DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA DOUTORADO EM MÚSICA DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO INTERPRETATIVO DO FLAUTISTA LÍDER DO REGIONAL DA RÁDIO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO LARENA FRANCO DE ARAÚJO RIO DE JANEIRO, 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

DOUTORADO EM MÚSICA

DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO

INTERPRETATIVO DO FLAUTISTA LÍDER DO

REGIONAL DA RÁDIO NACIONAL DO RIO DE

JANEIRO

LARENA FRANCO DE ARAÚJO

RIO DE JANEIRO, 2014

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DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO

INTERPRETATIVO DO FLAUTISTA LÍDER DO REGIONAL DA

RÁDIO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO

por

LARENA FRANCO DE ARAÚJO

Tese submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Música do Centro de Letras e

Artes da UNIRIO, como requisito parcial para

obtenção do grau de Doutor, sob a orientação

do Professor Dr. Sérgio Barrenechea.

Rio de Janeiro, 2014

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Araújo, Larena Franco de.

A663 Dante Santoro (1904-1969): trajetória e estilo interpretativo do

flautista líder do regional da rádio nacional do Rio de Janeiro / Larena

Franco de Araújo, 2014.

234 f. ; 30 cm + DVD

Orientador: Sérgio Barrenechea.

Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Estado do

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

1. Santoro, Dante, 1904-1969. 2. Flauta. 3. Choro (Música).

4. Compositores. 5. Música - Análise, apreciação. I. Barrenechea,

Sérgio. II. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Centro

de Letras e Artes. Curso de Doutorado em Música. III. Título.

CDD – 788.3

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Sérgio Barrenechea, pela generosa orientação de muitos anos;

Ao Prof. Dr. Pedro de Moura Aragão, que acompanhou este trabalho desde o seu começo,

agregando valiosas contribuições;

Aos Profs. Drs. Martha Ulhôa, Pauxy Gentil-Nunes, Raul Costa D´Avila, Luiz Otávio Braga e

Carole Gubernikoff, pela participação nas bancas examinadoras e contribuições à pesquisa;

A Homero Santoro, por dar-me acesso a seu acervo particular e incentivar esta pesquisa;

Aos entrevistados Jorge José da Silva, o Jorginho do Pandeiro; Carlos Silva e Souza, o

Caçula; Leonardo Miranda; Milton D´Avila; Odette Ernest Dias e Plauto Cruz;

A Arthur de Faria, pelo intercâmbio de informações; a Luís Carlos Vasconcelos Furtado,

Altamiro Carrilho (em memória), Laura Rónai, Luiz Costa Lima Neto e Erick Soares;

A Maria Luiza Nery de Carvalho e equipe do Setor de Manuscritos da Biblioteca Alberto

Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ, pelo trabalho de catalogação dos manuscritos de

Dante Santoro;

A Luiz Antônio de Almeida e equipe do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro;

A Meridiana Pereira Goulart e equipe do Arquivo Histórico do Instituto de Artes da UFRGS;

Às equipes do Instituto Moreira Salles, Museu da Comunicação Hipólito José da Costa de

Porto Alegre, Seção de Música da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e Arquivo Histórico

Nacional;

Aos músicos Bartholomeu Wiese, Danilo Jatobá, Kátia Baloussier, Leandro Montovani,

Lucas Porto e Paulo Dantas, pelas parcerias musicais, ao longo do curso;

A Lucia Leiria, pela revisão do texto e pelo apoio em Porto Alegre;

A meus amigos e familiares, especialmente a meus pais, Reny Franco de Araújo e Wilson

Ignácio de Araújo (em memória);

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de

estudos concedida durante o penúltimo semestre do curso.

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RESUMO

ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): trajetória e estilo interpretativo do

flautista líder do Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. 2014. Tese (Doutorado em

Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes, Universidade

Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Esta tese propõe um estudo sobre a trajetória e o estilo interpretativo do flautista Dante

Santoro (1904-1969), líder do Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro entre 1938 e

1969, personagem pouco recordado nos dias de hoje, apesar de sua notória participação no

meio musical da época. O objetivo da pesquisa é revisar a biografia do flautista, listar a sua

produção como intérprete/compositor e analisar algumas de suas obras, a fim de descobrir

suas referências, contribuições e estimar sua relação com a obra de seus contemporâneos. O

trabalho se inicia com um estudo sobre a circularidade cultural no contexto do choro, a

improvisação e a bossa no choro e a inserção do gênero no mercado radiofônico e

discográfico, a partir das discussões levantadas por Aragão (2012), Braga (2002), Cortes

(2012), Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes (2000), Sandroni (2001), Valente (2009) e

Wisnik (2004). A biografia de Dante Santoro foi reconstituída a partir do texto de Faria

(2011), complementado por dados colhidos em artigos de jornais e revistas publicados entre

1928 e 1969; nos trabalhos de Simões (2008), Souza (2010) e Vedana (2000) e em

depoimentos do sobrinho do flautista e de músicos que testemunharam sua atuação. A

listagem de sua produção, estimada em cerca de 100 obras, fez-se a partir da consulta a oito

acervos, contendo partituras editadas, manuscritos, gravações comerciais e gravações de

programas da Rádio Nacional, material organizado segundo orientação de Cotta (2000). A

análise da obra, que se baseou na audição, transcrição e consulta a partituras/manuscritos,

partiu de um levantamento sobre a morfologia do choro baseado em Sève (1999), com a

posterior análise de gravações digitalizadas, originalmente lançadas em discos 78 rpm, pelas

gravadoras Victor, Odeon e Sinter, além de gravações de programas da Rádio Nacional. O

estudo revelou, como importantes referências na obra de Dante Santoro, o repertório de

concerto em estilo romântico para flauta e a obra de Pattápio Silva (1880-1907), referências

permeadas pelo contato com o meio radiofônico-discográfico e a obra de seus

contemporâneos, especialmente Pixinguinha (1897-1973) e Benedito Lacerda (1903-1958).

Dentre as contribuições, destacam-se inovações relacionadas a recursos expressivos e efeitos

sonoros idiomáticos da flauta, que tornam sua produção uma obra autoral de destaque no

contexto do choro.

Palavras-chave: Interpretação da flauta. O choro na indústria radiofônica e discográfica.

Compositores flautistas. Dante Santoro.

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ABSTRACT

ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): the biography and the

performance style of the principal flutist for the choro ensemble at the National Radio Station

in Rio de Janeiro. 2014. Thesis (Doctorate in Music) – Graduate Program in Music, Centro de

Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

This thesis proposes a study over the biography and the performance style of the brazilian

flautist Dante Santoro (1904-1969), head of the ensemble “Conjunto Regional de Dante

Santoro”, at National Radio Station in Rio de Janeiro from 1938 to 1969. He is nowadays a

slightly remembered musician, despite of his remarkable role in brazilian musical scene those

days. This research aims to review his biography, list his works as a performer/composer and

analyze some of his music, in order to find out its references, contributions and relations to

the work of his contemporaries. The thesis starts with a study over the dialogue “classical and

popular” in choro music, broadening a discussion about improvisation and “bossa”, as well

as choro´s insertion in radio broadcasting and recording industry in the 1930s. The works of

Aragão (2012), Braga (2002), Cortes (2012), Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes

(2000), Sandroni (2001), Valente (2009) and Wisnik (2004) are the basis for this discussion.

Santoro´s biography was built over Faria (2011), complemented by data recovered at press

articles published between 1928 and 1969, at the works of Simões (2008), Souza (2010) and

Vedana (2000), and by interviews with the flautist´s nephew and musicians who heard his

playing. After the search into eight different archives, his work was listed on around one

hundred pieces, including edited scores, manuscripts, released recordings and radio

broadcasting studio recordings. The collected material was organized according to the advices

of Cotta (2000). The analysis session starts with a survey over choro´s morphology, based on

Sève (1999), reaching then the study of a set of digitalized recordings, originally released by

Victor, Odeon and Sinter in 78rpm discs, as well as some of National Radio´s broadcasting

recordings. Analysis was based on listening, transcription and score consult. It demonstrated,

as important references to Santoro´s music, the flute works in romantic style (XIX century)

and the work of the brazilian flautist Pattápio Silva (1880-1907), pervaded by the contact with

radio broadcasting and recording media, as well as the works of his contemporaries,

especially Pixinguinha (1897-1973) and Benedito Lacerda (1903-1958). Among his most

significant contributions are the innovations to choro repertoire, related to expressive features

and idiomatic unusual sound effects, creating an outstanding work in the context of choro

music.

Keywords: Flute performance. Brazilian choro in radio broadcasting and recording industry.

Flutist composers. Dante Santoro.

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RESUME

ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): la biographie et le style

d´intereprétation du flûtist chef du groupe de choro de la Radio Nacional de Rio de Janeiro.

2014. Thèse (Doctorat en Musique) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de

Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Cette thèse propose une étude sur le travail du flûtiste Dante Santoro (1904-1969), chef du

groupe de choro de la Radio Nacional de Rio de Janeiro entre 1938 et 1969. En dépit de son

implication notoire dans la musique de son temps, Santoro est un caractère peu reconnu

actuellement. L'objectif de la recherche est de reconstruire la biographie du musicien, sa

production comme interprète/compositeur et d'analyser certaines de ses œuvres, afin de

découvrir ses références, ses contributions et d'estimer sa relation avec les travaux de ses

contemporains. Le travail commence par une étude sur le dialogue «classique et populaire»

dans le musique du choro, qui jette un régard sur l'improvisation et la «bossa» dans le

contexte du choro et s’occupe encore de l'inclusion de ce genre dans la radio et l'industrie du

disque, à partir des discussions proposées par Aragão (2012), Braga (2002), Cortes (2012),

Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes (2000), Sandroni (2001), Valente (2009) et Wisnik

(2004). La biographie de Dante Santoro a été reconstituée à partir du texte de Faria (2011),

complété par des données recueillies d'articles de journaux et périodiques publiés entre 1928

et 1969, et par les travaux de Simões (2008), Souza (2010) et Vedana (2000) et aussi auprès le

témoignage d’un neveu du flûtiste et des musiciens qui ont vu sa performance. La liste de sa

production, estimée à environ cent œuvres, composée de la requête de huit collections,

contenant les partitions éditées, des manuscrits, des enregistrements et des enregistrements

commerciaux des programmes de la Rádio Nacional, matériel organisé selon l’enseignement

de Cotta (2000). L'analyse de l'œuvre, qui a été basée sur la transcription de l'audience et de la

requête de partitions musicales/manuscrits, a emergé d'une enquête sur la morphologie du

choro presentée par Sève (1999), avec une analyse ultérieure des enregistrements numérisés,

mis en place à l'origine sur des disques 78 tours, par les maisons de disques Victor, Odeon et

Sinter, plus les enregistrements de programmes de la Rádio Nacional. L'étude a révélé,

comme références importantes dans les œuvres de Dante Santoro, le répertoire de concert

dans un style romantique pour la flûte et l’oeuvre de Pattápio Silva (1880-1907), les

références imprégnées par le contact avec le milieu radio-discographique et le travail de sés

contemporains, en particulier Pixinguinha (1897-1973) et Benedito Lacerda (1903-1958).

Parmi les contributions se démarquent des inovations des ressources expressifs et lês effets

sonores idiomatiques de la flûte, qui font de son œuvre un travail mis en évidence dans le

contexte du choro.

Motsclés: Interpretation de la flûte. Le choro dans la radio et l'industrie du disque.

Compositeurs flûtistes. Dante Santoro.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Dante Santoro, c. 1920-1930, Porto Alegre...........................................................63

Figura 2: Sócios fundadores do Centro Musical Porto-Alegrense, c. 1920, Porto Alegre..... 63

Figura 3: Artigo sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul ......................................... 66

Figura 4: Crítica sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul......................................... 67

Figura 5. Depoimento de Dante Santoro para o jornal Diário da Noite.................................. 68

Figura 6. Foto de Dante Santoro, Octávio Dutra e músico não identificado.......................... 75

Figura 7. Primeiro registro de Dante Santoro no Rádio carioca............................................. 79

Figura 8. Detalhe do artigo sobre os Bohemios Brasileiros publicado no jornal A Noite...... 80

Figura 9. Anúncio. Programa Dante Santoro, Rádio Club. Jornal A Batalha.......................... 81

Figura 10. Artigo publicado no suplemento A Noite Ilustrada............................................... 82

Figura 11. O Desastre de Cruzeiro. Matéria de capa do Diário Carioca.................................. 83

Figura 12: Artigo “A flauta de Dante Santoro”, jornal A Noite...............................................84

Figura 13: Charge publicada no jornal A Noite...................................................................... 87

Figura 14. Artigo sobre Programa Papel Carbono, Revista do Rádio..................................... 89

Figura 15: Artigo sobre Programa A Felicidade bate a sua Porta jornal A Manhã ................ 91

Figura 16. Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional (c. 1936), com Dante Santoro................. 93

Figura 17. Primeiros anos de Dante Santoro na Rádio Nacional............................................. 93

Figura 18: O Regional da Rádio Nacional em 1937................................................................ 94

Figura 19. Estreia de Dante Santoro na liderança do Regional da Rádio Nacional, Gazeta de

Notícias.................................................................................................................................... 94

Figura 20. O Regional de Dante Santoro em atividade na Rádio Nacional............................. 96

Figura 21. Dante Santoro e Joca do Pandeiro, interpretando o Desafio para flauta e pandeiro.

Suplemento A Noite Ilustrada.................................................................................................. 97

Figura 22. Regional de Dante Santoro. Década de 1940......................................................... 98

Figura 23. Regional de Dante Santoro com o violonista Garoto............................................. 98

Figura 24. Dante Santoro na Orquestra da Nacional. Década de 1940.................................... 99

Figura 25. Contratação do Regional de Dante Santoro pela gravadora Sinter, Correio da

Manhã .................................................................................................................................... 106

Figura 26. Show em homenagem a Benedito Lacerda. Correio da Manhã.......................... 107

Figura 27: Teatro de revista - Música Maestro (1940) e Ouro de Lei (1943),...................... 108

Figura 28. Último registro sobre a atuação de Dante Santoro: show Noite do Choro. Diário de

notícias.................................................................................................................................. 110

Figura 29. Reportagem sobre os Flautistas do Rádio. Revista do Rádio.............................. 113

Figura 30. Dante Santoro e sua flauta, c. 1950...................................................................... 118

Figura 31. Artigo relata episódio violento envolvendo a morte de Dante Santoro, Correio da

Manhã.................................................................................................................................... 122

Figura 32. Carta do irmão de Dante, Godofredo Santoro, desmente o vínculo ente a morte do

flautista e o episódio violento............................................................................................... 123

Figura 33. Anúncio da missa de sétimo dia em homenagem a Dante Santoro. Correio da

Manhã.................................................................................................................................... 124

Figura 34. Manuscrito do choro Chega de Amor. S.d............................................................ 135

Figura 35. Silencioso. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, 1949.................................. 136

Figura 36. Manuscrito do choro Esquecimento, para flauta e piano. Caxambu, 1923.......... 137

Figura 37. Horas Tristes, valsa. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, s.d....................... 144

Figura 38. Manuscrito do Chorinho Gostoso, parte da flauta................................................ 146

Figura 39. Alguns discos 78 rpm de Dante Santoro, lançados em diferentes

gravadoras.............................................................................................................................. 154

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Figura 40. Chave elevada para o dó natural. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante

Santoro.................................................................................................................................. 199

Figura 41. Rolotês para as chaves de dó-dó#-ré. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a

Dante Santoro....................................................................................................................... 199

Figura 42. Chave especial da flauta de Dante Santoro. Sua função pode estar relacionada à

afinação de determinadas notas. ......................................................................................... 200

Figura 43. Flauta de Madeira n° 1909, fabricada por August Richard Hammig............... 201

Figura 44. Flauta de prata n° 2740, fabricada por August Richard Hammig..................... 201

Figura 45. Bocal da flauta n° 2740, fabricada por August Richard Hammig..................... 202

Figura 46. Porta-lábio da flauta Hammig que pertenceu a Dante Santoro. .......................... 204

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Levantamento das atividades da Sala Beethoven (Porto Alegre) em 1931............ 64

Quadro 2: Partituras editadas compostas por Dante Santoro................................................. 131

Quadro 3: Manuscritos encontrados na Biblioteca Alberto Nepomuceno............................. 138

Quadro 4: Discografia (gravadora, nº de série, ano de lançamento e acervo)....................... 147

Quadro 5: Discografia (repertório, compositores e intérpretes)............................................ 149

Quadro 6: Gravações da Rádio Nacional com a participação de Dante Santoro................... 155

LISTA DE ANEXOS - DVD

Pasta 1: Análise - Gravações citadas no Capítulo 4

Pasta 2: Artigos da Imprensa

Pasta 3: Documentos da Rádio Nacional

Pasta 4: Entrevistas

Pasta 5: Gravações comerciais

Pasta 6: Gravações da Rádio Nacional

Pasta 7: Manuscritos

Pasta 8: Partituras editadas

Vídeo: Recital de Defesa de Doutorado – Requisito Práticas Interpretativas

LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS

Exemplo musical 1: Variações rítmicas na execução de fraseados do choro....................... 160

Exemplo musical 2: Variações na acentuação rítmica, que caracterizam distintos

gêneros.................................................................................................................................. 160

Exemplo musical 3: Variações de articulação sugeridas para o repertório de choros......... 161

Exemplo musical 4: Sílabas utilizadas para a articulação nos instrumentos de sopro no

contexto do choro................................................................................................................... 161

Exemplo musical 5: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do trecho

virtuosístico, conforme primeira execução, gravação de 1938.............................................. 164

Exemplo musical 6: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do mesmo trecho,

conforme segunda execução, gravação de 1938.................................................................... 164

Exemplo musical 7: Urubatã, choro de Pixinguinha e Benedito Lacerda, parte A............... 165

Exemplo musical 8: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Bordões do violão de sete cordas

conduzem a harmonia de um compasso ao outro. ................................................................ 165

Exemplo musical 9. Noites cariocas, de Jacob do Bandolim (1957).................................... 166

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Exemplo musical 10: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos em tercinas formam

melodia acompanhada............................................................................................................ 166

Exemplo musical 11: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Escalas descendentes de extensão

de uma oitava e meia intercalam trechos de melodia acompanhada...................................... 166

Exemplo musical 12: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos ornamentados formam

melodia acompanhada............................................................................................................ 166

Exemplo musical 13. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne........................... 167

Exemplo musical 14. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne........................... 167

Exemplo musical 15. Uso de melodia acompanha na obra Concertstücke, de Wilhelm

Popp....................................................................................................................................... 167

Exemplo musical 16: Sonho, op. 6, de Pattápio Silva. Melodia acompanhada muito similar à

de W. Popp............................................................................................................................. 168

Exemplo musical 17: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Primeira parte. Melodia

acompanhada.......................................................................................................................... 168

Exemplo musical 18: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Terceira parte. Melodia

acompanhada.......................................................................................................................... 168

Exemplo musical 19. Gargalhada (1953), schottisch de Pixinguinha, parte C..................... 169

Exemplo musical 20: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Efeito sonoro – oscilação de

altura/polifonia, segundo a gravação de 1938........................................................................ 169

Exemplo musical 21: Harmonia selvagem (choro). Células básicas das levadas do

cavaquinho............................................................................................................................. 170

Exemplo musical 22: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Bordões do violão de sete cordas

anunciam o maxixe................................................................................................................ 170

Exemplo musical 23. Flauta selvagem (choro). Parte A. Contracantos entre clarone (linha

inferior) e violão (linha superior)........................................................................................... 171

Exemplo musical 24. Flauta selvagem (choro). Parte C. Crescendos e decrescendos

potencializam o efeito polifônico dos trêmulos..................................................................... 172

Exemplo musical 25. Minuano triste, choro. Efeito sonoro criado a partir de glissandos

contínuos promove a imitação do vento................................................................................ 173

Exemplo musical 26. A. Terschak. Fioritta, para flauta e piano. Introdução........................ 174

Exemplo musical 27. Gilka, valsa de concerto. Introdução. Elementos da música de concerto:

cadência virtuosística inicial, para flauta solo....................................................................... 175

Exemplo musical 28. Serenata oriental, op. 70, de Ernesto Köhler. Introdução.................. 175

Exemplo musical 29. Gilka, valsa de concerto. Parte A. Manipulações de tempo na melodia

da flauta.................................................................................................................................. 176

Exemplo musical 30. Gilka, valsa de concerto. Parte B. Ornamentação em oitavas e

indicações expressivas............................................................................................................176

Exemplo musical 31. É logo ali, polca. Células do acompanhamento.................................. 177

Exemplo musical 32. É logo ali. Parte A. Melodia principal do acordeom e contracantos da

flauta....................................................................................................................................... 178

Exemplo musical 33: Maria Rosa, valsa. Parte A. Motivo com intervalos ascendentes e

descendentes, similar à mazurca Margarida, de Pattápio Silva............................................ 179

Exemplo musical 34: Margarita (mazurca), de Pattápio Silva. Motivo com intervalos

ascendentes e descendentes.................................................................................................... 179

Exemplo musical 35. Maria Rosa, valsa. Cromatismo na parte A. Arpejos do cavaquinho e

conduções do baixo................................................................................................................ 179

Exemplo musical 36. Maria Rosa, valsa. Hemiolas na célula rítmica do acompanhamento e

nas linhas melódicas da flauta e do violão de sete cordas..................................................... 180

Exemplo musical 37. Maria Rosa, valsa. Linha melódica da flauta e esquema rítmico do

acompanhamento.................................................................................................................. 180

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Exemplo musical 38. Murmúrios d´alma, valsa. Introdução. Melodia polifônica da

flauta...................................................................................................................................... 181

Exemplo musical 39. Murmúrios d´alma, valsa. Contracanto da flauta na parte B.............. 182

Exemplo musical 40. Murmúrios, choro. Melodia da flauta como choro (pauta superior) e

valsa (pauta inferior). ............................................................................................................ 184

Exemplo musical 41. Dança da moda. Parte A. Contracantos da flauta............................... 185

Exemplo musical 42. Dança da moda. Refrão. Contracantos da flauta................................ 185

Exemplo musical 43. Abana baiana, Introdução (linha inferior) e variação final (linha

superior)................................................................................................................................. 187

Exemplo musical 44. Abana baiana, Parte A. Contracantos da flauta.................................. 187

Exemplo musical 45. Isso não se atura, samba. Introdução e Parte A. Contracanto de

Benedito Lacerda................................................................................................................... 189

Exemplo musical 46. O Urubu e o gavião, início. Versão de Pixinguinha........................... 192

Exemplo musical 47. Variações sobre o urubu e o gavião, início. Versão de Benedito

Lacerda, com Pixinguinha ao sax tenor................................................................................. 192

Exemplo musical 48. Urubu malandro, tema. Versão de Dante Santoro, com Vivi na

clarineta.................................................................................................................................. 194

Exemplo musical 49. Não tenho queixa. Parte A. Contracanto da flauta.............................. 195

Exemplo musical 50. Não tenho queixa. Introdução. Saltos em oitava e frulato.................. 195

Exemplo musical 51. Desafio para flauta e pandeiro. Demonstração de virtuosidade utiliza

recursos inspirados na obra O urubu e o gavião, gravada por Pixinguinha em 1930............ 196

Exemplo musical 52. Fantaisie Variée Carnaval de Venise op. 14, de Paul-Agricole

Génin...................................................................................................................................... 196

Exemplo musical 53. Terceira parte do choro Só na minha flauta, de Dante Santoro.......... 203

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 – A OBRA DE DANTE SANTORO E SEU CONTEXTO..............................19

1.1 Taxonomias e diálogos: a música popular urbana no Brasil...................................... 20

1.2 O choro: interação entre o “popular” e o “erudito”................................................... 26

1.3 O choro: improviso e “bossa”.................................................................................... 36

1.4 O choro entre 1930 e 1960: inserção no mercado radiofônico e discográfico

.................................................................................................................................... 46

CAPÍTULO 2 – A TRAJETÓRIA DE DANTE SANTORO NO CHORO............................ 54

2.1 Os primeiros anos de Dante Santoro em Porto Alegre (1904-c.1933)....................... 55

2.2 A cena musical de Porto Alegre no início do século XX e a participação de Dante

Santoro....................................................................................................................... 58

2.3 Octávio Dutra na cena musical porto-alegrense: a parceria com Dante Santoro........ 69

2.4 Dante Santoro no Rio de Janeiro (c.1933-1969): o meio radiofônico........................ 78

2.4.1 A Rádio Nacional........................................................................................... 85

2.4.2 O Regional de Dante Santoro no contexto do Rádio..................................... 92

2.5 O flautista e seu legado............................................................................................. 111

2.6 Memórias.................................................................................................................. 120

2.7 Reconstrução biográfica e interpretação .................................................................. 125

CAPÍTULO 3 – GUIA PARA A OBRA DE DANTE SANTORO...................................... 129

3.1 Partituras editadas e Manuscritos.............................................................................. 131

3.2 Discografia................................................................................................................ 147

3.3 Gravações da Rádio Nacional................................................................................... 154

CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DA OBRA DE DANTE SANTORO........................................ 158

4.1 O choro, a flauta e o idiomatismo na obra de Dante Santoro................................... 158

4.2 As gravações de Dante Santoro................................................................................ 163

4.2.1 Composições próprias.................................................................................. 163

Harmonia Selvagem (Victor, 1938)............................................................. 164

Flauta Selvagem (Odeon, 1950)................................................................... 171

Gilka (Victor, 1935)..................................................................................... 173

É logo ali (Victor, s.d.)................................................................................. 176

Maria Rosa (Odeon, 1946)........................................................................... 178

Murmúrios d´Alma (Victor, 1937) e Murmúrios (Sinter, 1955).................. 181

4.2.2 Gravações de programas da Rádio Nacional................................................ 184

A Dança da Moda (Acervo MIS, c.1950).................................................... 185

Abana Baiana (Acervo MIS, c.1941)........................................................... 186

Não tenho queixa (Acervo MIS, c.1939)..................................................... 194

Desafio para flauta e pandeiro (Acervo MIS, 1939).................................... 195

4.3 A flauta de Dante Santoro......................................................................................... 197

4.4 Resultados da análise................................................................................................ 205

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 210

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 217

Page 14: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

12

INTRODUÇÃO

O mercado fonográfico e radiofônico, gradualmente desenvolvido no Brasil nas três

primeiras décadas do século XX, alcança grande êxito ao longo das décadas de 1930, 1940 e

1950. A principal aposta desse setor de entretenimento no campo musical foi a música

popular urbana: gêneros brasileiros (o choro, o samba, a canção, a valsa, o baião) e

estrangeiros (o bolero, o tango, o foxtrot, o jazz) eram interpretados por cantores do rádio e

grupos de variadas formações instrumentais, como os “conjuntos regionais”, as orquestras e

as jazz-bands.

As emissoras de rádio foram grandes promotores de música instrumental e vocal na

primeira metade do século XX e representaram um mercado de trabalho estável para os

músicos. Estes eram contratados para atuar como músicos de orquestra, como maestros

arranjadores, ou ainda como participantes de um grupo mais reduzido, o chamado “conjunto

regional”. Tradicionalmente, o regional das rádios era formado por dois violões, cavaquinho,

flauta e pandeiro, sendo a flauta o instrumento solista e o flautista, o líder do grupo. Outros

instrumentos também podiam ocupar a posição de solistas, por exemplo, o bandolim e a

clarineta.

Os regionais eram o grupo musical de atuação mais eclética: preenchiam a

programação, acompanhavam cantores, calouros e ainda se apresentavam em solo, tocando

um variado repertório de choros, sambas, valsas e canções. Esses conjuntos foram muito

populares especialmente nas décadas de 1930 e 1940, época em que seus músicos alcançaram

projeção, graças à popularidade das transmissões radiofônicas. O sucesso desses grupos

naturalmente alcançava a indústria fonográfica, que promovia o contínuo lançamento de

discos desses artistas, estendendo-se ainda para o mercado editorial, por meio da publicação

de partituras com os grandes sucessos radiofônicos. Entre os flautistas, destacaram-se nas

rádios do Rio de Janeiro especialmente nas décadas de 1930 e 1940, Benedito Lacerda (1903-

1958) e Dante Santoro (1904-1969) e, posteriormente, Altamiro Carrilho (1924-2012), na

década de 1950.

Dante Santoro (1904-1969) liderou o Regional de Dante Santoro na Rádio Nacional

de 1936 a 1969, atuando também na orquestra da emissora. O “canário rio-grandense”, como

Page 15: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

13

era conhecido em sua terra natal, Porto Alegre, migrou para o Rio de Janeiro no início da

década de 1930, adquirindo nova alcunha entre seus pares: o “bico de ouro”. Como intérprete,

é reconhecido por seu estilo pessoal, marcado por uma sonoridade potente e uma técnica

refinada; entretanto, atualmente é um personagem pouco recordado no cenário musical ou

acadêmico, apesar de sua expressiva obra.

Benedito Lacerda (1903-1958) foi o líder do Regional de Benedito Lacerda na Rádio

Tupi, considerado por muitos o melhor grupo da época, por seu pioneirismo, criatividade e

pela qualidade dos arranjos e dos músicos. Ao lado de Pixinguinha1 (sax tenor), Canhoto

2

(cavaquinho), Dino3 e Meira

4 (violões), Lacerda participou da incorporação do samba ao

repertório do conjunto regional nos anos 40. A ousadia dos improvisos e a criatividade dos

músicos fizeram do grupo uma referência e do duo Pixinguinha-Benedito Lacerda, a maior

dupla de solistas da história do choro.

Altamiro Carrilho (1924-2012) foi um dos últimos flautistas lançados pelo rádio, já

na década de 1950, atuando no famoso Regional do Canhoto, na Rádio Mayrink Veiga, no

lugar antes ocupado por Benedito Lacerda. Natural de Santo Antônio de Pádua, estado do Rio

de Janeiro, Altamiro iniciou sua carreira como calouro em programas de rádio na década de

1940, ocasião em que teve contato com Benedito Lacerda e Dante Santoro, influências que

Carrilho sempre destacava. Reconhecido por seu estilo habilidoso, fez escola na interpretação

do choro, tornando-se uma referência para os flautistas da geração atual.

Entre esses flautistas, a figura obscurecida de Dante Santoro causa interesse. Apesar

de ter ocupado posição de destaque no rádio e no mercado fonográfico nas décadas de 1930,

1940 e 1950, sua obra não perdurou como a de seus contemporâneos. A obra de Pixinguinha,

por exemplo, consagrou-se de forma definitiva desde os lançamentos fonográficos e editoriais

1 Como se sabe, Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha (1897-1973), foi exímio flautista. Porém, no

contexto do rádio, atuou basicamente como saxofonista e arranjador, pois já havia deixado de tocar flauta, razão

pela qual não é mencionado entre os flautistas do rádio. Entretanto, sua importância para a prática interpretativa

da flauta no choro é fundamental e será abordada neste trabalho. 2 Waldiro Frederico Tramontano (1908-1987), o Canhoto, tocava cavaquinho no Regional de Benedito Lacerda e

assumiu a liderança do grupo no início da década de 1950, com a saída do flautista. O grupo, que passou a se

chamar Regional do Canhoto, atuou na Rádio Mayrink Veiga até o início da década de 1960 e foi reconhecido

como o melhor regional da era do rádio. 3 Horondino José da Silva (1918-2006), o Dino Sete Cordas, foi violonista convidado a integrar o regional de

Benedito Lacerda em 1937 e, posteriormente, o Regional do Canhoto, na década de 1950. Desenvolveu e

dinamizou o uso do violão de sete cordas no choro, por meio dos “bordões” nas linhas do baixo. Atuou, ainda,

no Conjunto Época de Ouro, na década de 1960, e em diversas produções da indústria fonográfica, até a década

de 1990. 4 Jaime Tomás Florence (1909-1982), o Meira, violonista e compositor pernambucano, chegou ao Rio de Janeiro

em 1928, acompanhando o bandolinista Luperce Miranda. No Regional de Benedito Lacerda, iniciou, a partir de

1937, a dupla com Dino Sete Cordas, que perdurou por mais de vinte anos no Regional do Canhoto, tornando-se

conhecida como a melhor dupla de violões do rádio carioca.

Page 16: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

14

comemorativos de seu centenário na década de 1990, especialmente as gravações originais

digitalizadas, lançadas em 2002. Benedito Lacerda, que já havia assegurado seu lugar de

destaque com as conhecidas gravações da dupla Pixinguinha-Lacerda da década de 1940, teve

novas facetas de sua obra descobertas na atualidade pela trilogia de CDs lançada em 2006.5

A obra de Dante Santoro, por sua vez, permanece pouco conhecida até mesmo entre

os insiders do choro. Suas músicas não são muito tocadas no repertório corrente das rodas de

choro, embora sejam muito apreciadas uma vez conhecidas, o que se dá geralmente por meio

de gravações, pois são raras as partituras editadas e os fonogramas de sua autoria disponíveis

no mercado. Sua produção é estimada em cerca de cem obras (entre choros, valsas, sambas,

polcas, boleros etc.), gravadas por ele mesmo como flautista, acompanhado de seu conjunto,

em 57 discos (56 em formato 78 rpm e 01 LP), pelos selos Victor, Continental, Odeon, Sinter

e Star, nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Destacados intérpretes da época também gravaram

suas composições, entre eles K-Ximbinho, a Orquestra Victor Brasileira, Dircinha e Linda

Batista, Albertinho Fortuna, Nuno Roland, Gilberto Alves, Francisco Alves, Orlando Silva e

Manoel Reis. Segundo Marcondes (2000), seus maiores sucessos de público - as valsas

Lágrimas de Rosa (1937), Olhos magos (1943) e Vidas mal traçadas (sucesso de radionovela

da época) foram gravados na voz de estrelas do rádio, como Orlando Silva e Francisco Alves.

Apesar desse aparente esquecimento, parte de sua obra de fato desperta o interesse

dos flautistas atuais, o que se observa pelo número de regravações de alguns de seus choros.

De acordo com o acervo da pesquisadora Maria Luiza Kfouri, publicado no site “Discos do

Brasil: uma discografia brasileira”, o choro Harmonia selvagem (1938) foi gravado

posteriormente por Altamiro Carrilho em LP e CD (p. 1999 e 2008, respectivamente) e por

Dirceu Leite (1994), assim como as obras Teu feitiço, por Marta Ozzetti (1996); Jockey de

elefante, por Carlos Poyares (1997); É logo ali, por Flávia Tnardowski (2000)6.

Em LP, foram encontrados, ainda, relançamentos de gravações do próprio Dante

Santoro do choro Posso Sofrer e da valsa Vidas mal traçadas, na coletânea No tempo dos

bons tempos, vol. 9 (1972); Quando a minha flauta chora, no disco Nova História da Música

5 HIME, Joana (Prod.). Memórias musicais-Pixinguinha. CDS 4, 9 e 14. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, p. 2002. 9

CDs.

FLORES, Paulo (Coord.) Benê, o flautista – Trilogia musical da obra do polêmico (e genial) Benedito Lacerda.

São Paulo: Maritaca Produções Artísticas, p. 2006. 3 CDs. 6 As gravações de Altamiro Carrilho e Dirceu Leite são as mais conhecidas entre os músicos de choro. Poucos

tiveram a oportunidade de ouvir as gravações do próprio Dante Santoro. Foram feitas referências aos

lançamentos discográficos, porém diversas interpretações de obras de Dante Santoro estão disponíveis, na

internet, pelo serviço youtube. Entre os intérpretes, Sérgio Morais, Choro das Três, Antônio Rocha, Alessandro

Penezzi, além de gravações digitalizadas do próprio Dante Santoro.

Page 17: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

15

Popular Brasileira – Abel Ferreira e o choro (1977) e a série de gravações contidas no Tributo

a Dante Santoro, interpretadas por Altamiro Carrilho, contendo as seguintes músicas: Vidas

mal traçadas, Harmonia Selvagem, Quando a minha flauta chora, Inferno de Dante, Gilka e

Jóquei de elefante (1977).

Em formato digital, foi lançado, em 1998, um CD triplo intitulado A flauta mágica

de Dante Santoro, pelo Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto

Alegre (Fumproarte). O lançamento - iniciativa do sobrinho Homero Santoro, produtor do

álbum - contém as gravações originais de Dante Santoro e seu conjunto, além de

interpretações de cantores do rádio e uma gravação inédita do Chorinho gostoso, para flauta,

violino, violoncelo e contrabaixo (segundo o manuscrito atribuído ao compositor). Trata-se de

uma iniciativa similar à trilogia de Benedito Lacerda, porém lançada no Rio Grande do Sul e

pouco divulgada em outras regiões do Brasil.

O que faz de Dante Santoro uma figura de certa forma obscurecida no cenário

musical nos dias de hoje? Quem foi esse artista? Que relações teve com seus

contemporâneos? E o que sua obra agrega ao repertório da música popular urbana brasileira?

São essas questões que motivam o presente trabalho e, para promover a discussão, serão

utilizados dados biográficos do quantitativo da obra e de análise musical, contextualizados a

partir de referencial teórico sobre a música popular urbana e, mais especificamente, o choro.

Do ponto de vista biográfico, a trajetória de Dante Santoro é surpreendente. Vindo de

Porto Alegre em fins da década de 1920, em um tempo em que o mercado fonográfico e

radiofônico começava a estabilizar-se, conquistou espaço entre os chorões cariocas e alcançou

o posto de líder do regional da emissora de maior audiência nas décadas de 1930 e 1940, a

Rádio Nacional. Além desse feito, almejado por muitos chorões alheios ao meio carioca,

lançou-se no mercado fonográfico e editorial do Rio de Janeiro como intérprete e compositor,

gravando e publicando suas próprias músicas. Esse fato, longe de ser lugar comum entre os

chorões da época, demonstra seu destaque como solista e o apreço de seus contemporâneos

por sua obra.

A condição de migrante no ambiente do choro carioca é mais do que um dado

biográfico. Dante Santoro tocava diferente dos flautistas de choro cariocas, pois tinha outras

referências musicais. Alguns aspectos interpretativos chamam a atenção em sua maneira de

tocar: por exemplo, a sonoridade incisiva, de timbre escuro, com especial potência no registro

grave. Também no que se refere aos improvisos, há diferenças no modo de elaborar as

melodias dos contracantos, o que gerou, inclusive, certa controvérsia com a crítica radiofônica

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16

da época. Busca-se contextualizar essas críticas e investigar que características interpretativas

se destacam em sua maneira de interpretar o choro e de elaborar os contracantos.

Como compositor, sua obra apresenta aspectos interessantes. Observa-se o uso de

efeitos sonoros (por exemplo, oscilação de altura por meio de trilos de terça no choro

Harmonia selvagem e glissandos contínuos no choro Minuano triste); passagens virtuosísticas

ao modo de cadências de concerto ou introduções cadenciais (como no choro Harmonia

selvagem e na maior parte de suas valsas); escrita polifônica e melodia acompanhada na parte

da flauta (também identificadas no choro Harmonia selvagem).

A análise da obra de Dante Santoro remete, inevitavelmente, a uma reflexão sobre as

categorias erudito e popular na música brasileira. Partindo da necessidade de relativizar esses

conceitos, far-se-á um breve estudo sobre a circularidade cultural no âmbito do choro,

identificando esse fenômeno nas origens do gênero, em suas formas de aprendizagem, suas

exigências interpretativas e sua transmissão. O Capítulo 1 apresentará, ainda, reflexões sobre

outros conceitos que permeiam a obra de Dante Santoro: a música popular urbana e sua

inserção nos mercados radiofônico e fonográfico; a improvisação e sua relação com a

linguagem do choro. Essa discussão destina-se a compreender o contexto da obra de Dante

Santoro.

As origens e a formação musical de Dante Santoro – aspectos que serão abordados

no Capítulo 2 - dizem muito sobre sua música. Filho de imigrantes italianos, cresceu em uma

família que apreciava música, familiarizado com a tradição musical europeia. Gostava de

música erudita, especialmente aquela do período romântico, e tocava obras do repertório de

concerto para flauta. Começou sua carreira tocando em orquestra e, paralelamente, inseriu-se

no “universo do choro”, aparentemente, por meio da amizade e parceria com Octávio Dutra

(1884-1937).

Octávio Dutra foi um conhecido chorão de Porto Alegre, figura muito importante no

meio musical porto-alegrense no início do século XX. Com ele, Dante Santoro se

profissionalizou, aprendendo a ser um músico eclético, capaz de atuar em diferentes meios:

em serenatas de rua, nos saraus familiares, no carnaval, nas orquestras de baile, nas orquestras

sinfônicas, no teatro de revista, no Rádio e nos discos. Dante Santoro vivenciou, na parceria

com Dutra, o processo de profissionalização do músico popular e sua inserção no mercado

fonográfico e radiofônico. Esse fato marca sua produção de forma decisiva, pois toda a sua

obra se insere e se destina a esse mercado.

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17

Busca-se narrar a trajetória de Dante Santoro a partir dos fatos conhecidos, conforme

artigo de Arthur de Faria (2011), lançando mão da contextualização histórica para enriquecer

essa narrativa. Suas referências musicais e as atividades nas quais se desenvolveu como

músico serão objeto de estudo, além dos depoimentos de músicos que testemunharam sua

atuação. Uma parcela da biografia também contemplará traços pessoais, esboçados na

entrevista do sobrinho Homero Santoro, cujas lembranças ajudaram a compor uma

perspectiva humana do artista.

Tendo em vista a precária divulgação da obra de Dante Santoro, é necessário buscar

fontes por meio das quais sua produção possa ser conhecida. No Capítulo 3, procura-se listar a

sua obra, quantificando suas gravações, partituras editadas e manuscritos, com indicação dos

acervos que poderão ser consultados pelos interessados. Várias gravações de Dante Santoro e

seu conjunto estão disponíveis para audição na página eletrônica do Instituto Moreira Salles -

o canal mais acessível para o público. Outras tantas podem ser consultadas nos acervos do

Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro; na Divisão de Música da Biblioteca Nacional

e no Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, em Porto Alegre. O Arquivo Nacional

também dispõe de alguns discos que, entretanto, estão inacessíveis, em fase de tratamento.

Foram coletadas, ainda, por esta pesquisadora, gravações de programas de auditório

e de estúdio da Rádio Nacional, encontradas no Acervo do Museu da Imagem e do Som do

Rio de Janeiro. Essas gravações, sem distribuição comercial, mostram a atuação de Dante

Santoro como improvisador e permitem um olhar sobre a natureza de sua atuação musical na

Rádio Nacional, constituindo um importante registro histórico. Todas as gravações analisadas

neste trabalho serão anexadas à tese e estarão disponíveis para consulta dos interessados.

A listagem da obra envolveu a coleta de dados em oito acervos, no período entre

janeiro de 2011 e outubro de 2012. Buscou-se abarcar o maior número possível de gravações,

para que os dados ora apresentados sejam objetivos e próximos à totalidade de sua obra. A

busca incluiu, além das gravações lançadas comercialmente pelas gravadoras Victor, Odeon,

Continental, Sinter e Star, as partituras editadas e os manuscritos encontrados no acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ. Para organizar o material

coletado, buscou-se orientação no trabalho de André Henrique Guerra Cotta (2000), visando

atender aos princípios básicos de tratamento da informação.

O Capítulo 4 é dedicado à análise de algumas gravações de Dante Santoro. Ao

comentar aspectos de sua interpretação, pretende-se definir que características sobressaem em

sua maneira de tocar e de improvisar, o seu possível diferencial em relação a outros flautistas

Page 20: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

18

da época. Para tanto, a análise será enriquecida por meio do estudo comparado com exemplos

musicais retirados da obra de flautistas que lhe foram contemporâneos, especialmente

Pixinguinha e Benedito Lacerda.

As conclusões da pesquisa encontram-se nas Considerações finais, seguidas das

referências bibliográficas que embasaram este trabalho. No DVD anexo, podem ser

consultadas as gravações utilizadas para a análise do Capítulo 4, bem como as partituras,

gravações, artigos da imprensa, documentos e entrevistas que ilustram esta tese.

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19

CAPÍTULO 1

A OBRA DE DANTE SANTORO E SEU CONTEXTO

A obra de Dante Santoro pertence ao campo da música popular urbana criada,

produzida e divulgada, entre as décadas de 1930 e 1950, através do principal meio de

comunicação de massa do Brasil: o Rádio. Inserida no mercado radiofônico, discográfico e de

entretenimento, sua música participa, portanto, de um circuito comercial e profissional. É

composta dentro do repertório de gêneros musicais divulgados pelo rádio (choros, valsas,

canções, danças típicas, boleros, sambas, marchas, maxixes, etc.), com instrumentação de

flauta, cavaquinho, dois violões e pandeiro, ou seja, a formação típica do grupo regional. A

linguagem musical de Dante Santoro, portanto, é referenciada pelo Rádio em termos de

gêneros e instrumentação, o que levanta, neste capítulo, um necessário estudo sobre o choro e

sua inserção no mercado radiofônico e discográfico.

Fundamental, ainda, para a música de Dante Santoro é a interação de elementos

eruditos e populares, que caracteriza fortemente suas composições e interpretações. Serão

abordadas, neste capítulo, as classificações música erudita, música popular e música

folclórica, categorias questionáveis especialmente no contexto da música popular urbana

brasileira, que se caracteriza pela constante interação dessas práticas musicais. Verificar-se-á

que a obra de Dante Santoro, fortemente caracterizada por essa interação, encontra

correspondência na produção de outros compositores de choro.

Igualmente importante é a questão da improvisação. A prática da improvisação no

contexto do choro, usualmente relacionada à elaboração de contracantos e conduções

melódico-harmônicas do baixo, passou por transformações ao longo do século XX, sendo

cada vez mais valorizada a partir da década de 1950. Certos clichês dominam os discursos dos

chorões sobre esse tema, como a suposta oposição entre o “chorão de estante” (aquele que

tem boa leitura musical) e o “chorão autêntico” (aquele que é bom improvisador). Propõe-se

estudar, neste capítulo, o papel da improvisação no choro, especialmente na prática do

conjunto regional do Rádio. Assim, como ocorre a improvisação no choro, o que vem a ser

bossa e de que modo esses dois elementos se complementam são os pontos a serem

aprofundados nesta parte do trabalho.

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20

1.1. Taxonomias e diálogos: a música popular urbana no Brasil

Cada cultura tem a sua maneira de classificar a música, uma taxonomia que pode ter

inúmeros grupos. De acordo com o etnomusicólogo Bruno Nettl (1983), no mundo ocidental,

costuma-se utilizar as classificações música folclórica, música popular e música erudita. O

termo música erudita (também chamada música de concerto) refere-se à música associada a

compositores específicos, identificada com a tradição europeia e o período de sua criação

(música barroca, clássica, romântica, contemporânea, etc.). Já as categorias música folclórica

e música popular por vezes se confundem. Costuma-se relacionar o termo música folclórica

com a música autóctone, muitas vezes de origem rural, e de autoria anônima. A música

popular, por sua vez, seria aquela representativa das classes populares, geralmente de origem

urbana, de autoria identificada.

Essas categorias têm sido questionadas pela musicologia desde a segunda metade do

século XX, já que se permeiam mutuamente na dinâmica das relações sociais. Ocorre um

fenômeno de interpenetração e ressignificação entre formas de expressão populares e de elite.

De forma mais ampla, pode-se dizer que no contexto social, existe uma pluralidade de vozes,

de diferentes gerações, classes, gêneros e locais, dialogando dinamicamente.

O historiador Carlo Ginzburg (1976), ao estudar os fundamentos da cultura popular

na Idade Média em O Queijo e os Vermes, criou uma categoria de análise aplicável a

determinados processos de reapropriação e trocas entre diferentes classes sociais, a que

denominou circularidade cultural: “entre a cultura das classes dominantes e a das classes

subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de influências

recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo” (GINZBURG,

1976, p. 10)

O autor observa que a questão da dualidade entre a cultura das classes subalternas e

das classes dominantes surge de uma concepção aristocrática de cultura, vigente até meados

do século XX, de que as “ideias, crenças, visões de mundo das classes subalternas” nada mais

seriam que um “acúmulo inorgânico de fragmentos de ideias, crenças e visões de mundo

elaboradas pelas classes dominantes”, deformadas ou deterioradas no processo de transmissão

às classes subalternas (GINZBURG, op. cit, p. 12). Entretanto, o estudo mais recente desses

textos revela que, se por um lado havia dicotomia entre as culturas das classes dominantes e

subalternas na Idade Média, por outro haveria também intertextualidade, ou seja, influxo

recíproco entre tais classes.

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21

Baseados nesses preceitos, estudiosos questionam a existência de categorias como

cultura popular e cultura erudita, afirmando que o que existe de fato é a dinâmica interativa

entre as duas, um constante processo de elaboração e recriação (Veloso apud Braga, 2002, p.

399). Haveria, portanto, um processo contínuo de circularidade cultural.

Na música brasileira, as classificações erudito, folclórico e popular começam a ser

discutidas, por músicos e intelectuais, por volta de 1920. Os intelectuais vinculados ao

movimento nacionalista modernista propunham o fortalecimento da “música erudita

brasileira”, a partir do aproveitamento dos elementos “folclóricos”. Luiz Otávio Braga (2002)

comenta a postura dos intelectuais modernistas:

Avidamente determinados a discutir e determinar pela via de um projeto ideológico,

a música “artística” (erudita) brasileira, são obrigados a elaborar um ideário do que

consideram nacional e/ou popular e suas possibilidades de oferecer o material

fundamental a partir do qual seria erigida, enfim, a grande música do Brasil, de

modo a ombrear-se com a grande tradição musical europeia. (BRAGA, 2002, p.

141-142).

O popular, para os modernistas, era o folclórico, entendido como manifestação

autóctone de origem rural. A música popular urbana era considerada manifestação de

reduzido valor cultural para a intelectualidade da época, como afirma Vinci de Moraes (2000),

citando um dos principais representantes da corrente nacionalista, Mário de Andrade:

Apesar de Mário de Andrade considerar que os estudos de certas manifestações da

música urbana, como o choro e a modinha, não deviam ser desprezados, ao mesmo

tempo ele afirmava que o investigador deveria “discernir no folclore urbano o que é

virtualmente urbano, o que é tradicionalmente nacional, o que essencialmente

autóctone”. Nitidamente ele procurava diferenciar a “boa” música, ou seja, aquela

que tem “história, elevada e disciplinada, tonificada pelo bom uso do folclore (...) e

as manifestações indisciplinadas, inclassificáveis, insubmissas à ordem e à história,

que se revelam ser as canções urbanas. Arnaldo Contier também identifica essa

mesma postura ao afirmar que “ os modernistas brasileiros temiam os ruídos e os

sons oriundos da cidade que sobe (São Paulo, por exemplo). (MORAES, 2000, p.

207).

Com a crescente divulgação da música popular urbana pelas rádios a partir da década

de 1930, o discurso modernista entra em um diálogo com vozes defensoras dessa música

popular cada vez mais vinculada aos gêneros populares urbanos surgidos desde fins do século

XIX7. José Miguel Wisnik (2004) narra o conflito nacionalista da seguinte forma:

7 Para uma discussão aprofundada dos embates surgidos no início da década de 1930 em relação à invenção do

nacional a partir de elementos eruditos/populares, conferir Braga, 2002, p. 142-147.

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Sintomática e sistematicamente, o discurso nacionalista do Modernismo musical

bateu nessa tecla: re/negar a cultura popular emergente, a dos negros da cidade, por

exemplo, e todo um gestuário que projetava as contradições sociais no espaço

urbano, em nome da estilização das fontes da cultura popular rural, idealizada como

a detentora pura da fisionomia oculta da nação. (...) O problema é que o

nacionalismo musical modernista toma a autenticidade dessas manifestações como

base de sua representação em detrimento das movimentações da vida popular

urbana porque não pode suportar a incorporação desta última, que desorganizaria a

visão centralizada homogênea e paternalista da cultura nacional. (...) O popular pode

ser admitido na esfera da arte quando, olhado à distancia pela lente da estetização,

passa a caber dentro do estojo museológico das suítes nacionalistas, mas não

quando, rebelde à classificação imediata pelo seu próprio movimento ascendente e

pela sua vizinhança invasiva, ameaça entrar por todas as brechas da vida cultural,

pondo em xeque a própria concepção de arte do intelectual erudito. (WISNIK, 2004,

p. 133, grifo do original)

Os debates acentuam-se quando surgem as publicações dos primeiros “historiadores”

da música popular urbana, na década de 1930: escritores ligados a atividades jornalísticas

(como Francisco Guimarães, apelidado Vagalume, e Orestes Barbosa) e músicos populares

(como Alexandre Gonçalves Pinto)8, que fizeram um trabalho de “construção de memória e

institucionalização dessas práticas musicais” (ARAGÃO, 2012, p. 14).

Entretanto, a dissolução das fronteiras entre popular, folclórico e erudito na música

brasileira é notória. Os gêneros da música popular urbana brasileira nascem como sínteses de

elementos “folclóricos” e/ou “populares”, relacionados aos grupos sociais envolvidos. De

acordo com Carlos Sandroni (2001), as danças de “par separado” ou “danças de umbigada”

são consideradas no Brasil como pertencentes ao domínio do folclore. Já as danças de “par

enlaçado” ou “baile”, por sua vez, são frequentemente reconhecidas como populares.

As danças de par enlaçado apareceram no Brasil nos anos de 1840, com a valsa e a

polca. Como novidades modernas, foram adotadas entusiasticamente pelas famílias

mais ricas das principais cidades do litoral, mas custaram muito a ser aceitas no

interior, nas cidades pequenas e pelo povo em geral. (...) Por outro lado, as danças

de par separado, designadas ora como batuque, lundu, ou samba, eram

caracterizadas pela umbigada - “gesto pelo qual um dançarino designa aquele que irá

substituí-lo” (SANDRONI, 2001, p. 64, 65 e 85).

As sínteses desses elementos deram origem a gêneros musicais como o maxixe e o

samba. O maxixe era uma dança de par enlaçado, moderna, urbana e internacional que chegou

à Europa junto com o tango argentino. No Brasil, surgiu nos bailes da Cidade Nova em fins

do século XIX, como uma adaptação da maneira de se dançar a polca (dança de par enlaçado),

8 Francisco Guimarães escreveu Na roda de samba e Orestes Barbosa, Samba, ambos lançados em 1933.

Alexandre Gonçalves Pinto é autor de O Choro – reminiscências dos chorões antigos, publicado em 1936.

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que ganhou traços de lundu (dança de par separado). O maxixe, ao longo daquele século, cai

no gosto de compositores e instrumentistas e começa a ser publicado pelas primeiras editoras

de música, às vezes com o nome de tango brasileiro ou polca-lundu.

Há nos folhetins de Franca Junior, que começaram a ser publicados na imprensa em

1876, um excelente testemunho da maneira como a polca foi adotada pelas camadas

populares do Rio de Janeiro. Lá se vê que tal adoção tinha a virtude de ser, ao

mesmo tempo, uma transformação (...). Tal “Transubstanciação” é um exemplo do

que Oswald de Andrade, por sua vez, chamou de “antropofagia” – os cariocas

“digeriram” a polca, incorporando o que nela lhes agradava e ao mesmo tempo

fazendo dela algo intrinsecamente seu. (p. 68-69). Assim, a polca dançada pelo povo

do Rio de Janeiro se transformaria em algo de original (e finalmente numa nova

dança, o maxixe) através da incorporação de um movimento típico do lundu. A

melhor expressão disso é o surgimento da designação de gênero “polca-lundu” em

partituras para piano editadas a partir de 1865 (SANDRONI, 2001, p. 69, grifo do

original).

O samba, por sua vez, surge primeiramente como dança de par separado, de origem

rural, um correlato do batuque – termo usado genericamente até o século XIX como sinônimo

de dança de negros. Já no início do século XX, o samba da Cidade Nova ganha características

de maxixe, portanto de dança urbana de par enlaçado, passando, então, por novas

modificações que o levariam a seus contornos atuais, o chamado samba de Estácio9.

Conforme refere Sandroni (2001), há nessa trajetória uma circulação entre o folclórico e o

popular.

As danças de umbigada são consideradas no Brasil como pertencentes ao domínio

do folclore, enquanto o maxixe (urbano, dançado ao som de música impressa, de

autor conhecido) se classifica como popular. Ramos e Alvarenga expressam aqui o

deslizar quase imperceptível de uma área para outra: o samba que substitui batuque

como termo genérico é inequivocamente o samba folclórico: o samba-de-umbigada,

como dirá Carneiro para diferenciá-lo. Mas o samba que substitui o maxixe é o

samba popular, caracteristicamente urbano e de “par enlaçado”. Finalmente,

“samba” substitui também “tango” como denominação de canção popular. (...)

Vemos assim que a crescente importância do termo “samba” se faz em duas

vertentes concomitantes, folclórica e popular: na primeira substitui batuque, na

segunda, maxixe e tango. (SANDRONI, 2001, p. 96-97).

O cronista Francisco Guimarães, o Vagalume, em seu livro Na Roda do Samba (1933)

também menciona essa circulação do folclórico ao popular em três etapas, ao afirmar que

9 Sandroni (2001) utiliza os termos “Samba da Cidade Nova” e “Samba de Estácio” para relacionar,

respectivamente, o samba antigo (aproximado do maxixe) e o samba novo (no padrão sincopado do tamborim,

semelhante ao atual). Alguns autores preferem atribuir essas modificações rítmicas à participação de um número

crescente de instrumentos de percussão nas gravações de samba a partir do final da década de 30, o que foi

possível graças aos avanços tecnológicos nas gravações elétricas (cf. BRAGA, 2002, p. 118). Adotar-se-á, neste

trabalho, a terminologia de Sandroni (2001), que bem define a questão da contrametricidade: os ritmos

contramétricos correspondem à acentuação em pontos não tônicos da métrica do compasso (síncope), como

descrito no próximo tópico deste capítulo, página 42.

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existiram três sambas: o samba raiado, de som e sotaque sertanejos; o samba corrido, já

melhorado e mais harmonioso e “com a pronúncia da gente da capital baiana” e o samba

chulado, que é o samba rimado, civilizado, desenvolvido (o samba urbano).

Braga (2002) assinala, ademais, o componente “ritual” vinculado ao samba em suas

origens. Na visão do autor, no processo de transformação, o samba afasta-se de suas

características rituais ao se transformar no samba urbano e entrar no “discurso geral sobre a

simbologia nacional”:

(...) samba e macumba, pelo menos até a última metade dos [anos] 30, são quase que

indistinguíveis com tendência, no entanto, à separação de seus rituais na medida em

que se caminha para os anos 40. A promessa se não de ascensão, mas de visibilidade

social, impele o compositor popular, de modo geral, na direção de um campo

artístico concomitantemente inventado/construído, que coincide com a

implementação de uma indústria cultural com características frankfurtianas ainda

incipientes (BRAGA, 2002, p. 182).

Também o choro, embora ocasionalmente, participa do componente ritual ao

acompanhar os festejos religiosos, para os quais servia de música profana de

acompanhamento. Essa aproximação também poderia revelar-se na formação instrumental,

que tem como base os instrumentos de cordas dedilhadas, tanto nos grupos de folias de reis,

como nos grupos regionais (também a percussão e o sopro podem, eventualmente, compor

essa aproximação).

A atividade dos choros corria num ano demarcado por festas religiosas. Em outras

palavras, a agenda do choro era regida pela agenda das festas. (...) A festa do Divino

Espírito Santo [por exemplo, era] um espaço onde circulavam algo

“democraticamente” os formantes, a estrutura organizacional fulcral da música

urbana brasileira em suas dimensões plurais: de ritos, danças, cantos, estruturas

rítmicas e melódicas, os aportes estrangeiros. (BRAGA, 2002, p. 211, grifo do

original).

Aragão (2012), ao comentar a fala de Almirante no programa radiofônico O Pessoal da

Velha Guarda, de fins da década de 1940, também assinala o componente de mediação10

na

origem do samba urbano, surgido a partir do encontro entre as práticas musicais da

comunidade afro-baiana da Cidade Nova e os primeiros compositores populares urbanos.

(...) Por um lado haveria uma “instância original” representada pelas práticas

musicais ligadas aos candomblés das casas das tias bahianas; por outro, a mediação

10

De acordo com Santuza Cambraia Naves (1998), a mediação refere-se à ação dos sujeitos que transitam e

atuam entre os múltiplos espaços culturais, como os universos “popular” e “erudito”. (NAVES apud Souza,

2010, p. 16). Para Marcos Napolitano (2005), num sentido amplo a música é o lugar das mediações e o músico, o

mediador cultural, que participa em diferentes espaços sociais em que a música se faz presente, atuando e

interagindo. (NAPOLITANO apud SOUZA, 2010, p. 15).

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de compositores urbanos que teriam propagado o gênero musical para além das

quatro paredes das casas das bahianas, alterando, entretanto, sua forma original.

(ARAGÃO, 2012, p. 30).

Percebe-se, portanto, que rural, urbano, folclórico, popular, ritual e profano são

categorias que se confundem e dialogam continuamente na formação dos gêneros da música

popular urbana, o que também se aplica às categorias erudito e popular. Observa-se que os

gêneros populares urbanos sofrem adaptações logo que o piano chega ao Brasil, em fins do

Império, e as músicas começam a ser editadas para o instrumento. O repertório brasileiro

editado para piano no século XIX era basicamente composto por danças de salão (polcas,

maxixes e tangos brasileiros). O mercado editorial parece estimular uma adaptação na

produção musical em três esferas, como sugere Sandroni (2001): do ponto de vista da

instrumentação, passa do violão ao piano; do ponto de vista da autoria, passa do refrão

tradicional ou anônimo à música de autor e do ponto de vista da distribuição, passa do

registro oral ao registro escrito.

O meio mais direto de perceber essa adaptação é a nova instrumentação (piano).

Embora existisse vida musical de concerto no Brasil, com a atuação de músicos ligados à

Igreja, a apresentação de óperas e a vinda de concertistas estrangeiros ao país, o ambiente

musical não discriminava o repertório de salão (baseado na música popular urbana executada

ao piano ou em pequenos grupos orquestrais) do repertório de concerto (baseado na música

erudita internacional), até mesmo porque os músicos executantes eram os mesmos.

Exemplo da junção desses elementos é a música de Joaquim Antônio Callado (1848-

1880) e de Ernesto Nazareth (1863-1934). Nazareth combina os distintos gêneros da música

popular urbana com um “pianismo” que é, ao mesmo tempo, refinado e inovador, pois evoca

“traços instrumentais do violão, da flauta, do cavaquinho e do oficleide” (Wisnik, 2007).

Como assinala Wisnik, no caso particular de Nazareth, elementos recém-vindos das camadas

populares se fundem a influências cultas, já que seu “pianismo” tem muita semelhança com o

do compositor polaco Frédéric Chopin (1810-1849).

Talvez a obra de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), embora parcialmente identificada

com o nacionalismo modernista, seja o exemplo pioneiro da fusão do elemento erudito com o

popular urbano (e não unicamente o folclórico, como queriam os modernistas), aspecto no

qual foi seguido por vários compositores no século XX. Wisnik (2004) faz uma análise

interessante desse aspecto ao afirmar o seguinte:

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Fora da média, as questões do nacionalismo musical em Villa-Lobos são sempre

mais complicadas, porque se formou musicalmente no meio dos choros seresteiros e

sambistas do Rio de Janeiro no início do século, e a sua música, trabalhada pela sua

formação erudita em processo de atualização modernista, nasce tangenciando a

mesma fonte sócio-cultural de onde saiu a música popular urbana de mercado. (...)

Embora sempre propagasse a superioridade do folclore sobre a música popular,

Villa-Lobos deslanchou a sua fulminante trajetória a partir da convivência intima do

dado erudito da sua formação com o dado popular urbano, com o que projetou, pela

bricolage de diferentes técnicas e fontes, e noves-fora o seu talento genial, um

alcance violentamente mais amplo que o do nacionalismo ortodoxo. (WISNIK,

2004, p. 136, grifo do original).

Veremos na sequência deste trabalho que a música popular urbana brasileira é um

terreno de circularidade cultural e sua trajetória, desde as origens até sua ampla divulgação

pela indústria radiofônica e fonográfica, atesta esse constante diálogo. A seguir, o enfoque

será a circularidade no choro, gênero que desperta especial interesse nessa discussão.

1.2. O choro: interação entre o “popular” e o “erudito”

Como já se assinalou no tópico anterior, na constituição do choro, ocorreram

apropriações de elementos da tradição clássico-romântica da música europeia, uma

confluência de práticas musicais vindas da Europa com práticas musicais aqui realizadas. A

esse respeito Braga (2002) assim se manifesta:

A música de Choro é exemplar de históricas apropriações operadas, seja na

manipulação emprestada da prática tonal do repertório clássico/romântico, seja no

uso que fazem das danças europeias que por aqui abundam a partir do segundo

quartel dos oitocentos. (BRAGA, 2002, p. 321) (...) Apropriação que é feita pelas

lides populares, de alguns modelos que são impostos a partir do gosto das elites

dominantes. Assim se deu no processo de assimilação da tradição clássico-

romântica; das músicas de salão das quais a polca foi tão marcadamente adotada

numa simbiose inventiva que irá remeter diretamente ao Choro instrumental; tudo

inserido numa tradição de “gosto” da classe dominante, caracterizada por entender a

modernidade pela apreciação e imitação de tudo o que ocorria na Europa (BRAGA,

2002, p. 325)

Wisnik (2004) afirma que, na sua constituição, o choro é um gênero de síntese

instrumental, baseado na improvisação inteligente – termo criado por Villa-Lobos em

referência à prática de criar contracantos ao momento da execução, comum entre os solistas

do gênero.

Espaço de convergência da técnica musical da cidade, assentado na classe média

(seus músicos: funcionários de repartição, carteiros, oficiais, músicos formados em

escola e mais alguns trabalhadores manuais, malandros profissionais e um que outro

doutor desgarrado), produzindo um gestuário sonoro original rabiscado de traços

eruditos e populares, o choro funcionou para Villa-Lobos (o “Violão Clássico” era

seu apelido entre os músicos) como uma espécie de olho mágico através do qual ele

enxergou a música brasileira.(WISNIK, 2004, p. 162).

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Moraes (2000) entende que a complexidade rítmica, os improvisos e sua original

formação instrumental tornam o choro uma espécie de “música popular de câmara, tocada em

boa parte por instrumentistas habilidosos”. O músico de choro das primeiras décadas do

século XX devia ter necessariamente um “profundo conhecimento das sonoridades,

capacidade e técnica de seu respectivo instrumento, fosse adquirido como autodidata, fosse

pela prática diária ou pelo estudo formal sistemático”. (MORAES, 2000, p. 250).

Como se sabe, a palavra choro designou, em princípio, um agrupamento instrumental

que surgiu por volta de 1870, com formação clássica de flauta, cavaquinho e violão, e seu

repertório inicial eram danças de proveniência europeia, sobretudo a polca, mas também a

schottisch, a valsa, entre outras. Sandroni (2001) assinala que a criação do choro acompanhou,

do ponto de vista musical, o processo de adoção pelas camadas populares de novas maneiras

de dançar, como descrito anteriormente. “Os conjuntos denominados choros estiveram entre

os principais artífices das mudanças rítmicas sofridas pela polca. (...) Mais tarde, a palavra

choro passará a designar as composições que eram tocadas por esses grupos”. (SANDRONI,

2001, p. 103). Nas palavras de Braga (2002), “o choro, em sua origem, é uma forma de

execução, que congrega uma variedade significativa de danças e suas correspondentes

musicais, corroborando o parecer de outros estudiosos como Mozart de Araújo, José Maria

Neves e J.R. Tinhorão”. (BRAGA, 2002, p. 199)

Os instrumentistas de choro tiveram importância destacada no desenvolvimento da

música popular urbana. Tocando nas ruas ou em ambientes fechados, os chorões animavam

serestas e festas. Por terem boa capacidade técnica, habilidade para improvisar, solar e

acompanhar com igual competência, os músicos de choro sempre tiveram atividades musicais

variadas, transitando entre diversos espaços e gêneros musicais. Como se verá adiante, esse

traço de mobilidade confirmou-se no contexto da indústria fonográfica e do Rádio a partir da

década de 1930.

É importante compreender também o lugar social ocupado pelo choro no ambiente

musical do Rio de Janeiro na virada do século XX e sua função de mediador entre culturas.

Segundo Wisnik (2004), uma das fronteiras impostas pelo mapeamento cultural da Primeira

República, baseado no “estreito conceito de cidadania moral e estética”, era a repressão ao

violão, ao choro e às serestas (sem falar nas batucadas). Os chorões (“em geral doublés de

funcionários públicos e boêmios, biscateiros musicais das orquestras de cinema e restaurante,

às vezes músicos de banda”) se reuniam, assim, em lugares estratégicos (como a casa da tia

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Ciata), que funcionavam como espaços de resistência “às marginalizações sofridas pelos

grupos populares em suas práticas culturais” (WISNIK, 2004, p. 153-155).

Uma conhecida citação de Pixinguinha descreve como se davam esses encontros na

casa da tia Ciata: “Em casa de preto, a festa era na base do choro e do samba. Numa festa de

pretos havia o baile mais civilizado na sala de visitas, o samba na sala do fundo e a batucada

do terreiro” 11

. Percebe-se a existência de invisíveis “biombos culturais”12

entre esses

ambientes, estando o choro relacionado ao ambiente socialmente aceito, com dança de par

enlaçado e música baseada em gêneros de proveniência europeia, como a polca, a valsa, etc.

(SANDRONI, 2001, p. 103).

Wisnik (2004) amplia o ambiente de circulação social “sala – fundos – terreiro” para o

que chama de “topologia musical urbana”. A sala de visitas se desdobra em sarau (sala em

que a música passa de ser motivação de dança para objeto de contemplação amena) e sala de

concerto (onde a contemplação auditiva é mais ritualizada e o repertório investido de uma

aura museológica mais destacada), conforme o Diagrama 1. (WISNIK, 2004, p. 159)

Diagrama 1. Topologia musical urbana. Circulação entre biombos culturais da sala de concerto ao terreiro de

candomblé e vice-versa. (Wisnik, 2004, p. 159).

O autor explica que o diagrama ilustra a circulação de elementos eruditos e populares,

socialmente contextualizados e permeados pelo mercado radiofônico e discográfico, tal e qual

ocorria no meio musical carioca da primeira metade do século XX:

11

Pixinguinha, citado por Roberto Moura em “Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro”, p. 83. (apud

Sandroni, 2001, p. 103). 12

Biombos culturais podem ser entendidos como “territórios culturais de passagem que permitiam articulações

entre diferentes camadas sociais” (ARAGÃO, 2012, p. 26-27)

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Na linha horizontal perfazem-se passagens do popular ao erudito através de sinapses

que marcam as fronteiras culturais do nervosismo social, ao mesmo tempo que

deixam vazar alguns sinais que, vindos das duas direções, querem percorrer todo o

sistema. (...). A linha oblíqua marca, por sua vez, a ramificação mercadológica de

massa que deu inesperada margem de penetração alternativa à música popular,

correndo por fora do sistema de difusão da arte. (...) A polaridade social fica

marcada nos pontos terminais dessa cadeia, onde a ideologia tem seu ponto de forca:

de um lado o ritual religioso popular, de outro, o ritual estético burguês. (WISNIK,

2004, p. 160, grifo do original)

Ocorre um processo de interpenetração de culturas (salão e terreiro), o qual foi

amplificado nos meios de comunicação de massa a partir da década de 1930, tornando-se uma

importante ferramenta de divulgação do ideário nacional projetado pelo populismo.

Enquanto o negro avança para o lugar público, onde se faz reconhecível e

reconhecido, apropriando-se, mimetizando ou distorcendo a seu modo formas da

cultura branca de base europeia, os políticos e intelectuais brancos vão ao

candomblé e apadrinham o samba, reconhecendo nele uma fonte de autenticidade

“nacional” que os legitima. São muitos os casos curiosos, dessa época, exemplos do

entreabrir-se paternalista do futuroso filão populista. (WISNIK, op. cit., p. 153-155)

Para Wisnik (2004), o choro e a seresta “ocupam um lugar paralelo e elástico entre o

samba, o salão e o sarau, tangenciando a batucada e aspirando eventualmente ao status

erudito” (WISNIK, 2004, p. 161). Segundo o autor, o choro seria um “coringa musical”, como

comenta Aragão (2012, p. 27), “podendo se configurar como uma música apta a ser tocada

tanto nos “grandes salões” quanto na mítica casa de tia Ciata”. Exemplo seria o violonista

Sátiro Bilhar, que segundo depoimento de Donga, citado por Wisnik, “estilizava a mesma

composição (...) conforme as conveniências do público a quem tocava, em gradações

nuançadas entre o erudito e o popular.” (Wisnik, 2004, p. 158)

Aragão (2012) assinala que as práticas musicais de choro apresentavam grande

mobilidade no princípio do século XX no Rio de Janeiro, conforme dados colhidos no livro de

Alexandre Gonçalves Pinto. São citados 28 bairros por abrigar reuniões de choro, espalhados

pelas zonas norte, sul, centro e Paquetá. A mobilidade dos chorões em diferentes regiões da

cidade era também uma forma de mobilidade social:

O livro também nos mostra que os lugares de sociabilidade do choro, as festas

“regadas a comida e bebida” podiam se dar tanto em ambientes aristocráticos como

as casas do Visconde de Ouro Preto e o Barão da Taquara, em ambientes ligados aos

intelectuais da época, como a casa de Mello Moraes Filho e finalmente em

ambientes típicos da baixa classe média da época, como as casas das mulatas

Durvalina e “Mariquinhas Duas Covas”, figuras muito populares pela hospitalidade

e fartura com que recebiam os chorões (ARAGÃO, 2012, p. 142).

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Para Wisnik (2004), o choro dialoga com o samba e com a música erudita nas duas

extremidades da cadeia por ele proposta: ora se aproxima do gênero mais popular que é o

samba, ora agrega elementos da música de concerto. A relação entre o choro e o samba é de

fato curiosa. O choro é considerado, por muitos intérpretes, um gênero musicalmente mais

elaborado. Sandroni (2001) afirma que no início os “bons tocadores de flauta, clarineta, etc.”,

ou seja, os solistas de choro, limitavam suas participações à sala de visitas, onde havia o baile

animado pelo choro.

São raríssimos os testemunhos indicando a presença de instrumentos europeus

outros que violão e cavaquinho nas rodas de samba das tias baianas. Conheço uma

menção ao clarinete num depoimento de um neto de tia Ciata (entrevistado por

Lopes em O Negro no Rio de Janeiro, p. 105) e menções à flauta, que em pelo

menos um testemunho, figura como excepcional. (SANDRONI, op. cit., p.

143-144)

Braga (2002), ao contrário, afirma que nessas festas o choro confundia-se com o

samba, por compartilhar do mesmo instrumental musical, havendo um contínuo intercâmbio

de músicos e ouvintes:

A casa da tia Ciata tinha os dois [o choro e o samba], separados como gêneros

musicais em suas formas características de execução, mas principalmente por

disposições receptivas, afinal consagradas na mesma festa: um na sala; instrumental,

variado com base no terno [ou seja, o trio flauta, cavaquinho e violão] (...) o outro

no quintal, cantado a base de palmas, prato, faca e pandeiro. Não é absurdo imaginar

a intensa dinâmica interativa da recepção, os personagens trocando espaços e

disposições, a sala pelo quintal e vice-versa.

Pixinguinha (1897-1973) é um exemplo de chorão que se aventurava no terreiro para

tocar samba. Mas, segundo seu próprio depoimento, ele era muito mais um homem de choro

que de samba: “Samba é com o João da Baiana. Eu não era do samba. Eles faziam seus

sambas lá no quintal e eu os meus choros na sala de visitas. Às vezes eu ia no terreiro fazer

um contracanto com a flauta, mas não entendia nada de samba”13

(SANDRONI, 2001, p.

140).

A partir da década de 1920, a aproximação entre o choro e o samba cresceu muito por

conta do mercado fonográfico. Sandroni (2001) refere que, na maioria das gravações

comerciais de samba, foram os músicos de choro que se responsabilizaram pelo “suporte

harmônico e pela ornamentação melódica de flauta, trombone, etc.”. (SANDRONI, 2001, p.

104-105). Não só os músicos vinham do choro, mas também os arranjadores. Como se sabe,

os primeiros arranjos do samba na indústria fonográfica foram feitos por Pixinguinha. Braga

13

Pixinguinha citado por Vagalume em Na Roda do Samba, p. 77. (apud Sandroni, 2001, p. 140)

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(2002) também comenta essa aproximação entre chorões e sambistas, ao citar os livros dos

primeiros memorialistas do choro - Alexandre Gonçalves Pinto, Vagalume e Orestes Barbosa

- publicados na década de 1930:

Alexandre Gonçalves Pinto nos deixa bem clara a relação dos chorões com o carnaval e,

portanto,com o samba, ampliando a geografia dos “encontros”. Para além das casas das

“tias” baianas, tão bem descritas pelos memorialistas Vagalume e Orestes Barbosa, essa

interação se estreitava também: nos Ranchos e suas orquestras constituídas; no

acompanhamento dos ensaios de canto e nas lidas das gravações; no acompanhamento

dos cantores pelos espaços de trabalho profissional possíveis; circos, cinemas, rádio e

teatro de revista e nas festas oficiais. (BRAGA, 2002, p. 208).

A atuação do flautista Benedito Lacerda, primeiramente no grupo Gente do Morro e,

logo, no Regional de Benedito Lacerda (com Pixinguinha no sax tenor) teve fundamental

importância nesse processo de aproximação entre o choro e o samba, especialmente na década

de 1930. O regional de Benedito Lacerda inovou as levadas14

comumente utilizadas no

contexto do choro, a partir da adoção de esquemas rítmicos e sonoridades percussivas

retiradas do samba de Estácio. Para Aragão (2012), Benedito Lacerda foi uma importante

figura mediadora no diálogo entre o choro e o samba, o qual produziu modificações em

ambos os gêneros:

O conjunto regional com maior atuação nas gravações do novo samba desde o final

da década de 1920 até praticamente a década de 1970 será o conjunto formado pela

trinca Canhoto (Waldomiro Tramontano), Dino (Horondino José da Silva) e Meira

(Jayme Florence), a princípio reunidos como “regional de Benedito Lacerda” e

depois como “Regional do Canhoto”, a partir da década de 1950. (ARAGÃO, 2012,

p. 35).

A forma como Wisnik (2004) dispõe a relação entre o choro e o samba resulta

interessante quando aplicada na comparação do estilo interpretativo dos flautistas Benedito

Lacerda e Dante Santoro. Poder-se-ia dizer que Benedito Lacerda atuou na extremidade

popular da cadeia proposta por Wisnik, o samba, enquanto Dante Santoro voltou-se para a

extremidade erudita da cadeia, o choro. Essa observação ganha mais interesse quando se

considera que Benedito Lacerda formou-se em flauta e composição no Instituto Nacional de

Música do Rio de Janeiro, enquanto Dante Santoro não teve formação oficial de

14

Na terminologia dos músicos populares, a “levada” “é uma célula rítmica, ou rítmico-harmônica, que

caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de identificação dos

gêneros musicais” (TRAVASSOS, 2005, p. 18). Nesse padrão rítmico baseia-se o acompanhamento dos violões,

do cavaquinho e da percussão. No caso do samba de Estácio, trata-se de um padrão rítmico contramétrico,

inspirado no padrão executado pelos tamborins.

Page 34: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

32

conservatório, como se verá nos próximos capítulos. Esse fato demonstra quão relativas são as

classificações erudito e popular e que a dicotomia entre essas categorias não tem sentido15

.

Alguns intérpretes apresentam a virtude de adaptarem-se a novas linguagens,

transformando suas tendências estilísticas ao longo do tempo. A obra do flautista Nicolino

Copia, o Copinha (1910-1984), tem essa característica: ao passo que algumas de suas

composições têm forte conexão com a linguagem das serenatas e choros, sua atuação como

intérprete a partir da década de 1960 é muito marcada pela linguagem da bossa nova. Pode-se

dizer que Copinha constrói a ponte entre o universo do choro e o da bossa nova, o que não

deixa de ser um reflexo da íntima relação entre a indústria cultural e a estética artística: nesse

caso, a maneira de tocar modifica-se segundo as referências estéticas do gênero musical em

voga a cada época.

O diálogo do choro com a música de concerto é uma tendência já existente entre os

músicos de choro desde Joaquim Antônio Callado (1848-1880). Na virada do século XX,

artistas tornaram-se mediadores da música popular e a levaram para as salas de concerto.

Essas primeiras incursões foram, certamente, tensas: em 1908, por exemplo, Catulo da Paixão

Cearense (1863-1946)16

apresentou-se no auditório da Escola Nacional de Música, assim

como Ernesto Nazareth (1863-1934), em 1922. Nessa primeira apresentação de Nazareth,

idealizada por Luciano Gallet, houve confusão e até a polícia foi chamada, segundo o relato

de Mário de Andrade17

.

Uma das instâncias da circularidade cultural no choro é a formação musical dos

músicos de choro. Assim como o já mencionado Benedito Lacerda, grande parte dos chorões

teve algum tipo de educação formal. Nas palavras de Braga (2002), embora essa música

prescindisse do escol próprio da tradição da cultura musical oficial, isso não significou um

afastamento do ensino musical:

15

Esse fato demonstra, ainda, que, do ponto de vista interpretativo, a tendência estilística de cada intérprete

parece definir-se por uma escolha interpretativa, baseada na experiência musical, na afinidade e no gosto pessoal

de cada músico, mais do que pela eventual educação formal. 16 Catulo da Paixão Cearense, nascido em 1823 no Ceará, foi reconhecido pelos intelectuais da época como

autêntico “poeta popular”, tendo publicado diversos livros com coletâneas de modinhas e canções da época,

sempre com a preocupação de “corrigir” e adaptar as letras das poesias de modo a inseri-las na norma culta e no

“padrão” exigido pela incipiente indústria cultural da época (Carvalho, 2006, p. 6 apud Aragão, 2002, p. 98). 17

Em artigo de 1940 para o jornal “O Estado”, Andrade cita o Festival Nazareth, de 1940, promovido pela

Associação dos Artistas Brasileiros no mesmo Conservatório de Música, mas, dessa vez, sem polícia (Braga,

2002, p. 292). O programa desse concerto, encontrado por esta pesquisadora na Biblioteca Alberto Nepomuceno

da Escola de Música da UFRJ, mostra a participação do Regional de Dante Santoro, além dos pianistas Mário

Azevedo, Arnaldo Rebello, Henrique Vogeler e Carolina Cardoso de Menezes.

Page 35: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

33

O que chamamos aqui de música popular urbana no período [1930 a 1945] é aquela

música produzida num contexto de improvisação, mobilidade e criatividade. Ela

prescinde do escol tão necessário à tradição da cultura musical oficial, o que não

significa que muitos músicos que operam no registro erudito dela não participem e

que muitos dos autores populares não tenham seguido em algum momento de suas

carreiras os princípios da aprendizagem oficial. Muito pelo contrário; e isso é uma

característica significativa da tensão entre o popular e o erudito. Tensões que se

manifestam em conflitos, em manifestos, em enquetes, ações pela imprensa, nos

encontros de trabalho nos bastidores das rádios e estúdios de gravação. Trocas de

experiências e colaborações. (BRAGA, 2002, p. 346).

Aragão (2012) comenta de que formas se dava o processo de aprendizagem do choro

no período de 1870 a 1936, a partir dos dados constantes do livro de Alexandre Gonçalves

Pinto (1936). Muitas vezes o aprendizado ocorria por meio de uma relação mestre-discípulo:

na prática da roda de choro, o músico menos experiente aprendia com outro mais experiente.

Foi o que ocorreu entre Alexandre Gonçalves Pinto e o flautista Videira:

Ainda que Videira não soubesse ler partituras, conhecia “regularmente” o violão e o

cavaquinho, o que provavelmente quer dizer que o flautista-charuteiro dominava um

repertório de formação de acordes, como os caminhos harmônicos e o repertório

rítmico-harmônico (“levadas”) dos dois instrumentos. Dessa forma, andando sempre

com Videira, Alexandre conseguiu repertoriar um vocabulário de estruturas de

acompanhamento que o permitiu se tornar um instrumentista “respeitado na roda dos

tocadores batutas”. Da mesma forma que Videira, outros instrumentistas também se

tornaram verdadeiros “professores” informais de seus instrumentos, sendo o

aprendizado quase sempre feito na prática da roda. (ARAGÃO, 2012, p. 214).

Esses professores informais eram geralmente instrumentistas ligados ao

acompanhamento, que, por sua extrema desenvoltura no instrumento, passaram a ser citados

como pontos de referência para o aprendizado. Este foi o caso dos cavaquinistas Galdino

Barreto e Mário Álvares da Conceição e dos violonistas Sátiro Bilhar e Quincas Laranjeira.

O aprendizado, no entanto, também se dava por intermédio de professores formais

ligados a instituições de ensino18

. Geralmente eram instrumentistas solistas que tocavam

instrumentos de sopro. Por exemplo, há o caso do flautista Duque Estrada Meyer (1848-

1905), professor do Conservatório Imperial de Música (posteriormente denominado Instituto

Nacional de Música). Citado por Alexandre Gonçalves Pinto como “O grande professor

Duque Estrada Meyer” que “não só conhecia os grandes choros dos imensos flautas (...),

como também o clássico”, Meyer foi um mediador, que agregava em si a figura do erudito

professor e do instrumentista de choro. A esse respeito, comenta Aragão (2012):

18

Acredita-se que a formação musical era uma formação profissional, pela qual o aluno aprendia as ferramentas

para ser músico – teoria, solfejo, contraponto, harmonia e treinamento prático específico. Como o mercado era

variado, a atuação desses músicos oriundos da “academia” era voltada para atividades que oferecessem

oportunidade de ganho financeiro. Ainda que sua formação tivesse eventualmente orientação “erudita”, a atuação

na esfera “popular” era bastante comum.

Page 36: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

34

É muito difícil sabermos hoje em dia até que ponto as práticas populares e as

músicas contidas nos cadernos dos “antigos flautas” – isto é, as músicas de Callado

e Viriato, por exemplo, - faziam parte do currículo dos alunos do Conservatório. Um

fato interessante pode talvez ilustrar o caso: em um caderno manuscrito de partituras

da coleção Jupyacara Xavier, datado de 1909, encontramos na contracapa um

programa de um concerto de música com os dizeres: “Grande concerto do flautista

brasileiro Gabriel de Almeida – aluno laureado do Instituto Nacional de Música e

ex-discípulo do inesquecido professor Duque Estrada Meyer – Ginásio de Música”.

Acima, manuscrito: “em 29 de janeiro de 1910”. Quando cotejamos os compositores

que constavam no recital com aqueles que constam no caderno temos, de um lado,

Leoncavallo, Marchetti, Dubois, entre outros – e do outro Silveira, Callado, Viriato,

etc. Ou seja, o mais provável é que houvesse realmente uma divisão entre os

compositores “permitidos” de conservatório e os compositores “de rua”, ainda que

Meyer fosse ele mesmo um discípulo de Callado e um grande conhecedor das

músicas de choro. (ARAGÃO, 2012. p. 217).

Outros flautistas professores ligados ao ambiente do choro são citados no livro de

Gonçalves Pinto: Pedro de Assis (que substituiu Meyer como professor no Conservatório

Imperial), Pattápio Silva (intérprete das primeiras gravações de flauta pela Casa Edison,

portanto referência para os flautistas da vindoura indústria fonográfica), João Salgado,

Felisberto Marques ou Maçarico, General Gasparino e Professor Nicanor (dos quais não se

sabe se passaram pelo Conservatório, se davam aulas particulares ou em Sociedades Musicais

da época). Ao concluir, Aragão (2012) aponta os indícios de intercâmbio de práticas musicais

eruditas e populares nessa esfera de ensino:

O que tiramos disso tudo é o fato de que, dada a grande popularidade da flauta

naquela época – 109 flautistas são citados ao longo do livro de acordo com o

fichamento de Jacob do Bandolim -, os processos de aprendizagem se davam

necessariamente através de diversas fontes, entre as quais estava a entidade “oficial”

de ensino, o Conservatório Imperial (e depois Instituto Nacional de Música). Ainda

que não saibamos até que ponto esta música era efetivamente ensinada no

Conservatório, o fato é que temos pelo menos três gerações de professores dessa

instituição – Callado, Duque Estrada Meyer e Pedro de Assis – ligados à prática do

choro e citados no livro de Pinto. (ARAGÃO, 2012. p. 218).

Outro ambiente de ensino do choro eram as bandas militares e sociedades musicais.

Estas ofereciam cursos livres de música, com instrução musical primária para leigos. No livro

de Pinto são citadas a Sociedade Musical da Tijuca e a Sociedade Musical Santa Cecília.

(ARAGÃO, 2012, p. 221). As bandas militares também abrigavam muitos músicos de choro,

sendo a mais importante delas a Banda do Corpo de Bombeiros, regida por Anacleto de

Medeiros.

Observa-se que esses processos de ensino, abarcando referências eruditas e populares,

levaram à formação de gerações de músicos mediadores, que circulavam nessas distintas

esferas e ambientes culturais. Pode-se citar, entre os violonistas, Quincas Laranjeira (1873-

1935), Américo Jacomino - o Canhoto (1889-1928), Levino da Conceição (1895-1955), João

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35

Pernambuco (1883-1947), Dilermando Reis (1916-1977) e Aníbal Augusto Sardinha, o

Garoto (1915-1955). Entre os clarinetistas, Abel Ferreira (1915-1980) e Paulo Moura (1933-

2010) foram destaques. Desde Joaquim Callado até os dias de hoje, é possível encontrar

exemplos de mediação na atuação de vários flautistas, inclusive Dante Santoro.

O registro em partituras pode ser apontado como outra instância da circularidade

cultural no choro19

. Em sua tese, Aragão (2012) afirma que, nas três primeiras décadas do

século XX, os choros eram transcritos em partituras, organizadas em cadernos manuscritos,

que eram compartilhados pelos chorões, em uma espécie de rede paralela ao mercado

editorial. Esses cadernos manuscritos continham basicamente a melodia da música, a ser

executada pelo solista. A partir de dados encontrados no livro O Choro, de Alexandre

Gonçalves Pinto, o autor conclui que, até a segunda metade do século XX, a leitura de

partituras nas festas onde havia rodas de choro era algo relativamente comum, fato que seria

impensável, ou pelo menos condenável, em uma roda de choro a partir da segunda metade do

século XX20

. (ARAGÃO, 2012, p. 204).

Porém, a transmissão oral também tem papel fundamental, tendo em vista que alguns

aspectos interpretativos não eram notados em partitura. De fato a transmissão oral parece

ocupar um espaço cada vez maior na prática do choro a partir da segunda metade do século

XX. Alguns indícios observados por Aragão (2012) podem corroborar essa ideia: (1)

partituras em clave de fá, encontradas em vários cadernos manuscritos, indicam que os

contracantos eram inicialmente lidos pelos executantes de oficleide e bombardino, por

exemplo; quando esses instrumentos caíram em desuso, foram substituídos pelos contracantos

improvisados no violão de sete cordas; (2) o acompanhamento rítmico-harmônico raramente

era escrito, portanto as conduções rítmico-harmônicas eram necessariamente transmitidas por

19

É necessário relativizar, entretanto, a questão da transmissão “escrita” e “oral” em música. Como afirma

Aragão (2012) citando Treitler (1992), “a dicotomia entre transmissão “escrita” e “não escrita” não pode ser

sustentada na prática: mais ainda, para o musicólogo, desde o começo da tradição musical escrita europeia

conceitos como leitura, memória e improvisação foram aspectos contínuos, mutuamente relacionados e

interdependentes” (Treitler, 1992 apud ARAGÃO, 2012, p. 202). Há, inclusive, autores que enriquecem esse

debate ao incluir mais categorias: para Curt Sachs, existiriam quatro formas de transmissão: oral, escrita (ou

manuscrita, mais precisamente), impressa e gravada – categorias que estariam presentes em todas as culturas, em

maior ou menor grau, a partir da segunda metade do século XX, nunca com um caráter mutuamente excludente,

mas numa relação de interdependência contínua (ARAGÃO, 2012, p. 202) 20

A partir da segunda metade do século XX, a capacidade de improvisação é mais valorizada do que a leitura de

partituras no ambiente do choro, fato relacionado especialmente à figura de Jacob do Bandolim. Em seu

depoimento ao Museu da Imagem e do Som, em 1967, Jacob afirma a existência de duas categorias de músicos

de choro: “(...) há dois tipos de chorão: há o chorão de estante, que eu repudio que é aquele que bota o papel pra

tocar choro e deixa de ter a sua ... perde a sua característica principal que é a da improvisação; e há o chorão

autêntico, o verdadeiro, aquele que pode decorar a música pelo papel e depois dar-lhe o colorido que bem

entender, este que me parece o verdadeiro, autêntico, honesto chorão” (Jacob do Bandolim, 1967 apud

ARAGÃO, 2012, p. 203).

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36

via oral, realizadas na prática a partir de um vocabulário estabelecido: “o bom instrumentista

acompanhador era aquele que ao mesmo tempo dominava ao máximo esse vocabulário e que

sabia fazer as melhores escolhas no menor tempo no momento da execução” (Aragão, 2012,

p. 206).

O que se pode concluir a partir disto é o fato de que os modos de transmissão oral e

escrito parecem estar presentes desde o nascimento do gênero [choro], e não é por

acaso que o tema aparece na obra de Pinto e no depoimento de um de seus mais

importantes intérpretes das décadas de 1940 a 1960, Jacob do Bandolim. Na

comparação entre estes dois podemos perceber que para os chorões descritos por

Pinto a leitura da partitura era algo tão valorizado como o fato de se tocar de

“ouvido”. (ARAGÃO, 2012, p. 204).

O próximo tópico abordará a questão da improvisação no choro, assunto que nos

interessa de forma particular na obra de Dante Santoro. A partir da segunda metade do século

XX, a improvisação passou a ser muito valorizada nas rodas de choro, como verdadeiro

indicativo de qualidade do músico. Do chorão que não improvisava bem, dizia-se que não

tinha bossa, ainda que tivesse boa leitura musical. É possível que o inverso também seja

verdadeiro, e que o chorão de boa leitura fosse de antemão considerado mau improvisador. A

discussão acontecerá em torno do conceito de improvisação e sua relação com a bossa no

contexto do choro, a partir de depoimentos de intérpretes e de textos relacionados ao tema.

1.3 O choro: improviso e bossa

A improvisação é um processo comum a várias culturas musicais e um conceito

bastante estudado na etnomusicologia. Algumas definições recopiladas por Nettl (1998)

servem como parâmetro: para John Baily, “improvisação é a intenção de criar enunciados

musicais únicos no ato da performance”. Segundo Veit Earlmann: “é a criação de um

enunciado musical, ou forma final de um anunciado musical já composto, no momento de sua

realização em performance”. Para Micheál O´Suilleabhain, é “o processo de interação

criativa (em privado ou em público; consciente ou inconscientemente) entre o músico

(performer) e um modelo musical que pode ser mais ou menos fixo”. Simha Aron considera

que “no sentido estrito, é a performance da música no mesmo momento de sua concepção”.

(Lortat-Jacob apud Nettl, 1998, p. 10-11). Percebe-se que no cerne de todas as definições

encontra-se o ato de criação em tempo real.

Os estudos sobre a improvisação revelam que toda prática de improvisação tem um

“ponto de partida”. Segundo Nettl (1998), o ponto de partida pode ser de vários tipos: temas,

tonalidades, sequências de acordes, formas, um vocabulário de técnicas, um vocabulário de

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37

motivos e/ou materiais mais longos, etc. O “ponto de partida” abarca desde o que é fácil e

“natural”, ao que é intelectualmente complexo. (NETTL, 1998, p. 15-16).

Em alguns tipos de música clássica ocidental, o material temático e a forma podem

ser pontos de partida típicos. O organista improvisador, por exemplo, cria sobre um

tema e as características e requerimentos da Fuga. Para uma cadência de concerto, o

modelo advém de motivos e temas do movimento ou da obra, além de gestos

musicais (escalas, double-stops, arpejos) que se prestam à exibição da virtuosidade.

Os músicos de jazz usam sequências harmônicas (“changes”) e tonalidades que se

tornam a base para variações ou levam a improvisações solo21

. (NETTL, 1998, p.

13)

O jazz é um dos gêneros musicais ocidentais que mais recorrem à improvisação

como meio expressivo. Na definição de Hobsbawn (1996, p. 45), o jazz é uma música de

executantes, tudo nele está subordinado à individualidade dos músicos, ou deriva de uma

situação em que o executante é o senhor. Assim, é natural que a improvisação individual ou

coletiva tenha uma importância muito grande para o jazz.

Surgem nas interpretações desse gênero as controvérsias sobre a prática

improvisatória. Por exemplo, um dos clichês mais conhecidos sobre a improvisação afirma

que não pode haver padronização, ou seja, que o improviso deve ser inédito. Sabe-se,

entretanto, que na realidade o músico cria, elabora e revisa o seu improviso ao longo de várias

interpretações, trabalhando seus solos em busca da forma ideal. Hobsbawn (1996) contesta

esse clichê, argumentando que o importante é que a criatividade seja preservada como

elemento primordial da improvisação, destacando a importância da improvisação como

composição em tempo real.

(...) Falar que o único jazz legítimo é o que nunca foi ouvido antes é romantismo

bobo. Afinal, o que há de errado com o músico que, tendo encontrado uma boa ideia

e a tendo elaborado durante uma série de apresentações, decida ater-se àquilo que

ele considera um solo adequado? Por outro lado, a improvisação (...) é e merece ser

festejada, pois representa a constante e viva recriação da música, o arrebatamento e a

inspiração dos músicos comunicados a nós. (HOBSBAWN, 1996, p.47 e 151)

No choro, há distintas maneiras de se entender a improvisação. De fato, o improviso

não é uma categoria unívoca, havendo diversas abordagens possíveis, pois a contribuição

criativa dos intérpretes, no momento da execução, é variada. Alguns processos podem ser

apontados, nessa prática, no contexto do choro: (1) criação de contracantos do violão de sete

21

In some kinds of Western art music, thematic material and standardized form may be typical points of

departure. The improvising organist has a given theme and the characteristics or requirements of fugal structure

upon which he builds his creation. For a concerto cadenza, motifs and themes of the movement or work, along

with musical gestures (scales, double-stops, arpeggios) that are characteristic for exhibiting virtuosity are taken,

together, the model. Jazz musicians, obviously, use sequences of harmonies (“changes”) and tunes which may be

the basis of variation or which may lead to unrelated solo improvisations. (NETTL, 1998, p. 13)

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38

cordas; (2) variação de padrões rítmicos no acompanhamento (violão, cavaquinho e

pandeiro); (3) contracantos na linha melódica por um segundo solista (sax tenor, clarineta,

etc.); (4) variações na linha melódica principal (também pelo uso de ornamentação e

articulações diversas); (5) criação de uma nova linha melódica, sem relação de variação com a

melodia original, baseada nas progressões harmônicas de determinado trecho.

A prática da improvisação no choro se modificou com o passar dos anos. A criação

de contracantos e variações da melodia principal foram processos adotados originalmente

pelos chorões. Essa prática foi levada ao um alto nível de elaboração e criatividade nas

gravações de Pixinguinha e Benedito Lacerda, na década de 1940, tidas como referências para

os músicos de choro na atualidade. Já o processo de criação de uma linha melódica nova, não

vinculada à original é, segundo Almir Cortes (2012), uma tendência surgida nos últimos trinta

ou quarenta anos, como resultado da influência do jazz (e seu correspondente processo de

improvisação, baseado no formato chorus). Esse processo de improvisação no choro, segundo

o autor, poderia ser apreciado em gravações mais recentes de músicos como Paulo Moura

(1933-2010), José Alberto Rodrigues Matos, o “Zé da Velha” (n. 1942), Nailor Azevedo, o

“Proveta”, entre outros.

Estudiosos e músicos de choro apresentam diferentes definições para a improvisação

no choro, vinculando-a tanto às variações melódicas, quanto ao componente harmônico. A

seguir, far-se-á uma breve revisão das discussões apresentadas na literatura sobre a

improvisação no choro, agregando argumentos recolhidos nos depoimentos de músicos para

esta pesquisa.

Carlos Almada (2006) considera que a “improvisação chorística” se origina

diretamente das características formais do gênero. Segundo o autor, as variadas repetições,

próprias da execução convencional do choro, impelem, naturalmente, os instrumentistas em

direção à variação melódica. “É inegavelmente mais artístico e mais desafiador tratar sob

diferentes aspectos uma melodia recorrente (a competição entre virtuoses – marca registrada

do choro desde suas origens – deve ter, sem dúvida, contribuído ainda mais para o

desenvolvimento das improvisações no gênero.” (ALMADA, 2006, p. 55).

Na visão da flautista Eliane Salek (1998), a flexibilidade rítmico-melódica e a

improvisação são características essenciais da interpretação do choro. Segundo a autora, a

relação entre ornamentação e improvisação é bastante clara no contexto do choro tradicional,

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39

em que a improvisação acontece estruturalmente na dimensão horizontal, em torno da

melodia, sem descaracterizá-la. Essa ideia é corroborada por Robson Barreto Matos (2009).

Segundo Bernardo Fabris (2006), no choro os temas apresentam grande invenção

melódica e harmônica e, por essa razão, a improvisação geralmente acontece mais ao nível da

variação melódica e da alteração da métrica, por meio de sutilezas rítmicas que, muitas vezes,

escapam às possibilidades de notação (FABRIS, 2006, p. 13). De forma similar, César Albino

(2011) avalia que o foco do chorão está na melodia, e não na harmonia, por meio de um

pensamento melódico-improvisatório baseado na melodia original do choro, que é

constantemente lembrada ou citada durante a improvisação (ALBINO, 2011, p.78).

De acordo com Paula Valente (2008), há duas abordagens de improvisação no choro:

a abordagem vertical, que se revela mais preocupada com a harmonia, e a abordagem

horizontal, mais vinculada à melodia. Essas duas linhas coexistem no mesmo discurso, mas

nota-se a predominância de uma em relação à outra, dependendo de cada intérprete. Na

abordagem vertical, o músico projeta a identidade harmônica de cada acorde com a melodia,

ou seja, cria uma melodia que se encaixa em cada acorde dentro da respectiva progressão. As

melodias são, assim, construídas principalmente por meio das terças, fundamentais e sétimas

dos acordes, ou seja, têm por base arpejos, guardando como principal enfoque a definição das

sequências harmônicas da música. Já na abordagem horizontal, a melodia se baseia em uma

escala relacionada ao centro tonal da progressão, e não em cada acorde individualmente. As

melodias são, assim, construídas por meio de recursos como notas sustentadas em mais de um

acorde, ou uma única escala utilizada através de vários compassos, o que permite fraseados

mais amplos, enfocadas nas variações de motivos melódicos e rítmicos (VALENTE, 2008, p.

26-27).

Na dissertação de David Rangel Martins (2012), encontram-se vários depoimentos de

músicos de choro sobre a improvisação. Alguns interessantes aspectos apontados pelo autor, a

partir desses depoimentos, são os seguintes: (1) a improvisação no choro é coletiva e

dinâmica, vários parâmetros são variados ao mesmo tempo (a harmonia, o ritmo, a melodia) e,

assim, há várias dimensões de improvisos simultâneos; (2) as características idiomáticas de

cada instrumento influenciam na escolha dos procedimentos e na utilização de efeitos

tímbricos para a elaboração do improviso; (3) o improviso no choro nem sempre está

relacionado a uma criação súbita e imprevista, muitas vezes o chorão retém em sua memória

as variações que ele próprio fez e as aplica em certos trechos do tema; (4) para improvisar é

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40

importante conhecer o repertório de choros e os fraseados típicos do gênero; (5) o improviso

do choro é próximo à melodia, ou seja, improvisa-se sobre determinados parâmetros musicais

da melodia do tema, de modo que este continue audível através de diversos outros parâmetros.

(MARTINS, 2012, p. 40-59).

O clarinetista Paulo Moura (1933-2010), no prefácio do método de Carlos Almada

(2006), assim define a improvisação no choro: “o improviso, tradicionalmente, é uma

paráfrase da melodia e não uma derivação que se torne, em si, outra composição”. (MOURA

apud ALMADA, 2006, p. 1). Já segundo o flautista Leonardo Miranda22

(em depoimento oral

concedido à autora desta tese, em 13/10/2012), a variação melódica não corresponde à

improvisação. Segundo ele, há quatro parâmetros que conformam a linguagem do choro: as

divisões rítmicas, os ornamentos, a articulação e a improvisação. É possível lidar com o três

primeiros parâmetros e variar bastante a melodia, mas a improvisação engloba o elemento da

criatividade e se relaciona à harmonia. Portanto, haveria diferença entre variação (baseada na

melodia) e improvisação (baseada na harmonia).

A utilização de variações melódicas memorizadas, na parte solista, também é uma

prática comum no choro. O flautista Daniel Dalarossa afirma que muitas vezes, ao interpretar,

o chorão utiliza ornamentos previamente inseridos na frase musical, ou cria frases de acordo

com sua personalidade, ensaiando tudo isso previamente. “Com muita frequência o chorão

aperfeiçoa uma dada improvisação ou criação já ensaiada e tocada muitas vezes em sua vida

musical, até incorporar a frase em seu repertório e consagrá-la como sua marca-registrada.”

(DALAROSSA apud ALBINO, 2011, p. 78). Para alguns chorões, o uso de melodias pré-

concebidas está mais vinculado a situações especiais, como as gravações, e não ao cotidiano

das rodas de choro, nas quais se improvisa por meio de variações melódicas espontâneas.

A flautista Odette Ernest Dias23

define muito bem a questão da improvisação com a

seguinte afirmação:

Cada um improvisa sobre o seu conhecimento. Você tem uma bagagem, uma

experiência musical e, na hora de improvisar, você usa isso. As escolas de jazz (...)

têm uns clichês de improvisação [ela cantarola algumas células melódicas], todo

22

Flautista, pesquisador da obra de Joaquim Antônio Callado, lançou o CD Leonardo Miranda toca Joaquim

Callado (Acari Records, 2000), em que interpreta obras de Callado, com arranjos e formação instrumental

similares à utilizada em fins do século XIX. É professor da Escola Portátil de Música, no Rio de Janeiro. 23

Odette Ernest Dias (n. 1929), flautista francesa radicada no Brasil, formada pelo Conservatório Nacional

Superior de Música de Paris, foi professora titular da Universidade de Brasília. Reconhecida por atuar na

formação de vários flautistas brasileiros, sempre foi uma apreciadora do choro, tendo gravado participações em

vários CDs, especialmente as obras de Pixinguinha e Joaquim Antônio Callado. Destaca-se, em sua produção, o

álbum Pixinguinha 100 Anos (Kuarup, 1998).

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mundo faz a mesma coisa... isso que é improvisação? Não é! Se eu vou improvisar

sobre uma valsa, [e aponta para a partitura de Dante Santoro que tem em mãos] eu

não vou fazer isso. A estória é outra, o estilo é outro, o ritmo é outro... Mozart

também não escrevia as cadencias dos seus concertos de piano! (...) Cada um faz o

seu estilo. (Odette Ernest dias em entrevista concedida à autora em 08/09/2012).

Martins (2012) comenta esse aspecto da experiência musical refletida na

improvisação ao referir Ingrid Monson (1996), quando afirma que cada músico

individualmente tem suas próprias idiossincrasias, peculiaridades e estilo. Em uma situação de

improviso, há sempre personalidades musicais interagindo e, nesse sentido, o instrumento

assume mais de seu significado etimológico, constituindo um “meio”, uma “ferramenta” para

interagir musicalmente. (MARTINS, 2012, p. 41).

Braga (2002) oferece, por sua vez, um interessante olhar sobre a improvisação no

Rádio. Para esse autor, a questão da improvisação na música popular urbana nos anos de 1930

a 1945 advém do próprio contexto de sua produção, caracterizado pela improvisação,

mobilidade e criatividade. Improvisavam todos os que participavam da criação daquela

música “no calor da hora”:

O improviso (...) é mesmo uma categoria analítica, constituindo-se no cerne daquele

“profissionalismo” possível e do qual (...) a criatividade abundará como

consequência inelutável e inequívoca. A extrema mobilidade observada na

topografia artística do Rio de Janeiro do período é também um princípio construtivo

onde a multifunção é derivada da operação de “invenção” profissional. (...) Essa

mobilidade se caracteriza na flexibilidade das passagens de um campo profissional

para o outro. Por exemplo, do teatro para o rádio e cinema, o que concorre para que

um mesmo indivíduo se veja diante da possibilidade de assumir várias “funções” no

mesmo contexto. (BRAGA, 2002, p. 347).

É fato que a criação espontânea, como símbolo de criatividade, é o elemento

principal nos gêneros musicais baseados na improvisação. Em alguns gêneros, entretanto, a

esse aspecto, soma-se a bossa - um elemento muito valorizado no contexto das músicas

latino-americanas. Segundo o dicionário Aurélio, uma das acepções da palavra bossa é uma

gíria que significa “atributo ou qualidade peculiar a pessoa ou coisa, que faz que elas

agradem, chamem a atenção, se distingam de uma ou de outra”24

. Uma associação imediata da

palavra ocorre com o gênero da bossa-nova, caracterizado pela renovação rítmica, melódica e

harmônica do samba, vinculação que reforça o sentido de bossa como característica peculiar,

diferente.

24

BOSSA. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed, rev.

aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 278.

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Entre os músicos de jazz, fala-se em swing, o “balanço rítmico específico do jazz”

(HOBSBAWN, 1996, p. 309). No Brasil, fala-se muito de bossa no universo do choro e,

sobretudo, do samba. Numa primeira tentativa de definir o termo, diríamos que a bossa é uma

característica especial da execução, um sotaque ou molho característico, reconhecido como

um traço próprio da expressão musical de um grupo (ou do gênero musical que o representa).

Para tocar samba é necessário ter bossa, diz um dito popular. Como o universo do samba é

compartilhado pelo choro, ele termina por se aplicar ao choro. Seria esse um clichê vinculado

a esses gêneros populares? Como definir bossa musicalmente?

Sandroni (2001) conta a anedota sobre Francisco Alves - o principal introdutor do

estilo do samba de Estácio nas gravações de samba. Em uma ocasião, ele teria passado horas

com Nono e Rubens Soares, autores de samba, para aprender a bossa que o estribilho tinha,

ou seja, a maneira como estes o cantavam. Sobre essa passagem, descrita no livro de Máximo

e Didier, p. 410, Sandroni tece o seguinte comentário: “Não podemos saber o que era

exatamente esta “bossa”, que exige que o cantor profissional fique horas aprendendo com “os

rapazes”; mas podemos supor que a articulação rítmica fizesse parte dela”. (SANDRONI,

2001, p. 213)

De fato a articulação rítmica parece ser o diferencial entre os que têm ou não têm

bossa: a fluidez na execução de ritmos contramétricos é o divisor de águas. Na terminologia

de Sandroni (2001), os ritmos contramétricos correspondem à acentuação em pontos não

tônicos da métrica do compasso (síncope), os quais para o autor têm uma correlação natural

com a rítmica africana: em vez de subdividir o tempo em células regulares (como na música

europeia), o tempo se produz pela adição de células desiguais (pares e ímpares, por exemplo

3+3+2 ou 4+3+6+3), o que gera múltiplas referências de tempo e contratempo. (cf.

SANDRONI, 2001, p. 19-37).

Não há dúvida de que a bossa está relacionada ao ritmo. Mário de Andrade já

afirmava, em seu Ensaio sobre a Música Brasileira (1962), que a rítmica brasileira resulta da

conjugação original da quadratura métrica regular, característica da música europeia, que

procede pela subdivisão do compasso, com uma rítmica fraseológica baseada em

irregularidades internas e que procede pela adição indeterminada de tempos, como a das

músicas africanas e indígenas. (apud WISNIK, 2004, p. 36).

Sandroni (2001) conta outra anedota interessante, ainda relacionada às primeiras

gravações de samba do Estácio, por volta da década de 1930:

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Já se fez menção ao fato de que as gravações de samba a partir dos anos 1920

passaram a adotar, além das introduções instrumentais, uma versão instrumental da

melodia, situada geralmente, nas gravações, antes da última repetição do samba pelo

cantor. Assim, a melodia, numa dada gravação, é exposta por diferentes

enunciadores: ora o cantor principal, ora os diferentes instrumentos da orquestra,

ora, em alguns casos, ainda o coro. Isso possibilitou ver que Francisco Alves

empregava, em suas versões das melodias, ritmos mais próximos do paradigma do

Estácio, ou para dizê-lo de maneira mais geral, ritmos mais contramétricos, que os

instrumentistas. Talvez isso se devesse a que Francisco Alves, e talvez também

outros cantores da época, possuía uma proximidade em relação às fontes – por assim

dizer – que fazia a diferença em relação a outros profissionais envolvidos com a

produção de gravações de sambas, como arranjadores e músicos de orquestra. (...)

As várias versões rítmicas da melodia (...) mostram no detalhe o duro trabalho de

aprendizado – em suas várias etapas – necessário para forjar o que nos anos

seguintes se tornaria o ritmo “natural” do samba. (SANDRONI, 2001, p. 213)

Uma importante contribuição junto às orquestras, nesse “duro trabalho para forjar o

ritmo natural do samba”, foi dada pelo maestro Radamés Gnatalli. Segundo Paulo Tapajós, as

orquestrações de samba de Gnatalli foram baseadas na “divisão rítmica dos tamborins”,

graças à sugestão do percussionista Luciano Perrone. Como comenta Sandroni (2001, p. 214-

215), o termo “divisão” é uma categoria utilizada na música popular brasileira para designar

as variações de articulação rítmico-melódicas empregadas nas canções. Assim, Tapajós

sugere a existência de uma “articulação rítmica típica dos tamborins”, que de início era

adotada pelos cantores, mas não pela orquestra.

A essência da “bossa” estaria, portanto, na execução do ritmo contramétrico, muito

utilizado na percussão afro-brasileira, repercutido em diferentes camadas de instrumentação,

desde a melodia solista ao acompanhamento. Adquire-se a bossa pela experiência na tradição

musical oral - própria da atividade do músico popular. Sandroni (2001) assim se refere sobre

essa habilidade:

(...) não é que a contrametricidade possua alguma essência popular, ou que uma pele mais

escura torne automaticamente mais fácil a assimilação dela. Para voltar à imagem de Mário

de Andrade, não é o “sangue”, mas o “convívio” que torna o paradigma do Estácio muito

mais facilmente assimilável por músicos formados na tradição popular afro-brasileira que

por músicos formados na tradição clássica europeia. Aqueles apresentam maior

desembaraço naquele tipo de ritmo, por ser de ritmos assim que se faz o seu pão musical

cotidiano. Para estes, ao contrario, a contrametricidade é a exceção (a “síncope”), que exige

a duplicação gráfica da ligadura, e o recurso analítico da contagem. (SANDRONI, 2001, p.

216-217)

Por outro lado, há que se considerar que a bossa, embora muito vinculada ao samba

de Estácio na década de 1930, é um elemento latente, desde sua formação, da música popular

urbana brasileira, que tem a contrametricidade como característica essencial. Assim, nas

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gravações anteriores a essa época - seja dos sambas da Cidade Nova, das bandas militares ou

dos primeiros grupos de choro – já se forjava a “bossa” hoje vinculada ao samba e ao choro.

As gravações de Pixinguinha tocando flauta, realizadas entre 1915 e 1935, são o

melhor exemplo do que precede. O flautista Leonardo Miranda (em depoimento oral à autora,

em 13/10/2012) afirma que Pixinguinha foi um marco na divisão rítmica do choro, pois antes

dele (nas gravações de flautistas do início do século XX, como Agenor Bens e Antonio Maria

Passos), os fraseados e as articulações eram diferentes. Seguindo a linha de pensamento de

Sandroni (2001), pode-se pensar que a diferença reside no sublinhar da contrametricidade,

trazida ao primeiro plano, tanto na melodia quanto no acompanhamento.

Segundo Leonardo Miranda, é difícil saber se as divisões rítmicas do choro mudaram

no início do século XX, sendo Pixinguinha um representante dessa nova prática, ou se foi

Pixinguinha que mudou a maneira de se tocar o choro. O fato é que essa nova divisão rítmica

se refletia em sua maneira de tocar flauta: não há imprecisões de tempo nas articulações de

Pixinguinha, tudo é absolutamente preciso. Comentário semelhante teceu a flautista Odette

Ernest Dias25

em entrevista concedida à autora, em 08/09/2012. Para ela, a principal

característica de Pixinguinha como flautista era sua articulação rítmica.

Ademais, há que se falar da bossa acompanhante. Segundo o Professor Luiz Otávio

Braga, é necessário sair da esfera dos solistas para buscar nos instrumentistas

acompanhadores (violonistas, cavaquinistas e pandeiristas) as figuras de maior “bossa” no

grupo regional. O acompanhamento define a qualidade do grupo regional, especialmente o

entrosamento da dupla de violões, portanto a bossa dos músicos acompanhadores “é crucial

para que o choro soe como choro.”26

Entretanto, a bossa relaciona-se também à ideia de pertencimento à comunidade. É

fundamental, para ter bossa, participar da roda de samba ou da roda de choro, integrar-se a

essa coletividade - ideia enraizada no discurso de que a bossa é espontânea, “sai de dentro”,

“acontece”. Um exemplo desse discurso é a fala do sambista Ataulpho Alves, que opõe teoria

musical e bossa, numa amostra dos clichês que dominavam os debates da época27

:

(...) não entendo um nadinha de teoria musical. Tiro o meu ritmo de uma caixa de

fósforos ou de um pedaço de lápis. Assim (...) Sei que isso não é vantagem

nenhuma. Muita gente fez assim. Muita gente boa continua fazendo assim. Questão

de bossa. Samba não se faz com a cabeça. Não é questão de inteligência. É uma

26

Comentário ao texto da tese por ocasião da banca de qualificação, em 14/03/2013. 27

Ataulpho Alves responde ao plebiscito. Revista Diretrizes, nº 54, p. 11, 3/7/1941. Entrevista com Ataulpho

Alves. In: BRAGA, 2002, p. 17.

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coisa que acontece. Que sai de dentro, está compreendendo? (BRAGA, 2002, p.

173).

Braga (2002) comenta o discurso de Ataulpho Alves, relacionando-o com o do

memorialista Francisco Guimarães, o Vagalume, conhecido por condenar as modificações

introduzidas no samba pela indústria radiofônica e fonográfica:

A bossa é categoria fundamental para o sentido de pertencimento na comunidade do

samba; ela, de pronto, determina o ritmo. Se recuperarmos a análise que Francisco

Guimarães, o Vagalume, faz do samba, veremos que o “pertencer à roda de samba” é

fundamental. Seria essa a grande diferença; a inteligência por si só estaria

incompleta sem o “sair de dentro” que é comunitário, que é fruto de uma consciência

coletiva e é inseparável da “bossa”. O “sair de dentro” é o ser individual dentro do

ser coletivo. Esse sentido de comunidade do samba, que persiste até hoje, resulta

numa produção que supera a condição mesma do autor individual; daí que

Vagalume exige o “compositor industrial” integrado na Roda do Samba já que evitar

a industrialização parecerá impossível. (BRAGA, 2002, p. 176)

Jacob do Bandolim, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, em 1967,

reforçou a polarização leitura musical versus improvisação ao criar duas categorias: chamou

de chorão de estante o mau improvisador, músico que estaria confinado à leitura da partitura,

desprovida de improvisação; e de chorão autêntico o músico que tocava sem partitura,

supostamente um bom improvisador. Essa polarização é um clichê ainda tomado como

referência nos dias de hoje, porém cada vez mais questionado.

Quando os regionais acompanhavam cantores, o flautista era responsável pela

elaboração de contracantos à linha melódica vocal. Alguns registros fonográficos das décadas

de 1930 e 1940 permitem apreciar essa prática na flauta: Benedito Lacerda faz inúmeros

improvisos nas gravações com Carmen Miranda, e outros cantores, na década de 1930;

também foram encontrados no acervo do Museu da Imagem e do Som registros de improvisos

de Dante Santoro acompanhando cantores, possivelmente das décadas de 1940 e 1950.

A audição dessas gravações, assunto do Capítulo 4, revela que há semelhanças nos

recursos utilizados por Dante e Benedito em suas improvisações. Talvez esses recursos

fossem os padrões utilizados na época na arte do contracanto, sendo elaborados e imitados

pelos solistas entre si. O que diferencia esses improvisos é a experiência musical de cada

artista, pois sua criatividade se lança na direção do gênero musical com o qual tem mais

afinidade.

Observa-se, portanto, nos discursos sobre a improvisação e a bossa que esses

elementos se irmanam no choro, tornando-se muitas vezes indissociáveis, e que são conceitos

plurais, com mais de um viés de interpretação. A arte do improviso no choro seria uma

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demonstração de criatividade, arrebatamento, inspiração, técnica e afinidade com o gênero,

havendo diferentes possibilidades para sua manifestação, de acordo com a experiência

musical de cada intérprete.

No próximo tópico comentar-se á como ocorreu a inserção do choro no mercado

radiofônico e discográfico e de que modo essa indústria influenciou o gênero. Busca-se, com

essa discussão, conhecer mais profundamente o contexto de produção musical de Dante

Santoro.

1.4 O choro entre 1930 e 1960: inserção no mercado radiofônico e discográfico

A inserção da música popular urbana no mercado radiofônico e discográfico

provocou mudanças na produção musical. Os gêneros musicais, entre eles o choro, foram

influenciados, em maior ou menor grau, pelas tendências desse mercado, que tinha por

objetivo o entretenimento. Essas influências fizeram-se notórias tanto pela profissionalização

dos músicos populares, quanto por mudanças gradativas de estilo, já que o choro, assim como

a canção popular, é levado a dialogar de diversas maneiras com os meios de comunicação

eletroeletrônicos.

Como informa Moraes (2000), o quadro de permanente extensão das formas de

entretenimento popular e urbano vinculados à música popular, iniciado no Brasil na passagem

do século XX, consolidou-se nos anos 30, principalmente com a expansão da indústria

radiofônica e fonográfica. Os músicos populares tiveram condições de ampliar e conquistar

novos espaços de sobrevivência e de divulgação de sua produção.

As empresas radiofônicas tornaram-se, na década de 1930, os principais locais de

concentração do músico popular profissional e núcleos de divulgação de diversos

gêneros nacionais e estrangeiros. As emissoras constituíram-se logo no eixo

fundamental de propagação da música popular, alterando consequentemente a

produção artística musical de acordo com seus interesses comerciais e culturais. A

partir desse momento, a produção musical popular orientou-se e adaptou-se cada vez

mais aos meios de comunicação e ao gosto médio do ouvinte. O mercado do rádio

começava, então, a alterar o gosto geral, inventando e impondo novos gostos, e

também modificava o conceito de “popular”, que gradativamente se tornava mais

relacionado com o mercado e a capacidade de atingir um número maior de pessoas.

(MORAES, 2000, p. 23)

No que se refere à profissionalização dos músicos, a realidade da cultura musical

popular urbana de mercado gerava tensões e conflitos. O ritmo frenético e a fragmentação do

trabalho diário nas empresas radiofônicas/fonográficas, além dos variados espetáculos em

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locais de entretenimento, implicavam um desgaste físico e emocional. As atividades

informais, como as rodas de choro, tampouco cessaram. Sabe-se que as relações trabalhistas

entre os músicos e as emissoras de rádio eram incipientes na década de 1930, como relata

Moraes (2000):

Geralmente as emissoras definiam suas próprias regras e padrões. Uma rádio em

ascensão, por exemplo, pagava a um cantor melhor que um salão de baile

importante. Intérpretes de qualidade mediana recebiam mais que um bom

instrumentista. Os grandes intérpretes, as chamadas “estrelas”, recebiam bons

salários e altos cachês. Mas em geral todos recebiam pagamentos relativamente

baixos, sobretudo aqueles em início de carreira (...). Como a legislação do trabalho

grosso modo dava seus passos iniciais no Brasil dos anos 30, tornava-se impossível

estabelecer regras trabalhistas claras e oficiais em setores de atividades emergentes e

desconhecidas, como as da radiofonia e das novas formas de arte popular urbana. Os

radialistas, por exemplo, só seriam incluídos na Lei da Previdência Social em

outubro de 1960. (MORAES, 2000, p. 97)

Entre os músicos paulistanos, por exemplo, a regra era diversificar ao máximo as

atividades no meio artístico. Os músicos participavam nas orquestras e regionais das rádios,

nas orquestras de salões de baile, tocavam em salas de espera de cinemas, acompanhavam

cantores, e alguns ainda desenvolviam carreira individual. O repertório transitava por

inúmeros gêneros, do bolero ao samba, da moda de viola às cançonetas italianas. Segundo

Moraes (2000), boa parte deles migrou para a capital federal em busca de espaço,

reconhecimento e sobrevivência pela música (por exemplo, entre centenas, Garoto, Vadico,

Zé Carioca, Laurindo de Almeida, Alvarenga e Ranchinho, Gaó e o radialista-locutor César

Ladeira). (Moraes, 2000, p. 115).

Em São Paulo, a mobilidade dos músicos era bastante comum, fato que também se

dava no Rio de Janeiro no início da década de 1930. O próprio Dante Santoro, vindo de Porto

Alegre para o Rio, apresentou-se como free lancer em diversas rádios de 1928 a 1938.

Tornou-se artista exclusivo da Rádio Nacional somente em 1938, quando assumiu o comando

do regional da emissora. Vários foram os regionais que atuaram nas rádios paulistas naquela

década, alguns dirigidos por nomes que se tornaram famosos, posteriormente, também no

cenário carioca.

Os diversos “regionais” existentes na cidade encontraram trabalho regular,

apresentando-se e acompanhando cantores em várias rádios. Geralmente, esses

conjuntos instrumentais eram contratados por diversas emissoras, transitando entre

elas, destacando-se os de Pinheirinho (Record), Armandinho (Record e Difusora),

Rago (Record, São Paulo e Tupi), além dos mais famosos como os de Garoto

(Educadora, Kosmos e Cruzeiro do Sul) e Canhoto (Educadora). As rádios também

se viam obrigadas a contratar maestros, arranjadores e instrumentistas, para formar e

dirigir suas próprias orquestras. Um número expressivo de músicos com formação

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erudita e/ou arranjadores de música popular começavam a integrar o quadro de

funcionários das emissoras e a sobreviver dos salários que estas lhes pagavam. Luís

Argento, Osvaldo Borba, Armando Belardi, Martinez Grau (Record), Nicolau Tuma,

Franco Schmidt e Gabriel Migliori (Difusora). Gaó foi diretor artístico das rádios

Kosmos e Cruzeiro do Sul, onde manteve também, com boa repercussão, a

Orquestra Jazz Sinfônica (MORAES, 2000, p. 90).

Quanto às mudanças estilísticas, ocorreram especialmente por conta do elemento

técnico. A indústria radiofônica e discográfica exigiu inúmeras adaptações dos músicos, na

emissão vocal e na captação dos instrumentos de percussão ao microfone, até mesmo na

forma musical e no conteúdo das letras das canções. Segundo Aragão (2012), é interessante

observar como os músicos de choro atenderam de forma exitosa a essas modificações,

incorporando com certa naturalidade as novas exigências técnicas. Nesse sentido, o autor

dessa forma se expressa:

Este é então um ponto fundamental para entendermos a razão pela qual o choro

parece ter “sofrido” menos no seu processo de incorporação à indústria fonográfica

[em comparação ao samba]: por seu próprio caráter instrumental e pelo fato de que

suas matrizes (representadas em grande parte pelas danças europeias, como a polca,

a valsa, etc) estavam mais próximas dos novos padrões estéticos exigidos pelo rádio

e pelo disco, os instrumentistas de choro foram os verdadeiros alicerces desta nova

indústria muitas vezes funcionando como intermediadores ou “tradutores” de outros

gêneros musicais (como o samba) para os novos padrões exigidos. (ARAGÃO,

2012, p. 183).

A pluralidade de gêneros musicais veiculados pelo rádio, na tentativa de atender ao

mais amplo gosto popular, também levou a mudanças estilísticas. Adaptações eram

elaboradas por maestros e instrumentistas, com o intuito de executar um variado repertório,

que atendesse à preferência do espectro de ouvintes. Uma extensa programação musical ao

vivo e/ou gravada de diversos tipos, do erudito ao sertanejo, passando pela música

estrangeira, era interpretada por cantores (as), regionais, orquestras, jazz-sinfônicas, etc. O

mesmo ocorre na indústria fonográfica. Na discografia de Dante Santoro, por exemplo,

encontram-se algumas expressões dessa ampla circulação estilística: os boleros Lamento

árabe e No mientas, a canção italiana Non so che dire, as danças típicas Delírio chinês e Alma

de beduíno, além de valsas e canções compostas para trilhas de rádio-novela.

A mistura entre o rural e o urbano também ocorre de forma significativa no repertório

da indústria radiofônica e discográfica, porém de forma distinta no Rio de Janeiro e em São

Paulo. Diz Moraes (2000) que a ideia de sertanejo no Rio de Janeiro no início do século XX

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estava muito marcada pelas tonalidades nacionalistas presentes no imaginário de parte da

intelectualidade brasileira, fundado principalmente nas tradições rurais do Norte e Nordeste.

Citando João Baptista B. Pereira, o autor afirma que a influência do sertanejo na

canção popular, iniciada ainda na década de 1920, com o tempo ultrapassou a condição de

moda passageira, tornando-se quase uma “imposição” aos intérpretes e criadores, na medida

em que era um retorno estimulante e estimulado às fontes da brasilidade, descaracterizadas

pela vida urbana. 28

Fato relevante para o choro é que os grupos nascidos no Rio de Janeiro

desse cruzamento entre a canção popular e o sertanejo, como Caxangá e Tangarás, não

restringiam seu repertório às músicas nordestinas: tocavam, sobretudo, choros, tangos e

sambas, estabelecendo um constante trânsito e influência entre essas duas realidades musicais.

Em São Paulo, o conceito de música “rural” estava mais associado à cultura caipira,

vinculada às regiões do interior do Sudeste, Centro-Oeste e norte do Paraná. Idealmente, essa

cultura estava ligada “às mais autênticas, instintivas e profundas tradições do homem do

campo”, distante dos meios de produção e difusão de massa e, portanto, “mais próxima

daquilo que se denominou como “música de raiz” ou “folclórica”.” (Moraes, 2000, p. 237).

(...) Na capital paulista também surgiram, em 1929, alguns conjuntos que seguiam

aquela linha, como por exemplo os Chorões Sertanejos e os Turunas Paulistas. Este

último tinha como inspiração justamente os grupos pernambucanos de sucesso,

como o próprio nome demonstra. Já os Chorões Sertanejos, liderados por Raul

Torres (1906-1970) revelam certo ecletismo e tendências para a fusão, ao nomear-se

simultaneamente por dois gêneros distintos, o choro e o sertanejo. Seus músicos

tocavam emboladas, cocos, desafios, bem como toadas e choros. Em 1930, Garoto

passou a fazer parte do conjunto. (MORAES, 2000, p. 239)

Influência igualmente importante, especialmente em São Paulo, foi a fusão dos

gêneros populares brasileiros com a cultura musical estrangeira dos imigrantes que viviam na

metrópole paulista. Tinham diversas origens, mas a maioria era italiana. Esse entrecruzamento

é particularmente importante neste trabalho, pois Dante Santoro era filho de imigrantes

italianos, portanto originário dessa cultura musical.

Moraes (2000) assinala o diálogo estabelecido entre a música italiana e a música

caipira, assim como entre a música italiana e o samba, no meio musical paulistano29

. No caso

28

Pereira, João Baptista B. Cor, profissão e mobilidade. O negro e o rádio de São Paulo. São Paulo:

Pioneira/Edusp, 1967, p. 197. Apud Moraes, 2000, p. 239. 29

O compositor Francisco Mignone (1897-1986), que também era ítalo-brasileiro, compôs muita música caipira

sob o pseudônimo de Chico Bororó, constituindo outro exemplo desse cruzamento musical. Algumas dessas

obras foram gravadas por seu pai, Alfério Mignone (flautista italiano que atuou na cena musical paulista de 1896

a 1950), pelo selo Parlophon, na década de 1930, com a Orquestra Paulistana, que ele dirigia e regia (informação

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da música caipira, afirma o autor que esse gênero encontrou em muitos imigrantes italianos a

disposição afetiva e musical para compor-se e difundir-se:

Um dos primeiros cruzamentos entre a música popular italiana e a caipira foi o

inicialmente estabelecido por Roque Ricciardi, o Paraguassu. Seguiram depois a

mesma linha inúmeros italianos e descendentes, como, por exemplo, Astenori

Marigliani e Giuseppe Rielli. Marigliani nasceu em São Paulo em 1904, filho de

imigrantes italianos. Ficaria conhecido no meio artístico como radialista, compositor

e intérprete de música sertaneja, utilizando, como Paraguassu, um pseudônimo

bastante regional: capitão Barduíno. Já Giuseppe Rielli nasceu na Itália em 1885 e

chegou ao Brasil em 1891. Acordeonista, até a década de 1920 se restringia a gravar

e a tocar música italiana. A partir dos anos 30, seguindo a forte tendência da cidade,

direcionou suas atividades para a música caipira paulista. Tornou-se então José

Rielli, gravando canções sertanejas que se tornariam sucesso no gênero. (MORAES,

2000, p. 246-247).

A participação italiana não se limitava, entretanto, à canção popular de matizes

sertanejos, mas abarcava também uma aproximação com o samba. É o que se depreende dos

registros de participação dos imigrantes italianos na organização do carnaval paulistano:

(...) Ao que aprece, dentre os imigrantes, eram os italianos os que a comunidade

negra via com mais simpatia. E de acordo com Geraldo Filme, a maior “afinidade”

com o lado lúdico e musical dos negros aproximava-os, e tal relação já se

manifestava no interior de São Paulo, nas festas, bandas e outras atividades

musicais. Na Barra Funda, e sobretudo no Bexiga, os italianos quase nunca se

recusavam a colaborar financeiramente com os cordões, pelos “livros de ouro”, e às

vezes até ajudando na arrecadação. (...) Apesar de participarem pouco do

samba/Carnaval de rua dos negros paulistanos, é o bastante para revelar as

intersecções entre as diversas culturas e músicas populares urbanas presentes em

São Paulo. (MORAES, 2000, p. 260-261).

O diálogo entre a música italiana e o samba, e consequentemente entre esta e o choro

(pois eram os mesmos músicos intérpretes de samba e de choro) ocorria desde o início do

século XX, na capital paulista, nas reuniões informais, realizadas em bairros como a Mooca, o

Bom Retiro e a Lapa - bairro de forte tradição italiana, onde havia muitos conjuntos e rodas

de choro30

. Entre os bons músicos de origem italiana que circulavam por esse meio, surgiram

nomes que alcançaram projeção no contexto do rádio paulistano a partir do final da década de

1930: os violonistas Americo Jacomino (1889-1928), Antonio Rago (1916-2008) e Antonio

D´Áurea (1912-1988); o flautista Nicolino Copia (1910-1984) e o sambista Adoniran Barbosa

(1910-1982).

presente no encarte do CD A Música para flauta de Francisco Mignone, do flautista Sérgio Barrenechea,

lançado pela FAPERJ, em 2010). 30

Sabe-se pouco sobre a participação de imigrantes italianos no mundo do samba no Rio de Janeiro. A

referência encontrada fala de sua presença na Praça Onze, local de encontro de culturas, muito vinculado ao

samba. Como afirma Braga (2002), “A praça Onze existiu por mais de 150 anos. (...) Ali viveram misturados

imigrantes judeus, italianos, espanhóis e negros que em grande maioria eram oriundos da Bahia. Ali, até 1941,

existira um importante reduto de sambistas que também organizaram os primeiros desfiles das escolas de

samba”. (BRAGA, 2002, p. 187).

Page 53: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

51

O violonista Américo Jacomino- Canhoto (1889-1928), filho de imigrantes italianos,

foi um dos primeiros músicos de choro e serestas a atuar no rádio paulistano. Em 1925 já

participava da Rádio Educadora Paulista e desde 1914 gravava regularmente para o selo

Odeon. Seus solos de violão, em especial a valsa Abismo de rosas, tornaram-se clássicos do

repertório violonístico brasileiro.

O violonista Antonio Rago (1916-2008), filho de imigrantes italianos, nascido no

Bexiga, integrou diversos regionais nas rádios paulistanas (Rádio Record, São Paulo, Cruzeiro

do Sul e Tupi). Na década de 1940, formou seu próprio conjunto, bastante popular até a

década de 1950, reconhecido pelas novidades de instrumentação, pelo uso do acordeom, do

contrabaixo elétrico e, sobretudo, do violão elétrico.

Antonio D´Áurea (1912-1998), filho de pai italiano, nascido no Bom Retiro, tornou-

se cantor de orquestras, músico de baile, instrumentista de regionais de rádios (Rádio

Educadora e Cultura) e referência musical dos “chorões paulistanos”. Foi o fundador do

Conjunto Atlântico, na década de 1950, que formou grandes intérpretes de choro, como o

bandolinista Isaías.

O já citado flautista Nicolino Copia – Copinha (1910-1984) era filho de imigrantes

italianos, nascido na capital paulista. Atuou na Rádio Paulista, na Rádio Record, na Radio

Cruzeiro do Sul e fundou, posteriormente, sua própria orquestra, com a qual fez turnês

nacionais e internacionais. Na década de 1970 passou a atuar na Orquestra da TV Globo e

participou de inúmeras gravações com artistas da MPB.

No samba-canção, destaca-se o mais conhecido sambista paulistano, João Rubinato -

Adoniran Barbosa (1910-1982). Filho de imigrantes italianos, nasceu em Valinhos/SP. Atuou

no radioteatro, no cinema e na televisão. Várias de suas composições alcançaram sucesso na

interpretação do grupo Demônios da Garoa, nas décadas de 1950 e 1960, assim como em sua

própria interpretação, registrada em vários LPs e CDs.

A ascendência cultural italiana e a aproximação com o universo do choro e do samba

é um traço comum que une esses músicos de choro paulistanos a Dante Santoro. As

informações que precedem indicam que havia um significativo núcleo de instrumentistas de

choro entre os descendentes de italianos em São Paulo, o que não ocorria de forma tão

significativa no Rio de Janeiro. Os músicos italianos no Rio eram quase sempre

Page 54: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

52

maestros/arranjadores ou instrumentistas identificados com a música erudita31

. Se Dante

Santoro tivesse migrado para São Paulo, possivelmente seria membro desse seleto grupo de

chorões ítalo-brasileiros e teria encontrado muitos pares com afinidades interpretativas.

É interessante observar como as mudanças ocorridas no choro, por sua inserção no

mercado radiofônico e discográfico, foram recebidas pelos chorões da época. No livro do

memorialista Alexandre Gonçalves Pinto (1936), há críticas às músicas estrangeiras, descritas

como “músicas estrangeiras barulhentas e irritantes” ou “músicas americanas de arribação”.

Também há referências aos instrumentistas que tiveram que se adaptar à nova linguagem,

como o flautista Antônio Maria, “que passou a tocar saxofone muito a contragosto dos seus

inúmeros admiradores, porque o saxofone é hoje em dia o instrumento da moda, figura

obrigada [sic] nos fox-americanos” (PINTO apud ARAGÃO, 2012, p. 180).

Entretanto, no discurso de Pinto também se percebe que o autor exalta o Rádio e os

músicos atuantes nesse mercado, tecendo inúmeros elogios a alguns deles (como o

bandolinista Luperce Miranda, o saxofonista Luiz Americano e até mesmo cantores, como

Francisco Alves). Assim, na visão de Aragão (2012), apesar das críticas às músicas

estrangeiras propagadas pelo rádio, há uma clara intenção de valorizar os artistas do rádio que

se dedicavam à música brasileira.

(...) é como se o autor não visse no rádio uma verdadeira ameaça à existência do

choro, e tivesse [sic] muito consciente de que havia uma linha histórica que passava

dos chorões antigos aos chorões “modernos”, estes últimos já imersos na indústria

cultural da época. (...) Ao enumerar instrumentistas “antigos” e “modernos” –

Viriato e Callado x Pixinguinha e Benedito Lacerda; Bilhar e Quincas Laranjeira x

Donga e José Rabello; Mário Alvarez x Nelson Alves – Gonçalves Pinto traça uma

linha histórica dos grandes instrumentistas de choro, onde procura defender a ideia

de que a essência da prática musical (no caso a polca) não se modificava, ainda que

os modernos estivessem em sua maioria atuando em um contexto diferente – o rádio

e o disco – daqueles em que atuavam os antigos – os bailes, as serenatas e as rodas

de choro. (ARAGÃO, 2012, p. 181-182)

Diante do exposto neste tópico, é interessante observar, por fim, como a inserção do

choro no mercado radiofônico e discográfico ampliou a circularidade cultural no gênero, por

meio de novas interações com as músicas estrangeiras, as músicas de origem rural e as

músicas nordestinas.

31

Uma possível “exceção à regra” é o cavaquinista Waldiro Frederico Tramontano, o Canhoto (Rio de Janeiro,

1908-1987), um dos grandes nomes do choro carioca. Embora não tenham sido encontrados dados biográficos

consistentes a seu respeito, seu sobrenome permite supor que seja descendente de italianos.

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53

As ideias desenvolvidas neste capítulo permitiram lançar um primeiro olhar sobre o

contexto no qual se insere a obra de Dante Santoro, com o objetivo de discutir aspectos a ela

relacionados, que serão retomados ao longo desta tese. Como pontos principais, destacam-se:

(1) a circularidade cultural é característica do choro desde suas origens. Obras como

a do flautista Dante Santoro expressam essa interação de elementos, constituindo exemplos de

mediação no campo musical. A análise de gravações do flautista interpretando composições

próprias pretende observar essa característica, com enfoque em seu estilo interpretativo.

(2) a improvisação no contexto do choro apresenta distintas abordagens. Por meio da

análise de gravações de programas da Rádio Nacional, em que Dante Santoro acompanha

cantores ao lado de seu regional, pretende-se observar de que modo ele improvisava, traçando

um paralelo com improvisos de Benedito Lacerda.

(3) produzida no contexto da indústria radiofônica e discográfica, a obra de Dante

Santoro tem como referência os padrões dessa indústria: assim, inclui gêneros variados,

nacionais e estrangeiros – como o choro, o bolero, o fox, a valsa, a canção etc. A listagem de

sua obra permitirá uma visão global de sua produção artística, buscando abarcar suas

gravações, partituras editadas e partituras manuscritas, a partir da coleta de dados em

diferentes acervos.

No próximo capítulo, será narrada a trajetória de Dante Santoro, desde suas

primeiras referências musicais em Porto Alegre até sua carreira profissional na Rádio

Nacional do Rio de Janeiro. Essa narrativa foi construída a partir de dados recolhidos na

bibliografia relacionada, em artigos de revistas e jornais e em depoimentos de músicos que

conheceram Dante Santoro e/ou sua obra.

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54

CAPÍTULO 2

A TRAJETÓRIA DE DANTE SANTORO NO CHORO

Quando esta pesquisa foi iniciada, poucas eram as referências biográficas conhecidas

sobre Dante Santoro. Dois verbetes ofereciam um resumo de sua vida e obra: no Dicionário

Cravo Albin da Música Popular Brasileira32

e na Enciclopédia da Música Brasileira – Samba

e Choro (MARCONDES, 2000, p. 218-219). Carecia-se de dados biográficos mais

detalhados, ao tempo em que se especulavam histórias, entre os músicos, sobre curiosos

episódios de sua vida. Por exemplo, que Dante Santoro teria sido o único sobrevivente de um

acidente automobilístico na ocasião em que veio de Porto Alegre para o Rio de Janeiro e que

teria morrido, anos depois, tragicamente, em um episódio de agressão ocorrido em uma casa

noturna de sua propriedade, chamada O Inferno de Dante.

Era necessário, portanto, reconstituir a biografia de Dante Santoro, a partir de novas

fontes e de dados comprovados. Esse trabalho desenvolveu-se, paulatinamente, por meio do

contato com um de seus familiares - o sobrinho Homero Santoro - e com o músico e jornalista

gaúcho Arthur de Faria, que publicou em 2011 um artigo sobre o flautista na revista eletrônica

SUL 21. Esse artigo é parte de uma série que compõe o livro não editado Uma História da

Música de Porto Alegre, disponibilizado eletronicamente no portal SUL 21 no formato de

artigos periódicos.

As informações colhidas no artigo de Arthur de Faria foram complementadas por

depoimentos do sobrinho de Dante Santoro e de músicos que o conheceram. Também foram

coletados dados de jornais e revistas das décadas de 1930 a 1960, pertencentes ao acervo da

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Outra fonte essencial foram os

textos acadêmicos e literários sobre a música no Rio Grande do Sul, que auxiliaram a

compreensão e reconstituição de aspectos biográficos relacionados ao ambiente musical de

Porto Alegre no início do século XX.

A trajetória de Dante Santoro será narrada, neste trabalho, a partir de uma leitura

crítica desta pesquisadora. Buscou-se reconstituir sua história, com fidelidade aos registros

encontrados, desde suas primeiras referências musicais em Porto Alegre, até sua carreira

profissional na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Porém, este texto é certamente uma

32

Disponível em http://www.dicionariompb.com.br/dante-santoro.

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55

interpretação de sua biografia, pois grande parte da memória se perdeu no lapso de quarenta e

quatro anos desde seu falecimento: poucos são os músicos contemporâneos a Dante Santoro

ainda vivos; além disso, restam não mais que vestígios documentais nos arquivos da Rádio

Nacional do Rio de Janeiro. Assim, serão apresentados os fatos e, no momento oportuno, os

comentários desta pesquisadora. Espera-se que futuros trabalhos possam enriquecer essa

narrativa.

2.1 Os primeiros anos de Dante Santoro em Porto Alegre (1904 - c. 1933)

Dante Italino Santoro nasceu em Porto Alegre, em 18 de junho de 1904. Era filho de

um casal de imigrantes italianos, Pasquale Santoro e Rosa Marsiglia Santoro, que tiveram

outros quatro filhos: Domingos, Homero, Godofredo e Algesira Santoro.

O interesse pela música pode ter sido herdado dos pais. Segundo o comentário da

pesquisadora Núncia Santoro de Constantino, prima de Dante, no texto que abre o encarte do

CD triplo A flauta Mágica de Dante Santoro (1998), Dante “interessou-se muito cedo pela

música, herdeiro da tradição que também fora transplantada na bagagem de seus pais, ele o

calabrês Pasquale, que aqui chegara com “um patacão e uma viola”, ela a napolitana Rosa,

com grande repertório de belíssimas canções”.

Não se sabe ao certo como se deu a iniciação musical de Dante. Estima-se que ele

tenha começado a tocar flauta por volta dos dez anos, mas não é possível determiná-lo. Sabe-

se que no início do século XX, o ensino da música em Porto Alegre acontecia mais de forma

particular e informal, do que por meio de escolas oficiais. A institucionalização do ensino da

música e o reconhecimento da profissão de músico foram processos que se consolidaram na

capital gaúcha nas primeiras décadas do século XX (RODRIGUES apud SIMÕES, 2000, p.

91), ou seja, justamente no período que compreende a infância de Dante Santoro. Quem

seriam os professores de música daquela época em Porto Alegre?

Segundo Souza (2010, p. 87), Porto Alegre em meados do século XIX ainda não

tinha uma instituição de ensino exclusivamente musical. As aulas de música eram ministradas

por professores particulares, como os conhecidos professores Carlos Bernardino de Barros -

que desde 1891 lecionava flauta, clarineta, piano, violão e “cantoria” em sua residência; o

pianista Domingos Moreira Porto, o Mingotão – animador de festas particulares, também

lecionava música e ministrava concorridas aulas de dança (PORTO ALEGRE apud SOUZA,

2010, p. 64).

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56

Havia também professores e maestros italianos, como o músico José Corsi (1880-

1938), bandolinista “chegado ao Rio Grande do Sul como elemento de um pequeno conjunto

orquestral húngaro que excursionava pelo interior do Estado, dele se afastando ao estabelecer

relações com sua futura mulher, Luísa Torres, que residia em Alegrete” (CORTE REAL apud

SIMÕES, 2011, p. 126). Em 1910, residindo em Porto Alegre, Corsi anuncia no jornal

Correio do Povo lições de bandolim e um curso completo de aperfeiçoamento, ao lado da

mulher, Luísa Torres Corsi, que lecionava piano (SIMÕES, 2011, p. 126).

A prática da música passou a ser uma matéria complementar em alguns colégios

particulares desde fins do século XIX. Souza (2010, p. 87) refere que, como prática de grupo e

como demonstração de sociabilidade, muitos desses alunos acabavam fazendo parte das

orquestras amadoras e das estudantinas organizadas pelos professores. As estudantinas eram

conjuntos orquestrais mistos, compostos, principalmente, por violões e bandolins, que se

tornaram populares entre músicos amadores.

Entidades associativas, surgidas na virada do século XX, promoviam concertos e

audições para os associados. Algumas delas ofereciam aulas de música. Existiram a

Sociedade Filarmônica Porto-Alegrense (1877), a Associação Musical Carlos Gomes (1882),

a Estudantina Porto-Alegrense (1888), a Aplicação Musical (1888), a Sociedade Republicana

Musical (1889), o Grupo Lírico (1894), o Instituto Musical Porto-Alegrense (1896), o Club

Haydn (1897) e a Sociedade Musical Porto Alegrense (1900) (RODRIGUES apud SOUZA,

2010, p. 78). Como se verá mais adiante, Dante Santoro participou do movimento das

entidades associativas na década de 1920.

A fundação do primeiro Conservatório de Música no estado ocorre em 1908,

integrando o Instituto Livre de Belas Artes, atual Instituto de Artes da UFRGS. O

conservatório ofereceu um curso de instrumentos de sopro, a cargo do Professor Biagio

Messina, de 1908 a 1910, quando encerrado em função da irregularidade de frequência dos

alunos. Desse curso seguramente não participou Dante Santoro, pois contava somente seis

anos. Em 1919 foi finalmente criado um curso de flauta, a cargo do Professor José Joaquim

Andrade Neves, graduado do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro na classe de

Pedro de Assis (WINTER e JUNIOR, 2009).

Dante poderia ter tomado parte desse curso de flauta, mas não há registros de que

tenha estudado no Conservatório de Música de Porto Alegre. A consulta ao arquivo histórico

foi feita nos livros de matrícula no período de 1908 a 1935. A pesquisa incluiu, ainda, os

cadernos de chamada das disciplinas da época, conforme informação prestada pela arquivista

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57

Medianeira Pereira Goulart em 26 de junho de 2011, confirmada mediante visita ao Arquivo

Histórico do IA/UFRGS, em novembro de 2011.

Outra possibilidade é que Dante tenha estudado no Instituto Musical de Porto Alegre,

fundado em 1913, pelo já citado professor José Corsi. O Instituto também ofereceu um curso

de flauta a partir de 1918, sob a orientação do Professor Rocco Postiglione. Outras disciplinas

oferecidas foram canto, teoria, solfejo e harmonia, com o Professor Calderón de la Barca,

além de teoria e solfejo, com Gaetano Roberti (SIMÕES, 2011, p. 126).

Em 1920 os professores Guilherme Fontainha, do Conservatório de Música, e José

Corsi, do Instituto Musical de Porto Alegre, fundam o Centro de Cultura Artística, cujo

objetivo era difundir o ensino de música no estado do Rio Grande do Sul como um todo,

instalando escolas de música no interior. O enfoque dessa entidade parecia ser a formação de

músicos e de um público de concertos, que pudesse apreciar o crescente número de eventos

musicais ali promovidos (SIMÕES, 2011, p. 166).

Em 1931 inaugura-se o Instituto Musical Henrique Oswald, que oferecia aulas de

piano, canto, violino e flauta, com programas baseados nos do Conservatório de Paris e do

Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. Além dessa escola, encontram-se referências

ao Instituto Carlos Gomes, fundado em 1924 pela professora de canto Sybilla Fontoura, e o

Conservatório Chopin, da professora de piano Santina Plumato Fornari (SIMÕES, 2008, p.

68-69). É pouco provável que Dante tenha estudado no Instituto Henrique Oswald, pois por

volta de 1931 já se mudava definitivamente para o Rio de Janeiro.

Não é possível determinar, pois, se Dante estudou formalmente em qualquer

instituição oficial de música em Porto Alegre. Na verdade, não se tem notícia de quem

poderia ter sido seu professor de flauta por essa época. No encarte do CD A Flauta Mágica de

Dante Santoro, a família afirma que ele estudou com um flautista chamado Agenor Benf. Não

foram encontradas referências a esse flautista em nenhuma das obras consultadas sobre os

músicos em Porto Alegre no início do século XX (SOUZA, 2010; VEDANA, 2000; SIMÕES,

2008 e SIMÕES, 2011). Entretanto, não se pode descartar totalmente essa hipótese.

Outra possibilidade a ser considerada é de que a menção em realidade queira referir-

se ao flautista Agenor Bens (c. 1850- c.1950), natural de Cordeiro- RJ e radicado no Rio de

Janeiro desde fins do século XIX. Essa hipótese é adotada pelo músico Arthur de Faria (2011)

em seu artigo sobre Dante Santoro. Porém, a distância física entre ambos leva a crer que

esses estudos ou ocorreram de forma ocasional, ou num período posterior, quando Dante já

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58

vivia no Rio de Janeiro (a partir do início da década de 30). Atendendo a essa suposição,

falar-se-á de Agenor Bens posteriormente, quando da narração da ida de Dante para o Rio.

O único professor de Dante Santoro de que se tem registro por essa época é o

violonista e compositor Octávio Dutra, com quem atuaria posteriormente como músico

profissional na capital gaúcha. Sabe-se que o vínculo entre ambos se manteve mesmo depois

da mudança de Dante Santoro para o Rio de Janeiro, no início da década de 30. A primeira

gravação de Dante na capital federal foi justamente um disco 78 rpm com obras de Dutra:

Saudades do Jango e Beatriz (RCA Victor, nº 33770, ano 1934).

Como se deram os estudos de Dante Santoro com Octávio Dutra? Quais foram as

experiências iniciais de Dante como músico nas primeiras décadas do século XX em Porto

Alegre? A fim de conhecer o universo musical de Dante Santoro em suas origens, far-se-á um

breve estudo sobre a cena musical porto-alegrense nas três primeiras décadas do século XX,

tomando por referência os trabalhos desenvolvidos pela pesquisadora Júlia Simões no

Programa de Pós-Graduação em História da PUC/RS. Comentar-se-á, ainda, a atuação de

Octávio Dutra nesse contexto, tendo por referência sua biografia, publicada pelo musicólogo

gaúcho Hardy Vedana (2000), e a tese do violonista Márcio Souza (2010), desenvolvida

naquela mesma universidade.

2.2 A cena musical de Porto Alegre no início do século XX e a participação de Dante

Santoro

Nascido em 1904, Dante Santoro viveu em Porto Alegre até o início da década de

1930, quando se mudou definitivamente para o Rio de Janeiro, com pouco mais de vinte e

cinco anos. Antes dessa mudança, atuou na cena musical da capital gaúcha em saraus, blocos

de carnaval e concertos. Participou da vida musical da cidade em um período de

transformações, em que a música circulava em distintos meios: no ambiente das serenatas e

saraus; nos cinemas; nas casas de diversão; no teatro de revista; no carnaval e nas salas de

concerto.

No início do século XX, havia, em Porto Alegre, basicamente músicos amadores e

semiprofissionais, cujo repertório abarcava (1) gêneros herdados da tradição das serenatas do

século XIX (modinhas, lundus, polcas, tangos, schottisches, valsas e choros); (2) músicas

italianas e alemãs cultivadas pelos imigrantes; (3) música clássica europeia e brasileira. Esse

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repertório ofereceu a base sobre a qual a atividade musical foi se diversificando ao longo do

século, com o incremento das atividades de entretenimento e de cultivo da música.

No que se refere às serenatas, tiveram o seu período de apogeu em Porto Alegre

durante a segunda metade do século XIX, como descrevem os antigos cronistas da cidade. Os

seresteiros eram pequenos grupos de músicos, geralmente com instrumentos de corda, sopro e

um cantor. Em geral, surgiam a partir da reunião de instrumentistas, amadores e profissionais,

que se deslocavam para tocar nas ruas e nas reuniões festivas em casas particulares

(MORAES apud SOUZA, 2010, p. 61).

Segundo o cronista Aquiles Porto Alegre, no século XX as serenatas começaram a

ser mal vistas pelo poder público, pois eram identificadas como episódios de desordem.

Gradualmente foram substituídas pelos saraus, que foram a grande fonte de entretenimento da

sociedade gaúcha até a década de 1930 (PORTO ALEGRE apud SOUZA, 2010, p. 62).

O sarau se caracterizava primeiramente como uma reunião social informal com o

objetivo de ouvir música, dançar, ler poemas e conversar. No entanto, a importância

cultural desse tipo de atividade abarcava outras questões relativas à formação social

e moral do indivíduo. Como aponta Rodrigues (2000), fazer música no final do

século XIX e início do século XX constituía-se em atividade social de importância

reconhecida. Enfatiza que a música não servia somente para alegrar as festas

familiares e cívicas, mas também como um componente importante da educação e

da formação moral e da cidadania republicana. Neste aspecto, era especialmente

valorizado o aprendizado de um instrumento musical no ambiente familiar. Quando

não se tinha o privilégio de ter alguém na família que soubesse música, o que era

raro, contratavam-se professores particulares. (SOUZA, 2010, p. 64).

Também a música vocal, tanto lírica quanto popular, foi cultivada na cidade no início

do século XX, especialmente nos chamados saraus lítero-musicais. Segundo Souza (2010, p.

66), nesse tipo de reunião eram convidados cantores e instrumentistas que mantinham um

repertório de música clássica. Esses saraus ocorriam tanto em residências como em locais

públicos, por exemplo, no aclamado Clube Jocotó, entre 1920 e 1930.

Diferente do sarau familiar, de caráter informal e no qual praticava-se

principalmente a música de salão, o sarau lítero-musical geralmente primava por

uma “hora de arte” considerada mais “elevada”. Era a oportunidade de se ouvir, em

ambiente reservado, os artistas de destaque e também o repertório executado em

recitais e concertos no palco dos teatros. (SOUZA, 2010, p. 66)

Segundo Simões (2008), na seção musical dos saraus lítero-musicais sempre havia

um recital de música erudita, com obras de épocas variadas (Liszt, Puccini, Gluck, Beethoven

Bach) e homenagens a compositores nacionais (Villa-Lobos, Leopoldo Miguez, Carlos

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Gomes e Alberto Nepomuceno). A única exceção a esse tipo de repertório parece ser a

participação do conhecido grupo carioca “Ases do Samba”, com Francisco Alves, Mário Reis

e Noel Rosa, ocorrido em maio de 1932, no Theatro São Pedro (SIMÕES, 2008, p. 62).

Um interessante registro da participação de Dante Santoro em uma serenata

encontra-se em um livro de memórias do escritor gaúcho Dante de Laytano (1908-2000).

Depreende-se, da escrita rebuscada e metafórica, que o repertório da serenata foi todo erudito.

Transcrevem-se, a seguir, trechos do texto retirado do livro Mar Absoluto das Memórias

(1986):

Estava eu promotor público no Rio Pardo. (...) achei que devia trazer, a Rio Pardo,

Dante Santoro. E veio. Era uma serenata. Ia dar eu uma serenata. A noite de música

é uma inundação poética na berceuse de cada um. (...)

Dante Santoro veio para minha casa. A serenata estava preparada. Silêncio de

outono de estrelas contentes. Ilha, que ia ser minha esposa, seria a vítima lírica do

cancioneiro da madrugada bela, belíssima.(...)

Lá fomos, eu e amigos e Dante Santoro. Conhecia todos os grupos de artistas de

Porto Alegre, com eles convivia, fazia programa...(...) A serenata compensou os

árduos problemas da matéria. Mozart era ouvido sem Viena perto mas na quietude

divinatória da admiração incondicional. Nisso, Vivaldi se esgueira feliz por surgir

lépido. O terceiro número então foram as lágrimas de Chopin no solo do campo

santo de Paris independente de George Sand malvada, violenta e de amor volúvel. O

polonês francês é sempre um gênio do romantismo musical.

Dante Santoro regressou logo para Porto Alegre, no trem da manhã seguinte.

Ninguém dormiu. Nós, pelo menos. Embarquei o artista. (...). (LAYTANO, 1986, p.

187-188).

A partir da segunda década do século XX, surgiram várias instituições destinadas a

estimular a atividade musical na cidade e congregar os músicos, que já começavam a

organizar-se como classe. O Centro Musical Porto-Alegrense, inaugurado em 1920, foi uma

das instituições mais destacadas no meio musical de Porto Alegre à época. Desempenhou, por

quatorze anos, um importante papel como promotora de concertos, arrecadadora de fundos,

além de estabelecer uma identidade entre os músicos, no sentido de despertá-los para a

importância de se unirem como categoria (SIMÕES, 2011, p. 124).

O Centro Musical manteve uma orquestra, que era a maior de Porto Alegre naquela

época, e congregou vários sócios, dentre eles Dante Santoro. Segundo Simões (2011), a

maioria dos sócios trabalhava nas orquestras das chamadas “casas de diversões” da capital, ou

seja, cinemas, teatros, cafés e restaurantes. Entre esses grupos orquestrais estavam, por

exemplo, a Orquestra do Centro de Caçadores, sob a regência do maestro Milton de Calasans;

a Orquestra o Teatro Coliseu, sob a regência de César Fossati; o Club Monte Carlo, o High

Life Club, o cinema Colombo e o chalé da Praça XV, com sua Orquestra Bemann (SIMÕES,

2011, p. 143).

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61

Em 1921, houve um episódio importante envolvendo os músicos de Porto Alegre. A

exemplo do que ocorria no Rio de Janeiro, o Centro Musical Porto-Alegrense elaborou na

época tabelas de ordenado para o pagamento dos músicos nas variadas funções artísticas.

Diante da demanda por correção salarial, o conflito com os empregadores não pôde ser

evitado. Em 23 de janeiro de 1921, todos os músicos de cinemas e casas de diversão de Porto

Alegre foram sumariamente dispensados.

A questão mobilizou os esforços do Centro Musical, cujos membros, reunidos em

sessão extraordinária, decidiram elaborar um manifesto explicando “o incorreto procedimento

dos proprietários de cinema”. Esse manifesto, cujo texto se transcreve parcialmente a seguir,

foi também publicado no jornal O Correio do Povo, em 03/02/1921:

Está no domínio público o incidente surgido entre os proprietários de cinemas desta

capital e as respectivas orquestras. Nenhum fato positivo foi articulado contra estas.

Em aviso que publicaram, os proprietários de cinemas declararam, apenas, que

dispensavam as orquestras para evitar o aumento dos preços das entradas. Mas ao

mesmo dia em que esse aviso era distribuído, em um cinema desta capital, como,

por irrisão para com o público, era cobrado o dobro do preço comum das entradas. E

frequentemente esse fato se reproduz nesse e em outros cinemas.

Ao passo, porém, que, de público, nenhum fato positivo se aduz contra as

orquestras, particularmente se veiculam inverdades dirigidas principalmente contra o

Centro Musical, ao qual estão filiados os professores das referidas orquestras.

E são falsidades que o Centro quer desfazer.

Há quem suponha e tem-se dito que o Centro Musical faz imposições aos

proprietários de cinemas. É absolutamente inexato. E não se provará com um único

fato essa acusação. Se alguma exigência pudesse haver, seria de caráter técnico,

artístico, e essa caberia sobretudo aos diretores de orquestra, ou então seria em

defesa de interesses lesados e neste caso não seria imposição. Ao contrário, o

regulamento do Centro diz, no seu artigo 9º: “Os proprietários ou empresários de

casas de diversões serão visitados semanalmente pelo diretor de mês, ao qual serão

apresentadas suas reclamações que, sendo consideradas justas, serão prontamente

atendidas. Em caso de urgência tomará providências o encarregado que o Centro

nomeou adjunto à orquestra”.

Dias antes de se verificar o atual conflito, o abaixo assinado, como presidente do

Centro, procurou proprietários de algumas casas de diversões. Todos se declararam

satisfeitos e disseram não ter nenhuma queixa a formular. Não obstante, dias após,

sem nenhum aviso anterior, eram dispensadas todas as orquestras. Afirma-se,

também, que os professores sócios do Centro reclamaram preços exorbitantes. É

igualmente inexato. É certo que o Centro elaborou uma tabela de preços, assim

como as têm os Centros Musicais do Rio de Janeiro e S. Paulo e as sociedades

orquestrais de Buenos Aires e Montevidéu. Mas essa tabela de preços é

perfeitamente razoável. Basta dizer que para as casas de primeira categoria, as que

ganham, diariamente, muitas centenas de mil réis, onde as orquestras são compostas

dos melhores profissionais da capital e onde estes precisam apresentar-se, trajados

com certa correção, o preço geral é de 12$000 por dia, aos diversos professores,

ganhando 13$000 o 1º violino e 18$000 o maestro, a quem cabe a responsabilidade

da orquestra.

Para as casas de 2ª categoria, os preços são inferiores. Por certo aquele preço de

12$000 para casas de 1ª categoria não é exagerado.

Mas nem mesmo isso, até agora, haviam pedido os professores do Centro, porque a

tabela, que entrou em vigor a 1º de janeiro, dispõe textualmente: “O Centro Musical

ao estabelecer a presente tabela não visa de maneira alguma fazer imposições

odiosas aos proprietários de casas de diversões atualmente existentes nesta capital,

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62

como também não deseja alterar o bom andamento dos espetáculos que essas casas

atualmente exploram e para bem ser cumprido o que acima está, o Centro resolve

que: os srs. professores que se acham presentemente prestando seus serviços

profissionais em Cinemas, Teatros, Cafés, Restaurantes ou qualquer outra casa de

diversão, conservarão os mesmo preços atuais, só entrando em vigor esta tabela para

os professores que venham a ser chamados a prestar seus serviços após a aprovação

da mesma”. (...)

São, pois, inteiramente descabidas as acusações que por aí se lançam contra o

Centro e que poderiam iludir a quem ignora a verdade dos fatos. Na defesa de seus

associados, como na execução do seu programa artístico, o Centro Musical guarda a

mesma elevação de intuitos e visa os mesmos alevantados fins que o tornaram digno

dos aplausos e do apoio da população porto-alegrense. É desse apoio que o Centro

se preza de não haver desmerecido, que quer continuar a ser digno.

José Corsi. (SIMÕES, 2011, p. 151-152)

De acordo com a ata da assembleia de 24/01/1921, diversos sócios foram escalados,

por regiões, para distribuir o mencionado manifesto, entre eles Dante Santoro. Era a seguinte

a escala de distribuição:

São João: João Maciel; Andradas: Piedrahita, Truda, José dos Santos, Rocco

Postiglione, Amadeo Lucchesi; Cidade Baixa: Achylles, Júlio Oliva, Dante

Santoro; Garibaldi: Poggetti, Bersani; Floresta: Petry, Brojevsko [Brozensky];

Caminho Novo: Bruno Mascarenhas, Laitano Fedels, Pasqual Pesce. (Ata da

Assembleia de 24/01/1921 do Centro Musical Porto-Alegrense apud SIMÕES,

2011, p. 151, grifo nosso).

Não se sabe ao certo como terminou a negociação com os proprietários de cinemas,

se a favor ou contra as deliberações do Centro Musical Porto-Alegrense, mas o fato é que a

questão foi contornada e os músicos do Centro continuaram tocando nas orquestras. A

polêmica parece antecipar a crise de fato ocorrida em 1929, quando o cinema sonoro chega a

Porto Alegre. Os filmes sonoros não mais admitiram a presença concomitante de música

ambiente, tornando a atuação dos músicos restrita aos intervalos e às salas de espera. Mesmo

nesse contexto, as orquestras, com o tempo, foram substituídas pelo piano.

A foto a seguir (figura 1), do acervo da família Santoro, é um dos primeiros registros

de Dante Santoro, então com cerca de vinte anos. Na figura 2, vê-se Dante Santoro (o jovem

de baixa estatura de pé ao centro), entre os sócios fundadores do Centro Musical Porto-

Alegrense.

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Figura 1. Dante Santoro, c. 1920-1930, Porto Alegre. Fonte: acervo da família Santoro

Figura 2. Sócios fundadores do Centro Musical Porto-Alegrense, c. 1920, Porto Alegre. Fonte: SIMÕES, 2011,

p. 128).

A independência da música, ainda muito vinculada ao cinema, começa a manifestar-

se mais fortemente na década de 1930, quando os concertos de música clássica de fato se

consolidam como uma opção de entretenimento. No início, grupos orquestrais são convidados

a preceder as sessões de cinema, interpretando repertório clássico antes da exibição do filme.

Foi o que ocorreu, por exemplo, em 1931, na inauguração do palco do Cine-Teatro Imperial,

situado na Rua da Praia, com a apresentação da Grande Orquestra de Concertos Sinfônicos do

Maestro Roberto Eggers. No programa – que precedia a exibição do filme Noites no Deserto,

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de John Gilbert – o prelúdio da ópera Maria Tudor, de Carlos Gomes, a Suíte n. 1 do Peer

Gynt, de E. Grieg e o prólogo do Mefistófeles, de A. Boito. (SIMÕES, 2008, p. 51).

Nesse mesmo ano foi inaugurada uma loja de instrumentos musicais e partituras, que

abrigava também uma sala de concertos: a Casa Beethoven. Localizada na rua da Praia, a Sala

Beethoven de fato se impõe como sala de concertos, isto é, um espaço para recitais de música

erudita. Até então, os concertos ocorriam no Theatro São Pedro (que nessa época já contava

setenta anos) ou no auditório do Conservatório de Música (SIMÕES, 2008, p. 78). A

inauguração dessa sala parece ter um significado importante no processo de consolidação da

música como arte autônoma, desvinculada do cinema ou do teatro.

Um levantamento das atividades da Sala Beethoven no ano de 1931, realizado pela

pesquisadora Julia Simões, tendo por referência a pesquisa em jornais, revela duas

apresentações do flautista Dante Santoro naquele ano: 05/09/1931 – Audição de Dante

Santoro, flautista e compositor, à imprensa; 24/09/1931 – Recital de Dante Santoro, flautista e

compositor. O Quadro1 apresenta o levantamento da pesquisadora (SIMÕES, 2008, p. 84-85):

Quadro 1: Levantamento das atividades da Sala Beethoven (Porto Alegre) em 1931 DATA PROGRAMA

1 14/07/31 Concerto de inauguração

2 19/07/31 Recital de Raul Laranjeira, violinista

3 23/07/31 Recital de Willy Hoog, soprano

4 25/07/31 Audição de novidades

5 26/07/31 Recital de Raul Laranjeira, violinista

6 28/07/31 Recital das alunas de piano do professor Tasso Corrêa

7 07/08/31 1º Concerto Beethoveniano

8 14/08/31 2º Concerto Beethoveniano

9 18/08/31 Recital de Maria Alves cantora

10 21/08/31 3º Concerto Beethoveniano

11 27/08/31 Reunião-concerto

12 28/08/31 4º Concerto Beethoveniano

13 02/09/31 Palestra humorístico-ilustrada, com o caricaturista Márcio Nery

14 05/09/31 Audição de Dante Santoro, flautista e compositor, à imprensa

15 09/09/31 Noite Romântica

16 11/09/91 Recital de Isaías Sávio, violonista

17 14/09/31 1º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais

18 18/09/31 2º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais

19 23/09/31 3º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais

20 24/09/31 Recital de Dante Santoro, flautista e compositor

21 30/09/31 4º Concerto da Segunda Série de Concertos Culturais

22 06/10/31 Recital de alunas do Instituto Carlos Gomes

23 09/10/31 Recital de composições de Américo Baldino

24 15/10/31 1º Concerto da Terceira Série de Concertos Culturais

25 16/10/31 Recital de composições de Américo Baldino

26 17/10/31 Recital de Jacy Moss dos Reis violonista

27 21/10/31 Noite Brasileira

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28 22/10/31 2º Concerto da Terceira Série de Concertos Culturais

29 23/10/31 Recital de Nilda Guedes, pianista

30 29/10/31 3º Concerto da Terceira Série de Concertos Culturais

31 04/11/31 Recital de Carmem Braga, cantora

32 07/11/31 Recital de declamação de Luíza Barreto Leite

33 16/11/31 Recital de Nato Henn, pianista

34 17/11/31 Recital das alunas de canto da professora Olinta Braga

35 19/11/31 Recital das alunas de piano do professor Tasso Corrêa

36 21/11/31 Exposição Mário Neves paisagista pernambucano

37 25/11/31 Recital do teremim, instrumento russo

38 26/11/31 Apresentação de Kícia Peskin, bailarina

39 27/11/31 Recital de Nato Henn, pianista e Fernando Hermann, violinista

40 28/11/31 Recital do teremim, instrumento russo

41 01/12/31 Recital do teremim, instrumento russo

42 04/12/31 Recital de Alayde Signoretti, cantora

43 11/12/31 Recital de Ubaldina Bicca, mezzo-soprano

44 15/12/31 Recital de alunos do Instituto Brasileiro de Piano – 1ª parte

45 16/12/31 Recital de alunos do Instituto Brasileiro de Piano – 2ª parte

46 28/12/31 Ensaio do Orfeão Rio-Grandense

47 29/12/31 Último concerto da temporada com o Orfeão Rio-Grandense Fonte: (SIMÕES, 2008, p. 85, grifo nosso).

As apresentações de Dante Santoro chamam a atenção em dois aspectos: (1) o artista

se apresenta como flautista e compositor, o que leva a supor que o programa era constituído,

ao menos em parte, de obras de sua autoria; (2) Dante se apresenta em uma sala de concertos

de programação erudita, ou seja, sua obra agradava o público de concerto e provavelmente

não destoava da programação da casa. É possível, ainda, que Dante interpretasse não só as

suas composições, como também obras diversas do repertório erudito para flauta.

Um registro mais preciso foi encontrado sobre concerto ocorrido em Caxias do Sul,

no ano de 1934. Dois artigos publicados no jornal O Momento, de 12 e 19 de julho de 1934,

falam sobre o programa executado e apresentam uma crítica positiva ao evento (figuras 3 e 4).

Na ocasião, Dante Santoro interpretou: Peça característica, de sua autoria; Fantasia húngara,

de Guil. Popp; Rosa (valsa-serenata), de Octávio Dutra; Scherzo Capriccio, de Guil. Popp;

Serenata oriental, de Pattápio Silva; Beatriz, de Octávio Dutra; Il pastore svizzero, de P.

Morlacchi. Participaram, ainda, a cantora Hilda de Oliveira - que cantou várias obras, entre

elas Chorando o passado, de Dante Santoro – e o irmão de Dante, Godofredo Santoro, que

declamou duas poesias de sua própria autoria.

Observa-se que o programa mesclava música popular e erudita, com ênfase em dois

aspectos: (1) dentro do repertório popular, Dante Santoro buscava interpretar obras próprias

ou de Octávio Dutra, preferência que veio a se confirmar nas diversas gravações que realizou

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66

a partir de 1936; (2) do repertório erudito, selecionava obras virtuosísticas do repertório

romântico de compositores europeus e do brasileiro Pattápio Silva33

.

Figura 3: Artigo sobre concerto de D. Santoro. O Momento, edição de 12/07/1934. Fonte: acervo da hemeroteca

digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

33 Pattápio Silva foi uma grande referência para Dante Santoro e para os demais flautistas da época, pois foi o

primeiro flautista brasileiro a gravar para a indústria fonográfica, ainda na fase mecânica (1905). Embora a

qualidade dessas primeiras gravações não permita um estudo comparativo detalhado, é possível supor que a

sonoridade incisiva e a ênfase no virtuosismo técnico (fundamental nas composições e interpretações de Dante

Santoro) sejam, em grande, parte referências de Pattápio Silva, herdadas e transformadas na interpretação de

Dante Santoro. Essa observação será retomada na seção de análises do Capítulo 4.

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Figura 4: Crítica sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul. O Momento, edição de 19/07/1934. Fonte:

acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Retomando as considerações históricas, observa-se que, se por um lado, a chegada do

cinema sonoro foi motivo de crise para os grupos orquestrais, os avanços tecnológicos

ofereceram como contrapartida um cenário promissor no campo das transmissões

radiofônicas. As primeiras emissoras de rádio foram inauguradas no Rio Grande do Sul no

final da década de 1920: a Rádio Sociedade Rio-Grandense (1924) e a Rádio Sociedade

Gaúcha (1927). Ambas priorizavam a irradiação da música e a transmissão de programas

musicais.

O rádio foi o meio no qual Dante Santoro construiu sua carreira, à frente do Regional

da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a partir de 1936. Suas primeiras atuações no rádio

ocorreram ainda em Porto Alegre, na Rádio Sociedade Gaúcha, conforme depoimento do

próprio músico ao Diário da Noite, em 8 de agosto de 1956 (Figura 5). Embora afirme, nessa

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mesma reportagem, que começou no rádio no ano de 1934, foram encontrados registros de

participações suas em programas de rádio no Rio de Janeiro desde o ano de 1928, o que indica

que ele atuava como free lancer em rádios cariocas desde esse ano, antes mesmo de fixar

residência no Rio de Janeiro.

Figura 5. Depoimento de Dante Santoro. Diário da Noite, edição 6164 de 8/8/1956. Fonte: acervo da hemeroteca

digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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69

Nessa mesma reportagem de 1956 (figura 5), ao perguntarem se sempre foi flautista,

Dante Santoro afirma: “Fui músico de orquestra, de regional e até hoje sou. Sempre como

flautista.” Essa afirmação dá a entender que Dante Santoro atuou desde a juventude em

orquestras e conjuntos regionais. Portanto, sua trajetória, como músico, seria marcada pela

constante circulação entre os ambientes erudito e popular.

2.3. Octávio Dutra na cena musical porto-alegrense: a parceria com Dante Santoro

Várias fontes ligam Dante Santoro à figura de Octávio Dutra. Como se estudará

adiante, cronistas contam que Dante foi conduzido por Dutra em suas primeiras incursões no

meio musical, nos saraus e nos carnavais do início do século. Dedicatórias de partituras e

cartas atestam que Dante, depois de aluno, tornou-se colega. É necessário conhecer a figura de

Octávio Dutra para avaliar sua influência na formação e na obra de Dante Santoro.

Octávio Dutra (1884-1937) foi um músico eclético. Violonista, bandolinista e

compositor, atuou em serenatas, saraus, no teatro de revista, em grupos carnavalescos, como

professor de música e como diretor musical em transmissões radiofônicas. Inicialmente foi

autodidata, porém ingressou no Conservatório de Música de Porto Alegre em 1910, onde

permaneceu pelo período aproximado de um ano, conforme registros do Arquivo Histórico do

IA/UFRGS. Ali aprendeu a escrever música e teve contato com alguns princípios

composicionais, técnicas que potencializaram suas criações.

Dirigiu e atuou como músico em quatro grupos, tanto na formação regional (duas

flautas, cavaquinho, bandolim e violão), como na de orquestra popular (piano, voz, madeiras,

metais e cordas dedilhadas): o Bando do Octávio (década de 1900), o Terror dos Facões

(década de 1910), Os Batutas (década de 1920) e a Orquestra da Guarda Velha (década de

1930).

O Bando do Octávio atuava nas serenatas e saraus do início do século XX, com um

repertório composto principalmente de valsas e modinhas de sua autoria, cujos títulos

sugestivos quase sempre se referiam a mulheres - Nilva, Ada, Catita, Santa, Sonâmbula,

Fantasmagórica e Vagabunda. O rádio-ator Pery Borges, que participou do grupo, recorda,

em crônica de 1937 ao jornal Folha da Tarde, o costume das serenatas:

1910, altas horas, junho friorento, rua da Margem, iluminada ainda por

lampeõezinhos de querosene. Silêncio de repouso e de morte. De repente, junto a um

umbral de uma janela modesta, os dedos mágicos do artista acordavam os sons

apaixonados de uma canção de amor e a voz do Lauro ou do Zeca, dois trovadores

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do bando do Octávio, acordam o silêncio sonolento da rua (...) As donzelas do 2º

Distrito embalavam sonhos com as melodias chorosas dos pinhos enamorados, que

os velhos amaldiçoavam... Dutra era o primeiro violão da cidade, desde o tempo que

esse pobre e grande instrumento era tido como elemento de vagabundagem.

(BORGES apud SOUZA, 2010, p. 114-115)

Embora as serenatas tenham escasseado a partir de 1910, o sarau parece tê-las

substituído nas décadas seguintes, como uma prática social na qual se cultivava aquele

repertório, porém não mais num contexto de boemia, e sim num ambiente doméstico. Atribui-

se a Octávio Dutra a introdução do violão como instrumento socialmente aceito na sociedade

porto-alegrense do início do século XX, de forma semelhante à aceitação que o piano sempre

desfrutou. Dutra de fato inovou, ao ensinar o repertório das serenatas, ao violão ou bandolim,

o que é atestado pelo cronista Dante Pianta ao jornal Diário de Notícias, em 24 de agosto de

1975:

Pouco a pouco, senhoritas da sociedade, rapazes, senhoras e cavalheiros aderiram ao

violão, tendo Octávio Dutra ensinado o segredo desse sonoro instrumento a

elementos da sociedade local (...) Ao lado de pianistas, violinistas e cantores,

surgiram damas violonistas, entre as quais a brilhante escritora Carmen Annes Dias,

que cantava acompanhando-se ao violão. (Pianta, jornal Diário de Notícias,

24/08/1975).

Os saraus prosseguiram até a década de 30 em Porto Alegre, tornando-se uma

verdadeira tradição musical. Segundo familiares, a residência de Octávio Dutra tornou-se um

dos pontos de atração do setor artístico da cidade, pois as pessoas vinham para ouvir música,

os que aprendiam com Dutra vinham tocar e todos se reuniam de forma espontânea. Sonia

Paes Porto, sobrinha-neta do compositor, em depoimento ao pesquisador Marcio Santos,

informa que nessas ocasiões “chegou a conhecer o famoso flautista Dante Santoro, um dos

alunos de Octavio Dutra e companheiro de saraus”. (SOUZA, 2010, p. 119).

Com o grupo Terror dos Facões34

, Octávio Dutra alcançou projeção nacional. As

gravações do selo gaúcho Casa A Eléctrica, também foram lançadas pela gravadora Odeon,

distribuída pela Casa Edison de São Paulo e do Rio de Janeiro. De acordo com o inventário

efetuado por Vedana (2000), o Terror dos Facões gravou cerca de 24 faixas entre 1913 e

1914, para as casas Hartlieb e A Eléctrica. O repertório continha polcas, schottisches,

mazurcas e valsas. O grupo foi formado por Octávio Dutra no violão e bandolim, seu irmão

Arnaldo Dutra no cavaquinho, Honório da Silva no violão e os flautistas Creso de Barros e

José Xavier Bastos, o Cazuza.

34

O termo “facão” era, na época, uma gíria usada entre os músicos para designar o músico ruim.

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71

Essas gravações do grupo Terror dos Facões foram digitalizadas e compiladas na

coleção Memórias Musicais (Biscoito Fino/Instituto Moreira Salles, 2002), em 16 faixas,

sobre as quais comenta o saxofonista Pedro Paes:

Das 16 faixas desta coletânea, 12 são assinadas por Dutra. As suas polcas intituladas

Como Há de Ser, Esmagadora e Olha o Poste! ilustram a sofisticação do seu estilo

de composição: melodias cheias de cromatismo e saltos de difícil execução para o

solista, modulações para tons distantes e um alto de grau de elaboração no

contraponto do violão com a melodia da flauta. No schottisch Dialogo das Flores,

assim como na maioria das outras composições, a linha melódica dos baixos do

violão (conhecida como baixaria no jargão do choro) incorpora-se à música,

estabelecendo um verdadeiro diálogo com as flautas. As características da música de

Octavio Dutra assemelham-se às da música de seus contemporâneos cariocas como

Irineu de Almeida, Candinho Silva e Pixinguinha.

O dueto de flautas é explorado também no schottisch Coração de Ouro e na valsa

Celina, composição de Octavio Dutra que alcançou grande popularidade em seu

tempo. Essa valsa foi gravada em disco Odeon pelo Terror dos Facões em 1913,

atingindo a incrível vendagem de 40 mil discos por todo o Brasil.

Aliás, a valsa é o gênero em que Octavio Dutra foi considerado insuperável. O seu

dom de melodista é também registrado nas valsas Orvalho de Lágrimas, Separação

e Republicana (esta dedicada ao presidente da província Borges de Medeiros). Na

mazurca Coração que fala, Dutra ainda aparece como solista de Bandolim, em uma

mostra de seu virtuosismo. O tango O Maxixe e as polcas Olha o Poste! e

Vagabundo (esta gravada com ditos chistosos) têm efeito cômico, ressaltando o lado

brincalhão e malandro deste grande compositor. (Comentário de Pedro Paes no

encarte do CD 05 da coleção Memórias Musicais, 2002, grifo do original).

A formação instrumental e o repertório do Terror dos Facões o conecta de forma

muito direta com os grupos de choro do início do século XX. Souza (2010, p. 122) aponta que

essa identificação com os grupos de choro pode ter a sua origem nas serenatas, visto que

utilizavam formação instrumental semelhante. Também adicionamos o fato de que o ambiente

musical ali cultivado, segundo assinalam os depoimentos, assemelhava-se ao das rodas de

choro. Porém, não se tem informação documental sobre seu primeiro contato com a música

dos chorões. O fato é que essa afinidade, uma vez estabelecida, se perpetuou na música e no

intercâmbio com chorões do mais alto nível, como Pixinguinha (em visita a Porto Alegre em

1923, conforme SOUZA, op. cit, p. 179), Garoto e Aimoré (em 1935, conforme SOUZA, op.

cit, p. 121).

No final da década de 1910 e início de 1920, a participação de Octávio Dutra foi

mais efetiva no contexto dos cordões e blocos carnavalescos. Foi compositor, ensaiador,

regente e figurante de blocos carnavalescos, o que se pode atestar pelos registros de músicas

carnavalescas e pela memória de cronistas.

À época existiam em Porto Alegre blocos rivais, como Os Tigres, Os Batutas, Os

Janaús, Os Tesouras, Passa fome e anda gordo, dentre outros (BARROS apud SOUZA, op.

cit, p. 75). Os blocos carnavalescos eram compostos de estudantinas de aproximadamente

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vinte instrumentistas e coros, que saíam às ruas executando um repertório de hinos, marchas,

tangos, valsas, polcas, schottischs (VEDANA, 2000, p. 25). A apoteose dos desfiles se dava

nas praças, onde havia um duelo de blocos rivais.

Octávio Dutra atuou como ensaiador de alguns cordões, sendo o mais famoso deles,

Os Batutas. Segundo Hardy Vedana (2000), para o carnaval de 1921, Dutra compôs para o

grupo o one step O batuta e os tangos Beijos e Bota fora esse negócio. Ainda segundo o

biógrafo, Os Batutas foram aclamados campeões do carnaval daquele ano, após o confronto

com o bloco Os Tigres na Praça Garibaldi. De acordo com sua narração, Dante Santoro foi

uma das estrelas do grupo naquela ocasião, sendo ovacionado pelos presentes:

Logo após Os Batutas haverem executado, com maestria, a valsa Palmyra, de

Octávio Dutra, então ensaiador e compositor d´os Batutas – onde teve um solo de

flauta o aplaudido “canário” Dante Santoro – o povo que assistia com avidez o

encontro Batutas-Tigre ovacionou a estudantina Batuta e levantou em seus braços o

glorioso flautista Dante. Então Os Tigres, fortemente despeitados, responderam aos

batutas com o bonito tango Vae botá isto lá, autoria de J. Penna. O fato obteve

imediata resposta dos Batutas, que executaram Bota fora esse negócio, fazendo com

que o público, de cerca de 3 mil pessoas, vaiassem os Tigres. Estes, abatidos, se

retiraram da arena. Os Batutas foram aclamados como campeões. (VEDANA, 2000,

p. 25).

Entretanto, há outras referências ao grupo Os Batutas, fora do contexto do carnaval.

Era também um grupo orquestral, formado por quatro flautas, quatro violinos, quatro violões,

dois cavaquinhos, dois clarinetes, um trompete, dois baixos e um trombone, segundo o álbum

de partituras pertencente ao compositor. Segundo Souza, (2010, op. cit, p. 165), no

manuscrito da canção Suplicando (1921), Octávio Dutra anotou que “nesse espetáculo ouviu-

se pela primeira vez no Theatro São Pedro orquestra composta de violões e cavaquinhos, o

que muito agradou a plateia” (SOUZA, op.cit, p. 166).

Experiência similar ocorreu em 1926, quando Os Batutas - atuando como uma

orquestra de cordas dedilhadas – apresentaram, no Cine-Theatro Apolo, uma versão da

abertura da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, com cavaquinhos e violões. Assim se

manifestou a crítica jornalística da época, segundo álbum de notícias compilado por Octávio

Dutra:

O número principal, a execução da fantasia de “O Guarani” pela estudantina do

popular cordão Os Batutas, obteve o natural sucesso, sendo obrigada a bisar.

Destacaram-se muito os violões, sob a regência de Octávio Dutra, e que, no arpejo

do Allegro mosso, pareciam harpas dedilhadas por mãos de mestres. (O GUARANI

pela estudantina batutense [1926] apud SOUZA, 2010, p. 177).

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73

É possível que Dante Santoro tenha participado desses eventos, considerando que era

membro do cordão Os Batutas e que desde 1921 já era ovacionado como grande flautista e

parceiro de Octávio Dutra. Lamentavelmente, não se há encontrado referência a seu nome

nesse contexto.

A colaboração de Dutra nas Revistas Musicais, como compositor, ocorreu

paralelamente às atividades nos saraus e carnavais, desde o ano de 1907. A temática das

serenatas também esteve presente nas Revistas e algumas canções, que alcançaram

popularidade nesse métier, foram objeto de gravações. Uma referência da atuação de Dutra

nas Revistas é a crítica jornalística publicada em 1912, sobre a peça Não pode, do teatrólogo

gaúcho Dolival Moura, apresentada pelo grupo Terror dos Facões no Theatro São Pedro:

A música, quase toda original do maestrino Octávio Dutra, é boa e agradável. Para

que a revista faça sucesso, nada lhe falta: boa música, piadas engraçadas e maxixe

de vez em quando, com o excelente grupo musical ‘Terror dos facões’, tendo a sua

frente como diretor o inteligente compositor Octávio Dutra (VEDANA, 2000, p.

18).

O último grupo de que se tem notícia, sob a direção de Octávio Dutra, é a Orquestra

da Guarda Velha da Rádio Sociedade Gaúcha, no início da década de 1930. As informações

sobre esse grupo não são precisas. Sabe-se que a Rádio Gaúcha tinha um regional e uma

orquestra. Octávio Dutra foi o diretor artístico do Regional da Rádio Gaúcha. Entretanto, ao

regional somavam-se, eventualmente, outros membros, quando a instrumentação dos arranjos

assim requeria. Informa Souza (2010, op. cit) que, nessa orquestra mista, Dutra reuniu

instrumentos de sopro, madeira e metal, instrumentos de arco e de cordas dedilhadas, além de

vozes.

Pode-se entender que, pelos arranjos dessa época, suas obras atestavam os

primórdios da orquestra do rádio, visto que combinou violino, violoncelo, baixo,

saxofone, trompete e clarinete aos sons da flauta, violão e cavaquinho.(...) Coube a

Dutra fazer arranjos dos sucessos nacionais da época, acompanhar cantores (as) e

rearmonizar antigas produções, principalmente valsas e choros. Nesse contexto,

criou a “Guarda Velha”.(SOUZA, 2010, p. 204).

A edição de partituras e as gravações de discos também foram campos de trabalho de

Octávio Dutra e meios de divulgação de sua obra. Algumas de suas composições foram

editadas em Porto Alegre entre as décadas de 1910 e 1920. Segundo Souza (2010, p. 94),

foram impressas nessa época as valsas Celina, Catita, Pax, o álbum intitulado Pétalas,

contendo polcas, choros e tangos e algumas das suas marchas carnavalescas.

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74

Dutra também participou da chamada geração gramofone de Porto Alegre, no

período de 1913 a 1924. Gravou discos para as casas Hartlieb, A Elétrica e Odeon, embora

tenha se afastado desse meio com o fechamento das gravadoras em Porto Alegre na década de

20. Depois desse afastamento involuntário, sua obra só foi gravada nos grandes centros do

país posteriormente por colaboradores, como o flautista Dante Santoro e o bandolinista Pery

Cunha.

Compositor dos mais credenciados, principalmente criador de valsas, granjeou fama

no Rio de Janeiro, ainda em vida, (...) impondo suas composições através de seus

alunos, como por exemplo Dante Santoro, o “canário rio grandense”, que gravou

inúmeros sucessos do mestre. Apaixonado por Porto Alegre, Otavio Dutra rejeitou

todas as propostas que lhe fizeram para daqui sair, por não querer viver longe de sua

terra natal. (Pianta, Diário de Notícias, 24/08/1975)

Entretanto, a oportunidade de gravar foi pleiteada por Dutra no ano de 1931, em

carta a José Gagliardi, representante da fábrica Columbia Records em São Paulo. Na

correspondência, Dutra oferece os préstimos de seu conjunto regional, do qual participava

Dante Santoro, fixando as condições contratuais, conforme o trecho que se transcreve a

seguir:

Devo-lhe dizer que disponho de um conjunto musical typico de primeira ordem,

como bem pode calcular o seu contratado, o exímio banjista Amador Pinho,

competente no assumpto e que muito me conhece. O meu flautista, professor Dante

Santoro, cognominado o “Canário Rio-Grandense” é, sem favor, o maior desse

estado e quiçá do Brazil. Convinha, pois, que a sua fábrica de discos não perdesse

tão valoroso elemento. Porém a ida do conjunto a essa capital seria um tanto

dispendiosa para o senhor, por isso lembro-lhe o seguinte: um contrato só para mim

e Dante, reduzindo muito, deste modo, a quantia que deveria o senhor dispender

com a presença ahi do conjunto completo. Em todo caso devo informar-lhe o preço

do mesmo, por mez, cuja base é um conto de réis por figura, e mais as respectivas

passagens de ida e volta conforme deverá saber. É composto tal conjunto de cinco

figuras: uma flauta, um saxofone, um cavaquinho e dois violões, sendo eu um deles.

Mas, se não lhe convier o negócio com o conjunto, eu e Dante iremos para ahi com

o ordenado mensal de dois contos e quatrocentos mil réis (os dois) com as

respectivas passagens de ida e volta e com contracto mínimo de seis mezes, com

prorrogação dependendo a mesma de ajuste entre nós. Com respeito a nossas

obrigações, cumpre-me dizer-lhe que serão as seguintes: gravar as minhas músicas

uma vez adquiridas, por compra, pelo senhor, como também gravar as de outros

autores, do mesmo gênero, quando isto for determinado e mais alguma cousa que

será combinada ahi. (Carta de Octávio Dutra a José Gagliardi in VEDANA, 2000, p.

88-89).

As referências a Dante Santoro indicam que ele e Octávio Dutra eram parceiros

musicais nessa época e se apresentavam juntos, tanto em grupos regionais como em dueto. O

testemunho de Dutra deixa transparecer sua admiração pela qualidade de Dante como

flautista, aspecto inclusive enfatizado na propaganda do grupo perante a gravadora. A figura 6

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75

mostra Dante Santoro, Octávio Dutra e um terceiro músico não identificado, possivelmente na

década de 1920.

Figura 6. Dante Santoro, Octávio Dutra e músico não identificado. c. 1920-1930. Porto Alegre. Fonte: acervo da

família Santoro.

No que se refere à experiência de ensino de diferentes instrumentos, tudo indica que

se dava dentro de um estilo de música popular, ou seja, por meio do repertório que Dutra

tocava e compunha. Seu Curso Particular de Canto e Música foi fundado por volta de 1910 e,

conforme Dante Pianta, estendeu-se até 1937 (PIANTA apud SOUZA, op. cit., p. 128).

Ministrava aulas de canto, violão, bandolim, cavaquinho e harmonia. Segundo Souza (op.

Cit., 2010, p. 128), o carimbo com os dizeres “Octávio Dutra leciona música” ainda pode ser

encontrado em diversas capas de suas partituras impressas e manuscritas.

Através da atividade docente, Dutra criou uma escola de violonistas populares, que

formou importantes nomes do cenário gaúcho. Dentre eles, Gorgulho e Ney Orestes

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76

(participantes da primeira formação do Regional de Benedito Lacerda), Mosquito, Manoel

Lima e Jessé Silva (SOUZA, op. Cit. p. 129-130); Honório, Pedro Neves, Conetet, Waltrudes

Paes, Brasil Brandão, Gumercindo do Amaral, Vitor Abrano, Gustavo Ribeiro e Levino da

Conceição (VEDANA, 2000, p. 85).

Entre os músicos de outras especialidades, podem-se mencionar os cavaquinhistas

Arnaldo Dutra, Eurico Leão, Edmundo Vaz e Coimbra; os bandolinistas Ostelino Pantoja,

Amador Pinho, Andonio del Bagno e Pery Cunha; os flautistas Dante Santoro, Creso de

Barros, Fernando Antunes Feijó, João Batista Lobato, Cazuza, Leopoldo Nery e Luiz Amábile

(Piratini); os pianistas Raul Moraes e Augusto Vasseur; o pistonista Acioli; os violinistas

Cravinho e José Specialiski e os cantores Omar Fonseca, Pezzi, Benjamim Borges, Otávio de

Jesus e Januário de Souza (VEDANA, op. Cit, p. 85). Destes, além de Dante Santoro, Pery

Cunha e Augusto Vasseur estabeleceram-se no Rio de Janeiro.

Não há registros sobre a metodologia de ensino de Dutra, exceto os cadernos

musicais da época. Ele compilava o repertório utilizado nos saraus, serenatas, grupos de

choro e carnaval em cadernos manuscritos. Compilou música específica para carnaval, além

do repertório de seus grupos. Souza menciona que “esses cadernos possivelmente também

fizeram parte do repertório das aulas particulares de música que ministrava desde 1905 e das

reuniões musicais que organizava em sua casa ou que participava na casa de amigos”.

(SOUZA, 2010, p. 114). No acervo pertencente à família de Octávio Dutra encontram-se doze

desses cadernos, alguns dos quais incluem repertório de outros autores.

Pode-se inferir que Dutra ensinava leitura musical, além dos primeiros passos em

cada instrumento (postura, emissão sonora, técnica básica). A evolução do aprendizado

ocorria então na prática, com a execução de repertório. O intercâmbio informal, nos saraus e

reuniões musicais, permitia que o aluno conhecesse o repertório e se integrasse cada vez mais

aos grupos de Octávio, na medida em que avançava tecnicamente no instrumento. Acredita-se

que esse foi o processo no qual se inseriu Dante Santoro como estudante35

.

Anotações nos cadernos musicais de seus colegas e alunos deixam transparecer a

camaradagem que caracterizava essa relação, além de traços da personalidade de Dutra, como

sua forte liderança e seu bom humor. Do livro de músicas do flautista Vicente Lua Cheia,

35

O uso de cadernos manuscritos parece similar ao que ocorria no Rio de Janeiro na mesma época. Também a

descrição do ambiente de ensino (saraus e reuniões musicais) leva a crer que havia entre Octávio Dutra e seus

alunos uma relação mestre-discípulo, como descrito no Capítulo 1.

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77

extrai-se a seguinte mensagem: “Lua Cheia, vê se tocas direito a música”. Ao lado, no mesmo

caderno: “Tu sabes que eu gosto de um bom vinho... (branco não!)”. No caderno de música do

flautista Lombriga, na música Pierrot e Colombina, havia o seguinte recado: “Animal, si não

entenderes as fermatas, suicida-te!”. (VEDANA, op. cit, p. 86). Sonia Paes Porto, sobrinha-

neta de Octávio Dutra, recorda que Dutra era chamado de “burro querido”, pois era muito

bravo e ao mesmo tempo amável. Se o aluno errava, dizia “mas tu és burro, meu querido!”,

numa mescla de irritação e amabilidade (PORTO apud SOUZA, op. cit. , p. 129).

A experiência musical de Octávio Dutra caracteriza-se, essencialmente, pela

multiplicidade de suas atuações, seja como professor, arranjador, compositor, maestro ou

intérprete. Isso se deve ao fato de que ele acompanhou a expansão da atividade e da categoria

profissional do músico naquela época. Porém, para além da exigência do mercado musical da

época, seu ecletismo parece se relacionar a uma tendência pessoal ao protagonismo e à

inovação: Dutra não dispensou a formação erudita do conservatório, apesar de se manter fiel a

um repertório que privilegiava a música popular urbana nacional. Levou esse repertório a

distintos espaços sociais e com ele ensinou música, fato até então inédito na capital gaúcha.

Nota-se que os conceitos erudito e popular já se diluíam no ambiente musical de

Porto Alegre no início do século XX: diferentes repertórios eram misturados em espaços

como cinemas, teatros, blocos de carnaval, salas de concerto etc. A atuação de Octávio Dutra,

entretanto, impulsionou essa circulação, o que foi incorporado por Dante Santoro em sua

atuação como músico.

No caso de Dante Santoro, pode-se identificar esse traço de ecletismo desde cedo em

sua atuação como flautista de orquestras, grupos de serenata, grupos de choro, nos saraus e

salas de concerto. Essa tendência acentuou-se com o passar dos anos, quando se dedicou

também à composição e à direção musical. Dutra e Santoro foram intérpretes essencialmente

autorais, que compuseram, gravaram e editaram suas próprias obras. Dedicaram-se também

ao mesmo tipo de repertório: choros, valsas, marchas, polcas-choro, maxixes, schottisches,

boleros e danças típicas.

Como se observou no Capítulo 1, a mediação, ou seja, essa habilidade de circular por

distintos “ambientes musicais” e atuar em variadas “frentes”, de forma eclética, era

característica essencial dos músicos populares no início do século XX. Essa habilidade se

manteve no contexto da indústria fonográfica e radiofônica, após a década de 1930, quando os

músicos profissionais foram chamados a atender um variado repertório, nas transmissões

radiofônicas e nos estúdios de gravação.

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78

2.4. Dante Santoro no Rio de Janeiro (c. 1933-1969): o meio radiofônico

Apesar do crescimento das atividades musicais em Porto Alegre nas primeiras

décadas do século XX, as perspectivas profissionais dos músicos gaúchos ainda eram

restritas, se comparadas às do Rio de Janeiro, então capital federal. Como mencionado, na

capital gaúcha as gravadoras foram desativadas em 1924, o que dificultava o registro e a

difusão das obras musicais.

Dante Santoro já buscava uma oportunidade fora da capital gaúcha antes de 1933 -

ano em que provavelmente se instalou no Rio de Janeiro. O primeiro registro de participação

de Dante Santoro em programa radiofônico no Rio de Janeiro data de 18 de abril de 1928, na

Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, ao lado de Jessy Barbosa e Gastão Formenti (canto),

Rogério Guimarães (violão), Pery Cunha (bandolim) e Alberico de Souza (piano). No

programa, interpreta a valsa Sonhando, de autor desconhecido (figura 7).

A esse programa segue-se outro, em 31 de maio de 1928, também na Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro, no qual Dante Santoro interpreta três músicas: Celina (valsa), de

Octávio Dutra; Betinho no choro (choro), de Dante Santoro e Zinah (choro), de autor

desconhecido. Ambos os registros foram retirados da Hemeroteca Digital da Biblioteca

Nacional do Rio de Janeiro.

Nessa mesma época, Dante tocava também em um grupo de música regional, Os

Bohemios Brasileiros. O repertório do grupo era bem variado, incluindo choros, canções,

valsas e sambas, o que se depreende de artigo publicado pelo jornal A Noite, em 3 de julho de

1929 (figura 8). Entre as obras mencionadas, constam: Sempre nós (polca) e Beatriz (valsa),

de Octávio Dutra, além da polca Só na flauta, de Dante Santoro. O grupo preparava-se, em

1929, para uma apresentação na Espanha, como afirma a nota publicada no jornal Crítica, de

setembro de 192936

:

No grande Réveillon da Independência, que na próxima sexta-feira 6 se realiza no

Beira Mar Cassino, figura como principal atração a exibição dos artistas nacionais

conhecidos por “Os Bohemios Brasileiros” e que estão prestes a despedir-se do

Brasil, pois embarcam em breve para a Europa, onde se exibirão na exposição de

Sevilha. São eles os artistas que conservam seu amor pela flauta, cavaquinho e

36

A Exposição Iberoamericana de Sevilha, ocorrida de 09 de maio de 1929 a 21 de junho de 1930, foi a primeira

exposição internacional destinada a fortalecer os laços de integração entre os países ibéricos e americanos. Não

foram encontrados registros que confirmassem a participação do grupo Bohemios Brasileiros no evento. Porém,

sabe-se, pela narração do cronista Dante de Laytano, que Dante Santoro esteve, em algum momento, em visita à

península ibérica, mais especificamente a Portugal: “Encontrei com ele, depois, umas vezes. Inclusive, no Rio de

Janeiro, onde se afeiçoara, vivia na Rádio Nacional e desfrutava o prestígio de músico em forma. Flauta Mágica.

E o era. Também o achei, e num acaso alegre, em Lisboa à tardinha, no Chiado animado de gente”. (LAYTANO,

1986, p. 188)

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79

violão e pelas seresteiradas cantadas de noite, tradições musicais que vão

desaparecendo, e que bem dizem com o carácter da festa da Independência que o

Brasil vai, mais uma vez, celebrar.

E bem andou a direção do Beira Mar Cassino contratando esse conjunto, que é

composto pelos bem conhecidos artistas: Dante Santoro, flauta; Pery Cunha,

bandola; César Luciano, cavaquinho; Jacy Pereira, violão; Rubem Bergman, violão;

Macrino Madeiros, violão; Lourival Montenegro, violão; Salvador Correia, pandeiro

e Adalardo Mattos, cantor, os quais interpretarão os trechos mais populares da

música nacional. (Jornal Crítica, 3/9/1929, ed. 249, página VI).

Figura 7. Primeiro registro de Dante Santoro no rádio carioca. Jornal A Esquerda, 18/4/1928. Fonte: acervo da

Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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80

Figura 8. Detalhe do artigo sobre os Bohemios Brasileiros publicado no jornal A Noite, de 03/07/1929. Fonte:

acervo da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Afirma o músico Arthur de Faria (2011) que a mudança definitiva de Dante para o

Rio de Janeiro deu-se em 1933, quando começou a trabalhar na Rádio Cajuti PRE 2,

inaugurada nesse mesmo ano. A emissora, que funcionava no bairro da Tijuca, dava destaque

à programação musical, tendo entre seus artistas exclusivos os cantores Francisco Alves e

Edgard Velloso. Em 1934, Dante teria se transferido para a Rádio Educadora do Brasil,

emissora que já contava oito anos de transmissões. Voltada para a difusão da cultura, sua

programação era constituída basicamente de palestras, conferências e números de música

clássica e ópera.

Não foram encontrados registros das apresentações de Dante Santoro na rádio Cajuti,

mas nesse período, de 1933 a 1935, Dante Santoro participa de programas radiofônicos nas

rádios Philips (1933), Club (1933 e 1934) e Sociedade Guanabara (1935). Em 16 de dezembro

de 1933, o jornal A Batalha (ed. 1166) traz, na página 4, a programação da Rádio Club, na

qual se apresenta o Trio Typico Dante Santoro (formado por Dante Santoro, Mário Cabral e

Antenógenes Silva). No programa, constam obras de Octávio Dutra, Levino da Conceição,

Dante Santoro e Manoel Lima (figura 9). Em 1934, Dante ganha seu próprio programa na

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81

Rádio Club, como indica a programação publicada no mesmo periódico, na edição 1186 de 12

de janeiro de 1934. O Programa Dante Santoro também aparece na programação publicada

pelo Diário Carioca (edição 1674), em 16 de janeiro de 1934.

Figura 9. Programa Dante Santoro, Rádio Club. Jornal A Batalha, 16/12/1933, ed. 1166, p. 4. Fonte: acervo da

Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Uma crítica publicada por F. Tupynamba na Gazeta de Notícias, em 5 de dezembro

de 1935, a respeito do Programa Único, da Rádio Guanabara, fala da participação de Dante

em outro grupo de instrumentistas – o Grupinho Guanabara - porém tocando um repertório

distinto: ópera. Diz a publicação:

Ouvimos segunda-feira última uma irradiação desse programa e confessamos que

nos agradou em cheio, principalmente o “Grupinho Guanabara”,(...) que se compõe

de dois violões, uma flauta e uma bandola; aqueles manejados magistralmente por

Pereira Filho e Luiz Bittencourt, e estas por Dante Santoro e João Pereira,

respectivamente. É uma delícia ouvir-se esses artistas executarem trechos de ópera,

o que fazem com absoluta correção, emprestando a tal gênero de música uma nova

melodia que agrada sobremaneira a sensibilidade mais apurada. (Gazeta de Notícias,

ed. 288, 5/12/1935, p. 10).

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82

Outro registro interessante é o da participação de Dante Santoro no programa Hora

do Brasil, de 17 de setembro de 1935. O anúncio da programação, publicado nessa data no

Diário Carioca (ed. 2197, p. 12) menciona a participação de Dante no encerramento do

programa, tocando a obra Oriental, de Pattápio Silva, acompanhado pelo professor F. Araujo.

Em março de 1935, Dante Santoro envolveu-se em um acidente automobilístico, que

ficou conhecido na imprensa carioca como O Desastre de Cruzeiro (figuras 10 e 11). O grupo

de músicos - formado por Dante Santoro (flauta), Manoel Lima (violão), Ary Valdez

(cavaquinho), Didi Carioca (pandeiro), além do locutor Bento Gonçalves - voltava de uma

viagem de trabalho, quando o carro em que estavam despencou de uma ribanceira.

O fato, objeto de especulação entre os músicos de hoje, foi narrado pelo músico

Arthur de Faria (2011) em seu artigo e está documentado nos jornais da época. Depois da

queda do carro no rio Paraíba, sobreviveram ao desastre além de Dante Santoro, Ary Valdez e

o condutor do veículo, o tenente Hermano Joppert.

Figura 10. Detalhe do artigo publicado no suplemento A Noite Ilustrada, em 20/3/1935, ed. 276, p. 32. Nas fotos,

o locutor Bento Gonçalves (esquerda) e o violonista Manoel Lima (direita). Fonte: acervo da hemeroteca digital

da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Curiosamente, dois anos depois do desastre, em 1937, encontra-se o seguinte anúncio

no jornal A Noite, ed. 9196, de 17 de julho de 1937 (figura 12):

Dante Santoro – que é indubitavelmente um cartaz da nossa música regional, há

tempos, em virtude de um desastre no automóvel em que viajava para São Paulo,

teve a infelicidade de perder uma flauta de prata, instrumento esse de grande valor

estimativo. O desastre deu-se na estrada Rio-São Paulo, nas proximidades do rio

Parahyba, em cujo leito o carro foi cair.

Dois anos são passados e agora Dante Santoro foi informado de que a sua flauta de

prata foi achada por um guarda-freios da Central do Brasil, funcionário da estação

de Cruzeiro. Naturalmente interessado em reaver o seu precioso instrumento faz, por

intermédio d´A Noite este apelo, no sentido de saber se essa notícia tem ou não

fundamento. No caso afirmativo, espera ser avisado para buscar o valioso objeto,

gratificando otimamente quem o achou. (A Noite, ed. 9196, 17/7/1937, p. 6).

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Figura 11. O Desastre de Cruzeiro. Matéria de capa do Diário Carioca, ed. 2038, em 16/3/1935. Fonte: Acervo

da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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84

Figura 12: Artigo “A flauta de Dante Santoro”. A Noite, ed. 9196, de 17 de julho de 1937.

Acredita-se que a flauta em menção é a que Dante Santoro usava quando ainda

morava em Porto Alegre, um instrumento com pé em si37

, que aparece em suas fotos mais

antigas, das décadas de 1920 e 1930. Talvez depois do desastre, em 1935, tenha comprado a

flauta alemã da marca Hammig, que usou durante largo tempo à frente do Regional da Rádio

Nacional, hoje pertencente à professora Laura Rónai. Essa flauta, igualmente referenciada

pelos flautistas Milton D´Avila e Altamiro Carrilho em seus depoimentos, será objeto de

comentário mais detalhado no Capítulo 4.

Retomando a retrospectiva sobre os primeiros anos de trabalho de Dante Santoro no

rádio carioca, foram encontradas referências de sua atuação nas rádios Educadora (1937 e

1938) e Cruzeiro (1937). Nesta última, conforme publicação do jornal a Batalha, ed. 3317 de

2/6/1937, Dante apresenta-se ao lado de Dylu Melo, Augusto Henriques, Rogério Guimarães,

Helio Rosa, Ary Barroso, entre outros.

Já sobre sua atuação na Rádio Educadora, a Gazeta de Notícias publica o seguinte

comentário, na edição 260 de 2/11/1937:

37

A flauta transversal moderna, baseada no sistema Boehm (1832) é constituída de três partes desmontáveis: o

bocal, o corpo e o pé. Os primeiros modelos da flauta Boehm foram construídos com uma extensão que vai até o

dó médio do piano (“pé em dó”). Aperfeiçoamentos posteriores permitiram uma segunda opção, que aumentava

a extensão do instrumento até o si médio (“pé em si”).

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85

O programa de Luiz Vassallo, na “Rádio Educadora”, que tantas simpatias tem

conquistado, popularmente, deleitou no domingo último, os radio-ouvintes com

excelentes números de seus elementos de valor. (...) O acompanhamento foi o

melhor possível, pelo ótimo conjunto que tem como figura principal Dante Santoro,

o flautista que mantém a tradição do famoso Pattápio. (Gazeta de Notícias, ed. 260,

2/11/1937).

Dante Santoro assina contrato com a Rádio Nacional em 1936, ano em que a

emissora começa a funcionar. Como se depreende dos dados antes mencionados, Dante já

tinha conquistado algum espaço no rádio carioca por essa época. Portanto, chega à Nacional

com experiência de solista e líder de grupo regional. A Rádio Nacional foi a emissora que

maior projeção deu ao nome do flautista, por ser, durante anos, a emissora de maior audiência

no Brasil. É importante conhecer um pouco da história dessa emissora para, logo, entender o

papel do Regional de Dante Santoro nesse contexto.

2.4.1 A Rádio Nacional

As primeiras rádios cariocas, como a Rádio Cajuti PRE 2 e a Rádio Educadora do

Brasil, seguiam o impulso das primeiras iniciativas de radiodifusão no Rio de Janeiro,

iniciadas em 1923 com o surgimento da Rádio Sociedade PRA 2. Em 1924, foi ao ar a Rádio

Club do Brasil PRA 3. Seguiram-na a Rádio Educadora e a Rádio Mayrink Veiga PRA 9

(1926). Na década de 1930, as empresas estrangeiras fabricantes de discos, transmissores e

receptores radiofônicos, interessadas no mercado sul-americano, começaram a instalar-se no

Brasil. Representando essas empresas surgiram as rádios Philips PRA X (1930) e

Transmissora Brasileira (1936), da holandesa Philips e da norte-americana RCA Victor,

respectivamente. Essa incursão visava conquistar o mercado brasileiro para os aparelhos de

válvula, que surgiam como alternativa aos receptores de fabricação artesanal, embora nem

sempre acessíveis aos recursos da classe média. (Saroldi, 2005, p. 34).

No ciclo pioneiro do rádio brasileiro (1922-1932), as emissoras, fundadas

inicialmente como clubes ou educadoras, eram mantidas pela contribuição mensal de seus

sócios/ouvintes. Com a popularização do rádio e a avassaladora expansão da radiomania no

país, cresce o interesse dos empresários da mídia impressa e do Governo sobre esse veículo.

Decretos publicados em 1931 e 1932 regulamentaram o funcionamento técnico das emissoras

concedidas e a veiculação de publicidade, o que instituiu o rádio comercial (Saroldi, 2005).

Nesse contexto, surgem em 1935 a Rádio Jornal do Brasil PRF-4 e a Rádio Tupi

PRG 3 (1935), esta última da cadeia jornalística Diários Associados, de Assis Chateaubriand.

A Sociedade Civil Brasileira Rádio Nacional surgiu em 1933, a partir do grupo A Noite,

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responsável pela publicação do jornal de maior tiragem do Rio de Janeiro, conhecido como “o

vespertino da cidade”. Fundado em 1911, incluiu também, na década de 1920, as revistas A

Noite Ilustrada, Carioca e Vamos Ler.

Os estatutos da Rádio Nacional PRE 8 terminaram de ser elaborados em 1936. A

rádio contava então com oito sócios contribuintes e começou a operar com um transmissor de

25KW, cedido pela Rádio Philips, que devolveu sua concessão e encerrou suas atividades

radiofônicas naquele ano. O elenco da Nacional foi sendo recrutado das outras rádios,

especialmente da Mayrink Veiga. Sob a direção de José Mauro, destacam-se nessa fase inicial

os locutores Oduvaldo Cozzi e Celso Guimarães; o humorista Silvino Neto; a radiatriz

Ismênia dos Santos, além de Almirante e Lamartine Babo.

Nessa época a Nacional tinha uma orquestra de jazz, dirigida pelo Maestro Gaó; uma

orquestra de tangos, dirigida por Eduardo Patané e uma orquestra de concertos, dirigida por

Romeu Ghipsman. O regional, dirigido por Dante Santoro, acompanhava regularmente os

cantores e preenchia as lacunas da programação sempre que necessário. Radamés Gnattali

atuava como pianista e arranjador, oferecendo um formato inovador de acompanhamento para

o repertório brasileiro fartamente executado na rádio. Em seu depoimento de 11 de outubro de

1977 ao Jornal do Brasil refere que “Naquele tempo não se tocava música brasileira com

orquestra, só com regional. As orquestras de salão tocavam música ligeira, operetas, valsas,

por aí” (Gnattali apud Saroldi, 2005, p. 41).

Caberia ao maestro Radamés oferecer outra moldura aos cantores brasileiros além

daquela do regional de Dante Santoro. Começou com arranjos para pequenos

conjuntos, trios, quartetos. Depois foi enriquecendo as formações (...). Também viria

dos primeiros tempos da Nacional um dos mais chegados colaboradores de

Radamés, o baterista Luciano Perrone. Por sugestão deste, o maestro revolucionaria

o acompanhamento do samba orquestrado, numa época em que os estúdios de rádio

e de gravação contavam com apenas um microfone. Até então cabia aos

instrumentos de sopro desenhar a melodia, enquanto o ritmo repousava

exclusivamente na percussão. Luciano sugeriu a Radamés dar aos metais uma

função rítmica a fim de reforçar o clima necessário às gravações de samba,

principalmente.(Saroldi, 2005, p. 43)

A renovação musical promovida por Radamés Gnattali nasceu e difundiu-se nos

estúdios da Nacional, convivendo com a tradição dos conjuntos típicos regionais. Parecia

haver espaço para todos na eclética programação musical da Nacional, que mesclava música

com notícias, humor e crônicas. Era o caso do programa de Lamartine Babo que, baseando-se

em uma notícia de jornal, improvisava sobre ela uma “canção do dia”, “aproveitando a

introdução do regional de Dante Santoro para imitar vários instrumentos, numa espécie de

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orquestração vocal” (Saroldi, 2005, p. 14). Também o programa Curiosidades Musicais, que

marcou a passagem de Almirante pela Rádio Nacional, em 1938, permitia a apreciação de

músicas de diferentes gêneros, sempre contextualizadas pelo locutor:

Era um programa diferente, ninguém fazia aquilo, eu fui o primeiro. Curiosidades

Musicais focalizava os temas mais diversos... Contava a história de uma sinfonia, ou

de um choro, ou da marchinha carnavalesca... (...) Na verdade eu tinha recebido uma

proposta só para cantar. Mas eu fiz uma contraproposta que era simples e inovadora:

em vez de cantar três vezes por semana, eu propus cantar duas e no terceiro dia fazer

um programa, contando histórias, curiosidades musicais, coisas que eles nunca

tinham visto. Como não dispunha de artistas para cantar, falar, eu fazia tudo sozinho

um programa inteiro. Narrava, cantava, imitava voz de mulher, de criança, de

alemão, de francês. Começava com uma anedota dentro do tema. Depois entrava no

assunto propriamente dito, enfocado de maneira séria, informando, ensinando.

(Almirante, depoimento colhido por Jaime Severiano, 1977 apud Saroldi, 2005, p.

46-47).

A charge a seguir (figura 13) mostra algumas personalidades do Rádio carioca no

ano de 1939, entre músicos, maestros e locutores, que atuavam no recém-lançado programa

Divertimentos Lever, transmitido conjuntamente pelas rádios Nacional e Mayrink Veiga .

Dentre os personagens, Almirante, Lamartine Babo, Radamés Gnattali e Dante Santoro:

Figura 13: Charge publicada no jornal A Noite, Edição 9790, de 13/5/1939, p. 13. Entre os personagens,

Almirante, Lamartine Babo, Radamés Gnattali e Dante Santoro.

Quando a emissora passa a ser estatal, em 1940, assume a direção Gilberto de

Andrade, jornalista que por muito tempo esteve à frente da sessão de mídia impressa do grupo

A Noite. Era prioridade do governo de Getúlio Vargas constituir uma emissora popular, que

chegasse a todos os pontos do país e às mais diversas camadas da população, promovendo a

integração nacional e ideológica. Para tanto, buscou-se alcançar o primeiro lugar de audiência,

que naquela época era da Rádio Mayrink Veiga, através de estudos de estatística, mecanismos

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de seleção de novos valores, captação de novos anunciantes e apoio governamental. De fato a

Nacional chegaria à liderança, alcançando o “himalaia dos índices de audiência”, nas palavras

de seu diretor musical, Paulo Tapajós.

Entre os programas musicais dessa fase, destaca-se “Um milhão de melodias”,

estreado em 1943, sob a direção de Radamés Gnattali, José Mauro e Haroldo Barbosa. O

repertório geralmente incluía duas músicas brasileiras antigas, duas atuais e três músicas

estrangeiras de grande sucesso, que eram tocadas pela Orquestra Brasileira de Radamés

(Saroldi, 2005, p. 61). A missão do grupo era tocar os arranjos elaborados por Radamés

semanalmente sobre a seleção de músicas populares.

Além do naipe de violinos e violoncelos, a Orquestra Brasileira contava com cinco

saxofones, três trompetes, dois trombones, três flautas, oboé, clarineta e harpa. Porém, a

sessão de acompanhamento era fundamental para uma boa orquestra de música brasileira,

segundo o próprio Radamés (apud Saroldi, op. cit, p. 61). Assim, a “base” abrigava alguns

dos melhores músicos de nossa história, na seguinte formação: dois violões: Aníbal Augusto

Sardinha, o Garoto (1915-1955) e Djalma de Andrade, o Bola Sete (1923-1987); um

cavaquinho: José Menezes de França, o Zé Menezes (n. 1921); um acordeom: Romeu Seibel,

o Chiquinho do Acordeom (1928-1993); contrabaixo acústico: Pedro Vidal Ramos;

bateria/vibrafone/bells/tímpanos: Luciano Perrone (1908-2001); pandeiro: João Machado

Guedes, o João da Bahiana (1887-1974); caixeta/prato: Heitor dos Prazeres (1898-1966); e

ganzá: Alcebíades Maia Barcelos, o Bide (1902-1975).

Um Milhão de Melodias também apostava em novos intérpretes, como os grupos de

cantores As Três Marias (Marília Batista, Bidu Reis e Salomé Cotelli) e o Trio Melodia

(Paulo Tapajós, Albertinho Fortuna e Nuno Roland). A execução de música brasileira

orquestrada e em trios vocais agradava o público. A popularidade do programa se comprova

em sua expressiva produção: mais de 400 músicas arranjadas e executadas apenas no primeiro

ano de veiculação (Saroldi, 2005, p.67).

Os programas de auditório foram outro formato iniciado no rádio na década de 1940

que, graças a sua popularidade, se mantiveram no ar por toda a década de 1950, migrando,

posteriormente, para a TV. Com a inauguração do palco-auditório da emissora em 1942, o

público começou a frequentar a Rádio Nacional, o que permitia um contato direto com os

artistas. Os programas de auditório mesclavam atrações musicais, humorismo e

entretenimento. Datam da década de 1940 os programas de variedades César Alencar e

Manoel Barcelos; os humorísticos Jararaca e Ratinho, Caretas Sonoras (com o ator

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Mesquitinha), Coisas do Arco da Velha e Tabuleiro da Baiana (que continha o quadro

Tancredo e Trancado, escrito por Giuseppe Ghiaroni).

Nada além de Dois Minutos, conduzido por Paulo Roberto e Papel Carbono (figura

14), apresentado por Renato Murce, foram programas igualmente populares, este último

revelando cantores, cantoras, conjuntos vocais e músicos, como o violonista Baden Powell

(Saroldi, op. cit, p. 82). A presença da plateia transformava os programas de rádio em

espetáculos, de modo que o locutor convertia-se em animador de auditório, enquanto que os

cantores e, até mesmo os músicos acompanhadores, ganhavam notoriedade. O culto à imagem

desses artistas torna-se bastante evidente com o sucesso dos (as) cantores (as) do rádio. Entre

os músicos, a popularidade de alguns personagens - como os sanfoneiros Luiz Gonzaga e

Pedro Raimundo, que se apresentavam com seus trajes típicos regionais - demonstrava a

efetividade de se trabalhar a imagem do artista, aliada à música, no contexto dos programas de

auditório.

Figura 14. Artigo publicado na Revista do Rádio, Ano IV, ed. 95, de 3/7/1951, p. 37, fala sobre o Programa

Papel Carbono, dirigido por Renato Murce, e menciona a atuação do Regional de Dante Santoro no

acompanhamento de calouros.

Em 1946 Gilberto de Andrade pede exoneração do cargo de Diretor da Rádio

Nacional, transferindo-se para a direção da rede Associada de Assis Chateaubriand, ficando à

frente das rádios Tupi e Tamoio. Tal fato abalou as estruturas do mercado radiofônico,

roubando à Nacional alguns dos nomes mais identificados da emissora: Almirante, José

Mauro, Mário Faccini, Paulo Tapajós, Jararaca e Ratinho e Paulo Gracindo, entre outros. A

disputa da Nacional com as emissoras Associadas tornou o mercado mais competitivo. No

início da década de 1950, quando Victor Costa assume a direção da emissora estatal, o

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radioteatro ganha uma importância especial, tornando-se o segmento de maior projeção dentro

da emissora.

A indústria da radionovela, que se consolidara entre 1943 e 1945, resultava atrativa

aos anunciantes e atingia bons índices de faturamento. Com o tempo, os patrocinadores foram

agraciados com jingles exclusivos que, na visão de Saroldi, refletiam o pleno domínio

adquirido na linguagem do rádio pelos profissionais formados à sombra da Nacional (Saroldi,

2005, p. 113). Também as vinhetas e trilhas sonoras ganharam destaque como produto, com a

introdução de músicas especialmente compostas para as novelas. É o caso da valsa Vidas mal

traçadas e do bolero Lamento árabe, compostos por Dante Santoro para dois seriados do

novelista Giuseppe Ghiaroni (Saroldi, op. cit, p. 116).

Dois grandes sucessos entre os programas de auditório da nacional na década de 50

foram A Felicidade bate à Sua Porta (figura 15) e A Hora do Pato, ambos com a participação

do regional de Dante Santoro. O primeiro ultrapassava o espaço do palco, levando a cantora

Emilinha Borba e o regional de Dante Santoro a distintos bairros da cidade do Rio de Janeiro,

num furgão especialmente equipado para a transmissão. Enquanto o apresentador buscava o

ouvinte sorteado para receber prêmios, a programação seguia no auditório da Rádio Nacional,

com números musicais e uma série de brincadeiras com a plateia. A Hora do Pato era um

programa de calouros que desde 1942 movimentava o palco da Nacional com seu desfile de

aspirantes à carreira artística.

A Rádio Nacional foi um celeiro de grandes músicos nas décadas de 1940 e 1950. O

regional de Dante Santoro teve várias formações, mas como membros fixos participaram

Norival Carlos Teixeira (Valzinho), Carlos Lentine, Rubem Bergman, Norival Guimarães,

Arthur Duarte e César Moreno (violões); Joca e Jorginho (pandeiro); Valdemar Melo, Lino

José da Silva e Índio do Cavaquinho (cavaquinho)38

. Segundo Jorginho do Pandeiro39

, em

entrevista à pesquisadora em 19/05/2011, o trabalho do regional era eclético e farto. Além dos

já citados programas, participavam do musical Festival de Gaitas, do programa de auditório

Papel Carbono e do programa de variedades Nada além de Dois Minutos. Em finais da década

de 1940, por conta da grande demanda, o regional contava com dois grupos de músicos, que

38

Informação contida no quadro de músicos publicado na Revista da Rádio Nacional, 1936-1956. Edição

comemorativa dos 20 anos da emissora. Rio de Janeiro: Editora da Rádio Nacional, 1956. 39

Jorge José da Silva (n. 1930), o Jorginho do Pandeiro, pandeirista, grande representante do choro carioca,

iniciou sua carreira no Rádio, onde trabalhou ao lado de Dante Santoro, na Rádio Nacional, nas décadas de 1940

a 1960. Membro do Conjunto Época de Ouro, com quem atua ainda hoje, desenvolve atividades como músico,

produtor e professor.

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se revezavam, ao lado de Dante, entre os turnos do dia e o da noite. Interessante notar que

Dante Santoro nunca era substituído.

Figura 15: Artigo publicado no jornal A Manhã, de 13/06/50, p. 6, fala sobre a movimentação provocada no

bairro da Tijuca por ocasião da visita dos artistas da Rádio Nacional (entre eles o Regional de Dante Santoro),

durante transmissão do programa “A felicidade bate à sua porta”.

Na década de 1950, surgiram grupos instrumentais paralelos, como o que atuava no

programa A Turma do Sereno, dirigido por Paulo Tapajós. Participavam da Turma do Sereno

Abel Ferreira (clarineta), Irany Pinto (violino), João de Deus (flauta) e Sandoval Dias

(clarone), além dos já citados Carlos Lentine, Ruben Bergman (violão) e Waldemar Pereira de

Melo (cavaquinho)40

. Já o programa Música em Surdina, deu origem ao famoso Trio Surdina,

40

Segundo depoimento de Paulo Tapajós, constante do Dicionário Cravo Albin, a Turma do Sereno se dedicava

a um repertório seresteiro, já pouco tocado (valsas, modinhas, choros, polcas e maxixes). O programa deu

vitalidade a esse repertório e aos “músicos solistas da Rádio Nacional, que só ficavam na fila da orquestra”. O

grupo gravou dois discos pela gravadora Continental e se dissolveu quando o programa deixou de ser transmitido

pela Rádio Nacional. Como mencionado, os músicos componentes atuavam nas orquestras da emissora: o

flautista João de Deus, o violinista Irany Pinto, o saxofonista Sandoval Dias (1906-) e o clarinetista Abel Ferreira

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formado por Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (violão), Romeu Seibel, o Chiquinho do

Acordeom e Rafael Lemos Júnior, o Fafá Lemos (violino), e a participação esporádica da

pianista Carolina Cardoso de Meneses41

.

Na década de 1960, a instabilidade política tem reflexos na emissora, ocasionando

sucessivas nomeações de diretores alheios ao métier do rádio. Tal fato ocasionou uma

progressiva degradação da Nacional: perda da qualidade e interferências na programação,

aliada à perseguição política de funcionários. Entre os artistas, alguns migraram para a TV

(veículo nascente sobre o qual recaíam todas as expectativas e investimentos), mas os que

seguiram na Rádio Nacional foram submetidos a um terrível ostracismo.

2.4.2 O regional de Dante Santoro no contexto do Rádio

Quando ingressou na Rádio Nacional, em 1936, Dante Santoro foi músico da

Orquestra Sinfônica da emissora. Uma foto do acervo da família Santoro mostra Dante entre

os integrantes do naipe de flautas (figura 16). Porém, também se apresentava como solista em

programas da Nacional, tocando suas próprias composições. É o que mostra a nota publicada

no jornal A Noite, de 21 de fevereiro de 1937: “Ouça hoje o Professor Dante Santoro,

apresentando as primeiras audições de composições de sua autoria”. O anúncio destacava o

seguinte programa autoral: Só na minha flauta (choro), Castigando (choro), Suzana (valsa) e

Horas tristes (valsa) (figura 17).

Dante assume a liderança do Regional da Nacional em 1938, conforme nota

publicada na Gazeta de Notícias, edição 161 de 10/7/1938 (figura 19). Entretanto, mesmo

depois de ser escalado como diretor do Regional da Rádio Nacional, ainda atuava na orquestra

(conforme depoimento de Jorginho do Pandeiro, em 19/05/2011). Embora oficialmente o

quadro da emissora fosse dividido entre músicos de regional, músicos de orquestra e solistas,

na prática deve ter havido um intercâmbio dessas funções.

(1915-1980) – esse último, nome de grande destaque no cenário musical, admirado por seu estilo pessoal de

execução. 41

O “Trio Surdina”, surgido em 1952, gravou dois LPs pela Musidisc, com a participação do contrabaixista

Vidal e do ritmista Bicalho. O violonista Garoto (1915-1955), dentre as várias atividades desenvolvidas em sua

carreira, atuou, na década de 1950, na Orquestra da Rádio Nacional, época em que formou, ainda, parcerias com

a pianista Carolina Cardoso de Meneses (1916-1999) e o cavaquinhista José Meneses (n.1921). O violinista Fafá

Lemos (1921-2004) atuou como solista na Rádio Nacional na década de 1950, tendo desenvolvido carreira no

exterior, posteriormente, de onde retornou na década de 1980. Era reconhecido por sua habilidade como

improvisador e sua impecável afinação, sendo considerado um dos precursores da bossanova. Chiquinho do

Acordeom (1928-1993) participou do Sexteto Radamés Gnatalli, tornando-se um requisitado instrumentista, que

atuou em gravações de artistas como Elizeth Cardoso, Carmélia Alves e Carlos Lyra.

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Figura 16. Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional (c. 1936), com Dante Santoro, na segunda fila à direita. Fonte:

acervo da família Santoro.

Figura 17. Primeiros anos de Dante Santoro na Rádio Nacional. Apresentações como solista. Jornal A Noite, ed.

8990, 22/02/1937. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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Figura 18: O Regional da Rádio Nacional em 1937, sob a liderança do violonista Pereira Filho, com Dante

Santoro (flauta), Nelson Miranda (bandolim), Carlos Lentine (violão de 7 cordas) e Joca do Pandeiro.

Figura 19. Nota publicada na Gazeta de Notícias, edição 161 de 10/7/1938, fala sobre a estreia de Dante Santoro

na liderança do Regional da Rádio Nacional, que a partir daquela data assumia seu nome: “Regional de Dante

Santoro”.

O regional tinha muito trabalho. Era o grupo coringa, que acompanhava os cantores,

os calouros e, sempre que necessário, tocava de improviso para preencher a programação. O

regional era portátil se comparado às orquestras, exigia menos ensaio e cumpria muito bem a

função de grupo acompanhador. Por isso participava dos mais variados programas, entre

musicais, humorísticos, programas de variedades e de auditório.

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Jorge José da Silva, o Jorginho do Pandeiro (n. 1930), que atuava como o braço

direito de Dante no regional, cobrindo suas férias na direção do grupo e elaborando as escalas

de horário dos músicos, comenta a rotina da rádio:

Eu quando vim pra cá (para a Nacional), em 1948, vim convidado por Dante, eu e

meu irmão Lino, que tocava cavaquinho. Eu trabalhava na Rádio Tupi, no Regional

do Rogério Guimarães. Dante quis trazer mais músicos para o regional, porque a

rádio tinha muito trabalho, de dia e de noite, então um conjunto só não conseguia

fazer toda a programação. O grupo naquela ocasião tinha quatro violões e só um

cavaquinho, então eles convidaram o Lino e eu para revezar com o Valdemar Melo e

o Favier. Então eu trabalhava de manhã e o Favier de noite. O Dante trabalhava de

manhã e de noite, fazia desde as 09:00h ou 10:00h da manhã até as 15:00h, que

acabava com a Hora do Pato, e depois voltava às 18:00h para fazer a programação

da noite. Aí ele já vinha com o outro conjunto. Eram Lino, Nourival e Valzinho de

manhã; eu de pandeiro, acabei fazendo toda a programação com o Dante quando o

Favier adoeceu e à noite Lentine, Rubens e Waldemar.

Dia de domingo eu chegava aqui às 09:00h da manhã e fazia um programa de gaitas.

Rildo Hora era um dos que participava e começou praticamente aqui (na Nacional)

eu acho. Depois, às 11:00h começava a programação. Aí a gente ficava, porque nós

não fazíamos só A Hora do Pato, fazíamos os artistas que estivessem. A orquestra

trabalhava até mais do que nós, mas o regional tinha que estar presente. Nós saíamos

às 15:00h e aquele pessoal da parte do dia ia pra casa. Eu ficava por aqui, almoçava

por aqui, e às 18:00h tinha que estar aqui para fazer A Felicidade bate a sua porta,

com a Emilinha Borba, e depois o Papel Carbono, Nada além de dois minutos... às

vezes a gente estava ensaiando o Nada além de dois minutos, tinha que sair para

fazer o Papel Carbono, para acompanhar algum artista. (Jorginho do Pandeiro,

depoimento à autora em 19/05/2011)

Há registros nos jornais da época (figura 20) das atividades do regional. Na maioria

das fotos o regional aparece acompanhando artistas da emissora, como Lamartine Babo, no

programa Vida Musical e Pitoresca dos Compositores (1938); Almirante, nos programas

Curiosidades Musicais e Ritmos Populares (1938), além de cantores como Nena Robledo

(1939) e Nuno Roland (1937).

A partir da década de 1940, há, na Rádio Nacional, um forte movimento em prol das

versões orquestrais da música brasileira, especialmente os excepcionais arranjos do maestro

Radamés Gnattali. As versões orquestrais davam um toque de sofisticação e modernidade ao

repertório nacional, que o tradicional grupo regional não podia oferecer. Buscava-se também,

segundo Haroldo Barbosa, um padrão internacional, “um estilo americano, a exemplo de

Benny Goodman e sua Orquestra” (Barbosa apud Saroldi, 2005, p. 61).

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Figura 20. O Regional de Dante Santoro em atividade na Rádio Nacional, ao lado do apresentador Almirante, em

1938. Suplemento a Noite Ilustrada. Ed. 477, de 23/8/1938, p. 34 (foto da esquerda) e Ed. 482, de 13/9/1938, p.

26 (foto da direita). Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Entretanto, as novidades do meio musical não atingiam de fato a Nacional. Como

afirma o clarinetista Paulo Moura (1933-2010), a emissora tinha um perfil mais tradicional do

que, por exemplo, a Rádio Tupi. O jazz tinha que ser palatável para entrar na programação da

Nacional. Paulo Moura relaciona esse tradicionalismo com a ascendência italiana da maior

parte dos arranjadores e maestros da emissora: Radamés Gnattali, Leo Peracchi, Lyrio

Panicalli, Alceu Boccino, Lazolli, Taranto, etc. (GRYNBERG, 2011, p. 89).

Essa identificação - ascendência italiana com tradicionalismo – foi compartilhada por

muitos músicos da geração de Paulo Moura. A maior parte dos músicos italianos no Rio de

Janeiro eram maestros ou músicos eruditos, muito poucos se dedicavam à música popular (cf.

Capítulo 1, p. 53). Vasco Mariz utiliza o termo “máfia musical italiana”, referindo-se ao

predomínio da orientação estética italiana no mundo musical de São Paulo e do Rio de Janeiro

no início do século XX (MARIZ, 2005, p. 230).

Retomando a programação da Nacional, nessa aparente dicotomia entre o tradicional

e o moderno figuravam, de um lado, o regional e, do outro, a orquestra. Se o regional era

considerado tradicional e a orquestra moderna, trata-se de uma questão estética vinculada à

época, que pouco repercute nos dias de hoje. De fato, os dois formatos conviviam, atendendo

às necessidades da programação e o grupo regional, mesmo sendo considerado antigo, seguia

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atuando a todo vapor. Data de 1943, por exemplo, foto da apresentação do Desafio para

flauta e pandeiro, protagonizado por Dante Santoro e Joca do Pandeiro (figura 21). A

gravação dessa música, encontrada no acervo do Museu da Imagem e do Som, deve ter sido

feita em 1939, quando tomou parte do Programa Lopes S.A., conforme anúncio publicado no

jornal A Noite, ed. 9972, de 14/11/1939.

Figura 21. Dante Santoro e Joca do Pandeiro, interpretando o Desafio para flauta e pandeiro. Suplemento A

Noite Ilustrada, ed. 746, de 22/6/ 1943. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de

Janeiro.

Também da década de 1940, são as fotos do Regional de Dante Santoro publicadas

no livro de Cláudia Pinheiro (PINHEIRO, 2005). A figura 22 mostra o Regional em formação

não usual, acompanhado de percussão e contrabaixo. Já na figura 23, tem-se o regional com a

participação especial de Aníbal Augusto Sardinha (o Garoto). Outro registro da mesma época

(figura 24) mostra a participação de Dante Santoro em uma das orquestras de música popular

da Nacional. Interessante observar, portanto, que ele tocou, na mesma época, tanto no

tradicional grupo regional, quanto na moderna orquestra, além de participar da Orquestra

Sinfônica, como já observado.

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Figura 22. Regional de Dante Santoro. Década de 1940. (PINHEIRO,2005, p. 66)

Figura 23. Regional de Dante Santoro, com a participação especial de Garoto (ao centro). Dante Santoro, Carlos

Lentini, Garoto, Luís Bittencourt e Joca do Pandeiro. (PINHEIRO, 2005, p. 66)

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Figura 24. Orquestra da Nacional. Década de 1940. Na segunda fila, sentado, ao centro, está Dante Santoro.

Segundo PINHEIRO, 2005, p. 68-69, a sua esquerda, Iberê Gomes Grosso (violoncelo), e à direita, o flautista

Roberto [sic]. A formação instrumental indica que se tratava de uma orquestra de música popular.

Na década de 1950, a pedido do então diretor Victor Costa, foram contratados novos

músicos para o regional, como conta Jorginho. Havia muito trabalho e era necessário conciliar

a programação da rádio em estúdio com os shows promovidos como atividades externas.

Assim, o pandeirista foi encarregado de recrutar mais gente. Entraram, então, César Moreno

(violão), Arthur Duarte (violão de sete cordas), Edinaldo Vieira Lima - o Índio do

Cavaquinho (1924-2003), e Luna do pandeiro.

O violonista Carlos Silva e Souza42

, o Caçula (n. 1943), personagem muito

conhecida entre os chorões cariocas, conta que, nessa época, com doze ou treze anos, ia

assistir aos ensaios do regional. Às vezes algum contra regra queria barrar sua entrada, então

Dante dizia “deixa o menino ai assistindo, que ele está aprendendo violão, deixa ele ver a

42

Carlos Silva e Souza (n. 1943), o Caçula Hilário, violonista de seis e sete cordas, também cavaquinista e

contrabaixista, iniciou sua carreira profissional aos 12 anos, no Regional do Cacizo. Segundo Luiz Otávio Braga

(em texto ainda não publicado, gentilmente cedido a esta autora), Caçula representa um importante elo entre os

jovens músicos de choro e a geração “clássica”, trazendo consigo a tradição viva de Arlindo Ferreira, Horondino

José da Silva, o Dino 7 Cordas, e Canhoto do Cavaquinho. Destacam-se suas participações no Regional do

Arlindo, de Rogério Guimarães, de Dante Santoro, Waldir Azevedo, e na TV, como músico acompanhador, ao

lado de Altemar Dutra.

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gente!”. Posteriormente, na década de 60, Caçula terminou sendo contratado como violonista

substituto. Ele comenta:

O Dante era um flautista de orquestra, mas com as programações que tinham lá na

rádio, de regional, ele acabou ficando só no regional. Ele que era o chefe lá. Quem o

ajudava na tabela era o Jorge, o Jorginho do Pandeiro. É por isso que nunca lá na

rádio teve assim um entrosamento melhor, todos eram bons, mas não tinham um

entrosamento melhor, porque havia sempre um rodízio de instrumentistas. (Caçula,

em entrevista concedida à autora, em 19/10/2011).

A questão do entrosamento entre os músicos, mencionada por Caçula, é de fato

importante entre os chorões. Para o ouvinte atual, é inevitável a comparação entre o Regional

de Dante Santoro e o Regional de Benedito Lacerda, por exemplo, e o que se percebe é que o

entrosamento dos músicos acompanhadores, a qualidade dos arranjos e a criatividade dos

músicos do regional de Benedito Lacerda sobressaíam. Entretanto, essa percepção pode não

ter sido compartilhada pelo público daquela época. Um indício são as críticas publicadas na

imprensa na década de 1940, que não indicavam predileção por um ou outro grupo.

Alguns textos defendiam, na verdade, a própria figura do grupo regional, que se

encontrava, aparentemente, já marginalizado no cenário musical, talvez por ser considerado

um formato ultrapassado. Esse artigo de Anselmo Domingos43

, publicado no Diário da Noite,

edição 3534 de 28 de julho de 1944, dizia o seguinte:

Há críticos extremamente céticos em relação aos nossos “conjuntos regionais”. Não

toleram que se reúnam em família o nosso violão com o pandeiro, a flauta e o

cavaquinho. Chegam a convencionar que todos os conjuntos são constituídos de

gente inculta no sentido musical, e nos outros sentidos também. (...)

Não se vai ver que há valores mais que positivos dentro de nossos combatidos

conjuntos. Esquece-se que há um Pixinguinha orquestrador, um Benedito Lacerda

compositor, um Dante Santoro exímio, um Nelson Miranda, um Pereira Filho, e

outros, mais outros. (...)

Lógico que os conjuntos regionais nem só de autênticos músicos são compostos.

Claro que se percebe um ou outro semi-valor escondido nas águas dos azes. Mas

convenhamos que o que temos não é coisa de se tratar com o desdém que muitos

querem, não é nada de envergonhar ou ofender as senhoras notas da música.

Está certo que se dê em cima de tudo o que é feito atabalhoadamente, sem critério

artístico, como várias vezes sucede, com relação aos “regionais”. Mas ponha-se os

pontos nos ii, quando há margem para isso.

E se quisermos ser justos e cordatos, havemos de convir que pode-se notar

acentuado equilíbrio na maioria dos nossos conjuntos. E se quisermos fazer juízo

melhor, é atentar para os “regionais” de antigamente e compará-los com os de hoje.

Veremos que houve progresso. (Domingos, Anselmo. Flautas e Violões. Diário da

Noite, ed. 3534, 28/7/1944, p. 16)

43

Anselmo Domingos foi jornalista e editor da Revista do Rádio (1948-1970).

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Já o texto de Cruz Cordeiro44

para o suplemento literário do Diário de Notícias, de

30/08/1953, critica o que considera um esvaziamento do conceito de “música regional” e,

consequentemente, do “conjunto regional”, em face das inúmeras modificações de repertório

e de formação instrumental, ocorridas no contexto da indústria radiofônica e fonográfica:

(...) Vimos assim a confusão instrumental que se vem verificando desde o velho

chôro (violões, cavaquinho e flauta), passando pelo maxixe com ganzá e chocalho e

pelos bandos ou grupos já acrescidos de bateria sambista (pandeiro, tamborim,

cuíca, surdo, reco-reco) ou instrumental jazzbândico orquestral (pistom, saxofone,

trombone, contrabaixo de corda ou apenas tuba). Tudo para se tentar satisfazer,

inutilmente, a execução de uma variedade típica de gêneros: choro, música regional

(emboladas, cocos, frevos, toadas, cateretês, valsinhas brasílicas, marchinhas e

sambas cariocas, baião, etc.), música centro-americana (rumbas, boleros, etc) e

norte-americana (jazz em geral). (...)

E se confundindo, finalmente, o instrumental do choro com o do maxixe, do choro

com o dos bandos e grupos, e como se pensasse, talvez, que de regiões várias do

Brasil é que vinha a música popular brasileira em geral (...) acabou se chamando

tudo apenas de regional, quer dizer, sem mais significado de coisa alguma. (...)

Dificilmente o musicólogo pode historiar uma bagunça de técnica música popular

classificatória como esta brasileira [sic]. Mesmo porque tal confusão de pode

documentar com facilidade. Assim, por exemplo, no suplemento de discos

brasileiros da RCA Victor de abril de 1936, vemos o falecido Francisco Alves, num

mesmo disco (34.043), cantar uma valsa com a Orquestra Victor Brasileira, e do

outro lado outra valsa com o Conjunto Regional RCA Victor. No mesmo

suplemento se tem, ainda, o disco 34.045, com o nosso já velho conhecido

Almirante dos Bandos e das batucadas, numa embolada, acompanhado pelo

“Conjunto Regional Benedito Lacerda”, aquele mesmo que foi antes do “Grupo da

Gente do Morro”. Sabem lá o que é isso?

Sabemos sim. Pois não é que hoje em dia o flautista Dante Santoro, com seu

Regional, acompanhou o cantor Jorge Goulart num samba, no filme “Tudo Azul”

(se nos lembramos bem do título), com a seguinte composição: flautas, violões,

cavaquinhos e pistões? Executando o samba “Mundo de Zinco” (o do morro)!!!45

Evidentemente cansado de tanto nome impróprio, ou sem entenderem do que se

tratava, o nosso curioso e decadente mundo rádio-discográfico acabou batizando

tudo por “REGIONAL”. Qualquer coisa que não seja orquestra jazzbandizada, ou

conjuntos com nomes ianquezados (Quatro Azes, Vocalistas, etc) é “REGIONAL”.

A coisa se tornou até bem rasa e simples: conjunto insignificante, que acompanha

qualquer um em rádio é... “REGIONAL”, acabou-se, está resolvido o problema da

execução da nossa decadente música popular, em sua execução não menos

tipicamente decadente. (CORDEIRO, Cruz. Orquestra para nossa música popular.

Diário de Notícias, 30/08/1953, Suplemento Literário, p. 5, grifo do original).

A crítica de Cruz Cordeiro tem um tom tradicionalista, na medida em que manifesta

resistência aos diálogos entre gêneros musicais no contexto da indústria radiofônica e

fonográfica, os quais resultaram em mudanças na instrumentação e no repertório. Sabe-se, por

44

José da Cruz Cordeiro Filho (1905-1984) foi jornalista, crítico musical, romancista, poeta e tradutor. Em 1928

criou a revista Phono Arte, primeira revista brasileira dedicada a noticiar e criticar os lançamentos fonográficos e

cinematográficos. De tiragem bi-mensal, a Phono Arte foi editada até 1931. Nesse ano, Cordeiro ingressou na

RCA Victor como publicitário e diretor artístico. Na década de 50, foi colaborador da Revista da Música Popular

Brasileira, a convite de Lúcio Rangel. Foi um dos fundadores do Conselho Superior de Música Popular

Brasileira do Museu da Imagem e do Som. Uma de suas críticas mais recordadas foi a da “americanização” de

Pixinguinha nas obras Carinhoso e Lamentos. 45

A participação do Regional de Dante Santoro no filme “Tudo Azul”, a que se refere o cronista, está disponível

na internet no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=AEQLNvIBsJg

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suas crônicas, que Cordeiro era “um nacionalista de quatro costados” e que desde o início da

década de 1930 havia inaugurado um discurso em que reivindicava uma melhor

“apresentação” para a música popular, pois considerava o conjunto regional uma forma

exaurida (BRAGA, 2002, p. 108 e 300). De fato chama atenção, na crônica, a severa crítica

aos grupos regionais, notadamente os de Benedito Lacerda e Dante Santoro, aqui incluídos em

um mesmo patamar de desqualificação. Seu discurso evidencia o desprestígio dessa formação

instrumental junto a alguns setores do meio musical no início da década de 1950.

Segundo a flautista Odette Ernest Dias (n. 1929), em entrevista concedida a esta

autora em 08/09/2012, cada regional naquela época tinha o seu som, o que ocorre ainda hoje.

Segundo ela, que já viajou bastante pelo Brasil, em cada região os regionais têm diferentes

sotaques, diferentes maneiras de atacar as notas, o que muda a sonoridade. Quando

perguntada sobre a diferença entre o regional de Dante Santoro e o de Canhoto, ela diz que

Dante Santoro sempre estava em evidência, era um solista, ao passo que o Regional de

Canhoto – que ela ouviu com Altamiro Carrilho e Carlos Poyares – baseava-se nas cordas,

enfocava o acompanhamento. Essa diferença de enfoque, portanto, transmitia-se no som.

O flautista Leonardo Miranda (em depoimento oral concedido a esta autora em

13/10/2012) também afirma que os músicos acompanhadores tinham papel fundamental no

Regional de Canhoto, que só alcançou tanto resultado porque era composto por Dino, Meira,

Canhoto e sempre um bom pandeirista - músicos de qualidade inigualável46

. Porém, outro

ponto fundamental é o fato de que eles se conheciam muito bem, porque trabalhavam muito,

tocavam todos os dias e ensaiavam muito. Ainda segundo Miranda, o Época de Ouro, em seu

melhor momento, também foi excepcional, especialmente pelo pulso firme de Jacob do

Bandolim, sua liderança e sua capacidade como solista. Portanto, os solistas também

desempenhavam seu papel de importância.

Crítica muito incisiva contra Dante Santoro foi publicada por Haroldo Barbosa47

no

Diário da Noite, edição 4648 de 20 de dezembro de 1949. No artigo intitulado “Coisas que

incomodam”, em que faz uma revisão dos piores momentos do rádio no ano de 1949, afirma:

“Dante Santoro comemorou o jubileu radiofônico de sua introdução de sambas – há 25 anos a

mesma.” Esse comentário até hoje ressoa no meio musical, entre músicos que acreditam que

46

O mesmo afirma o violonista Luiz Otávio Braga, para quem a qualidade e entrosamento da dupla de violões é

o diferencial do bom regional, conforme mencionado no Capítulo 1. 47

Haroldo Barbosa iniciou carreira como discotecário na Rádio Nacional, onde realizava trabalho de pesquisa

das “novidades musicais” lançadas em disco e no cinema. Logo, começou a fazer versões, tornando-se produtor

e compositor. Atuou como assessor musical de vários cantores, como Francisco Alves, e na década de 1940,

integrou o mercado de jingles como compositor. (Saroldi, 2005, p. 63, 64, 91e 115).

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Dante Santoro não sabia improvisar. Seria razoável que Haroldo Barbosa considerasse Dante

Santoro um improvisador pouco criativo. Porém, essa frase - retirada de uma crônica que

difamava meio mundo no meio radiofônico – agradou, tanto quanto pecou, pelo exagero48

.

Registros das participações de Dante Santoro nos programas da Nacional,

encontrados no acervo do Museu da Imagem e do Som, revelam o contrário: Dante elaborava

contracantos e introduções, como era de praxe no trabalho do conjunto regional – assunto que

será retomado no Capítulo 4, quando da análise de suas gravações. No mencionado acervo,

foram encontrados registros do programa “A Felicidade bate à sua Porta”, de 11 de junho de

1950, no qual o regional acompanha a cantora Emilinha Borba, sob a apresentação de Héber

de Boscoli.

Dentre as gravações, há ainda canções interpretadas por Renato Braga e Barbosa

Júnior com o Regional de Dante Santoro, além do já mencionado Desafio para flauta e

pandeiro. Várias são as gravações em 33 rpm de músicas avulsas, extraídas de programas não

datados da Nacional, ou gravações em estúdio, nas quais figuram cantores acompanhados por

regional. Infelizmente, não há indicação contendo o nome do grupo acompanhador ou de seus

integrantes, conforme informação contida no Capítulo 2.

O violonista Caçula conta como era o programa A Felicidade bate à Sua Porta,

transmitido na década de 1950, no qual os músicos eram levados aos diferentes bairros da

capital fluminense para acompanhar a cantora Emilinha Borba. A apresentação era em cima

de um furgão, adaptado para as transmissões, e segundo Caçula “os cantores subiam por

dentro do furgão, numa escadinha, era no telhado do carro que eles cantavam”. Subiam

também os músicos e era o cavaquinista Waldemar Melo quem vivia tomando choques nas

instalações elétricas do carro, para a diversão dos companheiros. Os registros sonoros do

programa, no acervo do Museu da Imagem e do Som, dão ideia da popularidade desses

artistas à época. De fato, a chegada do furgão da Nacional era um acontecimento.

Segundo Caçula, a projeção dos músicos era bastante grande: “Se você passasse e

visse o Jorginho ou o Luna, todo mundo sabia que aquele camarada era do regional do Dante

48

Essa afirmação ganhou adaptações ao longo do tempo. Segundo o flautista Leonardo Miranda, a versão que

chegou a ele dizia que Dante só tinha duas introduções, uma maior e outra menor. Como explicou o flautista,

entre os chorões, há um esquema harmônico que define as introduções, porém a melodia que se sobrepõe a esse

esquema é livre. Afirma-se que Dante só usava duas melodias de introdução e que as adaptava a todas as

músicas. Já Henrique Cazes (n. 1959) publicou em seu livro que “A Rádio Nacional (...) tinha como ponto fraco

o seu grupo regional. Dante Santoro comandava o conjunto e não era de fato um músico dos mais caprichosos.

Para se ter uma ideia, Dante tinha apenas uma introdução que adaptava a qualquer ritmo e andamento, mesmo

que fosse no compasso ternário de uma valsa”. (CAZES, 2010, p. 86).

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Santoro. Se passasse o Dino, todo mundo sabia que era da Mayrink Veiga, do Regional do

Canhoto. Todos sabiam quem era quem”. O violonista afirma que o Regional do Benedito

Lacerda era o que mais gravava, porque era tido como o melhor entre os regionais e também

era o mais antigo. Desde 1930 o grupo se apresentava, naquela época com o nome de Gente

do Morro, e seu êxito foi contínuo, até que se transformou no Regional do Canhoto, na década

de 1950. Sem dúvida foi o regional de maior sucesso daquela época.

Entretanto, já foi mencionado que os conjuntos regionais sofreram certa depreciação

com o passar dos anos. A Rádio Nacional tinha um quadro de músicos variado e contava com

várias orquestras. Há indícios de que, na década de 1950, o conjunto regional já não contava

com tanto prestígio dentro da emissora. Uma carta do próprio Dante Santoro à direção da

Rádio Nacional, em 16/06/1955, encontrada em seu dossiê no Setor de Pesquisa da Rádio

Nacional, aponta o problema:

(...) as direções anteriores sempre timbraram em diminuir ou depreciar os executores

de instrumentos que formam o “naipe das madeiras”, como sejam a flauta, o oboé,

clarinete, etc. incidindo essa má vontade de preferência nos componentes do

Conjunto Regional, quase sempre relegado à margem da corrente, sem que se

atentasse, sequer, aos seus problemas sociais e humanos (melhor do que eu poderá

dizê-lo o maestro Alberto Lazzoli, representante da classe junto à comissão

encarregada de estudar estes casos no momento49

. (SANTORO, carta à direção da

Rádio Nacional, 16 de junho de 1955).

Porém, o descontentamento de Dante não se referia só ao tratamento pouco atencioso

dispensado ao regional. Dante demonstra insatisfação com seus honorários, face ao tempo de

serviço. Aparentemente, seu salário estava defasado em relação ao custo de vida e em

comparação com o de colegas contratados à mesma época, que chegavam a ganhar o dobro.

Em tom de desabafo e indignação, Dante declara:

Passei a integrar o quadro desta estação no dia exato de sua inauguração, ou seja, há

cerca de dezenove anos, como flautista, participando de todos os trabalhos

atribuídos, em geral, aos músicos profissionais;

Desde então, em simultaneidade com essas tarefas, foi-me entregue a direção do

Conjunto Regional, sem todavia receber até a presente data um só ceitil pela

incumbência marginal;

Todos os colegas que inauguraram comigo a RADIO NACIONAL, exceção

possivelmente do flautista Pedro Vieira, percebem hoje vencimentos mais ou menos

ajustados aos elevados padrões do custo de vida atual, convindo salientar que suas

tarefas têm sido sempre, em volume, bem menores do que as minhas;

Os vencimentos desses prezados colegas (bem merecidos, aliás) ultrapassam a casa

dos 14 mil cruzeiros mensais (...), enquanto eu continuo percebendo Cr$

8.160,00(...). Esta situação leva-me a solicitar seja feita uma análise comparativa dos

49

Carta de Dante Santoro ao Diretor da Rádio Nacional, em 16/06/1955, presente no dossiê do flautista,

arquivado na Rádio Nacional.

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salários pagos àqueles colegas e os que percebo eu, atualmente, facilitando assim a

V.S inteirar-se da tremenda, injusta e inexplicável disparidade existente;

Para que esse desnível de salários, em se tratando de funcionários de idêntica

categoria, não venha a ser indevidamente atribuído a uma questão de competência

profissional, rogo seja reclamado o depoimento dos ilustres maestros da estação, os

quais, com pleno conhecimento de causa, poderão esclarecer esse detalhe técnico;

Por último solicito à V. S. um estudo das fichas de cada elemento citado, no

Departamento de Contabilidade, a fim de que se comprove o acerto das minhas

alegações, cessando, assim, a injustiça que ora atinge àqueles que, como eu, há

quase 19 anos, mourejam, lutam e se esfalfam para manter o prestígio artístico-

musical desta pujante e renomada emissora. (SANTORO, carta à direção da Rádio

Nacional, 16 de junho de 1955).

A carta de Dante deixa claro que suas funções como músico de orquestra e diretor do

grupo regional eram cumulativas, o que é reforçado pelo depoimento de Jorginho do

Pandeiro. Também revela a intensa dedicação à rádio e o reconhecimento de seu trabalho por

parte dos maestros da casa, apontados como testemunhas de suas qualidades como músico. O

tom de desabafo explica-se pelo fato de que essa carta foi escrita em um momento particular

de crise, no qual houve uma reestruturação dentro da emissora, da qual Dante não se

beneficiou, mesmo contando com dezenove anos de casa. Aparentemente, o tempo de serviço

lhe foi desfavorável, porque os pequenos reajustes salariais efetuados com base no seu salário

inicial defasado (cujo valor foi recalculado, em função de mudanças na moeda) fizeram-no

perder o direito à reestruturação.

Apesar da insatisfação pessoal e dos problemas com a direção, o rádio ainda era o

melhor emprego para o músico popular na década de 1950, pela segurança financeira que

proporcionava. É interessante contrastar aqui a visão de um músico mais jovem, o clarinetista

e saxofonista Paulo Moura (1932-2010), que nessa década chegou a trabalhar na Nacional.

Ele diz o seguinte sobre o trabalho na emissora:

(...) não queria ir para a Rádio Nacional, embora naquele tempo, fosse o melhor

emprego para um músico popular, porque nas horas vagas, ele poderia fazer todas as

outras coisas de que gostava de verdade. Era o que faziam K-Ximbinho, Garoto e

outros tantos músicos daquela época. Todos eles tinham um trabalho paralelo à

Rádio Nacional, algo de que realmente gostavam e que não era um emprego fixo.

No final das contas, resolvi enfrentar a Rádio Nacional, apesar de ter resistido por

tanto tempo. (...) Mas nessa época de dificuldades, no final dos anos 1950, tudo já

era complicado para a música instrumental, porque começou a surgir aquele tipo de

música que ameaçava as formações orquestrais grandes: o rock. Os conjuntos

tornaram-se pequenos e as formações eram geralmente em quarteto ou trio, como

nos grupos de rock, e acabei aceitando ir para a rádio. Acho que entrei, se não me

engano, em 1958. E depois fiquei louco pra sair! (GRYNBERG, 2011, p. 81)

As dificuldades de ordem financeira e as pressões relacionadas aos novos gêneros

existiam, mas pareciam não atingir diretamente o ânimo do regional. Na visão de Jorginho do

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Pandeiro, o clima amistoso dos colegas de emissora em sua convivência diária e o ambiente

da rádio deixaram saudades:

Essa rádio aqui era uma família, todos eram amigos, tinha um bar aqui em cima,

quando a gente tinha um tempo de ir ao bar ficava aquela conversa boa! Todos se

conheciam, todos se davam bem. Era uma família, eu senti muita falta quando

parou. Hoje em dia está vazio, mas naquela época tinha movimento o dia inteiro. Era

uma TV Globo de hoje a Rádio Nacional, em “cartaz” também. (Jorginho do

Pandeiro, em entrevista concedida à autora, em 19/05/2011)

A figura 25 mostra nota publicada no jornal Correio da Manhã, edição 18805, de

22/07/54, que anuncia a contratação do Regional de Dante Santoro pela gravadora Sinter.

Nessa gravadora, o conjunto lançou seu único LP (as demais gravações do Regional de Dante

Santoro foram lançadas em formato 78 rpm):

Figura 25. Nota publicada no Correio da Manhã, edição 18805, de 22/07/54, anuncia a contratação do Regional

de Dante Santoro pela gravadora Sinter.

Em fevereiro de 1958, o Correio da Manhã noticia a morte do flautista Benedito

Lacerda, na edição 19908, de 20/02/1958. A Revista do Rádio (Ano XI, ed. 446, Rio,

29/3/1958, p. 8 e 9) publica foto na qual Dante Santoro e Carlos Lentine aparecem em visita à

viúva, D. Ondina. Alguns meses mais tarde, a imprensa anuncia a realização de um show em

homenagem a Lacerda. A figura 26 registra a participação de Dante Santoro e Luiz

Americano nessa ocasião:

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Figura 26. Artigo sobre show em homenagem ao flautista Benedito Lacerda. Correio da Manhã, 13/06/1958, p.

2.

Na década de 1960, a Rádio Nacional viveu seus tempos de crise e a programação

musical declinou a passos largos. Aparentemente, devido às circunstâncias, Dante passou a

atuar mais como músico de orquestra. Um forte indício desse fato é a seguinte anotação em

seu registro pessoal: “reclassificado, a partir de 01 de dezembro de 1960, como Músico de

Orquestra nível 20”. O violonista Caçula diz, entretanto, que o regional continuou ativo

durante a década de 60. “Mesmo depois de 64 o regional continuou. Só acabou quando

acabou tudo mesmo. Até 70 a rádio ainda estava de pé” (Caçula, em entrevista concedida à

autora em 19/10/2011).

Além do trabalho na Rádio, Dante também se apresentava em cassinos. Segundo

Jorginho do Pandeiro, o trabalho no cassino rendia bastante e, aparentemente, funcionava

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como um extra. “Ele me contava que trabalhava nos cassinos. Ele dizia que naquela época

ele só andava de terno branco e sapato novinho, porque ganhava muito bem nos cassinos!

(risos)” (Jorginho do Pandeiro, em entrevista concedida a esta autora, em 19/05/2011).

Dante também participou de espetáculos de teatro de revista. Anúncios publicados na

imprensa nas décadas de 1930 e 1940 demonstram sua participação nos seguintes espetáculos:

O.K. (1935), Nossa Bandeira (1936), Frasquita (1938), Música Maestro (1940), Ouro de Lei

(1943) e Ano em Revista (1945). A figura 27 traz dois desses anúncios.

Figura 27: anúncios dos espetáculos de teatro de revista Música Maestro (1940) e Ouro de Lei (1943), dos quais

participou Dante Santoro. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Em meados da década de 1950, Dante também se aventurou em abrir uma casa

noturna na Barra da Tijuca, chamada “O Inferno de Dante” (título também de um de seus

choros). Segundo Jorginho, por essa época, com a vida boêmia, Dante às vezes cochilava nos

ensaios da orquestra, mas não errava uma entrada sequer e tocava tudo correto, devido a sua

prodigiosa leitura:

Nove horas da manhã ele já estava aqui (na Rádio) e ele chegava com sono, porque

ele tinha “O Inferno de Dante lá na Barra”, era um bar-restaurante dele, as mesas

eram todas de toalha vermelha, pra ficar bem ao inferno mesmo! (risos). Sempre

tinha alguém conhecido dele, então ele ficava até cinco, seis horas da manhã

acordado... aí quando chegava aqui ela tinha sono. Mas ele era um grande músico,

ele lia muito! Então o Ercole Vareto, que era o maestro da manhã - encarregado do

programa Paulo Gracindo, entre outros, até as 15 horas – separava as músicas que

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ele ia tocar e às vezes eu vinha aqui olhar e ele estava cochilando! Aí quando era a

entrada da flauta, o Vareto batia e dizia “Dante, olha a entrada!” Ele empunhava a

flauta e entrava, tocando muito bem, porque ele lia muito! (Jorginho do Pandeiro,

em entrevista concedida à autora, em 19/05/2011).

O sobrinho Homero Santoro conta suas memórias sobre o restaurante:

Com sete anos minha tia me levou para conhecer o Rio de Janeiro e nós fizemos

uma visita pro Dante. Naquela época (c. 1959) ele estava começando um restaurante

chamado “O Inferno de Dante”, que foi um inferno mesmo pra ele. Ele era uma

pessoa de um coração do tamanho de um trem, então ele ajudava todo mundo, os

amigos, dava dinheiro, emprestava... Então o pessoal ficava devendo e, assim, o

restaurante acabou sendo pra ele um grande problema. (Homero Santoro, em

entrevista concedida à autora em 25/11/2011)

Em 1961 foram promovidas vesperais carnavalescas no Inferno de Dante, conforme

a bem-humorada nota publicada no Diário Carioca, edição 992 de 29 de janeiro de 1961:

Amanhã, das 14 às 19 horas, acontecerá a primeira vesperal carnavalesca do Inferno

de Dante, restaurante situado na Estrada do Joá, cem metros antes da Barra da

Tijuca, cujo convite diz que “você pode levar quantas garotas quiser e só pagará a

sua despesa”. As vesperais carnavalescas do Inferno de Dante, que se repetirão todas

as sextas-feiras até o tríduo momesco, são reservadas até um máximo de trinta

cavalheiros, que poderão adquirir os seus tíquetes na Rádio Nacional ou no local do

crime, perdão, da festa. Segundo informa o cômico Germano em atenciosa cartinha,

o Inferno de Dante (Santoro) é um paraíso perdido. (Diário Carioca, 19 de janeiro de

1961, p. 7).

O último registro encontrado de Dante Santoro data de 22/12/1968 (figura 28). O

jornal Diário de Notícias anuncia sua participação, ao lado de Pixinguinha, em evento

promovido por Índio do Cavaquinho: a Segunda Noite de Chorinho, cujo objetivo era

promover o congraçamento da “jovem e da velha-guardas”, aproximando os nomes do choro

a novos artistas “ligados à música popular brasileira”, como Nara Leão e Jerry Adriani. O

encontro parece ter funcionado, na verdade, como uma rara oportunidade de se ouvir os

chorões da velha-guarda, como afirma a nota publicada no segundo caderno do Correio da

Manhã, em 27/12/68: “Os saudosistas estão aproveitando o show das segundas-feiras na Casa

Grande, Noite do Chôro, para rever Pixinguinha, Dante Santoro, Tico-Tico e outros músicos

da velha guarda, que lá se reúnem informalmente para tocar chorinho”. (Quicks, Segundo

Caderno, Correio da Manhã, 27/12/68, p. 3).

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Figura 28. Último registro encontrado sobre a atuação de Dante Santoro: show Noite do Choro, onde se

apresentou ao lado de Pixinguinha, representando a velha-guarda. Diário de Notícias, edição 14137 de

22/12/1968.

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2.5 O flautista e seu legado

Dante Santoro foi uma referência para os músicos de sua época, um tempo marcado

pela obra de grandes flautistas, como Pixinguinha e Benedito Lacerda. Altamiro Carrilho é

um dos testemunhos dessa geração, pois iniciou sua carreira nos programas de rádio, fazendo

imitações desses grandes nomes. Altamiro também começou a gravar muito cedo (aos 14

anos) e aprendeu muito dos flautistas envolvidos com o rádio, que naquela época estavam em

plena atividade. A figura 29 mostra uma reportagem especial da Revista do Rádio (Ano IV,

ed. 94, Rio, 26/06/51), sobre os Flautistas do Rádio. Na reportagem, os já citados

Pixinguinha, Benedito Lacerda, Dante Santoro e Altamiro Carrilho, além dos menos

afamados João de Deus e João Batista de Menezes.

Segundo Altamiro Carrilho, um momento importante no início de sua carreira foi

quando participou do programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso, tocando a obra

Harmonia Selvagem, de Dante Santoro. Apesar das dificuldades da música e, especialmente,

do instrumento de segunda mão que ele usava na época (uma flauta toda estragada e com

molas de elástico), Altamiro consegue o primeiro prêmio e termina aclamado pela plateia e

pelos músicos do regional acompanhante, dirigido por Rogério Guimarães.

Altamiro declara, ainda, que Dante Santoro foi o primeiro flautista do rádio que ele

conheceu. Sua sonoridade causou-lhe impacto, como comenta em entrevista concedida ao

pesquisador Luís Carlos Furtado, em 02/03/2012:

Eu comecei a ouvir na hora do almoço um programa chamado Picolino, na Rádio

Nacional, que era feito só com um conjunto regional e um pianista (...). O flautista

era Dante Santoro. Aí caiu a sopa no mel. Todos os dias na abertura do programa o

Dante Santoro fazia um solo com o conjunto dele. Aquele som maravilhoso, aqueles

graves que ele tirava muito bonitos, né? Porque tinha naturalmente conhecimento de

causa, ele estudou e tinha um instrumento muito bom, de prata, que eu nunca mais vi

igual. Era uma flauta alemã, de prata mil, muito bem trabalhada, muito bem feita. E

o Dante tirava uns graves muito bonitos. Eu até achava um pouco exagerado, mas

quem era eu nessa época pra achar um som demasiado forte, ou demasiado fraco?

Eu não tinha competência nem gabarito pra isso! (...) Na hora de tocar as

composições dele, eu peguei todas elas de ouvido, outras eu pegava papel de música

e cada dia tirava um trechinho, passava um trecho para o papel (...). (Altamiro

Carrilho, em entrevista concedida ao pesquisador Luís Carlos Furtado, em

02/03/2012).

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112

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113

Figura 29. Reportagem sobre os Flautistas do Rádio. Revista do Rádio, Ano IV, ed. 94, 26/06/51, p. 14-17.

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114

A fala de Carrilho assinala que, de fato, Dante Santoro tinha uma maneira

própria de tocar: a sonoridade potente (até mesmo exagerada no contexto do choro); a

precisão técnica adquirida pelo estudo do instrumento (“tinha conhecimento de causa,

ele estudou”); o instrumento diferenciado (“uma flauta alemã, de prata mil, muito bem

trabalhada”). Alguns indícios levam a crer que esses traços interpretativos eram

referências que Dante Santoro trazia da música de concerto.

Sabe-se que Dante tocava música de concerto. Um álbum de partituras

encontrado no acervo do sobrinho Homero Santoro, junto ao material que Dante

enviava à família anualmente do Rio de Janeiro, é uma compilação de partituras

comercializadas por casas de música do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. Constam do

repertório obras de estilo romântico para flauta transversal, caracterizadas pela

virtuosidade: Souvenir à Como op. 145 de Adolf Terschak; La Chasse Galope Brillant

op. 250 e Staccato Fantasie Bravourstück op. 446, de Wilhelm Popp; Marta, op. 214,

da obra Seis Divertimentos para flauta e piano de Rafaelle Gali; Studio Caratteristico

op. 255 de E. Krakamp; Gran Concerto in Re op. 129 de E. Ciardi; Melodie Favorite

dell´ Opera Il Guarany de A. Carlos Gomes, transcrita de Raff Gali op. 257; 3ª Sonata

para flauta e piano op. 175 de A. Terschak; Serata D´amore Romanza op. 2, de

Pattápio Silva; Réverie das Cenas Infantis op. 15, de R. Schumann.

Esse repertório assemelha-se àquele gravado pelo flautista Pattápio Silva

(1880-1907), para a Casa Edison, em 1902. Além de sua obra autoral, Pattápio gravou,

entre outras obras, o Allegro de Adolf Terschak, a Valsa op. 64 de Chopin, a Serenata

de Schubert, a Serenata de Gaetano Braga, a Serenata Oriental de Ernesto Köhler e as

Variações de Flauta op. 382, de Whilhelm Popp. Como se verá no Capítulo 4, na obra

de Dante Santoro, há várias referências a Pattápio Silva, tanto na escrita para flauta (que

também se inspira em obras de compositores europeus de estilo romântico), quanto na

maneira de tocar (há semelhanças na sonoridade, no vibrato e no estilo virtuoso).

Apesar de não terem convivido como contemporâneos, já que Pattápio morreu em 1907,

quando Dante tinha três anos, há indícios de que as pioneiras gravações de Pattápio

Silva foram uma referência marcante para Dante Santoro.

Esse repertório também é referido em distintas passagens do livro Manual do

Flautista, de Pedro de Assis, publicado nas primeiras décadas do século XX. Era o

repertório corrente nos concertos do Professor Assis e de seus alunos diplomados no

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115

Instituto Nacional de Música, que concorriam ao primeiro prêmio medalha de ouro em

concurso dessa instituição.

O fato de tocar parte do repertório standard de conservatório da época também

indica que Dante Santoro estudou o instrumento, como observado por Altamiro

Carrilho. Não há registros de Dante Santoro como aluno do Instituto Nacional de

Música – atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Porém, afirma o músico Arthur de Faria (2011) que ele estudou com Agenor Bens (c.

1870- c.1950), flautista graduado pelo Instituto Nacional de Música com o primeiro

prêmio, em 1911. Pedro de Assis, que foi o professor deste último, escreveu o seguinte

texto sobre ele em seu livro Manual do Flautista:

Distincto flautista brasileiro e compositor para o seu instrumento, já tendo

recorrido algumas cidades do Brasil, em digressão artística, realizando

concertos nos quaes foi calorosamente applaudido. Agenor Bens fez

brilhantemente o curso de flauta do Instituto Nacional de Música, alcançando

em concurso o primeiro prêmio medalha de ouro. O apreciado flautista

também estudou harmonia no Instituto, demonstrando nas suas producções o

valor dos seus conhecimentos naquela sciencia. (Assis, s.d., p. 83)

Agenor Bens foi músico da Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro e professor

do Conservatório de Música do Distrito Federal - instituição fundada por volta de 1934,

que deu origem à Escola Popular de Educação Musical (EPEMA) na década de 1950 e à

Escola de Música Villa-Lobos na década de 1960. É possível que Dante Santoro tenha

estudado com Agenor Bens no Conservatório de Música do Distrito Federal, mas não

existem registros dessa época. Também pode ser que tenham tido contato por meio de

aulas particulares informais, porém não se sabe ao certo.

Assim como o primeiro professor de Dante, Octávio Dutra, Agenor era um

músico que ultrapassava fronteiras. É reconhecido, nos dias de hoje, como um chorão

da velha guarda, conforme menção do Dicionário Cravo Albin, muito embora tenha

garantido seu lugar entre os diplomados daquela época. Foi um dos flautistas formados

pelo Conservatório que também compuseram e tocaram o repertório de música

brasileira popular, seguindo a tradição iniciada por Joaquim Antônio Callado (1848-

1880) e Viriato Figueira da Silva (1851-1883)50

.

50

Agenor Bens foi um dos grandes intérpretes da obra de Candinho Trombone e de Pattápio Silva.

Compôs cerca de vinte obras, entre polcas, shottisches, maxixes, choros e tangos brasileiros, quase todas

gravadas para os selos Grand Record Brazil, Favorite Record (Casa Faulhaber) e Odeon (cf. a

Enciclopédia Instrumental Músicos do Brasil). Além de intérprete de música de concerto e de música

popular, Agenor Bens era também compositor e atuava nos mais diferentes meios musicais, da orquestra

sinfônica às casas de espetáculo; como flautista e como cantor de modinhas.

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116

Acredita-se que essa circularidade entre a música de concerto e a música

popular - que já era tradição desde Callado e Pattápio Silva e que se reflete na atuação

de muitos músicos até os dias de hoje – é um traço característico também da trajetória

de Dante Santoro. Está presente (1) em sua formação musical; (2) em sua atuação

profissional, como músico de orquestra e de regional; (3) em sua maneira de interpretar

e de compor - como se estudará no Capítulo 4, a partir de um estudo comparado, será

observado que a sonoridade, assim como a forma de conduzir e elaborar as melodias,

diferenciam Dante Santoro dos flautistas cariocas, seus contemporâneos.

Essa maneira diferente de tocar o choro é observada pelo violonista Caçula,

que afirma que o jeito de Dante Santoro conduzir o choro era diferente. Segundo ele, o

mesmo acontecia com Luiz Americano. Era uma forma diferente, que ele não define.

Ele canta um trecho do choro O inferno de Dante para exemplificar. A maneira antiga

parece ser mais articulada e assertiva, ao passo que, hoje em dia, o choro é tocado de

forma mais livre, a condução é menos marcada, pois a melodia é mais solta. Ele afirma

categórico: “Eu acho que o jeito gostoso é aquele, que o pessoal devia seguir”

[referindo-se ao estilo de Dante e Luiz Americano]. “Quem conseguir assimilar

conseguiu. Quem não conseguir, paciência, né?!” (Caçula, em entrevista concedida à

autora em 19/10/2011)

A obra de Dante alcançou bastante projeção por conta de sua atuação na Rádio

Nacional. Jorginho recorda o sucesso das músicas que figuraram como trilha sonora de

radionovelas, como as valsas Gilka e Vidas mal traçadas. Em depoimento oral cedido à

autora em 22/11/2011, em sua casa em Porto Alegre, o flautista gaúcho Plauto Cruz51

(n. 1929) diz que, apesar de não ter conhecido Dante Santoro pessoalmente, tem muita

admiração por ele. Ao longo de sua carreira, tocou algumas de suas músicas, entre elas

os choros O inferno de Dante, Harmonia selvagem (que era difícil, por causa dos efeitos

de trêmulo) e a valsa Vidas mal traçadas.

Plauto Cruz declarou, ainda, que gosta especialmente das valsas de Dante

Santoro, cantarolando algumas delas, como Scylla. Quando perguntado se as músicas de

Dante também fizeram sucesso no Rio Grande do Sul, disse que tem uma valsa com

letra do Corinto Álvares que fez sucesso por lá. Tentou lembrar a melodia, mas não

51

Plauto Cruz (n. 1929), flautista, compositor e arranjador gaúcho, iniciou sua carreira profissional em

1952, em emissoras de rádio no Rio Grande do Sul. Gravou seis LPs e dois CDs como solista e mais de

40 discos como acompanhador, atividade na qual se apresentou ao lado de Orlando Silva, Lupicínio

Rodrigues, Sílvio Caldas e Elis Regina.

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117

conseguiu. Acreditamos que se trata da valsa Horas tristes. Também cantarolou um

trecho da valsa Gilka, uma de suas favoritas.

Segundo Plauto Cruz, Dante Santoro estava entre os grandes flautistas que

surgiram em sua época, assim como Pattápio Silva e Benedito Lacerda. Comentou que o

jeito de se tocar flauta naquela época era virtuoso e havia uma predileção por mostrar a

técnica. Dá o exemplo da valsa Primeiro amor de Pattápio Silva, diz que já tocou essa

música e o Dante também, que era muito difícil. Aquela geração de flautistas, portanto,

se identificava com o virtuosismo e gostava do repertório que exigisse habilidade

técnica.

Já o flautista mineiro Milton d´Avila52

(n. 1923) é um dos maiores admiradores

de Dante Santoro registrados nesta pesquisa e o conheceu pessoalmente, como contou

em entrevista concedida em sua casa em Ubá-MG, em 18/04/2012.

Em 1950-1951, eu levei minha mulher ao Rio para passear e nós resolvemos

ir lá na Rádio Nacional para conhecer o Dante. Assistimos [o programa] A

Hora do Pato. O Dante estava tocando numa flauta de prata alemã. Tinha

uma sonoridade e um sopro de flauta! Tocava com uma naturalidade! Ele não

franzia a testa, ele não fazia careta... No espaço em que o cantor estava

cantando ele veio, porque eu falei que queria conhecê-lo e batemos um papo

rápido ali. Ele me deu a flauta e eu toquei um pouquinho... Ele tinha duas

[flautas], até me ofereceu uma, se eu quisesse comprar, mas na época eu

estava começando a minha vida de casado e não me interessei pela flauta. (...)

A facilidade do Dante Santoro era uma coisa impressionante! O som que ele

tirava na flauta era impressionante, tanto os graves, como os agudos, os

médios... era uma coisa divinal! E eu peguei o Dante para ser meu

“professor”, me dediquei muito às músicas dele. No meu repertório eu tinha

pelo menos umas dezessete músicas dele. (Milton D´Avila, em entrevista

concedida à autora em 18/04/2012).

A foto a seguir (figura 31), dedicada a Milton d´Avila, é uma lembrança desse

encontro na Rádio Nacional. Ao comentar sobre a impressão que lhe causou a

interpretação de Dante no programa de calouros, foi-lhe perguntado se Dante Santoro

improvisava. Ao responder afirmativamente, ele descreveu o que ouviu:

Na Hora do Pato, era uma coisa importante, porque o Dante, na flauta,

sozinho, com dois violões de seis cordas e um de sete cordas, fazia como se

fosse parte de orquestra, fazia os arranjos todos! Com o cantor cantando, ele

52

Milton D´Avila (n. 1923), flautista, foi professor de música em Ubá-MG. É um músico muito

respeitado em sua cidade e nas redondezas, por ser um grande incentivador da cultura e do ensino

musical. Abraçou também a profissão de caixeiro viajante, tendo exercido papel de liderança entre os

representantes comerciais da região. Dedicou-se essencialmente ao repertório da música popular,

especialmente choros e valsas, sendo um grande apreciador da música de Dante Santoro, que ainda hoje

interpreta, na flauta doce.

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118

fazia os contracantos todos e sempre dando a deixa para o cantor. Era uma

coisa sublime e admirável! (op. cit.)

Figura 30. Dante Santoro e sua flauta, c. 1950. Foto dedicada ao flautista Milton d´Avila em encontro na

Rádio Nacional. Fonte: família Santoro.

A predileção por Dante Santoro é assumida e assim justificada por Milton

d´Avila, que lhe presta uma verdadeira homenagem:

Eu conheci vários flautistas, todos eles pessoalmente, inclusive o Benedito

(...), todos eles muito bons flautistas, mas igual o Dante Santoro eu não

conheci nenhum deles! Era o sopro da flauta dele, os graves, os médios, os

agudos, os agudíssimos... eram sons perfeitos e não tinha diferença de altura,

eram todos equilibrados. (...) Eu o considerava um dos melhores, porque nós

tivemos bons flautistas, mas eu gostava mais dele, não só do sopro, não só da

execução... ele fazia um “dug dug” [efeito sonoro] na flauta, como se fossem

duas ou três flautas! Era uma coisa impressionante! (...) O Dante foi sempre o

meu espelho musicalmente falando. Tudo o que eu desenvolvi, tudo o que eu

quase aprendi, foi dirigido à flauta do Dante Santoro. (Milton D´Avila, em

entrevista concedida à autora em 18/04/2012)

Uma pequena entrevista de Dante Santoro permite deduzir um pouco mais

sobre sua personalidade e referências estéticas. Foi publicada no Suplemento A Noite,

Edição 817, de 24/10/1944, p. 10, na coluna Dante Santoro Responde:

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1.Fora do Rádio, que desejaria ser?

Dante Santoro: Comerciante

2.Se possuísse uma estação de rádio, quais artistas contrataria?

Dante Santoro: Somente os Bons, com B maiúsculo

3.Que acha do rádio brasileiro?

Dante Santoro: Que evoluiu rapidamente.

4.Se fosse obrigado a ir para uma ilha deserta e lhe deixassem levar um só

livro, qual levaria?

Dante Santoro: Rubayá, de Omar Kayan

5.Nas mesmas condições, qual disco?

Dante Santoro: Poema, de Fibich

6.Qual o homem que mais admira, sob todos os pontos de vista?

Dante Santoro: Getúlio Vargas

As indicações dos poemas Rubaiyat, de Omar Khayyam (1048-1131), e da

obra Poema, de Zdeneck Fibich (1850-1900) revelam que Dante Santoro se interessava

por obras vinculadas à estética romântica. O Rubayiat é uma seleção de poemas

originalmente escritos em persa, que ficaram conhecidos, no Ocidente, com sua

tradução para o inglês, pelo poeta Edward Fitzgerald, em 1859. Sabe-se que a poesia do

Rubaiyat fala sobre a existência humana: a brevidade da vida, o êxtase, a embriaguez, o

amor, temas revisitados no século XIX pelos autores românticos53

. A obra Poema em

Ré b maior op. 39a, do compositor tcheco Zdeneck Fibich, é uma peça curta,

comumente utilizada como encore, retirada do Idílio para Orquestra (V Podvecer) de

1893. O Poema foi arranjado para várias formações instrumentais, entre elas: piano

solo; violino e piano; violão e harpa.

A admiração por Getúlio Vargas revela a identificação com o nacionalismo,

corrente de pensamento igualmente vinculada ao romantismo. O depoimento de Dante

Santoro, datado de 1944, em meio ao Estado Novo, ocorre em um momento em que a

Rádio Nacional já havia se tornado emissora estatal e funcionava como instrumento de

propagação do populismo getulista. A popularidade de Vargas certamente estava em

alta, após a implantação de uma série de leis trabalhistas, que culminaram com a

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Além disso, Getúlio Vargas era

gaúcho, assim como Dante Santoro. O fato de serem conterrâneos deve ter contribuído

para ampliar esse sentimento de simpatia e admiração.

53

O Rubayiat, de Omar Khayyam, recebeu uma nova interpretação, vinculada ao misticismo, no ano

de1867. Os estudos de J.B. Nicolas - autor que traduziu a obra para o francês - indicaram que Khayyam

era um poeta sufi. Segundo essa interpretação, a filosofia sufi estaria representada de forma simbólica nas

imagens do Rubaiyat (taberna/templo; vinho/divindade; copeira/religião; cálice/universo;

embriaguez/êxtase místico).

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120

2.6 Memórias

O sobrinho Homero Santoro conta que Dante viajava todo fim de ano a Porto

Alegre, para passar as festas com a família e, especialmente, o aniversário do pai, em 1º

de janeiro. Nessas ocasiões trazia suas produções daquele ano (os vinis gravados, que

eram colecionados pelo pai de Dante). Permanecia por uma semana apenas, pois sempre

se resfriava, acostumado à praia. Porém, os laços com Porto Alegre sempre se

mantiveram, especialmente com a irmã Algesira, a quem Dante enviava

correspondências, fotos e registros, como obséquio e para fins de arquivo pessoal. As

fotos e os vinis que compõem o acervo do sobrinho Homero Santoro são fruto desse

arquivo.

Homero Santoro recorda que Dante era extremamente diligente com a flauta,

estudava muito, para manter-se em forma, e que cuidava da saúde bucal em função da

carreira. Tinha um cuidado especial com os dentes, pois dizia que o flautista que os

perdia passava por sérios problemas:

Dante era fã do fio dental! [risos]. Naquela época nem existia fio dental, era

fio de algodão mesmo, pois não existia fibra sintética. Eu era um piá de seis,

sete anos e o via nos almoços, todo cuidadoso com os dentes! Ele dizia:

Flautista se não tiver os dentes naturais... não sai nada! O som já não é o

mesmo! (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em 25/11/2011)

Quando perguntado sobre suas memórias em relação a Dante, Homero se

recorda especialmente da visita que fez ao tio, em sua casa da Barra da Tijuca, por volta

de 1959. Segundo ele, atravessavam de barco para ir a praia, era um lugar muito

tranquilo, cercado de natureza. Homero o descreve como um artista, amante da

natureza, homem pacífico e generoso:

O Dante não podia ver passarinho engaiolado. Ele comprava os passarinhos

só pra soltá-los. Isso foi algo que eu nunca mais esqueci. E outra cena que eu

nunca esqueci foi, quando estávamos na casa dele, houve um barulho, de

noite, no restaurante. Quando viram, lá estava um cara meio doido, tinha

tomado uma cerveja e estava lá escondido. Um amigo do Dante já queria

atirar nele, dizendo que era ladrão. Não fosse o Dante chegar pra acalmar os

ânimos, tinham atirado nele. Era por volta de 1959 e minha tia começou a

reclamar que aquele lugar era inseguro e que eles estavam à mercê daqueles

bandidos! (risos) (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em

25/11/2011)

Também recorda a dedicação de Dante ao ofício de músico e comenta:

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121

Eu me lembro que desde aquela época [c. 1959] o Dante já tinha dificuldade

respiratória. Eu acho que o que aconteceu com o Dante foi profissional. De

tanto soprar flauta ele acabou tendo problema de enfisema, que o levou a

falecer. Ele era muito esforçado, em demasia, era muito dedicado, ficava

horas e horas para atingir aquela performance e a própria Rádio Nacional

tinha muito trabalho. (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em

25/11/2011)

Dante morreu no dia 12 de agosto de 1969, ainda funcionário da Rádio

Nacional, vítima de um enfisema pulmonar. O jornal Última Hora, de São Paulo,

publicou em 14/08/1969, que Dante teria morrido de enfarto, após entrar “em atrito com

alguns playboys na sua boate O Inferno de Dante” (Última Hora, São Paulo, 14 agosto

1969, p. 5). Versão semelhante foi publicada no Correio da Manhã, em 14 de agosto de

1969, em artigo de viés sensacionalista, que traz um depoimento da Sra. Helena

Rodrigues, companheira de Dante (figura 31).

Em resposta à publicação, digna das páginas policiais daquele jornal, o irmão

de Dante, Godofredo Santoro, envia carta à redação (figura 32), esclarecendo que a

causa da morte do flautista tinha sido um enfisema pulmonar. Apesar de o episódio

violento de fato ter ocorrido, a família não atribuiu ao fato responsabilidade sobre a

morte do artista.

Na imprensa carioca, foram publicados vários artigos lamentando o

desaparecimento do músico. Seu falecimento foi seguido do de Jacob do Bandolim, ao

dia seguinte, fato que gerou comoção entre os seguidores do choro, pela perda

simultânea de dois de seus grandes nomes.

Assim se manifestou o jornalista Telmo Ferrari, no jornal Folha de Tarde, em

21 de agosto de 1969:

Dante e Jacó representavam muito na música brasileira. Os dois marcaram

época. Uma época rigorosamente histórica da música popular. (...) Foram

pioneiros, desbravadores, fabulosos construtores de uma época artística.

Além de artistas, foram homens de bem, que não se aproveitaram de suas

atuações. Dante era excessivamente modesto. Modesto, mas grande. (Folha

da Tarde, Rio de Janeiro, 21 agosto 1969, p. 4.)

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122

Figura 31. Artigo publicado no Correio da Manhã, edição 23413, em 14/08/1969, 1º caderno, p. 7, relata

episódio violento envolvendo a morte de Dante Santoro.

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Figura 32. Carta do irmão de Dante, Godofredo Santoro, que desmente o vínculo ente a morte do flautista

e o episódio violento ocorrido na boate Inferno de Dante. Correio da Manhã, ed. 23415 de 16/08/1969, 1º

caderno, p. 9. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Em 13 de agosto de 1969, a Tribuna da Imprensa noticiou o falecimento de

Dante:

Os meios artísticos e radiofônicos foram abalados, no dia de ontem, com a

morte do músico, compositor, maestro e arranjador Dante Santoro (...). O

sepultamento teve lugar hoje, às 10 horas, no Cemitério do Catumbi, saindo o

corpo da Capela Santa Terezinha, na Praça da República, onde foi velado.

Dante Santoro era um dos remanescentes da Velha Guarda, defensor ferrenho

do chamado conjunto típico regional (...), dirigindo o Conjunto Típico

Brasileiro da Rádio Nacional, não obstante sua formação musical clássica.

(...) Pode ser apontado (...) como o popularizador da flauta, graças ao perfeito

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124

domínio que tinha dos segredos daquele instrumento musical. (Tribuna da

Imprensa, Rio de Janeiro, 13 agosto 1969, p. 6)

O jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, publicou em 13 de agosto de 1969:

RIO ,12 (CP) – Faleceu às 11 horas de hoje, o compositor e instrumentista

Dante Santoro, natural de Porto Alegre.

O extinto, que contava sessenta e cinco anos de idade, iniciou sua vida

artística no Rio Grande do Sul.

Em 1934 transferiu-se para o Rio de Janeiro e aqui era tido como um dos

maiores flautistas do País, tendo realizado inúmeros programas no mais alto

nível musical, tanto em emissoras de rádio e televisão, como em “shows” dos

cassinos da Urca e Copacabana.

Durante mais de trinta anos, Dante Santoro e Benedito Lacerda foram

considerados os maiores flautistas do Brasil, sendo Dante também conhecido

como o “Bico de Ouro” do rádio.

O sepultamento de Dante Santoro, que foi fundador da Rádio Nacional do

Rio de Janeiro, será realizado amanhã às 10 horas.

O músico rio-grandense deixa a prantear seu desaparecimento quatro irmãos,

Domingos Antônio Santoro, residente em Porto Alegre; capitão Godofredo

José Santoro, que exerce sua atividade em São Paulo; Homero Santoro e

dona Alzira Santoro Guaragna, esposa do Sr. Vicente Guaragna. (Jornal

Correio do Povo, 1969).

No Almanaque do Correio do Povo, de 1970, foi publicada a seguinte

biografia:

Músicos falecidos em 1969

Dante Santoro, flautista e compositor nascido em Porto Alegre, a 18 de junho

de 1904, morreu no rio de Janeiro a 12 de agosto. Começou a trabalhar na

Rádio Gaúcha em 1934, transferindo-se depois para o Rio e ingressando na

Nacional, onde durante muitos anos foi considerado o melhor flautista do

país e um dos mais inspirados compositores do gênero. Morreu aos 65 anos e

sua passagem no meio artístico fica demarcada como um dos músicos mais

atuantes, tendo inclusive acompanhado a várias gerações de cantores

nacionais. Suas músicas mais conhecidas: “Vidas Mal Traçadas”, “Inferno de

Dante”, “Lágrimas de Rosa”, entre tantas. (Almanaque do Correio do Povo,

1970, p. 274).

Figura 33. Anúncio da missa de sétimo dia em homenagem a Dante Santoro. Correio da Manhã, 17/08/69,

1° caderno, p. 6.

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125

Dentre as publicações póstumas, chama atenção a crônica de Sérgio Bittencourt

para o jornal O Globo, de 13/08/1969, p. 36, constante do encarte do CD A Flauta

Mágica de Dante Santoro (1998). O texto contrasta com a crítica de Haroldo Barbosa

(1949), justamente por valorizar “os mesmos bordados” como traço singular da

interpretação de Dante Santoro, “o homem dos volteios na sua flauta mágica”:

As pessoas continuam morrendo. Agora, foi meu companheiro e mestre

Dante Santoro, o “mago” da flauta. Dante era o homem dos “volteios” na sua

flauta mágica, sempre fazendo os mesmos “bordados” quando acompanhava.

Foi sempre o mesmo e sua flauta e seu sopro podiam ser reconhecidos à

distância. Morreu chefe do Regional da Rádio Nacional, posto do qual

ninguém ousou tirá-lo. (...) Dante Santoro morreu solitário, mas alegre.

Conhecia a sua flauta como conheço meus caminhos e minha máquina de

escrever. Tocou-a até o último dia. E a última coisa que fez foi para mim:

uma introdução para mais uma modinha paupérrima, a ser inserida num

festival desses aí. Chegou, tocou, sorriu e morreu. Sem a menor cerimônia. E

nem uma fotografia deixou, para ilustrar essa croniqueta sem muito talento.

(BITTENCOURT, Sérgio. O Globo. Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1969, p.

36. In: encarte do CD A Flauta Mágica de Dante Santoro. Porto Alegre:

Fumproarte, 1998).

2.7 Reconstrução biográfica e interpretação

No que se refere à biografia, este trabalho contribui para agregar registros

históricos, recolhidos na imprensa e em depoimentos, sobre passagens da vida de Dante

Santoro, antes obscurecidas pela falta de informação. Os episódios que são objeto de

especulação entre os músicos, como o acidente automobilístico de 1935 e a violência

envolvida em sua morte – foram esclarecidos nesta narrativa. Cabe a este trabalho,

entretanto, oferecer uma interpretação crítica em torno da figura de Dante Santoro e sua

trajetória artística. Trata-se de uma tarefa ousada, porque é passível de equívocos,

porém requerida e necessária. Apresenta-se, portanto, uma interpretação, a partir das

discussões levantadas nestes dois primeiros capítulos.

Dante Santoro foi um flautista virtuose, que desde cedo aprendeu música, tanto

como autodidata (pois vinha de uma família italiana que gostava de música), quanto por

intermédio de professores. Aprendeu a tocar música popular nas serenatas, saraus,

blocos de carnaval e rodas de choro na casa de Octávio Dutra, que foi seu professor.

Paralelamente, aprendeu a tocar música de concerto, especialmente a música do período

romântico, repertório que apreciava e no qual se inspirava para compor. Aperfeiçoou-se

na flauta com Agenor Bens, embora não tenha chegado a diplomar-se em conservatório,

Page 128: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

126

e certamente teve como referência o flautista Pattápio Silva (intérprete das primeiras

gravações de flauta no Brasil), cujas composições também interpretava.

A poética de Dante Santoro tem como referência tanto os gêneros da música

popular urbana brasileira, quanto o estilo romântico da música de concerto. Segundo

Santuza Cambraia Naves (1998), os músicos populares recorrem a várias formas para

incorporar a tradição, à maneira do bricoleur: a citação, a paródia, o pastiche, entre

outras. Dante Santoro não lança mão da paródia ou do pastiche em sua obra, mas utiliza

elementos formais similares àqueles encontrados nas peças de estilo romântico escritas

para flauta, os quais serão apontados a partir da análise de sua obra no Capítulo 4.

A apropriação de elementos da música de concerto no contexto da música

popular urbana brasileira nem sempre é vista com bons olhos. Para Naves (1998), “esses

autores aspiram um estilo poético erudito e, impossibilitados de se atualizarem sobre os

rumos desse tipo de estética, acabam desenvolvendo um arremedo de classicismo fora

de época”54

. Esse seria o caso de Catulo da Paixão Cearense e de parte da obra de

Cartola, Ari Barroso, Orestes Barbosa e Silvio Caldas. (NAVES, 1998, p. 173). Opinião

semelhante tem Luiz Tatit (1996), que classifica como “semi-eruditos” os músicos

populares que, buscando sofisticação, recorrem a uma “linguagem empolada e melodias

que lembram árias europeias do século XIX, ainda que simplificadas e reduzidas no

tamanho” (Tatit apud Naves, 1998, p. 155).

O tom pejorativo dessa classificação não coincide com a abordagem deste

trabalho. Porém, há que se considerar o argumento de que a música de Dante Santoro

não andava com a vanguarda de seu tempo. Quando remete a obras virtuosísticas de

estilo romântico do século XIX, sua música pode parecer um tanto anacrônica, por

seguir uma tendência estilística ultrapassada55

. Entretanto, o argumento reverso também

54

Acredita-se que Naves (1998) faz referência ao fato de que grande parte dos compositores da tradição

erudita na primeira metade do século XX dedicaram-se a superar a estética romântica, cujas

possibilidades expressivas eram consideradas exauridas. Surgiram, então, resumidamente, duas

tendências estilísticas: o neo-classicismo, adotado pelos compositores ainda vinculados ao sistema tonal,

e o dodecafonismo, que surgiu como alternativa aos compositores interessados em trabalhar com a

atonalidade. 55

O anacronismo também pode se referir às transformações estéticas ocorridas na música veiculada pelo

Rádio na primeira metade do século XX, provocadas por mudanças de instrumentação (do regional à

orquestra) e pelo avanço nas técnicas de gravação. Um dos exemplos mais notáveis dessa mudança é o

estilo vocal, que passou da execução operística da “voz de peito” (como Francisco Alves, Albertinho

Fortuna e Nuno Roland), para a execução intimista dos cantores de “voz suave” (como Mário Reis). A

música de Dante Santoro permaneceu identificada com a tradição antiga, já que as gravações de suas

obras de maior sucesso foram interpretadas por cantores da primeira fase.

Page 129: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

127

é possível: os recursos retirados desse repertório inovam, por serem inusitados no

contexto da música produzida pelos conjuntos regionais.

Acreditamos que Dante Santoro buscava o ideal do solista virtuose56

. Os

depoimentos de Plauto Cruz (p. 119) e Odette Ernest Dias (p.104) corroboram essa

ideia: Plauto Cruz dá a entender que existia uma afinidade entre as interpretações de

Dante Santoro e Pattápio Silva, quando menciona que o jeito de se tocar flauta na época

era virtuoso e havia uma predileção por mostrar a técnica. Odette Ernest Dias, ao

comentar sobre as diferenças entre os regionais da época, afirma que a característica do

grupo liderado por Dante Santoro é que o flautista sempre estava em evidência, era um

solista.

Entre os músicos de choro, embora a virtuosidade seja um atributo necessário

aos solistas dos grupos regionais, esse ideal de solista virtuose vinculado à música de

concerto era, em certa medida, fora de contexto. O depoimento de Altamiro Carrilho (p.

113) confirma essa interpretação, quando afirma que os graves potentes de Dante

Santoro lhe pareciam exagerados. A virtuosidade no choro, embora necessariamente

vinculada ao domínio técnico do instrumento, parece revestir-se de espontaneidade,

além de se relacionar com o improviso e a bossa.

Talvez esse acercamento à música de concerto tenha levado muitos chorões a

considerarem Dante Santoro um outsider, um músico vindo da tradição erudita. Como

constatado, entretanto, sua biografia revela o contrário: que Dante participava do

ambiente do choro desde muito jovem, na companhia de Octávio Dutra. Há que se

repensar, portanto, o discurso já bastante difundido, entre os chorões, de que Dante

Santoro era um músico erudito que tocava música popular57

.

56

Segundo o dicionário Grove, virtuose é o “músico de habilidade técnica excepcional. A aplicação mais

antiga dessa palavra à música, na Itália, podia designar um teórico ou compositor muito hábil, assim

como um intérprete. A palavra foi amplamente usada por músicos italianos de todos os tipos, no norte da

Europa. No final do século XVIII, significava um músico que seguia a carreira solista, mas no século

XIX, passou a aplicar-se cada vez mais a intérpretes de brilhantismo notável, especialmente Liszt e

Paganini” (in Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, p. 1002). Uma

característica notável dos virtuoses do século XIX é a obra autoral. No Brasil, Pattápio Silva talvez seja o

grande representante desse modelo entre os flautistas, já que suas obras de estilo virtuoso foram as

primeiras a serem gravadas na era fonográfica, constituindo um marco. Na Europa, foram solistas

virtuoses de flauta, entre outros, Louis-Francois-Philippe Drouet (1792-1873); Anton Bernhard Fürstenau

(1792-1852); Jean-Louis Tulou (1786-1865); Charles Nicholson (1795-1837) e José Maria Del Carmen

Ribas (1796-1861). (RÓNAI, 2008, p. 42) 57

Essa reflexão remete à discussão já empreendida no primeiro capítulo sobre a relatividade das

categorias erudito e popular. O questionamento dessas classificações leva ao conceito da circularidade

cultural, que foi estudado, no contexto do choro, no capítulo 1.

Page 130: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

128

Acreditamos que a obra de Dante Santoro cativa o ouvinte por utilizar recursos

expressivos diferenciados dentro do repertório do choro. Aparte do interesse que

desperta nos flautistas, por se tratar de um repertório idiomático extremamente rico, ela

chama a atenção pelo uso de recursos interpretativos e composicionais pouco comuns a

seus contemporâneos.

Nos próximos capítulos, a obra de Dante Santoro ganhará enfoque:

primeiramente sua listagem (Capítulo 3), no intuito de conhecer sua variedade e

abrangência; logo, sua análise (Capítulo 4), com o objetivo de estudar os elementos

presentes em sua música, bem como suas semelhanças e diferenças em relação à obra de

outros compositores de choro.

Page 131: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

129

CAPÍTULO 3

GUIA PARA A OBRA DE DANTE SANTORO

Este capítulo tem por objetivo oferecer um guia para a produção de Dante

Santoro, destinado a listar as partituras e gravações do flautista e informar em que

acervo estão localizados esses documentos. Para organizar o material coletado, buscou-

se orientação no trabalho de André Henrique Guerra Cotta (2000), visando atender aos

princípios básicos de tratamento da informação58

.

Inicialmente, verificou-se que a obra de Dante Santoro não estava condensada

em um único fundo arquivístico, mas se encontrava dispersa em vários acervos59

.

Assim, iniciou-se a busca em oito acervos, a saber: acervo particular do sobrinho

Homero Santoro, em Porto Alegre; acervos públicos do Museu da Comunicação

Hipólito José da Costa (MCHJC), em Porto Alegre; Museu da Imagem e do Som do Rio

de Janeiro (MIS); Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro; Biblioteca da

Escola de Música da UFRJ, no Rio de Janeiro; Divisão de Música da Biblioteca

Nacional (BN), no Rio de Janeiro; Arquivo Nacional; e acervo virtual do Instituto

Memória Musical Brasileira. Também contribuíram com material, no decorrer da

pesquisa, os Professores Milton D´Avila e Odette Ernest Dias (com partituras de seus

acervos pessoais) e Pedro Aragão (com partituras do acervo do Instituto Jacob do

Bandolim).

Quando possível, os documentos foram coletados nesses diferentes acervos em

formato digital, sendo acrescentados aos anexos deste trabalho. Nos casos em que não

foi possível obter a cópia digitalizada, as listagens presentes neste capítulo permitirão

obter informações prévias à consulta ao acervo original. Para a organização do

58

O guia é um instrumento de busca, ou seja, um instrumento que descreve o conteúdo de um dado

conjunto documental, fornecendo dados para sua localização. (COTTA, 2000, p. 93). 59

Segundo o General International Standard Archival Description ISAD (G), fundo arquivístico é um

conjunto de documentos, independente da forma e do suporte, organicamente produzido e/ou acumulado

por uma pessoa física, família ou instituição no decurso de suas atividades e funções. (COTTA, 2000, p.

50). Na arquivologia, o termo arquivo faz referência a um processo orgânico de produção e acumulação,

enquanto o termo coleção se refere a um conjunto de documentos reunidos sob determinado critério

científico ou artístico. Utilizar-se-á, neste trabalho, o termo neutro acervo para indicar a totalidade dos

documentos custodiados por uma instituição, englobando arquivos e coleções. (COTTA, 2000, p. 58).

Page 132: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

130

material60

, fez-se um levantamento de cada acervo, listando os títulos disponíveis por

ordem onomástica da obra e breve descrição. Em seguida, esses dados foram agrupados

e classificados em séries: Partituras editadas (Quadro 2), Manuscritos (Quadro 3),

Discografia (Quadros 4 e 5) e Gravações da Rádio Nacional (Quadro 6)61

.

No caso das partituras editadas e da discografia, a descrição atendeu aos

seguintes parâmetros, baseados nos elementos fundamentais para a informação

descritiva, mencionados por COTTA (2000, p. 80):

a) código de referência: gravadora, número de série e formato da mídia, no

caso de discos; editora, código de localização no acervo e instrumentação,

no caso de partituras

b) título da obra e gênero musical

c) data de produção

d) nome do produtor: compositores e intérpretes

e) origem: nome do acervo e da coleção

No que se refere aos manuscritos, a maior parte foi encontrada na Biblioteca

Alberto Nepomuceno da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ). Inicialmente, esses manuscritos não foram identificados no acervo. Porém,

após a consulta desta pesquisadora e, com o empenho da equipe da Biblioteca, os

documentos foram localizados e catalogados pela instituição, ficando pendente apenas

sua digitalização. A lista desses manuscritos, segundo os critérios de catalogação da

Biblioteca, encontra-se nos anexos do trabalho. No Quadro 3 deste capítulo, apresenta-

se uma listagem proveniente da consulta desta pesquisadora ao acervo. Os parâmetros

mencionados anteriormente foram seguidos sempre que possível, incluindo-se estes

itens: a) observações desta pesquisadora que podem acrescentar dados a futuras

consultas ao acervo original; b) classificação dos manuscritos em manuscritos

60

A operação de análise e ordenação de um acervo arquivístico é chamada arranjo, enquanto que a

ordenação física do material é chamada encaixe. Nessas etapas, deve-se observar a proveniência do fundo

como elemento primordial e adequar a disposição dos documentos na medida do estritamente necessário

(COTTA, 2000, p. 65 a 74). Nesta pesquisa, lidamos com fundos diversos, que pretendemos agrupar em

um conjunto único, cujo material será organizado em séries baseadas no suporte utilizado (partitura ou

gravação). 61

A série Discografia se refere aos discos com lançamento comercial por gravadoras. Já a série

Gravações da Rádio Nacional abriga registros de programas da Rádio Nacional sem lançamento

comercial, obtidos pela consulta à coleção Rádio Nacional do Museu da Imagem e do Som do Rio de

Janeiro.

Page 133: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

131

autógrafos ou manuscritos de autor desconhecido. Outros manuscritos encontrados

individualmente nos demais acervos consultados serão comentados mais adiante ao

longo deste capítulo.

No caso das gravações da Rádio Nacional, foi necessário incluir no parâmetro

código de referência estas informações: a) número do CD (ao lado da indicação do

número original do disco de acetato), dado que possibilita encontrar a gravação

digitalizada no acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro; b) nome do

programa da Rádio Nacional a que se refere a gravação ou “gravação avulsa”, quando

se trata de gravação em estúdio não vinculada a nenhum programa.

A seguir serão apresentados os quadros descritivos de cada série com breves

comentários sobre o processo de busca nos acervos. A observação dos dados permitirá,

ainda, quantificar a produção de Dante Santoro.

3.1 Partituras Editadas e Manuscritos

Dante Santoro compôs cerca de cem obras, entre choros, valsas, polcas,

marchas, danças, sambas, canções, boleros, segundo o levantamento de discos,

partituras editadas e manuscritos. O total de 33 obras foram editadas pelas casas ES

Mangione, Irmãos Vitale, Musical Brasileira, Tupy, Euterpe, Continental e Carlos

Wehrs entre 1935 e 1954 (Quadro 2).

Quadro 2: Partituras editadas compostas por Dante Santoro

Título Gênero Edição Ano Instrumentação Acervo

Beijo ao luar

(Letra: José

Caó)

Marcha

Ed. Brasileira

de Música

Popular

1950 Sopro em sib

MIS

Almirante

(B6447)

Colombina

sofre

(Letra:

Godofredo

Santoro)

(Orq: Leo)

Marcha Irmãos Vitale 1935

Canto e piano

MIS

Almirante

(13710)

Canto e piano/

violino; 2 pistons; 2

sax alto; sax tenor;

trombone; tuba

Homero

Santoro

Castigando

(Arranjo: Totó) Choro Tupy 1943 Flauta e piano

MIS

Almirante

(B-548)

Page 134: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

132

Delírio Chinez Dança

Oriental Euterpe 1954 Flauta

MIS

Almirante

(B-15.191)

É logo ali Polca-

choro Irmãos Vitale

1938 Flauta e cifra MIS

Almirante

s.d. Flauta

Milton

D´Avila

Odette

Ernest Dias

Esquecimento Choro

Irmãos Vitale 1938 Flauta e cifra MIS

Almirante

Irmãos Vitale s.d. Flauta

Milton

D´Avila

Odette

Ernest Dias

Gilka Valsa de

Concerto E.S. Mangione s.d. Flauta

MIS

Almirante

(B-15.190)

Milton

D´Avila

Gilka

(Letra: Milton

Amaral)

Valsa E. S. Mangione s.d.

Piano / flauta ou

violino; sax alto, sax

tenor; 2 pistons sib;

trombone; baixo

Homero

Santoro

Horas Tristes Valsa-

Canção E.S. Mangione s.d.

Canto e piano

MIS

Almirante

(B-15.191)

Flauta Milton

D´Avila

Inferno de

Dante Choro E.S. Mangione s.d. Flauta

MIS

Almirante

(B-15.191)

Milton

D´Avila

Lágrimas de

Rosa

(Letra: Kid

Pepe)

(Instr: H.

Vogeler)

Valsa

Ed. Rádio

Continental

Ltda

s.d.

Piano

MIS

Almirante

(6286)

Piano / Violino;

piston sib; sax alto;

sax tenor; trombone;

baixo

Homero

Santoro

Lenda Árabe Canção

Oriental Irmãos Vitale 1937 Canto e piano MIS

Martyrios

(Letra:

Corintho

Álvares)

Valsa-

Canção E.S.Mangione s.d. Canto e piano

MIS

Almirante

(23470)

Page 135: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

133

Murmúrios

d´alma Valsa

E.S. Mangione s.d. Canto e piano

IMS

Tinhorão

(CX-6872)

E.S. Mangione s.d. Flauta

MIS

Almirante

(B-15.190)

Milton

D´Avila

Não sei mentir Samba Tupy 1942 Piano

MIS

Almirante

(B-1345)

Não tem pra ti Choro E.S. Mangione s.d. Flauta

MIS

Almirante

(B-15.190)

Milton

d´Avila

Nena

(Letra:

Godofredo

Santoro)

(Orq: Leo)

Valsa-

Canção Irmãos Vitale 1935

Canto e piano

MIS

Almirante

(B-15099)

Violino ou flauta e

piano / piston sib; sax

alto; sax tenor; tuba;

trombone

Homero

Santoro

Nena Valsa de

concerto Irmãos Vitale s.d. Flauta

Milton

D´Avila

Odette

Ernest Dias

No Bar do

Oswaldo Choro Euterpe 1954 Flauta

MIS

Almirante

(B-15.191)

No mientas

(Letra: Scylla

Gusmão)

(Orq.

Guaraná)

Bolero Musical

Brasileira 1946 Canto e piano

MIS

Almirante

(B-3920)

Oh, Deus! Samba Irmãos Vitale 1952 Sopro em sib

MIS

Almirante

(B6470)

IMS

Tinhorão

(CX.34-10)

Olha o Jacaré

(Letra: Scylla

Gusmão)

Marcha E.S.Mangione 1941 Piano

MIS

Almirante

(B-1552)

Olhos Magos

(Letra:

Godofredo

Santoro)

Valsa-

Canção E.S. Mangione 1943 Canto e piano

MIS

Almirante

(23546)

Page 136: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

134

Páginas Mortas

(Letra: Scylla

Gusmão)

Valsa Tupy 1943 Canto e piano

MIS

Almirante

Quando a

minha flauta

chora

Choro Casa Carlos

Wehrs s.d. Piano

MIS

Almirante

(B 6930)

Silencioso Choro E. S. Mangione 1949 Canto e piano

MIS

Almirante

(B3746)

Scylla Valsa Irmãos Vitale 1941 Piano

MIS

Almirante

(8222)

Soluços

(Letra: Scylla

Gusmão)

Valsa Musical

Brasileira 1941

Canto e piano

MIS

Almirante

(9629)

IMS

Tinhorão

Só na minha

flauta Choro E.S. Mangione s.d. Flauta

MIS

Almirante

(B-15.191)

Milton

D´Avila

Sombras da

noite

(Letra:

Godoferedo

Santoro)

Valsa-

Canção

Casa Carlos

Wehrs s.d. Piano

MIS

Almirante

(B 6942)

Vidas mal

traçadas Valsa Tupy 1944 Canto e piano MIS

Fonte: acervos do Instituto Moreira Salles (IMS – coleção Tinhorão), Museu da Imagem e do Som do Rio

de Janeiro (MIS – coleção Almirante) e acervos particulares de Milton D´Avila e Odette Ernest Dias.

Como se observa no Quadro 2, as partituras constantes do acervo do Museu da

Imagem e do Som são, em sua maioria, parte da coleção do radialista Almirante, a quem

está dedicado o único manuscrito encontrado nessa coleção - o choro Chega de amor

(figura 34), para piano. Trata-se de um manuscrito autógrafo. A parceria de Corintho

Álvares (letrista), sugere tratar-se de um choro cantado, ainda que a letra não tenha sido

encontrada. Não foram encontradas, tampouco, edições ou gravações desse choro.

O bandolinista e pesquisador Pedro Aragão (2011) forneceu a esta

pesquisadora três cópias manuscritas de músicas de Dante Santoro, pertencentes ao

acervo Jacob do Bandolim do Museu da Imagem e do Som. Esse acervo está composto

de partituras impressas e manuscritas, catalogadas por Jacob do Bandolim. Entre os

Page 137: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

135

manuscritos copiados por terceiros, está o do choro Quando a minha flauta chora,

pertencente à classificação partituras manuscritas horizontes (PMH1448). Essa partitura

foi transcrita pelo clarinetista Manuel Pedro do Nascimento em 01/05/1932, conforme

informação constante do manuscrito.

Outro manuscrito dessa coleção é o do bolero Lamento árabe, encontrado

entre as partituras manuscritas verticais (PMV0106), sem indicação do copista e data. Já

a valsa Sonhando consta de um dos 34 cadernos manuscritos por antigos chorões, que

foram herdados por Jacob do Bandolim, possivelmente de Candinho Trombone. A

partitura consta do caderno 13, do bandolinista Patrocínio Gomes, copiada por R.

Macedo, em 11/01/1948. (Aragão, 2011, p. 240).

Figura 34. Manuscrito do choro Chega de amor. S.d. Fonte: Museu da Imagem e do Som (Almirante

3924).

A partitura do choro Silencioso, para canto e piano, único manuscrito

encontrado no acervo do Instituto Moreira Salles, é parte da coleção Pixinguinha

(CX.16133), porém não foi possível obter acesso a esse documento, pois estava em fase

de recuperação. Um dos choros mais conhecidos de Dante Santoro, Silencioso foi

Page 138: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

136

gravado duas vezes: por Albertinho Fortuna com o Sexteto Star (Star, 159, s/d) e pelo

próprio Dante Santoro com seu Regional (Odeon 12.920, 1949), em uma gravação que

tem como introdução um solo de oboé, fato que parece ser inédito no contexto do choro.

A figura 35 mostra um trecho da primeira parte da obra, na edição E.S. Mangione, de

1949.

Já o manuscrito do choro Esquecimento (figura 36), para flauta e piano, foi

encontrado no acervo da família Santoro em Porto Alegre e é um dos poucos

manuscritos datados de Dante Santoro. Foi escrito em 1923, quando o flautista tinha 19

anos, ainda em Porto Alegre. Há outra versão desse choro, que será comentada mais

adiante (cf. figura 38).

Figura 35. Silencioso. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, 1949. Fonte: Acervo do Instituto Moreira

Salles.

A Professora Odette Ernest Dias apresentou dois manuscritos que lhe foram

dados por Dante Santoro. Um deles é o choro Soffro sem querer, de Candinho, no qual

consta a anotação “Antônio Santoro. Avenida Eduardo, 1204, Porto Alegre”. O outro é

o choro Campo Grande, de autor desconhecido, cuja partitura tem a anotação: “Octávio

Dutra. São Luiz, 471, Parthenon”. Esse endereço aparece riscado e, logo abaixo, a nova

direção: “Cel. Bello, 646, Menino Deus, Porto Alegre”. A análise da grafia revela que

Page 139: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

137

não são manuscritos autógrafos, mas cópias de autor desconhecido, provavelmente

confeccionadas no período em que Dante Santoro ainda vivia em Porto Alegre.

Figura 36. Manuscrito do choro Esquecimento, para flauta e piano. Caxambu, 1923. Fonte: acervo da

família Santoro.

No Rio de Janeiro, foram encontrados 74 manuscritos na Biblioteca Alberto

Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ (Quadro 3). Infelizmente a instituição não

dispõe de dados referentes à origem dessas partituras, cujas descoberta e catalogação

foram motivadas por esta pesquisa. O grande número de documentos levanta a hipótese

de que esse acervo tenha sido o arquivo pessoal do compositor em vida. Entre esses

manuscritos, 37 composições ainda estão inéditas.

Observou-se que a maior parte das partituras são manuscritos autógrafos, sendo

apenas 12 de autores desconhecidos. Embora os manuscritos autógrafos não sejam

firmados nem datados, um deles apresenta a observação “cópia do autor” e foi utilizado

como referência: trata-se da valsa Horas tristes, para flauta e piano. Nota-se que a grafia

de Dante Santoro é muito clara e característica (especialmente o desenho de sua clave

de sol, cf. figuras 34 e 36), o que facilitou o trabalho de reconhecimento de seus

manuscritos por sua caligrafia.

Page 140: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

138

Quadro 3: Manuscritos encontrados na Biblioteca Alberto Nepomuceno

AUTOR MÚSICA INSTRUMENTAÇÃO

(observações)

TIPO

Dante Santoro Antes só!

(batucada)

Melodia canto Autógrafo

Dante Santoro

Beijo ao luar

(marcha)

Piano (melodia c/baixo e algumas

indicações de harmonia). Anotação

de capa: Esther de Abreu

Autógrafo

Dante Santoro

e José Caó

Piano, introdução reduzida. Há

diferença na distribuição das vozes.

Manuscrito de autoria

desconhecida

Dante Santoro Bagaço (choro) Melodia (algumas anotações de

acordes e conduções de baixo)

Autógrafo

Melodia em duplo sistema (a parte

B tem anotações de acordes e

conduções de baixo, parece não ter

concluído a harmonização)

Autógrafo

Dante Santoro Bolero (samba) Melodia em duplo sistema (parece

não ter concluído a harmonização)

Autógrafo

Dante Santoro Lamentos (valsa

serenata)

Flauta e piano (tipo valsa de

concerto, com cadência)

Autógrafo

Dante Santoro Betinho (choro) Melodia para flauta Autógrafo

Dante Santoro

e Alberto ...

(rasurado e

ilegível)

Chorando o

passado (samba)

Canto e piano Autógrafo

Canto e piano. Partitura igual, mas

com grafia diferente.

Manuscrito de autoria

desconhecida

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Carnaval mais

lindo (marcha)

Melodia em duplo sistema

(harmonização não foi feita)

Autógrafo

Dante Santoro Delírio chinês

(dança oriental)

Melodia (algumas anotações de

acordes)

Autógrafo

Dante Santoro Depois... (valsa) Melodia (algumas guias de

acompanhamento, conduções)

Autógrafo

Dante Santoro Sombras da noite

(valsa)

Melodia (conduções de baixo

anotadas, várias marcações de

tempo)

Autógrafo

Dante Santoro

e Heron

Domingues

Deuza do mar

(valsa?)

Melodia (no verso escrito

Secretaria do Interior)

Autógrafo

Dante Santoro Delírio da

saudade (valsa

canção)

Melodia com anotações de

harmonia, que podem ser do

próprio Dante.

Autógrafo

Dante Santoro Murmúrios

(choro)

Melodia (anotações de acordes na

introdução) compasso 2/4

Autógrafo

Dante Santoro

e Scylla

Gusmão

Don´t lie (fox

blue)

Canto e piano (mesma melodia da

valsa Gilka, letra em inglês,

compasso 2/2)

Autógrafo

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Minha dor (valsa) Canto e piano (com introdução

virtuosística para flauta). Há três

versões (dois rascunhos). A

introdução foi adicionada depois.

Autógrafo

Etnad Flauta selvagem Melodias para flauta e clarone, em Parte da flauta:

Page 141: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

139

(choro) partes separadas. autógrafo

Parte do clarone:

grafia de Nelson Piló

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Essa voz (samba-

canção)

Canto e piano. Na capa, escrito

Orlando (Silva?). Atrás há um

esboço que pode ser um

contracanto.

Autógrafo

Dante Santoro Horas tristes

(valsa)

Piano (cópia do autor) Autógrafo

Melodia (flauta) Autógrafo

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Hilda! (valsa) Canto e piano Autógrafo

Canto e piano (há duas versões

iguais, uma deve ser rascunho e

outra definitiva)

Autógrafo

Dante Santoro Scylla (valsa) Melodia (flauta) Autógrafo

Dante Santoro Castigando

(choro)

Melodia (flauta) Autógrafo

Dante Santoro

Arr. Adalto

Silva

Inferno de Dante

(choro)

Sopros e percussão, grade de

piano. Flauta solo, 2 sax alto, 2 sax

tenor,3 trompetes, trombone,

contrabaixo e bateria. Tom: Dm

Autógrafo de Adalto

Silva

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Ilusão de garoto

(canção)

Canto e piano Autógrafo

Piano (anotações: na capa –

Minhonha (?) e no verso um

esboço que parece ser de uma

marcha)

Autógrafo

Dante Santoro Guanabara

(choro)

Melodia (no verso uma cópia do

Inferno de Dante inutilizada – falta

um compasso da parte B). Mesma

melodia de Jóquei de elefante.

Manuscrito de autor

desconhecido

Dante Santoro Jóquei de elefante

(polca-choro)

Piano Autógrafo

Melodia (flauta) Autógrafo

Flauta e clarineta Autógrafo

Dante Santoro Lágrimas de Rosa Piano Autógrafo

Conjunto misto (arranjo da

gravação): violino, sax tenor, sax

barítono, trompete, trombone,

contrabaixo.

Manuscrito de autor

desconhecido (checar

na gravação)

Dante Santoro Judith (valsa) Melodia em duplo sistema.

Anotações de harmonia a lápis,

harmonização incompleta. Podem

ser anotações do José Caó.

Autógrafo

Parte orquestral (grade e partes

separadas, arranjo da gravação):

piano, flauta, 2 sax alto, 2 sax

tenor, 1 sax barítono, guitarra,

contrabaixo

Manuscrito de autor

desconhecido (grafia

parecida à de Beijos

ao luar, sugere que

seja José Caó)

Dante Santoro Lúcia Helena

(valsa)

Melodia (flauta), com anotações de

harmonia; há variações melódicas

que não constam na parte de canto.

Autógrafo

Melodia para canto Autógrafo

Dante Santoro

e G. Ghiaroni

Loucura

(beguine)

Canto e piano Manuscrito de autor

desconhecido (pode

ser do Ghiaroni)

Dante Santoro Mágoa de 1. Melodia em sistema duplo (com Autógrafo

Page 142: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

140

colombina

(samba-canção)

anotações de harmonia que

parecem ser do próprio Dante)

2.Melodia

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Lírio perdido

(valsa canção)

Canto e piano

Autógrafo

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Martírios Canto e piano

Autógrafo

Flauta, clarineta, violino,

violoncelo e contrabaixo. Arranjo

com grade e partes separadas.

Parece ser de sua autoria.

Autógrafo

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Minha promessa

(samba)

Canto e piano Autógrafo

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Morena Melodia canto em duplo sistema

(harmonização incompleta). A letra

está anotada de próprio punho.

Autógrafo

Dante Santoro Minuano triste

(choro)

Melodia para flauta. Autógrafo

Dante Santoro Exaltação (valsa) Melodia para flauta. Autógrafo

Dante Santoro Na minha flauta

(marcha)

Melodia (no verso, esboço de

Delírio Chinês incompleto)

Autógrafo

Belmacio

Pousa Godinho

Mulatinho

(maxixe)

Flauta, clarineta e contrabaixo Autógrafo

Dante Santoro Murmúrios

d´alma (valsa)

Canto e piano (sem letra) Autógrafo

Dante Santoro Nair (choro) Melodia para flauta. No verso, Sou

Teimoso, de Jacob do Bandolim.

Manuscrito de autor

desconhecido

Dante Santoro Na minha flauta

tu não tocas mais!

(marcha

carnavalesca)

Melodia (Eb)

Melodia (F). A versão definitiva

parece ser em Fá maior.

Parece ser desenvolvido a partir de

Na Minha Flauta

Autógrafo

Dante Santoro No bar do

Oswaldo (choro)

Melodia em ¾ Autógrafo

Melodia em 2/4. Diz choro-

batucada.

Manuscrito de autor

desconhecido

Dante Santoro

e Corintho

Alvares

Não me venhas

com esta cara...

(samba)

Canto e piano (rascunho)

(anotações de harmonia parecem

de outra pessoa)

Autógrafo

Canto e piano. Anotação:

repertório de Vera Prado.

(definitiva)

Autógrafo

Dante Santoro Nena (valsa

canção)

Canto e piano (não tem letra). Com

introdução virtuosística p/ flauta.

Autógrafo

Rio, 2/3/1935

Dante Santoro Não tem pra ti

(polca)

Partes de flauta e clarineta. A parte

de clarineta são contracantos. Há

anotações de condução na parte da

flauta.

Autógrafo

Dante Santoro No mistério da

vida (samba)

Melodia em sistema duplo. Letra,

sem autoria. Sem harmonização.

Incompleta.

Autógrafo

Dante Santoro Nossa aurora Canto e piano. Sem letra. Autógrafo

Page 143: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

141

e Godofredo

Santoro

(marcha)

Dante Santoro

e Pasqual

Santoro

Non so che dire

(canção italiana)

Canto e piano

Autógrafo (cópias

heliográficas anexas)

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Nossa Senhora do

Morro (samba

canção)

Canto e piano. Letra com

modificações à mão de Dante

Santoro.

Autógrafo

Dante Santoro

e Dr. Alberto

Manes

O que tu és (valsa

canção)

Canto e piano. Autógrafo

Dante Santoro

e Ary Picaluga

Oh! Deus (samba) Arranjo de Ary Picaluga. Sem

letra. 2 sax altos, 1 sax tenor, 2

trompetes, 1 trombone, piano,

guitarra e contrabaixo.

Manuscrito de autoria

desconhecida (deve

ser de Ary Picaluga)

Dante Santoro

e Arnaldo

Passos

Perto de mim

(batucada). Na

capa: samba

Canto e piano Autógrafo

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Olhos magos

(valsa canção)

Canto e piano. Título original:

Olhos Maternos.

Autógrafo

Dante Santoro,

Joca e Jacaré

Primavera

carioca! (marcha)

1. Canto e piano (versão inicial)

2.Canto e piano (passado a limpo

com modulações)

3. Arranjo Pixinguinha: 2 sax alto,

1 sax tenor, 2 trompetes, 1

trombone, 1 contrabaixo

Todos Autógrafos

Dante Santoro:

Luiz e Nelson.

Godofredo

Santoro

Prece de amor

(samba-canção)

ou Beijos vis.

Canto e piano Autógrafo

Dante Santoro

e Scylla

Gusmão

Quero-te como és

(valsa canção)

Arranjo (rascunho em parte de

piano): 2 sax alto, 1 sax tenor, 2

trompetes, 1 trombone e 1 baixo

Manuscrito autor

desconhecido

Melodia em duplo sistema (esboço

de harmonia em cifras). Essas

anotações de harmonia podem ser

do arranjador.

Autógrafo

Dante Santoro

e Aldo Cabral

(1912-19440

Reflexos Melodia em sistema duplo

(harmonia a lápis), primeira versão

Autógrafo

Canto e piano (versão definitiva, c/

mudança de letra e melodia)

Autógrafo

Dante Santoro

e Godofredo

Santoro

Rancho saudoso

(canção sertaneja)

Canto e piano Autógrafo

Dante Santoro

e Scylla

Gusmão

Rosário de ironias

(valsa-canção)

Canto e piano. Autógrafo

Dante Santoro Scylla Versão 1: Canto ( melodia)

Albertinho: Fá maior

Autógrafo

Versão 2: flauta: sol maior Autógrafo

Page 144: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

142

Anotações de melodias: Da cor do

pecado e Nova ilusão

Autógrafo

Dante Santoro Silencioso (choro) Contrabaixo Autógrafo

Dante Santoro

e G. Ghiaroni

Posso sofrer

(valsa)

Contrabaixo Autógrafo

Dante Santoro Mate amargo

(polca)

Contrabaixo Autógrafo

Dante Santoro Vidas mal

traçadas (valsa)

Contrabaixo Autógrafo

Dante Santoro Sonho (valsa)

Título original:

Crepúsculo

Melodia (flauta) Autógrafo

Melodia em sistema duplo

(algumas anotações de harmonia;

harmonização incompleta)

Autógrafo

Dante Santoro Suzana (valsa) Melodia flauta (c/ cadência) Autógrafo

Canto e piano

Versão 1: melodia a caneta e

anotações harmonia a lápis)

Versão 2: completa, definitiva

Autógrafo

Dante Santoro Só na minha

flauta

Melodia Autógrafo

Dante Santoro Taça de cristal

(valsa-fox)

Melodia (mesma da valsa Gilka) Autógrafo

Dante Santoro

e Heron

Domingues

Teu castigo

(samba)

Melodia. Letra. Autógrafo

Dante Santoro Teu feitiço

(choro)

Melodia (flauta). Autógrafo

Excerto: introdução – E maior Autógrafo

Dante Santoro

e G. Ghiaroni

Teus olhos

(tango)

Canto e piano

Anotações para o arranjador

Autógrafo

Arr: Radamés Gnatalli

Cordas, flauta, clarineta e voz

Autógrafo.

A grade foi transcrita

por Dante, não tem

partitura do Radamés.

Dante Santoro Vidas maltraçadas

(valsa)

Melodia. Autógrafo

Dante Santoro

e Heron

Domingues

Wilma (valsa) Melodia Autógrafo

Dante Santoro? Serpentina Melodia Autógrafo

Dante Santoro? Maninho Melodia Autógrafo

Dante Santoro Samba do Dante

Santoro

1. Canto e piano

Autógrafo

2. Arranjo: clarinete, 2 trompetes,

sax tenor, coro (trio), contrabaixo,

piano e voz solista

Manuscrito de autor

desconhecido

(arranjador) Fonte: Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ. Os campos em cinza

assinalam as obras lançadas em disco ou editadas. Os campos em branco correspondem a obras inéditas.

A consulta aos manuscritos revelou como Dante Santoro compunha suas

músicas: escrevia a melodia em duplo sistema e, logo, completava a harmonia, com os

acordes e as conduções do baixo, em uma escrita bastante simples para piano. Em

Page 145: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

143

alguns manuscritos, apenas a melodia da flauta é escrita. Nesses casos, geralmente há

anotação de acordes e convenções da linha do baixo na mesma pauta. É o caso, por

exemplo, de Delírio chinês (dança oriental), Depois... (valsa), Sombras da noite (valsa)

e Murmúrios (choro).

Também há músicas em que Dante Santoro escreve os contracantos para um

segundo solista. É o caso de Jóquei de elefante (choro) e Não tem pra ti (polca), que

tem partes de flauta e clarineta, assim como Flauta selvagem (choro), que tem partes de

flauta e clarone (esta última com grafia de Nelson Piló).

Muitos de seus manuscritos são obras para canto e piano. As melodias,

inicialmente compostas e harmonizadas, ganhavam letras e tornavam-se canções. Dante

Santoro trabalhou com dois letristas em especial: seu irmão Godofredo Santoro, que era

militar, e a amiga Scylla Gusmão, uma poetisa natural do estado do Pará. Além destes,

também há parcerias com Corintho Álvares, Heron Domingues (o Repórter Esso),

Alberto Manes, Arnaldo Passos, Kid Pepe e Aldo Cabral62

. A figura 37 mostra a

partitura editada de uma dessas músicas, a valsa Horas tristes, de Dante Santoro e

Corintho Álvares.

Há partituras repetidas, que parecem ser diferentes versões da mesma obra:

algumas são rascunhos, outras versões definitivas. Dante tinha o hábito de passar a

limpo suas partituras, inclusive obras de outros autores, como Sou teimoso, de Jacob

Bittencourt; Da cor do pecado, de Bororó; e Luzeiro, de Eduardinho, que foram

encontradas no verso de composições de sua autoria. Também há arranjos de outros

compositores sobre suas composições, cuja grade foi transcrita por Dante Santoro: é o

caso da marcha Primavera carioca, com arranjo de Pixinguinha e o tango Teus olhos,

arranjado por Radamés Gnattali.

62

Heron Domingues (1924-1974), locutor, ficou conhecido como o Repórter Esso, alcunha retirada do

programa jornalístico por ele apresentado na década de 1940. Foi diretor da Divisão de Radiojornalismo

da Rádio Nacional na década de 1950. Alberto Manes foi radialista, dirigiu, na década de 1930, a Rádio

Guanabara e compôs músicas em parceria com Felisberto Martins e Benedito Lacerda. Arnaldo Passos

(c.1910-c.1964) assinou parcerias com diversos compositores, nas décadas de 1950 e 1960 . Devido a sua

habilidade em divulgar músicas junto a gravadoras, intérpretes e rádios, suas obras alcançaram projeção

na voz de cantores como Ângela Maria, Marlene e Cauby Peixoto. José Gelsomino, o Kid Pepe (1909-

1961), ex-boxeador, tornou-se locutor na década de 1930. Teve composições (em sua maioria sambas)

gravadas nas décadas de 1930 e 1940 por Almirante, Orlando Silva, Moreira da Silva, entre outros. Aldo

Cabral (1912-1994) destacou-se nas décadas de 1930 e 1940 como letrista de valsas, sambas e

marchinhas de carnaval. Seu principal parceiro foi o flautista Benedito Lacerda.

Page 146: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

144

Figura 37. Horas Tristes, valsa. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, s.d. Fonte: acervo do Museu da

Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

Às vezes as harmonizações parecem ser complementadas por arranjadores:

Dante fazia um rascunho com anotações básicas de harmonia e conduções e um

segundo arranjador fazia a versão definitiva, que continha a condução das vozes na

parte do piano. Essa suposição se baseia nas diferenças de grafia encontradas entre os

rascunhos e as versões definitivas nas seguintes obras: Beijo ao luar (marcha),

Chorando o passado (samba) e Não me venhas com esta cara (samba).

Constata-se, entretanto, que na maior parte das partituras para piano as

harmonizações são feitas por Dante Santoro, pois não há diferenças de grafia. Percebe-

se que essas harmonizações eram construídas passo a passo: a partir da melodia

principal escrevia-se o baixo; logo, construíam-se as vozes intermediárias, de forma a

preencher a harmonia. Algumas partituras contêm somente a melodia ou ficaram com

harmonizações incompletas, o que pode indicar que esse trabalho levava certo tempo.

A autoria dos arranjos é quase sempre de maestros que trabalhavam na Rádio

Nacional, por isso supõe-se que essas obras foram utilizadas na programação da

emissora. Entre as partituras editadas (Quadro 2), há quatro obras orquestradas: a

Page 147: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

145

marcha Colombina sofre (violino, 2 sax alto, sax tenor, 2 trompetes, trombone e tuba) e

a valsa Nena (violino ou flauta, sax alto, sax tenor, trompete sib, trombone e tuba),

orquestradas por Leo Peracchi (1911-1993); a valsa Lágrimas de Rosa (violino, sax

alto, sax tenor, trompete sib, trombone e contrabaixo), orquestrada por Henrique

Vogeler (1888-1944); e a valsa Gilka (violino, sax alto, sax tenor, 2 trompetes sib,

trombone e contrabaixo), cujo arranjo é de autor desconhecido (essa versão editada é a

mesma gravada pela Orquestra Victor Brasileira com Vicente Celestino, em 1938, pelo

selo Victor 34.370).

Os arranjos manuscritos, encontrados na Biblioteca Alberto Nepomuceno

(Quadro 3), são os seguintes: choro Inferno de Dante (flauta solo, 2 sax alto, 2 sax

tenor, 3 trompetes, trombone, contrabaixo e bateria), arranjo de Adalto Silva; valsa

Lágrimas de Rosa (violino, sax tenor, sax barítono, trompete, trombone e contrabaixo),

possivelmente o mesmo arranjo de Henrique Vogeler (acima) – trata-se do arranjo

utilizado na gravação de Vicente Celestino com a Orquestra Victor Brasileira em 1937

(RCA Victor, 34.213); valsa Judith (flauta, 2 sax alto, 2 sax tenor, 1 sax barítono,

guitarra, piano, contrabaixo), arranjo de autor desconhecido - trata-se do arranjo

utilizado na gravação de Dante Santoro com o grupo “Carioca e seus saxofones”,

dirigido pelo Maestro Ivan Paulo, o Carioca (Odeon Veroton, 12.965, 1949); samba Oh

Deus! (2 sax altos, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone, piano, guitarra e contrabaixo),

arranjo de Ary Picaluga – trata-se do arranjo utilizado na gravação de Afrânio

Rodrigues e orquestra (Odeon 13.377, s/d); marcha Primavera carioca (2 sax alto, 1 sax

tenor, 2 trompetes, 1 trombone, 1 contrabaixo), arranjo de Pixinguinha, datado de

25/10/1937; valsa Quero-te como és (2 sax alto, 1 sax tenor, 2 trompetes, 1 trombone, 1

contrabaixo), arranjo de autor desconhecido; tango Teus Olhos (cordas, flauta, clarineta

e voz), arranjo de Radamés Gnatalli; Samba do Dante Santoro (voz solista, clarineta, 2

trompetes, sax tenor, coro (trio), contrabaixo e piano), arranjo de autor desconhecido.

Acredita-se que o arranjo da valsa Martírios (flauta, clarineta, violino,

violoncelo e contrabaixo) tenha sido feito pelo próprio Dante Santoro. Há uma gravação

dessa obra, por Vicente Celestino com a Orquestra Victor Brasileira (Victor, 34.443,

1939), porém esse arranjo é uma versão inédita, para grupo de câmara, portanto

diferente das orquestrações habituais no meio radiofônico. Reforça essa hipótese o fato

da partitura ser um manuscrito autógrafo.

Page 148: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

146

O arranjo do Chorinho gostoso (flauta, violino, violoncelo e contrabaixo), pode

também ser de autoria de Dante Santoro, embora a grafia da partitura seja desconhecida

(figura 38). Esse manuscrito, encontrado no acervo da família Santoro, traz o mesmo

conteúdo musical do choro Esquecimento, para flauta e piano, cujo manuscrito foi

apresentado, anteriormente, na figura 36. Ambos têm um número de registro (33934-97-

5), porém a data só aparece na capa da partitura do choro Esquecimento (Caxambu,

1923).

Segundo o músico Arthur de Faria, a versão original é o Chorinho Gostoso,

composto ainda em Porto Alegre aos 19 anos, que foi gravado em 1935, rebatizado de

Esquecimento. “Sua versão original funde à perfeição chorinho e música de câmara,

cheio de contrapontos e composto para uma formação das mais inusitadas: flauta,

violino tocado no colo com os dedos como um cavaquinho, cello e contrabaixo”

(FARIA, 2011). Entretanto, a julgar por sua sistemática composicional (observada nos

demais manuscritos), parece mais provável que Dante tenha composto, em 1923,

somente a melodia acompanhada do piano, sendo essa versão posteriormente arranjada

para a formação mencionada.

Figura 38. Manuscrito do Chorinho Gostoso, parte da flauta. Trata-se da mesma música do choro

Esquecimento (1923). A caligrafia não é de Dante Santoro. Fonte: acervo da família Santoro

Page 149: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

147

3.2 Discografia

A pesquisa revelou que Dante Santoro lançou 57 discos ao longo de sua

carreira, sendo 56 discos em 78 rpm e 01 LP 33⅓ rpm, pelas gravadoras Continental,

Odeon, Sinter, Star e Victor/RCA-Victor. Três discos 78 rpm com o selo da Rádio

Nacional PRE-8 foram encontrados nos acervos da Biblioteca Nacional e do Museu da

Imagem e do Som. Acredita-se que foram gravações utilizadas na programação interna

da rádio, porém sem lançamento comercial. Um disco de 78 rpm encontrado no acervo

do sobrinho Homero Santoro, contendo a canção Non so che dire, interpretada pelo

cantor Dino Dine, tampouco teve lançamento comercial. Trata-se de uma composição

em parceria de Dante Santoro com seu pai, Paschoal Santoro. Possivelmente a gravação

foi um registro pessoal em homenagem a seu pai.

O Quadro 4 mostra o quantitativo de discos por gravadora, número de série,

ano de lançamento e localização:

Quadro 4: Discografia (gravadora, nº de série, ano de lançamento e acervo)

SELO N. série Formato Ano Localização

1 Audiodiscs Arquivo

pessoal

78RPM s.d. Homero Santoro

2 Continental 15.626 78RPM s.d. Homero Santoro; MIS

3 Continental 15.689 78RPM s.d. MIS

4 Continental 17.163 78RPM s.d. BN

5 Continental 17.170 78RPM 1955 Memória Musical; MIS

6 Continental 17.600 78RPM s.d. Homero Santoro

7 Inexistente Arquivo

pessoal

78RPM s.d. Homero Santoro

8 Inexistente Arquivo

pessoal

78RPM s.d. Homero Santoro

9 Odeon 13.017 78RPM 1950 Homero Santoro; IMS

10 Odeon 13.060 78RPM 1950 Homero Santoro; IMS

11 Odeon 13.105 78RPM 1951 IMS; Memória Musical

12 Odeon 13.150 78RPM s.d. Homero Santoro

13 Odeon 13.189 78RPM 1951 Homero Santoro; BN; IMS

14 Odeon 13.254 78RPM 1952 Homero Santoro; IMS

15 Odeon 13.299 78RPM 1952 Homero Santoro; MCHJC;

IMS; MIS

16 Odeon 13.328 78RPM s.d. Homero Santoro

17 Odeon 13.377 78RPM s.d. Homero Santoro

18 Odeon 13.409 78RPM s.d. Homero Santoro

19 Odeon 13.466 78RPM 1953 Memória Musical; MIS

20 Odeon 13.505 78RPM 1953 Homero Santoro; IMS

Page 150: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

148

21 Odeon

Veroton

12.358 78RPM 1943 Homero Santoro; IMS

22 Odeon

Veroton

12.736 78RPM 1946 Homero Santoro; BN; IMS;

MIS

23 Odeon

Veroton

12.881 78RPM 1948 Homero Santoro; IMS

24 Odeon 12.920 78RPM 1949 IMS; Memória Musical;

MCHJC

25 Odeon

Veroton

12.924 78RPM 1949 BN; IMS; MIS

26 Odeon

Veroton

12.965 78RPM 1949 BN; IMS; Memória Musical

27 Odeon

Veroton

12.307 78RPM 1943 Homero Santoro; IMS

28 Odeon

Veroton

12.097 78RPM s.d. Homero Santoro

29 Odeon

Veroton

12.032 78RPM 1941 Homero Santoro; IMS

30 Odeon 12.211 78RPM 1942 IMS

31 Odeon 12.228 78RPM 1942 Memória Musical

32 Odeon

Veroton

12.292 78RPM 1943 Homero Santoro; IMS;

Memória Musical; MIS

33 Oden Veroton 12.455 78RPM s.d. BN

34 Odeon

Veroton

12.491 78RPM s.d. BN

35 PRE-8 565 78RPM s.d. BN

36 PRE-8 78RPM s.d. MIS

37 PRE-8 78RPM s.d. MIS

38 Sinter 00.00326 78RPM s.d. Homero Santoro; MIS

39 Sinter 00.00382 78RPM 1955 Homero Santoro; IMS;

MCHJC

40 Sinter 00-00.482 78RPM 1956 Memória Musical; MCHJC

41 Sinter SLP1032 LP 331/3 RPM s.d. Homero Santoro; MCHJC

42 Star 159 78RPM s.d. Homero Santoro; BN

43 RCA Victor 33.770 78RPM s.d. Homero Santoro

44 Victor 34.207 78RPM 1937 Memória Musical

45 RCA Victor 34.213 78RPM 1937 Homero Santoro; BN; IMS;

MIS

46 Victor 34.620 78RPM 1940 IMS; Memória Musical

47 Victor 34.751 78RPM 1941 Homero Santoro; BN; IMS

48 Victor 34.460 78RPM 1939 Homero Santoro; IMS

49 Victor 34.442 78RPM 1939 Homero Santoro; IMS

50 Victor 34.443 78RPM 1939 IMS

51 Victor 34.352 78RPM 1938 Homero Santoro; IMS

52 Victor 34.370 78RPM 1938 IMS; Memória Musical

53 Victor 34.185 78RPM 1937 Homero Santoro; IMS

54 Victor 34.167 78RPM s.d. Homero Santoro; BN

55 Victor 34.155 78RPM 1937 Homero Santoro; IMS

56 Victor 34.049 78RPM s.d. Homero Santoro

Page 151: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

149

57 Victor 33.991 78RPM 1935 IMS; Memória Musical

58 Victor 33.986 78RPM s.d. Homero Santoro

59 Victor 33.943 78RPM 1935 Homero Santoro; BN; IMS

60 Victor 33.968 78RPM 1935 IMS; Memória Musical; MIS

61 Victor 33.932 78RPM 1935 Homero Santoro; IMS

62 Victor 33.814 78RPM s.d. Homero Santoro

Fonte: acervos indicados na coluna 6.

A maioria dos discos contém obras compostas e interpretadas por Dante

Santoro. Foram gravadas 63 composições próprias, lançadas em discos 78 rpm entre

1935 e 1956. O Quadro 5 detalha o repertório, os autores e os intérpretes dos discos

relacionados acima, na mesma ordem numérica. Os títulos em itálico são composições

de outros autores e as linhas em cinza assinalam os discos que não têm a participação de

Dante Santoro como intérprete, somente como compositor (15 no total).

Quadro 5: Discografia (repertório, compositores e intérpretes)

Repertório Compositores Intérpretes

1 Non so che dire (canção) Pasqual e Dante Santoro Dino Dine

2 Nadie (bolero)/No mientas

(bolero)

Augustin Lara/Sila Gusmão,

Dante Santoro

Ruy Rey com

Orquestra

Continental/idem

3 Tira cisma/Puladinho

(rancheira)

Pedro Raimundo Pedro Raimundo com

Dante Santoro e seu

Conjunto

4 A fonte secou (samba)/Gilka

(choro)

Monsueto, Tuffic Lauar,

Marcelo/Desconhecido

K-Ximbinho e sua

orquestra

5 Lamento árabe (bolero)/Meu

jeito de ser (samba)

Dante Santoro,

Ghiaroni/Paulo Soledade

Albertinho Fortuna

6 Loucura (bolero)/Nosso passado

(choro)

Dante Santoro, Ghiaroni/idem Romeu Fernandes

com Orquestra/idem

7 Suzana (valsa) Dante Santoro Dante Santoro e

Regional

8 Harmonia selvagem (choro) Dante Santoro Dante Santoro com

Regional

9 Flauta selvagem (choro)/Sempre

nós (polca-choro)

Etnad/Terror dos Facões

(Octavio Dutra)

Dante Santoro, Flauta

c/ acomp de

Regional/Canto:

Trigêmeos vocalistas;

Dante Santoro, Flauta

c/ acomp. de

Regional

10 Urubu Malandro (choro)/Jóquei

de elefante (choro)

Louro/Dante Santoro Dante Santoro, flauta

c/ Vivi e

Regional/idem

11 Não tem pra ti (choro)/ Teu

feitiço (choro)

Dante Santoro/idem Dante Santoro/idem

12 Moleque vagabundo

(baião)/Subindo ao céu (valsa)

Louro, Mário Reis/Aristides

M. Borges

Dante Santoro, flauta

c/ Vivi e seu

Regional

Page 152: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

150

13 Wilma (valsa)/ Amigo (choro) Dante Santoro/Waldemar de

Melo

Dante Santoro com

acomp. de

Regional/idem

14 O mulatinho (maxixe

carioca)/Quando minha flauta

chora (choro)

Belmácio P. Godinho/Dante

Santoro

Dante Santoro, flauta

c/ Vivi e seu

Regional/idem

15 Chorei (choro)/Bagaço (choro) Pixinguinha, B.

Lacerda/Dante Santoro

Dante Santoro, flauta

c/ Vivi e seu

Regional/idem

16 Nêga suspira (baião)/Deixa ele

(choro)

Sá Pereira/Juca Chagas Dante Santoro, flauta

c/ acomp de

Regional/idem

17 Oh Deus (samba)/Cada um dá o

que tem (marcha)

Dante Santoro, Ary

Picaluga/Felizberto Martins,

J. Piedade

Afranio Rodrigues c/

acomp de

orquestra/idem

18 Quando eu for bem velhinho

(baião marcha)/Inferno de

Dante (choro)

Lupicínio Rodrigues,

Felisberto Martins/Dante

Santoro

Dante Santoro, flauta

c/ acomp. de

regional/idem

19 Espelho quebrado (samba-

canção)/Súplica(samba-canção)

Dante Santoro, Heron

Domingues/Oscar Bellandi,

Nelson Trigueiro

Violeta Cavalcanti

20 Lamento árabe (bolero)/

Estudante (choro)

Dante Santoro/Arnaldo Passos Dante Santoro c/

acomp de

Regional/idem

21 Páginas mortas (valsa)/Olha a

sua vida (samba)

Dante Santoro, Scylla

Gusmão/Alcebíades Barcellos

(Bidi), Armando Marçal

Gilberto Alves c/

Orquestra Odeon, dir:

Lírio

Panicali/Gilberto

Alves c/ Orquestra

Odeon

22 Deixa pra lá (polca-

choro)/Maria Rosa (valsa)

Dante Santoro/idem Dante Santoro (solo

de flauta) acomp.

pelo seu

Regional/idem

23 Vidas mal traçadas (valsa)/Um

sonho que passou (samba)

Dante Santoro, Scylla

Gusmão/Fernando Martins,

Geraldo P. Santos

Francisco Alves c/

Orquestra Odeon, dir:

Lírio Panicali/idem

24 Silencioso (choro)/ Vidas mal

traçadas (valsa)

Dante Santoro, Giuseppe

Ghiaroni/ Dante Santoro, Sila

Gusmão

Dante Santoro/idem

25 Cuanto le gusta

(samba)/Passarinho da lagoa

(toada)

Gabriel Ruiz (letra brasileira

Ewaldo Rui, Fernando

Lobo)/Ewaldo Ruy, Fernando

Lobo

Dircinha Batista com

Orquestra

Odeon/Dircinha

Batista com Dante

Santoro e seu

Regional

26 Teimoso (choro)/Judith (valsa) Octavio Dutra/Dante Santoro Dante Santoro (solo

de flauta) com

Carioca e seus

saxofones/idem

27 Olhos magos (valsa)/Noutros

Tempos ... Era eu (samba)

Dante Santoro, Godofredo

Santoro/Ataulpho Alves

Orlando Silva e

Orquestra /odeon,

Dir: Fon-Fon/

Orlando Silva acomp

Page 153: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

151

de quarteto de

Clarinetes com Pistão

28 Olha o Jacaré (marcha)/ Adeus

Estácio (samba)

Dante Santoro, Scylla

Gusmão/ Alcebíades Barcellos

(Bidi), Darcy de Oliveira

Gilberto Alves

acomp do Conjunto

Odeon/idem

29 Natureza bela! (samba)/Soluços

(valsa)

Felisberto Martins, Henrique

Mesquita/Dante Santoro,

Scylla Gusmão

Gilberto Alves c/

Fon-Fon e sua

Orquestra

30 Cidade velha (samba)/ Salve a

mulher brasileira (marcha)

Grande Otelo, Herivelto

Martins/Rubens Campos,

Sebastião Lima

Dircinha Batista,

Dante Santoro,

Regional/idem

31 Não sei mentir (samba)/Grito

da nação (marcha)

Dante Santoro,Scylla

Gusmão/Max Bulhões, Nelson

Trigueiro

Dircinha Batista

32 Castigando (choro)/Sonho

(valsa)

Dante Santoro/idem Dante Santoro (solo

de flauta)/idem

33 Tudo Combinado

(Humorismo)/Club Japonês

Jararaca e Ratinho/idem Jararaca e Ratinho

com Dante Santoro e

seu Conjunto/idem

34 A Lalá tá cá (Humorismo) Jararaca e Ratinho Jararaca e Ratinho

com Dante Santoro e

seu Conjunto

35 No mientas (bolero)/Corazón a

corazón (bolero)

Dante Santoro, Scylla

Gusmao/Roberto Lambertucci,

Fernando Lopez

Rosita Gonzalez;

Chiquinho e sua

Orquestra

36 Amélia acabou com a Praça 11

(samba)

Desconhecido Linda Batista com

Regional de Dante

Santoro

37 Leilão (marcha) Miguel Ribeiro Nuno Roland com

Regional de Dante

Santoro

38 Delírio chinês (dança

oriental)/No bar do Oswaldo

(choro)

Dante Santoro/Dante Santoro Dante Santoro e seu

Regional/idem

39 Lamento árabe

(bolero)/Murmúrios (choro)

Dante Santoro,

Ghiarone/Dante Santoro

Dante Santoro e seu

Regional/idem

40 Marte amargo (polca)/ Posso

sofrer (valsa)

Dante Santoro/Dante Santoro,

Ghiaroni

Dante Santoro

41 Face A: Delírio Chinês (choro),

Vidas mal traçadas (valsa),

Mate amargo (polca),

Murmúrios (choro). Face B:

Lamento árabe (bolero), No bar

do Oswaldo (choro), Posso

sofrer (valsa), Silencioso

(choro)

Dante Santoro; Dante Santoro

e Scylla Gusmão; Dante

Santoro; Dante Santoro/Dante

Santoro e Ghiaroni; Dante

Santoro; Dante Santoro e

Ghiaroni; Dante Santoro e

Ghiaroni

Dante Santoro

42 Silencioso (choro)/Vidas mal

traçadas (valsa)

Dante Santoro, J.

Ghiaroni/Dante Santoro,

Scylla Gusmão

Albertinho Fortuna

com Sexteto

Star/idem

43 Beatriz (valsa)/Saudades do

Jango (valsa)

Octávio Dutra/idem Dante Santoro Solo

de flauta com

bandolim (Luperce

Miranda) e dois

Violões (Tuti e

Page 154: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

152

Manoel Lima)/idem

44 Martírios (valsa)/Inferno de

Dante (choro)

Dante Santoro, Godofredo

Santoro/Dante Santoro

Dante Santoro

45 A última canção (fox

canção)/Lágrimas de Rosa

(valsa-canção)

Guilherme A. Pereira/Dante

Santoro, Kid Pepe

Orlando Silva c/

Orquestra Victor

Brasileira/idem

46 Alma de Beduíno (choro)/ Teu

feitiço (choro)

Dante Santoro/ idem Dante Santoro/ idem

47 Amapá (maxixe)/Scylla (valsa) Juca Storoni/Dante Santoro Dante Santoro e seu

conjunto/idem

48 Minuano triste (choro)/Sombras

da noite (valsa)

Dante Santoro/ Dante Santoro Dante Santoro e seu

Conjunto/idem

49 Quando a minha flauta

chora(choro)/Exaltação (valsa)

Dante Santoro/Dante Santoro Dante Santoro e seu

conjunto/idem

50 Ilusão de garoto

(canção)/Martírios (valsa)

Dante Santoro, Godofredo

Santoro/idem

Vicente Celestino e

Orquestra Victor

Brasileira/idem

51 Harmonia selvagem

(choro)/Suzana (valsa)

Dante Santoro/idem Dante Santoro e seu

Conjunto

Regional/idem

52 Gilka (valsa) Dante Santoro, Milton Amaral Vicente Celestino e

Orquestra Victor

Brasileira

53 Horas tristes (valsa)/Murmúrios

d´alma (valsa)

Dante Santoro e Corintho

Álvares/idem

Conjunto Regional

Dante Santoro, canto:

Manoel Reis/idem

54 Dores d´alma (valsa) /É logo ali

(choro)

José Bittencourt/Dante

Santoro

Solo de flauta por

Dante Santoro e seu

Conjunto/idem

55 Só na minha flauta

(choro)/Olhos magos (valsa)

Dante Santoro/idem Solo de flauta por

Dante Santoro e seu

Conjunto/idem

56 Marlene (valsa)/Variações

sobre cateretê

Dante Santoro/Pereira Filho Solo de flauta por

Dante Santoro acomp

de dois Violões e

Cavaquinho/solo de

violão por Pereira

Filho

57 Nair (valsa)/ Nena (valsa) Dante Santoro/idem Dante Santoro/idem

58 Lágrimas de Rosa

(valsa)/Miguelina (valsa)

Dante Santoro/Ary Valdez

(Tatuzinho)

Solo de Flauta por

Dante Santoro c/

Conjunto RCA

Victor/Solo de

cavaquinho por

Tatuzinho c/ conjunto

RCA Victor

59 Betinho (choro)/Toada

brasileira (toada)

Dante Santoro/Ary Valdez Solo de Flauta por

Dante Santoro e

Conjunto Regional

Victor/Solo de

cavaquinho por Ary

Valdez e Conjunto

Regional Victor

60 Esquecimento (choro)/ Subindo Dante Santoro/ Aristides Dante Santoro e

Page 155: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

153

ao céu (valsa) Borges Conjunto RCA Vitor/

Dante Santoro, José

Bittencourt, Luperce

Miranda e Pereira

Filho

61 Não tem pra ti (choro)/Gilka

(valsa)

Dante Santoro/Dante Santoro Solo de Flauta por

Dante Santoro e

Conjunto Regional

Victor/idem

62 Nilva (valsa) /Hilda (valsa) Octávio Dutra/Dante Santoro Dante Santoro, Solo

de Flauta com

Bandolim (Luperce

Miranda) e dois

Violões (Tuti e

Manoel Lima)/idem Fonte: acervos indicados no Quadro 4. Os campos em cinza assinalam a participação de Dante Santoro

como compositor exclusivamente.

Como já mencionado na Introdução desta tese, grande parte das gravações em

78rpm, que compõem o acervo do sobrinho Homero Santoro, foi digitalizada nos

estúdios Alfa em Porto Alegre e lançada na coletânea A Flauta Mágica de Dante

Santoro (Fumproarte, 1998). A coletânea é composta de três CDs: Volume I –

Chorinhos (24 faixas); Volume II - Valsas (20 faixas); Volume III – Miscellanea (24

faixas). O volume III contém gravações interpretadas por cantores do rádio,

acompanhados pelo Regional de Dante Santoro. Algumas dessas faixas também estão

disponíveis para audição na página eletrônica do Instituto Moreira Salles

(http://acervo.ims.uol.com.br/).

A figura 39 mostra as capas de alguns desses discos 78 rpm, de diferentes

gravadoras, presentes no acervo de Homero Santoro. A iniciativa de digitalizar esses

discos foi vital para a sobrevivência desses registros, pois aquele formato de mídia

tornou-se obsoleto. Além de ser muito raro encontrar um toca-discos para o formato 78

rpm, o estado de manutenção desses discos costuma ser precário, o que impossibilita

sua audição.

Page 156: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

154

Figura 39. Alguns discos 78 rpm de Dante Santoro, lançados em diferentes gravadoras. Fonte: acervo da

família Santoro.

3.3 Gravações da Rádio Nacional

A busca por registros de programas da Rádio Nacional com a participação de

Dante Santoro no banco de dados da coleção Rádio Nacional, do Museu da Imagem e

do Som, retornou poucos resultados. Isso se deve ao fato de que, lamentavelmente, as

gravações não incluem informação sobre os músicos participantes. Segundo os técnicos

do MIS, os dados que acompanham o acervo digitalizado são exatamente os mesmos

que constavam nos registros originais em acetato da Rádio Nacional, o que reforça a

constatação de que não havia o cuidado de listar todos os participantes das gravações

nesse período. Dessa forma, a informação se perdeu por falta de registro adequado.

Supõe-se que Dante Santoro tenha atuado em um número significativo de gravações de

produções fonográficas da Rádio Nacional.

O Quadro 6 mostra as gravações coletadas nesse acervo e inclui trechos de

programas da Nacional e gravações avulsas, que foram provavelmente feitas nos

estúdios da Nacional para compor a programação musical. No campo Intérpretes consta

a informação fornecida pelo banco de dados do MIS. Como se nota, algumas faixas

citam expressamente o nome de Dante Santoro ou de seu regional, porém outras

Page 157: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

155

mencionam somente o nome do cantor, ou ainda a expressão “e regional”, sem

especificar o nome do grupo. A ampla atuação do Regional da Nacional na

programação da emissora permite supor que as gravações realizadas em seus estúdios

fossem acompanhadas pelo Regional de Dante Santoro. Sabe-se, porém, que a grande

quantidade de trabalho impôs a necessidade de um esquema de revezamento entre os

músicos. O único membro fixo, segundo o depoimento de Jorginho do Pandeiro, era o

flautista Dante Santoro, que liderava o grupo em todas as ocasiões.

Quadro 6: Gravações da Rádio Nacional com a participação de Dante Santoro

CD Programa Formato Música Autores Intérpretes

CD 0771

(Acetato

40243)

A Hora do Pato 33 RPM Fim de semana

em Paquetá

Sem

referência

Calouro: Wilson

Barbosa

CD 0590

(Acetato

39807)

A Felicidade

bate à sua Porta 33 RPM

Paraíba

Luiz Gonzaga

Emilinha Borba

Regional de

Dante Santoro

Jurei Nássara /

Donga

Emilinha Borba

Regional de

Dante Santoro

CD 1265

(Acetato

41309)

Programa

Castelões 78 RPM

Os carinhos de

Iaiá (samba-

embolada)

Sem

referência

Manezinho

Araújo

Pra onde vai

valente?

(samba-

embolada)

Sem

referência

Manezinho

Araújo

CD 1265

(Acetato

41311)

Programa César

Alencar

(03/06/1950)

33 RPM A dança da

moda

Sem

referência Luiz Gonzaga

CD 2024

(Acetato

36290)

Gravação avulsa 33 RPM Enfim, vá lá

dá cá

Lamartine

Babo

Barbosa Júnior

Regional de

Dante Santoro

CD 2024

(Acetato

36297)

Gravação avulsa 33 RPM Abana baiana

R. Roberti, J.

Faraj e C.

Brasil

Linda Batista

CD 2024

(Acetato

36297)

Gravação avulsa 33 RPM Dança mas

não encosta

Roberto

Roberti e

Russo

Linda Batista

CD 2025

(Acetato

36298)

Gravação avulsa 33 RPM Desafio

Dante Santoro

/ Joca do

Pandeiro

Dante Santoro

Joca do

Pandeiro

CD 2025

(Acetato

36301)

Gravação avulsa 33 RPM Cuidado com a

lua Almirante Almirante

CD 2025

(Acetato

36304)

Gravação avulsa 33 RPM

Não tenho

queixas

Ismael Filho Nuno Roland

Page 158: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

156

Quando a

minha flauta

chora

Dante Santoro

/ Scylla

Gusmão

Nuno Roland

CD 2042

(Acetato

36480)

Gravação avulsa 33 RPM

O sambista Herivelto

Martins

Dora Lopes e

Regional

Choro em

família

(samba)

Nestor de

Holanda /

Geraldo

Queiroz

Dora Lopes e

Regional

CD 2068

(Acetato

36759)

Gravação avulsa Sem

referência

A Suzana

(valsa)

Dante Santoro

/ Godofredo

Santoro

Renato Braga e

Regional de

Dante Santoro

A saudade que

ficou Alberto Costa

Renato Braga e

Regional de

Dante Santoro Fonte: acervo da coleção Rádio Nacional, Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS).

A fim de aprofundar a investigação, buscou-se ouvir gravações de outros

flautistas contratados da Rádio Nacional, que também poderiam ser os intérpretes das

faixas consideradas. Assim, foram ouvidas as seguintes gravações, disponíveis no

acervo online do Instituto Moreira Salles (www.acervo.ims.uol.com.br): Pedro do

pedregulho (samba) e Ari no choro (choro), com o flautista Ari Ferreira; Lua branca

(canção) e Se querem eu choro (polca), com o flautista João de Deus (grupo Turma do

Sereno); À gargalhada fiquei (samba), com o flautista Antônio Souza e Aguenta o

galho (choro), com o flautista Eugênio Martins63

. A audição desses registros foi muito

importante, não só como critério de comparação, mas também pela oportunidade de

conhecer excelentes flautistas, pouco recordados nos dias de hoje.

A escuta foi, assim, o principal indício de que as gravações encontradas no

acervo do Museu da Imagem e do Som de fato têm a participação de Dante Santoro. Os

parâmetros que permitiram fazer essa associação foram, especialmente, a sonoridade (o

som incisivo, de timbre escuro), a articulação (muito precisa e variada) e o fraseado

(muito claro e conduzido), sobre os quais se falará com maior profundidade no Capítulo

4.

63

Ari Ferreira foi primeiro flautista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,

intérprete da primeira audição do Assobio à jato de Villa-Lobos, ao lado de Iberê Gomes Grosso.

Também tocava choro e gravou com diversos grupos regionais. João de Deus atuou nas orquestras da

Rádio Nacional e no grupo Turma do Sereno, dirigido por Paulo Tapajós, com o qual gravou as faixas

aqui mencionadas. Antônio Souza também tocava nas orquestras da Rádio Nacional e participou em

gravações acompanhando cantores do rádio. Eugenio Martins foi um grande chorão, começou sua carreira

na década de 1930 e gravou vários discos, acompanhado de grupos regionais, para os selos Continental,

Odeon e Elite Especial.

Page 159: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

157

A obra de Dante Santoro está registrada na Sociedade Brasileira de Autores

Compositores e Escritores (SBACEM), que recebe os direitos autorais, atualmente de

posse de sua herdeira, Sra. Sara Mercedes Rodrigues, cunhada de Dante Santoro. É

possível que a Sra. Sara tenha material de Dante, especialmente algum acervo pessoal

que tenha pertencido à companheira do flautista, Sra. Rosa Helena Rodrigues, a

detentora dos direitos autorais até sua morte. Foram feitas várias tentativas de entrevista

com a Sra. Sara, porém não houve interesse de sua parte em contribuir com a pesquisa.

Page 160: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

158

CAPÍTULO 4

ANÁLISE DA OBRA DE DANTE SANTORO

Esta etapa do trabalho dedica-se à análise da obra de Dante Santoro. O capítulo

está dividido em quatro partes. A primeira delas envolve um levantamento da

morfologia do choro e dos aspectos de execução, próprios do idiomatismo da flauta, que

se destacam nesse gênero. Na segunda parte, analisam-se as gravações digitalizadas de

obras compostas e interpretadas por Dante Santoro, tanto faixas lançadas por

gravadoras, quanto registros de programas da Rádio Nacional. A terceira parte volta-se

à flauta do artista, instrumento especial fabricado por August Richard Hammig na

década de 1930; e, por fim, na quarta parte, apresenta-se o resultado da análise aqui

desenvolvida.

4.1 O choro, a flauta e o idiomatismo na obra de Dante Santoro

A afinidade da flauta com o choro, extensivamente comentada na literatura,

vem desde a segunda metade do século XIX, tempo em que o choro ainda se formava

como gênero e o termo designava o grupo instrumental, composto por flauta,

cavaquinho e violão, que tocava as danças europeias com “sotaque” brasileiro. De lá pra

cá, inúmeros flautistas se dedicaram ao choro, como intérpretes e compositores64

, e o

gênero se desenvolveu, impregnado pelo idiomatismo da flauta.

O termo “idiomático” vem do grego (idiomatikós), que significa “particular”,

“especial”. A linguagem idiomática de um instrumento é aquela imbuída de suas

64

O ensaio “O Choro e sua árvore genealógica” (Paes, 2008) menciona seis gerações do choro e lista de

forma extensiva intérpretes e compositores a ele relacionados, entre os quais os seguintes flautistas:

primeira geração - Joaquim Callado (RJ, 1848-1880), Duque Estrada Meyer (RJ, 1848-1905), Viriato

Figueira da Silva (RJ, 1851-1883), Juca Kallut (RJ, 1857-1922), Pedro Galdino (RJ, 1860?–1919), Pedro

de Alcântara (RJ, 1866-1929); segunda geração - Pattápio Silva (RJ, 1880-1907); terceira geração –

Pixinguinha (RJ, 1897-1973), Antônio Maria Passos (RJ, 1880? – 1940?), Agenor Bens (RJ, 1890?-

1950?), Raul Silva (SP, 1889-1938); quarta geração - Benedito Lacerda (RJ, 1903-1958), Dante Santoro

(RS, 1904-1969), João Dias Carrasqueira (SP, 1908-2000) e Copinha (Nicolino Cópia) (SP, 1910-1984);

quinta geração - Altamiro Carrilho (RJ, 1924); sexta geração - Carlos Poyares (ES, 1928-2004), Plauto

Cruz (RS, 1929).

Page 161: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

159

características próprias, que se desenvolve de acordo com o tratamento que os

compositores dispensam ao instrumento em suas composições (Pilger, 2010). Ainda,

segundo Fabiano Menezes (2010), a relação estabelecida entre artista e instrumento cria

um idioma gestual para o instrumento, que é a base do desenvolvimento de uma prática

de performance. Estabelece-se, assim, um vocabulário-padrão de prática e de

performance que, ao aproveitar as particularidades intrínsecas, confere àquele

instrumento uma identidade musical.

Alguns aspectos de execução, imbuídos do idiomatismo da flauta, sobressaem-

se no contexto do choro. Pode-se citar, por exemplo, a agilidade (como a execução de

séries de notas rápidas em graus conjuntos ou disjuntos); a expressividade (por

exemplo, a vocalização - uso de vibrato, as inflexões e a flexibilidade rítmica; a

execução de acentuações e articulações variadas; as nuances de dinâmica) e a

ornamentação (flexibilidade melódica, identificada no contexto do choro com a

improvisação)65

.

A agilidade como característica idiomática da interpretação do choro na flauta

pode ser constatada com uma rápida revisão do repertório e sua discografia. Já a

expressividade e a ornamentação são características aurais do choro, tendo em vista que

as partituras do gênero não costumam ser prescritivas, atuando basicamente como um

esqueleto, sobre o qual se desenvolve a interpretação. Daí a necessidade de estudar as

gravações do gênero, como fonte de pesquisa sobre sua interpretação, trabalho que se

desenvolverá neste capítulo.

Para introduzir esse estudo analítico, serão discutidos os principais aspectos da

morfologia do choro, a partir das categorias sugeridas no método Vocabulário do

Choro, do flautista e saxofonista Mário Sève (1999): divisões rítmicas de fraseado,

acentuações rítmicas, articulações e ornamentos.

As divisões rítmicas do fraseado se referem à liberdade de interpretação

rítmica, própria do choro, em que alterações das divisões rítmicas geram muitas

variações a partir de uma única figura. O exemplo musical 1 ilustra algumas

possibilidades de variação a partir de duas figuras rítmicas.

65

Esses aspectos fazem parte do vocabulário da flauta, havendo, portanto, uma propensão a que o

flautista, como intérprete, os execute com fluidez. A ornamentação pode, certamente, ser incluída no

aspecto expressividade. Optou-se por mencioná-la em separado pelo protagonismo que assume no

contexto do choro.

Page 162: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

160

Exemplo musical 1: Variações rítmicas na execução de fraseados do choro (SÈVE, 1999, p. 12)

As acentuações rítmicas permitem, ao variar a acentuação de uma figura

rítmica, obterem-se figuras distintas, que são cada uma característica de um gênero,

como o samba, o choro, o baião, etc. (exemplo musical 2). É certo que a caracterização

dos gêneros musicais vai além das fórmulas rítmicas. Porém, a abordagem de Sève

(1999) é interessante, na medida em que oferece ao intérprete a possibilidade de circular

entre os distintos gêneros da música popular com um material semelhante, o que

permite aumentar seu domínio formal e sua capacidade de improvisação.

Exemplo musical 2: Variações na acentuação rítmica, que caracterizam distintos gêneros: maxixe, choro,

baião, samba e marcha (Sève, 1999, p. 14).

No choro, é desejável que o intérprete busque essa liberdade de execução

rítmica, que é um aspecto interpretativo de destaque. Essa forma de brincar com o ritmo

relaciona-se com a articulação, entendida como a maneira de pronunciar a música.

Como já assinalado no Capítulo 1, a fluidez na execução rítmica, ricamente variada em

termos de divisões e acentuações, confere à interpretação uma qualidade especial,

relacionada ao que os músicos de choro costumam chamar de bossa.

Page 163: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

161

Mas a articulação também pode ser entendida como a maneira de separar ou

conectar as notas, constituindo elemento de variação melódica. Admitem-se inúmeras

combinações, como as apresentadas no exemplo musical 3.

Exemplo musical 3: Variações de articulação sugeridas para o repertório de choros. (Sève, 1999, p. 15-

16).

A maneira de se produzir a articulação é assunto dos mais polêmicos. Nos

instrumentos de sopro, costuma-se descrever essa técnica por meio de sílabas, pelas

quais o movimento da língua pode ser descrito66

. Sève (1999) afirma que, no contexto

do choro, a sílaba usada nos instrumentos de sopro para ataque das notas, em um grupo

de quatro semicolcheias, seria: em andamentos médios e lentos, “ta-ra-ra-ra”; em

andamentos ligeiros, “ta-ka-ta-ka”. Já nas figuras sincopadas, “ta-ra-ta ra-ra-ta”,

conforme o exemplo musical 4. (SÈVE, 1999, p. 15).

Exemplo musical 4. Sílabas utilizadas para a articulação nos instrumentos de sopro no contexto do choro

(SÈVE, 1999, p. 15).

Observa-se que o autor descreve a técnica da articulação em função do ritmo e

do andamento, portanto, do contexto musical. Pode-se inferir as seguintes características

a partir das sílabas mencionadas: (1) semicolcheias em andamento lento ou médio terão

articulação menos precisa (ta-ra-ra-ra); (2) semicolcheias em andamento ligeiro terão

66

O uso de sílabas para descrever a técnica empregada para articular, o chamado “golpe de língua”,

remete a métodos de ensino da flauta desde o século XVIII. A flautista Laura Rónai (2008) comenta a

falta de consenso em relação a que sílabas adotar ou quando utilizar articulações mais ou menos precisas:

“As duas articulações principais, das quais derivam todas as outras, são o legato e o staccato. Sabemos

que para criar variedade e despertar o interesse em sua interpretação, é necessário ao flautista utilizar

diferentes sílabas ao “pronunciar” cada nota. Essas devem apresentar um contraste agradável entre dureza

e maciez, aspereza e doçura. Na flauta, uma nota soará mais ou menos suave não apenas de acordo com o

volume do som que atinge, mas também, e principalmente, de acordo com o golpe de língua que recebe.

Das várias combinações de sílabas de ataque e de trechos em legato é feito o fraseado de uma peça.

Quanto a isso, não há polêmica. Mas em relação a todos os outros aspectos do assunto, a partir da própria

escolha das sílabas mais propícias a uma articulação clara, já nos deparamos com um universo de teorias

diferentes e até mesmo contraditórias”. (RÓNAI, 2008, p. 176)

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162

articulação mais precisa e, sobretudo, mais ágil (ta-ka-ta-ka); (3) ritmos sincopados

terão articulação destinada a destacar a contrametricidade (3+5), (ta-ra-ta ra-ra-ta)67

.

A sílaba “ra” produz uma articulação menos precisa, similar à das sílabas “la”

ou “da”, enquanto a sílaba “ta” produz uma articulação mais precisa. A combinação

dessas sílabas termina por destacar as notas articuladas em “ta”68

. A sílaba “ra”,

indicada por Sève (1999), muito utilizada coloquialmente quando se cantarola uma

melodia, dá uma ideia de fluidez e espontaneidade, que parece próxima da prática

interpretativa do choro.

Esse tipo de articulação é mencionado na literatura tradicional. No século

XVIII, a variedade de sílabas para o ataque das notas era recomendada em métodos de

flauta para evitar a regularidade da articulação, considerada monótona e pouco

desejável. Como se sabe, a prática da inegalité foi um hábito de execução na música do

Barroco francês, que consistia em tocar de modo desigual notas grafadas da mesma

maneira. Nesse contexto, as sílabas “tu ru” e “ti ri” são mencionadas nos métodos de

Preuller69

(1730) e Quantz70

(1752). No século XIX, de acordo com RÓNAI (2008, p.

194), a sílaba “ru” cai em desuso, sendo substituída pelo “du”, no chamado golpe de

língua composto, “tu du”, citado no método de Altès71

(1906). Entretanto, no século

XX, as sílabas “te re” voltam a ser recomendadas em casos especiais, como o da figura

da colcheia pontuada seguida de semicolcheia, conforme o método de Taffanel e

Gaubert72

(1923).

67

A sílaba “ta” na quarta pulsação (ou quarta semicolcheia) demonstra a intenção de acentuá-la, em

detrimento do tempo seguinte, executado com a sílaba “ra”. Na terminologia de Sandroni (2001), já

mencionada no capítulo 1, trata-se do “paradigma do tresillo”, cuja característica fundamental é a marca

contramétrica recorrente na quarta pulsação (ou, em notação convencional, na quarta semicolcheia) de um

grupo de oito, que assim fica dividido em duas quase-metades desiguais (3+5). É essa marca que o

distingue dos padrões rítmicos que obedecem à teoria clássica ocidental, para a qual a marca equivalente

estaria não na quarta, mas na quinta pulsação (ou seja, no início do segundo tempo de um 2/4

convencional e simétrico). (SANDRONI, 2001, p. 30) 68

Pode-se usar distintas combinações de vogais, como “te”, “ti”, etc. 69

Peter Preuller (ca. 1720-ca. 1745), organista e cravista, publicou o método The Newest Method for

Learners on the German Flute (Londres: Printing-Office in Bow Church Yard, 1730/31). (RÓNAI, 2008,

p. 262). 70

Johann Joachim Quantz (1697-1773), flautista e teórico, escreveu o tratado Versuch einer Anweisung

die Flote traversière zu spielen (Berlim: Johann Friedrich Voss, 1752). (RÓNAI, 2008, p. 262). 71

Joseph-Henri Altès (1830-1899), flautista e teórico, foi professor do Conservatório de Paris de 1868 a

1893. Teve seu método publicado em 1907: Méthode Complète de Flûte (Paris: Schoenaers-Millereau,

[1906]). (RÓNAI, 2008, p. 47 e 255). 72

Claude-Paul Taffanel (1844-1908), flautista francês, é considerado o pai da moderna Escola Francesa

de Flauta. Deixou incompleto seu método, que foi concluído por seu melhor aluno, Philippe Gaubert

(1879-1941): Méthode Complète de Flûte (Paris: Alphonse Leduc, 1923).

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163

Retomando as categorias morfológicas em estudo, há que se mencionar os

ornamentos. Os ornamentos também contribuem para a variedade melódica na

execução. Nos choros, especialmente nos trechos repetidos, próprios da estrutura formal

do gênero, esses recursos são muito utilizados. São mencionados por Sève (1999), no

contexto do choro, os trilos, apojaturas e mordentes, assim como os glissandos e

grupetos, especialmente nos andamentos lentos.

4.2 As gravações de Dante Santoro

A proposta desta seção é analisar as gravações digitalizadas de obras

compostas e interpretadas por Dante Santoro, originalmente lançadas comercialmente

em formato78rpm, além de registros de programas da Rádio Nacional com a

participação do Regional de Dante Santoro, sem lançamento comercial. O objetivo da

análise é conhecer aspectos interpretativos e composicionais que caracterizam a obra de

Dante Santoro, bem como o material utilizado em suas improvisações.

Essa análise baseia-se na audição das faixas selecionadas, sendo

complementada, eventualmente, pela consulta às partituras editadas. Os manuscritos

autógrafos, quando disponíveis, serão observados para a análise de aspectos

composicionais. Os trechos comentados serão transcritos segundo as gravações,

respeitada a tonalidade real, nos casos em que houver distorção em função da

velocidade de rotação.

Por ser a obra de Dante Santoro pouco conhecida, o estudo consiste em uma

análise comparada, que buscará reconhecer as referências de Dante Santoro e apontar as

semelhanças e diferenças em relação à obra de seus contemporâneos. A análise tem um

enfoque interpretativo, embora sejam também mencionadas características

composicionais.

Será utilizada a seguinte nomenclatura para as notas da flauta, de acordo com o

registro empregado: dó1 a si1 correspondem ao registro grave; dó2 a si2 correspondem

ao registro médio; dó3 a si3 correspondem ao registro agudo e dó4 a fa4 correspondem

ao registro superagudo.

4.2.1 Composições próprias

Nesta seção serão analisadas seis obras compostas e interpretadas por Dante

Santoro: Harmonia selvagem, choro (Victor, 1938) ou Flauta selvagem, choro (Odeon,

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1950); Gilka, valsa (Victor, 1935); É logo ali, polca (Victor, s.d.); Maria Rosa,valsa

(Odeon, 1946); Murmúrios d´alma, valsa (Victor, 1937) e Murmúrios, choro (Sinter,

1955). As gravações digitalizadas, que se encontram em anexo, foram extraídas do CD

triplo A Flauta Mágica de Dante Santoro (1998), gentilmente cedido pelo sobrinho

Homero Santoro.

Harmonia Selvagem (Victor, 1938)

O choro Harmonia selvagem foi gravado em 1938 (Victor, n. série 34.352) e

regravado em 1950, no selo Odeon (n. série 13.017), com o título Flauta selvagem,

composição de Etnad (pseudônimo de Dante). Ambas as gravações estão disponíveis

em versão digital na coletânea “A flauta mágica de Dante Santoro” e também na página

eletrônica do Instituto Moreira Salles73

. Neste tópico, utilizaremos como referência a

primeira gravação, de 1938. A transcrição dos trechos será corrigida cerca de um

semitom abaixo da gravação, para corresponder à tonalidade real.

Esse choro tem uma força expressiva advinda da virtuosidade e dos efeitos

sonoros utilizados em sua melodia. A consulta ao manuscrito revela que Dante Santoro

escreve os trechos virtuosísticos, mesmo que executados só pela flauta solista, sem o

acompanhamento do regional (no formato breque74

). Um exemplo é a ponte que liga a

parte A e sua repetição (exemplo musical 5), que é tocada na gravação primeiramente

como na exemplo musical 5 e, na repetição, mais elaborada, como no exemplo musical

6. Outro breque ocorre na parte B, quando a flauta executa escalas descentes (cf.

exemplo musical 11)

Exemplo musical 5: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do trecho virtuosístico, conforme

primeira execução na gravação de 1938 (confere com o manuscrito).

Exemplo musical 6: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do mesmo trecho, conforme

segunda execução na gravação de 1938.

73

Endereço para consulta ao acervo do IMS: <http://ims.uol.com.br/Busca_no_acervo/D832>. 74

O termo breque, na música, faz alusão a seu significado comum: freio. Trata-se da interrupção do

acompanhamento para que o solista execute um trecho sozinho, de maneira declamatória. Essas paradas,

previamente acordadas entre os músicos, contribuem para dar maior graça e “bossa” à interpretação de

gêneros como o choro e o samba.

Page 167: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

165

Essa convenção75

, que determina só um ataque do acompanhamento no

primeiro tempo do compasso, é bastante usada no repertório de choro. Um bom

exemplo é o choro Urubatã, de Pixinguinha e Benedito Lacerda, que apresenta esse tipo

de convenção em suas três partes (exemplo musical 7). A melodia solista executada

durante o breque pode vir escrita e sofrer variações durante a execução. Quanto maior

for o interesse do solista em improvisar e surpreender o público (com uma boa mostra

de virtuosidade), maior será a variação que imprimirá à melodia.

Exemplo musical 7. Urubatã, choro de Pixinguinha e Benedito Lacerda, parte A. (São Paulo: Vitale,

1997). Breque e melodia solista indicados nos compassos 8 a 10.

Os bordões do violão de sete cordas (exemplo musical 8), cuja fórmula rítmica

conduz a harmonia de um compasso ao outro, são uma característica marcante do

acompanhamento nessa obra.

Exemplo musical 8: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Gravação do Regional de Dante Santoro

(Victor, 1938). Bordões do violão de sete cordas conduzem a harmonia de um compasso ao outro.

Nas gravações posteriores, como a de Altamiro Carrilho com o Regional do

Canhoto (1964), esses bordões são ampliados, com maior movimentação melódica. O

efeito criado pelo acorde diminuto sustentado nos compassos 3 e 4 da parte A é similar

75

O termo convenção significa uma forma previamente acordada de execução, geralmente relacionada ao

acompanhamento, que pode envolver tanto figurações rítmicas (ataques e breques ritmicamente

determinados), como figurações melódicas (nesse caso, costuma-se adotar o termo “obrigação”).

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166

ao utilizado posteriormente por Jacob do Bandolim em Noites cariocas (1957),

conforme exemplo musical 9.

Exemplo musical 9. Noites cariocas, de Jacob do Bandolim (1957) (São Paulo: Vitale, 1997, p. 53).

Efeito do acorde de Fá diminuto, no quarto compasso, é similar ao utilizado por Dante Santoro em

Harmonia Selvagem (1938).

Na parte B, a utilização de tercinas arpejadas sem notas de passagem indicam,

na flauta, uma melodia acompanhada: a linha superior (formada a partir das notas mais

agudas) constitui a melodia principal, que é acompanhada pelas outras notas do arpejo

(exemplo musical 10). A melodia acompanhada é intercalada por uma série de escalas

descendentes de extensão de uma oitava e meia (exemplo musical 11), sendo retomada

no final da parte B a partir de um novo material: arpejos ornamentados em bordadura de

semitom, que fazem uma réplica da harmonia utilizada em cada compasso. Nesse caso,

notas do acorde arpejado presentes no tempo forte das tercinas ressaltam o movimento

harmônico (exemplo musical 12).

Exemplo musical 10: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos em tercinas formam melodia

acompanhada, sendo a melodia principal as notas mais agudas e o acompanhamento, as demais notas do

arpejo.

Exemplo musical 11: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Escalas descendentes de extensão de uma

oitava e meia intercalam trechos de melodia acompanhada.

Exemplo musical 12: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos ornamentados em bordadura de

semitom sublinham o movimento harmônico.

A escrita de melodia acompanhada apresenta similaridade com obras do

repertório romântico para flauta. Na Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne

(1840-1920), por exemplo, encontra-se a melodia acompanhada composta de forma

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bastante semelhante à utilizada por Dante Santoro, conforme exemplos musicais 13 e

14. Outro exemplo é o Concertstücke, de Wilhelm Popp (exemplo musical 15).

Exemplo musical 13. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne (1840-1920). (Paris: Choudens,

s.d. [1880]). Fonte: acervo do IMSLP. Arpejos em tercinas formam melodia acompanhada.

Exemplo musical 14. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne (1840-1920). (Paris: Choudens,

s.d. [1880]). Fonte: acervo do IMSLP. Arpejos ornamentados formam melodia acompanhada.

Exemplo musical 15. Uso de melodia acompanha na obra Concertstücke, de Wilhelm Popp. Fonte:

SILVA, 2008, p. 29. Edição não informada pelo autor.

Também a obra de Pattápio Silva foi referência para Dante Santoro no uso da

melodia acompanhada, recurso presente nas peças Sonho (exemplo musical 16) e

Primeiro amor (exemplos musicais 17 e 18). Como assinala Daniel Silva (2008), a

escrita de Pattápio traz uma semelhança explícita à utilizada no repertório romântico

para flauta, que lhe era muito familiar: Pattápio foi o primeiro flautista brasileiro a

gravar obras do repertório erudito europeu, como as Variações de flauta, op. 382, de

Wilhelm Popp (parte da obra Concertstücke, anteriormente mencionada). (SILVA,

2008, p. 30).

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168

Exemplo musical 16: Sonho, op. 6, de Pattápio Silva. Melodia acompanhada muito similar à de W. Popp.

Fonte: SILVA, 2008, p. 30. Edição não informada pelo autor.

Exemplo musical 17: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Primeira parte. Melodia acompanhada. (In:

SILVA, Pattápio. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano. Coord. Maria José

Carrasqueira. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001).

Exemplo musical 18: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Terceira parte. Melodia acompanhada. (op. cit.)

No repertório de choros, encontrou-se somente um exemplar da escrita de

melodia acompanhada análogo ao de Harmonia selvagem. Trata-se do schottisch

Gargalhada, de Pixinguinha, dedicado ao flautista Altamiro Carrilho. O exemplo

musical 19 ilustra a semelhança entre a parte B de Harmonia selvagem e a parte C de

Gargalhada.

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169

Exemplo musical 19. Gargalhada (1953), schottisch de Pixinguinha, parte C. (São Paulo: Vitale, 1997).

Raro uso da melodia acompanhada no repertório de choros do período (1938-1953).

Retomando a análise da obra, nota-se, na parte C, que a melodia cromática e os

pedais de ornamento de terça menor - notas sib e mib – agregam dissonância à harmonia

e geram um interessante efeito polifônico, de oscilação da altura das notas do registro

grave (exemplo musical 20). No manuscrito da obra, as notas que compõem o trilo não

estão especificadas. Portanto, esse efeito de oscilação de altura, provocado pela terça

menor, pode ter sido fruto de um experimento interpretativo, que terminou sendo

agregada à obra, dado o interesse que gerou. Esse efeito de trêmulo é totalmente

idiomático da flauta, e inclusive, por questões acústicas e mecânicas, só soa bem com as

notas utilizadas por Dante Santoro. Prova disso é que não pode ser transposto para

outros tons sem se perder a efetividade.

Exemplo musical 20: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Efeito sonoro – oscilação de altura/polifonia,

segundo a gravação de 1938.

O efeito melódico da flauta é acompanhado por uma mudança na célula rítmica

do acompanhamento, que ganha uma feição mais clara de maxixe. Esse novo matiz

rítmico é percebido de forma sutil na levada76

do cavaquinho - que no início tinha a

76

O termo levada se refere ao padrão rítmico no qual se baseia o acompanhamento dos violões, do

cavaquinho e da percussão. Cada gênero (choro, samba, maxixe, polca, etc) apresenta uma levada

característica, que pode ser variada segundo o gosto do músico acompanhador, desde que a estrutura

básica de acentuação do gênero seja mantida.

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170

característica de choro (em duas variações, respectivamente, nas partes A e B) e logo se

transforma em maxixe (na parte C), conforme exemplo musical 21 - e está bem

pronunciado no bordão do violão de sete cordas, conforme o exemplo musical 2277

.

Exemplo musical 21: Harmonia selvagem (choro). Células básicas das levadas do cavaquinho: partes A,

B e C, respectivamente.

Exemplo musical 22: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Bordões do violão de sete cordas anunciam o

maxixe.

Na última repetição do tema da parte A, Dante executa a melodia uma oitava

abaixo, no registro grave, contrariando a tendência de qualquer flautista, em busca de

um final apoteótico. Os graves de Dante Santoro são muito potentes, o que constitui

uma marca registrada de sua interpretação. Isso explica sua propensão a mostrar, ao

final dessa significativa obra, uma característica singular de sua perfomance - pouco

comum entre os chorões da época – que não deixa de ser, em certa medida, outra mostra

de virtuosidade, dada a dificuldade de emissão das notas graves na flauta, em dinâmica

forte.

A utilização de graves em dinâmica forte também remete a Pattápio Silva.

Segundo Daniel Silva (2008), Pattápio inovou a escrita para o instrumento por meio de

efeitos expressivos nunca antes explorados na música para flauta no Brasil, como

mudanças de timbre, extremos de extensão e sutilezas de dinâmica. A escrita no registro

grave em dinâmica fortíssimo, presente em obras como Evocação e Oriental, também

constitui uma inovação (SILVA, 2008, p. 43). Acredita-se que o gosto de Dante Santoro

pelos graves em dinâmica forte tenha originado-se na interpretação das obras de

Pattápio Silva e na audição de suas gravações.

77

A notação das levadas é imprecisa, pois, na prática, os instrumentistas executam os padrões rítmicos de

maneira mais livre e, sobretudo, atendendo às características idiomáticas de cada instrumento. No

cavaquinho, por exemplo, as células apresentadas no exemplo musical 14 são rechedas por movimentos

leves da palheta (as chamadas escovadas), para os quais não foi encontrada notação adequada.

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171

Flauta Selvagem (Odeon, 1950)

A versão de 1950, lançada pelo selo Odeon (n. série 13.017) vem com o título

Flauta selvagem, autoria de Etnad (Dante ao contrário). O pseudônimo e o novo título

para Harmonia selvagem certamente se relacionam a direitos autorais, anteriormente

cedidos à RCA Victor. Essa nova versão tem a participação de um segundo solista ao

clarone, cuja identidade é desconhecida, mas poderia tratar-se do clarinetista Vivi, com

quem Dante gravou outras vezes. Segundo Jorginho do Pandeiro, Vivi era clarinetista

da Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional e do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e

sempre tocava com Dante, que escrevia os contracantos para que ele gravasse com o

regional.

A presença do clarone de fato enriquece o tecido harmônico e textural, criando

diferentes camadas de contracantos. O clarone assume a posição de baixo, enquanto o

violão alterna com ele linhas melódicas em uma região média (tenor). O exemplo

musical 23 exemplifica a condução das vozes na parte A, condensando os contracantos

das diferentes repetições dessa primeira parte. A notação está uma oitava acima do

original.

Exemplo musical 23. Flauta selvagem (choro). Parte A. Contracantos entre clarone (linha inferior) e

violão (linha superior). Na gravação as vozes soam uma oitava abaixo.

A articulação da flauta na região aguda, bem separada, contrasta com o legato

do clarone, criando um interessante contraponto. Observa-se que Dante, quando toca a

melodia da parte A no registro grave da flauta, liga as notas. Essa estratégia é efetiva, já

que a emissão dos graves em stacatto, além de ser mais propensa a falhas e atrasos, não

tem a mesma potência sonora. Além disso, devido à forma como essa melodia grave em

legato surge, na flauta, depois do clarone, o ouvinte tem a impressão de que se trata de

um recurso imitativo.

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172

O som brilhante que Dante Santoro produz no registro grave impressiona mais

nesta versão, especialmente na parte C, em que crescendos e decrescendos dão ainda

mais destaque ao efeito polifônico produzido pelo trêmulo (exemplo musical 24).

Provavelmente a melhora na qualidade da gravação entre as décadas de 1930 (primeira

versão) e 1950 (segunda versão), advinda de tecnologia superior, também contribui para

esse resultado sonoro.

Exemplo musical 24. Flauta selvagem (choro). Parte C. Crescendos e decrescendos potencializam o

efeito polifônico dos trêmulos e destacam o grave brilhante produzido por Dante Santoro.

Na última repetição da parte A, Dante faz o mesmo desenho melódico do

exemplo musical 5, em uma espécie de cadência. O curioso é que nesta gravação parte

do regional não ataca a nova entrada junto com a flauta, o que causa um pequeno

desequilíbrio na retomada do tema. Isso se deve a que o si3 - nota que retoma a melodia

- é atingido em uma elisão: é, ao mesmo tempo, a última nota da cadência e a primeira

nota do tema (mantendo-se o 2/4, fica sobrando um tempo de nota longa si3 antes de

atingir o retorno à seção A). Na gravação de Altamiro Carrilho com o Regional do

Canhoto (1964) esse desequilíbrio também ocorre, porém é menos evidente.

Dante gostava de utilizar efeitos sonoros pouco usuais com a flauta. Outra

amostra desse tipo de recurso está no choro Minuano triste (Victor, 1939)78

, em cuja

segunda parte há uma imitação do vento minuano, característico da região sul do

Brasil79

. Dante consegue imitar o vento por meio de uma série de glissandos contínuos

que ele executa com a embocadura desfocada, ou seja, soprando para fora do bocal.

Além disso, direciona o fraseado de modo a acentuar ligeiramente os glissandos

ascendentes, o que dá uma sensação de mobilidade, parecida com o movimento

78

Essa gravação está disponível no acervo online do Instituto Moreira Salles

(www.acervo.ims.uol.com.br). 79

Segundo o flautista e professor Raul Costa D´Avila, também a terceira parte desse choro traz uma

referência ao Rio Grande do Sul, por meio da imitação do pássaro quero-quero, ave-símbolo daquele

estado. Na visão do professor, trata-se, de fato, de um choro programático. (Comentário por ocasião da

banca de defesa, em 27/02/2014).

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173

oscilante do vento, ora mais rápido, ora mais lento. Embora seja difícil precisar as notas

utilizadas como “margens” nesses glissandos contínuos, a harmonia serve de guia,

conforme o exemplo musical 25.

Exemplo musical 25. Minuano triste, choro. Efeito sonoro criado a partir de glissandos contínuos

promove a imitação do vento.

Gilka (Victor, 1935)

A valsa Gilka foi originalmente gravada em 1935 em solo de flauta por Dante

Santoro e seu regional (n. de série 33.932). Há uma segunda versão da obra, gravada em

1938, com letra de Milton Amaral, na interpretação de Vicente Celestino com a

Orquestra Victor Brasileira (n. de série 34.370), disponível para audição no acervo

online do Instituto Moreira Salles.

Existem duas partituras editadas da peça em diferentes tonalidades. A edição

que apresenta somente a melodia da flauta (E.S. Mangione, s.d.) está na tonalidade de

Lá maior. Já a edição orquestral (E.S. Mangione, s.d.), para piano / flauta ou violino,

sax alto, sax tenor, dois pistons sib, trombone e baixo, está na tonalidade de Fá maior.

Na gravação de 1935, usa-se a tonalidade de Lá maior, que será mantida como

parâmetro nesta análise.

Essa valsa segue o esquema formal utilizado por Dante Santoro em quase todas

as suas valsas de concerto. Essa denominação aparece em algumas edições e indica

valsas que tomam emprestado elementos da música de concerto, expressos

principalmente por meio de uma cadência virtuosística inicial. Apresentam forma

semelhante as seguintes valsas: Exaltação (1939), Olhos magos (1937), Sombras da

noite (1939), Marlene (s.d.), Suzana (1938) e Nena (1935). A denominação valsa de

concerto aparece nas edições para flauta solo de Gilka (E.S. Mangione, s.d.) e Nena

(Irmãos Vitale, s.d.); já a edição de Olhos Magos (E.S.Mangione, 1943), para canto e

piano, não apresenta a cadência inicial que consta da gravação de 1937 e recebe a

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174

classificação de valsa canção. Quanto às demais valsas, não se dispõe de nenhuma

edição.

Essas introduções virtuosísticas são semelhantes àquelas encontradas em

fantasias e variações do repertório de concerto para flauta. Entre as partituras que

pertenceram a Dante Santoro, por exemplo, consta a obra Fioritta, de A. Terschak80

(exemplo musical 26), que é uma série de variações sobre o tema de uma ária italiana.

Na abertura da obra, o trecho inicial constitui uma cadência para flauta solo – um tipo

de escrita muito apreciada pelo flautista.

Exemplo musical 26. A. Terschak. Fioritta, para flauta e piano. Introdução. Observa-se um estilo de

escrita apreciado por Dante Santoro: uma cadência inicial para flauta solo anuncia a abertura da obra.

Fonte: acervo da família Santoro.

À cadência virtuosística inicial (exemplo musical 27), escrita para flauta solo,

segue-se uma parte A, com caráter de melodia lírica e uma terceira parte - parte B - de

andamento mais rápido, com caráter de dança. Com as repetições, o esquema formal

fica assim resumido: Introdução- A A´- B B´ - A. Harmonicamente, a introdução e a

parte A estão centradas na tonalidade de Lá maior e parte B em Fá # menor.

80

Adolf Terschak (1832-1901), flautista e compositor nascido em território húngaro. Estudou e

desenvolveu carreira em Viena. Autor de cerca de 197 obras para várias formações instrumentais, compôs

inúmeras para seu instrumento. Segundo RÓNAI (2008, p. 50), utilizava uma flauta de 16 chaves, modelo

anterior ao atual sistema Böhm, cujo pé se estendia até o sol grave.

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175

Exemplo musical 27. Gilka, valsa de concerto. Introdução. Elementos da música de concerto: cadência

virtuosística inicial, para flauta solo. Edição E.S. Mangione, s.d. Fonte: MIS.

A flauta é acompanhada por dois violões e um cavaquinho. Os recursos

expressivos são o ponto alto da gravação, que explora nuances de tempo – por meio de

fermatas, accelerandos e ritardandos – e de ornamentação em oitavas na parte da flauta.

Na introdução, os arpejos agrupados em 12, 14 e 8 notas (exemplo musical 27) são

tocados em accelerando. Outro detalhe é que a escala descendente do primeiro

compasso é tocada com staccato duplo, de forma análoga ao trecho da introdução da

Serenata oriental op. 70, de Ernesto Köhler, gravada por Pattápio Silva para a Casa

Edison em 1902 (exemplo musical 28).

Exemplo musical 28. Serenata oriental, op. 70, de Ernesto Köhler. Introdução. Edição desconhecida. Na

gravação de Pattápio Silva (1902), a escala descendente do sexto compasso é executada em staccato

duplo.

Já na parte A, a célula rítmica do acompanhamento dá liberdade ao solista,

permitindo ligeiras manipulações do tempo nas figuras pontuadas e nas tercinas sempre

expressivas. Entretanto, as conduções de frase, sublinhadas pelo violão, sempre

retomam o tempo, o que mantém o andamento estável (exemplo musical 29). O mesmo

ocorre na parte B, em que o dueto de violões imprime movimento à música, por meio de

contracantos alternados à melodia.

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Exemplo musical 29. Gilka, valsa de concerto. Parte A. Manipulações de tempo na melodia da flauta

(linha superior) são compensadas pelos contracantos dos violões (linha inferior), cujas conduções de frase

dão movimento ao trecho.

A ornamentação em oitavas ocorre tanto na parte A quanto na parte B. No

trecho do exemplo musical 30, localizado ao final da parte B, o grupo faz uma pequena

fermata no dó# do terceiro compasso, seguido de um pequeno accelerando na passagem

com oitavas, logo depois rallentando até o final.

Exemplo musical 30. Gilka, valsa de concerto. Parte B. Ornamentação em oitavas e indicações

expressivas, conforme a gravação de 1935.

É logo ali (Victor, s.d.)

A polca É logo ali foi lançada no disco Victor (n. de série 34167), ao lado da

valsa Dores d´Alma, de autoria de Antônio Lourenço Bittencourt. Infelizmente não se

sabe o ano de publicação desse disco. Na partitura para flauta solo, editada pela casa

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Irmãos Vitale (s.d.), a obra é classificada como polca-choro; já no selo do disco Victor,

é classificada como choro81

.

Dois indícios conduzem à classificação da obra como polca: a levada,

caracterizada pela acentuação da quarta parte do primeiro tempo e o andamento, que

costuma ser rápido. Na gravação de Dante Santoro, o andamento é cômodo (semínima

cerca de 87), porém a acentuação característica se mantém. O exemplo musical 31

mostra as células básicas do acompanhamento da polca, nas quais se baseiam o

acompanhamento do regional (dois primeiros compassos) e as variações executadas

pelo acordeom nesta gravação (quatro últimos compassos).

Exemplo musical 31. É logo ali, polca. Células do acompanhamento do regional (dois primeiros

compassos) e do acordeom (quatro últimos compassos), conforme a gravação.

Um detalhe interessante é a percussão utilizada nesta gravação. Aparentemente

trata-se de uma tumbadora ou de uma zabumba, que marca a figura da colcheia

pontuada seguida de semicolcheia, no registro grave. Esse baixo sincopado percussivo

cria uma base muito boa junto aos violões, tendo como resultado um acompanhamento

cheio de bossa.

O acordeom tem uma participação especial nesta gravação, pois atua como

solista na primeira parte, dividindo a melodia com os contracantos da flauta, e como

acompanhador nas demais. Há três partes, A, B e C, centradas respectivamente nas

tonalidades de Lá m, DóM e LáM. Na gravação, a parte A é a única repetida por

completo duas vezes, ou seja, o esquema formal seria: A A´- A A´- B B´- A A´- C C´-

A A´.

Nesta gravação é possível apreciar o contracanto executado por Dante Santoro.

O exemplo musical 32 mostra a melodia principal, executada pelo acordeom, e os

contracantos da flauta, indo do registro mais agudo até o grave. Nota-se o uso da

ornamentação, como recurso de improvisação, nos compassos 6 a 8, com a incorporação

de trilos e glissandos.

81

De acordo com o professor e flautista Raul Cosa d´Avila, essa obra apresenta referências à música do

Rio Grande do Sul, tendo como referência o gênero musical uruguaio milonga arrabalera. (Comentário

por ocasião da banca de defesa, em 27/02/2014).

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É interessante observar como Dante constrói a melodia do contracanto:

trabalha basicamente com arpejos mesclados com escalas rápidas - diatônicas ou

cromáticas (nesse caso gerando pequenos glissandos). O material é geralmente bem

articulado e adornado com trilos e pequenos mordentes. Esse material é usado de forma

recorrente em suas improvisações, constituindo seu “ponto de partida” na maioria dos

casos, como se comentará mais adiante.

Exemplo musical 32. É logo ali. Parte A. Melodia principal do acordeom (linha inferior) e contracantos

da flauta (linha superior), segundo a gravação.

Maria Rosa (Odeon, 1946)

A valsa Maria Rosa foi lançada no disco Odeon (n. de série 12.736), em 1946.

Não foi encontrada nenhuma partitura dessa obra, que traz um conceito diferente das

mencionadas valsas de concerto comuns no repertório de Dante Santoro. Apesar de

exigir certa habilidade do flautista, por ser uma valsa rápida, apropriada para a dança, o

aspecto relevante da obra é o acompanhamento: harmonias com cromatismo e variações

nas células rítmicas. Está dividida em três partes que se repetem, A A´- B B´- C C´- A,

centradas respectivamente nas tonalidades de Lá m, Dó M e Lá M.

O tema inicial apresenta um motivo caracterizado por intervalos ascendentes e

descendentes, com uso de ornamentos. O intervalo de sexta ascendente marca a

apogiatura e se repete, em uma sequência descendente, no início da valsa (exemplo

musical 33). Esse motivo lembra aquele utilizado por Pattápio Silva na primeira parte

da mazurca Margarida (exemplo musical 34).

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Exemplo musical 33: Maria Rosa, valsa. Parte A. Motivo com intervalos ascendentes e descendentes,

similar à mazurca Margarida, de Pattápio Silva.

Exemplo musical 34: Margarita (mazurca), de Pattápio Silva. Motivo com intervalos ascendentes e

descendentes. (In: SILVA, Pattápio. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano.

Coord. Maria José Carrasqueira. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001).

Na parte A, o cromatismo é conduzido pelos baixos dos violões, sendo a

harmonia adornada por arpejos do cavaquinho. Há um crescendo contínuo na medida

em que descende a linha do baixo. Esse crescendo reflete naturalmente o acúmulo da

tensão harmônica até o nono compasso e é reforçado na melodia da flauta, igualmente

descendente. Esse belo trabalho de expressão gera um efeito camerístico. Essa síntese

sonora delicada e refinada era incomum, para aquela época, nesse tipo de

instrumentação. No exemplo musical 35, a voz superior é a do cavaquinho, que toca os

arpejos até o sexto compasso, quando volta a executar a harmonia. As duas vozes

inferiores são dos violões de seis e sete cordas.

Exemplo musical 35. Maria Rosa, valsa. Cromatismo na parte A. Arpejos do cavaquinho (voz superior) e

conduções dos baixos nas partes dos violões de seis e sete cordas (vozes inferiores).

A parte B surpreende pela riqueza rítmica, por meio do uso de hemiolas, tanto

na melodia quanto no acompanhamento. A utilização desse recurso rítmico é comum

nas valsas vienenses (Grove, 1994, p. 423), que certamente serviram de inspiração para

a composição desta obra. A melodia principal é ritmicamente idêntica ao baixo, e o

acompanhamento dos violões e do cavaquinho a complementam, com células rítmicas

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mais movidas, que garantem a fluência do movimento. O exemplo musical 36 mostra o

esquema rítmico do acompanhamento (pauta superior) e as linhas da flauta e do baixo

(pauta inferior).

Exemplo musical 36. Maria Rosa, valsa. Hemiolas na célula rítmica do acompanhamento e nas linhas

melódicas da flauta e do violão de sete cordas.

Na parte C, novas variações rítmicas no acompanhamento contribuem para

manter o interesse e a vitalidade da valsa. A supressão do terceiro tempo da célula

rítmica executada por violões e cavaquinho, nos quatro primeiros compassos, lembra

um recurso muito utilizado na valsa estilo vienense. Nos compassos posteriores, embora

a célula rítmica básica se mantenha, as articulações variam muito, por meio de acordes

arpejados pelo cavaquinho e conduções da harmonia pela linha melódica do violão. O

exemplo musical 37 mostra a linha melódica da flauta e o esquema rítmico do

acompanhamento.

Exemplo musical 37. Maria Rosa, valsa. Linha melódica da flauta e esquema rítmico do

acompanhamento. Ocorrem variações métricas (comp.1 a 4) e de articulação (acordes arpejados e

contracantos do violão, a partir do comp. 7). Cf. gravação de 1946.

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181

As valsas têm um grande destaque na produção de Dante Santoro. Isso se deve,

especialmente, a sua impecável interpretação, em um gênero em que as qualidades

técnicas do flautista ficam muito evidentes, destacando-se a sonoridade e a condução

das frases.

Murmúrios d´Alma (Victor, 1937) e Murmúrios (Sinter, 1955)

O choro Murmúrios, lançado pela gravadora Sinter (n. de série 00382) em

1955, é uma adaptação da valsa Murmúrios d´alma, gravada no ano de 1937, em disco

RCA Victor (n. de série 34.185), pelo cantor Manoel Reis com o acompanhamento do

regional de Dante Santoro. Foram encontradas duas partituras da peça: uma para canto e

piano da Editora E.S. Mangione (s.d.), em que a obra é classificada como valsa canção;

outra para flauta solo, da mesma editora, em que é classificada como valsa.

A gravação de 1937 apresenta duas partes, uma instrumental e outra cantada. A

parte instrumental é composta por uma introdução, parte A e parte B. A instrumentação

utilizada é de flauta, acordeom, violão e cavaquinho. Na parte cantada, que corresponde

à parte A, esses mesmos instrumentos acompanham a voz, enquanto a flauta elabora

contracantos.

A introdução chama a atenção pela carga dramática, obtida através do efeito

polifônico de trêmulos à flauta no registro grave, acompanhada dos ataques da harmonia

no primeiro tempo do compasso. O exemplo musical 38 transcreve a melodia da flauta

com as notações expressivas depreendidas da gravação, na qual Dante Santoro utiliza

mais uma vez o efeito do trêmulo nos primeiros compassos da obra, de forma

semelhante à Harmonia selvagem, mas em outro contexto tonal (tonalidade de dó

menor). Neste caso, utiliza trilos de tons inteiros nos quatro primeiros compassos,

resultando em notas pertencentes à tonalidade, porém de interessante colorido sonoro.

Exemplo musical 38. Murmúrios d´alma, valsa. Introdução. A melodia polifônica da flauta e os ataques

da harmonia na cabeça do compasso contribuem para a dramaticidade do trecho.

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182

Na parte B, que apresenta um andamento um pouco mais movido, a melodia é

compartilhada em oitavas pelo acordeom e a flauta. Dante elabora contracantos em um

estilo virtuoso, como uma cadência, conforme o exemplo musical 39. Esses

contracantos soam como adornos, harmonizações rebuscadas, que lembram o

movimento de pássaros. Compõem esses contracantos arpejos muito velozes, que

atingem toda a extensão da flauta, além de trilos.

Exemplo musical 39. Murmúrios d´alma, valsa. Contracanto da flauta na parte B.

Essa valsa é uma das peças em que se pode observar a vocalização, ou uso do

vibrato82

, como recurso expressivo na obra de Dante Santoro. Dante usa um vibrato

discreto, rápido e pouco variado. Aparenta ser um vibrato natural, ou seja, não se

trataria de uma técnica estudada, mas um recurso agregado ao som como resultado da

necessidade expressiva. Esse tipo de vibrato foi utilizado por flautistas em gravações

de flauta da indústria fonográfica a partir de 191083

e, antes disso, no Brasil, por Pattápio

Silva, nas gravações de 1902. O som vigoroso e vibrante tornou-se referência para as

gerações posteriores de flautistas, incluindo Dante Santoro84

.

A sonoridade de Dante Santoro é um diferencial em relação aos demais

flautistas que atuavam em grupos regionais. É o que demonstram os depoimentos

82

O vibrato é “uma vibração aplicada na nota, de tal modo que ela pulsa com a rápida alteração da

pressão da coluna de ar, sendo que com isso a afinação da nota também oscila levemente para baixo e

para cima” (RÓNAI, 2008, p. 166). Conforme TOFF (1996), o vibrato pode ser variado segundo a

amplitude da flutuação (o quanto a afinação sobe ou desce a partir do som original) ou a velocidade. No

que se refere à amplitude, a afinação deve variar até um quarto de tom para cima ou para baixo. Já quanto

à velocidade, a pulsação costuma ocorrer de quatro a seis vezes por segundo. (TOFF, 1996, p. 106).

83 O vibrato se popularizou na França por volta de 1905, mas demorou a ter aceitação em outros países,

mesmo no contexto da indústria fonográfica. Consulta ao acervo online da Biblioteca do Congresso

Americano (www.lov.gov/jukebox) indica que era costume tocar sem vibrato nas gravações de flauta do

selo Victor de 1900-1909: é o caso, por exemplo, dos flautistas Darius Lyons, George Scweinfest e do

Victor Instrumental Quartet. De 1910 a 1919, o vibrato começa a ser empregado por determinados

flautistas, como John Lemoné, Clement Barrone e Walter Oesterreicher. 84

A esse respeito comenta Antônio Carlos Carrasqueira, no ensaio “A Flauta Brasileira”, faz o seguinte

comentário: “Pattápio foi o primeiro flautista a ter sua arte gravada em disco, em 1902 e 1903 e, por isso

mesmo, teve uma enorme influência em flautistas que não chegaram a ouvi-lo pessoalmente. Foi o caso

de meu pai e tios, que ouviam aqueles discos de 78 rotações com verdadeira veneração. (...) A sonoridade

da flauta de Pattápio, vibrante, cheia de vida, fez escola. Apesar da precariedade do sistema de gravação,

então bastante rudimentar, percebe-se, ouvindo seus discos, o uso de um belo "vibrato", técnica

expressiva que, na época, ainda não era dominada por todos os flautistas, mesmo na Europa

(...)”(CARRASQUEIRA, 2008).

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183

citados no Capítulo 2, nos quais sua sonoridade foi constantemente mencionada, e

qualificada de “incisiva”, “potente” e “bem equilibrada entre os diferentes registros”. A

audição das gravações nos leva a afirmar que Dante Santoro tinha um som de timbre

escuro85

e apreciava a potência sonora. Sabe-se que Dante usava uma flauta alemã da

marca Hammig, um instrumento muito raro no Brasil e de fabricação limitada. Acredita-

se que o uso dessa flauta potencializava suas qualidades sonoras. Mais adiante, as

características desse instrumento serão abordadas de forma mais detalhada em um

tópico específico deste capítulo.

Para fazer um paralelo com as escolas de flauta internacionais, talvez se possa

afirmar que a sonoridade de Dante seja mais parecida com a da escola alemã. De acordo

com Toff (1996, p. 103-104), trata-se de uma maneira de tocar parecida com a da escola

inglesa: o som requer bastante pressão de ar e um ataque mais duro; a embocadura

costuma ser mais apertada e a flauta é mantida bem pressionada contra o lábio. A

sonoridade costuma ser “rica”, “gorda” e “escura” (semelhante à dos instrumentos de

madeira, especialmente no registro grave), além de utilizar pouco vibrato.86

Nesse

aspecto específico, entretanto, pelo uso do vibrato, há uma aproximação também com a

escola francesa, já que Dante utilizava esse recurso expressivo, possivelmente inspirado

em Pattápio.

Retomando a análise, a versão de 1955, Murmúrios, é um choro movido, com a

semínima em cerca de 112. Possivelmente se trata de um choro sambado, ou seja, uma

vertente do gênero que agrega elementos do samba nas células rítmicas do

acompanhamento. É interessante como essa nova versão da música tem uma concepção

totalmente diferente da primeira. O clima nostálgico da valsa dá lugar à vivacidade do

choro e a transformação métrica, de ternário para binário, soa tão natural que parece

nunca ter existido.

85

Os timbres sonoros na flauta constituem um tema controverso na literatura especializada. Uma das

abordagens define o som de timbre escuro como aquele que se assemelha ao do oboé, produzido a partir

de uma técnica baseada no enrijecimento do lábio superior, aliado a uma coluna de ar rápida e de alta

pressão (W. N. James apud Toff, 1996, p. 96). Acusticamente, esse som é caracterizado pelo

fortalecimento dos harmônicos de oitava e quinta composta, em relação à fundamental do som (Silva,

2008, p. 50). 86

“The English flute sound requires more air pressure in blowing and a harder attack, a tighter

embouchure, often with the flute pressed rather hard against the lips. The result, typically, is a very, very

rich sound, reedy, like Nicholson´s (1795-1837) in the lowest register”. (TOFF, 1996, P. 103) “German,

Russian and eastern European traditions are much the same as the English, though the typical sound tends

to be duller and thicker. It is almost entirely senza vibrato”. (TOFF, 1996, p. 104).

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184

Dante aproveita a simplicidade da melodia de poucos movimentos para tomar

liberdades de fraseado, antecipando e dilatando o tempo. Também explora os contrastes

de registro e destaca, como de costume, o registro grave. Formalmente, a obra

permanece semelhante, porém a introdução desaparece e acrescenta-se uma pequena

coda ,conforme exemplo musical 40.

Exemplo musical 40. Murmúrios, choro. Melodia da flauta como choro e valsa.

4.2.2 Gravações de programas da Rádio Nacional

Nesta seção serão comentadas gravações inéditas (não lançadas comercialmente)

de programas da Rádio Nacional, encontradas no acervo do Museu da Imagem e do

Som do Rio de Janeiro (anexadas ao trabalho), contendo o seguinte repertório

interpretado pelo Regional de Dante Santoro e solistas: A Dança da Moda (baião), com

Luiz Gonzaga; Abana Baiana (samba), com Linda Baptista; Não tenho queixa (samba-

canção), com Nuno Roland e Desafio para flauta e pandeiro, com Dante Santoro e Joca

do Pandeiro.

Os comentários acerca dessas gravações não chegam a constituir análises das

obras, pois o objetivo é considerá-las somente do ponto de vista da atuação do flautista.

Além de sua importância como registro histórico, essas gravações permitem conhecer

de que maneira Dante Santoro improvisava, ou seja, que elementos utilizava para criar

suas introduções e contracantos. Esse é o tópico de interesse desta seção.

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185

A dança da moda (Acervo MIS, c. 1950)

A Dança da Moda (baião), de autoria de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, foi gravada

em 1950 no selo RCA Victor, por Luiz Gonzaga. A gravação analisada neste trabalho é

do Programa César Alencar - na década de 1950, foi um grande sucesso de público,

tornando-se um dos principais programas de auditório da emissora, ao lado do Programa

Paulo Gracindo. Trata-se de uma transmissão ao vivo, na qual canta Luiz Gonzaga,

acompanhado do Regional de Dante Santoro. Essa versão ganha interesse com os

contracantos da flauta, se comparada à gravação original, disponível na página

eletrônica do Instituto Moreira Salles.

Nos improvisos de Dante nesta transmissão observa-se, primeiramente, a

intenção de preencher os instantes entre uma e outra frase do cantor, elaborando, para

tanto, uma melodia paralela, baseada em acordes arpejados (exemplo musical 41).

Exemplo musical 41. Dança da moda. Parte A. Contracantos da flauta, preenchendo os espaços entre as

frases do cantor. Melodia baseada em arpejos.

No refrão, Dante trabalha com imitações da melodia principal, agregando ainda

ornamentos constituídos de apogiaturas com saltos de oitava e trinados sobre a

dominante (exemplo musical 42). O recurso imitativo é bastante utilizado por Dante

Santoro, não apenas em citações literais (como neste caso), mas também como elemento

condutor para a construção das linhas melódicas da flauta ( uso de membros de frase

similares e complementares).

Exemplo musical 42. Dança da moda. Refrão. Contracantos da flauta exploram imitação da melodia

principal e ornamentos: apogiaturas com saltos de oitava e trilos.

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186

Abana baiana (Acervo MIS, c. 1941)

O samba Abana baiana, da autoria de C. Brasil, Jorge Faraj e Roberto Roberti,

foi gravado pela cantora Rosina Pagã, acompanhada por regional desconhecido, no selo

Victor, nº de série 34728, em 1941. Essa gravação, disponível na página eletrônica do

Instituto Moreira Salles, apresenta contracantos de clarineta, flautim e trombone. As

linhas melódicas do flautim impressionam pela movimentação e criatividade: mesclam-

se constantemente escalas e arpejos e a ornamentação muitas vezes tem um efeito

percussivo.

A gravação de que participa o Regional de Dante Santoro, acompanhando a

cantora Linda Batista, deve ser parte de um programa de estúdio da Rádio Nacional de

1941 - segundo anúncio publicado no jornal A Noite, edição 10407 de 31/01/1941.

Trata-se de um samba rápido, no qual os contracantos são contínuos e igualmente

movidos.

Como era costume na interpretação de sambas, a parte cantada era precedida e

finalizada por introduções instrumentais, elaboradas pelo solista do regional

acompanhador. O exemplo musical 43 mostra a melodia elaborada por Dante Santoro

(pauta inferior) e sua variação, que é tocada no final da música (pauta superior). Como

se depreende da transcrição, a segunda versão indica uma significativa mudança

melódica.

Observa-se que a melodia da introdução é bastante simétrica: baseia-se num

motivo rítmico principal, indicado logo no primeiro compasso, que é reproduzido nos

membros de frase subsequentes. A articulação empregada (cuja transcrição buscou ser

fiel à original) atende a essa coerência do fraseado e a reforça. O resultado sonoro é um

fraseado claro e conduzido - traço interpretativo recorrente na obra de Dante Santoro. Já

a melodia final, sendo uma variação, mostra-se mais livre em termos formais: a simetria

rítmica é menos evidente e a ênfase maior está na variação das articulações e na

inserção de ornamentos.

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Exemplo musical 43. Abana baiana, Introdução (linha inferior) e variação final (linha superior) na versão

de Dante Santoro.

De um modo geral, o material utilizado nos contracantos de Dante Santoro é

bastante simples: acordes arpejados, fragmentos de escalas e ornamentos (mordentes e

trilos). Neste samba, encontra-se uma amostra que combina acordes arpejados e

pequenas escalas, além de consecutivos saltos de terça, de caráter ornamental (exemplo

musical 44). Ao longo da gravação, esse contracanto básico é repetido várias vezes, com

algumas variações na melodia. Dante utiliza o trecho correspondente à ponte de

retomada do tema inicial (último compasso do exemplo musical 44) para investir em

efeitos sonoros de caráter “brincalhão”: trilos de efeito sobre a nota sib3 e notas agudas

em ritmos sincopados, alcançando o agudo dó3.

Exemplo musical 44. Abana baiana, Parte A. Contracantos da flauta na gravação de estúdio de 1941.

Melodia baseada em arpejos e pequenas escalas.

Nessa gravação, Dante Santoro segue um estilo de contracanto contínuo e

virtuoso. Segundo o flautista Leonardo Miranda (depoimento oral concedido a esta

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188

autora em 13/10/2012), o estilo de contracanto contínuo foi iniciado na flauta por

Pixinguinha e, posteriormente, incorporado por Benedito Lacerda. A confecção de

linhas contínuas, que soam como camadas de sons, tornou-se a marca registrada da

dupla na década de 1940. Antes disso, porém, na década de 1930, Benedito Lacerda já

registrava seus contracantos e introduções nas gravações com a cantora Carmen

Miranda.

O exemplo musical 45 traz a transcrição parcial do samba Isso não se atura, de

Assis Valente, gravado por Carmen Miranda, Benedito Lacerda e Regional em 1935. A

linha melódica da flauta é tocada uma oitava acima na gravação, que se encontra

disponível no site do Instituto Moreira Salles (e no anexo do trabalho). Essa gravação é

especialmente interessante porque traz uma introdução vocal, o que não era usual na

época. Com relação ao contracanto, observa-se que a flauta atua ao mesmo tempo como

um segundo solista e como condutora da harmonia.

Na introdução, por exemplo, a linha melódica da flauta atua como segundo

solista nos contracantos com a voz, assumindo a liderança em passagens ornamentais,

como a dos compassos 7 e 8. Já na ponte entre a introdução e a parte A (compassos 15 e

16), a flauta toca um bordão de condução harmônica. A intenção desses contracantos

parece ser mais o preenchimento do tecido sonoro (como mencionado pelo flautista

Leonardo Miranda), do que a construção formal de melodias (com frases claras e

articuladas).

A transcrição dos contracantos revela, surpreendentemente, que a criação dessas

linhas melódicas contínuas baseia-se em elementos bastante simples e repetitivos. Nesse

contracanto, por exemplo, Benedito Lacerda utiliza uma figura melódica de efeito,

relembrada constantemente: trata-se da sétima da dominante (a nota sib3) tocada em

ritmo sincopado acéfalo, seguida da resolução à tônica (por meio de escala descente).

Essa célula, que aparece pela primeira vez nos compassos 6-7, também está presente

nos compassos 17-18 e 24-25. É sugerida, ainda, sempre que se repete esse movimento

melódico ao longo do trecho (sib3 acéfalo seguido de escala descendente).

Como assinalado, nota-se que o material utilizado nos contracantos de Benedito

Lacerda e Dante Santoro não difere essencialmente – é composto basicamente de

arpejos, escalas, ornamentos e saltos intervalares. A principal diferença parece estar na

abordagem que se dá às melodias: Santoro busca construir linhas melódicas de

contornos formais precisos, com frases mais definidas e bem articuladas, enquanto

Page 191: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

189

Lacerda ocupa-se de linhas melódicas contínuas (ora solistas, ora acompanhantes),

formalmente menos elaboradas, porém adaptadas ao contexto musical.

O trabalho com a articulação nos contracantos é outro indício das diferentes

abordagens de Dante e Benedito quanto à improvisação: enquanto Santoro tem um

cuidado especial com a articulação, de modo a valorizar o fraseado e variar a melodia

(conforme demonstrado no exemplo musical 43), Lacerda passa ao largo dessa questão,

utilizando uma articulação fluida e pouco exata. No trecho abaixo transcrito pôde-se

detectar somente uma ligadura no compasso 16, anotada no exemplo musical 45. Parece

que Lacerda buscava criar melodias variadas, enquanto Santoro buscava variar a mesma

melodia.

Exemplo musical 45. Isso não se atura, samba. Introdução e Parte A. Contracanto contínuo elaborado por

Benedito Lacerda. Gravação de 1935.

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190

É interessante estudar a questão da articulação, para tentar definir a mecânica

envolvida nesse aspecto da execução e comparar a maneira como diferentes flautistas a

utilizam. Ao falar sobre a maneira de separar as notas na flauta, Nancy Toff (1996, p.

117-118) menciona, dentre outras, três variantes: o staccato, o golpe simples regular e o

meio-staccato. O staccato seria a versão mais curta e incisiva do golpe simples: uma

articulação cuidadosamente preparada, na qual a língua atua como uma válvula, que

libera a entrada da corrente de ar no instrumento com movimentos muito econômicos,

executados com a ponta da língua. Nos instrumentos de arco, essa técnica seria

equivalente ao sautillé ou spiccato87

.

O golpe simples regular seria parecido ao staccato, porém não haveria essa ação

de válvula por parte da língua, o que equivaleria ao détaché das cordas (um movimento

de arco por nota). O meio-staccato seria um parente próximo do golpe simples, porém

articulado com a língua de forma mais suave e em posição mais arredondada, por meio

das sílabas “du”, “da”, “de” ou “di”. Seria o equivalente ao louré das cordas88

.

Para RÓNAI, (2008, p. 191), o détaché e o louré são praticamente

equivalentes, e a mecânica envolvida na articulação depende, sobretudo, da escola de

flauta que se segue. Há polêmica, por exemplo, em relação à posição da língua na

produção do staccato:

A maior parte dos autores franceses do século XIX, seguindo Devienne, recomenda

que a ponta da língua bata nos dentes da frente do flautista quando o flautista

pronunciar o “TU”. Já o “DU”, de articulação mais macia, seria produzido pela

língua encostando levemente na interseção entre palato e dentes, e se retraindo

rapidamente para emitir o som. O hábito de “bater com a língua nos dentes”,

literalmente, era rechaçado pelos ingleses, e durante o século XIX acabou sendo

rejeitado também pelos franceses (...) ao invés de tocar nos dentes, sugeriam que a

87

“The shortest and most pointed version of single-tonguing is staccato. It is a carefully prepared

articulation: the actual attack is preceded by the valve-like action of the tongue, which prevents the air

stream from entering the instrument. At the beginning of the staccato passage, the air is then released by

an equally sharp withdrawal of the tongue from the rear portion (the palatal side) of the teeth. Staccato

tonguing is done with the farthest tip of the tongue; in a very rapid passage, using just the tip permits the

withdrawal of the tip to be minimal, so that it has to move the shortest possible distance. The violin

equivalents include sautillé or spiccato (a rapid, detached stroke, in which the bow bounces off the string)

or the regular staccato. All are notated with a dot above or below the notehead. Normal, everyday single-

tonguing, as described above, is identical to staccato except for the omission of the initial valve action. It

is analogous to the violin détaché, which allots one note per bow stroke and has no special notation”.

(TOFF, 1996, p. 117). 88

“A close relative of normal single-tonguing is mezzo-staccato single-tonguing or the “legato slur”,

articulated with the syllable DU, DA, DE or DI. Analogous to the violin louré, it is notated by a

combination of dot and slur. The tip of the tongue is softer and more rounded, and strikes farther back in

the mouth. For this reason, it is sometimes known as dorsal or top tonguing”. (TOFF, 1996, p. 118).

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191

língua encostasse diretamente nos lábios, tomando cuidado para não os ultrapassar.

(RÓNAI, 2008, p. 180)

Observa-se, em várias gravações de Dante Santoro, o uso de um staccato curto

e preciso, incisivo, que salta ao ataque, ao modo descrito por TOFF (1997). Esse tipo de

articulação foi muito utilizada, no contexto do choro, por Pixinguinha, em suas

gravações como flautista. Como mencionado no Capítulo 1, a articulação de

Pixinguinha é tão precisa porque se pauta em dois aspectos: precisão rítmica e qualidade

da emissão. Acredita-se que os flautistas que o sucederam, como Benedito Lacerda e

Dante Santoro, basearam-se nessa qualidade de articulação e tentaram reproduzi-la.

Um bom exercício de análise sobre a articulação é a audição comparada de três

versões do Urubu Malandro – dança característica baseada em motivos populares, de

Lourival de Carvalho, o Louro (1894-1956) - disponíveis na página eletrônica do

Instituto Moreira Salles e anexadas a este trabalho: O urubu e o gavião (Victor, 1930)

por Pixinguinha (flauta); Variações sobre o urubu e o gavião (RCA Victor, 1944) por

Benedito Lacerda (flauta) e Pixinguinha (sax tenor) e Urubu malandro (Odeon, 1950),

por Dante Santoro, com participação do clarinetista Vivi e regional.

A versão de Pixinguinha, de 1930, é a segunda gravada por ele na flauta. Há

uma gravação anterior, com Os Oito Batutas, de 1923, em que se observa a mesma

habilidade técnica e originalidade. A gravação de 1930 será considerada devido à

melhor qualidade de áudio. Aqui a flauta atua como única solista, dialogando com o

regional (a dupla de violões, em especial). Observa-se a mencionada qualidade da

articulação: precisão rítmica e clareza na emissão; variedade (combinações de notas

ligadas e separadas, com inflexões diversas), conforme o exemplo musical 46.

Utilizaram-se como notação os sinais de staccato e tenuto para diferenciar as notas mais

curtas das menos curtas, porém se recomenda a audição da gravação para que as

características aqui descritas sejam apreciadas.

A utilização do golpe duplo em grandes saltos intervalares e em notas repetidas,

nesse último caso criando um efeito de trêmulo89

, causou muita impressão, sendo

reutilizado, nas duas décadas seguintes, por Benedito e Dante. A ornamentação tem

muito destaque nessa obra, pois serve como base a partir da qual o intérprete improvisa.

Pixinguinha utiliza, basicamente, mordentes, trilos e glissandos, mas explora esses

89

Conferir o exemplo musical 51, p. 196, para a descrição desse recurso, utilizado também no Desafio

para flauta e pandeiro de Dante Santoro.

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192

recursos de modo muito criativo, criando efeitos que lembram apitos, assovios e sons de

pássaros.

Exemplo musical 46. O Urubu e o gavião, início. Versão de Pixinguinha (Victor, 1930). A articulação do

flautista chama a atenção pela precisão rítmica, clareza de emissão e variedade.

Na versão de Benedito Lacerda (1944), o que chama a atenção é o padrão

rítmico do acompanhamento de samba (ou a levada de samba na terminologia dos

músicos de choro). Esse acompanhamento em ritmo contramétrico valoriza o aspecto

rítmico (possivelmente, para os chorões, ganha mais bossa). É notória a diferença de

abordagem entre a versão de Pixinguinha (1930), que remete à polca, e a de Benedito

Lacerda (1944), que já remete ao novo estilo do samba de Estácio. O andamento dessa

versão é um pouco mais lento do que a anterior, de forma a permitir que as linhas do

baixo (sax tenor) e da percussão sobressaiam-se, e que saxofone e flauta dialoguem à

vontade. O caráter improvisatório, característico das gravações da dupla Pixinguinha-

Benedito Lacerda, ganha um aspecto cômico nessa versão, gravada ao vivo no programa

O Pessoal da Velha Guarda, de Almirante.

Exemplo musical 47. Variações sobre o urubu e o gavião, início. Versão de Benedito Lacerda, com

Pixinguinha ao sax tenor (RCA Victor, 1944). Ênfase no aspecto rítmico, com “levada” de samba. A

articulação reflete as acentuações rítmicas, com inflexões variadas.

Observa-se, mais uma vez, como a interpretação de Benedito Lacerda enfoca o

contexto musical: a articulação, por exemplo, ganha acentos diferentes, inflexões que

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193

Lacerda realiza segundo a demanda rítmica do trecho musical. O resultado é uma

articulação percussiva, cuja variação está pautada mais na acentuação do que na

combinação de notas ligadas e separadas. No exemplo musical 47, por exemplo, a

audição revela que o motivo executado nos compassos 10-11 (e repetido nos dois

compassos seguintes) é tocado separado, porém a inflexão dada por Lacerda leva-nos a

notá-lo com uma ligadura, dada a ênfase na primeira nota da ligadura, com um ligeiro

diminuendo subsequente.

O frulato é o recurso escolhido como acentuação para a nota fá 3, no compasso

6, e novamente nos compassos 14 e 16. Trata-se, mais uma vez, de uma figura melódica

de efeito, que se repete ao longo da improvisação, como mencionado na p. 190. Esse

recurso criativo agrada o ouvinte, que identifica o efeito sonoro recorrente.

No calor do improviso, ao buscar efeitos de distorção sonora nos diálogos com o

saxofone, Benedito Lacerda chega a tocar alguns multifônicos (efeito certamente inédito

no repertório de choros). Acredita-se que, para Lacerda, as questões técnicas referentes

à precisão do ataque e qualidade da emissão sonora ficavam em segundo plano frente a

sua concepção musical, marcada pela liberdade e espontaneidade da execução, o que

nos parece muito positivo.

A versão de Dante Santoro (1950) é a mais trabalhada do ponto de vista formal.

Pode-se dizer que há um arranjo prescrito para a obra: introdução e coda; uma parte A,

com o tema, e uma parte B, com improvisos. O tema é divido entre flauta e clarineta,

que às vezes tocam linhas simultâneas, em intervalos de terças, e outras vezes dialogam,

conforme exemplo musical 48. Como os contracantos se repetem, fica claro que foram

escritos, havendo, portanto, um arranjo pré-concebido. Essa versão remete a um

ambiente de música de câmara, no qual chama mais a atenção a boa execução do que o

improviso.

No que se refere à articulação, percebe-se, na introdução, que o golpe de língua

parece vir acompanhado de uma base de ar, que faz com que a nota salte e reverbere.

Esse efeito pode ser conseguido por meio da ação simultânea da língua e dos músculos

abdominais, em pequenas contrações. Essa articulação não é tão curta e incisiva, como o

staccato utilizado em outras obras. Acredita-se que há uma adaptação à articulação da

clarineta, que é naturalmente menos incisiva, o que reforça a concepção camerística

dessa versão.

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194

Exemplo musical 48. Urubu malandro, tema. Versão de Dante Santoro, com Vivi na clarineta (Odeon,

1950). Melodia dividida entre a flauta e a clarineta (notação em dó).

Não tenho queixa (Acervo MIS, c. 1939)

Não tenho queixa, samba de David Raw e Ismael Silva - gravado em 1942 por

Nelson Gonçalves, acompanhado de orquestra, no selo RCA Victor (nº de série 800050)

- é interpretado, nesta gravação, por Nuno Roland e o Regional de Dante Santoro. É

possível que essa gravação seja do Programa Lopes S.A., de 28/12/1939, anunciado na

edição 9986 do jornal A Noite, portanto anterior ao lançamento comercial da música.

Essa versão é um samba lento, estilo samba-canção.

Observa-se no exemplo musical 49 que o contracanto da flauta, neste samba,

explora sobretudo a virtuosidade do flautista em passagens rápidas, com uso de golpe

duplo nas fusas sucessivas. A construção melódica utiliza o material habitual: acordes

arpejados e trilos. As variações do contracanto confirmam a ênfase na virtuosidade, ao

primar por figuras de acordes arpejados em fusas.

A introdução (exemplo musical 50) traz elementos que se tornariam frequentes

na interpretação de flautistas como Altamiro Carrilho: a ornamentação em saltos de

oitava e o uso do frulato. Esses efeitos sonoros, embora não muito utilizados nas

composições de Dante Santoro, eram adotados em suas improvisações.

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195

Exemplo musical 49. Não tenho queixa. Parte A. Contracanto da flauta tem melodia simples e ênfase na

virtuosidade.

Exemplo musical 50. Não tenho queixa. Introdução. O uso dos saltos em oitava e do frulato, embora

pouco usados nas composições de Dante Santoro, eram adotados em seus improvisos.

Desafio para flauta e pandeiro (Acervo MIS, 1939)

O Desafio para flauta e pandeiro foi apresentado por Dante Santoro e Joca do

Pandeiro em 14/11/1939 no Programa Lopes S.A. (conforme anúncio publicado no

jornal A Noite, edição 9972, p. 5). A obra é uma demonstração de virtuosidade,

especialmente da parte do flautista. Entre os recursos técnicos explorados de forma

muito habilidosa estão: a execução de golpes duplos e triplos; saltos de oitava em

andamento veloz; escalas muito rápidas em stacatto, entre outros.

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196

Supõe-se que o Desafio foi uma improvisação gravada em estúdio, tendo por

base um tema criado pela dupla. Elementos formais, como os breques e as mudanças de

andamento, devem ter sido previamente definidos. O solo em improviso é construído

sobre a tônica e a dominante da tonalidade (I-V7) - tipo de sequência harmônica

simples, comum nos estilos improvisatórios da música popular brasileira, recorrente no

repertório de choros, de acordo com Côrtes (2012).

Parte dos recursos técnicos demonstrados pelo flautista parece inspirada na

gravação de Pixinguinha, lançada pelo selo Victor, em 1930, da obra O urubu e o

gavião, comentada anteriormente. É o caso da nota pedal rapidamente articulada,

intercalada por notas agudas cromáticas (exemplo musical 51), cujo efeito virtuoso foi

aproveitado também em gravações posteriores de Benedito Lacerda na década de 1940.

Essa figura também é executada de forma invertida, ou seja, as notas agudas são

sustentadas com articulações rápidas, enquanto a nota dó2 pontua de forma anacrústica.

Exemplo musical 51. Desafio para flauta e pandeiro. Demonstração de virtuosidade utiliza recursos

inspirados na obra O Urubu e o Gavião, gravada por Pixinguinha em 1930.

Essa construção melódica assemelha-se a outras encontradas no repertório de

concerto em estilo romântico para flauta, como na 8ª Variação do Carnaval de Veneza

op. 14, de P.A. Génin (exemplo musical 52). Neste caso, o efeito da nota pedal

articulada também funciona como acompanhamento da melodia principal, expressa nas

notas superiores.

Exemplo musical 52. Fantaisie Variée Carnaval de Venise op. 14, de Paul-Agricole Génin (1832-1903).

(Paris: Gérard Billaudot, s.d. [c. 1950]). Fonte: acervo do IMSLP. Efeito de nota pedal articulada,

semelhante ao utilizado nas improvisações de choro desde Pixinguinha (O urubu e o gavião, 1930).

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197

Uma demonstração técnica que parece inédita, no repertório de choros, é a

sustentação da nota dó4, na parte da flauta, por 25 compassos consecutivos (cerca de 23

segundos). Esse feito demonstra domínio da embocadura, do fluxo de ar e dos recursos

técnicos necessários para tocar notas agudas em dinâmica piano/pianíssimo -

habilidades que exigem um nível técnico avançado no instrumento. A audição atenta da

gravação permite afirmar que Dante Santoro utiliza a técnica da respiração contínua,

possivelmente o primeiro registro gravado dessa técnica no Brasil.

Benedito Lacerda também tem um choro, chamado Flauta e pandeiro, gravado

em 1944 na RCA Victor, com características semelhantes ao Desafio (também é uma

obra destinada a demonstrar a virtuosidade dos participantes). Segundo informação

contida no acervo digital do Instituto Moreira Salles, essa obra foi composta para a

trilha sonora de um filme intitulado Você já foi à Bahia? Um destaque da interpretação

de Lacerda é a utilização da nota superaguda ré 4 em algumas passagens.

O Desafio de Dante Santoro, gravado em 1939, época em que Dante Santoro

acabava de assumir a liderança do Regional da Rádio Nacional, deve ter sido o seu

cartão de visitas a todos os músicos, maestros e ouvintes que ainda não conheciam seu

trabalho. Sua habilidade com a flauta, seu domínio técnico e seu “conhecimento de

causa” nunca foram postos em dúvida por seus contemporâneos.

4.3 A flauta de Dante Santoro

Como mencionado no Capítulo 2, Dante Santoro teve pelo menos duas flautas

ao longo de sua vida. A primeira delas era uma flauta com pé em si, de marca

desconhecida, com a qual o flautista foi fotografado ainda em Porto Alegre (figura 6).

Essa teria sido a flauta perdida no desastre de Cruzeiro, quando o carro em que Dante

Santoro viajava caiu em um precipício. Meses mais tarde, publicação do Jornal A Noite

(figura 12) noticiava que o flautista procurava por seu instrumento e retribuía a

gentileza de quem o encontrasse. Não se sabe se essa flauta foi, algum dia, localizada.

A segunda flauta de Dante Santoro é a que se encontra atualmente de posse da

flautista Laura Rónai, professora da UNIRIO, que gentilmente nos permitiu acesso ao

instrumento. Dante aparece com essa flauta em fotos tomadas durante os anos da Rádio

Nacional do Rio de Janeiro. É o caso da foto ofertada ao flautista Milton D´Avila em

seu encontro com Dante Santoro (figura 30).

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198

Trata-se de uma flauta de prata da marca Hammig, fabricada em um dos ateliês

mais tradicionais da Alemanha, em atividade há mais de 250 anos. O fundador, August

Richard Hammig (1883-1979), tem sua biografia descrita por Laura Rónai (2008):

August Richard Hammig (1883-1979). Membro de uma família que fabrica flautas

há mais de 250 anos, sendo uma das mais antigas dinastias de fabricantes em

atividade contínua desde 1750. Baseado em Markneukirchen, durante os séculos

XVIII e XIX o ateliê Hammig fabricava todos os tipos de instrumento de sopro,

sendo suas flautas baseadas nos sistemas Quantz e Meyer-Schwedler. A partir de

1908, os irmãos Philipp e August Richard Hammig passaram a fabricar apenas

flautas. Na Alemanha dividida do pós-guerra, a fábrica foi estatizada. Devolvida à

família Hammig apenas em 1901, hoje emprega 24 operários. (RÓNAI, 2008, p. 48-

49)

Desde a década de 1990, existem duas fábricas em funcionamento: uma

dedicada à confecção de piccolos da marca Philipp Hammig, e outra dedicada à

fabricação de flautas, da marca Bernhard Hammig. Os instrumentos Hammig são

fabricadas sob encomenda, portanto são realmente exclusivos e raros. Segundo RÓNAI

(2008), pelo menos dois exemplares de flautas Hammig chegaram ao Brasil: uma é esta,

a flauta de Dante Santoro; a outra, de Hans Joachim Koellreuter (1915-2005), trazida

quando ele emigrou da Alemanha em 193790

. Há, ainda, um exemplar mais recente, da

década de 1960, que foi encomendado pelo flautista Hans Hess, músico alemão

radicado em Porto Alegre, ex-professor da UFRGS. Essa flauta pertence, atualmente, ao

flautista Leonardo Winter, professor dessa mesma Universidade.

Consultou-se a fábrica Hammig, por correio eletrônico, a respeito do

instrumento de Dante Santoro. De acordo com Bernhard Hammig, pela numeração, n.

2386, é possível saber que a flauta foi fabricada entre 1930 e 1935, por seu bisavô,

August Richard Hammig, porém não há documentos referentes a sua fabricação. Laura

Rónai explica que esse modelo de flauta contém importantes inovações do ponto de

vista ergonômico, como a chave elevada para o dó natural (figura 40) e dois “rolotês”

90

A flauta de Koellreuter, que foi construída com material similar ao perspex (resina acrílica transparente,

utilizada pelo fabricante Selmer nos anos 1940 e 1950), se encontra, atualmente, em exibição no Centro

Cultural da Universidade Federal de São João Del Rei. Uma foto do instrumento, cujas chaves e

mecanismos são similares à flauta de Dante Santoro, pode ser encontrada no seguinte link:

http://www.flickr.com/photos/81124164@N00/2127873614/lightbox/.

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199

para as chaves de dó-dó#-ré, semelhante àquele usado no saxofone (figura 41).

(RÓNAI, 2008, p. 56).

Figura 40. Chave elevada para o dó natural. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro.

Figura 41. Rolotês para as chaves de dó-dó#-ré. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro

Há, ainda, uma chave especial nessa flauta, assinalada na figura 42. Bernhard

Hammig afirma que não sabe para que serve e que nunca tinha visto chave semelhante.

Essa chave é muito interessante, porque veda um pequeno orifício extra e é revestida

com uma sapatilha de cortiça. Ela funciona junto com a chave de dó natural elevada, ou

seja, sempre que a chave de dó natural elevada fecha-se, a chavinha também se fecha.

Quando não ativadas, ambas permanecem abertas, mas, na maior parte das posições da

flauta, ficam fechadas. Talvez essa chave seja necessária como um complemento para a

chave elevada de dó natural, mas nem o próprio descendente do fabricante pôde

determinar sua função.

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200

Figura 42. Chave especial da flauta de Dante Santoro. Sua função pode estar relacionada à afinação de

determinadas notas.

Ao tocar a flauta, foi possível observar o funcionamento dessa chave e traçar

algumas possibilidades no que se refere à afinação. É possível que a chavinha promova

um ajuste de afinação nas notas ré2, ré#2, ré3, lá3, sib3 e dó4, notas em cujas posições

ela permanece aberta. Esse ajuste faz com que a afinação suba, o que se justifica nos

casos das notas ré#2, ré 3 e sib3, cuja afinação tende a ser baixa. Também é possível

que a ventilação extra que a chavinha promove no tubo auxilie a emissão de

determinadas notas, como o lá3.

Essa chavinha foi encontrada em outros modelos fabricados por August

Richard Hammig. É o caso da flauta de madeira n. 1909 (figura 43), pertencente ao

flautista italiano Lucas Lorenzi91

. Segundo ele, ao permitir a ventilação extra, a

chavinha facilita a emissão e corrige a afinação do dó# na primeira e na segunda

oitavas.

91

Nascido em Freiburg, na Alemanha, e vindo de uma família de músicos, Lucas Lorenzi trabalhou como

flautista em diversas escolas públicas na Europa. Formou-se como Professor de Técnica de Alexander em

Basel, Suíça, em 1985, tendo atuado desde então como professor dessa matéria na Europa e no Japão. É

um aficionado por flautas Hammig. Toca instrumentos de madeira e de prata fabricados por August

Richard Hammig, Johannes Hammig, Helmuth Hammig e Bernhard Hammig. Lucas Lorenzi foi

consultado pelo Prof. Sérgio Barrenechea, por mensagem eletrônica, entre 04/01 e 06/01/2014.

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201

Figura 43. Flauta de Madeira n° 1909, fabricada por August Richard Hammig. Presença da mesma chave

de ventilação encontrada na flauta de Dante Santoro. Fonte: arquivo pessoal do flautista Lucas Lorenzi.

Além das chaves de ventilação, foram encontradas outras variantes em flautas

fabricadas por August Richard Hammig. Na flauta de prata n° 2740 (figura 44),

pertencente ao mesmo flautista, encontra-se a chave de dó natural elevada, igual à da

flauta de Dante Santoro (n. 1). Há, ainda, uma chave extra para o dó# grave (n. 2) e duas

alavancas extras na proximidade da alavanca de sol# (n. 3). Estima-se que essas chaves

tenham função ergonômica ou que constituam aperfeiçoamentos de mecanismo.

Figura 44. Flauta de prata n° 2740, fabricada por August Richard Hammig. Presença da mesma chave de

dó natural elevada, encontrada na flauta de Dante Santoro (n.1), além de uma chave especial para o dó#

grave (n.2) e alavancas anexas ao mecanismo, pouco comuns às flautas em Sistema Boehm (n.3). Fonte:

arquivo pessoal do flautista Lucas Lorenzi.

1 2

3

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202

Interessante notar, ainda, que o bocal dessa flauta (n° 2740) tem um porta-lábio

feito de ebonite (figura 45), que recorda as flautas alemãs estilo Reform, idealizadas por

Schwedler-Kruspe entre 1895 e 191292

. Os rolotês duplos utilizados por August Richard

Hammig nas chaves de dó-dó#-ré (mostrados, anteriormente, na figura 41) também são

encontrados em flautas estilo Reform, o que indica o reaproveitamento, por August

Richard Hammig, de dispositivos adotados por construtores de flauta alemães que o

antecederam, porém adaptados ao sistema Boehm.

Figura 45. Bocal da flauta n° 2740, fabricada por August Richard Hammig. O porta-lábio de ebonite

lembra o das flautas alemãs modelo Reform.

Observa-se, portanto, que as características presentes na flauta de Dante

Santoro são comuns a outros modelos fabricados por August Richard Hammig. Com

relação à sonoridade, nota-se que a flauta de Dante Santoro responde bem às mudanças

de dinâmica e sutilezas expressivas. Se comparada a flautas de fabricação mais recente,

não é um instrumento de grande potência sonora e apresenta um som menos aberto nos

agudos. Entretanto, no que se refere aos sons médios e graves, é um instrumento que

facilita sua emissão e que os torna especialmente atrativos. Essas características

peculiares relacionam-se à espessura da parede do instrumento93

e à liga de metal

utilizada em sua confecção.

92

As flautas Reform foram um dos modelos alternativos ao sistema Boehm (1832), correspondente à

moderna flauta transversal, surgidos, em fins do século XIX, na Europa. Baseava-se na antiga flauta de

seis chaves de madeira, com vários aperfeiçoamentos do mecanismo. O modelo Reform foi bastante

popular na Alemanha até a década de 1920, quando passou a ser gradualmente substituído pela flauta

Boehm. Informações ilustradas sobre as flautas Reform podem ser obtidas na página eletrônica

<http://www.oldflutes.com/articles/reform.htm> Acesso em 07/01/2014. 93

Segundo o luthier Luiz Carlos Tudrey, em entrevista concedida ao flautista André Luiz Medeiros, a

espessura do tubo da flauta (parede do instrumento), no caso dos bocais, pode ter 0,36mm, 0,38mm,

Page 205: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

203

Segundo informações constantes da página eletrônica do ateliê Bernhard

Hammig nos Estados Unidos94

, as flautas atualmente fabricadas têm liga composta de

94,5% de prata, portanto um material de alta qualidade95

. As flautas fabricadas por

August Richard Hammig provavelmente eram de prata total, como o modelo n° 3237,

feito em 1950, atualmente utilizado pelo flautista japonês Yoshihiro Kano96

. Embora

não haja informação técnica sobre a espessura do tubo, ele parece ser mais espesso do

que o das flautas comuns.

Outra característica que chama a atenção é que essa flauta tem uma resposta

rápida à articulação, o que parece facilitar a articulação de notas em staccato,

especialmente de passagens em golpe duplo. Dante Santoro tem um choro chamado Só

na minha flauta (que talvez faça referência a sua flauta Hammig), cuja terceira parte é

toda composta de notas arpejadas em staccato duplo (exemplo musical 53). A execução

dessa passagem, que demanda agilidade e resistência por parte do intérprete, pareceu-

nos muito mais fácil na flauta de Dante do que em outros instrumentos.

Exemplo musical 53. Terceira parte do choro Só na minha flauta, de Dante Santoro. Todo o trecho, em

staccato duplo, é tocado uma oitava acima nas gravações do autor. (In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro.

São Paulo: E.S. Mangione Editor, s/d.).

É possível que a facilidade na articulação deva-se a alguma particularidade na

confecção do porta- lábio do bocal da flauta (figura 46), especialmente a altura de sua

parede interna, que pode produzir maior resistência ao ar soprado, resultando em uma

certa “firmeza” na articulação. Outra facilidade proporcionada por esse tipo de

0,40mm ou 0,42mm. Bocais com parede de 0,36mm e 0,38mm, ou seja, mais fina, têm o som mais

brilhante. Essa é a média encontrada na maior parte dos instrumentos. (MEDEIROS, 2006, p. 8) 94

Informação obtida em <http://www.bernhardhammig.com/bernhard_hammig_custom.html>. Acesso

em 01/01/2014. 95

A composição dessa liga a qualifica entre as melhores utilizadas atualmente, de acordo com as

categorias apontadas pelo flautista André Luiz Medeiros: Sterling Silver: 92.5% de prata. É um metal

padrão para bons instrumentos, mas escurece um pouco. A sterling-silver foi usada como metal padrão na

Inglaterra do século XII, quando o Rei Henry II a importou de uma região da Alemanha conhecida como

Easterling. Daí o nome. Britannia Silver: 95.8% prata. Este material nobre é, ao que se saiba, somente

usado em certos modelos da Altus. O nome vem do fato de que este metal serviu para cunhar moedas na

Inglaterra, de 1697 a 1719. Super Solid Silver: utilizada pela Sankyo e Altus em suas flautas mais caras,

contendo incríveis 99% de prata. (MEDEIROS, 2006, p. 3). 96

Informação obtida no endereço eletrônico: <http://www5f.biglobe.ne.jp/~karino/sub3.htm> Acesso em

06/01/2014.

Page 206: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

204

construção, segundo o luthier Luiz Carlos Tudrey (op. cit.), é a emissão de notas graves,

que se tornam mais potentes quanto mais alta a parede interna do porta-lábio.

Figura 46. Porta-lábio da flauta Hammig que pertenceu a Dante Santoro. Particularidades de sua

confecção poderiam facilitar a articulação no instrumento.

Dois dos entrevistados nesta pesquisa, Jorge José da Silva, o Jorginho do

Pandeiro e o violonista Carlos Silva e Souza, o Caçula, músicos que tocaram com Dante

Santoro, afirmam que o flautista utilizava uma espécie de extensor para a flauta, que,

uma vez acoplado ao instrumento, aumentava a extensão dos graves. Poderia tratar-se,

na verdade, de um “pé em si” extra, utilizado no lugar do “pé em dó” original da

flauta97

. É possível que Dante tenha encomendado o “pé em si” extra do fabricante

Hammig, mas, nessa hipótese, teria sido mais simples encomendar um instrumento com

“pé em si” original. Possivelmente, a fábrica Hammig ainda não construía flautas com

“pé em si” na época em que a flauta de Dante foi encomendada (1930-1935). Como

refere TOFF (1996), na década de 1930, o “pé em si” já era preferência nos Estados

97

Conforme assinalado no capítulo 1, a flauta transversal moderna, baseada no sistema Boehm (1832), é

constituída de três partes desmontáveis: o bocal, o corpo e o pé. Os primeiros modelos da flauta Boehm

foram construídos com uma extensão que vai até o dó médio do piano (“pé em dó”). Aperfeiçoamentos

posteriores permitiram uma segunda opção, que aumentava a extensão do instrumento até o si médio (“pé

em si”). Atualmente, os fabricantes oferecem as duas opções, a critério do flautista. Também é possível

adquirir um “pé em si” extra e acoplá-lo ao corpo da flauta, sem prejuízo para a escala original do

instrumento.

Page 207: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

205

Unidos, porém em países da Europa, como a França, não tinha tanta popularidade

(TOFF, 1996, p. 102)98

.

Jorginho do Pandeiro afirma que o “extensor” que Dante usava na flauta teria

sido obtido por intermédio do luthier que lhe dava manutenção (Jorginho frisa que se

tratava de um único profissional, pois era o único da confiança de Dante Santoro, cujo

zelo com suas flautas era muito grande). O flautista Milton D´Avila, que experimentou

a flauta de Dante Santoro na ocasião em que o conheceu, não menciona nenhum

acessório desse tipo, mas afirma que a manutenção da flauta era feita exclusivamente

pelo luthier Osmar Silva, profissional que cuidava dos instrumentos da maior parte dos

flautistas do rádio na época.

Infelizmente não foi possível investigar a flauta de Dante Santoro com maior

profundidade e rigor científico, o que exige um conhecimento especializado sobre a

construção de flautas. Espera-se que trabalhos futuros, voltados para esse segmento de

pesquisa, possam debruçar-se sobre as idiossincrasias deste instrumento e elucidá-las.

4.4 Resultados da análise

A análise revela que o repertório de concerto em estilo romântico para flauta é

uma das principais referências na obra de Dante Santoro, inspirando características

composicionais e interpretativas. Entre os recursos composicionais usados em sua obra,

encontram-se os seguintes:

introduções virtuosísticas: semelhantes a cadências de concertos e a

fantasias sobre temas conhecidos (Carmen, Pastorale Hongroise,

etc.);

passagens virtuosísticas: compostas de escalas sucessivas

abrangendo toda a extensão da flauta; arpejos sucessivos com

mudança de registro e semicolcheias sucessivas articuladas em

golpe duplo;

98

“Even before Moyse´s arrival, though, a distinctly American school off lute playing had begun to take

shape. One manifestation was evident in the flute itself. Both Barrère [flautista francês radicado nos

Estados Unidos Georges Barrère (1876-1944)] and Kincaid [flautista americano William Kincaid (1895-

1967)] played platinum flutes, which enhance the fullness and mellowness of the sound. Barrère debuted

his platinum Haynes in 1935. Another American preference was the extension of the footjoint to low B, a

feature that today is still found much more frequently in the United States than in France”. (TOFF, 1996,

p. 102)

Page 208: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

206

escrita a duas vozes: melodia acompanhada e polifonia (trilos com

efeito polifônico);

uso frequente de melodias no registro grave;

Entre os recursos interpretativos, destacam-se estes a seguir:

sonoridade incisiva, com notável homogeneidade entre os registros

grave, médio e agudo;

timbre escuro e especial potência no registro grave;

fraseado conduzido e articulado;

articulação precisa e variada

uso pioneiro de técnicas estendidas de execução no choro, como a

respiração contínua

A evidência que se dá aos elementos inspirados na música de concerto na obra

de Dante Santoro constitui um diferencial: seu uso reiterado e imaginativo, seja nas

introduções e passagens virtuosísticas, seja nos efeitos sonoros e recursos imitativos, é

pouco comum no repertório produzido pelos conjuntos regionais.

Referência igualmente importante é a obra de Pattápio Silva. Intérprete das

primeiras gravações de flauta no Brasil, Pattápio personificava a figura do solista

virtuose, de som vigoroso e impressionante habilidade, que foi posteriormente revivida

por Dante Santoro. A obra autoral de Pattápio integrava o repertório de Dante, o que

ficou comprovado pelos registros de jornais e programas de concerto mencionados no

segundo capítulo. Há, ainda, semelhanças de recursos composicionais, que foram

demonstradas na análise das obras.

Destaca-se o papel do multi-instrumentista Octávio Dutra como referência

musical para Dante Santoro. Como se viu no Capítulo 2, a incursão de Dante Santoro no

ambiente do choro, paralelamente ao da música de concerto, desde a juventude, foi

possibilitada pela convivência com Octávio Dutra, que também lhe serviu de guia em

suas primeiras experiências profissionais. A trajetória de Dante Santoro espelha-se em

Octávio Dutra, o que se observa na similaridade de vários aspectos: também se tornou

compositor e dedicou-se à música popular urbana; teve uma atuação variada, seja no

Rádio, no teatro de revista, em orquestras, como solista, em grupos carnavalescos e na

indústria fonográfica; transitou como músico entre diferentes meios sociais, nas rodas

de choro, em serenatas, saraus e casas de concerto, atuando como um mediador.

Page 209: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

207

No que se refere à improvisação, o estudo comparativo entre os improvisos de

Dante Santoro e Benedito Lacerda, ambos flautistas atuantes nos regionais de rádio do

Rio de Janeiro nas décadas de 1930 a 1950, revelou duas diferentes abordagens da

improvisação no choro. Benedito Lacerda adota um estilo de contracantos contínuos,

inspirado em Pixinguinha, no qual as melodias são contínuas, similares a camadas de

sons, constantemente recriadas no decorrer da música. Esse tipo de contracanto foi

comentado a partir da versão do samba Isso não se atura, de Assis Valente, gravado por

Carmem Miranda, Benedito Lacerda e Regional em 1935.

Dante Santoro adota, por sua vez, um estilo de contracanto baseado em

variações melódicas, a partir de elementos como a ornamentação, as variações de

articulação e os recursos imitativos. Observa-se que a elaboração melódica de Dante

Santoro busca contornos formais precisos, com frases bem definidas e bem articuladas.

Essa diferença de abordagem reforça o argumento lançado, no primeiro

capítulo, pela flautista Odette Ernest Dias: cada músico improvisa sobre o seu

conhecimento e, assim, faz o seu estilo de improvisação. Dante Santoro manifesta nos

seus improvisos o cuidado formal e a virtuosidade próprios da sua interpretação. O

cuidado formal manifesta-se, por exemplo, nas variações melódicas, ornamentações e

variações de articulação dos contracantos de Abana baiana (c.1941), ou na simetria e

uso do recurso imitativo presentes na Dança da moda (c. 1950). A virtuosidade

extrema, vinculada ao ideal do solista virtuose, chama a atenção nos contracantos de

Murmúrios D´alma (1937) e Não tenho queixa (c. 1939).

Embora não seja possível aprofundar o estudo desses diferentes estilos de

improvisação no escopo deste trabalho, propõe-se uma aproximação com o estudo de

Valente (2008), mencionado no capítulo 1. Acredita-se que o estilo de improvisação de

Benedito Lacerda estaria mais próximo da abordagem vertical da improvisação,

enquanto que o de Dante Santoro, da abordagem horizontal.

Valente (2008) afirma, segundo conceitos propostos por George Russell

(2001), posteriormente estudados por Berton (2005), que a característica fundamental da

abordagem vertical é que está baseada em arpejos e tem como principal enfoque a

definição das sequencias harmônicas da música (VALENTE, 2008, p. 112-113).

Demonstra, em seu trabalho, que há uma preponderância da abordagem vertical no

estilo de contracantos de Pixinguinha. Acreditamos que o mesmo se aplica a Benedito

Lacerda, cujo estilo de contracantos contínuos, similar ao de Pixinguinha, atesta a

criação de melodias atentas ao contexto harmônico.

Page 210: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

208

Ainda segundo a autora, na abordagem horizontal, identificada na interpretação

de K-Ximbinho, a construção da melodia se baseia em escalas relacionadas ao centro

tonal, com enfoque em variações melódicas e rítmicas do tema original, retomado

diversas vezes como material de composição. Segundo a autora, esse tipo de construção

levaria, ainda, a fraseados amplos e desenhos rítmicos diversificados. (VALENTE,

2008, p. 213). A descrição dessa abordagem remete à construção melódica adotada por

Dante Santoro, bastante enfocada nas variações melódicas, de articulação rítmica e nas

questões formais - delineamento das frases, imitações e retomadas do tema.

Quanto às contribuições de Dante Santoro ao repertório de choros, destacam-

se: ampliação do aspecto polifônico, (1) ao utilizar com frequência a melodia

acompanhada na parte solista, como demonstrado na parte B de Harmonia selvagem

(1938); (2) ao enriquecer o tecido harmônico e textural, criando diferentes camadas de

contracantos de variada instrumentação, em um estilo que remete à música de câmara,

como demonstrado nas partes do clarone em Flauta selvagem (1950), do cavaquinho em

Maria Rosa (1946), do acordeom em É logo ali (s.d.) e da clarineta em Urubu malandro

(1950).

No que se refere ao acompanhamento, as harmonias em cromatismo aparecem

com um viés inovador, marcado pela expressividade. É o que se observa no choro

Flauta selvagem (1950) e na valsa Maria Rosa (1946), em que ocorrem (1) variações de

dinâmica no acompanhamento, que refletem a tensão harmônica e (2) variações nas

células rítmicas do acompanhamento, como a hemiola, e variações de levadas (choro,

polca, maxixe, choro sambado).

O estilo interpretativo de Dante Santoro enfatiza os recursos expressivos por

meio de alguns recursos: (1) o timbre escuro e muita potência no registro grave; (2) a

utilização de nuances de dinâmica, como na parte C de Flauta selvagem (1950);

nuances de tempo, como na valsa Gilka (1935) e no choro Murmúrios (1955); (3) a

vocalização, ou uso do vibrato, como na valsa Murmúrios d´alma (1937).

Dante Santoro foi pioneiro na utilização de efeitos sonoros pouco usuais no

contexto do repertório do grupo regional: (1) oscilações de altura, por meio de trêmulos

de efeito polifônico, como demonstrado na parte C de Harmonia selvagem (1938) e na

introdução de Murmúrios d´alma (1937); (2) os glissandos contínuos com sonoridade

desfocada, utilizados no choro Minuano triste (1939); (3) uso de técnicas estendidas de

execução, como a respiração contínua, no Desafio para flauta e pandeiro (1939).

Page 211: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

209

A interessante obra que Dante Santoro deixa como legado baseia-se,

essencialmente, em sua habilidade como intérprete, manifestada na técnica apurada e na

criatividade para utilizar recursos idiomáticos da flauta. Assim, suas composições

muitas vezes são resultado de experimentos interpretativos. Essa forte característica

idiomática de sua obra pode justificar, em parte, o fascínio que sua interpretação

desperta no flautista que a ela se dedique.

Page 212: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

210

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho trouxe à tona a figura atualmente pouco recordada do flautista

Dante Santoro (1904-1969), líder do Conjunto Regional da Rádio Nacional do Rio de

Janeiro de 1938 a 1969. Apesar de ser músico de notória habilidade e autor de belas

composições para flauta, a maioria delas gravadas por ele próprio acompanhado de seu

conjunto, sua obra permanece desconhecida do público apreciador do choro nos dias de

hoje. Quem foi esse artista? Que relações teve com seus contemporâneos? E o que sua

obra agrega ao repertório da música popular urbana brasileira? Foram essas questões

que motivaram o presente trabalho.

O Capítulo 1 foi destinado a contextualizar a obra de Dante Santoro, a partir de

um estudo de três aspectos essenciais: a interação erudito e popular no choro; a

improvisação no choro; e a inclusão do choro no mercado radiofônico e discográfico. A

interação de elementos eruditos e populares foi abordada a partir da necessidade de

relativizar essas categorias, já muito questionadas pela musicologia, especialmente no

âmbito da música brasileira. Nesse sentido, estudou-se o conceito de circularidade

cultural e suas manifestações no choro: nas origens do gênero, sua mobilidade social,

em suas formas de aprendizagem, exigências interpretativas e formas de transmissão. A

obra do flautista Dante Santoro expressa de maneira muito clara essa interação de

elementos, fruto de sua experiência musical, marcada pela mediação.

O tema da improvisação no choro também se relaciona com a obra de Dante

Santoro, alvo de certa controvérsia com a crítica no que se refere aos improvisos. Por

meio de uma breve revisão bibliográfica, observou-se, no Capítulo 1, que há, entre

estudiosos e músicos de choro, diferentes maneiras de se pensar a prática da

improvisação. Atualmente, a improvisação no choro relaciona-se a vários processos:

variações melódicas, harmônicas, rítmicas; contracantos; criação de melodias novas,

não vinculadas ao tema original, entre outras. A discussão revela que há distintas

possibilidades e estilos de improvisação no choro e que cada intérprete desenvolve o seu

estilo baseado em sua experiência musical.

Page 213: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

211

Estudou-se, ainda, no primeiro capítulo, que a obra de Dante Santoro pertence

ao campo da música popular urbana criada, produzida e divulgada através do Rádio,

entre as décadas de 1930 e 1960. Inserida no mercado radiofônico, discográfico e de

entretenimento, sua música participa, portanto, de um circuito comercial e profissional,

sendo composta dentro do repertório de gêneros musicais divulgados pelo Rádio

(choros, valsas, canções, danças típicas, boleros, sambas, marchas, maxixes etc.), com

instrumentação típica de grupo regional (flauta, violões, cavaquinho e pandeiro). Daí o

necessário estudo sobre a inclusão do choro no mercado radiofônico e discográfico.

A reconstituição da biografia do flautista, no Capítulo 2, permitiu esclarecer

trechos da trajetória de Dante Santoro que antes careciam de comprovação documental.

Adicionalmente, os depoimentos de músicos que o conheceram ajudaram a estimar as

circunstâncias de sua atuação profissional, o alcance de sua obra à época e sua relação

com seus contemporâneos. Descobriu-se, assim, que Dante sempre atuou em duas

frentes de trabalho na Rádio Nacional: no grupo regional e nas orquestras da emissora.

Essa experiência musical variada dava continuidade àquela vivida desde sua juventude

em Porto Alegre, quando se apresentava ora como solista de música de concerto, ora

como chorão.

As referências musicais de Dante Santoro também foram esclarecidas a partir

do levantamento biográfico empreendido no segundo capítulo:

1. Filho de imigrantes italianos, nascido em uma família que apreciava

música, teve contato desde a infância com a cultura musical europeia, de

onde surgiu seu gosto pela música erudita;

2. Inestimável papel na formação musical de Dante teve Octávio Dutra,

violonista gaúcho, que o familiarizou com a música popular e o

acompanhou em suas primeiras atividades profissionais no Rio Grande do

Sul;

3. Agenor Bens, flautista carioca, é apontado como o professor de flauta de

Dante Santoro, embora não tenham sido encontrados registros dessa

relação ou que Dante tenha frequentado qualquer instituição de ensino

formal de música;

4. Pattápio Silva, o intérprete das primeiras gravações de flauta no Brasil,

certamente foi referência em quanto à técnica (igualmente de som potente,

vigoroso), à virtuosidade (ideal do solista virtuose) e ao repertório

(inspirado em obras de estilo romântico para flauta).

A obra de Dante Santoro teve um alcance significativo, como foi detalhado no

Capítulo 3. Ele compôs cerca de cem obras, entre choros, valsas, polcas, marchas,

Page 214: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

212

danças típicas, sambas e canções. Entre 1935 e 1954, foram editadas 33 obras pelas

casas E.S. Mangione, Irmãos Vitale, Musical Brasileira, Tupy, Euterpe, Continental e

Carlos Wehrs. Essas partituras editadas encontram-se, em sua maioria, no acervo do

Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Foram descobertos, ainda, 74

manuscritos de Dante Santoro na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música

da UFRJ, dos quais somente 12 não são autógrafos. Graças à iniciativa desta pesquisa e

à colaboração dos funcionários da Biblioteca Alberto Nepomuceno, esses manuscritos

já se encontram catalogados e disponíveis para consulta pública.

Entre 1935 e 1956, foram lançados comercialmente 59 discos contendo obras

de Dante Santoro, pelas gravadoras Continental, Odeon, Sinter, Star e Victor/RCA-

Victor. Na maior parte deles, Dante Santoro atua como intérprete, acompanhado de seu

regional, ou juntamente com cantores do rádio e orquestras. Várias dessas gravações

estão disponíveis para audição na página eletrônica do Instituto Moreira Salles. Foram

encontradas, ainda, no acervo do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, 12

gravações de programas da Rádio Nacional, nos quais se identificou a participação de

Dante Santoro e seu regional. Trata-se de programas de auditório, de calouros,

humorísticos e gravações avulsas de estúdio, que devem datar das décadas de 1940 e

1950.

O estudo sobre as referências musicais e a experiência de Dante Santoro como

músico foi importante para compreender aspectos interpretativos identificados em sua

obra no Capítulo 4. A análise de suas gravações - acompanhada de partituras quando

disponíveis - teve um enfoque interpretativo. Foram consideradas as gravações de

Harmonia selvagem, choro (Victor, 1938) ou Flauta selvagem, choro (Odeon, 1950);

Gilka, valsa (Victor, 1935); É logo ali, polca (Victor, s.d.); Maria Rosa, valsa (Odeon,

1946); Murmúdios d´alma, valsa (Victor, 1937) e Murmúrios, choro (Sinter, 1955).

Foram consideradas, ainda, as seguintes gravações da Rádio Nacional: A dança da

moda, baião (Acervo MIS, c. 1950); Abana baiana, samba (Acervo MIS, c. 1941); Não

tenho queixa, samba (Acervo MIS, c. 1939); Desafio para flauta e pandeiro (Avervo

MIS, 1939).

A análise revelou que o repertório de concerto do período romântico para flauta

é uma das principais referências na obra de Dante Santoro, inspirando características

composicionais e interpretativas. Alguns desses recursos composicionais identificados

em sua obra foram os seguintes:

Page 215: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

213

introduções virtuosísticas - detalhadamente escritas, estão presentes na

maioria de suas valsas, denominadas valsas de concerto;

passagens virtuosísticas semelhantes às do repertório de concerto do

período romântico para flauta - compostas de escalas sucessivas

abrangendo toda a extensão da flauta, arpejos sucessivos com mudança

de registro e semicolcheias sucessivas, geralmente articuladas em

golpe duplo;

escrita a duas vozes para um só executante – utilização de melodia

acompanhada e trilos de efeito polifônico;

uso frequente de melodias no registro grave;

inovações na instrumentação e tratamento camerístico do grupo

regional;

melodias formalmente bem definidas, por vezes simétricas, com amplo

uso de recursos imitativos.

Do ponto de vista interpretativo, foram observadas as seguintes características:

sonoridade incisiva, igualmente definida nos vários registros, de timbre

escuro, potencializada pelo uso de uma flauta Hammig de prata,

fabricada na década de 1930;

articulação precisa e cuidadosamente variada

fraseado claro e conduzido

ênfase na virtuosidade (exibição da habilidade técnica)

graves potentes

inovações de cunho técnico-interpretativo, como trêmulos de efeito

polifônico, glissandos contínuos e uso da respiração contínua

Algumas dessas características interpretativas certamente foram inspiradas pela

audição das gravações de Pattápio Silva. Como observado no Capítulo 4, notam-se

semelhanças em recursos composicionais e, sobretudo, na prática interpretativa:

Pattápio personificava a figura do solista virtuose, de som vigoroso e impressionante

habilidade, que foi posteriormente revivida por Dante Santoro, já no contexto do Rádio.

Reitera-se, também, como assinalado no Capítulo 2, a similaridade entre as

trajetórias de Octávio Dutra e Dante Santoro, que se espelham em vários aspectos:

Dante também se tornou compositor e dedicou-se à música popular urbana; teve uma

atuação variada, seja no Rádio, no teatro de revista, em orquestras, como solista, em

grupos carnavalescos e na indústria fonográfica; transitou como músico entre diferentes

Page 216: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

214

meios sociais, nas rodas de choro, em serenatas, saraus e casas de concerto, atuando

como um mediador.

No que se refere à improvisação, a pesquisa revelou que a crítica formulada por

Haroldo Barbosa (1949), e reproduzida por Henrique Cazes (2010), deve ser

desmistificada. Registros das participações de Dante Santoro nos programas da Rádio

Nacional, encontrados no acervo do Museu da Imagem e do Som, e estudados no

capítulo 4, por meio de transcrições, revelam que Dante elaborava variados contracantos

e introduções, como era de praxe no trabalho do conjunto regional.

O estudo comparativo entre os improvisos de Dante Santoro e Benedito

Lacerda, ambos flautistas atuantes nos regionais de rádio do Rio de Janeiro nas décadas

de 1930 a 1950, revelou duas diferentes abordagens da improvisação no choro.

Benedito Lacerda adota um estilo de contracantos contínuos, inspirado em Pixinguinha,

no qual as melodias são similares a camadas de sons, constantemente recriadas no

decorrer da música. Esse tipo de contracanto foi comentado a partir da versão do samba

Isso não se atura, de Assis Valente, gravado por Carmem Miranda, Benedito Lacerda e

Regional em 1935.

Dante Santoro adota, por sua vez, um estilo de contracanto baseado em

variações melódicas, a partir de elementos como a ornamentação, as variações de

articulação e os recursos imitativos. Observa-se que a elaboração melódica de Dante

Santoro busca contornos formais precisos, com frases bem definidas e bem articuladas.

Essa diferença de abordagem reforça o argumento da flautista Odette Ernest

Dias, citado no Capítulo 1: cada músico improvisa sobre o seu conhecimento e, assim,

faz o seu estilo de improvisação. Dante Santoro manifesta nos seus improvisos o

cuidado formal e a virtuosidade próprios da sua interpretação. O cuidado formal

manifesta-se, por exemplo, nas variações melódicas, ornamentações e variações de

articulação dos contracantos de Abana baiana (c.1941), ou na simetria e uso do recurso

imitativo presentes na Dança da moda (c. 1950). A virtuosidade extrema, vinculada ao

ideal do solista virtuose, chama a atenção nos contracantos de Murmúrios D´alma

(1937) e Não tenho queixa (c. 1939).

Embora não seja possível aprofundar o estudo desses diferentes estilos de

improvisação no escopo deste trabalho, propôs-se uma aproximação com o estudo de

Valente (2008), mencionado no capítulo 4. Acredita-se que o estilo de improvisação de

Benedito Lacerda estaria mais próximo da abordagem vertical da improvisação,

Page 217: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

215

enquanto que o de Dante Santoro, da abordagem horizontal. Futuras pesquisas poderão

dedicar-se a essa questão.

Acredita-se que Pixinguinha e Benedito Lacerda foram referências para Dante

Santoro e os demais flautistas do Rádio na elaboração de contracantos e improvisos. Há

um indício desse fato: entre as poucas gravações de obras de outros compositores

realizadas por Dante Santoro, está o Urubu malandro, obra que foi gravada de forma

emblemática por Pixinguinha na flauta em 1923, com Os Oito Batutas e, novamente, em

1930. Anos depois, em 1944, há um novo registro pela dupla Pixinguinha-Benedito

Lacerda. Como se comentou no Capítulo 4, muitos dos recursos de improviso e

ornamentação criados por Pixinguinha nessa obra, e retomados por Benedito Lacerda

anos mais tarde, também foram utilizados por Dante Santoro em sua gravação de 1950.

Acreditamos que a ênfase em elementos da música de concerto é um

diferencial do repertório de Dante Santoro frente àquele produzido à época no contexto

do grupo regional. Sua importância está na versatilidade e expressividade que agrega ao

repertório do choro. Talvez esse acercamento à música de concerto tenha levado muitos

chorões a considerarem Dante Santoro um outsider, um músico vindo da tradição

erudita. Como constatado, entretanto, sua biografia revela o contrário: que Dante

participava do ambiente do choro desde muito jovem, na companhia de Octávio Dutra.

Há que se repensar, portanto, o discurso já bastante difundido, entre os chorões, de que

Dante Santoro era um músico erudito que tocava música popular - reflexão que

corrobora o necessário questionamento dessas categorias, conforme discussão

empreendida no Capítulo 1.

A obra de Dante Santoro agrega muitas contribuições ao repertório do choro.

Constituem um marco os variados recursos composicionais e interpretativos que dão a

sua obra uma riqueza peculiar, tornando-a uma obra autoral de destaque no contexto do

choro. Dante Santoro amplia o aspecto polifônico do choro, ao utilizar com frequência a

melodia acompanhada na parte solista e ao enriquecer o tecido harmônico e textural,

criando diferentes camadas de contracantos de variada instrumentação, num estilo que

remete à música de câmara.

Além disso, no que tange o acompanhamento, Dante Santoro explora as

harmonias em cromatismo com um viés inovador, baseado na expressividade, por meio

de variações de dinâmica e de padrões rítmicos do acompanhamento. Os recursos

expressivos são um ponto alto na obra de Dante Santoro, que agrega dramaticidade ao

repertório do choro, por meio de um estilo interpretativo muito pessoal, marcado pela

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216

sonoridade potente de timbre escuro, pelo uso do vibrato e de nuances de dinâmica e

tempo.

Dante Santoro foi, ainda, pioneiro na utilização de efeitos sonoros pouco usuais

no contexto do repertório do grupo regional, como oscilações de altura, por meio de

trêmulos de efeito polifônico; glissandos contínuos com sonoridade desfocada e o uso

de técnicas estendidas de execução, como a respiração contínua.

Nos dias de hoje, trata-se de uma obra que causa impacto, pois além de ser

pouco conhecida, em função de sua pequena divulgação, revela uma linha de tradição

aural direta vinda de Pattápio Silva e do repertório de concerto do final do século XIX,

porém transformada pelo convívio com a indústria fonográfica e com os chorões seu

contemporâneos, Pixinguinha e Benedito Lacerda. Esse lapso da memória musical

merece ser resgatado, pela ação dos músicos - flautistas em especial - que se interessem

pela obra de Dante Santoro, até mesmo para compreender sua influência na produção de

flautistas que o sucederam nesse mercado, como Altamiro Carrilho, Carlos Poyares e

outros. Espera-se, assim, que este trabalho possa contribuir para esse propósito.

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Partituras manuscritas

GODINHO, Belmacio P. Mulatinho (maxixe). Manuscrito autógrafo de Dante Santoro,

s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, Clarineta,

Contrabaixo.

Page 227: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

225

SANTORO, Dante; ÁLVARES, Corintho. Chega de amor (choro). Manuscrito

autógrafo, s/d. Acervo MIS, coleção Almirante, 3924. Canto e piano.

. Não me venhas com esta cara (samba). Manuscrito autógrafo, s.d.

Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

SANTORO, Dante. CABRAL, Aldo. Reflexos. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

SANTORO, Dante; CAÓ, José. Beijo ao luar (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d.

Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.

. Beijo ao luar (marcha). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.

SANTORO, Dante; DOMINGUES, Heron. Deuza do mar (valsa). Manuscrito

autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Teu castigo (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Wilma (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

SANTORO, Dante; GHIARONI, G. Loucura (beguine). Manuscrito de autor

desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e

piano.

. Posso sofrer (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Baixo.

. Teus olhos (tango). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Teus olhos (tango). Arr: Radamés Gnatalli. Manuscrito autógrafo de

Dante Santoro, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, voz,

clarineta e cordas.

SANTORO, Dante; GUSMÃO, Scylla. Don´t lie (Fox blue). Manuscrito autógrafo, s.d.

Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Quero-te como és (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Quero-te como és (valsa-canção). Manuscrito de autor desconhecido,

s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. 2 sax alto, sax tenor, 2

trompetes, trombone e contrabaixo.

. Rosário de Ironias (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

SANTORO, Dante; MANES, Alberto. O que tu és (valsa-canção). Manuscrito

autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

Page 228: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

226

SANTORO, Dante; PASSOS, Arnaldo. Perto de mim (batucada). Manuscrito autógrafo,

s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

SANTORO, Dante; PICALUGA, Ary. Oh! Deus (samba). SANTORO, Dante;

Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.

Canto e piano.

SANTORO, Dante; SANTORO, Godofredo. Carnaval mais lindo (marcha). Manuscrito

autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Essa voz (samba-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.Canto e piano.

. Hilda! (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Ilusão de garoto (canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Lírio Perdido (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Martírios (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Martírios (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, clarineta, violino, violoncelo, contrabaixo.

. Minha dor (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Minha promessa (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Morena (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto.

. Nossa aurora (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Nossa senhora do morro (samba-canção). Manuscrito autógrafo, s.d.

Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Olhos magos (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Rancho saudoso (canção sertaneja). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo

da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

SANTORO, Dante; SANTORO, Paschoal. Non so che dire (canção italiana).

Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.

Canto e piano.

Page 229: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

227

SANTORO, Dante. Inferno de Dante (choro). Arr: Adalto Silva. Manuscrito de Adalto

Silva, 1957. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta solo, 2 sax

alto, 2 sax tenor, 3 trompetes, trombone, contrabaixo e bateria.

SANTORO, Dante (ETNAD). Flauta selvagem (choro). Manuscrito autógrafo, s.d.

Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarone.

SANTORO, Dante; JOCA; JACARÉ. Primavera Carioca! (marcha). Manuscrito

autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Primavera Carioca! (marcha). Arr: Pixinguinha. Manuscrito autógrafo

de Pixinguinha, 1937. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. 2 sax

alto, sax tenor, 2 trompetes, trombone, contrabaixo.

SANTORO, Dante; LUIZ; NELSON. Prece de amor (samba- canção) ou Beijos vis.

Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.

Canto e piano.

SANTORO, Dante. Antes só! (batucada). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia canto.

. Bagaço (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Betinho (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

. Bolero (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Carnaval mais lindo (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Castigando (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

. Chorando o passado (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Chorinho Gostoso (choro). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da

família Santoro. Flauta, violino, violoncelo e contrabaixo.

. Delírio chinês (dança oriental). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Delírio da saudade (valsa canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Esquecimento (choro). Manuscrito autógrafo, 1923. Acervo da família Santoro.

Flauta e piano.

. Exaltação (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

Page 230: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

228

. Jóquei de Elefante (polca-choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.

. Jóquei de Elefante (polca-choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

. Jóquei de Elefante (polca-choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarineta.

. Judith (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Judith (valsa). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta, 2 sax alto, 2 sax tenor, sax barítono, guitarra,

piano, contrabaixo.

. Guanabara (choro). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Horas tristes (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

. Horas tristes (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.

. Lágrimas de Rosa (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Piano.

. Lágrimas de Rosa (valsa). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Violino, sax tenor, sax barítono, trompete,

trombone, contrabaixo.

. Lamento árabe (bolero). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo MIS,

coleção Jacob do Bandolim, PMV0106. Flauta.

. Lamentos (valsa serenata). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e piano.

. Lúcia Helena (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta/Canto.

. Mate amargo (polca). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Contrabaixo.

. Mágoa de colombina (samba-canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Maninho. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Minuano Triste (choro). . Minha dor (valsa). Manuscrito autógrafo,

s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

. Murmúrios (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Murmúrios d´alma (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Nair (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

Page 231: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

229

. Na minha flauta (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Na minha flauta tu não tocas mais! (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d.

Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Não tem pra ti (polca). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarineta.

. Nena (valsa-canção). Manuscrito autógrafo, 1935. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. No bar do Oswaldo. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. No mistério da vida (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Quando a minha flauta chora (choro). Manuscrito de Nascimento, 1932.

Acervo MIS, coleção Jacob do Bandolim, PMH1448. Flauta.

. Samba do Dante Santoro (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Samba do Dante Santoro (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da

Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Voz, clarineta, sax tenor, 2 trompetes,

piano, contrabaixo e coro (trio).

. Scylla (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta/Canto.

. Serpentina. Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Silencioso (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo IMS, coleção

Pixinguinha, CX.16133. Canto e piano.

. Silencioso (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Contrabaixo.

. Sombras da noite (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

. Só na minha flauta (choro). Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo

da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

. Sonhando (valsa). Manuscrito de R. Macedo, 1948. Acervo MIS, coleção Jacob

do Bandolim, caderno 13. Flauta.

. Sonho (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

. Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

. Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.

. Taça de cristal (valsa: Fox). Suzana (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo

da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

Page 232: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

230

. Teu feitiço (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto

Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.

. Vidas mal traçadas (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Contrabaixo.

. Vidas mal traçadas (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca

Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.

Gravações CDs

CARRILHO, Altamiro. Harmonia Selvagem. Dante Santoro [compositor] In: Altamiro

Carrilho - Interpretações Históricas (1952-1965). Rio de Janeiro: Biscoito Fino, p. 2008.

1 CD.

. Harmonia Selvagem. Dante Santoro [compositor] In: Choros Imortais. Rio de

Janeiro, EMI, LP 1964/ CD1999. 1 LP e 1 CD.

FLORES, Paulo (Coord.) Benê, o flautista – Trilogia musical da obra do polêmico (e

genial) Benedito Lacerda. São Paulo: Maritaca Produções Artísticas, p. 2006. 3 CDs.

HIME, Joana (Prod.). Memórias musicais-Pixinguinha. CDS 4, 9 e 14. Rio de Janeiro:

Biscoito Fino, p. 2002. 9 CDs.

LEITE, Dirceu. Harmonia Selvagem. Dante Santoro [compositor] In: Leite de Coco.

Rio de Janeiro: Caju Music, p. 1994. 1 CD.

OZZETTI, Marta. Teu feitiço. Dante Santoro [compositor] In: O Choro e sua História:

Isaías e Israel entre amigos. CPC-UMES, 2006. 1 CD.

SANTORO, Dante. A Flauta Mágica de Dante Santoro. Porto Alegre: Alfa Studios

Gravações e Produções (Fumproarte), p. 1998. 03 CDs.

TNARDOWSKI, Flávia. É logo ali. Dante Santoro [compositor] In: A Música de Porto

Alegre: o Choro. Porto Alegre: Produção independente, p. 2000. 1 CD.

Gravações LP

CARRILHO, Altamiro. Antologia da Flauta. Tributo a Dante Santoro. Dante Santoro

[compositor]. São Paulo: Phillips, p. 1977. 1 LP.

SANTORO, Dante. Posso sofrer e Vidas mal traçadas. In: No tempo dos bons tempos.

Em tempo de seresta e seresteiros, Vol. 9. São Paulo: Fontana, p. 1972. 1 LP.

. Quando a minha flauta chora. In: Nova História da Música Popular

Brasileira. Abel Ferreira e o choro. São Paulo: Abril Cultural, 1977.

Gravações 78 RPM

ALBERTINHO FORTUNA. Lamento árabe (bolero). Dante Santoro [compositor].

Continental 17.170, p. 1955. 1 disco 78RPM.

ALBERTINHO FORTUNA e SEXTETO STAR. Silencioso (choro) e Vidas mal

traçadas (valsa). Star 00.00159, s.d. 1 disco 78RPM.

AFRÂNIO RODRIGUES. Oh Deus! (samba). Dante Santoro [compositor]. Odeon

13.377, s.d. 1 disco 78RPM.

Page 233: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

231

CARMEM MIRANDA, BENEDITO LACERDA e REGIONAL. Isso não se atura

(samba). Assis Valente [compositor]. Odeon 11244, 1935. 1 disco 78RPM.

DINO DINE. Non so che dire. Dante Santoro [compositor]. Acervo Família Santoro,

sem lançamento comercial. 1 disco 78RPM.

DIRCINHA BATISTA. Não sei mentir (samba). Dante Santoro [compositor]. Odeon

12.228, p. 1942.

DIRCINHA BATISTA e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Cuanto le gusta

(samba) e Passarinho da Lagoa (toada). Odeon Veroton 12.924, p. 1949.

. Cidade velha (samba) e Salve a mulher brasileira (marcha). Odeon 12.211, p.

1942.

FRANCISCO ALVES e ORQ. ODEON. Vidas mal traçadas (valsa). Dante Santoro

[compositor]. Odeon Veroton 12.881, p. 1948. 1 disco 78RPM.

GILBERTO ALVES e ORQ. ODEON. Páginas mortas (valsa). Dante Santoro

[compositor]. Odeon Veroton 12.358, p. 1943. 1 disco 78RPM.

GILBERTO ALVES e CONJUNTO ODEON. Olha o jacaré (marcha). Dante Santoro

[compositor]. Odeon Veroton 12.097, s.d. 1 disco 78RPM.

GILBERTO ALVES e FON-FON E SUA ORQUESTRA. Soluços (valsa). Dante

Santoro [compositor]. Odeon Veroton 12.032, p. 1941. 1 disco 78RPM.

JARARACA E RATINHO e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Tudo combinado e

Club Japonês (humorismo). Odeon Veroton 12.455, s.d. 1 disco 78RPM.

. A Lalá tá cá (humorismo). Odeon Veroton 12.491, s.d. 1 disco 78RPM.

LINDA BATISTA e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Amélia acabou com a

Praça 11 (samba). PRE-8. Gravação da Rádio Nacional. Acervo do MIS/RJ. 1 disco

78RPM.

MANOEL REIS e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Horas tristes (valsa) e

Murmúrios d´alma (valsa). Victor 34.185, p. 1937. 1 disco 78RPM.

NUNO ROLAND e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Leilão (marcha). PRE-8.

Gravação da Rádio Nacional. Acervo do MIS/RJ. 1 disco 78RPM.

ORLANDO SILVA e ORQ. ODEON. Olhos magos (valsa). Dante Santoro

[compositor]. Odeon Veroton 12.307, p. 1943.

ORLANDO SILVA e ORQ. VICTOR BRASILEIRA. Lágrimas de Rosa (valsa-

canção). RCA Victor 34.213, p. 1937. 1 disco 78RPM.

PEDRO RAIMUNDO e REGIONAL DE DANTE SANTORO. Tira cisma e Puladinho

(rancheira). Continental 15.689, s.d. 1 disco 78RPM.

PIXINGUINHA. O urubu e o gavião. Pixinguinha [compositor]. Victor 33262, 1930. 1

disco 78RPM.

PIXINGUINHA e BENEDITO LACERDA. Variações sobre o urubu e o gavião.

Pixinguinha [compositor]. RCA Victor 800263, 1944. 1 disco 78RPM.

ROMEU FERNANDES. Loucura (bolero) e Nosso passado (choro). Dante Santoro

[compositor]. Continental 14.600, sd. 1 disco 78RPM.

Page 234: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

232

ROSITA GONZALEZ e CHIQUINHO E SUA ORQUESTRA. No mientas (bolero).

Dante Santoro [compositor]. PRE-8 565, gravação da Rádio Nacional. Acervo Divisão

de Música da Biblioteca Nacional/RJ. 1 disco 78RPM.

RUY REY e ORQ. CONTINENTAL. No mientas (bolero). Dante Santoro [compositor].

Rio de Janeiro: Continental 15.626, s.d. 1 disco 78RPM.

VICENTE CELESTINO e ORQ. VICTOR BRASILEIRA. Martírios (valsa). Dante

Santoro [compositor]. Victor 34.443, p. 1939. 1 disco 78RPM.

. Gilka (valsa). Dante Santoro [compositor]. Victor 34.370, p. 1938. 1 disco

78RPM.

VIOLETA CAVALCANTI. Espelho quebrado (samba-canção). Dante Santoro

[compositor]. Odeon 13.466, p. 1953. 1 disco 78RPM.

DANTE SANTORO. Não tem pra ti (choro) e Teu feitiço (choro). Odeon 13.105, p.

1951. 1 disco 78RPM.

. Silencioso (choro) e Vidas mal traçadas (valsa). Odeon 12.920, p. 1949. 1

disco 78RPM.

. Castigando (choro) e Sonho (valsa). Odeon Veroton 12.292, p. 1943. 1 disco

78RPM.

. Mate amargo (polca) e Posso sofrer (valsa). Sinter 00-00.482, p. 1956. 1 disco

78RPM.

. Martírios (valsa) e Inferno de Dante (choro). Victor 34.207, p. 1937. 1 disco

78RPM.

. Alma de Beduíno (choro) e Teu feitiço (choro). Victor 34.620, p. 1940. 1 disco

78RPM.

. Nair (valsa) e Nena (valsa). Victor 33.991, p. 1935. 1 disco 78RPM.

DANTE SANTORO E SEU REGIONAL. Suzana (valsa). Acervo Família Santoro, sem

lançamento comercial. 1 disco 78RPM.

. Harmonia selvagem (choro). Acervo Família Santoro, sem lançamento

comercial. 1 disco 78RPM.

. Wilma (valsa) e Amigo (choro). Odeon 13.189, p. 1951. 1 disco 78RPM.

. Nêga suspira (baião) e Deixa ele (choro). Odeon 13.328, s.d. 1 disco 78RPM.

. Quando eu for bem velhinho (baião marcha) e Inferno de Dante (choro). Odeon

13.409, s.d. 1 disco 78RPM.

. Lamento árabe (bolero) e Estudante (choro). Odeon 13.505, p. 1953. 1 disco

78RPM.

. Deixa pra lá (polca) e Maria Rosa (valsa). Odeon Veroton 12.736, p. 1946. 1

disco 78RPM.

. Delírio chinês (dança oriental) e No bar do Oswaldo (choro). Sinter 00.00326,

s.d. 1 disco 78RPM.

Page 235: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

233

. Lamento árabe (bolero) e Murmúrios (choro). Sinter 00.00382, p. 1955. 1 disco

78RPM.

. Amapá (maxixe) e Scylla (valsa). Victor 34.751, p. 1941. 1 disco 78RPM.

. Minuano triste (choro) e Sombras da noite (valsa). Victor 34.460, p. 1939. 1

disco 78RPM.

. Quando a minha flauta chora (choro) e Exaltação (valsa). Victor 34.442, p.

1939. 1 disco 78RPM.

. Harmonia Selvagem (choro) e Suzana (valsa). Victor 34.352, p. 1938. 1 disco

78RPM.

. Dores d´alma (valsa) e É logo ali (choro). Victor 34.167, s.d. 1 disco 78RPM.

. Só na minha flauta (choro) e Olhos magos (valsa). Victor 34.155, p. 1937. 1

disco 78RPM.

DANTE SANTORO E SEU REGIONAL e TRIGÊMEOS VOCALISTAS. Flauta

selvagem (choro) e Sempre nós (polca-choro). Odeon 13.017, p. 1950. 1 disco 78RPM.

DANTE SANTORO e REGIONAL DO VIVI. Urubu Malandro (choro) e Jóquei de

elefante (choro). Odeon 13.060, p. 1950. 1 disco 78RPM.

. Moleque Vagabundo (baião) e Subindo ao céu (valsa). Odeon 13.150, s.d. 1

disco 78RPM.

. O mulatinho (maxixe carioca) e Quando minha flauta chora (choro). Odeon,

13.254, p. 1952. 1 disco 78RPM.

. Chorei (choro) e Bagaço (choro). Odeon 13.299, p. 1952. 1 disco 78RPM.

DANTE SANTORO e CARIOCA E SEUS SAXOFONES. Teimoso (choro) e Judith

(valsa). Odeon Veroton 12.965, p. 1949. 1 disco 78RPM.

DANTE SANTORO e CONJUNTO RCA VICTOR. Lágrimas de Rosa (valsa). Victor

33.986, s.d. 1 disco 78RPM.

. Esquecimento (choro). Victor 33.968, p. 1935. 1 disco 78RPM.

DANTE SANTORO e CONJUNTO REGIONAL VICTOR. Betinho (choro). Victor

33.943, p. 1935. 1 disco 78RPM.

. Não tem pra ti (choro) e Gilka (valsa). Victor 33.932, p. 1935. 1 disco 78RPM.

DANTE SANTORO, JOSÉ BITTENCOURT, LUPERCE MIRANDA e PEREIRA

FILHO. Subindo ao céu (valsa). Victor 33.968, p. 1935. 1 disco 78RPM.

DANTE SANTORO, LUPERCE MIRANDA, TUTI e MANOEL LIMA. Beatriz

(valsa) e Saudades do Jango (valsa). RCA Victor 33.770, s.d. 1 disco 78RPM.

. Nilva (valsa) e Hilda (valsa). Victor 33.814, s.d. 1 disco 78RPM.

DANTE SANTORO et ali. Marlene (valsa). Victor 34.049, s.d. 1 disco 78RPM.

Entrevistas e Depoimentos orais

CRUZ, Plauto. Depoimento oral concedido em sua residência. Porto Alegre, 2011.

D´AVILA, Milton. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Ubá, 2012. 1 CD

(60 min)

Page 236: DANTE SANTORO (1904-1969): TRAJETÓRIA E ESTILO ...

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DIAS, Odette Ernest. Entrevista realizada na residência da entrevistada. Rio de Janeiro,

2012. 1 CD (40 min).

MIRANDA, Leonardo. Depoimento oral concedido em sua residência. Rio de Janeiro,

2012.

SANTORO, Homero. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Porto Alegre,

2011. 1 CD (30 min).

SILVA, Jorge José da, o “Jorginho do Pandeiro”. Entrevista realizada na Rádio

Nacional do Rio de Janeiro, 2011. 1 CD (30 min).

SOUZA, Carlos Silva, o “Caçula”. Entrevista realizada no Bairro da Lapa. Rio de

Janeiro, 2011. 1 CD (25 min).