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DADOSDECOPYRIGHT
Sobreaobra:
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"Quandoomundoestiverunidonabuscadoconhecimento,enãomaislutandopordinheiroepoder,entãonossasociedadepoderáenfimevoluiraumnovonível."
Traduçãode
FLÁVIOGORDON
1ªedição
2015
CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAFONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ
W456cWeiss,Mitch
CaçandoChe[recursoeletrônico]/MitchWeiss,KevinMaurer;traduçãodeFlávioGordon.-1.ed.-RiodeJaneiro:Record,2016.
recursodigitalTraduçãode:HuntingCheFormato:epubRequisitosdosistema:adobedigitaleditionsMododeacesso:worldwidewebIncluibibliografiaeíndiceISBN978-85-01-10758-9(recursoeletrônico)1.Guevara,Ernesto,1928-1967.2.Guerrilheiros-AméricaLatina.3.Livroseletrônicos.I.Título.
16-30131CDD:920.932242CDU:929:323.22
TextorevisadosegundoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa.
Títulooriginaleminglês:HuntingChe
Copyright©MitchWeisseKevinMaurer,2013
Todososdireitosreservados.Proibidaareprodução,armazenamentooutransmissãodepartesdestelivroatravésdequaisquermeios,sempréviaautorizaçãoporescrito.
DireitosexclusivosdepublicaçãoemlínguaportuguesaparaoBrasiladquiridospelaEDITORARECORDLTDA.RuaArgentina,171-20921-380-RiodeJaneiro,RJ-Tel.:2585-2000,quesereservaapropriedadeliteráriadestatradução.
ProduzidonoBrasil
ISBN978-85-01-10758-9
SejaumleitorpreferencialRecord.Cadastre-seerecebainformaçõessobrenossoslançamentosenossaspromoções.
Atendimentodiretoaoleitor:[email protected](21)2585-2002.
ParaRalph“Pappy”Shelton,umverdadeiropatriota.
“Aboinaverdeestánovamentese tornandoumsímbolodeexcelência,umemblemadecoragem,umamarcadedistinçãonalutaporliberdade.”
JohnF.Kennedy,emcartaendereçadaaoExércitodosEUAemapoioàsForçasEspeciais,1962
SUMÁRIO
NotadoautorListadepersonagens
PARTEI:MUITOSVIETNÃS
Prólogo1.Aemboscada
2.Elpresidente
3.Ojantar
4.Amissãode“Pappy”
5.Ocolapso
6.Orevolucionáriointelectual
7.Bem-vindosàBolívia
8.OshomensnaBolívia
PARTEII:APREPARAÇÃO
9.Osinstrutores
10.179dias
11.“Nãotemoscerteza”
12.Estadodesítio
13.Entrandoemforma
14.“ElenãosairávivodaBolívia”
15.MãoSanta
16.VadodelYeso
17.Paco
18.“Vápegá-lo”
PARTEIII:ZONAVERMELHA
19.“Nósvamosdestruiresseshomens”
20.Che
21.PapaCansado
22.“Arevoluçãonãoéumaaventura”
23.Operações500e600
24.Fimdejogo
25.Desdobramentos
EpílogoPosfácioAgradecimentosReferênciasÍndice
Notadoautor
Esta é a história de um grupo de homens extraordinários que caçou e capturou umdosmais
temíveisrevolucionáriosdoséculoXX.
Oseventosdescritosneste livrobaseiam-se emextensivas entrevistas commembros-chave
daequipedeBoinas-VerdesdesignadaparatreinarosRangersbolivianosparaacaçada,como
oficialresponsávelpelacapturadeErnesto“Che”Guevara,ecomoagentedaCIAenviadopara
recolherinformaçõesparaaunidadeboliviana.
Revisamosmilharesdepáginasdedocumentose fotosdoArquivoNacionaledecoleções
privadas.ExaminamostambémcentenasdenovasmatériasdoNewYorkTimes,doWashingtonPostedaAssociatedPress,entreoutrosveículosdeimprensa.Muitosdospersonagenscentraisda
históriaescreveramsuasprópriasbiografias,usadaspornósparaofereceraoleitorummonólogo
interno,ouajudarnareconstruçãodosdiálogos.
A narrativa pretende contar, partindo do ponto de vista dos instrutores americanos, a
históriadacapturaedaexecuçãodeChe.Emvezdeacrescernotasderodapé,quepoderiam
prejudicar o fluxo narrativo da obra, incluímos uma detalhada bibliografia final, para aqueles
quequiseremseaprofundarnotema.
Comoacontececomoutrashistóriaspopulares,aspessoasestãofamiliarizadascomesta,mas
poucassãoasqueconhecemosdetalhesdebastidores.AcaçadaaChe,decertamaneira,pode
serlidacomoumromancedeespionagemdosanos1960.Eomelhoréqueahistóriaétodaela
verdadeira.
Listadepersonagens
FORÇASESPECIAISDOSEUA
MajorRalph“Pappy”Shelton:LíderdaequipedeBoinas-Verdesquetreinouo2ºBatalhãode
Rangers* em La Esperanza, Bolívia. Nascido em Corinth, Mississipi, fugiu da escola no
primeiroanodoensinomédioparacolheralgodãoerealizartrabalhosvariados,demodoa
contribuir como sustento damãe. Shelton ingressou noExército como soldado raso e se
dedicou a alcançar sua promoção a major. Lutou na Coreia e foi enviado ao Laos e à
RepúblicaDominicana.AmissãonaBolíviafoiasuaúltima.
PRINCIPAISMEMBROSDESUAEQUIPE
CapitãoEdmondFricke:oficial/S-3
CapitãoLeRoyMitchell:oficial/S-3
CapitãoMargaritoCruz:S-2
Primeiro-tenenteHarveyWallender:S-2
SargentoOliverioGómez:sargentodeequipe
SargentoRolandMilliard:sargentodeinteligência
Primeiro-sargentoDanielChapa:sargentodearmasleves
Primeiro-sargentoHectorRivera-Colon:sargentodearmaspesadas
Segundo-sargentoJeraldPeterson:médico
Segundo-sargentoJamesHapka:médico
Segundo-sargentoWendellThompsonJr.:operadorderádio
SargentoAlvinGrahamIII:operadorderádio
OSGUERRILHEIROS
Ernesto “Che” Guevara:médico argentino, abandonou a profissão para ajudar FidelCastro a
derrubar o ditador cubano Fulgencio Batista. Che foi o símbolo carismático e icônico da
RevoluçãoCubana.Comocabelocompridoeabarbadesalinhada,uniformeverdeeboina,
ele pregava uma simplesmensagem: a tarefa de um revolucionário era fazer a revolução.
Finalmente, ele deixou Cuba para espalhar a revolução— primeiro na África, depois na
Bolívia.
PRINCIPAISMEMBROSDAGUERRILHADECHE
(Oprimeironomeéodeguerra,seguidodoverdadeiro)
Joaquín(JuanVitalioAcuñaNúñez):oficial cubano,membrodoComitêCentraldoPartido
ComunistadeCuba.Eraocomandantedaretaguarda.
Tania(TamaraBunkeBide):filhadealemãesnascidanaArgentina,foimandadaparaaBolívia
em 1961 para facilitar a chegada dos guerrilheiros e organizar uma estrutura de suporte
urbano.
Paco(JoséCastilloChávez): comunista boliviano recrutadopara oPartido sobpromessas de
ingressar na universidade emHavana ou emMoscou. Em vez disso, foi recrutado para o
bando guerrilheiro de Che. Depois que sua unidade caiu numa emboscada, ele forneceu
informaçõesedetalhescruciaisquepermitiramaosbolivianosencontrarChe.
Inti(GuidoPeredo):guerrilheiroboliviano,foiumdoscombatentesdeChemaishabilidosose
proficientestaticamente.Trabalhoucomguerrilheirosperuanosantesdese juntaràsforças
deChe.
Camba(OrlandoJiménezBazán):guerrilheirobolivianotreinadoemCuba.
Antonio(OrlandoPantoja):tenentedeCheemSierraMaestra,foichefedaGuardaCosteirae
PortuáriadeCuba.
Arturo (René Martínez Tamayo): capitão do Departamento de Investigação do Exército
Cubano.
Moises(MoisesGuevaraRodríguez):comunistabolivianoelídersindicaldosmineradores.
Ernesto(FreddyMaymura):estudantebolivianodemedicinacursandofaculdadeemCuba.
Braulio(IsraelReyesZayas):veteranocubanodeSierraMaestraedaSegundaFrenteNacional
deEscambray.
Miguel(ManuelHernández):veteranodacampanhadeSierraMaestracomChe.
Chino(JuanPabloChangNavarro):líderdoPartidoComunistaPeruano.
Coco(RobertoPeredoLeigue):bolivianoquecomprouafazendaNancahuazu.
Julio (Mario Gutiérrez Ardaya): estudante boliviano de medicina cursando faculdade em
Cuba.
Pacho(AlbertoFernándezMontesdeOca):velhoamigodeCheediretorcubanodeminas.
EntrounaBolíviacompassaporteepseudônimouruguaios:AntonioGarrido.
Willy(SimeónCuba):guerrilheirobolivianoquefoicapturadocomChepertodeLaHiguera.
JulesRégisDebray: comunista francês, famosopor ter escritoum livro sobre revoluções. Foi
presoemabrilde1967apósdeixaroacampamentodeChe.Posteriormente,eleconfirmou
apresençadolídernaBolívia.Suaprisãodeuinícioàcaçadahumanaqueculminoucoma
mortedoguerrilheiro.
CiroRobertoBustos:pintorecomercianteargentino.EstavacomCheefoipresocomDebray.
Talcomoofrancês,eleveioarevelaroenvolvimentodeChecomaguerrilhaefornecerao
governobolivianodescriçõesdosguerrilheiros.
George Andrew Roth: jornalista anglo-chileno preso com Bustos e Debray após deixar o
acampamentodeChe.
AGENTESDACIA
Félix Rodríguez: membro da comunidade de exilados cubanos, integrou uma unidade
clandestinaqueparticipouda InvasãodaBaíadosPorcos.RodrígueztrabalhoucomaCIA
em várias tramas e incursões anticastristas antes de ser selecionado para caçar Che na
Bolívia.
GustavoVilloldo: outro exilado cubano,Villoldo lutou na Invasão da Baía dos Porcos e era
veterano de muitas incursões a Cuba. Voluntariou-se para caçar Che no Congo e foi
persuadidoa“voluntariar-se”paraamissãoboliviana.
LarrySternfield:ooficialdaCIAquerecrutouRodríguezeVilloldoparaamissãocontraChe.
JohnTilton:chefedaCIAemLaPaz.
OSAMERICANOS
DouglasHenderson: diplomata de carreira,Henderson serviu como embaixador dosEUAna
BolíviaduranteainsurgênciaarmadalideradaporChe.
WaltWhitmanRostow:anticomunistaconvicto,Rostowserviucomoconsultorparasegurança
nacionalnosgovernosKennedyeJohnson.
DeanRusk:secretáriodeEstadodeKennedyedeJohnson,queriamanterasforçasarmadasdos
EUAforadaBolívia.
RichardHelms:diretordaCIA,eramuitocríticoemrelaçãoaBarrientos,questionando-seseo
presidentebolivianosobreviveriaàcrisegeradaporChe.
Robert Porter: comandante da United States Southern Force [Força-sul dos EUA]
(SOUTHCOM),ogeneralenviouumaunidadedasForçasEspeciaisparatreinarosRangers
naBolívia.
WilliamTope: general debrigadada equipedePorter,partiupara aBolívianumamissãode
reconhecimento,afimdeavaliaraameaçarebelde.
Magnus Smith: comandante do 8º Grupamento das Forças Especiais, o coronel designou
SheltonparaaBolívia.
HarrySingh:americanodaAgênciadosEstadosUnidosparaoDesenvolvimentoInternacional,
forneceuaSheltonosmateriaiseomaquinárionecessáriosparaaconstruçãodeumaescola
navila.
ALTO-COMANDOBOLIVIANO
RenéBarrientosOrtuño:elegantegeneraldaforçaaéreaeleitopresidentedaBolíviaem1966.
Lídercarismático,erapró-Américaepossuíaforteslaçoscomoscamponeses,queapoiavam
seugoverno.
Alfredo Ovando Candía: general que subiu ao poder com Barrientos num golpemilitar em
1964.Governaramjuntosaté1966,quandoBarrientosabdicouparaconcorreràpresidência.
DepoisdavitóriadeBarrientos,Ovandoassumiuocomandodasforçasarmadas.
LuisAdolfoSilesSalinas:fielamigodeBarrientoseleitovice-presidenteem1966.
JorgeBelmonteArdile:generaldaforçaaérea,foimembrodocírculoíntimodeBarrientos.
COMANDANTESBOLIVIANOS
Gary Prado Salmón: capitão do Exército boliviano, tornou-se comandante de uma das
companhiasbolivianasdeRangerstreinadaspelaequipedeShelton.
Joaquín Zenteno Anaya: coronel da 8ª Divisão; sua unidade trabalhou com os Rangers na
capturadeguerrilheiros.
ArnaldoSaucedo:oficialdeinteligênciada8ªDivisão,omajorcooperouestreitamentecomo
agentedaCIAFélixRodrígueznabuscaporCheGuevara.
AndrésSelich:tenente-coronel,foiumdosprimeirosoficiaisbolivianosainterrogarChe.
Jose Gallardo: coronel encarregado do novo regimento e do campo de treinamento em La
Esperanza.
MiguelAyoroaMontaño:majorapontadoparaserocomandantedobatalhãodeRangers.
MarioVargasSalinas:capitãoresponsávelpelaemboscadaqueaniquilouocontingenteperdido
deCheemVadodelYeso.
Jaime Niño de Guzmán: piloto de helicóptero que transportava oficiais bolivianos de
VallegrandeaLaHigueradepoisqueChefoicapturado.
SOLDADOSBOLIVIANOS
AugustoSilvaBogado:capitãoda4ªDivisãodasforçasarmadasemCamiri; suaunidadefazia
patrulhaquandoosguerrilheirosarmaramumaemboscadaemmarçode1967.
HernánPlata:majorqueestavaentreossoldadosbolivianoscapturadosnaquelaemboscada.
RubenAmézaga:segundo-tenenteeamigodePrado,foimortoduranteaincursão.
Mario Salazar: treinado pelas Forças Especiais, juntou-se ao Exército para caçar e destruir a
guerrilhadeChe.
RubenSánchez:majorcujaunidadecaiuvítimadeumaemboscadaenquantopatrulhavaovale
dorioNancahuazu,emabrilde1967.Elefoicapturadonaação.
LuisSaavedraArambel:tenente,foibaleadofatalmentenaquelapatrulha.
JorgeAyala:segundo-tenentequeajudouareorganizarastropasduranteaemboscadadeabril.
CarlosMartins:tambémsegundo-tenente,tentouresgatarSánchez.
RembertoLafuente: tenentequeconduziuos soldadosbolivianospela selvaa fimde resgatar
Sánchezeseushomens.
Juan Vacaflor: tenente, esteve sob breve captura dos rebeldes no decorrer do ataque em
Samaipata.
Bernardino Huanca: sargento da companhia B do capitão Prado, ele desbaratou uma célula
guerrilheiradurantetrocadetirosocorridapertodeLaHiguera,oque levouàcapturade
Che.
SargentoMarioTerán:outromembrodacompanhiadePrado,foiosoldadoquesevoluntariou
para“cuidar”deChenoprédiodaescola.
CIVIS
Epifanio Vargas: guia civil baleado pelos guerrilheiros enquanto ajudava uma patrulha do
Exércitoemmarçode1967.
HonoratoRojas:fazendeiroquetraiuoshomensdeCheemVadodelYeso.
DionisioValderomas:moradordeLaEsperanza,viviapróximoaoengenhodeaçúcarondeos
soldadosdasForçasEspeciaisdosEUAtreinavamosRangersbolivianos.
DorysRoca: juntocomtrezedeseus familiaresDoryshabitavaumacasadetrêscômodosem
LaEsperanza;elaseapaixonoupelosoldadoamericanoAlvinGrahamIII.
ErwinBravo:oprefeito,queapoiouapresençadastropasnorte-americanasemLaEsperanza.
ManosantaHumerundo:naqualidadedeMãoSanta,eraumcurandeiroquetratavadosaldeões
doentesdeLaEsperanza.
Nota:
*Optou-sepornãotraduzirotermoRanger(s),porqueseuusonooriginal,eminglês,estáconsagradonoBrasil.OsRangerssãoumgrupodeelitedainfantariadoExército.(N.doT.)
ParteI
*MuitosVietnãs
Prólogo
3denovembrode1966
Os passageiros do voo, com os encostos das poltronas erguidos e os cintos afivelados para o
pouso,cruzavamosdedoserespiravamfundo.
VoarparaLaPazeraquasesempreumaexperiênciaemocionante,eamaioriadosqueali
estavam, naquele abarrotado DC-6, interessavam-se mais em rezar do que em apreciar as
espetacularespaisagensdosAndespelajaneladoavião.Ospilotosembicaramaaeronaverumo
àpistadoAeroportoInternacionalElAlto,localizadoa4milmetrosdealtitude,omaisaltodo
mundo. Eles sabiam o que esperar, mas as rajadas de vento vindas do topo das montanhas
sacudiamo aviãodeum lado aoutro, arrancandochoros e gritosdospassageiros,quehaviam
enfrentado, entre trancos e solavancos, 2.500 quilômetros de São Paulo, Brasil, até a capital
boliviana.Oarnacabineconfinadadeviaestarcarregadodemedo.
Umhomemparecianãonotaraatmosferademorteiminente.Sentara-senumapoltronado
corredor, na parte dianteira da cabine, com sua camisa branca e gravata bem-talhada, o nó
Windsor recém-feito. Adolfo Mena González mantinha a confortável calma de um homem
cujosplanos são cuidadosamenteexecutados,umhomemacostumadoa serobedecido.Estava
na meia-idade, mostrava-se bem barbeado e algo rechonchudo; usava óculos de armação de
chifredeanimaletinhaalgumasmechasgrisalhasnasbordasdeumcabelojácontempladopela
calvície.Trazianobolsoumpassaporteuruguaio.
Namente,apenasasuamissão.
GonzálezestavasegurodequeninguémnaBolíviaoreconheceria.Faziatrezeanosdesdea
última vez em que lá esteve, e ele já não se parecia em nada com aquele jovem e mal-
ajambrado estudante de medicina, que, com um amigo, se lançara numa viagemtranscontinental sobre o selim de uma motocicleta. Eles eram, à época, garotos sujos,
despreocupados,caçadoresdeaventuras.MasaquelaviagemabriuosolhosdeGonzálezparaas
partes hediondas da América do Sul, onde, a cada país, um pequeno número de pessoas
abastadas controlava as riquezas e os recursos, enquanto os demais enfrentavam uma vida de
terrívelpobreza.Aofimdaviagem,ojovemmédicoidealistaalterouosrumosdesuacarreira.
Abandonouamedicinaparalutarporjustiçasocial.
Ele retornava à Bolívia para encarar o maior desafio de sua vida. Após dois anos de
meticulosoplanejamento, tudoestavaemordem:osveículosqueguiaria,as rotasquedeveria
seguir, a remota fazenda na qual haveria de morar. Não sabia ao certo quanto tempo
permanecerianaBolívia.Algunsmeses?Umano?Tudodependeriadopessoalemcampo.Por
ora,tudooqueeletinhaquefazererasobreviveraessaaterrissagemepassarpelaalfândega.
Os pneus do avião quicaram na pista, osmotores berraram.González sentiu a adrenalina
disparar em seu corpo. Empurrou os óculos até a ponta do nariz e fez sinal para Antonio
Garrido,ohomemderostopálidodapoltronavizinha,seucompanheiro.
Quandoaportadacabineseabriu,osdoishomensescapuliramdoaviãoparaogloriososol
da tarde. Respiraram fundo o ar rarefeito e partiram rapidamente do asfalto para o terminal.
Uma mulher sexy e esbelta, de longos cabelos negros, aproximou-se deles, com uma boina
pretatãoagudamenteinclinadaquelhecobriaasobrancelha.Cabeçasviravam-separaela.Suas
proeminentesmaçãsdorostoeseunarizarrebitadodestacavam-nacomoeuropeia,esuasroupas
sugeriamserelaumaintelectualboêmia,poetisaouquemsabeescultora.Elavoltouseusolhos
castanhosparaGonzálezeoabraçoucomoumavelhaamiga.
NobolsoemqueseencontravaopassaportedeGonzález,elaintroduziudiscretamenteum
papeldobrado.Otriorumouparaosportõesdesegurançae,enquantoamoçacumprimentava
Garrido, González apanhou o passaporte e abriu o novo documento. Era inestimável,
exatamenteoqueeleesperava:
OdiretordeInformaçãodaPresidênciadaRepúblicatemoprazerdeapresentar:
AdolfoMenaGonzález
Enviado especial da Organização dos Estados Americanos, que realiza um estudo ecoleta de informações sobre as relações econômicas e sociais que prevalecemna zona ruralboliviana.
O abaixo-assinado, apresentado por esta credencial, solicita a todas as autoridadesnacionais,assimcomoàspessoas e instituiçõesprivadas,quedisponibilizemaoSr.Adolfo
Menatodaacooperaçãopossível,demodoafacilitarseuesforçodepesquisa.
Assinado:GonzaloLópez
DiretordeInformaçãoPresidênciadaRepúblicadaBolívia
LaPaz,3denovembrode1966
Comessedocumento,GonzálezeseuamigopoderiamviajarlivrementepelaBolívia.Erao
seupassaporte para “fora da cadeia”—um tesouro raropara qualquer viajante.Amulher era
bemrelacionadacomfigurasricasepoderosasnaBolívia.Coisasdifíceiseramfáceisparaela.
Gonzálezsedirigiucalmamenteaobalcãodaalfândegaeentregouseupassaporteeacarta
para o agente. O homem de uniforme cáqui inspecionou os documentos e examinou com
atenção a foto bastante formal de González. Olhou-o de relance para conferir tratar-se da
mesmapessoaretratada,carimbou-lheopassaporteepermitiuqueseguisseadiante.
González suspirou e esperou que Garrido deixasse a alfândega. Ambos memorizaram a
plantadoaeroportomeses antes, e se apressaramemsairdo terminal rumoàcalçada, renteà
qualamulherosaguardavacomseu jipe.Mantiveram-seemsilênciodurante16quilômetros,
passandoporbancasdebeiradeestradaondesevendiamfrutas,vegetaiseroupas.LaPazfora
construída em meio a um cânion, com casas e apartamentos erguendo-se lado a lado pelas
colinasescarpadas.Lojasecafésfeitosdeestuquesucediam-seporruasestreitaseapinhadasde
gente. A distância, amortecido pelo cansaço, González vislumbrava os majestosos cumes
cobertosdenevedoIllimani,acordilheiramaisaltadosAndes.Seguiamnadireçãonortepara
o centro da cidade, rumo ao elegante e arborizado distrito de Prado, e dali até o Hotel
Copacabana.
Lá, outros amigos acolheram González, e o seguiram escada acima após ele ter feito o
check-in para uma suíte no terceiro andar. Durante horas, discutiram seus planos e
maravilharam-se coma suaboa aparência, atéumexaustoGonzálezpedir licença e retirar-se
paraseuquartoprivado.
Encontrava-senumbelohotelnocoraçãourbanodaBolívia,masnãopretendiapermanecer
ali. Descansaria naquela noite e partiria para a fazenda assim que amanhecesse. A viagem
duraria dois dias, margeando-se uma selva montanhosa. A maioria das estradas não era
pavimentada.
Amainou-seobarulhonoquartovizinho.MasGonzálezestavamuitocansadoparadormir.
Chegouacogitarpartirimediatamente.Andoupeloquartoporalgunsinstantesparaseacalmar,
eemseguidaentreabriuaspesadascortinasbrancasdasacada.OIllimanipreencheusuavistae
desfilounohorizonte,numaparadadeglóriacobertadeneve.Eleacendeuumcigarroeespiou
a obscura paisagem, então apanhou na mala a sua câmera, uma Minolta velha de guerra.
Gonzálezlevavasuacâmeraparatodaparte,tirandofotosqualumturistaempolgado.Olhouao
redordoquarto,memorizandodetalhes.Estavaacostumadocomosmaisfinoshotéiseosmais
esplêndidos restaurantes. Aquela seria provavelmente a última de tais indulgências, disse a si
mesmo.Valeriaapena.Essamissãoeravitalparaoseugrandeplano.Ali,elepretendiadarinícioa
“dois, três,muitosVietnãs” naAmérica Latina, pondo osmandachuvas capitalistas dos EUA,
finalmente,dejoelhos.
González sentou-se numa cadeira perto da janela.Na porta do guarda-roupa à sua frente
haviaumgrandeespelho.Elecontemplouopróprioreflexo,surpresocomasuatransformação
emumviajantedenegóciosdeclassemédia.Talvezquisessedocumentaroiníciodesuagrande
aventura.Sejaporqualrazão,Gonzálezapoiouacâmeranocolo,fezposediantedoespelhoe
bateuoseuretrato.
Retirouoternoevoltouasi.Chegaraomomento,sabiaele,deumarevoluçãonaBolívia.
1
Aemboscada
O capitãoAugusto Silva Bogado sentiu uma gota de suor escorrer do colarinho pela espinha
dorsal.Osoldamanhãexpulsavaassombrasparaforadovaleescarpado,refletindo-senorioe
transformando a selva numa sauna a vapor. Os homens de Bogado percorriam as margens
abaixo,enquantoeleeoscompanheirosdepatentesmaisaltaspermaneciamentreasárvoresna
encosta.
Silva e seus homens faziamparte da 4ªDivisão doExército boliviano, baseada na cidade
petrolífera de Camiri. Os homens lá embaixo, 35 recrutas sob o seu comando, procuravam
estrangeiros suspeitos, homens comarmas edinheiro.Estavam seguindoumapista descoberta
peloprópriocapitão.Provavelmentenãoeranada,pensouSilva.Osencrenqueiroscostumavam
ficarmaisaonorte,próximosàsminasdeestanhoecobre.Nãohaviamuitacoisadeinteresse
paraestrangeirosaliembaixo,nessematagaldosudeste.
Mas ninguém pode se permitir ignorar rumores várias vezes repetidos, nos mais diversos
locais.Eletinhaqueestarpreparado.
Oshomensespalharam-sepelovale.Lentaecuidadosamente,ossoldadosandavamemfila
estreitaaolongodorioNancahuazu.Lutavamcontraaespessavegetaçãoqueforravaosolodo
vale,eabraçavamseusriflesMauserenquantoandavam,chafurdandofrequentementenaáguae
praguejando. Silva achou que pareciam mais andarilhos relutantes que soldados. Foram
treinadosparaaguerra,masnenhumdeleshaviasequersentidocheirodepólvora.
A maior parte dos homens de Silva era composta de camponeses — índios pobres e
majoritariamenteanalfabetoscumprindoseuanodeserviçomilitarobrigatório.Suafunçãoera
servir,eelesestavamresignadoscomisso.AlgunspareciamatégostardavidanoExército;eporque não? Não havia guerra. A comida, o abrigo e o salário na caserna costumavam sermais
abundantes do que o que obtinham em casa, e eles ainda recebiam treinamento técnico que
poderiam aproveitar quando deixassem o serviço militar. Para os soldados, aquela era uma
missão rotineirade reconhecimentode terrenonos remotosermosbolivianos.Oúnicoperigo
realeraumououtroprodutordecocaínaescondidonomeiodomato,alémdealgumacobra
ouaranhavenenosas.
Desdesuaposiçãopertodo front,Silva faziaavarreduravisualdosdeclives rochosos.Até
aquelemomento,nãoviranada.Acoisavinhaassimfaziadias.Eeleseguiaemfrente.
Silvareviumentalmenteorelatórioqueentregara:
Dia9demarçode1967.DeixadoporumapatrulhadoExércitopróximoàpropriedadedeSegundinoParada,pertodaviladeTatarenda.
Missão: determinar se haveria fornos, água e lenha suficientes no terreno paratransformaraspedrasdolugaremóxidodecálcio,umpotencialexplosivo.
Depoisdeexaminarapropriedade,SilvaestavaprontoparavoltaraCamiri.Haviapoucos
veículos do Exército na área, e o soldado, então, arranjou uma carona na carroceria de um
caminhão do Depósito de Óleo do Estado da Bolívia. Durante o trajeto, trabalhadores
petroleiros contaramsobreosestranhoshomenscomsotaquesestrangeirosperambulandopela
área,“homensgrandesebarbudoscarregandomochilasemuitodinheiro”,“de40a50milhões
depesos”.
Silvaaindasorriacomalembrança.
Aquilopareciaaltamenteimprovável.PoucoshomensnaBolíviaruralandavamcomaquele
dinheiro.QuandoSilvarelatouosrumoresaosseuscomandantes,umpilotofoimandadopara
um reconhecimento aéreo do local. Quatro homens foram mobilizados ao longo do rio
Grande,* e Silva e seus homens, mandados para cá em busca de novas informações. No
caminho,elessouberamque,emTatarenda,doishomenstrajandocalçasejaquetasverde-oliva
haviamcompradoecozidodoisporcos, alémde terem levadoparaa selvacomidaenlatadae
cigarros.Nas redondezas da vila deLagunillas, a polícia prendera “dois sujeitos compinta de
paramilitares”tentandovenderarmas.Nãoeraumbomsinal.
Silvabalançouacabeça.Quemeramaqueleshomens?Oqueestavamfazendo?
O Exército julgou a informação importante o bastante para mandar outra unidade em
auxílioaSilva.Depoisqueasduasunidades juntaramforças,elasmarcharamatéumafazenda
isolada com telhado de estanho. Lá, encontraram comida, cobertores e as chaves de um jipe
estacionadodoladodefora.Umrestodefogoaindaardianacozinha.Seoshomensdecalças
verde-olivaaliestiveram,elessaíramàspressas.
Astrilhassujasaoredordacasaestavamdesgastadas—sinaldequehouveraaliumaintensa
atividadeorganizada.
Silvatinhadeencontraraqueleshomens.Eraprovávelquefossemtraficantesdedrogas,eo
Exércitoprecisavadetê-los.Antes,porém,Silvasolicitoumaisreforços,paraocasodeousode
forçaletalsefazernecessário.
Os novos homens chegaram com o major Hernán Plata, o que trazia vantagens e
desvantagens, visto que Plata tinha pouca experiência em campo. Os dois organizaram a
patrulha matinal ao longo do Nancahuazu, com Silva assumindo o pelotão da frente e os
homensdePlata vindo cerca de 40metros atrás.Um terceiro grupobemarmado, conduzido
pelotenenteLucioLoayza,ocupouaretaguardacommorteirosde60mmeumametralhadora
calibre.30.
OplanoeraavançarpelasduasmargensdoNancahuazu.Casoencontrassemosestrangeiros
ousemetessememencrenca,deveriamsolicitarsuporteaéreo.
Em 23 de março, eles partiram ao amanhecer. Silva mal havia atualizado seu relatório
mentalquandoumdossoldadosochamouàfrente.
“Pegadas”,avisou-lheohomem.“Vãodarnatrilhaqueatravessaocânion.”
Silva foi até a margem onde estava o soldado. Na lama, ele pôde perceber as marcas
quadriculadasdasbotasindoemdireçãoàtrilhaqueconduziamaisparadentrodocânion.
—Bomtrabalho—disseSilva.
Sinalizandoparaobatedoràfrente,eleordenouqueprosseguissem.
AtrilhaserpenteoucadavezmaisparadentrodovaleemformadeV.Ospedregulhoseo
matoadensaram-seàmedidaqueasparedestornavam-semaisíngremesdeambososlados.Silva
eseushomensandarampelomatoaoredordamargemporalgunsminutos,antesqueosinuoso
leito do rio se estreitasse num fino arroio. Pedregulhos salpicavam asmargens. Um pequeno
trechode floresta surgia ali ondeo rio,maisumavez, fazia a curva e sumiadevista.Ovale
achava-seestranhamentesilencioso.
Silvaolhouderelanceparaseushomensrioacima.OtenenteRubenAmézagaeEpifanio
Vargas,ocivilqueatuavacomoguia,estavamnaágua,refrescando-senafracacorrenteza.
Alguémgritou.Avozdeumhomemnumsotaqueestrangeiro:
—Vivalaliberaciónnacional!Oestampidodeumtiroecoounoaltodaserrania.Umsegundodepois,ovaleexplodiuem
confusão.Uma saraivadadedisparosdearmade fogo tornou impossívelouvirqualquercoisa.
Projéteis riscavam omato. Lascas demadeira e lama voavam e perfumavam o ambiente.Os
homensdeSilvagritavameberravam,chocando-seunscontraosoutrosembuscadeproteção.
OtenenteAmézagaabandonousuaposiçãoexpostanorio,disparandosuaarmanadireção
dafloresta.Váriosprojéteisestraçalharam-secontraele,eojovemoficialcaiudeponta-cabeça
naágua.Vargasafastou-sedasbalas,masele,também,desapareceunaságuasescurasdorio.
Silva sabia que estava com problemas. Ele e seus homens situavam-se bem no meio das
encostas,comoinimigoacimadeles.Haviamsidoencurraladosnazonadamorte.Nãopodiam
semoverparaafrente—ofogoeramuitointenso.Atrásdeles,oshomensdePlatatambémse
achavamcercados.Asbalasrevolviamatrilha.Estavampresos.
Silva tentou devolver os tiros, mas era impossível realizar um disparo certeiro contra os
atiradoresescondidosporentreasrochas.Elepodiaouvirosgritosdoshomensferidos.Muitos
jaziampelamargem,compoçasde sangueao seuredor.Lançandoumolharparaa trilhaque
acabaradepercorrer,Silvaavistououtrodeseushomenscambalearatéochão.
Acimadostiros,elepodiaouviravozestrangeiraordenando-lhequeserendesse.Osotaque
nãoeraboliviano,pensou.Cubano,talvez?OirmãodeSilvaestudavaemCuba.Eleconheciao
sotaque.
Na ausência de resposta, novos disparos dos guerrilheiros espocaram à frente e atrás.Não
haviacomoescapardalinhadetiro.Silvagritouaseushomensparaquecessassemfogo.Olhou
paraorelógio.Seisminutosapósoprimeirodisparo,otiroteioterminara.
Olhandoparatrás,SilvaviuoshomensdePlatalargandoasarmas.Masaretaguardanãose
entregou.Carregadoscomarmamentopesado,osoitosoldadoshaviampermanecidonaposição
durante o tiroteio. Agora eles batiam em retirada pela beira do rio. Silva pôde ouvi-los
chorandofreneticamenteatravésdaselva.Talvezretornassemaoquartel-generalda4ªDivisão,
emCamiri.Oscomandantesenviariamreforços,torciaSilva.
Mas,por enquanto, eleprecisava sobreviver.Noaltodamontanha,Silva viu guerrilheiros
emergindodamatadensa.Haviaapenasumpunhadodeles,vestidosemtrajesverde-oliva.Sete
soldadosbolivianosforammortos.Outrosquatroestavamferidos.Emaiscatorzeserendiam.
Silva pôde notar que um homem baixo e barbudo estava no comando. Os guerrilheiros
chamavam-node “Inti”.Usavaumaboina verde sobre os cabelos pretos, e berrava ordens aos
homensdeSilvafeitouminstrutorderecrutas.
—Movam os mortos para a margem! — gritou, e os novos prisioneiros apressaram-se a
obedecer.
Os guerrilheiros desciam pelo vale, arrebanhandomais emais soldados pelo caminho.O
majorPlatasurgiudedetrásdeumamoita,chorandocomoumbebê.Ossoldadosolharamcom
desdémparaooficial.QuandootenenteLoayzaeseushomenschegaramcomasmãoserguidas
sobreascabeças,Silvapensouquetambémfossechorar—nãosobraraninguémpara fugirou
solicitarajudapelorádio.
OcorpodeVargas,oguiadacompanhiadeóleo,foioúltimoaserretiradodaágua.Um
dosguerrilheirosdeu-lheumchutenascostelas.
—Éassimquemorremosdedos-duros—disse.
Sob a mira das armas, Silva e seus homens carregaram os feridos pelo mato até o
acampamentodosguerrilheiros.PlataseguiaIntideperto,balbuciandosobreseusplanosdese
aposentar do Exército dali a poucosmeses. Ofereceumostrar seus papéis a Inti, detalhes da
inteligênciaeplanosdebatalha,seosguerrilheirosodeixassemir.
—Embrevedeveremossinalizarnossaposição—disseele.—Seelesnãoareceberem,os
aviõesvirão.
UmdosguerrilheirosapanhouospapéisdePlataedesapareceucomelesatravésdaencosta.
Inti chamou Plata de lado, mas os soldados ainda puderam ouvi-lo choramingando e
tagarelando.EleentregouamissãodoExército,suaposiçãoeseusplanos.
Os guerrilheiros reuniram Silva e seus homens num círculo, e lhes ofereceram cantis de
água.Elesagacharam-seesorveramaáguaemgolesdegratidão.
Umdosrecrutasdevolveuagarrafaparaoseudono,pedindo-lhe:
—Por favor,mateaquelecovardedoPlata.Elenãoéumdenós.Éumdéspota.Elenos
punesemclemênciasequebramosamaisinsignificanteregra,masolheparaeleagora.
—Éumcovarde!—exclamououtrodoshomensdePlata,cuspindonochão.
Silvasóbalançouacabeçaemanteveosolhosbaixos.Plataoenvergonhava,maselesabia
queocomandantetentavasalvaraprópriavida.Nãotinhamcomolutarpara fugir,e sóDeus
sabiaoqueaqueleshomenshaviamplanejadoparasi.
Silvaouviaseucomandante“cantarcomoumcanário”econcebeuumplanoporsimesmo.
Se fingisse simpatia pela causa dos guerrilheiros, talvez eles não o executassem, nem a seus
homens.
QuandochegouasuavezdefalarcomInti,Silvafezalusãoalaçoscomunistas:
—EntreinoExércitoporsolicitaçãodoPartido.MeuirmãoestáestudandoemCuba.
Silva contou ao estrangeiro sobre a vida no Exército boliviano, sobre o quão difícil era
combater quandoos recursos eramescassos, a comida, péssima, e nenhum superior queria ser
incomodado. Pouco depois, ele repassou os nomes de dois oficiais, que, segundo imaginava,
poderiamcolaborarcomarevolução.
Inti escutou Silva calmamente e ordenou que os guerrilheiros cuidassem dos feridos.
Enquantoatavamos ferimentos,osguerrilheiros falavamsobreacausa, sobrecomoa sua luta
erapor justiça e pelopovo, e comoos camponeses bolivianos vinham sendo exploradospelo
governo e pelas forças armadas. O povo boliviano merecia uma vida melhor, diziam. E
concluíamoferecendoaossoldadosbolivianosumpostoemsuasfileiras.
Oshomensouviamodiscursoemsilêncio.
—Eunãoseiporquememandaramlutar!—exclamouumdosferidos.
—Nãotivemosescolha.Nossospaisnãotiveramescolha.Fazemosoquenosmandamfazer
—disse-lhesoutrorecruta.
Estavamemmododesobrevivência.Ninguémqueriamorrer.
Veio a noite,mas ninguémdormiu. Silva não sabia o que poderia acontecer. Ele avaliou
suasopçõesepreparou-separamorrer.Quando?Nãosabia.Pensounafamília,namulherenos
filhos.Precisavaencontrarumasaída.Masnãohaviacomofugirdoacampamento.Elestinham
muitos homens e muitas armas. Aquilo não era um bando de ladrões de galinha. Eram
combatentesbemarmadosetreinados.
Ao raiar do dia, Inti dirigiu-se aos prisioneiros. O coração de Silva acelerou. Chegou ahora?,pensou.MasIntisurpreendeuatodosaodizer:
—Todososprisioneiros estão livres.Nãomatamos inimigosdesarmados.Nósos tratamos
com dignidade e respeito. Vocês têm até omeio-dia do dia 27 demarço para recolher seus
mortos.
Umdoscombatentestrouxeduasgrandessacolasatéaclareiraealidespejouumavariedade
de camisas esfarrapadas, calças e outras peças de vestuário. Ordenou-se aos soldados que se
despissem e trocassem os seus uniformes por roupas civis. Apenas Silva e Plata foram
autorizadosapermanecercomotrajemilitar.Antesqueosprisioneirospartissemporentreas
árvores,umdosguerrilheirosvirou-separaeles,convidando-osasejuntaremaomovimentode
libertaçãodopaís.
Contudo,oshomensviam-seaumpassodaliberdade.Nenhumdelesficoupara integrara
guerrilha.
Osandrajosossoldadosesperaramatéqueamainassemtodososruídosdosguerrilheirospara
deixar o acampamento. Tinham sorte de escapar com vida, mas o pior ainda estava por vir,
pensouSilva.EleePlatateriamdecontaraoscomandantesquehaviamcaídonumaemboscada,
quemaisdetrintasoldadosforamcapturados,seteestavammortos,eoutrossete,feridos.Seus
morteiroseagrandemetralhadora.30estavamperdidos,juntocommaisdeumadúziaderifles
Mauser, três submetralhadoras Uzi emilhares de cartuchos demunição.Os soldados haviam
sidodespojadosdeseusrádios,suasbotasedasprópriasroupasdocorpo.
Nofimdaquelatarde,omiserávelgrupoarrastou-seatéoquartel-generalda4ªDivisão,em
Camiri. Já naquelemomento, Silva e Plata haviam chegado ao acordo de que não poderiam
contar aos seus superiores que menos de dez guerrilheiros tinham causado estrago tão
vergonhoso. Em vez disso, falaram de um ataque organizado, conduzido por dezenas de
paramilitares,homensdisciplinadosefortementearmados.Disseramaosseuscomandantesque
aguerrilha, lideradaporestrangeiros,dispunhade,nomínimo,quinhentos soldadosna região
doNancahuazu.
Nota:
*Tambémconhecido comoGuapay, este rio,quepertence àbaciadoAmazonas,nascena cordilheiradeCochabamba, comcoordenadasde17°26’11”Se65°52’22”O.(N.doT.)
2
Elpresidente
Opresidenteboliviano,generalRenéBarrientosOrtuño, releuasúltimaspáginasdorelatório
pós-incidenteebateucomapastanamesa.Orelatóriohaviaescaladoahierarquia,passandode
mesaemmesaaté,finalmente,pousarnafrentedeBarrientos.
Em algum ponto do trajeto a história vazou, e os jornais e as rádios enlouqueceram em
conjecturas.
Aos47anos,Barrientos jáeraumexperienteeardilososoldadoepolítico,umgeneraldo
Exércitoquealcançaraocargomaisaltodeseupaíspormeiodeumgolpemilitar.Seugoverno
erafrágil,eaeconomiaeaalmadopaís,abaladasporquaseumséculodemáliderança,golpes
militareseguerrasperdidas.Guerrilheirosestrangeiroseramaúltimacoisadequeeleprecisava.
O relatório indicava que os rebeldes pareciam ser cubanos. Estaria o ditador cubano Fidel
Castroenvolvido?Sesim,porqueelesemeterianaBolívia?CheGuevara?MasCheGuevara
desapareceradoisanosantes,edeviaestarmortonumavalaqualquer,pensouopresidente.Ele
balançouacabeçacomceticismo.Nãofaziasentido.Nadanaqueleimbrógliofaziasentido.
Na Bolívia, a violência normalmente surgia depois de claros alertas, e os ataques quase
nuncaprovinhamde fora das fronteiras nacionais.Demonstrações contra o governo não eram
incomuns—os estudantesmarchavamnas cidades eospoderosos sindicatosde trabalhadores,
nasminasdointerior.
Aquiloeraalgonovo.
Aemboscadaocorreunoladoerradodopaís,noremotovaledorioNancahuazu.Nãohavia
simplesmentenadaalialémdecactosealgunsvelhosíndios,pensouopresidente,camponeses
analfabetossobrevivendodasencostascobertasdemata.Eraumpáramoinóspitoeinfestadode
mosquitos.
Barrientos sabia que o seu Exército não estava preparado para enfrentar um levante,
especialmente se revolucionários profissionais, armas e dinheiro estrangeiros estivessem
envolvidos.
Osbolivianoserambonssoldados,disseparasimesmo,masahistóriaprovavaquenãoeram
muito bons em fazer guerra. Cem anos antes, uma disputa com o Chile por depósitos de
estrumedepássarosemorcegos,ricosemmineral,custouàBolíviaoseulitoralinteiro.Trinta
anosdepois,BolíviaeParaguaisacrificaramumageraçãodejovensna“GuerradoChaco”,uma
lutapeloacessoaorioParaguai.FoiamaissangrentaguerradeumsangrentoséculonaAmérica
do Sul, que devastou a economia boliviana, mas abriu caminho para a mudança política. A
“geraçãoChaco”,deveteranosgalvanizadospelaguerra, retornouaumaterraondeosbrancos
escolarizados— apenas 5% de uma população boliviana de 4 milhões— detinham a maior
parte do poder, e somente homens alfabetizados podiam votar. Em 1941, o Movimento
Nacionalista Revolucionário (MNR) foi criado, atraindo mineradores, sindicalistas e
agricultores,queformavamogrossodapopulação.Em9deabrilde1952,oMNRascendeue
tomouopoder.Asreformasdofundadordopartido,VíctorPazEstenssoro,incluíamosufrágio
universal, ampla reforma agrária, educação para as crianças no campo e a nacionalização das
minas.Osíndiosintegraram-seàsociedadenacional,sobaliderançadoarticuladogeneralRené
Barrientos,deascendênciaquéchua.
O país organizou-se para um período de reformas pacíficas. Desde que conquistara sua
independência da Espanha, em 1825, a Bolívia sofrera mais de cem golpes de Estado. A
população encontrava-se cansada de tantas guerras e instabilidade, e então o MNR decidiu
assumirasrédeasdasforçasarmadas,abolindooExércitoefechandoaacademiamilitar.Ambos
foramressuscitadosdepoisde seismeses,mas,umavezqueos soldadoshaviam idoparacasa,
levaram-se anos para colocar as forças em forma novamente. Paz Estenssoro fizera inimigos
poderosos.
A Bolívia permaneceu relativamente tranquila até princípios de 1964, quando alguém,
supostamente, tentou assassinar o general Barrientos. Os registros do ataque são repletos de
segredosdecapaeespada, agentesnorte-americanosdaCIAe lendasexuberantes.Um jornal
noticiou que a vida do general fora salva porque a bala do assassino ricocheteara no broche
prateadoemformadeáguiadaforçaaéreanorte-americana,queBarrientostrazianalapelado
uniforme.Ogeneralfoilevadodeaviãoparasetrataremumhospitalmilitarnorte-americano
noPanamá—aaproximadamente3milquilômetrosdedistância.Nãoapareciamtestemunhas
bolivianas do ataque que fossem confiáveis. Além domais, o “caso da bala na prata” fez de
Barrientos umvistoso herói nacional.Nodecorrer daquele ano, ele usou a oportuna famade
machãoparaconquistarapoioederrubaroMNR.
Ao flexibilizar a Constituição para poder concorrer a um novo mandato, o presidente
Estenssoro forneceuaBarrientosopretextodequeeleprecisava.Estenssoro foi reeleito com
70% dos votos,mas o general Barrientos e o que restou do alto-comando boliviano estavam
fartos do que percebiam ser um regime antimilitar. Assim, eles arranjaram uma “revolução
restauradora”, umnovo golpemilitar. PazEstenssoro fugiu daBolívia. Barrientos e umoutro
comandantedoExércitogovernaramopaísnosdoisanossubsequentes,e,em1966,Barrientos
deixouoExércitoparaconcorreràpresidência.
Tambémeraumreformador,dizia,nascidonasprovíncias,fluentetantonoquéchuanativo
quantonoespanhol.Eraumself-mademan,umpiloto,umlídernato,casadodentrodaclasse
dominante.ABolíviaelegeu-opresidentepormaioriaesmagadoradevotos.
Desdeentão,ogeneralquesetornoupresidentemanteve-seatentoàoposição,mas,apesar
detodasasmedidasdesegurança,dealgummodoeledeixoupassaraquelaameaça.
Easnotíciasatuaiseramaindamaisalarmantes.
No dia seguinte à emboscada, a polícia descobriu importantes documentos em um jipe
estacionadonumaruadesertaemCamiri—250quilômetrosasudestedeSantaCruz.Camiri
eraumaimportantecidade,paradaobrigatóriaentreSantaCruzeasfronteirascomaArgentina
eoParaguai.Carrosestacionadosnãoeramincomuns,masessejipe—complacadeLaPaz—
não se movia havia semanas. Quando a polícia vasculhou o veículo empoeirado, encontrou
papéis detalhando operações de guerrilha num acampamento secreto no Nancahuazu. Em
quatro cadernos, uma mulher chamada Tania listara toda uma rede boliviana de contatos
urbanos,aliadoscomunistasforadaBolíviaediversascontasbancárias.
Barrientosplanejourastrearaquelesendereçoseprenderoscriminosos.“Elesvãopagarpor
suadeslealtraição”,prometeu.
As evidências apontavam para Che Guevara. Uma semana antes da emboscada, a polícia
prendera dois homens bolivianos tentando vender rifles emCamiri. Os homens disseram ter
estadonumacampamentorebeldeduranteumaouduassemanas,masficaramdesiludidoscom
asdurascondiçõesedesertaram.Quandopostosfrenteafrentecominterrogadoresnoquartel-
general da 4ª Divisão, eles revelaram novas informações: os guerrilheiros haviam feito um
acampamentonumafazendaemNancahuazu.Barrientosleutranscriçõesdointerrogatório:
P:Diga-nosquemseachavanocomandodosguerrilheiroscomquemvocêsestiveram.
R:Oprincipal líderdaguerrilha,ochefe,éCheGuevara,aquemeunãotivechancedeconhecerpessoalmenteporqueeleestavaexplorandooterrenoàfrentede25homens.
Osoutrosfalaramamesmacoisa.
Ainda assim,os investigadoresdisseramduvidarqueCheestivesse emNancahuazu,mas a
perspectiva era inquietante. Poucas semanas antes, um jornalista fizera ao presidente uma
perguntaderotinasobreCheearevolução.“Nãoacreditoemfantasmas”,respondeunaocasião
o presidente. “Estou convencido de que Che Guevara está pelo mundo, junto com Camilo
CienfuegoseoutrosmártiresdoregimedeCastro.”
Mas os papéis achados no jipe eram claros: era quase certo que Che estivesse vivo e,
possivelmente,operandonaBolívia.Seeledefatoestavaporlá,deviacontarcomcentenasde
combatentes.Quantosdesseseramcubanos?Chenuncaviajavasemseusguarda-costascubanos
de confiança. Os sobreviventes da emboscada diziam que seus captores eram cubanos, e um
líderguerrilheirohaviapregadoaelessobreaglóriadarevolução.AquiloerapuroChe,pensou
Barrientos.
Enquantoanaçãoseesforçavaparadarsentidoàemboscada,Barrientosassumiuaofensiva.
Elemonopolizouosmeiosdecomunicação,prometendoaumanaçãoansiosaqueiriaesmagar
osrebeldeseseusapoiadores.Comosjornaiseasrádiosnoticiandotudooquepodiamsobrea
emboscada, Barrientos proferiu um discurso de governo cuidadosamente elaborado — numa
escrita algo criativa que embelezava os fatos para salvar as aparências, e apelava ao orgulho
nacional boliviano para unir o país. Aqueles assassinos estrangeiros ameaçavam a própria
soberanianacional,disseopresidente.
Esteatoinsensíveleultrajante...éaindamaisgraveporquetrouxedorelutoàsfamíliasdossoldados,trabalhadoresecamponeses.
O oportuno relato dos sobreviventes permitiu uma rápida reação das tropas da 4ªDivisãodoExército, respaldadasporaviõesda forçaaérea,quedispersaramosagressores,causandobaixasefazendoprisioneiros.Nafuga,elesabandonarammalascontendoroupas,peças de equipamento, panfletos com táticas de guerrilha e propaganda comunista deCastro,deorigemcubana,alémdeumgravador,umrádioportátildealtafrequênciaeumjipe.
Prisioneiros,moradores locaise soldadossobreviventes relataramoenvolvimentodeumgrande grupo de pessoas de diferentes nacionalidades, incluindo comunistas cubanos,peruanos,chineses,argentinos,europeusetambémbolivianos.
Odiscursoterminavacomumalerta:“OExércitoautorizaadrásticaeimediataerradicação
desses insurgentes.”Os cidadãos eramorientados a relatar quaisquermovimentos suspeitos.A
bravatadeuaBarrientosotempoqueeleprecisavaparacalcularoseupróximomovimento.
NãohaviamençãoaCheGuevara.
3
Ojantar
OcapitãodoExércitobolivianoGaryPradoSalmóneraumhomemmeticuloso.
Elevestiuasuaásperacalçacáquiecolocouopolidocintopreto,abotoouacamisabrancae
puxouos cadarços do sapatopara ver se estavambemamarrados. Suapele amendoada estava
impecavelmente barbeada, e o bigode negro, bem aparado. Tudo estava perfeito. Tinha que
estar.
Prado fora chamado para jantar na casa do seu vizinho, e era esperada a chegada de um
convidadoilustre—opresidenteBarrientos.
AfamíliadePradoconheciabemaprimeira-famíliaboliviana—eramparientes.Rosário,a
mulher do capitão Prado, crescera com a garota que, mais tarde, casou-se com o general
Barrientos, e as duas eram ainda como irmãs. Amãe de Rosário era casada com o sogro de
Barrientos. Era assim na Bolívia. A classe dirigente era bem pequena — duzentas famílias,
talvez—,etodoseramdealgummodorelacionados.Aelitecontrolavatudo:asforçasarmadas,
o governo, as minas e a imprensa. Eles mantinham-se dentro do próprio círculo social e
decidiampelasmassas.
O vizinho de Prado, anfitrião da noite, era o governador de Santa Cruz, coronel Félix
MorenoOrtiz,umhomemqueadoravaoferecerjantares.Quandosoubequeopresidenteviria
a SantaCruz, ele convidouBarrientos para jantar.Nadamuito luxuoso.Tratava-se apenas de
uma reunião informal entre casais, incluindo Prado e sua mulher. Ortiz comentou que o
presidenteestavaansiosopararelaxarcomvelhosamigosdepoisdeumasemanadifícil.
Pradocompreendia.Eraumperíodoestressanteparatodosnasforçasarmadas.
Ele não conseguia parar de pensar na emboscada. Lera o relatório e conhecia alguns dos
soldados envolvidos. Havia treinado alguns deles, incluindo o tenente Amézaga, uma das
primeiras baixas. Prado era instrutor da academia militar — e dos bons, segundo os seus
homens.Agora, ele fazia parte da unidade de cavalaria da 8ªDivisão e ajudara a transformar
Amézagaeoutrosrecrutasinexperientesemoficiais.Pradoeraumsujeitoseco,defalamansa,
masqueexigiarespeito.Especialistaemtáticasmilitares,elelideravapeloexemplo,mostrando
meticulosamente aos soldados como atirar emanobrar, habilidades que aprendera como pai,
JulioPrado,umextraordináriooficialdecavalaria.
Pradofazia todoopossívelparadeixar seupaiorgulhoso.Omaisvelhode três filhos,ele
foi o único a entrar para o Exército.O pai de Prado tinha sido oficial durante aGuerra do
Chaco, subindo de segundo tenente a capitão. Mais tarde, Julio Prado estaria entre as três
dezenas de oficiais bolivianos selecionados para treinar na Europa. Ele partiu para Roma em
1938,efoiláqueoseuprimeirofilhonasceu.QuandoaSegundaGuerraMundialteveinício,
em setembro de 1939, Julio Prado retornou à Bolívia, onde se tornou comandante de duas
divisões: adido militar na Inglaterra e ministro da Defesa da Bolívia. Aposentou-se como
generaldeExército,*opostomaisaltodasforçasarmadas.
Quando criança, Prado observava seu pai treinar os cadetes na academia militar. Ainda
adolescente,eleentrouparaoExércitoe,assimcomooseupai,foidesignadoparaacavalaria.
ElepretendiaconversarcomBarrientosemalgummomentodanoite,paraoferecerseuserviço
comooficialnocampo.SehaviaumaforçarebeldenaBolívia,Pradonãogostariadeficarpreso
atrásdeumamesa.Queriavingaramortedoseualuno,pensou,e,emúltimainstância,ahonra
dopaís.
PradonotouqueRosárioentraranoquarto,esentiuseusbraçosenvolvendo-oportrás.
—Vocêestátãobonito—disseelasuavemente.
Pradosorriu,constrangido.Nãolidavabemcomelogios.
—Teamo,querida—disseele.
—Teamo,mialma—Rosáriosussurroudevolta.
Rosário era uma mulher linda e miúda, de olhos castanhos e sorriso atraente. Usava um
vestidocoloridodealgodãoquemarcavaoseucorpoesbelto.
—Ébomirmoslogo—sugeriuelaaomarido.
Elepegousuamão.Eraumanoitebonitaeestrelada,eavizinhançaestavacheiademúsica.
SantaCruzeraumacidadedeclasseoperária,lardetrabalhadoresdasfábricasecamponeses
recém-chegados das montanhas. A riqueza local deslocara-se para a periferia, e a classe
dominanteachava-seisoladadoarenosocentrodacidadeporantigasárvoresemurosdepedra
talhada.Estaeraumadas ruasprósperas,comfileirasdecasasbempintadas,elegantes sacadas
demadeira,telhadosvermelhosejardinscomportõesdeferroforjado.
OsPradoatravessaramoportãodosvizinhos,eumempregadoabriuaportadafrenteantes
mesmoqueocapitãopudessebater.Risadaschegaramatéelesdedentroda residência, junto
comumaromadegalinhaassadadedaráguanaboca.Osladrilhosdoassoalhobrilhavamquase
tantoquantoolustredasaladeestar.
PradologoavistouopresidenteconversandocomOrtizeváriosoutrosconvidados.Ocasal
aproximou-se para prestar as honras. Prado se conteve. Queria falar sobre a emboscada e
perguntaraBarrientoscomoeleplanejavaenfrentaromovimentoguerrilheiro.Masaquelenão
eraomomento.Nãoainda.
Barrientos tinha o dom de fazer todo mundo num ambiente cheio se sentir especial. O
generaleraumhomembonito,alto,decompleiçãobronzeada,cabelosnegrospenteadospara
tráseumvigorosoapertodemão.Eraumpolíticocarismáticoe talentoso,mas irascívele,às
vezes, brutal. O público — para quem Barrientos era um intrépido piloto, pulando nos
helicópteros do Exército e voando de vilarejo em vilarejo, proferindo discursos apaixonados
sobrereformaagrária,lei,ordemeosmalesdocomunismo—raramenteviaesselado.
Ele não ficava só nas palavras. Trabalhou durante meses para cumprir as promessas de
campanha.Agora,todaasuaatençãoestavavoltadaparaosguerrilheiros.
Osanfitriõeslevaramosconvidadosparaolocaldojantar.AcozinheiradeOrtizhaviafeito
picantedepollo—galinhanummolhoapimentadocomarrozebatatas.Enquantodistribuíam-se
os pratos, um dos convidados abordou o tema que todos esperavam discutir: a emboscada.
Cansado que estava do assunto, Barrientos tinha consciência de que ele surgiria, em algum
momento.EraaconversadodianaBolívia,emtodososmeiosdecomunicação—todarádio
interrompia sua transmissãoquandonotícias atualizadas chegavam.Naquelamanhã,um jornal
noticiara que o próprio presidente havia conduzido um helicóptero do Exército para as
montanhas, a fimdeconferir emprimeiramãoaofensivadogovernocontraos guerrilheiros.
Barrientos disse aos repórteres que suas unidades de combate “possuíam recursos adequados”
para lidar com uma estimativa de quatrocentos a quinhentos guerrilheiros, que vinham
recebendo“ajudaestrangeirahámaisdeumano”.
Barrientos pôs amelhor fachada na calamitosa situação. Ele queria aplacar os temores de
que a violência explodisse pelas cidades e pelos vilarejos. Foi então que um dos convidados
entornou de vez o caldo: CheGuevara participara do plano da emboscada, aconselhando os
guerrilheiros. Talvez estivesse até escondido em algum lugar da Bolívia. O convidado havia
escutadonorádio,segundocontou.
CheeratemidoeadoradonaBolívia,comomesmograudeintensidade.CheGuevaraera
umheróiromântico,ummédicoargentinoqueabandonaraavidadeclassemédiaeaprofissão
paraajudarFidelCastroaderrubaroditadorcubanoFulgencioBatista.QuandoBatistafugiude
Cubaem1ºdejaneirode1959,muitagentenaBolíviaeemtodaaAméricaLatinaexpressou
alegria e solidariedade para com os guerrilheiros. Cuba recordava-lhes as lutas por
independênciade seusprópriospaíses,quandocamponesesde todoocontinentepegaramem
armasparaderrubarogovernoespanhol.
ARevoluçãoCubanatraduziabemaslutasmodernasdaregião.Cubanãoeraoúnicopaís
ondeumditadorcrueltransformaraapátriaemumfeudo,explorandoseupovoeseusrecursos
naturais.Seumpequenogrupoderevolucionáriospodiaderrubarumditadorestabelecidoem
Cuba,pensavamaspessoasdaqueleslugares,porquenãoemseuprópriopaís?
Castro era o líder da Revolução Cubana, mas Che era o seu ícone — e sua mensagem
repercutiaentreinsurgenteslutandocontrainjustiçasnomundointeiro.Comlongoscabelose
barba desalinhada, uniforme verde e boina, ele pregava uma simples mensagem: o dever do
revolucionárioerafazermaisrevolução.Eoobjetivoúltimodetoda lutaarmadaeraderrubar
osgovernoscorruptosqueexploravamopovo.
Porbaixodabelaretórica,CheeratãobrutalquantoqualquerditadordoTerceiroMundo.
DepoisqueCastroassumiuopoderemCuba,Chesetornouohomemencarregadodeexecutar
os prisioneiros políticos. Ele trabalhava com eficiência e não demonstrava nenhuma
misericórdia.
Che abraçou a sua imagem revolucionária e exportou-a para o mundo todo, junto com
livros ideológicos e didáticos sobre a luta armada. Se funcionara em Cuba, funcionaria em
outros lugares.Elechamava sua teoriade foco:umpequenogrupodededicadosguerrilheiros,
baseado num recanto rural, poderia rapidamente derrubar um governo estabelecido e libertar
umanação.
ChetestemunharaovalordoapoioruralquandolutavaemCuba.Em25denovembrode
1956,elee81guerrilheirosembarcaramnumvelhoeinstávelveleirochamadoGranma,içandoasvelaspormaresagitadosatéCuba.Emduassemanas,elesaportaram,entraramemconfronto
comosinimigoseperderamquasetodososhomensnumadesastradarefregacomossoldadosde
Batista.Ossobreviventes, incluindoos irmãosRaúleFidelCastro, fugiramparaasmontanhas
de SierraMaestra, onde se reagruparam e recrutaram agricultores anti-Batista para sua causa.
Levou algum tempo, mas, dali a dois anos, Castro e sua guerrilha — conhecida como
Movimento26deJulho—derrotaramogovernoBatistaetomaramopoder.
Che ocupou diversos cargos no novo governo, mas continuava a pregar a revolução para
outros países em desenvolvimento, fazendo de si mesmo “um estadista revolucionário de
estaturamundial”.
OrevolucionárioproferiuseuúltimodiscursovirulentonaArgélia,em24defevereirode
1965, num seminário econômico sobre a solidariedade africano-asiática. Lá, ele criticou não
apenasosEUA,mastambémaUniãoSoviética,afirmandoqueambososgovernosexploravam
omundoembenefíciopróprio.Duassemanasdepois,Chedesapareceu.
O tempo passou. Cuba lamentava. Fidel Castro veio a público com uma carta que Che
havialheenviadoalgunsmesesantes.CheafirmavasuasolidariedadecomaRevoluçãoCubana,
mas anunciava sua intençãodedeixarCubapara lutarpela causa revolucionáriamundoafora.
Renunciavaatodososseuscargosnogovernoenopartidoeabdicavadesuacidadaniacubana
honorária.
Maspermaneceunonoticiário.FoiresponsabilizadoporlevantesnaÁfrica,AméricaLatina
e Ásia. O Departamento de Estado norte-americano o declarou “um perigoso inimigo das
democracias”, e aCIA foi encarregadade rastreá-lo.Noentanto,Chehavia sumidodomapa.
Tornara-seumfantasma,umaassombração.
EagoraelepodiaestarnaBolívia,bemnoquintaldeBarrientos.
Oscomensaisterminaramassuasentradas,eBarrientosexalavaasuatradicionalconfiança.
Contou aos convidados que pressionava insistentemente os EUA a fornecerem mais ajuda
militar,equeestavatendoumarespostapositiva.“Porqueelesnãonosajudariam?”,perguntou
Barrientos.Veja o que ocorreuno imbróglio.ABolívia precisava de armasparamanter esses
guerrilheiros comunistas a distância. Commais armas, o nosso Exército vai esmagar aqueles
desgraçados,gabou-se.Erasóumaquestãodetempo.
Os convidados balançavam a cabeça em sinal de grave concordância,mas Prado achava-se
exasperado,corroídopeladúvida.EleapoiavaBarrientos,mas sabia tambémque seriapreciso
mais do que armas — e bravatas — para derrotar os guerrilheiros, especialmente se Che
estivessenocomando.As forçasarmadasbolivianasestariamfadadasao fracassoanão serque
adotassemnovas táticasparacombateros rebeldes.Seriadesrespeitosodiscordarpublicamente
daavaliaçãootimistadopresidente.Aqueleeraumjantar festivo,nãoumdebate,eseupaio
havia ensinado a respeitar a autoridade.Mashaviamuita coisa em jogo.Prado enfrentara seis
meses de extenso treinamento em contrarrevolução na base norte-americana no Panamá.
Confirmara-seoqueelejásabia:queseuscomandantesestavamvivendonopassado.Elesainda
adotavamtáticasutilizadasnaSegundaGuerraMundial—naqualtinhamumalinhadefrente
e uma retaguarda. Aquilo servia numa guerra convencional, mas seus comandantes não
compreendiam que, em uma guerra de guerrilha, era necessário mover-se rápido — e de
maneiraagressiva—paradesentocaroinimigo.EletinhaquefazerBarrientosentenderqueos
velhoshábitosmilitaresjánãofuncionariam.Pradopensounossoldadosmortosnaemboscada.
Senadafossefeito,outrosmorreriam.
—Não,sr.presidente,eunãoachoquemaisarmasresolverãooproblema.Estamosagindo
errado—declarouPrado,pousandoasmãosemcadaladodoseuprato.
Umsilênciopairou sobrea sala.Ninguémfalavacomopresidentedaquelamaneira.Nem
mesmoo filhodeumdosmais respeitadosgeneraisdaBolívia.MasBarrientos admiroua sua
coragem—asuamacheza—edeixouquePradocontinuasse.
—Porquedizisso,capitão?—Barrientosquissaber.
Pradoexplicouquetáticasconvencionaisnãofuncionariamcontraaguerrilha.
—Temosque isolaraáreae treinar tropasparacaçaros insurgentes.Elesestão sempre se
escondendo, sempre em movimento. Logo, você precisa encontrá-los, fixá-los no lugar e
destruí-losnaordemcerta.—Pradosentiuapaixãoseapossandodesuavoz.—Nomomento,
tudo o que fazemos é enviar tropas não treinadas para serem colhidas por assassinos
disciplinados.Nossosoficiais,semtreinamentonessetipodecombate,sofrerãoomesmo.
Fez-seumsilênciodesconfortável.BarrientosolhounosolhosdePrado.Elepodiasentira
determinaçãodojovemoficial.Precisamosdemaishomenscomoesse,Barrientospensou.
— Você levanta questões muito boas, meu amigo. Questões muito boas. Em breve,
veremos.
Barrientos tornou a dirigir a atenção para os demais convidados. Enquanto isso, Prado
começouasequestionarsehavia feitoacoisacerta.Eleescapuliuda festa logodepois. Iriao
presidenteseguiroseuconselho,oueleacabaradeenterrarasuacarreiranoExército?
Doisdiasdepois,elerecebeusuarespostaesuasordens.
DeveriaseapresentaraumnovobatalhãodeRangersquevinhasendoformadoparacaçare
matarguerrilheiros.Eleseriapartedoexperimento.
Nota:*Majorgeneral,nooriginal.Nãohá,noExércitobrasileiro,equivalenteaessapatentedasforçasarmadasnorte-americanas.Mas,
comooautorafirmaseraqueleopostomaiselevado,optou-sepor“generaldeExército”,que,noBrasil,representaoaugedahierarquiamilitar,umavezqueapatentedemarechalfoiextintanadécadade1960.(N.doT.)
4
Amissãode“Pappy”
Omajor Ralph “Pappy” Shelton pegou o seu velho violãoGibson azul e castanho, arranhou
algunsacordeseencostou-onaparededabarraca.
Era fimde tarde no ForteGulick, Panamá, e Shelton estavaprontopara voltar para casa.
ServiraaoExércitoporvinteanos,e,aospoucos,sepreparavaparadeixaraativa.Estánahora,pensouele.Tinhaapenasdeconvencer-sedefato.
Suamulher,Margaret, queria-o em casa. Cansara-se de sermãe solteira, arrastando cinco
criançasatéasaulasnaLigaJúniordeArteseJogos,efrequentandooconselhodeclasse.Ela
cumpriaumaduplajornada,eelesabiadisso.Sheltonjáeraumsoldadoquandosecasaram,e
durante um bom tempo ela lidoumuito bem com aquilo.Mas, com o passar dos anos e as
criançascrescendo,acoisa foi ficandomaisdifícil.Quandochegaramordensdeumamudança
para o Panamá, Margaret e a família transferiram-se com ele, como sempre faziam. Mas o
PanamánãoseentendiacomMargaret.Elanãoconseguiaadaptar-seaoestiloinsulardevidana
base.Apósterseesforçadoaomáximo,afamíliafezasmalasevoltouparaoTennessee.Ali,
MargaretesperavaporShelton,ansiosaporumavidasegura,estávelecivilizada.
Sheltonprometera-lhedeixaroExércitoaofimdaqueleturno,esemprecumpriaapalavra.
Mas,internamente,elesedebatia.Adespeitodetodososproblemas—ehaviasemprediversos
sapos a engolir na rotinamilitar—, Shelton amava a vida no Exército. Não tinha problema
algum em viver na caserna.Gostava da camaradagem e era adorado por seus homens. A sua
experiência de combate na Coreia e no Laos era muito respeitada. Ele vivia para a ação, e
começou a vivê-lamais intensamente desde que se juntou às Forças Especiais, em 1961.De
fato,todasascoisasboasnasuavidatinhamavercomoExército.
Shelton nasceu emCorinth,Mississipi, após amorte de seu pai.Assim que atingiu idade
suficiente, Shelton alistou-se no Exército. Na época, alistar-se era uma sábia opção para um
jovemfogodepalha,umaoportunidadedeconheceromundoeaprenderhabilidadestécnicas.
Fosseemqueramofosse,eradignificanteestarnasforçasarmadas.Elebatalhousuaascensãode
soldadorasoamajor.LutounaCoreiaeserviucomosBoinas-VerdesnoLaosenaRepública
Dominicana.PorpurasortenãofoimandadoaoVietnã—e,talvez,porsuahabilidadeemfalar
espanhol.
Mas como acharia o que fazer na vida civil? Ele estava com 37 anos, tinha uma grande
famíliaparasustentar.Comoalguémqueforasoldadoprofissionalavidainteirairiaseencaixar
numpaísquehaviaperdidoorespeitoporele?
AGuerra doVietnãmudara tudo.Após décadas demanobrasmilitares naGuerra Fria, a
América descobria que já não poderia vencer apenas com a força das tropas e com aparato
militar—elaachava-seatoladanumaguerrabrutalcontraguerrilheirosqueusavamafrustrante
táticado ataque e fuga.O inimigo atacavadesonrosamenteoExércitonorte-americano e, no
instanteseguinte,desaparecianamatafechada.
Em abril de 1967, aproximadamente 400 mil soldados norte-americanos achavam-se
estacionadosnoVietnã.Asbaixas aumentavam:quase10milhomenshaviammorrido—6,1
milapenasem1966.Aindaassim,osgeneraisnocomandopediammaistropasemaisarmas—
eraaúnicamaneiraqueconheciampara impedirqueoscomunistasdonorteconquistassemo
Vietnã do Sul. Se isso ocorresse, outras nações do Sudeste Asiático cairiam como peças de
dominósobdomíniocomunista—oqueameaçariaasegurançadosEUA.Aomenos,eraessaa
teoria.
Mas o público estava cansado da guerra e ressentia-se da outrora respeitada instituição
militar— e dos soldados. As pessoas questionavam líderes políticos e militares, perdendo a
paciênciaeaconfiançanogoverno.Protestoscontraaguerrairrompiamnascidadesenoscampiuniversitários, e as coisas ali estavam ficando feias—gás lacrimogênio,prisões,manifestantes
convocadosrecusando-seairelutarporliberdade.Comachegadado“verãodoamor”de1967,
músicosde rock tomarampartidodos revoltosos, alguns, comoosBeatles,pregando: “AllYouNeedIsLove.”
Para Shelton, a peçonha dirigida aos soldados era perturbadora. Uma coisa era atacar os
políticos. Outra era criticar homens em pleno combate. Eles não faziam política. Estavam
lutando bravamente— emorrendo— pelo seu país, para impedir o avanço do comunismo.
Sheltonimaginavaoquefariase,voltandoparacasa,hippiesofendessemasuaopçãopelavida
militar.
Umsoldadopediulicençaeenfiouacabeçadentrodabarraca.
—MajorShelton,ocoronelSmithdesejavê-lo.
Shelton estava curioso, pois contara somente a poucas pessoas que planejava deixar o
Exército.Talvezocoroneltivessedescobertoequisessedissuadi-lo.
Ele dirigiu-se a Quarry Heights, quartel-general do Comando Sul dos EUA
(SOUTHCOM), o complexo administrativo responsável por supervisionar programas e ações
militaresnorte-americanasnohemisfériosulenaregiãodocanaldoPanamá.
AportadoescritóriodocoronelMagnusSmithestava aberta, eo grandehomempediua
Sheltonqueafechasseepegasseumacadeira.Smithfoicurtoegrosso.ConheciaSheltonhavia
anos,enãoperdeumuitotempodandodetalhesdesuapróximamissão.
Smitheraencarregadodo8ºGrupamentodasForçasEspeciais,eoSOUTHCOMsolicitara-
lhequemontasseumaequipemóveldetreinamento(MTT)paraumamissãosecretanaBolívia.
OExército de lá formara umnovo 2ºBatalhão deRangers, com650homens, em resposta a
uma ameaça iminente. Os norte-americanos teriam apenas dezenove semanas para treinar os
Rangers bolivianos nas intrincadas táticas de contrarrevolução. Eles não dispunham demuito
tempo.Guerrilheiros comunistas já atuavamnas florestas da região, ameaçando a estabilidade
daBolívia.
—PrecisamosdeumcapitãooumajorRangerdasForçasEspeciais—disseSmith.—Sóhá
dois oficiaisRangersdisponíveis, eumdeles estánoVietnã.Resta você,Shelton.Eu sei que
estáprestesadaroforadaqui,masprecisamosdevocênessa.
Sheltonapenasacenoucomacabeçaerecostou-senacadeira.
OcoroneldisseaSheltonqueoSOUTHCOMplanejavaumaescoladetreinamentosimilar
naBolívia para o ano seguinte,mas queo ataque guerrilheiro a tropas bolivianas, emmarço,
antecipara o projeto em caráter de urgência. O presidente boliviano, Barrientos, solicitara a
Washington imediata ajudamilitar, e o governo Johnson aprovara o pedido.O que Johnson
menos precisava era de uma insurgência comunista na Bolívia — ou em qualquer lugar da
AméricaLatina.ElesnãoqueriamumaoutraCubaou(Deusnoslivre!)umoutroVietnã.Daí
porqueaequipedasForçasEspeciaisdeSheltonapenas treinariaos soldadosbolivianos.Eles
mesmos não executariam nenhuma missão ali. O embaixador norte-americano na Bolívia,
DouglasHenderson,estavaresolutoquantoaisso:semtropasnorte-americanasnoterreno.Os
bolivianosteriamquearrumarabagunçasozinhos.
Maisumacoisa:Sheltonpoderia escolher adedoosdezesseishomensde sua equipe,mas
eles teriamquepartir omais rápidopossível.Havia urgência na voz de Smith. Shelton sabia
que aquilo era sério. Ele se levantou, pronto para começar a organizar a equipe, com todos
aquelespensamentosdomésticosbanidosdesuamente.
— Ah, mais um detalhe, major— disse o comandante.— É possível que Che Guevara
estejaportrásdaencrenca.
—Che?—Sheltonsentiusuassobrancelhaserguerem-sedeespantoatéoaltodatesta.
—Sim.Sente-semaisuminstante—pediuSmith.
HaviamuitasquestõesnãorespondidassobreChe.Ainteligêncianorte-americananãofazia
ideiaseeleestavavivooumorto.SeChecomandavamesmoaguerrilha,fazia-oadistânciaou
efetivamentenoterreno?TodomundoconcordavaqueaquelaoperaçãotraziaasmarcasdeChe
emtodaparte.GuevaraodiavaosEUA;equalomelhorjeitodeprovocarumadordecabeça
doquecomeçaruma revoluçãonaBolívia?Cheprovavelmentepretendia tragarosEUApara
dentrodoconflito,abrindoumanova frentenaguerracontraocomunismo.Por issoamissão
eratãovital,explicouSmith.
De fato, aquele tinha sido o motivo pelo qual o embaixador Henderson visitara o
SOUTHCOM poucos dias antes. Henderson passara uma manhã inteira informando o alto-
comando sobre a emboscada letal e a ameaça guerrilheira. Henderson era um pragmático
diplomatadecarreiraque,duranteanos,subestimaraaameaçacomunistanaBolívia.Elevinha
dizendoaWashingtonqueocomunismonãorepresentavaameaçaparaaestabilidadedaBolívia
—aindaquetalopiniãofossecontraditadaporrelatóriosdainteligêncianorte-americana.
Emmaiode1965,oescritóriodaCIAparaAssuntosContemporâneosnaAméricaLatina
lançaraumestudoqueapontava,numaescaladeriscodeinsurgênciacomunista,aBolíviacomo
a segunda da lista, atrás apenas da RepúblicaDominicana. A situação política na Bolívia era
classificada como “altamente instável” e alertava para “comunistas e extremistas de esquerda
armadosedeterminadosanãopermitiracontinuidadedoregimedeBarrientos”.
Mesmo após a emboscada, Henderson acreditava que o levante tinha pouca chance de
sucesso num país tão profundamente cansado de guerra.Mas, comCheGuevara em cena, a
equaçãotornara-semuitomaiscomplexa.
Depois de encontrar-se com Henderson, o general Robert Porter Jr., chefe do
SOUTHCOM,enviouogeneraldebrigadadaforçaaéreanorte-americana,WilliamTope,para
a Bolívia. O SOUTHCOM precisava de uma correta avaliaçãomilitar da crise na Bolívia, e
Tope era um homem afável e de confiança, que podia conversar com qualquer um em
“militarês” fluente, do soldado mais raso ao oficial da mais alta patente. O embaixador
Hendersondeu-lheasuabênção.
Enquanto isso, Shelton tinha pela frente uma tarefa à sua altura. Deveria encontrar uma
locação suficientemente remota na Bolívia para treinar o 2º Batalhão de Rangers, e então
ensinar-lhesateoriaeapráticadacontrarrevolução,tudoissonointervalodetrêsmeses.
Shelton deu-se conta de que aquela seria a sua última missão. Uma vez encerrado o
treinamento, também a sua carreiramilitar teria chegado ao fim. Ele prometeu a simesmo:
quandoas coisasendurecessem,manter-se-ia firmee faria tudodo seu jeito.Aquela era a sua
unidade.Asuamissão.Tudooquetinhadefazereraescolheraequipecerta.
5
Ocolapso
Omotorista de Shelton percorria cuidadosamente a estrada suja e acidentada que conduzia à
viladeLaEsperanza.
Eraumacorridadeobstáculos,repletadeburacosdotamanhodecraterasegadoinvadindo
a pista. Os animais dominavam aquele estreito trecho de solo marrom e empoeirado. Os
rebanhospastavamemgrupo,abrigando-sedosolinclementesobasombradaspalmeiras.
—Semaspalmeirasecomalgumasplantaçõesdealgodão,istoaquipoderiaseronordeste
doMississipiemjulhoouagosto—Sheltoncomentoucomomotorista.
Nada poderia ser pior do que labutar nas plantações de algodão, ele pensou. Shelton
conquistaraosprimeiroscalosdasmãosduranteaquelesdiasremotosnoscampos.
Trabalharaavidainteira.Eraoquesabiafazer.Elejáforalenhador,serralheiro,operáriona
linhademontagemdeumafábricadeautomóveis.QuandoaGrandeDepressãoatingiua sua
cidadenatal,jánãoencontroumuitacoisaparadevastar.Corinth,noMississipi,eraumantigo
entroncamentodaestradadeferroMobile&Ohio,rodeadoporinfindáveiscamposdealgodão.
Muitosfazendeirosperderamassuasterrasnacrisede1929,e,assimcomoquasetodomundo,
negros e brancos, pareciam lutar para pôr comida na mesa. Ter crescido “duro” (no sentido
financeiro) tornara-o duro (no sentidomoral), Shelton dizia—e nãohavia substituto para o
trabalhopesadoehonesto.
Levaraalgunsdeseussoldadosdeconfiançaparaamissãodereconhecimentodeterreno,e
oficiaisdoExércitobolivianoosacompanharam.Ocomboiodejipesparounapraçadavila,e
oshomenssaltaramparaesticaraspernas.Aviagemtinhasidolonga.
Sheltonnotoupequenosgruposdecriançascorrendoebrincandoemfrenteasurradascasas
de barro com telhado de palha. A maioria dos casebres margeava a estrada, sombreada pela
densasuperpopulação.Haviaalgumcomércio—prédiosdeumandaremmadeiraetijolocom
telhados de estanho.O armazém dobrava de tamanho na parada do ônibus, onde os aldeões
podiamembarcaraolongododiaparaaviagemde65quilômetrosrumoaosul,atéSantaCruz.
Aescoladepalhoça estavadilapidada.Avilanão contava comeletricidade, água correnteou
encanamento interno. As galinhas erammais numerosas que os aldeões, e rebanhos de gado
trotavam juntoaos jipes, levantandograndesnuvensdepoeira.ParaShelton, aquilopareciao
cenário de um filme de western spaghetti. Só faltava Clint Eastwood cavalgando pela rua
principalcomoseuponcho.
Então,Sheltonavistouumprédioquesedestacavanapaisagem—umengenhodeaçúcar
abandonado. Possuía cinco andares, com altura aproximada de 15 metros de fachada. Fora
construído alguns anos antes, com dinheiro da Aliança para o Progresso — programa norte-
americanoqueajudavaafinanciarprojetosdedesenvolvimentoeconômiconaAméricaLatina.
A indústria gerou empregos e fortaleceu a economia local durante alguns anos, e gente dos
vilarejospróximosvinhatrabalharemLaEsperanza.Mas,por fim,amágestãoacaboucomo
empreendimento. Foi um baque para a região,mas um golpe de sorte para Shelton. Aquele
prédio vazio com vigas de aço era o local perfeito para treinar os soldados bolivianos. A
estruturapodiafornecerumvastoabrigoparaastropaseumespaçoperfeitopararapeleoutros
exercícios.Dispunhatambémdeumpoçoedeumacisternaparaarmazenarágua.
—Oquevocêacha?—perguntouocapitãoEdmondFricke,osuplentedeShelton.
Sheltonabriuumsorrisoedisse:
—Podedarcerto.
IssoeraoqueFrickeadoravaemShelton—eleeranãoapenasumsoldadoprofissional,mas
umsujeitoparacima,comumsorrisocontagiante.Tinha1,70metrodealturaeeramagro.Não
eramusculoso,mas percebia-se que era durão por sua postura corporal.Mantinha-se firme e
olhavanosolhos.Suapeleeracurtidaporanosdetrabalhoaoarlivre,eelefalavacomumleve
anasaladosulista.Aspessoassentiam-senaturalmenteatraídasporele.
Shelton caminhava pelo vilarejo, assegurando-se de que haveria espaço suficiente para as
manobras.Não queriamuita gente vivendo nas redondezas, porque os treinamentos noturnos
poderiamperturbá-la.
Aquela era para ser uma missão secreta. O que menos precisavam era do vazamento de
rumoresdequeasForçasEspeciaisnorte-americanasestavamtreinandosoldadosbolivianos.Se
os jornaisdescobrissem,poderiamcriarumverdadeiro infernoparao embaixadorHenderson,
queseesforçavaparamanterastropasnorte-americanasbemdistantesdaação.
Sheltoncontoucercadevintecasas.Alienavizinhançaviviam,talvez,umas150pessoas.
La Esperanza era rodeada por uma grande vastidão de canaviais abandonados. Poder-se-ia
facilmenteestabelecerumcampodetiroali.Ovilarejoeraisoladonoextremodeumapéssima
estrada—seriafácilcriarumperímetrodesegurança.Eleshaviamvistooutraspossibilidadesno
decorrerdaviagem,maseste localnãotinhafalhas.Sheltonvirou-separaocomandanteda8ª
Divisãoboliviana,coronelJoaquínZentenoAnaya,eperguntouseoespaçoestavadisponível.
Zentenoacenouafirmativamentecomacabeça.Sheltonsorriu.Abuscaterminara.
Com a primeira parte de sua missão completa, Shelton e seus homens aboletaram-se
novamente nos jipes, partindo rumo a Cochabamba para pegar um voo de volta ao Panamá.
Doisde seushomens—o sargentoHectorRivera-Coloneo subtenente*RolandMilliard—
permaneceramnolocalparaorganizaralogísticacomosbolivianos.
Sacolejando dentro do jipe, Shelton refletia sobre a missão. Teriam pouco tempo para
treinaraqueleshomens.Conseguiriamfazê-lo?Eraumdesafio,masSheltonnuncafugiadeum.
Suavidaforarepletadegentedizendooqueelenãopodiafazer.
Eletinhaapenas17anosquandosemudouparaDetroiteconseguiuumempregonalinha
demontagem de uma fábrica de automóveis. Era 1947— dois anos após o fim da Segunda
GuerraMundial.AAméricaaindadeitavanaglóriadeterderrotadooJapãoeaAlemanha.A
GrandeDepressãoficaranopassado,eopaísolhavaparaofuturo.Essetambémeraoplanode
Shelton. Quando ouviu falar de possíveis demissões, ele entrou no Exército, por causa das
oportunidades educacionais eda segurançano emprego.Estava fartodepularde trabalho em
trabalho.Nasforçasarmadas,haveriaestrutura,estabilidadeeachancedeumavidamelhor.
ElefoitripulantedetanquenoJapão,eláestavaquandoirrompeuaGuerradaCoreia,em
1950.Sheltonfoiumdosprimeirossoldadosnorte-americanosnoterreno.Emduassemanasde
combate,foiferidoporumestilhaço.Retornouàbatalhatrêsmesesdepoisefoiagraciadocom
aEstreladePrata—oterceiromaisaltoprêmiodoExércitoparavaloremcombate—,porter
destruído um ninho demetralhadora do inimigo.Depois demais quatromeses de combate,
feriu-se novamente— desta vez por uma granada demão—, e foi embarcado de volta aos
EUA.
Casou-se e logo teve dois filhos.Quando o seu alistamento terminou, em 1953, Shelton
voltouaoMississipiparatentartrabalharnalavoura.Seupaipossuíaumpequenolotedeterra,
e Shelton gastou a maior parte da sua poupança com sementes de algodão e milho. Não
demoroumuitoparaquemudassedeideia.Asecadevastousuacolheitalogoqueelabrotoudo
solo.SheltonpercebeuquesentiasaudadedoExército.
Soldadosqueabandonavamoserviçomilitarpodiamretornarcomamesmapatentecasoo
fizessem dentro de noventa dias. Shelton realistou-se no 87º dia. Nos cinco anos seguintes,
serviuembasesnaGeórgia,AlemanhaeCarolinadoSul.Semprealmejandosubirnacarreira,
Sheltonentrounaescolaparasargentos,graduando-seemprimeirolugarnasuaturma.Depois,
candidatou-separa aAcademiaMilitar.Aprincípio, suamulhermostrou-se cética—ela já o
pressionava para que deixasse o Exército.Mas Shelton foi aprovado pouco antes do seu 28º
aniversário,aidade-limite.Elepareciaumidosoparaosseuscolegasdeturma,quederamaele
umafetuosoapelido:“Pappy.”
Shelton graduou-se como segundo-tenente em 1958, e logo passou por um extenuante
treinamentoparaRanger.VoltouparaaCoreiae,emseguida,juntou-seàsForçasEspeciais,no
final de 1961. Era o momento em que um jovem presidente e herói de guerra, John F.
Kennedy, voltou-se para os Boinas-Verdes para que eles ajudassem a deter o avanço do
comunismo. Um linha-dura, Kennedy foi eleito em 1960 em parte graças à sua postura na
Guerra Fria. Era um estudioso de assuntos militares e desenvolvera interesse em
contrarrevolução — a arte e o método de derrotar movimentos guerrilheiros. As Forças
Especiaiseramaarma idealcontraasguerrilhas,eKennedycomeçouaenviaros seusBoinas-
Verdesaregiõesconturbadasparatreinartropasestrangeiras.
Comisso,Sheltonfoilogodeslocadoparazonasdeconflito.Em1962,elefoiaoLaoscom
umaequipede treinamento.Regressouparaumcasamentoemviasde fracasso.Os trêsnovos
filhosnãoresolveramosproblemas.
Nessemeio-tempo,Sheltondisseaosplanejadoresdacarreiramilitarqueestavainteressado
em fazer um curso intensivo de espanhol. Se iria passar um tempo na América Latina, ele
pretendia falar a língua— não queria que nada se perdesse na tradução. Em pouco tempo,
Shelton já era fluente no espanhol, umverdadeiro bônus para quando viajou, em1965, com
outra equipe de treinamento para a República Dominicana. A equipe era parte das 23 mil
tropas norte-americanas enviadas à ilha para defender os interesses dos EUA durante uma
insurreição.
Temendo uma outra Cuba, o presidente Johnson ordenou às tropas que lá estavam que
restaurassemaordemduranteogolpe.SheltonpermaneceunaRepúblicaDominicanaporoito
mesese,emseguida,foideslocadoparaoForteGulick,noPanamá.Agora,eraaBolívia.
Depoisdisso,umatelaembranco.
Ele não tinha tempo para se preocupar com o futuro. Sua equipe precisava treinar
rapidamente aquelas tropas, e seus comandantes opressionavampara começar.Ele já contava
comalocaçãoeasuaequipenoterreno.Omomentoeracrítico.
ComodissecertavezHarryS.Truman:sevocênãoaguentaocalor,saiadacozinha.
Sheltonestavapreparadoparaselançarnofogo.
***
O Exército boliviano vinha, havia semanas, perseguindo fantasmas no selvagem
Nancahuazu,enãotinhamuitoparaapresentaralémdecortes,febresepicadasdeinseto.
Cada passo dado pelas três companhias era acompanhado de espinhos, cipós, aranhas e
capoeira, e tudo sobre íngremes encostas.Havia poucas trilhas naqueles vales sinuosos, assim
comonada interessantepara visitantes humanos oumesmo animais.Os cumesdasmontanhas
eram amplamente estéreis; os vales, sufocados por densa vegetação, que demandava braços e
facõesresistentesparaservencida.
O comandante da Companhia A, major Ruben Sánchez, fora encarregado de encontrar
acampamentosguerrilheirosnaquelebrejo.Eleeseushomenspercorriamovale faziadiasem
busca de pistas, sem nada encontrar até aquele momento. Era como se os guerrilheiros
houvessemsimplesmentedesaparecido.
Pior: muitos dos recrutas em sua unidade estavam fora de forma. Tinham de parar
frequentemente para recuperar o fôlego naquele áspero terreno, e muitos caíram doentes.
Talvez fosse preferível que não encontrássemos os guerrilheiros, pensouSánchez.O resultadonão
eranemumpoucocerto.
Oplanodeleserasimples.
AequipedeSánchez,juntoàsoutrascompanhias,estabeleceriatrêsbases,ecadaumafaria
o reconhecimento de terreno numa direção diferente. Elas se espalhariam pelo vale do rio
Nancahuazu, encontrariam os insurgentes e os destruiriam. Contavam com mais de cem
soldadosnacaçada,masSáncheznãoestavasegurodequeseriamcapazesdecumpriramissão
nem mesmo com mil. Com o crepúsculo descendo sobre o vale, as companhias montaram
acampamento.Sánchezpermaneceuacordadoduranteaquelanoite.Algopareciaerrado.
Na aurora dodia 10 de abril, a companhiaA enviou três patrulhasNancahuazu acima.A
equipedequinzehomensdosegundo-tenenteLuisSaavedraArambeldeveriaseguirocursodo
rioemdireçãoaonorte.Emtornodomeio-dia,oshomenschegaramatéaconfluênciadorio
Iripiti,umafluente.Derepente,alguémcomeçouaatirarneles.
Ossoldados,empânico,correram.Saavedracaiumorto,emaisdoissoldadostombaramao
seu lado. Um outro foi seriamente ferido. Sete foram capturados, e os quatro restantes
conseguiramescaparbeirandooleitodorio.Freneticamente,elesretrilharamosseuspassosaté
abasedapatrulha.Sujosde suor, terrae sangue,os soldados relataramaemboscada.Sánchez
escutoue, logoemseguida,organizourapidamenteosseussessentahomensemarchouparao
local do ocorrido. Jorge Ayala e CarlosMartins, ambos segundos-tenentes, estavam entre os
soldados.
Tratava-se de outra vergonhosa emboscada, mas, pelo menos, eles encontraram os
guerrilheiros.Sánchezrezavaparachegarláatempo.Esperandoausualtécnicaguerrilheirade
ataque e fuga, ele avançava sem tomar grandes precauções. Imaginava que os guerrilheiros já
estivessemlonge.Mas,quandoeleeseushomensaproximaram-sedo localdaemboscada,um
estrondodedisparosecooupelovale.
Elesseaglomerarameouviramoestampidodealgunstiros,seguidosdomartelarconstante
da metralhadora. O pelotão de Sánchez encontrava-se sob ataque. Os guerrilheiros haviam
esperadoporeles,escondidosnomatoenasárvores.
Sánchezgritouaseushomensparaqueseabrigassemedevolvessemostiros,masasrajadas
pareciam vir de todos os lugares, levantando terra e estraçalhando as folhas. Ayala berrava
ordens,masfoisubitamentesilenciadoporumtironacabeça.
Sánchezestavapreso.
O terreno não permitia fuga. Provavelmente dezenas— se não centenas— de soldados
inimigos os rodeavam. Sánchez fez rapidamente os cálculos da situação: podiam continuar
lutandoemorrer,ouseentregare,talvez,serpoupados.
Eleordenouaseushomensqueserendessem.
Enquanto isso, os soldados de Martins vinham seguindo a unidade de Sánchez. Quando
começaramosdisparos, eles recuaram.Aomesmo tempo,umapatrulha lideradapelo tenente
Remberto Lafuente ouviu o tiroteio e partiu imediatamente, margeando o curso do rio, em
direçãoaoconflito.Suapatrulhanãosabiadasemboscadas.Elesnãotinhamrádio.
Àmedidaqueseaproximavamdolocaldaemboscada,oshomensdeLafuenteencontraram
soldados aterrorizados recuando desordenadamente. Lafuente localizou Martins, e eles
decidiramsereagrupar.Anoitecia,elogoficariamuitoescuroparaseenxergar.Osoficiaisnão
queriamcairnoutraarmadilha.Retornaramaostropeçosparaabaseepassaramumanoitetensa,
preocupando-secomoscompanheirosetemendopelaprópriavida.Quãopróximosestariamos
guerrilheiros?Oqueocorreriasefossemcapturados?Tornariamaverosfamiliares?
Quando o sol dispersou a névoa matinal, os homens de Lafuente estavam prontos para
começar a rastreá-los. Mas, ao se levantarem para partir, foram surpreendidos pelo som de
galhosestalandonatrilharumoaorio,passos,umespirro.Eramhomensvindoemsuadireção.
Os soldados montaram guarda e esperaram. Lafuente aguardava o primeiro sinal dos
guerrilheiros.Seushomensergueramosriflesaoredordele,maspararamquandoSánchezeos
outrossoldadosbolivianosapareceramsubitamentenumaclareira,comasmãosnanuca.Logo
atrásdosprisioneirosvinhamdezguerrilheiros,conduzindoossoldadosbolivianospelabeirado
rio.
Quando os guerrilheiros perceberam que estavam cercados, eles apontaram as armas para
Sánchezedisseram-lhequeordenasseo recuodos soldados.Senãoo fizesse,osguerrilheiros
atirariamneleeemtodososprisioneiros.
Eraumimpasse.Porummomento,ninguémmoveuummúsculo.
Os bolivianos apontavam os seus rifles para os guerrilheiros, e as armas dos guerrilheiros
miravam os prisioneiros. Estes suavam e soluçavam. Sánchez piscava, tentando manter o
controledasituação.Sabiaquebastavaummovimentoerradoeeleestariamorto.
SánchezgritouparaLafuente:
—Recuem.Elesestãonossoltando.
Disse-o duas vezes, até que seus homens compreendessem corretamente a mensagem.
Relutantes,elesbaixaramasarmaserecuaram.Quandoestavamforadevista,osguerrilheiros
evaporaramdentrodamata.
Humilhados,Sáncheze seus soldados reagruparam-secomosoutros.Estavama salvo,mas
abalados.Umacoisaeraatirarduranteostreinamentos;outraeramanter-secalmoobastanteno
decorrerdocombate.
Nocairdanoite,umgrupopartiucautelosamentepararecolherosmortos.Eraumatarefa
macabra. Seus corpos achavam-se despedaçados, os uniformes, endurecidos pelo sangue. A
algunsfaltavampedaçosdocrânioondeasbalashaviamatingido,epássaroseanimaisselvagens
já haviam começado o seu trabalho. No total, oito soldados haviam sido mortos nas duas
emboscadas, incluindodoisoficiais.Outrosoito estavam feridos.Vinteeoito soldados foram
capturadosesoltos,eoinimigoacabaraobtendoumagenerosaprovisãodearmas:21fuzisM1
Garand, doze carabinas M1, nove rifles Mauser, quatro submetralhadoras M3, e um rifle
automáticoBrowning.
Sánchez remoeu-se durante todo o caminho de volta à base nos arredores deCamiri.Os
guerrilheirosentregaram-lheumacartapara serdivulgadaà imprensa,maseleestavachateado
demaispara lê-la.Seushomensestavammalpreparadosparaabatalha.Eramcamponeses,não
soldados. Repare em como se comportaram sob ataque, ele pensou. Alguns lutaram, mas a
maioriacorreufeitocovarde.Elebalançouacabeçadedesgosto.
—MeuDeus.Oqueviráemseguida?—murmurou.
***
Os ataques de 10 de abril despertaram um pânico generalizado. Notícias das emboscadas
espalhavam-serapidamentepelasruasdascidadesbolivianas,àmedidaqueaspessoastomavam
conhecimentodosdetalhes sinistrosvia jornais e rádios.Mesmoa imprensaconservadorapró-
Barrientos noticiava que o Exército estava em frangalhos, despreparado para lutar. A nação
achava-sedesamparadadiantedeinvasoresestrangeiros.Erasóquestãodetempo,pensavamos
repórteres,paraLaPazsersitiada.
O governo debatia-se com um novo problema: o controle da notícia. As autoridades
normalmente sabiam lidar com a imprensa boliviana. Alguns telefonemas bem-feitos para
editores, ou ameaças de violência, costumavam funcionar para silenciar publicações anti-
Barrientos, mas essas táticas eram inúteis com jornalistas estrangeiros, que operavam sob um
conjuntodiferentederegras.Repórteresbisbilhotavampelopaíshaviasemanas,tentandoachar
fixers[informanteslocais]queosguiassempelaselvaembuscadeCheedeseusguerrilheiros.
Embora Che talvez desprezasse a ideia, ele tornara-se uma estrela internacional da mídia.
Articulado, bonitão,misterioso, Che estava namoda. Alunos de faculdades privilegiadas nos
EUA liam uns para os outros a doutrinação insurrecionista do livro A guerra de guerrilhas,escrito porChe em 1960: “A luta dos guerrilheiros é uma luta demassa, é a luta do povo”,
entoavam.Che era o símbolo da rebelião, pretendendo desafiar a autoridade e lutar por sua
visão de justiça social. Ele era um revolucionário romântico—disposto a sacrificar a própria
vida por uma causa nobre: “Na árdua profissão de revolucionário, a morte é ocorrência
frequente”,diziaele.
O fato de que ele não era visto havia anos só contribuía para a suamística. E, portanto,
jornalistas das mais diversas praças do mundo esbarravam-se na Bolívia. Uma entrevista com
Che vivo,mascando seu charuto na selva boliviana, seria o furo de reportagem de uma vida
inteira.
Para Barrientos e o seu governo, os ataques dos guerrilheiros eram mais do que apenas
constrangedores: eles ameaçavam a estabilidade da nação.Emmenos deummês, dezenas de
soldadosbolivianoshaviamsidomortosouferidos—ou,quandonão,presoshumilhantemente,
eemseguidaliberados,pelosguerrilheiros.Aquilotinhaqueparar.BarrientosalertaraosEUA
sobre a ameaça comunista. Seu país, aliado dos norte-americanos, enfrentavam um inimigo
organizado e experiente comprofundas ligações comCuba,União Soviética e possivelmente
China. Ele pedia mais armas, mas toda vez que tocava no assunto com o embaixador
Henderson, o pedido lhe era negado. A ameaça não seria grave o bastante. O embaixador
achavaqueoExércitodaBolíviapodialidarcomacriseporsimesmo.
A América não compreendia a Bolívia, pensava Barrientos. Não se tratava apenas da
guerrilha. Mineradores do norte do país protestavam por melhores condições de vida e de
trabalho. Muitos estudantes e membros da classe escolarizada de La Paz ainda desprezavam
Barrientosporseusanguemiscigenadoepelogolpede1964.Achavamqueatomadadopoder
havia solapado todas as reformaseosprincípiosdemocráticosnascidosda sangrenta revolução
boliviana de 1952. Se os guerrilheiros acenassem para esses descontentes, a manutenção do
poder de Barrientos poderia ficar gravemente ameaçada. Ele trabalhara duro demais, e por
muitotempo,paradeixaraquiloocorrertãofacilmente.
Barrientos recordou aspalavrasqueo jovemcapitãoPradodeixara escapardurante aquele
jantar: o Exército carecia de novas táticas para lutar contra um inimigo arisco. Sim, os EUA
iriamtreinaro2ºBatalhãodeRangers,maslevariatempoatéqueelesfossempostosnocampo
debatalha.BarrientoseraumhomemdoExército;elereergueraasforçasarmadasdeseupaísa
partirdozerodesdequeassumiuopoder,em1964,eaquiloaindanãoeraobastante.Havia
uma escassez de lideranças experientes. Seu Exército ativo compreendia 6.200 conscritos—
recrutas inexperientes—, suplementado por 1.500 soldados que serviam havia mais de dois
anos.Eessastropasqueeletinhaestavamfortementedesmoralizadas.
Ossoldadosquehaviamsobrevividoaosconflitoscontavamàsnovasunidadesquevinham
substituí-loshistóriasassombrosassobreasproezasdaguerrilha.Descreviamgrandesgruposde
guerrilheiros e comoos seus companheiros entraramempânico sobo fogo inimigo.Asnovas
unidadessabiamoqueesperar: longosdiasnoquenteclimatropical,àprocuradeuminimigo
queseconfundiacomoterrenoselvagem.Nãohaviaestradas,asprovisõeseramescassas,eas
armas, obsoletas. O presidente mostrava-se desesperado. Ele explorava cada opção que lhe
ocorria, e dirigia-se ao seu alto-comando em busca de soluções. O general Alfredo Ovando
Candía,comandanteemchefedasforçasarmadas,estavanaEuropaquandodoprimeiroataque
guerrilheiro,emmarço.EleretornaraàBolíviaeajudouaacalmaropresidente.
Umade suas primeirasmedidas foi organizar um comando de operações antiguerrilha em
Camirieestabelecerumazonamilitar.Ovandopretendiaconfinarosguerrilheirosnumaúnica
região, o que facilitaria ao Exército rastreá-los. Ele contatou os serviços de inteligência de
outrospaíses, incluindoosEUA,oBrasileaArgentina,paradeterminarseCheestavavivoe
portrásdosproblemasnaBolívia.
Ovandonãoparouporaí.Eleconquistouacolaboraçãomilitardepaísesvizinhos.SeChe
estavamesmo na Bolívia, ele também representava ameaça para aqueles países. A Argentina
enviouarmasemunição,demodoasubstituirosriflesMauserbolivianosdostemposdaGuerra
doChaco.OBrasilprometeuumgrandecarregamentoderaçõesdecombate,queajudariama
resolver os problemas de suprimento das tropas no terreno. As agências de inteligência
concordaramemreforçaravigilâncianasfronteiras,afimdedetectarerastrearmovimentações
daguerrilha.
E, para impedir os incessantes rumores, Ovando decretou que apenas o alto-comando
militar poderia pronunciar-se sobre a insurgência. Todas as notícias chegariam através de
comunicadosoficiais.Nenhumaoutrainformaçãodeveriasertransmitida.
Barrientosfezoutromovimentoousado:decretoualeimarcial.Elelançounailegalidadeo
PartidoComunistadaBolíviaeoPartidoRevolucionáriodosTrabalhadores,prendendo41de
seuslíderes.Barrientosnãoiriapermitirqueelesfornecessemsuporteàguerrilha.Eletambém
aproveitouaoportunidadepara tomarmedidas severascontraos sindicatos.Seguiudepertoa
informaçãocontidanoscadernosencontradosdentrodojipeestacionado—apolíciacapturara
qualquerumcujonomeestivesse listadoali, e transcriçõesdos interrogatórioseramentregues
diariamente no escritório do presidente. De uma hora para a outra, a Bolívia parecia estar
coalhadadecomunistas.
Subsequentemente,opresidenteconsiderouformarum“esquadrãodamorte”militar—um
grupodequarentaoucinquentajovensoficiaisencarregadosdeseesgueirarpelamataemuma
missãoultrassecretaparamatarguerrilheiros.Masoficiaisnorte-americanosemLaPaztemiam
que o grupo pudesse se converter numa guarda palaciana, um exército privado dedicado a
manter Barrientos no poder. Assim, eles rejeitaram o plano, alegando que o 2º Batalhão de
Rangersestavasendotreinadojustamenteparaaquilo:destruiraguerrilha.
Barrientos pensou, então, numa outra solução: napalm. Inquéritos chegaram à Argentina,
dizendo que o governo boliviano poderia comprar bombas incendiárias suficientes para
desmataraflorestaaoredordorioNancahuazu.UmHendersonemchoquesuprimiuoplano,
dizendo a Barrientos que era “inaceitável”. Como um outro diplomata norte-americano
informouaoLondonTimes:
Nós, certamente, não forneceremos os meios para que bolivianos irascíveis comecem abombardear e jogar napalm sobre vilarejos, nem sequer sobre pretensos refúgios deguerrilheiros.Civis seriam inevitavelmentemortos, e sabemos, por uma vasta experiência,quetalinevitabilidadecostumageraruminfluxodenovosrecrutasparaaguerrilha.
Barrientos sentia-se constrangido e irritado comHenderson, e chamou-o, então,parauma
reunião no palácio presidencial em La Paz. Henderson manteve-se firme. Ele preferia falar
abertamente—mesmoseissosignificasseofenderoficiaisdealtapatentedasnaçõesacreditadas
oumembrosdocorpodiplomáticodosEUA.
Henderson era alto e magro, com maxilar quadrado, cabelos grisalhos e maçãs do rosto
proeminentes.EmseusternosBrooksBrothersbem--cortados,elepareciaumpoderosohomem
de negócios. Henderson nascera em Weston, Massachusetts. Seu pai era um incansável
carpinteiroetambémhomemdoExército,queserviranaInsurreiçãoFilipina(1899-1902),na
guerra de fronteiras com o México, em 1916, e, depois, na Primeira Guerra Mundial. Ele
infundiu seu filho com relatos de guerra e de viagens para terras estrangeiras. Já o tio de
Henderson passara anos como engenheiro de minas na América Latina, e também encheu a
cabeçadogarotocomhistóriasdeaventuras.
Assim como Shelton, Henderson estudara em escolas públicas e trabalhara nos mais
diferentes serviços para ganhar a vida. Quando um de seus professores do ensino médio
encontrou-o trabalhandonumpostodegasolina,decidiuajudarobrilhante jovemaconseguir
uma bolsa de estudos na Universidade de Boston. Aquele foi o começo da carreira de
Henderson.Depoisdeseformar,eleentrouparaaFaculdadeFletcherdeDireitoeDiplomacia
daUniversidade de Tufts.Henderson tinha 27 anos quando prestou concurso para o Serviço
Exterior,em1941.Soubequetinhasidoaprovadoumdiaantesdeosjaponesesbombardearem
PearlHarbor.
ODepartamentodeEstadointercedeuaocomitêderecrutamentodeHendersonparaque
elefossedispensadodoserviçomilitar,e,então,enviou-oparaumasériedeserviçosconsulares
em pequenas cidades de países latino-americanos, tais como México, Chile e Bolívia. Ele
conquistouareputaçãodeserumfuncionáriopragmáticoeincansável.Nofinaldosanos1940,
ele foi designado paraWashington, graças à sua perícia em assuntos econômicos da América
Latina.AjudouopresidenteTruman a elaborarum tópicode seudiscurso inaugural de1948
sobre a importância de se oferecer assistência técnica a nações estrangeiras. No devido
momento,opresidenteKennedyindicou-oparaserembaixadornaBolívia.
Henderson vinha lidando com Barrientos fazia muitos anos. Ele sabia que o presidente
podia, às vezes, ser encantador, mas também queixoso. A grande reunião no palácio
presidencialteveiníciocomumalisonjeiratergiversaçãosobrecomoosEUAtinhamdemandar
maisajuda,ecomoasegurançanacionaldaBolíviaestavaameaçada.Nenhumanovidade.
OembaixadordisseaBarrientosquediscutiriaoassuntocomTope,ogeneraldaforçaaérea
queestavanaBolíviaemmissãodeaveriguaçãoparaoSOUTHCOM.Barrientosaquiesceu.Era
uma boa manobra. O presidente gostava de Tope. Ambos eram oficiais da força aérea, e
Barrientos podia falar francamente com ele—demilitar paramilitar. Tope iria compreender,pensavaBarrientos.Nodecorrerdaquelasemana,Barrientosencontrara-seduasvezescomTope
e outros comandantes bolivianos para discutir estratégiamilitar.Daquela vez, no entanto, os
doishomensconversariamemparticular.
QuandoTopechegou,Barrientosdisse-lhequeoseuExércitonecessitavadeequipamento
militaratualizadoedealtopoderdefogo.Alegouquearmasmelhoresiriamelevaromoralda
tropa. Alertou Tope de que, se os guerrilheiros firmassem o pé na Bolívia, a revolução se
espalhariafeitoumcâncerparapaísesvizinhos,eosEUAteriamdeenfrentaroutrodilemaao
estiloVietnã. Ele perguntou a Tope: poderiam os EUA ficar a distância, apenas observando,
enquantoinsurgênciascomunistasderrubavamaestabilidadedasnaçõesdaAméricaLatina?
Tope sentou-se por ummomento emeditou sobre as suas ideias.Havia semanas que ele
vinhaentrevistandooficiaisdoExércitoboliviano.Elevisitarapostosavançadoseobservaraos
homens treinando.Num detalhado relatório sobre a crise boliviana que ele preparava para o
SOUTHCOM, Tope concluía que o Exército boliviano era uma bagunça. A estrutura de
comando era indicada na base da “lealdade pessoal e do apadrinhamento político”, e “o
treinamento nos níveis mais altos é, de forma geral, arcaico, impulsivo e autoenaltecedor”.
Alémdisso,nãohaviaserviçode inteligênciaemcampoouequipamentosdecomunicação.O
Exército inteiroprecisavadeuma reforma,masnãohavia tempopara isso.Topequalificou a
situação de “altamente volátil”. As ameaças nas áreas urbanas e nasminas permaneciam bem
reais, dizia ele, e o seu “impacto imediato tantona economiaquantono governopoderia ser
maisdesastrosodoqueapresenteatividadeguerrilheira”.
Sentadoalicomoesperançosopresidente,Topesabiaquenovoslança-foguetesnãoerama
solução.Asuarespostafoidura.Barrientostinhadefazerumamudançasistemáticanasforças
armadasbolivianas.
“Um recrutamal treinado irá deixar cair uma armamoderna tão rapidamente quanto um
Mauser”,disseeleaopresidente.Elesublinhouqueosguerrilheirosvietconguesabasteceram-se
de armas, em largamedida, apanhando equipamentonorte-americanoderrubadopor soldados
sul-vietnamitas. Tope conduziu novamente a conversa para a presente crise. Quantos
guerrilheiroshaviaali?,perguntou.
Barrientosnãosabiaaocerto.Maseleacreditavapiamentehavercentenasdeparamilitares
profissionais,obstinadosetreinadosporCuba,espalhadospordiferenteslocalidadesdovaledo
rio Nancahuazu. Por alguma razão, o embaixador Henderson vinha deliberadamente
subestimandoaforçadobandorebelde.
Tope estava do lado de Henderson, mas ele não dispunha de fatos para se contrapor a
Barrientos. Ele não sabia o tamanhoda força, e ninguémmais sabia, tampouco.Mesmo após
anosdetrabalhoemilhõesdedólaresdeajudaàregião,osEUAaindanãodispunhamdeuma
rede de inteligência confiável naBolívia.A coleta de informações era tão escassa quanto em
outros países daAmérica Latina. Eles não sabiam sequer com certeza seChe estava vivo ou
morto.
Eraimperdoável.
Tope tinha consciência de que era preciso mudar. As tropas norte-americanas estavam
banidasdazonadecombatenaBolívia.MasissonãosignificavaqueaCIAnãopudesseajudar.
Elesprecisavamdeumserviçodeinteligênciaapropriado,eprecisavamparajá.
Nota:*Nooriginal:MasterSergeant.Nãohá,noExércitobrasileiro,equivalenteexatadessapatente,situadaimediatamenteacimado
SergeantFirstClass (primeiro-sargento) e abaixodoSergeantMajor (subtenente).Optou-se pelo último, “subtenente”, quecorrespondeaocargomaisaltoentreospraçasgraduados,os“sargentos”,tambémchamadosdeoficiaisnãocomissionados.(N.doT.)
6
Orevolucionáriointelectual
Os galos cantaram para o sol nascente em Muyapampa, um povoado agrícola no sopé dos
Andes. Araras e papagaios esvoaçavam por sobre as cabeças. Cerca de 2 mil camponeses e
comerciantesviviamnacidadeempoeirada,masninguém,anãoserumsoldado,estariadepé
assimtãocedo.
O soldado trabalhava no posto de controle, parte do alerta de segurança regional.O seu
pelotão chegarananoite anterior, e ele acaboupagandoopato.Quando avistou trêshomens
caminhando pela estrada empoeirada rumo à cidade, não pôde ter certeza de que o sol não
estivesse pregando peças em seus olhos cansados. Trajando sujas roupas civis, eles erammais
altos do que um camponês boliviano mediano. Certamente não eram dali. Quando se
aproximaram,osoldadonotouqueumdelestraziaumacâmerapenduradanoombro.
—Altoodisparo![Altooueuatiro!]—gritouosoldado.
Oshomenspararameergueramasmãos.
Osoldadonãofaziaideiaseostrêseramguerrilheiros.Sabiaapenasquepareciamsuspeitos.
Quemdiabosestariaandandopelaestradaàscincodamanhã?
—Nãoatire.Somosjornalistas internacionais—disseosujeitodacâmera,quefalavacom
sotaqueestrangeiro.
Osoldadopediureforços,comunicouaossonolentoscompanheiros:
—Dizemserjornalistas.
Os forasteiros estenderam as mãos em um cumprimento, como se tivessem sido
apresentados.Ossoldadosresponderamcomospunhos,atéqueumoficialfinalmentechegasse
emandasseseushomensparar.
O sol já estava alto antes que o capitão Julio Pacheco se sentasse com os homens e
começasseafazerperguntas.
GeorgeAndrewRoth, aquele coma câmera,disse ser inglês.Fotógrafoembuscadeuma
história,elecontoutertrabalhadotambémsobrehistóriasdoExércitoboliviano.
O segundo homemdisse serCiroRobertoBustos, umpintor e comerciante argentino.O
terceiroeramagroequeimadodesol,comcabeloloiro-escuroebarba.JulesRegisDebray,um
professor francês de filosofia de 26 anos, alegou estar a serviço, escrevendo sobre a guerrilha
para uma revista doMéxico. Pacheco transferiu-os para o quartel-general da 4ª Divisão, em
Camiri,paranovasaveriguações.
Ofrancêssabiaqueerasóumaquestãodetempoatéqueosbolivianosdescobrissemquem
ele era. Debray, um conhecido marxista, tinha laços estreitos com Fidel Castro. Ele
literalmenteescreveuolivrosobreaprópriaestratégiadeguerrilhaqueestavasendoempregada
naBolívia, o amplamente lidoRevolução na revolução. Elemesmo semetera nessa confusão.
Fora introduzido clandestinamente na Bolívia, em setembro último, por Tania, a agente
infiltradadaAlemanhaOrientalqueestabeleceraasrotassecretasdeLaPazatéoacampamento
guerrilheiro,emCamiri.Finalmente,depoisdeanosdeteoriaeretórica,Debrayseguiuparao
refúgionaselvaafimdeviveravidadeumrevolucionário.
Nãoeranadadaquiloqueesperava.Naverdade,erahorrível—mesesdeimundície,insetos
ehomenssemeducaçãofazendobrincadeirasmachistasnumabafadoefétidoacampamentode
selva.Bustosestiveraalipormaistempo,inclusive,emostrava-seigualmentefarto.
QuandoRothapareceunoacampamento,Debrayencarou-ocomoasuapassagemdevoltaà
civilização. Roth era o único dos três com credencial de jornalista. Ele chegara à Bolívia
semanas antes, vindodoChile, empenhado em entrevistar guerrilheiros de verdadepara uma
história.RothconseguiraadentrarumaunidadedoExércitobolivianoeconvencerosoficiaisa
deixá-lo ler umdiário apanhadono esconderijo dos guerrilheiros no vale do rioNancahuazu.
Ali, ele compilou pistas suficientes para ajudá-lo a rastrear o grupo rebelde. Roth nutria um
desprezo algo infantil pela própria segurança, e, numa tarde, ele simplesmente apareceu sem
avisonoacampamentoguerrilheiro.
Orepórterteveumarecepçãofria.Aentrevistaemfunçãodaqualarriscaraaprópriavida
consistiuemlacônicasrespostas,“sim”ou“não”,paraassuasmuitasquestões.
Assim que a entrevista acabou,Debray abordou o líder rebelde com o seu plano. Todos
sabiamqueeleeBustosqueriamirembora.Roth,comasuacâmeraeosseuscadernos,poderia
ajudá-los a passar pelas patrulhas do Exército. Eles todos poderiam fingir ser jornalistas, uma
vez que os seus sotaques estrangeiros sustentariam a história, e o líder não lamentava a sua
partida.
DebrayeBustosofereceram-separadivulgaras suashistóriasdevidanoacampamentoem
trocadoauxíliodeRoth.VistoqueRothnãotinhamuitasopções,concordou.Otriodeixouo
acampamentorebeldenanoitede19deabril.Emalgumashoras,elesjáestavamsobcustódia
governamental.
Ofrancêspodiasentirasuasorteindoembora.
Umafiladerostoscamponesesobservavaemsilêncioenquantoeleeraconduzidopelarua,
atravessandoosportõesdopostopolicial.Empénumdosladosdopátioseachavaumfotógrafo
local, que recebera indicações de que alguns guerrilheiros capturados estavam chegando. Ele
deu um passo à frente, levantou sua câmera e tirou várias fotos, enquanto os soldados
empurravamostrêshomensparadentrodoposto.Debrayconvenceu-sedequeiriamorrernas
próximashoras.Elenãoprecisavarevelarnenhumsegredoantecipadamente.Eassim,ashoras
seguintesconsistiramnumatorrentedesocos,chutesecotoveladas,e,nasequência,umsúbito
deslocamento até a cabine de um avião. Quando o avião sobrevoava o dossel de árvores da
floresta,umoficialbolivianofezcorreraportadacabineearrastouDebrayatéabeirada.
—Falecomigo,ouvocêvaiparafora!—gritou.
Debray simplesmente fechouos olhos e tentou aproveitar o vento frescono seu rosto.O
blefefalhou,eooficialpuxou-odevoltadabeira.
Nodiaseguinte,ogovernobolivianosoltouumcomunicadodizendoque“trêsmercenários
estrangeiros”forammortosnumabatalhacontraaguerrilha.Masquandoapareceramfotografias
do trio, o comunicado foi corrigido— os três homens estavam na prisão deCamiri, dizia o
novodocumento.
Ofotógrafolocalhaviasalvadoassuasvidas,aofornecerevidênciasdequeestavamvivose
sobcustódia.
Roth foi solto em julho, trêsmeses após aprisão.Ele jamais foi acusadode crime,oque
levantou suspeitas de que fosse um informante daCIA.Ex-professor de línguas doCorpoda
Paz,Rothcontouterescolhidoojornalismoparaganharmaisdinheiro.
Nos primeiros dias, Debray e Bustos moviam-se entre a cela e as longas sessões de
interrogatório. Debray manteve silêncio até que os bolivianos usassem um martelo para
arrancar-lhe informações.Numaocasião, umoficial boliviano esvaziouopentede suapistola
.45nochãoimundo,porentreosjoelhosdeDebray.
De início, o francêsmanteve a sua versão, alegando ter ido ao acampamento guerrilheiro
em busca de uma boa história. Depois de alguns dias, apareceu um funcionário cubano-
americanodaCIA,denomeGabrielGarcia.ElenãoagrediuDebrayouameaçoujogá-lodeum
avião.Emvezdisso,sentou-secalmamente,pegousuacanetaeseublocodepapel,ecomeçou
afazerperguntassobreoverdadeiromotivodeDebrayestarnaBolívia.Elequeriasabersobre
osguerrilheiroseosacampamentos.
Sentado em frente ao homem da CIA, Debray entregou os pontos. Fragilizado por seu
martírio, com os ouvidos zunindo pelo bombardeio de perguntas à queima-roupa, o francês
estavaprontoparatrocarinformaçõespelasobrevivência.TalvezaCIApudessesalvá-lo.
Garcia apenas fez perguntas e tomou notas.Demoroumuito,mas, enfim, o assuntoChe
Guevaraveioàtona.
Che fora a razão pela qual ele viera para a Bolívia, admitiu Debray. Ele sempre quis
conhecê-loeentrevistá-lo, e soubequeCheestavaajudandoa iniciaruma revoluçãona selva
boliviana.
Garcialogoguardouoseucadernoesedesculpou.Nahoraseguinte,oseurelatórioviajou
de volta para La Paz e Washington — um guerrilheiro capturado, com claras ligações com
Castro,confirmaraqueCheGuevaravinhaoperandonaBolívia.
Elepoderiaestarmentindo.Seriamnecessáriasmaisprovas.
O governo boliviano, entrementes, resolveu fazer de Debray um exemplo. Acusado de
assassinato, incêndio criminoso, insurreição armada, conspiração contra o Estado e ingresso
ilegalnaBolívia,Debrayfoiexibidodiantedosholofotesdaimprensacomouniformelistrado
dos criminosos condenados.Cartazes rotulavam-no de assassino. “Ele, que com o ferromata,
comoferroserámorto”,diziaumcartaz.
ParaDebray, a revolução chegara ao fim. Elemofava numa cela imunda, imaginando se,
algumdia,sairiavivodaBolívia.
***
AprisãodeDebrayaumentouofrenesipresidencial.
Primeiro, as emboscadas.Depois, o alto-comandobolivianoproclamandoque centenasde
combatentes treinados em Cuba brotavam da relva, e agora Debray, um forasteiromarxista,
vagandopelamesmavizinhançacomdoiscúmplices.
Empúblico,opresidenteBarrientosexibiaumaserenaconfiança.Emparticular,elequeria
sangue.Aliestavammaisprovasdequeestrangeirosplanejavamasuaderrubada.
Nofinaldeabril,OvandofinalmenteadmitiuqueDebray,BustoseRothestavamvivose
sobcustódia,equeosmilitaresinvestigavampossíveisligaçõescomomovimentoguerrilheiro.
Aquiloeratudo.Nãohaviamaisnotíciassobreoshomens,porenquanto.
Osilênciodepedrapodiaserviraogoverno,masomundoláforanãosesatisfaziacomtão
pouco.FamiliareseamigosdeDebray faziamcampanhaporelena imprensa internacional.O
presidente francês Charles de Gaulle chamou Debray de “um jovem e brilhante estudante
universitário”,exigindoasualibertação.
Barrientosestavaenfurecido.
Debrayeseusseguidoresachavam-seenvolvidosnumaguerraqueespalhavamorteportoda
a Bolívia, afirmou aos repórteres. Eles tinham de pagar o preço máximo, disse. Barrientos
pretendia solicitar ao Congresso boliviano o restabelecimento da pena de morte. Criaram-se
gruposparasustentaraposiçãodeBarrientos,incluindoumformadoporfamiliaresdossoldados
massacradosnasemboscadas.Noseupronunciamentoàimprensa,lia-se:
Asra.Debrayqueroseufilhodevolta.Dizemos-lhequeelaoperdeuhámuitotempo,antesaindaqueelechegassenaBolívia.ElaoperdeuquandoelesedistancioudeDeusedesuamãeparasejuntaraogrupodecriminosossemDeus,semlar,sembandeira.Elaoperdeuquando ele se tornou o instigador de assassinatos torpes, quando ele virou o teórico decovardesmassacresnaVenezuela,noPeruenaBolívia.
Agora, amãedo guerrilheiro idealistadeveria resignar-se e perceber que o seu filho jánão lhe pertence. Ele será posto diante de um tribunal que julgará as suas façanhas deassassinoemmassa.
ElesqueriamDebraymorto.
Barrientosqueriaomesmo, fartodehistóriasquepintavamtantoelequantoaBolíviaem
coresdesfavoráveis.DesejavamostraraosjornalistasqueoExércitoestavasobcontrole.Levou-
os para inspecionar os postos militares na zona de guerra. Nas várias paradas, ele reuniu
moradoreslocaisparaouvi-lodenunciarasaçõesdaguerrilhaeprometerdestruirolevante.Mas
elesabiarestaraindaumlongocaminhopelafrente.Aincertezaoestavaenlouquecendo.
7
Bem-vindosàBolívia
Osdois aviões de cargaC-130 aceleraramna pista daHowardAir Force Base [base da força
aérea], no Panamá, e decolaram um depois do outro. Enquanto eles subiam pelo claro céu
noturno,Sheltonesticavaaspernasetentavadormir.
Mas a sua mente continuava trabalhando em torno da missão. Eles tinham dezenove
semanaspara transformarumbandode recrutas emuma tropade elitedeRangers.Não seria
umatarefafácil,aindaqueosseuscomandantestivessemlhefornecidoodobrodotempo.Mas
Shelton sentia-se bem em relação à sua equipe — dezesseis oficiais e sargentos das Forças
Especiais.Aquela era umamissão de almanaque. Ele sabia que seus homens estavamprontos
paraotrabalho.
PequenasequipesmóveisdetreinamentoeramocoraçãodasForçasEspeciais.Sheltonerao
oficial no comando, e contava comumoficial de confiança como assistente e umexperiente
sargentoparatratardosdetalhes.Aequipedispunhadesargentosrequeridosparasupervisionar
as armas, as comunicações, as necessidadesmédicas, a engenharia e a inteligência.Designada
para passar meses enfurnada em território hostil, a unidade poderia sobreviver sem um
frequentereabastecimentovindodefora.Oshomenserambemtreinadosunsnasespecialidades
dosoutros,eamaiorpartefalava,nomínimo,umalínguaestrangeira.
Fora uma longa jornada até os Boinas-Verdes, e cada homem tivera que provar seu valor
para ser admitido. Tudo começava com um curso extensivo de treinamento no Forte Bragg,
uma série de provas para determinar quais soldados possuíam a resistência física e mental
necessária.Seelessuperassemessa fase,poderiamprosseguirparaotreinamentocompletodas
ForçasEspeciais.
Treinar soldados de “nações anfitriãs” era uma parte importante da missão dos Boinas-
Verdes, selecionando os melhores homens de uma força estrangeira e transformando-os em
unidades de combate de elite. A estratégia era simples: treinar seus exércitos para que eles
pudessem defender as próprias fronteiras. Assim, o comunismo poderia ser coibido sem que
fosseprecisoarriscarasvidasdesoldadosnorte-americanos.
Shelton sabia que sua equipe poderia esgueirar-se através da selva e, eles próprios,
derrubaremChe,masestavamimpedidospeladiplomaciadeseaproximarda“zonavermelha”
—aáreadeoperaçõesboliviana.Elesteriamqueobservartudodoladodefora.Issoestavabom
para Shelton, porque ele já havia visto muitos homens sendo despedaçados no campo de
batalha.Não havia glória na guerra, apenas carnificina e confusão. Ele conhecera a guerra de
pertoenãoestavaembuscademaisdaquelahorrorosaporcaria.
Aequipe seachavabem informada sobreaBolívia, conscientedoquãodelicadaeraa sua
missão. Os sargentos da comunicação tomaram as mais rigorosas medidas de segurança. Eles
eramsimplesmenteosdoismelhoresoperadoresderádiodabasenoPanamá:osargentoAlvin
Graham, homem vistoso, cujo espesso bigode conferia-lhe um certo ar hollywoodiano, e o
segundo-sargentoWendell Thompson, um bem-apessoado afro-americano do norte do estado
deNovaYork.
ComequipesdasForçasEspeciaismobilizadaspelaAméricaLatina,oCentrodeOperações
do 8ºGrupamento das Forças Especiais (OPCEN)mantinha umplantão de comunicações 24
horas por dia. A equipe estaria em constante contato com os quartéis-generais. Graham e
ThompsongarantiramaSheltonestarempreparadosparaqualquercoisa;haviamtrazidobaterias
extras, antenas sobressalentes, válvulas e parafusos. Shelton fizera-os conferir omaterial duas
vezes antes dedeixaremoPanamá.Nãodavapara saber se os rádios funcionariamdireito no
interiorda floresta, entãoeles carregaramtambémrádios civis,paraocasodenecessidade.O
aviãoestavaabarrotadodeequipamento,muniçãoecomida.
— Somos uma equipe pequena — disse Shelton. — Isto é a ponta da lança. Se algo
acontecer,teremosdeestaremcontatocomoOPCEN.Euquero24horasdecontato.
Era um longo voo até SantaCruz. Shelton tentou relaxar,mas oC-130 era feito para o
transportedecarga,nãodepessoas.Eleprecisavatirarumcochilo.Encolheu-setodo,enterrou
o seu boné sobre os olhos e respirou fundo. Só recobrou a consciência quando o avião
estrondeousobreapistasujaemSantaCruz.
Um raio de sol varou o escuro depósito de cargas. Shelton esfregou as pálpebras e olhou
pela janelaa fimdevisualizaraBolívia.Uma frotadecaminhões subutilizados jaziapertoda
instáveltorredecontrole.Enquantooaviãoiaparando,ossubtenentesMilliardeRivera-Colon
mantinham-sepróximosàportadocompartimentodecargas,comsuasboinassobreascabeças.
—Merda!—Sheltonmurmurouparasi.—Chegadediscrição.
Decidiu,então,tiraromelhorpartidodasituação.
—Vamosfazerumaentradatriunfal—disseeleaossoldadosqueesperavamparadescerdo
compartimentodecargas.—Ponhamasboinas.
Graham, Thompson e o resto da equipe fisgaram suas boinas de dentro dos bolsos dos
uniformeseajustaram-nasbemsobreoscabeloscortadosàescovinha.Osmotoressilenciaram,
as hélices cortavam a luz da janela num lento pisca-pisca de luz e sombra, à medida que a
rotaçãodesacelerava.Depoisdealgunsguinchos,estrondoserangidoshidráulicos,atripulação
daforçaaéreaabriuagranderampatraseira.Oarquentepenetrouaimensabarrigadoavião.
A equipe arrastou-se pela rampa, fazendo o sangue voltar a circular em suas pernas
dormentes. Milliard e Rivera-Colon pararam para saudá-los. Milliard, um ianque grisalho de
Massachusetts, passara as últimas semanas cortando mato e abrindo um campo de tiro, e
organizandoasentregasdecomidaemantimentosparaLaEsperanza.Eramuitotrabalho,mas
Milliard, com seu sotaque acentuado de Boston, era o soldado perfeito para a tarefa. Sua
carreiraespelhavaadeShelton—ambosserviramnaCoreiaepassaramumtemponoVietnã.
Milliardera,dentreoshomensdeShelton,umdaquelessujeitospauparatodaobra.
AequipedasForçasEspeciaiseossoldadosbolivianosesvaziaramosdoisaviõesdecargae
encheram um comboio de caminhões. Ao meio-dia, o comboio sacolejava pela estrada
acidentadaquelevavaaLaEsperanza,onovolardaequipe.
Os soldados surpreenderam-seaochegar.Achavamque teriamdecomeçardozero,maso
engenhodeaçúcarabandonadoantecipouoiníciodotreinamento.Oprédiotinhaumteto.O
sistema elétrico original ainda estava lá, e, portanto, eles poderiam conectar geradores e ter
iluminação nas suas pequenas tendas na vila. Quando cruzaram o vilarejo, os moradores
pareceramgenuinamenteamigáveis,sorrindoeacenandoparaocomboio.
Assimqueoscaminhõesforamdescarregados,MilliardeRivera-Colonresumiramatodosas
últimasatividadesdaguerrilhaaosuldeSantaCruz.
As emboscadas de 23 demarço e 10 de abril eram notícias antigas,mas haviam ocorrido
algunsimbrógliosmenoresdesdeentão,alémdadescobertadeBustos,DebrayeRoth.Defato,
DebrayestavasendomantidoemLaEsperanza,aindaquetemporariamente.
Milliard e Rivera-Colon contaram-lhes que o país estava tomado pelo medo, mas que
ninguém parecia mais assustado do que Barrientos e o seu alto-comando. Ninguém sabia o
númeroexatodeguerrilheiros,eofantasmadeCheGuevaraassombravatodasasconversas.
Osrelatoselevaramosensodeurgênciadosamericanos.SeCheestavalá,elesteriamque
ser rápidos em treinar os bolivianos, que deveriam chegar nos próximos dias. Por ora, apenas
umapequenaforçadesegurançabolivianaestavadesignadaparaLaEsperanza.Sheltonrevisou
a sua missão: fornecer ao batalhão boliviano de Rangers “treinamento individual básico e
avançado; treinamento de unidade básico e avançado”. Todos aprenderiam técnicas de
contrarrevolução, e os oficiais e sargentos seriam informados sobre técnicas de controle e
comando.
Depoisdoapanhadodeinformações,MilliardeRivera-Colonpassearamcomaequipepelo
vilarejo. Dois guardas armados faziam sentinela do lado de fora do discreto barracão onde
Debray, preso, aguardava julgamento. Um dos guardas trouxe o prisioneiro para fora, para
tomar ar. Ele vestia ummacacão branco com listras verticais pretas, qual um prisioneiro de
desenhoanimado.Pareciaexausto,pensouaequipe.
Os homens exploraramo local do engenho de açúcar.Amaioria deles estava preocupada
comcoisasmundanas—latrinas,alojamentos,mosquiteiros.Estavamacostumadoscomoclima
tropical do Panamá, com suas cobras letais e insetos,mas lá, pelomenos, tinham as próprias
barracas. Esse lugar era quase primitivo. Sim, eles fariam uma gambiarra e teriam luz nos
barracões.Masnãohaviaar-condicionado.Nem,tampouco,encanamentointerno.Mosquitose
moscassurgiamassimqueosolsepunha.
Quandochegaramàbeiradeumdescampado,Rivera-Colonapontouparaocampodetiro
aoalvo.Oengenhodeaçúcarseriaopontofocal,comaulasdeinstruçãonasoficinas,garagens
edepósitosdagigantescaestrutura.Umarmazémquadrangulardetijolospertodoengenhofoi
escolhidoparaascomunicaçõeseparaosmantimentos.Sheltonsabiaqueteriadepassarmuito
tempo ali. Ele entrou e olhou ao redor. Havia poucas portas e janelas, e uma cobertura de
telhas.Ervasbrotavamdas rachadurasnopiso,epássaros seaninhavamnasmadeirasdo forro.
Ali dentro era quente e detestável, mas ele sentiu-se em casa. Estivera em muitos lugares
esquecidosporDeus.RealizaraumamissãosimilarnoLaos,treinandohomensparacombateros
guerrilheirosdoPathetLao,emcondiçõesaindamaisprimitivas.Porfalaremdensasflorestas,
pensou—noLaos, havia locais emque a folhagembloqueava a luz do sol por quilômetros,
onde você podia esbarrar com tigres ou mesmo com um elefante. Em comparação, o que
tinhamnomomentoeraatépitoresco,sedutor.
Sheltonjáviraobastante.Saltouparaforaedisseaseushomensquedesfizessemasmalas.
Todos estavam cansados da viagem.A equipe precisava de um tempo para relaxar.Ninguém
podiadizerquandoelesteriamaquelachancenovamente.
***
DionisoValderomasobservavaoscaminhõesmilitaresroncandoemseuvilarejo,espantandoos
galoseasgalinhas,que,normalmente,eramosdonosdasruas.Atéospintinhossaíramcorrendo
docaminho.
Osmoradoresestavamigualmentepreocupados,maselesnãotinhamparaondecorrer.
Estranhos soldadosdeuniformeverde saltaramdoscaminhões.Algunsesticavamaspernas
para relaxar.Outros foramdiretoparaumprédio rebaixadode tijolosbrancosquehavia sido
abandonado alguns anos antes, junto com o engenho de açúcar. Dioniso olhava-os de seu
quintal.
Nãohaviaoficiaisdepolícia locais,nemsoldadosdoExércitoboliviano.Eleseramaltose
bem barbeados, e traziam listras amarelas nas mangas. Levavam rifles sofisticados e
descarregavamdezenasdecaixotescujastampastraziampalavrasescritasemtintapreta.
Seus vizinhos espiavam por detrás das árvores, imaginando o que os soldados estariam
fazendo. Vinha ocorrendo muita coisa estranha em La Esperanza nas últimas semanas, e
ninguémsedignavaacontaraosmoradoreslocaisoquesepassava.Caminhõeseequipamento
pesadochegavam,ehomensdeforadacidadelimpavamcamposabandonados.Ninguémviatal
tipodeatividadedesdequeoengenhodeaçúcarforaaberto.
Valderomas vivenciara a era do engenho e recordava aqueles dias com satisfação. Ele
produzia carne e vegetais e os vendia aos homens que lá trabalhavam. Economizou dinheiro
suficientepara construirumacasadequatroquartos comumbelo telhadode estanho.Ficava
bemnocentrodacidade,masrecuadaobastanteparaqueaspalmeirasaprotegessemdosol.
ElesecasoucomabelaHelena,eosdoiscriaramquatrobebês.Dionisotinha35,masparecia
dezanosmaisvelho,comsuasmãosforteseosescurosolhoscastanhos.Osoldeixarasuapele
curtida,eeleperderaalgunsdentesaolongodosanos.Maslevavaumaboavida.Todamanhã,
ele e amulher acordavamcomocantardos galos.Eraumavidaboaepacata, eDionisonão
queriaqueninguémviessealterá-la.
Oshomensreuniram-senavarandadoQuiosquedoHugoediscutiramsobrecadacaminhão
que passava, cada rumor, cada notícia que ouviam em seus rádios portáteis. Ninguém sabia
comotodasaquelaspeçasseencaixavam,eninguémligavamuito.Ouviramfalardofrancêsna
casa velha, e de Che Guevara, o esquivo comunista que podia estar por trás das mortes no
Nancahuazu.Seriaeleomotivopeloqualaquelessoldadosestrangeirosestavamali?
Valderomasescutavaenquantoosalfabetizadoscontavamoquehaviamlidonosjornaiseos
homenscomrádioretransmitiamasnotíciasdamanhã.Ovelhoprofessordaescoladiziaqueos
guerrilheirostentavamderrubarogoverno.Elesqueriammelhorescondiçõesdevidaetrabalho
paraoscamponeseseosmineradores.Cheeraalguémqueseimportavacomopovo,dizia—os
guerrilheirosestavamcertos.
ParaValderomas, aquilo não fazia sentido.A vida não era tão ruim emLaEsperanza.O
governobasicamenteosdeixavaempaz.Eleseramlivresparairevircomobementendessem.
Se tivessem dinheiro, podiam comprar uma terra e ganhar a vida. A política era coisa para
pessoasqueviviamemSantaCruzeLaPaz,pessoasinfelizes.
Valderomaspensavanaúnicacoisaquemudarianocenáriolocal:aescola.Eleesuageração
forçavam as crianças a estudar. La Esperanza possuía uma escolinha, mas ela era tão
malconservada que as aulas eram suspensas sempre que chovia. Em dias muito quentes, as
turmas eram transferidas para o ar livre.Dioniso sabia que as crianças poderiamnãoquerer a
vida rural simplesqueeleescolhera, equeaeducaçãoeraoúnicocaminhoparaampliar suas
opções.
Muito zeloso que era com sua família, Dioniso advertira Helena e os niños que
permanecessem dentro de casa quando os estranhos soldados estivessem nas redondezas.Não
queriasuafamíliapertodelesemlugaralgum.
—Issonãoénadabom.Essesestrangeirosnãodeviamestaraqui—disseeleàesposa.
Masotempopassou,eossoldadospareciamtervindoparaficarporumlongoperíodo.As
criançasnãopodiamviverparasempredentrodecasa.Dionisonãoconseguiadeixardesentir
que a sua vida tranquila, assim como a agitada época do engenho de açúcar, ficariam só na
lembrança.
8
OshomensnaBolívia
OoficialdaCIALarrySternfieldenfioualgunspapéisdentrodoseucadernodenotaseolhou
paraFélixRodríguez,sentadoàsuafrente.
Cubano, descendente de bascos— cidadãos da Espanha que não se consideram espanhóis
—,Rodríguez era robusto ebem-apessoado, comcabelosnegrosondulados e amentedeum
jogadordexadrez.Elepodiaarmazenarfatosepensarmuitospassosàfrentedosdemais—algo
extremamenteútilduranteinterrogatórios.Eradescontraído,comumsorrisoquedesarmavaas
pessoas e gerava empatia. Rodríguez podia obter dados importantes até das fontes mais
relutantes. Era destemido, com um profundo senso de responsabilidade e um caráter forte o
bastante para suportar repetidas decepções. Rodríguez dedicara a maior parte de sua vida a
combater comunistas.Eraessadedicação, aliada à sua aptidãoparao trabalhode inteligência,
queomantinhanotopodafolhadepagamentodaCIA.
Nos últimos dias, Sternfield estivera alocado numa casa em Homestead, Flórida, onde
entrevistava cubanos para uma missão secreta na Bolívia. A umidade enchia o ar, e os dois
homenspodiamouviroar-condicionadopingandoetrabalhandonajaneladacozinha.
Sternfieldgostoudoqueviu.
Nascidonailhaem1941,Rodríguezeraofilhoúnicodeumafamíliadeclassemédiaalta
quemantinha laços sociais com o ditador cubano Fulgencio Batista.O seu tio, JoséAntonio
Mendigutia Silvera, foraministro deObras Públicas. Rodríguez veio para os EUA em 1954,
paraestudarnumaescolanaPensilvânia.Em1958, foi aCubaparaumavisita,masparouno
México,nomeiodocaminho,parapassaroAno-Novocomseuspais.
EnquantoomundocantavaAuldLangSyne,afamíliaRodríguezsoubequeBatistafugirae
queosguerrilheiroslideradospeloMovimento26deJulho,deCastro,haviamtomadoopoder
emCuba.
Os pais deRodríguez, junto com outrosmilhares de refugiados cubanos de classemédia,
saíramaosmontesda ilhacaribenhaparaMiami,ondeestabeleceramumasociedadebizantina
noexílio,destinadaadurarporgerações.
O jovem Félix jamais regressou a Cuba. Ele largou a escola para se juntar à Legião
CaribenhaAnticomunista,criadapelopresidentedaRepúblicaDominicana,RafaelTrujillo.A
LegiãopretendiaderrubarFidelCastro,mas a invasão foiumvergonhoso fracasso.Rodríguez
graduou-se,finalmente,emjunhode1960,efoivivercomospaisemMiami.
Desejosde libertarsuaterranatalconsumiramsuavida.Emsetembro,eleentrouparaum
grupodeexiladoscubanosfundadopelaCIApararecebertreinamentomilitar.Foramchamados
de Brigada 2506, e deveriam ter se infiltrado em Cuba semanas antes que a América
promovesseoseupróprioataqueguerrilheiroàilha.
A administração Eisenhower concebeu o plano em fevereiro de 1960. A unidade de
RodríguezestavatreinadaparaingressarsorrateiramentenopaíseoperarnaresistêncianaSerra
deEscambray, treinando recrutas comvistas a criaruma forçaguerrilheiragrandeo suficiente
para controlar o território.UmavezqueoEstado rebelde fosse criado, o restante dabrigada
aportariacomumgovernoprovisóriojápronto.OsEUAreconheceriamimediatamenteonovo
governo.
MasopresidenteKennedydescartouoplano logoapós suaeleiçãoem1960.Elepreferia
umainvasãointegral,começandopelacidadedeTrinidade,posteriormente,expandindo-seaté
aSerradeEscambray.Masinvasõessãomuitoóbvias,eaAméricaqueriaqueomundopensasse
queos próprios cubanos, por simesmos, orquestravama tomadadopoder.OplanoTrinidad
tambémfoiabortado,eosplanejadoresvoltaramasatençõesparaumpantanosofimdemundo
chamadoBaíadosPorcos.
De lá,os exiladospoderiamcontrolaroespaçoaéreo, vigiar a regiãoe receberogoverno
provisório.MasquandoAdlaiStevenson,oembaixadordosEUAnasNaçõesUnidas,soubeque
pilotosnorte-americanosseriamresponsáveispeloataqueaéreo—enãodesertorescubanos—,
exigiu da administração que o ataque fosse cancelado, caso contrário demitir-se-ia.O reforço
aéreoeracríticoparaoplano,masopessoalnocomandodecidiuseguiremfrentemesmosem
ele.
Adecisãofoifatal.
RodríguezjáseachavaemCubadoismesesantesdaplanejadainvasão.Em17deabrilde
1961, ele ouviu no rádio notícias da invasão naufragando na praia. Imediatamente, buscou
refúgio na embaixada venezuelana deHavana. Após cincomeses emeio de esconderijo, ele
finalmente retornou a Miami. Desde então, Rodríguez trabalhou lado a lado com forças
anticastristaseaCIA.Suamulher,Rosa,apoiavatotalmentesuasatividades.
ÀsvésperasdaCrisedosMísseis, em1962,Rodríguezmanteve-seemalertadurantedias,
prontoparasaltardeparaquedasnazonaruraldeCubacomumsinalderádio,paraguiarum
ataque aéreo norte-americano. Enquanto o marido aguardava um sinal verde num quarto de
hotelemMiami,RosaRodríguezacompanhavaemcasa,pelatelevisão,especulandosobrequal
partedacriseemcursooenvolveria.Passaram-seosdias,eoimpassefoisolucionado.Aligação
deRodrígueznãoveio.Logo,quandoaCIAentrounovamenteemcontato,oexpatriadojánão
estavatãoanimado.
Sternfield sabia que Rodríguez era qualificado para a missão na Bolívia, mas o que ele
queriasabereraseRodríguezestariadispostoaencararumanovadecepção.
—Você deverá ficar naAmérica do Sul por um bom tempo—disse Sternfield.—Está
prontoparaisso?
Rodríguez acenou afirmativamente. Sabia que Rosa estava disposta a esperar, e essa não
seria a primeira vez em que ele fora solicitado a pegar um voo além-mar de uma hora para
outra.
Sternfield perguntou a Rodríguez sobre sua estada na República Dominicana e sua
familiaridade com equipamento de rádio. A entrevista foi padrão. Sternfield não revelou
nenhumdetalhedamissãoatépertodofim.
— Há uma boa possibilidade de que Che Guevara esteja envolvido nas atividades
guerrilheiras na Bolívia. — Sternfield viu Rodríguez redobrar a atenção. — Sua tarefa será
ajudarosbolivianosarastreá-loecapturá-lo.Seeuoescolher,quandoestaráaptoparaviajar?
Os batimentos cardíacos de Rodríguez aceleraram quando ele ouviu o nome do
revolucionário.SeCheestavanaBolívia,eletambémqueriaestarlá.Respiroufundoetentou
manter-se calmo. Não queria ficar muito empolgado com uma missão que poderia vir a ser
canceladaporordensfuturas.
—Bem,seeutivertempo,sóquero irparacasadespedir-medaminhamulher.Apanhoa
minha bagagem e podemos partir agoramesmo— disse ele.— Se não tivermos tempo para
isso,telefonareiaelaedireiqueprecisoir.
Sternfieldsorriu.Rodríguezcontinuou:
— Se você me disser que temos só algumas horas, eu telefonarei para ela do aeroporto
dizendoqueficareiforaporalgunsmeses.Sevocêdisser“agoramesmo”,então,entremoslogo
nocarro.Nocaminhoparaoaeroporto,lhedouonúmerodomeutelefoneparaqueaviseRosa
pormim.
Sternfieldvoltouasorrir.OsensodeurgênciadeRodríguezoimpressionou.Ohomemda
CIAsabiaqueacabaradeconseguiroprimeirodosdoismembrosdaequiperequeridosparao
trabalho.MasSternfieldnãodariaobraçoatorcerassimtãocedo.
—Telefonaremosemalgunsdias—disseeleaRodríguez.
Aodirigirparacasa,RodrígueznãopoderiasaberseimpressionaraSternfieldouconseguira
otrabalho,masfezasmalasassimquechegou.Quandoaligaçãoocorreu,doisdiasdepois,ele
beijouRosaeafirmouqueaveriaembreve.
Bill, o contato usual de Rodríguez na CIA, o aguardava no apartamento alugado pela
agêncianocentrodeWashingtonD.C.ElenemesperouRodríguezsesentar.
—VocêconheceGustavoVilloldo?—perguntou.—Importa-sedetrabalharcomele?
— Conheci-o no Forte Benning, na Escola do Exército das Américas. Éramos ambos
segundos-tenentes—respondeuRodríguez.—Nãofaçonenhumaobjeçãoaele.
—Certo—disseooficialdocaso.—Vádarumpasseio.Volteemalgumashoras.
Rodríguezguardousuabagagemedeixouoapartamento.
Villoldo chegou minutos depois. Mostrava-se igualmente animado com a perspectiva de
caçarChenaBolívia,mas ele tambémdecepcionara-se nopassado.Dois anos antes,Villoldo
viajara para o Congo com a missão de rastrear o velhaco argentino. Depois de três meses
escutando as mensagens de Che pelo rádio, achava-se prestes a localizar a sua posição. De
repente,CheadoeceuefugiuparaaTanzânia.Villoldofoimandadoparacasa.
Quando começaram a circular boatos de que Che reaparecera na Bolívia, o contato de
VilloldonaCIAinsistiuparaqueele“sevoluntariasse”paraanovamissão.
Nesse ínterim,RodríguezpasseoupelosmemoraisdeLincolnedeJefferson,parandopara
fitaroCapitólionoextremoopostodaalameda.Rodríguezamavaseupaísadotivomaisdoque
muitos americanos, porque experimentara a dor de perder sua própria terra natal. Castro
encontrava-senopoderemCuba,ealiestavaRodríguez,vivendoconfortavelmentenosEUA.
Aquelessublimesmonumentossófaziamaumentarasuador.
A CIA oferecia-lhe chances de se vingar de Castro. Enquanto esperava em Havana pela
InvasãodaBaíadosPorcos,Rodríguezvoluntariara-setrêsvezesparaassassinarCastrocomum
rifledelongadistância.SeelenãopôdepegarCastro,Cheseriaumprêmiotãovaliosoquanto.
Che comandara os revolucionários que haviam invadido a província de Las Villas, onde
Rodríguez nascera, e onde estariam sua casa e sua terra se osmarxistas não tivessem tomado
tudo. Che habitava um lugar especial nos corações de esquerdistas românticos ao redor do
mundo, e um canto diferente nos corações dos exilados cubanos. Para eles, Che era um
bandido,umassassino,“ocarniceirodeLaCabaña”.
La Cabaña era uma cinzenta prisão de pedra. Em janeiro de 1959, os homens de Che
tomaram-na e utilizaram-na como um quartel-general dos revolucionários. Durante os seus
cincomesesdeestadaali,Che supervisionouos julgamentos forjadose asexecuções sumárias
decentenasdaquelesqueelequalificavacomocriminososdeguerra,traidores,delatoreseex-
membrosdapolícia secretadeBatista.Foiumbanhodesangue,umexpurgodequalquerum
quepudesseterseopostoàRevoluçãoCubana.
ParaRodríguez,aquelamissãoseriaasuamelhorchancedevingança.
Rodríguez voltou ao apartamento. O planejamento teve início e estendeu-se por muitas
semanas.ElesprecisavamcontornarumasériedeobstáculoscolocadospelosprópriosEUA.O
embaixador Henderson proibira que americanos operassem na área da guerrilha; os Boinas-
Verdes já estavam na Bolívia treinando o Batalhão de Rangers boliviano,mas não poderiam
acompanhá-los até a zona de combate. Mas Villoldo e Rodríguez eram cubanos, não
americanos. Eles podiam passar ao largo da instrução. Os dois viajariam secretamente como
cidadãoscubanosresidentesnosEUAembuscadeoportunidadesdenegóciosnaBolívia.
—VocêsvoarãoparaLaPaz—Billdeu-lhesasdiretrizes.—Osbolivianossabemquemsão
vocês,masessedisfarcedeverádespistaraimprensaeosagentescubanos.
Umavezemsolo,VilloldoeRodríguezdeveriamseseparar.
—Gustavoconduziráumcursodetreinamentoemcoletadeinformaçõesparadezsoldados
bolivianos.Você,Félix,vaioperaremSantaCruz,noquartel-generalboliviano.Vocêentende
derádio;deverámantertodosconectadoseinformados—explicouBill.
OhomemdaCIAentregouaRodríguezdossiêssobreosseuscorrespondentesbolivianos:o
coronelJoaquínZentenoAnayaeomajorArnaldoSaucedo.
—Apresente-seaessescaras—disseBill.
RodríguezsabiaqueabrutalidadeeracomumnaBolívia.Osoficiaistratavamseveramente
assuastropas,epioraindaosprisioneiros.NotopodalistadeprioridadesdeRodríguezestava
convencerZentenoeSaucedodequetratarbemosprisioneiroseramaiseficazdoqueespancá-
losouameaçá-los.
Ele também estava ansioso por dar uma olhada nos documentos apreendidos nos
acampamentos guerrilheiros abandonados no vale do rio Nancahuazu. Félix sabia que papéis
eram,frequentemente,oquehaviademaisvalioso;equeguerrilheiroseramacumuladores,que
levavamconsigolivros,papéis,diáriosecadernosdecódigos.
Por duas semanas, Villoldo e Rodríguez estudaram a Bolívia. Os relatórios resumidos,
ocorridos no apartamento alugado, deram conta da situação política e militar corrente. Eles
foramatualizados sobreopassadoeas atitudesde todosospersonagensprincipais.Rodríguez
criou um circuito de transmissão e um código Morse para os rádios. Os sinais seriam
retransmitidosviaumaestaçãoemLaPaz,parasuperarasaltasmontanhas.
Osdois trabalharamcommaisafinconodossiêDebray,omarxista francêscapturado.Eles
vasculharamastranscriçõesdointerrogatóriodeDebray,esperandoencontraralgumfragmento
deinformaçãoútil.
Debray foravítimadas táticaspoliciaisbolivianas,queconsistiamemespancar lentamente
até a morte. O funcionário da CIA, Gabriel García, aparecera e salvara a vida de Debray.
GarcíainterrogaraDebraypordiasafiodepoisdasuaprisão,eofrancêsentregaratudooque
sabiasobreasoperaçõesdaguerrilha.
Rodríguez prestou particular atenção a um rebelde de nome Castillo Chávez, conhecido
como Paco. Debray contara que o jovem boliviano reclamava frequentemente ter sido
enganado pelo PartidoComunista. Paco era um estofador de 32 anos que fora recrutado sob
promessas deuma educação emHavana eMoscou.Emvezdisso, os comunistas enviaram-no
paraumacampamentoguerrilheiro,onde lheentregaramumaarmaeumapesadamochila, e,
emseguida,forçaram-noamarcharpelasmontanhas.Rodríguezsabiaque,sepudessechegaraté
Paco,eleseriaumafontevaliosa.
Pacoeraoseualvo.
Apóssemanasdeestudoediscussão,RodríguezestavaávidoporchegaràBolíviaecomeçar
o trabalho. Não havia dúvidas em sua mente de que, se Che estivesse na Bolívia, eles o
encontrariam. Mas, antes de deixar Washington, tinham de definir o que fazer quando
pegassemChe.
Traga-ovivo,disse-lhesBill.
—Se,poracaso,Che forcapturadovivo,oque serádifícil, tentemmantê-lovivo—Bill
ordenou.—Mantenham-novivoatodocusto,edaremosumjeitodetransportá-loaoPanamá.
Aviõesehelicópterosestarãodeprontidãocasosurjaaoportunidade.
ParteII
*Apreparação
9
Osinstrutores
OsaspirantesaRangerschegaramaLaEsperanzano iníciodemaio,emjipesecaminhõesda
tropa.ApanhadosemcidadesaoredordaBolívia,eramquasetodosanalfabetosesubnutridos.
Osuniformesbegeesujos,detãolargos,dançavamsobreasuaesqueléticaestrutura.
Sheltonobservou-osdescerdos veículos eprecisou conterumataquededesespero.Tinha
apenasquatromesesemeioparatorná-losRangers.
Asprimeirasseissemanasseriamasmaisduras:treinamentoindividualbásico—campode
treino. Os bolivianos aprenderiam a lidar e atirar com armas, além de suportar um puxado
treinofísico.Atirar,mover-seecomunicar-se—ashabilidadesbásicasdeumsoldado.Elessó
tinhamumadireçãoaseguir:paracima.Precisavammelhorar.
Mesmofalandoespanhol,Sheltonprecisavadeumaconexãocomosbolivianos,umoficial
em quem pudesse confiar, alguém com alguma experiência. Shelton dirigiu-se ao capitão
MargaritoCruz:
—Vamosconversarcomosoficiaisbolivianos.
Cruz acompanhou Shelton do centro de operações até o engenho de açúcar, onde os
bolivianossereuniam.Nomeiodaquelespobressoldados,haviaumoficialboliviano,alto,num
viçoso e recém-passado uniforme. Outros oficiais gravitavam ao redor dele. Parecia ser
benquisto.
—Hablasinglés?—perguntouSheltonaooficial.
—Sim,senhor—respondeuohomem.
Sheltonapertou-lheamão.
—Eusouomajor“Pappy”Shelton,dasForçasEspeciaisdosEUA.
—Sou o capitãoGary Prado Salmón, doEsquadrãoBraun, 8ºGrupamento deCavalaria,
senhor.
Sheltonsorriu.
—Cavalaria,é?
Eles conversaram em inglês durante meia hora, discutindo táticas e contrarrevolução.
Shelton disse ser o comandante da equipe de Boinas-Verdes. Prado contou-lhe sobre o seu
treinamentonoPanamá,equeoseupaieraumgeneralboliviano.Quantomaisconversavam,
maisSheltongostavadePrado.
—Olheaoredor—disseShelton.—Tenhodezenovesemanasparatreinaressebatalhão.
Não temos tempo de aprofundar as habilidades de ninguém. Preciso saber como os homens
estãoreagindoàsaulas.Euprecisodeumoficialbolivianoquerelateparamimosseusavanços.
Vocêpodefazerisso,capitão?
—Comprazer,senhor.—Pradosentiu-secorardeexcitação.
Shelton informou que teriam encontros todos os dias ao fim da tarde. E ele queria uma
avaliaçãohonesta.Sembalelas.
Pradosorriu.
—Direisempreoqueestouachando.
—Vamosveragoraoquepodemosexcluirdessetreinamento.Nãovouperdertempocom
coisas que eles não irão usar. Não precisamos de exercícios de marcha e parada. São
desnecessários.Temosquetreiná-losparalutar.
Naquela noite, Shelton e Prado iriam se encontrar com os comandantes bolivianos para
examinar a programação e definirmetas semanais.Todo o 2ºBatalhão deRangers—os 650
homens—estariamemLaEsperanzanodia8demaio,quandootreinamentocomeçariapara
valer.PradoseriaoauxiliardeShelton,paraadequaroregimeàsnecessidadesecapacidadesdos
bolivianos.
—Você seráumaparte importantedesse treinamento, capitão—disseShelton ao jovem
oficial.
Pradoestavaorgulhoso.Acabaradechegarejáconquistaraaconfiançadaquelaimportante
figura.
—Gosteideledecara—Pradorecordoumaistarde.—Osoutrosoficiaiseramreservados,
masSheltoneramaisaberto.
Opróximoassuntoaserresolvidopelocomandanteeramosmoradoresdovilarejo.Relatos
locaiseramvitaisparaasmissõesdasForçasEspeciais,porqueosvizinhosviameouviamcoisas
queumestrangeiropoderia facilmentedeixarescapar.Odissemedissedovilarejoera,porsi
só, uma rede de inteligência, um sistema de alerta. Se os aldeões soubessem de algo, e
confiassem nos americanos, poderiam, voluntariamente, fornecer informações sobre os
guerrilheiros.Elesprecisavam teruma ideiadoquediabosos americanosestavam fazendo lá.
Elesmereciamalgumasrespostas,pensouShelton.
Assim, enquanto o resto da equipe arrumava os cabos de comunicação e cavava latrinas,
Sheltondecidiufazerumpoucoderelaçõespúblicas.Elevoltouaoseuquarto,abriuoestojo
doviolãoepegouoseuGibsonusado.EpediuaMilliardqueolevasseatéacidade.
—Vocêjáconheceosfigurões—disseShelton.—Vamosencontrá-los.
Ao lado dos capitães Fricke e Cruz, Shelton e Milliard saíram de porta em porta,
apresentando-seaalgunsdoscomercianteseanciãosdovilarejo.Conversaramcomoprefeito—
EdwinBravo—eoutroscomerciantes.Apresentaram-seaJorge,professordaescoladilapidada.
Shelton explicou-lhes por que os soldados estavam lá, quanto tempo permaneceriam, e o
tipode treinamentoque realizariam.OsRangers ficariamatéo final de setembro, e, quando
terminassemali, conduziriamexercícios comoutrasunidadesbolivianas.Shelton falouqueos
instrutoresqueriamestar emcasaparaoNatal.LápeloAno-Novo, avidanovilarejo já teria
voltadoaonormal.
Enquanto isso, eles pretendiam beneficiar La Esperanza no que pudessem. Médicos das
Forças Especiais ofereceriam tratamento gratuito para os aldeões. Quem tivesse dúvidas ou
problemaspoderiaserencaminhadodiretamenteaShelton,quecomandavatodaaoperação.
Alémdisso,ossoldadosprecisariamcontratarmoradoreslocaisparacozinhar,lavarroupae
levarrecados.Osamericanostinhamdinheiro.Elesogastariamlá,navila.
OprefeitodisseaSheltonqueelesestiveramdesconfiadosdosestrangeiroseconfusospela
faltade informação.Agoraqueeledispunhade fatos,poderia transmiti-los aosmoradores.O
prefeito,então,conduziuumpasseiopelovilarejo,terminandonaescoladetrêssalasnolimite
da cidade. Cerca de 280 crianças de La Esperanza e aldeias vizinhas estudavam ali, mas a
construção estava caindo aos pedaços. Não havia verba pública para manter a casa, disse o
prefeitoencolhendoosombros.
Shelton meneou a cabeça de incredulidade. Não queria prometer nada, mas sentia-se
impelidoatomarumaatitude.Elepensariasobreoproblema,afirmou.
Opasseioencerrou-senoQuiosquedoHugo.Oestabelecimentoeraocentrodavila,onde
todomundoparavaparaumabebidageladaeumbate-papo.Sheltoncaminhouparaavarandae
afinouo seuviolão.Eraumautodidata.Não tocava lá essas coisas,masnão ficava tímidoem
tocar em público. Gostava de todo tipo de música: blues, rock and roll, country. Uma vez
tendoaprendidoatocar,nuncamaissentiufaltadediversão.
Assim,paradoalidoladodeforadaquelearmazémboliviano,Sheltonarranhouosacordes
deumadas suasmúsicas favoritas: “Mr.Shorty”,umacançãocountrydeMartyRobbins sobre
vidaemorteemumvelhobardoOeste.
Os bolivianos sorriram e se aproximaram. Marcaram o ritmo com os pés e cantarolaram
junto.Sheltonnãoacertavaumanota,masnão tinhaproblema.Algunsaldeõescorrerampara
casaevoltaramcomosseusprópriosviolões,e,depoisqueSheltonterminou,elescomeçarama
tocarmúsicas folclóricasbolivianas.Shelton tentouacompanhar.Errouuns acordes aqui e ali,
mas foi em frente, mexendo a cabeça e exibindo o seu sorriso enquanto tocava. Shelton
arrasou.Comapenasalgunsacordes,elecomeçouaganhartodaagente.
***
OsargentoMarioSalazarpuloudatraseiradocaminhãodatropaelargouamochiladelonano
chão de terra. Era isso. Chegara a La Esperanza.Um depósito no engenho de açúcar seria a
caserna, e se ele corresse poderia conseguir um bom beliche. Mas Salazar ficou parado.
Precisavadeumtempoparapensar.
AguardavaessemomentodesdequeentrouparaoExército.Quandosoubedasemboscadas,
Salazarlevouasuafúriapatrióticaatéoescritórioderecrutamento.Quandoouviufalardanova
unidadedeRangers,elepediuparatambémse juntaraela.Setinhadearriscaravida,queria
que fosse ao lado dosmelhores. E, agora, ali estava ele, pronto para dar os primeiros passos
daquelajornada.
Eupossofazê-lo,pensouele.
Salazar era umhomembaixo, de braçosmusculosos, com 21 anos de idade.Usava o seu
cabelopreto curto e penteadopara o lado. Suasmãos grossas traziamprofundas cicatrizes do
trabalho no campo. Salazar era um agricultor, assim como fora o pai antes dele. Nunca
conheceu o pai— quemorreu antes de ele nascer—,mas suamãe, Angelina, encheu-o de
históriassobreahonestidadeeadisposiçãoparaotrabalhopesadodovelho.
Salazareraohomemdacasa.Suamãe teveoutrosdois filhosdepoisque seupaimorreu,
maseraMarioquemcuidavadasplantaçõesdemelão,pimenta,milhoefeijão,quesustentavam
todos.
Salazarhavia,defato,pensadoemsealistarnoanoanterior,quandoumamigoofez,mas
haviaaindacolheitanocampo.Depoisdosataques,elenãopôdemaisesperar.
Chegouodiada suapartida, e a suamãechorou.Salazar serviu-lheumaxícarade café e
sentou-secomelaàmesadacozinha.Prometeusecuidar,edissequelheenviariaaomenosdez
dos25bolivianosquereceberiapormês.“TodojovemnaBolíviaeraeventualmenterecrutado”,
disseele.Eraoseudeverservirporumano.
“Sim”,respondeuelaentrelágrimas,maselesnãohaviamencaradoumcombatedeverdade.
Eles apenas treinavam, marchavam e brincavam de soldado. Não tinham que enfrentar Che
Guevara.
Os camponeses tinham certeza de que Che estava lá. Alguns espalhavam boatos sobre
roubos, sequestros,assassinatosdecivis inocentes.Asrádioseos jornais seachavamcoalhados
detantashistóriassobreosguerrilheirosqueSalazarjánãosabiaemqueacreditar.Maselesabia
quenãopodiaficaremcasa.
Mario seriaumRanger—um soldadode elitenumpaísde fraca tradiçãomilitar.Salazar
sentia-se orgulhoso por se juntar a uma unidade que poderia revolucionar o conturbado
Exército boliviano. Era por isso que estava ali— para se preparar para a ação. Como tantos
outros bolivianos, ele queria vingar as mortes dos seus compatriotas, expurgar aqueles
comunistasestrangeirosdointeriordopaís.
Salazarolhouparaoengenhodeaçúcarsobaluzdecrescenteesussurrouumaprece:“Jesus
todo-poderoso, tenha piedade demim e faça-me forte.” Era a reza que costumava fazer nos
campos da família quando o sol esgotava as suas energias, e ele sentia que não podia mais
trabalhar.Marioacrescentouumafraseporcontaprópria.PrometeuaJesusquetreinariaduro
—custasseoquecustasse.Queseguiriaemfrente,pormaiscansadoqueestivesse.
Salazarfezosinaldacruz,apanhouassuascoisaseseguiurumoàcaserna.
10
179dias
OgeneralOvando, comandantedas forças armadasbolivianas,decidiuqueerahoraparauma
ação decisiva. Ovando e Barrientos eram amigos de longa data, próximos em idade, mas
Ovando assumiu decididamente uma função parental. Enquanto Barrientos tinha um carisma
exibicionista,Ovandocontavacomumaserenagravidade—ecomoinabalávelapoiodaelite
boliviana.
Ovando impunharespeito.Tinhaaaparênciadeumgeneral,alto,magroecalvo,comum
finobigode,comosetraçadoalápis.Estavasemprebem-vestido—ouniformebem-talhadoe
ascamisasrecém-passadas.
Tinha49anos,easuacarreiramilitariniciara-senostemposdaGuerradoChaco.Quando
os ataques guerrilheiros puseram o país e o presidente num estado frenético de pânico, foi
Ovando quem pediu calma emanteve as nações estrangeiras a par da insurgência. Enquanto
Barrientos jactava-sedequeiriaesmagaraguerrilha,OvandoconvenciaosvizinhosdaBolívia
de que prestar auxílio mediante o envio de armas serviria aos seus próprios interesses. Se a
Bolíviacaísse,elespoderiamserospróximos.
Ovando encorajou Barrientos a manter os EUA atualizados. Barrientos recorreu ao
embaixador da Bolívia em Washington, Julio Sanjinés-Goytia, formado em West Point
[Academia Militar dos EUA] e dotado de ligações com o Pentágono. Rico e charmoso,
Sanjinés-Goytia era amigo de muitos senadores e homens importantes do Exército norte-
americano,quefrequentavamassuasfabulosasfestasemWashington.Agoraeraomomentode
solicitaralgunsfavores.
Sanjinés-Goytia apelouao secretáriodeEstadonorte-americano,DeanRusk,pedindoque
osEUA,por ora, não fizessemnada em relação à insurgência,mas que aumentassem a ajuda
financeiraàBolívia.BarrientosqueriaUS$6milhões—incluindoUS$4milhõesemdinheiro
vivoparadespesasmilitares.
Rusk gostou da ideia.Haveria pouco apoio para uma intervençãomilitar norte-americana
enquantoaGuerradoVietnãcontinuasseemcurso.Ruskexpôsoplanoem9deabril,durante
umencontrocommembrosdoEstado-MaiorarespeitodacriseCheGuevara.
OdiretordaCIA,RichardHelms,derruboua ideia,alegandoqueosbolivianosnãoeram
confiáveis em se tratando de dinheiro. Ele viera preparado, com gráficos e tabelas. Helms
mostroucomoosfinanciamentosnorte-americanos,enviadosparamanteratualizadaafolhade
pagamentodoserviçocivil,haviamdesaparecido.Funcionáriosdogovernoboliviano,disseele,
nãorecebiamfaziameses.
Os bolivianos também haviam desperdiçado verba para adquirir veículos de cross-country,essenciaisparaoperaçõesdecontrarrevolução.Emvezdecomprarresistentesveículosdetração
4x4,osbolivianos investiramnumafrotadeMiniMokes—jipesmilitares leves.Aspequenas
rodasdosMokes e a sua carroceriabaixa tornavam-nos impraticáveispara trafegar em terreno
acidentado. Não havia como um Mini Moke atingir a distância necessária para um disparo
contraoesconderijodeChe.
OchefedepessoaldoExército,generalHaroldJohnson,levantououtraquestão:
— Uma das lições mais importantes que aprendemos no Vietnã foi que as chamas da
guerrilha devem ser apagadas imediatamente, sem tempo a perder. — Johnson disse que o
Exércitojáplanejavaenviaralgunsinstrutores,etalveztropas.
Rusk interrompeu Johnson, recordando-lhe a posição do presidente: sem unidades norte-
americanasdecombatenaAméricadoSul.Semsoldadosnorte-americanosnoterreno.Tratava-
se de uma política defendida pelo embaixador Henderson, com apoio do Departamento de
Estado.
—Desejamos que essa política de não envolvimento seja mantida— explicou Rusk aos
generais sentados à mesa. — Sei que algo deve ser feito em relação a esse problema, mas
mandartropasparaaBolívia,aindaquecommerafunçãodeinstruir,significariaqueavacafoi
paraobrejo.
OsBoinas-Verdes eramaúnica tropanorte-americana indopara aBolívia, e apenas como
instrutores.
Quando Barrientos soube do recuo de Washington, ficou enfurecido. Queria recursos
militaresedinheiro—nãoBoinas-Verdestreinandocamponeses.Quebemtrariaaquilo?
Ovando disse a Barrientos que solicitaria ajuda militar de outras nações. Garantiu a
Barrientosqueas forçasarmadasbolivianasprevaleceriam.E,quandoosguerrilheirostivessem
sido expulsos, e a estabilidade, recuperada, o Exército boliviano contaria com novas armas e
equipamentos.
Ovando sabiaque eramais fácil dizerque fazer.Eles aindanem tinham ideiadequantos
guerrilheiros estavamenfrentando.Eera certoqueos comunistas aproveitavam-seda agitação
pararecrutarnovossoldados.
Depoisdaúltimaemboscada,omajorSáncheztrouxedaselvaumanotadosguerrilheiros,
destinadaàdivulgaçãopelaimprensa.Emvezdisso,omajorenviou-aaosoficiaismilitares,em
Cochabamba,paraanálise.Masalguémvazouacartaparaumjornallocal,queapublicouem1º
demaio.
O Exército de Libertação Boliviano dizia querer revelar a verdade por trás da primeira
emboscada—queosguerrilheiroshaviaminfligidoumgolpedecisivoàstropasdogoverno.
Sentimosmuitopelosangueinocentederramadodossoldadosquetombaram,mascaminhospacíficos não se fazem com foguetes emetralhadoras, como afirmam os fantoches em seusuniformesdecorados.Nãohá,nemhaverá,umúnicocamponêsquepossareclamardecomoostratamosoudamaneirapelaqualobtemossuprimentos,anãoseraquelesque,traindoasuaclasse,sevoluntariaramparaservirdeguiasoudelatores.
Hostilidades estão a caminho. Em comunicados futuros, exporemos claramente nossaposiçãorevolucionária;hoje,fazemosumapeloaostrabalhadores,camponeses,intelectuais,atodosaquelesquesentemqueéchegadaahoraderesponderàviolênciacomviolência,deresgatarumpaísvendidopaulatinamenteaosmonopolistasianques,edeelevaropadrãodevidadenossopovo,que,acadadia,setornamaisemaisfaminto.
Barrientosordenouaprisãodoeditor,masjáeratarde.Oestragoestavafeito.
Ovandosabiaqueacartairiacomoverosmineiroseossindicatos.Asminasdonoroestedo
paíseramaforçavitaldaeconomiaboliviana.Elasforneciamboarendaparaostrabalhadores,
masosmineradoreshaviamsempretrazidoproblemasparaogovernoboliviano,mesmodepois
da revolução de 1952. Os sindicatos de mineradores eram poderosos e faziam lobby para
melhorarascondiçõesdevidaedetrabalhodosmineiros.Atensãocresceuenormementeapós
ogolpemilitarde1964.Emmaiode1965,ogovernoprendeueexilouvárioslíderessindicais
de esquerda, matando, no mínimo, um. Tropas ocuparam as minas, desencadeando um
confronto sangrento, que se estendeu pormuitos dias, nasminas e nos arredores de La Paz.
Quandosechegouaumatrégua,48mineiroshaviamsidomortos,e284,feridos.
OvandoeBarrientosestavamreceososdequeoconfrontoviessenovamenteaseinflamare
queosguerrilheiroscapitalizassemsobreosdescontentes.Etambémnãoajudavaofatodeque
órgãos internacionais de imprensa vinham publicando artigos negativos contra eles. Uma
manchete do Washington Post retumbava: GUERRILHEIROS ISOLADOS IMPÕEM UM
PERIGO CRESCENTE À BOLÍVIA. A matéria alertava que a guerrilha ameaçava a
estabilidadeboliviana:
O significado da força da guerrilha reside em seu potencial de agir como catalisadora deelementos altamente voláteis da estrutura política boliviana. Ficando simplesmente àmargem, a guerrilha pode, ainda assim, disparar uma reação explosiva num país semparalelosnaAméricadoSul,pelocarátersangrentoeinstáveldesuahistóriapolítica.
Os comentários mais duros foram reservados aos militares: “Reforçar a possibilidade tem
sido a reação das forças armadas à ameaça, como se estivessem seguindo o roteiro de uma
película dos Keystone Kops.* Oscilando entre a censura de notícias e pronunciamentos
contraditórioseestapafúrdios,osmilitaresconseguiramconfundiratodosarespeitodaameaça
edacampanhaparacombatê-la.”
Oartigoconcluíaqualificandoasforçasarmadasde“pequenas,malequipadase,emgrande
parte,maltreinadas”.
Ovando sabia haver ali uma dose de verdade. Vinha tentando havia anos reconstruir o
Exército, que perdera poder depois da revolução de 1952.O governo antimilitar foi a razão
pelaqualeleeBarrientosarriscaramtudonogolpede1964.Por issoosBoinas-Verdesnorte-
americanosestavamnaBolívia,treinandoosseussoldados.
Então, quase dois meses após a primeira emboscada, Ovando queria saber quando os
soldados estariam prontos — não apenas para caçar os guerrilheiros, mas para esmagar um
levantenasminas.ErahoradevisitarLaEsperanza.
***
Emmeadosdemaio,asruaseoscamposdeLaEsperanzaachavam-secoalhadosdehomensde
uniforme.Mas,comtodaacomoção,nãohaviadúvidasobrequemestavanocomando.
O major Shelton era visto em toda parte, pulando de reunião em reunião com sua
prancheta. Estava nos campos, acompanhando de perto os trabalhos dos soldados das Forças
Especiais,queutilizavamferramentasdemãoparaconstruirumgrandecampodetreinamento
para os Rangers. Haviam erguido uma pista com barreiras, um percurso com obstáculos, um
estandede reação rápida—onde trilhasna floresta eramequipadas comalvosno formatodo
inimigo,quesurgiamsubitamente—,umcircuitopelorio,umcampodetiroaoalvo.
Sheltoninspecionouotrabalho.Chegoumesmoaajudarnaconstrução,trabalhandoladoa
ladocomseushomenseossoldadosbolivianosnocalortropical.
Shelton aproveitava cada minuto. Por onde andasse, abria sempre aquele seu largo e
amigável sorriso, enquanto conversava com soldados, oficiais e aldeões. Ouvia e oferecia
soluções.Estava frequentementeexaustono fimdodia,masque importava?Orgulhava-sede
resolverproblemaseextrairomelhordosseushomens.Suacondutatranquilaeraestimulante.
Todostrabalhavamduroe,maistarde,iamrelaxarnoQuiosquedoHugo.
Uma das primeiras providências de Shelton foi criar um “canal” para trazer mantimentos
indispensáveisaLaEsperanza.Normalmente,asequipesdasForçasEspeciaisiamacampocom
caixotes,eeramreabastecidasumaouduasvezespormês,medianteumaviãocargueiroC-46
delongasdistâncias.Nestamissão,elescontavamcomumC-130àsuadisposição.Sheltonfez
usodele.
Dias após a sua chegada, ele adquiriu um refrigerador trazido no avião de carga, pedido
especialfeitoporumpilotolocaldemonomotorescontratadoparaaequipe.Depoisdisso,não
havianadaqueopilotonãofizessepelogrupo.Elevoavaportodaaregião,apanhandohomens
emantimentos.
Uma vez providenciado o canal, Shelton utilizou-o para suprimentos críticos. Desde o
início, notara que os Rangers mostravam-se hesitantes em puxar o gatilho nos exercícios de
combate, epareciamnão levarmuitasbalas consigo.Elequestionouocapitãoboliviano Julio
Cruz:
—Quantosprojéteisporatiradorestãosendoutilizadosparaopercurso?—perguntouelea
Cruz.—Quanto demunição verdadeira o seu Exército fornece para o treinamento de cada
homem?
—Estãoautorizadasdezbalasparacadarecruta.
—Dez balas?— Shelton ficou perplexo.—Como você pode ensinar-lhes alguma coisa
assim?
OcapitãoCruzexplicouométodobolivianodetreinarsoldados:
—Primeiro,nósfalamoscomeles.Depois,osmandamosagir.
Sheltonouviraobastante.Seeraparaessesfazendeirosaprenderemaatirar,elesprecisavam
de prática. Assim, solicitou munição suficiente para garantir a cada atirador 5 mil balas de
verdade.
Sheltonpercebeutambémqueossoldadosbolivianossódispunhamdeumuniformecada,e
nãotinhamcantis,ponchos,ouraçõesembaladasparaocampo.Aquilotinhaquemudar.Esuas
rações eramum lixo: café eumpoucodepãoparaodesjejumeo almoço.O jantarnão era
melhor. Os cozinheiros do Exército boliviano — remanescentes da Guerra do Chaco —
começavam a preparar o jantar enchendo tambores commais de 200 litros de água.Ali, eles
jogavam arroz, batatas e alguns pedaços de carne— por vezes uma sucuri retalhada, quando
conseguiampegaralguma.Acendiamumfogosobostamborese,cercadeumahoramaistarde,
serviamaquelecaldonastigelas.Eraumaclássicagororoba.
Os homens não ingeriam calorias suficientes para suportar o rigoroso treinamento. Não
tinham a estamina e a força corporal necessárias para completar alguns dos exercícios,
especialmenteosdesubirpelacorda.
Sheltonespioualistadecoisasporfazeremsuaprancheta.Obtermaisfundosparacomprar
comidadequalidadeestavanotopo.
Conversou com Prado, que ia ao seu escritório ao fim de cada dia. Eles revisavam o
treinamentoeaprogramação,eofeedbackquePradorecebiadossoldados.—Vocêémeusolhoseouvidosláfora,Gary—disse-lheSheltondepoisdeumareunião.
—Para que estamissão seja bem-sucedida, vouprecisar da sua ajuda.Você é tão importante
quantoqualquerhomemnestamissão.
Pradoficouradiante.Décadasmaistarde,eleaindaselembrariadaquelaspalavraselogiosas.
Shelton convenceu Harry Singh, americano da Agência dos Estados Unidos para o
DesenvolvimentoInternacional(USAID),dequeajudarosBoinas-Verdesaconstruirumaárea
de treinamento e uma escola melhoraria as relações com os habitantes locais. Então, Singh,
encarregadoparaumprojetode construçãodeumaestrada emLaEsperanza, financiadopela
USAID, utilizou suas escavadeiras para abrir uma via conectando o campo de treinamento
àquela estrada. E, de uma hora para outra, La Esperanza contava com acesso direto à via
expressaquelevavaatéSantaCruz.
Shelton disse a Singh que projetos cívicos como o dele eram parte da estratégia de
contrarrevolução americana. Singh concordou em ajudar Shelton e os seus Boinas-Verdes a
reconstruir a escola de La Esperanza até o fim do ano. Os americanos programaram-se para
partiremdezembro,eaescolaseriaoseulegadoparaovilarejo.
O temperamento populista de Shelton servia-lhe bem. Ele era dotado de um senso de
justiça social — a crença de que os americanos tinham a obrigação de melhorar a vida dos
outros.Esaberseraquelaasuaúltimamissãoeraalgolibertador.Nãoprecisavatercautelaao
solicitar o auxílio de outras agências. Já não tinha que se preocupar em agradar oficiais
superioresparaqueelesnãoretardassemumapromoção.
Shelton parara de aturar bobagens. Estava fazendo a coisa certa, a suamissão era de alta
prioridade, e, sendo assim,osburocratasdos altos escalõesbasicamentedeixavam-noempaz.
Ajudavao fatode contar como respeitodo alto-comandodoSOUTHCOM,que conheciao
seutrabalho.Sheltongozavadasuaconfiançae, todososdias, faziausodeumdospoderosos
rádiosdaequipeparaatualizá-lossobreoseuprogresso.Osencontrosmusicaisprosseguiamno
Quiosque do Hugo. Quase todas as noites, aldeões chegavam com seus instrumentos. Os
vaqueiros locaisadoravamaquilo,eparavamsempreparaumacervejaeumbate-papocomos
homens.ContavamaSheltonasfofocasqueandavamcirculandoemLaEsperanzaearredores.
QuandoocapitãoHarveyWallenderchegoudoPanamáparaassumiraseçãodeinteligência
da equipe, no outono, descobriu que o seu trabalho em La Esperanza já estava feito. Os
homens de Shelton haviam construído uma relação amigável entre o vilarejo e os Rangers.
Wallendermaravilhou-seaopercebercomoosbolivianosviviamaoredordeShelton,rindode
suaspiadas.SegundoWallender,pareciaqueoidolatravam.
EaquilotudoajudouquandoSheltontevedeenfrentarumproblemadesaneamento.
Osbolivianosnãosabiamnadaarespeitodesaneamentorural.Nãohaviabanheirosinternos
no campode treinamento, emuitos dos homens jamais haviamvistopapel higiênico.EmLa
Esperanza,quandotinhamdefazerasnecessidades,elesurinavamedefecavamdoladodefora
desuastendas,nodepósito.Ofedoreradechorar,eaimundícietraziariscoàsaúde.Logo,a
equipedeSheltonensinouaosbolivianosacavar—eusar—umfossocomolatrina,amaneira
mais simplesde se fazerumbanheiro.Masosbolivianos foramainda relutantesemusá-lo.O
sargento Dan Chapa, finalmente, deu-lhes um empurrãozinho — não era mais permitida a
presença de fezes e urina dentro de um perímetro de 20metros dos prédios habitados, e as
mãosdeveriamserlavadascomáguaesabãoapósoatoconsumado.Aquelesquenãoofizessem
teriamdecavarsozinhosopróximofosso.
Erabembásico,masSheltonpôdenotaroprogresso.
No dia 10 demaio,Ovando introduziu-se de surpresa no campo. Shelton ficou feliz por
tudo estar em ordem. Uma vez dentro do escritório de Shelton, Ovando questionou-o
detidamentesobreoandamentodostrabalhos.
Shelton foihonesto.Era ainda10demaio, o treinamentomal começara,mas tudo corria
bem.Haviampassadoasduasúltimassemanasseestabelecendoeconstruindoaestruturaparao
treinamento.Ovandofranziuatesta.Esperavabemmais.
—Mostre-meolocal—pediuele.
Enquanto caminhavam para o campo de treino, Shelton descreveu as quatro fases do
programa,ecomohaviamrecém-iniciadoaprimeira:seissemanasdetreinamentobásico.
Umgrupodesoldadosestavaaprendendoamontar,desmontare limparosseusriflesM-1
Garands.Nãoeraincomumverossoldados,noinício,tendoproblemascomexercíciosbásicos.
Afinal, a escolaridade de um recruta Ranger padrão era o ensino fundamental. O general
tamborilavacomospésepareciatenso.
— Devo regressar a La Paz — disse, virando-se em direção à sua comitiva. — Quanto
tempomais?
—Senhor,nossotreinamentorequer179dias.Issoéquantovaidurar.Mas,quandotiverem
terminado,elesestarãoprontosparacumprirqualquermissão—garantiuShelton.
Ogeneralencolheuosombros.
—Tantotempoassim?
Sheltonfoifirme:
—Sim,senhor.—Esforçando-sepormanteracompostura,olhouOvandodiretonosolhos.
—Podemosfazerdamaneiracertaoudamaneiraerrada.Quandoeufaçoalgo,façodamaneira
certa.
—ABolíviaprecisadesseshomensnoterrenoagora—afirmouocomandante.—Nãohá
tempoaperder.
—Senhor—falouShelton—,elesacabaramdeiniciarotreinamento.Nãoestãoprontos.
OvandonotouqueSheltonestavasendohonesto.Econcordoucomele:eramuitoarriscado
enviarmaishomensdestreinadosparaaselva.
—Muitobem,major!—exclamouOvando.—Prossigacomobomtrabalho.
SheltonobservouenquantoocomboiovoltavaaSantaCruz.Elenãodissenada.
***
Valderomas parou sob um céu iluminado de estrelas, sentindo-se bem. Passara a noite no
Quiosque do Hugo, bebendo cerveja e cantando com os seus amigos e o alegre violonista
americano. Os soldados pareciam trazer uma excitação dentro de si, e o receio inicial dos
moradores havia sumido. Um homem do acampamento pagara-lhes bem, acima do preço
médio,porumcarrinhocheiodefrutas,epedira-lhesquetrouxessemcebolasdapróximavez
—eracomoostrabalhadoresdoengenhodeaçúcarcostumavamfazer.Umgrupodemilitares
foi visto na escola abandonada, medindo paredes e janelas — o prefeito contou que eles
consertariamolocal.
Valderomassentia-sefelizcomaquilo.Mesmoassim,nãogostavainteiramentedasituação.
Muitagenteconvergiraparaláaomesmotempo,muitosestrangeiros.Algoderuimestavapara
acontecer.
Valderomas ainda proibia a família de manter qualquer contato com os soldados —
especialmenteosamericanos.Dosseusassuntoscuidavaele.
Nem todas as famílias pensavam daquele jeito. Cozinheiras e empregadas, garotas locais,
estavam lá todos os dias, servindo os soldados americanos. Valderomas podia notar o modo
comoalgunssoldadosolhavamparaelas.AfamíliaRoca,umclãrespeitável,achava-seumtanto
preocupadacomasuafilhaDorys.Elaestavaobviamenteflertandocomaqueleamericanoalto,
debigode.Valderomasnãoeracego.Amoçaera jovemebonita.Procuravaencrenca,aquela
ali.
Ehaviamuitobarulho.Tiros,escavadeiras,caminhões,gritos—ininterruptamente,noitee
dia. Ainda que fossem bons para todomundo, Valderomas esperava que os soldados fossem
emboralogo,paraquepudessevoltaradormir.
Nota:*OsKeystoneKops (GuardasKeystone) forampersonagensdeuma série de comédiapastelãodos temposdo cinemamudo,
exibidanadécadade1910.Erampoliciaisincompetentesetrapalhões.(N.doT.)
11
“Nãotemoscerteza”
Lápelo iníciode junho,otreinamentodosRangerstornara-sepenosoparaMarioSalazar.Ele
pensava estar emboa formaquando chegou aLaEsperanza,mas o trabalhono camponão o
prepararaparaoslongosdiasdecorrida,escaladaemergulho.Nofimdodia,cadamúsculodo
seu corpo doía e latejava. Agora eles davam início às manobras noturnas, e, assim, haveria
menostempoparaserecuperarnosintervalosdosuplício.
Eleficouempédoladodeforadasbarracasimprovisadas,sobonascerdosol,eobservou
oshomensdirigindo-seaoscamposde treino.Algunsenchiamosbolsoscompedaçosdepão,
energia paramais tarde. Salazar olhoupara o céu, uma confusão de tons pastel—vermelho,
laranjaeamarelo.Eleestavadesignadoparamaisumdiaquentenapistadeobstáculos.Subida
decorda.
Mario sofria com a subida de corda. Bem, quase todos sofriam. Era algo novo para todo
mundo, eles não compreendiam o sentido daquilo, emuitos simplesmente não tinham força
paraseerguer.
Acordapendiadeumavigadeaçosituada8metrosacimadopisodoengenhodeaçúcar.
Algunstinhammedodaaltura,mas,paraSalazar,oproblemaeramasqueimadurasnasmãos.
Elefinalmentepegouojeitonasuaúltimasubida.Enrolouaextremidadeinferiordacorda
emtornodasuapanturrilhadireita,epressionou-acomopéesquerdoparasemanternolugar.
Mas,quandoestavasubindo,eleescorregou.Deslizoucordaabaixo,agarrando-seporsuavida.
Atingiuosolosemquebrarnenhumosso,masafricçãocausou-lheprofundasqueimadurasnas
palmas de ambas as mãos. Mario era muito orgulhoso para procurar o médico. Lavou as
queimadurascuidadosamente,mas,duranteanoite,mosquitoseoutrosinsetosatacaram-lheasferidas. Agora, as suas mãos estavam inchadas. Saía pus das crostas enegrecidas das feridas.
Salazarcerrouospunhosdedorerumouparaocampo.
Pradopercebeuedisse-lhequecuidassedasferidas.
—Nofimdodia,senhor—respondeuele.—Nãoqueroperderoritmo.
Nada iriadesviá-lodos trilhos.Elequeria conquistaro respeitodosoficiais.Se saíssepara
tratamento,poderiaserafastadodurantedias.
Marioachouoseulugarnaformação,eumdosamericanoscomeçouacantar:“Lomasduro!Lomejor!” “Quanto mais duro, melhor!” Os soldados acompanharam. Era o jeito das Forças
Especiais de elevar omoral, criando confiança. Se gritassem bastante, passariam a realmente
acreditarnaquilo.Eracomoumapreleçãomotivacionalantesdeumgrandejogodefutebol,e
começavaafuncionar.
Algumas semanas antes, os soldados baixavam a cabeça. Eram hesitantes em disparar suas
armasoumesmoolharosoficiaisnosolhos.Nãomais.Salazardeu-secontadequeacabarade
recusaraordemdeumoficial.Estavaadquirindoconfiança.
Ao entrar na fila, Salazar notou que o coronel do Exército boliviano Jose Gallardo,
comandantedetodoonovoregimentodeLaEsperanza,vinhaemsuadireção.Salazar sentiu
aindamaisapressão.
OsoldadoàfrentedeSalazaragarrouacordaecomeçouaseerguer,enquantooinstrutor
americanogritavapalavrasdeincentivo.Quandoosoldadochegounotopo,oamericanobateu
palmasdesatisfação.Ohomemdesceupelacordafeitoummacaco,eentregou-aaSalazar.Era
asuavez.Iriamostraraelesquetambémeracapazdefazê-lo.Marioenrolouacordaentreas
pernas.Segurouacordacomtantaforçaqueaspalmasdasmãosficaramdormentes,epôs-sea
subirlentamente.Quandocansado,enroscavaospésdemodoasemanternolugar.Adorem
suasmãos era excruciante—comoumenxamede formigas-lava-pés.Ele suportou ador.De
algummodo,Mario reuniu forçasatéque, semfôlego,comapeleemcarneviva, finalmente
chegou ao topo.Olhando ao redor, pôde ver toda a área de treino— os campos de tiro, o
“escorreguepelavida”,outirolesa,emquesoldadosdeslizavamporumaroldanaatéumapoça.
Comoamericanoaplaudindo,elefoidescendopalmoapalmoatéochão.Osoutrossoldados
deram-lhetapinhasnascostas.Pradopuxou-odelado,comentou“muitobom”,edisse-lheque
fosseaocentrodeprimeirossocorros.Lá,omédicolavouemedicouassuasmãos,enfaixando-
as comgaze e esparadrapo.O alívio foi espetacular.Quandoomédico acabou, a unidadede
Salazar já havia passado da subida na corda para um outro obstáculo — este ainda mais
intimidador.
Ossoldadossubiramnoaltodeumgrandereservatório—amaisde3metrosdosolo—e
saltaram. Depois de alguns bolivianos terem torcido os tornozelos, os soldados das Forças
Especiaispuseramcolchõesinfláveisparaamorteceraqueda.Eraoutroexercícioparafortalecer
aconfiançaearesistência.Salazarobservouosamigossubindoesaltando,rolandoeerguendo-
senovamente.Asuacondiçãomédicaodispensavadasatividadespelorestododia,massubir
notanqueepular?Elenãoprecisavadasmãosparaaquilo.Correu,então,paraofimdafila.
Quandochegouaotopodoreservatório,Salazarpulousemhesitar.Naprimeiravez,assuas
pernas curvaram-se ao atingir o solo. Na segunda, porém, ele aterrissou perfeitamente. Ele
sorriu e correu para saltar de novo. Em todos os exercícios, a repetição era o segredo. Eles
treinavamseguidamente,atéqueapráticavirasseumasegundanatureza.
Naquelanoite,Salazarequilibrouumlápisemsuamãoenfaixadaerabiscouumacartapara
a mãe. “Tenho trabalhado duro, mas estou me acostumando”, escreveu. “Depois de muitas
tentativas,eufinalmenteconseguisubirnumacorda,e,emoutroexercício,puleideumaalta
beiradaecaíempé.Apóssemanas,todosestamospegandoojeito.Estamosnosunindo.Tenho
fédequetudodarácerto.Sentimoscomoseestivéssemosfazendoalgograndioso.”
Salazarpediu-lhequenãosepreocupasse.Eleestava fazendoalgonobre.Encerrouacarta
dizendoàmãequesentiaasuafaltaequepensavaemtodosdafamília.Emseguida,fechouos
olhoseadormeceu.
***
Osmédicos JamesHapka e Jerald Peterson faziam todo o possível paramanter os bolivianos
com saúde. Ao longo das semanas, realizaram exames nos soldados. E não gostaram do que
viram.
Algunsdoshomensnuncahaviamsidoexaminadosporummédico.OsmédicosdasForças
Especiais não eram doutores em medicina, mas tinham formação mais que suficiente para
prevenirdoenças,tratarferidasemanterossoldadosvivosnocampo.Agoraeraomomentoda
prevenção, quando havia tempo suficiente para isolar e tratar condições que poderiam
prejudicaramissãomaisàfrente.HapkaePetersontinhamumatarefaàsuaaltura.
Antesdeembarcarparaamissão,amboshaviampesquisadosobredoençaslocais,parasitas,
escorpiões,aranhasecobras.AprenderamqueosudoestedaBolíviaeraumfocodehepatiteB
efebreamarela.Elesdeveriamcurardoençaseferimentosnocampodetreinamento,organizar
uma clínica para atendimento aos aldeões e treinar soldados bolivianos para trabalhar como
médicos em suas companhias. Com o passar do tempo, os médicos americanos descobriram
problemasdesaúdedelongadataminandoaforçadatropa.Higienedentaleraalgodequeos
recrutas nunca tinham ouvido falar. Suas bocas doíam constantemente graças a gengivite e
dentes podres. Era preciso ordenar para que alguns soldados tomassem banho ou lavassem as
roupas, além de ensiná-los como fazer. O problema da higiene agravava-se quando eles se
feriamduranteostreinos.
Nas primeiras semanas, dezenas de homens arranharam-se ou cortaram-se ao trabalhar e
treinarnoscamposrepletosdeespinhos.Asvenchugas[barbeiros],umtipoenervantedeinseto,
atacavamasferidasepioravamasinfecções.Moscasdepositavamovosnasferidas,queviravam
dolorososfurúnculos,osquaisprecisavamserestouradoselimpos.
OssoldadosdasForçasEspeciaisnãoestavamimunes.OshomensdeSheltonencontraram
escorpiões venenosos, além de cobras e aranhas, especialmente nas áreas mais arborizadas.
Tentavam se proteger à noite por meio de mosquiteiros, mas eles não ajudavammuito. Os
homensviviamcobertosdemanchasepicadas,quecoçavamumbocado.
Osmédicos sabiam que, com todas aquelas armas emunição ao redor, eles deviam estar
preparados para mais do que simples picadas de inseto. Mantinham as suas bolsas médicas
repletas de bandagens, torniquetes, líquidos intravenosos, talas e analgésicos. Em algum
momento,elessabiamquetudoaquiloserianecessário.
***
Em La Paz, era crise atrás de crise — e Barrientos pondo a culpa de tudo em Che e nos
malditosguerrilheiros,queestariamincitandodistúrbiosnascidades.Tinhamdeestar,pensava
ele. Tudo parecia desabar ao mesmo tempo, logo, alguém havia de se encontrar por trás
daquilo.Umagrevedeprofessoresparalisaraasescolas,eos sindicatosdemineradores faziam
novasdemandasacadadia.
Emprincípiosdejunho,Barrientos,irritado,tomoumedidasfortesparaexercerocontrole
total.Primeiro,elepôstodaanaçãosobestadodesítio.Todososdireitosindividuais—e,para
começodeconversa,jánãohaviamuitos—foramsuspensos.Quemquerqueprotestassecontra
o governo era preso. Ninguém ousava chamar o presidente de ditador, mas a palavra de
Barrientoseralei.
Em uma manobra para enfraquecer professores grevistas, ele decretou “férias de inverno
adiantadas”. As crianças foram mandadas para casa, e as escolas, fechadas. Portanto, não
importavaqueosprofessoresestivessememgreve.
Diasdepois,Barrientosperdeuapaciênciacomosmineiros.
Eles não poderiam ter sido mais provocadores. Em assembleia no dia 6 de junho, os
mineirosdeHuanunideramumademonstraçãoabertadedesafio,declarandosolidariedadeaos
guerrilheiros. Protestos em outras regiões denunciavam as arriscadas condições de trabalho e
práticas injustas.OpresidenteenviouoExército.As tropasocuparamosdistritosdeCatavi e
Siglo XX— importantes centros mineradores de estanho.Mas nada preparara o país para o
próximopassodeBarrientos.
Nanoitede23dejunho—vésperadafestadeSãoJoão,importanteferiadonaBolívia—,
trabalhadores da mina Siglo XX reuniram-se com líderes sindicais e políticos de esquerda.
Fizeram um comício, pedindo reajuste salarial e a recontratação de mineiros demitidos. Na
manhã seguintebemcedo,enquantoosmineirose suas famíliasdormiam, tropas invadiramo
acampamento.Quandoosmineirosresistiram,ossoldadosabriramfogo.
O governo informou que dezesseis pessoas foram mortas e 71 feridas. Mas os mineiros
falaram em aproximadamente noventa mortos, muitos deles mulheres e crianças. Eles
chamaram o ocorrido deMassacre doDia de São João. Barrientos não demonstrou remorso.
Acreditavapossuiraautoridadenãoapenasparaenviartropas,mastambémparaempregarforça
letal.Osmineiros,argumentou,tinhamprovocadoossoldados.Eramelesosculpados.
Eosoficiaisnorte-americanoselogiaramaação.OembaixadorHendersondissequeelase
justificava. EmWashington,Walt Rostow, assistente especial do presidente para assuntos de
segurança nacional, encaminhou um relatório de três páginas tranquilizando o presidente
Johnson,einformandoqueacriseprecipitadapelosmineiroshavia,aparentemente,“chegadoa
termo”.
ElepintouumretratocoloridodaBolívia:aspasseatasdeestudantesestavamdiminuindo,e
osmineiros pareciam haver capitulado desde que Barrientos assumira uma atitudemais dura.
Qualquerameaçabem-sucedidavindadeoutrodistritoerapreventivamenteafastada,porqueo
governoeas forçasarmadasmantinham-seunidos.RostowdissequeavidanaBolíviavoltava
aonormalequeosproblemasrestanteseram“umaquedanareceitadogoverno”e“aguerrilha”.
Orelatórionuncaexplicouqueaquedada receitadava-se,emparte,porqueo regimede
Barrientosestavatomadopelacorrupção.OuqueCheGuevaralideravaaguerrilha.
Os EUA tentavam havia anos localizar o rastro deChe, perseguindo o seu fantasma pela
África,AméricaLatinaeSudesteAsiático.Analistasdoserviçodeinteligênciahaviamtraçado
um extenso perfil. O ícone barbudo entrara na cena internacional quando Castro chegou ao
poderemCuba.CheeCastroeramquasecomoirmãosepartilhavamumfervormissionáriona
ideiadeCubacomosuportedeoutrasrevoluções.Cheeraumcomunistaevangelizador,eoseu
desprezo pelos EUA e por sua hegemonia econômica era parte de seu atrativo numa era de
rebeldiajuvenileparanoiadaGuerraFria.
Che fora também um adolescente rebelde, naqueles dias de estudante numa confortável
escola de classe média na Argentina. Seus amigos o chamavam de “Chancho”, ou “Porco”,
porqueelevestiasempreroupassujaseamarrotadas.Eratudojogodecena.Chegostavadese
apresentarcomoumforadalei.
Eleadoravabancarosolitário,orebelde.GanhouoapelidoChe—quesignifica“eaí?”em
espanhol—porqueviviausandoainterjeição.Eraoequivalentede“Yo!”.Os americanos sabiam tudo de Che, exceto onde ele estava. A CIA afirmava que ele
morrera, seu corpo jazendo em alguma cova rasa na República Dominicana. O embaixador
HendersonacreditavafirmementequeChenãoestavanaBolívia.
Mas a Bolívia dispunha demais informações.Dias após oMassacre doDia de São João,
Ovandoconvocouamídianacionaleinternacionalparaumacoletivadeimprensa.Elerevelou
asinformaçõespassadasporDebrayàsautoridadesarespeitodasatividadesdeCheGuevarana
Bolívia.
Aparentemente,Debray“haviafaladomaisdoqueonecessário,emboraaindanãosaibamos
as implicaçõesdissotudo,nemascircunstânciasemqueeleteriaditooquedisse”, informou-
lhesogeneral.
Emoutras palavras,Debray confessara queChe estava ativamente envolvidona guerrilha.
Debray,ointelectualmarxista,delataraoseuherói.
Ovandonãodissemaisnada.Nemprecisava.Suasdeclarações foramsuficientesparaatrair
aindamaisatençãointernacionalparaaBolívia.
A CIA rejeitou as declarações de Ovando. Henderson desdenhou-as. Mesmo assim, ele
solicitouàembaixadanorte-americanaquepreparasseumestudochamadoCheGuevaraestánaBolívia?,demodoaamainarostemoresamericanos.
Aconclusãodoestudoera:“Nãotemoscerteza.”
Mas Barrientos não tinha dúvida de que Che estava vivo e na Bolívia, criando-lhe todo
aqueledesastre.Nãoeraumaquestãodesaber“se”Cheatacarianovamente—mas“quando”.
12
Estadodesítio
Oshomensbarbados,emuniformesverdes,saltaramdapicapeeapontaramosseusriflesparao
rostodotenenteJuanVacaflor.
Perplexo,ooficialbolivianonãotevetempodereagir.Emdadomomento,eleealgunsdos
seussoldadoslanchavamnumabiroscaaoladodealdeões;nomomentoseguinte,meiadúziade
guerrilheirosgritavam“mãosaoalto”eagitavamsuasarmas.
Nãotiveramescolha.Ergueramasmãoseserenderam.Oshomensarmadosordenaram-lhes
quesentassememfilanochãoemantivessemasmãosvisíveis.
Aqueles não eram contrabandistas de drogas, pensou Vacaflor. Alguns tinham sotaque
cubano.Eleseencontravadiantedosmercenáriosestrangeirosqueasuaunidadevinhacaçando
nointeriordafloresta.Ealiestavameles,emplenaluzdodia,nosarredoresdeSamaipata.
Samaipata, um vilarejo quéchua, situava-se a aproximadamente 120 quilômetros ao
sudoestedeSantaCruz,nosopédosAndes.Seuclimafrio,deelevadaaltitude,faziadelaum
popularrefúgioparaoshabitantesdacidade.Eratambémumpontoestratégico,bemnoaltoda
estradaprincipalligandoCochabambaaSantaCruz.
Se os guerrilheiros assumissem o controle de Samaipata, poderiam obstruir a principal
artériaentreasduascidades.
Vacaflor observava cautelosamente enquanto mais guerrilheiros surgiam da picape,
espalhando-se e encurralando os aldeões junto à birosca. Por semanas, ele escutara que os
guerrilheiros moviam-se pela região. Pareciam estar sempre um passo à frente do Exército,
mesmocomoscamponesesinformandosobreosseusmovimentos.
Eletinhadeavisarosseushomensnacidade.
OExércitobolivianoestavadistribuídoempequenasunidadesaolongodaestrada.Vacaflor
nãodispunhade rádio.Seuúnicomeiodecomunicaçãoerao sistemade telégrafodoestado,
quefrequentementenãofuncionava.Estavaisolado,semmeiosdealertarosseushomenseas
outrasunidadesvizinhas.
Vacaflorescutouosguerrilheirosconversandosobrecomidaesuprimentosmédicos.Aquele
nãoeraumataqueparavaler,masumamissãodereabastecimento,umaidaàscompras.
Ainda assim, Vacaflor sabia que corria perigo. Estava a par dos homens mortos nas
emboscadas da primavera, e todos sabiam que aqueles ali eram assassinos frios. Havia seis
guerrilheirosnapicape:Ricardo,ChinoePachoeramestrangeiros.Osdemais,bolivianos.
Havia uma caminhonete da petrolífera norte-americana Gulf Oil Company estacionada
próximaàbirosca.Pacho,umcubano,estavasentadodentrodacabine.Moradoreslocaisedois
homens daGulfOil observavam.Ninguém semovia.Assim como os soldados, eles também
estavamchocadosdeverosguerrilheirospessoalmente.
Umdos guerrilheiros foi até abirosca e comproubebidaspara todos.Aoandar, osbraços
carregados de garrafas, ele sorria como o anfitrião de uma festa. Parou perto de Vacaflor e
entregou-lhe uma bebida. Antes que ele pudesse terminar de beber, quatro guerrilheiros
apontaram-lheasarmas,ordenando-lhequeselevantasse.
AspernasdeVacaflor tremeram,eosguerrilheiros levaram-no, juntocomoseu sargento,
paraapicape.Doisguerrilheirospermaneceramnaestrada,vigiandoarodovia.
—Leve-nosàsuacaserna—ordenouumguerrilheiroaVacaflor.
Elenãopodiafazernadaalémdeobedecer.Apicapedesceupelocaminhoacidentadoatéo
centrodacidade.Vacaflorobservavaosedifícioscoloniaisepodiasentiropavimentodasruas
sobospneus.Apicapeparouemfrenteàportadaescolausadacomocasernapelaunidadedo
tenente. Chocado, sem proferir uma palavra, ele viu quando os guerrilheiros agarraram o
sargentoeoempurraramatravésdoportãoatéopátio.
—Qualéocódigo?—sussurrouumguerrilheiro.—Digaocódigo.Peça-lhesparaabriro
portão.
Vacaflornãopodiaouviroqueestavasendodito,masviuosargentoparardiantedaportae
inclinar-secomosefalassecomalguémàssuascostas.
O portão abriu-se lentamente, e os quatro guerrilheiros entraram rápido, empunhando as
armas,gritandoparaqueoshomensládentroserendessem.OestampidodeumMausercortou
osomdosgritosfeitoumamotosserra.Vacaflorescutouosguerrilheirosdevolvendoostiros.O
tiroteioduroualgunssegundos,atéqueeleviumuitosdeseussoldadossendoconduzidospara
foradaescolacomasmãossobreascabeças.
Dirigindo-seaoportão,Vacaflorcorreuparaaguaritaqueficavadentrodopátio.Ocorpo
dosoldadoJoséVerezain jaziaestendidonochão.Amanchade sangueemsua túnicacrescia
enquantoocoraçãodeVerezainpulsavaaindaumaspoucasvezesantesdeparar.Vacaflorfezo
sinaldacruzsobreohomem,eentãovirou-se, indose juntaraosdemais soldadosno ladode
foradaescola.
Dois guerrilheiros esbarraram nele com um carregamento de rifles Mauser e uma
metralhadoraleve.Ossoldadosbolivianosmantinhamascabeçasbaixas.SeVacaflorachouque
os guerrilheiros talvez o executassem lá na birosca, estava certo de que o fariam agora.Não
conseguiaafastardamenteaimagemdocorpodeVerezain,osseusolhosvazios.Pelomenos,o
soldadotiveraaoportunidade,eacoragem,decontra-atacar.
Depoisdeabastecerapicapecomasarmas,trêsguerrilheirosforamatéVacaflor.
—Venhaconosco—disse-lheumdeles.
Erao fim,pensouVacaflor.Osguerrilheirosdeixaramdoishomensvigiandoos seusnove
soldados. Os outros dois conduziram-no até o mercado e a farmácia. Compraram comida
enlatadaedoces,pagandoemdinheirovivo.Nafarmácia,pegaramataduras,álcooleaspirinas.
Pediram ao farmacêutico algum remédio contra asma, mas a farmácia só dispunha de
medicamentoscorriqueiros,nadaparaasma.Oshomenspagarameseguiramnovamenteparaa
picape.
Vacaflor ouviu um dos guerrilheiros apressando os companheiros, pois uma patrulha do
Exércitopoderia chegar e elesnãoqueriam ser surpreendidos emplena cidade.Ele sabianão
haverpatrulhasnaquelaregião,masnãocontariaaquiloaosguerrilheiros.
OshomensjogaramossuprimentosdentrodapicapeemandaramVacaflorentrarnacabine.
Recolheram seus companheirosna escola enabirosca, arrebanhando também seushomens.A
picapeabarrotadachafurdavanapistabarrenta.Vacaflornãotinhaideiadeparaondeoestavam
levando.Rezavaemsilêncioparaqueeleeosseushomensfossempoupados—osguerrilheiros
jáhaviamsoltadoprisioneirosantes.Depoisdequase1quilômetro,osguerrilheirosencostaram
emandaramossoldadosdescer.
Colocaram-nosem fila eordenaramque sedespissem.Osguerrilheiros apanharamroupas,
documentosedinheirosdossoldados,subiramdevoltanapicapeepartiram.
Vacaflor ficou olhando até que as luzes traseiras da picape desaparecessem no horizonte.
Respirou fundo.Sobrevivera.Os soldadosvoltaramcaminhandoparaacidade.Estavamgratos
por teremsobrevivido,mas temiampelo futuro.Vacaflor começouaelaborarmentalmenteo
vexaminoso relatório que teria de entregar aos seus comandantes. Seis guerrilheiros haviam
invadidoa suacidade,matadoumdos seushomens, tomadoà forçauniformesearmase,em
seguida,desaparecido.Nãohouvecomopersegui-los.Tratava-sedeumaterrívelderrota.
O tenente acrescentou um adendo ao relatório. Em lugar de meros seis guerrilheiros
anônimos, o próprio Che Guevara, em pessoa, participara do ataque a Samaipata. O
revolucionárioabriracaminhoatéaescola,mataraosoldado,eroubaratodooequipamentode
Vacaflor.
***
Oataquevirounotíciainternacional.
Os relatos da imprensa, de uma hora para outra, passaram a descrever guerrilheiros
sanguináriosinvadindoaregiãosudestedopaís.ResidentesdeSamaipataalegaramquecercade
quarenta a setenta guerrilheiroshaviam realizadoo ataque— lideradosporumChedeolhos
ardenteseboinapreta.Algunsrelatosdiziamqueosguerrilheirosbloquearamarodoviaentre
CochabambaeSantaCruz—umarotavitalparaotransportedeaçúcar,arroz,milho,madeira,
álcooleturistas.
Barrientos e o alto-comando boliviano estavam em choque. Mais de três meses após os
primeiros tiros terem sido disparados, os guerrilheiros ficavam mais fortes e insolentes. Em
certosentido,oalto-comandodava-seatéporsatisfeito:oqueteriaacontecidoseumtremde
passageiros estivesse passando por Samaipata quando do assalto guerrilheiro? E se tivessem
parado o trem e roubado os passageiros? Barrientos tentava desesperadamente evitar que as
coisassaíssemdevezdocontrole.Jáhaviapânicosuficiente.Famíliasdocampofugiamparaa
cidade, e os que ali viviam consideravam seguir para o norte, escapando das zonas
problemáticas.
Aimprensainternacionalcobriaocaos.ONewYorkTimesafirmouqueogovernoboliviano
estava “com sérios problemas”, enfrentando rebeliões ostensivas dos guerrilheiros, políticos
rivais, negociantes insatisfeitos, agitação estudantil, e os mineiros. “Como o governo de
BarrientospoderáresistirenquantoaBolíviaévarridapelaviolênciaeadiscórdiapassaagoraa
seraquestãoprincipal”,entoavaoeditorial.
A política norte-americana era manter Barrientos no poder o máximo possível, a teoria
sendoadeque“obonitãoex-generaldaforçaaérea”era“omelhordeumasaframedíocre”.Mas
apaciênciadeWashingtonaospoucosesgotava-se.
Mantendo-se apenas a distância, o governo estava permitindo que os guerrilheiros
vencessemmilitarmente. Especialistas norte-americanosmostravam-se aturdidos com a “baixa
qualidadeefracamotivaçãodossoldadosdeinfantariabolivianos”.
“É difícil imaginar como um golpe de Estado contra o presidente Barrientos ajudaria a
resolverquaisquerdosviolentosproblemasdopaís”,escreveuumjornal.“Noentanto,umgolpe
nãoparecealgoremoto.Mas,depoisdele,ofuturodaBolíviaestariatotalmenteindefinido.”
Frustrado,Barrientos renovouospedidospormais equipamentonorte-americano.Ovando
pressionou nações vizinhas por mais recursos. Barrientos voltou-se para os Rangers em
treinamento. Precisava deles para agora, não para depois. O país enfrentava um perigo sem
precedentes.
Barrientosordenou-lhesqueseapresentassemdeimediatoparaodever.
Mas ele não contava com a vigorosa resistência de Shelton. Os Rangers ainda não eram
Rangers,disseSheltonaoSOUTHCOM.Seelesfossemparaoterrenoagora,seriaumagrande
lambança. Precisavam de mais treinamento. O oficial mais alto no Panamá disse “não” ao
presidente.OsRangerspermaneceriamemLaEsperanza.
Barrientos não gostou, mas não havia muito o que pudesse fazer. Os EUA forneciam a
maior parte da verba paramanter o seu país à tona. Ele torceu apenas para que, quando os
Rangersestivessemprontosparaaação,aindalherestasseumpaís.
13
Entrandoemforma
Após dois meses de treino intenso naquele calor grudento, os recrutas bolivianos estavam
pegandoojeitonaartemilitar.Muitosdelesjamaishaviammanuseadoumrifleantesdechegar
ali,eagorapodiamdesmontareremontardiversasarmasemquestãodesegundos.Conseguiam
escalarcordasemover-se rapidamenteporum labirintodeobstáculos semperderopasso.Os
Rangersiniciavamsuasmanhãscomcantosdeguerra,seguidosportrintaminutosdeexercícios.
Emseguida,corriamparaocampodetiroevoltavamparanovastarefas.
OsBoinas-Verdesmostravam-lhescomodelimitartrilhasnaflorestacomobjetostaiscomo
latasdecaféecordas.Aprenderamalermapas,usarbússolasecomocontra-atacarduranteuma
emboscada.Estavamexaustosnofimdodia,mashaviapoucotempoparadescanso—ànoite,
realizavammanobras.Ascoisasestavamseajustando.
A preparação ficara mais complicada. Eles passaram às fases avançadas do treinamento
individual, que incluíam rapel na lateral do prédio de cinco andares do engenho de açúcar.
Estava tudo dentro da programação. Logo, eles passariam ao treinamento de unidade,
aprendendo a trabalhar em equipe. Então, após duas semanas de exercícios de campo, eles
seguiriamrumoàselvaparaahoradaverdade.
Numanoite,emprincípiosde julho,Prado foiaoescritóriodeSheltonparaa sua resenha
cotidiana. Prado tornara-se inestimável para Shelton. Relatava-lhe caso soldados de alguma
unidade demonstrassem ter problemas com conceitos ou táticas, e, então, os dois homens
elaboravamumaagendaparaforneceràquelesinstruçãoextraoumaistemponocampodetiro.
(O campo era sempre um problema delicado, porque, não raro, os aldeões e o seu gado
atravessavam inesperadamente a caminho dos pastos.) Prado sentou-se em sua cadeira de
sempre.Sheltonserviu-lheumdrinqueeperguntouaocolegacomoandavamascoisas.
—Hoje,tudoestáindobem—dissePrado,pegandooseucopo.
—Vocênãoestáapenasdizendooqueeuqueroouvir?—perguntouShelton.
— Não. Posso ver a diferença. Quando chegaram aqui, não eram soldados. Não tinham
nenhumtreinamento.Olheparaelesagora.
Sheltonsorriuevirousuadosedeuísque.
—Oquedevemosfazeraseguir?
Pradorespiroufundo.
—Bem,aindatemosdecolocarnacabeçadenossossoldadosquenãosetrataapenasdeum
exercício de treinamento. Que não voltarão para casa depois disto, pois estamos indo lutar,
matarpessoas.Creioque ainda temosde enfiar essa ideia em suas cabeças.Eles têmde estar
mentalmentefortesparaentrarnaselva.
—Eoquevocêsugereparaisso?
—Temosde insistiremdizer-lhesoqueestáemjogo.Queistoémuitomaisdoqueum
simplestreinamento.ElesestãosetornandoaforçadeelitedaBolívia.
Pradoparouporuminstanteparaamarrarasideias.
—Vocêperguntou-mecomoandamascoisas.
Sheltonacenouafirmativamente.
— Encerrado o treinamento, esses homens serão soldados — disse Prado. — Não estou
preocupadoquantoaisso.Minhapreocupaçãoéseeuestareiaptoacomandá-los.Esteshomens
confiaram-meassuasvidas.Estouprontoparaisso?Podereiliderá-loscomoelesmerecem?
Sheltonabriuoseulargosorriso.
—Gary,seiquevocêestámaisdoquepronto.Tenhoobservadovocêcomosseushomens.
Elesorespeitam.Euorespeito.
Pradoestavaperplexo.Nenhumdeseussuperiores jamaisdisserataiscoisas.Ouviraquelas
palavrasdeSheltonencheu-odeorgulho.Maseleficavaconstrangidocomelogios.
—Eununcaestivenocampodebatalha.Nãoseicomoireireagir.
Sheltonnãovacilou:
—Gary,euestivenocampodebatalha.Etenhoumsextosentidoparasoldadoseoficiais.
Possopreverquemiráfugirequemiráencararaluta.Epossoassegurar-lheque,quandochegar
omomento,vocêiráencarar.Vocêéumbomoficial.—SheltonolhounosolhosdePrado.—
Achoqueconseguiremos.Vamosentregaressebatalhão.
Pradoconcordou.
—Sim.Eutambémacho.
Osoficiaiserammuitoimportantesparaosucesso,eoscomandantesaindamais.Ecadaum
deles, em qualquer unidade militar, costumava ter um ego do tamanho do Texas. Shelton
estava convicto de que os EUA podiam vencer a guerra no Vietnã, mas os comandantes
precisavamdeixarqueos soldados lutassem.OsEUAcontavamcomosmelhores soldadosdo
mundo, mas os comandantes, sob pressão política, os estavam retendo. Não era nada
surpreendentequeaopiniãotivessesevoltadocontraaguerra.Eissosódificultouascoisaspara
os soldados. Eles lutavam como loucos para tomar uma colina ou aldeia e, então, no dia
seguinte,játinhamdeabandoná-las.AguerradoVietnãeraumaclássicaguerradeguerrilhae,
emlargamedida,osEUAaestavamlutandodemaneiraconvencional.
Nãoé assimque se vence,pensouShelton.Épreciso fazer comoasForçasEspeciais. Ir a
campo.Treinartropas.Convivercomaspessoas.Conquistarconfiança.Oqueestavamfazendo
na Bolívia servia de exemplo do que deveria estar sendo feito no Vietnã. Ora, ele fizera a
mesmacoisanoLaos.Conquistaraaconfiançadosaldeões.ErepetiaofeitonaBolívia.
Pradomolhouagargantaepousouocopovazio.
— Nós vamos pegar Che — Shelton garantiu-lhe. — Sei que as coisas parecem difíceis
agora. Os guerrilheiros têm feito o jogo do ataque e fuga. Sei que alguns bolivianos estão
preocupados.
—Vocêserefereaopresidente?
—Sim.Barrientos.Ovando.Todoseles.MasChenãotemnenhumachance.E,depoisque
issoacabar,vocêpoderávoltarparasuamulhereseusfilhosecontar-lhesoquefez:queajudou
atreinarobatalhãoquedeucabodeCheGuevara.Sabe,vocêlhesdiráqueliderouobatalhão
quepegouodesgraçado!
—Equantoavocê,oquefaráquandotudoistoterminar,Pappy?
—Eu?—Sheltonabriuumsorriso.—Vouvoltarparacasadevez.Jábastaparamim.Sigo
paraomeuocaso.—Osorrisosumiu-lhedorosto.—Eurealmentenãoseioquevoufazer.
Talvezentrarparaafaculdade.
Faculdade?Quediabos!Aquelaeraasuavocação.MasprometeraaMargaretqueiriaparar.
E,seprometiafazeralgo,elecumpria.Alémdomais,sentiafaltadosfilhos.Enquantoestavalá
sendoo“Pappy”domalditoexército,seusfilhoscresciamsemodeles.
—Antesdeirmosembora,euqueroassegurarqueaescolasejaconstruída—disseShelton.
—Eisaíumacoisaquepodeefetivamenteajudarestaspessoas.
OsmateriaisdeconstruçãoparaaescolacomeçaramachegaraLaEsperanza.AAgênciados
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) fornecia a maior parte da
verba, e a Construção Bartos, empresa de Singh, providenciava equipamentos e expertise. A
população de La Esperanza comprometeu-se a ajudar na construção. No dia 25 de junho, o
vilarejodeuopontapéinicialparaoprojeto,comumafestanaqualopadrelocalabençoouo
terreno.Sheltontorciaparaquefinalizassemostrabalhosantesdeacabarodinheiro.
SheltontevenotíciadequeoembaixadorHendersonestavasegurandopartedaverba.Não
fazia ideia do porquê. Mas, caso a situação não melhorasse, ele mesmo confrontaria o
desgraçado. Pouco importava que, tecnicamente, Henderson fosse o seu patrão. Assim como
SidneyPoitierno filmeUmavoznassombras,Sheltondariaum jeitodeconstruirodiaboda
escola.
***
Para o médico Peterson, as longas horas de treinamento eram exaustivas, mas a presença de
Hapkaas tornavamais fáceis.Osmédicosamericanosconheceram-sepoucas semanasantesda
missão.Mas,enquantosepreparavamparaatarefa,logoficaramamigos.
PetersoneHapkavinhamdemundosdiferentes;HapkacresceuemMilwaukee,Wisconsin
—umacidadecom740milhabitantesem1960.Naqueletempo,elaeraa11amaiorcidadedo
país. Peterson passou a sua infância em Bradford, Pensilvânia, uma cidade rural nos Montes
Allegheny;naescola,aturmadePetersonnãoalcançavaumadúziadealunos.
Mas os dois tinham algumas coisas em comum. A diferença de idade entre eles era de
apenasumano:Petersontinha25anos,Hapka,26.Eosdoisadoravamcaçar.
Quasetodososdias,osmédicosdavamaulasdeprimeirossocorros,ensinandoaossoldados
bolivianos como tratar ferimentos de bala e outros procedimentos de emergência. Também
cuidavam de soldados e aldeões doentes. Por vezes, iam de cavalo a vilarejos vizinhos para
forneceratendimentomédicobásico.Mas,nosfinaisdesemana,elesseembrenhavamnomato
à procura de pássaros, principalmente pombos e codornas. Passavam horas longe dos demais.
Falavam sobre coisas habituais de soldados, é claro. Mas também sobre suas famílias e suas
vidas.
O extrovertido Hapka, que ostentava um bigode, formou-se na West Milwaukee High
School em1959.Na época, a cidade enchia-se de fábricas. E havia equipes de esporte—os
MilwaukeeBraveshaviamparticipadodaWorldSeries*em1957e1958.E,navizinhaGreen
Bay,Wisconsin,osPackers—sobocomandodolendáriotécnicoVinceLombardi—tornaram-
seagrandeforçadaLigaNacionaldeFutebolAmericano.Depoisdeformado,Hapkaalistou-se
noExércitoejuntou-seàsForçasEspeciaisem1962.
Peterson trilhou um caminho diferente. Ingressou num colégio estadual, mas acabou
abandonandoosestudosquandoficousemdinheiro.Alistou-senoExércitoem1961,entrando
paraasForçasEspeciaisumanomaistarde.
Ambos entraram no Exército graças a seu senso de patriotismo, e porque a vida militar
ofereciaboasoportunidadesfinanceiras.
Para Peterson, tratava-se, além disso, de perpetuar uma tradição de família. Seu pai
ingressaranaMarinhaem1942—anoemquePetersonnascera.Algunsdeseusirmãostambém
haviamservido.
PetersontreinavaparasermédicoemSanAntonio,Texas,quando,numaboate,conheceua
mulherqueviriaasersuaesposa.Foiumperíodoagitadoemsuavida.Em1965,foramandado
àVenezuelapordoismeses,paratreinarsoldadosnaquelepaíssul-americano.Eagoraestavana
Bolívia.
OsdoishomensnãoconheciamSheltonantesdamissão.Masgostaramdomajor.Shelton
eraumsujeitodetemperamentofácil,quenãotentavaimporasuaperspectivasobreninguém,
recordavaPeterson.Eleconfiavaemseushomens.
SheltoncostumavapararnaenfermariaondePetersoneHapkapassavampartede seudia.
Eledizia: “Vocês são responsáveispor fazer isso.”Emseguida,perguntava-lhes comoestavam
passandoeseprecisavamdealgo.
Normalmente,elesrespondiam:“Não,senhor.Estátudobem.”
Shelton,então,sorriaeiaembora.
Apesardoclimahostil,PetersoneHapkatentavammanteradisposição.Ànoite,eles iam
ao Quiosque do Hugo beber, tagarelar com os outros soldados e ouvir Shelton tocar o seu
violão.Quandoembriagados,costumavamcantarjunto.Nãohaviamuitacoisaparafazer.Eles
estavamisolados.
Por isso, aquelas expediçõesde caça comHapka eram tão especiais.Elas ofereciam-lhes a
chancedeumanecessáriaescapada.Numadelas,Petersontopoucomumfazendeiroqueestava
vendendoummosquete de 1842.Comprou-o, planejando levá-lo para casa.Mas tentava não
pensartãoa longoprazo.Aindamaissabendoqueotreinamentoestava longedeacabar.Que
osguerrilheirosaindaseencontravamàsolta.QueocorreraoqueocorreraemSamaipata.
***
Prado correu até o círculo formado por homens. Dentro do anel estava Chapa, sargento de
armas, cavando uma trincheira para instalar uma metralhadora leve Browning .30. A certa
distância,umjornalpendiadeumgalho—eraoalvo.
Oamericanodisseaumsargentobolivianoparaentrarnatrincheira.Eraasuavez.
Ao longo da última hora, Chapa ensinara aos sargentos como atirar com a arma. Treinar
sargentos era uma parte crítica da instrução das Forças Especiais. Uma vez treinados, eles
transmitiamoseuconhecimentoaossoldadoscarentesdeumauxílioadicional.
Prado sabia usar a metralhadora M-1919A6, mão na roda para o Exército. Ela foi peça
importante na SegundaGuerra, naGuerra daCoreia e noVietnã. Pesava 14,5 quilos sem o
tripéepodiadispararcentenasdeprojéteisporminuto.
Osargentobolivianoolhouatravésdovisordeferrofixadonocorpoquadrangulardaarma
e efetuou o primeiro disparo. Ajustou a mira e comprimiu o gatilho. A arma emitiu um
estrondosoroncoquandoasbalas jorraramdocano.Osdisparoseramrítmicosecompassados,
osprojéteistraçandoumarcoatéoalvo.Ojornalfoiestraçalhado.
O sargento ergueu o punho em comemoração. Prado ficou impressionado. Os homens
começavamaficarmortalmenteeficientes,eossargentoslevavamconsigoaquelaconfiançaao
trabalharcomosrecrutas.
ParaPrado,aqueleeraocomeçodorenascimentodasforçasarmadasbolivianas.Duranteos
últimos anos — sob a liderança de Barrientos e a bênção de Ovando —, o Exército fora
reerguido.Mashaviaumlongocaminhopelafrente.Pradoachavaqueamudançamaiscrítica,a
maisurgente,eranaprópriaculturamilitar.Existiammuitosdinossaurosemposiçõesdepoder,
homensqueserviramapósaGuerradoChaco.Haviamperdidotodabatalhaemqueestiveram
metidos, e o seu pessimismo contaminava as unidades de combate. Mesmo os soldados das
ForçasEspeciaistrombavamcomopassadoboliviano.
Otreinamentocomarmaseraumbomexemplo.OsargentoChapaviviademandandomais
muniçãoaooficialbolivianoresponsávelpelossuprimentos.Eobastardoranzinzamostrava-se
relutanteemrepartira“sua”munição.
“Acadavez,elesempremedavametadedoqueeusolicitara”,relembrouChapa.“Eraum
esforçoconstanteobteronecessárioparatreinarossoldadosdemaneiraapropriada.”
Os homens mais hábeis no manejo dos rifles foram recrutados como atiradores de elite.
Chapa acolheu-os sob a sua asa. Ensinou-lhes a disparar com precisão e encontrar o melhor
pontodealcance.Vento,distância,sombraeluz—tudopodiafazerdiferençanaprecisãodo
tiro.
Aofinaldecadasessão,Chapamantinha-seporpertocasoalguémprecisassedemaisajuda.
A equipedas ForçasEspeciais também treinava soldadospara os esquadrões demorteiros,
queforneciamàinfantarialeveumgrandepoderdefogo,demaneiraportátil.Provavelmentea
maisimportantearmadedefesanoarsenaldeumbatalhão,umaboaequipedemorteirospodia
repelirumataquecomumafirmeartilhariadeprojéteisaltamenteexplosivos.
Alémdasarmas,osBoinas-Verdesestavamtreinandoumpelotãodeoficiaisdeinteligência.
Aprendiamadesapareceremseustrajesciviseasemisturarcomapopulaçãolocal.Teriamque
se dispersar pela zona de operações em busca de informações essenciais, determinar a sua
relevânciaetransmiti-lasàpessoacertacomomáximodeeficiência.
Prado sabia que nada poderiamudar o terrível passadomilitar boliviano, e que uma real
transformaçãoviriaapenascomumanovageração.Masali,aoladodametralhadora,nocampo
de treinamento, ele viu o plano entrando nos eixos. Em breve, o Exército disporia de um
batalhãodetrêscompanhiasaltamenteproficienteseágeis.E,comelas,seriapossívelderrubar
osguerrilheiros.
***
OQuiosquedoHugoestavaficandocheio.SoldadosdasForçasEspeciaisreuniam-senasmesas
doladodefora,bebendoeconversando.OviolãodeSheltonestavalá,recostadonumamesa,
pronto para ser pego e dedilhado. Os homens cantavam junto se sabiam a letra —
especialmenteem“Mr.Shorty”,convertidaemhinodaequipe.Todosriamebebiamumpouco
mais.
Trabalharmuitoedivertir-semuito.Nãohaviamuitomaisafazer.
Grahamestava na varanda, conversando comDorysRoca, uma garota de uma importante
famílialocal—sendoquecatorzedelesviviamnumachoupanadetrêsquartos.Doryserauma
coisinhamiúda,provavelmente adolescente ainda, com longos cabelosnegros e grandes olhos
castanhos.
RocanãoseencontravaquandoossoldadoschegaramaLaEsperanza.Estiveratrabalhando
fora da cidade, cuidando de um parente doente.Quando regressou, e viu o campo tomando
formanovelhoengenhodeaçúcar,elaenxergouumaoportunidadedeajudara família.Roca
arrumouumtrabalholimpandoaáreaelavandoasroupasdossoldadosdasForçasEspeciais.
FoiassimqueconheceuGraham—oaltoebonitãooperadorderádiodePhoenix,Arizona,
que sempre a brindava com um sorriso. Assim como amaioria dos Boinas-Verdes, ele usava
chamativosóculosescuros.Tinhaapenas23anos.AquelaeraasuaprimeiramissãocomoBoina-
Verde.
Ocasalforneceuaosfofoqueirosdovilarejoalgosobreoquefalar.Osdoisfaziampasseios
ao luar, batendopapo e rindona escuridãodanoite.Era fácil conversar comDorys.Graham
contou-lhe sobre a sua vida em casa e disse esperar que, algum dia, ela pudesse ver por si
mesma. Dorys sonhava em poder ir — o Arizona parecia tão diferente e excitante. Por
enquanto, porém,Graham tinha suamissão. Precisavam treinar osRangers, e então voltar ao
Panamá,emdezembro.Mas,atélá,elestinhamtempo.Depoisdaquilo,eleprometeuvoltara
LaEsperanzaparavê-la.Oscuriososmostravam-secéticos.Eleeraumsoldado,umestrangeiro,
um americano — de forma alguma se casaria com uma garota simples de uma cidade nos
cafundós da Bolívia. A pobre Dorys terminaria com o coração partido, mas ninguém ousou
alertá-la.Nãoqueriamestilhaçarosseussonhos.
***
Valderomaschegou-seàjanelaeolhouparaaescuridão.Erafimdejulho,eelenãoconseguia
dormir.Nãoselembravadaúltimavezemquedormiraanoitetoda.Perderaocursodosdias.
Eramaquelesmalditossoldadosemsuasmalditasmanobrasnoturnas.Umacoisaeraatirar,
marchar e fazer barulho durante o dia,mas nenhumapessoa decente ficaria acordada a noite
inteira,gritando,atirandocomarmaseexplodindocoisas.Eeraexatamente issooqueestava
ocorrendoemLaEsperanza.Pareciaqueossoldadostreinavamemtempointegral.Obarulho
vinhadoscamposatéa suacasa.Suamulhere filhospareciamnão ligar,masaquiloenervava
Valderomas. Ele se sacudia e se revirava por toda a noite. Alguns outros aldeões pensavam
comoele.Apreciavamodinheirogastopelossoldados,masestavampreocupados.Esehouvesse
um acidente? Se pusessem fogo no vilarejo? Se os guerrilheiros triunfassem e La Esperanza
fossepunidaporreceberosestrangeiroseinstrutores?
Valderomas conversou com o prefeito sobre o assunto, mas as suas inquietações foram
descartadas.Oprefeitoolhou-oedisse:
—Oquequerqueeufaça?Mande-osembora?
—Sim—respondeuele.
Nãoiriaacontecer.
Ossoldadosbolivianospreparavam-separaalgogrande.Paraoquemaisteriamchamadoos
americanos?
Nota:*AWorldSeries(ou“sériemundial”)éafasefinaldocampeonatopromovidopelaGrandeLigadeBeiseboldosEUA(MLB—
MajorLeagueBaseball),quereúneanualmenteoscampeõesdaLigaAmericanaeosdaLigaNacional.(N.doT.)
14
“ElenãosairávivodaBolívia”
ODC-8 Braniff amarelo-limão sobrevoou os cumes dasmontanhas e começou a se preparar
para a aterrissagemno aeroporto situado no vale abaixo.A aeronave parecia fluorescente em
contraste com a paisagem castanho-escura da Bolívia. Rebelando-se contra a sobriedade das
imagens tradicionais das linhas aéreas, Braniff tingiu sua frota com cores vivas, tais como
turquesa, limãoeazul-bebê.EraumachegadaostensivaparadoisagentescubanosdaCIAem
missão secreta, mas aquele era um dos únicos voos diretos para a pequena república sul-
americana.
Rodríguez estavamais do que pronto para desembarcar. Eles partiram deMiami, voando
inicialmenteparaacidadedoPanamáe,emseguida,paraLima,noPeru,antesdedesceremLa
Paz.O novo passaporte deRodríguez registrava-o como “FélixRamosMedina”.Villoldo, no
assentoaolado,eraagora“EduardoGonzalez”.
Pisaramemsoloapressados.Bill,ocontatodelesdaCIAnosEUA,eumoficialboliviano
daimigraçãoencontraram-nosnoportãodeembarque.“Elepegaráseusdocumentosebagagem
ecarimbarátudo”,disseBill.“Vocêspodemapanharassuasmalasnohotel.Temosumencontro
agoramesmonacasadopresidente.”
Na rodovia que levava à cidade, Rodríguez eVilloldo conheceram JohnTilton, chefe da
centraldaCIAemLaPaz.Rodrígueznotouumcobertorelétricobemdobradonoassentoao
ladodeTilton.
Rodríguezestavacurioso.
—Paraquevocêprecisadeumcobertorelétrico?—perguntou.
—Vocêveráembreve—respondeuTilton.
A casa do presidente ficava numa esplêndida praça no centro de La Paz. A construção
colonialpossuíaumafileiradejanelasecolunasemfrenteàsentradasprincipais.
RodríguezeVilloldoforamescoltadosparadentro.OfrioatingiuRodríguezfeitoumtiro.
Acasa,comoamaioriadelasemLaPaz,eracongelanteemseuinterior—“devidoàaltitudee
às paredes espessas”, disse-lhes Tilton. Eles foram conduzidos a um pequeno escritório e
apresentados a Barrientos. Tilton entregou o cobertor elétrico ao presidente, que sorriu e
aceitou-opolidamente.“Eraparaasuamulher”,explicou.Osseuspésestavamsempregelados.
Oshomenssentaram-seemtornodeumamesa.Foiservidocafénumabandeja.
Como bom agente da CIA, Rodríguez aprendera tudo o que podia sobre o governo
boliviano. Sabia que Barrientos assumira a presidência havia apenas um ano e que eramuito
próximoaOvando,olíderdasforçasarmadasbolivianas.
Apesar da atual crise, Barrientos gerenciava a reviravolta econômica da Bolívia. Ele disse
queaComibol,acompanhiaestataldemineraçãodeestanho,haviadadolucroem1966.Oseu
regime encorajava investimentos estrangeiros, e a Gulf Oil Company estava assinando um
contratoquelhedariadireitoaexportarpetróleoegásnaturalapartirdaBolívia.
Mas Rodríguez sabia que o governo de Barrientos enfrentava problemas. Os mineiros
odiavam-no. Os sindicatos desprezavam-no. Ele enfrentava um implacável movimento
guerrilheiro — tão poderoso que combatentes treinados em Cuba faziam compras em
Samaipata.Issofoiumgrandebaquepsicológico.E,comosenãobastasse,Barrientossofriauma
crescentepressãopelasolturadeDebray.Ele jamaisatrairia investimentoestrangeironaquelas
condiçõesinstáveis.Senãoassumisseocontroleembreve,Barrientosacabariacaindo.
O presidente também fizera o dever de casa. Consultou dossiês sobre os dois agentes da
CIA:RodríguezeVilloldoeramveteranosdaBrigada2506,aforçaexiladadaInvasãodaBaía
dosPorcoseoutrasmissõescubanas.Aqueleshomenspoderiamcaçaroagitadorcomunista.Mas
antes, Barrientos queria saber de suas outras batalhas contraCastro eChe.Como quase todo
soldadodaantiga,eleadoravaumaboahistóriadeguerra.
Rodríguezfoioprimeiro.Sentadoemsuacadeira,elesepermitiurelaxar.Erafevereirode
1961eeleintegravaasegundaequipeavançadadesetehomensenviadadaFlóridaparaCubaa
fimdeprepararainvasão.
Eles partiram emum grande barco de 7,5metros de comprimento, carregado de armas e
explosivos.CruzandodeKeyWestaCubapormaresturbulentos,oshomensforamcastigados
nodecorrerdaviagemdequatrohoras.Rodríguezsentiu-semelhorlogoqueavistouasuaterra
natal no horizonte.Viu os pescadores no píer, os casais e as famílias fazendo piquenique na
areia.
Atripulaçãodedoishomensmantinhaobarcoparaleloàcosta,aguardandoosinal—três
feixes de luz — para que a equipe seguisse em direção à praia. Rodríguez cuidava do
equipamentodogrupo.Jáemterra,umadezenadefazendeirosetrabalhadoresdeumengenho
deaçúcarlocalajudaram-nosadesembarcarasarmasnapraiaisoladaerochosa.
GruposcontráriosaCastropercorriamarodoviaentreMatanzaseHavana,a intervalosde
15 minutos, esperando a chegada de Rodríguez e sua equipe. Em pouco tempo, chegou o
primeirodemuitoscarros.OshomensficaramsurpresosaoveremRodríguezdeuniforme,mas
ele logo se trocou.ACIA instruíra aequipea seescondernamataeaguardara invasão,mas
eles logo souberam que a resistência anticastrista dispunha de locais seguros e uma rede de
mensageirosjáestabelecida.Aqueleeraumpaíscivilizado.
Rodríguez fez contato coma resistência.Oplanoda invasãoera abrirduas frentes, forçar
Castroasepararsuastropas,edividirailha.
Mas,em17deabrilde1961,Rodríguezdespertoucomosobrevoodeumaaeronaveeas
notíciasdainvasãonorádio.AemissoraderádiodeCubatransmitiamensagensdeemergência,
ordenando aos soldados que se reportassem às suas bases. Rodríguez tentou contato com os
outros soldados da resistência, mas ninguém respondeu. As forças de segurança de Castro já
haviamdetidoamaiorpartedeles.
Em seguida, Villoldo contou o que fez naquele dia— omais afortunado de sua vida, e
tambémomaisdoloroso.Pilotodesdea juventude,VilloldoguiouumbombardeiroB-26por
sobreapraiadaBaíadosPorcos,masabombadenapalmemsuaasarecusou-seaser lançada.
Porváriosminutos,eleeoseucopilototentarammenearasasasdaaeronaveparaliberá-la.Sem
sorte.Emsolo,ainvasãofracassava.Láemcima,ospilotostinhamdepensarnoquefazerem
seguida. Eles podiam sacrificar o avião e saltar de paraquedas até o chão, ouproceder a uma
arriscada aterrissagem com a bomba presa à asa. Optaram por esta, e regressaram ao “Vale
Feliz”,abasenicaraguensedaunidade.
Assim como Rodríguez, Villoldo escapara para Miami meses após a revolução e fora
recrutado por exilados cubanos anticastristas. A CIA logo ofereceu-lhe um emprego como
pilotoemmissõesdebombardeioaéreo,demodoadarsuporteàinvasão.
Villoldocirculavaporsobreaprecáriapistadepouso,preparando-separadescer.Otremde
pousotocouosoloprimeiro,edepoisabomba,quesearrastoupelapistalançandofaíscaspor
debaixo.Villoldopreparou-separaaexplosão.Oaviãoderrapouatéparar.Villoldo lançou-se
atabalhoadamenteparaforadaaeronave,tropeçouatéabeiradapista,echorou.
A bomba não explodiu, mas Villoldo ficara consternado. Acreditava ter falhado em sua
missãoecomasuafamília,quepermaneceraemCuba.
Nesseínterim,Rodríguezpermaneceutrêsdiasenfurnadoemseuabrigo.Atravésdajanela,
elepôdeobservarcaminhõesapinhadosdesoldados,e,natelevisão,verosseuscompanheiros,
oshomenscomquemtreinara,sendolevadosparaaprisão.Pareciamabatidos.
Quando as forças de Castro começaram a revistar casa por casa, Rodríguez correu para a
embaixadadaEspanhaembuscadeasilopolítico.PortodaHavana,diplomatasdaEspanhaeda
AméricaLatinaofereciamasiloparaagentesinfiltradosecombatentesdaresistência.Depoisde
algunsarranjos,Rodríguezfinalmenterecebeuasilodosvenezuelanos,comacondiçãodeque
ele desse um jeito de ir até a sua embaixada. Alejandro Vergara, um diplomata espanhol,
cuidoudetudo.
— Pegaremos o carro do embaixador— disse ele. —O chofer nos levará direto para a
embaixadavenezuelana.Vocêsentarácomigonobancodetrás.Nãoolheparaoslados.Nãodê
atençãoaossoldadoscubanosàfrente.Apenasajacomoumdiplomata.
Rodrígueznãoestavaconvencidodequeoplanodariacerto.Nãosebarbeavahaviadias,e
oseucabeloestavacompridoedesalinhado.Elenãosepareciaemnadacomumdiplomata.
— Você não estará seguro até que tenha entrado, de fato, no prédio da embaixada —
explicouVergara.—Vamos passar direto pela guarita cubana, até a entrada da garagem, na
lateraldaembaixada,próximaàportadacozinha.Euvousairdocarroeentrarnoprédio.Você
vaiesperarnocarroeenquantopermaneceralidentro,vocêestarásobproteçãodaembaixada
espanhola.Portanto,nãosemexa,mesmoqueamilíciacubanacomeceaesmurrarasportasou
quebrarosvidros.Emseguida,quandoeuabriraportadacozinhaefizersinal,vocêteráque
corrercomoumloucoatémim.
SentadonoantigoMercedesverde-clarocombandeiraespanhola,Rodrígueznãoconseguia
crerqueentrarasorrateiramenteemCuba,numbarco,aoanoitecer,apenasparadeixaragorao
paísnumcarro,emplenaluzdodia,bemdiantedossoldadoscubanos.
A carona durou poucos minutos. Durante todo o tempo, Rodríguez concebeu diferentes
cenários de fuga. Poderia saltar para o banco da frente e acelerar com o carro? Talvez
conseguisse tomar o rifle de algum soldado. A mente de Rodríguez estava em modo de
sobrevivência. Vergara surpreendeu-o nesses pensamentos, amão sobre amaçaneta da porta.
Haviamchegado.
—Sóespere,Félix—disse.—Nãocorraparanenhumlugarquenãoaporta.Enãoatéque
eufaçasinal.
Félixsuava.Aindahaviatempo.Soldadoscubanosestavamporperto,observandoocarro.
E,então,eleouviuogrito:“Félix!Corra!”
Rodríguezatirou-sedocarroemdesabaladacarreiraatéacozinha,quasesechocandocom
Manuel Urrutia Lléo, o ex-presidente de Cuba que havia sido instalado e, em seguida,
removidoporCastro.
—Bomdia,sr.presidente—disseRodríguez,recuperandoofôlego.
Cinco meses depois, as questões burocráticas foram resolvidas, e Félix voltou a Miami.
Villoldo passou duas semanas no Vale Feliz antes de voltar. Os dois conheceram-se meses
depois no Forte Benning, onde se tornaram segundos-tenentes aomesmo tempo.De volta a
Miami,RodríguezeVilloldocomeçaramatrabalharnoplanodaCIAdeinfiltraçãoemCuba.
Villoldo voluntariou-se para caçar Che noCongo. Agora, cá estavam na Bolívia, buscando a
recompensa.
Depoisdoencontro,BarrientospresenteouRodríguezeVilloldocomcartõesassinadospor
ele,destinadosa todoopessoalcivilemilitar.Amensagemeraclara:osbolivianosdeveriam
cooperarcomRodríguezeVilloldo.
Logodepois, seguiu-se uma reunião formal comOvando, na qual os agentes receberam a
patente de capitão e foi expedida identificação militar oficial. Por um ou dois dias, eles
descansaramehabituaram-seàaltitude,eentãoforamenviadosaosseuspostos.
Villoldo seguiu para a “zona vermelha”, a região controlada pelos guerrilheiros e cercada
pelas tropas bolivianas. Rodríguez ficou em Santa Cruz, trabalhando com o major Arnaldo
Saucedo, o oficial boliviano encarregado da inteligência, e com vários outros comandantes
bolivianos. No começo, eles seguiram as orientações vindas de Washington, encontrando-se
secretamenteeusandoapenastrajescivis.Mas,entreosencontrosemSantaCruz,Rodríguezia
diariamenteaLaEsperanzaemveículosmilitares.Lá,assuasroupascivisodestacavam.Sendo
assim, quando na companhia de soldados, Rodríguez e Villoldo logo passaram a vestir
uniformesdoExércitoboliviano,apenassemaspatenteseasinsígnias.
Uma das primeiras sugestões de Rodríguez a Saucedo, homem magro de bigode bem
aparado, foi consolidar e compartilhar os fragmentos de informação recolhidos no terreno.O
acampamentodosguerrilheiros situava-senaparte suldorioGrande,naáreadeoperaçõesda
QuartaDivisão.Mas,atéaquelemomento,osataquesdosinsurgenteshaviamsedadonooutro
ladodorio,naporçãoda8ªDivisão.Chesabiaquãocompetitivoseramoscomandantes,que
ocultavam avaramente pistas e informações, demodo a que o crédito não acabasse recaindo
sobre os homens errados. Em todo omundo,movimentos guerrilheiros usavam aquilo contra
eles.ComandantesamericanosestavampresenciandoamesmacoisanoVietnã.
Quando Rodríguez perguntou ao comandante da 4ª Divisão a respeito de atividades da
guerrilha em sua área, a resposta foi aquela que esperava. “Não temos problemas com a
guerrilhaaqui”,disseohomem.
Meenganaqueeugosto,colega,pensouRodríguez.
Eletinhadeconvencerosbolivianosatrabalharememconjunto.
Rodríguez saía todamanhãàs sete rumoaoquartel-generaldadivisão,ondepassavahoras
vasculhando cada pedaço de papel recolhido junto aos guerrilheiros. Lia relatórios da
inteligênciaetranscriçõesdeinterrogatórios.Abriuumarquivoparacadaumdosguerrilheiros
conhecidos, incluindo nome, apelido, patente, idade e cidadania. Os arquivos detalhavam as
característicasquepermitiramaRodríguezformarumperfildecadaumdaqueleshomens.Ele
pôdesaberquemfumava,quetipodearmasportavam,oquevestiam,comofalavam.
Rodríguezqueria conhecer aspanelinhas e as idiossincrasias.Precisavadescobrir as fissuras
nobandoguerrilheiro.Quemgostavadequem?ElesgostavamdeChe?Seconseguissepôras
mãosemqualquerumdaqueleshomens,precisava saberomáximopossível a fimdeplanejar
cadamovimento.QuemelemaisqueriaeraPaco,ojovemcombatentebolivianoconvencidoa
ingressarnogrupodeCheemtrocadepromessasdeumaeducaçãouniversitária.
Quandonãoestavaestudandoosguerrilheiros,Rodrígueztrabalhavanosrádios.Asuameta
era conectar os soldados bolivianos para que pudessem simplesmente coordenar as operações.
Umapeçacrucialdoquebra-cabeçaeramospilotosquefaziamosvoosdereconhecimento—
eles não tinham como comunicar aos homens em terra aquilo que observavam do alto.
Rodríguezimprovisouumaantena,permitindoaospilotosusarumrádioPCR-10parafalarcom
astropasemsolo.EstabeleceutambémumaconexãoderádioparaabasedaCIAemLaPaz.
Ao longo das semanas, os dois homens da CIA foram lentamente construindo redes de
informantes,erecolhendotodofragmentodeinformação.Ocasionalmente,eramconvocadosa
LaPaz,ondeopresidentesempre lhespediaquecontassemcasosdesuaselegantesaventuras.
Numanoite,apósojantar,Villoldocontouahistóriadamortedeseupai.
AfamíliaVilloldofaziapartedaalta sociedadedeHavana.Quandoelenasceu,em1936,
suafamíliapossuíaumafábricadaGeneralMotorseumafazendade30milacresnonoroeste
deCuba.
QuandoVilloldotinha11anos,seupaiensinou-lhecomopilotarumaaeronave,e,talcomo
Rodríguez, o garoto foi mandado para uma escola nos EUA. Lá, Villoldo prosperou, mas
regressouaCubaem1952.ElecomeçouatrabalharnaconcessionáriadaGMdesuafamíliae
fezumcursodenegóciosnaUniversidadedeHavana.
Após a revolução de 1959, as forças de Castro começaram a confiscar a propriedade e
perseguir os ricosdonosde terras.OpaideVilloldo estavana lista.Uma tarde, guerrilheiros
barbadoscercaramacasadafamília,pegandoVilloldoJúniorsobcustódia.
Depoisdetrêsdiastentandofazercomqueojovemchamasseoseuprópriopaidetraidor,
osguerrilheirososoltaram.Masissonãopôsfimaoassédio.Porsemanasafio,osguerrilheiros
vinhaminterrogaropaideVilloldo.Chefoiduasvezesatéacasa.Asegundavisitadeu-seem
fevereiro de 1959. Villoldo Júnior achava-se no escritório da família, no centro de Havana,
quandoCheencontrou-secomoseupai.
Naquela noite, pai e filho deramumpasseio para discutir o encontro comChe.O velho
estava abalado. Durante o encontro, Che impusera-lhe uma escolha: ou Villoldo pai morria
convenientemente,deixandoosbensfamiliaresparaoEstado,ouosseusdoisfilhosteriamde
encararopelotãodefuzilamento.
Namanhã seguinte,Villoldo encontrou o paimorto numquarto de hóspedes. Próximo a
ele,um frasco vaziodebarbitúricos.Villoldo jurouvingaro seupai.Che iriamorrer.Castro
tinhadepagar.
Fez-sesilênciosobreasala.
—Lamentoporsuafamília—disseBarrientos.
Villoldovirou-separaopresidente.
—SevocêmedisserquepretendeenviarChedevoltaaCubaapósasuacaptura,eupego
oprimeiroaviãodevoltaparaMiami—disse.
Barrientosficouquietoporuminstante,eemseguidarespondeu.
— Você tem a minha palavra, na qualidade de presidente do país, que, se capturarmos
Guevara,elenãosairávivodaBolívia.
15
MãoSanta
Shelton estava sentado dentro do centro de operações, sentindo-se animado. Um débil
ventiladorsopravaoarquente,maspoucofaziaparaaliviaroabafadocalordeagosto.Durante
semanas, ouvira a respeito dos dois agentes daCIA que coletavam informações sobreChe, e
agoraeleiriaencontrá-los.
Nãoinvejavaotrabalhodeles.
A inteligêncianorte-americanavinha rastreandoChepor anos a fio, e seohomemestava
mesmoali,liderandoosguerrilheirosbolivianos,asdécadasdetrabalhorevelar-se-iamumtotal
fracasso.NosidosdaGuerraFria,temposdeespiãoversusespião,seria impensávelqueagentes
secretosnãosoubessemoparadeirodeseuhomem,oupelomenosseestavavivo.Comopudera
Cheterdesaparecidotãodiscretamenteeportantotempo?Nãofaziasentido.
Os jornais pareciam sabermais deChedo que a própriaCIA.Repórteres enfiavam-se no
terreno, conversando com camponeses e publicando as mais ousadas histórias sobre os
guerrilheiros.Osjornaisnorte-americanosespeculavammaisemaissobreapossívelpresençade
ChenaBolívia.Numartigode23dejulho,JackAndersoneDrewPearsonescreveram:
Quando o presidente da Bolívia, René Barrientos, anunciou que o misterioso homem deCuba, Che Guevara, estava comandando as forças guerrilheiras nas montanhasbolivianas, a história foi desconsiderada. No entanto, a inteligência militar dos EUAinforma agora que o braço direito de FidelCastro encontra-se nasmontanhas bolivianas,liderandocercadecemtropasbemequipadasetreinadas.
A importância dessa operação não escapou a vários presidentes latino-americanos. ABolíviaéopaísmaismontanhosodohemisférioocidental, eomelhorparaquembuscaseesconder. Igualmente importante é o fato de estar rodeada pelas regiões mais pobres doBrasil,Peru,Paraguai,ArgentinaeChile.
Se uma revolta bem-sucedida pode ser organizada na Bolívia, isso significa que elapoderiaviratransbordarparaaszonasmaispobresdaquelespaísesvizinhos,possivelmenteparaassuascapitais.Presumivelmente,essaéaestratégiadeCastro.
Àquelaaltura,SheltonjánãotinhadúvidasdequeChelideravaobandorebelde.Massabia
que o pessoal da inteligência não estava ainda tão convencido — mesmo após o audacioso
ataque a Samaipata. Seus pensamentos foram interrompidos quando dois homens vestindo
uniformesdoExércitobolivianoentraramnasala.Elelevantou-seimediatamentedacadeira.
—PappyShelton?—perguntouumdoshomens.
—Soueu.Evocê,quemé?
—FélixRodríguez.
Villoldo também se apresentou, e todos se sentaram para uma conversa. A princípio,
falaramamenidades.Sheltonperguntou-lhessobreaviagemeoencontrocomBarrientos.Em
seguida,conversaramsobreopassado.Sheltoncontou-lhesdesua longatrajetória, incluindoa
épocaemqueestevenaCoreiaenoLaos.RodríguezeVilloldoexpuseramassuashistóriasde
vida. Os três homens deram-se bem. Os cubanos respeitavam Shelton porque ele enfrentara
comunistas naCoreia, no Laos e na RepúblicaDominicana. Era um soldadomodelo. E, aos
olhos de Shelton, Rodríguez eVilloldo erampatriotas, que faziam a sua parte para derrubar
Castroeoseuregimerepressivo.
Os homens daCIA relataram os seus planos a Shelton.Villoldo ficaria emLa Esperanza
ajudandoatreinaraunidadedeinteligênciadosRangers.Umaveztreinada,aunidadevestiria
roupasciviseoperariacomosaldeões,buscandoinformaçõessobreaslocalidadesdaguerrilha.
Eles seriam os olhos e ouvidos dos Rangers. Enquanto isso, Rodríguez trabalharia em Santa
Cruzcoma8ªDivisão.
Para Shelton, a missão da CIA fazia sentido. A inteligência era essencial. Sem ela, você
acabavaexpondo-seaemboscadas, comoaquelespobresbolivianos.Elesnem faziam ideiade
queosguerrilheirosestivessememseupaísatéqueotiroteiocomeçasse.
Shelton disse a Rodríguez e Villoldo que o treinamento dos Rangers seguia conforme o
planejado,mas que gostaria que as coisas fossemdiferentes.A sua equipepoderia facilmente
entrar na selva e capturarChe empouco tempo.Rodríguez concordou.OsEUA estavamde
mãosamarradaspelas leis.Emguerrasdeguerrilha,vocêtinhadeutilizara suaprópria tática.
Sim,acontrarrevoluçãofuncionava.Mashaviamomentosemqueeraprecisoapenasiratrásdos
delinquentesematá-los.
Aofinaldareunião,SheltonsabiaquepoderiatrabalharbemcomoshomensdaCIA.
***
UmmêsapósofiascodeSamaipata,aenxurradadecríticasseguiadesabandosobreBarrientos.
As tropas do Exército continuavam a caçar os guerrilheiros na zona de operações, gerando
protestos a todomomento. O país estava ainda abalado peloMassacre do Dia de São João.
Haviapedidosparaquesesuspendessealeimarcial,afimdequeavidavoltasseànormalidade.
Os repórteres continuavama inundar opaís, questionando-seporquanto tempoBarrientos se
manteria no poder. Muitas das histórias incluíam citações anônimas de diplomatas norte-
americanos.
Barrientos conhecia a fonte: Henderson. Na sua presença, o embaixador era
condescendente.HendersonestavasempreadmoestandoBarrientos,comoseopresidentefosse
umacriançapetulante:Não,vocênãoterámaisajuda.Assuastropaspodemlidarsozinhascom
a guerrilha.Nos bastidores,Henderson costumava criticar Barrientos por sua incapacidade de
eliminaraameaçaguerrilheira.
Barrientostinhaamigosnocomandomilitarnorte-americano.Elesqueriamenviararmas,e
atémesmo tropas,paraaBolívia.MasWashingtonagiacomcautela.Senãodesejavamquea
guerrilha virasse um conflito regional, seria bom que removessem as amarras, argumentava
Barrientos.Eleficouparticularmentecontrariadoquandopressõesnorte-americanasimpediram
que a Argentina enviasse tropas auxiliares. Não era comum na América Latina que um país
solicitasseaoutroquedeslocasse tropasparadentrodo seu território.Lembrançasdedisputas
fronteiriças e roubos de terra estendiam-sepor gerações,masBarrientosmostrava-se cada vez
maispreocupadocomaameaçaguerrilheira.Elechegou-seaopresidenteargentinoJuanCarlos
Onganía,queeratãoparanoicoemrelaçãoaChequantoopróprioBarrientos.
BarrientosperdeudevezacabeçaquandoumareportagemdoNewYorkTimes alardeouasolicitaçãoparatodomundo.Ojornaldiziaqueoapeloboliviano
parecia demonstrar a crescente preocupação do governo do presidenteRenéBarrientos [...]emrelaçãoàeficiênciadosguerrilheiros, tantoemcombatequantoemcriarumsentimentonacionaldealarme.
Amatéria acrescentavaqueosguerrilheirosno sudestedaBolíviaeram“bemorganizados,
equipadoscomarmasmodernas,elideradosporcomunistastreinadosemCuba”.
O presidente culpou Henderson pelo vazamento da notícia. Suas negociações com a
Argentinadeveriamtersidomantidasemsegredo.Ninguémgozavadoprivilégiodeestarapar
daquelas conversasexcetoos americanos, eeramosEUAquem,maisumavez, frustravamos
seus planos. A Argentina já enviara armas, comida, equipamentos, e soldados deveriam,
logicamente, ser o próximo passo. A Argentina temia que a guerrilha transbordasse pela
fronteira.SabiamqueChe—casoestivessemesmovivo—adoraria terachancedeconduzir
umarevoluçãonopaísemquenascera.
ComoafirmouumoficialdoExércitoargentino:
Nãodispomos,nomomento,detropassuficientesparaenviaràBolívia.Osmilitaresestãomuito frustrados, pois todos acham que uma nova Sierra Maestra está começando naBolívia,e,nasatuaiscircunstâncias,nósrealmentenãopodemosfazernadaarespeito.
(Castro e Che haviam preparado a sua subida ao poder nasmontanhas cubanas de Sierra
Maestra.)
Em público, Barrientos tentava ser diplomático a respeito dos vazamentos.Nenhuma das
matérias às quais se referia mencionava Henderson. Ainda assim, a origem da informação
negativa era evidente.Tal como amaioria dos diplomatas,Henderson falava com a imprensa
norte-americana sobre questões secundárias, sob a capa do anonimato.Não era incomumque
jornalistas visitassem e entrevistassem Henderson na embaixada. O New York Times era
provavelmente o jornal mais influente do mundo. Era o primeiro jornal que políticos e
burocratasemWashingtonpegavampelamanhã.Quando repórteresbolivianosperguntarama
BarrientossobreasmatériasdoTimes,elemanteveacalmaemencionoudepassagemopossível
responsável,empregandoapenassuavesevasivasdiplomáticas:
Assim como o sr. Henderson tem a sua opinião, baseada em alguma informação, eutambém posso garantir absolutamente a todo cidadão boliviano que os guerrilheiros nãoterão sucesso neste país. Tudo o que o sr.Henderson diz, se émesmo como se noticiou, écompletamentefalso.Maseuduvidoqueeletenhaditotaiscoisas...Porqueeunãocreioqueosr.Hendersondissessealgotãosemsentido.
Henderson procurou remendar a sua relação com o presidente, garantindo-lhe não saber
quem havia feito os comentários ou vazado os documentos. Barrientos não era idiota. Sabia
como o jogo era jogado. Aceitou as desculpas de Henderson, e mandou uma mensagem
telegráfica ao Departamento de Estado dizendo: “Quero deixar claro que Henderson é meu
amigo,eeunãoacreditoqueelediriaascoisasqueeuqualificodesemsentido.”
O telegrama acalmou a tempestade, mas Barrientos sabia que não dava para confiar em
Henderson. Ele chegou então ao núcleo da questão: não poderia esperar muita ajuda das
potências estrangeiras. Ninguém resolveria os problemas da Bolívia a não ser os próprios
bolivianos. Sim, eles podiam receber auxílio e treinamento norte-americano. Mas, naquele
conflito,ofatoéqueestavamsozinhos.
***
No início de agosto, tropas bolivianas espalharam-se e vasculharam a área em torno do
acampamento original dos guerrilheiros, em Nancahuazu. Esquadrinharam cada centímetro à
caçadealgoquepudesseterpassadodespercebidonasbuscasanteriores.Mas,aocontráriodas
expediçõespassadas,agoraelestinhamummapa—graçasaCiroRobertoBustos.
EleestiveranaprisãodesdeasuacapturajuntoaDebrayeRoth,emabril.Seocomunista
argentino achara dura a vida no acampamento dos guerrilheiros, seus captores bolivianos
mostraram-lhe quão piores as coisas podiam ficar. Após uma quase execução por recrutas
bolivianos,elepassaraosmesesseguintesnumacelaimunda,aguardandojulgamentoou,talvez,
aexecuçãooficial.Bustostinhasidoumrevolucionáriodiletante,felizportagarelarhorasafio
sobreMarxeStalin,usandoo seuestilode combatente rebeldepara conquistarmulheres em
festas.Mas isso forahámuito tempo.A realidadeeracompletamentediferente láno front,e
significava carregar armas, marchar pelas montanhas, viver na selva. Ele não fora feito para
aquilo.
Ospsicólogosdizemque cadapessoa temum jeitoprópriode lidar comomedo.Alguns
conseguemassimilá-loesair-sebem,enquantooutrossucumbemàpressão.Tudotemavercom
a trajetória e a criação. Se o seu filho é ensinado a caçar e pescar desde novo, ele ficará
confortáveldiantedearmasecarcaçasdeanimal—coisasquepessoasmaismelindrosasacharão
perturbadoras. Se a criança é protegida contra experiências duras, ela tenderá a evitar o
confronto e a violência. Daí porque, numa batalha, algumas pessoas correm para o fogo,
enquantooutras recuam.Bustospercebeuquenão foracriadoparao regimeda rebelião.Não
tinha estômagopara a revolução real,mesmo sem ter presenciado combate algumdurante os
mesesquepassoucomobandorebelde.Serumrevolucionárioeradesconfortável,sujoebrutal.
Sentado na sua cela, especulando se morreria naquele dia, Bustos desmoronou. Contou aos
bolivianostudooquesabia.
Bustos disse que os guerrilheiros haviam abandonado o acampamento original, mas que
voltavam a ele de tempos em tempos. Lá, eles possuíam depósitos repletos de suprimentos
essenciais. Ele desenhou uma série demapas detalhados do acampamento, apontando tudo o
queosbolivianosprecisavam.Umavezquecomeçouafalar,elenãopôdemaisparar.
No começo, osmilitares bolivianosmoviam-se cautelosamente pela área, temendominas
terrestres ou guardas. Mas, no dia 6 de agosto, as tropas tiraram a sorte grande: vários
esconderijosdearmas,incluindosubmetralhadoras,granadaseumlança-morteiros.Encontraram
suprimentos médicos, passaportes e itinerários de viagem, uma lista de contatos na Bolívia,
mensagensde rádiodecodificadasprovenientesdeHavana, e cadernosde códigos.E também
instantâneos,dezenasdefotospessoaisdosguerrilheiros.Haviaatéumaguimbadecigarro.
Foi um extraordinário achado. Barrientos ficou em êxtase. Havia ali mais provas de que
Cuba—e,maisespecificamente,Che—estavaportrásdosproblemasdanação.
ParaBarrientos,asevidênciasmais incriminadoraseramasfotos.Umamulherqueaparecia
nos instantâneos era Loyola Guzmán, jovem de 25 anos, membro da Juventude Comunista
Boliviana.ElafoipresaimediatamenteelevadaparaoprédiodoMinistériodoInterior,emLa
Paz. Durante o interrogatório, ela forneceu informações sobre onze membros da rede de
suporte à guerrilha na capital. Quando os guardas deixaram-na sozinha por um instante,
Guzmánatirou-sepelajaneladoterceiroandar.Umacornijadoprédioamparouaqueda,eela
ficouapenaslevementeferida.
Apolícia levou-aaohospital,ondeelacontouà imprensapreferirsuicidar-seaentregaros
companheiros.
Tenhoplenaconsciênciadaminhasituação.Encontro-meneladevidoàminhaconvicção.Apesardoerroquecometi, jáquemuitosdocumentosapreendidospoderãoservirparaqueasautoridadesprendammuitaspessoas,eumantenhoasminhasideias.Emboratenhamossofridoestegolpe,alutavaicontinuar,mesmoquemuitasoutraspessoasvenhamamorrer.
ApolíciajáhaviacomeçadoacercarosprováveiscontatosdaguerrilhaemLaPaz.Guzmán
sabia o que lhes aconteceria. Seriam torturados emortos. Barrientos não tinha paciência para
deslealdade.
Barrientosnãoeraoúnicointrigadocomospapéisedocumentosapreendidos.Irritadocom
aresistênciaamericanaaosseuspedidosdeajuda,opresidentebarrouoenviodosmateriaispara
osEUA—eleeoutrosmembrosdoseugabinetetemiamquejamaisfossemdevolvidos.Após
umcabodeguerracomHendersoneoficiaisdoDepartamentodeEstado,Barrientosconcordou
em entregar alguns dos itens, mas só depois de os bolivianos haverem catalogado cada
fragmento.
OficiaisdoExércitonorte-americanoqueriamparticularmenteospassaportes.Emespecial,
o de um homem de meia-idade, bem barbeado, de óculos e com uma calvície incipiente.
Suspeitavamsaberquemeleera,masqueriamtercerteza.
A notícia da descoberta chegou até o presidente Johnson. Rostow, o assistente do
presidente para assuntos de segurança nacional, acrescentou uma breve nota ao documento,
explicandoporqueosbolivianosdesejavamaprontadevoluçãodomaterial:planejavamusá-lo
paraprocessarDebray.
Como tudo o mais na relação entre EUA e Bolívia, a custódia dos materiais tornou-se
contenciosa. Barrientos pressionava pela devolução, mas os EUA solicitavam mais tempo.
Finalmente,osdocumentosforamdevolvidos—mascomaausênciadeumitemfundamental:
a guimbadecigarro.OsbolivianosperguntaramaoDepartamentodeEstadoondeela estava,
masosoficiaisdisseramnãosaber.PerguntaramàCIA.Earespostafoisimples:“Consumidaem
análise.”
***
Quando o sol se pôs por detrás dos campos, os Boinas-Verdes largaram os apetrechos e se
acomodaramnascadeirasdoQuiosquedoHugo.Pareciaqueaunidadeinteiraestavaali,junto
comRodríguezeVilloldo.
Desde a chegada em La Esperanza, os homens da CIA haviam tentado misturar-se aos
demaissoldados.Dentreestes,poucossabiamquemeleseram,eporqueestavamali.
Villoldo passava a maior parte do tempo com o capitão Cruz, das Forças Especiais,
treinandoaunidadede inteligênciadosRangers.RodríguezviviaemSantaCruz, trabalhando
comomajorSaucedo,chefedeinteligênciada8ªDivisão,reunindoasnotíciasquechegavam
do interior. Rodríguez esmiuçava as pistas e engrossava os arquivos sobre guerrilheiros
individuais. Ele e o major formavam uma equipe importante. No desenrolar da missão,
Rodríguez fez recorrentes viagens a La Esperanza, apenas para arejar a cabeça e refrescar o
espírito.
Shelton e Rodríguez bebericavam cervejas no bar provisório. Rodríguez gostava da
companhiadeShelton.Numamanhãdedomingo,Rodríguezfoiacordadoaosomdemúsicae
aplausos. Ao sair do dormitório, ele viu Shelton dedilhando o violão, acompanhado por um
soldadoqueusavaumatinacomocontrabaixo,outroquetocavaotanquedelavarroupa,eum
Boina-Verdebatendoumpardecolheres.Osbolivianosadoraram.
Nobar,haviasempremuitaconversasobreoVietnã.Todomundo,inclusiveosbolivianos,
queriamsaberoqueaconteciapor lá,ecomoandavamascoisas.OsEUAestavamvencendo?
Shelton não tinha problemas em falar sobre o assunto.Mas, como bom soldado, ele não se
detinha no porquê de estarem lutando. Uma vez iniciada a guerra, isso realmente não
importava.
Rodríguezviaacoisademaneiradiferente.
OVietnãeraoutra frentenaamplaguerracontraocomunismo.DesdequeCastroeChe
tomaram o seu país, Rodríguez prometera lutar por liberdade para os seus “irmãos e irmãs
vivendocomoescravossobaopressãocomunista”.
Mas,omaisimportante,elejuraramanter-sefirmeatéolimitedesuasforças,defendendo
os valores dos EUA, seu país adotivo. A sua terra natal fora-lhe arrancada, e a sua família
lançadaàprópriasorte.MasRodrígueznãoestavacegopelaraiva.Aocontrário,eledescobrira
um propósito na luta para corrigir os males trazidos pelo comunismo. E isso significava
enfrentarsujeitoscomoChenaBolívia,ouaténaÁsia,seprecisofosse.
Aquelanoite,RodríguezcontouaSheltonsobreoseupapelnodesastredaBaíadosPorcos.
Relatou como o plano original teria libertado 2 mil prisioneiros políticos, e como ele foi
alterado depois de Kennedy ter sido eleito. O presidente mudou o local da aterrissagem da
cidadedeTrinidadparaaBaíadosPorcos—estapossuíaumaáreadepouso,eficavadistante
das grandes aglomerações de civis. A brigada de exilados cubanos desembarcou numa praia
chamadaPlayaGirón.
A invasão de abril de 1961 foi umdesastre— tudo deu errado.Castro capturoumais de
1.100soldadosdaBrigada2506,aforçaexiladaapoiadapelosEUA.Rodríguezveioadescobrir
maistardeporquetudoderatãoerrado.Antesdainvasão,exiladoscubanosemMiamivinham
dandocomalínguanosdentes.Agentessoviéticosinterceptaramofalatórioealertaramosseus
aliadoscubanossobreoataqueplanejado.Assim,quandoosexiladospuseramospésemPlaya
Girón,oExércitodeCastroosaguardava.
Rodrígueznãoestavalá.PermaneceuemHavana,contou,ondepassaramesesorganizando
umaredederesistênciaecontrabandeandoarmas.“Tivesortedeconseguiracessaraembaixada
venezuelanaemHavana”,disse.Elepassoucincomesesemeionaembaixadaantesdeescapar.
Após o fiasco da Baía dos Porcos, qualquer pessoa vagamente suspeita de integrar uma
conspiraçãoeraexecutadaemCuba.MuitagenteaoredordomundoengoliuaimagemdeChe
como um revolucionário romântico. Mas, para Rodríguez e os exilados cubanos, Che era
responsávelpelosassassinatos;elenãopassavadeumbandido.
OpioreraaarrogânciadeChe.Emagostode1961,duranteumaconferênciaeconômicada
OrganizaçãodosEstadosAmericanos(OEA),noUruguai,Cheenviouumanotaaopresidente
Kennedy,pormeiodeumdos assessoresdopresidente,RichardGoodwin.Dizia: “Gratopor
PlayaGirón.Antesdainvasão,arevoluçãoestavafraca.Agora,estámaisfortedoquenunca.”
Shelton apenas balançou a cabeça. Rodríguez estivera no inferno, pensou. Talvez fosse a
cerveja,ouo suaveardanoite,mas,naquelemomento, tudooqueSheltonpodiapensarera
que Rodríguez “é um dos nossos”. Queria demonstrar-lhe o quanto apreciava o seu serviço.
Shelton apanhou o seu canivete e fez um pequeno corte no próprio dedo, suficiente apenas
parafazerbrotarumagotadesangue.Espremeuagotaemseucopodecerveja.Olhosnosolhos
deRodríguez:
—Irmãosdesangue?
Rodríguezsorriu,encantadocomogesto.
—Sim,irmãosdesangue.
EleimitouShelton.Cortouoseudedocomafacaedeixouverterosanguenacerveja.Em
seguida,SheltoneRodrígueztrocaramoscopos.
Sheltonergueuodeleegritou:
—Salud!—Saludavocê!—respondeuRodríguez.
Elesbeberamtodaacervejaebateramcomoscoposnamesa.Comisso,Sheltonfaziauma
promessaparaRodríguez:seCheestivessemesmooperandonaBolívia,elenãoescapariacom
vida.
—Abrincadeiraacabaaqui—disseShelton.
***
Mesmo com todas as evidências, a CIA continuava recusando-se a admitir queChe estivesse
vivonaBolívia.Cheeraorostodosmovimentosrevolucionáriosmundoafora,eosanalistasda
CIAsimplesmentenãoconseguiamvê-loarriscandotudoissonumpaísisoladocomoaBolívia.
Nãoeraoseuestilo.
É certo que os rumores eram abundantes. Os bolivianos possuíam documentos e cartas
recolhidosnumacampamentoisolado.Todasasevidênciasapontavamparaumamesmadireção.
Mas nada que levasse a uma conclusão definitiva. Ninguém havia, de fato, visto o homem.
Ninguémpodiaconfirmarcoisaalguma.
A guerrilha invisível conseguia ainda operar nas sombras. Na conferência de agosto da
Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), em Cuba, Che foi nomeado
presidente honorário. O nome de Guevara foi invocado tantas vezes que era como se ele
estivesse no salão. Delegados da confederação de 27 movimentos comunistas e progressistas
latino-americanostiveramdesuportarumdos intermináveisdiscursosdeFidelCastro,noqual
prometia exercermaior influência no hemisfério. Em torno dele, pendiam gigantescas faixas
ornadas com a imagem de Che. A conferência logo converteu-se num vigoroso comício em
favor da revolução. Delegados pediam o “fortalecimento do laço de solidariedade militante
entre os combatentes anti-imperialistas latino-americanos, e o estabelecimento de relações
básicas para o progresso da revolução continental”. Aldo Flores, representante do Partido
Comunista Boliviano, disse à audiência que os combatentes de Che apenas cumpriam o seu
deverpatrióticoquandoseopunhamaos instrutoresemateriaisnorte-americanosenviadosem
auxílioàs“forçasopressivas”daBolívia.
O ativista negro Stokely Carmichael inflamou a multidão ao prometer que “nós estamos
levando a guerra de guerrilha para dentro dos EUA, já que não há outromeio de obtermos
nossas casas, nossas terras e nossos direitos”. Louvando Che, Carmichael ecoou o líder
guerrilheiroaodeclararque“quandoosEUAsofreremcomcinquentaVietnãsdentrodecasa,e
outroscinquentaláfora,istosignificaráamortedoimperialismo”.
Aofimdoencontro,ogrupodeclarouCheGuevara“OCidadãodaAméricaLatina”.
AconferênciaatraiuaatençãodeHelms,diretordaCIA,que,em8deagosto,repassouao
presidente Johnson um relatório da agência. A análise sobre o Exército boliviano era
contundenteeinflexível.OataquedeSamaipatacausaraumaprofundaimpressão.
OrelatórioinformavaquetodasascinconaçõesfronteiriçascomaBolíviapartilhavamdas
dúvidasnorte-americanassobreacapacidadedosmilitaresbolivianosemdeteraguerrilha.Seos
guerrilheiros conseguissem derrubar Barrientos, Argentina e Paraguai concordaram em
considerarumaintervençãomilitar.
A CIA afirmava que a insurgência parecia “mais sofisticada e profissional do que outras
tentativas similares ocorridas na América Latina”, e que a conferência da OLAS fornecera
assistêncianaguerradepropaganda.Devidoà “alegadapresençadeCheGuevara”eàcaptura
deDebray,aCIApreviaqueainsurgênciapermaneceriasob“osolhosdopúblico”.“Poderiavir
asetornarumfocodocontínuoepolêmicodebate,correntenomundocomunista,arespeito
dosméritosrespectivosdaaçãorevolucionáriapolíticaversusamilitante.”
O relatório dizia que a guerrilha boliviana, em sua habilidade de tomar a iniciativa nos
encontroscomoExército,contrastavacomasguerrilhaspró-CastronaVenezuela,Guatemalae
Colômbia. Que os guerrilheiros eram “bem treinados e disciplinados” e “bem versados” nas
técnicas de insurgência de Che — ele estando ou não entre aqueles. Analistas atribuíam o
sucesso da guerrilha às “totalmente ineptas” operações bolivianas de contrarrevolução, e
sublinhavamanecessidadedeBarrientosdeobterumarápidaedecisivavitória.
Eles também especulavam que os postos do Exército boliviano tendiam a alienar as
populações em torno, aterrorizandomoradores locais,molestandomulheres, e “expondo-se a
umadesfavorávelcomparaçãocomosbem-disciplinadosguerrilheiros”.
Nofinal,orelatórioconcluíaqueosbolivianosperdiamterrenodemaneiraacelerada.“Se
os guerrilheiros continuarema obter sucessonaBolívia, os seusmétodos e experiências serão
certamenteemuladosemoutrospaísesdaAméricaLatina.”
***
Numdomingoànoite,emfinsdeagosto,MarioSalazaraprontava-separaadança.Todofimde
semana, os homens bolivianos reuniam-se em torno de uma pequena banda na praça de La
Esperanza.Quandoamúsicaapropriadatinhainício,elesformavamparesedançavamacueca,
tradicionaldançafolclóricaboliviana.
Lembrava um pouco as quadrilhas dos americanos— os pares rodavam e giravam um ao
redor do outro, e todos semoviam juntos numa simples coreografia em volta da praça, com
lençosbrancosbalançandofeitopombasemcadamãodireita.Osparesjamaissetocavam,mas
mantinhamcontatoatravésdeexpressõesfaciaisemovimentosespelhados.
Eraumadançadecorte,ebastantesedutoraquandooritmoeralento.EemLaEsperanza,
quandoossoldadosdançavam,elesdançavamunscomosoutros.Aosinstrutoresbolivianosera
proibidoqualquercontatocomasmulhereslocais.
ParaogrupodeShelton,aquiloeraumtantoestranho.Deondeelesvinham,homensnão
dançavamcomhomens,muitomenosabanandolenços.
Mas Salazar não ligava para o que eles pensavam.Dançar era um outromodo de relaxar
após uma longa semana de treinamento. “Não podíamos ter contato com as mulheres do
vilarejo.Eraproibido.Estávamos isolados.Paranós,aquilofazia-nossentiremcasa”,recordou
ele.
SalazarestavafelizemLaEsperanza.Aquelestinhamsidoosmelhoresmesesdesuavida,
osmaissignificativos.Todamanhã,eleacordavaeapressava-separacomeçarotreino.Aparte
mais importante era, para ele, a crescente camaradagem com os seus colegas. Quando um
Rangercaíanocampo, todososoutroscorriampara reerguê-lo.Quandoalguémtinhaumdia
ruimnotiro,outrossevoluntariavamparaajudá-lo.
Avidanocampoeraherméticaeintensa,porvezestrágica.Emjulho,umdoshomensfoi
mortoquandoumaarmadisparouacidentalmentedentrodacaserna.Algumassemanasdepois,
umsargentobolivianolevouseupelotãoparaumtreinamentocommorteiros,numdomingoà
tarde,seminformardoexercícioaseuspares.Ummorteiroerrouoalvo,matandoosargentoe
ferindováriosdeseushomens.Porquenenhumoficialsabiadaocorrênciadotreino,aexplosão
fezcomquetodossaíssemcorrendodoacampamento.
Hapkaeaequipemédicaforamnafrente,dandoinícioàtriagemdeemergênciaeaplicação
de intravenosos. Trabalharam freneticamente para estancar o copioso sangramento de alguns
homens. Os soldados puseram os feridos num caminhão, que partiu a todo vapor para um
hospital em Santa Cruz. Mas, quando os soldados feridos chegaram, não havia médicos em
serviço.Umdossoldadosmorreuali,masosoutrossobreviveram.
Oacidenteconfirmavaaseriedadedotreinamento,lembrouSalazar.
—AquelenãoeraumtreinoregulardoExército.Nopassado,os soldados treinavam,mas
sabendoque voltariampara casa.Aqui, tinha-se a consciência de que você talvez nuncamais
voltasse.Vocêpoderiaestaremcombate.Vocêpoderiamorrer.
Os soldados sabiamque estavam juntos nessa, que seriam requisitados para salvar a nação
dos insurgentes. Partilhavam um senso de hombridade — eram futuros heróis. Ao mesmo
tempo, continuavam sendo nostálgicos garotos do interior. À noite, quando não estavam em
manobra, os homens deitavam-se nos beliches e, na escuridão, falavam de suas cidades e
famílias.Os laços familiareseram fortes, eo ritmodavidaaldeãestavano sanguedamaioria
daquelessoldados.
Eraporissoquedançavam—ounãodançavam.Luis,amigodeSalazar,eradeumpequeno
vilarejoforadeVallegrande.Salazarperguntou-lheseiriaàcuecanaquelanoite.Luisdissenão,
porestarmuitocansado.
Salazarsentou-senabeiradobelichedoamigoedeu-lheumcutucão.
—Oquehá,cara?
—Bem— disse Luis—, quando estou dançando, lembro-me daminhamulher. Ela está
sozinhaemcasa,eeumeperguntoseireivê-lanovamente.Setornareiaabraçá-la.Logo,seeu
foràdança,acabareificandotriste.Voucomeçarapensarnela.Émelhorqueeufiqueaqui.
Salazarsorriu.
— Eu não tenho mulher, mas compreendo. Penso muito na minha mãe. Essa dança me
mantém ocupado. Faz com que eu não pense nela e nos demais familiares. Afasta a minha
mentedetudo.Éporissoqueestouindo.
— Sei que estamos aqui porque precisamos lutar. Mas eu também quero rever a minha
mulher.Pergunto-meseissovaleapena—disseLuiscomumsuspiro.
Salazar não tinha resposta.Mas entendia omedo de Luis.Não sabiam o que aconteceria
quando deixassem La Esperanza. Se enfrentassem os guerrilheiros, provavelmente muitos
morreriam.Soldadosdeambososladosestavammorrendo.
Salazarcaminhouparaapraça,perdidoempensamentossobreafamília.Havia-lhesescrito,
masaindanãoobtiveraresposta.Tentoutirarissodacabeça—ninguémnafamíliaeramuitode
escrever.MasLuisfizera-olembrardecasa,e,porummomento,elesesentiusozinho.
ViuPradodoladodeforadocassino,espéciedeclubeparaosfigurõesdacidade.
Pradoosaudou.“Comoestáindo,meuamigo?”
Tinham ficado amigos durante o treinamento. Prado gostava do modo como o jovem
soldadoportava-senocampo.ParaSalazar,Pradorepresentavatudooquehaviadecorretono
Exércitoboliviano.
Caminharamjuntosrumoàpraça.SalazardisseaPradoestaransiosoporentrarnoterrenoe
encontrarosguerrilheiros.Ooficialdissequeagoranãodemorariamuito;dentrodemaisumas
poucassemanas,elesencerrariamemLaEsperanzaesairiamparaacaça.Então,descobririamse
todo o treinamento tinha valido a pena— se estavammesmo prontos. Mas não era preciso
perguntar a Salazar se ele estava pronto. Ele partiria naquela mesma noite, se assim lhe
ordenassem.Aindaquetivessedeperderadança.
***
Otreinonoturnoerafundamental.Rangerspoderiamprecisarmover-senaescuridão,atravésde
densasflorestaseáguasprofundas,subindoedescendomontanhas.Ahabilidadedesedeslocarà
noiteéumavantagemtáticaduranteabatalha;permiteaumaunidadeestarumpassoàfrente
doinimigo.
Àmedidaqueotreinamentoavançava,oshomenspassavammaisnoitesemmanobras.
Era avezdeChapaguiar a companhiaC.Simulavamumataquenoturno.Ele conheciao
exercício.
Nãohavialuzdalua.Nuvenstapavamasestrelas.
Chapaordenouaoshomensquesemexessem.Natotalescuridão,ossoldadosesgueiraram-
sepela trilha omais silenciosamentepossível, esforçando-sepor enxergar o caminho sinuoso.
Andaram até um bosque que margeava o campo de treinamento. Chapa mantinha-se
especialmentecautelosoànoite.Nuncadavaparasaberoqueseescondiaàfrente.Àsvezes,o
guinchodeumpássarooubichofazia-seouvirnaescuridão,dandoumbaitasustoemtodos.
Chapa tinhaumbomsexto sentidoparaasmanobrasnoturnas.Deolhosbemabertos,ele
estavaatentoacadapasso.Viuohomemàsuafrentebaixaracabeçasobumgalhodeárvore
arriado, e, quando foi a sua vez de passar por baixo, Chapa sentiu algo pesado bater-lhe na
testa.Quediabos,pensou.Umquente formigamentopercorreu-lhebraços epernas.Sentiu-se
incrivelmente fraco— seus joelhos dobraram. Salazar vinha logo atrás, e viu quando Chapa
desabounochão.Eledeuoalerta.
— Ele caiu. Tem algo errado. Precisamos de um médico! — gritou Salazar aos outros
soldados.
Elemandou vários homens de volta ao acampamento. Estes correram omais rápido que
podiamatravésdocaminhoescuro.Semfôlego,malconseguiamfalar.
—Chapa...nãosesentindobem...desmaiou—disseumdossoldados.
Shelton manteve-se calmo. Segurou Hapka, o médico, e disse aos outros que eles
precisariamdeajuda.AequipedasForçasEspeciaispartiuemdesabaladacarreiraatéobosque.
Encontraram Chapa estendido no chão.Mal podia se mexer. Estava tonto, recobrando e
perdendoaconsciência.
—Precisamosremovê-lodaqui—disseShelton.
CarregaramChapadevoltaaocentrodeprimeirossocorros.HapkaePetersonderaminício
aos trabalhos. Cortaram as roupas de Chapa e examinaram atentamente o seu rosto, corpo,
pernas—aúnicaferidaencontradafoiumgrandeinchaçonatesta.Chapamurmuravaqueasua
pele ardia em fogo.O formigamento tomava-lhepor inteiro.Os seusmembros começavama
inchar.Nãohaviamencontradonenhumamarcadepresas,masossintomasindicavammordida
decobra.
A área era infestada de peçonhentas víboras arborícolas.Chapa teria de lutar, disseramos
médicos.Hapkamedicou-ocontraochoqueanafilático,injetando-lhecortisonaentreosdedos
dasmãosedospés.Nadapareciafuncionar.PrecisavamlevarChapaaumhospital,segundoo
médico.
Mascomo?
Eranoite.AestradaparaSantaCruz fechavaapósoescurecer,eaviagem levariamaisde
duashoras, setivessemsorte.HapkapassouumrádioparaoForteGulickesolicitouajudada
equipedecirurgia.Demorouumtempo.Entrementes,osBoinas-Verdesreuniram-seemtorno
de Chapa, revezando-se em aplicar toalhas molhadas e frias sobre o seu corpo, enquanto
aguardavamresposta.
Chapaeracomoum irmãoparaamaiorpartedeles.EradeAlamo,Texas.Entraraparao
Exércitoem1953,aos20anosdeidade.
Chapafazia tudodamaneiracorreta,eeraumprofessornato—tinhaexcelentepontaria.
EmLaEsperanza,elecostumavaficaratétardecomosrecrutas,mostrando-lhespacientemente
o jeito certo de apontar a arma, alinhar a mira, e executar o disparo. Ele também havia
ensinadoaosrecrutascomofazereusaraslatrinas.
Os homens da companhia C foram mandados de volta aos alojamentos, mas ninguém
conseguiudormir.Elesseaglomeraramdoladodeforaàesperadenotícias.
A noite estava fresca, e muitos aldeões trabalhavam até tarde, aproveitando a trégua do
calor. A fofoca espalhara-se rapidamente entre eles — um dos soldados americanos estava
gravemente ferido. Aldeões se juntaram do lado de fora do centro de primeiros socorros. A
famíliaRocaenviouumdosmeninosparaverificarseavítimanãoseriaGraham,e,quandoele
retornoucomarespostadesejada,bombardearam-nocommaisperguntas.
“Masquemfoiosoldadoferido?”,perguntavamtodosaomesmotempo.“Oqueaconteceu
comele?Vaisobreviver?”Finalmente,afamíliajuntousuascoisaseseguiuparaoengenhode
açúcarafimdedescobrirporsimesma.
Os rumores, então, chegaram à multidão: “mordida de cobra”. Víbora arborícola. Todos
sabiamquãovenenosaseramessasvíboras.Elassecamuflavamnapaisagemedavamobotesem
aviso.Tantosaldeões,especialmentecrianças,jáhaviamsidoferidosemortosnosúltimosanos,
quetodoscarregavamfacõesparaasuaproteção.
O cirurgião, enfim, respondeu do Panamá. A multidão fez silêncio enquanto o médico
gritava deste lado da linha. Sim, eles haviam tratado do choque. Sim, haviam injetado
cortisona.Compressasfrias,pressão...Sim,sim,sim.
Ocirurgiãoesgotouassugestões.Osmédicosjáhaviamtentadodetudo.Faziamomáximo
queerapossívelfazer.
Hapka suspirou. Precisavamachar um jeito de salvarChapa,masHapka já revirara toda a
suabolsamédica.Seestivessemnohospital,poderiaministrar-lheosoroantiofídico.Masnão
haviahospitaisali.Nãopodiamfazernadaalémderezar.
Então, os soldados juntaram-se em volta de Chapa, cada homem rezando como sabia.
Shelton mantinha as esperanças. Chapa era um cara durão. Passaram-se as horas. A pele do
sargentoadquiriaumaaparênciaarroxeadaàmedidaqueovenenoseespalhava.
Valderomas permanecia lá fora, na escuridão. Seu vizinho contara-lhe as notícias,
encerrandocomaspalavras:“Achoqueelenãovaisobreviver.”Valderomasespioupela janela
docentrodeprimeiros socorros,e reconheceuChapa—umhomemalegre,que sempredava
“bomdia” ao passar.Que pena.Valderomas sentiu um leve formigamento, recordando como
eraumamordidadecobra.E,então,veio-lheàmente:ocurandeiroManosantaHumerundo.
QuandoumacobrapicaraValderomasanosantes,o seupaichamaraManosanta—oMão
Santa—, folclóricocurandeirodeumvilarejovizinho.Tinhacertezadequeovelhohomem
aindavivia.
O sol estava nascendo. Valderomas não esperou nem mais um minuto. Caminhou
aceleradamente, o mais rápido possível sem perder a dignidade, descendo por um caminho
gramado,afastandogalhosdeárvoresevinhas inconvenientes.Quandoseviuforadovilarejo,
pôs-seacorrercomoumlouco.
Minutos depois, o feiticeiro já ouvia Valderomas relatar o caso. Habituara-se a que as
pessoas surgissemà suaportadesavisadamente.Meteualgunsapetrechosnumabolsadecouro
preta,trancouaportadecasaecaminhourumoaocampocomValderomas.
Aproximaram-se do centro de primeiros socorros, e o velho homem bateu gentilmente à
porta.
“Eupossoajudarosoldado”,disseele.Sheltoneosdemaisficaramreceosos.Manosantaera
alto, e suapeleeramarrom.A leve túnicamarromeocolardemiçangasbrancasnopescoço
conferiam-lheaaparênciademembrodeumacomunidadehippie.
Osaldeõesfalaram:Manosantaeraumxamã.Conheciatodososmedicamentostradicionais,
e,quandoaspessoasadoeciam,dependiamdasuaajuda.Eraumhomemhonrado,disseram.Por
favor,deixem-noverChapa.
Shelton olhou de relance paraHapka, e balançou afirmativamente a cabeça. Não tinham
nadaaperder.
Manosanta examinou Chapa. O homem jazia inconsciente. A sua respiração era fraca e
arfante.OxamãnotouaferidanatestadeChapa—umamarcaquejáviramuitasvezes.Era
umapicadadecobra,disse.Eleconheciaacura.Manosantapediuquetrouxessemumpedaço
decarnecrua.Ossoldadoscorreramatéogalpãodemantimentos,econseguiramacharumbife
em algum cantinho escondido.O xamã pousou o pedaço de carne sobre a testa deChapa e
amarrou-ocomumafaixa.Sussurrouumarezae,então,virou-separaossoldados.
“Elevaiviver”,disse.“Apenasmantenhamacarnesobreaferida;elairáabsorveroveneno.”
Caminhounadireçãodaaurora,eseguiudevoltaparacasa.
Osamericanosmostravam-secéticos.Umbife?Sério?
Masnadamaisfuncionara.
Dentro de alguns minutos, Chapa já parecia respirar com mais facilidade. O inchaço
diminuiu. As manchas roxas já não mais se espalhavam. Chapa acordou cerca de uma hora
depois, confuso,mas se sentindobemmelhor. Jádavapara saberqueele conseguira.Os seus
amigosdisseram-lhequedescansasse,equeevitasseseolharnoespelho.
Quandoelevoltouadormir,removeram-lheobife.NãoqueriamqueChapapensasseque
osmédicosdasForçasEspeciaishaviamlançadomãodemedicinavoduparacurá-lo.“Esteterá
sidoonossosegredinho”,dissePeterson.
Alguns dias depois, Chapa estava de volta aos campos, ajudando no treinamento dos
soldados.Valderomassorriuquandosecruzarampelovilarejo.Ocurandeiro fezoseu trabalho,pensouValderomas.
Estava feliz por ter contribuído para salvar a vida de Chapa. Era um bom homem. Os
soldados não representavam perigo. E, mesmo que ainda o acordassem durante a noite,
Valderomasparoudereclamar.
16
VadodelYeso
Umaventalbrancopendiadasárvores,balançandolevementecomabrisa.
Apeçabranca comonuvemdestacava-se contra a vegetação rasteirado interiorboliviano.
Desuaposição,ocapitãoMarioVargasSalinaseracapazdeavistarosguerrilheiros—primeiro
um,ejáagoraumameiadúzia—vadeandonaságuasescurasdorioGrande.Avolumadograças
àestaçãochuvosa,oriocruzavaovale,esuacorrentesinuosadesequilibravaosguerrilheirosem
travessia.
Vargas e seus homens estabeleceram-se numa posição perfeita na margem oposta.
Informadosdolocaldatravessiaporumfazendeiro,haviammarchadohorasparaatingiraquele
ponto.Agora,sóprecisavamaguardarmaisalgunssegundos.
Paciência,pensouVargas.Paciência.Numa fazenda ao longe, Honorato Rojas tentava manter-se ocupado enquanto esperava
irromperotiroteio.Sóentãosesentiriaseguro.Nodiaanterior,umbandoguerrilheiroforaaté
ali.Perguntaram-lhesobreomelhorpontoparacruzarorio.OrioGrandenãoera largo,mas
havia nele trechos de grande profundidade. As águas velozes tornavam-no perigoso, caso a
travessianãofossefeitanomomentoenolocaladequados.
Rojashavia ajudadoos guerrilheirosnaquele ano.Elemantinhaumpequeno comérciona
região,ondeosguerrilheiroscompraramsuprimentos.UmhomemchamadoIntiapresentou-se
comolíderdobando.IntipersuadiuRojasatransmitir-lheinformaçõessobreasoutrasfamílias
da vizinhança.Rojas cooperou, e os guerrilheiros foramembora.Ohomem ficou surpreso ao
vê-losnovamente,perguntandosobreorio.
Rojasdisse aos guerrilheirosquedariaumaolhadanos vaus e encontraria omelhorponto
paraseatravessarorio.Emvezdisso,eleosenganou.
Sabia que soldados bolivianos também estavam na área. Assim, logo que os guerrilheiros
partiram, ele mandou o seu filho de 12 anos à procura dos soldados. O primeiro homem
encontradopelo garoto foi o soldado raso FidelRea, quepescavanumcórregodurante a sua
tardedefolga.Ogarotoretransmitiu-lheamensagemdopai:trêsguerrilheirosestavamemsua
fazenda,eeleprecisavadeajuda.Rea soubenahoraqueaquiloera importante.Ele largouo
seumaterialdepescaecorreuemdisparadadevoltaaopostoparadaranotícia.Odiaestava
nofim,masVargasnãoesperouparaagir.Elemarchou16quilômetroscomseushomensatéa
fazendadeRojas.Quandochegaram,jáeratardedanoite.Elesaguardaram.
Aoamanhecer,Vargasavistouumamoçaandandoporumcaminhodeterra,trazendovárias
crianças pequenas pela mão. Era a mulher de Rojas. Ela confirmou a história sobre os
guerrilheiros,edisseaVargasqueelepodiaviremsegurança—oshomenshaviamidoembora.
Vargas foi até a casa, faloucomRojas, e elaborouumplano.Osguerrilheirosvoltariamà
casa de Rojas naquele dia, ele só não sabia quando. Assim que o fizessem, Rojas deveria
mostrar-lhesopontoexatoondevadearorio.Elefariaissomarcandocomumaventalbrancoo
localdatravessia.Quandoosguerrilheirosvissemosinal,saberiamque“ocaminhoestálivre”.
E agora, Vargas podia ver o avental pendurado na vegetação. Passaram-se meses desde a
primeira emboscada no cânion do rio Nancahuazu. Por vezes, era como se ele houvesse
perseguidofantasmasportodoessetempo;assuastropasestavamsempreumpassoatrás.Mas,
seRojasestivessecorreto,Vargasachava-sefinalmentenolocalehoracertos.Teriaachancede
fazercomqueosguerrilheirospagassemporseusucessoatéentão.
Haviajádozehorasqueestavamali,ealgunsdossoldadoscomeçavamaficarapreensivos.
Diabos,eleprópriocomeçavaaficarapreensivo.Estavamtodostensosecansados.Derepente,
osguerrilheirossurgiramdomatoeforamemdireçãoàágua.
Vargasrespiroufundoenquantoviaoprimeirodeles,comáguaatéopeitoeorifleerguido
sobre a cabeça, chegar até o meio do rio. Para a sua surpresa, nenhum guerrilheiro fazia a
segurança na margem oposta. Aquilo era o básico da arte da tática — na água, ficavam
vulneráveis. Um por um, os homens maltrapilhos seguiam o líder pela água, confiando em
Rojas enamarcado avental...Homens?Vargasnão tinha certeza,mas, adistância,umdeles
pareciaterformasfemininas.
Os soldados bolivianos olhavam e esperavam.Os outros nove estavam na água quando o
primeiroinsurgentechegounamargemoposta.ElemalsaíradaáguaquandoVargasgritou.Os
bolivianosabriramfogo.O líderguerrilheirodevolveuos tiros,matandoumsoldadoantesde
tombar. O seu corpo deslizou pela margem barrenta. Os guerrilheiros pegos na água não
tiveram a menor chance. Vargas observava enquanto as balas tingiam de vermelho as águas
barrentas do rio. A artilharia abateu os guerrilheiros em questão de segundos.Muitos foram
levadospelacorrenteza.
Mas dois guerrilheiros feridos e desorientados — ambos bolivianos — foram fisgados da
água:FreddyMaymura,umestudantedemedicinanipo-boliviano,eJoseCarillo,umjovemde
olharselvagemqueinsistiaserestudante,nãocombatente.Oshomenseramdoisvarapaus,com
cabelos e barbas espessos. A unidade de Vargas reagrupou-se. Um esquadrão de soldados
aproximou-sedele.
—Queremosumdeles—disseumdossoldados.
O líder guerrilheiro matara um homem de sua patrulha. Eles queriam vingança. Vargas
olhou de relance para os prisioneiros. Carillomantinha a cabeça baixa.Maymura, omédico,
adotaraumaposturadesafiadora.Eleolhavaparaossoldados,recusando-seacapitular.
Ambos os homens estavam feridos, mas Maymura era a opção mais lógica. Tinha uma
profunda ferida no peito — sua camisa estava empapada de sangue. Enquanto isso, Carillo
continuavaasecontorcernochão,forçandoaspernassobdomíniodeVargas.Eleimploroupor
suavida.
Comacabeça,VargasapontouMaymura.
OssoldadospassaramporVargasecrivaramdebalasocorpodoestudantedemedicina.Por
enquanto, o outro soldado seria poupado. Apesar do ferimento a bala no braço, os soldados
conduziram-nopor32quilômetrosatéoquartel-generaldeVallegrande.Ohomemficoufeliz
deestarvivo.Contouqueoseu“nomedeacampamento”eraPaco.
Rojassaiudacasadepoisdeencerradootiroteio.Escorregoulentamenteatéamargemdo
rio e olhou para o local de onde viera o barulho. Estava nervoso — e se os guerrilheiros
tivessemvencido?Mas,quandoviuossoldadosbolivianospartindocomumprisioneiro,Rojas
soubedodestinodosoutroshomens.
Quando omajor Saucedo, oficial de inteligência da 8ª Divisão, tomou conhecimento da
emboscada,Rodríguezfoiaprimeirapessoaqueelechamou.
—PegamosPaco—disseSaucedo.
EraexatamenteoqueRodríguezqueriaouvir.
17
Paco
Rodríguez seguiuSaucedopelos corredores cheiosdeazulejosdoHospitalNuestraSeñorade
Malta,emVallegrande.
Osdoishaviamchegadonamanhãdodia3desetembronumcargueiroC-47verde-oliva.
Estavamaliporumarazão:Paco,osobreviventedaemboscada.Rodrígueznuncaconhecerao
estudante,masdispunhadeumarquivorecheadodeinformaçõessobreele.Pacoficaratrêsdias
sobcustódia.Recuperava-sedeumferimentoabalanobraço.
Oquarto no hospital onde repousava estava lotado de soldados bolivianos com armas em
punho. Paco jazia prostrado numa cadeira, o braço fortemente enfaixado. O cabelo estava
comprido e sujo. Um bigode ao estilo FuManchu cobria-lhe o lábio, e tufos ralos de barba
espalhavam-sepeloqueixoepelasbochechas.
Paconãoaparentavaprecisardeseisguardas.Pareciaestarprecisandofazerabarbaevestir
roupas limpas. Era uma visão digna de pena, e uma potencial mina de ouro de informações
sobreosguerrilheiros.
—Precisamosqueestesujeitosejaliberadoparanós—disseRodríguezaSaucedo.—Você
podemeajudar?
Saucedoconcordou.
O quartel-general do Terceiro Comando Tático boliviano ficava numa elegante casa
colonialnasredondezas.Ocomandante,tenente-coronelAndrésSelich,estavalá,batendopapo
comumvisitantedeLaPaz,ogeneralDavidLafuenta.Todosseapresentaram—Lafuenta já
viraRodríguezantes,emumeventosocial.
Selichdesfrutavaoseumomentosobosholofotes.Nosúltimostrêsdias,elevinhaexibindo
Paco por toda parte, enquanto os seus oficiais tiravam fotos ao lado do “notório insurgente”.
Pacoeraasuavitória;umdosprimeirossucessosreaisdoExército,eocoronelestavarelutante
ementregaroseutroféu.
— Já dissemos à imprensa que o prisioneiro está gravemente ferido e que não deve
sobreviver. Além disso, não creio que possamos arrancar mais nada dele — disse Selich ao
homemdainteligência.OlhouparaLafuentaembuscadeorientação.—General,apenasdêa
ordemeeuoexecutarei.
RodríguezcutucouSaucedo.
—Intervenha—sussurrouocubano.—Peçaoprisioneiro.
Saucedo tentou, mas Selich recusou-se. Este era de patente mais alta que o outro, não
havendo,portanto,nadaqueomajorpudessefazer.Rodríguezsacouoseutrunfo.Retiroudo
bolsoumdoscartõesassinadosporBarrientos.Lafuentanotou.
— Mi General — disse Rodríguez a ele —, dê-nos, a mim e ao major Saucedo, uma
oportunidadecomesseprisioneiro.Asseguro-lhequeainformaçãoqueelenostransmitiráserá
inestimável. E se, depois disso, você não concordar com a nossa avaliação, eu nunca mais
tornareiasolicitar-lheoutroprisioneiro.Massenhor,porfavor,deixe-nosteresseaí.
Lafuenta lembrouondeviraRodríguezantes—emLaEsperanza,numavisitadogeneral
norte-americano Porter, o comandante do SOUTHCOM. O general boliviano sabia que
RodríguezfaziapartedogovernodosEUA,masoseupapelexatonãoestavaclaro.Lafuenta
parou,eentãovirou-separaocoronel.
—Entregueoprisioneiroaestejovem—disse.
SelichencarouRodríguezcomfúria.Umoficialbolivianoredigiuaordemnoversodeum
sacodepapelmarrom, eSelich assinou-a.Rodríguez aceleroude volta aohospital.Oúltimo
aviãoparaSantaCruzsairiadentrodeumahorae,seelenãoconseguisseembarcarcomPaco,
nãohaveriajeitodemanteroprisioneiroemsegurança.
Ossoldadosbolivianosnãoqueriamdesistirdele,enãoiriamfacilitarascoisas.Apapelada
deve serpreparada,disseramosoficiaisdeSelich.PrometeramenviarPacoaSantaCruznum
caminhãonodiaseguinte.Rodríguezsabiaqueseosdeixassefazerisso,Paco“tentariaescapar”,
eossoldadosatirariamnele.
Então, Saucedo e Rodríguez apressaram-se em tirar Paco do hospital, e o enfiaram na
traseiradeumjipe.Elesaceleraramparaapistadedecolagem,ondeashélicesfaziamoC-47se
mover.Ummajorbolivianodeteve-osnopassadiço.Oaviãoestavarepletoderepórteres,disse
ele.Umpassageironãomilitarjamaisseriaautorizadoaembarcar.
—Veja—disseRodríguez—,temos instruçõesdogeneralLafuentapara levaresterapaz
conosco,eéexatamenteoquevamosfazer.
Omajor tentou argumentar,masRodríguez ignorou-o.Ele arrancou a jaqueta esfarrapada
dePacodedentrodo jipe, jogou-asobreacabeçadoguerrilheiroeempurrou-oemdireçãoà
portadoavião.RodríguezarrastouPacopelarampa.
Os repórteres que voltavam a Santa Cruz estavam amontoados nos assentos ao longo da
fuselagem.Rodríguezmanteve a suamão sobreobraço sadiodePacoenquantoempurravao
guerrilheiropelocorredoratéocompartimentofrontal,comSaucedologoatrás.Osrepórteres
observavamotrio,curiososemrelaçãoaohomemdescalçocobertocomajaqueta.
RodríguezeSaucedonãopararamparaperguntas.
Colocadoem segurançana frentedoavião,pordetrásdeumacortina,Pacodesabounum
dos assentos. Choramingava e resmungava consigo mesmo. Saucedo pegou uma garrafa de
Coca-Cola e alguns biscoitos com a tripulação e entregou-os a Paco. O guerrilheiro rasgou
ansiosamenteaembalagemecomeucomvoracidade,asmãostrêmulas.
—Vocêvaimematar—repetiaPacoentresoluços.
—Não—respondeuRodríguez.—Nãovou.
Pacochoroumaisumpouco,queixando-seacadamordidaougole.
—Eununcaquisserumguerrilheiro—disseele.—Nuncaquiscombater.Eagoravocêvai
mematar.Assimquechegarmosaonossodestino.Eusei.
—Precisamosdevocêvivo—disseRodríguezaPaco.
O avião pousou em Santa Cruz. Rodríguez e Saucedo esperaram até que os jornalistas
fossemembora.Então,levaramPacodecarroatéoquartel-generalda8ªDivisão.Seguirampor
um caminho sinuoso, livrando-se da imprensa, e Paco não parava de chorar. No edifício do
quartel-general, Rodríguez encontrou uma sala simples, com umúnico beliche, entregou um
pedaçodesaboneteparaoprisioneiro,eindicou-lheondeficavaochuveiro.EnquantoPacose
lavava,soldadosbloqueavamasjanelaseasportasdasalacomtábuasdemadeira.Quandotudo
estavaterminado,Pacofoiconduzidoparadentro.Rodrígueznotouque,aoverasua“cela”,o
jovemguerrilheirodeu-secontadequenãoiriamorrer,pelomenosporora.ACIAeooficial
bolivianomantiveramasuapromessa.
DobrarPacoseriaalgodemorado,masRodríguezeraumexpert.
Rodríguez contratou uma enfermeira para tratar do ferimento de Paco. Moscas haviam
pousadonoferimentologonoinício,eagoraeleestavatomadoporlarvas.Eranojento,masos
vermesingeriramotecidoemdecomposição, impedindoquegangrenasse.Elesprovavelmente
salvaramavidadePaco.Àmedidaqueasdiscussõesavançavampelosdiasseguintes,Rodríguez
observavacentenasdaquelascriaturasemformatodearrozsaindoeentrandonoferimento.
Paco dormia no beliche. Vestia roupas limpas, e usava sapatos novos e confortáveis.
Rodríguez trouxe-lhe uma pilha de jornais e revistas para preencher as horas ociosas, e um
barbeiro foi chamadopara cortar o seu cabelo e raspar a sua barba imunda.Rodríguez estava
determinadoatratarPacocomoumserhumano,masanteseraprecisofazê-loparecer-secom
um.
Todo dia, os dois conversavam durante horas. Um em cada lado de uma mesa simples,
RodríguezePacocompartilhavamas suashistórias.Rodríguez falavadeCuba.ContouaPaco
sobre como Castro arruinara o seu país, prenunciando a desigualdade, e forçando muitos
cubanosaoexílio.
—Eusouumexilado—disseRodríguezaPaco.—Oseucomunismodestruiuomeupaís.
Destruiufamíliascomoaminha,fazendo-nosbuscarrefúgiolongedecasa.
Pacoouvia,absorto.
EquandoPacocontouasuahistória,Rodríguezescutou-adomesmomodo.
AocontráriodeCheedosoutroscombatentes,Paconãoerarealmenteumcomunistalinha-
dura. O seu nome verdadeiro era José Castillo Chávez. Nasceu em 1937 e começou a
frequentar as reuniões do Partido Comunista em 1958. Sua aprovação no partido só foi
concretizada em 1967, quando o seu tio, o líder do Partido Comunista Boliviano, Moises
Guevara, ofereceu-lhe uma “educação revolucionária” emMoscou e Havana. O jovem ficou
eufóricocomaquelaperspectiva.Masantes,teriadeescapardaBolíviapelointerior,demodoa
queseupassaportenãoregistrasseasuapartida.
Em vez de cruzar ilegalmente a fronteira, os seus encarregados levaram Paco até um
acampamentonaselva,ondeoutrosrecrutasjuntaram-seaele.Pacotentouexplicarquenãoera
um combatente, e que viera apenas pela educação. Nato e Antonio, líderes de seu pelotão,
ignoraramassuasqueixas.Entregaram-lheumamochila,umcantil,umaredeeumrifleMauser
com120cartuchos.Decidiramchamá-lode“Paco”.
—Agoravocêéumguerrilheiro—disse-lheNato.
Rodríguezsorriucomahistória.
—Vocênãotevemuitasopções—comentou.
Não demorou muito para que Paco soubesse que o líder do grupo, Ramon, era Che
Guevara. De início, Paco portou-se qual tiete diante do ídolo, mas o entusiasmo foi logo
desvanecendo àmedida que progredia o regime de treinamento para combate de Che. Paco
esforçava-se por resistir àsmarchas de dia inteiro nasmontanhas.Os guerrilheiros carregavam
todooseuequipamento,eàsvezestinhamdesubirasmontanhasomaisrápidoquepudessem.
Era assim que Che endurecia os seus combatentes. Ele era um supervisor brutal, e vira o
método dando resultado. Haviam feito daquele jeito em Cuba, quando cercados em Sierra
Maestra—eeisagoraaglóriaporelesalcançada.
Pacoobviamenteadmiravaocomunismo,massentia-seusadopeloscomunistas.Rodríguez
estavadeterminadoaabrirumabismoentreacrençaeaexperiência.
Rodríguezmantinha-segentileamigável.EleperguntousobreafamíliadePaco.Ofereceu-
separaenviarumamensagemaosseuspais,assegurando-lhesdequeeleestavabem.Entregoua
Pacoumacanetaeumafolhadepapel,garantindoapostagemdacarta.Osdoishomens logo
construíramumarelaçãopróximaobastanteparaquePacocomeçassearelatarasuarotinana
forçaguerrilheiradeChe.
Mesmo enquanto trabalhava com Paco, Rodríguez abriu outro rico veio de informação
internasobreaforçarebelde.Oseunomeera“Braulio”,eestavamorto,tendosidoassassinado
noriodeVadodelYeso.SeunomeverdadeiroeraIsraelReyesZayas.Foraumtenentecubano,
eumdedicadodiarista.NointervalodasconversascomPaco,Rodríguezliaodiário—umlivro
manuscritoderevelações.
SegundoBraulio,aguerradeguerrilhaeramalorganizada,malplanejada,emalexecutada.
Oscombatentesemsuaunidadeeramfracosedoentesdefome.Ossuprimentoseramescassos
edebaixaqualidade.MasomaisincríveldetudoeraqueaforçadeBraulionãotinhanenhuma
comunicaçãocomaunidadedeChe.Antesdesofreraemboscada,asuaunidadeficaravagando
pelas montanhas. As duas metades do temível exército rebelde de Che haviam se separado.
Perdidas,elasperambularamdurantemesespelasmontanhasembuscaumadaoutra.
EtodaaquelaconversasobrecentenasdeguerrilheirosdisciplinadosprontosparainvadirLa
Paz?Pura bobagem,percebeuRodríguez.Omundo assustara-se por nada.OquediabosChe
estavafazendoali?Rodríguezsóbalançouacabeçadeincredulidade.Erairreal.
ElelançoumãodedicascolhidasnodiárioparatrabalharcomPaco.Eraumbalédelicado,
construído sobre a ilusão de amizade. Por julgar que Rodríguez estivesse do seu lado,
protegendo-o, Paco continuou a falar. Quanto mais ele falava, mais detalhes surgiam. Os
detalhespoderiamlevá-losaosguerrilheiros,eaChe.
Oplanode interrogatóriodeRodríguez funcionou,comapenasumcontratempo—numa
tarde, um oficial das Forças Especiais norte-americanas em Santa Cruz decidiu “ter uma
conversa”comPaco.Oprisioneironãoconheciaohomem,enãofoitãocomunicativoquanto
eracomRodríguez.PercebendoquePacomentia,ooficialameaçou-oesubmergiuasuacabeça
naágua.
Quando soube da visita não autorizada, Rodríguez ficou lívido. Desculpou-se com Paco,
prometendoqueaquilojamaisvoltariaaserepetir.Então,eledeixouclaroparaosguardasque
ninguémestavaautorizadoafalarcomPacosemasuapréviaautorização.
Embreve,Pacosentiu-senovamenteseguro.
—Conte-mearespeitodosacampamentos—disseRodríguez.
Elequeriaumretratonítidodas facçõesdentrodosgrupos.DeacordocomBraulio,havia
atritoentreosestrangeiroseosbolivianos.Elequeriaouvi-lodePaco.
PacocomeçouporTania,umaagentedaAlemanhaOrientalchamadaTamaraBunkeBider.
Tania trabalhava para a KGB, e trouxeDebray e Bustos ao acampamento. Ela estabeleceu a
rededeapoiourbanodesfeitapelosbolivianosdepoisqueoseujipefoidescoberto.
—Ela escrevia todas as sujeiras que lhediziam respeitonumcaderno—contouPaco.—
Então,levavaocadernoparaChe.TaniaeJoaquín,olíderdaretaguarda,discutiamsobrequal
dosdoishaviasesacrificadomaispelarevolução.AsdiscussõesacabavamsemprecomTaniaem
lágrimas.
Rodríguez sorria e escutava.Absorvia cadadetalhe.Entre as sessões comPaco,Rodríguez
cotejavaahistóriaporelerelatadacomodiáriodeBraulio.
—Elanãoconseguiaacompanharasmarchas.Frequentementeficavaparatrás—dissePaco.
—Atrasavatodoogrupo.
Tania era a operadora de rádio deChe. Ela recebiamensagens pela tarde, às 13 horas, e
depois às 20 horas, segundo Paco.Amemória de Paco para detalhes era prodigiosa.Quando
mais conversava com ele, mais Rodríguez percebia que o homem tinha o dom de reter
informações.Teriasidoumótimoagentedeinteligência.Elerecitouosnomesdoslugarespor
ondepassaraseismesesantes,eosendereçosenomesdedezesseispessoasdiferentesenvolvidas
nomovimento.
—OqueaconteceucomTania?—quissaberRodríguez.
—Foimortanaemboscada—dissePaco.
—Temcerteza?—perguntouRodríguez.—Nósnãoencontramososeucorpo.
—Elafoipuxadaparadentrodorio—concluiuPaco.—Provavelmenteficoupresaentre
asrochas,nãomuitolongedolocaldatravessia.
Depois da reunião, Rodríguez transmitiu as informações a Saucedo. Quatro dias depois,
soldados bolivianos descobriram o corpo de Tania no exato local indicado por Paco. Ao
contrário dos outros guerrilheiros, enterrados em covas coletivas e anônimas, Barrientos
ordenouqueTaniativesseumenterrocristãoapropriado.
UmahistóriaintrigouRodríguez:comodoisguerrilheirosbolivianoshaviamdesertadologo
noiníciodacampanha.
—Vicente e Pastor forammandadospara conferir armadilhas de caça—contouPaco.—
Elesfugiramenuncamaisvoltaram.
—Comosabequedesertaram?—perguntouRodríguez.
—MoisesGuevara ficoupreocupadoquandoelesnãovoltaramno iníciodatarde.Ele foi
conferirassuasmochilas—dissePaco.—AchouumanotadeVicente.
Pacolembrava-seexatamentedoqueestavaescrito:
Nãoestoupartindoporserumcovarde,masporqueestouprofundamentepreocupadocomosmeusmeninos.Retornareiassimquepuderresolverosproblemasemcasa.Éumaquestãodeeconomia.Osmeusfilhosnãotêmnadaparacomer.
Três dias após as deserções, Che chegou ao acampamento com o seu séquito, incluindo
Pombo,umveteranodeSierraMaestra.PomboeraobraçodireitodeChe, seuguarda-costas
emCubaenaÁfrica.
—Oqueaconteceuentão?—perguntouRodríguez.
—Taniaencontrava-senacozinhadoacampamentoe,quandoviuChe,obeijoueapertou
asuamão—contouPaco.—Chemostrou-seirritadoporhavertantagentenoacampamento.
Quis saber por que os guerrilheiros não estavam mais bem distribuídos pelos outros
acampamentos.
ParaPaco,aquiloeraapenasanoveladiáriadeintegraradesequilibradafamíliaguerrilheira
deChe.Mas,paraRodríguez,tratava-sedeumajanelaparaaalmadomovimento.Eleinsistiu
paraquePacocontinuasse.
— El Chino contou a Che sobre as deserções, e que Marcos, o comandante do
acampamento,haviabatidoemretirada,porqueoExércitoestavachegandomuitopertoeele
não queria lutar. Che ficou furioso. Ordenou aos guerrilheiros que regressassem aos seus
acampamentosnodiaseguinte,equedelesnãodesistissemsemlutar.
Rodríguezchecouassuasanotações.Aquiloaconteceraemmarço,cercadeseismesesantes.
FoimaisoumenosnaquelaépocaqueosbolivianosforamatacadospelaprimeiravezporChee
osseusguerrilheiros.
Paco relatouqueopessoaldeChepreparavauma refeiçãoquandoo guerrilheiromandou
buscarMarcos.Quandoestechegou,teveinícioumaviolentadiscussão.ChechamouMarcosde
“lixo”ede“covarde”.
MarcoseraumcubanodealtapatentechamadoAntonioSánchezDiaz,comandantedo1º
RegimentoRevolucionário emHavana, emembro doComitêCentral do PartidoComunista
Cubano.RodríguezjásabiadabrigadeChecomMarcos—Brauliohaviaescritosobreela.A
princípio,Rodrígueznãoentenderaaanotação,masPacoforneceu-lheosdetalhesnecessários.
PacodissequeMarcosprotestou,alegandoser“tãocomandante”quantoChe.Pareciaqueos
homensiriamàsviasdefato,masMarcosfinalmenterecuou.
Mais tarde, Paco foi designado para a retaguarda, grupo liderado por Joaquín, veterano
cubanochamadodeComandante JuanVitalioAcuñaNúñez.Ele tomouaarmadePaco,mas
esteteveaindadetransportaramunição.
Naquelanoite,Chereuniuosguerrilheirosparaumdiscursodeumahoradeduração.
Chedisse-lhesqueoscubanoshaviamsevoluntariadoparaviràBolívia,porqueoseudever
era ajudar a América Latina a combater o imperialismo norte-americano. Afirmou que seria
umalonga luta—umaguerraquedurariaumadécada.OscubanospermaneceriamnaBolívia
“atéquevocêspossamandarcomasprópriaspernas”.Emseguida,espalhariamarevoluçãopara
outrasnações.
Rodríguez conhecia o discurso. Era o típico lixo comunista papagueado por líderes
guerrilheirosemtodaaAméricaLatina.Masentãoveioainformaçãoessencial:porqueVicente
e Pastor tinham desertado, Che rebaixou Marcos de comandante a soldado. Colocou-o na
retaguarda,sobocomandodeJoaquín.
Che promoveu Miguel, veterano de Sierra Maestra cuja alcunha era capitão Manuel
Hernández,alíderdavanguarda.
Ficou óbvio para Rodríguez que Che não confiava nos bolivianos. Quando vários outros
guerrilheiros bolivianos também desertaram, Che pôs os cubanos e Tania no comando da
operação.Emsuaterranatal,osbolivianosmostravam-semaispreocupadosemsustentarassuas
famíliasdoquecomarevoluçãocomunista.
Umdos grandes sucessosna investigaçãodeRodríguez foi a explanação feitaporPacoda
logística da guerrilha. Paco explicou queChe operava em três grupos—vanguarda, centro e
retaguarda.Cada unidademantinha-se cerca de 800metros afastada das demais.A vanguarda
contavacomseisaoitopessoas.Nocentro,iamCheeaforçaprincipal.Orestanteintegravaa
retaguarda. Assim, se houvesse uma emboscada, a vanguarda ou a retaguarda seriam atacadas
primeiro.Ambasasunidadesprotegeriamocentro.
AofinaldesuaestadacomPaco,Rodríguezdispunhadeuminquéritodevintepáginas,a
ser entregue aos bolivianos, detalhando tudo o que havia aprendido, de como operavam os
guerrilheirosatéospontosdeatritoentreCheeosseuscomandantes.
Tudooqueprecisavamagoraeradeumaliderança.
18
“Vápegá-lo”
Otreinamentochegavaaofim.OsRangersestavamprontos.Sheltonestiveraatentonasúltimas
semanas, verificando detalhes. As unidades estavam sincronizadas durante as manobras? Os
atiradoresdeeliteacertavamosalvos?Asunidadesdeartilhariaemsolohaviamsecoordenado
entresi?
ParaShelton,arespostaerasim.
O alto-comando boliviano ainda não tinha decidido onde ou quando os Rangers seriam
alocados.Nãoimportava.Sheltonsabiaqueelesestavamprontos.Eissoeratudooquesepodia
exigir.
O quarto mês de treinamento iniciara-se com duas semanas de exercícios de campo no
sertão além de SantaCruz.O batalhão ajustava o treinamento,manobrando osRangers num
terreno similar ao que encontrariam na zona de operações. Fazia-se da maneira mais dura e
realistapossível,afimdequeossoldadossemantivessemvivosemsuacaçadaaChe.
Tudo era meticulosamente pensado. Em dada ocasião, a equipe das Forças Especiais
construiu um vilarejo artificial de modo a ensinar aos soldados como esvaziar os prédios da
maneiracorreta—quasecomonumasimulaçãolúdica,combalasdefestim.Gruposdetrêsou
quatroRangersentravamnoscômodoseeliminavamcada“guerrilheiro”detocaia,seguindoato
contínuoparaospróximos.Algunsdossoldadosvestiam-sedemulher,esaíamsubitamentedos
quartos.Amensagemera:atirenossoldadosqueencontrar,masnãoemmulheres.Apenasem
homens,esóseestiveremarmados.
Havia assuntos por resolver em La Esperanza. A maior parte da estrutura no projeto da
escola estava pronta, mas a disputa por verbas prosseguia. Shelton atormentou a embaixadanorte-americana—eHenderson—atéqueotelhadoeasjanelasestivessempagos.Aquelaera
umabatalhavencida,masaguerracontinuava:erapreciso forçarospatrõesparaqueascoisas
fossemfeitas.Emdadaetapadoprograma,Sheltoneoseubraçodireito,capitãoFricke,foram
convocadosaoPanamáparaexplicaràturmadealtapatentedoSOUTHCOMporquehaviam
requisitadotantosetãocustosossuprimentos.Sheltonnãotinhaconhecimentodaexistênciade
váriosoutrosprojetosemandamento,emdiferentespaíses?
Omajorficouquietoporuminstante.EncarouogeneralPorternosolhos.
“Você não gostaria de perder este batalhão agora, não é, general?”, perguntou Shelton.
Porter recuou. Os suprimentos continuaram a fluir livremente para La Esperanza. Claro,
Sheltoneraummandachuva,masogeneralrespeitavaasuasinceridadeeasuadedicaçãototalà
missão.Noinício,SheltonprometeraasimesmofazertudodamaneiracorretanaBolívia—da
suamaneira.Elemanteveapromessa.
Restavamaindaalgunsitensnasualistadecoisasporfazer.DepoisqueosRangersfossem
enviados ao campo de batalha, a sua equipe estava designada para treinar nove companhias
bolivianas de infantaria. Essa missão seria tranquila comparada ao treinamento dos Rangers.
Sheltonestavaconfiantedeque,noNatal,asuaequipejáestariaemcasa.
Para Shelton, as últimas semanas haviam sido um turbilhão de visitas de dignitários. O
generalPortervisitouLaEsperanza.Elepresenteoucomrelógiosdeouroosoficiaisbolivianos
acimadamédia,ecomrelógiosdeprataosmelhoresRangersdecadacompanhia.Osbolivianos
fizeramgrandesplanosparaacerimôniadegraduação.Ovice-presidenteAdolfoSilesfariaum
discurso,assimcomoocoronelJoaquínZentenoAnaya,comandanteda8ªDivisão.
Shelton sentia que amaré virava favoravelmentepara os bolivianos.Não viaRodríguez e
Villoldohavia semanas,masouvira falarqueguerrilheiros importantes tinhamsidomortosou
capturados. Àquela altura, Rodríguez e Villoldo estavam provavelmente absortos nos
interrogatórios.
AparticipaçãodeChe jánãoeramistério.O revolucionárioestavanãoapenasenvolvido,
masliderandoosguerrilheiros.Chedeviaterumplanodefuga.Seascoisasficassemrealmente
perigosas,nãodariaumjeitodeescapar?Porquehaveriadearriscartudonumaselvaboliviana?
***
Osrevolucionáriosmortosdesfilarampelacidadeviradosparabaixo,jogadossobreolombode
mulas.NuncaantesRodríguezficaratãofelizaoverumcadáver,pensou—apressara-setodaa
manhã por chegar à minúscula Pucara, partindo de Vallegrande num jipe com Villoldo e
Saucedo,egritandonoalto-falanteparaosargentonacenadaemboscada:“Leveoscorpospara
Pucara,nósoencontraremoslá.”
SeRodríguezconseguisseidentificaroshomensmortos,teriaumclaroretratodoparadeiro
deChe,aomenospelospróximosdias.Valiaapenaarriscar.
Mas jipes andam mais rápido que mulas. Quando os primeiros chegaram, teve início a
espera.Nãopodendotomarmaiscafédoquejátomara,Rodríguezdecidiucaminharpelasruas.
Ovilarejoeralimitadopelaencostadamontanha,comasbelaspaisagensdeseusvalesem
formato de dedos, apontados para o rio Grande. As colinas escarpadas eram cobertas por
matagal espinhoso, vegetação densa e pedregulhos. Era um terreno impossível, pensou
Rodríguez.Nãosurpreendiaqueasua“encomenda”estivessedemorandotanto.
Porvoltadas4horas,osegundo-tenenteEduardoGalindoeseupelotãochegaramcomos
corpos. Os três homens da inteligência apresentaram-se rapidamente, e logo puseram-se a
trabalhar.
Os soldados desfizeram os nós e lançaram os corpos endurecidos na rua poeirenta.
Rodríguezpegouumaalmofadadetinta,agarrouosguerrilheirospelospulsos,epressionouas
suas impressões digitais contra um bloco de papel. Enquanto Rodríguez tirava fotos de
documentos encontrados nas mochilas dos guerrilheiros, Villoldo e Saucedo questionavam
Galindosobreaemboscada.
Os guerrilheiros vinham caminhando por uma estrada de terra em plena luz do dia, sem
cobertura.OshomensdeGalindoavistaram-nosdoalto.Galindoordenou-lhesquearmassem
umaemboscada,mas logopercebeuestarenfrentandoumdilema.Osguerrilheirosandavama
umaboadistânciaunsdosoutros,oquedificultavaatarefadeatingirtodoogrupo.Nãohavia
muitacobertura.Osguerrilheirosavistariamoshomensseaproximando.Galindoarriscou.
“Depois que abrimos fogo, os guerrilheiros recuaram”, disseGalindo. “Ordenei àsminhas
tropas que avançassem. Alguns guerrilheiros tombaram. O resto virou-se e fugiu. Descemos
correndo para La Higuera, mas os sobreviventes escaparam pelos desfiladeiros vizinhos à
cidade.”
OsbolivianosrecuperaramoscorposeostrouxeramaPucara.
O trio agradeceu a Galindo, tocou as mulas, e seguiu de volta a Vallegrande, onde
Rodríguezcomparouasimpressõescomosdadosdeseuarquivo.
OsguerrilheirosmortoseramMiguel,umcubano,edoisbolivianos—CocoeJulio.
Rodríguez revirou as inúmeras folhas de suas anotações, e escrevinhou as suas descobertas
emumbloco.
Emmarço, Che promoveraMiguel a comandante da vanguarda. Se a unidade deMiguel
andavapela região,Chedevia estarpróximo.Rodríguez lembroudapaisagemdePucara,dos
valesescarpadoseespinhososqueatravessavamaencostadamontanha.ElerezouparaqueChe
ainda estivesse preso por lá. Rodríguez não era um estrategistamilitar,mas sabia reconhecer
umaoportunidade.
Elereuniuosseuscadernosdenotasecorreuparaoquartel-generalda8ªDivisão,pronto
para convencer Zenteno de suas ideias. Mas Zenteno estava ocupado. Rodríguez aguardou
impacientementenocorredor.Eraumcasoclássicode“pressaeespera”,osegundododia.
Apósoquepareceramhorasdeespera,ZentenoconvidouRodríguezaoseuescritório.
— Senhor — disse Rodríguez —, é hora de deslocar os Rangers de La Esperanza para
Vallegrande.Cheestánestaárea.
Zentenorespiroufundo.OpresidenteBarrientosrealizaradiversasvisitasàcidadeafimde
conferirasoperações,eZentenosabiaque,seeleeosseushomenscapturassemChe,aglória
caberiatodaaeles.
—Comosabedisso?—perguntouaRodríguez.
— Os corpos da emboscada desta manhã. Um deles era de Miguel. Miguel estava na
vanguardadeChe—disseRodríguez.—AquelaeraavanguardadeChevindopelaestrada.
Haviaumsensorealdeurgência:elesprecisavamdosRangers.Agora.
—Mas Félix, eles não concluíram o seu treinamento— disse Zenteno.—Restam ainda
duassemanaspelafrente.Euosdeslocareiassimquetiveremencerradooseuciclo.
Rodríguezcerrouosdentesebalançouacabeça.
—Em duas semanas não saberemos onde estáChe— argumentouRodríguez.— Se não
movermos as tropas agora,nem todoo treinamentodomundoos ajudará.Tudooque tentei
fazerdesdequechegueiaquiculminounestemomentocrítico.
Utilizando a informação de Paco, Rodríguez podia prever para onde Che Guevara
conduziria a sua principal força guerrilheira logo em seguida. Isso chamou a atenção de
Zenteno.
—Sabemosondeeleestánomomento—insistiuRodríguez.—Easúltimasduassemanas
de treinamento dos Rangers são para conquistar os diplomas e essas bobagens. Eles já estão
prontos.
Então,eledisseaspalavrasqueZentenoqueriaouvir:
—Estou certo de que podemos impor aos comunistas um golpemortal.Mas somente se
você,senhor,agirdecisivamente.Envieo2ºBatalhãodeRangersaocombateagoramesmo.
***
O barulho incessante tirouValderomas da cama. Ele espiou pela janela e viu os soldados se
reunindo,formandofilasemfrenteaoengenhodeaçúcar.Mas,aocontráriodasoutrasmanhãs,
agoraelestrajavampesadasmochilaseportavamsacolasdelona.
Estavamdepartida.
Valderomas ouviu de vizinhos que os Rangers seguiam para sua primeira missão secreta.
Provavelmenteembuscadosguerrilheiros,pensouValderomas.Osamericanossemanteriamna
retaguarda,elogochegariamoutrossoldadosbolivianos—masnãomuitos.Talvezascoisasse
acalmassemagora.
Na noite anterior, Valderomas vira os soldados bolivianos se despedindo de pessoas na
cidade. Ele viu aquele soldado americano alto, com óculos escuros, de mãos dadas com a
menina Roca. O soldado a pedira em casamento, diziam. Valderomas duvidava de que isso
fosseocorrer,mas, sede fatoocorresse,agarotaéquemiriaembora.Nãodavapara imaginar
umamericanovivendoemLaEsperanza.Tratava-sedeumvilarejopobre.Eseria sempreum
vilarejopobre.
Valderomas conseguira algum dinheiro extra vendendo vegetais aos soldados.Coisas boas
também haviam ocorrido ao vilarejo. O projeto da escola logo estaria terminado, talvez a
tempodeopresidentesuspendero“feriadodeinverno”emandarascriançasdevoltaàsaulas.
ValderomasobservouosRangerssubindonoscaminhõesedeixandoacidade.Aoperceber
ocomboiosumindonadistância,elesentiucertatristeza.Aqueleserambonshomens,pensou.
Quantosdelesmorreriamnocampodebatalha?
***
Elesentraramemformaçãosobumcéuazuletranslúcido,firmeseorgulhosos.Oshomensdo
2º Batalhão de Rangers trajavam uniformes verde-oliva e boinas verdes. A sua cerimônia de
formaçãoocorreranoquartel-generalda8ªDivisão,emSantaCruz,eforatransmitidaaovivo
pelaRádioNacionalBoliviana.Ovice-presidenteSiles e outros oficiais bolivianosproferiram
discursos apaixonados. Aquela era a elite boliviana, disseram, os seus melhores soldados,
prontosparavarrerdaterraoflagelocomunista.
Ovice-presidentepresenteoucadahomemcomumbrochedouradonoformatodeasasde
condor, a palavra “Ranger” gravada na parte inferior. Os homens vibravam. Observando o
desenrolardacerimônia,Sheltonnãopôdedeixardepensaremtudooquehaviamconseguido
emtãopoucosmeses.Aproveitemoseudia,rapazes,pensou.Otreinamentoacabou.Arealidadecomeçaamanhã.SomenteentãoestariaSheltonaptoaaferiroseusucesso,eapenasseoshomenstivessem
realmenteassimiladooprograma.Ele sógostariadepoderestar lácomelesnocampo,vê-los
darosprimeirospassos—eraquasecomocriarumfilho,pensou.NãohavianadaqueShelton
pudessefazeragoraexcetoesperareobservar.
Encerradaacerimônia,umoficialelegantementevestidoliberouossoldados,aproximou-se
deSheltoneapertouasuamão—eraPrado.Emcadacentímetro,asuaaparênciaeraadeum
oficial, com estrelas no colarinho do seu uniforme bem-passado. Estava de óculos escuros, e
tinha a sua boina verde angulada sobre um dos olhos. O comando da companhia B fora
atribuídoaele.
PradoeSheltoncaminharampeloterrenodaparadaatéosportõesdoquartel-general.
—Foiumacerimôniainspiradora—comentouPrado.
—Eles fizeram bem-feito— concordou Shelton.—Olhe para esses homens e pense no
quãolongechegaram.Lembra-sedoprimeirodiaemqueapareceram?
Pradosorriu.
—Nãoparecíamossoldados,nãoémesmo?
— Prado, você sempre pareceu um soldado. Eles não.Mas eu preciso reconhecer: deram
sempreoseumelhor.Trabalharamduro.Tínhamosdedarcontadeummontedecoisasemtão
curtoperíodo.Maselesconseguiram.
Houveummomentodesilêncio.PradoolhouparaShelton.Omajor tratavaatémesmoo
sujeitodepatentemaisbaixacomrespeito.Eleouviaquandoosoutrosfalavam.Nuncaerguiaa
voz— Shelton era calmo e controlado. Se pudesse comandar como Shelton, Prado pensou,
teriaorespeitodoshomensdesuacompanhia.
—Estoupartindohoje—dissePrado.—Fuidesignadoparaazonadeoperações.Queria
dizeradeus.
Sheltonparou,virando-separaele.
— Gary, estou certo de que você se sairá bem. Qualquer Exército ficaria feliz de tê-lo
comocomandante.
SheltonforadestacadoparatreinarainfantariaemLaEsperanza,masdissequesentiriafalta
dosRangers.Aquelahaviasidoamissãomais importantedesuacarreiramilitar.Asuaequipe
sentia-se responsável pelos soldados bolivianos. Quando os americanos voltassem para casa
dentrodealgunsmeses,sempreselembrariamdesuaestadaemLaEsperanza.
—Cuidedesuafamília,Gary—disseShelton.—Proteja-se.Evápegá-lo.
ParteIII
*ZonaVermelha
19
“Nósvamosdestruiresseshomens”
Na última semana de setembro, os Rangers aboletaram-se na carroceria de caminhões de
transporte de cana-de-açúcar e percorreram 128 quilômetros de estrada esburacada de Santa
Cruz aVallegrande. Era uma cidade comercial com aproximadamente 6mil pessoas, com as
usuais estreitas ruas de pedra, biroscas e feiras, nas quais os agricultores vendiam os seus
produtos.Um lugar onde as pessoas trabalhavamduro ao longoda semana e iam à igreja aos
domingos.
Oritmodacidadealterara-senosúltimosmeses,quandoelasetornouumpontodeparada
para jornalistas internacionais e tropas do Exército boliviano. Os moradores cresceram
acostumadosavercaminhõesejipesmilitaresestacionadosnasruas.OuviramfalarqueCheeo
seu exército estavam nas redondezas, mas a maior quantidade de soldados na cidade apenas
aumentava a ansiedade.Ninguém confiava nos alertas e garantias do governo.Na primavera,
comandantesbolivianoshaviamavisadodapresençadecentenasdecombatentesnoscânionsao
redor da cidade.Osmoradores passaramo verão especulando sobrequandoVallegrande seria
atacada.Eagoraossoldadosdiziamqueosguerrilheirostinhamfugido.Qualseriaaverdade?
Mario Salazar estava feliz apenas por chegar inteiro a Vallegrande. À medida que o
comboiopercorria as ruas pavimentadas da cidade, Salazar acenavapara as pessoas. Ele podia
sentir,pelossorrisoseacenos,quealgunsestavamfelizesporverosRangers.Salazaradoravaa
atenção.Eleeosoutroshomenssentiamfazerpartedealgoespecial.
Aviagematéaliforaumfestivaldejactância,umarevisãodoquefariamquandochegassea
horadematarosguerrilheiros.Métodoseramapresentadosumapósooutro:enforcá-los?Atirar
neles?Granadas,metralhadoras,morteiros— cada arma era considerada. Alguns homens, nofundo, talvez estivessem com medo, mas hoje, com a companhia C, todos eram machões.
Salazarolhouasmontanhasadistância—malpodiaesperarparaentrarnumatrocadetiros.Os
Rangersestavamprontosparaaação.
OcapitãoPrado,comandantedacompanhiaB,sentiaemoçõesparecidas.Preparara-separa
este momento por toda a sua vida. Crescera com as histórias de seu pai sobre a Guerra do
Chaco, tendo conhecimento das batalhas, ataques e mortes brutais. Houve vitórias mesmo
naquelaguerraperdida.Estaguerra,hoje,eraaguerradeGaryPrado.Elenãoiriaperder.
O treinamento acabara. Prado e seus homens estavam preparados, tanto mental quanto
fisicamente.
OsguerrilheirosestavampresosaolongodorioGrande,nosarredoresdeVallegrande.
Todostendochegado,Pradoeosdemaiscomandantesdecompanhiaforamdesignadospara
um resumodas últimas informações como coronelZenteno.O ambiente era tenso.Zenteno
nãoperdeu tempo.Todos sabiamdaocorrênciade escaramuçasna região, equeguerrilheiros
haviamocupadoaviladeAltoSeco.Permaneceramalipormenosde24horas,osuficientepara
aterrorizaracidade.
Paracomeçar,elescortarama linhadetelégrafo ligandoAltoSecoaVallegrande.Depois,
encurralaramtodososhomensdentrodaescola.Oshomensesperavamverviolência,masoque
receberamfoiumdiscursoderecrutamentoàguerrilha.
“Vocês podem achar que somos loucos de lutar como estamos lutando”, disse um dos
guerrilheiros.“Vocêsnoschamamdebandidos,maslutamosporvocês,pelaclassetrabalhadora,
por trabalhadoresque ganham tãopouco, enquantoosmilitares recebemaltos salários.Vocês
trabalhamparaeles,masdigam-meoqueelesfazemporvocês?Vocêsnãotêmáguaaqui,não
têmeletricidade,otelégrafonãofunciona.Estãoabandonadosassimcomotodososbolivianos.
Eisporqueestamoslutando.”
Odiscursofoirecebidocomsilêncio,contaramosmoradoresaoExército.Osguerrilheiros
partiramnamanhãseguinte.
Então, continuouZenteno, trêsguerrilheiros forammortosemconfrontonumaestradade
terraentreasvilasdePucaraeLaHiguera.Ainteligênciaoshaviaidentificado—econcluído
que Che Guevara viajava com esse bando. Esta a razão pela qual os Rangers haviam sido
deslocados tão rapidamentedeLaEsperanza.A caçada começara.Nãohavia tempo aperder.
Caminhõesforamsolicitadosparaconduzirosprimeirosesquadrõesparapertodaárea.
Zentenovirou-separaocomandantedacompanhiaA:
—Querovocênaáreadeoperaçõeshojeànoite.
OcapitãoCelsoTorrelioVillaficousempalavrasporummomento,e,emseguida,dissea
ZentenoquenemtodososseushomensearmamentoshaviamchegadoaVallegrande.
Pradointercedeu.
—Aminhacompanhiaestápronta,senhor—disseimpulsivamente.
Zentenoaquiesceu.
—Muitobem,capitãoPrado.Vocêvaiprimeiro.
Durante as horas seguintes, os homens prepararam o carregamento de armas, munição,
comidaeutensíliosmédicos.Quandojáprontosparaamarcha,Pradoreuniu-osemtornodesi.
“OsguerrilheirosforamlocalizadospertodeLaHiguera.Trêsdelesestãomortos.Sabemos
quem são, e sabemos que viajavam com Che”, disse-lhes. “Vocês estão na missão mais
importantedesuasvidas.”
Alguns de seus homens estavam com medo. Olhavam para o chão, de modo a evitar o
contatovisual.Pradotambémsesentiaansioso,masnãopodiademonstrá-lo.Eraumadaslições
de Shelton: o oficial dá o tom. Se Prado estivesse confiante, seus homens o seguiriam com
confiança.
“SomosRangers”, disse ele aos seus homens, “osmais bem treinados e armados— a elite
militarboliviana.Oinimigoestáfugindo.Estamosnocomando.”Elevirou-seecuspiunochão.
“Nósvamosdestruiresseshomens.”
Eraoutralongajornada.AestradaterminavaemPucara.Pradocontratouumguiaparalevá-
los,pelorestodotrajeto,atéVadodelOro,umentroncamentodorioGrande,ondepoderiam
interceptar a rota de fuga dos guerrilheiros. Puseram a carga dos caminhões nas costas e
seguiramoguiaporumatrilhanaselvamontanhosa.Marcharamatéosolsepôr,ergueramuma
basedepatrulha,eesperarampeloamanhecer.Trataramdosferimentoscausadospelavegetação
cortanteepeloscactos.Masosonoveiofacilmentenaquelanoite.
Amanhãtrouxemaisdomesmo.NotopodocânionSantoAntonio,umhomemchamado
Francisco Rivas disse aos soldados que os seus cachorros haviam latido durante quase toda a
noite na direção para a qual se dirigiam, e que os seus cachorros só latiampara estranhos.A
companhia B vasculhou a área. Uma hora depois, um homem esfarrapado surgiu de trás das
árvores,arfando.DisseserumdossoldadosdeChe.SeunomeeraCamba.Queriaseentregar.
Oprisioneiro estava imundo, comumcabelo comprido e oleoso, barbadesalinhada eum
olhar selvagem.ParaPrado, ohomemeradignodepena.Decidiu fazerusodele.Quandoos
seus soldados reuniram-senovamente,Prado apontouparaohomem. “Olhemparao sujeito”,
disse. “Patético. Um soldado de Che Guevara. Vocês estão com medo desses caras? Vejam
comosãoeles.Vocêsaindatêmmedo?”
Eraencenação.Pradosentia-seumpoucoconstrangido,masachouqueaquilodariaânimo
às tropas. Os homens captaram a mensagem: ainda não sabiam exatamente quantas tropas
possuíaChe,mas,setodastivessemaaparênciadeCamba,haviapoucacoisaatemer.
Camba foi levado de volta a Vallegrande, onde omajorMiguel Ayoroa, comandante do
batalhão,interrogou-ocomocapitãoRaulLopezLeyton,oficialdeinteligênciadobatalhão.
OnomeverdadeirodeCambaeraOrlandoJiménezBazán,eeleeradacidadebolivianade
Beni.DissetertreinadoemCubaem1962,tendosidorecrutadoporumdoshomensdeChe.
ElestinhamvagadopelosvalesvizinhosaLaHigueradurantedias,contou,e,senãocomesse
logo,morreriadefome.Haviadesertado.Nãosabiaondeorestodogruposelocalizava,enão
ligavaamínimaparaodestinodeles.NãoqueriamaisnadacomChe.
Para Camba, a revolução acabara. Estava com sorte — sobrevivera. Foi julgado pelos
militaresecondenadoatrintaanosdeprisão.Cambafoiperdoadoem1970,eregressouparaa
suacidade.
***
Barrientosestavaemêxtase.
Osventoshaviammudado.AstropasmantinhamChecercadocomoumratonaselva.Era
só questão de tempo para que o canalha fosse capturado e levado à justiça. Era uma
surpreendente reviravolta.Apenas ummês antes, todos previam a queda deRenéBarrientos.
Faziamapostasparasaberqual,dentreosseusgenerais,seriaoprimeiroaperderapaciênciae
tomaropoder.
Subestimaram-me,pensouBarrientos.Tudooqueprecisavamter feitoeraolharparaa sua
trajetóriadevida.Comunhasedentes,elehaviacavadoasuaascensãodasinclementesruasde
Cochabambaatéopaláciopresidencial,eissonãoocorreraporacidente—nãoemumpaísque
admiravaabravuraeamacheza.Cheeoscomunistasderamtrabalho.Elespodemteracertado
o primeiro golpe, mas enfrentavam ninguém menos que Barrientos. Ele não era apenas o
homem mais poderoso da Bolívia, mas também um sobrevivente. Agora ele reassumira o
controle.Embreve,Cheseriaseu.Nadamaispoderiasertãocompensador.
CheestavamesmonaBolívia,nãohaviamaisdúvidas.Os interrogatórios,osdocumentos,
até mesmo a maldita guimba de cigarro — tudo indicava que ele estava cercado. Os
guerrilheirosnãopareciamterumplanoB.Ninguémestavavindoresgatá-los—nemmesmoos
cubanos. Àquela altura, a força guerrilheira de Che já não lutava pela revolução, mas por
sobrevivência.CheGuevaraestavaprovavelmentedesesperadoembuscadeumarotadefuga,
daluzdeumnovodia.
Osjornaiscomeçavamainsistirnesseponto.ONewYorkTimesquestionouseesteseria“oúltimo lance de Che”. Amatéria recontava o sucesso da guerrilha: “Nos primeiros encontros
com as patrulhas do Exército boliviano, que estão entre asmaismal treinadas domundo, os
guerrilheirosmostraram-seletalmenteeficientes;elesinterromperamrotasdefuga,usarambem
assuasarmasautomáticas,edemonstraramterumbomdomíniodastáticas.”Oartigodiziaque
Samaipata fora “o golpe mais ousado da campanha” dos rebeldes. Mas, em agosto, as coisas
começaram amudar. “Os suprimentos dos guerrilheiros passaram a ficar escassos.O Exército
bolivianooptouporseconcentrarmaisnacontençãodoquenoconfrontoarmado.”Eagora,“o
vistosoCheGuevaraestápresonumcânion...picadopormosquitosecastigadopelosol”.
Mesmo os EUA começavam a elogiar o Exército boliviano. Depois da emboscada que
matou Tania, Rostow disse ao presidente Johnson num memorando: “As forças armadas
bolivianas obtiveram finalmente a suaprimeira vitória—eparece ter sidoumadas grandes.”
Aquilofariamuitopara“elevaromoral”doExércitodopaís.EleacrescentavaqueosRangers
—aunidadetreinadapelosBoinas-Verdes—estavamàfrentenocampodebatalha.
Demodoacapitalizarsobreavitória,umtriunfanteBarrientosestevenofuneraldeTania
emVallegrande.ElefoiatéacasadeHonoratoRojas,ohomemquetraíraoshomensdeChe,
paraapertaramãodeumpatriota.PôsumpreçopelacabeçadeChe,oferecendo50milpesos
bolivianos (ou 4.200 dólares) a quem capturasse o líder rebelde. Jornais e estações de rádio
repercutiramopronunciamentodeBarrientos, e aviões lançaram folhetosanunciandoaoferta
naáreadaguerrilha.
Barrientos não era o único a se pavonear. Ovando previu publicamente que Che seria
capturadoembreve.Mas,atélá,ninguémnoalto-comandodescansaria.Umacoisaeraprevera
vitória.Outraeragarantirqueelaseconcretizasse.
***
MarioSalazarsentouetirouasbotas.AcompanhiaCcaminharaodiainteiropelasmontanhas,
tentandoencontrarguerrilheiros.Asoutras companhias, incluindoadePrado,vasculhavamos
arroiosnasredondezas,masasúnicascoisasqueconseguiramforambolhasnospésedoresnas
costas.
Os homens estavam sentindo a carga. Cada um levava uma arma e 18 quilos de
mantimentos. Muitos carregavam mais: comida, kits de primeiros socorros, munição e
equipamento de camping. Salazar pensava se as quatro bolsas de arroz em suas costas não o
matariamantesqueosguerrilheirosdisparassemoprimeirotiro.
Opioreramasencostas,ondeocaminhodissipava-seempoeiraerochas.Assuasmochilas
pesadaspredispunhamàqueda.Asmãosejoelhosdetodosestavamemcarneviva.
Salazar percebeu que aquilo eramais difícil do que o treinamento emLa Esperanza. Lá,
eles sabiam que voltariam para a caserna ao fim do dia, onde dormiriam num local seguro e
seco. Agora, precisavam manter-se alertas, não apenas pelos insetos, plantas urticantes e
animais.Osguerrilheirosestavamlogoali,emalgumlugar.
Salazaraindaansiavaporação.Seuscompanheirosdisseram-lheparatercuidadocomoque
desejava. Sim, eles eramuma tropa de elite. Sim, eles podiam lidar comChe.Mas ninguém
queriamorrer.Coisasruinsaconteciamdurantetiroteios.
Como sol sepondopor trásdasmontanhas,oshomensprepararamumabasedepatrulha
paraanoite.Salazareraumdoshomensgarantindoasegurançanoperímetrodoacampamento.
Era uma noite clara e estrelada— nenhuma nuvem no céu—,mas fazia um pouco de frio.
Salazarolhavaparaasestrelasepensavanavida.Sairiavivodali?Quandotudoterminasse—e
seescapasseemsegurança—,voltariaparacasa,eencontrariaumaboagarotacomqueminiciar
umafamília.Eumdia,quandooseufilhofossegrandeobastante,contariaaelecomocaçara
Chenasmontanhas.
Salazarrezouaindaparaquenenhumfilhoseuprecisasseumdiacarregarumaarma,nemse
preocuparcomapossibilidadedeumrebeldecomeçaraatiraraqualquermomento.Salazarnão
temia lutar. Se fizesse um bom trabalho, talvez o seu filho jamais precisasse seguir seu
exemplo.
***
Osdias searrastaram.OfardodosRangersdiminuiuàmedidaqueas raçõeseossuprimentos
eramconsumidos.Mas logo a comida ficou escassa, e em seguida esgotou-se completamente.
Eles passaram a cortar plantas comestíveis e cozinhá-las com qualquer pedaço de carne que
conseguissem apanhar. Zenteno enviouVilloldo à “zona vermelha” para um relatório sobre a
situaçãodosRangers, e o homemdaCIA ficou consternado coma situaçãodos suprimentos.
Assim que voltou a Pucara,Villoldo entregou-o a Zenteno.OsRangers estavam em situação
desesperadora de carência, disse. Zenteno parecia não ouvi-lo. “O general Ovando está
pensando em solicitar rações diárias à Argentina”, disse Zenteno. “Se não conseguirmos
suprimentos,teremosderecuar.”
Villoldo sabiaque elesnãopodiam recuar agora.Não comosRangers tãopertodepegar
Che.EmvezdeesperarqueOvandocomeçasseapreencherformuláriosderequisição,Villoldo
decidiuregressaraSantaCruznodiaseguinteafimdeavaliarseaCIAnãopoderiaajudarno
reabastecimentodosRangers.
20
Che
Para Prado, amesma rotina vinha se repetindohavia cerca de duas semanas.Os seus homens
estavam posicionados em bases provisórias em três vilarejos: LaHiguera, Abra del Picacho e
Loma Larga. Eles acordavam cedo, consultavam os mapas e passavam o dia realizando
varredurasao longodasmargensnorteesuldorioGrande.Logo,elesvoltaramasuaatenção
paraoscânionsestreitosqueconduziamosafluentesatéogranderio.
Aofimdecadadia,oshomensdePradoestavamexaustoseansiosos.Nuncapodiamtera
certezadeque a caminhadadiárianão terminarianumaemboscada.A inteligência enviava as
mesmasmensagens: o exército de Che estava em frangalhos. Ninguém sabia se ele recebera
novastropas.
Na selva, tudo era possível.Os soldados de Prado haviam bloqueado o ponto de entrada
mais óbvio,mas isso não significava que novos recrutas não estivessem adentrando a área de
operaçõesdealgumoutrojeito.Nãodavaparadescartartotalmenteahipótese.
O dia 8 de outubro parecia igual aos das últimas semanas. A aurora despontou sobre o
cânionElChuro, um local íngreme esquecidoporDeus, coberto por uma vegetação rica em
arbustos espinhosos.Galos cantavam.Abranca névoa que subia do córrego abaixo do cânion
parecia-secomfantasmasadançar.
Por volta de 6h30, um camponês aproximou-se do segundo-tenenteCarlos Perez em sua
basedepatrulhanoaltovilarejodeLaHiguera.PerezeraocomandantedaPrimeiraSeçãoda
companhiaA.PedroPeñaeraagricultor.Assimcomomuitoscamponesesdaárea,eleestavade
olhoemqualquerhomemestranho.Ocamponêsouviraasnotíciasnorádioeviraossoldados
bolivianos.Tomaraconhecimentodarecompensa.
EledisseaPerezque,logoapósameia-noite,enquantoirrigavaasuapequenaplantaçãode
batataspróximaaumcórregoqueatravessavaocânionElChuro,avistouumgrupodecercade
dezessetehomens caminhando lentamentepelamargemdo rio.Elesmontaramacampamento
aolongodocursod’água.
PeñaaguardouonascerdosolparairaLaHiguerainformaraoExército.
Perez agradeceu ao camponês e, ato contínuo, relatou tudo ao segundo-tenente Eduardo
Huerta. Precisavam agir rápido. Huerta apanhou alguns homens e desceu para o cânion.
Seguindooprotocolo,elesecomunicouimediatamentecomPrado,comandantedacompanhia
B.
ContouaPradooqueinformaraocamponês,esolicitouaocapitãoquetrouxessemorteiros
emetralhadoraslevesparareforçaraoperação.
Aquele era o chamado pelo qual Prado aguardava.Como num jogo de xadrez, o capitão
vinha tentandoadivinharopróximomovimentodeChe.Seele fosseChe,paraonde iria?O
quefaria?
Prado sabiaque seCheestivesseemapurosele sedeslocarianoescuroatravésdocórrego
quepassavapelosopédocânion.Ganha-setempodessamaneira,quandoosperseguidoresnão
procuram por você. Para os guerrilheiros, deslocar-se durante o dia era suicídio. Podiam ser
avistadosdocéu,ouporsoldadosposicionadosnoaltodocânion.
Prado e seus homens chegaram ao terreno elevado próximo ao cânion El Churo. Ele fez
contatocomPerezeHuertaeassumiuocomandodaoperação.
Prado conhecia bem a área. Estudara a paisagem por semanas. O cânion El Churo tinha
apenas 300 metros de extensão. No extremo sul, ele se fundia com o cânion La Tusca,
terminando no San Antonio— os dois primeiros formando como que os braços da letra Y.
Porqueosguerrilheiroshaviamprovavelmentesedeslocadodesdequeocamponêsosavistara,
PradoordenouaoshomensdePerezqueentrassempelapartesuperiordoElChuro,enquantoa
terceiraseçãodacompanhiaB,sobocomandodosargentoBernardinoHuanca,fariaomesmo
napartesuperiordoLaTusca.Seaindaestivessemdentrodoscânions,osguerrilheirosfugiriam
rioabaixo,ondePradoestabeleceraopostodecomandoeumbloqueionaconfluência.
Ao meio-dia e meia, tudo estava pronto. Prado ficou no posto de comando embaixo,
enquanto as tropas faziam a varredura do alto das colinas.Ele nem teve tempodepensar no
próximomovimento.OtiroteioirrompeuquaseimediatamentenoextremonortedoElChuro.
Dois homens de Perez tombaram. Prado ordenou aHuanca que apressasse a busca no La
Tusca.Eletinhaosseushomenspreparados,commetralhadorasemorteiros,naconfluênciado
El Churo com o La Tusca. Prado tinha certeza de que os guerrilheiros surgiriam a qualquer
momento.
Momentos depois, o cânion explodiu numa cacofonia de metralhadoras e explosões de
morteiros. Não havia muitos guerrilheiros, mas eles estavam armados. Eles recuaram
rapidamente para dentro do cânion, escondidos pela densa vegetação. Estavam cercados.Não
haviacomoescapar.
Os homens de Prado ocupavam a posição perfeita. Os declives eram íngremes,
desembocando em campo aberto, onde os guerrilheiros podiam ser vistos se fugissem. Para
reforçarobloqueio,PradomandoudoisesquadrõesdacompanhiaAparaaconfluência,a fim
deesperaraseçãodeHuanca,quesemovialentamenteemLaTusca.
OsolhosdePradoestavamfixosnaconfluência.Eleestavaconfiantedequeosguerrilheiros
tentariamromperocerconovamente.Eraasuaúnicasaída.Osguerrilheirostentarammaisuma
vezpenetrararavinaestreita,masforamforçadosdevoltaàcapoeira.
OcoraçãodePradobatiaacelerado.Oseutemordocampodebatalhadesaparecera.Estava
calmoedecidido.PegouorádioPRC-10econtatouasuabaseemAbradelPicacho.Descreveu
asituaçãoparaosegundo-tenenteTomasTotti,quepassouumrádioparaoquartel-generalda
8ªDivisãoemVallegrande.Achavam-sesobfogoinimigoeprecisavamdeumhelicópteropara
removerasbaixas.Aquelaseramasnotíciasqueoscomandantesesperavam—enãoqueriam
queosguerrilheirosescapassem.ElesdespacharamdoisaviõesT-6,armadoscommetralhadoras
ebombas,designadosparadarsuporteàstropasemsolo.Empoucosminutos,osaviõesestavam
noar,esperandoporinstruções:queriamsaberondelançarasbombas.
Mas Prado os refreou. Ainda não era possível liberar as bombas, porque os seus homens
estavammuitopertodosguerrilheiros—osRangerspoderiamsermortosjuntocomoinimigo.
OrdenouqueosaviõesretornassemaVallegrande.Umhelicópterodeevacuação logochegou
ao local. O piloto estava para pousar no posto de comando, mas Prado disse-lhe que os
guerrilheirospoderiamatingirohelicópteroduranteopouso.Pradonãosabiaquetipodearmas
possuíamosguerrilheiros.
Duranteocaos,HuancaconcluíraasuabuscaemLaTuscasemencontrarnada.
—Oquedevofazer?—perguntouele,suavozcrepitandonorádio.
—VáparaaparteinferiordoElChuro—respondeuPrado.
PradoqueriaqueHuancaseguisserioacima,reunindo-secomaseçãodePerez,evarrendo
todooElChuro.
Huancadeslocou-serapidamenteatéafrentedesuastropas—eraumsoldadoagressivo.Na
qualidadedebatedor,eleenfrentavaomaiorperigo.Seushomensapressaram-separamantero
ritmo.Seosguerrilheirosaindaestivessemnocânion,Huancairiaachá-los.Elesseguiramdireto
para uma saraivada de tiros. Seus homens recuaram— um fora morto, outros dois, feridos.
Estavammuitopróximos agora, e o inimigo conhecia a suaposição. Segurandouma granada,
Huanca correu na direção dos tiros, disparando o seu fuzil automático e lançando granadas.
Matoudoisguerrilheiroseempurrouorestoparadentrodocânion.Huancalogoreuniuosseus
homensepassouumrádioparaPradocomunicandosobreasbaixas.
PradoentendeuorecadoeentrouemcontatocomVallegrande:“Tenhosoldadosmortose
feridos.Enviem-meumaequipemédica.”
EnquantoPradofalava,doisdeseushomensavistaramumadupladeguerrilheirosmovendo-
se em direção ao posto de comando com armas em punho. Permitiram que os homens
avançassem,e,quandoesteschegaramapoucosmetrosdedistância,receberamordemparaque
serendessem.
Osguerrilheirosabaixaramasarmas.UmdosRangersgritouparaPrado:“Capitão!Capitão!
Hádoisaqui!Nósospegamos!”
Prado subiu pressurosamente a colina ao lado do soldadoAlejandroOrtiz e encontrou os
doismembrosdobandoguerrilheiro.Estavamabatidos,cobertosdeterra,mostrandosinaisde
fadigaextrema.
Pradopodiajurarqueoprimeiroeraestrangeiro.Eletinhaumolharimpressionante,olhos
claros, e uma barba espessa e selvagem. Usava uma jaqueta com capuz e uma camisa sem
botões.Mal ajustados aos pés, havia um par democassins artesanalmente fabricados. Na sua
mão direita, uma carabina.O outro homem era baixo e negro, com cabelo comprido e uma
pequenabarbicha.
Assimqueosviu,Pradoordenou-lhesquedepusessemasarmas.
—Quemévocê?—perguntouPradoaomaisalto.
—EusouCheGuevara—respondeueleemvozbaixa.
Prado teve certeza de sua identidade antes mesmo de fazer a pergunta. O formato
característico de seu rosto e a barba faziam dele uma figura instantaneamente reconhecível a
quem quer que tivesse visto suas fotografias. Agora estava confirmado. O coração de Prado
bateumaisforte,maselemanteveacompostura.Dirigiu-seaooutrohomem,comosenadade
anormalsepassasse.
—Evocê?
—SouWilly—respondeuele.
—Vocêéboliviano?
—Sim.
—Qualéoseunomeverdadeiro?—perguntouPrado.
—SimeónCuba.
Pradovoltou-senovamenteparaochefão.TalvezfossealguémparecidocomChe,enviado
paradespistá-los.Sóhaviaumjeitodeprovar.PradopediuaGuevaraquelhemostrasseamão
esquerda.Agrandecicatrizestavalá,porbaixodasujeira,bemondeosrelatosdainteligência
disseramqueestaria.NãohaviadúvidasdequeeraChe.
Prado ordenou aos seus homens que tomassem o equipamento dos guerrilheiros. Ortiz
recolheutudooqueChecarregava:umasacola,duasmochilas,umapistolanacintura,ecinco
ovos cozidosque ele guardarapara comermais tarde.Umoutro soldadopegou amochila de
Willy.
—Elesdestruíramaminhaarma—disseChe.
Pradonotouqueocanodacarabinahaviasidoperfuradoporumtiro.
—Quandofoiisso?—perguntou.
—Quandoassuasmetralhadorascomeçaramadisparar.Eutambémestouferido.
Pradoprocurouoferimento,maseradifícildeencontrar.
— Eu suponho que você não vá mematar agora. Eu valho mais para você vivo do que
morto.Nóssemprecuidamosdosnossosprisioneiros.
Quanta arrogância,pensouPrado.Mesmoali,nopiormomentode suavida,Chepensava
estaracimadetudo,eque,dealgummodo,sairiadalisemmaioresconsequências.Eleinvadira
o país, tentara iniciar uma revolução para derrubar o governo boliviano e impor um regime
comunista, e ainda se sentia superiorobastanteparacomparar as suas forçase técnicas àsdos
bolivianos.
Não, Prado não tinha a intenção de atirar nos prisioneiros. Um bom soldado jamais faria
isso.Estariaviolandotodososprincípiosmilitares—tudoaquiloquePradoforaformadopara
crerarespeitodasregrasdecomprometimento.
—Nósvamostratardevocê—dissePrado.—Cadêoseuferimento?
CheergueuacalçaemostrouaPradoasuapernadireita.Tinhaumamarcadeentradada
balanapanturrilha,masnenhumadesaída.Sangravamuitopouco,epareciaqueoossonãofora
atingido.
Pradoordenouaossoldadosquelevassemosguerrilheirosparaopostodecomando.
—Vocêpodeandar?—perguntouPradoaChe.
—Seforpreciso—retrucouele,escorando-seemWilly.
Nopostodecomando,Pradodeuordemparaqueasmãoseospésdosprisioneirosfossem
atadoscomosseuspróprioscintos.Aduplasentou-seencostadaaumaárvore.Doisdoshomens
dePradomontaramguarda,vigiandocadamovimentodosprisioneiros.
Pradotornouadirigirasuaatençãoparaaravina—elesabiahaveroutrosguerrilheirosali.
NãoerapossívelquefossemapenasCheeWilly.
—Nãosepreocupe,capitão,istoestáacabado—disseChe.
Então,Che—a imagemdaconfiança,o íconedomovimento revolucionário—baixoua
cabeça.
Prado sentiu pena dele. Não queria,mas, por ummomento, identificou-se com o que o
guerrilheiro sentia. Che parecia completamente desmoralizado. Sabia que a sua guerra tinha
acabado, suas esperanças e ilusões destruídas. Tanta gente tinha morrido naquela fracassada
campanha.E,agora,elepróprioenfrentavaumfuturoincerto.
Pelaprimeiravez,Chenãotinhaoquedizer.
***
Apósdeixarosprisioneirossobguardanopostodecomando,PradopassouumrádioparaTotti
nabase.Disse-lheparatransmitiraseguintemensagemaVallegrande:
“TenhoPapaCansadoeWilly.Papalevementeferido.Ocombateprossegue.CapitãoPrado.”“Papa” era o codinome dado a Che pelos militares bolivianos. “Cansado”, nesta missão,
significava“sobcustódia,ferido”.QuandoVallegrandeconfirmou,Pradovoltouaocânionpara
continuar com a varredura da área. Prado suspeitava que os guerrilheiros tentariam armar um
novoataque,especialmentequandosoubessemqueCheforapego.
Mas, depois de alguns minutos, Prado ouviu a voz de Totti crepitar no rádio. Os
comandantes solicitavam urgentemente que Prado confirmasse a captura de Che.
Aparentemente, asnotíciashaviam sido recebidas comceticismo,pensouPrado.Eleperdeua
paciência. Respondeu ser quase certo que se tratava de Che, e que não tinha tempo nem
motivosparainventarhistórias.
Então, Prado disparou para o cânion, seguido de perto pelo médico Tito Sánchez, que
tentava chegar até um soldado ferido. Quando alcançaram a posição de Huanca, Prado
conseguiuavaliaroterrenoeasituaçãonodetalhe.Logodiantedelehaviaumterrenoásperoe
bem protegido, de onde os movimentos dos seus soldados poderiam ser facilmente
monitorados.Nãoeraumbomlugarparaestar.
QuandoHuancacomeçouaavançarnovamenteembuscadosguerrilheiros,PradoeSánchez
avistaramumRangerferido.SabinoCossioestavadeitadodecostas;oseuuniformerepletode
buracos de bala, ensopado de sangue. Ele estava com dificuldades para respirar — cada
inspiração parecia ser a última. Embora os Boinas-Verdes houvessem treinado Sánchez como
médico,eledispunhadepoucosrecursosmateriais.Ficousóparadoali,comexpressãoaturdida,
empânico.Pradooencarou.
—Cuidedele—ordenouocomandante.
Sánchezbuscouemseussuprimentos,masnãoencontrounenhumabandagemoucurativo.
Pradosabianecessitardeajudarápidaparaosoldadoferido.Eleretornouaopostodecomando
parasolicitarmaisassistência,mas,assimquechegouàsuaposição,Huancaentrouemcontato,
informando-lhequeCossioestavamorto.
Pradoestacou.
Por ummomento, ele foi tomado pela tristeza. Tinha consciência de que a morte fazia
parteda vidadeum soldado. Sabia que, a qualquermomento, umabalapodiapôr fim à sua
vida.Mas, comocomandante, ele sentia-se responsável.Sánchez surgiudocânion, como seu
uniformeensanguentado,orostocontorcido,eosolhosúmidosdelágrimas.
—Cossiomorreu,capitão.Nãohavianadaqueeupudessefazer.
Prado tentou acalmá-lo.Disse-lhe para não perder a esperança. Recordou a Sánchez que,
apesar da perda de vidas, amissão fora um sucesso. Pareceu funcionar.Omédico olhoupara
Pradoedisse:
—Issoestánofim,capitão.Aquelevagabundo,queeraocabeça,caiu.
Sobaárvorealiperto,Cheescutava.
—Arevoluçãonãotemcabeça,camarada.
Talveztenhasidootom.Talvezaarrogância.Dequalquermodo,Pradoorepreendeu.
— Talvez a revolução que você defende não tenha cabeça, mas os nossos problemas
terminamcomvocê.
Naquele momento, um soldado boliviano emergiu sangrando do cânion. Era Valentin
Choque. Ele tinha dois ferimentos, um na parte superior do pescoço, e outro nas costas.
Nenhum deles parecia ser muito sério. Sánchez vasculhou a mochila de Che e retirou uma
camisa,afimderasgá-laefazerbandagens.
—Querqueeucuidedele,capitão?—perguntouCherapidamente.
—Vocêémédico,poracaso?
Cherespondeuserantesdetudoumrevolucionário,“maseuseimedicina”.
—Não,deixapralá—dissePrado.
Então,Willyfalou:
—Capitão,nãolheparececruelmanteramarradoumhomemferido?
Referia-seaChe.
Prado sabia que Willy tinha razão. Sendo assim, ordenou ao homem responsável pela
segurançaquedesamarrasseasmãosdoprisioneiro.Cheperguntousepodiabeberáguadeseu
cantil.
MasPradomostrou-sedesconfiadoemdeixarCheutilizaroseuprópriocantil.Temiaque
Che estivesse trazendo veneno e tentasse tirar a sua vida. Então, Prado entregou-lhe o seu
cantil.Depoisdebeber,Chepassou-oparaWilly.
—Podemmedarumcigarro?—pediuChe.
Pradoofereceu-lheum,masCherecusou.EramdamarcaPacific—umfumosuave.Disse
preferirtabacoforte.UmdossoldadostinhacigarrosAstoria.Chefumouumdestes.
Pradovoltou-seoutravezparaocânion.Osguerrilheiroslançaramumnovoataque,masos
homens de Huanca responderam, e os guerrilheiros recuaram. De algummodo, eles haviam
encontrado uma brecha no cerco, o que lhes permitiu se afastar um pouco.Depois de outra
busca,oshomensdePradonãopuderamachá-los.
Ao anoitecer, o cânion El Churo estava limpo. Prado removeu os seus homens para La
Higuera, deixando para trás algumas tropas, demodo a bloquear as saídas.A cidade ficava a
poucomaisde1,5quilômetrodedistância.
Depoisdesubirempelaviaescarpada,foraminterceptadospelomajorAyoroa,quevierade
Pucaraaotomarconhecimentodasboas-novas.Elehaviaesperadoansiosamenteebombardeou
Prado comperguntas.Ayoroa perscrutouChe, e não podia acreditar. Era elemesmo.Não se
tratavadeumfantasma,afinal.Enãosepareciaemnadacomoqueomajorimaginara.Estava
macilento,envoltoemfarrapos;eraumespantalho,ummendigo.Ayoroaeoutroscomandantes
bolivianos sabiamqueestavamprestesa serpromovidos. Já seempenhavamparaembelezare
superestimar a sua participação na operação. Como dissera o presidente Kennedy depois de
assumir a responsabilidade pelo fiasco da Baía dos Porcos: “A vitória possuimilhares de pais,
masaderrotaéórfã.”Todosospaiscongratulavam-senaqueledia.
Prado, no entanto, estava preocupado com os guerrilheiros que ainda vagavam lá fora.O
prisioneiro era responsabilidade sua, eprecisava levá-lo em segurançaparaLaHiguera.Muita
gente celebrava cedo demais. Ninguém parecia se preocupar com a possibilidade de que os
guerrilheiroslançassemumataqueparalibertaroseulíder.
AentradaemLaHigueravirouumaprocissão.Dezenasdemoradoresformavamfilapelas
ruas.OsRangerslevavamoscorposdostrêscompanheirostombadosembatalha,seguidospelos
feridosemmaistrêsmacas.Osguerrilheirosmortoseramarrastadosnasruaspeloscolarinhos,e,
atrás deles, vinham Che e Willy, escoltados por um destacamento de segurança. Sujos e
cansados, os Rangers vinham em seguida. Exaustos, mas felizes. Haviam capturado Che. O
conflitoestavapertodofim.
Odesfileterminouemumapequenaescoladeumcômodolocalizadanocentrodovilarejo.
Umtabiquedividiaaconstruçãoemduassalas,eumaúnicajaneladeixavaentrarumaréstiade
luzdosol.Eramaisumceleirodoqueumaescola.Haviatrêspesadasportasdemadeira,eum
telhadomarrom,quegotejavaquandochovia.
No interior,havia algumascadeiraseumbancodemadeira.Ochãoera lamacento.Prado
instalouChenumadassalas,Willynaoutra,eoscorposdosdoisguerrilheirosmortos juntoà
porta.Guardascercavamaescola,comordensdeatirarparamatar.
Prado estabeleceu o seu novo posto de comando na casa do operador de telégrafo. Ele
enviou um relatório completo sobre os eventos do dia para o quartel-general da Divisão.
Informou-lhesarespeitodosmortoseferidos.
Prevejomais baixas dentro do cânion.Devido ao avançado da hora e ao terreno difícil,impossívelefetuarbuscasevenceraresistênciadosatiradoresdeelite.Continuaraoperação
amanhã.
ElesolicitouumhelicópteroaLaHigueraparaevacuarosferidosepediumaismuniçãoM-
1.
Em seguida, Prado procedeu a um detalhado inventário de todos os itens encontrados na
mochiladeChe:
Dois cadernos contendo o diário deChe (um correspondendo ao período de novembro—dezembrode1966,ooutrodejaneiro—outubrode1967)
UmcadernocomendereçoseinstruçõesDoiscadernoscomcópiasdemensagensrecebidaseenviadasDoispequenoscadernosdecódigosVintemapasdediferentesáreas,atualizadosporCheDoislivrossobresocialismoUmacarabinaM-1destruídaUmapistola9mmcomumpenteDozerolosnãoreveladosdefilme35mmUmapequenabolsacontendodinheiro(pesosbolivianosedólares)
Prado enviou o relatório ao quartel-general. Alguns minutos depois, às 22h, ele recebeu
umamensagemurgentedocoronelZentenoemVallegrande:quemantivesseChevivoatéque
elechegassedehelicópterologopelamanhã.
21
PapaCansado
Rodríguez instalavaumaantena improvisadaparao rádioPRC-10deumaviãoPT-6daForça
AéreaBolivianaquandoavozdePradocrepitounoalto-falante.
“PapaCansado”,eleouviuemmeioaopalavrório.
Aprincípio,Rodrígueznãoestavacertodoqueouvira.
“PapaCansado”,foiditonovamente.
DesdequechegaraaVallegrandecomosRangers,Rodríguezpassarao temponoquartel-
generalda8ªDivisãocomocoronelZenteno.Quandonãoestavatrabalhandonasinformações
vindasdocampodebatalha,achava-senoaeródromo,entreantenaserádiosPRC-10.Comuma
das antenas artesanaisdeRodríguez instalada,umpilotopodiautilizaro rádioportátil de sua
cabineparasecomunicarcomsoldadosemsolo.
“PapaCansado.”
Rodríguez conhecia os códigos e compreendeu quase que instantaneamente o que aquela
vozdizia:“Papa”eraChe,e“Cansado”indicavaqueeleforacapturadoeferido.
ElescapturaramChe.Aexcitaçãoatingiu-ocomoumaonda.Nocomeço,Rodrígueznãoacreditouqueumbando
deRangers inexperientespudesseterpegoumguerrilheiromacaco-velhocomoaqueleemtão
poucotempo.Talvezfosseumengano,umapiada.
Rodríguez voltou correndo para o quartel-general. Pôde ver o excitamento nos oficiais
bolivianos assimqueentrounoprédio.Masoentusiasmo logo se converteuemconfusão.Os
homensdePradohaviammesmocapturadoChe?
“Aindanãotemoscerteza”,disseomajorSerrate,oficialdeoperaçõesdaDivisão,logoque
Rodríguezchegou.“Venhacomigo.Vamosver.”
Serrate e Rodríguez voltaram para o asfalto. Dois PT-6 com rádios PRC-10 estavam
prontos, à espera. As hélices giravam enquanto Rodríguez subia num dos aviões, e Serrate
trepavana aeronave situadaà frente.Rodríguezmal afivelarao cintode segurançaquandoos
aviõesdispararampelapista,decolandoparaumcéuazulelímpido.
Assim que o trem de pouso foi recolhido, Rodríguez notou que uma fumaça branca
começavaatomaracabine.
—Oquehádeerrado?—gritouparaopilotonoassentodafrente.
—Umcurto—gritouemrespostaopiloto.—Umcurtonosistemaelétrico.
Debruçado,Rodríguezviuopiloto conferindoosprocedimentos e começandoa trabalhar
nos disjuntores do avião. Finalmente, a fumaça se rarefez. Uma vez que o avião voava sem
problemas, eles seguiram viagem. Guinando para norte, eles seguiam a aeronave de Serrate.
Duranteovoo,opilotopercebeuqueomecanismodelançamentodosfoguetespresosàsasase
asmetralhadorascalibre.50doaviãoestavaminoperantes.Seossoldadosemsolonecessitassem
deapoio,oaviãonãopoderiaprovê-lo.
Mas,graçasaorádioinstaladoporRodríguez,elespodiamsecomunicarcomossoldadoslá
embaixo.E,paraRodríguez,aquelaeraaúnicarazãopelaqualelesobrevoavaaselvarumoa
LaHiguera.
Olhando pela janela, Rodríguez via passar a selva abaixo do avião. Por três meses, ele
rastrearaCheeosseusguerrilheirosnaqueleterrenohostil.ElesdeviamaquilotudoaPacoeà
suafabulosamemória,pensouRodríguez.ElepediuaDeusque“Papa”fosserealmenteChe,e
nãoalgumoutroguerrilheirobarbudodeuniforme.
EnquantoaaeronavefaziaacurvasobreaselvapróximaaLaHiguera,Rodríguezescutou
umaoutramensagemnorádio.
“Papa—elextranjero”,disseooperadorderádioemsolo.
EramesmoChequeosRangersdePradohaviamcapturado.
Duranteumtempo,osaviõesvoaramemcírculoacimadovale.Semarmasparadarapoio
aos Rangers, o piloto começou um voo rasante por sobre as copas das árvores. Rodríguez
segurou-senobancodetrásenquantoopilotomergulhavarumoàsárvores.Oaviãosoltouum
guincho agudo ao acelerar na direção do solo. Então, o piloto puxou o manche. O ronco
deveria ecoar pelos vales e assustar os guerrilheiros, que fugiam do apoio aéreo dosRangers.
Masamanobraeratambémumgestosimbólico,otributodopilotoaosRangersláembaixo.
Apósomergulhode fazer tremerosossos,oaviãodeRodríguez regressouaVallegrande.
Napistadepouso,RodríguezeSerrateencontraram-secomZentenoeconfirmaramacaptura
deChe.PradoenviaraumrelatórioatualizadocommaisinformaçõessobreChe.
“Não somente o capturamos”, disse Serrate. “Recuperamos um monte de documentos,
incluindoumjornal.”
ZentenoordenouimediatamentequeSelich,ocomandantequeinterrogaraPaco,fosseaté
LaHiguerainterrogarCheepegarosdocumentos.Retornandoaorefúgio,Rodríguezachava-se
decepcionado pelo fato de Selich ter sido designado. O boliviano demonstrara um fraco
discernimentocomPaco.MasRodríguezeraapenasumassessor.Sabianãopoderinterferirnas
ordensdoExércitoboliviano.Maseletinhaumoutroplano.
Enquanto isso, Villoldo estava empacado. Horas antes da captura de Che, ele e o seu
contatonaCIAhaviamdecididoencontrar-seameiocaminhoentreVallegrandeeSantaCruz,
a fim de reunir algum dinheiro para comprar suprimentos para os Rangers. Preparava-se para
voltar quando ouviu sobre a batalha no rádio. De regresso a Vallegrande, Villoldo ficou
chocado ao receber as notícias. Estava decepcionado. Queria interrogar Che mais do que
qualquercoisa,eagoranãoestavacertodeteraoportunidade.
EnquantoVilloldoaceleravadevoltaaVallegrande,Rodríguezpunhaoseuplanoemação.
PegandoduasgarrafasdeuísqueBallantine’sdealtaqualidade,eleencontrou-secomosoutros
oficiais para jantar no Hotel Vallegrande, onde Zenteno estava hospedado. Dias antes,
RodríguezadquiriraasgarrafasemSantaCruz,exatamenteparaaquelaocasião.Queriacelebrar
emgrandeestilo.
Rodríguezsentou-secomZentenoeosoutros,fazendoumbrindeàsuavitória.Mas,láno
fundo, ele gostaria de estar emLaHiguera.Queria ficar cara a cara comChe antes que algo
acontecesse com o revolucionário. Che não ficaria vivo por muito tempo, sem dúvida,
especialmentesobacustódiadeSelich—ooficialestiveraapontodeatiraremPacoantesda
intervenção de Rodríguez. Este sabia que tinha de chegar a La Higuera se pretendesse ter
algumachancedepegarChecomvida.
Apósalgumasrodadasdeuísque,RodríguezfezumaperguntaaZenteno.
—Meucoronel,vocêpermitiriaqueeuoacompanhasseamanhãatéLaHigueraparafalar
comoprisioneiroErnesto“Che”Guevara?
Todos os outros oficiais à mesa também queriam ir. Zenteno levou alguns instantes
considerandoopedido.Ohelicópterosópodiaacomodardoispassageiroseopiloto.
Finalmente,Zenteno pôs-se de pé.Aprumou-se e dirigiu-se àmesa.Disse aos oficiais ter
consciênciadequetodosqueriamircomeleparaLaHiguera.
—Mas Félix tem sido tremendamente prestativo conosco, e eu quero agradecer-lhe por
todaasuacooperaçãoaolongodestesmeses—disseZenteno.—Tambémseiquãoimportante
éparaelepoderficarfrenteafrentecomumdoscomunistasqueoforçaramasairdoseupaís.
OquantosignificaráparaeleverCheGuevaracomseusprópriosolhos.Sendoassim,esevocês
nãoseopuserem,euolevareiamanhãcomigoparaLaHiguera.
Osoficiais ficarammudos.Então,umdeles levantou-see concordouqueFélixdeveria ir.
Osoutrostambémexpressaramasuaaprovação.
Zentenoergueuoseucopo.
—ÀBolívia!—disseele.—Eaoretornodapazparaonossopaís.
22
“Arevoluçãonãoéumaaventura”
Pradoviuosseushomenscelebrando.OacampamentoemLaHigueraestavaemclimadefesta.
Ossoldadosbatiampapo,comemoravamecongratulavam-seunsaosoutros.Custaraavidade
trêsRangers,masCheforacapturado.Nassuascabeças,issosignificavaqueaguerraterminara.
SemChe,nãohaviarevoluçãonaBolívia.
Prado tambémdeveria estar comemorando.Afinal, fora a suaunidadeque capturaraChe.
Eledeveriaestarfeliz.Mas,emvezdisso,Pradosentia-sedesconfortável.Eledecidiufazeruma
visitaàescola.
Osvigiasdoprédioabriramcaminho.Primeiro,PradodeuumabreveolhadaemWilly,que
dormia num banco. Em seguida, foi até a sala onde Che era mantido. Uma vela queimava,
iluminando o pequeno espaço. Che estava sentado de encontro à parede, com os olhos
fechados.Tottiestavalá,vigiandoolíderguerrilheiro.Abandagemqueenvolviaapanturrilha
deCheestavamanchadadesangue.CheabriuosolhoseviuPrado.
OoficialbolivianosacouoseumaçodecigarrosPacificeofereceu-oaChe.Destavez,Che
não recusou. Pegou dois, desenrolou-os, e depositou o tabaco no fornilho de um velho
cachimboquelevaraconsigoportodaacampanhaboliviana.
Prado queria odiarChe por tudo o que ele fizera— fora responsável pelamorte de três
homensnaqueledia,homensquePradoconheciapessoalmente.Foraresponsávelporestimular
umarevoluçãonaBolívia,esóDeussabequaishorroreselepromoveraemCuba.Mas,mesmo
sentadoali,emfarrapos,haviaaindaalgodecarismáticonohomem.
—Comoestásesentindo?—perguntouPrado.
Chealegouestarsentindoumpoucodedor.
—Éinevitável,né?—disseele.
— Eu sinto muito por não termos um médico conosco — disse Prado. — De qualquer
modo, o helicóptero virá logo pela manhã, e você será levado para Vallegrande. Cuidarão
melhordevocêlá.
Che agradeceu a Prado. Falaram amenidades,mas Prado estava curioso a respeito de uma
coisa: por queChe escolhera a Bolívia? Por que começar uma revolução emuma das nações
maispobresdaAméricadoSul?
—Eu gostaria de saber emprimeiramão o porquê desse seu heroísmo tão tolo, tão sem
sentido—dissePrado.
—Talvezdoseupontodevista—respondeuorevolucionário.
Pradosentou-senumbancoeacendeuumcigarro.OfereceuumaTotti,estateladojuntoa
ele.Asalaencheu-sedefumaça.
—Tenhoa impressãodequevocêcometeuumerrodesdeo início, aoescolheraBolívia
paraasuaaventura—continuouPrado.
MasCheointerrompeu.
—Arevoluçãonãoéumaaventura.
EChefezrecordaraPradoosorgulhososprimórdiosdaBolívia.
—A guerra de independência daAmérica do Sul não começara na Bolívia?— disse ele,
referindo-se a Simon Bolívar, que enfrentara os exércitos coloniais na Bolívia, Venezuela,
Colômbia eEquadornos anos1800.—Vocês,bolivianos,não seorgulhamde terem sidoos
primeiros?
Talvez tivesse sidomesmo um erro escolher a Bolívia, concedeuChe,mas a escolha não
forasua.ArevoluçãoprecisavadeumcampodelançamentonaAméricadoSul.Quandosurgiu
aideia,arespostamaisentusiasmadaveiodosbolivianos.
—Eoqueaconteceu?—perguntouPrado.Atéondeelesabia,nãohaviamuitosbolivianos
entreosguerrilheiros.
Cheencolheuosombros.
—Evocêachaqueiremosresolverosproblemasassim—continuouPrado—,pegandoem
armas? Como resultado deste encontro, eu tenho três mortos e quatro feridos, a quem eu
aprendiaamarerespeitarenquantoestivemosjuntos.Eulhepergunto:oquedireieuparaos
seuspais,quandocontarsobreeleseporquemorreram?
—Morrerampelaterranatal...cumprindooseudever—respondeuChesarcasticamente.
—Issosoapoético,evocêsabe—tornouPrado,irritado.—Porissovocêodiznessetom.
Dê-meumarespostarealista.
Mas, então, Che disse uma coisa que enfureceu Prado. Falou que a origem de Prado
impedia-odecompreenderverdadeiramenteoscamponeseseosseusproblemas.
— É você, senhor, que não compreende. Você não entende a Bolívia — redarguiu o
capitão. Lembrou a Che que a Bolívia enfrentara uma revolução em 1952. Como resultado,
índios haviam conquistado direitos. O Exército fora temporariamente desmontado. Aquela
revoluçãoforçouaclassedominanteacederalgodoseupoderaopovo.Pradoelencouumalista
de mudanças: reforma agrária, sufrágio universal; mudanças reais que ainda podiam ser
testemunhadas,ooficialfrisou.
Che disse a Prado que compreendia. Rodara com a suamotocicleta pela Bolívia naquela
época,elembrava-sedosanúnciosedascomemorações.
Pradobalançouacabeça.
—Masoquevocênão sabe,porexemplo, équeeu fui educadonaescolamilitar após a
revolução, comoutramentalidade, commaior percepção de nosso povo e de nossa pátria.O
nossoExércitoépartedopovo.
—Maseleoprimeopovo—retrucouChe.
—Os camponeses que o olharam com tanta indiferença hoje?Eles têm afeição aosmeus
soldados. Parecem oprimidos para você? Neste exato momento, eles estão lá preparando o
nossojantar.
—Os camponeses não compreendiam o que se passava na América do Sul devido à sua
baixaeducaçãoefaltadeoportunidades—disseorevolucionário.—Asuaignorância,oatraso
emquesãomantidos,nãolhespermiteentenderoqueestáocorrendonestecontinente.Asua
libertaçãoestáacaminho—disseaPrado.
AgoraPradoestavafurioso.
—Eufuicriadonestesvales,nestasmontanhas.Eutinhaqueandarquase10quilômetros,
de Guadalupe a Vallegrande, para ir à escola, junto com os filhos dos camponeses. Eu fiz
amizadesescolares aqui, amigosmeusde infância, e todoselesestãodispostos anosajudar, a
ajudaroExército.Esteslaçossãomaisfortesdoqueasideiasquevocêtrazdoexterior.
Mas Che estava inflexível. Disse a Prado que toda a América Latina achava-se em luta
contraoimperialismo,lutaque“jánãopodemaisserinterrompida”.Alertouquemuitasmortes
ocorreriamnaquela revolução, e quePrado e os soldados dediversos países latino-americanos
teriam, em algum momento, de decidir “se estavam do lado de seu povo ou a serviço do
imperialismo”.
Continuaramadebateratéqueumsoldadoirrompeunoquarto,edisseaPradoqueomajor
Ayoroaeotenente-coronelSelichprecisavamfalarcomele.
—Voltareidepoisparacontinuarmosanossaconversa.
—Estareiaqui,capitão,estareiaqui—disseChe.
Pradocaminhouatéopostodecomando,nacasadooperadordetelégrafo.AyoroaeSelich
estavamansiosos.QueriamlidarcomascoisasdeChe,disseram,mascareciamdapresençade
Prado para começar. Manusearam os diários. Che era um escritor disciplinado. Não deixava
passarnenhumdiaembranco.Ostópicosnuncaultrapassavamumaouduaspáginas;àsvezes,
compunham-sedeapenasalgumas frases.Ele simplesmente resumiaoqueaconteceranaquele
dia. Prado, Ayoroa e Selich procuraram nos diários as datas mais importantes da campanha
guerrilheira. Leram os comentários de Che sobre as emboscadas e os confrontos. Logo
perceberamosignificadodosdiários.Emseusúltimosregistros,Cheescreverasobreestarpreso
nosvales.Oúltimoescritodatavade7deoutubro:
Hoje faz onzemeses desde o começo de nossa campanha.Odia seguiu sem complicações,bucolicamente,até12h30,quandoumamulhervelhapastoreandoassuascabrasentrounocânion onde acampávamos, e teve de ser feita prisioneira. A mulher não nos forneceunenhumainformaçãoconfiávelsobreossoldados,apenasrepetindonãosaberdenada,equejáfaziamuitotempodesdeaúltimavezemqueestiveraali.Tudooqueelanosdeuforaminformaçõesa respeitodas estradas.Peloqueavelhanosdisse, concluímosque estávamosagoraa cercade5quilômetrosdeHigueras,5de Jagueyeporvoltade10quilômetrosdePucara.Às17h30,Inti,AnicetoePablito foramatéacasadavelha.Umadesuas filhasestá acamada, e a outra é meio anã. Deram-lhe 50 pesos e pediram-lhe que mantivessesilêncio,semgrandesesperançasdequeelaofizesse,apesardesuaspromessas.
Os 17 de nós pusemo-nos a caminho sob uma lua minguante. A marcha era muitocansativa, enósdeixamosmuitos traçosdenossapresençano cânion emque estivéramos.Não havia casas por perto, apenas algumas plantações de batata irrigadas por canaisprovenientes do córrego. Às 2 horas, nós paramos para descansar, já que era inútilprosseguir.Chinotemsetornadoumverdadeirofardoquandoprecisamoscaminharànoite.
OExército fez um estranho comunicado sobre a presença de 250homens emSerrano,queestãoláparaimpedirafugadosqueestãocercados,37aotodo.ElesconsideramqueanossaáreaderefúgioficaentreosriosAceroeOro.Amedidapareceserdiversionista.Altitude=2milmetros
Isso era tudo. No dia seguinte, Che foi capturado. Quando terminaram de examinar os
materiais,Prado,AyoroaeSelichretornaramàsalaondeestavaChe.
—Comosesente?—perguntouAyoroa.
—Bem—respondeuChe.
AyoroadisseaChequeeleserialevadoaVallegrandepelamanhã.Aocontráriodosoutros
dois,SelichdemonstrouoseudesprezoporChe.
—Vocêterádeparecermelhor—disseSelich.—Háummontedegentequerendotirar
umafotosua.Quetalsebarbearantes?
Eleagachou-separapuxarabarbadeChe.
Cheolhouooficialdiretonosolhos.Ergueucalmamentea suamãodireitaeempurroua
mãodeSelich.Esterecuouesorriu.
—Oseudesfileacabou—disseSelich.—Agoranóséqueditamosoritmodamúsica.Não
seesqueça.
Comisso,Selichdeixouasala.
Fez-seumincômodosilêncio.PradonãogostoudojeitocomoCheforatratado.Eleeraum
prisioneiro,estavaimpotente.Eraerradodebochardele.
Ayoroasentiaomesmo.ElecontinuouaquestionarChe.
—Quantoshomensháaindadisponíveisparacombate?—perguntou.
—Eunãosei—respondeuChe.
—Ondevocêsiriamseencontrar?Qualeraolugardereunião?—quissaberAyoroa.
Chedissequeelesnãotinhamum.Estavamperdidos,cercadosporsoldados.
—Nãotínhamosparaondeir.
—Porque,então,vocêsforamparaLaHigueraemplenaluzdodia?—Ayoroareferia-se
aodiaemqueelesentraramnovilarejo.
Cheapenasbalançouacabeça.
—Queimportaoporquê?Vocêstêmmaisdosmeushomenstombados?
— Dentro do Cânion há provavelmente alguns, que não conseguimos encontrar.
Procuraremosporelesamanhã.Porquepergunta?
Cherespiroufundo.
—Eramboaspessoas.Importo-mecomeles,sóisso.
—Nós omanteremos informado— disseAyoroa.—Émelhor descansar agora.Nós nos
veremosamanhã.
Erameia-noite.PradoeAyoroavoltaramcaminhandopelas ruasestreitas.Acidadeestava
calma naquela hora, com eventuais acessos de alegria vindos do acampamento militar. Num
local,umgrupodesoldadoscantavaaoredordeumafogueira.Cantosderivalidadeegritosde
guerraentreascompanhiasAeBeramouvidoscomfrequência.Nocaminho,osdoishomens
encontraram o segundo-tenenteHuerta. Ele não conseguia dormir.O trio resolver checar os
perímetros de segurança. Era por volta demeia-noite, fazia frio, e as estrelas brilhavam por
sobreasmontanhas.Prado imaginouoqueRosarioestaria fazendonaquelanoite.Queriaque
elaestivesseali,paraouvi-lodescrevercadadetalhedodia,ajudá-loadarsentidoàquilotudo.
Maseleprecisavamanter-sefocadonoaquienoagora.
Em cada posto de verificação, os soldados estavam alertas e cientes de suas
responsabilidades.Satisfeito,Pradodisseaoshomensquevoltariaparaopostodecomandopara
dormirporalgumashoras.
***
Muitacoisapassavaporsuamente.Pradoremoíaodiavezesseguidas—otiroteio,ossoldados
mortos,e,claro,Che.Porvoltade3horas,Pradoergueu-separafazerarondamaisumavez.
Ele passoupelos postos de vigilância.Tudo estava emordem. Por onde quer que andasse no
vilarejo,aestradaparecialevá-losempreatéaescola.
Enfim, ele desistiu de lutar contra aquele impulso, e entrou. Perezmontava guarda.Che
estavadormindo,masabriuosolhosquandoouviuPradoentrarnasala.
—Nãoconseguedormir,capitão?—perguntouChe.
—Nãoéfácildepoisdetudooqueaconteceu.Evocê?Tambémnãoestádormindo.
—Não.Eujáesquecioqueédormirprofundamente—disseChe.
—Agoravocêtemumavantagem.Nãoprecisasepreocuparcomasuasegurançaoucomo
riscodeserpegopelastropas—comentouPrado.
—Eunãoseioqueépior.Hátambémaincerteza.—Eleparouporummomento.—O
quevocêachaquefarãocomigo?Disseramnorádioque,sea8ªDivisãomecapturasse,euseria
julgadoemSantaCruz,esefossea4ª,emCamiri.
—Eunãosei.AchoqueseráemSantaCruz—dissePrado.
Che perguntou a Prado sobre Zenteno, o comandante da Divisão. Prado assegurou-lhe
tratar-sedeumcavalheiro.CheparounovamenteeolhounosolhosdePrado.
—Vocêéúnico, capitão.Os seusoficiaismencionaramalgumas coisasparamim—disse
ele,comavozfraquejando.—Nãoentendamal,tivemosalgumtempoparaconversar.Eleso
admiram.Issoéóbvio.
Pradoestavaatordoado.Cheoelogiava.Nãosabiacomoresponder.
—Obrigado.Possofazermaisalgumacoisaporvocê,comandante?
—Talvezumpoucodecafé.Seriadegrandeajuda.
—Tentedescansar—dissePradoantesdedeixara sala.—Amanhãtem inícioumanova
fase.
23
Operações500e600
Rodríguez chegou à pista de decolagem nas primeiras horas da manhã e checou o seu
equipamento.
EletinhaumpoderosorádiodecampoRS-48comumaantenaeumabateria.Levavaduas
câmeras—umaPentax35mmeumapequenaMinox.Comoseuuniformebolivianoequepe,
elesepareciacomosoutrosoficiaisreunidosnapista.
Eraamanhãdodia9deoutubrode1967.RodríguezmalpodiaesperarparachegaremLa
Higuera.Perseguiraorevolucionárioportantotempoqueaquilonempareciareal.AgoraChe
estavaaoseualcancee, seascoisas saíssemconformeoplanejado, logoeleestariacaraacara
comorevolucionáriomaistemidodomundo.
Aoamanhecer,RodríguezescreveuumalongamensagemparaoseucontatodaCIAemLa
Paz.Nela, ele atualizou os seus superiores sobre a captura deChe, e rogou-lhes que agissem
rápidoparaprotegeravidadoguerrilheiro.EleencorajouochefedabasedaCIAamobilizar
osseuscontatosimediatamente.MasRodrígueznãotinhagrandesesperanças.Osbolivianosjá
haviam matado prisioneiros. Meses antes, o embaixador Henderson tinha interferido e
pressionado o alto-comando boliviano para poupar a vida de Debray. Funcionou, mas
RodríguezduvidavaqueomesmofosseocorrercomChe.
Quando Zenteno chegou, Rodríguez entrou na parte traseira do helicóptero. O coronel
sentou-senafrente,aoladodopiloto—omajorJaimeNinodeGuzmán.Nominutoseguinte,
Guzmán acionou a alavanca e o helicóptero disparou rumo ao céu. Guinando para norte,
GuzmántraçouarotaparaLaHiguera.
Ninguém falava enquanto o helicóptero sobrevoava as montanhas e as selvas. Rodríguez
estava perdido em seus próprios pensamentos. Ele olhou no relógio quando o helicóptero
iniciou os procedimentos para o pouso. Eram7h30.Vários soldados bolivianos aguardavam a
sua chegada. Quando o ronco do motor diminuiu, Rodríguez ouviu o som de morteiros e
disparos nas cercanias. Sabia que os soldados bolivianos aindaperseguiammembros do bando
guerrilheirodeChe.Talvezelesestivessemcomsorte.
Pradoeraumdosoficiaisnazonadeaterrissagem.Quandoaavedemetalpousou,Zenteno
eRodríguezsaltaramparafora,eotenente-coronelSelichembarcou,juntocomdoissoldados
feridos.Momentos depois, eles decolaram rumo a Vallegrande. A ponte aérea entre os dois
locaisprosseguiriapelodiatodo.
Prado informouaZentenoeRodríguezqueCheestavaabrigadonaescoladovilarejo.Os
seuspertences,guardadosnopostodecomandonasaladotelégrafo.
Pradonãoperdeutempo.ConduziuZentenoea suacomitivaatéopostodecomandono
centrodeLaHiguera.Rodríguez seguiualgunspassos atrás.Nãohaviamuitoespaçoparaum
vilarejo ali no topo dasmontanhas, pensou,mas as paisagens eram espetaculares.As casas de
pedra eram pequenas, e uma única estrada de terra começava na praça central e levava até
Vallegrande.
Enquantocaminhavam,PradoperguntouoqueaconteceriacomChe.Ocoroneldissenão
haverrecebidoinstruções.AdecisãoviriadopróprioBarrientos.
Umaveznopostodecomando,PradomostrouaZentenoeRodríguezumabolsacheiade
documentos.Zentenodeuapenasumapassadadeolhos.Sabiaqueteriatempodeexaminaros
documentosmaistarde.EquantoaChe?Ninguémsabiarealmente.Então,Zentenodisseque
queria ir até a escola confrontá-lo pessoalmente. Mas, ao manusear os cadernos, Rodríguez
percebeu ter achadoagalinhadosovosdeouro.Havia fotografias,microfilmeeuma listade
“endereçosdeacomodações”emParis,MéxicoeUruguai.Osguerrilheirosenviavammensagens
aos endereços. Essencialmente, Che podiamandar uma carta para Castro e o destinatário no
endereçoapassariaadiante.
Rodríguez encontrou também dois cadernos de códigos. Os códigos numéricos eram
impressosnumlençodepapel,usadosumaveze,emseguida,descartados.Umconjuntoestava
emtintapreta,paraatransmissão,eooutroemvermelho,paraarecepção.
Deixandodeladooscadernosdecódigos,Rodríguezvasculhouumgrandediáriofabricado
na Alemanha. Dentro dele havia páginas de notas e registros escritos a mão por Che. A
caligrafiaelegantenarravatodaacampanharevolucionárianaBolívia.Erainacreditável,pensou
Rodríguez. Ele mantivera um diário. Agora era possível retraçar todos os seus movimentos
rotineiros.
AbolsacontinhatambémváriasfotosfamiliaresdeChe,umamáscarapretaeremédiospara
asma.
Rodrígueznãotevetempodeverificarcomcuidadotodoomaterial.Maistardefaria isso.
ColocoutudodevoltanabolsaeacompanhouZentenoatéaescola.Pradoindicouaportana
extremidadeesquerda.Ládentro,Cheestavadeitadonochãosujo.Osbraçoshaviamsidobem
amarrados atrás das costas, e uma corda mantinha-lhe os pés atados. Perto dele jaziam os
cadáveres em decomposição dos dois oficiais cubanos que haviam seguidoChe até a Bolívia:
AntonioeArturo.
Rodríguez logo notou o ferimento na perna deChe.O sangue vertia do buraco de bala.
ParaRodríguez,aqueladeveriaserocasiãodecelebrar.Mesmoapóstodosessesanoscorrendo
atrásdaquelemomento,tudooqueconseguiusentirfoipena.Cheforareduzidoaumvira-lata
sujo.Tinhaaaparênciadeummendigo.
—PorquevocêescolheuvirparaaBolívia?—perguntouZentenoaChe.
Oguerrilheiroignorou-o.
—Comovocêentrouemmeupaís?
Chenãorespondeu.
—Porquelutoucontraomeugoverno?
Aquestãofoinovamenterecebidacomsilêncio.RodríguezpodiaouvirarespiraçãodeChe,
seurostooprimidocontraochãodeterra.
Depoisdemaisalgumasperguntas,Zentenoexasperou-se.
—Omínimo que você pode fazer é responderminhas perguntas—disse ele.—Afinal,
vocêéumestrangeiroeinvadiuomeupaís.
Zenteno fez umgesto para queRodríguez o acompanhasse até o lado de fora.Diante da
escola, Zenteno expressou a sua frustração. Che podia viajar por todo o mundo proferindo
grandesdiscursossobre larevolución.Noentanto,alinaquelechãosujo—coma suavidaem
jogo—,elenãofalavanada.Estavamudo,odesgraçado.
Enquanto isso, Rodríguez tinha de reprimir o seu desejo de vingança. A sua piedade
convertera-seemraiva.Precisavaficarlembrandoasimesmoqueestavaalicomorepresentante
dogovernonorte-americano—nãocomoexiladocubanoem lutapela liberdadedo seupaís.
Na suamente, ele começou a elaborar uma lista do queprecisava ser feito.Aprimeira coisa
eramosdocumentos.
— Meu coronel, eu gostaria de fotografar todos os documentos apreendidos — disse
RodríguezaZenteno.
Zenteno aquiesceu. Alertou Rodríguez para que cuidasse dos negócios de forma rápida,
porqueBarrientosestavaansiosoporvê-los.Porora,ZentenodisseterterminadocomChe.Iria
atéocânionElChurocomPradoparaobservarastropascaçandoosremanescentesdaguerrilha.
Quandoelespartiram,Rodríguezapanhouosdocumentosecorreuparaacasadooperador
detelégrafo,oúnicolugarnovilarejocomtelefone.Numamesaensolaradanoladodefora,ele
desempacotouorádioRS-48,ecomeçouaespalharosdocumentoscapturados.
Rodríguezdeuinícioaometiculosotrabalhocomacâmera.Tinhadeseapressar.Nãosabia
quantotempoteria,eaquelematerialeraexplosivo.
***
Opresidente estava uma pilha de nervos.Agora queChe fora capturado, precisava decidir o
que fazercomele.Barrientos solicitouumareuniãodeemergênciacomogeneralOvando,o
generaldaForçaAéreaJorgeBelmonteArdileealgunsdosseusconselheirosmaispróximos.
NacabeçadeBarrientos,haviaapenasduasopções:prisãooumorte.Demodoalgumeles
mandariamCheparaCuba.Issoestavaforadequestão.
EmborapoucagentesoubessequeCheestavasobcustódia,apressãocomeçouaaumentar.
Ovando,Belmonteemembrosdoalto-comandobolivianoalmoçavamnumclubedecampoem
LaPazquandoreceberamamensagem:Chehaviasidocapturado.Elessaíramapressadamente,
chamandoaatençãodeErnestNance,oadidodaAgênciaNorte-Americanade Inteligênciae
Defesa emLa Paz.QuandoNance descobriu por que eles haviam saído tão depressa, enviou
umamensagemaWashingtondizendo:“Estaéaprimeiranotificaçãoaomundodacapturade
Che Guevara.” Era domingo, e Nance não podia ter certeza de que alguém fosse receber a
mensagem.Assim,elefoiatrásdeOvandoeBelmonte,epediu-lhesquepoupassemavidade
Che.Elesnãoprometeramnada.
Na reuniãonopaláciopresidencial,Barrientospediu conselhos aos seus comandantes.Um
por um, eles disseram que levar Che a julgamento seria um desastre. Veja o que ocorreu
quandoprenderamDebray.Acoisavirouumburburinhointernacional.GovernosfizeramlobbyparaqueaBolíviapoupasse avidadeDebray.Ahistória atraiu a atençãodomundo.Foium
pesadelo de relações-públicas. Tudo porque ummarxista insignificante comoDebray viera à
Bolívia experimentar a vida revolucionária. Imagine o que ocorreria se pusessem Che no
tribunal?
Ovando lembrou a Barrientos que não havia pena de morte na Bolívia. Com um
julgamento, o máximo a que se poderia sentenciar Che eram trinta anos de prisão. “Onde
manteríamosChe por trinta anos?”, perguntouOvando.Não havia naBolívia prisão segura o
bastante para encarcerá-lo. Teria de ser mantido sob guarda armada 24 horas por dia.
Revolucionários inspirados por Che poderiam invadir a prisão. Diabos, Cuba poderia enviar
tropas para tentar resgatá-lo. Não tinham outra opção a não ser executá-lo, argumentou
Ovando.
Barrientosouviaatentamente.Eleteriaapalavrafinal.Mas,quantomaisponderavasobreo
destino de Che, mais irritado ficava. Aquele revolucionário matara soldados bolivianos
inocentes.Tentou incitaruma revoluçãoque teriamatadomilharesdepessoas.ExecutarChe
seriaumaclaramensagem:nãomexamcomaBolívia.
BarrientosrecordouapromessaquefizeraaVilloldo,ohomemdaCIA:istoacabaaqui.
Estavadecidido:morte.
***
Rodrígueztirava fotosqualumfotógrafonumdesfiledemoda.Queria teracertezadehaver
copiado cadapágina do diário. Ele ouviu barulho de tiros a distância.Mais dois guerrilheiros
haviam sido trazidosdas redondezas até a cidade.Um fora atingidono rosto, e sentiamuitas
dores.Ooutroestavamorto.AmbosforampostossobreamesadeRodrígueze,depois,levados
paraaescola.
Porvoltade10horas,umsoldadobolivianointerrompeuRodríguez.“Telefone”,disseele.
“Quartel-general, Vallegrande. Desejam falar com o oficial de mais alta patente”, disse o
soldado.
Rodríguezolhouemvolta.Zenteno ainda estava lánopostode comando, coordenandoa
batalha.Rodrígueztinhaapatentedecapitãoe,nomomento,eraooficialmaisexperienteali.
Elepegouotelefone.
—CapitãoRamos—disse,usandooseunomedeguerra.
—Ramos.VocêestáautorizadopelocomandosuperioraconduzirasOperações500e600
—disseavozdooutroladodalinha.
Rodríguez conhecia o código. 500 era o código numérico para Che. E 600 significava
morte.OsbolivianosqueriamexecutarChe.Rodríguezengoliuemseco.
—Vocêpoderepetiramensagem?—pediu.
—VocêestáautorizadoaconduzirasOperações500e600.
SeosbolivianosquisessemChevivo,amensagemteriasido500e700.Porumadiferença
de cem, Che estava frito. Mas Rodríguez também sabia que os Estados Unidos planejavam
contrabandearCheparaoParaguai,afimdeinterrogá-lo.Issoeradesumaimportânciaparaos
oficiaisdeinteligênciadoquartel-generaldaCIAemLangley,Virgínia.
Merda,pensouRodríguez.
Ele tinhaumdilema, estavanumpoço sem fundo.Rodrígueznão falounada.Desligouo
telefone.Voltouatirarfotos,enquantosuamenteponderavaasopções.
Zenteno regressou umahora depois.Rodríguez interrompeu a tarefa, deteve o coronel, e
transmitiu-lheasordens.Então,pediuaZentenoquereconsiderasse.
— As instruções por mim recebidas do governo dos EUA são para mantê-lo vivo sob
quaisquercircunstâncias—disse.
MasRodríguezesgotaraosseuscréditosnanoiteanterior,quandopediuumacaronaatéLa
Higuera.Destavez,ocomandanteapenasbalançouacabeçanegativamente.
—Félix,nóstrabalhamosjuntos,esomosgratosportodaaajudaquevocênosdeu—disse
Zenteno.—Masnãomepeçaparafazerisso.SeeunãocumprirasordensparaexecutarChe,
estareidesobedecendoaomeuprópriopresidente.
ZentenoprecisavavoltaraVallegrande.Deuumaolhadanorelógio,etornouadirigirsua
atençãoparaRodríguez.
—Euseiomalqueelefezaoseupaís—disse.Masnãohavianadaquepudessefazer.
Eram 11 horas. O helicóptero continuaria voando entre La Higuera e Vallegrande,
evacuandoosmortoseferidos,ereabastecendoastropascomcomidaemuniçãoenquantofosse
necessário.
—Às14horas,eumandareiohelicópterodevolta—disseZenteno.—Gostariadecontar
coma suapalavradehonradequenessehorário você levarápessoalmenteo cadáverdeChe
GuevaraparaVallegrande.
Rodríguez não podia fazer mais nada. Era fácil ordenar que Che fosse mantido vivo —
bastavaolharparaossujeitosdetrásdasescrivaninhasemLangley.Masaqui,minhanossa!Aqui
ahistóriaeradiferente.
ZentenopodianotarqueRodríguezresistia.Ofereceu-lhealgumasopções.
—LidecomChedamaneiraquedesejar.Podefazê-loporcontaprópria,sequiser,tendo
emvistatudoderuimqueeletrouxeaoseupaís.
Rodríguez compreendeu que Zenteno estava apenas cumprindo ordens.Mas ele também
tinhaordens a cumprir—e elasdeterminavamqueChe fossemantidovivo.Ele tentoumais
uma vez. Pediu a Zenteno que entrasse em contato com o pessoal do alto-comando, e os
convencesseamudardeideia.
—Massevocênãoobtiveracontraordem—disseRodríguez—,eulhedouminhapalavra
dequeàs14horaslevareiatévocêocadáverdeCheGuevara.
ZentenoabraçouRodríguez,eseguiuparaapista,ondeohelicópterooaguardava.
EmpédiantedamesacomodiáriodeCheeos cadernosespalhados,Rodríguez respirou
fundo. Por ummomento, considerou fugir comChe e introduzi-lo clandestinamente em La
Paz. Só havia um telefone na cidade. Ele poderia cortar a linha, interrompendo as
comunicações com Vallegrande. E, quando o helicóptero regressasse por conta de Che, ele
mentiria, dizendo ao piloto que realmente queriamChe vivo.De volta a Vallegrande, seria
maisdifícilmatá-lo.
MasRodríguezlembrou-sedoquãoardilosoeraaquelehomem,desuasmãostingidascom
overmelhodosanguedoscubanos,decomoCastrotambémforapreso,retornandomaistarde
paradestruirCuba.Sabiaque,enquantoestivessevivo,Cheeramaisperigosoqueumavíbora.
As ideias pipocavam no cérebro de Rodríguez, mas todas levavam à mesma conclusão. Ele
esgotaraa suahabilidadedealteraraordempelasvias regulares, emesmoque,nomomento,
estivessevestidocomoumoficialboliviano,eraapenasumconsultordaCIA,umforasteiro.Ele
nãotinhaescolha.Aqueleeraopaísdeles.Aquelaseramassuasregras.
Se tiver de fazê-lo, eu o porei diante de um pelotão de fuzilamento e o executarei damesmamaneiraqueeleassassinoutantosamigosmeusnafortalezadeLaCabana,pensouRodríguez.
Mas,subitamente,comosealguémestivesselendoasuamente,irromperamdisparosvindo
daescola.Correndoparaaportadaesquerda,eleempurrou-a,eviuCheaindavivonochãode
terra.Naoutra sala,umsoldadoempé seguravaumrifle comocano fumegante.Willy jazia
sobreumapequenamesa,osseusúltimossegundosdevidaesvaindo-selentamente.Osoldado
olhouparaRodríguez.Osolhosarregaladosdemedo.
—Meucapitão,eletentouescapar—disseosoldado.
Rodríguez sabia bem. O soldado estava garantindo que não houvesse prisioneiros. Assim
comoWilly,Che sairiamortodeLaHiguera.Mas, antesquemorresse,Rodríguezqueria lhe
falar.
Ele voltou aoquarto deChe.Um silêncio constrangedorpairava no ar.Ele nãoprecisava
dizerumapalavrasobreostiros.Chesabiaoqueacabaradeacontecer.
Rodríguez encarou Che mais uma vez, tentando reconciliar a imagem do homem à sua
frente com a do vistoso revolucionário retratado em centenas de jornais, livros e revistas.
Estudara as fotografias de Che na China e em Moscou. Naquelas fotos, ele estava bonito,
elegante em seus trajes de guerrilheiro. Ele poderia ter tudo na vida — roupas chamativas,
dinheiro, carros velozes e belas mulheres. Em vez disso, optou por uma vida de fugitivo,
lutando,conspirando,matando.Masolhemparaeleagora.Valeuapena?
Rodríguezpôs-seacimadeChetalqualolíderguerrilheirofizeracomNestorPino,umdos
patriotas cubanos companheiros de Rodríguez na Baía dos Porcos. Pino, comandante de
companhianobatalhãodeparaquedistas, foracapturadoeespancadopeloshomensdeCastro.
Caídoemposiçãofetal,eletentouseprotegerenquantoumatorrentedegolpesdesabavasobre
ele.Então,pararamsubitamente.Empédiantedele,comreluzentesbotaspretas,estavaChe.
—Mataremostodosvocês—disseCheaPino.
Por sorte, Pino sobreviveu à surra e mais tarde contou a história a Rodríguez. Agora os
papéisestavaminvertidos.Chejaziaaosseuspés.
—CheGuevara,euquerofalarcomvocê—disseRodríguez.
—Ninguémme interroga— disse Che, apegando-se ainda aos últimos resquícios de sua
autoridade.
—Comandante—disseRodríguez,dandovazãoatodooseusotaquecubanonativo.—Eu
nãoviminterrogá-lo.Osnossos ideaissãodiferentes.Maseuoadmiro.Vocêeraumministro
de Estado em Cuba. Olhe para você agora. Está assim por acreditar em seus ideais.Mesmo
achandoqueelessãoequivocados,euvimfalarcomvocê.
— Você poderia me desamarrar? Eu posso me sentar? — perguntou Che, olhando
Rodríguez.
—Claro.RetireascordasdocomandanteGuevara—disseRodríguezaosoldadonaporta.
O homem olhou-o com incredulidade, mas seguiu as ordens. Che gemeu quando as cordas
afrouxaram.Osoldadoajudou-oasesentarnobancodemadeira.
—Vocêtemalgumtabacoparaomeucachimbo?—pediuChe.
Rodríguez apanhouum cigarro comumdos soldados bolivianos e entregou-o aChe, que
rasgouoinvólucro,socouotabaconofornilho,acendeu-oedeuumabaforada.
Rodríguez pressionou Che sobre as suas operações e planos. O líder guerrilheiro
desconversou.
—Vocêsabequeeunãopossoresponderisso—disse.
Rodríguezmudoudetática.Sabiaqueotempoestavapassando—ohelicópterovoltariaàs
14horas,eelenãoteriaoutrachancedevencerChe.EntãoRodríguezrestringiu-seaobásico,a
perguntasdiretassobreafilosofiadorevolucionário.Olíderguerrilheiroseabriu.
—Comandante,detodosospaísespossíveisnaregião,porquevocêescolheuaBolíviapara
exportarasuarevolução?
Chedeumaisumapitadaemseucachimboeparouporumsegundo.Eraamesmapergunta
quePradolhehaviafeito.
— Nós consideramos outros lugares — disse Che. E citou-os de memória: Venezuela,
AméricaCentral,RepúblicaDominicana.Mas,emcadalugar,osEUAagiramrapidamentepara
conteraameaça.—Percebemosque,escolhendoumpaís tão longedosEUA, issonão soaria
comoumaameaçaimediata—continuou.
Nova pitada, eChe confessou a Rodríguez que procurava por um país pobre. E lembrou
queaBolíviafaziafronteiracomcincopaíses.
— Se formos bem-sucedidos na Bolívia, poderemos chegar a outros lugares: Argentina,
Chile,Brasil,Peru,Paraguai.
Rodríguezperguntouporqueosbolivianosnãohaviamoferecidonenhumapoio.Chedeu
desculpas, incluindo a de que os camponeses queriam “um comandante boliviano”, não umcubano,“mesmosendoeuumexpertnessesassuntos”.
Cuba logo virou assunto. Rodríguez queria forçar Che a discorrer sobre a vacilante
economiadopaís.Elaestavanacordabamba,graçasemparteà liderançadeCheà frentedo
Banco Nacional Cubano. Che culpou o bloqueio norte-americano pelas precárias condições
econômicas.
— Mas você contribuiu para isso — respondeu Rodríguez. — Você, um médico, foi
nomeadopresidentedoBancoNacionalCubano.Oqueummédicoentendedeeconomia?
Orevolucionárioriu.
—VocêsabecomoeumetorneipresidentedoBancoNacionalCubano?—perguntou.
—Não—disseRodríguez,balançandoacabeça.
—Vou lhecontarumahistóriaengraçada.Umbelodia,estávamosnumareunião,quando
Fidelapareceusolicitandoumeconomistadedicado.Euoentendimal.Penseiqueelequisesse
um comunista dedicado, e então levantei a mão. E foi assim que Fidel me escolheu para
comandaraeconomiacubana.
Para Rodríguez, isso não tinha graça.Muita gente emCuba sofria sob o rigoroso regime
comunista. Vivia-se não somente em um Estado policial, como também em carência de
alimentos e remédios. As pessoas tornaram-se totalmente dependentes de ajuda externa— a
maiorpartevindadaUniãoSoviética.
RodríguezeCheconversaramporumahoraemeia.Discutiramsobrepolíticaevida.
Mas,quandoRodríguezescutouohelicópteroaproximando-sedovilarejo,elepediulicença
esaiu.Olhounorelógio.Aindaeramuitocedo.PrometeraaZentenoentregarCheàs14horas
emponto,eaindanãoeramnem13horas.
Depoisqueohelicópteropousou,opiloto,NiñodeGuzmán,caminhouatéRodríguezpara
entregar-lheumacâmera.DissequeSaucedo,ooficialdeinteligência,queriaumafotodeChe
comosuvenir.Comoumcaçadoresportivo,querialembrar-sedacaçada.
Rodríguez ajudouCheamanquitolar atéo ladode fora.Guzmánpassou-lhe a câmera, já
preparadaparao clique.MasRodrígueznãoqueriaqueSaucedo tivesseproblemas, então ele
alterou a velocidade e o diafragma, de modo que a foto ficasse imprestável. Em seguida,
posicionouacâmera,ebateuumafotodeChecomNiñodeGuzmán.
Depois, Rodríguez ajustou a exposição da sua câmera, a fim de obter uma fotografia
decenteparasi,eentregouamáquinaparaNiñodeGuzmán.
—Olhaopassarinho—disseRodríguezaoladodeChe.
Che sorriu, mas logo franziu o cenho no instante em que Niño de Guzmán apertou o
obturador. Era quase a mesma expressão que assumira no Hotel Copacabana, em La Paz,
quando“AdolfoMenaGonzález”bateuopróprioretratomuitotempoantes.
Devolta àescola,Rodríguez retomouaconversa,questionandoChe sobreospelotõesde
fuzilamentoemLaCabana.
—Só enviávamos estrangeiros àmorte—disseChe.—Agentes imperialistas e espiões a
mandodaCIA.
AironianãopassoudespercebidaporRodríguez,queointerpelounoato.
— Você não é boliviano — disse Rodríguez. — Você é estrangeiro. Você invadiu o
territóriosoberanodaBolívia.
Chemantinhaumtomdesafiador,dizendoqueRodrígueznãopodiacompreenderasrazões
paraarevolução.Cheapontouparaasuapernaensanguentada.
—EstouvertendoomeusangueaquinaBolívia.—Então,apontouparaoscorposnasala
comele.UmeradeAntonio.
—Olheparaele—falouChe.—EmCuba,eletinhatudooquequeria.Aindaassim,veio
paracámorrerdessamaneira.Morrerporacreditaremseusideais.
AgoraeraavezdeCheinterpelarRodríguez.Eraóbvioqueambososhomenslutavamuma
guerraporprocuraçãonaBolívia,enenhumdosdois ligavamuitoparaodestinodaquelepaís
sul-americano.Oseucombateerabemmaisvasto.
Eraademocraciacontraocomunismo.
Eraobemcontraomal.
EramosEUAcontraaURSSeaChina.
Naqueleoutonode1967,eraumaguerrasendotravadanomundotodo.
—Vocênãoéboliviano—disseChe.—VocêsabemuitoarespeitodeCubaedemim.
—Não,eunãosou—disseRodríguez.—Deondevocêachaqueeusou?
Chenãohesitou.
—EuachoquevocêtrabalhaparaoserviçodeinteligênciadosEUA.
Agora,eraavezdeRodríguezsorrir.
— Você está certo, comandante — disse ele. Contou a Che que era cubano. Que fora
membro da Brigada 2506. Na verdade, que fora membro das equipes de infiltração que
operavamdentrodaBolíviaantesdaInvasãodaBaíadosPorcos.
—Qualéoseunome?—quissaberChe.
—Félix.ApenasFélix,comandante—respondeuRodríguez.
Rodríguez queria falar mais, mas recuou. Não, que benefício isso traria àquela altura?
Rodríguezsabiaquetinhadevoltaràsuamesaecontinuarcopiandoosdocumentos.Aodeixar
asala,disseaChequevoltariadepois.
Àmesa,Rodríguezcontinuouatirarfotosdospapéis.Parouquandoaprofessoradovilarejo
aproximou-sedele.
—Quandovocêsvãoatirarnele?—perguntouela.
—Senhora,porquedizisso?—retrucouRodríguez.
EladisseaRodrígueztê-lovisto tirarumafotodeChe.Masorádionoticiavaqueo líder
guerrilheirojámorreradevidoaosferimentosdocombate.
Merda,elepensou.ComnotíciasdofalecimentodeChesendotransmitidas,elenãopodia
maisprotelaroinevitável.Chegaraahora.
Antes de deixar La Higuera, Zenteno solicitara dois voluntários para executar os
prisioneiros. O primeiro-sargento Mario Teran e o sargento Huanca, cujas ações em batalha
haviamlevadoàcapturadeChenodiaanterior,apresentaram-se.Oplanoerasimples:Huanca
e Teran entrariam simultaneamente nos dois cômodos da escola. Huanca atiraria em Willy;
TeranmatariaChe.MasWillyjáestavamorto.
Descendonovamenteacolinarumoàescola,RodríguezfoiatéasalaondeChecontinuava
sentadonopequenobanco.Rodríguezparounasuafrente.Enquantoisso,Teranaguardavado
ladodefora.
—Comandante— disse Rodríguez.— Eu fiz tudo o que estava sob omeu poder, mas
vieramordensdosupremocomandoboliviano.
OrostodeCheficoupálido.Soube,naquelemomento,queamortebatiaàporta.
—Émelhorassim,Félix—disseChe.—Eunãodeverianuncatersidocapturadovivo.
—Seeupuder,háalgoquevocêgostariaqueeudissesseàsuafamília?
—Digaàminhamulherquesecasedenovoetenteserfeliz—respondeuChe.
Cheaproximou-sedeRodríguez.Cumprimentaram-see,então,abraçaram-se.Cheeraum
homem—umhomemencarandooseufimcomdignidade.Rodríguezjánãooodiavamais.
Rodríguez largouChee caminhoupara fora.AbordouTerane transmitiu as instruções ao
boliviano.
—Nãoatiredaquiparacima—disseRodríguez,apontandoparaaregiãoacimadopescoço.
—Espera-sequeessehomemtenhamorridoporferimentosemcombate.Nãoatirenorosto.
—Sim,meucapitão—disseTeran.
Rodríguez subiu a colina com pressa, para terminar de fotografar os documentos,
distanciando-se o mais rapidamente possível da escola. Não, não queria ver aquilo. Como
soldado,elejamaisexecutariaumprisioneiroasangue-frio.
Algunsminutos após ter chegado à suamesa, Rodríguez ouviu uma curta rajada de tiros.
Olhounorelógioeregistrouahora:13h10.
***
Depoisdeumatrocadetirosedavarreduradocânion,PradoeseushomensregressaramaLa
Higuera para se reagrupar. Ele estava orgulhoso de seus soldados. Não entraram em pânico
durante o confronto.Haviam conquistado o estatuto de unidade de combate de elite. Prado
ficouemocionadoporZentenotê-losvistoemação.
QuandoPradoaproximava-sedovilarejo,Ayoroasaudou-o,masalgoestavaerrado.Ayoroa
deuanotícia:Cheacabaradeserexecutadosob“ordenssuperiores”.
Pradoficouperplexo.Aquilonãoeraoqueesperava.Eleapertouopasso,andandocadavez
mais rápidoatéchegaràescola.Entroudesabaladamenteeviuocorpo.SabiaqueCheestava
morto,mas nada poderia tê-lo preparado para aquilo. O corpo estava perfurado de balas. O
sangueespalhara-sepelochãoepelasparedes.A saladaescolaeraumabatedouro,e jáagora
começavaaseencherdeespectadores.
PradoexaminouorostodeChe.Osolhosestavamabertos,fitandoovazio.Pradobalançou
acabeçadeasco.Horasatrás,Cheestavaali,discutindosobreimperialismoeaBolívia.Agora,
aquiloera tudooquerestaradele,umrostoacinzentadoedistorcido.Pradoestavarevoltado.
Umacoisaeramataremcombate.Éoqueossoldadosfazem.Masaquiloeraassassinatopuroe
simples.Matar um prisioneiro a sangue-frio violava tudo o que ele aprendera sobre tratar os
prisioneiroscomrespeito.
PradonãogostavadoqueCherepresentava, tampoucodoquefizeraaoseupaís.Mas isso
não significavaquedevessemempregar asmesmas táticasbrutaisusadaspor ele.Erapara isso
queexistiamtribunais.Paraissotinhamascortesmarciais.
Semaviso,umdosoficiaisnasalabateunorostodeChe,acimadasobrancelha,abrindoum
pequenocorte.Algunssoldadospuseramospéssobreocorpo.
“Seudesgraçado”,gritouumsoldadoparaafigurasemvidanochão.“Vocêmatouváriosdos
meussoldados.”
RodríguezePradoobservavam.Nenhumdosdoissentianecessidadedeprofanarocadáver.
Para evitar novasdeformaçõesno rostodeChe,Pradopegouo seu lenço e enrolou-o em
voltadomaxilardomorto.Então,deuumnónolenço,noaltodacabeça.Alguémcomentou
queeracomoseCheestivessecomdordedente.Ninguémriudapiada.Rodríguezpediuum
balde d’água. Ajoelhando-se no chão lamacento junto ao corpo, ele limpou o rosto do
guerrilheiro.
Otempoeracurto.Rodríguezcorreuparaoescritóriodo telégrafoemartelouumabreve
mensagemsobreaexecuçãodeCheparaabasedaCIAemLaPaz.Oseuchefe,JohnTilton,
não estava lá,mas certamente alguém receberia amensagem e a passaria adiante. Rodríguez
fizeratodoopossível.AsnotíciasestavamacaminhodeLangleyedaCasaBranca.Elejuntou
suascoisaserumoudevoltaparaaescola.Ohelicópterodas14horasestavapousando.
Umgrupodesoldadosveionele,eforamelesqueajudaramacolocarocorpodeChesobre
umamacade lona.Carregaram-noatéapista,e fixaram-noaotremdepousodohelicóptero.
Enquanto ajudava a apertar a corda, amão de Rodríguez escorregou por baixo do corpo de
Che. Quando a puxou, viu que estava coberta de sangue. Rodríguez limpou-se nas próprias
calças.
Eleescalouatéatraseiradohelicópteroeesperoupeladecolagem.Masohelicópteroficou
parado, com as hélices girando. Rodríguez avistou umamula trotando pela estrada, com um
padresobreolombo.Ovelhohomemparoupertodashéliceseavançou,curvandoacabeçapor
sobreocadáver.Fezosinaldacruzedeuasuabênção.Rodríguezficouadmiradoemfaceda
ironia.Umcomunistainflexíveleateurecebendoaextrema-unção.
O helicóptero decolou rumo a Vallegrande. Prado observou-o partir, meditando sobre a
sensaçãodevazioemseupeito.AimagemdocorpofustigadodeCheficariacomeleporanos.
24
Fimdejogo
AcabeçadeRodríguezzuniacomoestrépitodohelicópteroenquantoeleolhavaparaamassa
verdedeflorestaláembaixo.Empoleiradonoestreitobancoatrásdopiloto,eledeslocouoseu
pesodemodoaequilibrarocursodevoodohelicóptero.OcorpodeCheestavapreso feito
um pacote no esqui direito da aeronave. Rodríguez rezava para que o tivessem amarrado
direito.A última coisa de que precisavam era que o cadáver despencasse sobre as árvores. Já
seriadifícilobastanteexplicarcomoChemorrera.
Rodríguez recordou o que a professora havia lhe dito: as transmissões oficiais no rádio
davamcontadequeCheforamortoembatalha.Mortoembatalha?Comoéqueeleslevariam
aquilo adiante? Jornalistas logo estariam invadindo La Higuera feito baratas. Descobririam a
verdadeempoucotempo.Rodrígueznãosabiacomoogovernobolivianofariaparaescondero
própriorabo.
Rodríguezrespiroufundo.ComChemorto,aquelaeraaprimeiravez,desdequechegaraà
Bolívia,queeletinhatempopararefletir.Estavacom26anos,maslutaracontraoscomunistas
por quase uma década. Agora ele levava um dos maiores prêmios. Os seus três meses de
trabalhodurotinhamgeradoumestranhofruto.
Espremido dentro do helicóptero, Rodríguez tinha dificuldades em focar os seus
pensamentosnotrabalho.Suamulhereseusdois filhospequenosnãosabiamondeeleestava,
nemquandovoltariaparacasa.Rosanãoera ingênua; tinhaumaboanoçãodoqueeleestava
fazendo.MasRodríguezpensavase,algumdia,seriacapazdecontartodaahistóriaàscrianças.
Nãoerafácilparaelasterumpaiquedesapareciaereaparecianointervalodemeses.
Amava os filhos.Mas, no fundo, Rodríguez tinha a consciência de que seria sempre um
soldado.ElelutaracontraCastroeaexpansãodocomunismoduranteamaiorpartedesuavida.
AmortedeCheeraapenasumapequenavitórianumcaminhobemmaislongo.Rodrígueziria
aondefosseprecisoparalutaraquelaguerra.
A selva logo se mesclou à montanha à medida que o helicóptero aproximava-se de
Vallegrande.Rodrígueztorciaparaquepousassempertodacaserna,enãonoaeroporto,onde
inevitavelmentehaveriamultidão.
—Jávamosdescer?—perguntouaGuzmán.
Opilotoacenoupositivamente.
—Masnãoondevocêpensa—gritoueleporcontadoroncodomotor.—Ordenaramque
fôssemosdiretoparaoaeroportodeVallegrande.
Desde que a caçada a Che começara, Vallegrande fora tomada por jornalistas. O que
RodrígueznãosabiaeraqueduashistóriassobreacapturadeChejáhaviamsidopublicadasem
jornaisbolivianos.Doalto,Rodríguezavistouoaeroporto.Estava lotado—2milpessoas,no
mínimo.Repórteresefotógrafosempurravam-setentandochegarpertodazonadepouso.
AmissãodeRodríguezaindaerasecreta.Nenhumbolivianosabiaoseunomeverdadeiro.
Rodrígueznãoqueriaserfotografadocomocorpo.JáhaviarumoresdequeaCIAajudavaos
bolivianos.Elenãotinhaaintençãodeconfirmá-los.
O helicóptero pousou às 17 horas. A massa avançou para dar uma espiada no corpo. A
aeronaveestabilizou-senosolo,eamultidãodeuumpassoatrás—ninguémqueriaseratingido
pelashélices.Horadeescapar.InclinandooseubonédoExércitoporsobreosolhos,Rodríguez
saiupelo lado esquerdodohelicóptero.A turba correuparapertodo corpono esqui direito.
Movendo-se o mais rápido possível, Rodríguez desapareceu no meio do povaréu. Para os
curiosos,eleeraapenasmaisumoficialboliviano.
Villoldoaguardavadooutroladodaaeronave.EleregressaraaVallegrandenaquelediabem
cedoeencontrara-se comZenteno.Discutiram sobre como lidar coma imprensa, e agoraele
tinhadeajudarasumircomocorpodolíderguerrilheiro.Comohelicópteropousado,Villoldo
e os soldados bolivianos soltaram amaca, carregando-apara uma velha ambulância cinza.Ela
aceleroupelasestreitasruasdepedraatéoHospitalNuestraSeñoradeMalta.
Em vez de ingressar com o corpo no prédio principal, os soldados levaram-no para a
lavanderia,umapequenaestruturanotérreodohospital.Aconstruçãoeraabertanumdoslados
e abrigava uma grande bacia de concreto com uma torneira e uma mangueira. A equipe
começou a trabalhar no cadáver de Che. Removeram-lhe a jaqueta e a camisa, abriram uma
incisãoemseupescoçoparadrenarofluidodotecido,eentãolavaramocorpo.
OsdoutoresMoisesAbrahameJoseMartínezCasoexaminaramocorpoe tomaramnotas
numcaderninho.Villoldopermaneceuatrás,observando.Emseuuniformeverde-oliva,elese
misturavaaosoutrosoficiais.
Che tinhamarcas de bala em ambas as clavículas, com fratura exposta na da direita.Três
projéteishaviamperfuradoasuacaixatorácica,eumoutroatingiuoladodireitodopeito.Os
tirosestraçalharam-lheospulmões.Balasforamencontradasnacolunavertebral.Orelatórioda
autópsia listou oito ferimentos no total. Os médicos determinaram que Che morrera de
“ferimentosnopeitoeconsequentehemorragia”.
Villoldoolhouparaocorpo.Elepensounosmilharesdeoutroscorposlavados,benzidose
enterrados,emtodasasvidasqueaquelehomemroubaraedestruíra.Cheforaresponsávelpor
muitasmortes.Mas,sobretudo,Villoldopensavanocorpodoseupai,nomodocomoeleestava
encurvado sobre a cama do quarto de hóspedes.Aquele homem ferira a sua família. E agora
Villoldoajudaraapôrumfimàsuainsanarevolução.
Depois de finalizado o exame, o Exército permitiu que os jornalistas, e os milhares de
bolivianoscuriososesperandodo ladodefora,dessemumaolhadaemChe,omisterioso líder
guerrilheiroqueaterrorizaraanaçãopormeses.
Emsilêncio,comarpesado,oscamponesesencheramovelórioimprovisado.Osfachosdas
lanternas dançavampelas paredes epelo assoalho ao adentrarema lavanderia.Ládentro, eles
por vezes detinham-se sobre a figura sombria de espessa barba. Ali, morto, Che evocava
notavelmente a imagem de Cristo. O seu peito estava nu, as chagas expostas. O cabelo
emaranhado, a boca entreaberta, os olhos negros mirando o vazio. Mesmo os soldados
bolivianosqueohaviamcaçadoportantotempoestavamassombrados.Elespararamparaolhar
orevolucionáriomortoatéqueosguardasosmandassemseguiremfrente.
Horasmaistarde,quandoamultidãoescasseou,ossoldadosbloquearamasala.
Então,osmédicos fizeramo inimaginável—cortaramforaambasasmãosdeChe.Castro
poderianegarasuamorte,disseram.Assim,elestinhamprovasdequeCherealmentefalecera.
Foram tiradas impressões das mãos amputadas e, em seguida, estas foram depositadas em
recipientescheiosdeformol,paraconservação.
Agoraprecisavamacharumjeitodelivrar-sedorestodocorpo.
***
Rodríguez podia ver as luzes de Santa Cruz a distância. Fora uma longa noite. Diabos, as
últimas24horashaviamsidonegras.
Depois de sair do helicóptero, Rodríguez procurou namultidão por Serrate, o oficial de
operações, eporSaucedo, o oficial de inteligência.O trio abraçou-se.Rodríguez contou-lhes
sobre as suas conversas com Che. Eles ouviram atentamente a história e congratularam
Rodríguez.Cheestavamorto.Amissãoforaumsucesso.Elespodiamseguiremfrente.
Nocaminhodevoltaao refúgioquedividiracomVilloldo,Rodríguezexperimentouuma
sensação esquisita no peito. Ficou ofegante, seus pulmões estreitaram — conseguia inspirar
fundo,mas,aparentemente,nãoexpiravamuitobem.Asma.Nuncaantestiveraumataquede
asma.Che tinha asma.E todo ataqueposterior levariaRodríguezde volta àqueledia, àquele
momentodeestranhopânicopós“fimdemissão”.
Eleaindanãopodiarelaxar.RodrígueztinhadelevarofilmecomosmateriaisdeChepara
aCIA.Estavacansado,masnãopodiaarriscarquesuascâmerascaíssememmãoserradas—elas
eram ouro puro, a nata da espionagem, e, dentre aqueles que a Bolívia abrigava, havia um
espião para cada jornalista. Os agentes soviéticos rastreavam os americanos, os americanos
vigiavamossoviéticoseoschinesesseguiamtodomundo.
RodríguezpulounocarroeseguiurumoaonorteparaoaeroportodeSantaCruz,torcendo
paraqueaadrenalinabaixasselogo.PegouumvooparaLaPaze,doaeroporto,umtáxiparao
hotel.Lá,umoficialdaCIAfinalmenteorecebeu.
—Aqui está— disse Rodríguez, entregando ao homem a sua pasta com todos os filmes
dentro.
—Não, não, não—disse o oficial daCIA.—Nós vamos levá-lo a um local ondepossa
falarcomJohnTilton.Masantesvocêdevegarantirquenãoestásendovigiado.
Droga,pensouRodríguez.Elenãoestavanoclimaparaaquelesjogosdeespionagem.
—Se tiver certeza de que não está sendo seguido, ponha a sua pasta no lado esquerdo e
balance-a—disseohomemdaCIA.—Depoisdebalançar, transfira-aparao ladodireito, e
nósoapanharemos.
Comoeradeesperar,quandoRodríguezsaiudohotel,apareceuasuasombra,umchinês.
RodríguezpassaratempodemaisemSantaCruz;nãoestavaacostumadocomoarrarefeitode
LaPaz.Osseuspulmõesardiamenquantoeletrilhavaumcaminhoemzigue-zaguenolabirinto
dasruascomerciais.Precisavadesvencilhar-sedasuasombraepegaracarona.
Rodríguez dirigiu-se para a multidão mais volumosa, acelerando o passo até uma quase
corrida.Eleesquivou-separadentrodeumatapeçaria,cheiadecarpetesealmofadas.Curvou-se
como que para amarrar os sapatos e viu o chinês passar trotando pela entrada da loja, o
semblanteenrugadodeconsternação.Algunsinstantesdepois,Rodríguezsaiudalojadomesmo
modoqueentrara.Mudouapastaparaoladodireito.UmVolkswagendeslizouatépararjunto
aomeio-fio.Tudoforaumamissãodetreinamento,descobririamaistarde,umtesteparaverse
ele seguia as indicações. Rodríguez sentou-se ofegante no banco do passageiro, enquanto o
carroaceleravaparalevá-loatéumrefúgio.
O inquérito durou vários dias. Rodríguez forneceu à agência um detalhado depoimento
sobreacapturaeexecuçãodolíderguerrilheiro,erelatouassuasconversascomChe.Explicou
oconteúdododiário—oquãoimportantehaviasidoparamontaroquebra-cabeçadeChe.Ele
informou aos oficiais daCIA sobre o queChe fez na Bolívia, os seusmovimentos e os seus
erros táticosmais relevantes.Quando terminou,Rodríguezdespediu-se epartiudevoltapara
Miami.
***
Erameia-noiteemVallegrande.Villoldodespiu-sedoseuuniformehabitual,vestiuumsuéter
cinzaejeans,eguardouasuaSmith&Wesson0.9mmnacalça.Jáhaviadoisdiasqueocorpo
deCheestavanalavanderia.Erahoradetirá-lodelá.
OirmãodeChe,RobertoGuevara,eraesperadonodiaseguinte.
Villoldodeixouo seu jipeno refúgioe foi apéatéoHospitalNuestraSeñoradeMalta.
Ele passou peloHotel Teresita, onde dezenas de jornalistas estrangeiros estavam enfurnados,
tomandocervejaboliviana.Asruasestavamvazias.Nuvensbloqueavamaluzdalua.
Nosportõesdohospital,Villoldoencontrouomotoristadecaminhãoeosoldadoboliviano
enviadosparafazerasegurança.Ozeladordohospitalintroduziu-osnoprédio.Elescarregaram
os corpos putrefatos de Che e de dois guerrilheiros mortos — Willy e Chino — para o
caminhão,cobrindo-oscomlona.Villoldonãoqueriaqueninguémvisseaquelacarga.
Comoscorposemsegurança,ostrêshomenssubiramnocaminhão.Villoldonotouqueas
mãosdomotoristatremiam.Osoldadosentara-senomeio.Villoldolevavaaespingarda.
Eles rumaram para o quartel-general do Batalhão de Engenharia da 8ª Divisão, no
aeroporto.Entrandonasedificaçõesdoquartel-general,elesviraramàdireitanumaestradade
terraesburacada.Umanovarodoviaestavasendoconstruída,eoutraspartesdoaeroportoeram
reformadasou consertadas.Eles contornaramumaescavadeira rumoaoportão leste,um setor
antigodocomplexodoaeroporto.
“Desligueosfaróis”,ordenouRodríguezaomotoristalogoqueocaminhãocruzouoportão.
“Dirijalentamenteatéapista.”
Villoldo examinou a paisagem até notar uma “depressão natural” onde haviam sido
enterradososcorposdavanguardadeChealgumassemanasantes.
“Pare”,disseVilloldo.Esaltoudocaminhão.
Adepressãoficavaa7,5metrosdapista.Bemaolado,haviaumanovaescavação.Villoldo
aproximou-sedabeiradadoburaco,quetinhamaisde5metrosdeprofundidadeecercade10
metrosdelargura.
Ele caminhou de volta para o caminhão. Uma chuva fina começou a cair. Villoldo pôde
sentir a temperaturadespencando.Ficou felizpor tervestidoo suéter.Osoutrosnão tiveram
tantasorte.Tiritavamdefrioenervosismo.
“Cheguepertodabeirada”,disseVilloldoaomotorista.
Então, ele ordenou ao soldado que trouxesse a escavadeira estacionada perto do portão.
Quandoosoldadochegouatéotrator,ooperadorjáaguardavaládentro.Eleligouomotore
seguiuosoldado.Eraomomento.
Elesarremessaramoscorposnavala.Aescavadeiracobriu-os.AcampanhabolivianadeChe
chegaraaofim,soterradanaúmidaescuridão.
Achuvadesaboucomforça.Oterrenotornava-selamacento.Ostrêshomensdecidiramdar
oforadali,encerrandoamissão,enquantoocaminhãoaindapodiasemexer.
Ninguémmarcouacova.
25
Desdobramentos
AmortedeChefoiummomentodeglóriaetriunfoparaoalto-comandoboliviano.Barrientos
emergiu mais forte do que nunca. Para o público— sobretudo os camponeses—, ele agira
decididamente, livrando omundo de umbandido comunista. Barrientos tirou proveito disso,
dizendomaistardeque“Chemorreuporqueveioparamatar”.
Opresidentenãopediudesculpas.Assumiu todaa responsabilidadepelamortedeChe, e
aindaemitiuumalerta: “Esmagaremosnovamentequalquertentativadesubjugaranossaterra
natal.”
Quando Ovando chegou a Vallegrande com os seus colegas comandantes, jornalistas do
mundo todo o cercaram.Ele não falou sobre detalhes,mas declarou: “Os guerrilheiros foram
liquidadosnaBolívia.”EleadmitiuhaveraindamembrossoltosdobandoguerrilheirodeChe,
mas disse que “eles serão destruídos dentro das próximas horas”.Mais tarde naquele dia, ele
emitiu um pronunciamento vangloriando as forças armadas, proclamando que a campanha
estavaquasenofim:
Posições bem organizadas nas áridas cadeias montanhosas, rodeadas por mata fechada,continuamdisparandocontratropasbolivianas,queirãofinalmentemostraraomundoquea Bolívia é uma nação soberana, capaz de lutar com suas próprias forças por seudesenvolvimentoeliberdade.
Oscomandantesretransmitiramasboasnotíciasàstropasemcampo.MarioSalazar,quenão
vira nenhuma ação desde que fora mobilizado, estava um pouco decepcionado. Queria
enfrentarosguerrilheiros.AquelaeraarazãodeterentradonoExército,afinaldecontas.
Asuachanceapareceunoanoitecerdodia14deoutubro.Salazaravistouumafogueirana
mata, ao lado de um afluente do rio Grande. Em torno dela, havia quatro homens,
remanescentesdaforçadeChe.
Salazar comunicou imediatamente ao seu comandante. O segundo-tenente Guillermo
Aguirre Palma preferiu esperar até o amanhecer para agir. Com os primeiros raios de sol, as
tropasdacompanhiaCrodearamoshomens,matando-osatiro.
Enquanto o alto-comando boliviano elogiava a operação que matara Che, o mundo
começavaaquestionaranarrativasobrecomoelehaviamorrido.Primeiro,ogovernoinformou
que Che fora ferido numa batalha feroz nos arredores de La Higuera, vindo a morrer logo
depois.Numdiscursopúblicoem9deoutubro,ocoronelZentenoembelezouahistória.Falou
que, depois de ferido, Che teria dito aos soldados: “Eu souCheGuevara. Eu fracassei.” Em
seguida,eleentraraemcomaemorrera.OvandorepetiuahistóriadeZenteno—incluindoa
citação.
Umdiadepois,noentanto,OvandodissequeChemorreraàs13h30dodia9deoutubro—
quase um dia após a batalha. Paramuitos, isso era implausível. ComoChe sobrevivera tanto
tempocomtantosferimentos?ZentenologomudouasuaversãoparaconfirmaradeOvando.
Masosjornalistasseguiamrevelandonovosdetalhesquecontradiziamosrelatosoficiais.
Uma matéria do New York Times dizia que Che “fora executado pelo Exército após a
rendição”.JoseMartínezCaso,médicoqueexaminaraocorpodeCheemVallegrande,contou
ajornalistasquesoldadospresentesnolocaldisseram-lhequeCheforalevadocomvida.
O governo também deu declarações contraditórias sobre os restos mortais de Che. Um
comunicadoinformavaqueolíderguerrilheirohaviasidosepultadoem“localseguro”.Depois,
Ovando disse que o corpo fora cremado. E quando o irmão deChe,RobertoGuevara, foi a
Vallegrande recolher os restosmortaispara levá-losde volta àArgentina, não lhepermitiram
vero corpo.Primeiro, osoficiaisbolivianos recusaram-se a encontrá-lo.Mas,mesmoapós ter
conversadocomOvando,RobertodeixouaBolíviasemrespostasesemocorpo.
Haviaaindaumoutroproblema.
Fotografias repugnantes apareceram nos jornais bolivianos. Instantâneos ilustravam cada
passodomartíriodeChe.Asprimeirasfotosmostravamumhomemesfarrapado,comcuriosos
sapatos artesanais, vivo na escola de La Higuera. Depois, vinha uma sequência de fotos da
morte:dentrodaescolalogoapósaexecução;nochão,feitoumtroféudecaça,comsoldados
bolivianosarmadosrindoaoredor;e,finalmente,expostonumalavanderia.
Todo o episódio frustrou e envergonhou os oficiais norte-americanos. Enquanto a Bolívia
celebrava a morte de Che, o clima na Casa Branca era negro. Rodríguez estivera lá, em La
Higuera,ehaviacomunicadodevidamenteoseventosemseudesenrolar.Masascomunicações
falharamemalgumpontoentreaCIA,oDepartamentodeEstadoeaCasaBranca.
OembaixadorHenderson—queseorgulhavadeestar semprepordentrodosassuntos—
disse não saber que Che havia sido capturado até o anúncio de sua morte. Ele contrariou
pessoalmente uma proposta de enviar observadores da embaixada junto comOvando no dia
seguinte, quando de sua visita a Vallegrande. Queria que os EUA se mantivessem nos
bastidores.
Em9deoutubro,WaltRostow,assessordopresidenteparaassuntosdesegurançanacional,
comunicou a Johnson, via memorando, haver recebido relatos não confirmados de que Che
estava morto. Um dia depois, porém, William Bowdler, representante executivo do
DepartamentodeEstadoparaaAméricaLatina,relatouaRostowhaveraindaincertezasobre
se Che fora mesmo morto — apesar das notícias nos jornais e rádios, e das celebrações
nacionais. Inacreditavelmente,odiretordaCIA,RichardHelms, redigiuummemorandopara
Rostowem11deoutubro,perguntandoseelesabiaalgoarespeitodamortedeChe:
VocêestácientedasnotíciaspublicadassobreamortedeErnesto“Che”Guevara,baseadasessencialmente na conferência de imprensa proferida pelo Exército boliviano no dia 10 deoutubro,atribuindoamortedeGuevaraaferimentosdebatalhaobtidosnoconfrontoentreoExército e os guerrilheiros em8de outubro de1967?DisseramqueGuevara estava emcomaquandocapturado,vindoamorrerlogodepois,sendoqueocalordabatalhaimpediraqueossoldadosbolivianoshouvessemlhefornecidotratamentorápidoeeficiente.
No mesmo dia, Rostow enviou ao presidente Johnson um comunicado dizendo: “Esta
manhã temos99por centode certezadeque ‘Che’Guevara estámorto.” InformouqueChe
foralevadovivo,equeogeneralOvandoderaordensparaqueatirassemnele.
Considero isso uma estupidez, mas compreensível do ponto de vista boliviano, dados osproblemasqueamisericórdiacomocomunistafrancês,eporta-vozdeCastro,RegisDebraylhescausou.
RostowsugeriuaindaqueamortedeChetrazia“estassignificativasimplicações”:
Marca o falecimento de outro revolucionário romântico e agressivo do quilate de Sukarno,Nkrumah,BenBella,reforçandoestatendência.
No contexto latino-americano, terá um forte impacto para desencorajar guerrilhasfuturas.
Confirma a sensatez de nossa assistência “preventiva” a países que enfrentaminsurgências incipientes. Foi o 2º Batalhão Boliviano de Rangers, treinado por nossosBoinas-Verdesdejunhoasetembro,queocercoueabateu.
Doisdiasdepois,Rostowenviououtranotaaopresidente,dizendoqueanovainformação
dainteligência“eliminaqualquerdúvidadeque‘Che’Guevaraestejamorto”.
NoSOUTHCOM,ogeneralPortereoseuEstado-Maiormonitoravamosacontecimentos.
QuandosouberamqueCheestavamorto,elesexpressaramumalíviodesapontado.Entendiam
porqueosbolivianoshaviamexecutadoChe.OSOUTHCOMtinhadeserrealista.Setivesse
sido levado aoPanamápara interrogatório, era altamente improvávelqueChedessequalquer
informação.EledesprezavaosEUA.E,casohouvessesobrevividoeficadosobcustódianorte-
americana, imagine-se os protestos ao redor do mundo. Isso teria acrescido combustível ao
sentimentoantiamericanoemtodooglobo.Nofimdascontas,ascoisasacabaramdandocerto.
Cheprecisavamorrer.
A CIA e a comunidade da inteligência remexiam os detalhes da campanha fracassada de
Che. A informação do seu diário forneceu aos oficiais um panorama de toda a operação na
Bolívia.Nodia18deoutubro,umacomunicaçãodaCIAparaWashingtondestacavaoserros
quelevaramàderrotadeChenaquelepaís:
ApresençadeChenofrontdaguerrilhaexcluiuqualqueresperançadesalvá-loedesalvaros outros, em caso de emboscada, e virtualmente condenou-os a morrer ou sobreviverinutilmentecomofugitivos;
Chedependiadoscamponesesdaregiãoparasuprimentose recrutas;nenhumdeles foireceptivo;
Che confioudemais noapoio doPartidoComunistaBoliviano, que era inexperiente ecindidoemfacçõespró-soviéticasepró-chinesas.
AcomunicaçãosubestimavaopapeldoExércitobolivianonofracassodacampanhadeChe.
AderrotadeCheteriamaisavercomasuadébilliderançadoquecomqualquerproezamilitar
boliviana.
EmdocumentoendereçadoaosecretáriodeEstadoDeanRusk,ThomasHughes,diretorda
DivisãodePesquisaeInteligênciadoDepartamentodeEstado,notouqueamortedeChefora
um“golpeviolento—talvezfatal—paraomovimentoguerrilheiroboliviano,etalvezviessea
se confirmar comoum sério revésparaos sonhosdeCastrode fomentar a revoluçãoviolenta
em ‘todos ou quase todos’ os países da América Latina”. Mas ele também acrescentava um
alertasobreofuturodaBolívia:
AmortedeGuevaraéumacoroadelourosparaopresidentebolivianoRenéBarrientos.Elapodesinalizarofimdosmovimentosguerrilheirosenquantoameaçaàestabilidade.Seassimfor, as forças armadas da Bolívia, que são um elemento central de apoio a Barrientos,gozarãodeumsensodeautoconfiançaeforçahámuitoausente.Noentanto,avitóriapodetambém atiçar ambições políticas entre os oficiais do Exército diretamente envolvidos nacampanha contra a guerrilha, que talvez agora passem a ver a si próprios como ossalvadoresdarepública.
Atéentão,Cubamantinha-senotavelmentequieta.Em18deoutubro—novediasdepois
damortedeChe—,Castrodirigiu-seànação.Diantedecentenasdemilharesdecubanosna
Plaza de la Revolución [Praça da Revolução], Castro teceu loas a Che. Contou dezenas de
anedotassobreovelhoamigo,eprestoutributoàsuavidadelutacontraoimperialismo.
DisseàmultidãoquehaviaprovasdequeChefora“mortoasangue-frio”.
“Ele foi sempre reconhecido por sua ousadia e desprezo pelo perigo em numerosas
ocasiões”, disse Castro. “A morte de Che inflige um duro golpe sobre o movimento
revolucionário,masomovimentoseguiráemfrente.”
Terminou alertando que os assassinos deChe ficariam desapontados quando descobrissem
que“aarteàqualelededicousuavidaesuainteligêncianãopodemorrer”.
E assim foi.Assim como a sua vida, amorte deChe foi cercada demistério e confusão.
Anossepassariamatéquetodaahistóriafosserevelada.Emaisaindaparaqueencontrassemo
seutúmulo.
***
Para Prado, as últimas semanas haviam sido uma confusão.No dia seguinte àmorte deChe,
BarrientoseOvandochegaramseparadamenteparacongratularastropas.Elesfizeramdiscursos
eelogiaramossoldados,dizendoseraqueleumdosdiasdemaiororgulhonahistóriadanação.
PradoestavaaindaperturbadocomoqueocorreraaChe.Eeletinhamaistrabalhoafazer.
OsRangersprecisavamencontraropunhadorestantedeguerrilheirosfugitivos.
ComCheforadecena,opaíslogoperdeuointeresseporcombatentesinsurgentes.Avida
voltaraaonormal.
Prado,ooficialquecapturaraChe,eraumheróinacional.Ossuperiorescongratularam-no,
compromessasdepromoções.Pradonãogostavadetodaaquelaatenção.Estavaapenasfazendo
oseutrabalho.
Prado voltou para La Esperanza, onde Shelton abraçou-o, parabenizou-o, alimentou-o, e
encheu-odeperguntassobreamissão.
“Eusabiaquevocêconseguiria”,disseShelton.“Gary,estouorgulhosodevocê.”
PradotinhaanoçãodequeaquiloeratambémumgrandesucessodeShelton—edequeo
majorgostariadeterestadonocânionElChuroeemLaHiguera.
MasLaEsperanzatinhaosseusconsolos.Aescolaestavaquasepronta:quatrosalasnovinhas
emfolha,alémdeumescritórioparaoprofessor.Otreinamentoparaastropasbolivianasmais
experientesprogrediabem.OvilarejoestavamaissilenciosoagoraquetodososRangershaviam
partido. Segundooplano, estavadentrodoprazo.NoNatal, todos já teriam ido embora, de
acordocomShelton.
E,noano seguinte,porvoltadaquela época,Sheltonnão seriamais “major”.Seria apenas
“senhor”.
Talvez isso salvasse o seu casamento. Ele estava saindo com a reputação em alta. A sua
equipe pegara 650 homens e, num curto período de tempo, transformara-os na força de
combatequecapturouCheGuevara.
—Vaiserdurosair—disseShelton—maséhoradevoltarparacasa.
EratambémahoradePrado.Elestiraramalgumasfotoseprometerammantercontato.
—Desejo-lheomelhor,major,emtudooquevenhaafazer—dissePrado.
—Igualmente,Gary—respondeuShelton.
Depois que Prado saiu, Shelton pegou o seu violão e arranhou alguns acordes antes de
seguirparaoQuiosquedoHugo.Tinhavontadedecelebrar.
Epílogo
Gary Prado Salmón senta-se atrás de uma escrivaninha em sua casa em Santa Cruz, e ouve
pacientementemais uma pergunta sobre CheGuevara. Pormais de quatro décadas, ele tem
respondidoaperguntassobreolendáriorevolucionário—e,demodogeral,elassãohojeuma
versãodasmesmasperguntasfeitaspelasduasúltimasgeraçõesdejornalistas.Pradoeraooficial
doExércitobolivianoquecapturouChe.
Quandonãoestádandoentrevistas,Pradotentaevitaroassunto.Cheeraapenasumapágina
desuacarreira.Eleseguiuemfrentedepoisdali,diz,erealizououtrascoisasalémdaquela—
vocênãoseaposentacomogeneraldoExércitosepassaracarreirasentado.Mas,nessedia,ele
seabrecomdoisjornalistasamericanosescrevendooutrolivrosobreCheGuevara.
“Aquela foi apenas uma pequena parte da minha vida”, insiste Prado. “Se vocês querem
saber,ChefracassoumiseravelmentenaBolívia.Mas,àsvezes,nãoparecetersidoassim.”
De fato, nos anos seguintes à suamorte,Che tornou-se uma figuramítica.A sua famosa
imagem desafiadora, vestindo boina, está estampada em camisetas, pôsteres, canecas e
chaveiros,mercadoriascompradasevendidasporconsumidoresquenãotêmideiadequemfoi
Cheoudoqueelerepresentava.
Maisdequarentaanosdepoisdasuamortevergonhosanumfimdemundoboliviano,Che
Guevaraéumpopstar.
EmlugaralgumissoémaisevidentedoquenaBolívia,oúltimopaísqueeleaterrorizou.
OssoldadosqueextinguiramarebeliãodeCheestãoesquecidos,eosvendedoresbolivianosde
suvenirespassaramalucrarcomomito.DosmercadosderuadasgrandescidadescomoLaPaz
e Santa Cruz, até as biroscas dos vilarejos rurais nas montanhas, a imagem de Che adorna
camisetasecarteiras.Ogranderevolucionáriotornou-seumamercadoriacapitalista.
Peregrinos atravessam a Ruta del Che (Rota Che Guevara), parando pelo caminho em
cidadescomoSamaipata,Camirie,éclaro,LaHiguera,ondeoguerrilheirofoimorto.
Em LaHiguera, um imenso busto de concreto de Che lança uma sombra sobre a escola
ondefoiexecutado.LaHigueratornou-seumsantuárioparaseusadmiradores.
EmVallegrande,oMuseuCheGuevaraergue-seorgulhosamentenapraçadacidade.Ali,
são guardadas fotografias e lembranças da campanha de Che na Bolívia, incluindo fotos
explícitas de suamorte. A lavanderia do hospital emVallegrande, onde o corpo deChe foi
lavadoeexibido,éoutraatraçãoturística,seusmurostendosidoconvertidosnumaótimalousa
para aspirantes a revolucionário, cujas armas são tinta spray e marcadores. A expressão “Che
vive”estárabiscadanosmurosdascidadesedointerior.
Todomêsdeoutubro,noaniversáriodesuamorte,milharesdepessoasvãoaVallegrande
paracelebraramemóriadeChe.Asfestividadesincluemmúsicaedança,palestrasediscursos,
exibiçõesdeartee(éclaro)suvenires.
Pradonão sentenenhumafetopelocombatenteguerrilheirohámuito falecido,maso seu
nome está inextricavelmente ligado ao de Che.Nasmatérias de jornal, Prado é identificado
como“ohomemquecapturouolendáriorevolucionárioErnesto‘Che’Guevara”.
Elepreferefalardesuafamília,desuacarreiramilitar,oumesmodahistóriaboliviana.Mas
a conversa volta inevitavelmente a Che. Prado fora uma das últimas pessoas a falar com o
homem.
“Haviatantasperguntasqueeuquerialhefazer”,diz.
Etantasperguntaspermanecem,45anosdepois—muitasdelas focadasnoqueaconteceu
naqueles dois dias em outubro de 1967, quando umChe ferido se arrastava pela selva até a
escola de La Higuera. Que palavras disse ele? Como foi tratado em La Higuera? Quem
ordenouasuaexecução?
Che Guevara é uma das figuras mais fascinantes e influentes do século XX. Como as
pichaçõesemtodosaquelesmurosbolivianos,assuasteoriassobrerevoluçãoapagaram-se,mas
continuam legíveis. Seusmanuais sobre como fazer a revolução e operações de guerrilha são
datados, mas ainda relevantes. Ele é tido em alta conta em várias partes do mundo,
especialmentenaAméricaLatina.Pormais estranhoquepossaparecernummundoocidental
tomadopelocapitalismo,algumaspessoasaindaacreditampodersuperarapobrezaecriaruma
sociedademaisjustareunindo-seemcooperativasmutuamentebenéficas.
Cheémaisdoqueumíconedecamiseta.Eleéumafigurapolarizadora.Paraaesquerda,
eleéumrevolucionárioromântico—umrebeldecomcausa.Paraadireita,Cheéumbandido
comunista,quepretendiaroubarosseusbensarduamenteconquistadoseentregá-losaparasitas
sociais.
QuandodecidimosescreversobreChe,queríamosexaminaropapelqueaequipedasForças
EspeciaisdomajorRalph“Pappy”Sheltondesempenhounacampanhaboliviana.Amaiorparte
doslivrossobreapresençadeChenaBolíviacontémumaspoucassentençassobreamissãodos
Boinas-Verdes, mas queríamos saber mais. Já escrevemos extensivamente sobre o Exército,
especialmente sobre Forças Especiais. O coautor Kevin Maurer misturou-se às unidades dos
Boinas-VerdesnoAfeganistão,tendoescritovárioslivrossobremissõesdasForçasEspeciais.
Contudo, enquanto viajávamos pela Bolívia e conversávamos com dezenas de pessoas
envolvidasnacampanha,ouqueviviamnosvilarejosdaáreadeoperações,descobrimosoutra
parte importantedahistória:acaçadahumana.Porquase setemesesde1967,omedotomou
conta da Bolívia, enquanto os soldados seguiam o rastro dos guerrilheiros. Os bolivianos
ajudaram-nosacompreendercomofoiavidaduranteaquelesmeses—comoelesacreditavam
que a nação poderia ser tomada a qualquermomento por guerrilheiros comunistas. Seguiram
cadamomentodacaçadahumanapelosjornaisetransmissõesderádio,e,assimcomoosnorte-
americanosserecordamdeondeestavamnomomentoemquesouberamdosataquesterroristas
do 11 de Setembro, ou do assassinato do presidente John F. Kennedy, muitos bolivianos
lembramdacapturaedamortedeChecomoummomentomarcanteparaeles.
Olhando retrospectivamente, é fácil compreender o medo deles. Os EUA dispunham de
poucas informaçõespreciosas sobreChee seuspassos.Oalto-comandobolivianocriouocaos
aoalegarqueChepossuíacentenasdeguerrilheiroscubanosbem-treinados.Àquelaaltura,fazia
sentido.AreputaçãodeChecomohabilidosolíderdeguerrilhaoprecedia.Ninguémimaginava
queoseu“exército”fossetãopequeno,mirradoeassustado,ouqueelejátivessecometidouma
sériedeerrosqueselariamoseudestino.
Cheacreditava,comboarazão,queaBolíviaestavamaduraparaarevolução.Considerada
há temposcomoopaísquepossuíaoExércitomais fracodaAméricadoSul, aBolívia tinha
tambémumahistóriadegolpes.Ogoverno,especialmenteodeBarrientos,erainstávelefrágil.
Para a sua operação, Che escolheu uma parte remota da Bolívia, de traiçoeira paisagem,
tornandodifíceisasmanobras.
A região sudeste da Bolívia era esparsamente povoada, e as pessoas que lá viviam— os
camponeses—eramdesconfiadas em relação a forasteiros.As fases iniciais deuma revolução
dependem da mobilização sigilosa de forças rurais contrárias ao governo. No entanto, os
camponesesreportavamcadamovimentodosguerrilheirosàsautoridades.Assimfoidescoberto
inicialmenteobandodeChe.
SeChehouvesseescolhidooutraáreaparaencenarasuarevolução—umamaispróximaàs
minas e redes urbanas de La Paz —, talvez tivesse tido uma chance. Havia um
descontentamentorealnopaís.MuitosestavaminsatisfeitosporBarrientostersubidoaopoder.
Ossindicatosenfrentavamogovernopormelhorescondiçõesdevidae trabalho.Chepoderia
tercapitalizadosobreomassacredosmineiroseosprotestosqueseseguiram.Emvezdisso,ele
ficouempacadonumaparteinclementedopaís,semmeiosdedifundirasuamensagem.
Osmilitaresbolivianosnão sabiam,masChepuloude vilarejo emvilarejopara evitar ser
detectado.Eleestavamaisparafugitivodapolíciadoqueparacomandanterevolucionário.
Alémdisso,umagrave rixa irrompeuno seiodobando rebelde.Oscomunistasbolivianos
queriamliderararevolução,masCheinsistiaparaqueoscubanossemantivessemnocontrole.
Naquelemomento,muitoscomunistasbolivianosretiraramoseuapoio,deixandooexércitode
Chesemumcanaldereabastecimento.
Mesmonoaugedafama,Chesólideroucercadecinquentaguerrilheiros.Muitosdeles—
levadospelas incansáveismarchasdeCheeporseudesejodereplicaraRevoluçãoCubana—
ficaramtãodesiludidoscomacampanhaquepassaramabuscarmeiosdesair.
Um dos seus erros mais graves foi dividir as suas esquálidas forças guerrilheiras em dois
grupos.Nosquatromesesfinaisdacampanha,osdoisgruposestavamconstantementeembusca
umdooutro.Elesnãoseacharammais.FoiassimqueCheperdeuJoaquín,umdeseushomens
maisfiéis,umamigoqueserviracomChedesdeSierraMaestra,em1958.
Comoestudantedehistória,PradoaindanãocompreendiamuitosdospassosdeChe.Eles
desafiam a sabedoria militar convencional, diz. As suas estantes são repletas de livros sobre
guerraeestratégia.Pradoestáaposentadoeagoraensinahistórianauniversidade.
Eletemaaparênciadeumgeneralaposentado,comsuavastacabeleiragrisalhaeobigode
bemaparado.Passaamaiorpartedosdiasemcasa.
Prado está preso a uma cadeira de rodas. Em 1981, ele foi atingido nas costas enquanto
lutavacontraatentativadeumafalangedeextremadireitadetomarumafilialdaOccidental
Petroleum,naBolívia.Otiroparalisou-odacinturaparabaixo.
Tambémdeu-lhetempopararefletirsobreasuavidaeescreverumlivrosobreacampanha
de Che, intitulado A derrota de Che Guevara: a resposta militar ao desafio da guerrilha naBolívia,noqualeledetalhavaareaçãodoExércitodeseupaísàameaçaguerrilheira.Otexto
incluiassuasconversascomChe.
Ele entende por que o presidente René Barrientos Ortuño ordenou a execução de Che
Guevara,masgostariaqueajustiçativessesidofeitanumtribunalboliviano.Poranos,tevede
enfrentaralegaçõesdequeparticiparadamortedeChe.
“Houvetantosrumoresaolongodosanos.Elessãofalsos.Éfrustrante”,dizPrado.
A derrota de Che ajudou a solidificar o governo de Barrientos. Mas, em abril de 1969,
dezoitomesesapósamortedeChe,ashélicesdohelicópteropresidencialchocaram-secontra
cabosdeeletricidadesobreumcânionrural.Barrientosmorreunoacidente.
Ovice-presidenteLuisAdolfoSilesassumiu,mas,comoamaioriadosgovernosnaBolívia,
o seumandatoduroupouco.OgeneralAlfredoOvandoCandía subiu aopoder algunsmeses
depois,maseleprópriofoidepostoapósumano.
Elemorreuemjaneirode1982.
DobandodeguerrilheirosdeChe,apenastrêssaíramvivosdaBolívia.Em22defevereiro
de1968, após cruzaremosAndes apé, três guerrilheiros cubanos edois bolivianos chegaram
atéa fronteiradoChile.Osenador socialistachilenoSalvadorAllendeacolheuos refugiados.
Os dois guerrilheiros bolivianos decidirampermanecer dentro de seu país e forammais tarde
mortospelapolícia.
RegisDebray,omarxistafrancês,foicondenadoem17denovembrode1967porterfeito
partedaguerrilhadeChe.Foisentenciadoatrintaanosdeprisão,massoltoem1970,apósuma
campanha internacional pela sua liberdade. As celebridades que o apoiaram incluíam nomes
comoJean-PaulSartre,AndréMalraux,generalCharlesdeGaulleeopapaPauloVI.
Debraynãodesistiude seus caminhos revolucionários.Elebuscou refúgionoChile, onde
entrevistouAllende e escreveuA revolução chilena. Regressou à França em 1973, depois do
golpedeAugustoPinochet.EleestávivoemorandonaFrança.
Alguns pagaram um preço alto por ajudar Barrientos. Em julho de 1969, num ato de
vingança, comunistas balearamHonoratoRojas, o fazendeiro que traiu a patrulha perdida de
JoaquínemVadodelYeso.
Para o major Ralph “Pappy” Shelton, a missão boliviana foi o ponto alto de sua carreira
militar.
Shelton deixou o Exército quando regressou ao Tennessee. Ele e Margaret acabaram
divorciando-se.Maistarde,elesecasounovamente.
Shelton foi para a faculdade. Obteve os títulos de bacharel e mestre na Memphis State
University, e depois se tornou executivo do Escritório Federal de Gestão de Pessoal em
Memphis.
Por doze anos, ele deu aulas no Corpo de Treinamento de Oficial de Reserva Júnior
(JROTC), nas escolas da cidade de Memphis, e serviu durante cinco anos como diretor da
Operação Vida Selvagem, um programa de acampamento de verão segundo os moldes da
OutwardBound.*SheltonfoieleitocomissáriodacidadedeSweetwaterde2000a2006.
Assim como os outros, Shelton foi contatado ao longo dos anos para falar sobre amissão
boliviana.Elecolecionoufotos,livroserecortesdejornalsobreoprogramadetreinamentodos
Rangers.Aquilo tudo o deixava orgulhoso, disse— aquilo que ele chamava de “uma clássica
missãodosBoinas-Verdes”.AstécnicasdetreinamentoempregadasnaBolíviaaindahojeestão
emusonoAfeganistão.
“Fizemos o que tinha de ser feito”, recorda Shelton. “Transformamos esses garotos em
soldados.Amissãofoiumsucessototal.Nãopoderiatersidomaisbemplanejadaeexecutada.”
Ainda assim,nem todomundo conhecia a dimensão total dopapel deShelton.Namaior
partedoslivrosdehistóriasobreacampanhabolivianadeChe,SheltoneamissãodosBoinas-
Verdesestãoreduzidosaunspoucosparágrafos.OfocorecaisempresobreCheGuevara.
Sheltonmorreuemjulhode2010.Eledeixoufamíliaeamigos,alémdeumacomunidade
quelembracomcarinhodocomandanteduronaquedaquefaziaascoisasdoseujeito.Aescola
emLaEsperanzaaindaestádepé.
Durante anos,muitos soldadosdas ForçasEspeciais que fizerampartedamissãoboliviana
não podiam falar sobre o assunto, considerado confidencial.Mas, com o tempo, as restrições
afrouxaram,eosdocumentosforamliberados.Algunsdoshomensresolveramseabrir.
“Nós fizemos uma boa coisa”, disse Peterson, o médico. Ele confessa sentir ainda um
“grandeorgulho”deterfeitopartedacapturadeChe.
Todos os soldados das Forças Especiais do “Pappy” Shelton, incluindo Peterson,
eventualmentedeixaramoExército.Umdelescumpriuapromessaquefizeraaumagarotado
vilarejo.Depoisdeterminadaamissão,osargentoAlvinGrahamretornouàBolíviadelicença
ecasou-secomDorysRoca.OsmoradoresdeLaEsperanzarelembramacomoção.
“Houveumagrandecerimônianacidadequandoelevoltou”,contouDionisoValderomas,o
fazendeiroquemantiveraosolhosabertoscomossoldadosmuitosanosantes.“Foiumabeleza.”
Graham levoua suamulher comelepara abasenoPanamá.PermaneceunoExército até
1970, e então virou professor do ensinomédio em Phoenix, Arizona.Dorys Roca tornou-se
cidadãnorte-americanaem1971.ElanuncamaisvoltouparaLaEsperanza.
Hoje,o vilarejo continuaquasedomesmo jeitoqueem1967.Oengenhode açúcar e as
construçõesusadasnamissãoestãovazios,àsmargensdacidade.Históriassobreaqueleperíodo
continuamasercontadas.Dezenasdealdeõesaindalembramafetuosamentedomajorvioleiro
que,naqueleverão,reuniaacidadenoQuiosquedoHugo.LaEsperanzaandaquieta.Nãohá
marcas a sugerir aos curiososque, em1967,umaequipedasForçasEspeciais treinou recrutas
bolivianosnumsonolentovilarejo.Édifícil imaginarquealguémde foravenhaa se importar
comaquilo.
“Nós sabemos o que aconteceu. Foi um período importante para o vilarejo”, diz
Valderomas,cujosquatrofilhosestãocrescidos,morandonasredondezas.
ParaMario Salazar, os seus dias emLaEsperanza estavam entre osmelhores da sua vida.
Depois da campanha de Che, ele permaneceu no Exército por alguns anos, até sair como
sargento. Ele voltou para a sua cidade, casou-se e teve dois filhos. Trabalhou duro como
agricultorepeãoesustentouasuafamília.
“Eunãotenhoarrependimentos”,disseele.
Num dia de vento forte, em setembro, ele nos acompanhou até La Esperanza. Era a
primeiravezemdécadasquevoltavaali.Oseurostoiluminou-sequandoelechegouàpraçado
vilarejo.Salazarsaltoudocarroeolhouaoredor.“Estáamesmacoisa”,disse.
Enquantocaminhava,apontavaparalocaisfamiliares,incluindoaquelenoqualserealizaram
asdanças.Àsvezes,lágrimasescorriam-lhepeloscantosdosolhos.Tudoaliofazialembrarda
juventudeperdida.
DevoltaaSantaCruz,elepediuumacervejaboliviana.Ergueuasuacaneca,edisse“saúde”
antes de dar um grande gole. Lambeu os beiços, pousou a caneca com a boca para baixo, e
entãoficousério.
“Ninguémnestepaís aprecia o que fizemos”, disse. “Só se fala deChe.Masnósmatamos
Che.Nósoderrubamos.Mesmonamorte,eleficoucomtodaaglória.Quandosepensanisso,
percebe-sequenãotemosnenhumcrédito.”
DevoltaaMiami,RodríguezeVilloldocontinuaramcomassuascarreirasnaCIA.
Rodrígueztornou-secidadãoamericanoem1969.Eleparticipoudecentenasdemissõesde
helicóptero no Vietnã. Treinou unidades provinciais de reconhecimento para o Programa
Phoenix, grupo de contrarrevolução mais tarde acusado de torturar e assassinar suspeitos de
seremcomunistassul-vietnamitas.
Nosanos1980,Rodríguezfoiumpersonagem-chavenocasoIrã-Contras—umcomplicado
esquemadecontrabandodearmasparaoIrãemtrocaderefénsnorte-americanosmantidosna
embaixadadosEUAemTeerã.Partedolucrodavendadearmasfoidesviadoparafinanciaros
“Contras”,guerrilheirosanticomunistasnaNicarágua.
Quandoatramaveioàluz,criou-seumescândaloemWashington.Foramfeitasaudiências
noCongressoparadeterminarseaadministraçãodopresidenteRonaldReagansabiadoplano.
Hoje,Rodríguezestáaposentado.EleépresidentedaAssociaçãodeVeteranosdaBrigada
2506ediretordoconselhoparaoMuseueaBibliotecadaBaíadosPorcos,emMiami.
Nós chegamos numamanhã de outono para nos encontrarmos comRodríguez nomuseu.
EspremidonascercaniasdobairrodeLittleHavana,omuseulembramaisumacasadoqueum
memorialaosqueseforam.
Nointerior,asparedessãorevestidasdelembranças.Redomasdevidroestavamrepletasde
fotos dos soldados treinando e documentos sobre amissão.Armas e outros objetos da época
estavamexpostosemhomenagemaosmaisdecemhomensmortosduranteafracassadainvasão.
Vindodo seuescritório,Rodrígueznosencontrounocorredor.A suapeleguardavaainda
aquela tonalidade bronzeada, e o cabelo grisalho mantinha-se impecável. Ele moveu-se
silenciosamente,qualumgato,enquantonosconduziaparaoseuescritório.Apósváriose-mails
trocados,eletinhaconcordado,nãosemrelutância,emnosencontrar.AssimcomoPrado,elejá
falaramuitasvezessobreamissão,tendotambémpublicadoumlivrosobreasualongacarreira
naCIA.
Sentado ali, Rodríguez recordou o seu período na Bolívia, o planejamento e a coleta de
informações.Foraumjogodexadrez,disseele,tentaranteciparopróximomovimentodeChe.
EleaindasearrependedenãoterfeitomaisparasalvaravidadeChe.
Villoldo ainda trabalhou para a CIA na América Latina e no Caribe antes de deixar a
agência em 1988. Agora ele é um executivo de companhias de pesca, finanças e
desenvolvimento.VilloldonuncaparoudeenfrentarCastro,acabandoporconseguirumanova
vitória em 2009: um juiz federal concedeu a Villoldo mais de um bilhão de pesos em
indenizaçãocontraogovernocubanopelosuicídiodeseupai.Cubaaindanãohaviapagadoa
quantia.Aaçãojudicialfoimaissimbólicadoquequalqueroutracoisa.ÉimprovávelqueCuba
váumdiapagaraindenização.
Adespeitode suabem-sucedidaparcerianaBolívia,VilloldoeRodríguez jánão se falam
mais.
“Infelizmente,nosúltimosanosVilloldocomeçouaalegartersidoochefedaoperação,e
eu, o seu operador de rádio”, contou Rodríguez. “O nosso chefe era o Diretor de Casos
americano.”
Elefezumapausa.
“É triste.Villoldo e eu éramosmuito bons amigos, e eu guardo lembranças carinhosas de
nossaviagemàBolívia”,disseRodríguez.
Atéhoje,Chepermaneceumíconedamudançaradicalemtodoomundo.Asua imagem
romântica, enriquecida por sua morte prematura e violenta, e pelo poder da mídia
internacional,permitiuqueoseuapelotranscendesselinhagensideológicas.
Eéessafiguraromânticaqueéretratadaemlivrosefilmes.
O escritor Christopher Hitchens disse certa vez que “o estatuto de ícone foi garantido
porqueelefracassou.Asuahistóriaversasobrederrotaeisolamento,eporissoétãosedutora.
Seeletivessesobrevivido,omitoChejáestariamortohámuitotempo”.
Talvez.Omodocomoseenfrentaamortedizmuitosobreohomem.QuandoCheviuo
seucarrascoentrarnaescola,elenãovacilou.Disseaosoldado:“Euseiquevocêveiomematar.
Atire, covarde!Você estará apenasmatando um homem.”O carrasco obedeceu.Chemorreu
sozinhocomumasaraivadadebalas.Atémesmoanticomunistasferrenhosadmiraramamaneira
comoeleencarouamorte—semremorsosedesafiadoratéofim.
O diário de Che, relatando o dia a dia da campanha boliviana, só fez contribuir com a
lenda. Ele fora um escritor prolífico — amigos dizem que ele levava sempre consigo um
cadernoeumacaneta,sendodisciplinadoobastanteparaescrevertodososdias.Depoisdasua
morte,odiário foi contrabandeadoparaCuba,ondevirouumasensaçãoeditorial.Osescritos
de Che possuem uma clareza que contradiz a sua campanha. Em 10 de setembro, lê-se no
diário: “Umdia ruim.Começoupromissor,masdepois, como resultadodopéssimoestadoda
trilha,osanimaispassaramaresistir.Nofimdascontas,amularecusou-se terminantementea
prosseguir,etivemosdedeixá-ladelado.”Elecontinuava:“Eucruzeioriocomamula,mas,ao
fazê-lo,acabeiperdendoosmeussapatos.Agoraestouusandosandálias,enãopossodizerque
gosto disso.” Ele encerrava o dia comentando: “Esqueci-me de destacar um evento. Hoje,
depoisdemaisdeseismeses,eutomeibanho.Esteéumrecordedoqualváriosoutrosjáestão
seaproximando.”
Nofim,olegadodeCheremeteaumaoutraépoca,quandoocombateideológicotravava-
se entre a democracia e o comunismo. Hoje, as fronteiras são menos nítidas. O capitalismo
superou a democracia em casa, e a ameaça “externa” vem de fanáticos religiosos dispostos a
lançaraeronavesemprédiosouexplodirasiprópriosempostosdeverificação.
UmdosmistériosfinaissobreofalecimentodeChelevoutrintaanosparasersolucionado:
ondeestavaoseucorpo?
Em1995,ogeneralbolivianoaposentadoMarioVargasrevelouaJonLeeAnderson,autor
deCheGuevara:umavidarevolucionária,queocorpodeGuevaraestavaenterradopróximoa
umapistadepousoemVallegrande.
O resultado foi umabuscamultinacional que duroumais de um ano.Em julho de 1997,
umaequipedegeólogoscubanoseantropólogosforensesargentinosdescobriuosrestosmortais
desetecorposemduascovasanônimas,incluindoodeumhomemcomasmãosamputadas.
Em 17 de outubro de 1997, os restos mortais de Guevara, junto aos de seus seis
companheiros combatentes, foram sepultados com honras militares num mausoléu
especialmente construído na cidade cubana de Santa Clara, onde Che conduzira uma vitória
militardecisivadaRevoluçãoCubana.
A quilômetros dali, emHavana, um painel de aço deChe, com altura de um prédio de
cinco andares e pesando 17 toneladas, cobre a fachada da sede doMinistério do Interior, na
PraçadaRevolução.
AsuamonumentalimageméagoraocenárioparaosdiscursosdeFidel,umíconedacapital
cubana.
O homem que serviu Cuba como general, banqueiro, herói e mártir da revolução
desempenhaagoraumafunçãoessencialmentecapitalista.
Eleéumalogomarca.
Nota:*AOutwardBoundéumaorganizaçãoeducacionalsemfinslucrativos,pioneiramundialemeducaçãoexperiencialaoarlivre.
Foifundadaem1941noReinoUnidoehojeestápresenteemmaisdetrintapaíses,incluindooBrasil.(N.doT.)
Posfácio
PorqueacaçadaaCheimportanosdiasdehoje
Ahmed arreganhou um amplo sorriso amarelo e indicou com a cabeça um boné de beisebol
sobreamesadoCentrodeOperações.
Comasuaespessabarbanegraeocorpoesquelético,Ahmedpareciaumesfregãoemtrajes
camuflados.Enquantoesperavaqueeudissesseapalavraemlínguapashtu,assuassobrancelhasergueram-seatéoaltodatesta.Sesubissemmais,acabariamparandonanuca.
Eusorriedisse“boné”empashtu.Eleacompanhou-me,dizendoapalavraeminglês.
Ele semostrava feliz porque vencia a brincadeira. Estava prestes a derrotar “o coroa” em
nossojogodesagacidade,intelectoechoquecultural.
Brincávamosessencialmentede“mostreeconte”,mas,nanossaversão,asForçasEspeciaise
ossoldadosafegãoscompetiamparaverquemeracapazdedescreverosobjetosescolhidospela
equipe adversária, e traduzir as palavras para o inglês ou para o pashtu. Quem conseguisse
traduzir mais num rol de vinte objetos ganhava um engradado de Gatorade ou de bebidas
energéticas.
A brincadeira, que serviu para quebrar o gelo assim que a minha equipe chegou pela
primeiravez,tornou-setãopopularque,empoucotempo,euerabombardeadoporafegãosem
volta do meu caminhão apontando para revistas sobre armas, lápis, pão, copos, facas ou
quaisquer objetos comos quais eles julgavampodermedesafiar, valendoumchiclete ouum
doce.Ojogoeraumexercícionaconstruçãoderelações,quecriavanãoapenasentendimento
cultural, mas também amizade, além de expandir o vocabulário e fornecer aos afegãos um
aprendizadodoinglês.
Eventualmente, ele evoluiu ao ponto de virar uma boa desculpa ou oportunidade para se
partilharumarefeiçãoemcomum,emquesedisputavaodireitodeserocampeãodabasepor
toda a semana. Em dadomomento, a coisa ficou tão comentada que outras unidades afegãs
vinhamatéabaseparabrincar também.Algumasdessasunidades tentavam introduzir colegas
deoutrasbases.
Ojogo,assimcomooviolãodo“Pappy”SheltonnaBolívia,éumaprovasólidadeque,em
qualquersituação,épossívelcriar laçosentrepessoasvindasde ladosextremosdoplanetapor
meiodacombinaçãodecamaradagem,boacomida,diferençasculturaiseumaguerracontraum
inimigocomum.
As equipes das Forças Especiais dos EUA são recursos estratégicos. Há muitas forças de
“Operações Especiais”—mas as Forças Especiais são algo único.Qualquer unidade pode ser
transportada de helicóptero até um objetivo e lutar por uma hora ou duas, mas nem toda
unidade possui a gama de capacidades para construir ou destruir um país inteiro. Treinar e
formar exércitos é uma das ações fundamentais que compõem a singularidade das Forças
Especiais.
Mesmo hoje, os soldados das Forças Especiais empregam as mesmas técnicas consagradas
utilizadas por Shelton e sua equipe em 1967. Enquanto você lê estas páginas, equipes das
ForçasEspeciaisemquasetodososcontinentesdomundorealizamamesmamissãocumprida
pelaequipedeSheltonnaBolívia.
OqueSheltonfeznaBolíviafoiumaaçãoclássicadeDefesaInternanoEstrangeiro(FID),*
que tem sido imitada por todo líder de equipe das Forças Especiais desde então, com graus
variadosdesucesso.Desdequeasunidadesforamcriadas,hámaisdecinquentaanos,asequipes
das Forças Especiais vêm tendo sucesso em treinar soldados para lutar contra a tirania e a
opressãonoVietnã,naColômbiaenoAfeganistão,paracitarapenasunspoucos.
Boinas-Verdestreinadosnalínguaenaculturadopaísanfitriãoestãotrabalhandopor,com
eatravésdos soldadosnativospara conduzir apolíticanorte-americana.Neste caso, comoem
tantosoutrosenvolvendoasForçasEspeciais,oshomensdahistóriaeramdomaisaltocalibree
gabarito,capazesdeexecutarumaoperaçãoaltamentedelicadaeconfidencialparaosgovernos
bolivianoeamericano.
MasoquedistingueamissãodeSheltoneafaztãoimpressionanteéque,aocontráriodo
que ocorre no Afeganistão de nossos dias, os Boinas-Verdes de Shelton não puderam
acompanhar os bolivianos. Tiveram de confiar no treinamento e torcer para que os Rangers
soubessem seportar sobpressão.E eles souberam,maso seu sucesso teve iníciomeses antes,
quandoShelton,violãoempunho,começouasedimentararelaçãoqueforjariaamizadesparaa
vidatoda.
O pessoal das Forças Especiais é extremamente sensível às implicações políticas e aos
interesses nacionais afetados por suas ações, decisões e missões cumpridas. Um claro
entendimento por parte da população é o que define o sucesso ou fracasso de uma missão.
VejamarelaçãodeSheltoncomPrado.EutiveumaexperiênciasimilarnoAfeganistão.
Shinsha era meu correspondente afegão durante a minhamissão em 2006. Ele tinha um
ávido interesse pelas coisas da América, assim como eu pelas coisas afegãs. Ele costumava
visitar-meemmeuquarto,ondenossentávamosepassávamoshorastomandochápretoeforte,
ou o verde, de nome “chai”, conversando sobre nossas famílias, sobre onde iríamos depois da
guerra, e sobre o nosso adorado Buzkashi. Buzkashi significa “agarramento de cabra” e é
essencialmenteumaviolentamisturadepolocomrodeio.Éespecialmenteassociadoàs tribos
afegãsTajikeUzbekdonorte,econsideradooesportenacionaldoAfeganistão.
Shinsha enfrentava os combatentes do Talibã e da AlQaeda desde 1995, e os soviéticos
antes disso. Era um homem que impunha emerecia respeito. Eu sabia que a sua amizade e
apoio permitiriam que a minha equipe cumprisse a missão. Numa noite em particular, eu
passarajáodiainteironacidadedeKandahartomandochaicomogovernadordaprovíncia,e
já não aguentava mais. Sabendo que eu ficaria acordado a noite inteira, decidi introduzir
Shinsha nomaravilhosomundo do café expresso. Logo depois da sua chegada, começamos a
preparar o fervilhante xarope negro na minha pequena máquina. A sua expressão após a
primeira xícara foi a de quem percebia que algo incrível faltara em sua vida por todo esse
tempo. Ele desenvolveu tal afinidade pelo líquido na xícara que passou a vir aomeu quarto
váriasvezesporsemana,afimdetomarumtragodaquelecombustívelescaldanteantesdesair
empatrulha.
Depoisdesaberqueelepartiriaembreveparavisitarafamíliaeveroseufilhodisputara
próxima temporada doBuzkashi, presenteei-o comomelhor que eu tinha, aminhamáquina
prateadadefazerexpressoeumgrandecontêineramarelocompódecafé.Elequasequebrou-
meascostelasaoarrancarabolsadaminhamão,eseguiuparanorterumoaKabul.Quaseum
mês depois, Shinsha apareceu na minha porta trazendo um grande objeto embrulhado num
cobertorde lã.Cientedequeeu jamais iria aKabulver fisicamenteo jogocomele,Shinsha
trouxeumaselaquefizeraespecialmenteparamim.Eutivedeprometerque,umdia,quando
aguerraestivesse terminada,voltariaaoAfeganistãoe, seambosestivéssemosvivos, jogariao
grandejogodoBuzkashicomomeuvelhoamigoeguerreiro.
SeoesforçodaFIDébem-sucedido,eleessencialmenteevitaanecessidadedeintervenções
demaior escala das forçasmilitares norte-americanas. Ao treinar o 2º Batalhão Boliviano de
Rangers para realizar uma operação básica de combate e contrarrevolução, os EUA estariam
aptos a ajudar a Bolívia a construir uma parceria e as capacidades para lidar com ameaças
internaspresentesefuturas.
Planos podem ser feitos, homens organizados e equipados, mas a real culminação do
treinamento,aexecuçãofinaldecadamissão,eoseusucessooufracassorecaemdiretamente,
em última instância, sobre os ombros dos homens responsáveis por executá-la. A seleção de
uma equipe das Forças Especiais dos EUA para treinar o recém-estabelecido 2º Batalhão
BolivianodeRangersfoiadecisãocerta,nomomentocerto,paralidarcomacrescenteameaça.
O que fez amissão funcionar foi a experiência e amaturidade dosmembros da equipe das
ForçasEspeciaisedoseucomandante.
Sheltoneraotipodelíderqueoshomens,eeumeincluonisso,aspiramser,ontem,hojee
sempre. Eu tive a honra de conversar com “Pappy” dois anos atrás. Eu estava completamente
admiradopelamaneiraaltruístacomaqualeleserviraopaís,eporsuadedicaçãoàequipeeà
missão.Sheltonnãoestavadispostoacomprometerasuamissãoeosseushomensemnomede
ascensãoprofissional,nemtampoucofazer-sedeimportanteembuscadepromoção.Eleerada
velha guarda, veterano de muitos conflitos que o forçaram a dominar os fundamentos,
fornecendo-lheasferramentasparaserbem-sucedidoondequerqueoseupaísoenviasse.Para
“Pappy”,amissãoeoshomensvinhamnessaordem,eelefariaoquefosseprecisonocampode
batalhaparagarantirosucessodamissão,mesmoqueissosignificassepassaraoredor,porbaixo,
porcimaouatravésdepessoasqueservissemdeobstáculo.
Missões como aquela, e homens como Shelton, deveriam ser celebrados e honrados por
todos aqueles que conquistaram e vestiram a boina verde, porque a cada dia nós seguimos as
suaspegadas.
MajorRustyBradley,ForteBragg,CarolinadoNorte
Novembrode2012
Nota:*Nooriginal:ForeignInternalDefense.(N.doT.)
Agradecimentos
Estelivrolevoudoisanosparaserfeito.
Começamoseparamosmuitasvezesantesde, finalmente,botarmosamãonamassa,mas,
como em todos os livros, o autor é apenas um membro de uma grande equipe. Queremos
agradecer aum sem-númerodepessoasquenos ajudaramao longodo caminho, incluindoos
historiadoresque,antesdenós,descobriramearquivaramosdocumentoseregistrosnecessários
paraseescreverestahistória.
Gostaríamos de agradecer a Félix Rodríguez por haver permitido que o entrevistássemos
durante horas em Miami, bombardeando-o com perguntas sucessivas. Um agradecimento
especial vai para Gary Prado, que nos abriu a sua casa e nos ajudou a localizar os seus
companheirosdeunidadenaBolívia.O livrodePrado,assimcomoodeRodríguez, forneceu
umagranderiquezadeinformações,esófezrealçarashistóriascontadasnasentrevistas.
Nenhumguiaecompanheirodeviagempelosertãobolivianopoderiatersidomelhorque
NoahFriedman-Rudovsky.SemNoah,nós estaríamos tãoperdidosquantoChe.Agradecemos
tambémaJudyRoyalpelastranscriçõesdeentrevistas,eaoEscritóriodeRelaçõesPúblicasdo
Comando deOperações Especiais do Exército dos EUA, especialmente a Carol Darby, pela
tentativa de remexer algo de sua informação arquivada. Os profissionais desse escritório
realmenteservemaossoldadosdocomando.
Agradecimentos especiais para JulieReed eRebekahScott.Reed, incrivelmente eficiente
no campo da pesquisa, ajudou a localizar documentos cruciais. Scott forneceu orientação
perspicazesabedorianodecorrerdotrajeto.
Gostaríamosdeexpressargratidãoàsnossasesposas—SuzynWeisse JessicaMaurer.Nós
passamos muitos finais de semana e longas noites trabalhando. Sem a sua paciência, amor e
compreensão,nãopoderíamosterescritoolivro.
Finalmente,nenhumdenossos livrosexistiriasemonossoagenteScottMiller,doTrident
Media Group, que reconheceu a importância da história. Agradecemos também ao Penguin
Group,especialmentenapessoadeRobinBarletta,portodoosuporteeditorial.Nossaeditora,
NataleeRosenstein, continuanosajudandoa refinarosmanuscritosea torná-losmelhores.O
melhoramigodeumescritoréumbomeditor,eéissoqueNataleetemsidoparanós.
Referências
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JORNAIS
AssociatedPress
MiamiHeraldNewYorkTimesReuters
Times(Londres)
UnitedPressInternational
WashingtonPost
Índice
2506,Brigada.VerBrigada2ºBatalhãodeRangers
acampamentodetreinoparaarmasparaatiradoresdeeliteemBarrientosOrtuñoecompanhiaAcompanhiaBcompanhiaCcuidadomédicoparaemVallegrandeForçasEspeciaisegraduaçãodeguerrilheiroseintermediárioparamanobrasnoturnasmortesnamuniçãoparaoficiaisdeinteligêncianapresentesparaprontidãodaraçõespararecreaçãoparaRostowsobresaneamentoruralparaZentenoAnayae
4ªDivisão,forçasarmadasbolivianas8ºGrupamentodasForçasEspeciais
MTTOPCEN
AderrotadeCheGuevara:arespostamilitaraodesafiodaguerrilhanaBolívia(PradoSalmón)
ARevoluçãoChilena(Debray)AbradelPicacho,BolíviaAbraham,MoisesAcademiaMilitarAcuñaNúñez,JuanVitalio.VerJoaquínAeroportoInternacionaldeElAlto,BolíviaAfeganistãoagarramentodecabra(buzkashi)AgênciaCentraldeInteligência(CIA).VertambémfuncionáriosespecíficosdaCIA
DebrayeemLaPazescritóriodaCIAparaAssuntosContemporâneosnaAméricaLatinaestaçõesderádioparaRodríguez,F.,esobreCheVilloldoe
AgênciadosEstadosUnidosparaoDesenvolvimentoInternacional(USAID),EUAAgênciaNorte-AmericanadeInteligênciaeDefesaAgênciasdeinteligênciaAguirrePalma,GuillermoAlamo,TexasAliançaparaoProgresso,EUAalimentaçãoAllende,SalvadorAltoSeco,BolíviaAmézaga,RubenAnderson,JackAnderson,JonLeeantenasantiofídicoAntonio(OrlandoPantoja)ArgéliaArgentinaarmamentos
capturadedaArgentinadosEUAmetralhadoraM-1919AmorteirosmuniçãoparanaGuerradoVietnãparao2ºBatalhãodeRangers
Arturo(RenéMartínezTamayo)asiloasmaassassinatoatiradoresdeeliteaviãobombardeiroBaviãoC
aviãoCaviãoCaviãoPTaviãoTAyala,JorgeAyoroaMontaño,Miguel
Cheeinterrogatóriopor
BaíadosPorcos,CubaKennedyeMuseueBibliotecaStevensonesuporteaéreoemUniãoSoviéticae
barbeiros(insetos)BarrientosOrtuño,René
2ºBatalhãodeRangerseCheeDebrayedeclaraçãodegolpedegovernodeHendersoneHughessobreleimarcialpormídiasobremortedeOvandoCandíaePradoSalmóneRodríguez,F.,etentativadeassassinatodevidapregressadeVilloldoe
BaseHowarddaForçaAérea,PanamáBatista,FulgencioBelmonteArdile,JorgeBeni,BolíviaBide,TamaraBunke.VerTaniaBoinas-Verdes.Ver2ºBatalhãodeRangers;ForçasEspeciaisBolívar,SimónBolívia.Vertambém2ºBatalhãodeRangers
AbradelPicachoAeroportoInternacionaldeElAltoajudafinanceiraparaAltoSecoArgentinaeBeniBrasile
brutalidadeemCamiricânionElChurocânionLaTuscacânionSantoAntonioCataviChesobreclassedirigentedeCochabambacomunismoemcordilheiradoIllimaniCubaeeconomiadeestrumeemforçasarmadasgolpeemGuerradoChacoHospitalNuestraSeñoradeMaltaHotelTeresitaimprensadeindependênciadeíndioseminteligêncianorte-americanaemLaEsperanzaLaHigueraLaPazLagunillasleimarcialemLomaLargaminaSigloXXmineraçãoemMuyapampaopressãoemPalacioQuemado(residênciapresidencial)prisioneirosemPucaraRádioNacionalrevoluçãoemrioGranderioIripitiRostowsobreSamaipataSantaCruzSerranosindicatosemsublevaçõesemsupremocomandobolivianoTatarendatentativadelevantefalangistaem
VadodelOroVadodelYesovaledorioNancahuazuVallegrande
Bowdler,WilliamBradford,PensilvâniaBrasilBraulio(IsraelReyesZayas)Bravo,ErwinBrigada
AssociaçãodeVeteranoscapturadaRodríguezF.,em
Browning.brutalidadeBustos,CiroRoberto
capturadedivulgaçãopornaimprensa
Buzkashi(agarramentodecabra)
cadernodecódigosCamba(OrlandoJiménezBazán)câmerasCamiri,BolíviacamponesescânionElChuro,BolíviacânionLaTusca,BolíviacânionSanAntonio,BolíviaCarillo,Jose.VerPacoCarmichael,StokelyCasoIrã-ContrasCastilloChávez,José.VerPacoCastro,Fidel
CheeDebrayeloasa
Castro,RaúlCatavi,BolíviaCentrodeOperações(OPCEN)Chancho(porco)ChangNavarro,JuanPablo.VerChinoChapa,Daniel
comacompanhiaCHapkaepicadadecobraemsobrehigienetreinamentocomarmasporValderomase
Che.VerGuevara,Ernesto“Che”CheGuevaraestánaBolívia?CheGuevara:umavidarevolucionária(Anderson,J.)“CheVive”ChilechinêsChino(JuanPabloChangNavarro)Choque,ValentinCIA.VerAgênciaCentraldeInteligênciaclassedirigenteCochabamba,BolíviaCoco(RobertPeredoLeigue)coletivosComandoSul(SOUTHCOM),EUAComibolComitêCentraldoPartidoComunistaCubanocompanhiaAcompanhiaBcompanhiaCcomunicação
correspondênciadaguerrilharádiotelefonetelégrafo
comunismoComitêCentraldoPartidoComunistaCubanodemocraciaeHendersonsobreLegiãoCaribenhaAnticomunistanaBolíviaPartidoComunistaBolivianoRodríguez,F.,sobre
conferênciadaOrganizaçãoLatino-AmericanadeSolidariedade(OLAS)conferênciadeimprensaconfiscoConstruçãoBartoscontrarrevolução
atravésdeprojetoscívicosKennedyeveículospara
contrascordilheiradoIllimani,BolíviaCorinth,MississípiCorpodeTreinamentodeOficialdeReservaJúnior(JROTC)Cossio,SabinoCova
deChedeTania
Cruz,JulioCruz,MargaritoCuba
açãojudicialsobreajudaexternadaUniãoSoviéticaparaasilodeBaíadosPorcosBancoNacionalbloqueionorte-americanoaBolíviaeComitêCentraldoPartidoComunistaCubanoconfiscosemeconomiadeexecuçõeseminfiltraçãodeLaCabañamontanhasdeSierraMaestraMovimento26deJulhoPraçadaRevoluçãoPrimeiroRegimentoRevolucionáriorevoluçãodeRodoviaMatanzas-HavanaRodríguez,F.,emSantaClaraSerradeEscambrayTrinidad
Cuba,Simeón.VerWillycuidadomédico
paraasForçasEspeciaisparao2ºBatalhãodeRangers
dançaDC-8BraniffDeGaulle,CharlesDeGuzman,JaimeNinoDebray,JulesRegis
ARevoluçãoChilenaporBarrientosOrtuñoecapturadeCastro,F.,eCheeCIAecondenaçãodedeclaraçãosobreemLaEsperanzaHendersoneinterrogatóriodenaimprensaprocessode
RevoluçãonaRevoluçãoporsolturade
DefesaInternanoEstrangeiro(FID)DepartamentodeEstado,EUAdiário
economiadaBolíviadeCuba
emPucaraemSantaCruznaGuerradoVietnãSaucedoeShelton,R.,eZentenoAnayae
engenhodeaçúcarequipemóveldetreinamento(MTT)Ernesto(FreddyMaymura)EscoladoExércitodasAméricasescola
emLaEsperanzaemLaPazValderomase
escorpiõesEscritóriodaCIAparaAssuntosContemporâneosnaAméricaLatinaEspanhaEsquadrãodaMorteEstadosUnidos(EUA).VertambémCIA;GuerradoVietnã
AcademiaMilitarAgênciadeInteligênciaeDefesaajudafinanceiradosAlamo,TexasAliançaparaoProgressoarmamentosdosbloqueioaCubapelosBradford,PensilvâniaCheeDepartamentodeEstadoembaixadasdosembaixadordaONUnosEscoladoExércitodasAméricasFaculdadeFletcherdeDireitoeDiplomaciadaUniversidadedeTuftsForteBenning,GeórgiaForteBragg,CalifórniaGreenBay,WisconsinHomestead,FlóridaimprensadosinteligêncianaBolíviaJROTC
Miami,FlóridaMilwaukeeBravesMilwaukee,WisconsinOperaçãoVidaSelvagemOutwardBoundPhoenix,ArizonapresidentesdosSanAntonio,TexassecretáriodeEstadoServiçoExternoSOUTHCOMUSAIDWeston,MassachusettsWorldSeries
EstreladePrataestrumeEUA.VerEstadosUnidosExecuções
CheemCuba
ExércitodeLibertaçãoBolivianoExpresso
FaculdadeFletcherdeDireitoeDiplomaciadaUniversidadedeTuftsFebreamarelaFernándezMontesdeOca,Alberto.VerPachoFestadeSãoJoãoFID.VerDefesaInternanoEstrangeiroFlores,AldofocoForçasEspeciais.Vertambém8ºGrupamentodasForçasEspeciais;LaEsperanza,Bolívia;Shelton,Ralph“Pappy”
2ºBatalhãodeRangerseamizadescomaschegadadascuidadomédicoparaasemLaEsperanzaFIDhistóriadasnoQuiosquedoHugorelatórioresumidodasrestriçõessobreassuprimentosparaas
ForteBenning,GeórgiaForteBragg,CalifórniaForteGulick,PanamáFricke,Edmond
Galindo,EduardoGallardo,JoseGarcia,Gabriel
Garrido,AntonioGómez,OliverioGonzález,AdolfoMena.VerGuevara,Ernesto“Che”Gonzalez,Eduardo.VerVilloldo,GustavoGoodwin,RichardgraduaçãoGraham,Alvin,III
carreiradeRocae
GranmaGreenBayPackersGreenBay,WisconsingrevesGuerradaCoreiaGuerradeGuerrilha(Guevara,E.)GuerradoChacoGuerradoVietnã
armasnamortesnaProgramaPhoenixnaRodríguez,F.,natáticasna
GuerraFriaguerras,vertambémrevoluçõesespecíficas
GuerradaCoreiaGuerradoChacoGuerradoVietnãGuerraFriaSegundaGuerraMundial
GuerrilhaPathetLaoguerrilheiros
2ºBatalhãodeRangersecadernosdecódigosdosChecomcomunicaçãodosconflitoentreemLaHigueraemSamaipataemVallegrandefugadehabilidadesdoslogísticademortedenaimprensanoCânionElChuronorioGrandenovaledorioNancahuazunúmerosdePacosobre
SalazareGuevaraRodríguez,Moises.VerMoisesGuevara,Ernesto“Che”
apelidosdeAyoroaMontañoeBarrientosOrtuñoebustodecapturadeCastro,F.,eCIAsobrecomosguerrilheiroscomoOCidadãodaAméricaLatinacomoPapaCansadocorpodecovadeDebrayedesaparecimentodediáriodeemcativeiroemLaHigueraestratégiadeEUAeexecuçãodefamadeferimentodeguarda-costasdeGuerradeGuerrilhaporimagemdeinterrogatóriodeLoasamuseudenaBolívianaimprensanaTanzâniapertencesdePradoSalmónerecompensaporRodríguez,F.,esobreaUniãoSoviéticaVilloldoeZentenoAnayae
Guevara,RobertoguimbadecigarroGulfOilCompanyGutiérrezArdaya,Mario.VerJulioGuzman,Loyola
Hapka,JamesChapae
Petersonevidapregressade
HelicópteroHelms,RichardHenderson,Douglas
BarrientosOrtuñoecarreiradeDebrayeestudoencomendadoporOvandoCandíaePortereShelton,R.,esobrecomunismo
hepatiteBHernández,Manuel.VerMiguelhigienedentalHigieneHitchens,ChristopherHomestead,FlóridaHospitalNuestraSeñoradeMalta,BolíviaHotelCopacabana,BolíviaHotelTeresita,BolíviaHuanca,BernardinoHuerta,EduardoHughes,ThomasHumerundo,Manosanta
imperialismoimprensa
BolivianaBustosnaChenaDebraynaemVallegrandeemboscadasnaguerrilheirosnainternacionalOvandoCandíanapronunciamentodoExércitodeLibertaçãoBolivianonasobreBarrientosOrtuño
inglêsinsetos(barbeiros)interrogatório
deCambadeChedeDebraydeGuzmandePacoporAyoroaMontaño
Inti(GuidoPeredo)Irãirmãosdesangue
JiménezBazán,Orlando.VerCambaJoaquín(JuanVitalioAcuñaNúñez)Johnson,HaroldJohnson,LyndonJROTC.VerCorpodeTreinamentodeOficialdeReservaJúniorJulio(MarioGutiérrezArdaya)justiçasocialJuventudeComunistaBoliviana
Kennedy,JohnF.BaíadosPorcosecontrarrevoluçãoe
LaCabaña,CubaLaEsperanza,Bolívia
dançaemDebrayemengenhodeaçúcaremescolaemestradaparaForçasEspeciaisemOvandoCandíaemQuiosquedoHugorelaçõespúblicasemRodríguez,F.,emShelton,R.,emsuprimentosem
LaHiguera,BolíviabustodeCheemCheemguerrilheirosemRodríguez,F.,emVallegrandee
LaPaz,BolíviaaeroportodearrarefeitoemCIAemembaixadanorte-americanaemescolaemestaçãoderádioemHotelCopacabanaleimarcialempaláciopresidencialemprédiodoMinistériodoInteriorem
Lafuenta,DavidLafuente,Remberto
Lagunillas,BolíviaLaosLegiãoCaribenhaAnticomunistaleimarcialleimilitar.Verleimarcial.língualoasLoayza,LucioLomaLarga,BolíviaLombardi,VinceLopez,Gonzalo
Malraux,AndrémanobrasnoturnasManosantaHumerundoMãoSantaMarcos(AntonioSánchezDiaz)MartínezCaso,JoseMartínezTamayo,Rene.VerArturoMartins,CarlosMassacredoDiadeSãoJoãoMaymura,Freddy.VerErnestoMendigutiaSilvera,JoséAntoniometralhadoraM-1919AMiami,FlóridaMiguel(ManuelHernández)Milliard,RolandMilwaukeeBravesMilwaukee,WisconsinMinaSigloXX,BolíviamineirosdeHuanunimineirosmineraçãoMiniMokesMinistériodoInteriorMitchell,LeRoyMNR.VerMovimentoNacionalistaRevolucionárioMoises(MoisesGuevaraRodríguez)MontanhasdeSierraMaestra,Cubamorteirosmortes
2ºBatalhãodeRangersBarrientosOrtuñoguerrilheirosnaGuerradoVietnãOvandoCandíaShelton,R.Tania
MostreeConte
Movimento26deJulhoMovimentoNacionalistaRevolucionário(MNR)“Mr.Shorty”MTT.VerequipemóveldetreinamentoMulheresmuniçãoMuseuCheGuevaraMuyapampa
NaçõesUnidas(ONU)Nance,ErnestNapalmNatoNewYorkTimesNicarágua
OCasodaBalanaPrataOCidadãodaAméricaLatinaOitavaDivisão,forçasarmadasbolivianasOngania,CarlosOPCEN.VerCentrodeOperaçõesOperaçãoOperaçãoOperaçãoVidaSelvagemOrganizaçãodosEstadosAmericanos(OEA)Ortiz,AlejandroOrtiz,FelixMorenoOutwardBoundOvandoCandía,Alfredo
BarrientosOrtuñoeemLaEsperanza,BolíviaemVallegrandeHendersonemortedenaGuerradoChaconaimprensapedidosdeajudadeprevisõesdepronunciamentodeRostowsobre
Pacheco,JulioPacho(AlbertoFernándezMontesdeOca)Paco(JoséCastilloChávez)
interrogatóriodeRodríguez,F.,esobreguerrilheirossobreTania
PalácioBurntPaláciopresidencial(PalacioQuemado),Bolívia
PalacioQuemado(paláciopresidencial),BolíviaPanamá
BaseHowarddaForçaAéreaForteGulick
Pantoja,Orlando.VerAntonioPapaCansado202.VertambémGuevara,Ernesto“Che”ParaguaiPartidoComunistaBolivianoPartidoRevolucionáriodosTrabalhadoresPashtupassaportespastorPauloVI(papa)PazEstenssoro,VictorPearson,DrewPeña,PedroPeredoLeigue,Robert.VerCocoPeredo,Guido.VerIntiPerez,CarlosPeterson,JeraldPhoenix,ArizonapicadadecobrapilotosdevoodereconhecimentoPino,NestorPinochet,AugustoPlato,HernanPlayaGirón.VerBaíadosPorcos,CubaPlazadelaRevolutión(PraçadaRevolução),CubaPombo(HarryVillegas)pontariaporco(chancho)Porter,Robert,Jr.PraçadaRevolução(PlazadelaRevolutión)PradoSalmón,Gary
AderrotadeCheGuevara:arespostamilitaraodesafiodaguerrilhanaBolíviaporBarrientosOrtuñoeCheecomoheróicomointermediáriocompanhiaBeSalazareShelton,R.,e
Prado,JulioprecePrimeiroRegimentoRevolucionárioprofessoresProgramaPhoenixprojetoscívicosprotestosestudantis
Pucara,Bolívia
QuarryHeightsQuiosquedoHugo
ForçasEspeciaisnorádionoShelton,R.,noValderomasno
RaçõesrádiodecampoRSRádioNacionalBolivianaRádioPRCrádio
CIAnoQuiosquedoHugoPRCRádioNacionalBolivianaRS
Ramon.VerGuevara,Ernesto“Che”RamosMedina,Félix.VerRodríguez,Félix.Rea,FidelReagan,RonaldrecompensarelaçõespúblicasrepetiçãoRepúblicaDominicanaRevoluçãonaRevolução(Debray)revolução
CubanaexportaranaBolíviarestauradora
ReyesZayas,Israel.VerBraulioRicardorioGrande,BolíviarioGrande,Bolívia.VerRioGrande,Bolívia.rioIripiti,BolíviaRivas,FranciscoRivera-Colon,HectorRobbins,MartyRoca,DorysrodoviaMatanzas-Havana,CubaRodríguez,Félix
BarrientosOrtuñoeBraulioeCheeCIAeemCubaemLaEsperanza
emLaHigueraLafuentaenaBrigadaPacoesobrecomunismo
Rodríguez,RosaRojas,HonoratoRostow,WaltWhitman
sobreaBolíviasobreaexecuçãodeChesobreo2ºBatalhãodeRangerssobreOvandoCandía
RotaCheGuevara(RutadelChe)Roth,GeorgeAndrewRusk,DeanRutadelChe(RotaCheGuevara)
SaavedraArambel,LuisSalazar,Mario
alistamentopordançaeemtreinamentoguerrilheirosepertodeVallegrandePradoSalmónesobreamorte
Salmón,RosarioSamaipata,BolíviaSanAntonio,TexasSánchezDiaz,Antonio,VerMarcosSánchez,RubenSánchez,TitosaneamentoruralSanjines-Goytia,JulioSantaClara,CubaSantaCruz,Bolívia
oficiaisdeinteligênciaemrodoviadeRodríguez,F.,em
Sartre,Jean-PaulSaucedo,Arnaldo
retratosparaRodríguez,F.,e
SegundaFrenteNacionaldeEscambraySegundaGuerraMundialSegundinoParadaSelich,AndrésserradeEscambray,CubaSerrano,Bolívia
Serrate(major)ServiçoExterior,EUAShelton,MargaretShelton,Ralph“Pappy”
carreiradedançaedesignaçãodeemLaEsperanzafamíliadeHendersonelinguagemdotreinamentodemortedenoQuiosquedoHugoPradoSalmónerelaçõespúblicasporRodríguez,F.,evidapregressadeVilloldoe
ShinshaSilesSalinas,LuisAdolfoSilvaBogado,AugustosindicatosdostrabalhadoresSingh,HarrySítio,estadodeSmith,MagnussoldadosdasnaçõesanfitriãssoldadosSternfield,LarryStevenson,AdlaisubidadecordaSupremoComandoBoliviano
Tania(TamaraBunkeBide)covademortedePacosobre
TanzâniaTatarenda,BolíviaTeerã,IrãTelégrafoTeran,Mario,xivTerceiroComandoTático,forçasarmadasbolivianasThompson,WendellTilton,JohnTope,WilliamTorrelioVilla,CelsoTotti,Tomastransporte
aviãobombardeiroB
aviãoCaviãoCaviãoCaviãoPTaviãoThelicópteroMiniMokespilotosdevoodereconhecimento
Trinidad,CubaTrujillo,RafaelTruman,HarryS.
UniãoSoviéticaajudaestrangeiraaCubadaBaíadosPorcoseChesobre
UrrutiaLléo,ManuelUruguaiUSAID.VerAgênciadosEstadosUnidosparaoDesenvolvimentoInternacional,EUA.
Vacaflor,JuanVadodelOro,BolíviaVadodelYeso,BolíviaValderomas,Dioniso
ChapaeengenhodeaçúcareescolaememóriasdenoQuiosquedoHugosobrecasamento
valedorioNancahuazu,Bolíviaguerrilheirosnomapado
valedorioNancahuazu,Bolívia.VervaledoNancahuazu,BolíviaValeFeliz,NicaráguaVallegrande,Bolívia
2ºBatalhãodeRangersemguerrilheirosemimprensaemLaHigueraeMuseuCheGuevaraemOvandoCandíaemZentenoAnayaem
VargasSalinas,MarioVargas,EpifanioveículosVenezuelaVerãodoAmorVerezain,JoséVergara,Alejandro
víboraarborícolaVicenteVietcongueVillegas,Harry.VerPomboVilloldo,Gustavo
BarrientosOrtuñoeCheeCIAefamíliaderaçõeseShelton,R.,eZentenoe
Wallender,HarveyWeston,MassachusettsWilly(SimeónCuba)
corpodeemcativeiro
ZentenoAnaya,Joaquín2ºBatalhãodeRangerseCheeRodríguez,F.,eVilloldoe
zonamilitarzonavermelha
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CaçandoChe
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