Danca Moderna Americana-um Esboco - Aula de 10-06-Libre

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Pro-Posições - Vol. 9 W 2 (26) Junho de 1998 Artigos Dança moderna americana: um esboço * Claudia Gitelman" Resumo: Neste artigo a autora traça relações diretas entre os processos criativos, estéticos e filosóficos de três pioneiras da dança moderna americana, Isadora Duncan, Ruth St. Denis e Loie Fuller, e os movimentos artísticos dos Estados Unidos no século XX. Através de retrospectiva histórica, a autora discute não somente as influências, mas as rupturas e ino- vações artísticas provenientes destes trabalhos e suas contribuições para o desenvolvimen- to da dança moderna americana. Nas figuras de Martha Graham, Doris Humphrey, José Limón, Merce Cunningham, Alvin Nikolais, Trisha Brown, Steve Paxton, Yvonne Rainer, entre outros, a autora esboça uma visão interdependente da dança moderna americana. Palavras chave: história, dança moderna, representação, formalismo Abstract: In this article the author relates the artistic, aesthetic and philosophical grounds of the works of the three pioncers in American modern dance, Isadora Duncan, Ruth St. Denis and Loie Fuller and the artistic dance movements in the United States in the 20,h century. Travelling through dance history not only does the author discuss the influences, but also ruptures and innovations that carne from the works of thc three dancers and their contributions for the development of American modern dance. Emphasis is given on the works of Martha Graham, Doris Humphrey, José Limón, Merce Cunningham, Alvin Nikolais, Trisha Brown, Steve Paxton, Yvonne Rainer among others. Descriptors: history, modern dance, representation, formalism A tradição da dança moderna é um convite ao pensamento individual do artista. Os dançarinos que iniciam carreira como coreógrafos acreditam poder se diferenciar de seus professores. Pelo menos, eles acreditam possuir uma visão, um poder de invenção e de . Este artigo foi traduzido com permissão da autora. Foi originalmente escrito em inglês. intitulado : "American Modem Dance: a Sketch" em 1988. quando a autora se encontrava no Depto. de Ar- tes Corporais. do Instituto de Artes da UNICAMP.como professra pesquisadora visitante. Tra- dução: Isabel Azevedo Marques e Eva Tessler. "Professora da State University of New Jersey. Estados Unidos. 9

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  • Pro-Posies - Vol. 9 W 2 (26) Junho de 1998

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    Dana moderna americana:um esboo *Claudia Gitelman"

    Resumo: Neste artigo a autora traa relaes diretas entre os processos criativos, estticose filosficos de trs pioneiras da dana moderna americana, Isadora Duncan, Ruth St. Denise Loie Fuller, e os movimentos artsticos dos Estados Unidos no sculo XX. Atravs deretrospectiva histrica, a autora discute no somente as influncias, mas as rupturas e ino-vaes artsticas provenientes destes trabalhos e suas contribuies para o desenvolvimen-to da dana moderna americana. Nas figuras de Martha Graham, Doris Humphrey, JosLimn, Merce Cunningham, Alvin Nikolais, Trisha Brown, Steve Paxton, Yvonne Rainer,entre outros, a autora esboa uma viso interdependente da dana moderna americana.

    Palavras chave: histria, dana moderna, representao, formalismo

    Abstract: In this article the author relates the artistic, aesthetic and philosophical groundsof the works of the three pioncers in American modern dance, Isadora Duncan, Ruth St.Denis and Loie Fuller and the artistic dance movements in the United States in the 20,hcentury. Travelling through dance history not only does the author discuss the influences,but also ruptures and innovations that carne from the works of thc three dancers andtheir contributions for the development of American modern dance. Emphasis is givenon the works of Martha Graham, Doris Humphrey, Jos Limn, Merce Cunningham, AlvinNikolais, Trisha Brown, Steve Paxton, Yvonne Rainer among others.

    Descriptors: history, modern dance, representation, formalism

    A tradio da dana moderna um convite ao pensamento individual do artista. Osdanarinos que iniciam carreira como coregrafos acreditam poder se diferenciar de seusprofessores. Pelo menos, eles acreditam possuir uma viso, um poder de inveno e de

    .Este artigo foi traduzido com permisso da autora. Foi originalmente escrito em ingls. intitulado :"American Modem Dance: a Sketch" em 1988. quando a autora se encontrava no Depto. de Ar-tes Corporais. do Instituto de Artes da UNICAMP.como professra pesquisadora visitante. Tra-duo: Isabel Azevedo Marques e Eva Tessler.

    "Professora da State University of New Jersey. Estados Unidos.

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    organizao que merecem ser notados junto a seus professores e colegas. Deste modo, ahistria da dana moderna americana uma histria de mudanas.

    As decises individuais que impulsionam a mudana so de uma variedade tremen-da: ora so motivadas por uma convico artstica irrepreensvel, ora por uma intensa inde-pendncia, que envolve a recusa do indivduo de ser usado como instrumento de outrapessoa. Algumas vezes estas decises so impulsionadas pelo oportunismo, pela esperan-a de se aproveitar da vontade do pblico de ver alguma coisa nova, outras vezes, porduas das razes acima, mas geralmente, pelas trs.

    Todas estas mudanas so singulares; o contexto e as realizaes de cada uma delasso interessantes. Elas so ocultadas quando categorizadas e sofrem generalizaes. Aqui-lo que realmente relevante de cada uma so as danas que produzem. Aquilo que im-portante sobre a dana moderna a sua essncia interna que permite uma constante reno-vao.

    Assim, podemos notar que a dana moderna se constitui em um conjunto de deci-ses individuais e artsticas que fazem referncia ao trabalho de outros artistas, anterioresou contemporneos a tais decises. H ainda outra maneira pela qual a dana modernatambm pode ser vista como mudana. Em sua breve e compacta histria ela passou pelasfases mais importantes da esttica do ocidente.

    A dana moderna almejou imitar a natureza, tal qual propunha Aristteles e a maio-ria dos artistas do sculo XVIII. A dana moderna foi tambm um veculo de expressopessoal e de emoo, seguindo os princpios bsicos do grande movimento romntico. Aoabarcar a noo de que a prioridade do artista era a manipulao consciente do cdigo dadana, a dana moderna tornou-se formal, passando, num piscar de olhos, a uma fase depluralismo e de tolerncia que tem sido chamada de ps-moderna.

    Parece-me interessante observar que as trs antecessoras da dana moderna americana,Loie Fuller, Isadora Duncan e Ruth St. Denis, foram o microcosmos da histria da teoriada arte ocidental e que as formas de arte por elas catalisadas passaram por todas as fasesdo pensamento artstico ocidental.

    A vida de Loie Fuller, nascida em Illinois e consagrada na Europa no final do sculoXIX a menos pesquisada das trs. Os desenhos curvos e torcidos de seu movimento ede seu figurino, suas referncias natureza e seu uso de novos materiais e tecnologia fo-ram ingredientes importantes do ascendente estilo Art Noveau.

    Loie Fuller foi uma cientista que durante algum tempo apoiou estudos em um labo-ratrio em Paris sobre uma nova fora da eletricidade com a qual ela projetava luzes colori-das nas saias e tecidos que manipulava. Loie Fuller era acima de tudo uma solista, maschegou a coreografar trabalhos para terceiros, sob a condio de que eles se movimentas-sem de maneira natural. Com este trabalho, Loie Fuller se deu conta de que danarinoscom preparo tcnico no podiam interpretar as iluses que buscava criar.

    A vida e a mensagem de Isadora Duncan so bem conhecidas. A partir da Califrnia,ela esteve presente em crculos artsticos de grande influncia. Sabemos hoje que MichelFokine, um jovem coregrafo rebelde do teatro de Maryinsky, de fato a viu danar e quesua dana provavelmente reforou as idias que ele prprio tinha sobre o uso do tronco,do fluxo natural dos braos, de expressividade do movimento robusto e natural. Duncandeu dana moderna a controvrsia para a rebelio e injetou combustvel no bal clssicopropiciando seu renascimento atravs dos Ballets Russes de Diaghilev.

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    A terceira antecessora americana, nascida Ruthie St. Denis, Nova Jersey, foi canoniza-da pelo empresrio teatral David Belasco, tornando-se ento, Ruth St. Denis. Ela tambmdanou na Europa, como Loie Fuller e Isadora Duncan, mas nunca circulou nos meiosartsticos eruditos europeus. Assim como Belasco inventou seu nome, ela inventou a siprpria da maneira mais americana possvel.

    No ano de 1909 aconteceu que estas trs mulheres: Fuller, Duncan e St. Denis apre-sentaram espetculos em Nova York. Cada uma delas se apresentou em bons teatros, combons msicos e para platias grandes e compreensivas. A rebelio destas mulheres haviasido bem sucedida. Danando em estilos que tinham cuidadosamente desenvolvido por siprprias, margem da tradio de quatro sculos de dana aristocrtica europia, elas esta-vam sendo seriamente consideradas como artistas.

    No difcil perceber como elas comearam o processo de busca e de renovao quese tornou a dana moderna americana. Em que sentidos foram estas artistas o microcosmodo pensamento esttico ocidental?

    St. Denis criou danas para que pudesse representar as qualidades espirituais da humani-dade e as foras da natureza. Estudiosa das religies orientais, ela jogou com o misticismo ecom a sensualidadede maneira segura- segura porque sempre foi extica,remota e bela.Seustrabalhos, tal como 7be dance q/jive sellses (A dana dos cinco sentidos), representou a nature-za assim como as danas preparadas para os espetculos da corte de Louis XIV apresentavamas virtudes, as estaes do ano e outras entidades afins. Suas danas eram sempre decorativas,com figurinos e detalhes que faziam referncia ao assunto em questo e com um vocabulriode movimento que poderia ser reconhecido. O fato de St. Denis criar danas que eram maissensuais que as da tradio aristocrtica indica uma mudana de gosto, assim como sua presen-a no palco. A razo, no entanto, era idntica: dar prazer, diverso e elevao -colocar a platiaem contato com o que havia de mais sublime em sua prpria natureza e no mundo.

    A arte de Duncan foi o romantismo. Muito mais do que os chamados bals romnticosdo sculo XIX, sua dana abarcou os verdadeiros princpios do grande romantismo literrio emusical. Descartou as hierarquias aristocrticas da dana teatral na medida em que descartou osespartilhos e as sapatilhas, proclamando a dignidade do corpo livre em movimento. A arte deIsadora Duncan era partidria da igualdade, como o romantismo, uma filosofia esttica possi-bilitada atravs do crescimento da classe mdia e de sua convico no valor do indivduo. Asemoes e os sentimentos das pessoas sensveis e intensas passaram a ser o objeto da arte.

    Loie Fuller tinha quase sido esquecida pelo mundo da dana at que os rebeldes dos anos60 descobriram os princpios formalistas de sua obra. Loie Fuller no expressava sentimentosnem representava idias; sua arte era sensorial e dizia respeito ao controle do cdigo, do movi-mento, do uso de cena e luz, todos to importantes em sua criao. Ela entitulou seus traba-lhos de Flame e BllfterRv (Flama e Borboleta) por simples convenincia. O assunto real de seutrabalho eram o movimento e a cor que no encobriam nada e falavam por si mesmos.

    Assim, estas trs mulheres comprometidas, independentes e inteligentes, foram maisdo que os pilares de uma nova forma artstica. Elas deram licena inveno, originalida-de e proporcionaram uma abertura na viso da arte que vrias geraes de danarinos nelasencontraram tanto idias para defender seus prprios trabalhos quanto idias abominveiscontra as quais podiam se revoltar.

    Fuller e Duncan tiveram imitadores e seguidores, mas St. Denis tornou-se uma lmll-tuio. Ela tinha qualidades que fizeram com que a arte da dana se tornasse aceitvel aos

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    olhos do 'pblico americano. St. Denis viajou incansavelmente pelo pas inteiro, fundouuma escola que gerou a coragem e a ousadia para outras mudanas. A revolta contra elaproduziu um tipo de dana hoje reconhecida como americana e moderna que levou a umanova concepoestticade dana. .

    Na sua juventude, St. Denis foi uma artista popular que apresentava "nmeros arts-ticos" nos circuitos de teatro de revista e que absorvia, na sua rotina diria, os estilos e asidias de muitas danas da moda da virada do sculo. Ela foi influenciada por teorias eexerccios de Franois Delsarte que estavam na moda nos circuitos de classe mdia no finaldo sculo XIX. Fez aulas de bal clssico, tentou todas as pernas altas e acrobacias e experi-mentou as danas com saias, cuja forma Fuller estava desenvolvendo com tanta perfeio.

    Um dia, em Buffalo, Nova York, St. Denis se deparou com um cartaz de cigarros "DeusaEgpcia" e num instante recebeu sua inspirao artstica; converteu-se na deusa do cartaz,inescrutvel, sensual e ainda assim espiritual. St. Denis usava sua beleza, seu talento para adana e suas energias persuasivas para criar um novo tipo de dana - um tipo de dana quepudesse representar as foras sublimes do misticismo e da espiritualidade da humanidade.

    St. Denis no inventou uma nova forma de danar atravs da pesquisa dos poderesexpressivos e naturais do corpo humano como Duncan havia feito. Ela tambm nopesquisou modos de criar iluses teatrais com movimentos simples e com tecnologia comoFulIer havia feito. St. Denis usava aquilo que lhe estivesse ao alcance e, embora sua arte nofosse to original quanto a das outras duas, sua influncia era mais direta. Em parte devi-do ao ecletismo de seu trabalho, em parte por sua intuio ao se projetar para o pblico eem parte devido boa sorte, St. Denis floresceu. Depois disto ela se tornou um espcie demadrasta contra a qual outros lutaram.

    Uma linha direta de sucesso pode ser traada deste St. Denis at alguns danarinosde hoje. No obstante, quando a dana moderna se estabeleceu na Europa, no tinha ne-nhum tipo de vnculo direto com Duncan nem com FulIer. Embora St. Denis tenha sidorejeitada e abandonada por seus alunos mais prximos, algumas de suas caractersticas so-breviveram. U ma delas foi a vontade de absorver estilos e formas da cultura popular e odesejo de sempre estar em contato com platias de pessoas comuns. Nossa to admiradahistoriadora da dana, Marcia Siegel, acredita que a dana americana sempre foi uma danado povo e nunca uma dana criada oara o povo.

    Isto pode ser visto como verdadeiro, ainda que a dana moderna americana tenha tam-bm sofrido influncias europias. Mas voltemos ao assunto. St. Denis arranjou um marido.Ted Shawn, um ministro protestante que inicialmente danava por questes de sade e de-pois se converteu totalmente a ela, era originrio de Kansas, na regio central do pas. Refor-ou o vigoroso americanismo da imagem de St. Denis, legitimando-a socialmente. Ted Shawntornou-se sua partner, tanto na dana quanto nos negcios e os dois viajaram interpretandosempre um repertrio de duos. O passado respeitvel de Ted Shawn, sua virilidade e seupoder de persuaso, combinados beleza, habilidade e ao vJcabulrio espiritual de St. Denis,proporcionaram Amrica exatamente aquilo que ela que'ria de uma arte teatral. Algumasvezes a dupla se deparou com dificuldades financeiras, mas sempre foram artistas em quemse podia confiar. No eram europeus acabados, tinham um sabor americano, ontudo sabi-am como interpretar papis de grande dama e cavalheiro. Trabalharam incansavelmente. Em-bora alguns dos traos msticos do casal viessem a ser considerados triviais com o passar dosanos, eles sem dvida trouxeram ao pblico americano um alto nvel de dana teatral que at

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    ento no havia sido vivenciado. Nas palavras do historiador Joseph Mazo, "St. Denis e Shawneram artistas srios, obstinados". Em 1915 eles fundaram uma escola na Califrnia, claro.Centenas de jovens procuraram Denishawn a fim de estudar uma variedade de tcnicas ensi-nadas por professores contratados por Shawn e de aprender os princpios espirituais de vidaoferecidos por Miss Ruth. Alguns alunos talentosos foram convidados a danar com seusprofessores e outros serviam de figurantes para os espetculos produzidos pela dupla. Al-guns alunos foram escolhidos para coreografar com Miss Ruth e trabalharam em coreografi-as de Pappa Ted. Foram estes alunos mais dedicados, de que Ruth e Ted esperavam maiorfidelidade, que se rebelaram. Martha Graham foi a primeira a deixar o grupo, seguida dodanarino e compositor Louis Horst. Doris Humphrey partiu logo depois, e, com ela, CharlesWeidman, seu partner e scio artstico.

    Sempre e muito perspicaz, Weidman chamou mais tarde sua sada de a "revolta dosneses", enfatizando que o repertrio Denishawn estava repleto de peas que se passavamem lugares exticos do hemisfrio oriental. Ironicamente o artista destacou que quando acompanhia viajava, sempre se tinha o cuidado de no danar danas javanesas em Java, oujaponesas no Japo, ou balinesas em Bali I.

    as rebeldes queriam na verdade algo a mais do que os "neses": em primeiro lugar,eles queriam um vocabulrio de movimento que fosse coerente e no seguisse os passosemprestados do bal, da dana de salo ou das poses decorativas; em segundo lugar deseja-vam temas que se aproximassem da experincia humana, particularmente da americana.Graham encontrou seu estilo de movimento na respirao - no na respirao comum, masna inalao e na exalao do xtase. Humprey encontrou a base de todo movimento naqueda e na recuperao do equilbrio.

    a final da dcada de 20 e a dcada de 30 foram anos de experimentao intensa para estese para outros pioneiros, tendo havido codificao de tcnicas, organizao de companhias e umpblico crescente. Muitos trabalhos importantes foram criados, sendo que alguns deles aindaso apreciados hoje em vdeo e em remontagens. Coregrafos apresentaram-se com freqnciaem Nova York e os jornais mais importantes da cidade contrataram crticos da dana.

    a sentimentalismo havia sido banido e a psique humana (no sentido freudiano) foiexposta. A organizao social foi examinada e o protesto social encontrou espao em al-guns trabalhos. a ndio americano, a cultura negra, o puritanismo, as fronteiras, as novascidades, a depresso, o trabalho operrio geraram temas para trabalhos de dana. A litera-tura americana passou a ser explorada, a msica americana encomendada.

    A dana, assim, converteu-se num veculo para a sensibilidade, para as emoes e paraos "insights" do dedicado artista arteso. au seja, os danarinos retomaram a ordem dogrande movimento romntico como Duncan havia feito, com o cuidado de no cair naqui-lo que eles, os pioneiros, achavam sem forma e personalista.

    A dana tendia a ser orientada em direo terra, com pernas fortes golpeando o cho,deslizando sobre ele, com raros saltos. a tronco passou a ser importante, considerado ocentro da energia, a massa que poderia se liberada para a gravidade e recuperada num arcocontra ela. Novos desenhos de brao foram elaborados para fugir da suavidade e, talvez omais importante, que estas descobertas foram codificadas e passadas a outros danarinos.

    , Do ingls Java~. Japa~ e Bali~ respectivamente - (n.t.)

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    Assiin com Miss Ruth e Pappa Ted esperavam que seus alunos permanecessem fiis aeles, Graham, Humphrey e outros contaram devotamente com seus alunos, com os mem-bros de suas companhias e com seu pblico. Era inconcebvel que um danarino srio es-tudasse mais que uma tcnica: cada estilo requeria uma certa concentrao, um controle esensibilidade to especiais que ningum poderia dominar mais que um deles. Os coregra-fos simplesmente nem mesmo poderiam tolerar tal tentativa traidora. Acima de tudo, nin-gum jamais poderia estudar bal clssico. As companhias eram compostas de devotosvoluntrios. Muitos danarinos se mantinham trabalhando em servios mundanos enquan-to que outros eram ajudados por suas famlias. Esta era uma outra mudana em relao sacademias europias que eram sustentadas pelo Estado. Durante este perodo, houve al-gum contato com a nova dana teatral que estava se desenvolvendo de maneira indepen-dente na Europa. Louis Horst, conselheiro, treinador, compositor e marido de MarthaGraham, esteve na Europa por nove meses nos anos de 1925/1926. Sabemos que ele viuMary Wigman danar e que se aprofundou na arte europia que ele considerou mais avan-ada que a americana. O historiador suio-americano Walter Sorell descreve a viagem deHorst e o efeito em Graham de suas descries. Nesta poca, Graham parecia ter quebradoseus vnculos com a esttica de Denishawn e descoberto a direo de sua prpria carreira.

    Nunca poderemos ter certeza do efeito causado em Graham pelas descries de Horstsobre Wigman e sobre o cenrio de arte europeu, mas quatro anos mais tarde Wigmanchegou Amrica com um espetculo de solos arranjados pelo empresrio Sol Hurok. Opblico ficou encantado. Como resultado disto, Hurok patrocinou a fundao da Escolade Dana de Mary Wigman em Nova York, dirigida por Hanya Holm, discpula de confi-ana de Wigman que trabalhava com ela desde 1919.

    H muita coisa a ser dita sobre este perodo fenomenal do final dos anos 20 e doincio dos anos 30. Em 1926 o primeiro departamento de dana foi implantado em umauniversidade americana por uma mulher excepcional: Margaret H'Doubler, biloga, comuma concepo esttica do final do sculo XIX e com teorias de educao bastante progres-sistas. Ela conseguiu convencer as autoridades da Universidade de Wisconsin de que a danaera uma via adequada para a educao liberal e prtica de jovens mulheres. O primeiro ba-charelado em dana foi implantado no departamento de Educao Fsica para Mulheres.Os primeiros graduandos de H'Doubler logo se espalharam pelo pas implantando ou-tros bacharelados em dana, normalmente dentro dos departamentos de Educao Fsica,principalmente porque esses departamentos dispunham de espao para tais atividades: ti-nham ginsios de esportes e acesso direto para empregar os graduandos como professoresde ginstica. Este abrigo da dana dentro da Educao Fsica durou nada menos que qua-tro dcadas. Foi aps muitos anos que a maioria dos departamentos de dana nas univer-sidades americanas ficou independente e se associou s outras artes.

    Outra educadora/administradora, Martha Hill, foi responsvel em 1934 pela implan-tao da Bennington Summer School of Dance, sendo quatro coregrafos de Nova Yorkconvidados a passar o vero na pequena universidade de Vermont. A maioria dos entusi-astas da dana moderna que freqentou o curso eram professores de Educao Fsica eseus alunos dos cursos de dana das universidades. Os quatro, Graham, Humprey, Weidmane Holm sentiram-se aliviados da depresso econmica que assolava Nova York, tendo atempo, espao e danarinos com os quais podiam trabalhar. Tinham tambm o apoio decengrafos, figurinistas e outros.

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    Muitos trabalhos importantes foram estreiados em Bennington, entre elesa obra pri-ma de Holm, Tremi, e muitos outros trabalhos de Humprey, de Graham e de Weidman.Os veres em Bennington foram importantssimos para o crescimento da dana moderna,tendo sido registrados num documentrio excelente chamado Pour Pioneers (Quatro Pio-neiros). Os quatro convidados eram figuras pioneiras no movimento da dana moderna epor este motivo foram convidados para trabalhar em Bennington. Mas havia muitos ou-tros desbravadores trabalhando naquele mesmo perodo.

    Lester Horton estava dando aulas e coreografando na costa oeste dos Estados Uni-dos. Sybil Sheares estava trabalhando em Chicago. A nipo-americana, treinada na Europa,Michio Ito trabalhou nas duas costas do pas at ser deportada durante a Segunda GuerraMundial. Helen Tamiris foi uma figura importante durante este perodo e, como Holm,coreografou para a Broadway. Shawn, divorciado de St. Denis em 1933, fundou uma com-panhia de danarinos do sexo masculino que fez turnes extensivas e, alm disto, criou umrefgio de vero nas montanhas de Berkshire, em Massachusetts. Jacobs Pillow se man-tm at hoje como uma escola que organiza festivais de vero.

    Outros artistas americanos e visitantes europeus que estavam se apresentando nestapoca deveriam ser pesquisados e lembrados. Alm disso, os programas de dana das uni-versidades abriram caminhos para que se desenvolvessem trabalhos fora de seus limites.

    A Segunda Guerra Mundial acabou com aquilo que tinha sido o paraso de Benningtone que foi mais tarde reconstrudo como American Dance Festival em Connecticut College,New London. Anos mais tarde o instituto foi transferido para a Universidade de Duke naCarolina do Norte onde floresce at hoje sob a energtica administrao de Charles Reinhart.Em vez de participar do novo ADF, Holm fundou seu prprio workshop no Colorado,onde trabalhou por mais quarenta veres.

    Na dcada de 40, a carreira brilhante de Humphrey foi interrompida tragicamente pelaartrite. Ela continuou sendo uma mestra influente e se tornou assessora artstica da companhiafundada por seu protegido, Jos Limn, aps haver retomado da guerra. Limn incorporou tcnica tradicional de Humprey-Weidman calor, robustez"e dramaticidade que gradualmente veioa se chamar tcnica Limn. O repertrio da Companhia Limn inclua alguns trabalhos deHumphrey durante a dcada de 50 e Limn sempre teve muito respeito pelos princpios econselhos de sua assessora. Em 1965, Limn dedicou-lhe uma coreografia, um tributo emoci-onante: Choreographic qtfen'ng (OferendaCoreogrfica)com acompanhamento daMusical q/fering(Oferenda Musical) de J. S. Bach, usando gestos e frases favoritos de sua mentora.

    Nos anos que se seguiram Segunda Guerra, anos marcados pelo conservadorismo,o foco de ateno da dana se dirigiu cada vez mais s tcnicas de Graham e Limn - ambasforam ensinadas na Juilliard School e no importante ADF. Holm estava trabalhando naBroadway, assim como Tamiris. O bal clssico estava se tornando cada vez mais acessvelao grande pblico devido turne, por todo o pas, de duas companhias rivais, o BalletTheatre e o Ballet Russe de Monte Carlo que apresentavam um ato de repertrio romnti-co e imperial, assim como novos trabalhos, freqentemente no estilo de dana carter emais raramente temas americanos. George Balanchine, que havia comeado a trabalhar nosEstados Unidos em 1934, no mesmo ano da fundao da Bennington, encontrou umainstituio estvel na dcada de 50 e comeou a produzir danarinos e danas de cunhoaltamente inovador, convertendo-se num padro de modernidade que at mesmo a danamoderna veio a venerar.

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    No'podemos nos esquecer, no entanto, do assunto principal das dcadas de 40 e50: de Graham. Atravs da fora de sua interpretao, de sua coragem e de sua vontade,ela ~ a dana moderna para milhes de pessoas no mundo todo. Graham perseguiu aspaixes femininas incessantemente na literatura, na histria e no mito. As exigncias desua tcnica, fortemente centralizada e assim mesmo desafiadora do equilbrio, com umaenergia controlada trabalhada em um crescendo de foras opostas em espasmos de ata-ques, absorveu orlas de jovens de ambos os sexos que trabalhavam com ela como sefosse sua sacerdotisa. A luxria de seus picos gregos, a exaltao dos heris e das hero-nas, o desespero com remorso de seus pecadores e mrtires ainda so modelos para mui-tos artistas de dana.

    Graham foi comparada a uma rvore enorme e viosa da qual sementes que caemtentam crescer, mas so impedidas por falta de sol e de nutrientes. Para que possam ven-cer, as sementes se vem obrigadas a se afastar, a fim de encontrarem luz e nutrientes.Dois membros da Companhia de Graham seguiram este caminho: Eric Hawkins e AnnaSokolow. Hawkins foi o primeiro danarino da companhia Graham. Sua masculinidade esua forte tcnica de pernas devido ao seu treino anterior com o bal clssico influenciarama direo do repertrio dela e tambm de sua tcnica. Hawkins, no entanto, cansou-se des-tas dinmicas de estilo e afastou-se a fim de trabalhar com formas similares que no fos-sem to fortes e tensas. Seu movimento delicado, refinado, as texturas originais e as for-mas de seu figurino e cenrio e um certo orientalismo no uso do som e das imagens con-tinuam sendo um elemento refrescante no mundo da dana moderna.

    Sokolow manteve todas as tenses do estilo de Graham, assim como sua naturezaexpressionista. No obstante, desenvolveu um vocabulrio gestual originrio das pessoascomuns, especialmente da juventude urbana. Sokolow converteu-se na defensora da gera-o alienada e dos grupos minoritrios, especialmente dos judeus. .

    Duas outras sementes afastaram-se muito mais da sombra de Graham: MerceCunningham e Paul Taylor, que comearam a experimentar coreografias prprias na dcadade 50. Taylor, o mais novo dos dois, mostrou obras muito radicais nos seus primeirosespetculos - experincias com movimentos do cotidiano e com falta de movimento. Se-gundo sua recente biografia, Privafe DOl11ain (Domnio Privado), ele logo percebeu que po-deria continuar a experimentar e a fazer um trabalho de vanguarda Q!! poderia formar umpblico. Taylor optou pela ltima alternativa:

    A esperteza genial de Taylor, seu domnio do cdigo, sua habilidade para criar mara-vilhosos padres lricos de locomoo, assim como sua deciso de no ser provocativo, fezcom que sua companhia se tornasse uma das mais populares de Nova York.

    Alvin Ailey, aluno de Lester Horton, dirige outra companhia que tambm lota tea-tros facilmente. Ningum poder acusar nenhum dos dois de ter criado uma esttica im-portante ou de ter inventado novas formas de movimento, mas, mesmo assim, ambospodem ser considerados artistas consagrados e seguros. Ailey ainda tem a seu favor a vir-tude de proporcionar um foco para o orgulho negro e de em sua prspera escola havercondies para que centenas de alunos de todas as cores possam aprender a disciplina e osacrificio da aspirao profissional da dana2.

    ,O Ailey faleceu aps a redao deste artigo (nota da organizadora).

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    Cunningham, ao contrrio, realmente iniciou uma grande mudana esttica dentro domundo da dana e de fato desenvolveu uma nova forma de usar o movimento. Tem-seguardado segredo a respeito do fato de Graham ter mandado Cunningham fazer aulas debal. Graham apreciava as contribuies desta tcnica que haviam sido trazidas por Hawkinsa sua companhia e, quando o jovem Cunningham chegou a sua escola treinado por BonnieBird, antiga aluna e membro de sua companhia, Graham mandou-o estudar no AmericanBallet School para que ele desenvolvesse um pouco a tcnica que Hawkins tinha.Cunningham tinha uma necessidade irrepreensvel de danar e uma curiosidade insacivelpelas artes. Visitava galerias de arte, assistia a concertos de msica contempornea e absor-via todas as idias sobre as quais confabulavam os artistas. Alm disso, experimentava in-cessantemente. Na metade da dcada de 50 estava apresentando solos e viajando com umapequena companhia de dana. As danas que mostrava eram inteiramente diferentes dasdanas que todos haviam visto at ento. Pareciam diferentes porque lli!!l diferentes. Pro-vinham de um sentido diferente da relao do artista com seu objeto de estudo e com seulugar no mundo. O questionamento que Cunningham levantou no foi fcil, nem para elenem para seu pblico, mas ele logrou preservar seu estilo, convertendo-se num artista que,mais do que outros, mudou a maneira com que artistas se percebem e percebem sua arte.

    Houve outros artistas que, durante o pico criativo de Graham e o xito de Limn, ques-tionavam as afirmaes nas quais a arte deles era baseada. Alwin Nikolais foi um deles. Em-bora fossealuno de Holm, Nikolais era autodidata - prespeiro,msico, desenhista e amantedos objetos. Nikolais usou todos estes talentos e a teoria moderna da abstrao para criaruma forma distinta de dana teatral. Ele estava cansado do excesso emocional dos imitado-res de Graham e era alheio aos simbolismos freudianos. "Por que?" perguntava-se, "por queno posso trazer um pedao de barbante para o palco e fazer com que continue a ser umpedao de barbante? Por que este barbante deve se tornar um cordo umbilical? ".

    Foi principalmente atravs do trabalho destes dois homens, Cunningham e Nikolais,com mtodos de trabalho e de criao distintos, produzindo danas distintas, que a danamoderna alcanou os princpios formalistas da arte do sculo XX. Afastar-se da idia ro-mntica de arte como uma carreira de emoes e de sentimentos do heri no foi umpasso fcil para nenhum dos dois artistas. Documentrios sobre cada um destes homensnos tempos de seus primeiros sucessos indicam que cada um deles buscava justificar suaarte como uma maneira diferente de concretizar os sentimentos. Foram necessrios mui-tos anos de trabalho e de reflexo at que eles pudessem ,afirmar que o movimento nadana no necessita de razo para acontecer - que o alcance do gesto por si mesmo e apercepo dele pelo que ele so as nicas condies necessrias para que o gesto danadose torne arte. Esta afirmao foi conseguia aproximadamente no ano de 1958, no mesmoano em que Humphrey escrevia que "todo movimento deve ter uma motivao". Esteperodo tambm foi interessante.

    O coregrafo Nikolais no tem colaboradores. Ele cria seu prprio acompanhamentosonoro, figurino, cenrios e efeitos de luz, freqentemente com instrumentos que ele mes-mo inventa. Nikolais no d crdito origem de sua idias, mas suas teorias so muitoparecidas com as dos artistas da Bauhaus das dcadas de 20 e de 30. Ele fala de formapura, de movimento puro, de luz e de som. No entanto, Nikolais preserva a idia do su-jeito, pois gosta de pensar que se comunica como um jungiano que produz reaes queemergem de uma profunda conscincia coletiva dentro da cultura.

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    Algu~as pessoas acreditam que Cunningham tenha um itinerrio subjetivo para seutrabalho, mas ele nega isto. Na verdade, enquanto Nikolais remove o ego herico da figurada dana, fazendo dele o habitante das estruturas de equilbrio na totalidade de seu meio,Cunningham tira o ego do artista, reconhecendo as influncias que teve das idias do artis-ta francs Marcel Duchamp e da filosofia Zen. Seguindo Duchamp, ele tenta fazer uma arteque vai alm dos limites de suas preferncias pessoais e de seus poderes de inveno. Jseguindo Zen, ele nega a causalidade -qualquer coisa pode ser seguida por outra em qual-quer lugar, tempo, objeto, evento e ser to importante quanto a outra. Para manter estesprincpios ele usa freqentemente tcnicas derivadas do acaso a fim de determinar a estru-tura, negando-se a expressar preferncias pessoais, admitindo apenas nos seus trabalhosaquilo que ele acha "interessante".

    O mundo da dana tem certamente achado muito interessante suas idias e ele deveter influenciado a dana moderna mais do que qualquer outro, talvez at mais do queGraham. Sua tcnica, que destaca as pernas e exige controle, fora e inteligncia, vem sen-do lngua universal da dana moderna em muitas partes do mundo h muitos anos.

    O formalismo que permeou a dana moderna da dcada de 50 teve seus paralelo nomundo do bal com o formalismo de Balanchine. Artista sem paralelos na tcnica de danaclssica, ele, tambm, fez danas sem a necessidade de contar histrias ou passar mensagens. verdade que todos seus bals so baseados nas partituras musicais, um tipo de corres-pondncia rejeitada por Cunningham e por Nikolais, mesmo assim cada uma de suas dan-as uma entidade que se comunica principalmente consigo mesma e atravs de si mesma.

    Enquanto este formalismo elegante estava se definindo nas dcadas de 50 e 60, umaoutra rebelio estava a caminho. Os levantes polticos e sociais dos anos 60 encontraramparalelo numa turbulncia artstica como nunca havia acontecido na histria.

    Em So Francisco, cidade da Califrnia especializada em pensamentos radicais, AnnaHalprin fazia experimentos com arte em processo. Anna agrupava artistas de vrias reas -danarinos, msicos, arquitetos etc. - que elaboravam textos para trabalhos. O preenchi-mento de todas as aes requeridas nos textos era em si a obra de arte. A maneira pelaqual as aes eram realizadas estava nas mos dos intrpretes e das contingncias das rela-es dentro do processo. O esprito que vinha por trs de suas atividades influenciou ou-tros em toda a extenso do pas.

    Enquanto isso, em Nova York, um grupo de jovens e inteligentes danarinos da es-cola e da companhia de Cunningham encontravam-se em aulas de composio coreogrficajuntamente com o msico Robert Dunn. Os problemas estimulantes que Robert lhes apre-sentava fizeram com que o grupo experimentasse movimentos e eventos nunca antes con-siderados dana e mudasse as relaes entre o pblico e o intrprete. O grupo comeou aapresentar seu trabalho numa grande sala na Judson Church, em Greenwich ViIIage, noano de 1962.

    Intrpretes andavam, corriam, saltavam e sentavam-se naturalmente; contavam hist-rias e falavam de si mesmos; alimentavam-se e usavam camisetas comuns, jeans e agasa-lhos de ginstica. O compositor Steve Reich sintetizou as atividades do grupo dizendoque "durante muito tempo nos anos 60 ia-se a espetculos de dana nos quais ningumdanava e depois para uma festa na qual todos danavam".

    A sala de Judson no era um teatro no seu sentido comum e a dana estava aconte-cendo em lugar ainda menos convencionais -galerias de arte, telhados, estacionamentos,

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    praas pb"Jicas, escadas, gramados e at mesmo em lagos onde o pblico assistia aos in-trpretes fazendo sinais uns para os outros dos barcos onde estavam.

    Os danarinos que mostravam seus trabalhos no Judson e seus compatriotas do outrolado do pas estavam na realidade criticando a dana moderna estabelecida. Sua insatisfaofoi claramente pronunciada em um manifesto escrito por Yvonne Rainer que comeava as-sim: "No ao espetculo, no virtuosidade, no "., uma lista dramtica de antigas su-posies sobre a dana teatral. Se a dana no precisava expressar sentimentos ou mensa-gens, se movimento por si s j era o suficiente, por que no era qualquer movimento dequalquer ser humano aceitvel? Por que os danarinos modernos ainda estavam trabalhandocom peitos levantados e pernas esticadas como os danarinos da antiga aristocracia do balclssico? Rainer fez uma objeo em particular ao ritual de frases dinmicas como era pratica-da pela maioria dos danarinos modernos - o crescendo de tenso elevando-se at o clmaxpara que depois ocorresse o relaxamento para poder haver outro crescendo e clmax.

    Desde que qualquer movimento comum poderia ser visto como dana e desde que qual-quer um poderia execut-Io, a deciso do que fazer tornou-se crucial. Tarefas simples, e algu-mas vezes complexas e intrigantes eram estabelecidas para os intrpretes. Estruturas ldicasforam inventadas. O exerccio intelectual de inveno e de descoberta destas estruturas tor-nou-se importante e artistas envolveram-se profundamente no aspecto conceitual destas ta-refas; para alguns isto era mais importante que os aspectos sensitivos de fazer e perceber.

    Alguns danarinos comearam a trabalhar com unidades mnimas de movimento tantonaturais quanto treinados que eram executados repetidamente com algumas mudanas deum ou mais elementos para que ocorresse uma evoluo gradual dos modelos. LucindaChilds e Laura Dean ainda trabalham dessa maneira.

    Trisha Brown fez experincias de vrias maneiras. Uma de suas danas mais famosas,Accumulation (Acumulao), na qual um gesto executado e repetido seguido de outro,adicionando-se mais um a este com a repetio dos dois primeiros e assim por diante.Steve Paxton fez algumas peas interessantes de teatro nas quais ele recebia transfuses desangue, dedicando-se posteriormente criao e divulgao da arte esportiva, contactimprovisation (contato improvisao).

    O nmero de variedade e de experincias permaneceram fora do alcance do grandepblico, algumas eram auto-indulgentes, mesmo assim, questes interessantes foram co-locadas e ambas, a inocncia e a sofisticao de algumas delas trouxeram respostas muitointeressantes. Um dos efeitos gerais de todas as experincias feitas foi a aproximao dadana outras artes e ao pensamento esttico da poca. Muitos msicos e artistas plsticosde primeira categoria fizeram experincias juntos aos danarinos. Crticos literrios e teri-cos das cincias sociais acompanharam o trabalho e o descreveram no contexto das novasteorias de comunicao semitica, ps-estruturalismo, desconstruo.

    A seriedade e a no-teatralidade de alguns desses trabalhos reforaram a misso dadana de ultrapassar o puro entretenimento. As platias "compartilhavam experincias" comos intrpretes, no tendo expectativas distintas de sentar e relaxar frente a um trabalho dedana. A frase "dana ps-moderna" comeou a ser ouvida. No incio descrevia trabalhosde danarinos que acreditavam estar quebrando a tradio da dana moderna. O uso decorpos no treinados, de estruturas ldicas, do minimalismo, de espetculos fora dos es-paos teatrais e sem o uso dos apetrechos usuais eram considerados como sinais de ps-modernismo. No obstante, problemas surgiram devido ao uso deste rtulo.

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    Prime'iramente, o termos ps-moderno foi usado em todas as disciplinas para definirdiferentes princpios e diferentes perodos de tempo. A arquitetura chamada de ps-mo-derna, por exemplo, compartilhava de alguns princpios da dana ps-moderna, mas, demuitas maneiras, as duas reas estavam for de sincronia. Em segundo lugar, na dana, arevolta que recebeu o nome de ps-moderna foi assim denominada principalmente por-que contestava alguns elementos do romantismo. Aqueles que faziam experincias na reada dana viram-se levando a dana na direo de uma esttica verdadeiramente moderna,ao formalismo. Este passo j tinha sido dado, como j vimos, por coregrafos comoCunningham, Nikolais e Balanchine. Em terceiro lugar, os interesses de muitos daquelesque experimentavam com a dana mudaram com o passar dos anos ao serem consagradose estabelecidos. A companhia de Trisha Brown, ao aparecer em grandes teatros trajandocaros figurinos e efeitos, danando com uma tcnica codificada ainda pode ser consideradaps-moderna? Se pode, ento qual o verdadeiro significado deste termo?

    Um esforo corajoso para sair da confuso foi feito por Sally Banes na introduo dasegunda edio de seu livro Telpsichore in Sneakers (Terpsichore de Tnis). Recomendo estaleitura - lembre-se que a segunda edio de seu livro - e recomendo tambm o texto dahistoriadora inglesa Noel Carrol que analisa este perodo em termos da teoria - histrico-esttica. Banes foi historiadora do Judson Group e a primeira a apoiar a teoria da ampulhetada histria - tudo aquilo que aconteceu antes de 1962 foi visto como uma preparao paraJudson e tudo aquilo que aconteceu depois desta data foi uma conseqncia direta dasexperincias de Judson. Mesmo sendo fiel aos artistas que admira, Banes reconhece hoje acomplexidade da situao.

    Acredito que a rebelio dos anos 60 foi mais uma instncia da mudana e da renova-o da dana moderna americana: elas reforaram o formalismo de duas maneiras. Em pri-meiro lugar, atravs do minimalismo e das estruturas ldicas expuseram mtodosorganizacionais e possibilidades vigentes. Segundo, atravs da incluso de movimentos docotidiano, intensificaram nossa prpria experincia no que diz respeito s propriedades re-ais do movimento humano.

    Acredito que o fato da Amrica haver aceitado o formalismo na sua dana, tanto nadana moderna quanto no bal clssico, muito importante, o que d nossa dana umgosto diferente das danas que vm de fora. Estamos muito menos interessados na mensa-gem de uma pea do que as platias do resto do mundo ocidental. Recentemente, quando acoregrafa alem Pina Bausch declarou que "eu no estou interessada em como as pessoas semovem, estou interessada naquilo que as move", ela demonstrou claramente as posiesexpressionista/formalista que se encontraram em algum lugar do outro lado do Atlntico.

    As platias de dana americana da ltimas trs dcadas tm se interessado em ~as pessoas se movem. Temos estado mais do que satisfeitos com os valores sensoriais domovimento humano nas suas ilimitadas conquistas e refinamentos. Os americanos logramencontrar prazer na inveno e na organizao do movimento. Para muito de ns, o signi-ficado da dana reside na prpria experincia cenestsica. Embora um novo tipo deexpressionismo esteja sendo tentado por alguns coregrafos, ele muito diferente doexpressionismo de Duncan, de Graham, de Sokolow, pois tende a funcionar atravs daordem da justaposio de imagens teatrais e de movimentos.

    Durante toda a dcada de 70 e 80, Cunningham, Nikolais e Taylor continuaram criandoem contextos teatrais tradicionais com tcnica virtuosa e conquistaram um pblico cada vez

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    maior atravs de suas turnes nacionais e internacionais. Outras companhias menores viaja-ram com seus trabalhos que absorveram alguns dos princpios de muitas pocas. Podemoscitar Viola Farber, Don Redlich, Dan Wagner. A companhia de Limn, decada aps a mortedo coregrafo, foi posteriormente reconstruda por um grupo de jovens corajosos que conti-nuam a interpretar suas peas e a comissionar trabalhos novos. A maravilha das maravilhas,a companhia de Graham vive com uma coregrafa de 90 anos que ainda coregrafa e dirigetemporadas importantes com grandes estrelas do bal e com artistas convidados 3.

    Outra super estrela do perodo Twyla Tharp que comeou com o minimalismo e comexperincias no-teatrais na dcada de 60 e logo progrediu para um estilo distinto que culmi-nou numa extraordinria demanda de tcnica. Seu dinamismo, sofisticao no uso da estticae na nostalgia e sua habilidade coreogrfica tm feito com que seus trabalhos se tornem po-pulares junto s companhias de bal, televiso e junto a sua prpria companhia de dana.

    A dana moderna americana continua sendo uma arte de mudana. As tendncias sodiscernveis distncia, mas o que mais interessante a permisso constante para inovaoindividual. Em 1927, Helen Tamiris disse que "no existem regras gerais. Cada trabalho dearte cria seu prprio cdigo". Isto poderia ser o grito de guerra de todos os artistas individu-ais que lutam por suas idias em relao a sua formao e ao trabalho que acontece ao seuredor.

    Neste breve texto deixo de mencionar tantos nomes que at me envergonho. Tenteicategorizar e rotular o menos possvel e qualquer tipo de generalizao que tenha feito sedeu somente na tentativa de identificar momentos e artistas que pareciam abarcar uma te-oria esttica nova e diferente. Poder-se-ia argir que estes modelos, a imitao da natureza,a expresso de sentimentos e emoes e o formalismo tambm no so categorias estrita-mente definidas, mas sim categorias flexveis de tendncias que se sobrepem. No obstante,elas nos apresentam um modo eficaz de transmitir a arte do ocidente. Parece-me que osperodos de transio entre estes trs princpios podem ser vistos como mudanas dram-ticas num campo em constante efervescncia.

    Estamos em um lugar distinto daquele em que nos encontrvamos duas dcadas atrs.Muitas daquelas pessoas continuam trabalhando, mas tenho a impresso que com outrosvalores. Por exemplo, o sucesso comercial no causa mais desconfiana: muito procurado.Alm disso, o espetculo e o virtuosismo esto definitivamente de volta, sendo que ovirtuosismo tem freqentemente uma base de bal clssico. H uma nova classe de danari-nos modernos que se mudam facilmente de uma companhia a outra, a uma outra ainda e,s vezes, at mesmo a uma quarta. H aqueles que acreditam estar havendo uma padroniza-o do idioma.

    Talvez a dana moderna hoje seja um pouco como Denishawn. Os coregrafos estodispostos a pedir emprestado o que estiver disponvel no bal, na ginstica, na capoeira,no butoh - e eles aprenderam como colocar todos estes elementos juntos num mesmoespetculo. Alguns coregrafos jovens vm combinando elementos de maneira surpreen-dente. Nos ltimos seis meses antes de partir dos EUA e vir para o Brasil, assisti aosmaravilhosos trabalhos de Bebe Miller, Susan Marshal, David Dorfman. Neste meio tem-po, Mark Morris tornou-se o atual mestre no grande circuito da dana.

    3 Graham faleceu em 1991. aps a redao deste artigo - (nota da organizadora)

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    Da minha parte, gosto muito de toda a presente exuberncia no campo da dana,com exceo dos altos preos dos ingressos. A experincia radical que vejo acontecer estnos intervalos entre as disciplinas - nas artes de performance. Freqentemente na formade solo, produzindo um sentimento bizarro e distorcido, os intrpretes usam texto, m-sica, movimento, filmes ambientes - todos juntos, ou nenhum deles. Eles so, nas pala-vras de Tamiris "criadores do seu prprio cdigo". Alguns trabalhos so auto-indulgen-tes, como foram algumas experincias em cada perodo, alguns so imediatos e originais.Todos eles esto criando um maravilhoso contraste com o igualmente maravilhoso atrevi-mento na dana moderna j estabelecida.

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