas por este meio nunca seremos levados ao direto percebimento,o qual s realizvel em plena liberdade, e no por meio de controle, de subjugao, de disciplinas; e spode aparecer a liberdade, quando a mente se torna cnscia, de pronto, de seu condicionamento, poisento se verifica a cessao desse condicionamento.Pois bem, vamos apreciar esta questo?

    Debates

    INTERPELANTE:Em geral, achamo-nos to estreitamente identificados com o nossocondicionamento, que no temos conscincia dele.

    INTERPELANTE:Existe um movimento incessante, com o qual nos achamos totalmenteidentificados e do qual estamos constantemente tentando fugir, e o esgotamento nervosoresultante desse conflito, produz o embotamento do corpo e do esprito. Seria correto dizer queum certo alertamento, tanto do corpo como da mente, absolutamente necessrio, para quepossamos levar a efeito a investigao que nos propusestes.

    KRISHNAMURTI: Isto bvio, senhor. Se desejo tomar parte numa corrida, tenho de submeter-meao regime alimentar necessrio; se desejo executar qualquer coisa com toda a eficincia, tenho de tomaralimentao conveniente, no devo sobrecarregar o estmago, tenho de exercitar-me adequadamente,etc. Minha mente e meu corpo tm de estar alertados no mais alto grau possvel.

    INTERPELANTE:Esse alertamento no nos vem, a menos que tenhamos vivido refletidamente odia anterior. No momento em que nos sentamos para meditar seriamente, temos de assumir apostura adequada, porque, do contrrio, a mente se tornar errtica e no nos ser possvelpensar intensamente. Quando dizeis que o percebimento direto no pode vir por nenhuma espciede disciplina, porm unicamente quando h liberdade completa, nossa mente tende logo aresvalar para uma dada forma de indolncia. Vejo que isso se d comigo. Conquanto seja bvioque tais coisas - a disciplina, a postura correta, a respirao regulada - no podem dar-nosnenhuma experincia direta, entretanto elas produzem um certo alertamento do corpo, com o quea mente nem se torna indolente, nem se pe a buscar sem saber o que est buscando. A menos quepossamos viver nesse estado de alertamento, que uma condio normal da mente, o que querque digais "grego".

  • KRISHNAMURTI: Compreendo, senhor, mas acho que o problema um pouco diferente. Umapessoa pode assumir a postura correta do corpo, respirar corretamente, e tudo o mais, mas isso temrelativamente pouca significao em relao quilo de que estamos falando.

    Deixai-me express-lo de outra maneira. Se percebo que odeio, -me possvel amar imediatamente, ouo dio tem de ser removido a pouco e pouco, a fim de que, eventualmente, eu seja capaz de amar? Este o problema. Estais entendendo? possvel a mente transformar-se imediatamente e ficar num "estadode amor"?

    INTERPELANTE:Se me permitido referir-me s vossas palestras anteriores, a respeito damemria, admite-se que uma boa parte de nossas funes mentais uma reao puramentemecnica da memria; e, pela identificao, quase todos nos deixamos constantemente absorverpelas nossas afeies e rancores, sem nos darmos conta disso. Mesmo quando estamosconscientes de tal coisa, no e essa certeza tambm mecnica como resultado do esforo? Issotem alguma relao com o que estais dizendo, ou no?

    KRISHNAMURTI: No estou nada certo disso. O problema este: percebo que sou ambicioso e, seestou suficientemente alertado, se sou inteligente e me conservo vigilante, percebo tambm quanto absurdo e destrutivo esse estado. A ambio, inclusive a ambio espiritual, implica um estado em queno existe amor. O desejo de ser algum, espiritualmente, o desejo de ser no-violento, sempreambio. Percebendo-se bem isso, possvel apagar instantaneamente a ambio, abandonando essaluta perene, de inquirio, anlise, disciplina, "idealizao", e tudo o mais? Pode a mente apagar depronto a ambio e ver-se no "outro estado"? possvel isso? No concordeis, senhores, pois isso no questo de concordar ou discordar. J pensastes nisso?

    INTERPELANTE:Nossa mente est sempre tentando modificar o nosso condicionamento.

    KRISHNAMURTI: Atende-vos ao ponto de que estamos tratando, se ele representa um problemapara vs. Ou sou eu que estou fazendo dele um problema e portanto no se trata de problema vosso?Qual a vossa reao?

    INTERPELANTE:Gostaramos de saber como se pode fazer isso.

    KRISHNAMURTI: Este cavalheiro pergunta como se pode fazer isso; justamente nisso que consistea questo. Considerai primeiramente a prpria questo: o como. Sou ambicioso e desejo ver-me numestado de amor; cumpre-me, por conseguinte, afastar a ambio, e como fazer isso? Acompanhai o queestou dizendo. A questo, em si mesma, envolve tempo, no? No momento em que perguntais "como?",est criado o problema do tempo - tempo para lanar uma ponte sobre o intervalo, tempo para atingir oestado chamado "amor"; por essa razo, nunca podeis atingi-lo. Compreendeis, senhores?

    INTERPELANTE:Falastes sobre o estado de percebimento direto. No licito investigar esseestado? O percebimento implica trs fatores: o sujeito que v, o ato de ver, e o objeto que se v. assim que entendemos o percebimento. Quereis referir-vos a uma faculdade independente?

  • KRISHNAMURTI: Eu tambm entendo bem desta matria! Que o sujeito que percebe, e o sujeitoque percebe est separado do objeto da percepo? O pensador est separado do pensamento? istoque estais dizendo, no verdade? Mas no este, por ora, o nosso problema. No me interpreteiserroneamente, no estou tentando...

    INTERPELANTE:Empregastes as palavras "percebimento direto ".

    KRISHNAMURTI: Podemos modificaras palavras -elas no tm importncia. Expressemo-nosdiferentemente.

    Estou cnscio de ser ambicioso, cruel, estpido, ou o que seja, e em geral se admite, com apoio noslivros sagrados, nos rituais, na crena nos Mestres, na evoluo e outras coisas que tais, que medianteum lento e gradual processo de esforo, poderei transcender o que sou e alcanar algo transcendental.Percebo o que isso implica: o sujeito que faz esforo, o esforo, e o objeto para o qual est fazendoesforo - sendo tudo isso um processo mental. Percebendo-o, digo de mim para mim: "-me possvelabandonar completamente a ambio e achar-me naquele estado que se pode chamar "amor"? No voudescrever o que aquele estado. O problema que sou violento; e, tenho alguma possibilidade deabandonar completamente, imediatamente, a violncia?

    INTERPELANTE:A possibilidade unia questo de acaso ou de esforo?

    KRISHNAMURTI: Considerai bem isso, senhor. Se h esforo, estais de novo no velho terreno da"gradualidade". Se se trata de mero acaso, questo de "boa sorte" - isso no tem sentido algum. Se mepermitis diz-lo, no estais realmente fazendo esta pergunta a vs mesmo.

    Eu sou agressivo, ambicioso, e vejo que toda a sociedade corrupta que me circunda tambmambiciosa e agressiva em diferentes graus. Tudo nela aparatoso, estpido, vo e, no entanto, me vejopreso nas suas malhas; -me possvel largar completamente a ambio, abandon-la e nunca mais tercontacto com ela? Compreendeis minha pergunta, senhor? Mas no se trata de uma pergunta minha, esim de uma pergunta que vos deveis fazer, se tendes vontade de resolver este problema. Ou preferisdizer: "Sou ambicioso e me libertarei da ambio aos poucos, amanh ou na prxima vida, fora dedisciplina, pela prtica do mantrarn, adequado, da. adequada vigilncia - enfim, toda a lista de absurdos?Este problema vos toca, senhor? Se no, nenhuma inteno tenho de vo-lo inculcar. Mas se umproblema vosso, que ides fazer?

    Vede, senhor, os mais de ns no temos amor, o que quer que seja essa qualidade. Podemos ter umtemporrio sentimento que chamamos "amor", o qual, entretanto, muito aparentado com o dio, e nopode ser aquela coisa extraordinria. possvel que uns poucos possuam essa florescncia, essa coisaalentadora, criadora, mas em geral nos achamos num estado de confuso e aflio. Ora, pode umapessoa abandonar, simplesmente, tudo isso e tornar-se "a outra coisa", sem passar pelas tremendascomplicaes inerentes ao "tentar vir a ser alguma coisa", sem discusses sobre se o sujeito que percebeest separado do objeto percebido, etc.?

  • INTERPELANTE:Mas isso tambm exigir tempo.

    KRISHNAMURTI: Que fareis, senhor?

    INTERPELANTE:Nada.

    KRISHNAMURTI: Senhor, que se est passando realmente convosco, neste momento? Ou ficamosfalando de maneira terica, abstrata, para passarmos a tarde num interessante debate; ou, pelo contrrio,estamos realmente desejosos de investigar, experimentar e no nos interessa manter-nos numainterminvel "verbalizao". Qual a reao de cada um de ns, em face desse problema? Se pudermosdiscutir, "verbalizar" o que realmente est ocorrendo em ns, em reao ao problema, isso tersignificao; mas, se ficamos meramente a produzir palavras e teorias, isso nenhum valor tem.

    INTERPELANTE:Toda esta discusso puramente verbal.

    KRISHNAMURTI: Mas que significao tem para vs? Deixai de parte os outros. Vede, senhor, euno vos estou atacando, no tenciono embaraar-vos. Mas quando se vos apresenta este problema,qual vossa reao?

    INTERPELANTE:Ser ser. No pode ser descrito por palavras.

    KRISHNAMURTI: Compreendo, senhor. Mas estamos em presena de um problema muito grave eque envolve uma completa revoluo no pensar; dele decorre que temos de livrar-nos de todos os guias,todos os gurus, todos os mtodos, no verdade? E que acontece, quando se nos prope um problemadesta natureza?

    Isto , quando estamos cnscios de que odiamos, e desejamos ficar livres do dio, que fazemos, emgeral? Procuramos um mtodo de nos livrarmos dele, e esperamos achar esse mtodo num livro, numguru, etc. Ora, percebemos que a prtica de qualquer mtodo uma iluso ou dizemos que o mtodo necessrio? Esta a primeira questo, evidentemente. Que sentis vs, senhor? No desejo forar-vos adizer que no h necessidade de mtodo; isso seria uma nova iluso, mera repetio de palavras, umaatitude artificial, inteiramente destituda de significao. Mas se percebeis realmente que a prtica dequalquer mtodo para nos libertarmos do dio uma iluso e portanto sem validade alguma, neste casovossa maneira de considerar o dio ter sofrido uma transformao total, no?

    Presentemente, ao considerarmos o dio, dizemos: "Como livrar-me dele?" Mas, se sabemos consideraro dio sem o "como", teremos ento uma reao completamente diferente, diante daquilo quepercebemos. E, assim sendo, precisamos saber qual a nossa reao, em face desta questo.Compreendeis, senhor?

  • Por favor, tende primeiramente a bondade de escutar, a fim de descobrirdes, e no pergunteis comoficareis livres do dio. No me interessa saber como ficar livre dele. Esta uma questo muito trivial. Oproblema este: estando cnscios de que odiamos, dizemos, agora: "Como livrar-me do dio? Quedevo fazer para me livrar deste veneno?" - No momento em que nos surge esta reao - como ficarlivre? - pusemos em ao vrios fatores sem validade alguma. Um desses fatores o processo degradual desbastamento do dio, atravs de um certo perodo de tempo; outro o fazer esforo paraconseguir um resultado; e outro, ainda, o dependermos de algum, para nos ensinar como proceder.Tudo isso so atividades egocntricas, e tambm uma forma de dio. No sei se estais percebendo bem.

    Ora, estamos ainda pensando em como nos livrarmos do dio? Esta a questo, e no "como ficarmoslivres", ou o que acontece quando estamos livres, mas, sim: estamos ainda pensando em termos de"como"?

    INTERPELANTE:O "como" no ento muito importante.

    KRISHNAMURTI: Que se est passando convosco, realmente, senhor? Que se passa realmente,quando vos vedes em presena desta questo? Se sois verdadeiramente franco para com vs mesmo,vereis que estais ainda pensando em termos de "como", e isto revela que a mente deseja ainda alcanarum certo estado, no verdade? E a realizao de algo significa processo de tempo. Um cientista, porexemplo, que faz experimentos para descobrir uma coisa, necessita evidentemente de tempo; mas o diopode ser dissolvido por meio do tempo? Os iogues, os swamis, o Gita, os Mahatmas - todos dizem queo dio tem de ser dissolvido com o tempo; mas talvez eles no tenham razo, e provavelmente no atm. E porque haviam de t-la? Mas eu desejo averiguar se h uma maneira diferente de considerar esteproblema, em vez de aceitar a maneira tradicional, a qual vejo que invariavelmente degenera emmediocridade. A simples aceitao da tradio uma coisa estpida. Ainda que dez mil pessoas afirmemque uma coisa verdadeira, isso no significa que elas tm razo. Meu problema, pois, este: possvelficarmos livres do dio agora, e no no futuro?

    INTERPELANTE:Se permitas fazer uma pergunta direta: Que finalidade tm vossas palestras?

    KRISHNAMURTI: Qual a finalidade do falar? Comunicar alguma coisa, no verdade? Se assim nofosse, no precisaramos falar. Pois bem. Que que estou tentando comunicar-vos? Estou procurandocomunicar-vos o fato de que uma certa maneira de pensar geralmente aceita ilusria e inteiramentedestituda de base. Mas, para comunicarmos uma coisa, precisamos de um ouvinte, uma pessoa quediga: "estou realmente a escutar-vos". Vs, senhor, estais-me escutando? E que entendeis por "escutar"?No minha inteno embaraar-vos. Escutais de fato qualquer coisa, ou apenas escutais parcialmente?Se vossa mente ainda interessa o "como", no estais escutando. S se pode escutar, quando se dateno completa, e no estais dando ateno completa quando pensais que deve haver um mtodo,porque vossa mente no est ento livre para considerar o que se est dizendo. S h ateno completaquando dizemos: "Ele pode no ter razo, pode estar dizendo tolices, mas, pelo menos, quero descobriro que que ele est tentando transmitir-me". Estais fazendo isso? Isso, em si, muito difcil, no achais?Porque dar ateno completa significa conhecer o amor, sentir totalmente a disposio de descobrir oque outro est dizendo, sem aceitao ou rejeio - o que no significa que me vou tornar umaautoridade para vs. Prestais ateno dessa maneira?

  • INTERPELANTE: possvel isso, senhor?

    KRISHNAMURTI: Se no possvel, no pode haver comunicao. A dificuldade esta: Vede,senhor, se me estais dizendo uma coisa e eu desejo descobrir o que estais procurando comunicar, tenhode dar-vos ateno, no verdade? No posso estar pensando, comigo mesmo, que estais falandosobre "as mesmas velharias", que sois isso ou aquilo, ou que so horas de ir para casa. Tenho de darateno completa ao que estais dizendo, sem opor nenhuma barreira, mental ou de outra espcie.Escutamos dessa maneira?

    INTERPELANTE:A ateno completa um estado Mental diferente do estado comum deateno?

    KRISHNAMURTI: Senhor, no estais dando nenhuma ateno ao que estou dizendo. Desejais sabero que "ateno completa". Eu posso descrev-lo, mas que importncia tem isso? O que de primacialimportncia isto: estais escutando? Sabeis como difcil, para a maioria de ns, o investigar, odescobrir, o escutar. No estou dizendo que devais escutar a mim, em especial, por que a mim prpriono importa se escutais ou no; mas, visto que vos destes ao trabalho de vir aqui, peo-vos, pelo amorde Deus, que escuteis, no apenas a mim mesmo, mas ao funcionar do maquinismo de vossa prpriamente, posta agora em presena de um problema. Este problema : o dio pode ser dissolvidoimediatamente? O descobrirmos de que modo reagimos em face desta questo tem validade. Se dizeis:"Sim, estou escutando", mas vossa inteno de descobrir um mtodo de vos livrardes do dio, noestais ento olhando o problema, porque s vos interessa o "como". Mas, em questes psicolgicas,pode existir "como"? Entendeis, senhores? Este um problema muito complexo; portanto, no digais,simplesmente, "sim" ou "no". Nas atividades tcnicas, no construir, no cozinhar, no montar um avio ajato, no lavar pratos eficientemente, etc., h um "como"; e quanto mais alertados estamos, mais eficientese torna o "como"; mas, existe algum "como", em questes psicolgicas? Existe algum processo gradualde evoluo, transformao, ou s h a transformao imediata?

    INTERPELANTE:Que cumpre ento fazer em relao ao problema psicolgico?

    KRISHNAMURTI: Senhor, considerai o problema. Tenho de parar aqui. No podeis absorver pormais de uma hora este gnero de palestra.

    Temos o problema do morrer. Todos estamos a morrer; e pode a mente achar-se num estado em queno haja morte? Este essencialmente o mesmo problema, e s estou empregando uma srie diferentede palavras. A mente est cnscia de que vai morrer, de modo que apela para vrias doutrinas, o saber,o experimentar, cr na reencarnao, l o Upanishads etc., e tudo isso se baseia no desejo decontinuidade. Mas posso descobrir diretamente, por mim mesmo, se existe um estado em que no hmorte, em vez de ficar na dependncia de um certo senhor barbudo, para me informar sobre o queexiste aps a morte? Este problema o mesmo que ser ambicioso, violento, vido, invejoso, e procurarsaber se possvel abandonar tudo isso completamente - o que realmente significa que precisamosverificar se estamos em busca de algum mtodo.

  • Estais em busca de um mtodo para ajudar-vos a dissolver o dio? Os mais de vs aceitastes como umfato a necessidade de mtodo, e como estou agora pondo em dvida a natureza "factual" disso quetendes aceito, estais resistindo ao que estou dizendo. Mas, se pelo indagar, pelo considerar o problema,vs mesmo estais cnscio de que a prtica de um mtodo uma total iluso, ento, nesse caso, vossamaneira de considerar o dio ter sofrido uma tremenda modificao; e esse percebimento da iluso noresulta de esforo algum.

    Senhores, ainda vamos reunir-nos no sei quantas vezes e, em lugar de ser eu s a falar, no podemos,para variar, entrar nesta questo como dois entes humanos, como amigos que esto realmente a escutaro problema e procurando descobrir o que verdadeiro? No nos estamos opondo um ao outro, nemvs estais aceitando o que digo, porque nesta nossa busca no h autoridade alguma, no h mestre nemsishya, no h guru, nenhuma dessas futilidades. Aqui todos somos iguais, porque no tentar descobrir oque verdadeiro existe a verdadeira igualdade. Por favor, senhores, escutai o que vos estou dizendo. s quando no estais em busca da realidade, que h essa falsa separao do mestre e do discpulo.Certo, onde existe o amor, no existe desigualdade. Tem de haver amor, quando buscamos; e noestamos buscando quando consideramos um outro como discpulo ou como guru. Para a investigao daverdade, necessria a cessao de todo o conhecimento. Onde h amor, h igualdade; no existe ohomem que est no alto e o homem que est em baixo.[sumrio]

    2a. Conferncia em Benares

    18 de dezembro de 1955

    DESEJARIA, se me permitido, discutir convosco o problema da busca e o que significa ser "srio".Que queremos significar, quando dizemos que estamos buscando? As pessoas ditas religiosas estosupostamente em busca da verdade, de Deus. Que significa esta palavra? No queremos a definio dodicionrio, mas qual a natureza interior do buscar, o processo psicolgico respectivo? Acho que seriaimportante profundarmos bem esta questo; e deixai-me, mais uma vez, lembrar a todos os presentesque devem, atravs da descrio ou explicao verbal, "experimentar" realmente o que se estdiscutindo, porque do contrrio a discusso muito pouco significar. Se apenas considerais estaspalestras como uma coisa para ser registrada, como uma nova srie de idias, para ser acrescentada vossa antiga srie de idias, elas nenhum valor tero.

    Vejamos, pois, se nos possvel examinar juntos este problema real da busca, o que significa buscar.Pela busca, possvel achar algo novo? Porque buscamos, e que que buscamos? Qual o motivo, oprocesso psicolgico que nos impele a buscar? Desse processo ou motivo depende o que achamos.Porque procuramos a verdade, a felicidade, a paz, ou algo existente alm de todas as criaes mentais?Qual o impulso, o estmulo que nos impele a buscar? Sem a compreenso desse estmulo, a mera buscaser muito pouco significativa, porque a coisa que estamos realmente buscando pode ser alguma espciede satisfao sem nenhuma relao com a realidade. Mas, se pudermos descobrir todo o mecanismodesse processo de busca, ento bem possvel cheguemos a um ponto onde no h mais busca - e

  • talvez seja esse o estado necessrio para o aparecimento de algo novo.

    Enquanto a mente est a buscar, inevitvel a luta, o esforo, baseados invariavelmente na ao davontade; e a vontade, por mais requintada, produto do desejo. A vontade pode ser o produto demuitos desejos integrados, ou de um nico desejo, e essa vontade se expressa por meio da ao, no certo? Quando dizeis que estais em busca da Verdade, atrs de todas as meditaes e devoes edisciplinas impostas por essa busca est certamente a ao da vontade, do desejo; e quando buscamoso preenchimento do desejo, quando tentamos alcanar um estado mental tranqilo, encontrar Deus, aVerdade, ou aquele extraordinrio estado de criao, comea a "seriedade".

    Pode uma pessoa buscar, mas se lhe falta "seriedade", sua busca ser dispersa, espordica, desconexa.A "seriedade" acompanha sempre a busca, e bem evidente que vos achais aqui porque sois "srios".Numa tarde de domingo muito agradvel dar um passeio de barco, entretanto preferistes o incmodode vir aqui, para escutar - e isso, talvez, porque sois "srios". Descontentes com as idias tradicionais e ohabitual ponto-de-vista, estais a buscar, e esperais, escutando, achar algo novo. Se vos achsseiscompletamente satisfeitos com o que tendes, no estareis aqui. Por conseguinte, vossa presena nestasconferncias indica que estais insatisfeitos; estais buscando alguma coisa, e vossa busca se baseiaevidentemente no desejo de vos satisfazerdes, num nvel mais profundo. A satisfao que estais a buscar mais nobre, mais requintada, mas a vossa busca ainda uma busca de satisfao.

    Isto , desejamos achar a integrao total do nosso ser, porque temos lido, ou ouvido, ou imaginado queesse o nico estado em que possvel a felicidade livre de perturbaes, a paz eterna. Assim,tornamo-nos muito srios, lemos, samos procura de filsofos, analistas, psiclogos, iogues, naesperana de encontrarmos esse estado integrado; mas o impulso, o motivo ainda o desejo de realizar,de achar alguma espcie de satisfao, um estado mental que nunca seja perturbado.

    Ora bem, se desejamos realmente investigar esta questo, a nossa investigao tem de basear-se, porcerto, no pensamento negativo, que a forma suprema do pensar. No podemos investigar, quandonossa mente est presa a alguma diretiva ou frmula positiva. Se aceitamos ou supomos alguma coisa,nesse caso nossa investigao intil. S se pode investigar, buscar, quando h pensamento negativo,quando no seguimos nenhuma linha positiva de pensamento. Em geral, estamos convencidos de sernecessrio o pensamento positivo, para que se possa descobrir o Verdadeiro. Por pensamento positivoentendo a aceitao da experincia de outros, ou nossas prprias experincias, sem compreendermos amente condicionada que pensa. Propriamente falando, todo o nosso pensar est atualmente baseado nonosso "fundo" - a tradio, a experincia, o saber que temos acumulado. Acho que isso bastante claro.O saber d uma direo positiva ao nosso pensar e, seguindo essa direo positiva, esperamosencontrar a Verdade, Deus, ou o que quiserdes; mas o que realmente encontramos est baseado naexperincia e no processo de reconhecimento. Por certo, aquilo que novo no pode ser reconhecido.O reconhecimento s ocorre atravs da memria; da experincia acumulada a que denominamos saber.Se reconhecemos uma coisa, essa coisa no nova, e enquanto a nossa busca se basear noreconhecimento, tudo o que achamos coisa j experimentada, procedendo portanto do "fundo", damemria. Reconheo-vos, porque j me encontrei convosco antes. Uma coisa totalmente nova no podeser reconhecida. Deus, a Verdade, ou o que quer que seja que resulte da integrao total de toda anossa conscincia, no reconhecvel, deve ser algo totalmente novo; e a prpria busca desse estadoimplica um processo de reconhecimento, no achais?

  • Acho que o que estou dizendo no to difcil como parece. De fato, muito simples. Quase todosdesejamos achar alguma coisa - chamemo-la, por ora, Deus ou a Verdade - o que quer que issosignifique. Como podemos saber o que a Verdade ou Deus? Sabemo-lo, ou porque temos lido a seurespeito, ou porque o experimentamos; e, quando essa experincia se apresenta, somos capazes dereconhec-la como a Verdade, ou Deus. Esse reconhecimento s pode provir de nosso "fundo" dereconhecimento prvio, e portanto a coisa que foi reconhecida no nova; conseqentemente, no podeser a Verdade, Deus. A coisa o que pensamos que ela seja.

    Assim, pois, estou a perguntar a mim prprio e espero estejais perguntando a vs mesmos, que coisa essa que chamamos "busca". J expliquei o que implica esse problema do buscar. Quando andamos deguru para guru, quando praticamos variadas disciplinas, quando sacrificamos, meditamos ou exercitamosa mente de alguma maneira, o impulso existente atrs de todo esse esforo, o estmulo a encontrarmosalguma coisa, e o que se encontra tem de ser reconhecvel, seno no poderia ser encontrado. Nessascondies, o que a mente acha s pode ser produto de seu prprio fundo, seu prprio condicionamento;e uma vez compreendido esse fato pela mente, a busca pode no ter tal significao, pode ter ento umsignificado totalmente diferente. A mente pode ento cessar de buscar, de todo - o que no significa queest aceitando o seu condicionamento, suas tribulaes e misrias. Afinal de contas, foi a prpria menteque criou essas misrias e quando a mente comea a compreender o seu prprio processo, entopossvel realizar-se o outro estado, o que quer que ele seja, sem aquele esforo perene para "encontrar".

    Agora, senhores, vamos discutir a questo. Ela representa um problema para vs, ou eu vos estouimpondo este problema? Deveis ter observado quantos milhes de pessoas andam buscando, cada umseguindo determinado guru ou praticando determinado sistema de meditao; ou, ainda, andando deinstrutor para instrutor, ingressando numa Sociedade, saindo dela e passando para outra, buscandoincessantemente, buscando, buscando, buscando, o que naturalmente pode, afinal, tornar-se um jogo.Assim, pois, talvez j perguntastes a vs mesmos o que significa tudo isso. Ledes o Upanishads, ou oGita, ou escutais uma palestra em que se do certas explicaes, em que se descrevem certos estados, etodos vos dizem: "Fazei isso, abandonai aquilo, e descobrireis o Eterno". Todos, num certo grau,estamos a buscar, intensamente ou de maneira moderada, e julgo importante averiguar o que significaessa busca. Podemos perguntar a ns mesmos, com toda a simplicidade e diretamente, se estamos abuscar, e, se estamos buscando, qual o mvel dessa busca?

    Debates

    INTERPELANTE: a insatisfao.

    KRISHNAMURTI: Estais bem certo de que isso uma experincia vossa, e no de outra pessoa? Sefor vossa prpria experincia, ento vossa busca est baseada no impulso dado pela insatisfao e,assim, o que fazeis, senhor?

    INTERPELANTE:Andamos de guru em guru, at encontrarmos a satisfao. Mas, mesmoquando isso acontece, no sabemos o que ir acontecer no futuro. A insatisfao nossa fora

  • propulsora, o estado em que passamos a nossa vida.

    KRISHNAMURTI: E medida que ides envelhecendo, vos ides tornando cada vez mais srio nessabusca; mas nunca investigastes se existe realmente uma coisa tal, como seja a satisfao.

    INTERPELANTE:O homem est sempre sedento e deseja desalterar-se.

    KRISHNAMURTI: Senhor, se continusseis sedento depois de beber, no procurareis saber se possvel satisfazer a sede? E se a satisfao apenas momentnea, porque ento atribuir tantaimportncia aos gurus, aos sacrifcios, disciplinas, sandhanas, e tudo o mais? Porque vos fragmentais emseitas, criando conflito com vosso prximo e com a sociedade, s por causa de um efmero conforto?Porque vos entregais ao hindusmo, ao cristianismo, se isso s vos d um alvio temporrio? Podeis dizer:"Sei que tudo isso s d alvio temporrio, e no lhe atribuo muita importncia". Mas, verdade que, aoirdes ao vosso guru, lhe dizeis que s estais buscando um alvio temporrio? No deveis investigar a esterespeito? E pode haver investigao quando o corao obstinado? A obstinao do corao impede ainvestigao, no verdade?

    Comecemos da. Se for obstinado em minha maneira de pensar - o que significa "ser positivo" - se minhamente est entregue a alguma forma de concluso, opinio ou julgamento, estou realmente em condiesde investigar? Dizeis que no. Todos concordamos, mas no est a nossa mente dominada por umacerta concluso, uma certa experincia? A investigao, nessas condies, no s tendenciosa mastambm impossvel.

    Senhores, podemos conversar um pouquinho precisamente a respeito disso, devassando a nossa mente,rebuscando-lhe as profundezas, despertando, assim o autoconhecimento. Podemos averiguar se estamosdominados por alguma frmula, concluso ou experincia, a que nossa mente est apegada?

    INTERPELANTE:Ha sempre a esperana de acharmos a satisfao final.

    KRISHNAMURTI: Vejamos, antes de tudo o mais, se nossa mente est entregue a uma dadaexperincia, uma dada concluso ou crena, que nos est tornando obstinados, inflexveis, no sentidoprofundo. S quero comear da, porque, como pode haver investigao, quando a mente incapaz deceder? Lemos o Gaita, a Bblia, o Upanishads, tal ou tal livro, o qual deu uma certa tendncia nossamente, uma certa concluso a que ela ficou amarrada. Uma mente em tais condies capaz deinvestigar? No isso que acontece com a maioria de ns, e no deve nossa mente ficar livre de todosos compromissos decorrentes de sermos hindustas, teosofistas, catlicos, ou o que mais seja, antes depodermos investigar? E porque no estamos livres dessas coisas? Quando temos compromissos equeremos investigar, no pode haver verdadeira investigao, mas to somente uma repetio deopinies, juzos, concluses. Assim, nesta nossa palestra desta tarde, podemos largar todas essasconcluses?

    Certamente, at os maiores cientistas tm de abandonar todo o seu saber, antes de poderem descobrirqualquer coisa nova; e se vs sois srios, esse abandono do conhecimento, da crena, da experincia

  • tem de efetuar-se realmente. Os mais de ns somos um tanto "srios", quando se trata de nossasprprias concluses, mas eu acho que isso de modo nenhum seriedade. No -tem valor nenhum. Ohomem srio, sem dvida, aquele que capaz de abandonar as suas concluses porque percebe ques assim est capacitado para investigar.

    INTERPELANTE:Podemos dizer que abandonamos as nossas concluses; entretanto, elastornam a surgir.

    KRISHNAMURTI: Sabemos que nossas mentes esto ancoradas numa concluso? Est a mentecnscia de que se acha dominada por determinada crena? Deixai-me, senhor, express-lo de maneiramuito simples. Morre meu filho e me sinto desolado - e eis que se me apresenta a crena nareencarnao. Esta crena encerra muitas esperanas e promessas e, portanto, a minha mente a ela seapega. Ora, essa mente agora capaz de investigar o problema da morte, em vez de investigar, apenas,a questo da vida no alm-tmulo? Pode minha mente abandonar essa concluso? E no deveabandon-la, se quer descobrir o que verdadeiro - abandon-la, mas no sob compulso de qualquerespcie, nem esperana de recompensa, mas porque a prpria investigao exige o seu abandono? Seno a abandono, no sou "srio".

    Senhores e senhoras, no vos deixeis desalentar pelas minhas perguntas, que parecem to bvias. Seminha mente est atada estaca da crena, da experincia ou do conhecimento, ela no pode ir muitolonge; e a investigao implica que se esteja livre da estaca, no achais? Se realmente estou a buscar,ento esse estado em que me acho, amarrado a uma estaca, esse estado tem de acabar-se - precisoromper as amarras, cortar a corda. No existe, ento, nenhuma questo de como cortar a corda.Quando h a percepo de que a investigao s possvel quando estamos livres de nossa obstinao,de nosso apego a uma crena, ento esse prprio percebimento liberta-nos a mente.

    Ora, porque no sucede isso a cada um de ns?

    INTERPELANTE: porque nos sentimos mais seguros com a corda.

    KRISHNAMURTI: Exatamente, pois no? Sentis-vos mais seguros quando vossa mente estcondicionada, e eis porque no h aventurar, ousar - e toda a nossa estrutura social est construdadessa maneira. Conheo todas essas respostas. Mas porque no abandonais a vossa crena? Se no ofazeis, no sois srio. Se estais realmente investigando, no dizeis: "Estou investigando, numadeterminada direo e devo ser tolerante a respeito de qualquer direo diferente da que estouseguindo" - pois, quando estais realmente investigando, essa maneira de pensar desaparececompletamente. No existe ento a diviso de "vosso caminho" e "meu caminho", acaba-se o mstico e ooculto, so afastadas definitivamente todas as estpidas explicaes do homem que quer explorar outroshomens.

    INTERPELANTE:E a prpria busca afastada definitivamente? Busca de qu?

    KRISHNAMURTI: No este o nosso problema, no momento. Estou dizendo que no pode haver

  • investigao quando a mente tem algum apego. Quase todos dizemos que estamos buscando, e buscarsignifica realmente investigar; e eu estou perguntando: "podeis investigar, enquanto a vossa mente estapegada a alguma concluso?" Obviamente, quando se vos faz tal pergunta, respondeis: "No,naturalmente".

    INTERPELANTE:Podeis imaginar o dia em que no haver mais templos nem igrejas? Eenquanto existirem igrejas e templos, podem as pessoas conservar a mente livre de peias?

    KRISHNAMURTI: "As pessoas" so sempre vs e eu. Estamos falando a respeito de ns mesmos, eno "das pessoas".

    INTERPELANTE:Mas podemos conservar nossa mente livre, enquanto houver igrejas?

    KRISHNAMURTI: Porque no, senhor? Permitis-me dizer uma coisa? Esquecei "as pessoas", asigrejas, e os templos. Eu estou perguntando: vossa mente est agrilhoada? Vossa mente obstinada, estapegada a alguma experincia, a alguma forma de conhecimento ou crena? Se est, neste caso incapaz de investigao. Direis, porventura: "Estou buscando" - mas bem evidente que no estaisbuscando, senhor. Como pode a mente ter liberdade de movimentos, se est presa? Dizemos queestamos a buscar, mas, na realidade, no h busca. Buscar implica estar livre de apego a qualquerfrmula, qualquer experincia, qualquer espcie de conhecimento, porque s ento a mente capaz demover-se amplamente. isto um fato, no? Se desejo ir a Banaras, no posso estar amarrado, presonum quarto; preciso sair do quarto e dirigir-me para l. De maneira semelhante, vossa mente est agorapresa e dizeis que estais a buscar; mas eu digo que no podeis buscar nem investigar, com a mente presa- e isso um fato que todos reconheceis. Porque ento r no se liberta a mente? Se ela no o fizer,como poderemos, vs e eu, investigar juntos? E esta a nossa dificuldade, no achais, senhores?

    INTERPELANTE:Enquanto existirem igrejas e templos, ser difcil nos libertarmos.

    KRISHNAMURTI: Senhor, quem foi que criou as igrejas e os templos? Homens iguais a vs e a mim.

    INTERPELANTE:Eles eram diferentes de mim, diferentes de ns.

    KRISHNAMURTI: Vs e eu podemos no ter criado um templo externo, mas temos nossos templosinteriores.

    INTERPELANTE:Esta uma concepo alta demais. possvel a qualquer ente humano buscaro "eu" interior?

    KRISHNAMURTI: Parece que no nos estamos entendendo bem, infelizmente. No se trata debuscar o "eu" interior. Estou dizendo que no h busca nenhuma, quando h apego a qualquer frmula,qualquer experincia, qualquer espcie de conhecimento. Isto to bvio! Se pensais de acordo com o

  • catolicismo, o protestantismo, o budismo ou o hindusmo, vossa mente, claro, incapaz deinvestigao. Ao perceberdes tal fato, porque to difcil mente abandonar o seu apego e comear ainvestigar? Estais aqui a escutar, tentando descobrir, tentando investigar, e eu vos digo que no podeisinvestigar se existe qualquer espcie de apego, isto , se a mente se acha escravizada a qualquerconcluso, qualquer frmula, qualquer espcie de conhecimento ou experincia. Concordais que isso perfeitamente verdadeiro e no entanto no dizeis: "Vou abandonar todo apego" - e isso indica,realmente, que no sois srios, no verdade? Podeis dizer que sois srios, mas eu vos digo que estapalavra no tem valor nem significao enquanto a mente se acha atada. Podeis erguer-vos s quatrohoras da madrugada, para meditar; podeis controlar vossas palavras, vossos gestos, executar todos ospreceitos disciplinares, pensando serdes muito srio - mas eu digo que tudo isso so meras prticassuperficiais. A mente sria aquela que, cnscia de sua escravido, dela se liberta e comea a investigar.

    INTERPELANTE:Qual o meio de quebrar o apego a uma concluso?

    KRISHNAMURTI: Senhor, existe algum meio? Se existe, ficais apegado ao meio (risos). Vejo-vosrir, e esta uma maneira de nos livrarmos de uma questo; mas isso no foi um simples dito espirituoso.Senhores, a liberdade no est implcita na investigao? Eis porque a liberdade est no comeo, e nono fim. Quando dizeis: "Preciso submeter-me a todas estas disciplinas, a fim de me tornar livre", isso omesmo que dizer: "Conhecerei o estado de sobriedade, depois de me embebedar". Certo, a investigaos possvel em liberdade. A liberdade, portanto, deve estar no comeo, e enquanto ela no existir,embora o que fizerdes possa ser, social e convencionalmente, uma coisa satisfatria, essa coisa destituda de significao. Ter um certo valor para as pessoas que desejam sentir-se em segurana, masno tem o valor do descobrimento. Ainda que tais pessoas se levantem muito cedo para submeter-se atodos os rigores da disciplina, eu digo que essas pessoas no so srias. A seriedade est nopercebimento de que a mente est amarrada a uma experincia, uma crena, e no libertar-se dessaexperincia ou crena coisa que no desejais fazer. No importa, pois, investigar isso? Do contrrio,vireis aqui diariamente, todos os anos, e ficareis apenas escutando palavras, que tero muito poucasignificao.

    INTERPELANTE:Dizeis que a liberdade precede investigao, mas desejamos investigar o que liberdade.

    KRISHNAMURTI: Senhor, como se pode investigar com a mente presa? Isto um simples enunciadode razo comum, senso comum. Se vosso guru diz: "este o caminho", e ficais preso a isso, comopodeis olhar mais longe? Procurais o guru com o fim de investigar - e vos deixais prender pelas suaspalavras, hipnotizar pela sua personalidade, e acabais emaranhado nas coisas que ele preconiza. Vossoimpulso primitivo de investigar, mas esse impulso est baseado no desejo de achardes uma esperanaou satisfao, ou seja o que for. Por isso, digo que, para investigar h necessidade, em primeiro lugar, deliberdade. Estou mudando a direo do vosso processo de pensar, que evidentemente falso, ainda queos livros sagrados digam o contrrio.

    INTERPELANTE:Que vir aps a investigao?

    KRISHNAMURTI: A est uma pergunta puramente intelectual, se me permitis diz-lo. No estaisvendo? Desejais saber o que acontecer "depois", e isso de ordem terica. A mente se apraz em

  • fabricar palavras, especular. Eu respondo: vs o descobrireis. - o mesmo que um prisioneiroperguntar: "Como h de ser, depois que eu sair da priso?" Para sab-lo, ele ter de deixar a priso.

    INTERPELANTE:Os que estamos sentados aqui, neste salo, somos aderentes de vrios cultos,credos e crenas, e estamos escutando o que estais dizendo, muito embora no o estejamoscompreendendo realmente. O que dizeis novo para a maioria de ns, nunca o ouvimos antes, econquanto sejam sons agradveis aos nossos ouvidos, somos incapazes de compreend-lo. Que que faz as pessoas ficarem sentadas e quietas durante unia hora inteira, a escutar com toda aseriedade coisas que esto fora de seu alcance? Isso, em si, no uma forma de investigao,significando que a mente no se acha de fato presa a uma concluso? Se a mente estivesse presaa uma concluso, no haveria esse desejo de encontrar um modo de vida diferente, e estaspessoas no viriam aqui ou, pura e simplesmente, tapariam os ouvidos. No entanto, elas vm eficam a escutar-vos com muito interesse. No indica isso uma certa liberdade, para investigar?

    KRISHNAMURTI: Que que vos est fazendo escutar, senhores? Que vos faz ouvir a algum quediz coisas completamente contrrias a tudo o que credes e a tudo o que vos caro? suapersonalidade, sua fama, a propaganda espalhafatosa, o barulho que se faz ao redor dele? isso quevos faz escutar? Se , ento o vosso escutar tem muito pouca significao. Que , pois, que vos estfazendo escutar? Talvez seja o fato de vos verdes em presena de algo que acontece ser verdadeiro, eapesar de vos achardes presos, no podeis deixar de escut-lo; todavia, retornareis ao vosso estadocondicionado. isso que vos est fazendo escutar? Ou estais escutando realmente? Entendeis? Estaisescutando realmente, ou acontece que j vos habituastes a ficar sentados e quietos, quando algum fala,porque gostais de ser prelecionados?

    Estas no so perguntas vs. Eu estou realmente procurando averiguar por que razo, quando se dizuma coisa verdadeira, no h reao imediata. Esta a verdadeira pergunta que estou fazendo. Dizeis,ou eu digo, que no pode haver investigao sem liberdade, o que, evidentemente, verdadeiro; umfato, no importa quem seja a pessoa que o enuncia. Ora, por que razo esse fato no produz umareao imediata, incisiva? Ou tem esse fato uma certa ao misteriosa, peculiar, que no podeexteriorizar-se imediatamente? Algum expressou o fato de que, para a investigao, necessria aliberdade, no se pode estar amarrado - e vs escutastes esse fato. Ainda que o tenhais escutadoparcialmente, apenas, o fato lanou razes na vossa mente, porque tem uma certa vitalidade; a sementebrotar, no dentro de um certo perodo, mas brotar, e talvez por isso seja importante prestar ouvidosaos fatos, no importa se voluntariamente, conscientemente, ou se apenas distraidamente. Mas tal ,justamente, o carter da propaganda. Repete-se constantemente: "Compre tal sabonete"... e acabaiscomprando. isto que est acontecendo aqui? Se ouvis repetir constantemente um certo fato e dentrode certo tempo comeais a proceder de acordo com o fato, esse procedimento completamentediferente da ao prpria do fato.

    Senhores, so horas de parar. No vos pedirei refletir sobre estas coisas, porque apenas refletir sobreelas sem significao; mas se desejais realmente investigar a fundo este problema do buscar e o quesignifica "ser srio", neste caso a mente ter de descobrir a maneira de investigar, e descobrir o que investigao. Qualquer suposio, qualquer concluso, qualquer apego ao conhecimento ou experincia, um empecilho investigao. Enquanto a mente est presa a uma certa concluso, todainvestigao representa uma luta ingente, um processo de esforo, atrito, ruptura. Mas se a mentepercebe que s pode haver investigao quando h liberdade, tem ento a investigao um significadotodo diferente. Se se percebe isso claramente, nunca mais se ser escravo de nenhum guru, nenhuma

  • frmula, nenhuma crena. Ento vs e eu podemos combinar as nossas investigaes e, como resultadodisso, cooperar, agir, viver. Mas enquanto a nossa mente estiver presa, ter de haver "vosso caminho" e"meu caminho", "vossa opinio" e "minha opinio", "vossa senda" e "minha senda", e todas as demaisdivises e subdivises que se pem entre um homem e outro homem.[sumrio]

    3a. Conferncia em Benares

    25 de dezembro de 1955

    SERIA interessante e proveitoso examinarmos nesta tarde a questo relativa ao fator de deterioraoda mente. Quando jovens, somos muito zelosos, temos tantas idias entusisticas, revolucionrias, masem geral acabamos enredados numa dada atividade e, lentamente, nos esgotamos. Vemos issoacontecer ao redor de ns e dentro de ns mesmos; e possvel deter esse processo de deteriorao,que constitui sem dvida um dos nossos problemas principais? Se ao capitalismo ou ao socialismo, esquerda ou direita, que cabe organizar o bem-estar mundial - agora, que a produo imensa - nome parece ser esse o problema. Penso que o problema muito mais profundo, e o problema este:pode-se libertar a mente, de maneira que ela permanea livre para sempre e, por conseguinte, no maissujeita deteriorao?

    No sei se j pensastes neste problema, ou se j tendes observado como a pouco e pouco se esgota avitalidade, o vigor, a vivacidade da nossa mente e ela se torna, gradualmente, um instrumento de hbitose crenas mecnicos, um complexo de rotina e repetio. Se realmente temos pensado a este respeito,devemos ver que isso um problema, para a maioria de ns. Quando vamos envelhecendo, o peso dopassado, a carga das coisas lembradas, das esperanas, das frustraes, dos temores, tudo parececercar e fechar a mente e dela nunca nos vm coisas novas, mas s repeties, um sentimento deansiedade, uma perptua fuga de si mesmo e, por fim, o desejo de encontrar alvio de alguma espcie,um pouco de paz, um Deus que nos satisfaa completamente. Ora, se pudssemos examinar bem estaquesto, acho que seria muito proveitoso. Pode a mente ser libertada de todo esse processo dedeteriorao e ultrapassar a si mesma, no de maneira misteriosa ou miraculosa, no amanh ou noutradata futura, mas imediatamente, instantaneamente? Esse descobrimento pode ser funo da meditao.Porque , pois, que nossa mente se deteriora? Porque que nada existe de original em ns, que tudo oque sabemos mera repetio, que nunca h constncia de criao? Estes so os fatos, no verdade?Que que causa essa deteriorao, e pode a mente det-la? Iremos debater a este respeito, dentro empouco, e espero tomeis parte na discusso.

    A mim bem bvio que existir necessariamente deteriorao, enquanto houver esforo. E pode-seobservar que nossa vida est toda baseada no esforo - esforo para aprender, adquirir, reter, seralguma coisa ou renunciar ao que somos e virmos a ser outra coisa. Haver sempre esta luta de ser ouvir a ser, consciente ou inconscientemente, voluntariamente ou sob o impulso de desejos ocultos; e estaluta no a causa principal da deteriorao da mente?

  • Como disse, ns vamos debater esta questo, depois de eu dizer mais umas palavras, e peo-vosportanto no fiqueis apenas a ouvir palavras. Estamos tentando descobrir juntos por que razo a ondade deteriorao est sempre a perseguir-nos. Sei que existe o problema imediato da alimentao, dovestir e morar, mas acho que temos de considerar este problema de um ngulo diferente, se queremosresolv-lo; e mesmo queles de ns que tm o suficiente para comer e vestir e tm onde morar,apresenta-se outro problema que muito mais profundo. Observa-se no mundo tanto a existncia daextrema tirania como de uma liberdade relativa e se s nos interessasse a distribuio universal dosalimentos e outros produtos, ento talvez a tirania absoluta pudesse ser til. Mas nesse processo sedestruiria a possibilidade de desenvolvimento criador do homem; e, se o que nos interessa o homemtotal e no unicamente o problema social e econmico, neste caso acho que tem de surgirinevitavelmente uma questo muito mais fundamental. Porque existe este processo de deteriorao, estaincapacidade de descobrir o novo, no no terreno cientfico, mas dentro de ns mesmos? Por que razono somos criadores?

    Se observardes o que est sucedendo, seja aqui, seja na Europa ou Amrica, devereis perceber quequase todos estamos imitando, conformando-nos, obedecendo ao passado, tradio, e comoindivduos jamais descobrimos, profundamente, fundamentalmente, coisa alguma por ns mesmos.Vivemos como mquinas, de onde nos advm um certo sentimento de desdita, no verdade? No seise realmente investigastes isto, mas parece-me que uma das causas principais desse conformismo odesejo de nos sentirmos interiormente seguros. Para se estar em segurana, psicologicamente, tem dehaver separao, e para se estar separado necessita-se de esforo, esforo para ser algo; e esse podeser um dos fatores que est impedindo o descobrimento de qualquer coisa nova, por parte de cada umde ns. Podemos discutir este ponto?

    (Pausa)

    MUITO BEM, senhores, vamos expressar o problema de maneira diferente. V-se que a meditao necessria, uma vez que, por meio da meditao, se podem descobrir muitas coisas. A meditaoabre-nos a porta a experincias extraordinrias, tanto fantasiosas como reais; e estamos sempre aindagar como se medita, no verdade? Os mais de ns lemos livros que prescrevem um sistema demeditao, ou recorremos a um certo instrutor para que nos ensine a meditar. Mas ns, aqui, queremossaber, no como meditar mas o que meditao; e a prpria investigao para saber o que meditao, meditao. Entretanto, nossa mente deseja saber como meditar e, desse modo, facilita-se adeteriorao.

    Se o pensamento capaz de investigar com muita profundeza e de desnudar-se diante de si mesmo, semprocurar corrigir, mas sempre vigilante a fim de descobrir sem condenar, mas sempre examinando ascoisas muito atentamente, ento, esse estado mental pode chamar-se meditao. E essa mente, sendolivre, capaz de descobrimentos. Para ela no existe deteriorao, porque nunca h acumulao. Mas amente que diz: "Ensina-me como tornar-me tranqila, como chegar l, e me esforarei para seguir omtodo que indicardes" - essa mente, bem bvio, imitativa, sem audcia e, por conseguinte, estprovocando a prpria deteriorao.

    Aos mais de ns s interessa o coma, que um meio de certeza, segurana. O como - por mais nobre,por mais exigente, por mais disciplinador que seja - s nos pode levar ao conformismo. A mente quequer ajustar-se pelos seus prprios esforos torna-se escrava de um mtodo, perdendo, por

  • conseguinte, a extraordinria capacidade de descobrimento. E se no houver o descobrimento, em vsmesmo, de algo original, novo, no contaminado, ainda que tenhais a mais perfeita organizao paraproduzir e distribuir os meios de satisfazer as necessidades fsicas, continuareis a ser igual a umamquina. Por conseguinte, este problema vos concerne, no? Pode a mente, to mecanizada que est,to dominada pelo hbito, pelo passado, libertar-se do passado e descobrir o novo, chamai-o Deus oucomo quiserdes? Podemos discutir sobre isto?

    (Pausa)

    SENHORES, este problema novo para vs, ou acaso nunca pensastes nestas coisas por estamaneira? Mais uma vez vou expressar o problema de modo diferente.

    Sois bem versados no Upanishads, no Gita, na Bblia, estais bem familiarizados com a filosofia dohindusmo, do cristianismo, do comunismo, etc.. Estas filosofias, estas religies, muito evidentemente noresolveram o problema humano. Se dizeis: "O problema humano no foi resolvido, porque no temosseguido estritamente os preceitos do Gita" - a resposta bvia que se pode dar que, seguir qualquerautoridade, por mais nobre ou tirnica que ela seja, torna a mente mecanizada, sem originalidade, tal qualum disco de gramofone, que s capaz de repetir e repetir e repetir; e em tal estado no se pode serfeliz.

    Agora, conhecedores deste fato, de que maneira vos lanareis ao descobrimento do Real, por vsmesmos? Compreendeis, senhores Deus, a Verdade, ou o que quer que seja, tem de ser uma coisatotalmente nova, uma coisa fora do tempo, fora da memria, no achais No pode ser uma coisalembrada, do passado, uma coisa que foi dita ou conjeturada, criada pela mente. E como ireis descobriressa coisa? Certamente, ela s pode ser descoberta quando a mente est livre do passado, quando amente deixa de criar imagens, smbolos. Quando a mente formula imagens, smbolos, no isso umautntico fator de deteriorao? provvel seja isso o que est acontecendo na ndia, bem como noresto do mundo.

    Est claro o problema? Ou isso no problema para vs?

    Debates

    INTERPELANTE:A mente no pode transcender suas prprias e passadas experincias.

    INTERPELANTE:Quando a mente est condicionada...

    KRISHNAMURTI: Perdo, aquele senhor fez uma pergunta.

  • INTERPELANTE:Foi uma pergunta ou uma declarao?

    KRISHNAMURTI: Provavelmente a inteno era interrogativa. Infelizmente, em geral, tanto nosocupamos com a formulao de uma pergunta ou com nossa prpria maneira de considerar as coisas,que nunca escutamos realmente uns aos outros. Disse este cavalheiro que no possvel a mentelibertar-se do passado. Este problema no nos concerne tanto que a ele?

    INTERPELANTE:Se ele deseja saber como separar-se do passado, isto unia pergunta e nouma declarao.

    KRISHNAMURTI: Perdo, senhor, no estamos aqui para dar uma exibio um "show" de retrica,nem para provar quem tem razo e quem no tem razo. Estamos, verdadeiramente, tentando descobrirpor que motivo a mente nunca descobre nada novo. No nos estamos referindo, por ora, aosespecialistas, tais como cientistas, fsicos, etc., porm a ns mesmos, como entes humanos.

    INTERPELANTE:A propsito da questo suscitada por aquele senhor, sobre se a mente poderejeitar o passado, desejo perguntar o que se entende por "passado".

    KRISHNAMURTI: O passado experincia, memria, conhecimento, a influncia da tradio, aimpresso produzida pelo insulto e pela lisonja, pelos livros que temos lido, pelos risos, e peloespetculo da morte. Tudo isso o passado - tempo.

    INTERPELANTE:Dizeis que a mente est condicionada pelo passado. Mas, acha-se ela torigidamente condicionada pelo passado, que incapaz de investigar mais alm?

    KRISHNAMURTI: Que a mente, senhor? No respondais teoricamente ou de acordo com o quelestes nos livros. Podemos vs e eu descobrir, aqui, nesta tarde, o que a mente?

    INTERPELANTE:A mente produto do passado?

    KRISHNAMURTI: Vossa mente produto do passado? Que entendeis por "passado"?

    INTERPELANTE:Tudo o que existe na minha mente, no presente, vem do passado.

    KRISHNAMURTI: Pode a mente separar-se do passado? Examinemos a mente - no uma menteterica, mas a mente de cada um de ns. Vossa mente o resultado de numerosas influncias, tantocoletivas como individuais, no exato? Vossa mente produto da educao, da alimentao, do clima,de muitos sculos de tradio; ela constituda de vossas crenas, desejos, lembranas, das coisas quelestes, etc. Isso a mente, pois no, senhor? A mente consciente que opera todos os dias, e a mente que

  • se acha num nvel profundo, oculto - todas duas so resultados do passado. At onde possvelenxergar, todo o territrio da mente resultado do passado. Podeis crer que h Deus ou que no hDeus, podeis pensar que existe um "eu superior" e um "eu inferior", etc.; mas tudo isso resultado devossa educao, vosso condicionamento, a que significa que vossa mente resultado do passado, noachais? E essa mesma mente quer encontrar algo que seja novo. Diz ela: "Tenho de saber o que Deus,o que a Verdade". No isto que estamos fazendo, senhoras e senhores? E eu digo que isso impossvel, uma contradio.

    INTERPELANTE:Parece-me que a maioria das pessoas, pouco se est importando com Deus.Todos estamos interessados nos problemas da vida.

    KRISHNAMURTI: E da resulta que existe antagonismo, animosidade, frustrao, nsia de poder,posio, prestgio; porque outro possui o que cobiais, vos sentis invejoso, etc. Estes so problemas davida, no? Desejar ser amado, desejar mais dinheiro, desejar melhorar as condies de vida em nossaaldeia, por este ou aquele sistema, ter uma crena ou um ideal, em contradio com a existncia de cadadia - sendo preciso lanar uma ponte entre o fato e o ideal - tudo isso a vida.

    INTERPELANTE:Mas a vida tambm algo mais. Se sou professor, desejo ensinar melhor.

    KRISHNAMURTI: E isso redunda na mesma coisa. Tudo isso so problemas da vida, e quandotentamos resolver qualquer um deles, esbarramos na questo principal. Dizeis que desejais ensinarmelhor, pensar melhor, viver uma vida mais plena, etc. Que entendeis por "pensar melhor"? umprocesso de aquisio de mais conhecimentos? Como podeis saber o que "melhor"?

    INTERPELANTE:Pensando profundamente.

    KRISHNAMURTI: Que significa "pensar profundamente'? E que significa "pensar"? Se no sabeis oque pensar, no podeis pensar profundamente. Que pensar? Fazei-me o favor de dizer o que pensar.

    INTERPELANTE:Pensar o processo de suscitar associaes sucessivas.

    KRISHNAMURTI: Pergunto-vos o que "pensar", e se observardes a vossa mente, vereis comoestais "reagindo" a esta pergunta; e isso que pensar, no ? Entendeis o que estou dizendo?

    INTERPELANTE:Est tcnico demais.

    KRISHNAMURTI: Observai-vos, e vereis. Fao-vos uma pergunta: "O que pensar?"

    INTERPELANTE:Perguntar o que e a mente e perguntar o que pensar, a mesma coisa.

  • KRISHNAMURTI: Eu quero saber o que pensar. Ora, qual o processo que entra emfuncionamento, dentro em vs, em virtude desta pergunta?

    INTERPELANTE:Quando queremos observar o pensar, a mente se imobiliza. No se temresposta alguma.

    INTERPELANTE:O pensamento uma coisa to espontnea, que no sabemos o que .

    KRISHNAMURTI: Estou perguntando uma coisa: "Que pensar?" Ora, que faz a vossa mente,quando se vos apresenta esta pergunta? No desejais saber como opera a vossa mente? Que acontecequando a mente se v em presena de uma pergunta desta natureza? Por um instante, a mente hesita,porque provavelmente nunca pensou nisso, anteriormente; depois, d uma busca pelo depsito damemria, e diz "Vejamos: o Upanishads diz isto, a Bblia diz aquilo. Bertrand Russell diz aquiloutro, e eu- que penso?" Assim sendo, procurais uma resposta no passado, no verdade?

    INTERPELANTE:No estamos pensando em Bertrand Russell.

    KRISHNAMURTI: provvel que no; mas esta que a verdadeira operao da vossa mente,quanto se vos faz uma pergunta. Se se vos pergunta sobre uma questo com que vossa mente est bemfamiliarizada, a resposta imediata. Se algum vos pergunta onde morais, respondeis imediatamente,porque isso vos familiar, uma associao constante. Mas se se vos faz uma pergunta estranha, vossamente hesita, e esta hesitao indica que estais a procurar a resposta, no? E onde procurais a resposta?Na memria, bvio. Vosso pensar, portanto, reao da memria. No ?

    INTERPELANTE:Significa isso que uma pessoa que perdeu a memria, incapaz de pensar?

    KRISHNAMURTI: O esquecimento completo chama-se amnsia, e uma pessoa que se acha nesseestado tem de aprender tudo de novo.

    INTERPELANTE:A memria coisa boa ou m!

    KRISHNAMURTI: Se no soubsseis onde vossa residncia, que fareis? Se ignorsseis o nome darua que conduz vossa casa, isso seria bom ou mau?

    Estamos averiguando, senhor, o que pensar. Para ns, em geral, pensar reao da memria, no?Porque sei onde moro, respondo prontamente quando mo perguntam; e quando se me faz uma perguntamais sutil, procuro na minha memria uma resposta. Mas a memria experincia de sculos e, por isso,a minha resposta, inevitavelmente, tem de ser condicionada. Isto, certamente, bastante bvio.

  • Senhor, se sois hindusta e eu vos perguntar se h reencarnao, vossa reao instintiva de dizer queh, e esta reao se baseia na influncia de vossos pais, vossos livros sagrados e o meio que voscircunda. Respondeis de acordo com o que vos ensinaram; vosso pensar resultado de influncia e,portanto, est evidentemente condicionado. Agora, perguntamos a ns mesmos, pode a mentedissociar-se do passado e descobrir o que verdadeiro?

    INTERPELANTE:Pareceis descrever a mente como uma coleo de experincias passadas, eacho que todos concordamos com isso; mas agora perguntais se a mente pode dissociar-se delas.Que significa isto?

    KRISHNAMURTI: Estais perguntando a mim ou a vs mesmo?

    INTERPELANTE:Pergunto-o a mim mesmo e a vs tambm.

    KRISHNAMURTI: Antes assim. Estais perguntando a vs mesmo e no a mim. A mente resultadodo tempo, e pode essa mente, em algum tempo, descobrir qualquer coisa nova, que deve sernecessariamente atemporal? Compreendeis minha pergunta, senhor? Percebo que minha mente 'constituda do passado; entretanto, ela o nico instrumento capaz de observar e descobrir. Que deveela ento fazer? No h nenhum outro instrumento de descobrimento; mas o instrumento que temos - amente - resultado do passado; isto um fato e no h negao nem discusso que possa influir nessefato. E pode essa mente, em algum tempo, descobrir qualquer coisa nova? Ou o conhecido, que opassado - embora eu possa estar inconsciente dele - continuar sempre, de modo que s pode haveruma continuidade do conhecido, sob formas diferentes? Se a mente em tempo algum pode experimentaro desconhecido, - o que quer que ele seja - tratemos ento de modificar o conhecido, embelez-lo,poli-lo, acumular mais conhecimentos, porm mantendo-nos sempre dentro do territrio da mente, doconhecido. Estais seguindo, senhor? Esta suposio de que a mente se acha numa situao irremedivel,de que nunca pode sair de seu prprio territrio, porque ela resultado do conhecido, essa suposiobem pode ser o verdadeiro fator de deteriorao. Entendeis o que quero dizer? Se admitis isso, ento bvio que precisais estar sempre polindo a mente, arrumando-a, disciplinando-a, enchendo-a deconhecimentos, etc. No tendes ento problema algum, porque estais vivendo na esfera do conhecido.Mas, no instante em que comeais a investigar o desconhecido, surge-vos o problema, no verdade,senhor?

    INTERPELANTE:Comeastes perguntando o que pensar. A mim me parece que o pensar estsempre em relao com alguma coisa, no havendo "pensar puro".

    KRISHNAMURTI: Pensar reao a desafio, no ? No h pensar isolado. s quando h umdesafio, que reagis. Mesmo se estais a pensar, recolhido em vosso quarto de dormir, aonde no vosvem nenhum desafio do exterior, o pensar ainda reao a um desafio procedente de dentro de vsmesmo. Existe esta constante relao de desafio e reao, e visto que reagis de acordo com vossascrenas, vossa educao ou criao, etc., vossa resposta ou reao sempre limitada, poucosignificativa. Estamos agora investigando onde que o pensamento cessa e surge uma coisa nova, queno pensar.

  • INTERPELANTE:Estais perguntando onde o pensamento acaba e a meditao comea.

    KRISHNAMURTI: Exatamente, senhor. Onde acaba o pensamento? Um momento. Eu estouindagando o que pensar, e digo que essa prpria indagao meditao. Isto no quer dizer queprimeiro o pensar se acaba e depois comea a meditao. Acompanhai-me, senhoras e senhores, passoa passo. Se eu puder descobrir o que pensar, nesse caso nunca terei de perguntar como se medita,porque no prprio processo de indagar, investigar o que pensar, est a meditao. Mas isto significaque tenho de dispensar toda a ateno ao problema, e no meramente concentrar-me nele, o que umaforma de distrao. No sei se me estou explicando bem.

    Quando procuro descobrir o que pensar, tenho de prestar toda a ateno, ateno em que no podehaver esforo nem atrito, porque no esforo, no atrito, h distrao. Se estou realmente interessado emdescobrir o que pensar, este prprio investigar produz uma ateno, sem desvio, sem conflito, sem osentimento de que devo prestar ateno.

    Que , pois, pensar? Pensar - vejo-o - reao da memria, no importa em que nvel - consciente ouinconsciente; ele sempre reao procedente daquela esfera da mente constituda pelo conhecido;passado. A mente percebe isso como um fato. Depois, pergunta a si mesma se todo pensar meramenteverbal, simblico, reao do passado; ou existe pensamento sem palavras, sem o passado?

    Ora, possvel averiguar se h alguma atividade da mente, no contaminada pelo passado? Estaiscompreendendo, senhores? Estou investigando, no estou supondo nada. A mente percebe que elaprpria resultado do passado e pergunta a si mesma se lhe possvel libertar-se do passado. Se amente responde desta ou daquela maneira, se diz que possvel ou que no possvel, tal suposio,nesse caso, resultado do passado, no ? Por favor, acompanhai-me, passo a passo, e vereis. Amente est cnscia de ser resultado do passado; est perguntando se pode libertar-se do passado; epercebe que qualquer suposio de que pode ou de que no pode libertar-se, produto do passado.Qual pois o estado da mente dissociada do passado, da mente que nada supe?

    INTERPELANTE:J no a mente - a mente limitada que conhecemos.

    KRISHNAMURTI: No chegamos ainda a. Precisamos ir de vagar.

    INTERPELANTE:A questo : Quem que pensa?

    KRISHNAMURTI: Ns sabemos quem pensa, senhor. A mente se dividiu em pensador e pensamento- mas continua a ser "a mente", claro. Todo esse processo de separao de pensador e pensamentocontinua no territrio da mente que resultado do tempo, do passado. E a mente pergunta agora a simesma se se pode libertar do passado.

    INTERPELANTE:Se ns, que vos escutamos, duvidamos da verdade do que estais dizendo,

  • nosso antigo condicionamento continuar a existir. Se, por outro lado, temos f no que estaisdizendo, nossa mente estar de novo condicionada por isso, pelo que dizeis.

    KRISHNAMURTI: No vos estou pedindo que tenhais f. Estou apenas observando o funcionamentode minha mente e espero estejais fazendo a mesma coisa. Estamos a observar o funcionamento da mentee a descobrir os seus processos. isso o que todos estamos fazendo, - o que no significa que devemosou no devemos ter f. Estamos procurando descobrir como nossa mente opera - e isto meditao.

    INTERPELANTE:Como que o cientista descobre algo novo?

    KRISHNAMURTI: Se vs e eu fssemos cientistas, poderamos conversar a este respeito; mas nosomos cientistas, somos indivduos comuns e estamos tentando investigar se a mente capaz dedescobrir alguma coisa nova. Qual o processo respectivo?

    So horas de pararmos. Posso investigar a questo mais um bocadinho?

    Estou observando o funcionamento da minha mente. S isso. H desafio e reao. A reao invariavelmente de acordo com o meio cultural, os valores, a tradio em que a mente foi criada e que,por ora, chamaremos condicionamento. A mente, percebendo isso, pergunta a si mesma: "Toda reao produto desse condicionamento, ou possvel reao fora dele? Eu no digo que nem que no possvel. A mente s est perguntando, de si para si. Qualquer suposio, de sua parte, de que isso possvel ou impossvel, ainda reao do "fundo". Isto est claro, no? Portanto, a mente s pode dizer"No sei". Esta a nica resposta adequada pergunta sobre se a mente pode libertar-se do passado.

    Agora, quando dizeis "no sei", em que nvel, em que profundidade o dizeis? Trata-se, apenas, de umadeclarao verbal ou a totalidade do vosso ser que est dizendo "No sei"? Se todo o vosso ser diz,genuinamente: "No sei" - isso significa que j no estais recorrendo memria para encontrar aresposta. No est ento a mente livre do passado? E tal processo de investigao no meditao? Ameditao no um processo de aprender a meditar; ela a prpria investigao sobre "o que meditao". Para investigar o que meditao, a mente tem de libertar-se de tudo o gire aprendeu sobrea meditao; e a libertao da mente, das coisas que aprendeu, o comeo da meditao.[sumrio]

    CONFERNCIAS EM MADRASTA1a. Conferncia em Madrasta

    11 de janeiro de 1956

  • QUANDO se observa o mundo e principalmente as condies reinantes neste pas, deve tornar-seevidente a cada um de ns a necessidade de uma revoluo fundamental. Empregando esta palavra, nome refiro reforma superficial, reforma de remendos, nem revoluo instigada por um certo padrode pensamento, depois de devidamente calculados os riscos e possibilidades; refiro-me, sim, revoluoque s pode realizar-se no nvel mais elevado, ao comearmos a compreender o significado de nossamente. Se no se compreende essa questo fundamental, acho que qualquer reforma, em qualquer nvele por mais benfica que seja, temporariamente, levar fatalmente a maiores sofrimentos, a um caos maiorainda.

    Penso necessrio compreender claramente este ponto, a fim de que se estabelea um certo contato entreo orador e vs mesmos; pois maioria de ns s interessa uma certa espcie de reforma social.Observa-se uma proporo colossal de pobreza, ignorncia, medo, superstio, idolatria - a vrepetio de palavras, que se chama orao e, ao mesmo tempo, uma enorme acumulao deconhecimento cientfico, assim como o chamado conhecimento colhido nos livros sagrados. No seprecisa visitar muitos pases, para se ver tudo isso; pode-se observ-lo, percorrendo as ruas, aqui, naEuropa, ou na Amrica. Os meios de satisfao das necessidades fsicas podem ser abundantes naAmrica, onde impera o materialismo e onde se pode comprar de tudo; mas, visitando-se este nossopas, encontra-se esta desumana misria. E h tambm a luta de classes - no emprego a expresso "lutade classes" no sentido comunista, mas to somente para constatar um fato, sem interpret-lo de qualquermaneira que seja. V-se a diviso das religies - cristos, hindustas, maometanos, budistas, e suasmltiplas subdivises - todas a bradar, para converter, ou mostrar um "caminho" diferente, uma viadiferente. A mquina tornou possveis verdadeiros milagres na produo de utilidades, principalmente naAmrica; finas, aqui na ndia tudo limitado, escasso. Neste pas, onde tanto se fala de Deus, onde tantose reza e se celebram rituais, etc., somos to materialistas como os ocidentais, com a s diferena determos feito da pobreza virtude, um mal necessrio e tolervel.

    Em vista desse to altamente complexo padro de riqueza e pobreza, de governos soberanos, exrcitose os mais recentes instrumentos de destruio em massa, ficamos a perguntar-nos o que ir resultar destecaos, aonde ele nos levar. Qual a resposta? Acho que qualquer pessoa verdadeiramente sria, j terfeito a si mesma esta pergunta. Como iremos, como indivduos e como grupos, ocupar-nos com esteproblema? Achando-nos confusos, voltamos, os mais de ns, a ateno para um dado padro, religiosoou social, procuramos amparar-nos nalgum guia, para sairmos deste caos, ou encarecemos anecessidade de voltar s velhas tradies. Dizemos: "Retornemos ao que nos ensinaram os rishis e quese encontra no Upanishads, no Gita; necessitamos de mais oraes, mais rituais, mais gurus, maismestres". isto que realmente est acontecendo, no?

    Observa-se no mundo, simultaneamente, desenfreada tirania e relativa liberdade. Agora, considerandoeste catico espetculo - no filosoficamente, no como mero observador dos acontecimentos, mascomo ente humano em que se acha desperto o sentimento de piedade, o germe da compaixo, como ocaso de todos vs, estou bem certo - considerando este espetculo, como reagis? Qual a nossaresponsabilidade perante a sociedade? Ou de tal maneira estamos presos na engrenagem da sociedade;no tradicional padro implantado por determinada cultura, ocidental ou oriental, que estamos cegos? Ese abris os olhos, interessam-vos apenas as reformas sociais, a ao poltica, o ajustamento econmico?A soluo deste enorme e complexo problema s se encontra nesta direo, ou noutra direocompletamente diferente? O problema meramente econmico e social? Ou existe caos e a constanteameaa de guerra porque no estamos, em geral, verdadeiramente interessados rios problemas mais

  • profundos da vida, no desenvolvimento total do homem? A culpa de nosso sistema educativo?Superficialmente, somos educados para aprender certas tcnicas, o que produz sua peculiar cultura, eparece que isso nos satisfaz.

    Ora, observando-se este estado de coisas, do qual estou bem certo estais perfeitamente cnscios, amenos que sejais insensveis ou no queirais ver - qual a vossa reao? Por favor, no respondaisteoricamente, de acordo com o padro comunista, capitalista, hindusta, ou outro qualquer, pois talpadro vos foi imposto e portanto inverdadeiro, mas, ao invs, despojai a vossa mente de todas assuas reaes imediatas, das chamadas reaes "estudadas", e verificai qual a vossa reao comoindivduo. De que maneira resolvereis este problema?

    Se fazeis esta pergunta a um comunista, ele dar uma resposta muito positiva, e do mesmo modoproceder o catlico, ou o hindusta ortodoxo, ou o muulmano; mas essas respostas, obviamente, socondicionadas. Eles foram educados para pensar dentro de certas rotinas, amplas ou estreitas, por umasociedade ou cultura a que no interessa absolutamente o desenvolvimento total do esprito; e uma vezque respondem de acordo com seu pensar condicionado, suas respostas so inevitavelmentecontraditrias e, portanto, no deixaro de criar, sempre, inimizade, o que tambm me parece bastantebvio. Se sois hindusta, cristo, ou o que quer que seja, vossa resposta tem de correspondernecessariamente ao vosso fundo condicionado, o meio cultural em que fostes educado. O problema estfora do terreno de todas as culturas ou civilizaes, fora de todo e qualquer padro e, todavia,procuramos a resposta em conformidade com determinado padro, resultando, da, confuso semprecrescente e sofrimentos maiores ainda. Nessas condies, a menos que ocorra uma libertaofundamental de todo condicionamento, uma ruptura completa das muralhas, bem evidente quecriaremos mais caos, por mais bem intencionados e por mais religiosos que sejamos.

    A mim me parece que o problema se encontra num nvel completamente diferente, e, com acompreenso dele, penso que seremos capazes de promover uma ao toda diferente da do padrosocialista, capitalista ou comunista. A meu ver, o problema consiste em compreender as atividades damente; porque, a menos que sejamos capazes de observar e compreender, em ns mesmos, o processodo pensamento, no h liberdade e, portanto, no se pode ir muito longe. Com a maioria de nsacontece que a mente no est livre, pois se acha, consciente ou inconscientemente, ligada a algumaforma de conhecimento, a inumerveis crenas, experincias, dogmas e como pode ser capaz dedescobrimento uma mente nessas condies, como pode ser capaz de achar algo novo?

    Todo desafio requer, evidentemente, uma reao nova, porque o problema hoje completamentediferente do que ontem foi. Qualquer problema sempre novo, pois est a modificar-se continuamente.Todo desafio requer reao nova, e no pode haver reao nova, se a mente no livre. A liberdade,pois, est no comeo e no no fim. A revoluo tem de comear, sem dvida, no no nvel cultural,social ou econmico, porm no mais elevado nvel; e o descobrimento do mais elevado nvel que oproblema; descobrimento, e no aceitao do que dizem ser o mais elevado nvel. No sei se me estouexplicando com clareza. Podemos ser informados sobre o que seja o nvel mais alto, por um guru,