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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA NILVÂNIA ALVES DE SOUZA MACENA Dança, escola e gênero: observações para um início de discussão NATAL 2016 NILVÂNIA ALVES DE SOUZA MACENA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA

NILVÂNIA ALVES DE SOUZA MACENA

Dança, escola e gênero: observações para um início de discussão

NATAL

2016

NILVÂNIA ALVES DE SOUZA MACENA

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Dança, escola e gênero: observações para um início de discussão

Trabalho apresentado a curso de graduação de

Licenciatura em Dança da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte.

Orientadora: Profª Drª Karenine Porpino de Oliveira

NATAL

2016

NILVÂNIA ALVES DE SOUZA MACENA

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Banca Examinadora

____________________________________________________

Profa Dra Karenine de Oliveira Porpino

Presidente - Orientadora

____________________________________________________

Profa Dra Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio

Primeiro Membro Examinador

(UFRN)

___________________________________________________

Profa Mr. Raphaelly Souza Bezerra

Segundo Membro Examinador

SUMÁRIO

1. Introdução 6

2. Questões de gênero e escola 7

3. Gênero na dança e experiências no contexto do PIBID e do Mais Educação 16

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4. Considerações finais 33

5. Referências Bibliográficas 34

NATAL

2016

Resumo

O presente artigo apresenta reflexões acerca das construções sociais a respeito do gênero e

como essa cultura se perpetua no ensino da dança. Tem o objetivo de discutir e refletir sobre

questões de gênero no contexto escolar com enfoque no ensino de dança, no Ensino

Fundamental Séries Iniciais. Diante deste, o trabalho se divide em duas partes, a primeira

apresenta embasamento teórico sobre os temas do gênero e da dança no contexto da educação,

a segunda compartilha experiências desenvolvidas no âmbito escolar pela autora, durante a

vivência em projetos como Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência e Mais

Educação, e ressalta a importância das discussões sobre as relações sociais com enfoque nas

questões de gênero, no contexto do componente curricular de Arte, e especificamente das

aulas de dança.

Palavras-chaves: Gênero; Dança; Escola; Corpo.

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Abstract

This article presents reflections about the social constructions regarding gender and how this

culture perpetuates itself in dance teaching. It has the objective of discussing and reflecting

about gender issues in the school context with a focus on dance teaching, at Elementary

School. Before this the work is divided in two parts, the first one presents theoretical basis on

themes about gender and dance in the context of education, the second one shares experiences

developed in school environment by the author, during the experience in projects like

Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID) and Mais Educação and

emphasizes the importance of discussions on social relations with a focus on gender issues, in

the context of the curricular component of Art and specifically in dance classes.

Keywords: Gender; dance; school; body.

Introdução

O ensino de Artes é garantido como atividade na escola desde a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB) nº. 5. 692/ 71, a ser executado por profissionais

polivalentes, como atividade escolar complementar. Porém, o reconhecimento como

componente curricular foi dado pela LDB nº. 9394/96, e com esta a visibilidade e a autonomia

para o conhecimento de cada linguagem, a saber: dança, teatro, artes visuais e música. Nesse

contexto, a linguagem da Dança recebe, na mesma década, pela primeira vez, orientações

pedagógicas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), e atualmente na Base Nacional

Comum Curricular (BNCC). Esses documentos apresentam coordenadas de como trabalhar a

dança no ensino formal, de modo a oportunizar momentos e experiências que despertem

significativamente a sensibilidade, a reflexão, a imaginação e a autonomia, uma vez que

incluso no componente curricular Artes, pode propiciar o desenvolvimento da maneira

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particular de interpretar, de criar e de produzir trabalhos artísticos na condição de

comunicação com a sociedade, contudo, considerando o processo histórico-cultural.

Sabe-se que dança envolve o corpo como um todo, com isso as relações de gênero

também são envolvidas, visto que são construções históricas, sociais e culturais sobre o

mesmo corpo que aprecia, experimenta, percebe e cria a arte da dança. No contexto deste

segmento no currículo da Arte na escola, faz-se preciso seguir rumo à prevenção dos tipos de

violências de gênero, haja vista que o espaço da dança trabalha diretamente com o corpo e

suas capacidades de expressões por meio de diversas metodologias que articulam aspectos

teóricos e práticos. Sendo assim, a dança pode ser considerada um conteúdo que oferece as

possibilidades de interação com o mundo, ou seja, com o meio social, pois propicia o contato

com o (a) outro (a) de maneira saudável, respeitosa.

Ao ter contato com instituições de ensino através das participações no Projeto Mais

Educação e no subprojeto PIBID Dança UFRN, surgiu, atentamente, o interesse de perceber

como se processa a cultura de atitudes para com as relações de gênero na comunidade escolar.

Trata-se de observações efetivadas cotidianamente e intencionalmente com o foco no modo

como se lida com essas situações, tornando-as agradáveis ou desagradáveis, considerando a

maneira como as pessoas nas escolas distinguem ou não tarefas por sexo. Em alguns casos, os

preconceitos estereotipados são revelados, mas por sua vez, são silenciosamente acatados com

naturalidade.

Entende-se aqui que o conhecimento, a colaboração e a participação espontânea e

consciente do (a) aluno (a) independe do gênero na abordagem do conteúdo de Dança, este

trabalho tem o objetivo de discutir e refletir sobre questões de gênero no contexto escolar com

o enfoque no ensino-aprendizagem nas aulas de dança no Ensino Fundamental Séries Iniciais.

Portanto o artigo se justifica por problematizar as questões de gênero no âmbito do

ensino da dança, considerando a necessidade de fazer avançar positivamente pensamentos e

práticas distorcidas sobre esse assunto, que é tema de discussão em vários espaços sociais, e

faz-se necessário ser ampliado no contexto escolar. Ressalta-se que ainda pessoas da área da

educação que precisam internalizar explicações mínimas sobre esse assunto, mesmo que

polêmico, sendo de fundamental importância discuti-lo, seja no âmbito do corpo discente, seja

no âmbito do corpo docente.

Este artigo compõe-se de duas partes, a primeira “Questões de gênero e escola”

consiste numa apresentação acerca de reflexões da simbólica cultura social de gênero no

campo educacional, e a segunda “Gênero na dança e experiências na escola” traz

possibilidades de percepção e diálogos sobre preconceitos de gênero na dança e o partilhar de

manifestações e de inquietudes decorridas em espaços escolares durante minhas vivências nas

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mesmas, numa perspectiva de ampliar os horizontes de compreensão sobre o assunto aqui

discutido. Para a discussão o texto tem embasamento teórico nas autoras Ana Bernardo, Cíntia

Teixeira, Guacira Louro, Isabel Marques, Karenine Porpino, Maria Carvalho, Maria

Falkembach e Maria Isabel Mendes.

Questões de gênero e escola

A sociedade brasileira de modo geral, insiste em determinar padrões de ser e de estar

no mundo, com visões restritas no que diz respeito ao entendimento sobre gênero, geralmente

acatando duas classificações ditas como naturais a “masculino” e a “feminino”. Neste

contexto social, cultural e histórico, as diferenças sexuais são motivos para gerar

desigualdades entre as pessoas e atribuem-lhes tarefas diversas. Segundo Guacira Louro

(2014, p. 26), “o gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada a

biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica produzida sobre as

características biológicas.” As pessoas que nascem homens são destinadas a terem

comportamentos ditos masculinos e as pessoas que nascem mulheres lhes são destinados

comportamentos ditos femininos. Tais práticas necessitam ser questionadas a cada dia, com a

intenção de se alcançar uma educação que acolha as diferenças.

Tomando como base, a explicação de Carvalho (2000, p. 15) “O conceito de gênero

refere-se às noções de masculino e feminino, construídas a partir das diferenças biológicas

entre os sexos, ao longo da história, nas diversas sociedades e culturas”. Portanto, entendo que

as diferenças de gênero são construções sociais, históricas, culturais e políticas, as quais são

tomadas como referência para classificar o masculino e o feminino frente às diferenças

biológicas, ou seja, foi denominado que o homem possui aspectos masculinos e a mulher

possui aspectos femininos.

Nesta perspectiva, geraram-se ao longo da existência da história do ocidente, enormes

desigualdades de gênero, entendendo-se que seria necessário manter tarefas distintas entre

eles, uma vez que são diferentes entre os sexos, como o fomento a superioridade do gênero

masculino, onde era concentrado o poder, em detrimento da inferioridade do gênero feminino,

onde era de sua responsabilidade realizar apenas as tarefas domésticas e cuidar da educação

das crianças. O problema em relação a essa concepção foi a constituição de um mundo de

relações preconceituosas e discriminatórias, desvalorizando e impossibilitando sua

participação na vida pública. Segundo Carvalho (2000) foi oferecido um mundo de restrições

as mulheres, pois, a elas foram negados todos os direitos humanos, como a educação, o

trabalho remunerado, o lazer e o direito de votar. Por motivos como esses que as mulheres

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sentiam-se incapacitadas e desmotivadas. Porém, com o passar do tempo, houve grandes

reivindicações, trazendo enormes transformações nas relações de gênero, no que diz respeito a

conquista dos direitos das mulheres. Onde atualmente ocupam espaços públicos e exercem

posições de poder, porém, são vistas pelo grupo conservador e machista, como mulheres

especiais e diferentes, pois possuem características ditas culturalmente masculinas.

Nesse contexto tornou-se um problema as questões ligadas às identidades de gênero,

pois nem todo homem se identifica com características ditas masculinas e nem toda mulher se

identifica com características dita femininas, gerando conflitos internos, como a não aceitação

da própria identidade de gênero e das práticas sociais a elas destinadas, e também conflitos

externos, como a intolerância à identidade de gênero de outras pessoas, que se dá pelo ato de

supor, que existe o direito de impor a própria individualidade as outras. Para auxiliar na

compreensão, afirma Carvalho (2000, p. 16)

O gênero faz parte da identidade pessoal, assim como o sexo, a cor da pele, a classe

social, e as demais circunstâncias sociais e culturais. Por outro lado, a atribuição de

gênero não se restringe apenas aos comportamentos dos sujeitos, mas se projeta

também nas práticas e instituições sociais, que podem ser qualificadas de masculinas

ou femininas, conforme os valores que expressam.

Perceber como o contexto sociocultural focaliza condutas sobre os corpos humanos, é

fundamentalmente interessante, principalmente no que se refere à historicidade das

representações de gêneros na sociedade. Para melhor entender esta situação, é preciso

observar, como tão forte e rapidamente as regras são impostas a alguém antes mesmo desta vir

ao mundo. Pois, uma família ao ser informada da chegada de mais um membro, busca

ansiosamente descobrir o sexo do mais novo ser, a fim de estabelecer a cor do enxoval. E, um

primeiro exemplo desta imposição pode se dar, por exemplo, na escolha da cor rosa ou no

máximo outra cor suave/ clara para meninas e cor azul ou outra cor forte/ escura para os

meninos. Mais além, com esta descoberta, são geradas expectativas de reprodução de ações e

papeis sociais conforme a sociedade costuma pensar e agir sobre o que é ser menino ou ser

menina.

Essa atitude continua durante a infância. Seguindo essa lógica de pensamento na

compra de brinquedos, roupas, sapatos, produtos eletrônicos e acessórios. Ao analisar alguns

desses itens, é possível perceber as desigualdades de gênero, por exemplo, nos brinquedos

para meninos como bola, skate e pipa, que facilitam o deslocamento amplamente pelo espaço,

roupas de tecido pesado, modelo fechado e de tamanho grande, que permitem maior esforço

para se movimentar, tornando os músculos mais tonificados. Para as meninas são as bonecas e

os utensílios do lar, que auxiliam a não ampliação da visão e utilização de espaços, e a

continuar a desenvolver essas tarefas como ocupações profissionais, exemplo, babá,

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professora, doméstica e entre outras, como também a venda de roupas de tecido leve, modelo

aberto e tamanho pequeno, que levam a fazer pouco esforço para as meninas se

movimentarem, deixando de tonificar naturalmente os músculos.

Estas diferenças também aparecem na determinação do tipo de programas que as

crianças devem assistir, nas brincadeiras que precisam participar, nas tarefas que necessitam

exercer, nos espaços que permitem ocupar, no tempo que podem utilizar para as brincadeiras.

Nessas situações, o principal comando ressurge até no modo de definir com que gênero o (a)

menino (a) deve exercer suas atividades. Esse aglomerado de condutas cotidianamente

durante anos levam a compreensão de que é natural a existência do gênero masculino como

dominante e do gênero feminino como dominado. É impressionante como essas práticas, na

maioria das vezes, são aceitas e reproduzidas sem nem sequer serem questionadas. É possível

considerar, por meio de experiências observadas e vividas, que a influência do social, acerca

da construção das relações de gênero, atua de maneira direta, e por muitas vezes de forma

seletiva e excludente, no contexto da educação.

Há uma acirrada imposição de condutas, como as que foram aqui registradas

anteriormente, como também diversas outras que se impõem sobre a individualidade de

pessoas, principalmente as crianças e adolescentes que, legalmente ainda não podem tomar

decisões por si mesmas. No entanto, o corpo não é somente sociocultural, pois dentro de cada

grupo há também seres individuais, com características próprias e modos de pensar e ser

diversos. Como afirma Whitelaw (2000, p. 35 à 36):

As crianças não são meros recipientes passivos de costumes e práticas sociais,

agindo como se fossem esponjas ou receptáculos vazios. Assim como adultos, elas

dão sentido ao seu mundo social através de processos muito complexos com o qual

elas interagem é mediado não pelos fatores sociais e culturais já mencionados, mas

também por sua personalidade, caráter e perfil psicológico individual.

[...]

Vale a pena lembrar que comportamentos e opiniões não são necessariamente ‘fixos’

– são suscetíveis à mudança e influência mediante fortes argumentos, bem como

mediante a experiência que os confirmam. As escolas e seus professores estão em

posição de efetuarem mudanças nesta área.

Segundo Mendes, o corpo significa o resultado do que é biologicamente natural em

conjunto com o que é culturalmente interpretado e reproduzido. Neste sentido, “Desde que

nascemos então, nosso corpo traz a história que nos concebe como indivíduos da espécie

humana” (MENDES, 2013, p. 30). Assim sendo, entendo que a biologia reconhece a estrutura

particular e a diversidade de cada corpo é capaz de proporcionar. A cultura por sua vez está

em constante transformação em sintonia com o contexto histórico das pessoas. Portanto, cada

uma modifica-se mediante as vivências realizadas, mantendo relações integradas com o tempo

e o espaço ao perceber e desenvolver gestos, tanto universais, quanto específicos. Esses gestos

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produzem intenção e significados próprios, possibilitando o surgimento de novos gestos de

acordo com a situação.

Do diverso para o individual, as pessoas apresentam necessárias ações coletivas, tais

como andar, correr, dormir, comunicar, dançar, atuar, sorrir, cantar, saltar, falar. Cada uma

delas manifesta seu símbolo, seu modo, sua expressão, a partir de experiências vividas em

sociedade. Elas se modificam ao passo que são externadas, contudo, possuem uma

universalidade embora se diferenciem de cultura para cultura. Neste contexto, “Os gestos vêm

sendo estudados (...) como sendo textos da cultura (…) uma vez que o corpo humano,

possuidor de gestos é universal; (...) que essa estrutura (...) apresenta linguagens específicas”

(CAMPELO apud MENDES, 2013, p. 39).

Imposições de ações da sociedade sobre os corpos é um fato. O corpo do ponto de

vista cultural, histórico e social, conforme citado anteriormente, recebe informações do meio

externo a todo o momento. A princípio, elas são adquiridas através do grupo familiar

considerado como primário, que introduz regras comportamentais geralmente baseadas no

contexto de uma construção histórica e cultural, sendo outras condutas absorvidas ao longo da

existência da pessoa, mediante envolvimento com outros grupos na sociedade a exemplo da

vizinhança, da escola, dos templos religiosos, dos espaços de lazer, esportes e trabalho, além

de tantos outros considerados grupos secundários. Sendo assim, nesse processo de

socialização o corpo perpassa por várias experiências e modelagens.

Ao referir-se ao corpo como construção social, histórica, cultural e política, se está

justamente explicitando que a formação de corpos humanos não dependem exclusivamente do

fator biológico, bem como, está dirigida no contexto onde se dão em relações reconhecidas

em outros corpos. Em outras palavras, pretende-se organizar as ideias com ênfase no campo

social, onde se origina a fonte de reprodução das desigualdades de gênero entre as pessoas.

Diante dos grupos tidos como secundários, a escola se encontra num encaixe perfeito e

com grande potencial de transformação de pensamentos e atitudes, pois, ela é um espaço

institucional de acesso à informação e ao conhecimento, um lugar de formação de cidadãos

tanto nos aspectos cognitivos, quanto sociais e afetivos. Faz-se necessário que profissionais da

educação possam rever os pensamentos e práticas arcaicas e discriminatórias de construção de

gêneros.

Sendo um lugar de formação, a escola também é construtora e modeladora de

corpos. Nas relações que mantemos com nossas/ os educadoras/ es também

aprendemos gestos, comportamentos, expressões corporais condizentes com os

valores pessoais e pedagógicos, não só da /o educadora/ or mas da instituição da

qual ela/ ele participa. (TEIXEIRA, 2010 p. 32).

Para que haja realmente educação de qualidade é preciso que as pessoas responsáveis

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por ela, na escola, estejam envolvidas e decididas a criar condições de um bom

relacionamento entre todos (as) que participam desse ambiente. Por essa razão, o (a)

profissional de licenciatura em Dança, deve colaborar com um olhar crítico sobre relações

desiguais de gênero que ocorrem nas aulas deste conteúdo de Artes, proporcionalizando a

transformação de atitudes avessas e estabelecidas pela sociedade.

No âmbito escolar, como comentei anteriormente, estamos diante de um contexto de

construção social de valores e condutas. Neste local, também são reproduzidas atitudes

preconceituosas que são efetivadas no cotidiano, pois, aprendizagens se desenvolvem, se

entrelaçam, se comunicam, enfim se formam em constantes trocas de conhecimentos. A escola

também se constitui como geradora de moldes, ao ditar a postura de sentar, falar, caminhar,

sorrir e várias outras formas de organizações do corpo, por vezes, sem a percepção do (a)

próprio (a) docente, em decorrência da falta de informação sobre o assunto, o qual carrega

consigo a credibilidade que se dá a religião que segue ou ao valor pessoal e moral que lhe foi

conduzido (a) ao longo de sua própria existência ou mesmo por falta de interesse em buscar

um olhar crítico e afetivo frente a algumas situações que circulam no convívio familiar,

educacional e social.

Portanto, é extremamente importante que o público docente se permita desprender-se

do funcionalismo de rotulação de gênero, uma vez que estamos lidando com corpos em

aprendizagem em um local de ensino, ou seja, exatamente com pessoas e suas distintas

manifestações culturais. É interessante que esses (as) profissionais questionem pensamentos e

ações que transportam à generalização de atitudes que se destinem a um só gênero. Evitando

reproduzir normas sociais que enquadram com imposições de apontamentos. Conforme Cíntia

Teixeira (2010): “Nas relações sociais e pessoais entre educadora/ or e aluna/ o aprendemos

não apenas os conteúdos formais do conhecimento, mas também modos de ser que são

incorporados em nossas condutas diárias”. Penso, dessa maneira, que esses modos podem ser

percebidos pelos (as) educandos (as), também nos aspectos provocados diante dos

comportamentos de professores e professoras desencadeados no cotidiano escolar como: a

língua falada, combinados estabelecidos em sala de aula, expressões faciais, gestos, posturas

corporais, orientações construtoras de atitudes e tarefas com o objetivo de criar e manter

relações de equilíbrio de direitos entre os gêneros.

Nesse sentido, isso é possível, a partir de pensamentos e atitudes pedagógicas críticas

em relação ao assunto, pois para se alcançar uma proposta de equidade de direitos de gênero,

um ambiente educacional e social agradável e livre de preconceitos, discriminações e

exclusões e uma condição de oportunizar aos corpos expressões autônomas; é preciso que

professores (as) percebam, assumam e busquem alternativas de desprender-se de suas próprias

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ações estereotipadas quanto ao assunto. Caso contrário, torna-se impossível proporcionar o

respeito e fomentar a cidadania para/ com os (as) discentes. Tendo como base a perspectiva do

autor Paulo Freire, de que a escola é lugar de socialização de conhecimento, sendo o

indivíduo um ser em constante aprendizagem, Barreto (2008, p. 37) comenta “torna-se

perceptível a necessidade de estimular a ideia de tornar a prática pedagógica uma ação crítica,

criativa e transformadora.”

Neste contexto, a socialização de aprendizagens, necessita participar do processo que

determina a construção do corpo integral, ao que se refere tanto a educação científica quanto a

educação social da cidadania, ou seja, espaço de troca de conhecimentos que auxiliam na

produção de valores como a dignidade, autoestima e, principalmente, o respeito para consigo

e com o (a) outro (a). Isso é possível quando e onde se realiza a educação de acordo com o

uso de atitudes e atividades reflexivas diárias, objetivando oportunizar o (a) educando (a) (re)

aprender, (re) criar, (re) modelar, construir, desconstruir, reconstruir, ou seja, perceber e

conduzí-lo (la) a observar que encontram-se em constantes transformações apreendidas de

diversas formas, por diferentes pessoas e em distintos espaços e ocasiões sociais.

Processos são subjetivos de exclusão de gênero na escola quando a turma é composta

em maioria de meninas, no entanto, as falas são direcionadas aos meninos, como aponta

Guacira Louro (2014 p. 70) ““os alunos que acabarem a tarefa podem ir para o recreio”, ela

deve se sentir incluída. Mas ela está sendo, efetivamente, incluída ou escondida nessa frase?”.

Outro ponto que apresento é o fato de que mesmo em eventos comemorativos com a maioria

do público composto por mães, tias, avós, enfim, familiares do sexo mulher, não

necessariamente do gênero feminino, entretanto, as boas vindas permanecem no “Bom dia,

Boa tarde e Boa noite a todos!”, tornando invisível a presença daquelas mulheres que vão à

escola prestigiar as produções de sua (s) cria (s).

Reproduzir o pensamento e a atitude padrão de grande parte da sociedade, em

possibilitar a ocupação de lugar do subentendido do masculino, permitindo que elas procurem

sentir-se acopladas, deixa a desejar sua própria existência, sua presença e ainda sua

capacidade. Portanto, é fundamentalmente imprescindível que o corpo docente torne exposto

em suas falas e ações, a explícita presença e a capacidade em todos os sentidos, do gênero

feminino como ser de existência própria, permitindo essa constituição de entendimento aos

homens e as mulheres que compõem a comunidade escolar, sem distinção geracional.

Assim, Louro não comenta quais, mas que possivelmente várias são as implicações

nesta aprendizagem excludente. Compreendo também, que é comum mulheres adultas

sentirem-se incluídas e representadas ao serem pronunciadas e ao se pronunciarem através do

gênero oposto, essa conformativa dá-se justamente por vivenciar tal situação por toda sua

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existência. Assim como apresenta Louro (2014, p. 70) “A conformidade com as regras de

linguagem tradicionais pode impedir que observemos, (...) a ambiguidade da expressão

homem – que serve tanto o indivíduo do sexo masculino quanto toda a espécie humana”.

Em outras situações também percebo a desigualdade de gênero, por exemplo, quando há

passeios, é sempre selecionado alguém para tomar conta dos meninos por já ter internalizado

de que eles não conseguem ficar quietos e esse alguém tem que realizar alguma dinâmica que

os chamem a atenção para que se mantenham concentrados e ainda reservar o espaço do

fundo do transporte para cantar e batucar, tradicionalmente conhecido como “turma da

bagunça”, será que essa inquietação advêm somente do ser biológico ou é uma construção

sociocultural? Pois, cotidianamente, antes desses passeios, são estimulados no próprio espaço

escolar, segundo Teixeira (2010), quando se delimita no horário do intervalo, espaços a ser

explorados pelo corpo discente, proporcionando a quadra, o ginásio, o pátio, os corredores aos

meninos, com isso a oportunidade de exercer a agilidade, a ampliação de movimentos, a

força, a falta de concentração em atividades longas e que requerem o ato de pensar, a

aquisição do poder e outras características advindas integralmente da construção social

imaginária do mundo masculino.

Entretanto, a sala de aula, de jogos, de leitura, de vídeo, de música e de dança são destinadas

as meninas, na qual oferecem atividades direcionadas a sensibilidade, a limitação de

movimentos, a fragilidade, a obediência e a submissão entre outras características, que por sua

vez, originadas completamente da construção social imaginária do mundo feminino. Outras

tantas se procedem, como ao formar times, colunas, grupos, tarefas, brinquedos e brincadeiras

separadas e diferenciadas por sexo, reforçando o estabelecimento de poder que constituem o

comportamento das relações sociais no que diz respeito a gênero.

De acordo com Teixeira (2010), ainda outras reflexões são necessárias realizar tais

como surpreender-se e, por conseguinte, efetuar comentários com o resultado de nota alta

alcançada por menina em disciplina que envolve cálculo por motivo dela ser quieta, esforçada

e estudiosa, no caso, não é reconhecida por mérito. Ainda saliento o contrário, o preconceito

contra a situação inversa, ou seja, quando acontece nota alta por menino em disciplina de arte,

seria por razão dele ser manhoso, mimado e intelectual, além disso, ser sensível (no sentido de

homossexual), rotulando o ser humano ainda na infância. Apesar de parecer simples, é

extremamente importante notificar como estranhas, essas atitudes mediante o pensamento

categorizado do que absurdamente se espera ser natural em se tratando de comportamentos de

meninos e meninas. Desencadeiam-se em toda a comunidade da educação, práticas de

discriminação que ocasionam vários problemas, como a violência, ou por exemplo, a não

participação em determinadas atividades ou aulas, como por exemplo a participação de

meninos nas aulas de dança na escola, quando esta é tida como uma prática feminina. Cintia

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Teixeira (2010 p. 53) aponta reflexão interessante:

Para consolar algum aluno após um rotineiro tombo dizemos “Vamos lá! Menino

não chora!”? A escola em que lecionamos ministra aulas de Educação Física

separadamente para meninos e meninas? Temos menos tolerância com as meninas

diante do que consideramos indisciplina no ambiente escolar, uma vez que as

julgamos, as idealizamos e as desejamos mais quietinhas e educadas?

Esse exemplo revela um modo de expressão cultural ainda predominante no corpo

escolar. É considerado um problema quando alguns (as) alunos (as) não se encaixam nesses

padrões. Bem se sabe que a criança ao ingressar na escola traz consigo conhecimentos prévios

de seu próprio corpo, com isso, cabe aos (as) professores (as) aproveitarem esses

conhecimentos e a partir deles introduzirem novos saberes, ampliando sua noção de

corporeidade, inconscientemente já vivida. Porém, não é sempre que professores (as)

promovem a utilização da participação ativa e autônoma de seus (as) alunos (as), pois alguns

desses profissionais costumam moldá-los (as), enquadrando-os (as) num modelo de

comportamento que acreditam ser “correto” para se viver na escola, e consequentemente, fora

dela, em uma sociedade, onde homens e mulheres se diferenciam biologicamente. Portanto,

devem-se diferenciar também nos papéis sociais, a transtornada ideia de que se precisa seguir

a um padrão de regras de comportamentos estruturadas, das determinadas atividades e funções

diversificadas entre os sexos.

Considero necessário que os (as) licenciados (as), professores em formação,

mantenham ativos mecanismos questionáveis e criticáveis entre as diversas concepções

educacionais, escolhendo obter por ter firme atitude em suas práticas profissionais, por meio

de metodologias que problematizem as situações de discriminação.

A desconstrução e reconstrução dessa cultura discriminatória é possível e está

relacionada com as práticas cotidianas, portanto, acontecem através da percepção e da

compreensão das diversas formas do modos de ser e estar no mundo, que no ambiente escolar,

podem ser observadas e respeitadas. Essa atitude visa adquirir posse sobre os direitos e

deveres que asseguram a convivência de qualidade em sociedade e repúdio aos atos de

violência contra as várias formas de vivências dos gêneros. Neste contexto, apresenta sua

importância ao tomar consciência de valores e cidadania e tornar-se construtor (a) dela,

quando, nesta perspectiva, há capacidade significativa de autonomia e valorização das

diferenças, viabilizando a lógica de permitir o processo emancipatório de formação do ser

humano.

Tendo em vista o acolhimento e a incorporação pelo (a) educador (a) por praticar o

desenvolvimento das aulas de danças na escola, por uma vertente ativa em observar as

próprias práticas que possuem características que veiculam moldes moralistas,

discriminatórios e excludentes, que servem apenas para gerar violência, então, percebe-se a

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possibilidade do desencadeamento de maior atenção e participação dos (as) educandos (as)

nas aulas de Artes. Sendo assim, torna-se extremamente relevante, contribuir com atitudes de

resistência a opressão, que se estendem para além das práticas distinguirem ser tarefa de

homem ou tarefa de mulher, pois essas tarefas não se dão de forma unificada, ou seja, homens

e mulheres não são iguais entre si, por serem de várias classes, religiões e etnias. Portanto, a

postura do (a) profissional facilita a efetiva concretização das relações de respeito consigo e

com o (a) outro (a).

Considero que isso se torna possível a partir do ponto em que se enxergam os (as)

educandos como seres humanos diversos, no caso deste artigo, como crianças, mas cada uma

com suas características físicas em relação à altura, a cor e o sexo, ainda mais, como nos

aspectos construtivos históricos culturais nos quais estão inseridas, tais como a classe social, o

contexto familiar e o religioso. As diferenças não devem ser motivos para selecionar

atividades, espaços, brinquedos ou brincadeiras para meninos e meninas, pois todas as

crianças possuem capacidades e potenciais grandiosos de realizar as atividades propostas,

independente das características aqui citadas, inclusive de seu sexo biológico. As diferenças

precisam ser percebidas, e junto com essa percepção atentar em manter a busca de direitos

iguais, procurando evitar que essas diferenças sejam motivos de implicância ou exclusão por

parte de qualquer segmento que compõe a comunidade escolar. Acredito também que esta

conduta pode contribuir fortemente para empoderar e valorizar as meninas, estimulando os

(as) professores (as) a buscarem métodos que as façam tornarem-se figuras significativas,

legitimando a representação de sua real existência, haja vista, que certamente perdurou

desaparecida, ou melhor possibilidade, adormecida.

Gênero na dança e experiências na no contexto do PIBID e do Mais

Educação

Sabe-se que não é pelo motivo da Arte ter sido inserida no âmbito escolar como

componente curricular, que este é o único meio pelo qual o acesso a arte acontece, porém,

neste é imprescindível que o corpo docente torne-se responsável pelo ensino-aprendizagem

integral do corpo discente, buscando, amplas possibilidades de trabalhar a arte em interação

com os Temas Transversais. Nesse contexto se inserem as vivências com a dança na escola a

serem tratadas nessa parte do texto.

De acordo com Carvalho (2000), gênero é tema transversal do bloco de conteúdo de

Orientação Sexual direcionado aos 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental, atual Ensino

Fundamental Séries Finais. No entanto, considero, que apesar das sugestões de conteúdos

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serem oferecidas prioritariamente para a faixa etária referente as Séries Finais, 11 a 14 anos,

deveriam ser também contempladas desde o Ensino Fundamental Séries Iniciais, 6 a 10 anos,

haja vista, a sua importância para o aprendizado dos conteúdos de Dança, uma vez que esta

lida com diferentes modos de expressões corporais.

Entretanto, considero ser pertinente afirmar que um (a) professor (a) de Dança possa

ampliar a possibilidade de observar e reconhecer nas entrelinhas dos acontecimentos, ações

que demonstrem a presença da cultura de determinados preconceitos e procurar identificar

propostas pedagógicas que gerem sentido complementando a satisfação em conhecer a Dança

enquanto Arte. Portanto, precisa-se estar intencionalmente atento (a) a alguns motivos de

reprodução das práticas discriminatórias que incluam questões que envolvem o corpo, como

gênero e sexualidade.

Segundo Falkembach (2011), apesar de posicionar-se afirmando uma separação irreal

entre teoria e prática, assim, acredita nas não dicotomias do corpo, mas em um corpo

unificado, constituído para além da naturalidade, pois esse corpo também é introduzido num

processo cultural e histórico. Contudo, atrelar o social é significativo, por ser a própria

sociedade responsável por compreender o funcionalismo de moldes corporais e que depende

dela desmitificá-los. Em relação à Dança, em especial na escola, a autora apresenta que o

corpo é linguagem, assim, ao invés de palavras, o movimento corporal evidencia como se

organiza a vida, numa expressão artística. Falkembach cita ainda, além de outros exemplos,

que o corpo pode expressar o gênero, a cultura, os sentimentos, a raça e a ideia da coreografia.

Para o aprendizado dos conteúdos de Dança é extremamente importante a percepção

de preconceitos próprios por parte do (a) educador (a), do que culturalmente foi ensinado, ao

longo da história, acerca dos repertórios de dança, colocando por muitas vezes homens e

mulheres em situações distintas, bem como estabelecendo movimentos e expressões distintas

para cada sexo, pois, esses preconceitos surgem facilmente e são, na maioria das vezes,

aceitos como manifestação biologicamente natural do ser humano. Atualmente, ainda quando

se refere à dança, logo vem a imagem do balé clássico. Entretanto, na escola, os repertórios de

dança, não precisam seguir padrões de movimentos a determinados corpos, por exemplo,

numa dança popular onde se costuma ter movimentos diferenciados para cada sexo, ou

mesmo reproduzir o gênero da dança como determinado tradicionalmente por alguns grupos

de origem, para ser realizado somente por um dos sexos. Nesse sentido, não necessariamente

é interessante atribuir movimentos organizados por sexo ou gênero, para tanto, há várias

possibilidades de trabalhar a dança num processo educativo que exige reflexões ao conhecer,

criar, praticar ou apreciar a dança. Sobre isso, Marques (2007, p.49) comenta:

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Podemos discutir e praticar as diferenças entre a execução mecânica, passiva,

submissa e a interpretação. Ou seja, pensar e fazer processos de “reprodução” da

dança que respeitem as individualidades de cada corpo, de cada pessoa, e que

permitam, mesmo em uma sequência de movimentos pré-determinada, a expressão e

a interpretação individual de cada indivíduo. Essa experiência pode ser vista como

uma metáfora da vida social, quando temos que exercer funções, compromissos e

tarefas que não criamos, mas nas quais podemos atuar de maneira pessoal, sem

comprometer a “coreografia”.

É pensando em um desenvolvimento integral da criança ou adolescente em relação a

Dança, que se fundamenta a importância de pautar proposta de práticas não machistas dentro

da escola a fim de desencadear melhor sua participação nas aulas de Arte. Isto está associado

diretamente a comunicação, conceitualização e contextualização da Dança com ênfase nas

questões impostas socialmente por gênero. Portanto, problematizar é função primordial para

apontar ressignificações a conceitos excludentes, possibilitando novos estilos de pensamentos

que não levam aos conflitos escolares, como a violência verbal ou física, causados pelos

estereótipos de que o corpo não pode executar movimentos, sendo homem: leves, lentos e

indiretos e sendo mulher: fortes, rápidos e diretos. Sobre isso, Marques (2007, p. 39) aponta

“Aprender uma dança significa antes de tudo literalmente incorporar valores e atitudes”.

Neste sentido, necessita-se de atenção dobrada ao desenvolver o ensino da linguagem

da Dança do ensino na escola, uma vez em que se está trabalhando com o corpo que mesmo

recuando ou recepcionando, parcial ou inteiramente o conteúdo de dança, torna-se passivo a

imposições de regras ou comportamentos externos, então, o (a) professor (a) precisa atentar-se

para qualquer ação inconveniente capaz de causar o desconforto ao (a) educando (a), em

relação à discriminação de gênero, seja ao olhar, ao gesticular, ao comentar ou ao silenciar.

Porpino (2011) aponta a importância de se organizar o ensino a partir das experiências

dos (as) discentes, com isso o ensino da Dança não pode ser diferente, então também

apresenta que há variadas formas possíveis de o (a) docente realizar a dança na escola ao

invés de apenas reproduzir os movimentos a partir das próprias experiências limitando o

conhecimento e compreensão de outras. Para tanto, é preciso ainda segundo Porpino (2011) a

interligação de três vertentes: os documentos aqui citados que garantem e norteiam o ensino

da Dança nacionalmente, a organização institucional tendo como eixo a construção e

atualização do Projeto Político Pedagógico de acordo com a realidade de cada escola, que está

inserida numa comunidade, que por sua vez está dentro de um estado, uma região, um país,

enfim, com a identificação da cultura existente para a aquisição de outras possíveis e por fim

o preparo de qualidade do (a) profissional como professor (a).

De acordo também com Falckembach (2012), partir da aula prática, é um modo do (a)

docente de Dança, proporcionar-se com a possibilidade de primeiramente conhecer seus/ suas

discentes. Os gestos, gostos, limites, experiências que indicam a vivência cultural de cada um

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(a) por meio de jogos corporais simples que dão suportes suficientes para originar os

conceitos e daí desenvolver discursos conectados com questões críticas e reflexivas,

objetivando-se descobrir outras formas de ver e vivenciar o/ no mundo, ou seja, oferecer

ações educativas que abordem a busca de transformações no modo de pensar e agir numa

perspectiva formativa coerente com a não opressão.

Neste sentido, considero em relação ao que diz respeito ao gênero que, privar ou impor

ao corpo discente de realizar algum movimento numa aula de Dança pelo fato de ser

destinado para menina ou para menino culturalmente pensado pela sociedade é sim um grande

ato de opressão e que nada contribui para a mudança de pensamentos num sentido de que

essas crianças se tornarão mulheres e homens ainda com tarefas distintas e desencontradas

com seus desejos, suas vontades e até mesmo suas capacidades, perdendo a oportunidade,

talvez única, de entenderem e praticarem o que se denomina igualdade de gênero.

Ao realizar tais reflexões sobre igualdade de gênero no ensino da dança, gera-se a

importância de ampliar o conhecimento de mundo e de valores aos (as) alunos (as), de suas

possibilidades de criação e de transcender sua produção, numa perspectiva que essa percepção

esteja ao alcance também do público, para que possa gerar o exercício e a capacidade de

buscar entender o mundo e alertar-se para a vida por outras vertentes, ou seja, a dança é capaz

de alcançar relações de igualdade de gênero além para além de quem dança, portanto, também

a quem assiste. Uma vez em que a linguagem da dança transmiti informações por meio de

expressões corporais extra cotidianas. É necessário que essa leitura corporal apresente-se de

modo que cause várias interpretações desenvolvidas pela comunidade escolar, reconhecendo

as relações entre dança e a vida, com o objetivo de expandir o pensamento precário de que é

preciso destinar atividades e ações por gênero, uma vez que o conteúdo de dança também

desempenha sua importância ao ser desenvolvida numa prática interdisciplinar.

Recordo-me de observar algumas situações ocorridas em relação ao tema aqui em

questão enquanto Monitora de Dança durante o período de participação no projeto Mais

Educação em uma escola pública de Ensino Fundamental (Séries Iniciais e Finais), da esfera

estadual, localizada na zona Leste da cidade do Natal, durante os anos de 2015 e 2016, onde

nela pude perceber maior ausência da discussão sobre este assunto, em falas e ações

realizadas pelos (as) funcionários (as) responsáveis pelo funcionamento da educação. Em meu

primeiro dia de experiência com o projeto recebi a primeira turma e junto com ela a seguinte

ordem indicada por uma funcionária que exerce o cargo de duas coordenações, a pedagógica e

a do projeto Mais Educação: “Essa turma é composta por mais meninos do que meninas,

então faça movimentos fortes”, mais além, na tentativa representou o que seria esses

movimentos. De acordo com o subentendido tratava-se do ritmo de dança Hip-hop. Sobre o

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assunto, bem ressalta Marques (2007, p. 39):

Um dos preconceitos mais fortes em relação à dança na sociedade brasileira ainda

diz respeito ao gênero. Dançar em uma sociedade machista como a nossa é sinônimo

de “coisa de mulher”, “efeminação” (...) Pesquisadores têm apontado que este

preconceito se dá em vários níveis, mas está, geralmente, associado ao conceito de

dança (...) mesmo nunca tendo assistido a um espetáculo de balé clássico, muitas

vezes a dança é diretamente associada a ele, e, consequentemente, à “graça,

delicadeza, leveza, meiguice” que, no Brasil, são muitas vezes tidas como

características absolutamente avessas à virilidade.

Em geral, a dança ainda está atualmente atrelada, por uma construção sociocultural, ao

universo imaginário do feminino, mesmo a maioria das pessoas que apreciam ou praticam

esta arte carregam a ideia de que literalmente há movimentos específicos para cada gênero, ou

seja, características pertencentes ao universo imaginário masculino na dança precisa

reproduzir essencialmente o modelo de virilidade com movimentos que expressem

sentimentos de agressividade, força, rapidez e bravura. Esse comportamento empolga

totalmente a delimitação de práticas corporais dirigidas aos homens. Essa reação dificulta o

trabalho de professores e professoras, pois, a realização de movimentos com elementos

opostos aos apontados resulta, para os alunos e alunas, por vezes, uma situação tida como

inaceitável.

As formações das distintas relações de poder segundo o sexo das pessoas, se

processam de forma sutil, pois estas doutrinas que tendem a moldar corpos humanos numa

vasta dimensão que nega a existência da pessoa são persistentes e facilmente encontradas, são

lançadas rotineiramente através dos gestos, das falas e dos olhares. Dessas ações, a linguagem

oral é fortemente a expressão mais eficaz. “No entanto, a linguagem não apenas expressa

relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar

diferenças” (LOURO, 2014 p.69). Ao analisar cuidadosamente esta situação, foi possível

notar agentes de discriminação para cada gênero na fala da profissional anteriormente

mencionada, fala esta que serve como base para representar grande parcela da sociedade.

Em primeiro lugar, percebe-se a negação da presença das meninas na turma,

praticamente de forma inexistentes, por considerar essa turma numa visão masculina, pois,

precisam se sentir incluídas neste acontecimento. Uma vez em que teriam de executar

movimentos que acompanhassem o sentido de força e agilidade dos meninos, segundo a

profissional. O fato é que tantos os meninos quanto as meninas poderiam se identificar ou

não, com as movimentações, entretanto, não necessariamente por motivo de ser a maioria

homem. Além de que, consequentemente as alunas terão de enfrentar uma disputa para

conquistar tempo e espaço, cuja expectativa da sociedade machista é que, neste caso,

enquanto eles apresentem movimentos que demonstrem a virilidade com ênfase na

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agressividade elas participem, efetuando coreografias que ofereçam movimentos circulares,

que contemplem a leveza e a graciosidade, para causar ênfase na sensualidade.

De certa forma, conforme sinalizado anteriormente, a relevância em chamar a atenção

para este tipo de ação, pois ela se torna pertinente no sentido de ser contínua a fala de

docentes ao dirigir-se aos (as) seus (as) discentes, fazendo desaparecer significativamente dos

espaços em suas pronúncias, o gênero feminino, que neste momento não está explícito na fala,

mas subentendido, na forma de posicionar-se ao referir-se apenas aos meninos. Certo que é

histórico-cultural ainda exercer gramaticalmente e ser aceito “naturalmente” pela sociedade, é

comum a ação de empregar o masculino para representar a totalidade, mesmo quando a

situação mostra-se inversamente, onde a maior quantidade de pessoas em alguns espaços é de

mulheres. Sempre pronunciar o masculino, auxilia para aguçar os (as) ouvintes a sua presença

audiovisual, contudo, o não pronunciar o feminino provoca o desaparecimento e a submissão

deste gênero, o qual mesmo presente, neste modelo comum de linguagem, torna-se ausente.

Em segundo lugar, observa-se a falta da aceitabilidade, o preconceito desabrochado

silenciosamente nesta comunicabilidade, uma vez que ousa tentar determinar o que seria

dança para homens. Ou seja, tanto para aquela funcionária, quanto para grande porcentagem

da sociedade, ainda se é cabível que homem dance, mas que ao praticá-la não perca a

masculinidade, da maneira estereotipada que vimos essa palavra, sendo necessário privá-los

de alguns movimentos, pois se acredita no mito que desta forma professores e professoras

estão possibilitando que eles se permitam adquirir gestos, conhecidos socioculturalmente

como femininos, haja vista que eles precisam manter as demandas das características de uma

pessoa forte, assim os garotos continuam se privilegiando desse lugar de poder.

No entanto, quando há profissionais que detectam o seu preconceito e não deixam que

ele se externe em forma de discriminação em relação ao gênero, passam a obter outra postura,

tornando-se conscientes do que possam encontrar ao realizar suas práticas profissionais, logo,

são levantadas críticas em relação às questões seletivas com a intenção de proporcionar

reflexão e garantir participação dos (as) alunos (as) nas suas respectivas identificações e

criações de movimentos e gestos. Neste contexto, é essencial, que os (as) educandos (as)

percebam seus próprios gostos, desejos, possibilidades e limites, não necessariamente os

impostos a partir de seletiva por sexo.

Certo dia ao terminar o horário das atividades ainda na mesma escola estavam

presentes a diretoria para assinar a lista de presença, os (as) monitores (as) do projeto Mais

Educação, ao tempo em que se apresentou uma mãe interessada em receber notícias de

comparecimento e comportamento de seu filho, aluno do 5º ano “B”, pois a mesma saía para

o emprego e não sabia ao certo se ele estava frequentando a escola como deveria. A vice-

diretora solicitou auxílio aos (as) encarregados (as) pelas oficinas, depois de toda

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apresentação, a resposta do monitor de Esporte foi que, o garoto realmente tinha faltado nas

últimas aulas, mas quando ele ia demonstrava ótimo comportamento, pois não brigava e

participava das aulas; a monitora de Recreação comentou que, ele estava sempre em silêncio e

que apenas participava de sua oficina quando as atividades necessitavam de bola. Logo após,

me solicitou, como monitora de Dança, informação acerca do garoto, assim, relatei que,

ultimamente tinha percebido a ausência dele, mas quando estava presente, apenas assistia as

atividades propostas em sala durante as aulas, sentado, pois mesmo recebendo convite nunca

tinha participado executando nenhum exercício proposto, que ele não atrapalhava as aulas e

que se colocou enquanto “religioso”, portanto, impossibilitado de dançar. A mãe e a outra

monitora se colocaram como se essa atividade realmente não lhe fosse necessária e nem

importante. Pois ao final da minha explicação, a mãe se colocou: “É, dança ele não vai fazer

mesmo não”, houve certa insistência de minha parte, me referindo as atividades com o

objetivo de alongar e aquecer o corpo, que geralmente seguiam formato lúdico, ou mesmo em

forma de brincadeiras. E ela, contudo, continuou com expressão de não querer o filho nesta

oficina, por fim, quando apenas restava eu e a monitora de Recreação, ela se pronunciou

“Não adianta, nossa religião não permite dança de nenhuma forma e logo ele que é

homem!”. Nesse caso, percebi nitidamente que a influência da religião, que não se faz aqui

importante descobrir qual é, torna-se potente e repercute na construção de gênero, que tal

pensamento contribui para deixar de valorizar o conhecimento linguagem da dança como

Arte. Pois, em se tratando de dança “não são poucos os pais de alunos (...), e os próprios

alunos, que ainda consideram dança “coisa de mulher”. Em um país como o nosso (…)

pensando nos inúmeros grupos de dança (…) formados por (...) homens durante o carnaval”

MARQUES, 2007, p. 20). Tudo bem casual que essa notícia advenha da mulher enquanto mãe

religiosa, mas enquanto recreadora religiosa é absurdamente imprópria, uma vez que a mesma

é da área de Pedagogia, ou seja, lida diretamente com o ensino-aprendizagem de seres

humanos, isso faz com que ela oportunize aos (as) discentes, além dos conhecimentos

científicos, formas de contribuir para o exercício da cidadania, numa perspectiva de fomentar

a importância da própria descoberta da razão de buscar participar e perceber que as crianças e

adolescentes ainda encontram-se em construção de pensamentos e de personalidade.

A falta da participação ativa do (a) educando (a) nas aulas de Dança, segundo Marques

(2007), não possibilita a capacidade de criar, reeducar artisticamente o corpo, ou seja, traduzir

as experiências de vida em geral em arte, contudo, explico ainda a incompreensão da dança

pelo (a) participante passivo (a), que apenas ocupa uma cadeira, sem nem tomar a atitude de

apreciar a dança por motivo de estar com a mensagem enraizada e pronta por meio do grupo

familiar de que dançar não é atividade de menino, também vai contra a um grupo social, neste

caso, a religião, portanto, consequentemente por outro grupo social, a escola, onde poderia

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receber o incentivo de forma educativa. Em outras palavras, o estímulo a se interessar por

acessar aos conhecimentos da dança em Artes. “A dança, como toda arte, tenta expressar

aquilo que não conseguimos dizer (FALKEMBACH, 2011 p. 63)”. por sua vez, revela-se

praticamente muito difícil a percepção desse individuo em relação a contextualização da

Dança e seu significado ao possibilitar-se a adquirir os conteúdos que dialogam com os

movimentos do seu corpo e a criação e recriação de ideias que a arte permite proporcionar.

A distância que existe entre aquilo que é proposto e aquilo que efetivamente é

praticado nas escolas tem por muitas décadas caracterizado a história da educação

brasileira. Mesmo assim, uma proposta que oficialmente assume a importância da

arte (e da dança) na educação não deve ser tomada como uma proposta utópica, mas

sim como um movimento importante na direção da formação de uma nova

mentalidade e, portanto, de práticas futuras. A “cara da escola” já começou a mudar.

(MARQUES, 2007, p. 67).

Acontecimentos desses modelos aqui apresentados mostram como as pessoas que

admitem a instalação do preconceito em si e em suas práticas profissionais, sem ao menos

questionarem, tornam-se impedidas de possuir visões diferentes do consensual. Admitir que

se precisa de flexibilidade e abertura a novos aprendizados em se tratando de práticas

educacionais é necessário, uma vez que a escola também conduz medidas de cidadania e

igualdade de direitos. Assim enfatiza Teixeira e Magnabosco (2010 p. 13):

De um lado estão os conflitos, os medos e as incertezas que temos acerca das nossas

experiências. (…) De outro lado, está a verdade, absolutamente inquestionável, que

nos paralisa, (...) que estamos prontos para a função e que não precisamos

compreender mais nada.

No meu entender, as autoras colocam o desafio entre se permitir questionar o próprio

ensino-aprendizagem onde se acredita que os conhecimentos estão prontos, acabáveis e

suficientes ou possibilitar reconstruir esses conhecimentos e as metodologias utilizadas com a

pretensão de realizar mudanças importantes, principalmente quando diz respeito à inovação

de pensamentos e práticas que possam transmitir algum ato de preconceito ou de exclusão no

ambiente escolar.

Outro caso que observei, na referida escola, e que penso ser pertinente de discussão, foi

uma situação em que se encontra dificuldade geralmente, ao ser desenvolvida nas

comemorações juninas, como é o fato de ser cultural o desejo de realizar ou dançar a

quadrilha em escolas, o impasse está contido no fato de como juntar os pares, uma vez em

que, aprendeu-se culturalmente ser preciso formalizar pares de homens e mulheres, pois, no

repertório deste gênero de dança se efetiva um ato simbólico de casamento, onde a

sexualidade está representada num contexto heterossexual. Nesse sentido, os adultos tendem a

sexualizar os corpos infantis, com enfoque no pensamento heteronormativo e na reprodução.

Nesta escola, o preconceito em relação ao assunto aqui questionado, prepondera nos

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gestos, olhares e falas. Percebi como ocorreu, nitidamente, mais um motivo referente ao fato

de externar preconceitos, assim, observo ser efetivamente necessário, se discutir como

trabalhar as questões de gênero entre os (as) educadores (as) e educandos (as). Assim, duas

pessoas funcionárias, (homem e mulher) que ocupam o cargo de coordenação, uma espécie de

monitoria organizativa, resolveram se juntar com o objetivo de organizar uma quadrilha com

as crianças do 2º e 3º ano, com idade entre sete e oito anos, utilizando o horário do intervalo

do almoço para os ensaios. No momento da apresentação faltaram vários meninos que

formariam pares com as meninas, enquanto ele esperava na quadra a entrada das turmas, a

funcionária preocupada com a ausência dos garotos me solicitou auxílio na organização,

expressando que não daria certo a sua apresentação e que foram vários ensaios sem alcançar o

objetivo, que era apresentar. Enquanto monitora de Dança, que estava no mesmo espaço

organizando as outras turmas, que também apresentariam depois desta quadrilha, não

encontrei mistério para se resolver esta situação, então, simplesmente formei pares

posicionando menina e menina intercaladas entre pares de menino e menina. Desta forma, foi

permitido tornar visível a ampliação significativa de outra possibilidade que o preconceito,

insiste em limitar literalmente. De repente, o ânimo reapareceu na funcionária que

imediatamente colocou o grupo para realizar a apresentação.

A existência dos estereótipos sexistas pode ser constatada na quase totalidade das

atividades no cotidiano escolar, pela observação corrente das reações e opiniões de

um grande número de pessoas, senão de todas, seja na escola ou na família.

Tradicionalmente, a escola tem sido utilizada para socializar as regras e os padrões

de comportamentos dominantes, especificamente em relação diferenciada tanto na

família, como na escola. Isto tem prejudicado o desenvolvimento pleno do ser

humano, impedindo a descoberta de movimentos mais criativos, que ampliem a

capacidade de autonomia de cada pessoa (BERNADO, 2000, p. 24).

A observação que merece destaque absoluto aqui é o de que a ação que realizei, não foi

extraordinária por ser tão óbvio, seria o esperado de qualquer pessoa, inclusive de iniciativa

da organizadora, porém, pareceu nem imaginar tal possibilidade. Nessa situação, o que se nota

é ainda a presença de uma cultura demarcada pelo tradicionalismo baseada numa

heteronormalidade constituída no imaginário social. Todavia, ressalta Marques (2007, p. 27):

Existem múltiplas mensagens e interpretações ocultas nos repertórios (tradicionais

ou não) de dança quanto na forma com que ensinamos corpos em salas de aula por

meio de exercícios e sequências de movimentos. (...) poderíamos, como professores,

além de denunciar, começar a trabalhar de maneira crítica essas mensagens: quais

são, por exemplo, os ensinamentos em relação ao gênero contidas nos movimentos

da Quadrilha?...

Outro aspecto digno de discussão foi a surpreendente atitude da pessoa marcadora da

Quadrilha, demonstrada com gestos de não entender o que assistia diante de uma quadrilha ao

presenciar o procedimento vivido, onde, as meninas que tiveram como par, outra menina se

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movimentando de acordo com a orientação indicada pela voz do marcador, que por sua vez,

pronunciava a vez dos garotos praticarem o movimento e as garotas também executaram, num

mesmo instante sem nenhum questionamento, se revelando como se tivesse havido vários

ensaios em que estariam justamente marcando aquela posição que teoricamente seria o

suposto lugar que do menino, principalmente na sequência de movimentos do “Beija-flor”,

que consiste, num contexto histórico-cultural, em cavalheiros porem-se de joelhos ao chão e

nesta posição, beijarem a mão de cada dama que se apresenta em sua frente seguindo uma

movimentação no sentido horário até retornar ao par de origem, também, no “Cumprimentos

de damas e cavalheiros”, onde as filas vão ao encontro de uma para a outra, segundo a

nomeação de damas ou cavalheiros. Assim, as meninas agiram novamente como pessoas sem

encaixes de modelos preconceituosos de gênero. Nesta perspectiva, onde se gera o interesse

por encontrar possibilidades que permitem vivenciar outras vertentes, se não as classificadas

pela sociedade para cada gênero, significa a existência do produto atingindo sua

materialidade.

É compreensível que a experiência profissional do homem marcador e da mulher

organizadora desta quadrilha obviamente não eram em formação em Artes, tampouco em

Dança, porém como futura professora desta linguagem, não deixei de observar a atitude

tomada pelo sujeito, onde deu-se, por meio de gestos como leves balanços da cabeça no

sentido de direita/ esquerda e por a mão nos olhos pela aparência estranha de formação de

pares, risos talvez por achar engraçado ver as meninas dançarem daquele modelo e até fez uso

da palavra “não”, certa vez ao separar damas e cavalheiros em filas diferentes. Suponho que

essa atitude poderia ter vindo também da plateia, onde poderia haver alguém tanto ou mais

preconceituoso (a) quanto/do que ele, assim, poderia até ocasionar o risco da criança ser

retirada por esse (a) responsável ou ser motivo de risos e/ ou comentários desagradáveis

momentos depois da apresentação.

Percebi nesse tipo de atitude, que ainda permanece fortemente entre a sociedade a

reprodução de distintas e mínimas ações, direcionadas para homens e mulheres, como uma

fórmula, um padrão que não pudesse mudar ou ousar, inserir ou retirar, enfim, como se fosse

impossível meninas realizarem movimentos de dança numa quadrilha que foram por vasto

tempo estabelecidos para os meninos. Sendo assim, ao refletir acerca das relações de gênero

conclui, que talvez seja por motivo de, se a mulher conseguiu efetuar tal prática social voltada

para o homem, esse, torna-se menos viril e mais fraco. É como se as meninas ocupassem o

lugar que era e é dos meninos, o ato de cortejar, de chamar a outra pessoa para dançar

precisasse ser exclusivamente, dos homens. Essa imposição da estrutura de movimentos

baseados unicamente no sentido biológico, na anatomia padrão, não deixa de representar

também a articulação do poder, na perspectiva de mantê-lo centralizado.

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Segundo Marques (2007), no imaginário social do mundo masculino, enquanto

aconteceria o contrário com as garotas, tornando-se menos suaves e mais fortes. Contudo, em

relação às crianças não percebi nenhum problema, talvez por terem pouco tempo para pensar

se aceitariam dançar em determinadas condições, o fato é que ocuparam o espaço da quadra,

dançando o repertório com bastante entusiasmo, livre de expressões de repudio e

discriminação sobre este tema. E em relação a dança no contexto da comemoração junina,

também há tantas outras formas de executá-la, no que diz respeito ao (a) licenciado (a) em

Dança, entre tantas outras metodologias, Marques (2007, p. 29) propõe:

Podemos pensar em dois grupos de pessoas diferentes dançando a Quadrilha: o

movimento é o mesmo, mas a dança é outra ¬ são outras pessoas. Ou até mesmo o

ensaio dessa Quadrilha: quando passamos da sala de aula para o pátio da escola a

dança se transforma ¬ é outro espaço geral. Você já pensou que se, em vez da música

tradicional tocássemos uma valsa vienense? Com a mudança de som, há também

recriação da dança e assim por diante.

O uso da pesquisa de movimentos oferece outras possibilidades de executar uma

mesma dança, uma vez que é apreciada somente em uma condição. Ela também ressalta com

base em Laban a importância da dança acontecer através “da percepção, da experimentação e

da análise em nossos corpos do quê, de como, e com quem/ o quê o movimento acontece que

podemos também criar, transformar e compreender a dança” (MARQUES, 2007, p 29). O uso

da criatividade com foco nos conteúdos de dança é capaz de modificar o movimento existente

inúmeras vezes, fazendo com que a dança se torne arte, também produz conhecimentos

associados a seu corpo como o reconhecimento e a compreensão de limites próprios e do (a)

outro (a).

Porém, não foi somente este fato que presenciei na escola enquanto monitora de

Dança, pois, por problemas técnicos de infraestrutura, as aulas de dança por curto prazo,

aconteceram na sala de leitura e ao iniciar a aula com alongamento e aquecimento das

articulações, com movimentos circulares a mesma funcionária citada anteriormente se

colocou “Esse movimento aí, os meninos não podem fazer não”, então me posicionei que

poderiam sim e realizei uma curta explicação no sentido de que estávamos praticando um

movimento corporal que não estava relacionado a nenhuma sexualidade e que as crianças nem

estavam percebendo o movimento no contexto que ela se referiu, contudo, continuou com

expressão de dúvida e repassando esse sentimento as crianças com idades entre seis e sete

anos, se eles podiam ou não participar integralmente da aula.

Refletir sobre o pensamento e a atitude dessa funcionária se faz extremamente

necessário e importante, pois refletem um agir que está relacionado ao de tantas outras

pessoas que cometem o mesmo desrespeito aos educandos (as). E se esse movimento fosse

realizado involuntariamente por algum menino em que a turma encontra-se aos olhares desta

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mulher? A mesma também efetivou outro comentário em relação aos modos de admitir os

comportamentos de gênero, portanto, nesta situação, ocupávamos a sala de vídeo esperando o

monitor de Esporte para retirar da sala a turma dele, pois a aula de Dança seria realizada

naquele espaço, então enquanto algumas crianças assistiam, outras brincavam no fundo da

sala, tentando utilizar o corpo em diferentes formas acrobáticas quando ela se aproximou e

comentou “Essa menina precisa aprender a brincar com as meninas, ela só quer brincar com

os meninos de luta e vivi correndo e pulando, é por esse motivo que as outras não querem

brincar com ela, vou falar com a professora de sala dela”.

Neste contexto, é necessário questionar se é a garota que precisa se adaptar as outras,

contribuindo para a efetivação deste tipo de pensamento discriminatório ou a turma e os (as)

profissionais da escola que precisa urgentemente se adaptar e respeitar sua personalidade, sua

individualidade e sua integridade. Considero que o conteúdo de dança não pode estar

submisso aos Temas Transversais, neste caso com as relações de gênero apontado pelo

componente extracurricular Orientação Sexual, contudo, também tem sua delicadeza e

importância no ensino-aprendizagem no campo escolar, por ser por meio da percepção e

aceitabilidade desses códigos, que se possibilita maior participação com qualidade e respeito

aos (as) educando (as).

A dança está conectada fundamentalmente ao corpo, então na escola, torna-se

significativo o ensino desse componente de modo que o corpo dialogue com outros corpos de

forma respeitosa, sem preconceito, sem medo e por outro lado, consciente do próprio limite e

o limite estabelecido pelo próximo nos processos artísticos. Então, concordo com a proposta

executada por Marques (2007, p. 53) quando diz:

Por meio das atividades de dança em seu fazer, apreciar e contextualizar artísticos

podemos propor atividades que proporcionem e enfatizem um diálogo respeitoso,

amigável, carinhoso e crítico dos alunos com seus corpos. Dialogar com o corpo

significa perceber e reconhecer as transformações que estão ocorrendo sem medo,

raiva, insegurança, preconceito e tabus...

A relação entre docente e discente no campo da dança como Arte é de criação e

produção coletiva. Segundo Gharam Price (2011) a criança por si mesma não é capaz de

organizar-se dentre as variações de conteúdos desta disciplina, portanto, a participação para

que as cenas constituam-se, depende da busca de ações conjuntas, pois a reprodução total não

é fator bem vindo pela arte, pois diz respeito a ausência de ideias e de reflexões. Falkembach

(2011) pontua Laban através das qualidades do movimento, peso, tempo, espaço e fluência,

como forma de romper com a visão totalitária de exercer a Dança na escola e faz reverência a

Paulo Freire que considera cópia, uma perspectiva de educação bancária, “Quando

escolarizamos a arte, ou quando enrijecemos a cultura, criamos núcleos de desvitalização, que

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vão contaminando os lugares de infelicidade” (BARBIERI, 2011, p. 21).

Além de explicitar algumas vivências acerca das desigualdades de gênero no âmbito

escolar enquanto monitora de Dança no projeto Mais Educação, compartilho algumas das

experiências vivenciadas na Escola Municipal Zeneide Igno de Moura, que funciona com o

Ensino Fundamental Séries Iniciais e está situada na Avenida Solange Nunes, no bairro de

Cidade Nova, zona Oeste da cidade de Natal. Nesta escola, as aulas da disciplina Artes dos 4º

e 5º anos recebem o apoio de bolsistas do subprojeto PIBID Dança UFRN. A existência dessa

parceria dá-se entre a universidade que tem como coordenadora a Profª Drª Karenine de

Oliveira Porpino e a escola pública que tem como supervisora a Profª Ms Raphaelly de Souza

Bezerra. Neste caso, foi possível observar e ministrar aulas de Dança por intermédio de minha

participação no subprojeto como bolsista entre os anos de 2015 e 2016.

Dentre várias outras atividades executadas, uma delas foi dirigida a discutir diversos

assuntos sobre dança e educação e um desses temas foi o que se apresenta aqui neste trabalho:

relações de gênero nas aulas de dança, portanto, foi analisada e planejada uma das formas de

levar o assunto para ser compreendido em aula, resolveu-se então usar como recurso didático

apreciação de vídeo educativo em versão de desenho animado “O irmão de Jorel” no episódio

“A perigosa lambada brutal”. A história do vídeo consiste na participação de um garoto que

pratica balé. Com o objetivo de levantar discussão sobre o assunto e que provocasse a

compreensão de que o conhecimento da dança é direcionado para homens e mulheres bem

como ter o direito de praticá-la também, inclusive reproduzir ou escolher executar a mesma

intensão num determinado movimento, como por exemplo, o uso dos fatores de Laban, já

citados neste texto ou o fato até de usar o mesmo movimento como a ação de rebolar o

quadril.

As crianças se comportaram de forma satisfatória no que se refere a discussão do

vídeo, como nas praticas que vieram após a apreciação do mesmo. Durante a discussão

poucos se pronunciaram contra meninos praticarem balé, mas ao final da aula, já se

pronunciaram que não havia problemas nesta situação. Acredito ser verdadeira as colocações

delas, pois, como explicita a primeira parte deste texto, os corpos chegam ao mundo livre de

preconceitos, porém a sociedade se encarrega de impor padrões de se viver.

Raphaelly, a professora de Artes e supervisora do subprojeto PIBID Dança nesta

escola, também coordena o projeto Andanças, que tem como foco as danças populares. Este se

desenvolve com duas turmas no turno vespertino, no contra turno escolar dos (as) alunos (as)

participantes, com as turmas do 4º e 5º anos, com idades entre nove a doze anos, do sexo

mulher e homem. O projeto, por sua vez, é também acompanhado por algumas das bolsistas,

aqui pode-se perceber alguns enfrentamentos em relação ao tema gênero no que diz respeito a

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movimentação em si, mas não com a dança em geral, pois participa do projeto Andanças

quem gosta, identifica-se e propõe-se a realizar tal atividade física.

De acordo com Falkembach (2012), as danças populares, contam a história de nossos

pais e mães, avôs e avós, bisavôs e bisavós, enfim, dos (as) nossos (as) ancestrais. Apesar de

algumas já se encontrarem desaparecidas, outras permanecem vivíssimas e pesquisar sobre

elas tem fundamental importância, uma vez que são pertencentes de imensos e potentes

conhecimentos de uma cultura diversificada. Principalmente em se tratando de opressão, pois

oferece sobre a colonização do Brasil, uma oportunidade de descobertas e reconhecimentos

histórico-culturais que estão bem próximas, haja vista que estão presentes em corpos e em

espaços ao alcance de se propor aos (as) educandos (as), além de que facilita a ampliação da

aprendizagem e auxilia na interação com outros ritmos que não são somente os determinados

pela cultura de massa conhecidos pela maioria da sociedade. Uma forma de mostrar que se

pode, quando necessário, ser resistente ao conformismo em relação a ausência de informação

até da própria região que convivem.

Segundo Marques (2007), não se trata de viver o passado e sim de vivenciar os

conhecimentos, os costumes, as crenças, as possibilidades e os significados embutidos na

história. E que possam perceber seus valores e identificar formas de recriá-las, introduzindo

outros olhares sobre as danças tradicionais. Pois em processos criativos em dança são

divulgados as características que revelam o quanto o país ou mesmo uma região é plural. A

dança é uma das linguagens da arte onde faz uso do estranho, do diferente, do fantástico e do

espetacular, atingindo a modificação do fazer cotidiano, a conclusão de um trabalho artístico,

construído, preferencialmente com a participação dos (as) educandos (as), por meio de

suporte orientado pelo (a) educador (a).

Neste contexto, as aulas procederam-se partindo do ponto dos conhecimentos próprios

dos (as) participantes sobre a dança, formados ao longo de suas trajetórias de vida e a partir

meio em que convivem. As respostas vieram em palavras e em movimentos concebidos em

massa de fonte propagada pela mídia televisiva e pela internet. Pensando na vivência em

dança como linguagem, arte, educação e dança popular, que lhes foi oferecidos (as)

pedagogicamente suportes para buscarem outras formas e possibilidades de dançar a partir da

bagagem que já carregam consigo e da criatividade num diálogo com os novos

conhecimentos. Numa conjuntura contextualizada, essas, foram adaptadas aos ritmos do

Pastoril, Xaxado, Xote e Coco.

Como dança de origem nordestina, a história do Xaxado segundo o autor Emerson

Santiago, apresenta várias origens e significados por autores diferentes, assim representa “a

plantação de feijão ao ritmo da enxada no chão”, “influência indígena, pelo ato de formar filas

realizando avanços e retrocessos” ou “um grupo de lampiões que utilizavam armas

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representando vitórias”, sendo a última versão a mais utilizada. Foi de início dançado apenas

por homens, posteriormente, as mulheres conseguiram conquistar este espaço com a figura da

Maria Bonita esposa de Lampião, atualmente é comum dançá-lo em filas separadas por sexo,

causando uma representatividade de que estão em guerra, neste sentido, as responsáveis pela

turma, acreditaram que ao seguir a mesma ordem poderia gerar entendimento de guerra dos

sexos, uma vez em que se encontra em construção da personalidade cidadã.

Sendo assim, em relação a essa situação, a metodologia utilizada foi o posicionamento

dos garotos e das garotas compondo uma mesma fila, ao contrário do que acontece

tradicionalmente na dança de origem, realização de jogos corporais que permitiram a

criatividade do uso de descobertas de seus próprios limites, como também a exploração do

espaço com rolamentos e saltos, onde foram exploradas, as mudanças de níveis e

deslocamentos pelo espaço, auxiliando a compor parte da coreografia.

Em relação aos fatores do movimento, as meninas também utilizaram

predominantemente do fator peso forte, detalhando, para cada proposta de ação, a explicação,

para melhor permitir que pudessem internalizar que não necessariamente na dança é preciso

dividir ações, movimentos, tempos, espaços, expressões e intensidades, ou seja, quanto mais

naturalizar as tarefas entre os sexos nas aulas com o objetivo de incentivar a não violência de

gênero, mais possível e significativa torna-se essa compreensão.

Nas propostas de práticas criativas corporais, por exemplo, as meninas podem

perceber que experimentar a criação de danças fortes, firmes e diretas não significa

que sejam menos femininas e que, ao contrário, a força não pertence

necessariamente ao sexo masculino. Do mesmo modo, incentivar e discutir

possibilidades de movimentos leves e indiretos (tradicionalmente em nossa

sociedade associados ao feminino) pode levá-los a perceber que não “perderão sua

virilidade” caso se expressem com mais delicadeza. Assim, processos de criação

refletidos, escolhidos, estruturados e embasados poderão abrir o leque de

possibilidades de expressão e de comunicação não somente entre gêneros, mas

principalmente sobre os gêneros em sociedade (MARQUES, 2007, p. 55).

É imprescindível se manter alerta para as formas que detectam os aspectos

constituintes de preconceitos e que possam reproduzi-los causando modos de padronizar os

corpos ao estabelecer movimentos, espaços, opiniões e expressões específicas para cada sexo,

limitando que o (a) sujeito (a) realize a escuta do próprio corpo, a busca do que se interessa e

se atrai, contudo, perceber-se capaz de tal prática, ou seja, observar os olhares, os gestos, as

falas e outras ações que não condizem com o processo educacional do desenvolvimento e das

metodologias de experimentações.

Discutir sobre atitudes deste tipo torna-se pertinente no sentido de estimular reflexões

sobre o tema gênero, seja advinda do (a) discente como de outros docentes como nos casos

apresentados a seguir, onde decorreu durante a montagem do Xaxado. Pois, antes de anunciar

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quem ficaria responsável por realizar uma entrada consistida do diferente das demais

participantes, quando foi proposto a todas as crianças a realizarem rolamentos, saltos e um

movimento conhecido por “estrelinha”, e ao ser divulgado que uma menina executaria a

estrelinha, houve espanto e questionamento por dois garotos que se opuseram a ideia. Eles

acreditavam que quem deveria exercer essa função era um deles, pelo fato deles serem

meninos. Houve explicações teóricas acerca da igualdade de oportunidades,

consequentemente de capacidades, portanto, a prática do movimento continuou a ser feita pela

garota.

Tanto o corpo quanto a dança ainda são cobertos por um mistério, (…) que a grande

maioria da população escolar ainda não conseguiu investigar, explorar, perceber,

sentir, entender, criticar! Ou seja, embora não se aceite mais o preconceito em

relação ao contato com o corpo e a com a arte, as gerações que não tiveram dança na

escola muitas vezes não conseguem entender seu significado e sentido em contexto

educacional. Há, às vezes, um entendimento estritamente intelectual em relação a

essa disciplina, sem que haja um entendimento corporal crítico e, portanto, aceito e

valorização baseada na experiência ( MARQUES, 2007, p. 21).

Neste contexto, entendo que, questionar é não se permitir perder a oportunidade de

oferecer e motivar outros modos de se pensar sobre as relações de gênero, como no caso do

comentário realizado por uma bolsista que acompanhou o projeto Andanças durante a

experimentação e desenvolvimento da construção coreográfica do Coco “Vamos lá meninos,

muito bem, é isso aí, mostrem sua masculinidade!”. Elogios são fundamentais para estimular

o (a) aluno (a), no entanto, é preciso ter cuidado ao estabelecer ou pronunciar regras de

movimentos e classificá-los quanto ao gênero pelo fato de ser mulher ou homem

biologicamente.

Assim pode-se perceber que o movimento foi esteticamente direcionado pertencente

ao universo imaginário masculino. Se o contexto do publico no qual se está lecionando é

infantil “Que tipos de compreensão elas podem conseguir? (…) Alunos conectam-se com seu

mundo de maneira viva e pessoal. Eles podem partir de experiências mundanas, imaginadas

ou mediadas, e criar algo especial...” GRAHAM PRICE (2011, p.51).

Neste sentido, penso em diversas situações que podem vir a acontecer, como por

exemplo, se algum menino na sala não se identifica com aquela movimentação que estava

cômoda para o corpo do garoto que estava a experimentar sua própria ideia? Ou ao contrário,

como se sentiria alguma menina que se fez presente despertasse o interesse em experimentar o

mesmo movimento? E se fosse o gênero oposto executando a ação do garoto, receberia o

mesmo elogio? Mais além, se aquela movimentação foi indicada como “máscula”, os meninos

quererão desempenhar as que surgirem com características opostas?

Sobre questões culturais que fomentam a desigualdade de gênero, no caso da dança é

importante que todos (a) professores (as) devem estar capacitado (a) tornando-se agente

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transformador (a). Portanto, faz-se necessário está atento (a) até na organização da construção

e/ ou atualização do projeto político pedagógico, uma vez em que há representantes de todos

os segmentos que compõem a comunidade escolar, sendo assim, torna-se mais provável e

garantido trabalhar as relações de poder dentro da escola, o que consequentemente poderá

atingir, mesmo que indiretamente, a comunidade extraescolar.

Outro ponto que poderá desencadear uma discussão sobre o tema, é sugerir durante

reuniões pedagógicas, e/ ou compartilhar experiências positivas vividas ou pesquisadas

baseadas na integração das relações de gênero tendo em vista o desenvolvimento do senso

crítico, através de questionamentos com o objetivo de proporcionar uma reflexão entre a

equipe pedagógica sobre o assunto. É provável que apenas alguns (a) profissionais trabalharão

nesta perspectiva de igualdade de gênero, porém, o fato de provocar um consistente diálogo,

certamente propiciará uma compreensão de que tais situações não são imaginárias nem

mitológicas e são sim verídicas e corriqueiras do dia a dia.

Considerações finais

É notório que o preconceito de gênero existe, mas enquanto educador (a) é possível

facilitar um ambiente de igualdade de direitos para os gêneros, em atitudes cotidianas que

auxiliam para se atingir a compreensão de que nenhum gênero tem mais ou menos poder do

que o outro. O fato de permitir que ambos os sexos tenham a oportunidade de praticar a

mesma ação é considerado um princípio importante nessa tarefa de contra cultura de menos

direitos para as mulheres, portanto, pensar/planejar e agir/aplicar formas reflexivas, é

positivamente contribuinte para esse entendimento.

É pertinente também que o (a) licenciado (a) em Dança proponha, para toda a

comunidade nos espaços que atuam, condutas que levem a questionar e refletir sobre os

papéis de gênero que ainda entrelaçam nas formas de ensinar e aprender a dança, pois os

conhecimentos dela são compreendidos por meio de ações corporais. Neste sentido, não foi

trabalhado em si o tema em questão, porém, foi possível obter uma percepção de outro modo

de desempenhá-lo nas práticas das aulas de dança, que certamente puderam estimular algum

ato de desconstrução do preconceito e discriminação de gênero. Portanto, proporcionar dança

no campo escolar é educar para além do ato de movimentar-se dançando, pois a dança requer

despertar para os sentidos de capacidades do corpo.

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