DanteCultural8 - Cópia - Colégio Dante Alighieri · Bonito por fora. Moderno por dentro....

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Costanza Pascolato Palmeiras A bela imigrante que se tornou referência no mundo da moda O clube alviverde que já foi Palestra Itália Costanza Pascolato A bela imigrante que se tornou referência no mundo da moda Palmeiras O clube alviverde que já foi Palestra Itália Ensaio Úmbria Com a palavra, quem preserva a cultura italiana no Brasil Embutidos, queijos, azeites e os peixes do Lago Trasimeno são estrelas da cozinha nas terras verdes do centro da Itália Ensaio Com a palavra, quem preserva a cultura italiana no Brasil Úmbria Embutidos, queijos, azeites e os peixes do Lago Trasimeno são estrelas da cozinha nas terras verdes do centro da Itália DanteCultural Ano IV - nº 8 - Fevereiro/2008 ISSN 1980-637X Terra da uva Vênetos, lombardos, trentinos e seus descendentes fizeram do Brasil um produtor de bons vinhos Vênetos, lombardos, trentinos e seus descendentes fizeram do Brasil um produtor de bons vinhos

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Costanza Pascolato

Palmeiras

A bela imigrante que se tornou referência no mundo da moda

O clube alviverde que já foi Palestra Itália

Costanza PascolatoA bela imigrante que se tornou referência no mundo da moda

PalmeirasO clube alviverde que já foi Palestra Itália

Ensaio

Úmbria

Com a palavra, quem preserva a cultura italiana no Brasil

Embutidos, queijos, azeites e os peixes do Lago Trasimeno são estrelas da cozinha nas terras verdes do centro da Itália

Ensaio Com a palavra, quem preserva a cultura italiana no Brasil

ÚmbriaEmbutidos, queijos, azeites e os peixes do Lago Trasimeno são estrelas da cozinha nas terras verdes do centro da Itália

DanteCulturalAno IV - nº 8 - Fevereiro/2008

ISSN 1980-637X

Terra da uvaVênetos, lombardos, trentinos e seus descendentes fizeram do Brasil um produtor de bons vinhos

Vênetos, lombardos, trentinos e seus descendentes fizeram do Brasil um produtor de bons vinhos

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Bonito por fora. Moderno por dentro. Excelente no ensino.

Colégio Dante Alighieri: em uma só escola, o que há de melhor na educação.

Educação Infantil (Maternal e Jardim)

Ensino Fundamental de 9 anos

Ensino Médio

Períodos: Manhã e Tarde

Imagens:

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Ligue: (11) 3179-4400www.colegiodante.com.br

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Carta ao leitor

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Caros leitores:

Para esta edição, a DanteCultural visitou a região do Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha. E se sentiu em casa. Afinal, como aqui, ouvia-se sempre alguém falando italiano, mas em dialeto. Também lá, a influência da tradição italiana é grande, e se mistura com a cultura brasileira. Se durante a semana as refeições contemplam massa ou polenta, nos domingos as famílias se encontram para um churrasco ou uma feijoada. Nossa equipe visitou pequenas e grandes produtoras de vinho e teve a oportunidade de conhecer muitos descendentes de imigrantes vindos do norte da Itália.

Aliás, também daquela região, da cidade de Bergamo, veio Fabrizio Guzzoni, fundador do Ca'd'Oro, luxuoso hotel localizado na rua Augusta, centro de São Paulo. Lá, os Guzzoni receberam (e continuam a hospedar) os mais diferentes tipos de majestades, desde as realmente coroadas, como o rei Juan Carlos, da Espanha, até aquelas do mundo da música, como o tenor italiano Luciano Pavarotti, e do mundo do esporte, como Pelé. Não é possível deixar de falar, também, do restaurante do hotel, precursor da sofisticada comida italiana na cidade.

De Siena, um pouco mais ao sul, veio a nossa entrevistada: a sempre elegante ex-aluna Costanza Pascolato. A respeitadíssima consultora conta um pouco da sua vida e fala sobre a democratização da moda.

Deslocando-se para o centro do país, chegamos à Úmbria. Edoardo Coen nos convida para um passeio pela terra de Francisco, o santo poverello di Assisi, passando por praças, palácios, catedrais e museus de cidades como Perugia, Todi, Orvieto, Spoleto e Gubbio, além, é claro, de Assis. Já a chef Silvia Percussi nos leva a um passeio pelas cores e pelos sabores dos azeites, das verduras, das massas e carnes da culinária da região, mostrando que ela vai muito além de seus conhecidos embutidos. Nesta edição, nossa colaboradora nos brinda com as receitas do Fricco, do Spaghetti col rancetto e do Panpepato ternano.

Voltando ao Brasil, a revista traz a história de uma grande paixão da maior parte dos descendentes de italianos do país: a Sociedade Esportiva Palmeiras, eternamente Palestra Itália nos nossos corações.

A seção Perfil traz um artesão da carne, Marcos GuardaBassi, que desde menino vendia miúdos, primeiro pelas ruas do Brás e, depois, no Mercado Central. Tornou-se o homem que criou a grife de carnes Bassi e que dirige, hoje, a conceituada churrascaria que leva seu nome, localizada no bairro do Bixiga.

A revista ainda traz um importante texto da coordenadora do Serviço de Orientação Educacional de nossa Escola, Silvana Leporace, em que aborda a dificuldade dos jovens em planejar e prever as conseqüências de seus atos.

Enquanto esperamos o próximo número, brindemos com nossos patrícios do Vale dos Vinhedos.

Saúde!

Marco FormicolaPresidente do Colégio Dante Alighieri

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4 C1 C2 C3 C4 C5 C6

Cartas 6

Notas 7

Entrevista 8

Capa 14

Futebol 20

Hotel Ca'D'Oro 26

Literatura 30

Música 34

Cinema 36

Perfil 38

Espaço aberto 42

Ensaio fotográfico 44

Gastronomia 48

Turismo 52

Artigo/Educação 58

Memória 59

O primeiro concurso de contos do Dante e a pianista Juliana D'Agostini

Costanza Pascolato: uma ex-aluna do Dante que vive moda desde criança

Descendentes de italianos gaúchos que fazem os melhores vinhos do país no Vale dos Vinhedos

Ídolos, torcida, dificuldades e glórias do Palmeiras

As histórias de um dos hotéis mais sofisticados de São Paulo

O poema dos Lunáticos: um romance nonsense de Ermano Cavazzoni

O jazz do saxofonista italiano que é fã de Ivan Lins, Stefano di Battista

Três diretores e os calafrios de seu terror ousado: Dario Argento, Lucio Fulci e Mario Bava

Marcos Guardabassi: anos de trabalho duro fizeram dele o artesão da carne

“Dela desprendia uma amenidade gostosa, que enfeitava o ônibus e me contornava a alma”

Carnevale, dolce far niente: expressões italianas escolhidas por quem vive a Itália no Brasil

Alimentos com preparos especiais e uma natureza proveitosa dão o sabor da cozinha umbra

Um passeio pelo coração da Itália

A importância do planejamento dos estudos para o novo ano

Álbum aberto

Capa: Cris Berger (divulgação Pizzato)Divulgação Salton Tadeu Brunelli Divulgação Júlio Santos Gabriel Affonso Morales Divulgação

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Fernando Homem de Montes - Publisher

Marcella Chartier - Editora (jornalista responsável - MTb: 50.858)

Revisão: Luiz Eduardo Vicentin

Projeto Gráfico: Nelson Doy Jr.

Diagramação e arte: Simone Alves Machado e Joyce Buitoni (assistente)

Ilustrações: Milton Costa

Comercial: Vinicius Hijano

Colaboradores: Daniel Lima, Edoardo Coen, Gabriel Affonso Morales, Itamar Cardin,

José Henrique Lopes, Júlio dos Santos, Laura Folgueira, Luisa Destri,

Pedro Belo, Silvana Leporace, Silvia Percussi, Tadeu Brunelli

A Revista DanteCultural (ISSN 1980-637X)

é uma publicação do Colégio Dante Alighieri

Cultural

Marco Formicola - Presidente

José de Oliveira Messina - Vice-presidente

Renato Bernardo Fontana - Diretor Secretário

José Piovaccari - 2º Diretor Secretário

Milena Montini Martins de Siqueira - Diretora Financeira

Salvador Pastore Neto - 2º Diretor Financeiro

Carlo Cirenza - Diretor Adjunto

José Luiz Farina - Diretor Adjunto

José Perotti - Diretor Adjunto

Lauro Spaggiari - Diretor Geral Pedagógico

CartasMande suas sugestões e críticas para [email protected]

Tiragem: 6 mil exemplares

Colégio Dante AlighieriAlameda Jaú, 1061. São Paulo-SPFone: (011) 3179-4400www.colegiodante.com.br

DanteCulturalDanteCultural

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Cartas

Tenho orgulho de escrever à Dante Cultural e parabenizá-los pelas excelentes matérias. As riquezas naturais e a gastronomia da Lombardia me fizeram resgatar minha ida à Itália em 1999. Logo que recebi a revista, comecei a ler e foram 59 páginas de conhecimentos e cultura.Abraços,

Luiz Carlos Zeli

Agradeço pela excelente matéria sobre a Igreja Nossa Senhora da Paz, tanto em relação ao texto, que resgatou aspectos históricos e artísticos da “igreja dos italianos”, como no tocante ao acervo fotográfico que tão bem ilustrou a matéria.Na condição de membro da família Emendabili, tenho o dever de tecer este agradecimento, não somente por ser neto do escultor Galileo Emendabili, mas, sobretudo, pelo amor profundo que esta família dedica ao Colégio Dante Alighieri, que forma e educa os descendentes de Galileo Emendabili há quatro gerações.

Paulo Emendabili Souza Barros De Carvalhosa

Gostaria de elogiar a revista e suas entrevistas.Parabéns!

Marcia R. Mamprim Conde

Gostaria de cumprimentá-los pelo excelente trabalho que vocês têm desenvolvido e, oportunamente, enviado a nós pais.

Rosana Del Picchia Nogueira

CURSO DE

LÍNGUA ITALIANA

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1º Quadrimestre: de março a junho

2º Quadrimestre: de agosto a novembro

Valor do quadrimestre: em 4 parcelas mensais

Isenção de matrícula

Máximo de alunos por sala: 12

Qualificação: Certificado de Conclusão

ASSOCIAÇÃO DOS EX-ALUNOS DO COLÉGIO DANTE ALIGHIERIAl. Jaú, 1.135 - Cerqueira Cesar - Cep: 01420-001 - Telefone: (11) 3284-6011www.aeda.com.br [email protected]

A.E.D.A.

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João Florêncio

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Com direito a noite de autógrafos, alunos do os9 anos do Ensino Fundamental de 2007

lançaram seus contos em um livro no dia 26 de novembro do ano passado, no Colégio. Foi a primeira edição do concurso Contando, que estimulou a produção literária e a leitura de autores como Edgar Allan Poe, Lygia Fagundes Telles e Rubem Braga. Os alunos se inspiraram em textos desses autores para escrever, em duplas, seus próprios contos. "Nossa história ficou completamente diferente da original", conta Caio Tabarin Stancati, um dos 22 vencedores, que, em parceria com o aluno Eduardo Moretti, criou uma peça literária baseada na introdução de "Um braço de mulher", de Rubem Braga. "Ficamos quase duas horas discutindo a estrutura do nosso texto, escrevendo as idéias em uma

Novos talentos da literaturafolha de papel sulfite", completa. "Eles escreveram usando técnicas aprendidas em sala de aula", diz a coordenadora do Departamento de Língua Portuguesa, profa. Maria Cleire Cordeiro.Além da noite de autógrafos e da publicação do livro, foi realizada uma entrega de certificados, no auditório Guglielmo Raul Falzoni. O Contando 2007 foi organizado pelo departamento de Língua Portuguesa em parceria com o de Tecnologia Educacional, que criou uma webquest com dicas para os participantes. Na ocasião, o professor Lauro Spaggiari, diretor geral pedagógico da Escola, enalteceu o trabalho dos alunos e o dos professores, ressaltando os objetivos dos projetos realizados no Dante. "Nossa intenção é formar pessoas críticas e reflexivas, com um olhar humano e ético sobre a vida", afirmou.

Quando tinha apenas 5 anos, Juliana D'Agostini já começava a se entender com o que logo se tornaria seu companheiro mais freqüente: o piano. Formada no Dante em 2003, ela hoje cursa o 4º ano de Música na Universidade de São Paulo (USP), e já se destacou em vários concursos importantes, atingindo o 1º lugar do XIV Concurso Nacional de Piano Arnaldo Estrella de 2006, entre muitos outros. O primeiro deles foi aos dez anos. "Estudo todos os dias, é uma disciplina que tenho desde muito nova", afirma a pianista, que tinha uma rotina bem diferente da dos colegas de escola. "Não tinha muito tempo para brincar como minhas amigas, mas hoje vejo que o esforço valeu a pena".A dedicação extrema, sempre apoiada pelos pais, era fruto da certeza de Juliana quanto à escolha da carreira. "Sempre sonhei em solar com grandes orquestras, tocar em grandes salas de concerto, me apresentar com grandes regentes...", diz. Para isso, são dez horas por dia de estudos que rendem experiências importantes e inesquecíveis para a jovem música. Em outubro de 2007, ela se apresentou em São Paulo e no Rio de Janeiro numa série de concertos com o

grande pianista Nelson Freire. Entre a faculdade e os compromissos, Juliana se divide com dificuldade. "Priorizo a performance e deixo as matérias teóricas para segundo plano", conta. Ela participa de aulas individuais de performance no The New England Conservatory, em Boston (EUA), e viaja muito para gravar e tocar. Do Colégio, ficaram as saudades dos professores. "Tenho muito carinho por eles", diz a ex-aluna, que vê também no futuro a paixão pela música. "Quero a mesma inspiração de sempre para continuar fazendo as pessoas chorarem com minha performance", diz.

Paixão com disciplina

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Entrevista

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uito pequena ainda, ela já tinha alguma coisa que a distinguia. Ela sempre foi diferente. "MAcho que desde bebê ela já se sentia a tal", diz a mãe de Costanza Pascolato no livro Gabriella Pascolato - Santa Constância e outras histórias, da editora Jaboticaba, escrito pelo jornalista Sérgio Ribas. Nascida na cidade de Siena, na região da Toscana, Costanza veio para o Brasil aos 6 anos, em 1945, e estudou no Dante até se formar, em 1959. "Nunca fui uma aluna exemplar, eu era rebelde", confessa a ex-aluna que, já no Colégio, transformava o uniforme: encurtava a saia, amarrava a gravata de um jeito diferente, puxava a manga da camisa. O que parecia um capricho de menina já era, na verdade, sinal de que Costanza se atraía pelo mundo da moda.Rotulada como dondoca, teve dificuldades para conseguir um emprego quando começou a procurar, na década de 1970. Mas aproveitou bem a chance que lhe foi dada na editora Abril, onde começou trabalhando como produtora de moda. "Pelo layout que eu tinha, ninguém aceitava que eu pudesse trabalhar", conta. Mas ela provou seu talento e sua capacidade, e hoje, aos 68 anos, Costanza é uma das consultoras de moda mais reconhecidas e respeitadas do país. Além de comparecer sempre aos mais importantes desfiles no Brasil e no exterior, ela cuida também da Tecelagem Santa Constância, fundada por sua mãe em 1948. Mantém disposição e saúde para seguir uma rotina que começa cedo, às seis e meia da manhã, e que muitas vezes termina tarde da noite, quando Costanza tem seus compromissos sociais. "Eu gosto de gente", diz. Impecavelmente vestida, ela continua belíssima. Atenciosa, recebeu a reportagem da DanteCultural em seu bonito apartamento no bairro de Higienópolis, em São Paulo, onde falou sobre sua trajetória pessoal e profissional, e claro, sobre moda.

Quais são suas lembranças dos tempos de Dante?Entrei no Dante em 1947, era fabuloso. Eu era mais velha que os outros, que me chamavam de italianinha. Levei muito tempo para entender que eu era grande e bonitinha. Então os meninos viviam me provocando, me chamando de italianinha, de chocolate - porque me chamavam de Pascolato -, e demorei para entender que eu incomodava de uma maneira criativa. Isso para mim já foi uma liçãozinha que aprendi. E como sou muito tímida, apesar de não parecer hoje, tive que superar isso.Eu não era uma aluna exemplar, era ruim à beça porque sempre fui um pouco rebelde. Se eu tinha que fazer alguma coisa, fazia mais ou menos o contrário para ver o que acontecia. Eu mudava o uniforme: Tinha que usar a gravata de um jeito, eu amarrava de outro; a saia era meio comprida, e eu levantava; abaixava a meia; puxava a manga da camisa...

Celso Lafer, seu colega de Dante e entrevistado na edição anterior da revista, disse que a senhora "já naquela época conseguia dar um charme todo

especial ao uniforme imposto às moças".Minha mãe diz que desde os 3 anos eu tinha crises quando ela mandava fazer minha roupa - uma costureira ia em casa. Uma vez ela me deixou na frente do espelho sozinha, foi atender ao telefone e quando voltou eu chorava desesperadamente porque queria um vestido mais curto. E chorava porque aquilo era uma questão fundamental. E eu me lembro até hoje de quando tinha 3 anos e meio: eu tinha um maiô de tricô com um quadradinho estreitinho no centro do peito e queria que ele fosse maior. Eu ficava puxando, aquilo me incomodava. Não tinha lycra na época. Então eu nasci com essa noção de moda. Não me visto só por me vestir, mas para sempre fazer um depoimentozinho, todos os dias. Tem um significado, são aventurazinhas diárias.

O que a senhora escolhe para vestir tem a ver com o seu humor?Eu sou mais prática hoje. Ligo muito para a agenda, porque sempre trabalhei longe de casa. E trabalhando muito, você sai de manhã e não volta para casa até a noite. Então olho a agenda

Por Marcella Chartier

Longe de ser

dondocaJá aos três anos de idade, Costanza reclamava quando não gostava de uma roupa, e hoje acompanha os desfiles mais importantes do mundo. Mas também trabalha o dia todo e defende a democratização da moda

Fotos: Gabriella Pascolato - Santa Constância e outras histórias - editora Jaboticaba

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e penso: bem, essa roupa funciona amanhã de manhã, à tarde e à noite. Vejo a previsão do tempo na internet e, à noite, preparo as coisas para não ficar tonta na última hora.

O que de seus sonhos de criança foi realizado?Eu sempre fui muito fantasiosa, de inventar histórias. Quando eu era pequena, sempre pensava numa vida de glamour. Achava as estrelas de Hollywood o máximo, inatingíveis, e queria ser uma delas. Eu queria também ter uma casa minha, que sempre sonhava que era numa esquina. A minha primeira casa, na verdade, foi esta aqui. [Costanza mora numa esquina]. O resto era de aluguel, quando me casei com um banqueiro (o Robert Blocker), vivemos em vários lugares, ficávamos muito entre São Paulo e Nova York.

E por que o sonho de a casa ser numa esquina?Não tenho a menor idéia, mas era um sonho recorrente. E eu queria ter um lugar que fosse meu. Nos sonhos, era sempre no meio das árvores e numa esquina...

E aqui dentro tem muitas plantas, mesmo... (ao menos seis vasos grandes na sala)Não, venha ver. [Costanza se levanta e vai até a janela. Vários galhos de uma árvore plantada na calçada terminam quase entrando em seu apartamento]. A única vez na minha vida em que saí na rua de pijama foi quando quiseram cortar esta árvore. Não deixei de jeito nenhum.

Depois de se formar no Dante, que caminho a senhora seguiu?Eu sou "super fugida" da escola, mas sempre li pra chuchu. Cabulava aula e lia tudo o que me passava pela frente. Não é bom falar isso para a

juventude, porque hoje em dia eu não teria consegui-do fazer o que fiz sem ter me formado. Mas sempre li e continuo lendo loucamente. Depois fiz um curso de História da Arte em Florença, na Itália, depois alguns outros cursos, de tudo que fosse visual. E tenho estudado com os melhores professores de literatura, filosofia, jamais estaria tão atualizada se não continuasse estudando. Nos últimos seis anos, fiz aulas duas noites por semana com professores como o José Miguel Wisnik (músico e professor de Literatura da USP), sobre Guimarães Rosa, poesia, enfim, um monte de coisas que voltaram a me fazer ter prazer pela palavra escrita. Mas nos últimos três anos estou trabalhando muito e não tenho conseguido, além dos meus compromissos sociais, agüentar até 10, 11 horas da noite lúcida.

A senhora começou na editora Abril depois de se separar do seu primeiro marido?Foi, de 1969 para 1970.

Foi convite?Não, eu que procurei. Casada, eu vivia do meu marido e os italianos tinham o costume de dar uma mesada para as filhas e um dote. Papai me dava uma mesada e eu estava super folgada. De repente me separei, fiquei sem nada, e não queria depender de ninguém.

E qual foi o seu primeiro cargo na editora?Produtora de moda. Ninguém queria me empregar na época, porque eu era conhecida como dondoca, filha de família, casada. Pelo layout que eu tinha, ninguém aceitava que eu pudesse trabalhar. Mas eu faria qualquer coisa que funcionasse. Lógico que eu gostava de moda, e quando você gosta de uma coisa, você sabe mais, se dá melhor.

Como foi até chegar à Abril?Antes eu fui a agências de publicidade dos meus amigos e eles ficavam com o pé atrás de me empregar porque pensavam: "dondoca, encrenca essa mulher". Aí comecei a fazer luminárias em casa, até bonitinhas, e vendi para uma loja da rua Augusta dos anos 70 que se chamava Ao gosto Augusta. O problema foi que elas começaram a derreter, porque eram de plástico... então esse incipiente negócio não deu certo, quiseram devolver. E eu ainda quis escrever um cartão: "deixar aceso por apenas 20 minutos". Luminária assim é difícil, né... Depois disso, eu queria preparar vitrines. As pessoas deixavam, mas não me pagavam. Na época, ninguém cuidava das vitrines. Eu tinha visto nos Estados Unidos, eles são campeões nisso. Mas como era um calote atrás do outro, parei. Aí fui procurar uma amiga minha que era, aliás,

Não me visto só por me

vestir, mas para sempre fazer um

depoimentozinho, todos os dias.

Tem um significado, são

aventurazinhas diárias

A beleza de Costanza foi herdada da mãe,

Gabriella

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amiga de infância do meu ex-marido: a Olga Krell, editora de decoração e de cozinha da [revista] Claudia. E foi assim: - Preciso de uma produtora de decoração.- Faço o que você quiser.- Mas precisa trabalhar de verdade...- Trabalhar eu vou, você vai ver.Então ela me deu uma tarefa. Eu tinha que pegar móveis falsos-coloniais na [rua] Teodoro Sampaio da época, que eram feios pra caramba, e fazer seis ambientes, que entrariam em 12 páginas. Não tive dúvidas: ia para as casas dos meus amigos, pegava tapetes persas, objetos, tudo. E depois me falaram: "tá muito bom, muito bonitinho, mas esses acessórios tão muito caros, as leitoras vão reclamar". Então tive que refazer. Mas sempre me virei. Nesse momento o Atílio Baschera, que era diretor de moda da Claudia, me convidou para fazer uma edição de Claudia Moda, que era um catálogo de moda pronta. Era a primeira revista que tinha como intenção fotografar moda pronta no Brasil, de confecção. Em 1970, a gente contava nos dedos as confecções. Elas faziam duas coleções por ano, uma no inverno e outra no verão. Até ali todo mundo mandava fazer na costureira. Eu tive a sorte e o privilégio de começar nessa época que foi bacana. Eles investiram bastante em mim nos 16 anos que passei lá.Claro que tive altos e baixos, mas era muito mais experimental naquela época, dava para fazer muita coisa diferente. Hoje cada veículo tem o seu lugar, seu nicho, seu objetivo, seu mercado, tudo muito certinho. Na época a Claudia era uma espécie de abertura, tinha informação até de tendências de comportamento para a mulher de classe média que era emergente na época. Então foi a revista que falou de maneira didática e simplificada com a dona de casa, via uma

colunista chamada Carmem da Silva. Eu nunca tinha ligado para esse negócio de feminismo - que, aliás, passava longe daquele meu grupo social e da minha vida, eu via os intelectuais discutindo e parecia tão longínquo da minha realidade, porque tudo ia muito bem. Eu era um pouco rebelde, mas jamais de ficar questionando qual era o meu lugar na sociedade. Eu vi, depois de um tempo, que o salário dos homens que faziam a mesma coisa que eu eram mais altos. Mas em vez de ficar chateada, eu pensava: "Vou melhorar e ganhar mais do que eles".

E depois da editora Abril?Saí de lá no final de 1986, para entrar na fábrica (a Tecelagem Santa Constância). Meu pai estava muito doente e minha mãe estava cuidando dele, pediu para eu ajudar. Eu pensei: "mas não sei fazer isso". Morria de medo, mas eu tinha aprendido o olhar de jornalista. Eu sempre me colocava no lugar da consumidora, para saber em que ela estaria interessada.

Suas atribuições na tecelagem eram bem diferentes das que tinha na editora. Como foi essa mudança, para a senhora?Eu nunca fui administradora, aliás, sou péssima administradora. Sou muito boa de produto, do que fazer, que é importante numa fábrica. Administração sempre foi com o meu irmão. Sou realmente empenhada, e quando vejo que a coisa não está indo bem, dou a volta que for necessária. Eu costumo ter ataques novidadeiros de sete em sete anos.

Costanza foi matriculada no Dante em 1947 e estudou no Colégio até o final do então chamado curso Clássico (hoje Ensino Médio)

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Eu fui a agências de publicidade

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com o pé atrás de me empregar

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Na tecelagem, a senhora se acostumou a uma rotina?Infelizmente sim, porque tem que ter uma disciplina. Eu acordo todo dia às 6 ou 6 e meia, depende se eu saí na noite anterior, me arrumo toda, faço meditação. Levo duas horas para ficar pronta e saio para a aula de pilates, todo santo dia. É religioso. Depois da aula, começa meu dia. Vou para a fábrica, ou fico por aqui quando tenho reuniões fora, mas é bastante raro.

Você se preocupa sempre em seguir a moda?Não é que eu siga, eu vivo a moda. Mas faz muito tempo que eu faço a minha moda. Escolho o que gosto mais dentro da coleção atual, ou da futura. Fui construindo um estilo próprio. Às vezes é melhor ficar com peças de dois, três anos atrás, do que cair na cilada de pegar alguma coisa que não fica bem.

Até que ponto a senhora acha que a democratização da moda está acontecendo?Ela é fundamental. A moda vista pelo leigo é sempre uma coisa especial ou muito cara. Roupas que já têm grife cobram mais caro. Mas a moda entrou, já faz uns cinco anos, numa expansão nos itens de preço médio a baixo. Vou explicar como é o mapa geopolítico da moda: os lançamentos são feitos pelo hemisfério norte, uma estação adiantada da nossa, e dessas propostas todas, o chamado fast fashion, ou seja, as marcas mais baratas do mundo, copiam o que está sendo mostrado pelo luxo a um décimo do preço e com uma rapidez que atropela os lançamentos do luxo. E o luxo precisa da exposição da mídia, porque senão as pessoas não conhecem as novidades nem se familiarizam com as novas idéias. Mas as marcas baratas vivem em função das outras, portanto uma alimenta a outra. O luxo, hoje, é obrigado a lançar novidades entre estações, as chamadas pré-coleções, para não serem atropelados pelo fast fashion, já que os preços são acessíveis. A democratização da moda é evidente via preço, e é a da moda, não mais a da roupa. A roupa não tinha expressão fashion. Mas hoje, uma blusinha simples e baratinha que você encontra numa grande loja, tem um elemento de moda. Essa é a democratização da moda. E o Brasil tem toda a vocação para ser industrial, sempre fizemos bem o jeans e a camiseta. Hoje o país está entrando meio devagar e confusamente nisso, mas vai conseguir. O luxo nunca vai ser uma especialidade brasileira. O que vai acontecer é que marcas intermediárias vão melhorar, ficar cada vez mais com o sotaque brasileiro, mais próprias para o público daqui. Existe uma expressão de estilo brasileira que é reconhecida.

Diz-se que a moda no Brasil está em crise. Está em crise do jeito que conhecemos nos anos 80, com aquele estilo de boutique que era inovador, lançando grifes que cobravam muito caro. Na década de 1990, com a abertura para as importações, eles sofreram um primeiro grande baque e tiveram que se profissionalizar para enfrentar a invasão das marcas estrangeiras. Portanto, podemos falar que a verdadeira moda brasileira só tem 17 anos, mais ou menos.

Costuma prestar atenção a novos talentos?Muito menos do que eu gostaria, porque não tenho tempo. Fui à Casa de Criadores (evento que reúne desfiles de novos estilistas), vejo desfiles. Na fábrica também patrocinamos novos talentos. Em todos os níveis, do Bom Retiro ao Jardim Europa.

A senhora faz muitas compras?Sabe que nem tanto? Acabo gastando mais tempo e dinheiro mais para fazer o guarda-roupa de que preciso para aqueles 20 dias de desfiles dos lançamentos no exterior, todo ano. Eu tenho que estar em ordem em todos os seis, sete desfiles diários, porque todos os profissionais e jornalistas mais importantes do mundo se reúnem nesses lugares. E aqui no Brasil também, no São Paulo Fashion Week e no Fashion Rio, onde sou super fotografada. Preciso estar bem por uma questão pessoal, mas também profissional, trazer uma linguagem visual que agrade aos outros e que me mantenha, apesar da idade, contemporânea. No momento em que eles identificarem que estou ficando careta, eu perco prestígio profissional. Eles sabem ler o que estou usando e sabem exatamente que cada acessório tem um significado no conteúdo. Não é nada simples, para qualquer um entender, nada pronto para foto. Posso ser bem ou mal sucedida. Mas é um risco que preciso correr.

O que a senhora considera beleza? Beleza é estilo, muito mais do que o que você faz, como você se comporta... ainda mais na minha idade, o que eu vou fazer? Ficar me puxando? Eu gostaria até, mas estou fraquinha para essas coisas, é muito arriscado. Arriscar a saúde por uma ruga a menos?Eu penso nas limitações físicas que tenho. Portanto, jamais mostro meus braços, porque a pele já venceu faz tempo, uns 20 anos. Se você é uma pessoa ressentida, isso reflete no rosto. É mais uma expressão do que uma ruga. Às vezes fico com uma cara meio preocupada, mas é porque estou raciocinando. Estamos aqui para viver o melhor possível.

A moda hoje vive muito do retrô, do que era moda nas décadas passadas. A senhora acha que tudo já foi criado ou ainda há o que inventar?Tem muita gente que faz coisas diferentes, mas sempre baseadas em algo que já existiu. O futurismo só foi interpretado nos anos 60 como verdade. Foi o único momento futurista em moda e em cultura. Nós nos sentimos mais confortáveis com as idéias e estéticas que já foram utilizadas. Hoje em dia é raríssimo uma pessoa que tem

Em 1942, com a mãe, e o pai, Michele

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Quando o então presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, baixou uma medida para reduzir as importações, no final da década de 1940, Gabriella Pascolato se viu obrigada a parar de vender os sapatos do italiano Salvatore Ferragamo, seu amigo pessoal. Já apaixonada por moda, conhecia as tendências que corriam pelo mundo. Naquele momento sabia, por exemplo, que as roupas passariam a ser mais femininas e que, para que se fizessem nelas as curvas que acompanhariam as silhuetas das mulheres, era necessário mais tecido. E já pensava: o Brasil precisaria de uma produção maior.Michele Pascolato, seu marido, tinha uma importadora. Soube de um navio com uma carga de tecidos italianos que, por causa de sua origem, haviam sido rejeitados - um boicote a produtos vindos da Itália, por causa da guerra. Michele comprou toda a carga com o dinheiro enviado da

coragem de ser diferente. O retrô foi moda no começo do novo século. Hoje, é bom evitar copiá-lo ipsis literis. Os estilistas procuram embrulhar as pistas, ou seja, usar várias décadas de referência numa mesma roupa, até transformar aquilo numa outra coisa. Eles querem despistar, porque não é o momento fashion de você reconhecer de que década é. Melhor ficar uma mistura. Mas evidentemente que os brechós estão na moda porque lá você encontra coisas exclusivas, e para especialistas ou para pessoas que gostam de moda e querem ser diferentes sem gastar fortunas em algum modelo exclusivo. Aliás, de exclusivo não tem mais nada, porque no luxo, o que era raro e caro só está caro. O retrô vai sempre existir, tranqüiliza as pessoas. O olho já acostumou. Quem cria e quem lança quer que as pessoas tenham vontade de usar. Então não adianta fazer coisas muito esquisitas, senão ninguém vai querer comprar.

A senhora acha possível, principalmente no Brasil, que se consolide o uso de tecidos de alta tecnologia na promoção da sustentabilidade? Com certeza dá para fazer. Mas o mundo está vivendo agora uma espécie de jardim-da-infância do conhecimento de como conseguir efetivamente essa sustentabilidade. Porque o pessoal pensa: "algodão orgânico, que maravilha, isso vai salvar o mundo". E não é bem isso. Você tem que ver todo o processo, o quanto é poluente, o quanto gasta de luz, água, o tempo de colheita. Uma fibra estética, tipo nylon, tem muitos ou quase todos os ingredientes para ser altamente sustentável, porque vai menos água, menos óleo de tingimento, não precisa ficar passando o tempo todo, para lavar é mais rápido. Esses cálculos estão sendo feitos agora e até que tudo seja economicamente viável, vai levar um tempo que talvez nem tenhamos. Isso já aconteceu bastante na Europa, nos Estados Unidos, simplesmente eliminaram todas as

Itália pelo pai de Gabriella, e o casal vendeu tudo rapidamente a profissionais da alta costura e decoradores.Gabriella viu nos tecidos uma direção para começar um negócio. E descobriu que colônias japonesas e alemãs do interior de São Paulo pagavam as dívidas que tinham com os bancos em fios de seda. Michele comprou a matéria-prima dos bancos, conseguiu um empréstimo, e abriu a fábrica. No livro Gabriella Pascolato - Santa Constância e outras histórias, Gabriella conta que o nome Santa Constância foi escolhido por três motivos. A maioria das fábricas de tecido da época tinham "Santa" no nome. O "Constância" veio depois. "Além de ser um jeito de usarmos o nome de nossa filha, já passava da hora de termos alguma constância nessa história", diz Gabriella, no livro.

Santa Constância

Na Santa Constância, tecelagem da família da qual Costanza (à direita) cuida desde que saiu da editora Abril. No centro, Gabriella

Beleza é estilo, muito mais do que o que você faz, como você se comporta... ainda mais na minha idade, o que eu vou fazer? Ficar me puxando? Arriscar a saúde

por uma ruga a menos?

indústrias têxteis e de confecção, mas estamos sendo invadidos pela China, que é "anti" qualquer coisa, não estão nem aí. O Brasil ainda está no início, mas é um país que pode aprender rapidamente.

Existe alguma coisa que ainda sonha em realizar na sua carreira?Muito. Em termos econômicos, não preciso de mais do que tenho. Meu sonho é ter muita saúde para continuar fazendo tudo isso. Tenho muita vontade de continuar investindo em conhecimento e aperfeiçoar a minha capacidade de organização do tempo, que é o grande luxo, para poder continuar aprendendo.

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Vinhos

Por Marcella Chartier e Fernando Homem de Montes

brasileiro. Atualmente, com pouco mais de 81 km² de área total, o Vale dos Vinhedos recebe cerca de 200 mil visitantes por ano. E além da atração de divisas e da bela figura feita por suas paisagens, em que o verde parece ter sido penteado para formar as linhas onduladas de videiras, a cada ano aumenta a fama do lugar, que é o único no país a ter o selo de Indicação de Procedência, desde 2001. Um adesivo nas garrafas confere ao vinho um respeito internacional inédito até então, garantindo que os vitivinicultores do vale conquistaram, com seus cuidados, uma alta qualidade (veja box ao lado). Entre essas garrafas estão as que carregam o sobrenome Pizzato, de um imigrante vindo da província de Vicenza, no Vêneto. Plínio, seu bisneto, tem 65 anos, bebe uma garrafa de vinho por dia e adora caminhar até cansar em seus parreirais, que a cada fileira têm uma roseira à frente, costume antigo para detectar a presença de pragas antes que seja tarde demais para eliminá-las. São 26 hectares (260.000 m²) que produzem uvas finas como merlot, cabernet sauvignon, chardonnay e tannat. Antes de 1999, ano em que a família começou a elaborar vinho para a venda, todo o fruto dos parreirais era vendido para outras vinícolas, como é feito ainda hoje pela maior parte dos agricultores na região. A Pizzato, inclusive, ainda faz isso, além de vender pequena parte de suas uvas para paulistas que produzem seu próprio vinho em casa.Logo na primeira vinificação, uma boa notícia pegou a família de surpresa: o Pizzato Merlot, lançado em setembro de 2000, foi eleito pelo 1º Guia de Vinhos Brasileiros o melhor do país nessa variedade. "Foi um choque, não esperávamos tanto logo no início. Tínhamos que segurar aquele nível", lembra Plínio. Antes, porém, que se pense o contrário, é bom registrar que o cuidado da Pizzato com o processo de produção de seus vinhos é exemplar - o que trouxe ainda mais prêmios, entregues por confrarias, revistas e guias de todo o Brasil. Em suas caminhadas pelos parreirais, Plínio mantém o olhar sempre vivo, observando minuciosamente cada cacho de uva, para que nenhum bago numa condição abaixo de excelente escape para a fermentação. "85% da qualidade do vinho depende de uma boa matéria-prima", afirma. Em fevereiro, época da colheita, a

Uma encosta de muitas flores pequenas e amarelas atrai a atenção de quem chega à entrada do Vale dos Vinhedos, entre as cidades de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul e Garibaldi, na Serra Gaúcha. As boas vindas já -impressionam pela fertilidade que enfeita aquela terra no ar quente do início de dezembro. Dali para adiante será uma estrada com placas padronizadas indicando vinícolas dos dois lados da pista. De dentro do carro, a sensação é a de que se trata de um caminho em que todas as curvas e mudanças de direção levam a destinos certeiros. Vinhos, sucos, queijos, doces e antiguidades esperam quem deseja encontrar os sabores, cheiros e aparências que ficam entre os parreirais. Os maiores responsáveis por esse cenário foram os vênetos, lombardos, trentinos e descendentes que, até hoje, fazem a vida nesse pedaço de "Mérica", como se dizia no final do século XIX, quando as promessas de uma terra própria no Brasil pós-escravidão trouxeram mais de 80 mil italianos para o Rio Grande do Sul (estado que responde por 90% da produção nacional de vinhos).O que se ouve pela região do vale não é sotaque italiano, nem gaúcho. É quase uma nova língua, que sai da boca de quem conversa em dialeto em casa e, mesmo fora dela, não abandona as expressões, vigorosas e cantadas, imiscuídas em um português em que o "tu" ainda é pessoa verbal e cada vogal é pronunciada com seu devido som. A prontidão para responder a uma dúvida ou indicar sugestões mostra não apenas as boas maneiras, mas também o quanto a região se preparou para ser um destaque do turismo

Nas pequenas vinícolas ou nas grandes empresas da Serra Gaúcha, o cultivo da uva e a produção do vinho são o sustento de famílias inteiras há gerações

O Vale dos Vinhedos recebe cerca de

200 mil visitantes por ano

A "Mérica" da colheita

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vigilância aumenta. Todos os frutos precisam ser retirados rapidamente, para que a concentração alcoólica não aumente e, como conseqüência, se alterem as características do vinho. Por isso, trabalhadores temporários são contratados para complementar o serviço dos nove agricultores fixos. Além deles, apenas mais cinco pessoas trabalham para fazer um dos melhores vinhos do país.

Pai, mãe e três filhos são os sócios, cada um com uma tarefa bem definida. Plínio mantém as mãos calejadas de agricultor, até porque ainda trabalha na terra, por gosto. Diva, sua esposa há mais de 40 anos, passa boa parte do dia colando os rótulos com o mesmo capricho com que, na época da colheita, arruma os dormitórios e prepara a feijoada dos trabalhadores, dividida na mesma mesa entre eles e a família. Doce,

Rumo à denominação de origemO selo de Indicação de Procedência passou a certificar garrafas de vinho originárias do Vale dos Vinhedos em 2001. Mas o caminho foi longo até essa conquista: começou em 1995, quando nasceu a Aprovale (Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos) e se iniciaram as conversas sobre os objetivos da entidade. "Queríamos desenvolver o turismo, o agronegócio e buscar uma denominação de origem controlada", explica Lidio Ziero, um dos fundadores e ex-presidente da Aprovale, e proprietário da Vinícola Cordelier - que fica na entrada do Vale, onde estão as flores amarelas citadas no início desta reportagem. As metas foram brilhantemente alcançadas. A Indicação de Procedência está a um passo da Denominação de Origem Controlada, concedida no mundo todo a produtos que passam por uma série de análises até que se comprove que suas condições de fabricação seguem padrões predeterminados, o que define excelente qualidade. "Foi difícil, no começo, fazer todos os proprietários de vinícolas entenderem que elas teriam que seguir regras para que pudéssemos tentar pedir o selo", afirma Lidio. As normas para a obtenção do selo exigem a comprovação da origem da uva, da forma de elaboração do vinho e de engarrafamento, além de rigorosos testes com as variedades de cada vinícola, incluindo degustações feitas por técnicos da Embrapa Uva e Vinho e da própria Aprovale. Além de atender às exigências, as vinícolas têm que ser associadas à instituição. Inicialmente, eram apenas seis. Hoje, são 31 (das mencionadas nesta matéria, apenas Salton -

localizada no distrito de Tuiuty - e Aurora - situada no centro de Bento Gonçalves - não possuem o selo em seus produtos, por não terem a vinícola instalada dentro do vale).A valorização das terras do Vale dos Vinhedos foi outra vantagem obtida por causa da conquista do selo. "Um hectare de terra valia dez, doze mil reais. Hoje se fala em 50 e até cem mil", conta Lidio. A quantidade de turistas por ano praticamente quintuplicou e as vendas dos vinhos certificados aumentaram cerca de 40%. Em fevereiro de 2007, mais um reconhecimento trouxe benefícios às vinícolas da Aprovale: o da comunidade européia, feito alcançado também pela região do Napa Valley, na Califórnia (EUA). "Antes, nossos vinhos entravam na Europa como vinhos de mesa. Passamos de vinho exótico a vinho de respeito, com nome da variedade, safra, região", diz Luiz Henrique Zanini, atual presidente da Aprovale. "E temos nossas diferenças em relação aos vinhos europeus, mas não precisamos ter o mesmo padrão deles. São essas diferenças que caracterizam nossa qualidade". Espera-se que, até 2010, seja concedido o selo de Denominação de Origem, que será o primeiro do Brasil.

"Um hectare de terra valia dez, doze mil reais. Hoje se fala em 50 e até cem mil", afirma Lidio sobre a valorização no Vale dos Vinhedos

O selo de Indicação de Procedência trouxe mais turistas e fez a venda de vinhos crescer cerca de 40%

As garrafas da Pizzato são rotuladas por Diva, esposa do proprietário da vinícola. À esquerda, a roseira no parreiral alerta para possíveis pragas na plantação

Fernando Homem de Montes

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preocupa-se em servir prontamente não apenas os vinhos da degustação, mas também um queijo da região cortado em cubos por ela própria. E mesmo passando pela dor de ter perdido um dos filhos em um acidente de automóvel 15 dias antes, mantém a ternura até na rotina de trabalho. Ivo Pizzato era enólogo, respeitado dentro e fora do vale, em especial pelos profissionais de todas as vinícolas da região, de quem se ouvem lamentos. Apesar da tristeza, a família logo continuou com as atividades diárias. Flávio, outro filho do casal, também é enólogo, e Jane, uma de suas duas irmãs, cuida da parte comercial da Pizzato, em São Paulo. Flávia Pizzato é diretora administrativa da empresa e, desde bebê, vive entre as parreiras. "Minha mãe me levava para a roça numa caixa de madeira, e me deixava na sombra enquanto trabalhava na lida", conta, orgulhosa da trajetória da família. Serena, recebe os visitantes e explica o funcionamento da empresa, sem deixar de lado o fato de que a relação com o vinho, ali, é uma mistura equilibrada de afetos e desafetos, mas com profissionalismo. O Concentus, vinho lançado em 2004 e o mais caro da Pizzato (R$ 39,00), leva esse nome porque seu significado é consenso, em latim, e seu corte (composição com as uvas escolhidas e suas quantidades) foi definido após muita discussão em um almoço de família. Plínio dá a receita: "Sabemos que não se pode dobrar a esquina antes de ver o perigo. Se alguém enxerga um problema em alguma idéia do outro, precisa dizer e oferecer outra melhor". Claro que a intenção dos Pizzato é de continuar e até aumentar o sucesso conquistado. Mas Plínio preocupa-se com que as direções da empresa não comprometam a qualidade do produto. "Tenho certeza de que não vamos crescer tanto, somos fechados", afirma. Ainda assim, seus vinhos já são reconhecidos no exterior. Exportam para a Suíça desde 2006 e, em novembro de 2007, 12 mil garrafas de todas as variedades foram enviadas para Nova York.

Ousadia inovadoraNa mesma época em que a Pizzato nasceu, também entrava no mercado a Lidio Carraro,

outra vinícola do Vale dos Vinhedos. E o proprietário, Lidio, também tem como sócios os membros da família. Teve sorte pelo fato de Isabel, sua esposa, ter desistido de ser freira após ter passado três anos e meio em um convento, ainda menina. A diretora administrativa da vinícola acabou se tornando professora e artista plástica, o que ajuda a explicar parte do olhar sensível que ela explora na hora de definir os caminhos da empresa. Na ocasião da escolha do rótulo das garrafas, a família toda se reuniu mais de uma vez para chegar a um consenso, o que estava difícil de acontecer. Isabel foi quem deu o empurrão final para que a situação se resolvesse. "Tínhamos que ter um rótulo clean, moderno, já que nossa proposta era nova e nascia na virada do milênio", lembra, mostrando cada detalhe do logo escolhido para ser a marca oficial da empresa.As inovações vão muito além do rótulo. "É na horizontal justamente para mostrar a posição em que a garrafa deve ficar, para que a rolha permaneça úmida, evitando a entrada de ar, que pode azedar o vinho", explica Patrícia Carraro, filha de Lidio e Isabel e responsável pelo marketing da empresa, em um vídeo publicitário exibido aos visitantes em uma sala de casa. Ele reflete bem a ousadia aplicada desde o início da história da vinícola, mesmo sem a certeza de que tudo daria certo. A família investiu o que tinha e o que não tinha para realizar o sonho de produzir vinhos top de linha (o mais caro, Nebbiolo, custa R$120,00). "Foi uma loucura mesmo, mas a gente sabia o que queria, pensando que aquilo ia ter que acontecer", afirma Isabel. "Para concorrer com tantas vinícolas que já tinham se estabelecido por aqui, tínhamos que ter um diferencial. E nosso objetivo era produzir um vinho de boutique". Foram pelo menos dois anos de sono sem sossego, por causa da busca ferrenha por qualidade, o que muitas vezes trouxe prejuízos. No parreiral da Lidio, a produção é bem menor do que em muitas outras vinícolas da região, já que é feita uma seleção dos melhores brotos e o descarte dos que apenas apresentem condições regulares. "Assim, existe menor

"Tínhamos que ter um rótulo clean, moderno, já que nossa proposta era nova e nascia na

virada do milênio", explica Isabel Carraro.À direita, o chamado choro da videira, que

ocorre logo após a poda do inverno,

derramando seiva

Existem três formas de plantio no vale:

espaldeira (a 1ª, da Lidio Carraro,

proporciona uva finas de melhor qualidade);

em Y (a 2ª, da Aurora, de eficácia intermediária

na produção dessas uvas); e latada (a 3ª,

também da Aurora, é usada para

uvas americanas)

Divulgação: Lidio CarraroMarc

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competição pela luz do sol entre os cachos", explica Juliano Carraro, irmão de Patrícia, enólogo e diretor comercial da Lidio.As terras cultivadas do vale somam um total de 7 hectares, de onde sai parte da produção. O restante vem de uma área de 30 hectares implantados em Encruzilhada do Sul, na serra do sudeste do estado. Juliano expressa seu envolvimento profundo com cada detalhe das etapas que vão do plantio à colheita. Enquanto explica, não tira o olho de cada broto, recolhendo folhas secas ou cachos inteiros. E a Lidio Carraro tem um elemento a mais em relação a outras vinícolas no que diz respeito às causas das diferentes nuances de cada variedade de vinho: os quatro tipos de solo. Lado a lado, fileiras de parreiras estão plantadas em terras de cores distintas. De um lado, é alaranjado; de outro, acinzentado. Na hora de criar o corte com os tipos de uva, o tipo de solo também é considerado, já que causa mudanças notáveis no resultado final. "A Mônica (também enóloga e diretora técnica da empresa) começou o desenvolvimento de pesquisas do nosso terroir (a relação dos elementos do solo com o clima que determina as características da uva e do vinho) e notou que a estrutura da bebida e suas características mudam bastante", explica o enólogo. Os resultados da pesquisa foram além do esperado. Logo no lançamento das primeiras vinificações, os vinhos da Lidio foram os primeiros do Brasil a ser vendidos no duty free dos aeroportos internacionais, o que deu uma visibilidade para a marca também no exterior e abriu chances de comercialização com outros países. Mas, por enquanto, a exportação é direcionada apenas para a República Tcheca. "Nosso objetivo é, primeiro, fazer um ótimo serviço com o público que já conquistamos", define Juliano. No ano passado, a Lidio Carraro

foi escolhida para lançar uma linha exclusiva para os jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, mais uma grande vitória que conferiu um aumento de 40% no faturamento da empresa. "Queremos exclusividade, além de desenvolver um relacionamento direto com o consumidor para que ele conheça quem produziu", completa o enólogo.

Tradição e modernizaçãoUm casarão branco no distrito de Tuiuty, a 12 quilômetros do centro de Bento Gonçalves, ostenta em letras douradas a fachada da vinícola que vendeu 2 milhões de caixas de vinhos em 2007 e teve um faturamento de 160 milhões de reais - 20 milhões a mais do que em 2006. A entrada suntuosa, com um jardim decorado detalhadamente em formas geométricas e um vasto gramado verde, é da matriz da vinícola Salton, que tem em seu projeto 33 milhões de reais já investidos em obras e equipamentos de última geração.A história dessa grande empresa começou em 1878, com a chegada da família Salton à região de Bento Gonçalves, trazendo mudas de vinhas da Itália. Em 1910, os seis irmãos se associaram para abrir a Paulo Salton - Armazéns Gerais, que passou a se chamar Paulo Salton & Irmãos, quando as videiras cultivadas desde a chegada começaram a produzir em quantidade suficiente para que fosse tomado o rumo da elaboração de vinhos, espumantes e vermutes. Os negócios foram progredindo até que, em 1948, foi fundada uma matriz em São Paulo, capital, para atender à demanda crescente de produtos em todo o Brasil. Hoje, a antiga matriz paulistana é filial da empresa, ainda administrada pela família. O sistema de visitação da Salton é profissional e aberto a turistas. O passeio pela enorme fábrica começa na área em que as uvas chegam. Apenas 5% dos parreirais que produzem uvas para a empresa são de sua propriedade. O restante pertence a produtores autônomos. Quem entrega

Em 130 anos de história, a Salton cresceu e se modernizou. Acima, instalações da matriz em Tuiuty, a 12 km de Bento Gonçalves

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ação: Salton

Fernando Homem de Montes

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uvas de melhor qualidade recebe um bônus da empresa, o que ajuda na fidelização do fornecedor. Depois da seleção, as uvas vão para tanques com prensas pneumáticas, onde se faz o mosto, macerado na fermentação, que dura de quatro dias a duas semanas, dependendo do tipo de vinho. "A temperatura é rigorosamente controlada, porque é o calor que faz com que as leveduras presentes no vinho liberem toxinas que não podem ser excessivas", explica o enólogo Vinícius Santiago. Posteriormente, filtros a vácuo tiram as impurezas da mistura, distribuída nos 260 tanques de inox, que armazenam 16 milhões de litros de vinho. Tudo isso descansa depois, por períodos variáveis de acordo com o tipo do vinho, em carvalhos posicionados na cave (espécie de porão com temperaturas mais baixas).Toda a estrutura da empresa é vista de cima, das passarelas dispostas para a passagem dos visitantes. Além da presença de turistas, crianças do Projeto Educar Salton - que visa à educação ambiental dos mais jovens -, após o passeio por dentro da vinícola, conhecem a estação de tratamento de efluentes da empresa, onde os líquidos utilizados passam a ter condições para o reaproveitamento. Apesar de os vinhos finos da Salton serem dos mais famosos do Brasil, a linha de produtos abrange também vinhos de mesa (feitos a partir de uvas de origem americana, não européia, como as finas), suco de uva, espumantes, licorosos e o conhaque Presidente - este último representa 42% do faturamento da empresa.Na Vinícola Miolo, que disputa com a Salton o posto de maior do Brasil, a linha de produtos oferece apenas vinhos finos. Entre eles, o chamado Lote 43, que tem esse nome devido ao início da história da vinícola. Em 1897, chegou ao Brasil o vêneto Giuseppe Miolo, que comprou um lote de terra com esse número no Vale dos Vinhedos. As mudas de uvas fina trazidas da Itália foram comercializadas até 1989, quando a família abriu a vinícola Miolo. "Até 1993 eu ainda trabalhava na terra", conta Antonio Miolo, de 53 anos, hoje diretor comercial da empresa, que pertence à 3ª geração da família no Brasil. Para ele, que hoje ocupa uma mesa do escritório da bela matriz da empresa, a ligação com a terra é para a vida toda. "Ontem mesmo peguei meu carro pra ir até uns parreirais. A terra faz bem pro cara que gosta dela", afirma.A Miolo tem hoje, além dos vinhedos na Serra

Gaúcha, outros na Campanha Gaúcha, nos Campos de Cima da Serra e no Vale do Rio São Francisco, na Bahia. "As terras aqui no Vale dos Vinhedos se tornaram muito caras, não se tem mais tanto retorno. Por isso partimos para outras regiões", conta Antonio. A maior parte das uvas é comprada de agricultores parceiros, cerca de 80 famílias apenas na região da Serra Gaúcha. A expansão por outros territórios faz da Miolo uma das vinícolas que mais têm crescido no Brasil em seu segmento de vinhos finos, detendo 30% do mercado de vinhos nacionais e exportando para 23 países - sendo os Estados Unidos os principais importadores. Nada mal para quem já trabalhou na terra de botas furadas. "Na primeira safra, foi assim. Meu pai sempre chuleava a bota porque não tínhamos dinheiro para comprar uma nova. E usávamos carroça, não trator", lembra Antonio, que acredita numa única justificativa para o sucesso da Miolo: trabalho esforçado.Na loja situada na matriz, encontram-se bolsas, malas, geladeiras, camisetas, cosméticos feitos à base de uva e também vinhos chilenos e espanhóis. Trata-se de duas joint ventures realizadas com empresas internacionais, ou seja, enquanto a Miolo vende os produtos delas por aqui, o mesmo acontece com os brasileiros por lá. "É bom não apenas porque passamos a ter uma variedade maior para oferecer aos nossos consumidores daqui, mas também porque colocamos o nosso produto no exterior. E mesmo no Brasil, quando se diz que estamos exportando, a impressão causada nos clientes é muito boa", explica Antonio, sem deixar de apontar a reclamação que todos os proprietários de vinícolas pelo vale fazem: "a tributação do vinho nacional está muito alta". Por isso muitos vinhos importados (até de qualidade inferior) acabam se destacando na escolha dos clientes, já que são vendidos a preços mais baixos. E ainda é forte a falsa idéia de que o Brasil não é um país de tradição vitivinicultora. As garrafas estrangeiras ganham a preferência do consumidor.

A cooperativa da uvaDepois de cerca de 15 minutos de estrada de terra partindo de Bento Gonçalves, vê-se um quiosque ladeando um pequeno lago, carneiros e uma cerca que os separa das duas éguas, cachorros e gatos que ocupam o espaço em volta da casa de Raimundo Zucchi, um agricultor de 47 anos. A timidez inicial do produtor de uva com a pele cheia de sardas - resultado de uma vida de trabalho sob o sol - some para que ele ofereça um pouco do vinho próprio, produzido para o

Antonio Miolo trabalhava como agricultor até

1993 e hoje é diretor comercial da empresa.

Abaixo, os carvalhos onde os vinhos adquirem

aromas de acordo com a origem da madeira,

e a cave do Lote 43. Ao lado, as antigas pipas,

substituídas pelos tanques de inox

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consumo em casa. Da garrafa sem rótulo que ele abre animadamente, sai o sabor doce da bebida feita da uva de origem americana que ele mesmo plantou. Na casa em que vive com a esposa, dois filhos, uma irmã, uma sobrinha e a mãe, uma espécie de porão abriga, além dos galões do vinho próprio que faz também para um parente, um barril antigo, de madeira, com seu sobrenome escrito à tinta. "Esse era usado pelo meu pai para carregar uvas", diz Raimundo. Pai a quem obedecia na infância, desde os 4 anos, quando já acompanhava o resto da família todos os dias no cultivo da terra. "Nessa época, o que eu fazia era levar o café-da-manhã embaixo dos parreirais, com salame, queijo, pão, café e leite", lembra.O agricultor representa uma das 1.300 famílias associadas à Vinícola Aurora. Por ser uma cooperativa, a Aurora possui um funcionamento diferente em relação às outras vinícolas da região. Os produtores entregam suas uvas exclusivamente a ela e recebem parte dos lucros gerados com as vendas dos vinhos tintos e brancos, finos e de mesa, espumantes, sucos de uva, brandy e uma bebida gaseificada de baixo teor alcoólico. Além de terem todos os anos a garantia de que suas uvas serão compradas, eles contam com o suporte técnico de agrônomos e enólogos, especialistas que os orientam e tiram suas dúvidas durante o ano todo. "Tem associados que vivem da uva, outros que recebem apenas R$200,00", conta Zeferino Riboldi, presidente do Conselho de Administração da Aurora. Apesar da variedade, a média de produção é de 50 mil kg de uva por safra anual, como é o caso de Raimundo, que recebe por isso um pagamento que se aproxima de 30 mil reais.A Aurora existe desde 1931, quando foi criada

À esquerda, os tanques de concreto da Aurora, que eram usados para misturar o mosto das uvas. Hoje, os tanques são de inox. À direita,o processo champegnoise de produção de espumantes (a fermentação ocorre dentro da garrafa)

por um grupo de 16 famílias de Bento Gonçalves, e é hoje a maior cooperativa vinícola do Brasil, com três unidades na região da cidade e uma produção de cerca de 38 milhões de litros de vinho por ano - que são transferidos de uma unidade à outra por meio de 4.500 metros de tubulações no subsolo, o chamado vinhoduto. Tudo alimentado pelos frutos dos associados.O pai de Raimundo também era agricultor associado à Aurora, e o produtor garante que seu filho, hoje com 16 anos, seguirá cultivando a terra que hoje dá o sustento da família. "Meu pai dizia que isso aqui não podia ser vendido nunca e assim fui passando para o meu filho. Mas não quero que seja sua fonte de renda. Tô vendo que no futuro ou tu é grande, ou não é nada", lamenta.

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Das caravelas ao milagre econômicoApesar de as uvas européias hoje cultivadas na Serra Gaúcha terem chegado ao Brasil pelas mãos de italianos que trouxeram suas mudas, o vinho apareceu pela primeira vez por aqui séculos antes. Nas caravelas portuguesas, a bebida veio em quantidade suficiente para abastecer os 1.500 tripulantes, armazenadas em pipas de castanho português. Mas a utilização do vinho se restringia à celebração de missas e à purificação contra pestilências.Em 1530, na expedição de Martim Afonso de Souza para ocupar o Brasil - que estava sendo invadido pelos franceses - veio o vitivinicultor Brás Cubas. Foi ele o responsável pelo plantio das primeiras uvas finas, no planalto de Piratininga. A procura era grande, o que já fez do vinho um artigo de luxo, contrabandeado desde o final do século XVII de Piratininga para o Norte e Nordeste do Brasil. Já em 1710, pagava-se mais de meio quilo de ouro por no máximo 5 litros da bebida.Depois que os italianos se instalaram na região Sul do país, em apenas nove anos de cultura a

produção de vinho em Bento Gonçalves e Garibaldi chegou a mais de 5,5 milhões de litros - o que já era muito por ser feito de forma artesanal. No início dos anos 70, o milagre econômico (reflexo de um crescimento acelerado da economia) ocorreu também no setor de vinhos. Desde 1964, empresas multinacionais como a Möet & Chandon, a Almadén e a Martini & Rossi se instalaram na Serra Gaúcha e na Campanha, próxima ao Uruguai, trazendo variedades viníferas e tecnologia. Isso exigiu maior dedicação das vinícolas por aqui não apenas pela competitividade, mas também porque muitas dessas empresas começaram a comprar uvas de produtores locais. A francesa Chandon, por exemplo, se instalou em Garibaldi para produzir espumantes brasileiros de qualidade admirada no Brasil e no exterior. O Excellence, considerado por críticos e associações o melhor espumante do país, tem em sua composição uvas dos parreirais da região.

Raimundo Zucchi representa uma das 1.300 famílias associadas à Aurora

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Futebol

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O Palestra que sabe ser brasileiro Histórias do maior clube italiano de futebol do Brasil

Por Pedro Belo

Era o jogo da vida do goleiro Oberdan Cattani. Naquele domingo, 20 de agosto de 1942, o Palmeiras entrava em campo pela primeira vez. Oberdan vinha à frente do time, segurando em uma de suas mãos a bandeira do Brasil. Nunca a estréia de um time de futebol seria tão vaiada.

" "Sob a alcunha de inimigos da pátria , os alviverdes pisaram no gramado do Pacaembu.A semana anterior havia sido complicada para os jogadores, dirigentes e membros do Palestra Itália, que enfrentavam uma ferrenha perseguição. Por carregar o nome e as cores do país governado por Benito Mussolini, o Palestra passou a ser vítima de uma campanha feroz de alguns setores

da imprensa e da opinião pública. O contexto era hostil. A ditadura do Estado Novo se encontrava em seu auge. O ano de 1942 marcou o envolvimento do Brasil na II Guerra Mundial, no bloco dos aliados e contra os chamados países do eixo: Alemanha, Itália e Japão. De forte caráter nacionalista, o governo Vargas baixou um decreto-lei obrigando lojas, restaurantes, clubes e todos os tipos de instituições com nomes referentes ao "inimigo" a trocarem suas denominações. O não-cumprimento do decreto poderia resultar na perda de patrimônio. "Transferiu-se uma guerra ideológica para o campo do esporte. O Palestra nada tinha a ver com o fascismo. Mas poderia ter seu patrimônio destituído de acordo com o decreto nº 4.166, que tomava o patrimônio como reparação a atos de agressão ao Brasil na guerra", explica o jornalista Fernando Razzo Galuppo, autor de uma tese de pós-graduação em História, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, sobre a mudança de nome do clube (Palestra Italia – Palmeiras: um sonho vítima da intolerância). Ameaçados, os palestrinos já haviam mudado seu nome para Palestra de São Paulo, e continuavam a jogar o Campeonato Paulista daquele ano. Entretanto, o forte vínculo do passado do clube com a palavra "palestra" ainda incomodava a opinião pública e o governo. No dia 14 de setembro, o então Palestra de São Paulo foi ameaçado pela última vez. Teria que mudar seu nome de maneira definitiva. A diretoria se reuniu às pressas e decidiu homenagear um clube já extinto, com o qual o Palestra manteve bons relacionamentos: a Associação Atlética das Palmeiras. A diretoria adotou um nome próximo: Sociedade Esportiva Palmeiras. O nome era

A equipe do já chamado Palmeiras, em 1944.

Até meados de1942, o clube ainda levava o nome de

Palestra Itália

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perfeito, fazia referência a uma árvore tipicamente brasileira e ainda mantinha uma das iniciais do clube. O time só teve o trabalho de retirar o "I" de seu distintivo e a cor vermelha de seu uniforme. Pouco depois, no final da década de 1940, Antônio Sergi compôs o Hino do Palmeiras, identificando-o como um clube legitimamente alviverde que "sabe ser brasileiro". Quando ficou sabendo das mudanças, Oberdan Cattani chorou. "Nós estávamos concentrados em Poá (SP) havia mais ou menos uns 30 dias porque o clima em São Paulo estava pesado. Quando me falaram do que tinha acontecido, eu chorei. Lá mesmo na concentração. É que nasci palestrino. Até hoje me considero muito mais palestrino do que palmeirense".

Dia de decisãoSeis dias depois das mudanças, o Palmeiras entraria em campo para uma partida decisiva. O adversário era o São Paulo Futebol Clube,

equipe em franca ascensão, que buscava seu primeiro título paulista. O detalhe é que o São Paulo e seus dirigentes estavam entre os principais difamadores do Palestra. "O São Paulo Futebol Clube era um clube inexpressivo na época. Mas ganhou muita força por meio da perseguição e da negação do Palestra Itália, afirmando-se como um clube legitimamente brasileiro e patriótico. Muitos já nem consideravam o São Paulo como um rival, e sim como um verdadeiro inimigo", afirma Galuppo. "Os são-paulinos queriam de todo jeito um estádio próprio e, por isso, estavam de olho na punição a ser dada ao clube italiano, no caso a destituição do patrimônio. Se isso acontecesse, o campo do Parque Antarctica, que havia sido adquirido pelo Palestra em 1920, provavelmente seria leiloado, e o São Paulo Futebol Clube era o principal interessado", explica. Segundo Galuppo, o São Paulo iniciou uma verdadeira campanha para difamar o Palestra Itália. Por meio da Rádio Record e de seu

Pedro

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O Palmeiras entrou em campo acompanhado

por um capitão do exército, já que a

segurança do time, que acabara de mudar

de nome, estava comprometida.

No episódio, conhecido como "Arrancada

Histórica", o Palmeiras levou o título de Campeão

Paulista, o primeiro conquistado com o

novo nome

Os tempos de "Academia de Futebol",

quando o Palmeiras recebeu esse apelido da imprensa por dar

shows de bola a cada partida

presidente, Paulo Machado de Carvalho, então dirigente do clube tricolor, os são-paulinos convocaram o povo para que fosse torcer contra os "espiões" e "traidores da pátria". O Palestra Itália havia, até então, morrido invicto no Campeonato Paulista daquele ano. Precisava de uma vitória simples contra o time do São Paulo para se sagrar campeão do torneio. O Palmeiras entrou em campo, pela primeira vez, acompanhado pelo então capitão do exército Adalberto Mendes, enviado para manter a ordem no clube. A torcida, que esperava receber os ex-palestrinos de maneira hostil, foi surpreendida pelo que viu. O time do Palmeiras, que entrava em campo com Oberdan, Junqueira, Begliomini, Og Moreira, Del Nero, Cláudio, Valdemar Fiúme, Villadoniga, Lima e Echevarrieta, levava a bandeira brasileira. O episódio, que ficou conhecido como "Arrancada Histórica", fez alguns segurarem suas vaias. O primeiro tempo terminou disputado, com o recém-criado Palmeiras na frente do placar, por 2 a 1. Aos 14 minutos do segundo tempo, o argentino Echevarrieta ampliou a vantagem para

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acervo histórico Palmeiras

o alviverde. Tudo indicava uma vitória arrasadora dos palmeirenses. Aos 19 minutos, o zagueiro tricolor Virgílio fez um pênalti em Og Moreira. "Nessa hora, o Luisinho do São Paulo não deixou que nós cobrássemos o pênalti. Pegou a bola, colocou de baixo do braço e foi embora com os outros jogadores. O juiz esperou o tempo do jogo acabar e encerrou a partida", lembra Oberdan. Com o São Paulo saindo de campo antes da hora, o Palmeiras foi o campeão em sua primeira partida disputada. "Foi sem dúvida a partida mais inesquecível para mim, por tudo que havia acontecido antes", conta Oberdan.

Ídolos históricosOberdan Cattani foi o primeiro goleiro a tomar um gol pelo Palmeiras. Foi também um exímio guarda-rede, considerado um mito entre os palestrinos e palmeirenses. Com uma estatura de apenas 1,78 m, o ex-goleiro se destacou pelo tamanho espantoso de suas mãos. "Eu também tinha uma impulsão impressionante", conta. "Pulava mais do que muito atacante". Oberdan é até hoje considerado o maior goleiro de toda a história do Palmeiras. O arqueiro defendeu as metas palestrina e palmeirense por 15 anos, e sempre chamou a atenção por sua regularidade. Filho de pai italiano e mãe brasileira, Oberdan Cattani nasceu em Sorocaba. Trabalhou como ajudante de caminhoneiro e jogou no Fortaleza e no São Bento, ambos de sua cidade natal. "Eu sempre fui palestrino. A família toda era. Eu tinha um sonho de jogar lá. Quando ia a São Paulo, assistia ao jogo atrás do gol do Palestra e falava brincando: 'Ainda vou jogar ali'. Um dia, fiz um teste com mais 14 goleiros. Fui escolhido e só saí em 1956".Oberdan saiu do Palmeiras por problemas com a diretoria da época e foi contratado pelo Juventus, clube onde encerrou sua carreira. "Talvez por ser também um clube de italianos, eu tenha me sentido tão bem por lá. Eu era muito querido e muito bem tratado no Juventus". Aos 88 anos, o ex-goleiro é conselheiro vitalício do Palmeiras e um dos maiores ídolos do time paulista. "Tive alguns problemas com alguns diretores incompetentes na minha época, mas do Palmeiras eu nunca guardei mágoas". Carioca e sem ligações familiares com a Itália, o centroavante César Augusto da Silva Lemos também é considerado um dos maiores ídolos do alviverde. Conhecido pelo apelido de "César Maluco" nas décadas de 1960 e 1970, o ex-jogador começou a carreira no Flamengo e foi para o Palmeiras em 1966. "Eu cheguei aqui pra revolucionar, né? Sabe como é, sou carioca, praiano... Antes de mim o Ademir da Guia fazia um golzinho e o pessoal comemorava um pouco e acabou. Eu não! Saía correndo, subia no alambrado e vibrava!", diz. César é o segundo artilheiro da história do Palmeiras.

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César Maluco, ex-jogador das décadas de 1960 e 1970, é o segundo artilheiro da história do Palmeiras. Hoje, César tem um programa de entrevistas no Canal São Paulo

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O ex-centroavante fez 184 gols com a camisa do time alviverde, ficando atrás somente do lendário Heitor, que atuou no Palestra Itália das décadas de 1910 e 1920 e cuja marca impressionante de 284 gols com a camisa do clube nunca foi ameaçada.Contemporâneo de Ademir da Guia, o maior ídolo da história do Palmeiras, César Maluco fez parte da chamada "Academia de Futebol", esquadra que recebeu esse apelido da imprensa por dar verdadeiras aulas de como jogar. A famosa academia palmeirense era um dos únicos times a fazer frente ao lendário Santos de Pelé nas décadas de 1960 e 1970. "Eu fui tetracampeão brasileiro no Palmeiras. Ganhei dois Campeonatos Brasileiros e dois 'Robertão'. Fui artilheiro nos dois", conta César, referindo-se ao Torneio Roberto Gomes Pedrosa, que antecedeu à criação do Campeonato Brasileiro. Por ser muito menos "comedido" que seus companheiros de time, César recebeu o apelido de César Maluco, do qual não gostava, mas aceitou. Ousado e polêmico, o jogador protagonizou casos históricos no futebol brasileiro. Durante um clássico entre Palmeiras e Corinthians, ao demorar na cobrança de uma falta, foi expulso pelo árbitro e teve uma reação bastante incomum. "Eu falei pro juiz: 'Se me expulsar eu levo a bola embora!'. Naquele tempo só havia duas bolas em campo, e a outra um torcedor já tinha pegado. Ele me expulsou, eu peguei a bola e fui para o vestiário. O jogo ficou parado por 20 minutos e eu fui suspenso por duas partidas". César também ficou conhecido por suas provocações contra os adversários, o que ainda faz bastante em seu programa semanal de entrevistas, o "César Maluco na Área", no Canal São Paulo. Ao falar sobre o Corinthians durante uma entrevista realizada antes do rebaixamento do clube, César tirou sarro do arqui-rival do Verdão: "Cuidado com a segundona, irmão!". Atualmente César é conselheiro do Palmeiras e freqüenta o clube de terça a domingo. Extrovertido e bem-humorado, está sempre sentado nas mesas dos sócios mais tradicionais do clube, geralmente os descendentes de italianos. "Eu tive uma oportunidade de ouro aqui no Palmeiras e fiz uma passagem gloriosa pelo clube. Me identifico muito com o time e com a torcida, e acho que ainda tenho muito a oferecer ao Palmeiras, não como técnico ou treinador, mas como diretor de futebol, para contratar e acompanhar os jogadores". Em jogos do Palmeiras no Parque Antarctica, César tem presença garantida. Dia de jogo no Palestra Itália é dia de diversidade. Famílias inteiras, casais, crianças, membros de torcidas organizadas, senhoras, japoneses, negros, brancos, mulatos, e claro, italianos e respectivos descendentes estão sempre presentes, normalmente lado a lado, sobretudo se o jogo for

em uma tarde de domingo. O Palmeiras cumpre aquilo que prometeu em seu estatuto, assinado em 1914: o clube está sempre aberto a qualquer um que esteja interessado, independentemente da origem, da cor, ou do credo. O Palestra começou com o intuito de reunir os "filhos do país e de

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Oberdan Cattani, que hoje tem 88 anos e é conselheiro vitalício do Palmeiras, foi um

os maiores ídolos do clube. "Eu sempre fui palestrino.

A família toda era. Eu tinha um sonho de

jogar lá", conta.

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outras nacionalidades", o que até hoje continua fazendo.

Torcida que canta e vibraA atmosfera agradável dos jogos do Palmeiras, somada à paixão pelo time, seduz e já seduziu milhares de torcedores. Um deles é José Pedraci Junior, o Juninho da "Pork´s", fundador e ex-presidente da torcida organizada Pork´s. Com 37 anos, casado e pai de dois filhos, o vendedor autônomo dedica muitos de seus fins de semana

à organização da torcida. "A torcida é nosso lazer e diversão. Mas também é coisa séria. Nós somos viciados em futebol, e principalmente loucos pelos jogos do Palmeiras", afirma. Juninho começou a torcer filiando-se à Torcida Uniformizada do Palmeiras (TUP) em 1987. A Pork´s foi criada por ele e mais 13 amigos em 1991. "Na TUP eu era só mais um. A Pork´s é uma coisa que a gente criou, a gente toma decisões, a gente decide os rumos. Ainda mantemos amizade com as outras torcidas, mas a Pork´s é muito mais a nossa cara", explica o torcedor. O nome da torcida faz referência ao apelido dado aos torcedores palmeirenses pelos rivais corintianos. Os palmeirenses adotaram o apelido e hoje até se vangloriam, gritando sempre "Dá-lhe Porco!".Desde o começo, os membros da Pork´s utilizavam dinheiro próprio para lidar com as despesas da organização. "No começo minha sogra costurava bandeiras pra gente. Juntávamos dinheiro e íamos fazendo o material. Hoje temos torcedores que pagam uma mensalidade de R$ 10,00. Se a mensalidade estiver em dia, o torcedor tem benefícios para comprar ingressos com mais facilidade". A Pork´s tem cerca de 1.500 membros, entre associados que têm cadastro e filiação, e não-associados, que apenas acompanham os jogos ao lado da organizada.Fanático, Juninho garante que nunca teve problemas em casa por causa de sua torcida. "Minha esposa diz que eu fiquei retardado pelo Palmeiras. E é verdade. Mas a prioridade é minha família. O mais importante é estar tudo bem com eles, depois disso, sim, vem o Palmeiras", garante. Sobre a escolha do time dos filhos, Juninho assume: "Aqui em casa eu forcei todo mundo a ser palmeirense mesmo!" Pai de um menino de 5 anos e de uma menina de 9, o torcedor acha que a paixão pelo time é algo que se passa de pai para filho. "Eu sou palmeirense por causa do meu pai. Tive um bisavô italiano e isso deve vir daí. É como se fosse uma tradição, algo que você cultiva e tem motivos para passar adiante porque quer manter". Com sua tradição italiana e sua mistura tipicamente brasileira, o Palmeiras consegue manter sua torcida apaixonada e sempre interessada por sua história e seu passado especial e particular. O futebol está incluso, pois o clube já viveu grandes e inesquecíveis momentos, mas o charme e o carisma de um clube popular e querido chamam a atenção dos torcedores. O Palmeiras é alviverde, mas em muitos momentos sua torcida ainda utiliza as cores vermelha e amarela do antigo Palestra Itália, realizando de vez o desejo de seus fundadores, numa mistura perfeita entre a Itália e o Brasil.

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Quando perguntam ao jornalista mineiro Plínio Barreto, de 85 anos, se ele é cruzeirense, ele

" "responde: Sou palestrino! . A atitude é similar à dos antigos torcedores do Palmeiras, que também se identificam como palestrinos. O motivo é simples: o Cruzeiro Esporte Clube, um dos principais clubes de Minas Gerais e do Brasil, também já se chamou Palestra Itália. O Palestra mineiro, no entanto, foi fundado pela colônia italiana de Belo Horizonte em 1921, inspirado pela criação daquele Palestra paulista, criado em 1914. Havia ainda um Palestra Itália paranaense.

esteEm 1971, clube se juntou a outros dois formando o Colorado Esporte Clube, time que mais tarde daria origem ao atual Paraná Clube. Plínio se recorda da primeira vez em que foi ao estádio, aos 7 anos. O jogo era entre o Palestra Itália mineiro e o América de Minas. "Não me lembro o placar do jogo, nem nenhum nome de jogador. O que me chamou a atenção foi aquela camisa verde bonita com punhos vermelhos. Foi amor à primeira vista", lembra. Em 1942, o Palestra mineiro passou pelos mesmos problemas do paulista e teve que trocar o nome

os 93 anos, Ernesto Paulella se vê obrigado Aaprender música. Para ele é um dever estudar a

violão. Onde já se viu o 'Arnesto do Samba' não "entender de música? , diz. Eu tocava violão nas " "rádios na década de 1930, mas naquela época tocava de ouvido, não entendia nada. Hoje eu tive a decência de estudar e aprender . Foi na Rádio "Record, onde foi tocar a convite da cantora Nhá Zefa, que conheceu Adoniran Barbosa, o já famoso sambista paulistano. O Adoniran me "pediu um cartão e já foi logo me apelidando: 'Você é o Arnesto'. Eu não entendi nada. Logo depois ele já veio falando: 'Arnesto é melhor. Arnesto dá um samba. Eu vou fazer um samba com o teu nome, você aduvida?', Eu respondi pra ele que já não aduvidava mais de nada, e ele deu risada . "Nessa época, assim como diz a música, Ernesto ainda morava no Brás. Mas em 1955, quando escutou a música pela primeira vez, já morava na mesma casa em que vive hoje, no bairro da Mooca, próximo à Rua Javari. Filho de italianos, Ernesto Paulella se considera um palmeirense de família e tradição, mas, como bom residente da Mooca, tem uma simpatia imensa pelo Clube Atlético Juventus. "O Juventus é um time que está no meu coração. Eu sempre ia assistir jogos aos domingos. Era aqui do lado! Uns dois ou três blocos. Não custava nada ir e era uma boa diversão", conta. Fundado pela colônia italiana da Mooca, o Clube Atlético Juventus chamava-se Extra São Paulo, até ser adquirido por membros da família Crespi, proprietária do cotonifício Rodolfo Crespi.

Palestrinos do Cruzeiro e as cores. O nome escolhido foi Ypiranga, mas sua primeira partida acabou em uma derrota para o principal rival, o Atlético Mineiro. "Não deu certo, tivemos que mudar o nome de novo!", brinca Plínio. A diretoria do clube escolheu então o nome Cruzeiro, reverenciando a famosa constelação. A principal cor não poderia ser outra, o azul, para simbolizar o céu. Coincidência ou não, o clube ostenta hoje a cor do manto da Azurra, seleção nacional italiana, que utiliza o azul em referência à Casa Real de Savóia. "Ficou lindo do mesmo jeito", se admira Plínio.Plínio é filho de mãe italiana e pai brasileiro. Jornalista há 61 anos, escreveu em parceria com o filho, Luiz Otávio Tropia Barreto, o livro De Palestra a Cruzeiro – uma trajetória de glórias. Palestrino e cruzeirense, Plínio é também um torcedor fervoroso. Mas não freqüenta mais estádios e quase não acompanha jogos por rádio ou televisão. "Fico muito tenso. Hoje em dia eu ainda prezo muito pelo Cruzeiro, mas prezo mais pelas minhas coronárias", afirma.

O Arnesto mora na MoocaHá quem diga que o time mudou de nome porque o conde Rodolfo Crespi era um entusiasta da famosa Juventus de Turim. A cor inicial escolhida seria o roxo, para homenagear a Fiorentina, clube de Florença muito admirado por seu filho. O roxo teria passado por constantes mudanças até chegar ao atual grená. Outros dizem que o conde teria pedido a um amigo que trouxesse da Itália camisas alvinegras do Juventus de Turim, para que fosse formada uma esquadra completamente inspirada no time italiano. O amigo teria se confundido e comprado um jogo de camisas grená do arquirival da Juve, o Torino. O Clube Atlético Juventus é hoje uma das mais tradicionais equipes do futebol paulista. Ficou conhecido como o "Moleque Travesso" por sempre aprontar para cima dos grandes da capital. Possui uma torcida pequena, porém muito tradicional, composta principalmente por descendentes de italianos, como Ernesto Paulella, que já presenciou, no "palco" da Rua Javari, façanhas como um dos gols mais famosos da história de Pelé. "Ele veio desde o meio de campo com a bola, chapelou o primeiro, mais dois zagueiros, e chapelou também o goleiro, que na época era o 'Mão-de-onça'. Todo mundo ficou em silêncio. O que era aquilo? O homem abriu uma chapelaria dentro da nossa casa! Foi até um pouco triste na hora, mas hoje eu me lembro da beleza que foi aquele gol. Na época não havia televisão, né? Então quem viu, viu. Quem não viu, ouve a história", conta o "Arnesto do Samba", sempre bem humorado e receptivo.

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Ca'D'OroCasa de ouroEm um dos primeiros hotéis cinco estrelas do Brasil, obras de arte dividem o espaço com registros de hóspedes ilustres

Por Marcella Chartier

Na entrada, portas de vidro e madeira com detalhes dourados abrem-se automaticamente e mostram o balcão largo da recepção. À direita, uma sala com lustres de cristal que exalam uma luz amarelada, esculturas venezianas, quadros, tapetes persas, lareira, espelhos. Sentada em uma das poltronas de couro marrom, uma hóspede usa seu notebook - talvez para navegar na internet, já que o ambiente tem tecnologia wireless (que possibilita a conexão sem fio). O moderno se mistura com o antigo em um dos primeiros hotéis cinco estrelas do Brasil, o Grand Hotel Ca'D'Oro, na rua Augusta, centro de São Paulo. O primeiro hotel Ca'D'Oro do Brasil nasceu há quase 55 anos e sua história começou em Bergamo, região norte da Itália, de onde veio seu fundador: Fabrizio Guzzoni. Em fevereiro de 1953, Fabrizio veio ao Brasil, depois de se casar com Antonieta de Castro Mendes, uma brasileira que conheceu no hotel de seu pai. O casal, que trouxe seus dois filhos, fugia da recessão causada pela II Guerra Mundial. Apesar de a família de Antonieta ser de Campinas, interior de São Paulo, Fabrizio queria viver na "cidade mais importante do país". Resolveu se instalar na capital do Estado, na rua Barão de Itapetininga, centro de São Paulo. Alugou uma sala no segundo andar de um edifício e montou o primeiro restaurante Ca'D'Oro, com a ajuda da equipe de seis pessoas que trouxe do hotel de Bergamo, entre cozinheiros, um mâitre e um gerente. Já queria continuar no Brasil a tradição hoteleira da família, mas ainda não tinha dinheiro suficiente. Fez do restaurante, então, um marco

na história gastronômica de São Paulo. "A cozinha italiana aqui, naquela época, era a popular do sul da Itália, com muitos molhos, massa carregada e pizzas. Meu pai introduziu a cozinha do norte, mais refinada e de influências francesas, com risotos, caças, massas delicadas. Foi o nosso restaurante o primeiro a servir carpaccio no Brasil", conta Aurelio Guzzoni, de 57 anos, que hoje cuida dos negócios do pai, falecido aos 85 em 2005, quando ainda trabalhava. Fabrizio cuidou do restaurante e dos hotéis que possuía com um zelo de pai desde o primeiro endereço paulistano. Aurelio garante que o "menino dos olhos" de seu pai era mesmo o Ca'D'Oro. "Eu me lembro de quando morávamos no hotel, quando eu era criança. Era uma delícia convidar os amigos, pegar o telefone e pedir: me traz um misto-quente?", sorri. "Mas meu pai ficava maluco". Em 1956, Fabrizio abriu o primeiro hotel, com 50 apartamentos, na rua Basílio da Gama, também região central da cidade. Foi apenas em 1962 que comprou parte do terreno onde hoje está o Grand Hotel Ca'D'Oro, um dos primeiros cinco estrelas do Brasil. Mantendo a unidade da Basílio da Gama até 1980, Fabrizio começou a construir no novo espaço da rua Augusta, inaugurando alas aos poucos. "Todos os lucros ele reinvestia", afirma Aurelio.

Nome de palácio, jeito de museuMuito além de investir em estrutura e serviços, Fabrizio tinha um cuidado especial com a bela aparência do Ca'D'Oro. O nome, que significa

Por todos os cantos, obras de arte -

principalmente italianas - compõem os ambientes

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"Casa de Ouro", é o mesmo de um palácio veneziano do século XV, que se tornou museu. As obras de arte, também no hotel, estão por toda a parte. Fabrizio, além de apreciador da arte italiana, era amigo de Pietro Bardi, então diretor do Masp (Museu de Arte de São Paulo) e avaliador das compras e doações. "Você pode ver que cada canto deste hotel lembra a Itália, desde o renascimento até a contemporaneidade. Tudo comprado com a ajuda do Bardi, que indicava a meu pai bons preços e verificava a autenticidade das obras", explica Aurelio.O hotel teve hóspedes ilustres, alguns que chegaram a morar no Ca'D'Oro, como o pintor Di Cavalcanti. "Ele estava sempre duro, às vezes queria pagar com quadros e não aceitávamos", conta Aurelio, assumindo o arrependimento. Elis Regina, Nat King Cole, Vinicius de Morais, Nelson Mandela e Pelé são outras personalidades que assinaram o Livro de Ouro, onde ainda estão guardados os registros das visitas mais importantes que o hotel recebeu.Em alguns casos, foi criada uma estrutura especial para receber os hóspedes, com sala de imprensa ou até gabinete de presidência. Foram duas as vezes em que o Ca'D'Oro foi sede do governo federal: a primeira nos anos 80, quando o então presidente da República João Figueiredo adoeceu e precisou ficar em São Paulo por 15 Júlio Santos

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Dois Livros de Ouro estão cheios de autógrafos e recados de personalidades. Ao lado, dois reis: Roberto Carlos e Pelé. Ray Connif e Nelson Mandela também se hospedaram no Ca'D'Oro

dias; e a segunda no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando o vice Marco Maciel, presidente em exercício por causa de uma viagem de FHC, sofreu uma operação em um hospital da cidade. Os cuidados com a neutralidade partidária entre os funcionários do hotel, aliás, sempre foram grandes. O pai de Fabrizio, na Itália, já dizia ao filho: "Hoteleiro não pode ter bandeira, tem que receber todos".Mas nem sempre as adaptações para a recepção de hóspedes ilustres foram fáceis de se providenciar. Algumas reivindicações exigiram mais esforço dos dirigentes do hotel, como as de Luciano Pavarotti, tenor italiano falecido no ano passado, que esteve no Brasil em 1994 para se apresentar no estádio do Pacaembu. Ele fez questão de montar uma cozinha completa na suíte, com uma geladeira no lugar do frigobar para garantir os alimentos no meio das madrugadas. Até aí, tudo foi arranjado. Como é de praxe nessas situações, um empresário do tenor foi ao aposento para verificar se estava tudo de acordo com as exigências feitas, na manhã da chegada de Pavarotti. Mas a balança, também requisitada pelo tenor, não era adequada. "O medidor ia até 130 kg, mas o Pavarotti pesava muito mais do que isso. Tive que ligar na Filizola para pedir uma que suportasse mais peso, mas que fosse discreta, e nos enviaram rapidamente

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a digital, lançamento da época", lembra Aurelio.Mas a honra de hospedar um dos maiores cantores de ópera do mundo ficou registrada não só no Livro de Ouro, como também no piano do restaurante - autografado por ele, em um anúncio do hotel feito na época em que o tenor era o garoto-propaganda -, e nas lembranças da família Guzzoni. "Ele voltava do show e vinha jantar. Depois de se servir da pasta italiana, dizia: 'Il formaggio è mio!', e tirava da pochete o queijo grana padano que adicionava ao prato", diz Aurelio.O rei Juan Carlos I, da Espanha, também esteve hospedado no Ca'D'Oro com sua esposa, no final da década de 1980. Uma semana antes, com a visita da comitiva do rei e da rainha, um susto: a cama do quarto não tinha tamanho suficiente para os quase 2 metros de altura de Juan Carlos. O estrado de uma nova cama foi feito na marcenaria do próprio hotel, em cinco dias, e o colchão foi encomendado às pressas, sob medida. O rei dormiu confortavelmente.

Crise e modernizaçãoEntre 1995 e 2001, uma crise na rede hoteleira atingiu em cheio o Ca'D'Oro. Aurelio afirma que a razão foi a proliferação de flats, onde os preços eram bem menores. Além disso, atribui a queda no movimento à descentralização do eixo financeiro da cidade, deslocado da região central para a Avenida Brigadeiro Faria Lima e para a zona sul. "Estamos muito envolvidos na revitalização do centro, para que ele volte a ser o que era", afirma Aurelio. Parte dessa revitalização, além da participação em associações da região, é realizada da mesma maneira que seu pai, Fabrizio, fazia quando administrava o hotel: comprando os terrenos próximos onde ainda existissem os "inferninhos" da rua Augusta.Nos últimos sete anos, porém, o hotel recuperou grande parte do faturamento, principalmente devido à fidelização de clientes que preferem a tradição com a modernização, que inclui uma estrutura organizada especialmente para receber convenções e atender o turismo de negócio (mais de 50% das ocupações estão ligadas a eventos em São Paulo ou dentro do Ca'D'Oro). Hoje o hotel opera com 300 apartamentos, com diárias que partem de R$240 e chegam a R$2.500. "Se não fosse a crise aérea em 2007, que nos causou uma queda de mais de 30% no faturamento, nosso movimento teria crescido ainda mais do que os 35% em relação a 2006", conta Fabrizio Guzzoni (sobrinho de Aurelio e neto do fundador do Ca'D'Oro) - a quarta geração hoteleira da família.

"Boa cama, boa comida e bom serviço"Depois de trazer a cozinha italiana fina ao Brasil, o restaurante do Ca'D'Oro continuou com as inovações, surpreendendo os freqüentadores e a crítica gastronômica da cidade. Foi o primeiro estabelecimento sofisticado em São Paulo a incluir a caipirinha no cardápio. "Mesmo com muita gente dizendo para meu pai que se tratava de um drinque de quinta categoria, ele insistiu. Os estrangeiros já adoravam", lembra Aurelio. Com um menu fixo para cada dia da semana, o hotel já recebia uma clientela apenas para as refeições, esperando pelos pratos de cada dia. "Meu pai sempre achou que um hotel era feito de boa cama, boa comida e bom serviço", afirma Aurelio.

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Entre os hóspedes ilustres,

Luciano Pavarotti, que esteve no Ca'D'Oro

quando veio em 1994 ao Brasil para se apresentar

no Pacaembu. Além de assinar o Livro de Ouro, autografou o piano que

fica até hoje no restaurante, onde

jantava depois dos shows. Na foto,

à direita de Pavarotti, Aurelio Guzzoni, filho de Fabrizio.

Acima, o anúncio criado na época

da visita do tenor

Júlio Santos

O fundador do Ca'D'Oro, Fabrizio Guzzoni,

cuidava de seu hotel com um zelo de pai, e trabalhou firme na administração até os últimos anos de vida

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"O Guzzoni foi um homem de visão como não haverá nenhum outro", diz Ático, que trabalhou por 37 anos no Ca'D'Oro. Na foto ao lado, publicada em uma revista internacional, o mâitre baiano ao lado de Fabrizio Guzzoni, entre cozinheiros do restaurante

Uma das peças mais valiosas é o piano francês Erard, que divide uma sala do hotel com uma escultura representando Napoleão

Júlio Santos

Nova geração: Fabrizio, neto do fundador do Ca'D'Oro, dá continuidade ao trabalho da família

O baiano Ático Alves de Souza tem 81 anos e passou 37 deles no Ca'D'Oro, quase todos vestindo o paletó e a gravata borboleta que usa até hoje, todos os dias. No começo dos anos 70, trabalhando como mâitre no restaurante, foi chamado à mesa do advogado Geraldo Forbes, que almoçava ali duas vezes por semana, com amigos. "Ele me disse: estou cansado da comida. Você pode fazer pastel para nós?", conta Ático, que respondeu: "Tá sonhando, Geraldo?". Mas foi conversar com o chef de cozinha e conseguiu os pastéis, não sem antes garantir que compraria a massa pessoalmente. Forbes ainda pediu arroz e feijão, que era servido aos funcionários, e uma salada simples de alface e tomates. O prato foi um sucesso, e a cada semana aumentava a demanda. "Tinha dias em que eu servia até 20 pessoas de pastel, os clientes viam na outra mesa e também queriam comer", recorda-se Ático, com o jeito manso, mas resoluto, de quem se preocupa em fazer seu trabalho da melhor maneira possível, "vestindo a camisa". "Virou uma coqueluche, mas o Guzzoni não podia saber". Foi apenas cerca de cinco anos depois que o prato começou a ser servido que o dono do hotel ficou sabendo. E não gostou nada. Deu uma bronca em Ático, que respondeu: "O senhor não colocou a caipirinha no menu? Agora temos pastel, os clientes pedem, não tem mais jeito". Fabrizio cedeu, e até hoje o prato é servido no restaurante, às sextas-feiras.Fabrizio tinha um temperamento difícil e sentia ciúmes do hotel. "Com meu avô aqui, era difícil mudar um vaso de lugar", diz o neto. Para fazê-lo mudar de idéia, os obstáculos eram grandes.Ático lembra-se de uma ocasião em que o fundador do hotel quis cobrir algumas poltronas com um tecido acarpetado vermelho e o funcionário tentou convencê-lo de que isso

causaria coceiras nas senhoras que se sentassem vestindo saia. "Ele fez a telefonista testar uma das poltronas e, mesmo com a confirmação de que aquilo era desconfortável, manteve o tecido", comenta Ático, que saiu do Ca'D'Oro pouco depois do falecimento de Fabrizio. Já aposentado, foi convidado a trabalhar dividindo seu tempo entre os restaurantes Fasano e Parigi. E o cozido italiano que ficou famoso no Ca'D'Oro - chamado de bollito (com vitela, frango, músculo, língua salitrada, carne seca, embutidos italianos, legumes, verduras e molhos) - foi levado ao Parigi pelo antigo funcionário. Ático fala com carinho do ex-patrão. "O Guzzoni foi um homem de visão como não haverá nenhum outro", diz, saudoso.

Júlio SantosArquivo Ca'D'Oro

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Literatura

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Quando a loucura se torna lucidezNo que define como "absurdo verossímil", Ermano Cavazzoni questiona a realidade a partir da fantasia aparentemente sem sentido

Por Luisa Destri

er, assim como escrever, "Ltem freqüentemente uma função curativa, ajuda um

,pouco a sarar" disse Ermanno Cavazzoni a respeito da revista de literatura O Simples, por ele dirigida e publicada na Itália. O mesmo pode-se dizer de seu romance O poema dos

lunáticos: que possui as propriedades similares às do medicamentum simplex – em latim, ervas cultivadas por frades nas hortas. Por trás disso está não apenas a noção da literatura como um estímulo para o desenvolvimento do pensamento, como também para a própria loucura – com a qual o livro, originalmente publicado em 1987, guarda íntima relação. As quase 400 páginas de O poema dos lunáticos foram concebidas porque o protagonista, Savini, tem uma hipótese: "Esta coisa muito estranha que, provavelmente, ninguém acreditará, mas existem escritos em garrafas no fundo dos poços". E é por ela que parte, esperançoso, no final de agosto, pelas águas subterrâneas que, influenciadas pela lua, acabam tendo força sobre toda a vida das pessoas.Não menos telhudo do que ele, há Nestore: um homem que passou a infância sobre os telhados, observando a cidade, e quando adulto se apaixonou por uma "locomotiva", uma mulher, na verdade, mas que funcionava como um locomotor, descarrilando para fora do sofá e soltando apitos e fumaça. A esposa cujo ritmo maquinal ele não suportou. Ela o abandonou por outro; ele intensificou sua paixão sensual pelos eletrodomésticos.O prefeito Gonnella, de quem Savini se torna uma espécie de funcionário e fiel escudeiro (antes de se arrepiar com o clichê, pense em Dom Quixote e Sancho Pança), e ao lado de quem desbravará os limites de uma administração que ainda vai se estabelecer. Antes de assumirem o poder, devem delimitar esse território.Apesar do título, o que Cavazzoni escreve é um romance. Mas um romance nonsense: aquele da tradição iniciada com Lewis Carroll e suas Alices.Essa composição com ares de loucura está presente no enredo, na composição das personagens, no desenvolvimento da narrativa e também na própria realização lingüística. E se explica na fala do protagonista: "Na minha opinião, e eu já tinha explicado, há uma lógica em

cada assunto, e basta saber um pedaço dele e todo o resto conseqüentemente surge. Então, se vê aquilo que é verdadeiro e aquilo que o será um dia".Os títulos dos capítulos ilustram o estilo de Cavazzoni e o gênero desse livro: "Os fatos como me parecem", "Sim, pensava muito e confusamente", "A aparição do prefeito, que é um novo capítulo". Em geral, retomam a última linha do capítulo anterior.Aparentemente sem nenhuma lógica, o livro transborda sentido. A despeito da impressão que desperte quando solto, um trecho sobre o prefeito, que lhe explique a vida e o comportamento, tem total coerência com o personagem e os fatos por ele vivenciados. Como este, sobre ter se acostumado a ficar alerta durante o sono: "Eu dormia, mas aprendi a ficar desperto em um braço, fazendo uma operação de desarticulação. Basta pensar, quando se vai para a cama e começa a cair no sono, que o braço é o rabo de uma lagartixa que, mesmo quando se separa do resto e cai no chão, continua a se mexer sozinho como uma cobrinha e a lutar por sua conta, por exemplo, como um felino de caça". É mais ou menos como os sonhos: aparen-temente loucos e desconexos, às vezes nos assustam com sua coerência profunda e reveladora. Quando tentamos descrever o que nos significam, eles nos escapam. Mas fica a atmosfera, o resíduo da experiência que, embora longe da compreensão, nos faz pensar e sanar episódios de realidade.Mais do que uma brincadeira despretensiosa com a linguagem ou um trabalho lúdico dos sentidos, o nonsense tem função central. Para prová-lo, há os trechos em que o autor reapresenta, numa espécie de paródia, fatos históricos.Visigodos, incas, Al Capone, Garibaldi, batalha de Waterloo, Judas Iscariotes, com nova ótica ou certo desvio de conteúdo, devolvem ao leitor a lembrança do contato com a realidade e (já que se trata de cura) a necessidade de questioná-la.O famoso episódio da derrota de Napoleão, por exemplo, é narrado do ponto de vista de um senhor que tem o hábito de deixar seu jardim impecável. A lógica da guerra aparece, portanto, como um sistema de vingança contra aquele que fez os maiores estragos nos arbustos, nas flores: a cavalaria que destroçou a maior parte do gramado. Questões sobre o poder aparecem também nas intenções de Gonella e Savini. Eles pretendem

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implantar, na "prefeitura celeste", a "lei do cetro" – normas implacáveis, determinadas sem discussões pelo prefeito Gonella e orientadas a acabar com todos que não se submeterem à sua maré. Por mais lunáticos que sejam – o que despertando a simpatia do leitor lhes confere uma espécie de honestidade -, não estão imunes à lógica do resto da humanidade. No mundo das águas, há diversos povos. Os cadeados, os espectros que habitam torneiras, os nômades voadores, as madonas. Os velhos também constituem uma realidade à parte, espécie de patrulheiros, encarados pelo prefeito Gonella como inimigos, "aranhas tecendo teias": "Eles a fazem com a saliva, fios muito longos e tão finos que praticamente, para o nosso modo de ver, nem existem. [...] é como se essas teias invisíveis tocassem você de leve, e a pessoa se sente amarrada e não mexe mais os olhos de um modo totalmente natural".Esses velhos não precisam aparentar muita idade. Pelo contrário, podem ser jovens ou quarentões. Seu poder consiste em agarrar as pessoas com a baba, fazendo com que sejam parte da mesma congregação (o outro lado é o dos lúcidos, contra os quais estão os aventureiros dessa história). O que os companheiros vêem ao longo de sua jornada é um mundo simulado. As pessoas são atores e os espaços, cenários. A naturalidade de alguns episódios, como o de uma mãe brigando com o filho na rua, causa-lhes espanto. A lucidez desses personagens consiste em um exercício para distinguir o que é falso do que é verdadeiro. Invariavelmente, a autenticidade está ligada ao nonsense.Desde o início do livro, quando Savini apresenta seu projeto de investigar as águas, fica evidente a proximidade entre o que é da noite, do subterrâneo, e o inconsciente. Antes de encontrar o prefeito, o protagonista havia procurado um pároco para fechar um acordo sobre seus planos. O religioso concordou: os sons misteriosos vindos de baixo o mantinham acordado, questionando-o sobre as atitudes que tomara ao longo do dia. Por isso concluiu que os poços deveriam permanecer fechados. Dessa forma, os rapazes e as moças também poderiam se aproximar deles sem que fossem atraídos pela poderosa influência das águas noturnas. Em sua opinião, seria melhor substituir os poços por lívidas fontes. Imaginava que o protagonista seria seu aliado. Naturalmente, o que aflige um homem como o pároco é o que vem da lua, do misterioso, da fantasia e do desejo. Mas Savini não se adequou. Não conseguia dormir, sentia a agitação subterrânea assomar-lhe à cabeça. Aos poucos, perdeu a capacidade de ver a lua. Decidiu ir embora, atrás de sua aventura. Seu projeto era libertador.

O poema dos lunáticosErmanno Cavazzoni

Ateliê Editorial/ 408 páginas

Trecho da obra

Os dias que se seguiram foram tão densos e imperscrutáveis, tão encavalados uns sobre os outros, que tento aqui apenas desembaraçá-los, e pelo menos distinguir as noites dos dias, a insônia, como se verá, dos sonhos que tive.No campo, é claro que a noção de tempo é mais aproximativa, e assim eu também não era totalmente dono de mim, dos meus sentimentos.Oscilava, e continuei a oscilar e ondular em torno ao baricentro de minha mente.Mas então, para voltar às nossas aventuras que já se faziam prementes, o prefeito tinha decidido que a única coisa a fazer, vista toda a situação intricada, era ficar ali nas redondezas vigiando a pizzaria, sobretudo na hora do almoço, para parar o estudante quando chegasse, e saber qual era o segredo de Garibaldi que ele nos havia prometido. Porque alguma coisa devia haver que valesse a pena, se haviam armado o maior pandemônio de golpes e desordens, a fim de que não a contasse.“Não é verdade?”; o prefeito me perguntava.E eu dizia que sim, que eu também achava isso, mas só até certo ponto. E isso por causa da minha perplexidade. De qualquer modo, enquanto estávamos ali vigiando, podíamos nos abrigar nos feneiros, nos palheiros, em meio às gavelas e às panículas, e por aí afora, nos lugares mais cômodos e convenientes que se podia encontrar. De modo a ser possível nesse meio tempo manter os olhos na pizzaria.Assim, dizia o prefeito, era possível ver até os retoques que talvez dessem na fachada, se a repintavam, se acrescentavam mais um andar, janelas, ou outras coisas, outros escritos, disfarçadamente, para que ficassem mais sugestivos e atraentes, e cair em cima de outros idiotas que fossem ali para almoçar ou para comer pizza como se não houvesse nada. E enquanto isso se divertem às custas desse passante com a sua encenação, dando a ele, quem sabe?, uma pizza de carregação feita somente para completar o espetáculo.Então, essa idéia de ficar nos campos também me agradava, porque me acostumei a ficar ao ar livre e a apreciar o campo à noite e de dia.A estratégia, então, era a de vigiar o local, ficando emboscado além da estrada. E já naquela tarde mesmo começou um novo capítulo, que consistia em ficar esperando. (p. 239)

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Diálogos entre deusesEm prosa poética, Cesare Pavese empreende investigação sobre natureza humana a partir da mitologia clássica

Protetora dos navegantes, Ino

Leucotéia salvou Ulisses de um naufrágio. Ele saíra da ilha de Ogígia e, após a revolta de Posídon, perdera seus companheiros e sua jangada no mar tempestuoso. Conhecida como Deusa Branca, Ino deu-lhe um véu, com o qual, à deriva, o herói chegou à ilha dos Feaces.

Nesse breve episódio, narrado na Odisséia, ainda estão envolvidos diversos personagens: Calipso, a deusa com quem o herói permaneceu na primeira ilha; Palas Atena, cuja interferência

permitiu que Ulisses continuasse sua jornada; o próprio Zeus, Hermes e toda a linhagem tebana da qual Ino Leucotéa descende (aquela de Édipo, desde o início atormentada à custa das relações entre pais e filhos).É este o universo de Diálogos com Leucó, de Cesare Pavese. Um livro composto por 27 diálogos, geralmente entre deuses e personagens da mitologia. Não se trata de uma recuperação dessas histórias, como fizeram tantos estudiosos. Mas de investigações: entre romance e interpretação, o autor cria situações que extrapolam o mito e a Antiguidade.O resultado são breves reflexões a respeito do destino do homem e de sua relação com os

O Forte das ilusões

Clássico da literatura italiana, O deserto dos tártaros, de Dino Buzzati, é uma inquietante alegoria sobre o destino do homem

uantas histórias se tornaram Qpossíveis quando um homem, na iminência de partir, decidiu ficar? É o caso de Giovanni Drogo, um oficial do exército que, logo após sua nomeação, foi enviado ao forte Bastiani, onde nenhum graduado gostaria de estar. Poderia ter pedido dispensa após alguns meses de serviço (era seu

plano). Mas não quis. E sua vida se tornou, na verdade, a história do que poderia ter sido e que não foi.Nesse forte, localizado à frente do Deserto dos Tártaros, que divide o Norte e o Sul, nada acontece. Está isolado por sua geografia e abandonado pelo comando militar. Os homens em serviço passam os anos esperando pela guerra que dará sentido à sua existência. E seguem rigidamente as regras da corporação.Drogo, como os outros, entusiasma-se com qualquer movimento no horizonte. Um barulho ou uma mancha podem ser o anúncio de uma batalha. Como os outros, habitua-se a estar apartado do mundo, a viver uma rotina inexorável. Esperanças vãs e regras inócuas. Esses são os pilares do forte e o cotidiano desses soldados. Em um primeiro nível, O deserto dos tártaros, publicado em 1940, pode ser lido como uma

crítica severa de Dino Buzzati ao militarismo. De maneira mais profunda, porém, é possível compreendê-lo como uma alegoria sobre a própria existência.A circularidade dos acontecimentos remete a um tempo mítico. Assim como a constante correspondência entre o ânimo das personagens e a descrição das paisagens. O forte, além disso, é como um ponto flutuante: é difícil crer que tenha algum ponto de conexão com a realidade. A vida desses homens (e de todos os outros) é um jogo entre a esperança e o arrependimento. A morte, uma ironia: única possibilidade de realização do desejo de ser herói.Tártaro designa, na mitologia, uma das três partes do reino de Hades (como é chamado o inferno grego). A essa região eram condenadas as almas que cometessem os piores crimes. Vivendo um eterno suplício, esperavam que sua culpa fosse expurgada. A diferença entre os tártaros de Buzzati e o da mitologia grega é a água. Os primeiros são um deserto árido. O de Hades tinha, ao menos, um rio: o Letes, rio do Esquecimento.

O deserto dos tártarosDino Buzzati

Nova Fronteira/ 251 páginas

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deuses. Orfeu, no capítulo "O inconsolável", dá novo significado ao momento em que, infringindo a recomendação de Hades, olhou para Eurídice antes que saíssem juntos do reino dos mortos: "Pensava na vida com ela, como era antes; que outra vez terminaria [...] Valia a pena reviver de novo? Pensei nisso e vislumbrei o lusco-fusco do dia. Então disse 'Termine de uma vez!' e me virei. Eurídice desapareceu como se apaga uma vela". Adiante, explica seu sofrimento retratado pela tradição como conseqüência de ter desperdiçado a chance de fazer reviver a mulher amada: "Eu procurava, chorando, não mais ela, mas a mim mesmo. Um destino, se quiser. Ouvia-me".Nosso destino, que não nos permite ter certezas senão a respeito da morte, e o enfado dos deuses, que de tempos em tempos exigem para seu gozo sacrifícios humanos, formam o "núcleo

do pessimismo trágico de Pavese", como define Maurício Santa Dias no prefácio à edição brasileira.Trata-se de um livro de difícil leitura, em que são necessários conhecimentos mínimos da mitologia sob o risco de os diálogos se tornarem coleções de máximas com pouco sentido. Há de se ter em mente as diferenças entre o deus que conhecemos e os deuses da mitologia, que se comportavam muitas vezes como os homens e freqüentemente agiam com crueldade.É como se todos fôssemos a Ariadne abandonada por Teseu. Quando Leucotéa lhe pergunta "O que espera dos deuses?", ela responde: "Eu não espero mais nada".

Diálogos com LeucóCesare Pavese

Cosac & Naify/ 232 páginas

anto barulho por Tullia é To mais recente título de Ilaria Borrelli, que, além de escritora, é atriz e diretora de cinema. Seu primeiro romance, Scosse, de 1999, recebeu menções em alguns concursos e levou o prêmio do Clube Literário Italiano.Tullia é jornalista e fotógrafa, casada há dez anos com Luca,

a quem recusa qualquer possibilidade de ter um filho. Feminista, acredita que perderá sua identidade se der à luz um bebê: seu tempo será tomado, ela precisará parar de trabalhar e seu relacionamento e sua felicidade irão por água abaixo.Aos 30 anos, é mimada, orgulhosa e egoísta. Escreve para uma revista masculina, e não desiste de ver aí uma possibilidade de ascensão. Ingênua, acredita que aos poucos poderá, com pautas sobre política e economia, mudar o perfil da publicação. Vive em embates com a mãe, a irmã e o chefe machista.Eis que, logo nas primeiras páginas, seu marido sofre um acidente: alpinista, Luca entra em coma após escorregar em um desfiladeiro. Mas deixa um diário com revelações.

As descobertas dizem respeito menos a ele do que a ela. Na tentativa de aproximar-se das verdades sobre seu marido, Tullia entende melhor a si mesma e adquire as ferramentas para se desenvolver.O romance, narrado em primeira pessoa, não é segmentado em capítulos. A história pode ser lida em algumas horas e passa-se em dois dias, dividindo-se entre o amadurecimento exigido da narradora-protagonista e episódios que cairiam bem em um conto de fada.O barulho de Tullia é como tantos outros que já ouvimos. A própria personagem é uma mulher como muitas que conhecemos. A história do livro, igualmente. Mas, ainda assim, é possível extrair dele um pouco de diversão.

Tanto barulho por TulliaIlaria Borrelli

Editora Globo/ 154 páginas

Uma oportunidade para a moça imaturaEm romance leve e rápido, jovem autora italiana narra problemas que podem ser os de qualquer mulher

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MúsicaMúsico italiano,inspiração brasileira Stefano Di Battista nasceu na Itália, fez sucesso na França, rodou o mundo e encontrou uma de suas paixões no Brasil: a bossa nova

Por José Henrique Lopes Fotos: Divulgação

Embora tenha se iniciado na Itália no ano de 1969, a história do saxofonista Stefano Di Battista se desenrola em capítulos internacionais. Foi na França que ele despontou para uma carreira hoje considerada das mais brilhantes e importantes do jazz europeu. Sua música, por outro lado, é fortemente influenciada por artistas dos Estados Unidos. Um dos primeiros encontros que teve com esse estilo musical, ainda na adolescência, se deu por meio da obra do também saxofonista Art Pepper, estrela do jazz norte-americano. Mas nenhuma outra parte do mundo, porém, o encanta tanto como o Brasil.Aos 38 anos, o saxofonista faz questão de declarar, sempre que pode, a admiração e o respeito que mantém pela música produzida aqui, com atenção e carinho especiais para a bossa nova. Além disso, é fã assumido do cantor carioca Ivan Lins, amigo que conheceu em Roma há cerca de cinco anos. Tanto que uma das canções de Trouble Shootin, seu último álbum, lançado no segundo semestre do ano passado, contém uma música composta para Ivan Lins. Echoes of Brazil (Ecos do Brasil) foi pensada especialmente para que o brasileiro a cantasse. A esperada parceria, entretanto, ainda não chegou aos palcos. Nem durante as duas visitas que Battista fez ao Brasil no ano passado. Em maio, ele desembarcou para uma curta turnê que passou por Brasília, Curitiba e São Paulo. No fim de outubro, acompanhado por um conjunto de três músicos, retornou ao país para se apresentar no Tim Festival. Com shows no Rio de Janeiro e novamente na capital paulista, apresentou aos fãs justamente faixas do último disco, lançado pouco antes de sua viagem ao Brasil.

Fã e amigo de Ivan Lins, Battista compôs uma música homenageando o brasileiro

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Uma descoberta acidentalNascido em Roma, o saxofonista tomou contato com o jazz bastante cedo. As primeiras descobertas ocorreram aos 13 anos, quando um amigo de seu pai deu a ele um saxofone e disse, sem qualquer cerimônia: "toque, apenas toque". Na ocasião, o menino fazia parte de um grupo musical formado por crianças do bairro em que vivia. Após as primeiras experiências, o acaso foi se transformando em interesse e curiosidade pela música. Battista mergulhou nos estudos. E, para colocar em prática o que aprendia, formou uma banda.Três anos mais tarde, o que era um hobby foi convertido definitivamente em paixão. Descobriu discos de grandes nomes da história do jazz, como Charlie Parker, Kenny Garret e Michael Brecker. Cada vez mais, Battista sentia vontade de aprimorar um dom que havia descoberto de maneira acidental. Pouco tempo depois, já estava em um conservatório, onde se dedicava à tradição clássica do saxofone. O diploma, como tudo em sua vida, veio cedo, logo aos 21 anos. E com notas máximas e um desempenho exemplar. Nessa fase, aliás, que Battista conheceu aquele que seria seu grande mestre: o saxofonista italiano Massimo Urbani.Os rumos de sua trajetória começaram a mudar quando, em 1992, Battista participou do Calvi Jazz Festival, um dos mais importantes eventos musicais de seu país. Foi naquela ocasião que pôde conhecer os artistas que o levariam a Paris e seriam os responsáveis por impulsionar, de vez, uma carreira que ainda arriscava seus primeiros passos.

Na França, Battista era chamado a participar de apresentações de músicos franceses e estadunidenses. Ávido por exercitar sua paixão e aprimorar sua técnica, jamais recusava um convite para tocar. Havia finalmente se encontrado como músico, o que ainda não ocorrera quando vivia na Itália. Por isso, dividiu sua vida em viagens entre Roma e Paris.O Sunset, uma das principais casas de apresentação da capital francesa, foi o palco de seus primeiros grandes shows, ao lado de músicos como os bateristas Roberto Gatto e Aldo Romano e o contrabaixista francês Michel Benita - pessoas que o acompanhariam no decorrer de sua carreira. Com o sucesso que obteve, decidiu se estabelecer definitivamente na França, onde continua a atuar em projetos e parcerias, com músicos europeus e americanos.O primeiro trabalho solo foi produzido em 1997. Volare, lançado por um dos principais selos do jazz europeu, o Label Bleu, trouxe de vez o reconhecimento em toda a Europa. No ano 2000, apresentou um disco em que tocava com o saxofonista e compositor John Coltrane, outra grande referência do jazz estadunidense. O encontro resultou também em um álbum de tributo a Charlie Parker. Com o sucesso dos dois álbuns, Battista pôde realizar uma longa turnê mundial. Mais uma vez, sua música vencia fronteiras.

O saxofonista tocou no Tim Festival de 2006, acompanhado de sua banda

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Cinema

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Exaltados como gênios ou enxovalhados como vulgares, Dario Argento, Lucio Fulci e Mario Bava fizeram história como os três terríveis do cinema italiano

Por Daniel Lima

Orçamento paupérrimo, equipamentos de

terceira, atores improvisados: essa pode ser uma das fórmulas de sucesso no cinema. Numa arte tão industrializada e cara, a falta de dinheiro não deixa de ser uma benção inusitada. Livres de amarras comerciais, cineastas à margem dos grandes estúdios podem levar suas idéias ao limite. E três italianos fizeram isso como poucos, sempre com resultados de cortar a respiração: Dario Argento, Mario Bava e Lucio Fulci. Esse trio, do qual apenas Argento ainda é vivo, lançou suas principais obras nos anos 60 e 70, período em que o cinema italiano era dominado por um esquema de trabalho muito particular: a produção dos "filoni", filmes de gêneros como faroeste, comédia ou aventura, geralmente calcados em fórmulas bem definidas - e populares. As filmagens geralmente duravam um mês ou menos, sob orçamentos miúdos. Apesar das estruturas inicialmente bem estipuladas, o espaço para ousadias era grande. Mario Bava, nascido em 1914 na região da Ligúria, norte da Itália, foi o primeiro do trio a se destacar. Depois de vinte anos trabalhando como operador de câmera e diretor de fotografia, inclusive em dois curtas de Roberto Rosselini, Bava estreou na direção em um dos grandes clássicos do horror italiano, La maschera del demonio (Black Sunday - 1960), filme que lançou a atriz britânica Barbara Steele. Com sua fotografia em preto-e-branco de alto contraste e clima mórbido e erótico, chocou platéias e chegou a ser banido da Inglaterra. Bava deixaria sua marca também em outros gêneros, como na colorida aventura Ercole al centro della terra (Hercules in the Haunted World - 1961) e na ficção científica Terrore nello spazio (Planet of the Vampires - 1965).

Ilustrações e Diagramação: Milton Costa

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O romano Lucio Fulci, por sua vez, passou boa parte da década de 1960 trabalhando nesse mesmo tipo de "filone" - entre muitas coisas, filmou exemplares da paródia italiana dos filmes de James Bond, a série "002", e faroestes como Tempo di massacro (Massacre Time - 1966), todos sem muito êxito. O sucesso viria, ironicamente, com uma seqüência apócrifa: Zombi 2, de 1979, uma continuação não oficial de Madrugada dos mortos (1978), famoso filme de zumbis do estadunidense George A. Romero. A contribuição de Fulci à mitologia dos mortos-vivos de Romero seria, em essência, a mesma de seus compatriotas ao cinema: a transgressão pela condução das imagens cinematográficas ao limite. Em Zombi 2, uma das cenas mais controversas e violentas é a da perfuração de um olho humano, uma referência à abertura de Um cão andaluz (1929), de Luis Buñuel. Em ambos os casos, a imagem-choque confronta o subconsciente e ultrapassa fronteiras, sejam elas do real ou do vulgar. O exagero é uma das tintas mais usadas da paleta do também romano Dario Argento, o mais jovem dos três. Depois de trabalhar como crítico de cinema e roteirista - ele colaborou com Bernardo Bertolucci no roteiro do clássico Era uma vez no Oeste (1968), de Sergio Leone -, Argento entrou nos anos 70 produzindo vários filmes do gênero "giallo" - tramas de suspense e mistério envolvendo assassinos seriais cruéis, introduzidas no cinema por Bava em 1963, com La ragazza che sapeva troppo (The Girl who Knew too Much). Apesar da aparente repetição de fórmula, os filmes de Argento, apelidado de "Hitchcock italiano", se destacariam da produção da época por seus nomes exóticos, com referências a animais (O pássaro das plumas de cristal, O gato de nove caudas, Quatro moscas no veludo cinza), por sua estética estilizada e expressionista, com angulações e iluminação exagerada, e por seu constante uso da arte como elemento dramático e provocador. Em O pássaro das plumas de cristal (1970), as mortes têm íntima ligação com arte e artistas: o detetive acidental é um escritor estadunidense radicado em Roma, que presencia um assassinato através da vitrine de uma galeria. De certa forma, Argento mostra que a arte, a violência e o delírio onírico em seus filmes são, ao cabo, apenas formas diferentes de expressão.

O clima de sonho e pesadelo dos filmes de Argento chegaria ao limite em Suspiria (1977), considerado por alguns o maior filme de terror de todos os tempos. Pontuado por cenas de morte milimetricamente coreografadas, o filme desconcerta com suas cores fortes e sua temática insólita e surreal. A (pouca) história trata de uma bailarina que ingressa numa academia comandada secretamente por bruxas. Uma viagem ousada. De certa forma, essa ousadia é o maior legado dessa trinca de cineastas, geralmente desprezados pela crítica quando ativos e, posteriormente, elevados à categoria de gênios cult, inclusive pela revista francesa Cahiers du Cinéma, espécie de bíblia dos cinéfilos. Grande parte do ressurgimento dos filmes de terror nas décadas de 1990 e de 2000, com filmes como Pânico (1996), deve-se à influência de Bava, Fulci e Argento. Nos últimos anos, a tendência ao cinema brutal, ou "gore" (sanguinário ao extremo), busca referência em obras desses cineastas. E não só o sangue vertido em profusão foi tomado como inspiração. O exame frio da violência e da brutalidade humana também deixaram seguidores. O polêmico Assassinos por natureza (1994), escrito por Quentin Tarantino e dirigido por Oliver Stone, por exemplo, traz muitas semelhanças com Rabid Dogs (1974), thriller de Mario Bava. Nele, uma dupla de criminosos toma como reféns uma família e a mantém cativa num carro, num jogo de tortura psicológica e física. Bava e Fulci, no entanto, não viveram para ver suas marcas reverberarem nas gerações mais jovens. Bava morreu em 1980, antes mesmo de ver concluído seu Rabid Dogs. Fulci foi vítima do diabetes, falecendo em 1996. Já Argento, sempre tão prolífico, viu sua produção diminuir de ritmo a partir dos anos 90 - ironicamente a época em que sua obra passaria a ser mais apreciada. A lição dos três, no entanto, continua fazendo escola. Filmes de horror de baixo orçamento, audaciosos e provocativos ainda são a ferramenta de muitos jovens cineastas na busca por espaço na indústria. É a mágica do cinema, como resumida por Bava: criar "uma ilusão com quase nada". No caso, sinais luminosos impressos no celulose.

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PerfilUm açougueiro

de grifeEle começou vendendo miúdos na rua e hoje é chef de cozinha e dono de uma das churrascarias mais sofisticadas da cidade

Por Laura Folgueira

Marcos GuardaBassi era apenas um menino de oito anos quando colocou as mãos em miúdos de carne para vender à comunidade italiana das ruas do Brás, onde morava. Àquela época, ainda estava começando a sonhar em ser médico, ou talvez arquiteto, ou ainda advogado – certamente não alfaiate, como seu pai, ou vendedor de carnes, como sua avó, que havia pouco parara de trabalhar.

Mas o pai de Marcos ficara doente, e foi assim que o filho começou a vender com a mãe, Mafalda, os miúdos que ela comprava de um antigo fornecedor de sua avó. Não pensava, certamente, em fazer disso o grande negócio de sua vida. Mas tinha talento, e logo os dois mudaram-se das ruas para um box no mercado municipal."Minha rotina era assim: trabalhar, trabalhar e trabalhar. Aí eu descansava um pouco e voltava a trabalhar", conta GuardaBassi, hoje dono de uma churrascaria de sucesso no bairro do Bixiga, reduto tradicional de famílias italianas em São Paulo. "Eu não tinha muita hora, porque trabalhava de madrugada, fazendo entrega para os restaurantes. Via meus amigos à noite, quando dava, mas na maioria das vezes eles é que vinham me visitar – tanto é que ainda hoje estão aqui me visitando", completa, apontando para Vito Labate, consultor de negócios e descendente de família italiana, amigo que conhece desde criança.De fato, os amigos e clientes que freqüentam o restaurante de GuardaBassi parecem conhecê-lo há algum tempo – e todos são recebidos com um largo sorriso e braços abertos.

Criando um negócioO percurso que fez até chegar a ser conhecido como Marcos GuardaBassi, O Artesão da Carne, nome de seu restaurante, ou apenas como Bassi, nome da grife de carnes de alta qualidade que criou, foi longo. Depois de alguns anos trabalhando no mercado municipal, Marcos e sua mãe compraram um açougue na rua Humaitá, no Bixiga.As instalações, adquiridas de um italiano chamado Baldochi, que "apareceu no mercado perguntando quem queria comprar o açougue", eram modernas e elegantes para a época: incluíam muitas peças em aço inox e uma câmara frigorífica (até então pouco usada). No atendimento, os dois eram cuidadosos. "Minha mãe levava todo dia cinco aventais brancos para

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"Hoje eu tenho a oportunidade de

manipular as carnes com a minha

própria mão, como um artesão"

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mim, então eu nunca atendia ninguém sujo de sangue", lembra Bassi.O bairro também não foi escolhido por acaso. Era lá que viviam os imigrantes mais ricos da cidade, de nacionalidades diversas: franceses, ingleses, alemães, suíços e, claro, italianos. Todos extremamente exigentes em relação ao produto que compravam, o que obrigou o garoto de apenas 14 anos a aprender sozinho tudo sobre os cortes nobres a que seus clientes estavam acostumados."Chegava um italiano e me pedia um ossobuco, e que açougueiro sabia o que era um ossobuco, a não ser um italiano?", lembra. "A única maneira de eu saber foi indo no consulado para perguntar se tinha alguém que me mostrasse o que era um ossobuco". Com o tempo, Marcos desenvolveu sozinho outros métodos de aprendizado. Certa vez, sem conseguir entender uma irritada cliente francesa, pediu ajuda a um amigo para que traduzisse o desejo dela. A cliente explicou que queria uma bavette, carne magra que, cozida durante pouco tempo, podia ser desfiada. Àquela altura, Bassi já entendia de seu negócio, e vendeu à mulher um corte ainda considerado de segunda, a fraldinha. Ela ficou satisfeita, e o açougueiro transformou a fraldinha em um corte nobre e de muita demanda.Já com aproximadamente 20 anos, e grande conhecedor da matéria-prima de qualidade, Bassi ganhou de um chef italiano do bairro um livro de culinária. Começou a estudar sozinho. Fez viagens – incluindo uma à Argentina, que não foi tão proveitosa, já que os cortes não eram novidade para ele, apesar de a matéria-prima ser muito boa –, leu, e até pensou em estudar veterinária. Com 23 anos, sentindo-se preparado, o açougueiro tomou uma decisão: passou a fazer cortes especiais para preparar as carnes em uma churrasqueira que instalou em seu estabelecimento. Assim, começou a vender assados e sanduíches, além dos cortes de carne que já vendia. "Virei fornecedor, e tudo com que eu não gostava de trabalhar, mandava para os outros restaurantes", lembra. Desde então, Bassi cozinha apenas os cortes mais nobres das carnes.O próximo passo veio naturalmente, com a fundação da Companhia Frigorífica de Produtos Nobres Bassi, na rua 13 de Maio, em 1978. Lá, havia uma pequena sala, com espaço para 12 pessoas, onde eram feitas degustações de carnes preparadas pelo – a partir daquele momento – chef. O restaurante viria em 1979, na mesma rua.

Sucesso e reconhecimentoAos 59 anos, dono de uma marca de carnes, de um frigorífico de sucesso e de um restaurante, Marcos GuardaBassi dedica-se principalmente

Vito Labate, consultor de negócios (também de família italiana), é o melhor amigo de Bassi desde a infância

Família sempre unida: na foto em preto-e-branco, estão os irmãos João (à esquerda) e Cláudio (à direita), e Marcos no centro. Na foto colorida, o irmão Claudio, a mãe, Mafalda, e Marcos

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a cuidar da comida e assistir os clientes de seu restaurante, além de dar palestras sobre os cortes de carne bovina com que trabalha – algumas, como o bombom de alcatra, inventadas por ele. "As mesmas coisas que eu fazia na casa de carnes, hoje estou fazendo no lugar que eu mais gosto: a minha churrascaria". Está instalando em um mezanino do restaurante a "Universidade da Carne", onde grupos de empresas, ou simplesmente interessados no assunto, possam ouvi-lo passar adiante o que aprendeu.Apesar de tantas atividades, hoje ele acha que sabe administrar melhor seu tempo, dividido numa rotina em que o trabalho ocupa pelo menos 12 horas diárias. "Hoje eu tenho prazer e tempo de ficar aqui, lido com o que construí, tenho a oportunidade de manipular as carnes com a minha própria mão, como um artesão". A família, porém, parece satisfeita: sua mulher, Rosa Maria, visita-o no restaurante, e a alegria dos dois em estarem juntos fica evidente em abraços e sorrisos.

FamíliaAs famílias de Marcos e Rosa têm muitas coisas em comum: ambas moravam no Brás, trabalhavam no mercado municipal e tinham origem italiana. A de Rosa vinha da região de Bari, no sul da Itália, mesmo lugar de origem da família materna de Marcos. A paterna – os GuardaBassi, de quem ele herdaria o sobrenome – veio de Roma.Quando os Caputo, parentes de sua mãe, chegaram ao Brasil após a Primeira Guerra Mundial em navios de imigrantes, os GuardaBassi já estavam instalados no centro de São Paulo desde o fim do século XIX. Mas João GuardaBassi, seu pai, foi trabalhar na rua Dom José de Barros – onde estava instalada a família de Mafalda Caputo. Foi assim que se conheceram e começaram a namorar, ele com 38 anos e ela com 20. Da união, nasceram João, Cláudio e Marcos, o caçula.Também foi no Brás que Marcos conheceu sua esposa. Quando começaram a namorar, no dia 5 de novembro de 1961 – data que ele lembra com carinho , ela tinha 12 anos e ele, 13. Dez anos depois, no dia 5 de novembro de 1971, casaram-se. Tiveram duas filhas, Tatiana e Fabiana, hoje com 33 e 31 anos, respectivamente.Apesar de ter construído uma longa e importante história, GuardaBassi continua a afirmar sua origem simples. Nunca quis tirar seu negócio do Bixiga, ainda que muitos tenham sugerido que ele deveria se mudar para bairros mais sofisticados. "Ainda me considero um açougueiro", afirma, orgulhoso.

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O casamento já dura 36 anos e o namoro

começou cedo, quando Bassi tinha 13 anos

e sua esposa, Rosa Maria, 12.

O casal teve duas filhas:

Tatiana e Fabiana

O restaurante, reformado, possui

um mezanino onde são realizadas reuniões

empresariais, e onde Bassi está montando

a "Universidade da Carne", para ministrar

aulas sobre o tema

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Unidade HigienópolisUnidade HigienópolisRua Bahia, 764 HigienópolisTel.: 3661-7640

HIGIENÓPOLISHIGIENÓPOLISBarco Vicking

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com área babyMáquina de Dança

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Área TeensLanchonete InfantilCasinha do Macaco

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Super TomboEspelho Mágico

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Unidade JardinsUnidade JardinsRua Manuel da Nóbrega, 498

Jardins Tel.: 3051-7828

Estacionamentocom Manobrista

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Menu JaponêsMenu Árabee outros...

ITAIMITAIMBoliche Eletrônico

Cama ElásticaBarco Vicking

Parede de AlpinismoGames / Air Boy

Super Brinquedãocom área baby

Lanchonete InfantilCasinha de BonecaMáquina de Dança

Vitrine AnimadaCarrossel

Super TomboStreet ball

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Unidade ItaimUnidade ItaimRua Dr. Alceu deCampos Rodrigues, 174Itaim Bibi Tel.: 3845-3006

MOEMAMOEMACama ElásticaRoda Palhaço

Camarim de FantasiasElevador DiscoveryCasinha de BonecaMáquina de Dança

CarrosselSuper Brinquedão

com área babyParede de Alpinismo

EletrônicaLanchonete Infantil

Dardo EletrônicoLan House

Super TomboStreet ball

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Unidade MoemaUnidade MoemaAv. Moema, 414

Moema Tel.: 5051-1818

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Espaço Aberto

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Por Itamar Cardin

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A professora

Já dizia meu pai: tem dia que é noite. Comigo, pelo menos, esses eclipses ocorrem sempre. E estava exatamente assim dia desses, soturno e irritado com cada aspecto do planeta. O calor desanimava, o excesso de trabalho cansava, a mesmice do dia amargurava. E assim subi em um ônibus alimentando a única esperança do dia, dormir 20 minutos de um trabalho ao outro. Mas precisa dizer? Ônibus lotado. Ônibus abafado. Ônibus tomado por gente em todos os cantos. Ônibus em que cada metro ganho deve ser brindado. Ônibus em São Paulo.É incontrolável, mas nessas horas a irritação cresce e a cada esbarrão é um novo inimigo adquirido. No fundo, como se em cada olhar rancoroso disparado medíssemos o nosso próprio destempero. Sei que passou Masp, Justiça Federal, Consulado da Itália, Center 3. Passou o túnel da Paulista. Sei, mas na verdade não lembro, porque quando finalmente engoli o fato de não dormir os 20 minutos, o ônibus já cruzava um desses pomposos grills da Rebouças.Resignação é arte horrenda e vital. Engoli a seco o sono, os olhares dirigidos e tentei me apoiar na idéia de ser uma sexta-feira. Embora não tenha conseguido por completo, pelo menos meus olhos começaram a passear pelo ônibus, a procurar um ou outro tipo – ou uma ou outra espécie. Meio inútil dizer que, assim nesse estado, nem as beldades de Bertolucci chamariam a atenção. E sem lutar mudei o foco. Os carros passavam, os semáforos fechavam, as pessoas rasgavam na lenta velocidade do ônibus. Tudo como sempre.Voltei pra baixo os olhos entregues. Não tinha ainda notado, mas na minha frente uma senhora, aparentando uns 70 anos, folheava um desses cadernos pequenos, que crianças usam no primário. Metade dele estava escrito, com uma letra firme e em azul. Pensava se poderia ser escritora quando ela abriu uma página e começou. Escreve, pula linha, escreve, escreve, rabisca, escreve. Bonito conjunto de obra. Dizia assim:

Avaliação do 1º J

1 – Cite 4 aspectos visíveis da paisagem (rabiscado) que formam a paisagem (1 ponto).

Aquilo me pareceu um tanto estranho. Provas sempre me foram um momento de tormenta, diretamente associadas ao medo. Vieram na cabeça a infância e a adolescência, quando a única e tensa obrigação da vida eram as provas. Lembrei da minha última avaliação. Estudo italiano e, apesar de boa parte da classe já ser adulta e de italianice convicta, dessa que se abala pelo breve período de um xingamento, todos estavam visivelmente temerosos antes da prova. Todo esse cenário angustiante, das provas e de minha irritação, não combinava com aquela senhora, de cabelos curtos e batidos, óculos, camiseta de algodão estampada e gestos lentos e divertidos. Como uma avó (só o tênis de escalada não era como o de uma avó). Dela desprendia uma amenidade gostosa, que enfeitava o ônibus e me contornava a alma.De novo olhei para ela, que agora percorria páginas anteriores com uma caneta. O braço riscando o ar se deteve um instante e parou em um ponto: "o capitalismo nas cidades se iniciou com a busca do homem pelo acúmulo". É. A simplicidade desconcerta. E lá foi ela novamente às páginas intocadas, escrevendo, escrevendo e escrevendo a pergunta número 3: "Como explicar o surgimento do capitalismo nas cidades?". Também essa valia 1 ponto. Do meu lado, notei que um camarada também observava o caderninho. Estranho, mas ele era como um sósia mais moreno. O cabelo desgrenhado e mal cuidado era o mesmo. E a cara saltada, o tamanho e o ar avoado de quem procura algo – e encontrara naquele instante – também eram os mesmos.Em um rápido impulso, estiquei os dedos para tocar os ombros da professora. Mas logo me controlei e recolhi de volta, tendo a estranha sensação de que tornar aquilo ainda mais real poderia quebrar o encanto da cena. Como compensação, novamente me detive no pequeno caderno e notei que não havia reparado na segunda pergunta. Ela valia mais. Três pontos: "O planeta Terra é formado pela conjunção de vários fatores. Dê dois exemplos e interligue-os".Não sei, não sei mesmo, mas tenho a impressão de que todo o dito é uma remota tentativa de resposta à professora. Dever de gratidão. E se tivesse que concluir essa resposta de maneira mais direta, diria que o planeta Terra é formado pela conjunção de dois fatores principais, que agem um sobre o outro e, dependendo da preponderância e intensidade, determinam os nossos rumos: o encanto e o medo. Não ligo pra nota. Só queria que ela sorrisse orgulhosa do neto.

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Ensaio fotográfico

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Por Gabriel Affonso Morales

No Dicionário Houaiss, entre as muitasacepções, fronteira é definida como o marco, a raia, a linha divisória entre duas áreas, regiões, estados, países. E, daí, temos povos característicos, habitando cada qual o seu lado. Não fosse a língua tão absurdamente volátil, viva, um rio ou mar entre dois países seria tão intransponível, quanto a distância entre a terra e outros planetas flutuando por aí. A interação entre os povos, mesmo que não

exatamente fronteiriços, sobrepõe-se às palavras, ao mesmo tempo em que é exemplificada pelo uso delas. Brasil e Itália são países distintos, guardam em seu povo e em sua terra detalhes únicos. No entanto, partilham de extensas pradarias invisíveis, lotes na cultura comum de dois povos que falam línguas irmãs, filhas de um mesmo Lácio.

Sr. Achille Marco MarmiroliDelegado da Accademia Italiana della Cucina em São Paulo-SP

Palavra: Dieta mediterrânea"A dieta mediterrânea, muito azeite, pescados, está

cada vez mais presente na mesa do brasileiro."

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Sr. Giovanni SacchiDiretor geral do Instituto Italiano para o Comércio Exterior (ICE) em São Paulo-SP

Palavra: Carnevale"O carnaval de Veneza é o mais famoso

do mundo... o segundo mais famoso do mundo."

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Sra. Luigina PeddiDiretora do Instituto

Italiano de Cultura de São Paulo

Palavra: Bravo"É uma atitude bem italiana, de exaltar a criatividade do outro e também transmitir-lhe boas energias."

Prof. Lauro SpaggiariDiretor Geral

Pedagógico do Colégio Dante Alighieri

Palavra: Dante Alighieri"Que outra palavra eu escolheria?"

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Prof. Paola BaccinFaculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas - Universidade

de São Paulo (USP)

Palavra: Dolce far niente

"É uma expressão italiana que a língua portuguesa assimilou em sua forma original, e que nos lembra o prazer

de entregar-se ao ócio, sem culpa nenhuma"

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Gastronomia

Por Silvia PercussiFotos: Tadeu Brunelli

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Muito mais do que apátria dos embutidos

Sem nenhuma vista para o mar, a Úmbria é

compensada, em belezas naturais, pelas montanhas dos Alpes. Fonte de delícias gastronômicas, a região oferece produtos preciosos. Entre eles o tartufo nero (trufa negra), além das carnes suínas, preparadas há muitos séculos de uma maneira sublime. O azeite umbro tem um agradável sabor levemente amargo e ligeiramente picante, e é considerado um dos melhores entre os azeites extravirgens do mundo. A maior parte das oliveiras desse território cresce em uma faixa de colinas bem definida, entre 250 e 450 metros. Apesar de reduzida (2% do total nacional), a produção da Úmbria se destaca pela qualidade: a localização das colinas e o terreno permeável favorecem um aprofundamento maior das raízes das árvores. Outro fator decisivo é o clima temperado e característico da região, que amadurece as azeitonas mais lentamente, com notáveis resultados na acidez e no sabor do azeite.A cozinha umbra baseia-se em elementos simples, genuínos e essenciais, entre os quais a carne. Mas é sobretudo no campo dos embutidos que a Úmbria tem fama. A região é considerada a pátria dos embutidos e dos "maestros" do preparo da carne suína, que, hoje em dia chamados de "norcini" (já que são da encantadora cidade de Norcia), são hábeis ensacadores de carne e açougueiros - uma tradição que está se perdendo com o passar dos anos. As origens das técnicas utilizadas por eles não são precisas: alguns afirmam que os primeiros a introduzi-las foram os judeus, recém-chegados em Valnerina depois da destruição de Jerusalém. Como não podiam comer carne por motivos religiosos, a conservavam para poder vendê-la. Outros atribuem aos romanos, que precisavam conservá-la para consumo e sobrevivência no inverno. A arte da "norcineria" é aplicada em todos os tipos de carne, como os embutidos derivados de cervo, cordeiro e javali, gerando uma série de produtos típicos do território de Nocera Umbra.Como em muitas regiões da Itália, a cozinha local da Úmbria é tradicionalmente popular. Por isso, os produtos da horta são muito valorizados e têm um papel relevante na dieta da população.

Seu consumo constante, associado ao de vários cereais, fundamenta a riqueza de uma culinária tradicional passada de geração a geração. Essa ligação com o território e suas tradições caracteriza a maior parte de seus produtos. Entre eles, encontramos a lentilha de Castelluccio di Norcia e de Colfiorito, o farro, as favas, o grão de bico e o feijão de Cavi. A região é caracterizada por uma condição geográfica e climática que cria um ambiente favorável ao desenvolvimento agroflorestal: o patrimônio dos bosques ocupa uma superfície superior a 35% de toda a região. Os bosques umbros têm como estrela principal a trufa negra, mas também abrigam outros tesouros como os cogumelos, os aspargos, as castanhas e o mel. Os produtos de bosque são um patrimônio de grande importância a ser conservado e promovido, além de contribuir para o desenvolvimento da economia rural e servir de instrumento de conservação dos sistemas naturais e antropológicos. A produção dos queijos nessa região também é ligada à tradição local e a um favorável patrimônio ambiental, em parte ainda intacto, onde os pastos ricos e perfumados fornecem durante quase todo o ano uma ótima forragem, matéria-prima indispensável para a produção de bom leite e seus derivados. O sabor e a genuinidade dos produtos locais os tornam específicos, graças também à evolução do profissionalismo dos operadores que produzem vários tipos de queijos, como o pecorino, a caciotta, a ricotta e muitos outros.Apesar de a Úmbria, região do centro da Itália, não ser banhada pelo mar, existem muitos pratos à base de peixe, com pescados provenientes dos lagos, rios e torrentes. A fauna fluvial regional é caracterizada principalmente pelas espécies presentes no lago Trasimeno, mas também pelas existentes nas águas do rio Nera e do lago Piediluco.O lago Trasimeno oferece um habitat ideal para as numerosas variedades de peixes. O rio Nera, entre os principais cursos de água da região, escorre ao longo da Valnerina e nele habitam principalmente trutas de montanha (ou trutas fário).

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Fricco

Modo de preparo:Em uma assadeira ou frigideira, coloque o azeite, todos os aromas e a carne.Deixe dourar, mexendo continuamente.Junte o vinho, o vinagre, o sal e a pimenta, e cubra a panela para cozinhar lentamente até a carne, bem cozida, soltar do osso.Junte os tomates e prossiga o cozimento por mais 10 minutos.

Ingredientes: 1 frango inteiro de 1,2 k (alternativas: pato, coelho, vitela ou cordeiro)Azeite2 copos de vinho branco seco½ copo de vinagre balsâmicoSal e pimentaAlecrimSálvia2 dentes de alho3 tomates maduros

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A chef Silvia Percussi, autora do livro “Funghi - Cozinhando com cogumelos” (editora Keila & Rosenfeld), é responsável pelo cardápio do restaurante Vinheria Percussi desde 1988. Rua Cônego Eugênio Leite, 523, Jardim América. De terça a domingo. Fone: 3088-4920/3064-4094

Spaghetti col rancetto

Ingredientes: 400 g de espaguete300 g de tomates frescos200 g de pancetta1 cebolaManjerona frescaQueijo pecorino frescoAzeiteSal e pimenta

Modo de preparo:Leve ao fogo uma panela com muita água, temperada com sal grosso. Assim que a água ferver, cozinhe a massa.Pique a cebola e refogue-a em uma frigideira com um pouco de azeite. Acrescente a pancetta picada e deixe-a refogar por alguns minutos. Adicione os tomates, já sem pele e batidos. Quando o molho estiver quase pronto, aromatize-o com a manjerona fresca picada e uma pitada de pimenta. Deixar reduzir por alguns minutos.Escorra a massa e tempere-a com o molho. Misture bem e pulverize tudo com o pecorino ralado.

Panpepato ternano

Ingredientes: 1 k e meio de nozes descascadas300 g de avelãs300 g de amêndoas300 g de cedro cristalizado300 ml de mel250 g de pinoli400 g de uva passaA casca ralada de uma laranjaNoz-moscada ralada2 copos de vinho de sobremesa licoroso200 g de farinha de trigo700 g de chocolate para cobertura semi-amargo100 g de cacau amargo2 xícaras pequenas de café200 g de açúcarPimenta moída

Modo de preparo:Limpe e descasque as nozes, amêndoas e avelãs. Em uma panela com mel, aqueça o café e o vinho licoroso.Misture os outros ingredientes em uma superfície seca. Em seguida, acrescente os 200 g de farinha ao líquido doce aos poucos, até obter uma massa.Da massa, faça vários pãezinhos e leve-os ao forno em uma assadeira enfarinhada durante meia hora em média graduação. Após alguns dias, estarão prontos para o consumo.

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Turismo

No coração da No coração da

ItáliaItália

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A Úmbria, que se destaca por abrigar a cidade de Assis, onde nasceu São Francisco, é uma região que possui um vigoroso verde em sua paisagem

Por Edoardo Coen Imagens: Ente Nazionale Italiano per il Turismo (Enit)

ocalizada no centro da península itálica, a Úmbria é uma das regiões em que se distingue o turismo Lcultural, já que conserva vivos e intactos em seus centros os vestígios medievais e humanísticos do passado.Talvez por se saber que a Úmbria é a terra de São Francisco, o "Poverello di Assisi", como também é conhecida na Itália, respira-se um ar encantado, quase místico, inspirado também por uma paisagem constituída por colinas, que se descortinam matizadas pelos tons do verde dos vinhedos e das oliveiras. É uma paisagem que foi reproduzida em muitas telas pelos grandes mestres da pintura umbra. Uma viagem por essa região é como abrir um livro, no qual podemos encontrar comprovantes da presença das civilizações etrusca e romana. Exemplos da arquitetura românica do século XII, e expressões dos paradigmas gótico e renascentista, são cidades e lugarejos como Perugia, Assisi, Todi, Orvieto, Spoleto e Gubbio, entre outros.

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Perugia

É o centro administrativo da Úmbria. A cidade é

caracterizada, em sua parte mais antiga, por

ruelas estreitas que contornavam as muralhas

fortificadas da cidadela da época etrusco-romana.

Consta que foi fundada por tribos umbro-

sarsinatas, e em seguida conquistada pelos

etruscos e pelos romanos.

Perugia é, sem dúvida, das cidades italianas,

aquela com um dos mais ricos acervos de arte.

Uma verdadeira enciclopédia dos estilos da Idade

Média, é representada por uma variedade enorme

de obras: a Cattedrale (1345 – 1490), em estilo

gótico; a Fontana Maggiore (fonte do século XIII),

de Nicola e Giovanni Pisano; o Palazzo dei Priori

(do fim do século XIV); o Collegio del Cambio

(antiga sede dos banqueiros da época), com os

afrescos de Perugino pintados com a colaboração

do jovem Raffaello Sanzio (do final do século XV);

o Oratorio di San Bernardino, as igrejas de San

Domenico e de San Pietro (esta última repleta de

pinturas de Perugino e Sassoferrato). A essas

obras, somam-se os palácios renascentistas,

como o imponente Arco di Augusto, a Porta

Romana e o Arco Etrusco.

Os museus merecem particular destaque. A

Galleria Nazionale, uma das mais importantes

pinacotecas, tem pinturas góticas e obras de

Duccio da Buoninsegna, Beato Angélico e Piero

della Francesca. O Museo Archeologico

Nazionale, que abriga esplêndidas e riquíssimas

coleções etruscas, exige uma visita de um dia

inteiro para que se possa admirar o grande

número de tesouros expostos.

Assisi

De Perugia, nos dirigimos a Assisi, a apenas uma

hora de viagem. Porém, antes de darmos início ao

último trecho de estrada que atinge nosso

destino, nos deparamos com uma imponente

basílica: Santa Maria degli Angeli. É uma parada

obrigatória, já que, em seu interior, no centro da

nave central, há uma pequena e modesta

construção: a Cappella della Porziuncola, um

oratório do século X onde os primeiros seguidores

de São Francisco costumavam se reunir. Bem ao

lado está a Cappella del Transito, local onde

morreu São Francisco.

Continuando a nossa viagem, com mais 7

quilômetros, chegamos a Assisi, um centro que

permanece ligado de forma indissolúvel à

lembrança de um homem: São Francisco. Lá,

as igrejas, a natureza e até mesmo o silêncio

parecem falar de sua vida, como se a sua

experiência religiosa tivesse tangido e purificado

as cândidas e rosadas pedras, os bosques,

as colinas e a sombra de suas vielas.

A rua principal, chamada via San Francesco, nos

conduz à basílica homônima. Nessa rua, podemos

visualizar palácios do século XVII e o Oratorio dei

Pellegrini, um antigo hospital do século XV, além

de casas medievais com a "porta do morto", uma

abertura na posição mais alta da rua, estreita e

alongada, feita somente para permitir a passagem

do ataúde na ocasião de morte no interior da

casa.

Ponto maior de referência é a Basilica di San

Francesco, construída a partir de 1228, depois da

morte do santo. O edifício gera uma espécie de

dupla praça, em dois diferentes níveis.

O complexo é constituído por duas igrejas, uma

em cima da outra. A superior é preciosa, já que

em seu interior existem afrescos na parede

representando o ciclo da vida de São Francisco,

pintados por Giotto. Na igreja inferior, além dos

afrescos de Pietro Lorenzetti, está exposta a

humilde veste de pano grosseiro, usada por São

Dois dos três maiores palácios públicos em

Todi: o Palazzo dei Priori (acima)

e o del Popolo

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Francisco no momento de sua morte. Há também

o acesso à cripta, onde se encontra o túmulo de

São Francisco e de alguns de seus seguidores.

Outra basílica que merece uma visita é a de Santa

Chiara, que seguiu São Francisco, fundando

o correspondente feminino dos franciscanos.

A basílica, construída entre 1257 e 1265,

apresenta uma fachada análoga à da igreja

superior de São Francisco. O calcário branco e

rosa, em riscas alternadas, confere um caráter

cromático particular. No interior, conserva-se o

crucifixo que estava antigamente em San

Damiano, e que, segundo a tradição, falou a São

Francisco.

Orvieto, Todi, Spoleto e Gubbio

Situada em uma ampla elevação, Orvieto

revela-se um dos mais preciosos centros de arte

italiana. O planalto rochoso, onde surge a cidade,

determinou a formação de um centro religioso

dominado pela presença do Duomo (século XIII),

de um centro político assinalado pelo Palazzo del

Popolo (século XII), e de um centro administrativo

demarcado pelo Palazzo Comunale (século XVI).

O Duomo começou a ser construído em 1290,

com fachada em estilo gótico, decorada por

preciosas esculturas e dominada por uma famosa

rosácea central do século IV, obra de Andrea

Orcagna. No seu interior estão ricas decorações

pictóricas, com destaque para os afrescos de

Luca Signorelli e do Beato Angelico.

A próxima parada de nosso tour é Todi, um dos

mais solenes centros medievais italianos, que

surge sobre as colinas umbras no vale do Tibre.

O coração de Todi é a Piazza del Popolo, uma das

mais sugestivas praças da Idade Média italiana.

Ela é retangular e domina a envergadura do

Duomo do alto de uma majestosa escadaria, com

os três maiores palácios públicos: Palazzo dei

Priori, o Palazzo del Popolo, e o Palazzo del

Capitano.

Uma pequena, mas característica construção

românica é a igreja de San Carlo, de 1100. Todi é

também conhecida por suas fontes, que dão à

cidade um toque de delicadeza refinada: a

Fontana Scarnabecco, a Fontanelle di

Sant'Arcangelo e a Fontana Cesia.

É essencial uma parada em um dos restaurantes

típicos da região, chamados girarrosto (nome

dado ao espeto rotativo no qual é feito um prato

da região: javali assado na lareira, servido com

verduras locais), onde se podem apreciar

antepastos de vários tipos de frios, produzidos

localmente, entre os quais o famoso prosciutto

norcino. Tudo regado com um vinho branco

também produzido na região.

Spoleto surge na base do sistema montanhoso

San Elia. Parece que sua origem é um lugarejo

villanoviano (civilização pré-histórica da primeira

Idade do Ferro), conquistado pelos romanos no

século III a.C. Invadida pelos bárbaros no século

IV, tornou-se, em 575, capital do Ducato

Longobardo de Spoleto, uma importante

jurisdição que, por vários séculos, representou um

importante papel no equilíbrio da Itália central. Em

1861, Spoleto tornou-se parte do Reino da Itália.

Do ponto de vista urbanístico, foi apenas na

Idade Média que Spoleto se desenvolveu além

das muralhas que a circundavam, e foi no fim do

século XIII que, na parte superior do monte San

Elia, levantou-se uma cidadela fortificada (La

Rocca).

O centro monumental de Spoleto encontra-se nas

encostas do San Elia. Nele se destaca o Duomo,

construído na alta Idade Média, que impressiona

principalmente por sua fachada com o pórtico e a

torre campanária em estilo românico, tudo

contido numa pequena praça triangular. É um

exemplo do fervor artístico da cidade, marcado

por dois estilos arquitetônicos: o românico, com

a decoração da fachada e a torre campanária, e

o renascentista, com o pórtico.

Outro lugar interessante para se visitar é a Piazza

del Mercato, dominada pela monumental Fontana

di Piazza, um chafariz do século VIII circundado

por outras pequenas praças que se formaram no

século VIII.

Ainda se podem ver as ruínas do Teatro Romano do século I d.C.

O Duomo de Spoleto representa uma mistura de estilos: o românico, na fachada, e o renascentista, na torre campanária

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No bairro La Porzianina, de estrutura tipicamente

medieval, alinham-se construções nobres e

edifícios populares, alguns dos quais embelezados

por jardins suspensos. Podemos, em seguida,

percorrer um outro itinerário, onde estão vestígios

de monumentos romanos, como o Arco de Druso

(23 d.C.), o Arco di Monterone (século III a.C.) ,

as ruínas do Teatro (século I d.C.), a Ponte

Sanguinário (século I a.C.), e o Anfiteatro (século

II d.C.), com a sua Casa Romana que se encontra

na área do Palazzo Comunale.

Concluímos nossa visita a Spoleto em outro

edifício românico (século XII): a igreja de Santa

Eufemia, com três naves, e galerias superiores de

inspiração lombarda. Vale ainda citar a basílica de

San Salvatore, que, localizada fora do perímetro

das muralhas, constitui, apesar das reformas

posteriores, uma testemunha de arquitetura

paleocristã (século IV).

A nossa última parada é Gubbio, cujo nome

lembra a história do famoso lobo que São

Francisco convenceu a não mais atacar os

moradores da cidade em troca de alimento e

proteção.

Gubbio é o protótipo da cidade medieval umbra,

de estilo gótico, perfeitamente conservada dentro

do anel das muralhas. Em meio a uma larga base

de casas erguem-se, no centro, os edifícios e a

praça pública, dominados pela composição da

Cattedrale e do Palazzo Ducale, um complexo

extraordinário – seja pelas dimensões e pela

continuidade da construção medieval, seja pela

presença de edifícios monumentais, praças e

ruelas que nos permitem reviver a história desse

poderoso centro. O ambiente ainda apresenta os

tempos da "Livre Comuna", ápice de seu

desenvolvimento do início do século XIV.

Os primeiros núcleos medievais de Gubbio foram

os do bairro San Martino (hoje San Domenico), e

a área em volta da primeira Cattedrale (hoje San

Giovanni). No fim do século XII, foi construída a

primeira praça pública da cidade, com a

Cattedrale e o Palazzo Comunale. A disposição de

todos os edifícios segue uma lógica geométrica:

as igrejas de San Francesco, San Agostino, a

nova Cattedrale e San Domenico estão colocadas

nas extremidades de uma cruz, com a velha

Cattedrale no centro.

No velho bairro em volta de San Giovanni,

a arquitetura das casas, de origem quase sempre

românica, foi muito modificada na época gótica,

o que se nota com a freqüência de algumas

casas-torre. Entre as maravilhas que Gubbio

reserva, pelo menos dois ambientes merecem

uma atenção especial: o conjunto da Cattedrale e

o Palazzo Ducale. A igreja, iniciada no século XII,

é hoje um amplo edifício gótico, o Palazzo.

A transformação foi promovida pelo Duque de

Montefeltro, do antigo edifício comunal. No

centro desse conjunto encontra-se a Piazza della

Signoiria, com os Palazzi dei Console e Pretório,

extraordinárias obras públicas que o governo da

"Livre Comuna", elegeu, em 1321, no centro dos

diferentes bairros, como elemento simbólico de

unidade cívica.

As construções góticas de Gubbio compreendem

também a igreja de San Francesco, com três

naves e a característica torre dos sinos poligonal,

com um grande claustro no convento anexo; o

Palazzo del Capitano del Popolo, a igreja de

Sant'Agostino, de San Domenico, de Santa Maria

Nuova; e as igrejas românico-góticas de San

Giovanni e San Pietro, esta última de antiga

construção, transformada no início do século VI.

Para terminar, o Palazzo Beni, um dos poucos

edifícios do século V em Gubbio.

Nossa viagem pela verde Úmbria de São

Francisco chega ao fim. Foi uma visita rápida,

limitada pelo tempo e pelo espaço. Mas isso não

esgota as surpresas que essa terra mística

reserva a quem dela se aproxima, principalmente

em seus lugarejos e burgos, arraigados nas

tradições de um tempo que parece ter

estacionado.

Assisi é a terra natal de

São Francisco. Na foto, a igreja

que leva o nome do santo

Úmbria

Assisi

Città di Castello

Foligno

Gubbio

Narni

Orvieto

Perugia

Spoleto

Terni

Todi

Amelia

Cascia

Norcia

Lago Trasimeno

Umbertide

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Artigo

Arq

uiv

o

Por Silvana Leporace

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Hora de fazer planos

no novo. Reinício das aulas. É hora de Arefletirmos o que valeu a pena em 2007 e planejarmos 2008 para que seja um ano ainda mais produtivo.Trazendo a idéia do reinício para a escola, sempre percebo que os alunos que apresentaram algum tipo de dificuldade durante o ano letivo prometem adotar outra postura em relação aos estudos; a organização para realizarem e entregarem as tarefas no tempo solicitado e a adoção do estudo diário como parte das suas rotinas. Mas, na maioria das vezes, não é isso que ocorre.Como as crianças e os jovens têm muita dificuldade em planejar e prever as conseqüências, precisamos ajudá-los a fazer isso. Adquirir o hábito de estudar diariamente, não confiar tanto na memória – especial-mente os adolescentes – e organizar a agenda e o material necessário para as aulas, também é um aprendizado.Precisamos também estimulá-los a fazer projetos em relação aos objetivos que queiram alcançar. Se não sabem quais são, é nosso papel questioná-los para que procurem algo que queiram construir.Como as pessoas são muito imediatistas hoje em dia, é claro que esta tarefa tornou-se mais difícil e complicada, tanto para a escola, quanto para a família. Colocar objetivos a curto, médio e longo prazo, não é nada fácil.O aluno precisa aprender que a aquisição do conhecimento não se realiza de uma hora para outra. É um trabalho que exige dedicação, disciplina, organização, esforço e responsabilidade. É uma somatória e os pré-requisitos precisam estar

solidificados. Como fazer? Realmente, colocar no papel a rotina diária, a organização do tempo disponível e verificar se realizaram o que foi proposto. Não podemos deixar de orientar nossos filhos para que cumpram o que foi combinado e saibam que temos expectativas em relação ao que podem e devem realizar e que iremos cobrar os resultados.É claro que não iremos colocar metas ou expectativas inatingíveis, pois já sabemos de antemão que isso poderia gerar frustrações ou, algumas vezes, fazer com que eles sentissem que são incapazes – o que os faria desistir logo no início. Nós conhecemos os nossos filhos e sabemos aonde

podem chegar.Caso o resultado não seja o esperado, com calma e tranqüilidade reveja com ele o que não deu certo, o porquê do resultado negativo, o que pode ser melho-rado, e o que precisa ser corrigido e retomado para que ele tenha vontade de recomeçar. Acompanhe seu filho e mostre que acredita nele. Tenha coerência para lidar com a faixa etária em que ele se encontra.E nada melhor do que nossos projetos serem concluídos com êxito. É a grande alavanca para traçarmos e alcan-çarmos novos obje-tivos. O que não po-demos é só deixar que as coisas aconteçam e que eles continuem

com a idéia de que, no final, tudo dará certo sem que façam a parte que lhes cabe neste processo.

Silvana Leporace é coordenadora do Serviço de Orientação Educacional do Colégio Dante Alighieri

Como as crianças

e os jovens têm muita

dificuldade em planejar e

prever as conseqüências,

precisamos ajudá-los a

fazer isso. Adquirir o

hábito de estudar

diariamente, não confiar

tanto na memória (...) e

organizar a agenda e o

material necessário para

as aulas(...)”

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Memória

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Acima, uma aula prática de Química do

Dante na década de 1950. Na foto ao lado,

uma das bancadas do atual laboratório, onde

os alunos realizam experiências químicas,

com a orientação dos professores.

Arquivo Centro de Memória

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O que seu filho vai ser quando crescer?

Colégio Dante Alighieri

www.colegiodante.com.br / (11) 3179-4400

Educação Infantil (Maternal e Jardim) Ensino Fundamental Ensino Médio�

O futuro começa aqui.