Darwin Aos Tiros - Carlos Fiolhais e David Marçal
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CARLOS FIOLHAIS e DAVID MARÇAL
DARWIN AOS TIROS E OuTRAS HISTÓRIAS DE CIÊNCIA
CARLOS FIOLHAIS • DAVID MARÇAL
DARWIN
AOS TIROS
e Outras Histórias de Ciência
gradiva
© Carlos Fiolhais e David MarçallGradiva Publicações, S. A.
Revisão de texto Rita Almeida Simões Capa Armando Lopes (concepção gráfica)/© José Souto-
6 - Criatividade, Imagem e Publicidade, L.d. - Olifante (cartune)/© Mário Rainha Campos (foto de David Marçal)
Fotocomposição Gradiva Impressão e acabamento Manuel Barbosa & Filhos, L.da
Reservados os direitos para Portugal por Gradiva Publicações, S. A. Rua Almeida e Sousa, 21- r/c esq. -1399 -041 Lisboa Telef. 21 393 3760 - Fax 21 39534 71
Dep. comercial Telefs. 2139740 6718 - Fax 2139714 11
[email protected] I www.gradiva.pt
V edição Outubro de 2011 2.a edição Fevereiro de 2012 Depósito legal 340 034 1201 2 ISBN 978-9 89-616-447- 8
gradiva Editor GUILHERME VALENTE
Visite-nos na Internet www.gradiva.pt
"
Indice
A abrir ....................................................................... 9
o POWERPOINT SETECENTISTA E OUTRAS HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA
o PowerPoint setecentista ................. ....... ...................... 1 3
Homens nus por todo o lado ...... ................................... 1 6
Mozart, a matemática e a lotaria ............... ... ........ . ....... 1 9
Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown ............. 21
Um escaravelho matemático ......................................... .. 24
PROCURAM-SE NÓNIOS DE NUNES E OUTRAS HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA
Procuram-se nónios de Nunes ....... .......... .. .............. ....... 29
Um buraco de onze dias.... .... ... ... ... ...... ... .... ... ... ............. 3 2
O intrépido capitão Lunardi e os lulanos ...................... 34
Einstein eclipsa Newton ....... ..... .... ............................ ...... 3 7
Da órbita de Clarke ao elevador espacial. .................. ... 3 9
O pai incógnito do Sputnik ......... ....... .... ........................ 41
Porque está lá! ............................................................ .... 43 Viagem planetária com dormida na heliosfera .... ... ... .... 45
6 DARWIN AOS TIROS
Galileo no vidro da frente com uma ventosa ................ 47
Bactérias extraterrestres? Outra vez? ............................ . 49
Alô, Marte, está aí alguém? ....................... .... ................ 52
O eixo do mal na abóbada celeste ................ ...... ........... 54
Multiverso, Alices e coelhos brancos ............................. 56
UM PALIMPSESTO PARA LER NO BANHO E OUTRAS HISTÓRIAS DE FíSICA
Um palimpsesto para ler no banho ................................ 59
Atraso judicial no Vaticano ............................................ 62
Deus e os gigantes da ciência.. ....................................... 66
O padre voador...... ...................... .................. .......... ...... 69
A ilustre família Magalhães .... .............. ........... ... .... . ....... 73
Engenheiro morre no cárcere após suicídio falhado ...... 75
A saga do Vasa: demasiado bonito para flutuar ........... 77
Cientistas incendiários ........................ ............ ................ 8 1
As cores do embaixador Sampayo ....... .... ... .... ............... 84
O maior erro de Einstein ................................................ 86
Prémios Nobel da Física para todos os gostos .............. 8 9
As namoradas de Schrodinger e o significado da vida .... 92
O carteiro de Reguengos traz carta de Einstein .... ........ 94
.0 incrível Hulk ............................................................... 97
Um físico na prisão de Estaline ...................................... 99
O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta com quem nunca era visto ....................................................................... 102
O laser, uma solução à procura de um problema ......... 105
Dinossauros, pirâmides e JFK ......................................... 106
A impunidade do homem invisível ....................... ..... ..... 108
O medo do nuclear .................................. .... ................... 111
A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete ....... 115
A física do futebol ......... ... .............................................. 117
O melhor da existência humana .................................... 119
Uma bomba sexual .......................................... ............... 121
Do Ig Nobel ao Nobel ........................ ........ ................... 123
Gelo quente é possível, Sr. Dr . ....................................... 125
INDICE 7
GUERRA E PAZ NO MUSEU E OUTRAS HISTÓRIAS DE QUíMICA
Guerra e paz no museu ...................... ......... ................... 129
O cheiro dos ricos .......................................................... 131
Há muito espaço lá em baixo ........................ ................ 13 4
A ilha dos superpesados ................ ................................. 13 7
O mistério da cebola e o verniz estragado .................... 139
Sabe Deus que isto é vitamina C ................................... 141
Nos gloriosos dias do DDT ... ......................................... 143
Gasolina nas torradas e manteiga no depósito de gaso-lina ............................................................................... 145
«ó MAR SALGADO, QUANTO DO TEU SAL...» E OUTRAS HISTÓRIAS DE GEOLOGIA
«6 mar salgado, quanto do teu sal...» .......................... 149
Pânico no clima europeu ................................................ 152
O temor da terra .... . . ..... ................................................. 154
Uma desgraça de profeta ........ ........................................ 156
A MIRABOLANTE FLORA DO DESERTO E OUTRAS HISTÓRIAS DE BIOLOGIA
A mirabolante flora do deserto ...................................... 159
Darwin e o seu amigo açoriano ..................................... 161
A origem da espécie .......... .................. . . ..................... ..... 164
África nossa .. ................................................. ................. 166 Darwin aos tiros ............................................................. 167
A origem da vida: não tente fazer isto em casa ....... ..... 169
Previsões só no fim do jogo: selecção natural irrelevante 172
Previsões só no fim do jogo: o fim das doenças infec-ciosas .......... .......................... .............. ......................... 175
Bullying eterno ........... ...... . . o o o o o ........... ............................. 177
Prémio Nobel para os brócolos . . . ................................... 178
8 DARWIN AOS TIROS
Geração nada espontânea e o herói dos pacotes de leite 18 1
A festa dos macacos e a base genética da alma ............ 186
« Obrigado, alforreca», diz o coelhinho fluorescente ..... 189
Os homens são todos iguais ........................................... 193
A FABRICA DO CORPO HUMANO
E OUTRAS HIST6RIAS DE MEDICINA
A Fábrica do Corpo Humano ........................................ 197
Um judeu errante ............................................................ 200
Sexo e violência em Egas Moniz ................................... 202
Revolucionários muito conservadores ............................ 205
O lugar da longa vida ................. . . . . . .............................. 207
A matança dos porcos ..................................... . . . ............ 209
Bactérias assassinas ......................................................... 211
A imortal Henrietta ..... ................................................... 213
Presos nas entranhas da Terra ....................................... 215
O ADN de Bin Laden ........................... . . . . . . . . . ................ 217
O CULTO DA CARGA E OUTRAS HIST6RIAS DE PSEUDOCIÊNCIA
o culto da carga ............................................................. 221
Magos e sábios . . ................ . . ........................................... 224
Comunicação extra-sensorial? ........... ............................. 226
A notícia da treta mais deprimente do ano ................... 228
O Dr. House receita testículos de touro e abelhas esma-
gadas ............................................................................ 231
Uma overdose de água e açúcar ..................................... 23 3
A autobiografia emocionante de uma molécula de água 235
O génio solitário e a imortalidade na Internet .............. 238
Lavar a roupa limpa com cerâmicas Kung Fu ............... 242
Notas e referências ...................................................... 247
Créditos das figuras ........................................... . . . ...... 281
A abrir
NÃO É s6 A FíSICA QUE É DIVERTIDA. Também outras ciências, como a matemática, a astronomia e a astronáutica, a química, as ciências da Terra, a biologia e a medicina o são. O esforço do homem para compreender o mundo à sua volta e para aplicar esse conhecimento em seu benefício resulta de um impulso interior que dá auto-satisfação intelectual e garante bem-estar materia l . Outras actividades humanas tentam fazer-se passar por ciência sem o serem - daí o nome de pseudociências -, mas são defin itivamente outra coisa. Não se passa a saber mais do mundo através delas. Nem, em geral , a lém daqueles que as praticam, há quem lucre alguma coisa com elas. Não deixa, porém, de ser divertido observar o esforço inglório que muita gente faz para « macaquear» a ciência . . .
Este l ivro conta histórias, mais ou menos divertidas (quando não são divertidas, serão pelo menos curiosas) da ciência, cujos temas foram extraídos tanto da longa história da ciência como da actual idade científica . Foram precisos dois autores, porque a ciência hoje, mais do que ontem, é especializada. O primeiro autor, Carlos
10 DARWIN AOS TIROS
Fiolhais ( CF) , que é físico, escreveu as histórias de matemática, astronomia, física e geologia, e atreveu-se também a contribuir com algumas histórias de química ( Guerra e paz no museu, O cheiro dos ricos, Há muito
espaço lá em baixo e A ilha dos superpesados), de biologia (A mirabolante flora do deserto, Darwin e o seu
amigo açoriano, A origem da espécie e Africa nossa) e todas as de medicina, para além de ter metido uma colher na sopa das pseudociências (O culto da carga,
Magos e sábios e Comunicação extra-sensorial?). Por seu lado, o segundo autor, David Marçal (DM), que é bioquímico, escreveu a maioria das histórias de química e de b iologia (as restantes) , para além de ter tido a seu cargo a maioria das histórias de pseudociência (idem) .
Contribuiu ainda para o capítulo da física com a última h istória (Gelo quente é possível, Sr. Dr.) Os dois, que, juntos, têm divulgado ciência no blogue de ciência, educação e cultura De Rerum Natura (Sobre a Natureza
das Coisas), esperam que as h istórias fiquem bem juntas, divertindo quem as leia. Quem quiser saber mais - e ambos esperam que haja leitores que o queiram -encontrará no final do livro algumas notas e muitas sugestões de leitura .
CF quer agradecer à Teresa Pena, ao José Cabrita Saraiva e ao Nuno Pacheco, que editam respectivamente a Gazeta de Física, revista da Sociedade Portuguesa de Fís ica, a secção de ciência da revista Tabu, que acompanha o semanário Sol, e as colunas de opinião do diário Público, o espaço onde pôde exercitar a pena para escrever a lgumas destas histórias ou, melhor, o rascunho delas, porque foram agora aqui todas revistas e em muitos casos aumentadas. Quer também agradecer ao João Filipe Queiró e à Helena Damião a leitura
A ABRIR 1 1
crítica de alguns desses textos. E ainda quer agradecer a DM a leitura atenta e as excelentes dicas, muitas delas acrescentando uma pitada de humor onde ele faltava. Quer, finalmente, agradecer à Anica não só os comentários sempre pertinentes sobre as prosas quentinhas, acabadas de sair do forno do processador de texto, como sobretudo o encorajamento à escrita e a compreensão pelo tempo que, com este e outros l ivros, tem sido retirado à vida familiar.
DM quer agradecer à Ana Teresa Gonçalves e à Catarina Silva, pela leitura e as propostas construtivas que fizeram para a maioria dos textos. Quer também agradecer de um modo muito especial a todos os Cientistas de Pé, o grupo de investigadores que fazem stand-up
comedy num projecto coordenado por DM e pelo actor Romeu Costa desde 2009, com quem vários destes temas foram discutidos. Um agradecimento também ao co-autor CF pelo convite para participar neste livro. E, acima de tudo, à Joana, não só pela tolerância de ponto do tempo roubado à vida familiar para preparar este livro, como pelas inúmeras sugestões e discussões acerca da ciência e histórias da ciência, que têm eco nestas páginas.
Os dois autores fazem questão de agradecer a Guilherme Valente, editor da Gradiva, pelo óptimo acolhimento dado a este livro, tal como no passado deu a outros. Orgulham-se de fazer parte de um projecto consistente e continuado (começou no início dos anos 80 do século passado e prossegue hoje com o mesmo entusiasmo) que tem em vista a expansão da cultura científica entre nós, e que tantos e tão bons frutos tem dado.
Figueira da Foz e Canas de Senhorim,
15 de Agosto de 2011
o PowerPoint setecentIsta
e outras histórias de " .
m atematIca
o PowerPoint setecentista
A GEOMETRIA DO GREGO EUCLIDES ( 360 a .C.-295 a .c.), que tanto impressionou o físico Albert Einstein quando este era muito jovem, é, de facto, uma das maiores marcas da intel igência humana. Uma gravura numa edição dos Elementos de Euclides do século XVlII mostra um grupo de náufragos que chegam, exaustos, a uma praia para eles desconhecida. Não sabem se a ilha é habitada e se podem, por isso, esperar ajuda. Ao encontrarem algumas figuras geométricas traçadas na areia, exclamam com alegria :
Tenhamos esperança, aqui há humanos ...
Um optimismo comovente, tendo em conta as pessoas que actualmente declaram preferir a companhia dos
14 D A RWIN AOS TIROS
animais ou dos jogos de computador . . . Numa versão mais contemporânea e ecológica, um grupo de focas-monges quando confrontado com figuras geométricas, e se acaso pudessem falar, diriam qualquer coisa como:
Estamos tramadas, aqui há humanos . . .
D e qualquer modo s ó os humanos são capazes de traçar figuras geométricas. O livro encontra-se numa estante da Sala de São Pedro, no edifício central da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, a biblioteca multicentenária que a lberga várias outras valiosas versões dos Elementos, que permitem ilustrar a evolução, ao longo dos séculos, não apenas da recepção da matemática antiga mas também da arte tipográfica. Foram os árabes da Península Ibérica que salvaram a obra de Euclides do esquecimento, preservando-a, através de sucessivos manuscritos, até aos finais da Idade Média, quando surgiu a imprensa de tipos móveis e com ela os primeiros incunábulos.
Em Portugal, além dos desenhos geométricos manuscritos e impressos guardados em bibliotecas, também existem desenhos dos teoremas de Euclides gravados em azulejo, uma tecnologia com nome e influência árabes. Com efeito, das pranchas matemáticas de uma das edições do século XVII dos Elementos - mais exactamente, uma edição de 1 654 saída em Antuérpia, com o título Elementa Geometriae -, devida ao j esuíta belga André Tacquet ( 1 6 1 2- 1 660), foram feitas cópias quase fiéis para azulejo - essa bela arte que os portugueses fizeram sua ( figura 1 ).
Há, porém, um mistério nestes azulejos, que pertencem na sua maioria ao Museu Nacional de Machado
H I STÓRIAS DE M ATEMÁTICA
Figura 1 - Azulejo pertencente à colecção
do Museu Nacional de Machado de Cas
tro, em Coimbra. Diz respeito à proposição
29 do Livro I dos Elementos de Euclides
15
de Castro, em Coimbra (há alguns, poucos, no Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, e outros, ainda menos, em mãos de particulares): ninguém sabe ao certo nem de quando são nem de onde vieram. Provavelmente serviram para ensinar os estudantes do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, antes da expulsão, por ordem do Marquês de Pombal em 1 759, dos j esuítas, que governaram durante muitos anos esse colégio. A permanente visão dos azulejos nas paredes da sala de aula ou nos muros dos claustros limítrofes tornava mais acessível aos estudantes a geometria euclidiana. Era uma espécie de PowerPoint dos séculos XV1! e XVIII . . . Hoje em dia as apresentações de PowerPoint são usadas nas salas de aula na esperança de que tenham o mesmo efeito hipnotizante nos a lunos do que a televisão.
1 6 DARWIN A O S TIROS
Apesar de, nesse tempo, ainda não haver televisão, talvez nos séculos XVII e XVIII os j esuítas já achassem que era bom encher o olho dos pupilos com imagens e palavras-cha ve.
Os azulejos que se conhecem são cerca de vinte: faltam muitos para completar a reprodução das centenas de figuras do l ivro. E há alguns azulejos que não são de matemática, contendo motivos de astronomia e hidráulica, os quais, com toda a certeza, não foram extraídos daquele l ivro. Haverá mais « azulejos que ensinam» ? Onde estão eles? Este é o enigma dos azulejos matemáticos que aguarda quem o desvende. O facto de, em escavações arqueológicas recentes realizadas no Largo do Marquês de Pombal, perto do Colégio das Artes, em Coimbra, ter sido encontrado um fragmento de um desses azulejos faz pensar que uma parte deles tenha sido desfeita . . . É possível que a fúria restauradora do Marquês tenha levado à destruição da maioria dos azulejos que serviram como auxiliar pedagógico nos espaços dos j esuítas . A ser assim, e como Euclides continua e continuará eternamente actual, será lógico concluir que nem sempre há progresso na ciência . Por vezes, há perdas irreparáveis . . .
Homens nus por todo o lado
Podemos com relativa facilidade encontrar um homem nu no nosso bolso: esse homem está na moeda de 1 euro cunhada em Itália, o que não admira, pois o autor da imagem original, que data de 1 490, o artista e inventor Leonardo Da Vinci ( 1 452-1 5 1 9), nasceu em Anchiano, lugarejo perto de Vinci, província de Flo-
HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 17
rença . O governo do seu país quis deste modo e muito j ustamente homenageá-lo à escala europeia.
Leonardo é não só um dos maiores génios italianos e europeus mas também, para muitos, o maior génio da h istória. E o seu génio, que chegou até nós tanto através das suas criações artísticas como através das suas criações tecnológicas, está condensado na representação que fez de um homem nu (há quem diga que é um auto-retrato) contido simultaneamente dentro de uma circunferência e de um quadrado ( figura 2). A figura humana toca graciosamente na circunferência ou no
Figura 2 - Original d'O Homem de Vitrúvio de Leonardo Da Vinci. A escrita
só se pode ler ao espelho
1 8 D A RWIN AOS TIROS
quadrado conforme está com as pernas e os braços em V ou com as pernas unidas e os braços na horizontal . O centro da circunferência e do quadrado não coincidem: o primeiro está no umbigo, perto do centro de gravidade do corpo, e o segundo está no sexo.
A representação, cujo original se encontra na Galeria da Academia em Veneza, pode ter s ido inspirada, em últ ima anál ise, nas palavras do filósofo grego Protágoras de Abdera, que viveu no século v a.c. : O homem é a medida de todas as coisas. Não se sabe. Mas não há dúvida de que Leonardo foi influenciado pela obra do arquitecto e engenheiro romano Marco Vitrúvio Polião, que escreveu no século I a.c. a obra Dez Livros de Arquitectura, uma vez que glosa esse autor, usando a sua extraordinária caligrafia que só pode ser lida ao espelho, no manuscrito que contém o desenho (daí o nome O Homem de Vitrúvio). O objectivo tanto do artista-inventor como do arquitecto que o inspirou era a busca das proporções perfeitas . O simbolismo era e é a integração do homem no mundo, o mundo que está escrito em linguagem matemática e onde, por isso, se encontra geometria por todo o lado.
Há homens nus de Leonardo ou aparentados por todo o lado na Terra e até no espaço. Como as boas proporções indiciam saúde, é natural que várias instituições médicas ou relacionadas com a medicina tenham adoptado, por todo o mundo, o desenho de Leonardo como sua imagem de marca. Os fatos da NASA usados pelos astronautas para executarem actividades fora do vaivém ou da Estação Espacial Internacional também mostram o homem de Vitrúvio. E o logotipo da agência de exploração interestelar no filme Contacto, baseado no romance do astrofísico norte-americano Carl Sagan ( 1934-1996), é
HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 1 9
u m homem d e Vitrúvio estilizado. A visão do homem de Vitrúvio evoca ao mesmo tempo a ciência e a arte. Da Vinci conseguiu, com o homem de Vitrúvio, casar a ciência e a arte melhor do que ninguém. E esse casamento manteve-se até hoje sem nenhuma possibilidade de divórcio.
Parece, porém, nesta omnipresença de homens nus, haver alguma discriminação. De facto, é uma pena que nenhum país da zona euro tenha feito a moeda feminina correspondente, ou seja, por exemplo, que a França não tenha feito uma representação da Mona Lisa tal como veio ao mundo inscrita em triângulos, quadrados, círculos, ou o que quer que fosse!
Mozart, a matemática e a lotaria
o que tem a música do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart ( 1 756- 1 791) a ver com a matemática ? Já houve quem dissesse que a escuta da música de Mozart por bebés com menos de três anos aumenta a capacidade de raciocínio espaciotemporal e, portanto, a aptidão para a matemática. Este é o chamado « efeito Mozart» , uma expressão inventada pelo médico francês Alfred Tomatis ( 1 920-200 1 ) , que teria detectado um maior desenvolvimento cerebral de crianças pequenas depois de elas ouvirem peças de Mozart. Acreditando piamente nisso, os governadores norte-americanos do Tennessee e da Geórgia decidiram oferecer CD com música de Mozart a todas as parturientes dos seus estados. De facto, o efeito Mozart não está de modo nenhum provado. É um daqueles mitos que os media espalharam profusamente sem estarem apoiados por qualquer tipo de confirmação científica. Pseudociência,
20 D A RWIN AOS TIROS
portanto. Aliás, se a escuta de peças de certos compositores de música pudesse melhorar qualquer tipo de raciocínio, em vez de professores teríamos disc-jockeys
e as salas de aula seriam pistas de discoteca, com os alunos a abanarem o capacete enquanto desenvolviam a legremente as suas aptidões.
Mas Mozart tem mesmo a ver com a matemática. Não que ele fosse um grande conhecedor dessa ciência. Mas, na imensa e rica obra do génio de Salzburgo, encontram-se bons exemplos de um importantíssimo conceito matemático - a simetria - que tem numerosas aplicações na física e na química. Um espelho exibe uma simetria particular entre um objecto e a sua imagem, trocando a esquerda e a direita. Em certas peças mozartianas, há mesmo um espelho: é tocada a imagem ao espelho de um certo excerto da pauta. Encontra-se, além de um espelho. no espaço, também um espelho no tempo: um excerto da pauta é repetido, mas tocado do fim para o princípio. É ainda frequente encontrarmos nas obras mozartianas simples repetições de um tema musical, uma simetria dita de translação. E Mozart revela-se extremamente exímio em combinar de maneira harmónica todas estas simetrias. O nosso ouvido fica tão entretido com a música, que só quem conhece a notação musical e olha com atenção para a pauta é que consegue detectar esses verdadeiros truques matemático-musicais.
Alguns matemáticos estudaram com cuidado a música de Mozart, com o intuito de procurarem esses e outros elementos matemáticos. Procuraram, por exemplo, a proporção áurea, ou razão dourada, isto é, um número fraccionário (cerca de 1 ,6 1 8) que, desde o tempo dos gregos, está associado a uma «boa proporção » , n a arquitectura, na escultura, n a pintura, etc . Porque
H ISTÓRIAS DE MATEMÁTICA 21
não também na música ? E houve, de facto, estudiosos que reclamaram ter encontrado essa razão nalgumas sonatas para piano de Mozart, quando dividiram os tempos correspondentes às duas partes em que essas obras musicais se compõem: a introdução e o desenvolvimento. Não há, porém, uma concordância exacta em medidas desse tipo efectuadas em diversas sonatas, o que deve querer significar que, mais do que obedecer rigidamente a uma fórmula matemática, a divisão temporal das peças obedeceu a um excepcional sentido de harmonia do genial autor.
Não faltou quem procurasse fórmulas matemáticas por todo o lado nas partituras originais do autor de Eine Kleine Nachtmusik. Todavia, só se encontrou, à margem de uma pauta, um rabisco de um cálculo de probabilidades feito pelo compositor numa sua tentativa, aparentemente vã, de ganhar a lotaria . . . Mozart não era propriamente rico e, como muita gente na sua situação, sonhava com a sorte grande. Teve, depois de morrer, a sorte grande da fama musical, mas em vida nem sequer uma terminação.
Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown
o romance O Símbolo Perdido (Bertrand, 2009), do escritor norte-americano Dan Brown (n . 1 964) , é, tal como outras obras do mesmo autor que a precederam, Anjos e Demónios e O Código Da Vinci, uma obra de ficção, pura ficção. No terceiro livro do autor de superêxitos, a instituição omnipresente no enredo não é a Igreja Católica, tal como nos outros livros, mas a Maçonaria, a associação em grande medida secreta
22 D A RWIN AOS TIROS
fundada em Londres em 1 7 1 7 e que se desenvolveu ao longo de todo o século das Luzes, chegando em crescendo até aos dias de hoje. Brown localiza a sua acção na capital norte-americana, Washington D.e. (District of Columbia), uma cidade fundada precisamente nesse século. Com efeito, foi em 1 791 que o presidente George Washington ( 1 732-1 799), provavelmente maçom, encarregou o arquitecto franco-americano Pierre Charles L'Enfant ( 1 754-1 825), que tanto quanto sabemos não pertencia à associação, de desenhar o projecto da nova cidade, o que este fez conforme o contratado, embora pouco depois viesse a abandonar a obra, incompatibilizado com os mandantes. Brown, no seu livro, revela o que são, na sua óptica, alguns segredos da arquitectura da cidade onde se situam a Casa Branca e o Capitólio. Embora seja possível encontrar elementos maçónicos na grande urbe norte-americana, como de resto em várias outras da mesma época, é pouco crível que os traços urbanísticos de Washington contenham mensagens secretas, como é dito ou insinuado naquele que se tornou instantaneamente um best-seller. Isso não impede que a capital dos Estados Unidos seja visitada por hordas de turistas, hordas essas recentemente reforçadas pelo romance de Brown.
Na capital portuguesa, reconstruída em grande escala após o grande terramoto de 1 755, portanto antes da construção de Washington D .e., também não são difíceis de encontrar « símbolos perdidos» , isto é, sinais, maiores ou menores, a que se pode atribuir um significado maçónico. Tal resulta do facto de, no século XVlI1, terem começado a surgir na capital portuguesa lojas maçónicas ligadas a congéneres inglesas. Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782), que alguns dizem ter sido iniciado em Londres quando aí era embai-
HISTÓRIAS D E MATEMÁTICA 23
xador (não, não há a certeza de que tenha sido maçom), tolerou a maçonaria entre nós. O nosso Iluminismo foi aliás protagonizado por algumas notáveis figuras maçónicas como, por exemplo, só para referir cientistas, o botânico e diplomata abade Correia da Serra (o que mostra que, na época, não havia incompatibilidade essencial entre a Maçonaria e a Igreja Católica), o médico de origem j udaica António Nunes Ribeiro Sanches (que, tal como o abade Correia da Serra, se « estrangeirou»), o químico e naturalista italiano Domingos Vandelli (que de Pádua se transferiu primeiro para Lisboa e depois para Coimbra) e o botânico Félix Avelar Brotero (que, depois de estudar em Paris, fez carreira em Coimbra). Um dos arquitectos da reconstrução de Lisboa após o grande terramoto de 1 755, o húngaro Carlos Mardel ( 1 696 - 1 763), era também maçom. A primeira loja maçónica mesmo portuguesa, o Grande Oriente Lusitano, só foi criada em 1 802, sendo o seu primeiro grão-mestre um neto do Marquês de Pombal. Apesar de ter passado por vicissitudes várias, essa loja ainda hoje existe. Mas, para grande desgosto de a lgumas mentes mais fantasiosas, é pouco provável, tal como no caso de Washington, que Lisboa esconda segredos cósmicos, ocultados por simbologia maçónica.
Muitos dizem ver no Terreiro do Paço medidas com um significado esotérico. Até o número de colunas nos pórticos j á foi associado às cartas do tarô. Também vêem mistérios na estátua do soberano que teve tanto medo do terramoto, que entregou o poder ao Marquês de Pombal e passou a viver numa barraca. Vêem ainda elementos geométricos ligados à maçonaria (a palavra maçom significa pedreiro e os maçons também são conhecidos por pedreiros l ivres) nos edifícios em volta da
24 D A RWIN AOS TIROS
praça, hoje ocupados em grande parte por ministérios. Por exemplo, no cimo do Arco do Triunfo (uma construção que, apesar de ser de inspiração pombalina, só foi concluída em 1 873), à entrada da Rua Augusta, vê-se um triângulo equilátero, um símbolo maçónico muito comum, cujos vértices são dados por três figuras alegóricas, obra do escultor francês Anatole Camels ( 1 822-1 906). As figuras são a Lusitânia Gloriosa que coloca coroas de louros nas cabeças de Apolo e Minerva: a glória coroa o génio e o valor. Por baixo, está em latim:
Virtvtibvs Maiorvm Vt Sit Omnibvs Docvmento. PPD {Pecunia Publica Dicatum}.
Não, PPD não é referência a nenhum partido político . . . Traduzido para português, o letreiro significa:
Às virtudes dos maiores [mais velhos), para ensinamento de todos. Dedicado a expensas públicas.
o investimento de dinheiros públicos em obras urbanas avultadas aconteceu num tempo em que eles exis
tiam em maior abundância do que hoje . Mas, se o Turismo de Lisboa quer aumentar as excursões à capital portuguesa e com isso aumentar os proventos nacIOnais, fará bem em chamar Dan Brown . . .
Um escaravelho matemático
Benolt Mandelbrot ( 1 924-2 0 1 0), uma das mentes
mais brilhantes do século passado, foi um matemático polaco-franco-americano (nasceu na Polónia, de uma
HISTÓRIAS D E MATEMATICA 25
família judaica, mudou-se para França, onde fez estudos secundários e superiores, e transferiu-se para os Estados Unidos no pós-guerra). Ficou mundialmente famoso como o criador, a meio dos anos 70, do neologismo {ractal, construído a partir da palavra latina {ractus, que s ignifica fracturado, partido. O « conjunto de Mandelbrot» ( figura 3 ) , uma figura que, apesar de parecer um estranho escaravelho, é obtida a partir de uma fórmula matemática bastante simples, apresenta uma fronteira partida, extremamente partida. Se se olhar mais de perto, continua a estar partida. Trata-se, de facto, de uma figura matemática extremamente complexa, havendo até quem lhe tenha chamado a figura matemática mais complexa do mundo, apesar de ser obtida por um processo iterativo simples, facilmente reprodutível num vulgar computador pessoal .
-2
Re[e]
Figura 3 - Representação do conjunto de Mandelbrot. Os eixos horizontal e vertical representam a parte real
e a parte imaginária dos números complexos
26 DARWIN AOS TIROS
Como se pode reconhecer, fazendo contínuo zoam
sobre o conjunto de Mandelbrot, os objectos fractais que ele exemplifica são infinitamente partidos, isto é, são partidos em todas as escalas, de modo que podem ser caracterizados pela propriedade chamada invariância de escala: o seu aspecto é semelhante qualquer que seja a escala a que os observemos. Na Natureza, abundam objectos desse tipo: por exemplo, a acidentada costa da Grã-Bretanha, formada por numerosos promontórios e baías, é fractal, tal como o é a fronteira entre Portugal e Espanha, desenhada na sua maior parte por cursos sinuosos de rios. Estes dois exemplos aparecem no artigo publicado por Mandelbrot em 1967 na revista Science
com o sugestivo título « Quanto mede a costa da Grã-Bretanha ? » , um artigo inspirado em dados estatísticos do polímato inglês Lewis Fry Richardson. A resposta à pergunta do título é: depende do tamanho da régua, uma vez que, quanto mais pequena for a régua, maior será o comprimento da costa. No caso da fronteira luso-espanhola, os portugueses, habitantes do país mais pequeno, usam réguas mais pequenas e indicam, por isso, um valor maior para o perímetro fronteiriço do que os seus colegas espanhóis.
A palavra fractal entrou com todas as honras na l íngua portuguesa na capa do livro de Mandelbrot Objectos Fractais, saído na Gradiva em 1 991 (tradução de Carlos Fiolhais e José Luís Malaquias Lima) e encontra-se já devidamente dicionarizada. O prefácio desse livro termina com uma paráfrase dos conhecidos versos de Álvaro de Campos:
o conjunto de Mandelbrot é tão belo como a Vénus de Mi/o.
E há cada vez mais gente a dar por isso.
H ISTÓRIAS D E M ATEMÁTICA 27
o conjunto de Mandelbrot estava reproduzido na capa e, ao referir o seu apelo estético, pretendia chamar a atenção para a relação, profunda mas nem sempre evidente, entre a matemática e a arte.
Porque é que só no início dos anos 80 esse conjunto viu a luz do dia ? Acontece que a figura não pôde ser visualizada satisfatoriamente antes do advento das modernas máquinas de cálculo, porque o seu desenho exige o recurso a um computador digital. Não foi por acaso que ela apareceu quando Mandelbrot trabalhava num instituto de investigação da International Business Machines, IBM, que na época estava a introduzir no mercado o primeiro computador pessoal de grande venda, o IBM-PC.
Além dos objectos fractais do mundo ideal da matemática e dos outros que se encontram omnipresentes na Natureza, há ainda outros que surgem em resultado da actividade humana: Mandelbrot, no final dos anos 50, décadas antes do seu livro seminal, interessou-se pela evolução dos preços nos mercados, cujos gráficos em ziguezague haveria mais tarde de reconhecer como figuras fractais . As suas estranhas ideias tardaram um pouco mas acabaram por se entranhar nas escolas de Economia. Anos volvidos, o seu livro O (Mau) Com
portamento dos Mercados, escrito em co-autoria com Richard Hudson (Gradiva, 2006), celebrou o casamento dos fractais com a economia. A tese aí defendida é a de que o acaso se manifesta nos mercados de uma forma bastante mais irregular do que se pensava. Quando o leitor vê o seu orçamento delapidado pelo aumento do custo de vida, pode encontrar consolo em saber que a evolução dos preços está apenas a desenhar uma bonita figura fracta!. Actualmente, num tempo de grande tur-
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bulência dos mercados financeiros internacionais, bem pode dizer-se que o « pai dos fractais » morreu após ter assistido à confirmação das suas ideias ...
de
de
Pr ocuram-se " .
n onIos
Nunes e outras histórias . " .
astronomIa e astronautIca
Procuram-se nonzos de Nunes
o MATEMÁTICO PORTUGUÊS PEDRO NUNES ( 1 502-1 578), Petrus Nonius em latim, no seu livro De Crepusculis
(Lisboa, 1 542), considerou que a astrologia eram « quimeras e superstições quase extintas» . A este respeito, o historiador Jorge Couto escreveu, no catálogo da exposição «Estrelas de Pape! » , que esteve patente em 2009 na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, que se assistia então ao:
epitáfio da Astrologia como ramo do saber que gozara de significativa influência durante vários séculos, designadamente em Portugal, mas que fora reduzida a um papel residual de cariz não científico devido ao desenvolvimento da náutica astronómica que conduziu à emancipação da Astronomia.
Podemos perguntar o que teria acontecido se a astrologia tivesse prevalecido: como teriam corrido as
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viagens mantlmas se a navegação tivesse s ido feita com base na carta astral do capitão da caravela ou a causa dos naufrágios fosse atribuída a horóscopos pouco auspiciosos de determinados membros da tripulação?
Mas isso é história virtual . Facto é que à astrologia deixou lentamente de ser reconhecido estatuto de utilidade pública . Estava-se, então, na véspera da grande revolução na história da ciência que foi desencadeada pela publicação do livro De Revolutionibus Orbium
Coelestium ( Nuremberga, 1 543) da autoria do cónego polaco Nicolau Copérnico ( 1473- 1 543), obra que Nunes conheceu e até, nalguns pontos, comentou, apesar de não se ter tornado copernicano.
Foi no l ivro acima referido do matemático português que surgiu pela primeira vez a ideia de nónio, um instrumento de dupla escala que permitia aumentar a precisão das medidas angulares de astronomia e que haveria de ser referenciado e mostrado em duas gravuras num livro do astrónomo dinamarquês Tycho Brahe ( 1 546- 1 6 0 1 ) ( figura 4) e num livro do alemão Johannes Kepler ( 1 57 1 -- 1 63 0), seu discípulo e sucessor. O livro de Kepler Astro
nomia Nova ( Praga, 1 609) veio a revelar-se essencial para o desenvolvimento da lei de gravitação universal do inglês Isaac Newton, ao apresentar a ideia da forma elíptica das órbitas planetárias. Mas foi numa gravura do frontispício de um livro posterior de Kepler, as Tabu
lae Rudolphinae (Ulm, 1 627), que apareceu o nónio de Nunes ao lado de Tycho Brahe. Como se vê, já havia, há quatro séculos, l ivre circulação de ideias, de objectos e de livros na Europa. Foi aliás essa circulação que permitiu a eclosão n o Velho Continente da Revolução Científica, que os portugueses, com as suas grandes
HIST6RIAS D E ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 31
Figura 4 - Quadrante
com nónio de Pedro Nu
nes, conforme gravura
no livro Astronomiae Instauratae Mechanica, de
1602, de Tycho Brahe
viagens marítimas, ajudaram a exportar para outros continentes.
Apesar de conhecido de Brahe e de Kepler, não chegaram até nós muitos modelos antigos do nónio de Nunes . . . De facto, só chegou um e mesmo o seu conhecimento acabou por ser obra do acaso. O comandante Estácio dos Reis, oficial da Marinha portuguesa e historiador da ciência e da tecnologia, conta como um dia, ao visitar uma exposição de réplicas de instrumentos antigos, possuídas pela IBM, no Planetário Hayden de Nova Iorque, encontrou um quadrante com um nónio, semelhante ao que tinha sido reproduzido por Brahe. Esse encontro fortuito conduziu-o ao Museu e Instituto de História da Ciência de Florença, para onde a legenda do instrumento remetia. Contudo, ainda que
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recorrendo aos simpáticos préstimos de uma curadora, não encontrou nesse museu o quadrante reproduzido na réplica, mas sim um outro quadrante, um aparelho metálico e ainda em bom estado, no qual o diligente historiador pôde inequivocamente identificar o nónio de Nunes. Ficou ele e ficámos todos nós sem saber a partir de onde foi feita a réplica da IBM. De algum instrumento antigo ou simplesmente do livro de Brahe ? A empresa foi inquirida, mas não deu qualquer resposta .
É pouco, um só nónio antigo de Pedro Nunes? É, mas pode ser que surjam mais . . . A descoberta seria tão interessante para a história da ciência, que quem a fizer ganhará as alvíssaras do reconhecimento público.
Um buraco de onze dias
o astrofísico norte-americano Carl Sagan gostava, para referir a idade de uma pessoa, de usar a expressão «voltas ao Sol » em vez de anos. Morreu, vítima de cancro, a 20 de Dezembro de 1 993, após ter dado 62 voltas ao Sol. O ano não é mais do que a unidade de tempo que corresponde a uma volta completa do nosso planeta em torno da sua estrela. Bem se pode dizer que um raio que do Sol vai para a Terra funciona como um ponteiro de um gigantesco relógio. E é com base nesse relógio que estabelecemos as unidades de tempo, como o segundo, usadas hoje nos nossos relógios terrestres.
Que o ano comece a 1 de Janeiro, entre o solstício de Inverno a 2 1 de Dezembro e a data do periélio terrestre a 3 de Janeiro (quando a Terra está à menor distância do Sol, por mais estranho que isso possa
H I STÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONAuTICA 33
parecer) , não passa de uma mera convenção. Podia começar noutro dia ? Podia e era a mesma coisa . . . As revoluções do nosso planeta em torno do astro-rei repetem-se com uma extraordinária regularidade e poder-se-ia ter começado o calendário noutro ponto. Porém, como todas as convenções, também essa tem uma história. O início do ano no dia 1 de Janeiro começou com o estabelecimento do calendário j uliano pelo imperador romano Júlio César, no ano 46 a .c. Antes disso, o ano começava no mês de Março. Acrescentaram-se então dois meses ao ano (Novembro e Dezembro) e os últimos dois meses do ano antigo (Janeiro e Fevereiro) passaram a ser os primeiros do novo ano. O ano da mudança decretada por Júlio César, para um tempo que ficou conhecido como « era de César» , ficou j ustamente conhecido por « ano da confusão » .
Uma outra confusão, embora ligeiramente menor, ocorreu em 1582. A fim de melhor obedecer aos movimentos astronómicos, uma bula do papa Gregório XIII, datada de 24 de Fevereiro desse ano, revogou o calendário j uliano, decretando que fossem retirados alguns dias ao ano em curso. O dia 1 5 de Outubro surgiu nesse ano logo após o 4 de Outubro, criando assim um « buraco» de onze dias no calendário. O dia 1 de Janeiro de 2 0 1 1 no calendário gregoriano, que ainda hoje vigora, é o dia 1 9 de Dezembro de 201 0 do calendário juliano. Como era de esperar, países e regiões católicas como Portugal, Espanha, Roma (não existia ainda Itália na forma actual) e Danzigue (pertencente à actual Polónia) passaram imediatamente a seguir o édito papal. Desta vez, Portugal estava na linha da frente de uma mudança que haveria de ser global. O novo calendário tinha sido preparado por uma douta comissão que
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incluía o j esuíta alemão Christophorus Clavius ( 1 53 8 -- 1 6 12 ) , talvez o mais famoso estudante d e Coimbra, uma vez que estudou durante cinco anos no Colégio das Artes coimbrão antes de ir dirigir o Colégio Romano, a escola maior dos jesuítas. Outros países seguiram o calendário mais tarde, como, por exemplo, a Inglaterra e a Rússia. Comentou o astrónomo Johannes Kepler, que aliás era protestante, em relação aos ingleses:
Preferiam estar em desacordo com o Sol a estar de acordo com o papa.
o intrépido capitão Lunardi e os lulanos
O que têm em comum Johannes Kepler e Edgar AlIan Poe ( 1 809- 1 84 9 ) ? Pois ambos foram motivo de celebrações em 2009: passaram nessa altura 400 anos da publicação da Astronomia Nova, o livro que contém as duas primeiras leis do astrónomo alemão, e 200 anos do nascimento do poeta e contista norte-americano. Mas os paralelos não se esgotam por aí: Kepler foi o autor da que é considerada a primeira obra de ficção científica da história, Somnium (título em latim, vertido em português para Sonho) , publicada postumamente em 1 634, na qual descreve uma viagem da Terra à Lua, ao passo que Poe retomou o mesmo tema no seu conto A Aventura
sem Paralelo de Um tal Hans Pfaall, saído em 1 835, que narra uma subida à Lua a bordo de um balão.
Entre as duas datas de que se assinalaram as efemérides, s itua-se uma outra : a da primeira ascensão em balão de ar quente, ainda que num protótipo não tripulado, con seguida pelo padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão no paço de el-rei D. João V; em 1 709 . Se
HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 35
Poe relatou no século XIX uma arrojada subida em balão até à Lua foi porque muitos aventureiros tinham antes efectuado demonstrações tripuladas nesse meio de transporte. A primeira ascensão humana num balão, dos irmãos Montgolfier, só foi concretizada 74 anos após o ensaio de Gusmão, havendo quem especule sobre a possibilidade de ter havido uma transferência tecnológica através de Alexandre de Gusmão, irmão do inventor da Passarola, que andou por Paris. A bordo iam Pilâtre de Rozier, o professor de Física e Química que se haveria de tornar a primeira vítima mortal de um desastre aéreo quando, anos volvidos, tentava atravessar o canal da Mancha, e o marquês de Oeslambre, um nobre interessado em altos voos.
Também em Portugal se realizaram em finais do século XVlII e princípios do século XIX algumas admiráveis proezas de balonismo. O destemido balonista italiano Vincenzo Lunardi ( 1 759-1 806) , que tinha sido o primeiro a subir aos céus na Inglaterra (levando a bordo um gato, um cão, uma pomba e uma garrafa de vinho ! ) , fez uma exibição da sua perícia no Terreiro do Paço, em Lisboa, que levou o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage ( 1 765- 1 805 ) a escrever o folheto Elogio poético à admirável intrepidez, com que em
domingo 24 de Agosto de 1 794 subiu o capitão Lunardi
no balão aerostático ( Lisboa, 1 794 ) . Bastam dois versos para se ver o estilo grandiloquente do nosso vate:
Guardai da glória no imortal tesouro O nome de Lunardi em letras de ouro.
Lunardi acabou por se fixar em Lisboa, onde veio a falecer.
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Em 1 8 1 9 foi a vez de o professor belga de Física Étienne-Gaspard Robert ( 1 763- 1 837) , mais conhecido por Robertson, e o seu filho Eugene efectuarem um novo espectáculo de subida em balão em Lisboa, que incluiu o primeiro salto em pára-quedas feito em solo português. O pai já tinha realizado vários voos, um dos quais em Copenhaga, que muito impressionou o então j ovem físico dinamarquês Hans Christian 0rsted (mais tarde famoso pela sua descoberta da acção magnética da corrente eléctrica) , a ponto de o ter levado a escrever poemas sobre o voo. Mas, desta vez, o poeta de serviço não era um candidato a cientista mas sim um rival de Bocage, José Daniel Rodrigues da Costa ( 1 757- 1 832) , conhecido por josino Leiriense na Arcádia Lusitana, que escreveu no mesmo ano do espectáculo o poema O Balão
aos Habitantes da Lua: Uma Epopeia Portuguesa. Numa reedição de 2006 da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pode ler-se a engraçada sátira social, que roubou a forma a Os Lusíadas. O argumento é bastante científico, como se percebe de um curto extracto:
Matemáticos pontos combinando, Tendo por base a grande Astronomia, Um Génio, que não tem nada de brando, Projecta ir ver o Sol, fonte do dia: Em pejado Balão vai farejando, Subindo mais e mais como devia; Divisa a Lua, mete-se por ela, Pasma de imensas cousas que viu nela.
Mas, partindo da ciência, a literatura voa livre. A Lua, nesta utopia portuguesa, é povoada pelos Lulanos, nome parecido com Lusitanos. Mas, como numa utopia à Thomas More tudo deve ir ao contrário, eis que nessa
HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 37
Lua habitada, ao contrário do que se passava em Portugal, a justiça funciona:
Aqui não há ladrões! Se um aparece, É logo e sem demora castigado; Tenha empenhos ou não, ele padece, Sofrendo o que na Lei lhe é destinado.
A cntIca aos atrasos da j ustiça não terá perdido actual idade . . . Há que fazer j ust iça a Bocage e a Rodrigues da Costa, não só por terem feito um bom retrato do seu país, mas também e principalmente por terem cruzado a ciência, ou melhor, a sua filha directa, a tecnologia, com a arte. Se não têm a notoriedade mundial de Kepler e de Poe, deviam, pelo menos, ter uma maior notoriedade no vasto espaço de língua portuguesa.
Einstein eclipsa Newton
o eclipse do Sol que celebrizou Albert Einstein ( 1 879-- 1 955) ocorreu no dia 29 de Maio de 1 91 9. Foi observado por uma equipa britânica chefiada pelo astrónomo Arthur Eddington ( 1 8 82-1 944) , na ilha do Príncipe, que na altura era uma colónia portuguesa, associada à ilha de São Tomé (o conjunto constitui o arquipélago de São Tomé e Príncipe, hoje país independente) . Tratava-se de confirmar, ou de infirmar, um desvio dos raios de luz provenientes de certas estrelas, que era previsto pela teoria da relatividade geral de Einstein, pelo simples facto de eles passarem perto do Sol. Numa reunião da Royal Society realizada em Londres, em
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conjunto com a Royal Astronomical Society, a 6 de Novembro de 1 9 1 9, os resultados das observações realizadas no Príncipe foram anunciados urbi et orbi. E estes, em concordância com observações realizadas em simultâneo em Sobral, no Norte do Brasil, por uma outra equipa inglesa, deram razão a Einstein.
O criador da teoria da relatividade geral não duvidou um só momento que fosse da correcção da sua teoria. Nesse mesmo ano de 1 9 1 9, quando alguém lhe perguntou como teria reagido se não tivesse havido confirmação, Einstein respondeu, exibindo uma abastada autoconfiança:
Nesse caso eu teria pena do bom Deus. A teoria está certa de qualquer modo.
E, mais tarde, comentou a respeito do seu colega e amigo Max Planck, por este ter sido mais céptico:
Mas ele realmente não entendia muito de física, [porque J durante o eclipse de 1 9 1 9 ficou a noite toda acordado para ver se iria confirmar a deflexão da luz pelo campo gravitacional. Se tivesse realmente entendido a teoria da relatividade geral, teria ido para a cama tal como eu fiz.
O êxito de Einstein correu logo todo o mundo. O jornal Times de Londres titulava em caixa alta a 7 de Novembro de 1 9 1 9: « Revolução na ciência . Nova teoria do Universo. » Na notícia dizia-se que Einstein acabava de destronar o gigante Isaac Newton do lugar maior da história da Física. Chegou também, passados alguns dias, a Portugal ( que não tinha enviado astrónomos para acompanhar a expedição, apesar de a revista
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coimbrã O Instituto ter publicado, anos antes, um artigo alertando para a importância do eclipse ) . A 1 5 de Novembro, um título do jornal O Século, publicado em Lisboa, era tão conciso como exacto: «A luz pesa . »
A vida do sábio suíço-americano de origem alemã mudou radicalmente a partir dessa altura. Einstein não seria Einstein sem a fama que lhe deu o eclipse. Pode dizer-se que há duas fases na biografia de Einstein : antes do Príncipe e depois do Príncipe, duas fases que alguém descreveu respectivamente como « Dos Princípios para o Príncipe » e « Do Príncipe para Princeton» . Ainda hoje se recorda o eclipse solar de 1 9 1 9, quando não se recordam muitos outros bastante semelhantes. Se o eclipse celebrizou Einstein, não é menos certo que Einstein celebrizou aquele eclipse. O ano de 1 9 1 9 não poderia ter ficado na história da astronomia como ficou sem o abono que o eclipse concedeu à teoria da relatividade.
Da órbita de Clarke ao elevador espacial
O escritor de ficção científica inglês Arthur C. Clarke ( 1 9 1 7-2008 ) morreu, no Sri Lanka, onde residia há longos anos, alguns meses depois de ter soprado 90 velas no seu bolo de aniversário. A foto da festa de anos, com o aniversariante em cadeira de rodas, correu o mundo, pois ele foi o autor, com o norte-americano Stanley Kubrick, de um dos filmes mais famosos de sempre: 2001 : Uma Odisseia no Espaço. Poucos sabem, porém, que Clarke era, por formação, físico, tendo estudado no King's College de Londres depois da Segunda Guerra Mundial. Durante essa guerra serviu o seu país na Royal Air Force, tendo ajudado ao desen-
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volvimento da tecnologia do radar, verdadeiro responsável pelos sucessos aéreos dos Aliados.
Foi em Outubro de 1 945, quando tinha apenas 28 anos, que Clarke, numa revista de electrónica amadora (Wireless World), avançou com uma das maiores ideias das ciências espaciais: o satélite geoestacionário. O artigo intitulado « Extra-terrestrial relays» « < Retransmissores extraterrestres» ) e subintitulado « Can Rocket Stations Give Worldwide Radio Coverage ? » « < Podem estações em foguetões fornecer uma cobertura mundial de rádio ? » ), especulava sobre a possibi lidade de uma rede de satélites fornecer uma cobertura radiofónica global. Um satélite geoestacionário situa-se numa órbita geoestacionária, conhecida como órbita de Clarke. Essa órbita, a 35 mil quilómetros de altitude, está hoje tão densamente povoada de satélites (tem mais de três centenas), não só de comunicações mas também de meteorologia, que faz lembrar a praia da Costa da Caparica em pleno mês de Agosto . . .
Porquê 35 mil quilómetros? Para obter esse valor, basta fazer algumas contas, usando a segunda lei de Newton e a fórmula da força de gravitação. Ensina-se nos actuais programas de Física do 1 0 .0 ano de escolaridade que um satélite a essa altitude, colocado sobre o equador, demora exactamente 24 horas a dar a volta a Terra. Como o meu planeta faz uma rotação completa nesse tempo, o satélite está sincronizado com ele: é visto do equador como estando permanentemente parado. Em 1 945 não se sabia que a tecnologia dos satélites era viável e ela só se viria a concretizar em 1 957, a data da subida aos céus do primeiro Sputnik . O Sputnik 1 girava a uma órbita baixa, bem longe da órbita de Clarke, e apenas em 1 963 foi lançado pelos
HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTI CA 41
americanos o primeiro satélite geoestacionário. Clarke ficou célebre na ficção científica, mas o seu artigo da Wireless World não era, portanto, ficção: era científico.
Modernamente, há ideias que parecem tão lunáticas como a órbita de Clarke parecia no final da guerra . Uma das mais interessantes consiste em construir um elevador espacial, isto é, um fio estendido na vertical até essa órbita e que se mantenha esticado, a rodar com a Terra pelo facto de a ponta estar numa órbita geoestacionária. O fio teria de ser muito resistente para permitir içar objectos para o espaço, dispensando assim os dispendiosos foguetões que hoje se usam (no seu artigo original, Clarke falhou quando previu foguetões a energia nuclear) . Há quem proponha usar nanotubos de carbono, fios constituídos por camadas de carbono enroladas que conseguem ser ultrafinos e ao mesmo tempo ultra-resistentes, faltando porém saber se essa tecnologia assegura a necessária « magia » . O mais curioso é que Clarke tenha previsto (bem, ele não foi o primeiro . . . ) o elevador espacial no seu romance de ficção científica As Fontes do Paraíso (edição original de 1 979 ) . Situava-o precisamente no seu local de eleição, o Sri Lanka, a antiga ilha de Ceilão, chamada, pelos portugueses do tempo dos Descobrimentos, Taprobana. O elevador espacial não nos levará, como escreveu Luís de Camões n' Os Lusíadas, para « além da Taprobana» , mas sim para cima da Taprobana !
o pai incógnito do Sputnik
O chamado « pai do Sputnik » foi o ucraniano Sergei Pavlovich Korolev ( 1 906- 1 966 ) . Em contraste com o
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engenheiro alemão (depois naturalizado norte-americano) Wernher von Braun ( 1 9 12- 1 977), o « pai do Saturno
V» e portanto o « pai da viagem à Lua » , o engenheiro Korolev não é muito conhecido, pelo menos no mundo ocidental . Muita gente sabe que von Braun construiu durante a Segunda Guerra Mundial as bombas voadoras V2 ao serviço dos nazis que, lançadas de bases no Norte da Alemanha, espalharam o terror no Centro e Sul de Inglaterra. E muitos sabem também que ele foi preso por tropas norte-americanas e levado à força para o outro lado do Atlântico, onde mais tarde veio a desenvolver os poderosos foguetões que levaram as naves Apolio na ponta do nariz para cumprir missões lunares.
Mas pouca gente conhece o que quer que seja da biografia de Korolev. Ele está praticamente esquecido no Ocidente. Pouca gente sabe que, antes de dirigir o programa espacial soviético, Korolev foi apanhado numa purga ordenada pelo ditador José Estaline e passou a guerra internado, primeiro, num gulag da Sibéria e, depois, num campo de prisioneiros cujo trabalho escravo era precisamente construir aviões. Um dos seus companheiros nessa prisão foi outro grande génio da aviação - Andrei Tupolev ( 1 8 8 8- 1 972 ) , nome mais conhecido por estar associado a uma bem-sucedida empresa aeronáutica. E pouca gente sabe que a ideia da ida do homem à Lua pertenceu, não ao engenheiro Von Braun nem ao presidente Kennedy, mas sim . . . ao engenheiro Korolev. Essa posição nunca foi assumida publicamente pelos soviéticos porque seria uma verdadeira confissão de derrota na corrida ao espaço, depois de o génio de Korolev lhes ter permitido obter uma mão-cheia de estrondosas vitórias. O primeiro engenho a alunar, um aparelho forte e feio que ostentava orgu-
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lhosamente a foice e o martelo, foi o Luna 2, em 1 959 . E o primeiro homem a viajar no espaço foi o russo Yuri Gagarin, que entrou em órbita terrestre a bordo da nave Vostok em 1 96 1 . Contudo, a União Soviética não estava em condições, em finais dos anos 60, de competir com os norte-americanos na corrida com tripulação humana ao nosso satélite natural. Em 1 969, nas vésperas da missão Apollo 1 1 , von Braun ainda receava que, nesse tempo em que a Guerra Fria exigia segredos fechados a sete chaves, pudesse haver uma surpresa de ú ltima hora do outro lado da Cortina de Ferro. Mas não houve.
Uma das razões foi a morte prematura do grande engenheiro-chefe. Korolev tinha falecido em 1 966, no auge da sua carreira, durante uma operação cirúrgica de rotina. O presidente russo Vladimir Putin prestou-lhe uma merecida homenagem em 2006, por ocasião do centenário do seu nascimento. Korolev pode não ter concretizado o seu sonho de ver humanos pisarem solo lunar, mas, sem ele, primeiro a União Soviética e depois a Rússia nunca teriam podido voar tão alto como voaram.
Porque está lá!
Quando um repórter perguntou ao montanhista inglês George Mallory ( 1 8 8 6 - 1 924 ) porque é que ele queria escalar até ao cimo do monte Evereste, ele terá respondido:
Because it's there! ( << Porque está lá ! » )
Ainda hoje constitui um mistério sa ber se Mallory atingiu O cume da maior elevação do mundo, a mais de
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oito qui lómetros de altitude, uma vez que ele morreu durante a tentativa, em 1 924, não existindo provas documentais de que tenha estado no cimo, como existem em relação ao neozelandês Sir Edmund Hillary ( 1 9 1 9--2008 ) e ao nepalês Tenzing Norgay ( 1 9 1 4- 1 986 ) , que chegaram ao cume em 1 953 , tendo regressado sãos e salvos. Tardaram 75 anos até que o corpo do malogrado Mallory fosse encontrado pelo a lpinista norte-americano Conrad Anker (n . 1 962) numa expedição especialmente preparada para esse fim. Mas não foi achada a câmara fotográfica com a qual ele poderia ter registado o sucesso. Ela provavelmente estará com Andrew lrvine ( 1 902-1 924), o seu jovem companheiro de ascensão, cujo corpo não foi até hoje encontrado. Na realidade, estes pioneiros do Evereste têm tido azar com as máquinas fotográficas, uma vez que também não há nenhuma fotografia de H illary no cume, apenas uma do nepalês Norgay, que não sabia usar uma máquina fotográfica. Segundo o seu companheiro neozelandês, « o cume do Evereste não era o lugar para lhe começar a ensinar » . Muito sensato . . .
Os astronautas norte-americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin, os membros da missão Apollo 1 1 que, no dia 20 de Julho de 1 969, foram os primeiros seres humanos a pisar o solo poeirento da Lua ( << One small
step for man . . . », «Um pequeno passo para o homem . . . » ) ,
fazendo-nos chegar inequívocos registos fotográficos e cinematográficos da sua excursão e regressando depois na perfeição ao seu planeta natal, poderiam muito bem ter respondido como Mallory a uma pergunta semelhante, no seu caso sobre a viagem ao nosso satélite natural. De facto, a Lua está lá, dia após dia, noite após noite, por cima das nossas cabeças, bem mais visível
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para todos do que a montanha Evereste. É por isso que, desde pelo menos o sírio Luciano de Samósata (c. 1 20-c. 1 80) , o astro mais próximo de nós tem inspirado muitos sonhos de viagem. Foi o caso de escritos do alemão Johannes Kepler e do francês Cyrano de Bergerac. A ânsia humana de chegar a todos os sítios que « estejam lá » constitui o verdadeiro motivo de todas as explorações, tanto na Terra como fora dela. Se o ensejo da primeira viagem à Lua foi a competição dos Estados Unidos com a União Soviética, que conduziu ao famoso anúncio da intenção de chegar à Lua antes do final da década feito pelo presidente John Fitzgerald Kennedy em 1 96 1 , em reacção política às proezas orbitais soviéticas do Sputnik e de Yuri Gagarine, o verdadeiro impulso, tanto individual como colectivo, foi decerto a descoberta de mais mundos, a travessia das fronteiras, a auto-superação. Foi Edmund Hillary que afirmou:
Não conquistamos a montanha, mas sim a nós mesmos.
A Lua continua lá, à mesma distância de nós. E é o mesmo impulso de sempre, o impulso de conquista de nós mesmos, que nos vai levar - esperamos que em breve - a lá voltar.
Viagem planetária com dormida na heliosfera
o termo heliosfera, l iteralmente « esfera do Sol » , designa o casulo envolvente da nossa estrela e também de todo o sistema solar onde os ventos solares (chuveiro
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de partículas carregadas ou plasma emitidos pelo Sol) encontram o espaço interestelar. A sonda Voyager 2, lançada pela Agência Espacial Norte-Americana, NASA, de cabo Canaveral, na Florida, no dia 20 de Agosto de 1 977, chegou trinta anos depois à heliosfera. No longo caminho da viagem passou sucessivamente por Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno, aproveitando uma rara conjugação na mesma zona do espaço destes grandes planetas, e enviou reportagens espectaculares desse grande tour planetário.
A sonda sua irmã Voyager 1 já tinha chegado um pouco antes à heliosfera, apesar de ter sido lançada ligeiramente depois. Acontece que, apesar do parentesco no nome e nos objectivos, as órbitas das duas naves são bastante diferentes, dirigindo-se a Voyager 1 para cima do plano do equador terrestre e a Voyager 2 para baixo dele. Acontece ainda que a hel iosfera, apesar do seu nome, não é bem uma esfera, devido à influência de campos magnéticos interestelares. A Voyager 2 , ao contrário da Voyager 1 , manteve os seus detectores de plasma em pleno funcionamento, pelo que nos enviou informações preciosas sobre o conteúdo de uma zona remota do nosso sistema planetário na altura em que estava a findar 2007, declarado pelas Nações Unidas Ano Internacional da Heliofísica .
Enquanto fechava esse ano, as duas naves continuavam a sua prodigiosa viagem, à velocidade de 50 000 quilómetros por hora . Ambas estão mergulhadas na heliosfera e por lá irão continuar durante vários anos, dada a enorme vastidão dessa zona. O limite da heliosfera , que se chama hel iopausa, está pelo menos a 4 anos de viagem das sondas. A Voyager 2 enviar-nos-á registos da travessia dessa última fronteira solar.
HISTÚ RIAS DE ASTRONOMIA E ASTRO ÁUTICA 47
É preciso alguma sorte, pois pode esgotar-se a energia fornecida pela sonda e, consequentemente, os seus instrumentos deixarem de funcionar. Se isso acontecer, será como um carro ao qual acaba o combustível quase no fim da viagem, com a diferença de que à sonda ninguém lhe pode valer.
Por sugestão do astrofísico norte-americano Carl Sagan, cada uma das naves transporta uma placa que tem inscritas saudações em várias l ínguas, incluindo a língua portuguesa. É muito pouco provável que, na heliopausa ou para lá dela, haja alguém que fale português, mas vá-se lá saber . . . Se houver e encontrar a placa, ficará decerto todo contente ao reconhecer a língua de Camões numa nave naufragada por aquelas remotas paragens! Para além da heliopausa é muito, muito mais longe do que para além da Taprobana.
Galileo no vidro da frente com uma ventosa
A 27 de Abril de 2008 foi lançado da base espacial de Baikonur, no Cazaquistão, a bordo de um foguetão russo Soyuz, o segundo satél ite do sistema de navegação Gal ileo, o grande projecto que a União Europeia preparou para concorrer com o GPS norte-americano. O primeiro satélite tinha sido lançado em 2005 pela Agência Espacial Europeia, ESA.
O GPS - Global Positioning System é, na sua origem, um sistema militar de localização e continua a sê-lo em larga medida. Em 1 983 , na sequência do trágico abate de um avião civil sul-coreano que atravessava o espaço aéreo sovletlcO, o presidente norte-americano Ronald Reagan decidiu abrir o GPS ao uso civil . Na
48 D A RWIN AOS TIROS
pratica, coexistem actualmente um sistema militar, de elevada precisão, e um sistema civil, de menor precisão, que tem conhecido um boom por todo o mundo (quem é que ainda não usou, por exemplo, o TomTom? ) . Em 2000, o presidente norte-americano, Bill Clinton, mandou desactivar a « disponibi lidade selectiva » , isto é, a possibilidade de as autoridades militares interferirem destrutiva mente no sinal GPS público em caso de necessidade imposta por um conflito. Mesmo assim, a União Europeia decidiu que era necessário um sistema a lternativo só para uso civil, devendo esse sistema ter maior precisão do que a do GPS actual (o objectivo último é a precisão de apenas um metro ) . A discussão entre a União Europeia e os Estados Unidos foi bastante dura após os ataques do 1 1 de Setembro de 200 1 da AI-Qaeda às Torres Gémeas de Nova Iorque, que haveriam de conduzir a guerras no Iraque e no Afeganistão. No entanto, em 2004, as duas partes chegaram finalmente a um acordo, que incluiu a mudança das frequências do Galileo e a regulação de toda e qualquer actuação conj unta em caso de guerra . As duas tecnologias até então rivais entraram a partir de então numa fase de cooperação. Se não os podes vencer, junta-te a eles . . .
Como funciona o GPS e como v a i funcionar o Galileo? Essencialmente da mesma maneira, uma vez que a tecnologia subjacente é muito semelhante. Pelo menos três satélites, equipados com relógios atómicos, que são relógios extraordinariamente precisos, enviam sinais por microondas para terra, que são l idos por receptores do GPS ou Galileo, também equipados com relógios mas menos precisos. A posição do receptor determina-se computacionalmente a partir das posições
H ISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 49
dos satél ites em linha de vista, assim como dos instantes de emissão e de recepção dos sinais.
O Galileo, que usará 30 satélites e duas bases de rastreio, é extremamente dispendioso: em 2007 eram precisos mais 3 ,4 mil milhões de euros para o desenvolver. As empresas privadas tremeram perante o montante desse investimento. Só no final desse ano, durante a presidência portuguesa da União Europeia, se deu um passo decisivo para desbloquear o projecto, alocando ao Galileo fundos comunitários retirados à agricultura e à administração comunitária . O sistema europeu (de facto, não é só europeu, pois à Europa já se j untaram países asiáticos como a China, a Índia e a Coreia do Sul ) , deverá estar operacional em 2 0 1 3 , se tudo correr bem. Nessa altura, vamos poder escolher entre o GPS e o Galileo. Na competição entre os dois, não se sabe quem vai ganhar. Vamos ver qual deles vai aparecer em maior número colado com uma ventosa no vidro da frente dos carros . . .
Haverá certamente algumas pessoas, mais desconfiadas, que gostarão de ter os dois: «O GPS diz que chegámos a casa dos primos, mas no Galileo ainda faltam dois metros. É melhor telefonar. »
Bactérias extraterrestres? Outra vez?
Em 1 996, circulou por todo o mundo a notIcIa de que tinham sido encontrados vestígios de bactérias num meteorito caído nos gelos da Antárctida e, em princípio, proveniente de Marte. A origem dessa informação foi a NASA, e a proporção que ela atingiu teve a ver com o facto de o próprio presidente Bill Clinton se ter
50 DARWIN AOS TIROS
pronunciado sobre o assunto numa apresentação televisiva difundida da Casa Branca. Mas a controvérsia foi grande e hoj e permanecem sérias dúvidas sobre a h ipótese de descoberta de vida extraterrestre que foi formulada na altura. Pode muito bem ter havido uma contaminação da amostra por bactérias terrestres, pelo que as bactérias marcianas ficaram por confirmar.
Apesar de esforços incessantes de numerosos investigadores, não sabemos ainda se há vida noutros sítios do nosso vasto cosmos além da Terra . A astrobiologia, o cruzamento da astronomia com a biologia, é actualmente uma das áreas mais activas e mais interessantes da ciência : os astro biólogos perscrutam, com os seus poderosos telescópios, sinais de complexos químicos no espaço, enviam a Marte e a outros astros do sistema solar bem equipadas sondas capazes de detectar formas de vida, e procuram marcas biológicas em meteoritos caídos no nosso planeta. A notícia devidamente confirmada do achamento de vida extraterrestre, qualquer que fossem o sítio e o meio usados, causaria decerto um grande alvoroço na Terra.
Mas, até agora, nenhum organismo vivo que possa ser considerado extraterrestre se achou de um modo que não deixe margem para dúvidas. Nenhum? Bem, o Journal of Cosmology publicou em 20 1 1 um artigo de Richard Hoover (n. 1 943 ) , cientista da NASA, que, a acreditar na interpretação do autor, mostra fósseis de cianobactérias em meteoritos carbonáceos, isto é, meteoritos que contêm carbono. Esses meteoritos, examinados agora com modernas técnicas físico-químicas, já não são novos, estando guardados em museus de ciência (dois deles caíram em França no século XIX e foram examinados por grandes químicos da época) . Hoover
HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 51
notou que alguns filamentos microscopiCos presentes
nos meteoritos se assemelham às cianobactérias, bacté
rias que são comuns nas águas dos oceanos e cuja capa
cidade de fotossíntese terá s ido responsável pela forte
presença de oxigénio na Terra. O padrão dos elementos
químicos identificados levou-o a afirmar que essas bac
térias não eram como as terrestres, defendendo por isso
a tese de que elas tinham vindo de fora do p laneta.
O canal de televisão de pendor sensacionalista Fox
News, do norte-americano Rupert Murdoch (o mesmo
dono do News of the World, que fechou em 201 1 com
um enorme escândalo ) , propalou a novidade aos qua
tro ventos, logo ampliada por outros órgãos de comu
nicação social em vários países. Mas a questão não é
nada simples e, tal como quinze anos antes, as reacções
adversas não se fizeram esperar. Foi sobretudo discu
tida a credibilidade da revista, uma recente publicação
de acesso l ivre na Internet cujo rigor no processo de
avaliação por peritos pode deixar a desejar. Em revistas
científicas credíveis, nada é publicado sem passar no
exigente crivo de referees escolhidos pelos editores. Ora
o editor da área de astrobiologia daquela publicação
pode ter uma visão enviesada. Trata-se de Chandra
Wickramasinghe (n . 1 939 ) , um cientista indiano acér
rimo defensor da ideia de panspermia, teoria segundo a qual a vida na Terra teve uma origem extraterrestre
(é autor de um livro sobre o tema em co-autoria com
o norte-americano Fred Hoyle, o bem conhecido adver
sário da teoria do Big Bang). Essa tese não resolve o
problema da origem da vida, simplesmente expl ica a
vida da Terra dizendo que ela veio doutro lado. A panspermia não deixa, porém, de ser um conceito interes
sante, que até poderia ser aplicada na política se os
52 DARWIN AOS TIROS
decisores públicos tivessem suficiente imaginação para
alegarem que a origem da crise económica é extrater
restre . . .
A s opiniões dividiram-se, mas a comunidade dos
astrobiólogos achou precária a sustentação científica
que Hoover fornecia no seu artigo. O mais provável é
que esta « descoberta » , tal como a das bactérias marcia
nas de 1 996, não venha a passar na avaliação externa,
que demora algum tempo e costuma ser mais severa do
que a interna. A ser assim, não será ainda o fim dos
extraterrestres ( ET) fora dos cinemas. A sua busca irá
continuar . . .
Alô, Marte, está aí alguém?
A resposta à pergunta sobre se há vida no planeta
Marte tem sido intensamente procurada pelos terrestres.
De facto, só conhecemos vida na Terra, dando-se o caso
de alguma dessa vida ser inteligente. Mas, atendendo à
extensão do espaço, é não só possível como provável
que haja vida, quiçá vida inteligente, noutros sítios do
vasto cosmos. Em Marte, por exemplo, que está rela
tivamente perto de nós. É o planeta mais próximo do
nosso depois de Vénus (o <<p laneta irmão da Terra» ) , o
qual, devido às suas altíssimas temperaturas provocadas
por efeito de estufa, se apresenta como um verdadeiro
inferno, e não pode, por isso, abrigar seres vivos.
Depois de um voo de dez meses, a sonda Fénix (em
inglês, Phoenix), um projecto da NASA, liderado pela
Universidade de Arizona, sediada na cidade de Phoenix (daí o nome), nos Estados Unidos, pousou perto do pólo norte de Marte no dia 25 de Maio de 2008. Foi
HISTÓRIAS D E ASTRONOMIA E ASTRO NÁUTICA 53
um verdadeiro alívio no centro de controlo quando a
sonda, já em solo marciano, respondeu à chamada da
Terra, por ondas de rádio, uma vez que a exploração de
Marte parecia amaldiçoada. Dos 19 engenhos que
tinham sido enviados nos dez anos anteriores, cerca
de metade tinha falhado. Dessa vez, felizmente, tudo
correu bem e ao leitor bastará consultar a Internet
(http://phoenix. lpl .arizona.edu/) para se encantar com
vários retratos de Marte feitos pela Fénix. Com a mis
são perfeitamente cumprida, a sonda calou-se passados
alguns meses, devido à falta de energia.
O escritor norte-americano de ficção científica Ray
Bradbury (n . 1920) escreveu nas suas Crónicas Marcia
nas que existem marcianos: os marcianos somos nós . . .
quando chegarmos a Marte. D e facto, através desta e
das sondas anteriores, estamos a preparar a nossa pri
meira viagem ao Planeta Vermelho. Convém por isso
saber o que vamos encontrar. Com certeza que a Fénix
não procurou nem encontrou homenzinhos verdes, mais
ou menos semelhantes a nós, mas procurou encontrar
microrganismos. Não seria uma completa surpresa se
os tivesse detectado, mas seria decerto um marco não
só na história da ciência como na história da humanidade.
A sonda dispunha de um braço robótico com mais de
dois metros destinado a escavar o solo marciano. Suspei
tava-se de que a superfície extremamente fria do Norte
de Marte escondesse gelo. Já se sabe, de resto, que
existe água em Marte, embora apenas água gelada. E a
água é uma das substâncias essenciais para a vida tal
como a conhecemos no nosso planeta. Mas, a respeito
de microrganismos marcianos nada, zero, coisa nenhuma . . . Os microrganismos não lêem. Mas, não vá dar-se o
caso de aparecer algum deles letrado (sabe-se lá , talvez
54 DARWIN AOS TIROS
com um curso das « Novas Oportunidades» feito à dis
tância), a Fénix levou a bordo uma biblioteca, a pri
meira biblioteca em Marte, de outras que mais tarde se
deverão seguir. Trata-se de um conjunto de l ivros com
pactados em forma digital num DVD intitulado Visions
of Mars (Visões de Marte). A biblioteca reúne a melhor
ficção que tem sido escrita sobre Marte : não só textos
da autoria de Bradbury, mas também dos ingleses
Herbert George Wells e Arthur C. Clarke, e dos norte
-americanos Wil liam Burroughs e Isaac Asimov. Inclusi
vamente, a voz de Sir Arthur C. Clarke está lá gravada,
numa saudação fraterna aos marcianos.
O ezxo do mal na abóbada celeste
Partículas nuas e com charme, supergigantes e super
novas, buracos negros, matéria escura, quinta-essência,
inflação: os astrofísicos gostam muito de nomes que
chamem a atenção. Pois o << eixo do mal » , que era uma
curiosa expressão da política, usada pelo presidente
George Bush num dos seus discursos sobre o <<Estado
da União» para designar alguns países inimigos do seu,
com programas nucleares em curso, como a Coreia do
Norte, o Irão e o Iraque, também entrou na l inguagem
da física . . .
Com efeito, <<Ü eixo do mal » (no original inglês,
<< The axis of evi l » ) foi o título de um artigo publicado
na prestigiada revista científica Physical Review Letters,
em 2005, pelo astrofísico português João Magueijo
(n. 1 967, em Évora ), professor e investigador no Imperial Col lege de Londres) e pela sua aluna de doutora
mento inglesa Kate Land ( hoje investigadora na Univer-
HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA 55
sidade de Oxford) . Magueijo e Land deram esse nome
a uma linha que, segundo eles, marcava uma acentuada
assimetria na chamada « radiação cósmica de fundo» , o
clarão de microondas que ficou como resto fóssil do
momento da criação dos átomos por todo o Universo,
há cerca de 14 mil milhões de anos, quando o Universo
só tinha 300 mil anos (um bebé, portanto, comparado
com a idade que tem hoje ) . A observação rigorosa dessa
radiação com a ajuda de um satél ite da NASA, que se
fartou de dar voltas à Terra, valeu o Prémio Nobel da
Física, em 2006, aos norte-americanos George Smoot e
John Mather, chefes de uma numerosa equipa, tal como
a observação de um ruído esquisito numa antena na
Terra já tinha valido, em 1978, o Prémio Nobel da
Física a outros dois norte-americanos, Arno Penzias e
Robert Wilson, que, em contraste com os seus sucesso
res, trabalhavam com um pequeno grupo. O cosmos é,
assim, como um enorme forno de microondas. E as
microondas cósmicas chegam cá ao fundo da atmosfera,
embora se apanhem muito melhor lá em cima.
De início, o «eixo do mal » não passava de uma
mera especulação, mais uma entre tantas outras que se
fazem na astrofísica. Segundo os seus autores, nem todas
as direcções do espaço seriam equivalentes, ao contrá
rio do que se supunha. Mas, poucos anos passados,
dois estudos independentes um do outro, um belga e
outro norte-americano, vieram aparentemente confir
mar a existência do referido eixo. A ser verdade, o
modelo do Big Bang (um outro nome curioso criado
pelo astrofísico inglês e autor de ficção científica Fred
Hoyle só para denegrir a ideia de momento inicial da criação, que ele pura e simplesmente abominava), que actualmente reúne um amplo consenso na comunidade
56 DARWIN AOS TIROS
científica, estará confrontado com um novo e impor
tante desafio. O dito eixo poderá abalar a teoria do Big
Bang!
De facto, a teoria do Big Bang, apesar de ser hoje
largamente partilhada pela maioria dos cientistas que
estudam o Universo em grande escala, não é indiscutí
vel, tal como o não é, de resto, nenhuma teoria cientí
fica. O aceso debate sobre a origem do Universo irá
continuar e provavelmente até avivar-se. Curioso é que
seja o mesmo Magueijo que há poucos anos tinha pro
curado contrariar a teoria da relatividade restrita de
Einstein, atacando um dos seus pilares essenciais (a
constância da velocidade da luz), que venha agora opor
-se a uma ideia cosmológica associada à teoria da rela
tividade geral, também de Einstein. Magueijo não se
cansa de contrariar Einstein. Da outra vez, a sua voz
não se conseguiu impor no seio da comunidade cientí
fica. Será desta?
Multiverso, A/ices e coelhos brancos
Certas áreas da física contemporânea aproximam-se
perigosamente da ficção científica. O astrónomo polaco
Nicolau Copérnico ensinou-nos que era o Sol, e não a
Terra, o centro do mundo {que, na altura, estava res
trito ao sistema solar). De início, quase ninguém deu
ouvidos ao que ele dizia e, com o avolumar de provas,
tornámo-nos todos copernicanos. Hoje, alguns astrofí
sicos querem fazer-nos crer que o Universo não é ape
nas um, mas que existe o Multiverso, uma pluralidade eventualmente infinita de universos, nos quais o nosso
não assume de modo nenhum o papel central. É apenas
HISTÓRIAS DE ASTRO OMIA E ASTRONÁUTICA 57
um entre uma multidão de outros. Acontece que há
cada vez mais gente a acreditar nessa nova tese . . .
Se descontarmos as extravagâncias de alguns escri
tores de ficção, a ideia de « muitos mundos» ou « mun
dos paralelos» surgiu nos anos 50 do século passado no
contexto das tentativas de interpretação da teoria quân
tica . Debatendo-se, como tantos outros, com as dificul
dades da noção quântica da probabilidade, o físico
norte-americano Hugh Everett III ( 1 930-1 982) teve uma
saída muito original : propôs a existência de vários uni
versos ou mundos. Em cada um deles concretizava-se
um dos futuros possíveis oferecidos pelas leis quânticas
probabilísticas. O chamado «gato de Schrodinger» é o
protagonista de uma célebre experiência conceptual : o
pobre animal estava fechado numa caixa, podendo mor
rer devido a um fenómeno quântico. Segundo a teoria
quântica convencional, haveria uma certa probabilidade
de ele estar vivo e a probabilidade remanescente de ele
estar morto. Segundo a teoria dos muitos mundos de
Everett, ele estaria vivo num certo mundo físico e morto
num outro. Quer dizer, o gato estava ao mesmo tempo
morto e vivo, conforme o mundo. Parecia, e era mesmo,
uma teoria do outro mundo. O estranho conceito dos mundos paralelos ressusci
tou nos tempos mais recentes, impulsionado por mo
dernas teorias cosmológicas, embora noutras vestes.
Sendo o início do Universo um processo quântico,
poderá ter acontecido que o Universo que habitamos
e conhecemos seja apenas um dos resultados possíveis
e que haja outros, muitos outros. Onde estão eles? Pois,
mal comparado, o nosso Universo poderá ser apenas
uma bolha que está, perfeitamente incógnita, no seio de uma espuma, j untamente com inúmeras outras, para
58 DARWIN AOS TIROS
nós inacessíveis. Como se esta teoria não fosse suficien
temente estranha, há quem defenda que o « borbulhar>>
do Big Bang é um processo contínuo e eterno, isto é,
que estão sempre a nascer e irão sempre nascer mais
universos no incomensurável Multiverso.
Outros autores há que pugnam pela pluralidade de
universos por uma via diferente desta. Para eles, os
outros universos não estão para além do nosso hori
zonte cósmico, mas antes têm portas abertas dentro do
nosso próprio mundo. Sabemos hoje, por via tanto
teórica como observacional, que o cosmos a que temos
acesso possui « buracos>> - chamados mesmo buracos
negros- onde o espaço-tempo acaba. Existe muita
especulação sobre esses abismos cósmicos, pois neles
acaba também toda a física que conhecemos. Alguns
físicos imaginam que tais sítios, devido a uma qualquer
modificação da gravidade, são túneis para outros uni
versos do Multiverso. Carl Sagan, que além de repu
tado astrofísico foi também o autor do muito vendido
romance de ficção científica Contacto, em que se serve
de viagens no espaço-tempo ao longo de « buracos de
minhoca >> (wormholes), para mover personagens para
paragens d istantes, escreveu num estilo poético-l iterário:
Os buracos negros podem ser entradas para Países das
Maravilhas. Mas haverá lá A/ices e coelhos brancos?
Um palimpsesto no banho e
de outras física
para ler histórias
Um palimpsesto para ler no banho
JÁ ALGUÉM, NUMA BELA METÁFORA, disse que Deus CO
nhece o futuro mas, para conhecer o passado, criou os
h istoriadores. E os historiadores fazem, por vezes, des
cobertas fascinantes. É o caso da descoberta em 1 906,
na cidade de Constantinopla, na Turquia, do Palim
psesto de Arquimedes ( figura 5 ) , um precioso manus
crito da autoria do grande sábio grego Arquimedes (287
a.C.-212 a.C.) , que habitou na cidade de Siracusa, na
Sicília, no tempo em que essa i lha de Itália pertencia ao
mundo grego. Um palimpsesto, para quem por acaso
não saiba, é uma obra escrita por cima de outra, um
processo que se usava num tempo em que era preciso
economizar materiais. Um l ivro sobre essa descoberta, e tão fascinante
como ela, saiu em Portugal quase em simultâneo com
60 DARWIN AOS TIROS
Figura 5 -Página do palimpsesto de Arquimedes. Repare-se na escrita sobreposta
HISTÓRIAS DE FISICA 61
o seu ruidoso lançamento a nível mundial. Tem o título
O Codex Arquimedes (Edições 70, 2007) e são seus
autores dois norte-americanos: o historiador de ciência
Reviel Netz e o conservador de manuscritos e livros
raros William Noel, que dirige um projecto de investi
gação sobre o precioso manuscrito.
O conteúdo do livro não é ficção, embora por vezes
pareça. A obra conta, de uma forma que prende o lei
tor tal como um thriller, como o dito códex foi arrema
tado em leilão por dois milhões de dólares, oito anos
antes de o livro sair, uma quantia oferecida por um
investidor anónimo, que logo cedeu a obra a especialis
tas para estudo. No século x, um escriba, ainda mais
anónimo do que o referido comprador, tinha copiado
do grego um conjunto de obras avulsas de Arquimedes.
Essa cópia foi, dois séculos depois, rasurada por um
monge cristão para dar lugar a um livro de orações, a
obra que chegou até nós. As mais modernas tecnologias
permitiram, nos últimos anos, reconstituir nesse l ivro
de orações originais únicos, que estavam semiocultos,
mas apesar disso legíveis: Dos Corpos Flutuantes, Do
Método Relativo aos Teoremas Mecânicos e Stomachion.
O primeiro é o tratado que contém a famosa Lei de
Arquimedes, relativa à impulsão, que é ensinada na
escola: todo o corpo mergulhado num líquido está
sujeito a uma força vertical, de baixo para cima, cujo
valor é igual ao peso do volume de líquido deslocado.
O segundo é, em certos aspectos, precursor do cálculo
diferencial que o inglês Isaac Newton e o alemão Gott
fried Wilhelm von Leibniz formularam quase vinte sécu
los mais tarde para descreverem matematicamente os movimentos. E, finalmente, o terceiro, que inclui um
intrigante puzzle, coloca interessantes questões de com-
62 D A RWIN AOS TIROS
binatória, um ramo da matemática que se julgava ser
bem mais recente.
Os autores deste thriller histórico-científico não têm
quaisquer dúvidas em afirmar que «Arquimedes é o
maior cientista de todos os tempos». Para eles, Arqui
medes bate Newton e Einstein aos pontos. Quase dois
mil anos antes da Revolução Científica, aquele que, se
não foi o maior cientista de todos os tempos, foi decerto
o cientista mais avançado de toda a Antiguidade, conse
guiu descobrir como funcionava o mundo - no caso
da descoberta da impulsão foi mesmo caso, segundo a
lenda, para gritar Eureca! e correr nu pelas ruas da
cidade -, aliando o raciocínio lógico-matemático à
experimentação. Usando, portanto, o método cientí
fico, muito antes de ele ter sido forma lizado e apl icado
de forma sistemática.
Atraso judicial no Vaticano
A 25 de Agosto de 1 609, o físico italiano Galileu Gali lei ( 1 564- 1 642), numa demonstração do primeiro
telescópio, construído por si próprio, aos senadores da
República de Veneza, apontava com o dedo indicador
a ocular por onde eles deviam olhar. O invento do novo
instrumento valeu- lhe um bom reforço de salário.
Quem quiser hoje, passados mais de 400 anos, ver,
dentro de uma redoma, um dos dedos de Galileu terá
de se deslocar a Florença, ao Museu e Instituto de
História da Ciência, no centro histórico da cidade. Tal
como uma relíquia de um santo, o dedo foi retirado do
cadáver do sábio italiano, acabando por entrar nas colecções do museu.
H ISTÓRIAS DE FfSICA 63
Mais tarde, Galileu haveria de apontar o seu teles
cópio ao planeta Júpiter, em cujas imediações desco
briu quatro satélites, aos quais hoje chamamos galilai
cos, mas aos quais ele na altura chamou estrelas de
Médici, numa tentativa de agradar aos grandes senho
res de Florença . Essas e outras primeiras observações
do céu feitas por Galileu com o seu telescópio foram
logo confirmadas por padres jesuítas interessados pela
astronomia . Olhando para onde apontava o dedo de
Galileu, membros dessa ordem viram o mesmo que ele
tinha visto. Um dos maiores astrónomos da época, o
jesuíta alemão Cristophorus Clavius, que tinha estuda
do em Coimbra e que era grande admirador de Pedro
Nunes, manifestou simpatia pelo trabalho de Galileu,
embora essa simpatia não se tivesse traduzido na acei
tação do heliocentrismo, que Galileu defendia aberta
mente e que considerou confirmado ou pelo menos
reforçado pela sua observação das luas de Júpiter ( fi
cou para ele claro que a Terra não era o centro de
todos os movimentos celestes) .
Quem estiver e m Florença - e o visitante terá toda
a vantagem, tal como no filme do realizador norte
-americano James lvory, em reservar um quarto com
vista sobre a cidade- não pode, para além do Palácio
dos Mediei (Palazzo Vecchio) e da Catedral (Duomo)
com o Baptistério de São João (Battistero di San Giovanni)
em anexo, deixar de visitar o túmulo de Galileu, na
Basílica de Santa Cruz (Basílica di Santa Croce), que
aliás aparece em cenas desse filme. Perto dos túmulos
de Dante, Maquiavel e Rossini, encontra-se o de Galileu,
uma preciosa obra artística que merece as atenções dos turistas . O conteúdo tem atraído os cientistas: uma
equipa de investigadores ingleses e italianos já pediu
64 DARWIN AOS TIROS
autorização à Igreja Católica para abrir o túmulo e
estudar os restos mortais do astrónomo e físico. A res
posta das autoridades eclesiásticas poderá ser diferente
da das autoridades civis portuguesas, que recusaram
terminantemente a abertura do túmulo de D . Afonso
Henriques, na Igreja de Santa Cruz em Coimbra, a fim
de uma equipa científica internacional, liderada pela
antropóloga forense Eugénia Cunha, realizar exames
antropológicos que nos permitissem saber mais sobre o . . .
nosso pnme1ro re1.
Pode parecer estranho que um cientista condenado
em 1 630 por um tribunal da Igreja Católica, e que mor
reu a cumprir a pena de prisão perpétua domiciliá
ria, tenha sido sepultado num templo dessa instituição.
Mas a estranheza talvez diminua se se souber que o
processo judicial, que radicou na defesa por Galileu
das ideias heliocêntricas de Copérnico, contrariando
ordens recebidas da Inquisição, nunca abalou a fé de
Galileu.
Galileu não via incompatibilidade entre fé e ciência.
Quando notou, numa carta à grã-duquesa Cristina de
Lorena, consorte de Fernando I de Médici, grão-duque
da Toscânia, que «a intenção do Espírito Santo é ensi
nar-nos como se vai para o céu e não como o céu vai >> ,
estava a citar o cardeal Caesar Baronius, bibliotecário
do Vaticano, que tinha resolvido dessa forma o conflito
entre religião e ciência. É certo que a Bíblia afirmava,
a certo passo do Antigo Testamento, que o Sol andava
em volta da Terra. Falava até de um milagre, porque o
Sol teria parado a meio do seu movimento. Se o Sol
não se movesse, permanecendo quieto no centro do
mundo, como seria possível esse milagre ? Mas contradições entre o texto da Bíblia e o conhecimento cientí-
HISTÓRIAS D E FÍSICA 65
fico já tinham surgido antes e sido u ltrapassadas pelos
religiosos mais esclarecidos. Por exemplo, certos trechos
das Escrituras segundo os quais a Terra é plana levaram
alguns padres antigos a rejeitar o conhecimento grego
de que o nosso planeta tinha forma esférica . Contudo,
os cristãos mais cultos aceitaram a esfericidade do nosso
planeta muito antes de ela ter sido demonstrada pelas
viagens de circum-navegação. O físico norte-americano
Steven Weinberg (n. 1 933 ) , especialista em física de
partículas e cosmologia e laureado Nobel, i ronizou a
este respeito:
Dante achou até que o interior da Terra redonda era
um bom lugar para os pecadores.
Há compatibil idade entre ciência e religião? Para se
admitir que sim, é preciso, como bem mostra o caso de Gal i leu, abandonar a ideia de que a Bíblia é um l ivro
de ciência. A Bíblia não pode, obviamente, ser levada
à letra, como fizeram ontem os cardeais à frente do
Santo Ofício e fazem hoje os criacionistas evangélicos. Em 1 992, o papa João Paulo II ( 1 920-2005) , depois de
uma demorada revisão do processo por uma comissão ad
hoc, admitiu publicamente que a condenação de Gali leu
pelo Tribunal da Inquisição tinha sido afinal um erro.
A Igreja organizou, depois dessa reabi litação muito pós
tuma, no Ano Internacional da Astronomia, celebrado
em 2009, um congresso em Florença, com ampla parti
cipação dos j esuítas, onde se discutiu o julgamento de
Galileu, e uma exposição em Roma sobre « Galileu e a
ciência astronómica>> . Não sendo possível a canonização, só falta agora erguer uma estátua a Galileu nos jard ins
do Vaticano. E, pelos vistos, pouco falta, pois uma
66 DARWIN AOS TIROS
proposta já foi avançada nesse sentido. Quem j ulga que
a justiça portuguesa é demasiado lenta, com montanhas
de processos acumulados há tantos anos que parecem
séculos, devia considerar a justiça do Vaticano . . .
Deus e o s gigantes da ciência
Foi o físico inglês Isaac Newton (1643-1727) que
afirmou, numa carta escrita em 1676:
Se consegui ver mais longe foi porque estava aos
ombros de gigantes.
A carta dirigia-se ao seu rival Robert Hooke (1635-
-1703 ) , e havia na redacção escolhida pelo signatário '
uma deselegante a lusão, ainda que velada, à pequena
estatura do seu interlocutor, que na altura reclamava a
precedência de uma descoberta da óptica, numa disputa
em curso na Royal Society de Londres. Newton era, de
facto, uma pessoa de muito poucos amigos. Cultivava,
a liás, as inimizades. Seja qual for o sentido da frase, o
carácter cumulativo da ciência não podia ter sido mais
bem explicitado. Com efeito, sem os contributos do
astrónomo polaco Nicolau Copérnico, do astrónomo
alemão Johannes Kepler e do astrónomo e físico italiano
Galileu Galilei, Newton não teria podido realizar a sua
notável obra, que unifica os movimentos no céu e os
movimentos na Terra com um só formalismo universal .
E , sem conhecer bem todos esses contributos (como
aliás de muitos outros) , o físico suíço, nascido na Ale
manha, Albert Einstein não poderia, bem mais tarde, ter alargado a nossa descrição do cosmos.
HISTÓRIAS DE FÍSICA 67
E onde está Deus em tudo isso ? Que visão tinham de
Deus os referidos gigantes da ciência ? A Revolução
Científica, iniciada em 1 543 com a publ icação do livro
que divulgava a teoria heliocêntrica de Copérnico, ocor
reu no seio de uma Igreja que vivia tempos de grande
convulsão interna devido à reforma luterana. O monge
alemão Martinho Lutero ( 1 483-1546) foi aliás um dos
primeiros a ridicularizar as ideias científicas de Copér
nico, que era cónego na catedral católica de Frauenburg,
na Polónia (um cónego não era padre, mas quase ) . Fê
-lo antes mesmo de elas serem publicadas em forma de
livro. Tanto Kepler como Galileu foram ardorosos cren
tes. Kepler era luterano, tendo começado por se prepa
rar na Universidade de Tübingen para uma carreira
teológica que acabou por não seguir, em favor de uma
carreira científica. Cedo abraçou as ideias de Copérnico,
com as quais contactou em Tübingen. Por seu lado, o
seu contemporâneo Galileu era católico, tendo estudado
a doutrina da Igreja num mosteiro perto de Florença
antes de ingressar como estudante de Medicina na
Universidade de Pisa, um curso que não chegou a con
cluir. Kepler deu provas nos seus livros da sua religio
sidade, ao alardear nalguns passos um elevado misti
cismo. E a fé de Galileu, um cristão bem relacionado
com a mais alta hierarquia da Igreja de Roma, não
esmoreceu com a severa pena a que o Tribunal da
Inquisição o condenou.
Por seu lado, Newton era, por formação, anglicano,
comungando naturalmente da religião oficial de Ingla
terra. Tal como os gigantes a cujos ombros subiu, tam
bém ele estudou Teologia. Para o sábio inglês, não havia dúvidas de que o Universo era obra de Deus, iniciada
na Criação e continuad,a desde então até à actualidade.
68 DARWIN AOS TIROS
Porém, o seu pensamento religioso estava bem longe de
ser ortodoxo. Não aceitava, por exemplo, a doutrina
da Santíssima Trindade, defendendo antes a ideia de
que Deus era unipessoal. Teve, porém, de manter secreta
essa sua posição, até porque era membro do Trinity
Col lege ( Colégio da Trindade) na Universidade de
Cambridge. E também teve de manter secretos a lguns
dos seus heterodoxos estudos sobre a Bíblia . . . Tão se
cretos como os seus labores alquímicos, mantidos du
rante séculos na escuridão.
Einstein conseguiu, do ponto de vista religioso, ser
ainda mais heterodoxo do que Newton. De ascendên
cia judaica, nunca entrou, contudo, numa sinagoga para
rezar ou assistir a qualquer acto de culto. Não acredi
tava pura e simplesmente num Deus pessoal, um Deus
tal como aparece no Antigo Testamento. Antes achava
que o transcendente se encontrava na ordem misteriosa
do mundo, que a ciência conseguia decifrar. Um rabino
de Nova Iorque perguntou-lhe um dia, por telegrama,
se acreditava em Deus. E a resposta foi curta, uma vez
que era pré-paga e havia que respeitar um número l i
mite de palavras:
Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmo
nia ordenada daquilo que existe, não num Deus que se
preocupa com os destinos e as acções dos seres humanos.
O Deus do judeu Einstein era o mesmo do judeu holan
dês de origem portuguesa Bento de Espinosa ( 1 632-
- 1 677) que, em 1 656, tinha sido excomungado (o chérem
de que foi alvo é a mais alta punição no judaísmo) na
Sinagoga Portuguesa de Amesterdão devido às suas posições declaradamente heréticas. Mas esse Deus de Eins-
HISTÓRIAS DE FISJCA 69
tein e Espinosa pouco ou nada tem a ver com o Deus,
de barbas e vozeirão, do Antigo Testamento, que ralha
e castiga os humanos quando eles não Lhe obedecem .
O padre voador
A quem entra na Biblioteca Joanina, em Coimbra, pode
parecer que penetra num templo, tal é o esplendor do
barroco que logo salta à vista no seu interior. Há até
alguns turistas desprevenidos que se persignam. Mas o
altar está substituído pelo retrato do poderoso monarca
que mandou construir a Casa da Livraria e que mereceu,
assim, dar o nome à biblioteca: D . João V ( 1 689- 1 750) .
Foi um período de ouro da nossa história, ou pelo menos
de folha dourada, pelo brilho e ostentação que o Rei
Sol português gostava de mostrar em tudo quanto fazia.
Nisso imitava o Rei Sol autêntico, Luís XIV, que reinava
em França, quando D. João V foi, em 1 707, entronizado.
Passados dois anos do seu longo reinado,_ um inusi
tado acontecimento veio acrescentar brilho a esse tempo.
Um estudante de Cânones da Universidade de Coimbra, de 23 anos, o padre Bartolomeu Lourenço, que mais
tarde tomou o nome de Gusmão ( 1 685- 1 724), nascido
em Santos, Brasi l , escreveu ao rei, na a ltura apenas
com 1 9 anos, uma petição para construir um «instru
mento para se andar pelo ar> > , da qual se conserva uma
cópia na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.
A l inguagem da petição é deliciosa, valendo a pena
saborear um bocadinho:
Senhor, diz Bartolomeu Lourenço que ele tem descoberto um instrumento para se andar pelo ar, da mesma
sorte que pela terra e pelo mar, e com muito mais brevi-
70 DARWIN AOS TIROS
dade, fazendo-se muitas vezes 200 e mais léguas de cami
nho por dia, no qual instrumento se poderão levar os
avisos de mais importância aos exércitos e terras mui
remotas quase no mesmo tempo em que se resolverem:
o que interessa a Vossa Majestade muito mais que a
nenhum dos outros Príncipes pela maior distância do seu
domínio, evitando-se desta sorte os desgovernos das con
quistas, que procedem em grande parte de chegar muito
tarde a notícia deles a Vossa Majestade.
A solicitação foi logo deferida por alvará regw de
1 9 de Abril de 1 709, guardado hoje na Torre do Tombo
em Lisboa:
Hei por bem fazer-lhe mercê ao Suplicante de lhe con
ceder o privilégio de que, pondo por obra o invento, de
que trata, nenhuma pessoa de qualidade que for, possa
usar dele em nenhum tempo deste Reino e suas Conquis
tas, com qualquer pretexto, sem licença do Suplicante, ou
de seus herdeiros.
Hoje chamaríamos ao pedido um registo de patente
e bem se poderá dizer que a resposta foi simplex.
As notícias do invento correram logo o mundo, sus
citando não só geral admiração, mas também e sobre
tudo abundante chacota. O jornal Wienerisches Diarium
(Diário de Viena) saído na capital da Áustria, país da
esposa de D. João V, publicou, de 1 a 4 de Junho de
1 709, a primeira tradução em alemão de um folheto
português, num suplemento especial de quatro pági
nas, com figura e tudo a exibir a « nova barca» ( fi
gura 6 ) .
Gusmão, a quem o rei emprestou também a s chaves
da sua quinta em Alcântara para nela construir e testar
HISTÓRIAS D E FISICA 71
Figura 6- Passarola de Bartolomeu de Gusmão, numa gravura sem data apensa a um manuscrito do século XVIII na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Esta representação da «barca voadora>> é mais plausível do que a gravura
que foi publicada na Áustria em 1709
o engenho, não demorou a « pô-lo por obra>> . O balão de Gusmão - pois de um pequeno balão se tratava
foi, finalmente, demonstrado diante do rei D. João V,
no Paço Real, no Terreiro do Paço em Lisboa, no dia
8 de Agosto de 1 709. Entre as testemunhas oculares,
contava-se o núncio italiano Michelangelo Conti ( 1 655-
- 1 724 ) , que haveria de se tornar papa sob o nome Ino
cêncio XIII. Conti contou, a 1 6 de Agosto, ao Vaticano
o que tinha visto:
O sujeito, que se comunicou faz tempo pretendia de
querer fabricar um engenho para voar, fez por estes dias a experiência na presença do Rei havendo formado um
corpo esférico de pouco peso: mas como a virtude impu!-
72 DARWIN AOS TIROS
siva ou atractiva parece ser constituída por espíritos [ál
cool], estes pegaram fogo, e queimou-se o engenho da
primeira vez sem se mover da terra, e da segunda embora
se elevasse duas canas, igualmente se queimou; onde ele,
empenhado em fazer crer que não corre perigo a sua inven
ção, está fabricando outro engenho maior.
Tratou-se, nada mais nada menos, da primeira ascen
são de um objecto mais pesado do que o ar, precedendo
várias dezenas de anos a primeira ascensão humana em
balão, que se ficou a dever aos irmãos Étienne e Joseph
Montgolfier, em França. O povo haveria, jocosamente,
de designar por Passarola a máquina voadora do padre,
cuja fama foi modernamente ampliada graças ao ro
mance Memorial do Convento, do nobelizado José
Saramago.
Teria depois havido outros ensaios, mas não há gran
des certezas sobre a sua realização. Gusmão terá desis
tido de prosseguir o seu empreendimento, pelo que não
conseguiu enriquecer com a patente. Certo é que os
l ivros de história da ciência e da tecnologia são hoje
unânimes - ou quase- em reconhecer que as primei
ras experiências de ascensão em balão, embora não
tripulado, foram feitas por Gusmão com os seus protó
tipos de ar quente.
O fim de Gusmão foi, infelizmente, trágico, tão trá
gico como o dos seus primeiros balões. Com apenas 39
anos, morreu, de doença e inanição, em Toledo, numa
apressada fuga à Inquisição portuguesa, que o levou a
tomar nome falso. A perseguição não teve provavel
mente a ver com as suas invenções ( fez outras, além do
balão, como um dispositivo para drenar água dos barcos, que registou na Holanda ) . Nem, ao contrário do
HISTÓRIAS DE FISICA 73
que alguns insinuam, com uma eventual pa1xao por
uma amante real (D. João V é também conhecido por
o Freirático, por ter mantido relações amorosas com
várias freiras, como a madre Paula, do Mosteiro de
Odivelas, a quem terá oferecido uma banheira revestida
a ouro) . É que havia uma acusação, aparentemente bem
fundamentada, de judaísmo, um libelo bem perigoso
numa época em que o rei gostava de assistir a autos
-de-fé, cujos alvos preferidos eram precisamente os
judeus.
A ilustre família Magalhães
O Magalhães foi um computador portátil que o
governo socialista do primeiro-ministro José Sócrates
andou a distribuir, a dez réis de mel coado, pelos miú
dos das escolas. A televisão fartou-se de mostrar os
miúdos a receber ou a trabalhar com o Magalhães,
dando razão àqueles que diziam que o computador não
passava de uma bem montada operação de propaganda. Não sei se a lguma televisão se lembrou de ir perguntar
aos alunos quem foi o Magalhães que deu o nome à
maquineta . Suspeito que a resposta seria reveladora do
estado do nosso ensino da história. E duvido de que as
crianças sejam sequer capazes de usar o portátil para
obter a resposta correcta. Aliás, quem perguntar ao
Google não pode deixar de ficar surpreendido ao des
cobrir que o portátil Magalhães está mais acima, na
l ista das páginas mostradas por aquele motor de busca,
do que o navegador Fernão de Magalhães (Sabrosa ? , 1480- Filipinas, 1521), um fidalgo português que, ao
serviço do rei de Espanha, empreendeu em 1 5 1 9, sem
74 DARWIN AOS TIROS
pessoalmente a terminar ( morreu numa escaramuça já
depois de passado o estreito que tem hoje o seu nome),
a primeira viagem de circum-navegação à Terra.
A família Magalhães remonta ao tempo da fundação
da nossa nacionalidade e inclui, além de Fernão de
Magalhães, outros Magalhães i lustres, os quais podiam
ser dados a conhecer pelo sistema escolar, se este esti
vesse mais preocupado com a história do que com o
último grito da tecnologia . Por exemplo, o padre Gabriel
de Magalhães ( Pedrógão Grande, 1 6 09- Pequim,
1 677) foi um missionário que, depois de ter estudado
no Colégio de Jesus em Coimbra, embarcou para o
Oriente. Esteve na Índia, em Malaca e na China. Já
passaram mais de 400 anos sobre o nascimento deste
jesuíta que demandou o Império do Meio antes de outro
notável jesuíta, Tomás Pereira, que chegou a chefe do
Tribunal das Matemáticas de Pequim (o Tribunal de
Matemáticas era o departamento da corte chinesa que
era consultado para todos os assuntos de astronomia) .
Na China, Gabriel de Magalhães foi perseguido, várias
vezes preso e torturado e inclusivamente duas vezes
condenado à morte (da primeira salvou-se, in extremis,
só porque o tirano que o tinha aprisionado lhe pediu
em troca da vida uma carta astrológica, que ele eviden
temente não se importou de fazer) . Grande construtor
mecânico, montou relógios e outros instrumentos para
a corte imperial .
Um outro Magalhães famoso, d o ramo dos Maga
lhães de Pedrógão, também estudou em Coimbra ( mais
precisamente no Mosteiro de Santa Cruz ) , também
emigrou do reino e também foi um grande construtor
de instrumentos mecânicos, incluindo relógios. João Jacinto de Magalhães (Aveiro, 1 722- Londres, 1 790)
HISTÓ R IAS DE FfSICA 75
tornou-se « estrangeirado >> por receio das perseguições
que o Marquês de Pombal movia a muitos clérigos.
Com base em Londres, viajou pela Europa, tendo con
vivido com alguns dos nomes maiores da ciência e da
cultura da sua época, como James Watt, Joseph Priestley,
Antoine-Laurent Lavoisier, Alessandro Volta, Benjamin
Franklin, etc. Para Portugal enviou alguns instrumen
tos científicos de sua concepção, que hoje pertencem às
colecções do Museu de Ciência da Universidade de
Coimbra . Doou ao seu colega e amigo Benjamin
Franklin ( 1 706-1 790), físico e diplomata norte-ameri
cano que fundou em Filadélfia a Sociedade F ilosó
fica Norte-Americana, a quantia de 200 guinéus desti
nada a criar um prémio científico que ainda hoje existe
nos Estados Unidos e que tem, justamente, o nome
da família . O Magellan da Magellan Medal, que é o
prémio científico mais antigo dos Estados Unidos, ainda
hoje outorgado, e que já distinguiu os inventores norte
-americanos da navegação por satél ite e a descobridora
inglesa das estrelas de neutrões, não é, portanto, o nave
gador, mas sim o físico experimental e instrumentista.
Como, porém, o físico é bisneto do navegador, fica
tudo em famíl ia.
Engenheiro morre no cárcere após
suicídio falhado
A Royal Society de Londres, a Academia das Ciências
do Reino Unido, é a mais antiga academia do género
ainda em actividade: comemorou em 201 0 os seus 350 anos de funcionamento inimerrupto. Com efeito, foi a
28 de Novembro de 1 660 que uma dúzia de sábios
76 D A RWIN AOS TIROS
britânicos decidiu fundar um « colégio para promover a
aprendizagem físico-matemática experimental», uma
associação que o rei Carlos I I ( marido da nossa Cata
rina de Bragança, filha de D. João IV, cujo dote incluiu
a passagem para a coroa britânica das cidades portu
guesas de Tânger e Bombaim) haveria de reconhecer
oficialmente dois anos mais tarde.
Logo em 1 668 era e leito o primeiro membro portu
guês da nova sociedade, o arquivista António Álvares
da Cunha ( 1 626-1 690) , guarda-mor da Torre do Tombo
e pai de D. Luís da Cunha, que haveria de ser embai
xador em Londres no tempo do rei D. João V. Ao longo
dos séculos xvu, xvm e XlX, os livros de assentos da
Royal Society incluíram 25 nomes portugueses. O dé
cimo foi o Marquês de Pombal, que, tal como D. Luís
da Cunha, foi embaixador português na capital britâ
nica. Decerto que a sua entrada como fellow da Royal
Society, em 1 740, foi mais uma gentileza diplomática
do que o reconhecimento do mérito científico do nosso
futuro primeiro-ministro. Já o mesmo não se pode di
zer do português eleito logo no ano seguinte, o décimo
primeiro membro português daquela sociedade: Bento
de Moura Portugal ( 1 702- 1 776 ) , nascido em Moimenta
da Serra, perto de Gouveia, um dos nossos maiores
físicos e engenheiros ( foi comparado a Newton por um
sábio alemão da época : « depois do grande Newton em
Inglaterra, só Bento de Moura em Portugal»). Moura
Portugal calcorreou durante anos a Europa, onde apren
deu a desenvolver engenhos e obras hidráulicas .
Moura Portugal, apesar de estar próximo do marquês
nos anais das entradas na Royal Society, acabou por ser
uma das numerosas vítimas do regime pombalino. Acu
sado por carta anónima de nutrir simpatia pelos Távoras,
H ISTÓRIAS D E FfSICA 77
foi preso e acabou por falecer, no Forte da Junqueira,
Lisboa, em 1 760, depois de dez anos de cativeiro em
condições absolutamente miseráveis, que o levaram à
loucura e mesmo a uma frustrada tentativa de suicídio.
De nada lhe valeram os notáveis serviços prestados à
coroa, designadamente no planeamento de obras hidráu
licas. Nem a invenção de uma «máquina simples de fogo >>,
um modelo de máquina a vapor, que foi demonstrada em
Belém perante a família real em 1 742 e divulgada mais
tarde ao mundo científico, na Philosophical Transactions,
a revista da Royal Society, pelo engenheiro inglês John
Smea ton ( 1 724-1 792) , considerado pelos estudiosos da
história da tecnologia o primeiro engenheiro civi l .
Na sua minúscula cela nos cárceres da Junqueira,
onde também padeceram alguns membros da antes
poderosa família dos Távoras, Moura Portugal ainda
conseguiu papel, pena e tinta improvisados (o papel era pardo e untado, a pena um osso de galinha e a tinta um
preparado de ferrugem) para escrever secretamente al
gumas notas de engenharia que só viriam a lume pos
tumamente, 60 anos mais tarde, num livro saído do
prelo da Imprensa da Universidade de Coimbra inti
tulado Inventos e Vários Planos de Melhoramento para
Este Reino ( figura 7 ) . Que a melhoria do reino foi lenta
e difícil é mostrado pelo facto de, ao longo de todo o
século XIX, só ter sido acrescentado mais um nome
português ao livro de fellows da Royal Society.
A saga do Vasa: demasiado bonito para flutuar
Um visitante de Estocolmo não pode deixar de visi
tar o Museu Vasa, um museu edificado expressamente
78 D A RWIN AOS TIROS
l't
r •'i.• ; J I r I INVENTOS�- ' · ·- -.:.
.. .. . - . .
VARIOS PLANOS DE
MELllORAYEXfO PAR.o\ ESTE REI::'\0;
ZSCRIPTOS
NAS PR!SOES DA JUNQUEIRA POJl
DENTO Dt. 1\IOl'l\ \ 1'01\Tl:GAL.
-!TI é-�•c �� . • . . ·.. . . .
e . C O I III D R A 1
l 8!1 ••
Figura 7- Capa do livro póstumo de Bento de Moura Portugal publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra (exemplar da Biblio-
teca Geral da Universidade de Coimbra)
para albergar o Vasa ( figura 8 ) , grande e bel íssimo navio
construído nos estaleiros da capital sueca e naufragado,
muito perto do seu actual pouso, na sua viagem inau
gural a 1 0 de Agosto de 1 62 8 . O edifício do museu, nas margens de um braço de mar, reconhece-se facilmente,
por a lguns mastros saírem do telhado.
HISTÓRIAS D E FÍSICA 79
Figura 8 -O Vasa, tal como pode ser visto no Museu Vasa, em Estocolmo
O Vasa repousou nas águas frias do Báltico ao longo
de 333 anos. Só no dia 24 de Abril de 1 96 1 foi resga
tado, após uma demorada manobra de elevação que
requereu a passagem de cabos de aço por seis túneis
debaixo do casco, a cargo de mergulhadores escafan
dristas, e o posterior içamento, efectuado com o auxí
lio de um pontão. O interior estava incrivelmente bem
preservado: os arqueólogos passaram a ter à sua dispo
sição uma cápsula do tempo, vinda directamente do
século XVII, que, depois de um árduo trabalho investiga
tivo, legaram ao público. Os numerosos turistas que
hoje demandam o museu ficam impressionados ao con
templar os canhões de bronze ( alguns deles resgatados ainda no século XVI I, graças a primitivos submarinos
em forma de sino), assim como os vários artefactos que
80 D A RWIN AOS TIROS
deviam permitir uma muito razoável vida a bordo, caso
o navio flutuasse. Não faltam sequer os restos mortais
da meia centena de membros da tripulação perecidos
no naufrágio, que os antropólogos forenses estudaram
ao pormenor, ao ponto de terem identificado idade,
doenças e condição física, e que hoje são exibidos na
planta inferior do museu.
A pergunta é imediata : por que razão naufragou essa
espécie de Titanic seiscentista ? O rei Gustavo Adolfo
( 1594-1 632) , que mandou construir o navio mobil i
zando avultados recursos do tesouro da coroa, ficou
visivelmente irritado quando, em viagem pela Prússia,
soube do infausto acontecimento. O comandante foi
aprisionado ( não, parece que não estava bêbedo!) e
longa e duramente interrogado pelo Conselho do Reino.
O mesmo aconteceu a todos os marinheiros sobrevi
ventes e ao construtor. As culpas eram por uns endos
sadas a outros e por outros endossadas a uns. No final ,
ninguém foi condenado. Em última análise, o próprio
monarca era o responsável, por ter ordenado a execu
ção de um projecto tão grandioso e exigente (o navio,
de 69 metros de comprimento e 52 metros de a ltura,
com um peso de 1 200 toneladas, era um dos maiores
da época). Um dos tripulantes resumiu o sentir geral ao
exclamar:
Só Deus saberá!
Mas hoje, de posse de meios científicos e tecnológicos
que na época da construção eram simplesmente impen
sáveis, as causas do naufrágio são sabidas pelo homem: concepção deficiente. Um navio, para flutuar de forma
estável, em obediência à Lei de Arquimedes, tem de
HISTÓRIAS D E FfSICA 81
possuir uma forma adequada e ter a carga d istribuída
de um modo que não o desequilibre. No caso, foi mais
um problema de forma do que de carga, até porque a
embarcação não ia muito pesada. Na época, não havia
obviamente desenho por computador nem simulações
de estabil idade baseadas na matemática e na física. Tal
como as catedrais na Idade Média e mesmo ao longo
de muitos anos depois dessa época, os pequenos e gran
des navios construíam-se por tentativa e erro. Cada
novo navio poderia ser um bocadinho diferente dos
outros, desde que fosse essencialmente igual aos que já
tinham dado boas provas no mar. Muitas foram as
tentativas. Infelizmente para o reino da Suécia, o Vasa
foi um dos erros.
Cientistas incendiários
Para o filósofo grego Heraclito de Éfeso, que viveu
nos séculos vr e v a.C. , tudo provinha do fogo e tudo
seria consumido pelo fogo. Mas o que é o fogo? Na
Antiguidade, era um dos quatro elementos (os outros
eram a terra, o ar e a água). O conceito de fogo só
ficou, porém, claro quando emergiram a física e a quí
mica, respectivamente nos séculos xvrr e xvm. A meio
do século xvm, a Academia de Ciências de Paris, a con
génere francesa da Royal Society, anunciou um prémio
para a melhor memória sobre a natureza do fogo.
Embora o primeiro lugar tenha sido conquistado pelo
maior matemático da época, e, acrescente-se, um dos
maiores de todos os tempos, o suíço Leonhard Euler
( 1 707- 1 783) , aconteceu algo absolutamente inédito: um
escrito da autoria de uma mulher foi pela primeira vez
82 DARWIN AOS TIROS
galardoado pela Academia com a respectiva publicação.
A autora da Dissertação sobre a Natureza e a Propaga
ção do Fogo foi a francesa Madame du Châtelet (nascida Émilie Breteuil, 1 706- 1 749), amante do filósofo François
Marie Arouet, conhecido como Voltaire ( 1 694- 1 778 ),
o qual também viu o trabalho com que concorreu ser
distinguido. Os dois amantes, consumidos pelo fogo da
paixão, eram autoridades máximas no campo do fogo.
Para se perceber o que era uma combustão foi pre
ciso, no entanto, esperar pelos trabalhos do químico
francês Antoine-Laurent Lavoisier ( 1 743- 1 794) , que
identificou o oxigénio quase ao mesmo tempo que dois
outros cientistas, o inglês Joseph Priestley ( 1 73 3 - 1 804 )
e o sueco Carl Scheele ( 1 742- 1 786 ) . Lavoiser, note-se,
foi muito ajudado pela mulher, Marie-Anne, que gostava
tanto de ciência que depois de o marido ter sido guilhoti
nado casou com outro cientista, especialista em calor, o
norte-americano Benjamin Thomson, conde de Rumford
( 1 75 3- 1 8 14 ) . . . O oxigénio é um elemento químico, sem
o qual o fogo não pode existir. Quando uma árvore
arde, compostos de carbono das fibras da madeira com
binam-se com o oxigénio da atmosfera, produzindo
dióxido de carbono e água, numa reacção que liberta
energia, manifesta pela imediata emissão de calor e de
luz. No século XIX, de posse dessa explicação, o físico
-químico inglês Michael Faraday ( 1 79 1 - 1 867) conseguiu
descrever << a história química de uma vela», em conferên
cias populares, vertidas num livro com o mesmo título,
que procuravam tornar simples o que é, em boa verdade,
um fenómeno extremamente complexo (a tradução em
português desse livro só saiu em 201 1 , Ano Internacional da Química, do prelo da Imprensa da Universidade
de Coimbra).
H ISTÓ RIAS DE FÍSICA 83
Um fogo é, portanto, química. Mas, mostrando que
a química e a física andam juntam como duas irmãs
siamesas, a propagação de um fogo só se consegue expli
car com a ajuda da física . Tomemos um fogo florestal,
esse mal infelizmente tão comum no nosso país durante
a época estival, que pode começar por uma pequena
combustão como a da chama de uma vela. Para expli
car o modo como progride um desses fogos, temos de
invocar fenómenos físicos complicados, como a difu
são, a convecção, a radiação, etc. Ora, se a chamazinha
de uma vela já é uma coisa que tem muito que se lhe
diga, o que dizer de um imenso e demorado braseiro
por tudo quanto é faldas de uma serra ? O engenho dos
físicos é, porém, aguçado pela necessidade de saber e
de saber fazer: nos nossos dias, os físicos criaram mode
los cujo objectivo é captar o essencial dos muitos e
variados processos que ocorrem no alastramento de um
grande incêndio. Dada uma configuração orográfica e
uma paisagem vegetal, qual é a forma mais provável de
um incêndio que alastra a partir de um pequeno foco?
Curiosamente, esses mesmos modelos, envolvendo o
conceito de percolação, que são testados em simulações
computacionais antes de o serem no laboratório e no
campo, servem não só para descrever fogos florestais
mas também para descrever o espalhamento do petróleo
acidentalmente derramado no mar, ou ainda o avanço
de uma grande epidemia mundial, tal como uma gripe.
No campo ? Trabalho de campo a atear fogos ? Sim, há,
de facto, fogos provocados, que são deixados crescer
de forma controlada, designadamente no Sul de França,
só para ver como as chamas alastram e como elas diminuem e finalmente se extinguem com um ataque decidido dos bombeiros. Em Portugal, os incendiários terão
84 DARWIN AOS TIROS
uma formação científica mais baixa, mas igual ou su
perior eficácia à dos cientistas que, em França e nou
tros lados, experimentam acender fogos . . .
Os incêndios, os derrames petrolíferos e as epide
mias podem ser mais bem combatidos se se fizer me
lhor ideia do modo como essas tragédias progridem.
Mas j á não será uma boa ideia espalhar, com fins
científicos, petróleo no mar ou iniciar uma epidemia a
fim de a estudar. Francis Bacon ( 1 5 6 1 - 1 626), Lorde
Verulam, o filósofo inglês da Revolução Científica ,
afirmou: «Saber é poder.» Como mostram os exem
plos dos incêndios, ou dos derrames petrolíferos ou
ainda das epidemias, essa asserção pode funcionar em
duas etapas: saber é prever e, evidentemente, prever é
poder.
As cores do embaixador Sampayo
O grande l i terato a lemão Johann Wol fgang von
Goethe ( 1 748- 1 8 32 ) citou, no seu l ivro Teoria da Cor
( 1 820), o português Diogo de Carvalho Sampayo:
O autor, um cavaleiro da Ordem de Malta, foi con
duzido casualmente à observação das sombras de cor.
Após poucas observações precipita-se para uma espécie
de teoria e procura convencer-se da mesma mediante
várias experimentações. As suas experiências e modos
de pensar estão esboçados nos quatro escritos acima cita
dos e resumidos no último [Memória] . Ainda as espre
memos mais para dar conta aos nossos leitores desses esforços que, embora honestos, são todavia estranhos e
insuficientes.
HISTÓRIAS DE FISICA 85
Quem foi esse português ? Sampayo, nascido em
Lamego em 1750, fez o curso de Direito na Universi
dade de Coimbra. Foi depois magistrado em Coimbra,
tendo vivido nessa cidade durante a reforma pombalina.
Nomeado j uiz na comarca de Viana do Castelo, seguiu
depois para a i lha de Malta como cavaleiro da Ordem
com esse nome. Regressado, mudou-se para Madrid,
onde foi embaixador da coroa portuguesa. Finalmente,
fixou-se como agricultor na sua terra natal . Morreu em
1807, um escasso ano depois de se casar. O solteirão
inveterado mal teve tempo para gozar o conforto do
casamento.
Embora apenas autodidacta em assuntos científicos,
Sampayo estudou em profundidade as cores, tal como
Goethe. É o autor de três l ivros sobre o assunto: o Tra
tado das Cores ( La Valetta, 1787), a Dissertação sobre
as Cores Primitivas . . . ( Lisboa, 1788) e a Memória sobre
a Formação Natural das Cores ( Madrid, 179 1 ) . A Dis
sertação e a Memória foram reeditadas numa obra coor
denada pelo historiador Rui Graça Feijó ( O Sistema
das Cores, Porto Editora, 2008). Os génios também se
enganam e Goethe é autor de uma teoria errada das
cores, com semelhanças à de Sampayo e oposta à de
Newton . Mas será que Goethe conseguia ler português ?
Não lia, mas deve ter usado um dicionário para fazer
uma apressada tradução da Memória. Chegou até nós
uma tradução manuscrita desse l ivro em alemão, do
punho do seu secretário, mas que provavelmente é da
autoria do próprio Goethe.
Como é que o poeta nascido em Frankfurt-am-Main
soube de Sampayo? Pois, em 1799, em Madrid, o alemão Wilhelm von Humboldt ( 1 767- 1835), irmão do
naturalista Alexander von Humboldt ( 1769-1859), ele
86 DARWIN AOS TIROS
próprio um académico eminente que fundou a Univer
sidade de Berlim, conheceu Sampayo, que na ocasião
lhe ofereceu a sua Memória. E o l ivro foi logo enviado
por Wilhelm von Humboldt ao seu amigo Goethe, uma
vez que ele sabia do grande interesse do poeta pela
teoria das cores.
Sampayo era um espírito curioso, mas um homem
isolado, e o isolamento não ajuda a curiosidade a fru
tificar. Tendo aprofundado o estudo das cores com os
l ivros da Biblioteca Joanina, na universidade coimbrã,
teve a sorte de encontrar em Madrid um sábio a lemão
que prontamente o d ivulgou a um espírito superior da
cultura europeia . Goethe reconheceu o valor do portu
guês, mas a sua arrogância tê-lo-á levado a menospre
zar o trabalho que, por obra do acaso, foi parar às suas
mãos. A atitude não lhe valeu de muito, pois a sua
porfiada oposição à teoria das cores de Newton nunca
foi bem-sucedida.
O mazor erro de Einstein
As Nações Unidas decidiram que 2 0 1 1 seria o Ano
Internacional da Química, pretendendo celebrar os
extraordinários resultados obtidos por essa ciência e as
suas contribuições para o progresso da Humanidade.
Para essa decisão contribuiu o facto de passar um sé
culo desde que foi atribuído o Prémio Nobel da Quími
ca à francesa de origem polaca Madame Curie, de nas
cimento Maria Sklodowska ( 1 867- 1 934) . Foi o segundo
Nobel que recebeu, dessa vez sozinha, depois de oito anos antes ter partilhado o Nobel da Física com o seu
marido, Pierre Curie, e com o também francês Antoine
HISTÓRIAS DE FISICA 87
Henri Becquerel, pelos seus trabalhos sobre a radioacti
vidade. Até hoje, Madame Curie é a única pessoa que
recebeu dois prémios Nobel de duas disciplinas cientí
ficas. Não é, por isso, de estranhar que no ano de 20 1 1
se celebre também a contribuição das mulheres para a
ciência.
A ascensão das mulheres na ciência foi prodigiosa
no último século. Numa famosa fotografia do Congresso
Solvay em 1 9 1 1 , Madame Curie é a única presença
feminina entre os 24 sábios retratados. Hoje, em mui
tos congressos de física ou de química, há uma repre
sentação quase paritária dos dois sexos.
Em Portugal, esse progresso da participação femini
na na ciência foi particularmente nítido. Em 1 9 1 1 come
çou a dar aulas na Universidade de Coimbra a primeira
professora do ensino superior português: a notável fi ló
loga de origem a lemã Carolina Michaelis de Vasconce
los ( 1 85 1 - 1 925; o apelido Vasconcelos vinha do marido,
o historiador e crítico de arte Joaquim de Vasconcelos ) ,
que, no ano seguinte, entrou, não sem alguma discus
são interna, na Academia das Ciências de Lisboa. No
livro Breve História da Ciência em Portugal ( de Carlos
Fiolhais e Décio Martins) , que só conta a história da
ciência nacional até à Revolução de 1 974, é referida
apenas uma mulher, Matilde Bensaúde ( 1 890- 1 969) ,
pioneira da genética entre nós no início do século pas
sado e filha do fundador do Instituto Superior Técnico,
o engenheiro Alfredo Bensaúde. Mas, actualmente, o
país bem pode orgulhar-se não só da quantidade como
da qualidade das suas cientistas. Temos uma das per
centagens mais elevadas de mulheres na ciência na
Europa e até no mundo: Portugal, nas estatísticas euro-
88 D A RWIN AOS TIROS
peias do Eurostat de 2008 , aparece em quinto lugar na
percentagem de investigadoras, com 45 por cento,
quando a média da União Europeia não chega a 30
por cento. Desde há vários anos que, consistentemente,
há um número maior de mulheres do que homens a
terminarem um doutoramento em Portugal . A conti
nuar esta tendência, não estará longe de se j ustificar
um prémio para estimular a participação masculina na
ciência . . .
Apesar d e ter sido premonitória d a chegada maciça
das mulheres à ciência, a notícia da atribuição do Nobel
a Madame Curie há mais de cem anos foi ofuscada, na
imprensa francesa e internacional, por um escândalo,
surgido pouco antes, sobre uma sua ligação amorosa com
o físico francês Paul Langevin ( 1 872-1 946), que era seu
colega e tinha sido discípulo de Pierre Curie ( Madame
Curie era viúva há já cinco anos, mas Langevin era
casado) . Por obra e graça de um wikileaks doméstico,
um jornal francês publicou algumas cartas de amor
trocadas entre os dois, facto que motivou um duelo à
pistola entre Langevin e um j ornalista ( nenhum dos
dois chegou, felizmente, a disparar) . Não faltou quem,
na imprensa e na boataria, denegrisse a i lustre físico
-química chamando-lhe uma estrangeira perigosa para
as famílias francesas. E, por causa desse indesmentível
affaire, a lguns membros da Academia Sueca tentaram
que ela não fosse receber o prémio a Estocolmo. Toda
via, Marie Curie não hesitou em ir, a legando que o
motivo do prémio - a descoberta de dois novos elemen
tos químicos, o rádio e o polónio - não tinha rigoro
samente nada a ver com a sua vida privada. Madame Langevin consegu iu logo a seguir o divórcio e a custó
dia dos seus filhos, sem que o tribunal tivesse meneio-
HISTÓRIAS DE FÍSICA 89
nado uma vez que fosse o nome da dupla laureada
Nobel . Esta e Langevin (os dois estão a uma distância
prudente na fotografia do Congresso Solvay, pois na
altura o caso era escaldante) acabaram por se afastar,
seguindo destinos diferentes. Mas, por uma daquelas
ironias em que o acaso é fértil , os genes de um e de
outro viriam a cruzar-se mais tarde, quando uma neta
de Curie se casou com um neto de Langevin . . .
E Einstein ? Qual foi, afinal, o erro de Einstein? O autor
da teoria da relatividade achava que as mulheres não
tinham aptidão para a ciência por não serem criativas.
Apesar disso, nutria sincera admiração por Madame
Curie, considerando-a uma excepção à regra. Tal não o
impediu de comentar a um amigo: « [ela] não é suficien
temente atraente para ser perigosa para quem quer que
sej a >> . Einstein cometeu a lguns erros. A depreciação que
fez das mulheres foi, decerto, o maior.
Prémios Nobel da Física para todos os gostos
Os físicos têm os mais variados gostos. Há aqueles
que preferem confrontar-se com grandes questões funda
mentais, como a de saber quais são as partículas últi
mas do mundo e as respectivas interacções, e aqueles
que optam por investigar fenómenos complexos obser
vados no mundo e resultantes de processos de organi
zação sobre os quais as teorias ditas fundamentais nada
dizem porque nada podem dizer. O primeiro grupo segue
uma linha que se pode chamar reducionista, uma linha
que procura desmontar o Universo nos seus blocos, ao passo que o segundo grupo se interessa pela auto-orga
nização da matéria numa certa extensão e pelas proprie-
90 DARWIN AOS TIROS
dades dela emergentes, propriedades que se perdem
completamente quando os blocos são separados.
Por outras palavras: o primeiro grupo quer explicar
tudo ao mesmo tempo e arrisca-se a ficar sem trabalho
caso tenha sucesso. O segundo procura diligentemente
resolver uma coisa de cada vez, como um mestre-de
-obras que vai descobrindo trabalhos adicionais à me
dida que a empreitada avança.
As duas visões são complementares. A invocação da
história da física ajuda a perceber essa complementari
dade. A 7 de Março de 1 9 1 1 , o britânico, nascido na
Nova Zelândia, Ernest Rutherford ( 1 8 7 1 - 1 937) apre
sentava à Sociedade Literária e Filosófica de Manchester,
cidade onde vivia e trabalhava, uma comunicação
intitulada <<A Dispersão dos Raios Alfa e Beta e a Estru
tura do Núcleo » , na qual anunciava a sua descoberta
do núcleo atómico a partir do embate de partículas alfa
numa fina película de ouro:
É considerada a dispersão de partículas electrizadas
para um tipo de átomo que consiste de uma carga eléctrica
central concentrada num ponto e rodeada por uma distri
buição esférica uniforme de electricidade oposta igual em
grandeza.
Era mais um passo, e desta vez um passo de gigante,
no esforço incessante da humanidade de compreender
os constituintes da matéria. Rutherford mereceria ter
ganho o Prémio Nobel da Física só por esta descoberta,
mas pouco antes já tinha recebido o da Química.
Passados poucos dias, a 8 de Abril de 1 9 1 1 , no seu
laboratório de Leiden, na Holanda, o físico holandês Heike K a m erlingh Onnes ( 1 8 5 3 - 1 926) escrevia num
caderno de notas na sua quase indecifrável caligrafia,
HISTÓRIAS DE FISICA 9 1
um apontamento sobre a supercondutividade do mer
cúrio escassos quatro graus acima do zero absoluto:
Temperatura medida com êxito. (Resistividade do)
mercúrio praticamente zero.
Desta vez, matena que se ju lgava bem conhecida
- o mercúrio já era usado pelos antigos egípcios e chi
neses e foi manipulado pelos alquimistas com o nome
que ainda hoje mantém - revelava a surpreendente pro
priedade de anular a resistência eléctrica a uma tempe
ratura bastante baixa. Onnes ganhou o Nobel da Física
em 1 9 1 3 .
A descoberta d o núcleo atómico lançou a fís ica
nuclear, que por sua vez lançou a física de partículas,
proporcionando a esses dois novos ramos da física vagas
sucessivas de saberes novos, por vezes surpreendentes,
sobre a constituição da matéria. Muitos físicos traba
lham hoje na esteira de Rutherford, bombardeando com
violência a matéria para conhecerem os seus segredos
mais íntimos. Por seu lado, a descoberta da supercondu
tividade lançou, durante longos anos, a perplexidade
nos maiores cérebros da física . Tardou até 1 957 para
que três físicos, os norte-americanos John Bardeen, Leon
Cooper e Robert Schriffer, conseguissem explicar o
estranhíssimo fenómeno: devido à intermediação da rede
atómica, um electrão a liava-se a outro e os dois podiam
fazer coisas que nenhum faria sozinho. O primeiro dos
físicos, John Bardeen ( 1 908 - 1 991 ) , é um dos nomes
maiores das ciências físicas: foi, até à presente data, o
único laureado com dois Prémios Nobel da Física, o primeiro pela invenção do transístor e o segundo pelo
esclarecimento da supercondutividade. Dois feitos ver-
92 DARWIN AOS TIROS
dadeiramente invulgares, que a Academia de Estocolmo
não podia deixar de reconhecer e distinguir.
Em 1 986, a lgo inesperado voltou a bater à porta dos
físicos da matéria condensada : o a lemão Johannes
Bednorz (n. 1 950) e o suíço Karl Alexander Müller
(n . 1 927) anunciaram a descoberta da supercondutivi
dade a altas temperaturas em materiais cerâmicos, que
a teoria de Bardeen, Cooper e Schriffer (chamada abre
viadamente teoria BCS, das iniciais dos seus autores)
não conseguia explicar. Também Bednorz e Müller
foram recompensados com o Nobel . Ainda hoje, não
obstante a publicação de mais de cem mil artigos sobre
a supercondutividade a altas temperaturas, nenhuma teoria consegue explicar a descoberta de uma forma
satisfatória . . .
O s exemplos mencionados mostram que, quando
menos se espera, a experiência se encarrega de trazer
grandes novidades aos físicos. E mostram também que
maneiras diferentes de ver e fazer física têm encontrado
novos desafios, que não raro se cruzam e iluminam mutua
mente. Os físicos de partículas, na senda de Rutherford,
discutem actualmente a possibil idade de formularem
u m a Teoria de Tud o . Mas os fís icos da matér ia
condensada, na senda de Onnes, sabem que não há
nem pode haver uma só teoria que dê conta de tudo.
As namoradas de Schrodinger
e o significado da vida
O físico austríaco Erwin Schrodinger ( 1 8 8 7- 1 9 6 1 ) sabia viver a vida muito bem. Era um bom apreciador
de sempre renovadas companhias femininas. Consta até
HISTÓRIAS DE FISICA 93
que a descoberta da famosa equação que hoje tem o
seu nome foi feita durante um fim-de-semana passado
nas montanhas com uma das suas várias namoradas.
Não se sabe se foi um momento alto da sua vida pes
soal, mas foi decerto um momento alto da ciência : a
equação de Schrodinger, que está na base da teoria
quântica, contém, como já alguém disse, toda a química
e quase toda a física.
Schrodinger também ficou conhecido por ter imagi
nado um gato meio vivo e meio morto, o <<gato de Schro
dinger» . E como se poderá explicar um gato? Será a vida
expl icável pelas leis da química e da física ? O próprio
Schrodinger se ocupou do assunto em 1 942 quando,
exilado por causa da ocupação da sua Áustria natal,
proferiu, sob os auspícios do Instituto de Estudos Avan
çados, em Dublin, na Irlanda, uma série de conferências,
mais tarde reunidas em livro sob o título O Que É a
Vida? A pergunta do título prolongava-se noutra:
Até que ponto a física e a química poderão explicar, no
espaço e no tempo, os fenómenos que ocorrem dentro de
um organismo vivo?
A resposta foi dada pelo autor logo a seguir:
A manifesta incapacidade da física e da química para
explicarem esses fenómenos não implica , de modo nenhum ,
que se possa pôr em dúvida que eles sejam demonstráveis
por ambas as ciências.
E, de facto, nada na vida contraria ( pelo menos
que se saiba até agora) as leis da física e da química. A l iás, se se vier a verificar a lgo desse tipo, o mais certo
será alterarem-se as leis . . .
94 DARWIN AOS TIROS
Esta resposta foi dada muito antes da descoberta da
estrutura molecular do ácido desoxirribonucleico, ADN,
feita em 1 953 pelo físico inglês Francis Crick ( 1 9 1 6-
-2004) e pelo biólogo norte-americano James Watson
(n . 1 928 , originalmente ornitologista) . Ambos reconhe
ceram a sua dívida para com o livro de Schrodinger,
que tinha feito a pergunta certa na altura certa. Os
modernos desenvolvimentos, a lguns espectaculares, da
bioquímica e da biofísica têm dado razão ao físico aus
tríaco. A vida, que anima desde a minúscula e relativa
mente simples bactéria Escherichia coli ao maiúsculo e
tão complicado Homo sapiens sapiens, passando pela
mosca da fruta Drosophila melanogaster, não tem
parado de revelar os seus segredos aos cientistas, conhe
cedores de física e de química, que se têm interrogado
sobre a sua natureza. Todos os fenómenos biológicos
são, em última análise, físico-químicos. Apesar de con
seguirem saber cada vez mais sobre ela, têm concluído
que falta saber muito mais. De facto, a ciência tem esta
propriedade curiosa: quando se consegue responder a
uma pergunta, surgem logo várias perguntas a que falta responder . . .
O carteiro de Reguengos traz carta de Einstein
A 1 6 de Janeiro de 1 946 chegava ao gabinete de
Albert Einstein na Universidade de Princeton, em Nova
Jérsia, uma carta de Reguengos de Monsaraz. Assina
va-a António Gião ( 1 906-1 969) , um físico aí nascido
que propunha nela uma teoria unificada das forças fundamentais, assunto que nessa altura ocupava a mente
do sábio exilado.
H ISTÓRIAS D E FÍSICA 95
Qual não foi o contentamento de Gião quando, quase
na volta do correio, chegou, pela mão do carteiro, à
sua casa de Reguengos uma s impática resposta de
Einstein. O autor da teoria da relatividade apresentava
alguns cálculos, que exprimiam certas dificuldades téc
nicas da proposta do alentejano. Gião replicou com
j úbilo: parecia um adolescente que obtém resposta de
uma estrela de rock de quem é fã ! Essa correspondên
cia encontra-se hoje no Arquivo Einstein, na Universi
dade Hebraica de Jerusalém.
Gião, de pai muito conhecido em Reguengos mas
de mãe incógnita, tinha efectuado estudos secundários
em Évora e, em parte, estudos superiores na Universi
dade de Coimbra. Foi depois prosseguir a sua forma
ção para Estrasburgo, em França, onde concluiu o curso
de Engenharia Geofísica e F ísica (Meteorologia ) , e a
seguir para Bergen, na Noruega, e para Paris, de novo
em França . Passou a primeira metade da sua vida cien
tífica no estrangeiro. No total da sua vida, publicou
mais de 1 50 artigos, muitos deles nas melhores revistas
internacionais, como a Physical Review, os Comptes
Rendus ( apresentados por Louis de Broglie) , o Journal
de Physique, etc. Foi, salvo erro ou omissão, o primeiro
português a publicar na Nature (uma letter em 1 926,
t inha ele apenas 20 anos, sobre a posição e a forma das
nuvens) . Atingiu, por isso, notoriedade internacional
suficiente para receber não só um convite para profes
sor no MIT, em Boston, nos Estados Unidos, como até
um convite para uma expedição internacional de voo sobre o Pólo Norte em 1 92 8 . Felizmente, recusou este
último convite, pois a viagem no dirigível capitaneado pelo i t a l i a n o Umberto Nobi le acabou em tragé
dia. Regressado finalmente a Portugal, por alturas da
96 D A RWIN AOS TIROS
Segunda Guerra Mundial, Gião passou a interessar-se
cada vez mais pela física de partículas e cosmologia .
Publicou na Portugaliae Physica, a revista nacional de
física criada em 1 943 ( escreveu um artigo sobre meteo
rologia e outro sobre teoria quântica relativista, no
segundo volume), Portugaliae Mathematica, a revista
portuguesa de matemática criada pouco antes da sua
homóloga da física, Técnica, a revista dos estudantes
do Instituto Superior Técnico, etc.
Mas Gião publicou quase sempre sozinho. Foi um
físico isolado, quase um eremita, sendo a sua casa de
Reguengos o seu refúgio preferido. Foi visto por muitos
colegas como um nefelibata, para usar uma imagem da
sua área de trabalho inicial. Mesmo quando foi nomeado
professor catedrático da Universidade de Lisboa, depois
de aceitar o convite (exigiu que não houvesse concurso
pois achava que, em Portugal, ninguém estava à altura
de o examinar), não conseguiu fazer discípulos. Tinha
um feitio difícil, diziam a lguns. Tinha ideias demasiado
exóticas ( como a dos <<microelectrões>> , partículas meno
res que os electrões) , diziam outros ou os mesmos, pelo
que não admira que hoje apareça citado em artigos e
sítios de pseudociência. Gostava de lançar tiradas filo
sófico-poéticas . Por exemplo, em 1 967, numa confe
rência em Évora disse:
O Universo é o manto pelo qual o Ser se protege do
Nada.
O certo é que não deixou descendentes científicos.
Deixou, é certo, a lgumas sementes. Como director do Centro de Cálculo da Fundação Calouste Gulbenkian,
organizou em 1 963 um encontro de cosmologia em
HISTÓRIAS DE FÍSICA 97
Lisboa, no qual conseguiu a presença do alemão Pascual
Jordan (um dos criadores da mecânica quântica, muito
prejudicado na sua carreira pelas suas ideias nazis) e do
inglês Hermann Bondi ( astrofísico de origem j udaica e
grande humanista que defendeu a teoria do estado es
tacionário de Fred Hoyle, em oposição à do Big Bang).
Gião representa bem a tragédia que foi a ciência
nacional na primeira parte do século xx. Mesmo aque
les que se estrangeiraram, bebendo água das melhores
fontes, não conseguiram ferti l izar um terreno que,
entre nós, estava tão seco como o Alentejo no p ico do
estio.
O incrível Hulk
Não, o verdadeiro Hulk não é um destacado jogador do Futebol Clube do Porto. Hulk é uma versão moderna
de Frankenstein, a mítica personagem do Romantismo
saída da pena de Mary Shelley ( 1 797- 1 85 1 ) , em 1 8 1 8,
que passou ao cinema pouco depois de essa arte e tecno
logia ter surgido no mundo. Frankenstein e Hulk podem
ser vistos como a encarnação do medo sentido pelo
homem que ousa desafiar a Natureza empreendendo
experiências inusitadas. O século XIX, de algum modo
em reacção ao século das Luzes, imaginou histórias fan
tásticas, como essa da criatura que, inopinadamente,
foge ao controlo do seu criador. Criou monstros onde
antes existia a razão. O pintor espanhol Francisco Goya
bem o previu, ao inscrever numa sua gravura de 1 799:
« O sono da razão gera monstros . » Hulk, ou, melhor, Bruce Banner, o seu verdadeiro
nome, é mesmo incrível . Trata-se de um físico nuclear
98 DARWIN AOS TIROS
experimental . Numa experiência secreta de teste de uma
arma por ele criada, Banner foi submetido a uma forte
radiação gama que lhe permitiu metamorfosear-se em
Hulk, monstro de forma humana, mas de cor verde,
que em certas ocasiões consegue aterrorizar tudo e
todos. Bruce é uma pessoa inteligente e sensível, mas,
quando se irrita, fica um débil mental, de corpo enorme
( figura 9 ) . Não é inteiramente mau, mas, se provocado,
arrasa toda a gente que lhe surja pela frente. Muito pior
do que o avançado Hulk faz às defesas adversárias . . .
Figura 9 - Livro d e banda desenhada da Marvel representando o Incrível Hulk
HISTÓ RIAS DE FÍSICA 99
O filme do francês Louis Leterrier O Incrível Hulk
estreou em 2008, três anos depois de ter estreado entre
nós um outro filme sobre o mesmo super-herói, Hulk,
realizado pelo chinês Ang Lee. Hulk, apesar de novo
nos cinemas, já não era propriamente jovem: tinha nas
cido em 1 962, nos livros de banda desenhada da Marvel,
onde aliás continua, e passado pelos ecrãs da televisão
antes de chegar ao grande ecrã. Já nessa a ltura Hulk
tinha de enfrentar um poderoso genera l norte-ameri
cano que, para aumentar a intensidade dramática, é
pai de uma bela rapariga apaixonada por Bruce. No
novo fi lme, o general comanda um ambicioso capitão,
de origem russa (claramente um resquício da Guerra
Fria nos anos 60) , que também acaba por se transfor
mar num monstro, pois era preciso um vilão à a ltura
para combater Hulk num grandioso duelo final .
Mas nem a vida é bem como nos fi lmes, nem a ciên
cia é tão má como nas fitas de terror. A ciência desses
filmes, apesar de irreal, não deixa de cumprir uma fun
ção. Hulk, ao actual izar Frankenstein na era do nuclear,
a lerta-nos para a necessidade de manter a razão acor
dada. O escritor e médico francês François Rabelais
( 1 494-1 553 ) tinha dito que ciência sem consciência é a
« ruína da alma » . Ciência com consciência é ciência que
não se deixa adormecer. É alma que não se deixa arruinar.
Um físico na prisão de Estaline
Há quem atribua ao físico soviético Lev Davidovitch Landau ( 1 90 8 - 1 9 6 8 ) , autor do famoso Curso de Física
Teórica, em co-autoria com o seu colega e amigo Eugeny
100 DARWIN AOS TIROS
Lifshitz ( 1 91 5- 1 985 ; o curso é, por vezes, designado
como Landafshitz), a seguinte frase sobre o curso:
Nenhuma palavra é minha, nenhuma ideia é dele.
De facto, o famoso físico detestava escrever, mas
tinha ideias de génio que valia a pena fixar por escrito.
O melhor era ter sempre alguém ao lado. Quem tentar
ler o primeiro volume do curso, sobre mecânica, não
encontra nem uma palavra a mais, nem uma palavra
a menos; da primeira à última páginas, tudo parece
genial . E o mesmo se passa com os volumes seguintes.
Em consonância com os seus manuais, são bem
conhecidos os extremos rigor e exigência de Landau e
da sua escola . Para passar o « mínimo de Landau>> , os
alunos tinham de suar as estopinhas, poucos o tendo
conseguido. E são bem conhecidas as suas notáveis e diversas contribuições para a física, j ustamente premia
das com o Nobel de 1 962 (atribuído para recompensar
os seus estudos sobre o hélio-3, o isótopo menos comum
do hélio) . Também bem conhecido é o terrível choque
com um camião que, no mesmo ano e antes do prémio,
o deixou entre a vida e a morte, pondo termo a uma
carreira excepcional . Ainda conhecida é a sua persona
lidade original : Landau era tão divertido como o seu
contemporâneo do outro lado do Atlântico Richard
Feynman ( por exemplo, Landau tinha uma escala de
um a cinco para a beleza feminina, defendia que as
raparigas deviam ter o primeiro namorado aos 19 anos,
mas só casar com o terceiro, e advogava abertamente
a infidelidade conjuga l ) . Uma das anedotas mais famosas sobre Landau refere-se a uma discussão que teve
na Academia de Ciências de Moscovo com o biólogo
HISTÓRIAS DE FÍSICA 101
ucraniano Trofim Lyssenko ( 1 898-1976), director de
biologia na União Soviética no tempo de Estaline e autor de teorias heterodoxas sobre a evolução. Pergun
tou-lhe Landau:
O senhor acredita que, se cortarmos as orelhas a uma
espécie animal ao longo de várias gerações, os animais
virão a nascer sem orelhas?
Como Lyssenko respondeu afirmativamente, Landau
rematou:
Então explique-me porque é que as raparigas conti
nuam a nascer vzrgens.
Menos conhecido é, porém, o seu percurso político antes da Segunda Guerra Mundial e, depois, no tempo da Guerra Fria . Socialista inconvencional e iconoclasta, nunca pertenceu ao Partido Comunista. Sofreu na pele, em 193 8, as condições prisionais do tempo de José
Estaline. Acusado de escrever um panfleto que chamava fascista ao « Grande Líder» (e, pior, de ser um espião nazi, pasme-se, ele que era judeu e tudo!), padeceu um ano às mãos do NKV D, a cruel polícia política anteces
sora do KGB, de que só foi salvo por intervenção pessoal de um seu amigo, também galardoado com o Prémio Nobel da Física, Pyotr Kapitza ( 1 8 94- 1 9 84), junto do todo-poderoso chefe da polícia secreta, Lavrentiy Beria.
As palavras do panfleto não seriam dele, embora as
ideias pudessem eventualmente ser. À semelhança de Galileu, foi um outro Landau que saiu do cárcere, menos interessado na política. Até à morte de Estaline ( seguida logo pela execução de Beria), Landau não hesitou em
trabalhar nos cálculos das bombas de hidrogénio que
102 DARWIN AOS TIROS
asseguraram a manutenção da Guerra Fria (foi aliás Beria
quem supervisionou o projecto soviético da bomba).
Isto constituiu uma espécie de seguro de vida, que lhe
garantiu de resto as maiores homenagens da URSS,
incluindo dois prémios Estaline e o título de « Herói do
Trabalho Socialista» .
Eppur si muove. Documentos secretos do KGB conhe
cidos depois da queda da URSS revelaram que Landau,
que se considerava um «escravo instruído», chamara
repetidamente, e com todas as letras, fascista ao regime
de Estaline. Escrevera:
Estou em crer que o nosso regime[ . . . ] é definitivamente
fascista e não há um modo simples de o mudar.
A sua mulher, mais dada às ideias comunistas, nunca chegou a compreender verdadeiramente o homem com
quem viveu décadas e de quem teve um filho. Mas é
fácil compreendê-lo: em assuntos de política, tanto as
ideias como as palavras eram dele.
O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta
com quem nunca era visto
Rómulo de Carvalho ( 1 906- 1 997), o professor de
Ciências Físico-Químicas que leccionou muitos anos
no Liceu Pedro Nunes em Lisboa, literariamente conhe
cido pelo heterónimo António Gedeão, é uma figura
inigualável da cultura portuguesa no século xx. Além de professor de ciências e de poeta, juntando duas sensibilidades que para muitos estão nos antípodas uma
HISTÓRIAS DE FÍ SICA 1 03
da outra, foi ainda um notável historiador da ciência,
que privilegiou na sua investigação o século das Luzes,
e um esclarecido teórico da pedagogia.
Apesar de ter escrito a lguns poemas na infância, o
poeta António Gedeão só surgiu quando Rómulo de
Carvalho tinha 50 anos. Com efeito, a sua primeira edi
ção poética (Movimento Perpétuo, que inclui o conhe
cidíssimo poema «Pedra Filosofal», mais tarde musicado
por Manuel Freire) saiu no ano de 1956, quando
Rómulo vivia no bairro de Celas, em Coimbra, e ensi
nava no Liceu de D. João III ( hoje Escola Secundária
José Falcão) . O primeiro verso que tanto demorou a
sa1r foi:
Inútil definir este animal aflito.
Poucos anos antes, em 1 954, Rómulo candidatara
-se, com o seu verdadeiro nome, a um prémio de poesia
do Ateneu Comercial do Porto. Não ganhou o prémio,
mas pouco terá faltado. O vencedor foi o escritor na
altura já consagrado Miguel Torga, que, porém, abdicou do prémio em favor da divulgação de jovens poe
tas. Apesar de Rómulo ter 50 anos, o crítico literário
João Gaspar Simões não hesitou em incluí-lo numa
antologia de <<jovens poetas>> saída em 1 95 7, publicada
a partir do concurso, com o dinheiro do prémio. O ter
ceiro lugar tinha sido obtido por Gedeão (entretanto
o autor trocou o seu verdadeiro nome pelo pseudó
nimo, cujo último nome tinha sido retirado do apelido
de um aluno) . Não obstante esse relativo êxito, Rómulo manteve secreta a sua poesia aré da própria mulher, a
escritora Natália Nunes, que recebeu o livrinho Movi-
104 DARWIN AO S TIROS
mento Perpétuo ( publicado pela Atlântida) pelo correio
sem fazer ideia nenhuma de quem era o autor. O ma
rido ter-lhe-á perguntado se ela tinha gostado. Parece
que respondeu sim. E parece também que nela nasce
ram logo as suspeitas de que o cônjuge era o autor, o que poderá ter sido confirmado por uma visita ao
editor ...
Rómulo em prosa e Gedeão em poesia escreviam
num português de lei, um português clássico ao alcance
de poucos. Clássico é também o nome Rómulo, o fun
dador da cidade de Roma que Plutarco (46-1 26) biografou. Curiosamente, assim como Rómulo matou o seu irmão gémeo Remo, também Rómulo decidiu a certa
altura « matar> > Gedeão, só assim se explicando a publicação de Poemas Póstumos (onde se encontra o verso << Que a terra me seja leve>> ) e de Novos Poemas Póstu
mos (contendo os versos « E é tudo/Não há nada a acrescentar> >), em 1 98 3 e 1 990 respectivamente. Clássica era também a figura de Rómulo, um mestre austero, sábio e exigente . Como bem mostra o matemático Nuno Crato numa antologia de textos pedagógicos de Rómulo (Ser Professor, Gradiva, 2006), o professor Rómulo de Carvalho não falava << eduquês>> , o dialecto estranhíssimo que nos últimos tempos tomou conta,
com consequências devastadoras, da educação nacional. Pelo contrário, dizia o que tinha a dizer, sem papas
na língua. A um aluno que lhe disse ter « estudado um
bocado>> , retorquiu com fino humor:
Bocado? Bocado é o que se apanha com a boca, mas,
já que o dizes, vamos lá a ver o que engoliste.
Conta-se que o aluno ficou engasgado .. .
HISTÓRIAS DE FÍSICA 105
O laser, uma solução à procura de um problema
Poderíamos viver sem impressoras laser ligadas ao computador, sem os CD e DV D com músicas e filmes que queremos ouvir ou ver, sem a leitura óptica de códigos de barras nas caixas de supermercados, sem a transmissão de informação por fibra óptica (usada na Internet e na televisão por cabo) nas nossas casas, sem as várias formas de cirurgia laser nos hospitais, etc. ?
Sim, poderíamos, mas não era certamente a mesma coisa. Foi a 16 de Maio de 1960 que o físico norte-americano T heodore Maiman (1927-2007) pôs a funcionar, pela primeira vez, no Hughes Research Laboratory, na Califórnia, Estados Unidos, o primeiro laser, feito de rubi, que era activado intermitentemente por uma lâmpada de flash. A palavra laser, hoje comum, era então muito recente e, por isso, praticamente desconhecida . Trata-se d a abreviatura d e light amplification by stimulated emission of radiation, amplificação de luz por emissão estimulada de radiação. T inha sido criada três anos antes por Gordon Gould, um aluno de doutoramento de Física na Universidade de Columbia, Nova Iorque, que esboçou num bloco de notas a ideia da nova tecnologia, e mais tarde um investigador que haveria de conduzir, com sucesso, uma longa batalha jurídica para obter uma quota-parte dos direitos de propriedade industrial. Valeu-lhe o facto de ter autenticado notarialmente, com data e tudo, as folhas do seu bloco logo que as escrevinhou.
A ideia do laser pairava no ar há já algum tempo. O supervisor de Gould, o norte-americano Charles Townes, tinha sido um dos criadores do maser, abreviatura de uma expressão igual à que deu a palavra laser, mas em que, em vez do termo « luz», se usa o termo
106 DARWIN AOS TIROS
«microondas». As microondas, que tinham sido aproveitadas durante a Segunda Guerra Mundial para inventar o radar (sem o qual, lembre-se, a moderna massificação das viagens aéreas não teria sido possível), não são mais do que uma forma de luz, distinguindo-se da luz que os nossos olhos vêem apenas por terem maiores comprimentos de onda. Portanto, criou-se em primeiro lugar um feixe de microondas monocromático, coerente e alinhado - o maser- e só depois um feixe de luz visível, vermelha, com idênticas propriedades- o laser. Em 1958, Townes escreveu, juntamente com o seu cunhado Arthur Schachlow (1921-1999), que trabalhava na mesma instituição (o nome indicia a sua origem russa), um artigo científico expondo as bases teóricas do laser. Os dois receberam o Prémio Nobel da Física, o primeiro em 1964 e o segundo em 1981. Em contraste, nem Maiman nem Gould foram distinguidos pela Academia Sueca. De todos eles, Townes, com 95 anos, é o único que estava vivo, em 2010, para apagar as 50 velas do bolo de aniversário do laser.
Townes e Schachlow, quando conceberam o maser e o laser, Gould, quando criou o neologismo, e Maiman, quando viu pela primeira vez a luz laser irradiada pelo rubi, não podiam fazer ideia da enorme quantidade de aplicações que, passados 50 anos, o laser teria. Na altura em que o laser foi criado, dizia-se que era << uma solução à procura de um problema». Não encontrou apenas um, mas vários problemas. E, felizmente para nós, solucionou um bom número deles.
D inossauros, pirâmides e ]FK
Qual é a relação entre os dinossauros, as pirâmides e Jonh Fitzgerald Kennedy (JFK) ? Pois o físico nuclear
HISTÓRIAS DE FISICA 107
norte-americano Luis Walter Alvarez ( 1 9 1 1 - 1988), Prémio
Nobel da Física de 1 968, estudou os três assuntos. Alva
rez ganhou o Nobel pela descoberta de novas partículas elementares usando uma câmara de bolhas, um aparelho
onde as partículas deixam vestígios ao liquefazer o vapor de água. Mas um artigo da revista American ]ournal of
Physics de 2007 informa-nos sobre os esforços bem-sucedidos de Alvarez para resolver enigmas na paleontologia,
na h istória antiga e ainda na história contemporânea.
A ideia da extinção dos dinossauros por um acidente cósmico é hoje bem conhecida. Foi precisamente Luis
Alvarez, em conjunto com o seu filho geólogo (Walter
como o pai, mas sem o primeiro nome Luis, n. 1 940), quem formulou, em 1980, com base na descoberta de vestígios de irídio, um elemento químico pouco abundante, nos estratos entre o Cretáceo e o Terciário, a hipótese de que a extinção dos dinossauros se teria devido ao impacte de um gigantesco meteoro. Uma descomunal cratera, correspondendo às exigências da teoria, foi encontrada na península do lucatão, no México, dez anos mais tarde. A bota batia com a perdigota.
Falava-se de uma câmara funerária oculta no interior da pirâmide de Quéfren, perto do Cairo, no Egipto. Para a localizar, Luis Alvarez colocou um detector de raios cósmicos numa câmara existente por baixo da pirâmide. O que ele fez não foi mais do que tirar uma espécie de radiografia a toda a pirâmide, mas usando muões naturais vindos do espaço (os muões são uma espécie de primos dos electrões) em vez de raios X. A partir da observação das partículas recolhidas, concluiu que a tal
câmara secreta não passava de um mero boato. Se a vida de Alvarez tivesse inspirado um filme de
Indiana J ones, não só a câmara secreta existiria como
108 D A RWIN AOS TIROS
seria guardada pelos últimos dinossauros, acabando
tudo numa grande explosão ... Mas a vida de Alvarez
também podia inspirar um episódio da série CSI Da/las.
Ora vejamos. Para investigar a teoria conspirativa se
gundo a qual houve um segundo atirador a disparar,
em Dallas, sobre o presidente John Fitzgerald Kennedy,
Alvarez analisou um filme que mostrava a passagem do carro presidencial. Havia quem dissesse que um tiro
dado de frente teria feito recuar a cabeça do presidente.
Mas Alvarez, com base na observação dos fotogramas
dessa película (não esqueçamos que era um especialista
em chapas fotográficas para registar partículas subató
micas) e nas leis da física clássica (que naturalmente tão bem conhecia), conseguiu desmentir categoricamente a hipótese de um segundo atirador.
Qual é a moral destas histórias centradas em Luis Alvarez, um dos físicos experimentais mais criativos do século xx? Quem sabe ciência fundamental, que parece inútil, é capaz de fazer a melhor ciência aplicada, que se revela extremamente útil, seja para encontrar câmaras escondidas seja para deslindar mistérios político-policiais.
A impunidade do homem invisível
Platão (ca. 428 a .C.-ca. 348 a.C.) não será propriamente um autor de ficção científica mas, no seu livro A República introduziu um dos grandes temas da ficção
científica: o tema do homem invisível. Conta no livro
a história de um antepassado do rei Giges da Lídia (uma região da Anatólia, hoje na Turquia), que encontrou um dia um anel mágico, um anel que o tornava
HISTÓRIAS DE FISICA 109
invisível quando colocado no dedo. Com a ajuda desse anel, conseguiu entrar no palácio real, seduzir a mulher
do soberano e, em seguida, matá-lo para lhe tomar o
lugar. A sedução pelo homem invisível ocorre hoje roti
neiramente, graças ao Facebook, e também pode resul
tar em desastres conjugais, mas, como se vê, o problema
é antigo, não tendo surgido com a Internet. Platão dis
cute, pela boca de Glauco, o tema da justiça (na exce
lente tradução da professora de Estudos C lássicos
Maria Helena da Rocha Pereira, editada pela Fundação
Calouste Gulbenkian):
[. .. ] ninguém é justo por sua vontade, mas constran
gido, por entender que a justiça não é um bem para si,
individualmente, uma vez que, quando cada um julga que
lhe é possível cometer injustiças, comete-as.
É verdade: o homem invisível pode julgar-se impune! Basta o leitor consultar as caixas de comentários da Internet para chegar a essa mesma conclusão. Mais uma vez, um problema da Antiguidade persiste na moderna
sociedade da informação. Razão tinha outro filósofo grego, Epicuro de Sarnas (ca. 3 4 1 a.C . -271 a .C .), quando disse
Não faças na vida algo que te cause medo se teu vizi
nho vier a sabê-lo.
O tema da invisibilidade humana entrou na moder
na ficção científica com o escritor socialista Herbert George Wells ( 1 866- 1946). Refira-se, por curiosidade, que Wells passou em Sintra uma boa temporada a restabelecer-se de uma doença, tendo, num livro de 1 924,
1 10 DARWIN AOS TIROS
deixado as suas opmwes sobre o atraso de Portugal.
Antes, em 1 897, publicou o livro, hoje clássico (não tanto quanto o de Platão, claro), The Invisible Man
(O Homem Invisível) . Nessa obra há um cientista que,
em vez de um anel mágico, possui uma fórmula para
produzir um índice de refracção igual ao do ar e, assim,
torná-lo num material invisível, e experimenta-a em si
próprio. A obra de H. G. Wells originou um filme com o mesmo título que se tornou um clássico, realizado
pelo inglês James W hale, em 1933. A história foi recriada em várias outras películas, como um filme de série B
muito barato e muito mau, The Amazing Transparent
Man (0 Incrível Homem Transparente}, do austro-ame
ricano Edgar Ulmer, saído em 1960, e, mais modernamente, o filme The Hollow Man (O Homem Transpa
rente) , de Paul Verhoeven (o famoso realizador holandês de Robocop, Total Recall e Fatal Instinct, em português respectivamente Robocop, Desafio Total e Instinto Fatal, que tem uma licenciatura em Física e Matemática da Universidade de Leiden), aparecido nas salas de cinema em 2000.
O tema entrou também na banda desenhada e na literatura juvenil. A rapariga do Fantastic Four (Quarteto Fantástico) torna-se uma mulher invisível quando a nave em que todo o grupo voa é atingida por raios cósmicos (já no filme de 1960 a radiação era a causa da invisibilidade) . Mais modernamente, os feiticeiros de Harry Potter, das histórias da escritora escocesa J . k. Rowling também adaptadas ao cinema, dispõem de uma capa mágica que lhes confere invisibilidade.
Mas a ciência pode não ficar eternamente atrás da ficção, por muito fantástica que esta seja. O escritor britânico de ficção científica Arthur C. Clarke disse
H ISTÓRIAS DE FISICA 1 1 1
que a « tecnologia mais avançada é indistinguível da
magia» . Em 2006, o reputado físico inglês John Pendry (n. 1 943 ), professor do Imperial College de Londres,
publicou, juntamente com colegas seus norte-america
nos, na conceituada revista Science, um artigo em que anunciou a possibilidade real de invisibilidade usando
metamateriais, materiais com propriedades ópticas espe
ciais. O objecto ainda não foi produzido, mas pode ser que um dia destes esse tema da ficção científica venha
mesmo a tornar-se realidade. Por enquanto, os meta
materiais ainda só funcionam na gama da radiação de microondas. Ou seja, são o género de tecnologia que per
mitiria tornar um avião invisível ao radar ou a um gato convenientemente vestido sair vivo de um forno de microondas.
O medo do nuclear
Quando foram reconhecidas pela primeira vez mani
festações do núcleo atómico no final do século XIX e quando esse núcleo foi descoberto no início do século xx, não se poderia imaginar que o nuclear viesse a ter um papel tão fundamental nas nossas vidas . Basta dar dois exemplos: nos hospitais, a medicina nuclear oferece eficazes formas de diagnóstico e tratamento e, nas redes eléctricas, as centrais nucleares fornecem uma parte relevante da electricidade que consumimos.
E, no entanto, se ninguém contesta as aplicações médicas da física nuclear, já a energia nuclear não tem gozado de boa fama, devido não só à sua utilização militar, nomeadamente a que pôs fim à Segunda Guerra Mundial, mas também a alguns acidentes na sua mani-
1 12 DARWIN AOS TIROS
pulação para fins pacíficos, dos quais Chernobyl e Fuku
shima foram os mais terríveis. A tal ponto assim é, que
até a designação de um exame médico hoje vulgarizado,
a ressonância magnética nuclear (RMN), em que a
radioactividade não intervém, foi em muitos sítios con
venientemente abreviada, com a retirada da última
palavra . O termo « nuclear» deixou de ser mencionado, como se o seu ocultamento pudesse esconder a realidade
que está omnipresente no centro dos átomos.
Neste quadro, depois de uma forte expansão inicial à escala planetária, a energia nuclear foi, em vários paí
ses, alvo de moratórias ou interdições. Porém, nos tem
pos mais recentes, regressou à ordem do dia devido ao
acelerado crescimento económico mundial, ao progressivo esgotamento das reservas de combustíveis fósseis e à crescente preocupação com o aquecimento global devido a gases com efeito de estufa . Facto é que as centrais nucleares não emitem dióxido de carbono e, por isso, não contribuem para o aquecimento global. De certo modo, a energia nuclear passou a ser vista como uma solução ecológica. Além disso, a tecnologia evoluiu de modo a poderem ser incluídas entre as alternativas ma1s seguras.
Mas não há tecnologias absolutamente seguras. A 1 1 de Março de 2 0 1 1 ocorreu um gigantesco terramoto no Pacífico, perto da costa do Japão. A magnitude foi superior à do terramoto de Lisboa de 1 755. Os dois
foram os maiores de sempre nos respectivos países, mas o do Japão entrou para o quarto lugar da lista dos maiores terramotos de sempre, em todo o mundo. Além do seu enorme poder devastador, tiveram em comum o modo como este se manifestou: primeiro o forte abalo com epicentro no mar, depois um gigantesco maremoto
H ISTÓRIAS DE FiSICA 1 1 3
e a seguir ainda vanos focos de incêndios. A terra, a
água e o fogo criaram o caos. Mostrando o enorme
progresso ocorrido na prevenção sísmica, o número de mortos foi bem díspar: estima-se em cerca de 20 000
no Japão, um país densamente povoado, e cerca de
50 000 em Portugal. Aprendemos com o terramoto de
Lisboa a nos defendermos melhor das fúrias da terra.
Foi na capital lusa que, pela primeira vez, se recons
truiu uma grande urbe ocidental arrasada por forças
naturais.
No Japão, ocorreu, porém, uma desgraça outrora
inimaginável. Com efeito, foi só no início do século
passado que, em França, o casal Curie, Pierre e Marie, descobriu que um ú nico grama de rádio, um e lemento que tinham encontrado em minérios de urânio, permitia aquecer durante uma hora um grama e pouco de água, desde o ponto de gelo até ao ponto de vapor. Era cem vezes mais calor do que o fornecido por um grama de carvão, com a vantagem de que este se consumia, enquanto o rádio podia continuar a aquecer água. Pois, em Fukushima, dada a inusitada amplitude do abalo e principalmente a impressionante força do maremoto, quatro reactores, que usavam a descoberta dos Curie, ficaram bastante danificados. A s ituação foi grave, mais
grave do que em Three Mile Island, em 1979, onde a radioactividade não se espalhou, mas, felizmente, não tão grave como em Chernobyl, em 1986, onde se difundiu a grande distância uma nuvem radiante.
Os reactores não resistiram ao maremoto, que inutili
zou os sistemas de refrigeração. Mantendo-se o combus
tível nuclear muito quente e não havendo circulação da água onde ele tem de estar imerso, as coisas não podiam correr bem. E não correram. Tornou-se necessário trazer
1 14 DARWIN AOS TIROS
mais água de fora, o que foi feito de várias maneiras,
inclusivamente bombeando água do mar. A má notícia foi a l ibertação de isótopos radioactivos. Não foi uma
fuga em massa e repentina como em Chernobyl, mas
mais pequena e continuada. Cálculos aproximados indi
cam que a fuga será equivalente a dez por cento da de
Chernobyl . É mau, mas longe da tragédia que alastrou
na Europa Oriental e na Escandinávia em 1986 . Regis
tou-se uma vítima mortal do acidente na central de Fukushima contra cerca de 4000 em Chernobyl (o último
número resulta de um cálculo, porque é difícil saber ao certo se um cancro individual é atribuível a Chernobyl ).
O acidente japonês é essencialmente local, sendo a notí
cia da chegada de uma perigosa nuvem às ilhas dos Açores um disparate completo. Os engenheiros e operários japoneses atacaram o problema, num esforço por vezes sobre-humano (alguns bombeiros e técnicos lembrara os lendários kamikazes da Segunda Guerra Mun
dial, que lançavam as suas pequenas aeronaves sobre porta-aviões inimigos sem temer a morte) . A desactivação da central revelou-se, porém, um verdadeiro trabalho de Sísifo.
Pierre Curie, ao profetizar que «a humanidade tirará mais bem do que mal das novas descobertas>> , acertou em cheio. Apesar do mal sofrido na pele pelas populações de Hiroxima e Nagasáqui, a utilização pacífica da energia nuclear prevaleceu em todo o mundo. Hoje, cerca de 1 5 por cento da electricidade mundial são gerados em centrais nucleares e a cura de doenças graves, como muitas formas de cancro, é feita em hospitais de todo o mundo com a ajuda da física nuclear. Depois de Fukushima, fala-se nalguns países, como a Alemanha, em renunciar à energia nuclear. Mas, como ninguém
H ISTÓRIAS DE FISICA 1 1 5
quer regressar ao século XIX, será impossível abdicar a
curto e médio prazos do nuclear. Em França, por exem
plo, é decerto impossível, uma vez que cerca de 80 por cento da electricidade produzida têm origem nuclear. As centrais a carvão poluem e provocam bastantes mais
vítimas do que as nucleares, se levarmos em conta não
só os acidentes mas também as doenças que dizimam
os mineiros. Por sua vez, o petróleo é uma matéria
-prima com os dias contados, estando o seu preço desde há décadas em subida pronunciada e à mercê dos ines
gotáveis conflitos no Médio Oriente. As energias renová
veis, apesar de serem uma excelente ideia, são, por ora,
muito caras e pouco eficientes. De modo que não há outro remédio a não ser reforçar, por todo o mundo, a segurança das centrais nucleares. Nada de novo, afinal,
pois foi precisamente isso que se fez com a imposição de construções mais seguras após o desastre de Lisboa.
A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete
Alguém sabe onde fica Miuzela? É uma aldeia no interior profundo de Portugal, no concelho de Almeida, distrito da Guarda, a poucos quilómetros da fronteira de Espanha. A aldeia seria completamente anónima,
não fora o facto de ser miuzelense um dos físicos portu
gueses mais notáveis do século xx, José Pinto Peixoto
( 1 922-1 996), professor de Física na Universidade de
Lisboa e especialista mundial em geofísica. Peixoto doutorou-se nos Estados Unidos, no Massa
chusetts Institute of Technology- MlT (de facto, a defesa da tese foi em Lisboa, mas quase todo o seu trabalho
1 1 6 D A RWIN AOS TIROS
doutoral foi feito no MIT ), e trabalhou mais tarde em
Princeton. Um dos seus colegas e amigos do MIT foi o
físico norte-americano Edward Lorenz ( 1 9 1 7-2008 ), o
autor de uma célebre formulação da teoria do caos,
segundo a qual o bater das asas de uma borboleta na China pode originar um tornado no Texas. A tese de
Peixoto, intitulada Contribuição para o Estudo da Ener
gética da Circulação Geral da Atmosfera, foi submetida no ano de 1 95 8, dec larado Ano Geofísico Internacional
pelas Nações Unidas. O geofísico português foi o autor de um dos primeiros modelos sobre o movimento global
da atmosfera, proposto na mesma altura em que no Havai,
sob a direcção de um cientista norte-americano, Charles
Keeling ( 1 928-2005), começavam as observações sistemáticas das emissões de dióxido de carbono que constituem um grande suporte experimental para os conceitos de efeito de estufa e de aquecimento global.
Peixoto é autor, com o seu colega Oort do MIT, do
livro The Physics of Climate, publicado em 1 992 pelo American Institute of Physics, e de artigos de divulgação nas famosas revistas norte-americana Scientific American e francesa La Recherche. Se o famoso professor fosse vivo ( faleceu inesperadamente, durante uma operação cirúrgica, um ano antes da assinatura do Tratado de Quioto), seria hoje famosíssimo, pois os media não cessariam de lhe fazer perguntas sobre o aqueci
mento global. E ele haveria de responder a tudo e a todos, sempre rigoroso e, ao mesmo tempo, sempre bem-disposto, pois não há nenhum princípio de incerteza que l imite o humor ao mesmo tempo que se é exacto. O seu rigor al icerçava-se na sua sólida formação matemática, uma vez que se tinha licenciado nessa disciplina antes de se formar em geofísica. Ele sabia
H ISTÓRIAS DE FISIC A 1 1 7
que sem matemática não pode haver física e, por isso, não pode haver geofísica. Nas suas palavras:
A matemática está para a física assim como a gramá
tica está para a literatura. A gramática ensina a expressar
bem as ideias, se as houver! Não cria literatura.
Nos seus seminários e conferências sobre termodinâmica, val ia-se de a lgumas frases extraordinárias, como
por exemplo:
A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete todo.
A l inguagem do Prof. Peixoto, nas aulas ou fora delas, podia ser bastante colorida, como mostra o exemplo que dava da produção de entropia por humanos:
Meus meninos, como fazem para se livrarem da vossa
entropia? Sim, puxam o autoclismo.
Tal como o seu contemporâneo Feynman ( que, como ele, esteve no MIT e em Princeton), Peixoto era um físico divertido e algumas das suas tiradas bem podem ser equiparadas às do físico nova-iorquino. Como disse Lorenz, onde estivesse o Peixoto, o ambiente mudava. Uma alteração climática local, portanto.
A física do futebol
Embora pareça que pouco falta dizer sobre o desporto-rei, o futebol continua a fazer correr rios de tinta. Porém, um dos aspectos que têm sido menos referidos, pelo menos nos jornais desportivos, é o seu lado científico.
118 DARWIN AOS TIROS
Científico ? Sim, o futebol é decerto uma paixão em muitos países, com grande dose de irracionalidade, mas
tem também um lado científico. Os movimentos da
bola podem ser analisados aplicando as leis da física
newtoniana. Os movimentos dos jogadores são estuda
dos pela biomedicina. Os equipamentos e a própria
bola são resu ltado de tecnologias avançadas. E até a evolução das equipas em campo pode ser estudada com
poderosos meios informáticos. Por exemplo, para quem
estiver interessado nas estatísticas mais pormenorizadas,
João Moutinho foi o atleta português que mais correu
no jogo Portugal-Turquia do Campeonato Europeu de
2008 realizado em Genebra, na Suíça, a 7 de Junho,
tendo percorrido exactamente 1 O 22 7 quilómetros. O físico inglês Ken Bray tem-se especializado na
ciência do futebol. Com um doutoramento em Física Quântica, é investigador convidado no grupo de Ciências do Desporto e Educação Física na Universidade de Bath. O seu livro How to Score (Granta Books, 2006) analisa, do ponto de vista científico, usando a física clássica, a lguns dos principais jogos dos últimos anos. Um dos casos de estudo mais interessantes é a decisão por penáltis, favorável ao nosso país por 6-5, no Portugal-Inglaterra do Campeonato da Europa de 2004, jogado em Lisboa. Bray calculou a área da baliza que um guarda-redes pode cobrir, que é apenas de 72 por cento. Quer isto dizer que chutas dirigidos para a área não coberta, nos dois extremos da baliza, e principalmente nos ângulos superiores, são indefensáveis, porque pura e simplesmente o guarda-redes não consegue chegar até lá no tempo disponível . Ora ganha quem sabe. Dos sete pontapés lusitanos, um lançou a bola muito a lta (Rui Costa) e outro fê-la entrar apesar de ir à figura do
HISTÓRIAS DE F(SICA 1 1 9
guarda-redes, enganado pelo « teatro >> do avançado Hélder Postiga. Todos os outros remates, incluindo o do
golo final do guarda-redes Ricardo, foram com precisão para a área não coberta. Quanto aos ingleses, para desespero dos seus fãs, Beckham falhou e Hargreaves
atirou sem hipótese de defesa, mas todos os outros c inco chutos foram para a zona coberta da baliza.
Ricardo defendeu um e podia ter defendido mais. A física pode ter sido criada pelo inglês Isaac Newton,
mas nesse dia nós é que a sabíamos toda ...
O melhor da existência humana
Foi graças à World W ide Web, desenvolvida no início dos anos 90 do século passado precisamente no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares- CERN, perto de Genebra, na Suíça, que acompanhei em Março de 201 O, com superlativo interesse, as primeiras colisões
de protões. a sete biliões de electrões-volt. Ao contrário do que alguns falsos profetas anunciavam, não foi o fim do mundo. Nenhum buraco negro apareceu para engolir tudo e mais alguma coisa. Na Web, esse facto foi recebido com grande consolo pelo « Bruno da Amadora>> (Público online, 30 de Março de 2010, 23:07):
Olha: não era hoje que seríamos todos sugados para
um buraco negro? É que não me dava muito jeito, na
quinta joga o Benfica e eu já tenho bilhete.
Mas, além de não impedir a ida ao jogo do Benfica, que mais se espera da maior experiência do mundo? A fantástica energia obtida, um recorde mundial, poderá
120 DARWIN AOS TIROS
conduzir à descoberta de uma partícula nova, a partícula de Higgs, que a teoria prevê (o nome é uma homenagem ao físico escocês Peter Higgs, n. 1 929, que poderá contar com o Nobel se ela for encontrada) . Mas estamos a explorar as fronteiras do conhecimento e ninguém sabe bem o que vamos encontrar. A surpresa maior seria se não houvesse surpresa! Muito provavelmente,
ao recriar as condições do Universo pouco após o Big
Bang, a experiência poderá fazer luz sobre grandes mistérios da ciência de hoje, como o da matéria escura e o da energia escura. Estamos às escuras sobre partes
importantes do cosmos e o ser humano sempre ansiou por <<mais luz>> (as últimas palavras do poeta alemão Goethe, antes de morrer).
Pode bem ser que uma das surpresas seja o aparecimento de aplicações inesperadas que alterem a nossa vida, que tão alterada já foi pela existência do Google, do Facebook e do Youtube (os golos do Benfica estão no Youtube! ) . Os novos detectores poderão ser úteis nos hospitais, para ver o interior dos nossos corpos. E o poder prodigioso de cálculo que é necessário para tratar a vaga de informação que inunda os detectores, e é analisada também nos computadores portugueses, desafiará decerto o engenho humano, para benefício de todos.
Mas, por muito notável que seja o ganho material, o ganho imaterial será sempre o mais notável e o que mais prevalece. Saberemos mais, haverá mais luz. Constantino Alves, de Leiria (Público online, 3 1 de Março de 2010, 10:35 ), resumiu bem:
Grande passo da ciência: Acompanho com paixão as
grandes descobertas da ciência moderna que realizam o
melhor da existência humana.
HISTÓRIAS DE FJSICA 121
Uma bomba sexual
O dia de Natal do ano de 2009 podia ter sido trá
gico na história da aviação. No Voo 253 da Northwest
Airlines, de Amesterdão para Detroit, quase houve
uma explosão provocada por um terrorista nigeriano,
ligado à Al-Qaeda, com o difícil nome Umar Abdulmu
tallab. O nigeriano de 23 anos tinha escondido dentro
da sua roupa interior, confundindo-os com os testícu
los, 80 gramas de um poderoso explosivo, o tetranitrato
de pentaeritrina (ou PETN, para quem achar o nome
completo muito complicado). Os passage1ros apaga
ram rapidamente o fogo, iniciado pela introdução de
um líquido, com uma seringa, no explosivo sólido, e
dominaram quase tão rapidamente o terrorista, que
sobreviveu apenas com queimaduras de segundo grau
na zona genital . O mesmo explosivo tinha sido usado
por um outro terrorista da mesma organização, o in
glês Richard Reid, que o colocara na sola dos sapa
tos numa planeada tentativa de fazer explodir o Voo 63 da American Airlines, de Paris para Miami, a 22 de
Dezembro de 200 1 . Curiosidade química: o PET N
foi sintetizado, em 1 8 71, por um ilustre químico ale
mão, Bernhard Tollens ( 1 841-191 8 ), que havia estado,
uns anos antes, na Universidade de Coimbra a diri
gir os trabalhos práticos do Laboratorio Chimico
(morou mesmo numa casa anexa a esse laboratório,
onde hoje funciona o Museu da Ciência daquela uni
versidade ) .
Devido a casos como estes, a s medidas de segurança nos aeroportos de todo o mundo têm-se intensificado
nos últimos tempos. Hoje, não podemos levar líquidos
122 DARWI AOS TIROS
a bordo para além de certas pequenas quantidades e
somos por vezes obrigados a tirar os sapatos, colocan
do-os numa máquina de raios X. Mas surgiram novas
exigências, designadamente novas máquinas de raios X
nas quais os passageiros são forçados a uma espécie de
striptease digital. Qual é a ciência por detrás de tais
dispositivos ? Ao contrário das máquinas mais corren
tes, que verificam a nossa bagagem de mão (e também
a bagagem de porão) e cujo funcionamento se baseia na
diferente absorção de raios X pelos vários materiais, os
novos scanners emitem raios X de baixa intensidade
que são reflectidos pelo corpo da pessoa e produzem
num ecrã uma imagem que revela todas as formas
anatómicas. É como se o sujeito estivesse a ser cienti
ficamente apalpado! Com esses detectores teria, sem
dúvida, sido possível encontrar o PET N na intimidade
do nigeriano.
Os novos detectores colocam vários tipos de proble
mas. Talvez o principal seja a defesa da l iberdade indi
vidual, perante uma óbvia invasão de privacidade. Mas
há outras questões, como a do alto custo dos aparelhos,
que acaba por recair inevitavelmente nos cidadãos, e a
da demora adicional nos aeroportos antes dos embar
ques. E há ainda a questão da protecção relativamente
às radiações: este problema será, porém, o menor de
todos, pois um passageiro, durante um voo de poucas
horas, está sujeito a maior radiação natural do que
durante os curtos instantes que o exame demora. Seria
preciso que um viajante fizesse dois mil exames deste
tipo por ano para ultrapassar os limites de segurança . Há, de facto, passageiros frequentes, mas não tão frequentes . . .
HISTÓRIAS DE FISICA 123
Do Ig No bel ao No bel
Andre Geim (n . 1 95 8 ), o físico nascido na Rússia a
trabalhar no Reino Unido, na Universidade de Manches
ter, que foi distinguido em 2010 com o Prémio Nobel
da Física, é um físico divertido. Tinha sido galardoado
no ano 2000 com o Prémio Ig Nobel da Física, uma
divertida paródia que homenageia alguns dos trabalhos
científicos mais insólitos. O trabalho que lhe valeu o
Ig Nobel foi nada mais nada menos do que a levitação
de um pequeno sapo com a ajuda de um campo magné
tico. O sapinho parecia que estava a fazer um número
de ilusionismo . . . Mas o Prémio Nobel, além de ser bem
mais avultado do que o lg Nobel, é muito mais sério. E promete provocar menos emoções nos sapos e um
impacto maior nos seres humanos. Geim, em conjunto
com o seu colega Konstantin Novoselov (n . 1 9 74),
físico também nascido na Rússia e que com ele partilhou os louros do Nobel, conseguiu isolar uma só
folha de grafite, a forma normal de carbono, que se
encontra nos lápis comuns. Essa folha chama-se grafeno ( figura 10).
É raro a Academia de Estocolmo conceder o seu
prémio tão rapidamente: passaram apenas seis anos sobre a descoberta do grafeno anunciada num artigo da
revista Science. E é raro concedê-lo a investigadores não só em plena actividade mas também em pico de
forma: Geim tinha 5 1 anos e Novoselov apenas 36
(desde 1 973 que não havia um premiado com o Nobel
da Física tão novo ) . Mas a proeza dos dois físicos experimentais é reconhecida pelos seus pares como digna dos maiores encómios: de uma maneira engenhosa, servindo-se de vulgar fita-cola, e ao fim de porfia-
124 DARWIN AOS TIROS
Figura 10- Representação esquemática do grafeno, uma rede
hexagonal de átomos de carbono
das tentativas, conseguiram separar uma só finíssima folha das muitas folhas paralelas que constituem a grafite (a grafite é uma espécie de pastel mil-folhas). Produziram assim um material extremamente fino - a espessura é muito menor do que a de um cabelo, pois tem o tamanho de um só átomo de carbono-, mas tão extenso quanto se queira.
Que interesse tem esse material a duas dimensões? Por um lado, o estudo teórico da passagem da corrente eléc
trica no grafeno revelou propriedades surpreendentes. Por outro lado, as pesquisas no laboratório sonham com o
uso do novo material na construção de novos componentes electrónicos, por exemplo, transístores para computadores. Não é para hoje, mas poderá ser para amanhã.
HISTÓRIAS DE FISICA 125
Entre os físicos que têm estudado o grafeno, encontram-se nomes portugueses- Nuno Peres, João Lopes
dos Santos e Eduardo Castro, da Universidade do
Minho, o primeiro, e da Universidade do Porto, os dois últimos-, cujos trabalhos em colaboração com os laureados Nobel são referidos na informação científica da
Academia Sueca que acompanha o comunicado do
prémio. Num dos artigos com colaboração nacional, justamente muito citado nas revistas internacionais da especialidade, faz-se o estudo da folha dupla: duas folhas
próximas de grafeno. Pode ter menos folhas, mas o
« duas folhas» estudado pelos portugueses tem proprie
dades que o mil-folhas não tem . . .
Gelo quente é possívelJ Sr. Dr.
Corria o ano de 2004. A dívida pública portuguesa estava ainda nuns insignificantes 6 1 por cento do PIB
e a taxa de desemprego não chegava aos 7 por cento. No plano externo, comemorava-se o Ano Internacional do Arroz e era aprovado o nome do elemento 1 1 1 da tabela periódica: roentgénio, em homenagem ao físico alemão W ilhelm Roentgen, que tinha descoberto os raios X. Apenas na Assembleia da República portuguesa, no Palácio de São Bento, em Lisboa, era quebrada a pasmaceira . No dia 14 de Outubro, o líder da oposição José Sócrates interpelava o primeiro-ministro
Pedro Santana Lopes, que tinha sido eleito três meses antes:
O que prometeu aos portugueses foi fazer gelo quente.
Lamento, mas gelo quente não existe.
126 DARWI AOS TIROS
Pouco depois, o ministro Álvaro Barreto, do governo de coligação do Partido Social Democrata com o Cen
tro Democrático e Social, retribuía a frase, dizendo que
o programa eleitoral do Partido Socialista é que era
<<gelo quente». O ano estava a ser particularmente brando nos incên
dios, e acabaria com uma área ardida de cerca de 130
mil hectares, apenas um terço da área ardida no ano
anterior. Talvez isto reforçasse em Sócrates e Barreto a
convicção da impossibilidade do gelo quente. Em Ou
tubro, também estava a ficar mais frio.
Mas o gelo quente realmente existe! Estamos habi
tuados a pensar nas transições de fase da água, de sólido para líquido e de líquido para gasoso, sempre à pressão ambiente em que vivemos. Mas, a pressões muito baixas, quando aumentamos a temperatura, a água passa
directamente da fase sólida a vapor sem passar pela fase líquida. Os estados físicos de uma substância sob determinadas condições de pressão e temperatura podem ser representados num diagrama de fases, um gráfico cujos eixos representam a pressão e a temperatura ( figura 1 1 ). Nas linhas de fronteira, por exemplo entre
o líquido e o vapor, coexistem as duas fases. No caso da água e de outras substâncias, existe mesmo um ponto triplo, ou seja uma combinação de pressão e temperatura em que a água pode coexistir nas suas três fases
físicas: sólida, líquida e gasosa. O ponto triplo da água ocorre a 0,01 grau Celsius e 0,006 atmosfera ( uma pressão cerca de 1 6 6 vezes menor da que é normal à superfície da Terra) . Ou seja: considerando a pressão, a água deixa a relação aborrecida de passagem do estado sólido para líquido e a seguir para gasoso, à medida que a temperatura aumenta.
HISTÓRIAS DE FÍSICA
Gelo quente
10.000Í------::::::-------l r;; � .2! <J) o
E :§_ Gelo o
·� Vapor <J)
� 0...
-175 25 225 Temperatura (° C)
425
Figura 11 - Diagrama de fases da água sim
plificado. As condições de pressão e tempera
tura típicas (25°C, 1 atmosfera) à superfície
da Terra estão assinaladas com um <<X»
127
A pressões dez mil vezes superiores à atmosférica, a água está sempre no estado sólido, independentemente da temperatura. Ou seja, nessas condições existe mesmo gelo quente. Tal pode ter consequências políticas e
sociais profundas, permitindo esclarecer o sentido das declarações de José Sócrates e Alvaro Barreto, quando se socorreram da metáfora do gelo quente. Assim, quando afirmou na Assembleia da República «o que senhor primeiro-ministro prometeu aos portugueses foi
fazer gelo quente» , José Sócrates queria dizer que achava
perfeitamente possível em simultâneo baixar os impostos, aumentar o investimento público, subir os salários
e as pensões, e deixar o défice abaixo dos três por cento exigidos pela União Europeia. O apoio inesperado ao governo por parte do líder da oposição foi prontamente
128 DARWIN AOS TIROS
retribuído por Álvaro Barreto, em entrevista à televi
são SIC, ao afirmar que o programa do PS era «gelo
quente». Quis o ministro da coligação significar que
considerava absolutamente viável pagar as auto-estra
das sem custos para o utilizador (SCUT ) sem aplicar
portagens nas vias já construídas, e ao mesmo tempo
continuar a construir novas auto-estradas, assim como
equilibrar o orçamento sem vender bens do Estado.
Havia em 2004 um ponto singular, uma espécie de
ponto triplo político. Os partidos do bloco central deixa
ram claro que a solução para o país passava por viver
mos no interior da Terra, onde estas pressões efectivamente existem e as suas políticas serão talvez exequíveis.
Guerra e paz no museu e outras histórias de química
Guerra e paz no museu
DEPOIS DE TER RESTAURADO A CIDADE DE LISBOA, destruída pelo terramoto, o Marquês de Pombal decidiu reformar a Universidade de Coimbra. Em 1 772 mandou erguer, aproveitando as paredes de um refeitório jesuíta do
século xvn, o que é o primeiro edifício, a nível mundial, destinado ao ensino da Química, o Laboratorio Chimico (figura 1 2 ) . Passados poucos anos, estava concluída a construção, seguindo os traços do engenheiro militar inglês W illiam Elsden.
Em 1 807, Portugal era invadido pelas tropas de Napoleão. O referido Laboratorio desempenhou um papel
essencial na resistência, ao ser rapidamente transformado numa fábrica de munições. O lente de Química
Tomé Rodrigues Sobral (1759-1829) dirigiu o fabrico de pólvora, tendo chegado até aos dias de hoje o grande
almofariz de pedra usado para o efeito (encontra-se hoje no átrio do antigo laboratório). Nessa época, devido
a um incêndio, o grande arsenal armazenado no edifí-
130 DARWI AOS TIROS
Figura 12 - Laboratorio Chimico, hoje sede do Museu da
Ciência da Universidade de Coimbra
cio esteve prestes a explodir. Valeu o sangue-frio e a perícia do professor, que evitou uma tragédia maior usando a água de uma cisterna próxima. O que ele não conseguiu foi evitar, mais tarde, o fogo em sua própria casa. Em represália pelo uso militar do Laboratorio, os
franceses incendiaram, na invasão seguinte, a casa daquele a quem chamaram « mestre da pólvora >> . Desapareceu assim para sempre não só a sua preciosa biblioteca como, o que é pior, por ter sido uma perda definitiva, os seus manuscritos.
Mas, a lém de teatro de guerra, o Laboratorio foi também por essa altura teatro de paz. Em 1809 o edifício pombalino foi transformado em farmácia, a fim de debelar um grave surto de peste, que na altura gras
sou na cidade de Coimbra. Para purificar a atmosfera, Rodrigues Sobral fabricou no Laboratorio que dirigia muitos desinfectantes de cloro e ácido muriático oxige-
HISTÓRIAS DE QUIMICA 1 31
nado, que foram distribuídos, a título gratuito, por ha
bitações e hospitais, e até pelas ruas de Coimbra, para
evitar o alastramento da epidemia. O belo edifício do Laboratorio Chimico é hoje a
sede do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra,
cuja expansão para o vizinho edifício do Colégio de
Jesus está em curso. A exposição nele patente desde a inauguração, intitulada « Segredos da Luz e da Maté
ria», mostra não só como era a ciência no tempo em que a química nascia, mas também como a ciência é hoje, como se mantém viva. Revela os segredos da luz
e da matéria a todos os que os quiserem conhecer . . .
O cheiro dos rzcos
A estação central de comboios da cidade alemã de Colónia é dominada pela publicidade à água-de-colónia 471 1 , que é, aí como noutros lados, chamada << autêntica >> ( figura 1 3 ) . Ora essa publicidade, como tantas
outras, é bastante enganosa, pois a água original de Colónia é quase um século mais velha, remontando a
1 709, o ano em que, em Portugal, Bartolomeu de Gusmão fazia subir, perante o rei D. João V, o engenho a que alguns chamaram Passarola.
Com efeito, foi nesse ano que o comerciante italiano Giovanni Maria Farina ( 1 6 8 5 - 1 766) inventou e passou a vender uma <<água milagrosa» que ele próprio descreveu nestes termos:
Criei um perfume que me lembra uma manhã de Pri
mavera na Itália, narcisos da montanha e folhas de laran
ja depois da chuva. Ele refresca-me e fortalece os meus
sentidos e a minha fantasia.
132 DARWIN AOS TIROS
Figura 13 - Interior da estação central de caminhos-de-ferro
da cidade de Colónia, na Alemanha, com pu blicidade à «autêntica>> água-de-colónia
Em homenagem à cidade onde foi inventada, passou a ser anunciada como <<água de Colónia>> . Ainda hoje existe, como é sabido, um género de produtos com esse nome. Aconteceu à água de Colónia o mesmo que, mais tarde, aconteceu à Gillette, isto é, passou a designar-se todo um tipo de produtos com o nome do pro
duto inicial . Embora de fórmulas químicas diferentes, a 4 71 1 e a Farina são ambas águas-de-colónia, isto é, uma mistura de óleos essenciais de plantas, em concentração inferior a sete por cento, com álcool (etanol)
diluído em água. A 471 1 , associada ao símbolo de um sino, será talvez a água-de-colónia mais famosa em todo o mundo, pese embora a história da sua pretensão à autenticidade ser um pouco rocambolesca: o alemão
HISTÓRIAS DE QUIMICA 133
que criou, também em Colónia, o sucedâneo convidou para sócio da sua empresa um Farina que não tinha nada a ver com a família do perfumista com o
mesmo nome, só para que as duas águas pudessem ser confundidas pelo público consumidor. As modernas leis
da propriedade industrial ainda não existiam nessa
altura ... A 471 1 ( nome que deriva do número de porta da
loja, na Rua dos Sinos, em alemão Glockengasse, um
número elevado pois nesse tempo os números de portas
diziam respeito a toda a cidade e não apenas à rua) tem
uma relação com o nosso país : toda uma linha dos seus
produtos de perfumaria se intitula Portugal. Porquê? Acontece que um dos óleos essenciais usados para preparar esses produtos é feito com casca de uma laranja amarga proveniente dos países do Sul da Europa. A ligação de Portugal com a produção de laranjas é ancestral e, na Alemanha, esse óleo da água-de-colónia
tem mesmo como sinónimo «Óleo de Portugal» (Por
tugalol). É precisamente por isso que antigamente se falava de uma « água de Portugal» .
Como é o cheiro que resulta dos óleos essenciais como o « Óleo de Portugal» ? Conforme disse Farina, é
refrescante e, portanto, leve e agradável . Notáveis como o imperador Napoleão Bonaparte (em francês eau de
Cologne soa muito bem), o poeta Johann Wolfgang von
Goethe e o compositor Ludwig von Beethoven (natural
de Bona, perto de Colónia) usaram água-de-colónia, uma grande novidade na época porque os perfumes, em geral de origem francesa, eram até então demasiado
fortes. Os banhos não eram nessa época muito frequentes e o chei ro a água-de-colónia passou até a ser designado por «cheiro dos ricos» ...
134 DARWIN AOS TIROS
Há muito espaço lá em baixo
« Há muito espaço lá em baixo» foi a frase que o físico norte-americano Richard Feynman (19 1 8 - 1 9 8 8 ),
professor no California Institute of Technology (vulgo
Caltech ), proferiu, em 1959, para inaugurar uma nova
engenharia - a nanotecnologia. Queria com isso dizer,
numa palestra que ficou famosa, num encontro da Socie
dade Americana de Física, que, entre os átomos e as
moléculas, havia muito espaço vazio e que, aproveitando
esse facto, poderíamos mover os átomos e moléculas da
maneira que quiséssemos para criar novas estruturas ou modificar e montar estruturas já existentes.
Embora a nanotecnologia seja nova, a ideia de átomo é velha e relha. Baseia-se na teoria de Demócrito, filósofo grego dos séculos v e rv a .C., conhecido como o << filósofo que ri», para quem no mundo só havia átomos e espaço vazio. Durante muitos séculos essa foi uma ideia especulativa e minoritária. Mas, com a descoberta dos átomos feita progressivamente pela química e pela física nos séculos XIX e xx, eles deixaram de ser uma mera hipótese para passarem a ser uma realidade não só observável como até manipulável . Tornou-se mesmo possível l igar átomos como quem monta peças de Lego e, com isso, fabricar novas moléculas e novos mate
riais. A nanotecnologia é a continuação da química por outros meios.
De onde partiu a ideia de Feynman ? O físico do Caltech, conforme ele próprio confessou na sua alocução, partiu de uma ideia ao mesmo tempo simples e ambiciosa: queria simplesmente colocar toda a Enciclopédia Britânica, que na altura ocupava 30 volumes, na cabeça de um alfinete, o que exigia reduzir 25 mil vezes as
H ISTÓRIAS DE QUIMICA 135
letras das palavras. Uma letra de um milímetro de altura
reduzida 25 mil vezes fica com 0,00004 milímetro de
altura, ou 40 nanómetros (um nanómetro é a milio
nésima parte do milímetro ou, o que é o mesmo, a milésima parte de um micrómetro) . Tal tarefa, como
lembrou o próprio Feynman, não violava nenhuma lei da física, é apenas uma questão técnica que mais cedo
ou mais tarde - e para ele era melhor mais cedo do que mais tarde- seria u ltrapassada.
Na altura, ofereceu do seu próprio bolso um prémio de mil dólares a quem conseguisse realizar na prática
essa proeza. O leitor escusa de a tentar em sua casa, pois o prémio já foi reivindicado há muito tempo . . .
Mas o mais extraordinário é que Feynman demonstrou, na mesma ocasião, através de cálculos simples, que não apenas seria fisicamente possível colocar toda
a enciclopédia na cabeça de um alfinete, como o mesmo poderia ser feito com toda a produção escrita da humanidade, desde os tempos mais remotos até à actualidade. E nem era preciso o espaço de uma cabeça de alfinete, bastava o de um grão de poeira. O poeta inglês William Blake ( 1 757- 1 827) aspirava a « ver todo o mundo/num grão de areia» . O físico conseguia ver todo o mundo escrito, l iterário e não só, num minúsculo grão de
poeira. Mas, para ver o nano, era preciso um novo instru
mento. Foi Freeman Dyson (n . 1 923 ), um físico norte-americano contemporâneo de Feynman, quem chamou a atenção para que a maior parte da ciência nova parte da invenção de um instrumento. Para a astronomia foi o telescópio e, nos anos 80 do século passado, para a nanociência e para nanotecnologia foi o chamado microscópio de varrimento por efeito túnel, cujo
136 DARWIN AOS TIROS
desenvolvimento se deveu ao suíço Heinrich Rohrer
( n. 1 9 3 3) e ao alemão Gerd Binnig ( n . 194 7). Esse
supermicroscópio bem podia ser chamado nanoscópio,
pois permite observar e manipular os átomos e as molé
culas. A palavra nanotecnologia tem surgido cada vez com
maior frequência nas páginas dos jornais. Algumas
das vezes, porém, surge associada a perigos e receios.
Será o nano perigoso ? Teremos nós de recear o nano ?
O escritor norte-americano de ficção científica Michael Crichton (1942-2008), no seu romance Presas (Dom
Quixote, 2003 ), tratou o tema numa perspectiva bas
tante pessimista. Espalhando-se tal como os vírus nos computadores, uma multidão de nanopartículas auto-replicantes, podemos chamar-lhes nanocriaturas, liber
ta-se e pode conquistar o mundo. Nós somos as suas « presas> > . . . Haverá alguma ameaça desse tipo, que possa alastrar, com origem nos nossos laboratórios ? Teremos nós de tomar precauções especiais para impedir a invasão de nanosseres vindos do nanomundo? A resposta é negativa. Convém, como é óbvio e como sempre acon
teceu na história da humanidade, tomar todas as precauções, e mais algumas, quando se atravessam as fronteiras da ciência, mas, de facto, as notícias difundidas
pela comunicação social e literatura de ficção científica sobre a morte próxima da humanidade são manifesta
mente exageradas. Bem pelo contrário, o mais provável - cabe-nos a nós torná-lo certo e seguro - é que a nanociência e a nanotecnologia ajudem a resolver alguns dos grandes problemas que afligem a humanidade. Há
muito espaço lá em baixo e temos de ser suficientemente sábios para o ocu p a r, em nosso melhor proveito e benefício.
HISTÓRIAS DE QUÍMICA 137
A ilha dos superpesados
Quantos elementos tem a tabela periódica da química ? A contagem já vai em mais de cem e continua. A União Internacional de Química Pura e Aplicada integrou em 2011 nessa tabela, proposta pelo russo Dmitri Mendeleiev ( 1 834- 1 907) em meados do século XIX, dois novos elementos, o 1 14.0 e o 116.0 Os núcleos dos respectivos átomos possuem 114 e 116 protões, bem mais do que os 92 protões do núcleo do urânio, o elemento químico mais pesado que existe na Natureza em quantidade significativa . Os novos elementos, com os estranhos nomes provisórios de ununquádio e ununhéxio, pertencem à família dos transuranianos, os elementos que estão para além do urânio. Todos os transuranianos, com a excepção do plutónio (do qual há apenas vestígios na Natureza), são puramente artificiais, isto é, foram produzidos pelo homem em aceleradores, em minúsculas quantidades, por fusão de núcleos mais leves. Os novos elementos superpesados foram descobertos cerca de uma década antes do seu reconhecimento oficial no laboratório de Dubna, perto de Moscovo, num trabalho de colaboração com um laboratório norte-americano.
Há lugar na tabela periódica para mais elementos ? Terá ela um fim? Os investigadores já reclamaram a descoberta dos elementos 1 1 3.0, 115 .0, 117.0 e 1 1 8.0 ( a este último, que é o recorde experimental até à data, bem se poderia chamar informatínio, em homenagem ao número das informações telefónicas) e só falta obter confirmações adicionais até que esses elementos entrem nela. A referida tabela cabe numa vulgar folha A4, simplesmente porque os protões do núcleo atómico, partículas com carga positiva, se repelem, não conseguindo as forças nucleares atractivas contrariar o enorme efeito
1 3 8 DARWIN AOS TIROS
desintegrador em núcleos com um grande número de
protões. É por isso que o ununquádio e o ununhéxio
decaem rapidamente, dando origem a elementos mais
leves. Quase não há tempo para haver átomos e molécu
las, e, portanto, química. Persiste, no entanto, a esperança
de se descobrirem elementos mais pesados do que o 1 1 8.0,
esses sim verdadeiramente superpesados. A sua estabili
zação durante um tempo razoável seria possível por efei
tos quânticos no interior do núcleo. No mapa dos núcleos atómicos, atravessado o «mar da instabilidade», poder-se-á estar a chegar a uma « ilha dos superpesados» ( figura
1 4). Há mesmo quem tenha conjecturado uma outra ilha semelhante situada ainda mais além, isto é formada por núcleos com mais protões e neutrões. Portanto,
PROTOES
w
1 1 (/) w
82
MONTANHA MÁGICA
NEUTRÕES
MAR DE INSTABILIDADE
1 64 196
Figura 1 4 - Representação esquemática da carta dos nuclí
deos atómicos, mostrando a ilha dos superpesados. Os dois etxos horizontais representam números de neutrões e de
protões. O eixo vertical indica a estabilidade
HISTÓRIAS DE QUIMICA 139
apesar de ser impossível que a tabela periódica progri
da indefinidamente, o seu fim não está ainda à vista . . . A saga d a descoberta dos transuranianos começou
poucos anos antes da Segunda Guerra Mundial . Os jor
nais contaram fantasiosamente que o físico italiano Enrico Fermi (1901-1954) teria entregado à rainha de
Itália um tubo de ensaio contendo o elemento 9 3 .0
( neptúnio) . De facto, só em 1940 o neptúnio foi descoberto, por uma equipa norte-americana l iderada pelo
norte-americano Glenn Seaborg (1912-1999), que também descobriu o elemento 94.0 (plutónio), usado na
bomba que destruiu a cidade japonesa de Nagasáqui,
no final da Segunda Guerra Mundial. Os russos reagiram, em plena Guerra Fria, acabando por se impor.
Felizmente, o ambiente é hoje de cooperação entre as
duas superpotências: os superpesados, se existirem, poderão vir a ser descobertos em conjunto pelos antigos nvats.
O mistério da cebola e o vernzz estragado
Primo Levi (1917-1987) foi um químico italiano com um percurso extraordinário, brutalmente marcado por onze meses que passou num campo de conçentração nazi, por ser um judeu na Itália do tempo de Mussolini. Essa passagem por Auschwitz está sublimemente contada no seu l ivro Se isto É Um Homem (Teorema, 198 8). Tendo-se afirmado como um talentoso e reconhecido escritor, Primo Levi teve vários empregos l igados à sua formação em química e mesmo no campo de concentração trabalhou como químico, o que terá sido decisivo para a sua sobrevivência.
140 DARWI AOS TIROS
Em 1 946 e 1 947, depois de sair do campo da morte, trabalhou numa fábrica de vernizes, tendo encontrado
numa antiga técnica de fabrico instruções para adicionar duas rodelas de cebola quase no fim da cozedura do óleo de linhaça. Sem mais explicações ou propostas
culinárias para o resto da cebola. Rodelas de cebola,
como o leitor poderá imaginar, não são uma presença
habitual na indústria química (a não ser nos refeitórios)
e a perplexidade de Primo Levi não terá sido inferior à
nossa. Alguns anos mais tarde, levantou a questão da
cebola numa conversa com o seu antecessor na fábrica
dos vernizes, Giacomasso Olindo, então com mais de
70 anos de idade. A explicação encontra-se no seu livro O Sistema Periódico (Gradiva, 1 9 8 8):
[ . . . ] sorrindo benevolamente sob os fartos bigodes brancos,
explicara-me que, com efeito, quando era jovem e cozia o
óleo pessoalmente, ainda não se usavam os termómetros.
Avaliava-se a temperatura da cozedura observando os
fumos, cuspindo lá para dentro ou então, mais racional
mente, mergulhando no óleo uma rodela de cebola enfiada
na ponta de um espeto; quando a cebola começava a fritar
era sinal de que a cozedura estava como devia. Evidente
mente, com o passar dos anos, aquela que tinha sido uma
rude operação de medida perdera o seu significado e trans
formara-se numa prática mística e mágica.
Estava esclarecido o mistério da cebola. Noutra ocasião, foi pedido a Primo Levi que desco
brisse porque é que vários lotes de verniz se tinham
estragado. Deveria ocorrer um erro no processo de fabrico que levava a que, por vezes, o verniz solidificasse dentro das latas e ficasse com uma consistência parecida com a de um fígado. Remexeu a papelada da fábrica e
HISTÓRIAS DE QUIMICA 141
descobriu um método analítico, que servia para con
trolar a qualidade de um dos componentes do verniz. A dada altura, era ordenada a adição de 23 gotas de um determinado reagente. Primo Levi desconfiou de que fosse usado um tão elevado número de gotas ( uma
quantidade tão indefinida). Fez as contas e chegou à
conclusão de que a dose era absurdamente elevada. Como
resultado, a análise era recorrentemente viciada: todos os lotes da matéria-prima eram aprovados, mesmo que
não tivessem qualidade. A explicação para a « figadização» dos vernizes estava encontrada: o fenómeno
ocorria sempre que, por acaso, um dos materiais de
partida não estava em condições. Primo Levi procurou a versão anterior do método de análise e encontrou a indicação «2 ou 3 gotas» , com o « OU» meio apagado. Evidentemente, perdeu-se na transcrição.
Sabe Deus que isto é vitamina C
Albert von Szent-Gyorgyi ( 1 893- 1 9 8 6), um cientista de origem húngara que se naturalizou norte-americano, ganhou em 1 93 7 o Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina pela sua descoberta da vitamina C (ácido ascórbico) e pelo seu contributo para o entendimento do ciclo do ácido cítrico ( um processo fundamental da respiração aeróbia). Szent-Gyorgyi considerava que tinha entrado na ciência pelo lado errado, pois começou as suas investigações na Universidade de Budapeste a estudar a estrutura do ânus, por influência de um tio cientista que tinha hemorróidas. Combateu na Primeira Guerra Mundial, de que saiu dando um tiro em si próprio (talvez aborrecido de esperar por um tiro certeiro do inimigo! ) ,
142 DARWIN AOS TIROS
movido pela descrença na guerra e por um desejo
ardente de regressar à universidade e à ciência. Hoje
em dia, muitos a lunos se queixam das dificuldades para
entrar num curso de Medicina, mas de nada lhes vale
tomar medidas tão extremas.
Quando publicou a descoberta da vitamina C, Szent
-Gyorgyi sabia muito pouco acerca da sua estrutura quí
mica. Sabia apenas que era um açúcar. Por isso, chamou
-lhe Ig Noos, pois para os químicos «OS» significa açúcar
e «<gnos» significa <<não sei» . Mas o editor da revista
científica, revelando urna grande falta de sentido de humor,
recusou o artigo. Szent-Gyorgyi propôs então em alter
nativa God Noos, que em inglês soa como <<sabe Deus»
(God knows) . Nem isto acordou o sentido de humor
do editor, que acabou no entanto por aceitar o artigo.
Szent-Gyorgyi teve uma vida longa e trabalhou em
vários campos de investigação. Estudou a estrutura do músculo e considerou como a experiência mais excitante
da sua vida ver duas proteínas do músculo ( actina e
miosina) moverem-se fora do corpo, num ambiente de
laboratório. Fruto das várias linhas de investigação a
que se dedicou, escreveu nas suas memórias:
Na minha busca pelo segredo da vida, comecei as
minhas investigações em histologia. Insatisfeito com a
informação que a morfologia celular me poderia dar acer
ca da vida, virei-me para a fisiologia. Achando a fisiologia
demasiado complexa, fui para a farmacologia. Ainda con
siderando a situação demasiado complicada, virei-me para
a bacteriologia. Mas as bactérias eram ainda muito com
plicadas, então, desci até ao nível molecular, estudando quÍ1nica e quét-nica-física. Depois de 2 0 anos de trabalho,
fui levado a concluir que, para compreender a vida, temos
H ISTÓRIAS DE QU(MICA 1 43
de descer ao nível dos electrões e ao mundo da mecânica
ondulatória. Mas os electrões são só electrões e não têm
nada de vida. Evidentemente, pelo caminho perdi a vida;
ela escapou-se-me por entre os dedos.
Nos gloriosos dias do D D T
N o Outono d e 1 939, o químico suíço Paul Müller ( 1 899-1965) tentava descobrir o insecticida perfeito. Não era estranho que o fizesse numa companhia farma
cêutica, a J. R. Geigy (que deu origem à actual Novartis),
pois várias doenças, como a malária, o dengue e a febre-amarela são transmitidas ao homem por insectos. Mas
são transmitidas exclusivamente por mosquitos do sexo feminino, pelo que outra abordagem possível (que permanece até hoje inexplorada) seria encontrar um « femininicida» perfeito: uma substância que fosse altamente tóxica para o género feminino teria boas probabi lidades de erradicar a malária. A ideia era mais ou menos a mesma, mas com mosquitos em vez de fêmeas, e teve resultados extraordinários graças ao diclorodifeniltricloetano (DDT ) .
Müller avaliava a eficácia dos candidatos a insecticida da mesma maneira que o leitor faria, ou seja adicionava uma certa quantidade da substância em teste a um
tanque de vidro cheio de insectos. À primeira, o DDT
foi um fracasso total : os insectos ficaram, aparentemente, bastante contentes com o DDT. Sem nenhuma razão para o fazer ( ta lvez estivesse com pressa para ir ao supermercado), Müller deixou os insectos no tanque durante a noite. Na manhã seguinte, estavam todos
mortos. A experiência foi repetida várias vezes e o DDT
144 DARWIN AOS TIROS
mostrou ser um insecticida extraordinariamente eficiente, que funcionava em quantidades extremamente baixas . Até os vestígios que permaneciam no tanque
após a lavagem com solvente eram suficientes para
matar os insectos.
Eram excelentes notícias para o exército norte-ame
ricano, que combatia, nas ilhas do Pacífico, tanto os
japoneses como a malária. A eficácia do DDT a prote
ger os soldados das picadas das mosquitas revelou-se
extraordinária. Os aviões militares passaram a pulverizar as praias antes do desembarque das tropas e pensa
-se que o DDT terá salvado milhões de vidas, nesse e em muitos outros contextos. Paul Müller ganhou o Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina pela descoberta da
elevada eficiência do DDT como insecticida em 1 948 ( no ano seguinte seria a vez do português Egas Moniz).
No final da guerra, o DDT começou a ser usado na agricultura e seguiram-se 20 anos de glória. Não havia grandes preocupações de que pudesse ser tóxico para os humanos, que já estavam habituados a respirar ar empestado com DDT durante horas. Antes pelo contrário: a Organização Mundial de Saúde planeava erradicar a malária pulverizando todo o planeta com DDT.
Todavia, começaram a surgir preocupações com as consequências para o ambiente. Algumas espécies de insectos, que não são afectadas pelo DDT, proliferam
indiscriminadamente quando outros insectos seus pre
dadores desaparecem por acção do DDT. Muitos pás
saros a limentam-se de insectos, sendo a sua população também afectada. E a evolução é uma coisa tramada: começaram a surgir estirpes de mosquitos resistentes ao DDT, à semelhança do q ue acontece com as bactérias resistentes a antibióticos. A história é mais ou menos
HISTÓRIAS DE QUÍMICA 145
a mesma: apenas um entre vários milhares de mosqui
tos é naturalmente resistente ao DDT, mas é essa elite de supermosquitos que vai sobreviver e dar origem a
toda uma população resistente ao DDT.
Um livro publicado em 1 962 teve um papel fundamental na criação de consciência pública dos problemas
causados pelo DDT: Primavera Silenciosa, da autoria
da bióloga norte-americana Rachel Carson ( 1 907- 1 964) .
Atribui-se um papel muito importante a esse livro no nascimento do movimento ambientalista norte-ameri
cano e mundial.
O DDT, hoje em dia, tem muito má fama, mas teve uma vida impressionante: nasceu ( isto é, foi sintetizado pela primeira vez) em 1 8 73 e viveu os primeiros 65 anos na irrelevância, até ser descoberto como insecticida
numa empresa farmacêutica. Valeu um Prémio Nobel da Medicina e foi herói de guerra, salvando milhares de vidas. Em tempo de paz, meteu-se na agricultura e caiu em desgraça. Ainda «ajudou» a fundar o movimento ambientalista moderno e hoje, apesar de banido para fins agrícolas, não está morto: vive discretamente e, de vez em quando, é usado em pequenas quantidades e em ambientes fechados (e não sem alguma controvérsia) para controlar insectos que transmitem doenças ao
homem. Mas nada como antigamente, nos gloriosos dias do DTT!
Gasolina nas torradas e manteiga no depósito de gasolina
A quantidade de energia libertada pela combustão da gasolina e pela digestão da manteiga no nosso corpo
1 46 DARWIN AOS TIROS
é mais ou menos a mesma : cerca de 37 000 joules (ou
8 ,8 quilocalorias) por grama. Se nada mais contasse a não ser a quantidade de energia contida nas moléculas,
poderíamos muito bem encher os depósitos dos carros com manteiga durante as crises no Médio Oriente e
barrar as nossas torradas com gasolina para reduzir o
colesterol . A razão pela qual conseguimos obter energia tanto
a partir dos a limentos como a partir dos combustíveis é a mesma: electrões. Há coisas que têm mais electrões
do que outras e, tal como numa barragem em que a
água de um lado tem tendência a passar para o outro
movendo uma turbina que produz energia, os electrões
também têm tendência a passar das moléculas onde
estão em maior abundância para outras em que estão menos concentrados. Os açúcares são precisamente isso: uma espécie de albufeiras de electrões. E, tal como nas barr agens, as células também têm uma espécie de turbinas e conseguem aproveitar a energia libertada nessa transferência de electrões . Através da respiração celular, os electrões dos açúcares e de outros alimentos são entregues ao oxigénio (o outro lado da barragem), formando-se água que é depois expelida
pelos pulmões ou transpirada ( isto, no caso da respiração aeróbia ) .
Com os combustíveis, é mais ou menos a mesma coisa . Com a diferença de que a respiração celular é um
processo bem mais eficiente do que a combustão, uma
vez que a oxidação dos alimentos é mais gradual e per
mite aproveitar melhor a energia. Em vez de ser liber
tada na forma de calor, ela é convertida em ligações
químicas que libertam energia quando são quebradas. É este o caso do famoso ATP (trifosfato de adenosina),
HISTÓRIAS DE QUÍMICA 147
a moeda de troca de energia na célula: quando se quebra
uma das ligações químicas a um dos fosfatos, l iberta
-se energia que pode ser usada em processos celulares
que precisem dela. Na combustão, é muito simples: o
combustível é queimado, ou seja, os electrões dos hidrocarbonetos são passados rapidamente ao oxigénio, e
l iberta-se calor. O que sobra tanto na combustão como
na respiração celular, para além da supramencionada
água, é o dióxido de carbono.
A combustão nem sempre é completa: por exemplo,
da queima de lenha numa lareira sobram sempre resí
duos sólidos, que são produtos de combustão incom
pleta . Mas o peso das cinzas nunca é o mesmo da lenha que lhes deu origem. Na Natureza, já dizia Lavoisier que nada se cria e nada se perde. A diferença de peso está no ar, na forma de dióxido de carbono e água .
No caso das nossas células, o dióxido de carbono é expelido pelos pulmões, no caso dos carros ele sai pelos tubos de escape. Em ambos os casos, é enviado para a atmosfera. No sítio climatecrisis.net, o político norte-americano AI Gore ( n . 1 948 ) , que foi vice-presidente de Bill Clinton e candidato à presidência derrotado por George W. Bush, propõe que cada um de nós reduza as suas emissões de dióxido de carbono para zero. Em r igor, para fazê-lo teríamos de deixar de respirar. Evidentemente que o que está em causa são as emissões
resultantes do nosso estilo de vida, relacionadas com os produtos e serviços que consumimos. Mas nem mesmo AI Gore, por muito boas que sejam as suas intenções,
conseguirá deixar de emitir d ióxido de carbono e
metano {proveniente dos seus intestinos), dois dos gases que c a u s a m efeito de estufa .
/
« Ü
do mar sal gado, quanto teu sal . . . » e outras
histórias de geologia
«Ó mar salgadoJ quanto do teu sal . . . »
o MAIS CONHECIDO DOS POEMAS de Mensagem ( 1 934) , o único l ivro publicado em vida por Fernando Pessoa ( 1 8 8 8 - 1 93 5 ) , intitula-se « Mar Português>> e começa assim:
6 mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Mas porque é que o mar é salgado ? Porque a água do mar é rica em iões (átomos com e lectrões a menos ou a mais) de cloro e de sódio, os primeiros positivos e os segundos, negativos. Esses iões, quando a água se
1 5 0 DARWIN A O S TIROS
evapora, ligam-se facilmente para formar uma rede cris
talina, com os dois tipos de iões regularmente intercala
dos ( figura 1 5 ) , conhecida por rede do cloreto de sódio,
que é nada mais nada menos do que o vulgar sal de
cozinha com que temperamos a comida. Basta ir ao Núcleo Museológico do Sal, um pequeno mas curioso museu à beira de uma salina na localidade de Armazéns de Lavos, perto da Figueira da Foz, na margem esquerda do rio Mondego, para ver in loco como é que o sal se
extrai, em salinas, da água do mar.
Figura 15 - Representação esquematJca
da rede do cloreto de sódio (sal de cozi
nha), na qual os iões de sódio (os menores)
e cloro (os maiores) estão intercalados
A expressão <<rico em iões>> pode ser quantificada. Em
cada litro de água, encontram-se 3,5 gramas de iões, dos
quais a grande maioria ( 86 por cento) são iões de cloro e de sódio. Pode-se morrer de sede rodeado de água no meio de um oceano, pois o nosso organismo não aguenta
HISTÓRIAS DE GEOLOGIA 1 5 1
a ingestão de uma quantidade de sal tão elevada. O sa l
é necessário à vida, mas apenas na devida conta. Todos
os nossos fluidos corporais - sangue, suor e lágrimas -
possuem sal, mas numa proporção bem mais baixa do que aquela que se encontra na água dos oceanos.
De onde vieram os iões do mar? Na sua maior parte,
foram-se acumulando ao longo dos tempos a partir da
dissolução das rochas. A idade da Terra pode então ser
calculada a partir da concentração de sal marinho.
A primeira pessoa a ter essa brilhante ideia foi, em 1715, Sir Edmond Halley (1656-1742) . Sim, esse mesmo,
o astrónomo inglês que deu o nome ao cometa que, em
Portugal , apareceu nas vésperas da República, assustando as pessoas menos preparadas. Hal ley supôs que
os iões eram retirados das rochas pelas águas das chuvas e arrastados para o mar. Mas não fez as contas. Bastante mais tarde, em 1899, o físico irlandês John Joly (1857-1933), estimando o valor do caudal dos rios e conhecendo o teor de sal na água do mar, aval iou a idade da Terra em cem milhões de anos, um número bem maior do que aquele que se admitia até à altura. Contudo, os erros desse processo vieram a revelar-se
bastante grandes, pois o cálculo olvidava outras ori
gens {por exemplo, vulcões e fontes hidrotermais) dos iões presentes na massa oceânica, assim como o destino de uma parte deles (depósitos em rochas). De facto,
graças a outras técnicas, mais exactas, designadamente
assentes em medidas da radioactividade natura l , sabese hoje que o nosso planeta, incluindo tanto continentes como oceanos, é bastante mais velho do que foi
estimado por Joly: tem cerca de 4,5 mil milhões de anos. É praticamente da idade do Sol, cuja luz faz evaporar a água do mar nas salinas.
152 DARWI AOS TIROS
Pânico no clima europeu
A cr ise atmosfér ica com origem no v u l cão de
Eyjafj al lajokul l ( ufa, que nome, é inacreditável que os
media não tenham inventado uma abreviatura como
Vulcão E.!), no Sul da Islândia, e que lançou em Março
de 2010 o caos nos aeroportos da Europa esteve longe,
bem longe, de ser a mais grave das crises do mesmo
tipo na Europa. De Junho de 1783 a Fevereiro de 1784
a erupção de um vulcão com um nome mais simples de
pronunciar, Laki, a cerca de 140 quilómetros do pri
meiro, originou um nevoeiro seco por todo o continente
europeu, de Lisboa a Moscovo. O fenómeno chegou
mesmo a ser observado no Rio de Janeiro, tendo aí sido reportado por um astrónomo português, Bento Sanches
Dorta (1739-1795), fundador do Observatório do Rio
de Janeiro e autor dos primeiros registos meteorológicos
nessa cidade. O l ivro Terra. Acontecimentos Que Mudaram o
Mundo, de Richard Hamblyn ( Bertrand, 2010), dedica
todo um capítu lo à erupção do Laki com o título
« Pânico no cl ima da Europa, 1783 » . Os efeitos das cinzas lançadas pelo vulcão foram avassaladores, com um Verão de tal forma encoberto, que se podia olhar
directamente para o Sol sem prejudicar a vista, e um
Inverno que foi dos mais frios da história : as cinzas
vulcânicas causaram um arrefecimento global na Terra, contrariando o conhecido efeito de estufa, uma vez que
impediram não só a luz como o calor do Sol de chegar
à superfície terrestre. O cheiro sulfuroso sentia-se em
Paris e noutras cidades europeias. O pânico foi, como é fáci l supor, generalizado. E os prejuízos, imensos. Há, entre os autores de h istória económica, quem opine que
H I STÓRIAS D E GEOLOGIA 1 53
terá sido devido aos danos causados na agricultura em
França que, passada meia dúzia de anos, se deu a Revo
l ução Francesa . . .
Na Islândia, devido, directa ou indirectamente, à erupção do Laki, que causou o maior fluxo de lava de
sempre, morreram cerca de dez mil pessoas, quase um
quarto da população, um número que só fica atrás do
número de vítimas da erupção do Vesúvio, no ano 79,
no cômputo de todos os fenómenos vulcânicos ocorri
dos na Europa. A Dinamarca, que administrava nessa
a ltura a Islândia, chegou mesmo a colocar a hipótese
de abandonar completamente a ilha.
O primeiro c ientista a relacionar o clima anormal na Europa com o vulcão na Islândia foi o norte-americano Benjamin Franklin (1706-1790), o inventor do pára
-raios que ia morrendo com o teste da sua invenção e, na altura, embaixador americano em França, com residência nos arredores de Paris. Franklin tornou-se assim pioneiro dos estudos sobre a relação entre poluição atmosférica e alterações climáticas. Não podia na época
haver perturbação da aviação devido às poeiras atmosféricas pela simples razão de que ainda não havia aviões ... Mas foi nesse mesmo ano que ocorreram as famosas experiências francesas de ascensão em balão,
de que o padre Bartolomeu de Gusmão terá sido pioneiro décadas antes. A 4 de Junho de 1783, os irmãos Montgol fier efectuaram, em Annonay, no Sul de França,
uma primeira exibição pública do seu balão, à qual, a 21 de Novembro, em Paris, se seguiu o primeiro voo
tripulado, presenciado pelo próprio Franklin. O nevoeiro
que toldava o Velho Continente não impediu o vasto público de ver esses engenhos subirem graciosamente no céu ...
1 54 DARWIN AOS TIROS
O temor da terra
No Chile, mais do que noutros países, a terra cos
tuma, de vez em quando, tremer. E, quando treme, é de
temer! Da lista dos dezoito tremores de terra mais vio
lentos de todos os tempos que a Wikipédia elenca, seis
tiveram epicentros no território chileno. Um dos mais
recentes, ocorrido na região de Maule, no Norte do
Chile, no dia 27 de Fevereiro de 2010, alcançou a
magnitude 8,8 na escala de Richter, causando mais
de 730 óbitos. O mais violento terramoto de todos os
tempos ocorreu também no Chile, a 22 de Maio de
1960: com epicentro na cidade de Valdivia, no Sul, teve a magnitude de 9,5 na mesma escala e resultou em
cerca de 1700 mortos. Para termo de comparação, acres
cente-se que o terramoto do Haiti de 12 de Janeiro de 2010 só teve a magnitude 7,0, mas fez mais de 220 000 mortos. Ainda para comparação: ao grande terramoto
de Lisboa de 1 de Novembro de 1755 são atribuídos
hoje a magnitude de 8,7 (um cálculo, pois na época não
havia os sismógrafos que há actualmente) e cerca de 50 000 mortos ( número muito incerto) . Com o terramoto de Maule, o l isboeta viu-se relegado do 10.0 para
o 11.0 l ugar na l ista dos maiores terramotos. E, com o
terramoto ocorrido a 11 de Março de 2011 no oceano
Pacífico, perto da costa oriental do Japão, ao qual foi
atribuída a magnitude de 9,0, o terramoto português
desceu mais um l ugar na escala.
O que significa o valor, registado no Chile, de 8,8 na
escala de Richter ( Charles Richter, 1 900-1985, foi um
sismólogo norte-americano), ou o valor de 9,0 na mesma escala, registado no Japão? Essa escala mede a energia
l ibertada no sismo, que se traduz no seu potencial poder
HISTÓRIAS DE GEOLOGIA 155
de destruição. Claro que o facto de o sismo destruir
muito (como aconteceu no Haiti ou em Lisboa) ou
pouco, causando mais ou menos v ít imas morta is ,
depende de outros factores, como a densidade e a qua
l idade da construção. A energia l ibertada no Norte do
Chile foi o equivalente a 16 mil mi lhões de toneladas
de trinitrotolueno (TNT ), o que contrasta brutalmente
com a energia correspondente a 15 mil toneladas da
bomba atómica que explodiu sobre Hiroxima no final
da Segunda Guerra Mundia l . Impressiona a energia dos
grandes abalos de terra chi lenos quando cotejada com
a das armas de destruição maciça que o homem inventou.
Em dois versos do poema «A Fala do Homem Nascido » , escreveu o poeta António Gedeão, pseudón imo
poético do professor de Física Rómulo de Carvalho:
As forças da Natureza
Nunca ninguém as venceu.
De facto, o homem tem necessariamente de se sentir
pequeno perante as fúrias do planeta que pisa. No Chile,
como aconteceu de outras vezes, deu-se um embate frontal da placa Nazca, no Pacífico, com a placa da América do
Sul, mergulhando a primeira por baixo da segunda. A
tendência, que se manifesta de forma muito lenta, con
siste no alargamento do oceano Atlântico e na diminui
ção do oceano Pacífico. Algo de semelhante se passou no
Japão, com a colisão das placas do Pacífico e da Eurásia.
Mas o homem quer ser maior daquilo que é. Ainda
citando Gedeão:
Quero eu e a Natureza
Que a Natureza sou eu.
156 DARWI AOS TIROS
Por enquanto, o homem não é capaz de prever quando
se l ibertará a gigantesca energia acumulada na zona de
contacto entre as placas tectónicas . Mas persegue essa
possibi lidade. Pode bem ser que, com o progresso da
sismologia, consiga um dia prever catástrofes iminen
tes. Nessa altura, e só nessa a ltura, é que diminuirá o
temor da terra . . .
Uma desgraça de profeta
O físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) disse
que era muito difíc i l fazer previsões. E acrescentou :
especialmente do futuro. É por isso que os profetas,
sej am da desgraça sejam da graça ( predominam os primeiros ! ) , costumam falhar. No ano de 2009 falhou mais um profeta da desgraça, ao contrário do que o próprio e os media quiseram fazer crer.
Giampaolo Giuliani , técnico do Instituto Nacional
de Astrofísica Ital iano (trata-se de um técnico não l icenciado e não de um cientista ) , previu um sismo na Itál ia central em M arço de 2009, baseado no aumento que
tinha detectado de emanações do gás radão do subsolo. E colocou uma carrinha na rua com um megafone, com o intuito de avisar as pessoas . Face à tragédia que ocorreu em L' Aquila, no dia 6 de Abril desse ano, a imprensa de todo o mundo lembrou-se da previsão, afirmando
ou pelo menos insinuando que se poderia ter prevenido a catástrofe se o profeta tivesse sido levado a sério. Muita e boa gente acreditou na previsão, perguntando
-se por que razão a ciência não tinha sido ouvida. Acontece, porém, que não se tratava de ciência . No
actual «estado da arte» , não podem ser previstos sismos.
HISTÓRIAS DE GEOLOGIA 1 57
Pode ser que um dia isso seja possível, mas hoje não é.
Esta é a conclusão da comunidade dos especial istas em
sismologia . Os sinais de radão não são um indicador
fiável . Apesar dos numerosos estudos feitos, não há
nenhuma boa maneira de indicar que, num dado sítio,
num certo dia e a uma certa hora, vai ocorrer um sismo.
Pode-se, quando muito, indicar probabi l idades, que por sua própria natureza são bastante incertas. Há certas
zonas, de maior sismicidade, onde o risco é maior. Giu
l iani falhou redondamente, pois previu um sismo em
Sulmona, 30 quilómetros a sul de L'Aqui la, uma semana
antes. Se a protecção civil italiana o tivesse levado a
sério, teria retirado os habitantes de Sulmona para L' Aquila, engrossando assim as vítimas da tragédia rea l .
O Laboratório para o qual Giul iani trabalha publicou um comunicado, esclarecendo que o seu objecto de estudo é a astrofísica e não a geofísica, não passando as « pesquisas >> sísmicas de Giul iano de um simples passatempo individual, que ninguém pode levar a sério.
Eis pois como um lunático em busca de protagonismo teve os seus quinze minutos de fama. De facto, não foi muito, mas foi tempo a mais.
Infel izmente, o seu não foi o único caso de pseudo
ciência sísmica que ocorreu a propósito do tremor de terra de L' Aquila. Houve outro ainda pior. A lguém resolveu pôr um processo judicial contra a lguns sismologistas
profissionais, sete cientistas e a lguns técnicos que inte
gravam a Comissão Nacional de Grandes Riscos, por eles não terem previsto o dito terramoto. Apesar de a
c iência, com o conhecimento actual, não poder prever
terramotos, os tribunais aceitaram a entrada do processo e querem ju lgar os cientistas com base em argumentos pseudocientíficos. Parece que se agarram ao argumento
1 5 8 D A RWIN AOS TIROS
de que um porta-voz terá dito que « não havia qualquer
perigo » . Os tremores de terra a limentaram sempre as
forças mais i rracionais. Foi assim em Lisboa, em 1755,
e foi assim em L'Aquila, em 2009.
A mirabolante flora do deserto e
histórias de outras
biologia
A mirabolante flora do deserto
A GOLA É UM IMENSO PAIS QUE ALBERGA uma rica varie
dade de espécies biológicas. Uma das plantas mais extraordinárias do mundo encontra-se precisamente no
deserto do Namibe, perto da fronteira sul do país . Foi descoberta a 3 de Setembro de 1859 ( pouco antes de sair a primeira edição d' A Origem das Espécies, de
Charles Darwin ) , por um botânico austríaco que se
tinha deixado encantar pela natureza africana a ponto de só a ter abandonado quando foi vítima de maleitas tropicais. O nome científico da espécie, Welwitschiae mirabilis, foi dado em homenagem a esse seu descobridor, Friedrich Welwitsch (1806-1872) . Revelou-se necessário
1 60 DARWIN AOS TIROS
criar um género novo para integrar a espécie, tão dife
rente ela era das outras identificadas até à data.
A grande planta, que chega a ser milenária, tem um
caule duro, do qual saem duas folhas, que crescem lenta
mente, esfarrapando-se nas extremidades, a um nível
rasteiro ( figura 16 ) . As suas características mais não fazem do que comprovar os prodigiosos mecanismos
de adaptação a ambientes adversos de que os seres vivos
são capazes. Crescer no deserto, como ela, parece um
verdadeiro mi lagre !
Figura 16- Desenho da Welwitschiae mirabilis. ln Engler e
Prantl, 1889, Die Naturlichen Pflanzenfamilien II, 1. Em cima, a planta jovem e, em baixo, já adulta. Repare-se nas duas
folhas que se esfarrapam nas pontas
HISTÓ RIAS DE BIOLOGIA 161
O poeta português Jorge de Sousa Braga (n . 1957)
dedicou a essa planta um poema publicado no seu livro
Herbário, especialmente destinado a crianças:
No meio do mais árido deserto
Há uma planta que consegue medrar,
E até se dá ao trabalho de florir,
Mesmo que não haja ninguém por perto,
Que a possa contemplar.
Para além de Welwitsch, outros natural istas têm
estado perto da Welwitschiae para, mais do que a con
templarem, a estudarem com cuidado. Um deles foi o português Luís Wittnich Carrisso (1886-1937), natural da Figueira da Foz, filho de mãe holandesa, professor de Botânica na Universidade de Coimbra ( chegou a ser
reitor dessa universidade) , que, enfeitiçado por África tal como Welwitsch, protagonizou três expedições a solo angolano a fim de estudar a respectiva flora. Na última delas, em pleno deserto namibiano, perto de uma Welwitschiae, faleceu vítima de ataque cardíaco. O local da sua morte, o morro do Kane-Wia que os povos indígenas mucubais dizem amaldiçoado, é um dos sítios inescapáveis da h istória da ciência angolana.
Darwin e o seu amigo açorzano
Quando há poucos anos se perguntou, num inquérito, a um conjunto de professores da Universidade de Coimbra quais foram os dez l ivros que mais mudaram o mundo, não foi sem surpresa que se apurou em primeiro lugar A Origem das Espécies ( Londres, 1859) ,
1 62 DARWIN AOS TIROS
do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), e só depois a Bíbli a. No entanto, ao querer organizar-se uma exposição sobre essa l ista, a surpresa foi ainda maior
quando se verificou que não havia no rico acervo das bibliotecas da universidade nenhuma primeira edição da obra maior de Darwin, ao passo que havia várias
centenas de edições, algumas bastante antigas e precio
sas, do l ivro sagrado dos cristãos.
Este facto chegará para mostrar que, se hoje os cien
tistas são todos darwinistas, há 150 anos, quando foi divulgada a revolucionária teoria de D arwin, não havia
entre nós quase ninguém interessado nas ideias do inglês.
Graças à sua pródiga confirmação pela observação e pela experiência, a teoria da evolução a lcançou desde então uma aceitação que, na sua origem, dificilmente se poderia prever. Hoje, pode dizer-se que não existe nenhuma teoria científica que esteja em competição com o evolucionismo (o criacionismo não é, evidentemente, uma ciência ! ) .
A demora com que as ideias de Darwin chegaram até nós é sintomática do nosso atraso c ientífico no século xrx. Apesar de Darwin se ter tornado em pouco tempo mundialmente famoso e de ter trocado milhares de cartas com naturalistas de todo o mundo, o único português a corresponder-se com ele foi um j ovem de 26 anos, res idente nos Açores, completamente isolado
dos círculos c ientíficos. Francisco de Arruda Furtado (1854-1887) dirigiu-se, em 1881, ao velho sábio do seguinte modo:
Nasci e vivo nestas ilhas vulcânicas onde os factos de
distribuição geográfica dos moluscos terrestres são uma
interessante prova da teoria a que deu o seu nome mil
vezes célebre e respeitado.
HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 63
Darwin, que tinha visitado os Açores durante a sua viagem à volta do mundo no Beagle, respondeu, quase
na volta do correio, com palavras gentis e encoraja
doras:
Admiro-o por trabalhar nas circunstâncias mais difí
ceis, nomeadamente pela falta de compreensão dos seus
vizinhos.
É bem conhecida a polémica que as ideias darwinistas
logo susc itaram, nomeadamente a forte oposição que
tiveram por parte da Igreja de Inglaterra. A esse con
fronto não terá sido alheio o progressivo afastamento de Darwin da sua fé da j uventude - ele, que tinha estudado Teologia em Cambridge-, para assumir, no fim da vida, quando respondia ao português, uma posição agnóstica . O mecanismo da selecção natural per
mitia defender a evolução das espécies como um design sem autor ( algo que os criacionistas ainda hoje se recusam a aceitar) . O mais perturbador para a lguns crentes era a eventual <<descendência humana do macaco » , tendo ficado célebre a afirmação de u m não-darwinista segundo a qual « não era verdade, mas, se o fosse, o
melhor era que não se soubesse» . A oposição com base na Bíblia ao evolucionismo
conheceu a lguns episódios curiosos também em Por
tugal . No mesmo ano em que escrevia a D arwin, Furtado publicou em Ponta Delgada um folheto intitulado
O Homem e o Macaco, em resposta a um padre que
tinha pregado nessa cidade:
E ainda há sábios que acreditam que o homem descende
do macaco! ... Nós somos todos filhos de Nosso Senhor
jesus Cristo!. ..
164 DARW I A O S TIROS
O açonano esclareceu:
Não há sábios que acreditam que o homem descende
do macaco [ ... ]mas que ambos deveriam ter sido produ
zidos pela transformação de um animal perdido e mais
caracterizado como macaco do que como homem. Eis
o que se disse e o que se diz e, se isto não se prova, o
contrário também não.
Passados mais de 150 anos sobre a publicação de A Origem das Espécies e 200 anos sobre o nascimento
de Darwin, a teoria que o tornou famoso está bem e
recomenda-se, não só devido à ajuda da paleontologia
mas também e principalmente devido à corroboração pela moderna genética . Conforme afirmou o geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky (1900-1 975)
no título de um seu artigo, « nada na biologia faz sen
tido a não ser à luz da evolução » .
A orzgem da espécie
A ciência é um imenso campo de surpresas. Aconteceu em 2009 uma delas no j ardim do Museu de História Natural , na cidade de Londres. Um petiz de cinco
anos, filho do entomologista Max Barclay que trabalhava no museu como curador, apanhou um bichinho
vermelho e preto do chão e mostrou-o ao pat:
Papá, o que é isto?
O pai teve de admitir que não sabia, apesar de ter passado a vida a recolher insectos por todo o mundo, em sítios remotos do globo como a Tai lândia e a Bol ívia . O referido museu a lberga uma colecção de 28
HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 165
milhões de espécies de insectos ( passaram para o Cen
tro Darwin- Fase 2, um moderno edifício inaugurado
no Ano Darwin) , mas não havia lá nenhum igual. Não
era uma espécie vulgar de Lineu . . . Depois de uma verda
deira «caça ao insecto» nos museus de todo o mundo,
encontrou-se uma espécie parecida no Museu Nacional
de Praga. Dava pelo nome de Arocatus roeselli e tinha
sido recolhida em Nice, no Sul de França. Depois de vários estudos - anal isou-se o ADN e tudo-, ficou
sem se saber se é a mesma espécie ou se é uma espécie
nova muito semelhante. A questão é que o insecto conhe
cido não devia existir à latitude de Londres e, além
disso, habitava um outro tipo de árvores. Quando se foi examinar melhor o j ardim do museu, constatou-se que estava todo povoado pela nova espécie (pode mesmo
tratar-se de uma nova espécie, pois há quem conjecture que só dez por cento das espécies de insectos são conhecidos). Não era um insecto isolado, mas uma multidão deles; felizmente, inofensivos para os humanos.
Qual é a origem da espécie? Não se sabe ao certo. Segundo Barclay (Time, 28 de Julho de 2009), a migração e adaptação do Arocatus pode dever-se ao aqueci
mento global ou à circulação acrescida de pessoas dentro da União Europeia. Qualquer que seja a origem, um mistério como este veio mesmo a calhar, na altura em que passavam 150 anos sobre a primeira comunicação de Darwin a respeito da origem das espécies, que ocor
reu um ano antes de o seu l ivro mais famoso ter vindo
a lume. Esta curiosa h istória científica ensina-nos o valor da
biodiversidade, a relevância do melhor conhecimento e preservação de todas as espécies e a importância dos museus de história natural .
166
África nossa
DARWI AOS TIROS
Somos todos africanos ! A espécie Homo sapiens teve
origem no continente africano há cerca de 200 mil anos,
tendo-se espalhado a partir daí há cerca de 50 mil anos.
Já se suspeitava desta origem comum dos modernos
humanos, mas uma investigação publicada em 2009 na
revista Science veio corroborar a h ipótese.
A cientista norte-americana Sarah Tishkoff (n. 1966 ),
da Universidade da Pensilvânia, liderou uma vasta equipa
que recolheu amostras de sangue de mais de uma centena
de grupos humanos em sítios recônditos do continente
africano. Em sucessivas expedições ao longo de dez anos, viajando num Land Rover e acampando em condições
rudimentares, conseguiu ganhar a confiança de mi lhares
de indígenas e deles obter consentimento para realizar
o seu trabalho. Se alguns recearam ficar fracos ao dar o sangue, outros revelaram-se curiosos quando lhes foi dito que poderiam conhecer os seus antepassados através
do exame de uma simples gotinha de sangue. De facto,
das células do sangue, a antropóloga molecular extraiu ADN, que anal isou em certas partes, com o intuito de desvendar a h istória dessas populações. Antropóloga
molecular? Sim, graças à moderna genética, é hoje pos
sível complementar dados sobre a cultura e a l íngua de grupos indígenas, observando as marcas genéticas dei
xadas por uma longa e complexa história evolutiva.
Tishkoff concluiu que a variabilidade genética den
tro de África é enorme, maior até que em todo o resto
do mundo. E conseguiu localizar na região desértica
entre Angola e a Namíbia os descendentes do grupo mais antigo. O povo San, pertencente aos bosquímanos, é o que está mais próximo dos habitantes do lendário
H ISTÓ RIAS DE BIOLOGIA 167
Jardim do Éden. Não significa isto que o Homo sapiens tenha nascido no Sudoeste Africano, mas sim que os
seus parentes mais próximos, depois de eventuais mi
grações, se encontram hoje nessa zona. Por seu lado,
os descendentes das tribos que saíram de África para
povoar a Europa e a Ásia localizam-se hoje no Nordeste,
perto do mar Vermelho. Quem diria que a escritora
dinamarquesa Karen Blixen, autora de África Minha, retratada no famoso fi lme de Sydney Pollack com o
mesmo título, ao emigrar para o Quénia estava afinal de certo modo a regressar a «casa » ?
Darwin aos tiros
O inglês Charles Darwin foi uma criança apaixonada pelo mundo natural . Adorava coleccionar espécimes e passear pelo campo e esse gosto foi cultivado nas duas universidades onde estudou (Edimburgo e Cambridge) , na companhia de professores cuja influência foi determinante no seu pensamento futuro, como Robert Grant (1793-1874) e John Henslow (1796-1861). Fruto das suas frequentes saídas de campo, fez a sua primeira descoberta científica com apenas 18 anos: descobriu que os ovos de flustra ( um invertebrado que forma uma espécie de tapete marinho) não eram ovos de flustra,
mas sim larvas de flustra ( porque nadavam e os ovos
não nadam) . Durante os cinco anos em que viajou à volta do
mundo a bordo do HMS Beagle, o seu entusiasmo pela história natural fê-lo acumular diversas colecções que expedia regularmente para Inglaterra, para não afundar o Beagle com tanto l astro. Se o leitor se aborrece
1 68 D A RWI AOS TIROS
com publicidade que l he entope a caixa do correio, j á
imaginou tentar encontrar a sua correspondência impor
tante, notificações das finanças e contas da l uz, no meio
de aves, organismos marinhos, insectos, p lantas, fósseis
e até rochas? Foi o que aconteceu a John Henslow,
professor e amigo de Darwin.
Mas o esti lo naturalista de Darwin não seria prova
velmente aprovado pelos padrões de muitos amantes
da natureza actuais. Darwin era um entusiasta da caça
e um excelente atirador, o que dava muito jeito porque
os tripulantes do Beagle tinham de comer e não seria
possível trazer de Inglaterra latas de feijoada de seitan suficientes para alimentar 74 homens durante toda a viagem. E não imaginemos Darwin a erguer ao alto redes de bambu para as aves caírem suavemente, e a l ibertá-las posteriormente com uma anilha identifica
dora na patinha e uma lágrima emocionada. Mais real ista será a visão de Darwin aos tiros, na esperança de atingir uma espécie desconhecida. Tivesse Darwin uma metralhadora e talvez o seu contributo para o entendi
mento do mundo natural fosse ainda maior! Um dos episódios mais i lustrativos desta d imensão
cinegética e gastronómica do seu trabalho de investigação passou-se no Sul da actual Argentina . A tripulação tinha caçado uma a v e para comer e, só depois de ela estar nos pratos e parcialmente comida, é que Darwin
se apercebeu de que se tratava de uma espécie desconhecida ( uma ema mais pequena do que a que se encontrava nas regiões mais a Norte) , que queria preservar para a
sua colecção. Os pedaços retirados dos pratos ( não se
sabe se passaram pela boca de a lgum dos comensais) foram poupados e , claro, enviados para a caixa de correio de Hens low.
HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 169
A origem da vida: não tente fazer isto em casa
Na sua obra magistral, A Origem das Espécies (ou, usando o título completo, Sobre a Origem das Espécies através da Selecção Natural, ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida), se há coisa de que o natural ista inglês Charles Darwin não fala, é sobre a origem das espécies. Ou melhor, sobre a origem da vida. No final do l ivro, Darwin menciona a possibi l i dade de todos os organismos terem tido origem numa
única forma primordial, mas em privado pensava que
essas origens antigas eram irrecuperáveis. Na segunda edição, Darwin incluiu um comentário em que afi rmava ser possível conceber um Criador que tenha permitido às espécies criarem-se a si próprias, e que as primeiras formas orgânicas tenham adquirido vida a partir do <<sopro do Criador» . Darwin foi-se tornando agnóstico ao longo da vida, mas não era imune a pressões e o Criador tem muitos amigos ! De qualquer forma, quem comprou A Origem das Espécies à espera de uma explicação cabal acerca da origem das espécies terá provavelmente pensado em exigir o dinheiro de volta.
No entanto, já em finais do século XIX, Darwin e o físico inglês John Tyndall (1820-1883) notaram que a evolução biológica teria sido necessariamente antecedida de uma certa forma de evolução química. Mas o tema não entusiasmava ninguém. Darwin tinha evidentemente mais que fazer, digladiando-se pela selecção natural , a origem do homem, o papel do sexo na evolução e outros saril hos em que já estava metido.
Alexander Oparin (1894-1980), bioquímico soviético, tinha aparentemente mais tempo livre e, em 1924, publicou um livro intitulado A Origem da Vida, em russo. Ninguém lhe l igou até 1936, quando a obra foi tradu-
170 DARWI AOS TIROS
zida para vanas l ínguas. Felizmente, para ammar os
leitores anglo-saxónicos, aborrecidos pela espera da
tradução, o biólogo inglês John Scott Haldane (1860-
-1936) publ icou em 1928 um artigo intitulado « Science
and human l i fe» acerca do mesmo assunto.
As teorias de Oparin e Haldane são semelhantes:
a vida teve origem em pequenas moléculas dos mares
primitivos ( uma espécie de sopa da pedra de moléculas
simples) onde uma tempestade, um raio u ltravioleta,
um fenómeno radioactivo, um naufrágio ou a lgo do
género levou à formação de molécu las cada vez maio
res e mais complexas, até que a complexidade era tanta,
que a coisa só podia ser viva.
Uma evidência estrondosa da origem da vida no mar é que a abundância relativa dos iões de sódio, potássio e cálcio no sangue é muito semelhante à da água do mar. A base do nosso sangue é, por assim dizer, água do mar diluída. Pode-se manter certos órgãos e tecidos vivos e em funcionamento durante algum tempo fora dos respectivos organismos, desde que mergulhados numa solução contendo cloretos de sódio, potássio e
cálcio em percentagens relativas semelhantes às da água do mar (a chamada solução de Ringer) .
Em 1953 o químico norte-americano Stanley Mi l ler (1930-2007) resolveu fazer a experiência . Preparou uma mistura de gases que simulavam a atmosfera primitiva:
h idrogénio, amoníaco, metano e vapor de água. Mi l ler considerou que uma condição essencia l para a formação de moléculas orgânicas terá sido a ausência de oxigénio na atmosfera primordial . De outro modo, os compos
tos orgânicos teriam tendência para a combustão. Sujeitou a mistura à acção de descargas eléctricas,
simulando as violentas tempestades que terão animado
HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 7 1
o boletim meteorológico de há 3,5 mil milhões de anos.
Ao fim de uma semana (e não ao fim de milhões de anos) , encontrou aminoácidos (constituintes das proteí
nas) e bases azotadas (que fazem parte do ADN) . Não
é nada recomendável que o leitor procure reproduzir esta experiência em casa, atirando com um ferro de
engomar l igado para uma banheira com água e com
uma botij a de gás aberta na casa de banho. Além de
não conseguir obter as moléculas da vida, o máximo
que conseguirá fazer será regressar à sopa primordial .
A primeira célula não seria mais do que um comparti
mento rudimentar que separava o interior do exterior. Continha pouco mais do que polinucleótidos, uma espécie de material genético rudimentar que servia de molde para fazer proteínas rudimentares. E, claro, conseguia fazer cópias desses polinucleótidos rudimentares e, assim, reproduzir-se de um modo rudimentar. A vida surgiu assim, como uma espécie de parque de campismo clandestino: compartimentos simples que se multiplicam sem a mínima ordem e sem pedirem autorização a ninguém.
As células foram-se modificando, diversificando e engolindo umas às outras, num processo chamado endossimbiose, não no sentido em que o leitor come um chupa-chupa ou uma gelatina, mas mais como se,
após uma bela pratada de bacalhau com natas, passássemos a ter uma família de gerações e gerações de baca
lhaus a viver no nosso interior. Este mecanismo de evolução, associação simbiótica estável seguida de selecção natural, foi proposto pela bióloga Lynn Margul is
( n. 1938, que foi casada com Carl Sagan) e terá dado
origem às células compartimentadas, como as nossas . Num caso bastante conhecido, uma dessas células
(uma arqueobactéria) engoliu outra bactéria ( uma ciano-
172 DARWI AOS TIROS
bactéria) . Essa cianobactéria tinha a capacidade de usar
a energia do Sol para fazer açúcares. Ou seja, fazer
fotossíntese. Surgiu assim a primeira a lga verde, uma
célula com uma espécie de cloroplasta lá dentro. Ou, se
quisermos, uma tenda de campismo com painel solar.
Estas algas e cianobactérias começaram a encher a
atmosfera com oxigénio. E assim aconteceu o primeiro
desastre ambiental: grande parte dos microrganismos
existentes desapareceu, enferrujada pelo oxigénio, tal
como um corrimão de ferro sem tinta adequada. Hoje,
todos os organismos expostos à atmosfera estão adaptados à presença do oxigénio, têm mecanismos para se
protegerem da oxidação. Não deixa de ser irónico que o oxigénio, cuja ausência poderá terá sido determinante para o surgimento das primeiras formas de vida, sej a
essencial à vida de muitos organismos actuais.
Previsões só no fim do jogo: selecção natural irrelevante
Suponhamos que o leitor tem uma característica que lhe dá uma l igeira vantagem na luta pela sobrevivência. Por exemplo, um pescoço maior, que lhe possibilita chegar a a limentos nos armários mais altos da cozinha. Ou um padrão de pele que lhe permite confundir-se com uma
estante de livros da biblioteca e evitar ser comido por um rato gigante usado em experiências com hormonas de
crescimento. É natural que os indivíduos da mesma espécie que por acaso nasceram com uma vantagem, mesmo
que ligeira, sobrevivam mais tempo. Têm assim mais oportunidade de se reproduzirem e de transmitirem essa característica à descendência, que se vai tornando cada
H ISTÓR I AS DE BIOLOGIA 173
vez mais comum na população ao longo das gerações.
Este processo faz parte da selecção natural e é um impor
tante mecanismo da evolução das espécies. Outro aspecto
da selecção natural, para além da supramencionada sobre
vivência, é a selecção sexual: a preferência que as fêmeas
têm por machos com certas características. Do ponto de vista evolutivo, não adianta muito sobreviver se de
pois não se conseguir impressionar as miúdas. O conceito de selecção natural foi apresentado pela
primeira vez à comunidade científica em Julho de 1858
numa obscura reunião da Linnean Society of London,
a principal sociedade científica de história natural da
Grã-Bretanha, cujo nome homenageia o naturalista sueco Carl Lineu (1707-1778) . Da apresentação constaram dois documentos com a mesma teoria : um da auto
ria de Charles Darwin e outro do natural i sta e aventureiro britânico Alfred Russel Wal lace (1823-1913) .
Wal lace e Darwin tinham l ido mais ou menos os mesmos l ivros e vivido experiências comparáveis na observação de espécies em viagens longínquas, pelo que
não é de todo surpreendente que ambos tenham chegado, mais ou menos ao mesmo tempo, ao conceito de selecção natural ou, como alguns disseram, de sobrevivência dos mais aptos. Na realidade, o primado da
descoberta deveria pertencer exclusivamente a Wal lace, que enviou um primeiro manuscrito a Darwin pedindo-lhe que o apresentasse na Linnean Society. Foi o superior estatuto social de Darwin face ao de Wal lace (que era um autodidacta e tinha de trabalhar para viver,
desgraça que ainda hoje afecta muitos cientistas) que permitiu a apresentação simultânea dos dois artigos. Darwin foi , no entanto, bastante correcto e simpático com Wal lace.
174 DARWIN AOS TIROS
De qualquer forma, n inguém ligou muito a esta dupla
apresentação: os manuscritos foram l idos por um orador
em voz alta, arrancando apenas bocejos da escassa audiên
cia, e sem a presença de nenhum dos autores. Darwin
estava muito abalado pela morte recente de um dos seus
filhos e Wal lace encontrava-se no Extremo Oriente e nem
imaginava que a apresentação do seu trabalho estava a
decorrer, uma vez que a correspondência intercontinen
tal demorava três a quatro meses. A coisa passou de tal
forma despercebida, que o natural ista Thomas Bel l
(1792-1880), presidente da Linnean Society, escreveu
no relatório anual da sociedade em Maio de 1859:
O ano que passou não foi de facto marcado por
nenhuma daquelas descobertas marcantes que revolu
cionam imediatamente o campo das ciências em que se
mserem.
A frase acabou por revelar-se muito rapidamente de
uma futurologia infel iz, já que, se há coisa que revolucionou imediatamente o campo em que se insere, foi a ideia da evolução das espécies, sendo a selecção natural um dos mecanismos de evolução. Apenas cerca de um
ano após a obscura leitura, foi publicada com grande
alarido A Origem das Espécies, obra magistral de Darwin, instalando-se de imediato um intenso debate científico e uma grande controvérsia social . Ao longo
do século xx, a importância científica da evolução foi
consolidada, de tal modo que, quando o biólogo ucra
niano Theodosius Dobzhansky escreveu, em 1973, que « nada na biologia faz sentido a não ser à luz da evolução » , esta afirmação era cientificamente incontestável {claro que continua a ser contestada por uma tropa
HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 175
criacionista, na qual alguns chegam a defender que a
Terra tem só 5000 anos- o que não daria tempo para
a evolução-, mas isso nada tem de científico) . Thomas
Bell foi , sem dúvida, um reconhecido zoólogo, mas não
teria ficado na história sem a sua futurologia desastrada !
Previsões só no fim do jogo: o fim das doenças infecciosas
Do ponto de vista de quem entrava na década de 1970,
o futuro parecia risonho no que dizia respeito às doenças
infecciosas. Os antibióticos eram produzidos industri
almente há 30 anos e as infecções bacterianas- contra as quais anteriormente pouco mais havia do que água
e sabão - eram rotineiramente derrotadas. A varíola tinha sido erradicada e a Organização Mundial de Saúde
fazia tabelas com datas para a erradicação das restantes doenças infecciosas: tuberculose, pol iomiel i te, d ifteria
deveriam ser confinadas às garrafas térmicas de azoto
líquido de dois ou três institutos de investigação científica
nas décadas seguintes. A esperança de vida conheceu um
aumento espectacular entre 1940 e 1970, em grande parte
atribuído aos antibióticos (a organização não governamental Greenpeace provavelmente não iniciou uma cam
panha pelos direitos das bactérias e contra o genocídio
antibiótico porque só foi fundada em 1971) . Estavam
também disponíveis várias vacinas. Foi neste ambiente
que William Stewart ( 1921-2008), então surgeon-general, à letra cirurgião-mar, mas na prática uma espécie de
ministro da Saúde dos Estados Unidos, declarou:
Podemos agora fechar o livro das doenças infecciosas.
176 DARWIN AOS TIROS
A frase é de uma futurologia desastrada, já que nas
décadas seguintes se assistiu ao surgimento de estirpes
de bactérias resistentes aos antibióticos, num dramáti
co exemplo de evolução (os criacionistas talvez pensem
que as bactérias resistentes aos antibióticos tenham
saído da arca de Noé em casalinhos) . Surgiram também
novas ameaças de infecções virais, nomeadamente a
infecção pelo VIH que dá origem à SIDA. E os recentes
surtos de gripe A espalharam o pânico em todo o mundo
(um casalinho de vírus Influenza A, subtipo H1N1,
desceu da arca de Noé no monte Ararat, na Arménia,
levando uns poucos milhares de anos, por causa .das
suas patinhas pequenas, a chegar ao México, onde resolveu constituir família - uma das poucas coisas que um vírus consegue fazer muito bem). E o nosso conhecimento do papel de agentes infecciosos em certas doenças, como o do vírus do papiloma humano no cancro
do colo do útero, não pára de aumentar.
A situação é incomparavelmente melhor do que na primeira metade do século xx. Mas o livro das doenças infecciosas está longe de estar fechado e a apanhar pó na estante. Os cientistas especialistas na área gostam
muito de contar esta história na introdução dos seus artigos de revisão sobre desenvolvimento de resistência a antibióticos ou novas classes de antibióticos. Mas William Stewart nem sequer ganhou a imortalidade com
a sua previsão precipitada, pois em grande parte dos
artigos e livros é apenas citado como surgeon-general dos Estados Unidos. Um homem claramente ofuscado
pelas funções que desempenhava, embora uma previsão
desastrada continue, desde que tenha uma difusão suficiente, a ser uma excelente aposta para ganhar notoriedade pública.
HISTORIAS DE BIOLOGIA 177
Bullying eterno
A ideia de que a diversidade dos seres vivos resul ta
de processos inteiramente naturais, e não de uma cui
dadosa elaboração divina, tinha tudo para causar problemas. Mesmo na Inglaterra v itoriana do sécu lo XIX,
fervilhante de pensamento racional e entusiasmo pelo
estudo da Natureza, quando foi proposta por Charles Darwin . O problema não era tanto a compatibilidade da evolução das espécies com a arca de Noé (o l itera
l ismo bíblico não era então uma corrente dominante),
mas a ausência de um propósito e de uma final idade na Natureza (onde, aparentemente, se tinha de incluir o homem) . Se as espécies dão origem umas às outras, como resultado da selecção de características que surgem por acaso em determinados indivíduos da popula
ção, sem um propósito ou desígnio superior, o mundo corria o risco de se transformar num caos amoral , sem respeito pela hierarquia social e pelo papel da Igreja . I ronicamente, Darwin chegou a estudar em Cambridge para se tornar membro da Igreja Anglicana . Sobre isso escreveu na sua autobiografia:
Tendo em conta a forma feroz como fui atacado pelos
ortodoxos, parece-me ridículo outrora ter querido ser
padre.
Ao longo da vida, Darwin foi tendo dúvidas religiosas, a ponto de a sua mulher, pessoa muito rel igiosa,
recear que estas impl icassem que não fossem para o
mesmo sítio depois da morte . Não terá ocorrido a Emma que bastaria cometer uns quantos pecados ( há uma l ista dos mais graves ! ) sem arrependimento para garantir um lugar ao lado do marido.
178 DARWI AOS TIROS
Darwin nunca se considerou ateu, tendo acabado
por se assumir agnóstico. Morreu, após uma velhice
adoentada, aos 73 anos e não se sabe para que lado do
outro mundo terá ido e se os receios de Emma se j us
tificaram. Mas, como castigo (há quem defenda que a
razão foi o seu estatuto}, foi sepultado na Abadia de
Westminster, no centro de Londres, sendo provavelmen
te vítima de bullying eterno por parte das a lmas devo
tas que por lá andam.
Prémio Nobel para os brócolos
Em 2009 o Prémio Nobel da Química foi atribuído a três cientistas pela descoberta de que uma estrutura
da célula chamada ribossoma é muito parecida com um molho de brócolos. Dito de um modo mais erudito, determinaram a estrutura em três dimensões do ribossoma, que é a fábrica de proteínas das células. Se as
proteínas fossem monovolumes, o ribossoma seria a Autoeuropa. Se fossem craques de futebol, seria a Academia de Alcochete. Se fossem 10 mil tampões, 46 cães de loiça montados num carrossel e um sapato de salto alto gigante feito de panelas, o ribossoma seria o atelier da artista Joana Vasconcelos.
As proteínas estão presentes em quase todas as funções da célula. Há proteínas que são usadas como tijo
los para construir partes das células, como é o caso da
«cauda » dos espermatozóides, que lhes confere mobil i
dade. Sem a « cauda » , os espermatozóides teriam de se teletransportar até ao óvulo (o que retirava muita da adrenalina) ou esperar que o óvulo os fosse buscar ( uma ideia que não se vê nenhum movimento feminista de-
H ISTÓ RIAS DE BIOLOGIA 179
Figura 17- Representação gráfica da estrutura em três di
mensões do ribossoma (coordenadas ljgo e lgiy do Protein
Data Bank) sobreposta a um molho de brócolos. A estrutura
do ribossoma apresentada inclui a subunidade maior e a
subunidade menor, ARN de transferência e ARN mensageiro
fender). As proteínas também podem servir de autocarro para as moléculas que andam de um lado para o
outro, como é o caso da hemoglobina que transporta oxigénio nas células do sangue. Podem funcionar a inda como catal isadores ( neste caso chamam-se enzimas) , possibi litando a ocorrência de reacções químicas no
ambiente moderado da célula, que de outro modo precisariam de condições muito vigorosas de pressão e temperatu ra para ocorrer em tempo út i l . Podemos
1 80 D A RWI AOS TIROS
especular que, sem a capacidade de catálise das enzi
mas, as células seriam provavelmente mais pareci
das com uma locomotiva a vapor do que com o Alfa
Pendular.
O ribossoma constrói as proteínas de acordo com as
i nstruções que estão guardadas no ADN (ácido desoxi
r ibonucleico) , o nosso material genético. Essa informa
ção é trazida pelo ARN mensageiro, uma espécie de
estafeta de correio expresso. O ARN (ácido ribonu
c leico) é a lgo parecido com o ADN. Nalguns vírus,
como o VIH, é mesmo o único material genético. E as
matérias-primas para fazer proteínas, que são os ami
noácidos, entram na fábrica numa espécie de camiões que são o ARN de transferência.
A determinação com grande pormenor da forma da fábrica de proteínas foi um misto de virtuosismo téc
n ico e de teimosia. O ribossoma é uma estrutura molecular muito grande. E, paradoxalmente, no caso das moléculas, quanto maiores elas são, mais difíceis se tornam de ver ! Isto porque não se podem visual izar directamente os átomos de uma molécula (o compri
mento de onda da radiação visível é muito maior do que as d istâncias entre os átomos: é como tentar encontrar uma bolacha às apalpadelas, com uma escavadora
gigante) . Por isso é necessário usar meios indirectos, como a
cristalografia de raios X, que requer a produção de um cristal ( nem sempre é fácil fazer cristais, porque as coisas têm tendência a existir de um modo desorganizado) e
fazer incidir um feixe de raios X (cujo comprimento de
onda é semelhante às distâncias entre os átomos). I sto tende a comp l icar-se à medida que as moléculas são maiores, pelo que a determinação da estrutura do ribos-
HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 8 1
soma, apesar de ser sem dúvida um objectivo importante, era desaconselhável como opção de carreira.
Alguns colegas disseram a uma das galardoadas, a
israel ita Ada Yonath ( n. 1939) que ela morreria antes
de conhecer a estrutura do ribossoma. As previsões não
se confirmaram e, segundo Yonath afi rmou no seu dis
curso do banquete do Nobel, a exposição pública do
Prémio Nobel estimulou o interesse científico e a imaginação de muitos jovens para a ciência, tendo-se come
çado a dizer em Israel que o cabelo encaracolado (como
o dela) significa uma cabeça cheia de ribossomas.
Geração nada espontânea e o herói dos pacotes de leite
No dia 7 de Abril de 1864 não era evidente para todos que a vida não podia surgir rotineiramente a partir de substâncias sem vida. A ideia da geração espontânea, na sua versão mais radical, implicava que, se deixássemos pedaços de queijo e pão embrulhados em
trapos num sítio escuro, seriam gerados ratos de modo espontâneo ao fim de alguns dias. É pena que esta teo
ria não esteja correcta, pois nesse caso poderíamos estender a sua apl icação e deixar carteiras, canetas e l ivros de cheques num cofre, à espera de que o dinheiro
simplesmente aparecesse. A ideia da geração espontânea remonta ao grego
Aristóteles (384 a.C .-322 a.C. ) , mas já tinha sido parcial
mente desmontada pelo biólogo italiano Francesco Redi (1626-1691), com a sua demonstração de que as larvas que aparecem na carne em putrefacção não surgem espontaneamente, mas são antes ovos de mosca. Redi
1 82 DARWIN AOS TIROS
provou que não surgiam larvas em frascos selados, o
que não convenceu os seus opositores, pois, fazendo fé
em Aristóteles, faltava a matéria-prima principal capaz
de gerar vida: o princípio vital, que existia no ar. O
padre italiano Lazzaro Spallanzani ( 1729-1799) , profes
sor na Universidade de Pavia, demonstrou ainda que a
vida não surge em caldos nutritivos se estes forem fervi
dos e colocados em recipientes fechados. Mas também
não convenceu n inguém, por causa da questão do ar.
De qualquer forma, no século XIX o problema estava circunscrito aos microrganismos. Já não havia muita
gente a acreditar seriamente que, se se deixasse um
osso e uma bolinha num jardim, seria gerado um cão a partir de matéria inorgânica.
A questão dos microrganismos não era apenas filosófica. Ela tinha uma grande importância na aplicação
b iotecnológica mais antiga de todas: a fermentação a lcoól ica. Sabia-se que, no processo de fermentação, estavam presentes leveduras, mas pensava-se que elas eram um produto da fermentação e não a sua causa.
O etanol do vinho ou da cerveja é, na real idade, um produto excretado pelas leveduras, que sobra do processo através do qual estas obtêm energia a partir dos açúcares das uvas. De uma certa forma, o que nós tanto apreciamos no vinho e na cerveja é um dejecto. Se
passeássemos leveduras num j ardim, haveria sacos de
plástico e recomendações do município para recolher o vinho ou a cerveja que as suas leveduras fizessem.
Mas nem sempre este processo maravilhosamente
escatológico corria bem, às vezes o vinho azedava e
não se percebia porquê. O que acontece é que há um tipo de leveduras que faz fermentação alcoólica e um outro que faz fermentação ácida.
HISTÓ RIAS D E BIOLOGIA 1 83
Para Louis Pasteur ( 1 822-1895), um professor fran
cês de Química com 42 anos e uma educação religiosa,
era evidente que a vida teria de ser criada por Deus e
não poderia surgir assim, sem mais nem menos, sem pedir l icença a ninguém. Pasteur pensava que a poeira
do ar, as nossas mãos e os objectos continham micró
bios. Cada levedura encontrada na fermentação das uvas provinha de outra levedura e não aparecia de modo
espontâneo. Pasteur precisava de demonstrar que não surgiria
vida num caldo nutritivo fervido (os microrganismos
existentes teriam sido mortos ) , em condições estéreis
(onde novos microrganismos não pudessem entrar) , mas aberto ao ar. Esta última condição era essencia l para derrotar os seus opositores, que i riam argumentar com a ausência de « princípio activo» sempre que fossem
usados frascos fechados. Pasteur tinha de inventar um sistema que permitisse a entrada do ar mas impedisse a dos microrganismos. Depois de vários anos de repetidas experiências, no dia 7 de Abril de 1864 estava por fim pronto para fazer uma demonstração científica, que se tornou histórica, na Universidade da Sorbonne, à qual assistiu boa parte da el ite intelectual de Paris.
Pasteur usou frascos com gargalo em colo de cisne, ou seja, com duas curvas ( figura 1 8) . De tal forma que o ar podia entrar, mas os microrganismos ficavam presos
no ponto mais baixo entre as curvas. Os frascos continham um caldo nutritivo fervido. Nalguns frascos, o gargalo foi partido, para que ficassem abertos ao ar. Noutros, o gargalo de pescoço de cisne foi mantido. Nos
primeiros, cresceram microrganismos provenientes do ar (o que se percebe a olho nu porque o caldo fica turvo), mas os segundos permaneceram estéreis. Alguns dos
184 D A RWIN AOS TIROS
Figura 18 - Frasco com gargalo em colo de
cisne, do tipo que foi usado por Pasteur na sua
famosa demonstração. Apesar de estar aberto
ao ar, o pó e os microrganismos ficam pre
sos na parte mais baixa da curva e o meio
de cultura permanece estéril por muitos anos
frascos usados nessa demonstração continuam estéreis até hoje, encontrando-se no M useu Pasteur, em Paris.
Ficou demonstrado que o ar era a origem dos microrganismos que cresciam no meio de cultura, mas que o ar só por si, como « princípio vital » , não era suficiente para que se gerasse vida. Esta demonstração é conside
rada o fim da teoria da geração espontânea, embora a lguns ainda se tenham mantido irredutíveis por mais
a lgumas décadas. Hoje em dia, há apenas quem pense que o cotão surge de geração espontânea no umbigo e entre os dedos dos pés.
Não deixa de ser i rónico q ue, durante o século xx,
muitos biólogos se tenham esforçado tanto para de-
HISTÓRIAS DE B IOLOGIA 1 85
monstrar que a vida na Terra surgiu originalmente a
partir de substâncias sem vida, que as primeiras células
se formaram nos mares primitivos a partir de com
postos inorgânicos simples. Mas essa é uma outra his
tória . . .
Graças também ao trabalho de outros cientistas, como
o médico alemão Robert Koch ( 1 843- 1 910), descobriu
-se que a transmissão de a lgumas doenças é feita por
«germes » , microrganismos invisíveis que existem no
ambiente. O primeiro caso reconhecido foi o do Bacillus anthracis, que provoca o carbúnculo e que, nos tempos
mais recentes, se tornou muito popular com a designa
ção anglo-saxónica «antrax ». O reconhecimento de que
certas doenças são causadas por microrganismos con
duziu ao desenvolvimento de muitas vacinas. Em 1885
Pasteur usou pela primeira vez «germes atenuados» da
raiva para vacinar uma criança que tinha sido mordida
por um cão doente. O tratamento funcionou e a doença
não se desenvolveu, tendo sido criado em 1888 o Insti
tuto Pasteur contra a raiva.
Joseph Meister, a primeira criança vacinada contra
a raiva, era, em 1940, o guardião da cripta de Pasteur
quando as tropas nazis entraram em Paris . Meister
suicidou-se nessa altura e há quem defenda que terá
preferido pôr termo à sua vida a dar acesso ao túmulo
de Pasteur aos soldados alemães.
Hoje podemos lembrar-nos de Pasteur todas as manhãs, sempre que nos deliciamos com um copo de leite
pasteurizado (processo que inactiva os microrganismos
por acção da temperatura ) ou pasteurizado UHT (pro
cesso mais rápido que os inactiva a temperaturas mais elevadas) .
1 86 D A RWIN AOS TIROS
A festa dos macacos e a base genética da alma
Até 1955, o homem tinha 24 pares de cromossomas.
Era a lgo evidente para todos e nada surpreendente, uma
vez que chimpanzés, gorilas e orangotangos ( nossos vizi
nhos na árvore da evolução) têm todos 24 pares de cro
mossomas. Se tivéssemos um número diferente dos nos
sos colegas hominídeos com extremidades pentadáctilas,
deveriam ser certamente 25 ou 26.
Os cromossomas são grandes novelos de ADN e de
proteínas ligadas ao ADN. Constituem o nosso mate
rial genético, a base das nossas características hereditá
rias. Em células compartimentadas, como as nossas,
estão no núcleo. Ao conj unto completo dos cromossomas de uma espécie, chama-se cariótipo.
O número 24 foi determinado pela primeira vez em
1922 por Theophilus Painter ( 1 8 89-1969), um zoólogo norte-americano da Universidade do Texas. Painter
cortou secções muito finas dos testículos de dois homens negros e de um homem branco, fixou-as com produtos químicos e observou-as ao microscópio. Os
homens eram doentes mentais que tinham sido castra
dos, por « auto-abuso excessivo e insanidade » . Painter contou 24 cromossomas desemparelhados no espermatócito humano (a célula-mãe dos espermatozóides,
ou neste caso a célula-pa i ) . Juntando outros 24 cromos
somas da mãe, um ser humano teria 48 cromossomas
e não ficava atrás de nenhum macaco.
Durante 30 anos, ninguém questionou este facto.
Sempre que a lguém encontrava um número diferente,
23 por exemplo, era porque tinha feito qualquer coisa de errado. Só em 1955 um cientista indonésio, Joe Hin Tj io ( 1 9 1 6-200 1 ) , e um outro sueco, Albert Levan
H ISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 87
+ + J f, )) 1.1 J l ) ) C.\. l i C C: , , 1 1 I I I I
Figura 1 9 - Desenho de câmara de luz (em cima) mostrando
os cromossomas de uma célula em metafase e respectiva
interpretação (em baixo ) . Imagens do artigo original de
T. Painter, « Studies in mammalian spermatogenesis, II. The
spermatogenesis of man>> , ]ournal of Experimental Zoology,
1 923, 37: 2 9 1 -338
( 1 905- 1 99 8 ) , esclareceram que o homem tem apenas
23 pares de cromossomas. Usaram técnicas melhores e
contaram claramente 23 pares. Não apenas nas suas próprias preparações de microscópio, mas também nas fotografias de l ivros antigos, acompanhadas de legendas que diziam que eram 24. Podemos imaginar a quantidade de estudantes que levaram raspanetes e atesta
dos de estupidez por verem apenas 23 cromossomas na fotografia do l ivro. Entre os chimpanzés, gori las e oran-
1 88 D A RWI AOS TIROS
gotangos, o ambiente que se viveu foi de festa: afinal,
eles tinham mais um par de cromossomas do que os
convencidos humanos. É uma tarefa delicada, determinar o número de cro
mossomas numa célula. Mesmo com uma técnica expe
rimental bastante optimizada, no fina l é uma espécie de
montagem de puzzle tentar encontrar todos os cromos
somas do núcleo de uma célula numa imagem ( hoje em
dia poderá ser feito num computador) , a l inhá-los e
perceber quantos são. O erro de Painter terá sido cau
sado pelo reduzido número de células em bom estado
nas suas preparações e pela fraca intensidade do corante
que usou para ver os cromossomas. Se acrescentarmos o facto de ele ter usado uma câmara de luz, ou seja, um dispositivo que sobrepõe opticamente a ponta de um lápis à imagem ampliada no microscópio, e que os cromossomas (que mais parecem uma orgia de minhocas) foram desenhados à mão (copiados por cima) , pode
mos considerar que a estimativa de Painter foi bastante aproximada.
Mas o que aconteceu ao par de cromossomas da vergonha hominídea ? Por que raio somos vítimas desta avareza cromossómica ? O cromossoma 2 dos humanos
(o nosso segundo maior) é, na verdade, a fusão de dois
cromossomas de tamanho médio nos macacos. Em 1996 o papa João Paulo II afirmou, numa men
sagem à Pontifícia Academia de Ciências, que há uma
<<descont inuidade ontológica » ( não confundir com
odontológica) entre os macacos antecessores e o ser
humano moderno, ou seja, um momento em que Deus
introduziu a alma humana num animal . Esta expl icação reconcil iou a Igre ja Católica com a evolução. Matt Ridley (n . 1958), jornal ista e autor de obras de divul-
H ISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 89
gação científica, propôs ironicamente que essa desconti
nuidade ontológica ocorreu quando os dois cromosso
mas se fundiram e que os genes da a lma estão a lgures
a meio do cromossoma 2.
« Obrigado, alforreca», diz o coelhinho fluorescente
Desde os anos 50 que é conhecida uma especte de
a lforreca (cujo nome científico é Aequorea victoria) que
emite luz verde. Isto acontece por causa de um fenómeno chamado b ioluminescência, uma característica
relativamente comum em espécies marinhas que vivem a grandes profundidades (onde ter uma l uz dá sempre j eito) .
Em 2008, o Prémio Nobel da Química foi atribuído aos cientistas que descobriram a proteína responsável pela luz verde da Aequorea victoria e o seu potencial como ferramenta de estudo bioquímico. Descobriu-se que a luz verde da Aequorea victoria vem de uma proteína fluorescente verde ( GFP, na gíria de laboratório,
de green fluorescent protein). Mas a GFP também não emite luz verde assim sem mais nem menos. Há uma outra proteína, a aequorina, que emite luz azul quando
é estimulada quimicamente (com iões cálcio). E é esse azul da aequorina que vai estimular a GFP, para emitir
verde. Para a lém da azul, a luz ultravioleta também resulta.
A GFP é uma coisa parreira. Podemos colar a GFP a qualquer outra proteína que nos interesse (e isso faz-se hoje em dia com técnicas triviais de biologia molecular) . Assim, vemos onde essa outra proteína está, simples-
1 90 DARWIN AOS TIROS
mente acendendo uma lâmpada u l travioleta. E i sto
funciona mesmo dentro das células: podemos seguir o
desenvolvimento de células nervosas ou o alastramento
de células cancerosas, por exemplo. A luz verde das
a lforrecas i lumina os caminhos das biociências!
Uma proteína é como uma serpentina construída com
peças de 20 t ipos (os aminoácidos). A fluorescência
verde é devida a uma sequência muito específica de três
aminoácidos ( serina-tirosina-glicina) dos 238 que cons
tituem a GFP.
É possível modi ficar as instruções (o ADN) para
fazer uma proteína um pouco diferente. Assim, foram
feitas várias modificações à GFP, ou seja trocados a lguns
dos aminoácidos por outros, de modo a obter a proteína fluorescente amarela, azul, azul-clara ou vermelha esta ú ltima foi das mais difíceis. Há mesmo proteínas
fluorescentes com cores de fazer água na boca: ameixa, cereja, morango, laranja e l imão. Um arco-íris de proteínas parecidas com a GFP: se todas estas cores fossem colocadas de volta nas a lforrecas, o mar pareceria uma auto-estrada em obras, à noite, com uma Operação
Stop a decorrer em s imultâneo.
As proteínas fluorescentes podem ser produzidas muito facilmente em bactérias, de modo que é possível usá-las como lápis de cor para fazer desenhos. Mas, para o artista norte-americano Eduardo Kac (n . 1962),
que se considera um «artista transgénico» ( não confun
dir com transgénero), isto não era suficiente. Kac encomendou a um laboratório francês um coe
lho geneticamente modificado com a proteína GFP. Ou
seja, um coelho que tinha uma proteína de a lforreca e emitia luz verde florescente quando exposto à luz azul ou ultravioleta. Um sucesso para sair à noite: nenhum
HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 191
porteiro barraria um cliente com um coelho verde fluo
rescente, mesmo que este usasse sandálias e meias bran
cas com desenhos de raquetes.
A ideia desagradou tanto a activistas dos di reitos
dos animais como a cientistas, que não viram com bons
olhos a util ização das poderosas ferramentas da biolo
gia molecular para fins artísticos. Quando as bactérias
foram usadas para os mesmos fins, n inguém se preocupou: evidentemente que elas recolhem muito menos sim
patias e não impressionam tanto debaixo da luz negra
das discotecas. É certo que há organismos geneticamente modi fica
dos fluorescentes, como ratos, que são usados para investigação, em neurologia por exemplo. Mas nunca saíram dos laboratórios. E foi isso que acabou por acontecer ao coelhinho verde fluorescente. Na sequência da polémica, o laboratório francês recuou e o fofinho florescente não foi entregue ao artista. Eduardo Kac içou uma bandeira com um coelho verde à porta de casa, para assinalar a ausência do coelho (a que chamou Alba), que deveria viver com a sua famíl ia . Alba nunca transpôs as portas do laboratório e nunca fez sucesso debaixo das luzes de uma discoteca.
Kac pretendia criar uma espécie de «extraterrestre
adorável » com que a sociedade tivesse de se confrontar. É de louvar o bom senso de não ter querido fazer um coala ou um panda-gigante verde fluorescente. Kac
justificou o projecto dizendo, numa entrevista ao jornal norte-americano The Boston Globe, que «estamos numa nova era e precisamos de um novo tipo de arte» e que
« não faz sentido p intar como fazíamos nas cavernas» . Em 2006, quando j á tinha surgido a informação não
oficia l da morte do coelhinho há algum tempo, Kac fez
1 92 DARWIN AOS TIROS
uma série de placas topomm1cas em aço com a desig
nação «Avenida Alba » . Em baixo poderia ler-se: « Ho
menagem da França ao coelho verde, em reconheci
mento da sua contribuição excepcional na defesa dos
direitos dos novos seres vivos . »
Hoje em dia, são vendidos peixes-zebra ( um orga
n ismo-modelo usado em investigação) fluorescentes
como animais de estimação. Algumas das cores comer
cializadas são « verde eléctrico » , « laranja pôr do Sol » ,
e « azul cósmico» . Kac estava talvez à frente do seu
tempo ou escolheu um animal demasiado fofo para ser
fluorescente. De qualquer forma, não é por nada disto
que a GFP é importante, por muito apelativa que possa ser a ideia de mergulhar, numa festa psicadélica, numa piscina de hotel a abarrotar de criaturas fluorescentes e multicolores.
Uma coisa é certa: se aplicada a humanos, a GFP diminuiria certamente o número de atropelamentos nas peregrinações a Fátima. Especialmente se os carros tivessem faróis u ltravioletas (o que seria óptimo, pois poderiam funcionar como salário e bronzear os condutores em contramão) . Em todo o caso, seria sempre uma boa medida de prevenção rodoviária. O que é que o leitor preferia: ser azul, ameixa, << laranja pôr do Sol » fluores
cente ou ser antes atropelado por um camião, de qualquer cor ?
Os homens são todos iguais
Os humanos e a maioria dos outros organismos com reprodução sexuada são diplóides, ou sej a recebem duas cópias de cada gene: uma da mãe e outra do pai. As
HISTÓ RIAS DE B IOLOGIA 1 93
duas cop1as contribuem para influenciar uma caracte
rística, como a cor do cabelo ou dos olhos. Pode acontecer que uma das cópias (dominante} cancele o efeito
da outra ( recessiva ). O modo como isto ocorre foi es
tudado pela primeira vez pelo monge austríaco Gregor
Mendel (1822-1884), que não só observou muito bem
o sexo das ervilhas como o promoveu activamente.
Cada novo ser humano herda 23 cromossomas da
mãe e 23 cromossomas do pai ( independentemente do
estrato socioeconómico). Vinte e dois dos pares são de
cromossomas idênticos, ou seja, têm o mesmo conjunto
de genes, embora possam vir em versões diferentes. No
par de cromossomas que falta, a coisa complica-se um
bocado. São os cromossomas sexuais, que determinam com uma precisão quase absoluta o sexo do indivíduo. Se há uma certeza que podemos ter na vida, é que todos herdámos um cromossoma X da nossa mãe. Se o leitor é um homem ( pelo menos do ponto de vista biológico),
calhou-lhe ainda nas partilhas genéticas um cromossoma
Y do seu pai. Ficou assim com uma variada combinação de cromossomas sexuais XY. Parabéns. Se por acaso é uma. leitora (o que é muito provável , dado que os Homo sapiens que têm o cérebro masculinizado por um cocktail de hormonas cheio de testosterona estão
provavelmente neste momento a jogar à bola, a pegar um toiro ou simplesmente a olhar para s i ) , herdou um
outro cromossoma X do seu pai. Tem uma estética
combinação de cromossomas sexuais XX. Parabéns.
Salta à vista que o cromossoma Y é uma preciosidade patriarcal que os homens só passam aos seus filhos varões. Quando os rapazes no ensino secundário depa
ram com esta circunstância pela primeira vez, podem perder-se em conjecturas acerca das maravilhas conti-
1 94 D A RWI AOS TIROS
das no cromossoma Y: por exemplo, aptidão para usar
um berbequim e capacidade de beber um l itro de cerveja em menos de um minuto (às vezes, em simultâneo ) .
Na realidade, o cromossoma Y tem muito poucos
genes. O daltonismo e a hemofi l ia são mais frequentes
nos homens porque estes genes estão no cromossoma X
( por isso, um pai daltónico nunca passa o gene defei
tuoso a um filho do sexo mascul ino) . Estes genes são recessivos, ou seja , nas mulheres que tenham um gene
« bom>> e um « mau>> , a doença não se manifesta . Os
homens, que só têm um cromossoma X (e um Y, para
estes fins, irrelevante) , têm mais h ipóteses de ter essas doenças. Os genes do cromossoma X nos homens são como um carro sem pneu sobresselente.
A maior parte do cromossoma Y é ADN não codi
ficante, ou seja, não contém genes. O que mais se destaca no cromossoma Y é um gene chamado SRY, responsável pela mascul in ização do corpo. Na espécie
humana, se nada acontecer, somos todos mulheres. O gene SRY é apenas um interruptor, mas ele acciona um conj unto de acontecimentos que fazem com que o embrião se torne masculino. Provoca o crescimento do
pénis e dos testículos e envia uma overdose de testoste
rona (entre outras coisas) para o cérebro.
Segundo uma expressão popular, especialmente entre as mul heres, « OS homens são todos iguais >> . Pelo menos no que diz respeito ao gene SRY, isso é inteiramente
verdade. Os genes podem ter pequenas variações de
indivíduo para indivíduo. E, em geral , têm. O aparecimento destas mutações é um mecanismo importante de evolução, pois pode conferir uma vantagem ao indivíduo que as possui. No entanto, o gene SRY, chave do processo de mascul inização, é de uma invariabil idade
HISTÓRIAS DE BIOLOGIA 1 95
quase absoluta, o que é muito invulgar. É exactamente
igual para todos os homens.
A razão para isto é uma espécie de guerra dos sexos
molecular entre o cromossoma X e o cromossoma Y. Temos tendência para pensar que existe uma comple
mentaridade perfeita entre o homem e a mulher, um
equilíbrio finamente desenhado pela Natureza (ou por Deus, conforme se queira) . Isso está muito longe de ser
verdade e temos enorme dificuldade em aceitar que não há um propósito ou um desígnio superior a guiar a
evolução.
O cromossoma X e o cromossoma Y estão basicamente em guerra pelo simples facto de poderem estar. Há duas vezes mais cromossomas X nas mulheres do que nos homens. Ou seja , tendem a acumular-se no cro
mossoma X genes que favorecem as mulheres, mesmo que sejam l igeiramente prejudicais aos homens. Uma mutação num gene do cromossoma X que dê uma vantagem às mulheres vai prevalecer ao longo das gerações, mesmo que seja prej udicial para os homens (e que os homens sejam « becos sem saída » do ponto de vista evolutivo para este novo cromossoma X) .
No cromossoma Y (que é um dissidente de um antigo cromossoma X) , as coisas são ainda mais simples. Como
o cromossoma Y passa a totalidade do seu tempo nos homens, pode acumular todo o género de genes favoráveis aos homens, mesmo que estes sejam bastantes prejudiciais às mulheres. No entanto, essa exclusividade também é uma vulnerabi l idade. No cromossoma X
podem evoluir genes que prejudiquem directamente o cromossoma Y, desde que isso constitua uma vantagem para as mulheres (onde o cromossoma X passa a maior parte do tempo) .
1 96 D A RWI AOS TIROS
Os cromossomas Y que prevaleceram ao longo da
evolução são, em grande medida, os que conseguiram
manter-se afastados de problemas. Por isso, a grande
parte dos genes foi sendo desligada ( pois seriam poten
ciais a lvos para ataques de genes em evolução no cro
mossoma X ) . E, debaixo do fogo cerrado do cromos
soma X, qualquer cromossoma Y com um gene SRY
que confira uma l igeira vantagem aos homens que o
possuam estará presente em todos os membros da espé
cie num número curto de gerações. E agora, caro/a leitor (a ) , pode ir para o seu j antar
romântico. Bom apetite !
A Fá b rica do Huma n o e
histórias de
Co rp o outr as medicina
A Fábrica do Corpo Humano
E TRE AS OBRAS QUE MARCARAM o INICIO da ciência mo
derna, pontifica um dos mais notáveis atlas de anatomia de sempre: De Humani Corporis Fabrica ( em português,
A Fábrica do Corpo Humano), da autoria do médico belga André Vesálio (1514-1564) , saído da oficina de
Johannes Oporinus, em Basileia, no ano de 1 543 ( figura
20) . Lembremos que, nesse mesmo ano, era publicada a obra maior de Nicolau Copérnico, que mudou a visão
da nossa posição no mundo. Quem visitar essa bela cidade suíça nas margens do
Reno, onde nessa época também foram impressas obras
do nosso Pedro Nunes, não pode deixar de ver o Museu de Anatomia, no quarteirão da velha universidade, onde se encontra o esqueleto de Jacob von Gebweiler, mais
1 98 DARWIN AOS TIROS
B A S I L E AE·
Figura 20 - Página de rosto do livro De Humani Corporis
Fabrica, de André Vesálio, publicado em Basileia em 1 543.
Uma das figuras será a do português Amato Lusitano
HISTÓRIAS D E M EDICINA 1 99
conhecido por «esqueleto de Basileia » . Von Gebweiler
foi um criminoso executado em 1 543 nessa c idade, por
tentativa de assassínio da sua mulher. Vesálio, que estava
lá para supervisionar a publ icação do seu l ivro, disse
cou o cadáver, numa demonstração pública, e ofereceu
o resultado à universidade local , que hoje se pode por
isso orgulhar de possuir o mais antigo preparado anatómico do mundo. Também na Universidade de Pádua,
onde Vesálio ensinava, alguns j uízes permitiam, em forte
contraste com proibições antigas, a dissecação de cadáveres de condenados. Consta até que um magistrado
amigo do médico mandava fazer as execuções nas datas
mais convenientes para as aulas de Medicina. Graças às experiências que real izou com as próprias mãos, Vesálio foi autor de grandes avanços na medicina, contrariando as teses tanto do antigo grego Galeno, que, conforme ficou então claro, se tinha l imitado a observar vísceras de animais, como do medieval árabe Avicena. Vesálio gostava de dissecar simultaneamente humanos e macacos, para que as diferenças entre os dois primatas ficassem claras.
Pouco depois da sua obra maior, saía um resumo para uso estudantil , contendo as principais estampas, desenhadas por um discípulo de Ticiano que, dado o
pormenor e a exactidão, estava, com certeza, presente
nos teatros anatómicos: a Epitome. Esta versão foi dedicada ao fi lho do imperador Carlos V, Fi l ipe II de Espa
nha (que se tornou, a partir de 1 5 80, Fil ipe I de Portugal ) , a quem Vesálio haveria de servir como médico. Segundo uma história, hoje considerada apócrifa, Fi
l ipe I I terá comutado uma sentença de morte determinada pela Inquisição ao seu médico por grave erro profissional ( teria começado a fazer a autópsia de um nobre
200 DARWI AOS TIROS
espanhol quando ele deu sinais de vida ! ) , mandando-o
em peregrinação à Terra Santa . Certo é que Vesálio morreu, aos 50 anos, num naufrágio nessa viagem, ape
sar de ter conseguido a lcançar a i lha de Chipre.
Na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra
existe um exemplar da primeira edição da Fábrica. No
quadro da campanha SOS Livro Antigo, essa obra foi
restaurada por especialistas da Bibl ioteca Nacional , um
trabalho apenas possível graças à generosidade da So
c iedade Portuguesa de Neurociências, que em boa hora decidiu recuperar e digitalizar o livro. Pode ser visto,
com todo o esplendor das suas i lustrações (excepto a
do frontispício, desaparecida não se sabe quando nem como), no sítio http://almamater.uc.pt .
Um judeu errante
O médico João Rodrigues de Castelo Branco ( 1 5 1 1 -- 1 568 ) , mais conhecido por Amato Lusitano, nasceu na
capital da Beira Baixa (daí o nome) e viveu 57 anos, uma duração de vida normal para a época, quando a medicina ainda era incipiente. O judeu português ensinou Medicina na Universidade de Ferrara, em Itália, onde encontrou pouso na sua fuga à Inquisição. Na fase final
da vida, depois de ter andado por várias outras cidades de Itália, fixou-se no Império Otomano, tendo morrido
de peste em Tessalónica ( hoje uma cidade grega ) . Foi
ele quem descobriu as válvulas venosas, quando obser
vava a veia ázigos. Contemporâneo do grande anatomista belga André
Vesálio, o autor de A Fábrica do Corpo Humano (Basileia, 1 543 ) , nascido escassos três anos depois dele, Amato
HISTÓRIAS DE MEDICI A 201
poderá mesmo ser uma das figuras na galeria dos notá
veis que aparece a abrir o famoso l ivro de Vesálio: será
a personagem que se debruça perto da mão esquerda
do esqueleto ( figura 20, atrás ) . Vesálio conhecia o tra
balho de Amato e citou-o, embora para o criticar. Por
seu lado, Amato referiu o belga em vários passos da
sua obra, também não o isentando de crítica . Não há
nenhum mal nisso: a crítica é um dos pilares da ciência
moderna, que então despontava . Para i lustrar essas
divergências, eis uma citação das Centúrias de Curas Medicinais de Amato ( livro póstumo, reunindo vários
outros publicados durante a sua vida, que foi reeditado
nos nossos dias pela Ordem dos Médicos), sobre a «raiz dos Chinas » , planta trazida como tantas outras do
Oriente pelos portugueses:
Sobre ela me agrada falar aqui, visto que até agora,
que eu saiba, pouco ou nada foi dito e tanto mais que
André Vesálio, há poucos dias, publicou um livrinho a que
pôs o título « Da raiz dos Chinas», no qual {poderia dizê
-lo sem hostilidade pessoal) nada se encontra, além do
título, que diga respeito à raiz dos Chinas [ ... ]. É Vesálio
um insigne anatómico, muito sabedor e bastante versado
na língua latina . . .
A cnt1ca vai, pois, a par do respeito e da estima.
Noutro lado, escreve Amato este bom pedaço de retó
nca científica :
É isto que nós e os médicos profissionais muitas vezes
percebemos. Eis porque Vesálio melhor teria feito neste
assunto se tivesse encolhido a sua língua virulenta em vez
de aplicá-la, imbuído de falsas razões de Averróis contra
Galeno.
202 DARWIN AOS TIROS
Dessa época é também o médico português Garcia
de Orta ( 1 500-1 568 ) , que, ao contrário do seu colega
matemático Pedro Nunes, não se mudou de Lisboa para
Coimbra, em 1 5 37, acompanhando a transferência da
universidade, uma vez que tinha embarcado para a Índia três anos antes. Pois o grande Garcia de Orta
também cita Vesálio a propósito da «raiz dos Chinas>>
nos seus Colóquios dos Simples e Outras Drogas da fndia ( Goa, 1 563 ) . A fama alcançada com este livro,
escrito em português e não em latim como era uso da
época, não impediu que a Inquisição desenterrasse os
ossos de Orta e os incinerasse em auto-de-fé. Com
Amato Lusitano e Garcia de Orta, os dois de ascendência j udaica e os dois formados em Salamanca ( aliás
como Pedro Nunes, que estudou medicina antes de enveredar pela matemática) , não há dúvida de que a medicina portuguesa conheceu um dos seus períodos
de maior brilho.
Sexo e violência em Egas Moniz
O médico António Egas Moniz ( 1 874- 1 955 ) nasceu
em Avanca, perto da ria de Aveiro, e fez os estudos secundários num colégio jesuíta de Castelo Branco e os
estudos superiores na Universidade de Coimbra, onde
em 1 900 ingressou como lente. Um ano após a implantação da República, com a fundação da Universidade
de Lisboa, transferiu-se para essa escola. Viveu então uma intensa actividade política (durante a qual travou
um duelo com José Norton de Matos, o líder mil itar com quem mais tarde haveria de se reconcil iar) . No
curto período sidonista, foi embaixador de Portugal em
HISTÓRIAS DE MEDICI A 203
Madrid e, no final da Primeira Guerra Mundial, chefe
da Comissão Portuguesa para os acordos de paz. Só
muito tarde se decidiu a empreender em exclusivo uma
carreira científica, desistindo por completo das suas
aspirações políticas. Os anos de fama e glória foram
passados na Faculdade de Medicina de Lisboa, onde
realizou os trabalhos de investigação que conduziram
aos seus dois feitos maiores: a invenção da angiografia
cerebral e da leucotomia pré-frontal .
A primeira técnica é uma aplicação dos raios X: o
jovem estudante do segundo ano de Medicina tinha
feito a sua descoberta pessoal dos raios X através de um
trabalho académico sol icitado pelo seu mestre de Física, Henrique Teixeira Bastos, quando esses raios ainda eram uma completa novidade, pois tinha decorrido apenas
um mês e pouco desde a sua descoberta pelo físico alemão Wilhelm Roentgen na Universidade de Würzburg, na Baviera. A segunda é uma técnica intrusiva para tratar alguns doentes mentais que lhe valeu o Prémio
Nobel da Medicina em 1 949 ( atribuído pela sua «descoberta do valor terapêutico da leucotomia em certas
psicoses » ) a meias com o médico suíço Walter Rudolf Hess (quem não gostava de Egas Moniz, e havia na nomenclatura do Estado Novo quem não gostasse, cha
mava-lhe «meio Prémio Nobel » ) .
O leitor da notável b iografia Egas Moniz ( Gra
diva, 201 0), da autoria do médico neurologista João
Lobo Antunes, fica a saber que os poetas Fernando
Pessoa e Mário de Sá-Carneiro foram doentes de Egas Moniz. Passou-se uma h istória p itoresca com o se
gundo: Mário de Sá-Carneiro ( 1 8 90-1 9 1 6) procurou, em 1916, Moniz por causa de sintomas de esquizofrenia. O médico respondeu-lhe que tinha lido, na revista
204 DARWIN AOS TIROS
literária Orfeu, um poema que expunha esses mesmos
sintomas:
[ . . . ] As mesas do Café endoideceram feitas Ar ...
Caiu-me agora um braço ... Olha lá vai ele a valsar,
Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei . . .
(Subo por mim acima como por uma escada de corda,
E a minha Ânsia é um trapézio escangalhado ... )
Perante a extraordinária cultura evidenciada pelo clínico, Sá-Carneiro viu-se obrigado a esclarecer:
Mas, esse poema, fui eu que o escrevi!
Sá-Carneiro haveria de se suicidar em Paris no mesmo ano, não curado dos seus problemas psíquicos.
A referida biografia contém, como assinala com iro
nia João Lobo Antunes, sexo e violência: sexo, porque
A Vida Sexual foi o título da tese de doutoramento do
b iografado, defendida na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra em 1 9 1 1 , publicada pela primeira
vez na mesma cidade em 1 9 1 3, e que, em sucessivas edições, haveria de tornar-se um best-seller; e violência, porque Moniz foi atingido a tiro à queima-roupa, já em idade madura, por um seu paciente meio louco.
Se a primeira das descobertas de Moniz, revolucio
nária na época, resistiu à erosão do tempo e chegou até
nós, a segunda tem sido alvo de numerosas críticas.
A técnica, muito intrusiva para não dizer mesmo violenta,
nem sempre tinha os resultados esperados. Em Portu
gal, se o escritor Raúl Proença, sujeito a ela, experi
mentou algumas melhoras, já o mesmo não aconteceu com a mulher de Marcel lo Caetano, o último presidente do Conselho do Estado Novo. O biógrafo responde aos
HISTÓRIAS DE MEDICI A 205
críticos da leucotomia: para ele, o único Nobel em ciên
cias atribuído a um português foi merecidíssimo. Refere
mesmo o renascimento actual da psicocirurgia, como
que dando postumamente razão a Moniz. Mas a dis
cussão parece não estar terminada . . .
Revolucionários muito conservadores
Quem, na auto-estrada A 1 , sair em Estarreja, estará
muito perto da Casa-Museu Egas Moniz, em Avanca, o
elegante palacete onde o nosso até à data único Prémio
Nobel numa área de ciências passou, primeiro, a sua
infância e, mais tarde, as suas férias de Verão. A Câmara Municipal de Estarreja tem cuidado tanto do edifício como do seu recheio, onde, a lém de instrumentos e
imagens científicas, chamam a atenção as numerosas peças de arte que o sábio reuniu, e que vão desde por
celana de Sevres e da Companhia das Índias a quadros dos pintores José Malhoa ( 1 855-1933) e António da
Silva Porto ( 1 850-1 893 ) . Nascido em 1 874, o médico António Egas Moniz
era, do ponto de vista artístico, um homem do século
XIX, um conservador cuja maior parte da vida decorreu num século em que tanto a ciência como a arte eram
abaladas por novas correntes. Nos píncaros dos seus
pintores preferidos encontrava-se José Malhoa (no ano
em que morreu, Egas Moniz publicou o ensaio A folia e a dor em José Malhoa) , e no cume das suas preferências l iterárias encontrava-se Júlio Dinis (escreveu o l ivro
de referência sobre a obra do escritor portuense Júlio Dinis e a Sua Obra) . Nem a pintura nem a l iteratura do século xx conseguiam recolher os seus favores.
206 DARWIN AOS TIROS
Moniz, nesse seu aspecto conservador, não está, entre
os prémios Nobel da ciência, sozinho. Um outro Nobel
da ciência com gostos pouco ou nada modernos foi
Albert Einstein, que nasceu cinco anos depois de Moniz
e morreu precisamente no mesmo ano, em 1 955. As
suas carreiras são paralelas, uma vez que o físico suíço
-americano, nascido em Ulm, na Alemanha, acabou o
curso em 1 900, apenas um ano depois do médico por
tuguês (o curso de Medicina demorava oito anos, pois
havia que fazer três anos de estudos preparatórios em
ciências ) . Einstein completou o doutoramento em 1 905,
cinco anos depois de Moniz defender a sua tese A Vida Sexual na Universidade de Coimbra (o Estado Novo
haveria de proibir a sua venda, autorizada apenas com
receita médica) . Em 1 9 1 1 , Einstein chegou à cátedra
na Universidade de Praga e o mesmo aconteceu com
Moniz, na recém-fundada Universidade de Lisboa. Uma diferença entre os dois curricula reside, porém, na
precocidade dos trabalhos de investigação do físico,
que atingiu pontos altos em 1 905 e 1 9 16, ao passo
que o médico só enveredou pela investigação depois
de ter desistido de uma prolongada carreira política,
tendo atingido os seus pontos altos em 1 927 (angio
grafia cerebra l ) e 1 935 ( leucotomia pré-frontal ) . Não
admira, por isso, que o Nobel de Einstein, apesar de
tardio relativamente ao feito que o justificou ( interpre
tação do efeito fotoeléctrico, proposta em 1 905, mas só
recompensada pela Academia Sueca com o prémio de
1 92 1 ) , tenha sido atribuído muito antes do de Moniz
( atribuído em 1 949) . Einstein, que preferia a música a todas as outras artes, era, nas suas preferências musi
cais, extremamente conservador, não indo o seu gosto
HISTÓRIAS DE MEDICINA 207
muito além de Bach e Mozart. Quando muito, Schu
bert. A música moderna passava-lhe completamente ao
lado.
Moniz e Einstein não são os únicos revolucionários
científicos que ignoraram as revoluções artísticas do seu
tempo. Basta visitar a Casa-Museu de Sigmund Freud
( 1 856-1 939), em Viena, e ver as obras de arte pendura
das nas paredes e colocadas sobre os móveis, para veri
ficar que o criador da psicanálise, cuj as ideias Moniz
introduziu em Portugal e de quem Einstein foi amigo,
era bastante antiquado em matérias artísticas . . .
O lugar da longa vida
A população de Limone sul Garda, um belíssimo povoado à beira do lago de Garda, o maior dos lagos
no Norte de Itália, tem sido investigada do ponto ge
nético pelo estranho facto de viver bastante mais tempo
do que a média das populações europeias. Qual é o
segredo da longa vida?
Não se trata de nenhum elixir que os l imoneses
tomem. A responsável é uma proteína, a apolipoproteína
ApoA- 1 Milano, que resultou de uma mutação genética
ocorrida no ano de 1 780. Essa proteína é uma variante
do HDL, que se liga ao «bom colesterol», relacionado
com a protecção cardiovascular. As doenças cardiovas
culares, que são responsáveis por numerosas mortes
prematuras na Europa, são raras entre os habitantes de
Limone.
Mas como é que se datou a mutação? Acontece que
Limone (o nome vem das suas plantações de l imoeiros,
208 DARWIN AOS TIROS
as mais setentrionais da Europa, que encantaram o poeta
alemão Johann Wolfgang von Goethe em 1 786, quando
empreendeu a sua famosa viagem a Itál ia) fica encravada
entre uma agreste montanha e o calmo lago, numa
paisagem que só a meio do século passado ficou aces
sível com a construção de uma estrada que, por ser
penteantes túneis, fura a montanha. Portanto, os seus
habitantes, que chegaram ou calcorreando íngremes
trilhos pedonais ou, mais provavelmente, navegando de
barco, viram-se obrigados a viver isolados, ou quase,
casando entre si. São todos mais ou menos primos uns
dos outros. Esse lugar é, portanto, o paraíso dos cien
tistas genéticos, que conseguem, através de anál ises dos
genes e dos registos paroquiais, estudar todos os cruza
mentos e local izar, como foi o caso, mutações. Aconte
ceu que um filho dos camponeses Cristoforo Pomaroli
e Rosa Giovanelli nasceu com o gene favorável, que se
espalhou por toda a aldeia.
Hoje em dia, Limone ( que fica, pela dita estrada,
relativamente perto de Saló, outro lugar idílico, mais
conhecido por ter sido a sede da república fascista no
fina l da Segunda Guerra Mundial e por ter dado o
nome a um filme de Pier Paolo Pasol ini ) já não é uma
aldeia isolada, mas sim uma movimentada vila turís
tica . Trata-se de um paraíso não apenas para os geneti
cistas, mas também e sobretudo para os veraneantes,
italianos, a lemães e outros, que buscam o clima e a
tranquilidade que só aquela a lta montanha e aquele
grande lago podem oferecer. Os vis itantes podem ter a
tentação de ficar. Mas a longevidade será só para os seus descendentes, se eles se cruzarem com alguém da
terra que tenha os genes adequados . . .
HISTÓRIAS DE MEDICINA 209
A matança dos porcos
A matança do porco é, em muitas a ldeias portugue
sas, uma festa popular. Real iza-se tradicionalmente nos
meses mais frios do ano ( «No dia de Santo André, pega
o porco pelo pé» ) , uma vez que, nessa época, a conser
vação das vitualhas é mais fácil. E quase tudo se apro
veita, sej a para a salgadeira sej a para o fumeiro. Pode
o porco estar associado ao sujo (entre nós ainda há
quem diga «com l icença » quando a palavra « porco» é
proferida ) , que não deixa, seja em costeleta ou em fari
nheira, de ser uma iguaria muito apreciada.
No entanto, essa festa de tão grande tradição em
terras cristãs é simplesmente inimaginável em Israel e nos países árabes, que nisso não se distinguem. A ori
gem da interdição da carne suína parece residir no ter
ceiro l ivro da Bíblia, o Levítico, supostamente escrito
por Moisés:
Também o porco, porque tem unhas fendidas, e a fenda
das unhas se divide em duas, mas não remói, vos será
imundo.
Passagens semelhantes encontram-se no Alcorão,
sendo a regra obedecida de modo tão estrito que, em
países islâmicos, como o Irão ou o Qatar, o comércio
de carne de porco é severamente restringido.
Com a erupção no ano de 20 1 0 da gripe A HlNl,
que começou impropriamente por ser designada « gripe
suína » , o consumo da carne de porco diminuiu muito
nos países onde era comum. Foi um comportamento irracional pois, tal como a Organização Mundial de Saúde e a Organização das Nações Unidas para a Ali-
210 DARWIN AOS TIROS
mentação e a Agricultura esclareceram, a ingestão de
carne de porco devidamente cozinhada não acarreta
quaisquer perigos para a saúde humana (os eventuais
vírus são destruídos a temperaturas superiores a 70
graus Celsius) . As mesmas organizações internacionais
não se esqueceram de acrescentar que comer carne de
animais doentes ou de animais encontrados mortos
representa um risco para a saúde. Mas esta medida de
elementar precaução é válida obviamente para qual
quer tipo de carne, e não apenas para o porco, e para
todas as ocasiões, e não apenas durante uma epidemia
de gripe.
No Egipto, porém, o consumo de carne de porco
diminuiu para quase zero, não por escolha das popula
ções, que são maioritariamente árabes, mas por determinação do governo. Este mandou exterminar a total idade dos porcos do país, em número estimado de cerca de 350 mi l . Que haja comportamentos irracionais dos indi
víduos é um facto bem conhecido e ao qual já nos habi
tuámos ( Einstein disse que só há duas coisas infinitas, o Universo e a estupidez humana, embora quanto à pri
meira não tivesse a certeza), mas que a irracionalidade ganhe foros de decisão governamental e cause prej uízos
graves aos cidadãos é a lgo a que não nos podemos habituar. No Egipto não tinha havido um único caso de
infecção pela nova gripe. A decretada matança dos por
cos pareceu ser um acto de discriminação da minoria
dos cristãos captas, os descendentes dos egípcios do
tempo dos faraós, que perfazem dez por cento da população. Como os captas, além de comerem com fre
quência carne de porco, eram os proprietários das explorações suínas, a medida podia visar, em última análise,
a sua aniquilação económica, somando-se a toda uma
HISTÓRIAS DE MEDICINA 211
série de perseguições iníquas de que têm sido vítimas.
Os agentes do Ministério da Saúde que tentaram iniciar
a grande matança foram recebidos à pedrada nos subúr
bios pobres do Cairo, tendo os confrontos degenerado em batalhas campais com a polícia. A guerra foi exacerbada pela afirmação extraordinária do ministro da
Saúde de que não haveria lugar a indemnizações, pois
a carne poderia ser consumida pelos próprios . . . A actriz
francesa Brigitte Bardot, conhecida pela sua defesa dos
direitos dos animais, escreveu ao presidente Hosni
Mubarak (entretanto deposto por um movimento popu
lar ) a interceder pelos pobres animais e não esteve
sozinha: não se tratava só de defender os porcos, mas também e principalmente de defender os humanos.
Ocasiões de iminência de uma pandemia são propícias à disseminação, além do vírus, já de si perigosa,
do medo irracional do vírus, que lhe amplia o perigo. O medo pode gerar monstros, pode acordar os mons
tros que, em nós, estão adormecidos. Fel izmente que a epidemia da gripe dita suína não atingiu a ampl itude
que se receava ... Mas não estamos imunes a que apa
reça um novo surto da mesma ou de uma nova gripe e
os monstros voltem a acordar . . .
Bactérias assassmas
O filósofo espanhol José Ortega y Gasset ( 1 8 8 3 -- 1 955 ) disse um dia « eu sou e u e a minha circunstân
cia » , querendo com isso significar que o ser humano
era inseparável da cultura em que está envolvido. Um biólogo bem pode dizer que o homem é ele e a sua cultura de bactérias. De facto, qualquer um de nós é o
212 DARWI AOS TIROS
hospedeiro de bi l iões de microrganismos, a maior parte
dos quais são bactérias. Por cada célula nossa, possu
ímos cerca de dez células pertencentes a vários « bichi
nhos » . Como são células mais pequenas e mais leves do
que as nossas, todas elas j untas não pesam mais do que
um quilo e meio.
Sem essas bactérias, não poderíamos viver. Por exem
plo, a Escherischia coli ( abreviadamente E. coli) que
habita os nossos intestinos produz enzimas que ajudam
a transformar h idratos de carbono em energia. Sem ela
não poderíamos viver. Mas, em raras ocasiões, a lgo
corre mal . . . D ão-se mutações que criam variantes para
as quais o nosso corpo não está preparado. Um caso
famoso, que ocorreu em 1 992 nos Estados Unidos, teve como protagonista as E. coli 0 1 57:H7, causadoras da morte de quatro crianças que tinham comido num res
taurante Jack in the Box, uma popular cadeia de fast food do tipo McDonald's. Tinha havido contaminação no processamento: as bactérias entraram na carne (em parte de origem australiana) e os hambúrgueres não
foram cozinhados a temperaturas suficientemente altas para as destruir todas.
Por causa das E. coli, podemos, como se vê, morrer. Em 201 1 voltaram as notícias sobre bactérias assassi
nas. Em Maio irrompeu no Norte da Alemanha uma
doença grave, caracterizada por diarreia sangrenta e
por insuficiência renal, que conheceu depois uma répli
ca em França, na região de Bordéus. Foram infectadas
mais de 4000 pessoas, tendo morrido cerca de meia
centena. O surto entrou, felizmente, em recessão até ser
dado como extinto escassos meses depois. Os culpados? De novo houve um « ataque» das E. coli, sendo a nova estirpe responsável denominada 0104:H4. De
HISTÓRIAS DE MEDICI A 213
onde vieram, desta vez, as assassinas profissionais? Os
primeiros acusados -os pepinos espanhóis- estavam
afinal inocentes. O falso alarme causou prejuízos incal
culáveis aos agricultores do Sul da Europa, entre os
quais muitos portugueses, a quem a União Europeia
teve de indemnizar. A seguir, as culpas foram atribuídas
pelos « detectives al imentares» a rebentos de soja prove
nientes de uma quinta biológica na Alemanha. E, final
mente, segundo a Agência Europeia para a Segurança
Alimentar, parece que a raiz comum aos casos ale
mães e franceses se encontrou em sementes, importa
das do Egipto, de feno-grego ou alforva, uma p lanta
cuj os rebentos podem ser usados em saladas. Tal como
no caso dos hambúrgueres norte-americanos, ocorreu uma contaminação. O que fazer neste mundo global, onde os a l imentos circulam com grande facilidade de um lado para outro e são por vezes manipulados sem as devidas cautelas ? Enquanto a investigação sobre
este assunto prossegue, o melhor é evitar esse tipo de
rebentos. Ou comê-los bem cozinhados. O melhor é matar as bactérias assassinas antes que elas nos matem a nós.
A imortal H enrietta
O livro A Vida Imortal de Henrietta Lacks ( Casa
das Letras, 20 1 1 ), da autoria da jornalista de ciência
Rebecca Skloot, foi um dos maiores êxitos de 20 1 0 nos Estados Unidos, ao ocupar semanas a fio a lista de best-sellers do jornal New York Times, receber vários prémios e ser logo traduzido para várias línguas. Vai até chegar aos ecrãs, pois Oprah Winfrey, a famosa
214 DARWI AOS TIROS
vedeta de televisão americana, comprou os direitos de
adaptação ao cinema.
Alguns consideram a ciência fria e impessoal, mas
este é, em contraste com essa ideia feita, um livro de
ciência cheio de calor humano. A história pode resu
mir-se em poucas linhas: Henrietta Lacks ( 1 920-1 95 1 )
foi uma mulher negra, mãe de cinco filhos ( o primeiro
dado à luz aos 1 4 anos ), descendente de escravos e
portanto bastante pobre, que trabalhava nas p lanta
ções de tabaco no estado da Virgínia, a quem, aos 30
anos, foi diagnosticado, no Hospital de John Hopkins,
em Baltimore ( na « ala de cor» , pois o racismo impe
rava na época ), um cancro do colo do útero. «Tenho um nó dentro de mim>> , tinha sido o autodiagnóstico. O tumor teve um crescimento anormalmente rápido
e necessariamente fatal, apesar dos tratamentos com
radiação já então disponíveis. Henrietta faleceu a 4 de Outubro de 1951. Mas, hoje, muitas das suas células continuam vivas em laboratórios de todo o mundo.
Com efeito, uma biópsia permitiu retirar um conjunto
de células que, ao contrário de outras amostras expe
rimentadas antes, proliferaram num meio de cultura apropriado. Essa estirpe celular, que ficou conhecida
por HeLa, do nome da doente, desencadeou um sem
-número de experiências e descobertas científicas, por exemplo o desenvolvimento da vacina contra a polio
m iel ite. E os produtos dessas descobertas foram comercial izados a bom dinheiro, pois permitiam salvar vidas.
Por conseguinte, o tumor de Henrietta foi uma maldi
ção para ela mas uma bênção para a ciência.
Acontece, porém, que a extracção das suas células não foi autorizada e que nem ela nem a sua família foram recompensadas em nenhum dos fabulosos con-
HISTÓRIAS DE MEDICI A 215
tratos real izados à custa do seu materia l biológico.
Uma das fi lhas, que, conduzida pela autora do l ivro,
visitou frigoríficos de um hospital onde se conservam
células HeLa, lamentou não ter um seguro de saúde
que lhe permitisse pagar medicamentos de que necessi
tava, feitos com a ajuda dos tecidos da mãe. O pro
blema ainda é actual : independentemente das ques
tões raciais, bem retratadas no l ivro, uma parte de
qualquer um de nós pode ser usada, sem autorização
nem compensação, para benefício não só da ciência, o
que seria o menos, mas também de alguma indústria
multimilionária que nela assenta . Os problemas éticos,
que se avolumaram na década em que Henrietta morreu, continuam tão vivos como as células que ela nos
deixou.
Presos nas entranhas da Terra
Todo o mundo acompanhou com emoção as opera
ções de salvamento dos 33 mineiros que ficaram presos na mina chilena de cobre e ouro de San Jose, no deserto de Atacama, a 700 metros de profundidade. No dia 5
de Agosto de 20 1 0, deu-se um desabamento que isolou
uma equipa de trabalhadores na mina, tendo passado
cerca de duas semanas até serem recebidos sinais de que eles estavam vivos. Uma mensagem emergiu, rascu
nhada num papel por um dos desaparecidos, depois de
passar por um furo construído para os procurar. E, por
esse e por mais dois furos, puderam entrar na mina ar, energia, alimentos e a lguns meios de socorro. Também entrou e saiu informação, tanto em forma escrita como
audiovisual . A tecnologia de fibras ópticas permitiu que
216 DARWI AOS TIROS
os mineiros vissem, em directo, um jogo de futebol do
Chile contra a Ucrânia que teve lugar em Kiev.
Para salvar os trabalhadores, não se delineou um mas
sim três planos. O plano B, apesar de ser o segundo em
nome, foi o que mais se adiantou. A ponta da perfuradora
Schramm T-130 SX chegou no dia 1 8 de Setembro a uma
galeria acessível aos mineiros, a cerca de 630 metros de
profundidade, tendo sido necessárias seis semanas para
alargar o diâmetro do furo de tal modo que eles pudessem
ser retirados, um a um, dentro de uma estreita cápsula,
do terrível local onde se encontravam. A máquina do
plano A revelou-se muito lenta e a gigantesca máquina
petrolífera do plano C, que era a mais rápida de todas, acabou por não ser necessária, por todos os mineiros
terem entretanto sido resgatados sãos e salvos. De entre as numerosas mensagens de solidariedade e
encorajamento que chegaram ao fundo da mina, uma das mais curiosas veio de uma equipa de seis astronau
tas russos, europeus e chineses que estavam a simular uma viagem a Marte dentro de uma nave fechada num
laboratório em Moscovo:
Permaneçam ocupados, cuidem da vossa saúde e man
tenham a rotina dia-noite.
Nessa experiência, planeada para 520 dias, o isola
mento não é total , pois os tripulantes comunicam com
o exterior embora com o atraso que haveria numa via
gem real ao P laneta Vermelho. Ensaios de confinamento
deste tipo interessam não só à Agência Espacial Europeia, a ESA, que nela participa, mas também à NASA, com vista a melhor preparar missões espaciais de longa
duração.
HISTÓRIAS DE MEDICINA 217
Como pode haver sucessão dos dias e das noites fora
da superfície da Terra ? Dentro da mina ou da nave,
essa sucessão é proporcionada por luz artificia l . Mas o
que se passa sem luz nem relógios? Experiências reali
zadas por espeleólogos no interior de grutas profundas,
à margem do tempo, mostraram que o nosso corpo tem
um ritmo próprio, bem diferente do que é imposto pelo
movimento de rotação da Terra, o ritmo circadiano: o
corpo prefere dias de cerca de 48 horas (cerca de 36
horas de vigília e 12 de sono) em vez de dias de 24 horas.
Essa foi a conclusão, por exemplo, de Michel Siffre,
que em 1962 esteve voluntariamente isolado durante
dois meses numa gruta francesa e, passados dez anos,
esteve seis meses numa gruta norte-americana, sem
relógios e sem nunca lhe ser dada do exterior qualquer
indicação da passagem das horas. No interior da mina
chilena, o ritmo de vida era idêntico ao de cá de cima,
imposto pelo exterior e pelos próprios, até porque havia
a esperança de os mineiros voltarem a ver a luz do Sol.
Isso veio, de facto, a acontecer, para grande júbilo de
todos, no dia 1 3 de Outubro de 2010.
O ADN de Bin Laden
No dia 1 de Maio de 201 1 , o presidente dos Estados
Unidos, Barack Obama, anunciou ao seu país e ao mundo
a morte do terrorista mais procurado do planeta, Osama
Bin Laden ( 1 957-20 1 1 ), depois de concluída uma opera
ção especial, a cargo dos bem preparados fuzileiros do SEALS, no Paquistão a lgumas horas antes. O corpo foi
rapidamente sepultado no mar, em sítio não anunciado,
218 DARWIN AOS TIROS
ao mesmo tempo que decorria a confirmação científica
da sua identidade.
A pergunta é natural : Haverá a certeza de que se
tratava mesmo do famoso líder da Al-Qaeda? Para escla
recer essa questão, usou-se um método de anál ise do
ADN- já comummente empregue em casos de inves
tigação forense ou em processos de identificação de
paternidade, ou ainda em testes de doenças genéticas -
que dá pelo nome abreviado de PCR. ADN é a abrevia
tura de ácido desoxirribonucleico, a substância que cons
titui o material genético de todos os seres vivos (excep
tuam-se alguns vírus, mas sobre esses há um debate
acerca de serem vivos ou não ) . Por sua vez, PCR quer dizer « reacção em cadeia de polimerase» (em inglês,
polymerase chain reaction) . Esta técnica (que funciona
como uma espécie de «máquina de fotocópias» de ADN), foi desenvolvida em 1983 pelo químico norteamericano Kary Mull is (n. 1944 ) e valeu-lhe o Prémio
Nobel da Química dez anos mais tarde, a lém de formidáveis lucros com a patente (o Nobel foi a meias com o seu colega Michael Smith, autor de outros trabalhos sobre a química do ADN) .
O ADN, que se encontra no núcleo de cada uma das
células dos seres humanos, como de resto de todos os
seres vivos, permite distinguir cada indivíduo muito melhor do que uma impressão digital. Uma das grandes proezas da ciência deste século foi a descrição completa
do genoma humano realizada em 2003 . De facto, para
identificar um dado suj eito, não é preciso efectuar uma
sequenciação completa, bastando uma análise por PCR de alguns sectores do ADN. O processo laboratorial demora cerca de quatro horas. Começa-se por recolher uma pequena amostra de material b iológico (umas gotas
HI TÓRIAS DE MEDICI A 219
de saliva ou de sangue, por exemplo ) . Depois, real iza
-se a amplificação do ADN por um processo químico,
mediado pela enzima polimerase, que exige ciclos de
aquecimento e arrefecimento ( este é o processo desig
nado por PCR, a parte mais demorada de toda a ope
ração). Finalmente, vem a análise propriamente dita da
informação, que hoje em dia é efectuada com o auxílio
de computadores. O resultado depende obviamente da
comparação com o ADN do próprio, recolhido antes,
ou de parentes próximos. As autoridades norte-ameri
canas dispunham de amostras de ADN de familiares de
Bin Laden, incluindo provavelmente uma meia-irmã
falecida havia pouco tempo em Boston. Já surgiram teorias de conspiração desmentindo que
se tratasse de Bin Laden e tudo indica que elas irão pro
l iferar. Haverá mesmo a certeza de que se tratava do terrorista que ordenou a destruição das Torres Gémeas? Será a técnica absolutamente certa ? A probabil idade de
identificação de um indivíduo usando a PCR é superior
a 99,9 por cento. Não é a certeza absoluta, mas é a certeza para todos os efeitos práticos.
O culto da carga e outras histórias de pseudociência
O culto da carga
o FÍS! O NORTE-AMERJCA O RICHARD FEYNMAN, num discurso de início do ano académico no California Ins
titute of Technology ( Caltech) , em 1 974, usou a expressão cargo cult ( traduzido à letra o «culto da carga » )
para designar os rituais que alguns povos primitivos de i lhas do Pacífico começaram a praticar, durante a
Segunda Guerra Mundial. Eles imitavam, ainda que tos
camente, os procedimentos dos militares americanos
quando instalavam pistas para aterragem de aviões de carga. Os indígenas chegaram não só a arranjar pistas rudimentares a ver se recebiam igualmente a «carga »,
mas também a
fazer uma cabana de madeira para um homem se sentar
lá dentro, com dois bocados de madeira na cabeça a imitar auscultadores e dois paus de bambu a imitar ante
nas- o controlador.
222 DARWI AOS TIROS
Este relato está contido no l ivro «Está a Brincar, Sr. Feynman!» ( Gradiva, 1988 ) , um dos primeiros volu
mes da colecção Ciência Aberta e que vale sempre a
pena reler. Feynman, que entre muitas outras coisas
ficou famoso por tocar bongo ( figura 2 1) , sugere uma
analogia para a pseudociência:
Segue todos os preceitos e formas aparentes da inves
tigação científica, mas falta-lhe qualquer coisa essencial
porque os aviões não aterram.
De facto, os exemplos que podem ser dados de ciên
cia do «culto da carga » são numerosos. Os praticantes
Figura 21- Richard Feynman a tocar bongo (foto de Tom Harvey)
HISTÓRIAS DE PSEUDOCI�NCIA 223
das várias formas de pseudociência, umas mais grosseiras e outras mais refinadas, proliferam no mundo de
hoje. Porém, ao contrário do que a caricatura indicada
por Feynman dá a entender, nem sempre é fácil fazer a
distinção entre ciência e pseudociência, entre ciência
verdadeira e ciência da treta . É decerto mais fácil nas
chamadas ciências exactas como a física e a química,
em que a eventual fraude acaba relativamente cedo por
ser detectada e acarretar a morte científica do respec
tivo autor, mas é mais difícil em ciências humanas,
como a psicologia e as ciências da educação, em que
não raro acontece a morte física do autor preceder a
respectiva morte científica . . . As chamadas ciências natu
rais, em particular as ciências biomédicas, em que hoje trabalha uma enorme comunidade de investigadores,
constituem um vasto terreno intermédio. O famoso caso da fusão fria, ocorrido em 1 989 quando
os químicos inglês Martin Fleischmann (n . 1 927) e norte-americano Stanley Pons (n . 1 943) anunciaram que tinham conseguido produzir fusão nuclear numa simples experiência de electrólise de água pesada com um eléctrodo de palád io, é paradigmático do destino impiedoso que têm, em ciências físico-químicas, as ideias que não são comprovadas por outros de uma forma clara, sistemática e, por isso, conclusiva. Fleischmann e Pons estão hoje definitivamente desaparecidos da cena científica. Na ciência, um só passo em falso pode ser a morte do artista. Feynman bem tinha avisado:
Aprendemos com a experiência que a verdade acabará
por aparecer. Outros experimentadores repetirão a nossa
experiência para descobrir se estávamos certos ou errados.
Os fenómenos naturais irão estar de acordo ou em desa
cordo com a nossa teoria. E, embora possamos ganhar
224 DARWIN AOS TIROS
alguma fama e excitação temporárias, não adquiriremos
uma boa reputação como cientistas se não tentarmos ser
muito cuidadosos.
A ciência tem acabado sempre por eliminar a pseudo
ciência, quando esta pretende descaradamente fazer
-se passar por aquela. O processo de desmascaramento
é lento e sinuoso, quase nunca fáci l . Mas queremos
ser optimistas: a ciência do «culto da carga» está em
regressão.
Magos e sábios
No dia 1 7 de Dezembro de 1 603, o astrónomo alemão Johannes Kepler ( 1571 - 1 630), ao observar com
uma luneta, do alto do castelo de Praga, a sobreposição de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, propôs
que essa era a « estrela de Belém» de que falava a Bíblia na passagem em que descrevia o nascimento de Jesus Cristo em Belém. O descobridor das leis dos movimen
tos planetários, feitas as necessárias contas, descobriu
também que um encontro desse género teria ocorrido
no ano 7 a . C . E notou que o judeu português Isaac Abravanel ( 1 4 37- 1 50 8 ) , negociante, tesoureiro de
D . Afonso V, exilado em Espanha no tempo de D . João
II e comentador da Bíblia, tinha interpretado o fenóme
no astrologicamente: como Júpiter significava príncipe, Saturno a Palestina e Peixes o final dos tempos, o «prín
cipe do final dos tempos tinha nascido na Palestina» .
Segundo os Evangelhos, os Reis Magos teriam vindo atrás dessa « estrela » , isto é, a acreditar na interpretação
de Kepler e de Abravanel, desses dois planetas, os maio-
HISTÓRIAS DE PSEUDOCiiõNCIA 225
res do sistema solar. Mas quem eram esses reis que tão
famosos ficaram na mitologia e no imaginário popu
lar? Muito pouco se sabe sobre eles. Nem sequer há a
certeza de que fossem três. Pode até ser que a visita dos
reis magos se trate apenas de uma lenda, que chegou
até nós ao fim de um sem-número de transmissões.
Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto. Mas
pode ter havido uma viagem, não de reis magos, mas
sim de simples magos, isto é, astrólogos, que procura
vam a referida conjunção, bem nítida na época nos
céus da Palestina . Vinham provavelmente da região
banhada pelos rios Tigre e Eufrates, a região onde na
Antiguidade tinha nascido a astrologia (o actual Iraque é aí; Tikrit, a localidade natal do sultão Saladino, que
combateu os cruzados na Idade Média, e do ditador
Saddam Hussein, que foi condenado à morte em 2006
acusado de genocídio, situa-se precisamente nas margens do rio Tigre) . A astrologia confundia-se, no tempo de Cristo, inteiramente com a astronomia. E, por isso,
esses magos eram considerados sábios.
Kepler viveu no período da transição da astrologia para a astronomia, um tempo que já remontava à época de Pedro Nunes, uma geração antes. Com efeito, foi
com as observações celestes feitas com auxílio de ins
trumentos e com a sua descrição matemática rigorosa
que a astronomia ganhou foros de ciência. O sábio alemão foi, porém, obrigado a ser mago para sobreviver: fazia horóscopos encomendados por pessoas com
posses. Chegou a afirmar que Deus tinha dado um sus
tento a cada criatura e aos astrónomos tinha dado a astrologia . . .
A s coisas mudaram muito desde então: hoje e m dia,
um mago já não é considerado um sábio e não se en-
226 DARWI AOS TIROS
contra um único astrónomo que se dedique à astrolo
gia. Mudaram muito? De facto, no início de cada ano,
· não faltam as previsões astrológicas para o ano todo,
feitas pelos mais variados Zandingas. Falham pratica
mente todas, como é de esperar. Por exemplo, a astró
loga Maya previu uma vez a vitória do Sporting no
campeonato nacional e essa alegria não foi dada aos
adeptos . . . E as que acertam, fazem-no por mera coin
cidência (ao contrário do que afirma o título de um
romance de uma autora portuguesa contemporânea, é
claro que há coincidências ! ) . Os seus autores são, evi
dentemente, magos e não sábios. Estão mais na tradi
ção do mago Abravanel do que na do sábio Kepler.
Mas um dos paradoxos da ciência no mundo contempo
râneo é muitos ganharem mais dinheiro como magos
do que algum dia ganharia!Jl como sábios, se o conse
gmssem ser . . .
Comunicação extra-sensorial?
O jornal New York Times de 5 de Janeiro de 20 1 1
anunciou que estava prestes a ser publicado num pres
tigiado jornal de psicologia, The ]ournal of Personality and Social Psychology, um artigo da autoria de um
conceituado psicólogo experimental, Daryl J . Bem, pro
fessor jubilado na Universidade de Cornell, em Ithaca,
perto de Nova Iorque, que indiciava a existência de um
certo tipo de percepção extra-sensorial .
Os cientistas desconfiam da percepção extra-senso
rial, isto é, a aparente habil idade de certos indivíduos,
chamados médiuns, para captar fenómenos indepen-
HISTÓRIAS DE PSEUDOCit.NCIA 227
dentes dos seus órgãos dos sentidos normais, por exem
plo, prevendo o futuro. Mas, numa das experiências
relatadas, estudantes universitários, habituais cobaias
deste tipo de testes (há quem diga que se sabe muito
sobre a psicologia dos estudantes e pouco sobre a psico
logia das outras pessoas ) , conseguiriam adivinhar mais
( 53 por cento ) do que seria dado pelo simples acaso
(50 por cento), em qual dos lados, direito ou esquerdo,
de um ecrã ia aparecer uma imagem erótica. A coloca
ção da imagem era escolhida ao acaso por um compu
tador depois de a escolha humana ter sido efectuada.
Antes de saber onde apareceria a imagem, já a maioria
dos estudantes tinha adivinhado onde. O que mais me intriga é a percepção funcionar para esse tipo de foto
grafias e não para outras . . .
H á psicólogos experimentais, colegas d o professor
Bem, que também ficaram intrigados. Por exemplo, um professor da Universidade de Oregon não teve papas na l íngua:
É uma coisa maluca, completamente maluca. Não posso
acreditar que uma revista de topo publique um trabalho
destes. É um sério embaraço para toda a gente que traba
lha nesta área.
Como a c1encia, psicológica ou outra, não encontrou até hoje qualquer evidência para a percepção ex
tra-sensorial, o artigo, apesar de aprovado pelo habitual
processo de avaliação pelos pares, encontra-se sob se
vero escrutínio. O astrofísico e divulgador de ciência
Carl Sagan dizia que alegações extraordinárias requerem provas extraordinárias. O editor defendeu-se dizendo que se tratava de um trabalho científico que fora sujeito
228 DARWIN AOS TIROS
às normas mais exigentes. Mas a experiência terá de ser
repetida por outros, dispondo-se o professor Bem a cola
borar, fornecendo todos os protocolos. De facto, três
por cento é uma margem pequena e a lguns especialistas
em estatística são categóricos a apontar erros, não nos
dados recolhidos mas no seu tratamento. A estatística,
como se sabe ( os políticos, por exemplo, sabem-no),
consegue, bem torcida e retorcida, dar para tudo. Se
gundo um dito muito conhecido:
Há quem use a estatística como um bêbedo usa um
candeeiro: mais para suporte do que para iluminação.
Neste, como em muitos outros casos, parece um dito
apropriado.
A notícia da treta mats deprimente do ano
Na última segunda-feira de Janeiro, é publicada a
habitual notícia de ciência da treta segundo a qual esse é o dia mais deprimente do ano. É uma notícia fantástica, pois a partir daí os dias só podem melhorar. Os
órgãos de comunicação social portugueses dão esta notí
cia recorrentemente, a par dos seus embasbacados con
géneres internacionais, que lhe chamam blue monday. Poderiam muito bem terminar a notícia dizendo:
Demos esta notícia no ano passado, este ano damos
outra vez. Até para o ano.
Vamos também aqui reproduzir acrmcamente, em
bora provavelmente fora de época para a maioria dos
HISTORIAS DE PSEUDOCI� CIA 229
leitores, a notiCla fresquinha habitual das últimas se
gundas-feiras de Janeiro:
O psicólogo Cliff Arnall chegou à sua conclusão em
2005 através da fórmula: [C +(D- d)] x TliM x NA.
Segundo Arnall, « C» corresponde ao factor climático: em
janeiro, os dias são cinzentos e frios; « D » representa as
dívidas adquiridas durante a época do Natal e que agora
terão de ser pagas, uma vez que o pagamento dos cartões
de crédito é feito no final do mês. já o «d» em minúscula
significa os custos monetários relativos ao mês de ] aneiro
e o « T» é o tempo que passou desde o Natal. A letra «I»
representa o período desde a última tentativa falhada de
abandonar um mau hábito: os bons propósitos feitos no
início do ano - como as idas ao ginásio, deixar de fumar
e comer melhor - começam a ficar para trás. Por fim,
«M» são as motivações de cada um e «NA » a necessidade
de fazer alguma coisa para mudar de vida.
E esta é a notícia da treta mais deprimente do ano,
segundo a fórmula:
NIC +]IS,
em que N é o número de anos em que esta notícia vem
sendo repetida nos media, C a credibilidade da afirma
ção, J o número de jornalistas que transcreve este press release e S o sentido crítico dos mesmos (em rigor, como a credibilidade tende para zero, o primeiro termo
tende para infinito e logo o segundo termo é desneces
sário ) . Não é preciso ter uma grande cultura científica para
avaliar a fórmula apresentada pelo alegado psicólogo investigador em favor da sua conclusão fabulosa, e
230 DARWIN AOS TIROS
torcer o nariz. Essa torcidela deveria desencadear uma
pequena investigação, procurar referências na literatura
ou, na ausência de tempo, pura e simplesmente descar
tar a notícia . Convenhamos que não é informação com
que não possamos viver (talvez só seja útil para esco
lher o dia mais adequado para cortar os pulsos ou para
saltar de uma j anela ) .
Poderíamos pensar que Arnall chegou à sua con
clusão numa segunda-feira cinzenta e fria de Janeiro,
enquanto tentava abstrair a mente das dívidas contraí
das durante a época do Natal e dos pagamentos do
cartão de crédito no final do mês. E que provavelmente
continuaria a trabalhar para calcular o dia do ano onde
haveria mais apetite ou a semana com mais urina.
Mas não.
Arnal l foi pago por uma agência de viagens para
inventar a equação em 2005, como parte de uma cam
panha publicitária. Na altura era professor da Universidade de Cardiff, no País de Gales, e sejamos claros:
o que a agência de viagens comprou foram a validação
académica e o prestígio de uma universidade para ven
der uma aldrabice. Arnal l inventou ainda outras fór
mulas, como « o fim-de-semana mais perfeito do ano » e (claro ! ) « O dia mais feliz do ano » . Este último caso
seria em Junho, mais ou menos a a ltura ideal para
começar a comer gelados. A este propósito escreveu
num e-mail ao médico Ben Goldacre, colunista do Guardian:
Em relação à referência do meu nome em conjunto
com a Wall's {nome da Olá em Inglaterra], recebi agora
mesmo um cheque deles. Cumprimentos e boas festas, Cliff
Arnall.
HISTÓRIAS DE PSEUDOCit CIA
O Dr. House receita testículos de touro e abelhas esmagadas
231
Esta h istória é sobre algo que está à venda em far
mácias, que em muitos países é comparticipado pelo
Estado e que em Portugal faz parte do pacote de alguns
seguros de saúde. Não é de espantar que muitas pessoas
pensem que se trata de uma coisa científica .
A ideia não pareceu má ao médico alemão Samuel
Hahnemann ( 1 755-1853) , em finais do século xvm .
Nessa altura, era frequente que leigos auto-intitulados
médicos inventassem tratamentos a partir do nada.
A medicina consistia em purgas, sangramentos e mezinhas muitas vezes ineficazes ou perigosas. Um tratamento que não tivesse qualquer efeito fisiológico já não
era mau.
Imagine o leitor que, para tratar uma doença, procura uma substância que, em doses elevadas, causa os sintomas dessa doença. E decide que essa mesma subs
tância em doses muito diluídas trata a doença. Melhor: que, quanto mais diluída fosse, maior seria o seu potencial curativo. Foi mais ou menos isto que Hahnemann decidiu. E é isto que ainda hoje continua a ser conhe
cido por homeopatia.
Vamos por partes. O princípio de que « OS semelhan
tes se curam pelos semelhantes>> é completamente arbitrário. Porquê? I sto significaria que poderíamos usar
umas gotinhas de aguardente para curar a cirrose hepá
tica, fumar cigarros muito pequeninos para tratar o cancro do pulmão ou comer minibolas de Berlim para
tratar a obesidade. A ideia soa vagamente semelhante aos princípios da vacinação, em que são usados rnicrorganismos atenuados para estimular o sistema imuni-
232 DARWIN AOS TIROS
tário. Mas é bem diferente: no caso das vacinas, há
uma identificação clara do agente patogénico que
causa a doença. No caso dos remédios homeopáticos,
prevalece uma lógica de sintomas, ou seja, substâncias
que induzem os sintomas de uma doença. O corpo
humano é visto como uma caixa negra de onde saem
sintomas e para onde entram remédios homeopáticos. O que se passa lá por dentro ? Não temos nada a ver
com isso, há que respeitar a privacidade do nosso orga
msmo . . .
Esta associação entre sintomas e remédios é feita
num ritual chamado « prova» e que os homeopatas gos
tam de comparar a um ensaio clínico. Na « prova » , juntam-se várias pessoas durante um fim-de-semana e admi
n istram-se-lhe seis doses do remédio que está a ser << provado>> . Os « provadores >> anotam todas as sensações mentais, físicas e emocionais, incluindo os sonhos. No domingo à noite, um « mestre provador>> faz um
apanhado de todos os registos e na segunda-feira de manhã essa l ista é o quadro sintomático do remédio.
Os resultados destas « provas>> podem ser vistos no
sítio http ://abchomeopathy.com/ (entre muitas outras maravilhosas possibilidades) . Por exemplo, o enxofre
serve para tratar « afrontamentos, aversão à água, pele e pêlos secos e duros, orifícios vermelhos, sensação estranha no estômago por volta das 1 1 da manhã e
sono interrompido>> . Quando vamos ao homeopata,
ele tentará fazer uma l igação entre os nossos s intomas e os resultados das « provas>> , irá receitar-nos o remédio
que induziu sintomas mais parecidos com os nossos
nos provadores. Seria difícil imaginar um episódio de um D r. House homeopático, fazendo a sua equipa expe
rimentar todo o género de substâncias improváveis,
HISTÓRIAS DE PSEUDOCI� CIA 233
de modo a descobrir a que provocava os sintomas da
doença:
Se o doente não melhorar até logo à noite com os
testículos de touro e as abelhas esmagadas, amanhã expe
rimentamos outro doente.
Uma overdose de água e açúcar
Admitamos por um grande absurdo que este princí
pio dos semelhantes tratarem semelhantes é vál ido e que
esta coisa dos sintomas e da prova funciona. Persiste
um problema: a sequência de diluições usada pelos homeopatas é tal, que não sobra basicamente nada da substância original no remédio homeopático. Por exemplo,
uma diluição de 40C (na terminologia homeopata ) significa: uma gota de substância activa é diluída em 1 00 gotas de água, em seguida retira-se uma gota duma primeira dilujção e dilui-se novamente em 1 00 gotas de água,
e assim por diante, mais trinta e oito vezes. Para que
não restem dúvidas, 40C é uma diluição de 1 em 1 0040•
Ou seja, de 1 em 1 00000000000000000000000000000 00000000000000000000000000000000000000000 0000000000 (um 1 seguido de 80 zeros ) . No final, não
sobra basicamente nada. Como sabemos? Por causa do número de Avogadro, um nome dado em honra do
cientista italiano Lorenzo Romano Amedeo Carlo Avogadro, conde de Quaregna e de Cerreto ( 1 776- 1 856).
Tal como o par (2), a dúzia ( 1 2 ) e a grosa ( 1 44 ) são
unidades comuns para exprimir números pequenos, os
químicos têm uma unidade chamada « mole» para referirem uma grande quantidade de átomos ou moléculas. Uma mole são 6,022045 x 1 023 partículas. Aproxima-
234 DARWIN AOS TIROS
damente um seis seguido de 23 zeros ( muitos, mas não
tantos como os de uma diluição homeopática 40C) .
Este é exactamente o número de átomos que existem
em 1 2 gramas de carbono- 1 2, isótopo mais comum de
carbono. Chama-se assim porque a sua massa atómica
é 1 2 ( também há o carbono-14, por exemplo, cujo decai
mento radioactivo é usado para fazer datações arqueo
lógicas ) .
A massa atómica do cobre é 63,55. Assim, uma mole
de átomos de cobre tem a massa de 63,55 gramas. Ou
seja, o número de Avogadro permite-nos saber a quan
tidade de átomos ou moléculas existentes numa deter
minada quantidade de matéria. No caso dos átomos
mais pesados, precisamos de uma massa maior para termos 6,022045 x 1 023 átomos; no caso dos mais leves,
precisamos de menos. Uma mole de átomos de hidro
génio (o elemento mais leve) tem a massa aproximada de um grama, ao passo que a mesma quantidade de átomos de sódio tem a massa de 23 gramas.
O número de Avogadro foi determinado experimen
talmente por vários métodos independentes e esteve na origem do Prémio Nobel da Física de 1 926, atribuído
ao francês Jean-Baptiste Perrin. E implica que, a partir de uma diluição homeopática de 12C, ou seja, uma gota de substância activa di luída em 1 024 gotas de água, j á
não há provavelmente nada d a substância original no
preparado. Quando se atingem os 30C, é mais provável
ganhar a lotaria c inco semanas seguidas do que encon
trar uma única molécula de substância original . Se todo
o espaço do Universo estivesse cheio de água e com
uma única molécula de ingrediente activo, daria uma diluição de 55C. Contudo, são correntemente vendidos remédios homeopáticos a 200C, que curiosamente são
HISTORIAS DE PSEUDOCit CIA 235
considerados mats « fortes» do que, por exemplo, um
de 20C (na realidade, tanto faz ) .
Desde 20 1 0 que é realizada uma campanha interna
cional chamada 1 0:23, organizada pela associação sem
fins lucrativos inglesa Merseyside Skeptics Society, em que pessoas de várias cidades do mundo tomam uma
overdose colectiva de remédios homeopáticos às 1 0h23 .
Este número é uma referência ao número de Avogadro.
Como os remédios não são mais do que água e açúcar,
as consequências da overdose são nenhumas. A não ser
talvez o aumento da produção de urina ( por causa da
ingestão de líquidos ) ou a incidência de diabetes tipo 2
(por causa do açúcar dos comprimidos) .
A autobiografia emocionante de uma molécula de água
Contudo, os homeopatas não se dão por vencidos: dizem que a água tem memória e se lembra do poder curativo da substância original . Isto por causa de um
ritual chamado « sucussão» , que consiste em dar dez pancadinhas entre cada diluição num «objecto duro,
porém elástico >> . Hahnemann usou uma tábua de madeira revestida com couro e crina de cavalo. Mas um
skate envolto em pastilhas elásticas Gorila acabadas de
mastigar é outra possibilidade mais contemporânea .
Estas dez pancadinhas são dadas hoje em dia nas fábricas de comprimidos homeopáticos, por robôs especial
mente criados para o efeito.
Se a água tem memória, a primeira questão é de que é que ela se lembra. Lembrar-se-á da vista que tinha
numa nuvem e do encontro com uma partícula de poeira
236 DARWIN AOS TIROS
que a fez chover, da cabeça em que caiu e da respectiva
caspa, de ter escorrido pelo esgoto até ao mar e subido
novamente ao céu puxada por um raio de Sol. Se as dez
pancadinhas entre cada diluição fazem realmente a água
lembrar-se da ú ltima molécula dissolvida, talvez devês
semos começar a usar o mesmo procedimento para
tratar a falta de memória dos políticos.
Não há nenhuma sustentação científica para um
qualquer tipo de memória da água . No entanto (e os
homeopatas não se esquecem disso) , em 1 98 8 foi publi
cado um artigo na revista Nature que apoiava a tese de
que a água tem memória, o que, a confirmar-se, seria
uma validação de peso para a homeopatia. O artigo descrevia uma experiência com anticorpos humanos: após uma diluição tão grande que seria praticamente
impossível encontrar uma única molécula de anticorpo,
conseguiu-se ainda assim desencadear uma reacção alérgica . E isto acontecia apenas quando a solução era violentamente agitada durante a diluição. Não é intei
ramente claro porque é que o editor da Nature, John
Maddox ( 1 925-2009) , decidiu aceitar esse artigo, apesar de aparentemente não existirem fal has metodológicas .
O artigo foi publ icado na companhia de um editorial que aconselhava prudência na aceitação dos resultados
que, a confirmarem-se, violariam várias leis fundamen
tais da química e da física.
As experiências descritas no artigo foram repetidas por um grupo de especial istas que fizeram testes às cegas. Ou seja, os recipientes foram baralhados e foi
-lhes atribuído um código, de tal modo que a partir de
certa a ltura os operadores experimentais não sabiam quais eram as soluções que continham anticorpos em quantidades detectáveis, quais eram diluições ou sim-
HISTÓRIAS DE PSEUDOCI� CIA 237
plesmente água. Não foi encontrado nenhum tipo de
memória da água nestas experiências às cegas e, no mês
seguinte, foi publicado um novo artigo na Nature que
desmentia o artigo inicial, tendo como primeiro autor
o próprio editor da Nature. Claro que continua a ser
muito fácil citar o primeiro artigo, sem referir o desmen
tido. Os homeopatas retêm uma espécie de memória
desse artigo inicial , antes de ser di luído num mar de
incredibil idade.
O facto é que a água não mantém nenhuma rede
ordenada de moléculas por um tempo superior a uma
fracção de nanossegundo. Um nanossegundo é um mi
lhão de milhões de vezes mais rápido que um segundo. Mas há quem se sinta melhor depois de tomar os
remédios homeopáticos. O sentimento de melhoras é uma coisa muito subjectiva . Há quem se sinta melhor
depois de beber cinco ou seis cervejas e não é por isso que chamamos a essa prática bejecoterapia. Ou terapia
holística da cevada fermentada. As pessoas sentem-se melhor porque acreditam
que se vão sentir melhor. É o chamado efeito placebo. E, repetimos, o sentimento de melhoras é uma coisa
muito subjectiva. O efeito placebo é realmente uma coisa impressionante.
Dois comprimidos de placebo (sem qualquer princípio
activo) são mais eficazes do que apenas um. E intervenções de placebo mais dramáticas, como a injecção de
água do mar, são mais eficazes no tratamento da dor do que tratamentos mais moderados. Todos os ensaios cl í
nicos realizados em condições controladas demonstram
que a homeopatia resulta tão bem como um placebo. Qual é o problema então da homeopatia ? Se tiver
uma dor nas costas, provavelmente um comprimido de
238 DARWIN AOS TIROS
água e de açúcar vai fazê-lo << sentir-se » melhor. Se não
for imediatamente, pode continuar a tomá-lo << até fazer
efeito )) , Nunca saberá o que aconteceria se não tomasse
nada. Se piorar, << pode ser o corpo a reagin) . Se em vez
de tomar o comprimido, for dar uma volta de bicicleta,
pode acontecer que até se esqueça da dor nas costas,
pelo menos até ter de se levantar na segunda-feira para
ir trabalhar. O problema da homeopatia, para além da
questão de se estar a comprar água e açúcar muito
acima do valor de mercado, é, em caso de um problema
de saúde sério, levar as pessoas a abdicar de tratamen
tos com efeitos fisiológicos que as poderiam ajudar.
É que nem tudo se resolve com p lacebos. Por absurdo, poderíamos conceber uma pílula ho
meopática, respeitando todos os princípios da homeopa
tia . À semelhança de todos os remédios homeopáticos,
a pílula teria como ingrediente activo uma substância que em grandes quantidades provoca os sintomas da
doença ( enjoas e barriga inchada ) , o que neste caso
seriam três l itros de cerveja. A cerveja seria diluída
milhões de milhões de milhões de milhões de milhões de m ilhões (etc . ) de vezes, dando sempre dez pancadinhas entre cada di luição. A pílula homeopática
poderia continuar a ser tomada durante a gravidez e a
a leitação, permitindo ainda a operação de tractores e
máquinas agrícolas. Seria certamente aplaudida pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas.
O génio solitário e a imortalidade na Internet
Se tem o azar de habitualmente ser um destinatário
de mensagens de correio electrónico com dicas práticas
HISTÓRIAS DE PSEUDOCI� CIA 239
( sobre como aumentar o tamanho do pénis, por exem
plo) ou sobre curas milagrosas ( que << eles» querem es
conder) , é possível que já tenha conhecimento da «cura
pela água » : um método de cura para muitas condições
clínicas (dor, úlcera gástrica, SIDA, asma, obesidade,
colesterol elevado, diabetes, hipertensão, défice de aten
ção, fadiga, depressão, osteoporose, pedras nos rins,
etc . ) , que passa pela simples ingestão de água. Óptima
ideia, é a homeopatia levada ao extremo: porquê fingir
que há uma substância activa diluída, embora analiti
camente indetectável no remédio homeopático, e não
assumir que é apenas água ?
O método é proposto pelo Dr. B . , nome abreviado e uma opção sensata de marketing para quem se chama F. Batmanghelid j . Pior, só se se chamasse Eyjafjal lajokull
(ou Vulcão E. , na Islândia ) . E o bom Dr. B. dá os seus
bons conselhos no seu sítio: «Você não está doente,
está com sede. Não trate a sede com medicamentos . » E, claro, estão à venda nada menos do que oito livros
que ensinam a beber água.
Mas a parte mais interessante são os « documentos científicos» . São listados 14 « artigos científicos >> , dos
quais apenas dois constam do PubMed, a base de dados de literatura médica mundia l , com cerca de 20
milhões de artigos até à data. Esses dois são muito antigos ( 1 98 7 e 1 98 3 ) . Um deles é o resumo de uma
palestra que o Dr. B. deu como convidado na sua pró
pria fundação e diz respeito à dor. O outro é um edi
torial sobre o tratamento da ú lcera gástrica . Ambos
têm como base a sua prática clínica numa prisão irani
ana, onde esteve preso por crimes políticos. Na prática, os dois artigos indexados no PubMed
são dois rel atos da sua experiência como médico
240 DARWJ AOS TIROS
(e recluso) numa prisão no Irão. Não são artigos de
investigação, com materiais e métodos cuja correcção
possa ser aferida; são mais como « dois artigos de opi
nião sobre assuntos médicos» .
Os restantes 1 2 artigos são publicados num jornal
que não consta do PubMed, chamado Science ln Medicine Simplified, sendo a instituição a que está asso
ciado o Dr. B. a Foundation for the Simple in Medicine.
Ou seja : o Dr. B . tem uma fundação e uma revista com
o mesmo nome, onde publica os seus artigos << científi
cos» , porque estes não são aceites em nenhum sítio
sério. Por um sítio sério, entende-se uma publicação
que submeta os artigos à « revisão pelos pares» , ou sej a,
um editor envia o artigo submetido a dois ou três cientistas da mesma área de investigação, que verificam se
o trabalho não tem erros metodológicos, se as conclusões não são abusivas, etc. Nenhum dos 1 4 artigos apresentados passou por este processo.
O Dr. B . morreu em 2004, com 73 anos. No entanto,
está imortal izado nas mensagens de correio electrónico reenviadas, sem data, provavelmente escritas antes de 2004 e que continuam a circular como se ele estivesse
vivo. Continua a existir uma profusão de sítios na Inter
net com informações e vendas relacionadas com a cura
pela água. Não apenas pelos seus l ivros, mas também pelos produtos relacionados e derivados, o Dr. B. tor
nou-se um guru inspirador (um misto de Che Guevara
e Dr. Phi l ) e a « cura pela água » , parte de uma cultura
alternativa naturalista antifarmacologia. O Dr. Batmanghelidj encaixa no padrão do «génio
solitário» . Tipicamente, este é a lguém que até pode ter uma formação científica e que testemunha um acontecimento invulgar. Tal acontecimento não é um ensaio
HISTÓRIAS DE PSEUDOCitNCIA 241
clínico em condições controladas, mas uma experiência
muito intensa que o próprio tende a valorizar e consi
derar como verdadeira . No caso do Dr. B., essa expe
riência aconteceu numa prisão iraniana, e é descrita em
inúmeros locais da Internet:
Como o Dr. B. descreve, uma noite, estava a tratar um
companheiro de prisão que tinha uma úlcera péptica que
lhe causava dores agudas. Sem medicamentos disponíveis,
o Dr. B. deu-lhe dois copos de água. As dores desapare
ceram em oito minutos. O Dr. B. disse-lhe para beber dois
copos de água a cada três horas. O seu companheiro não
teve mais dores durante os restantes quatro meses na prisão.
O Dr. B. foi formado no Reino Unido e trabalhou no Hospital de St. Mary, em Londres, onde terá encontrado
o médico britânico Alexander Fleming ( 1 8 8 1 - 1 955 ) , um dos galardoados com o Prémio Nobel da Medicina pela
descoberta da penicilina e o seu efeito curativo em várias doenças infecciosas. Não é difíci l imaginar a experiência
intensa que terá sido a sua passagem pela prisão (como prisioneiro político) e de quão marcante terá sido não dispor de medicamentos para auxil iar um companheiro com dores agudas. Podemos ainda especular que a simples presença médica do Dr. B . pode ter tido um efeito
positivo nas dores do prisioneiro. O efeito placebo não
tem apenas a ver com a toma de um comprimido, é tam
bém resultado do ritual que é uma intervenção médica .
Também pode ter acontecido que as melhoras tenham ocorrido por outro motivo qualquer. O facto é que o
Dr. B. atribuiu as melhoras à ingestão de água, sem considerar todas as restantes explicações possíveis nem testar
a sua hipótese num ensaio em condições controladas.
242 DARWI AOS TIROS
Tipicamente, o «génio solitário» continua a tratar mui
tos pacientes da mesma forma. Descarta todos os resul
tados negativos e sobrevaloriza todas as aparentes con
firmações. Vê nos pacientes agradecidos uma espécie
de confirmação viciada. Pode estender o tratamento a
pacientes com outros diagnósticos e mesmo afirmar que
encontrou uma causa comum para todas as doenças.
Usa a sua formação científica de base para fazer uma
especulação imaginativa, recorrendo à gíria científica que
conhece, para especular sobre um possível mecanismo
para o tratamento funcionar. Quando a comunidade
científica recusa aceitar as suas teorias sem qualquer
sustentação ou a sua experiência pessoal como um ensaio clínico válido, nasce o «génio solitário» . A partir
de então, acusa os cientistas de interesses obscuros e de não quererem que o seu conhecimento e tratamentos
cheguem às pessoas. Compara-se a um perseguido pela Inquisição, e a sua teoria, ao hel iocentrismo. Vê-se obri
gado a escrever l ivros para que a sua mensagem passe.
Esta é a história do Dr. B., mas é igual a muitos outros casos. Alguns deles, bastante dramáticos e sem
piada nenhuma. Como regra de polegar, sempre que alguém lhe disser que a vitamina C pode substituir a
quimioterapia, desconfie. D ito isto: claro que, se as pessoas não beberem água, morrem e a hidratação é
importante para a saúde. Mas isto é senso comum.
Não deixe que lho vendam !
Lavar a roupa limpa com cerâmicas Kung Fu
Se é um amigo do ambiente e abomina o pensamento racional, certamente já ouviu falar das ecobolas, peque-
HISTÓRIAS DE PSEUDOCIJONCIA 243
nos esféricos coloridos que permitem lavar a roupa,
desde que esta não esteja realmente suja . As ecobolas
são apresentadas como « um produto que substitui o
detergente nas lavagens da máquina de roupa » e fazem-no nada menos do que mil vezes (mil lavagens ) .
Estão à venda e m vários sítios d a Internet ( que não
vamos aqui publicitar, mas que o leitor encontrará fa
cilmente se tiver o masoquismo suficiente) e também
nalgumas lojas com existência física (onde poderá a ti
rar com a sua roupa interior suja para cima do balcão,
como anexo da reclamação) .
Tal como muitas outras coisas, o segredo das eco
bolas são três componentes, neste caso cerâmicas naturais. Há qualquer coisa com o número três: se fossem duas cerâmicas naturais provavelmente soava a pouco, quatro já pareceria demasiado complicado. Assim, abundam os « três tipos de microfibras» , os « três componentes moleculares» ou as « três partículas subatómicas
essenCLa ts >> .
E como é que as ecobolas funcionam ? De tantas maneiras, que é difíci l escolher. Mas, pesquisando na nossa fonte privilegiada de conhecimento das bolas, ou
seJ a nos sítios dos seus vendedores na Internet:
As bolas criam uma onda energética que quebra as
combinações do hidrogénio da água (a água é formada
por dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio). Esta
onda força os átomos de hidrogénio que se soltam da
molécula da água a estarem activos, aumentando, assim,
o movimento molecular.
O leitor deve sempre desconfiar quando lhe falam de ondas energéticas. Pergunte qual é o comprimento
244 DARWIN AOS TIROS
ou a frequência dessa onda, para ver se lhe falam em
chacras ou energias (no plural ) . Mas há uma afirmação
que se destaca: as ecobolas « soltam» os átomos de
hidrogénio da molécula de água. A hidrólise da água na
máquina de lavar. A separação da molécula da água
nos seus componentes elementares, oxigénio e h idrogé
nio. Isto não é assim tão fácil (necessita de muita ener
gia, no singular) e, a ter sucesso, resultaria numa mistura
altamente explosiva na máquina de lavar, de hidrogénio
(combustível dos foguetões) e oxigénio. Se resultasse, não
seria de facto estranho que aumentasse «O movimento
molecular» , mesmo para lá dos l imites da máquina de
lavar. E rebentaria, literalmente, com a suj idade. Ultrapassados alguns pormenores técnicos, poderíamos resolver os problemas energéticos da humanidade, gerando
energia (hidrogénio) de uma forma limpa e ainda lavando a roupa suja . Não nos esqueçamos de que cada ecobola faz isto mi l vezes (mi l lavagens ) e que funciona mesmo lavando à mão (há um vídeo muito bonito de
uma ecobola a ser colocada num balde cheio de roupa
com cocó de bebé que, passadas algumas horas, está l impa e perfumada ) .
Noutros locais d a Internet, a expl icação para a acção da ecobola é ligeiramente diferente:
Emitem raios infravermelhos naturais, que alteram as
combinações moleculares naturais de hidrogénio na água,
dando-lhes maior poder natural de lavagem.
Tudo muito natural, apesar do aspecto algo extra
terrestre da ecobola. Mas esta é uma explicação mais razoável, uma vez que aqui podemos presumir que são quebradas, não as ligações covalentes entre o oxigénio
HISTÓRIAS DE PSEUDOCit CIA 245
e o hidrogénio da molécula de água ( intramoleculares ) ,
mas as chamadas pontes de hidrogénio. A molécula de
água (espero que nenhum fabricante de ecobolas roube
este parágrafo para promover os seus produtos) tem
um átomo de oxigénio, com uma grande capacidade de
puxar os electrões todos da molécula para si, ficando
essa parte da molécula com uma carga l igeiramente
negativa. O h idrogénio, assaltado no seu único elec
trãozinho, que mal vê, fica com uma carga ligeiramente
positiva. Como os opostos se atraem, as moléculas de
água têm tendência a formar uma rede de interac
ções entre moléculas ( intermoleculares), de modo a mini
mizar a grande assimetria de carga interna de cada molécula de água. Na prática, cada h idrogénio desfal
cado em electrões vai procurar encostar-se a um oxi
génio rico em electrões ( bom partido ! ) de outra molé
cula de água. Estas interacções chamam-se pontes de hidrogénio. É também este tipo de l igações que l iga as duas cadeias do ADN, que tem uma estrutura em dupla
hélice.
A radiação infravermelha aquece a água e pode sem dúvida quebrar pontes de hidrogénio. Em última análise, pode quebrar tantas que as moléculas de água dei
xam de estar associadas entre si e passam ao estado
gasoso. É o que acontece quando se deixa água ao Sol : esta é bombardeada (entre outras coisas) com uma boa
dose de radiação infravermelha e evapora.
A ecobola pode emitir raios infravermelhos ? A res
posta é sim. Todos os materiais emitem raios infra
vermelhos. É assim que funcionam as câmaras de visão nocturna. Como a radiação emitida aumenta com a temperatura, uma boa prática será aq uecer a sua ecobola
j unto ao corpo antes de cada utilização para maximizar
246 DARWIN AOS TIROS
o efeito. No caso de nódoas difíceis, talvez o melhor seja
também abraçar a roupa suja durante tempo suficiente.
Poderíamos continuar a passear pelo j argão pseudo
científico das ecobolas, que é vasto e variado, mas o
leitor j á deverá ter apanhado a ideia . Segundo a opinião
da Associação Portuguesa para a Defesa dos Consumi
dores ( DECO), a lavagem com ecobolas funciona tão
bem como a lavagem sem detergente (o que já não é
mau, pelo menos não sujam a roupa) . Na verdade, os
vendedores de ecobolas também não confiam muito na
eficácia das ecobolas, pois recomendam, para « uma
melhor lavagem )) ' que se adicionem 30 por cento a 5 0
por cento d a << quantidade habituah d e detergente em cada lavagem. Provavelmente este até é um bom con
selho, uma vez que os fabricantes de detergente quere
rão fazer tudo para nos convencer de que precisamos de usar o máximo de detergente possível .
Os vendedores das ecobolas, apesar de todo o espalha
fato de ficção científica, não apresentam referências para
artigos científicos que sustenham a eficácia das ecobolas
e das cerâmicas Kung Fu que elas contêm. As referências que apresentam são de reportagens na televisão. Em Por
tugal, passou uma reportagem de um minuto na RTP,
muito favorável às ecobolas. A BBC também fez uma,
baseando as suas conclusões na experiência de uma
única dona de casa (chamada Bee) . Evidentemente, não fez uma experiência com um controlo negativo ( lavar
um conjunto de roupa equivalente só com água, por
exemplo), nem seguiu qualquer rigor metodológico. Mas
o que importa ? Se dizem na televisão, é porque é ver
dade ! Uma dica para o leitor detectar reportagens sobre charlatanices na televisão: muitas começam por « há
cada vez mais pessoas que usam . . . )) .
No tas e referências
O PO WERPOINT SETECENTISTA E OUTRAS HISTÓRIAS DE MATEMÁTICA
O PowerPoint setecentista
No ano de 2007 a Biblioteca Geral da Universidade de
Coimbra, em colaboração com o Museu Nacional de Machado
de Castro, em Coimbra, realizou na Sala de São Pedro uma
exposição, comissariada pela matemática Carlota Simões,
intitulada Azulejos Que Ensinam, sobre os azulej os portugue
ses que exibem figuras dos Elementos de Euclides. Na altura,
foi publ icado um minicatálogo com coordenação científica e
bibliográfica do matemático António Leal Duarte intitulado
Azulejos Que Ensinam, Museu Nacional de Machado de Cas
tro e Universidade de Coimbra. Foi também publicado um
conj unto de postais i lustrados com a reprodução de alguns
azulejos.
Na exposição, constou o l ivro de André Tacquet: Ele
menta geometriae planae ac solidae. Quibus accedunt selecta ex Archimede theoremata/Auctore Andrea Tacquet . . . Editio tertia correctior. Antuerpiae: apud lacobum Meursium, 1 672.
248 DARWI AOS TIROS
A edição de Euclides referida no texto que contém uma
ilustração sobre náufragos é : Euclidis Quae supersunt omnia . . . Oxoniae: Theatrum Sheldonianum, 1 70 3 . Encontra-se na
referida Sala de São Pedro e pode ser v ista no Google Books:
http://books.google.com/books?id=mJNBAAAAcAA J &printsec=fron tcover&source=gbs_ge_summary _
r&cad=O#v=onepage&q &f=false
Na legenda em latim está a inscrição: «Bene speremus,
hominum enim vestigia vide o. » A figura refere-se a uma ane
dota contada por Vitrúvio, nos seus Dez Livros de Arquitec
tura, segundo a qual o filósofo Aristipo, discípulo de Sócrates,
naufraga na i lha de Rodes, no mar Egeu, encontrando os
vestígios geométricos da presença do homem.
Uma edição moderna dos Elementos de Euclides é Thomas
Heath (editor) ( 1 95 6 ) [original de 1 90 8 ] , The Thirteen Books
of Euclid's Elements, Dover. Uma das edições internacionais
graficamente mais interessantes (com figuras a cores) é do
século XIX e tem reedição recente: Oliver Byrne, Six Books of
Euclid, Taschen, 2 0 1 0 . Quem quiser saber mais sobre azulejaria portuguesa, veja :
José Meco, O Azulejo em Portugal, Lisboa, Publicações Alfa,
1 993 , e Maria Alexandra Trindade Gago da Câmara, Azule
jaria do Século XVIII, Civilização, 2007.
Homens nus por todo o lado
Há muitas obras sobre Leonardo Da Vinci. Um dos maio
res especialistas actuais é o h istoriador de arte inglês Martin
Kemp, autor de Leonardo Da Vinci, Vida e Obra, Presença,
2005. Uma biografia de Leonardo em português é Michael
White, Leonardo, O Primeiro Cientista, Europa-América,
2003. O livro de Vitrúvio referido no texto é Tratado de
Arquitectura de Vitrúvio, IST Press, 2006. Sobre a razão dou
rada, ver Carlos Pereira dos Santos, Nuno Crato e Luís Tirapi-
OTAS E REFERJõNCIAS 249
cos, A Espiral Dourada. Coelhos de Fibonacci, Pentagramas,
Cifras e Outros Mistérios Matemáticos d'O Código Da Vinci,
Gradiva, 2006, e Priya Hemenway, O Código Secreto, Ever
green, 2 0 1 0 .
A obra d e ficção científica referida de Carl Sagan é
Contacto, Gradiva, 1 997. O filme baseado nessa obra é
Contacto, 1 997, do real izador Robert Zemecki, tendo como
actriz principal Jodie Foster no papel da doutora Eleanor
Ann « Ell ie>> Arroway.
Mozart, a matemática e a lotaria
O controverso <<efeito Mozart» está discutido, por exem
plo, em Don Campbell, O Efeito Mozart, Estrela Polar, 2006.
Para algo mais sério sobre Mozart e as neurociências, ver o
l ivro de Bernard Lechevalier, O Cérebro de Mozart, Instituto
Piaget, 2008 . Biografias de Mozart em português são, por
exemplo, Nicholas Kenyon, Mozart. Vida, Temas e Obras,
Edições 70, 2008 , e Jeremy Siepmann, Mozart. Vida e Obra,
Bizâncio, 2006 ( este contém um CD).
Turismo de Lisboa tem de chamar Dan Brown
Os referidos best-sellers de Dan Brown estão nas traduções
portuguesas: Anjos e Demónios, Bertrand, 2005, O Código
Da Vinci, Bertrand, 2004, e O Símbolo Perdido, Bertrand,
2 0 1 0 . Há edição especial i lustrada do último. Dois deles j á
foram adaptados a o cinema com o s títulos O Código Da
Vinci, de 2006, real izado por Ron Howard, com Tom Hanks
como o professor de Simbologia da Universidade de Harvard
Robert Langdon, e Anjos e Demónios, de 2009, do mesmo
realizador e com o mesmo actor principal . Parte das filma
gens deste último foram feitas no CERN, na Suíça. O Vati
cano, que não permitiu filmagens na Basílica de São Pedro, teve uma reacção desfavorável ao filme.
250 DARWIN AOS TIROS
Um livro, com conteúdos por vezes altamente discutíveis,
sobre o esoterismo na cidade de Lisboa é o de Vítor Manuel
Adrião, Lisboa Insólita e Secreta, Jonglez, 20 1 0. Ver, também
sobre estes assuntos, Paulo Pereira, Lugares Mágicos de Portu
gal. Idades do Ouro, Temas e Debates e Círculo de Leitores,
2009. Uma história da maçonaria em Portugal foi escrita pelo
h istoriador maçam António de Oliveira Marques: História da
Maçonaria em Portugal, vol. I, Das Origens ao Triunfo, Presença,
1 990; vol. II, Política e Maçonaria 1 820-1 869 ( 1 .• parte), 1 996;
vol. III, Política e Maçonaria 1 820- 1 869 (2.' parte ) , 1 997.
O escaravelho matemático
Os livros de Benoit Mandelbrot em português são Objectos
Fractais. Panorama da Linguagem Fractal, Gradiva, 1 99 8 ,
e , e m parceria com Richard Hudson, O (Mau) Comporta
mento dos Mercados. Uma visão fractal do risco, da ruína e
do rendimento, Gradiva, 2006. A tradução do primeiro
ganhou uma menção honrosa no Prémio de Tradução Cien
tífica da União Latina/Junta Nacional de Investigação Cientí
fica. Na quarta edição francesa de Les Objects Fractales,
Flammarion, 1 995, o autor escreveu:
Le Professeur Carlos Fiolhais, que l'éditeur Gradiva de Lis
bonne a chargé de la traduction portugaise de ce livre, m'a livré
une nouvelle collection de menues «bavures» à corriger, ce dont
je /e remercie vivement.
O artigo original referido é Benoit Mandelbrot, 1 967,
<< How Long Is the Coast of Brita in? Statistical Self-Similarity
and Fractional Dimension >> , Science, vol. 1 56, n.0 3 775. ( May
5, 1 967), pp. 6 36-63 8 . O l ivro clássico e bem i lustrado sobre
fractais é Benoit Mandelbrot, The Fractal Geometry of Nature,
Freeman, 1 977. Quem quiser aprender a traçar o conjunto de Mandelbrot, poderá consultar: A. K. Dewdney, A Máquina
Mágica. Um manual de magia computacional, Gradiva, 1 994
OTA S E REFER� CIAS 251
(contém uma disquete, embora hoje seja difícil encontrar um
leitor para ela) .
O poema de Alvaro de Campos está, por exemplo, em
Poemas de Alvaro de Campos, de Fernando Pessoa (edição
crítica de Cleonice Berardinelli), Imprensa Nacional - Casa
da Moeda, 1 990, ou em Poesia. Alvaro de Campos (edição de
Teresa Rita Lopes), Assírio & Alvim, 2002.
PROCURAM-SE NÓNIOS DE NUNES E OUTRAS HISTÓRIAS DE ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA
Procuram-se nónios de Nunes
As obras completas de Pedro Nunes estão a ser publicadas pela Academia das Ciências de Lisboa em conjunto com a
Fundação Gulbenkian. O volume mencionado é: Obras de Pedro Nunes II: De Crepusculi (prefácio de José V. de Pina Martins),
Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. O segundo volume tinha
saído em 1 943, no quadro das Obras de Pedro Nunes, em
quatro volumes, Academia das Ciências de Lisboa, 1 940- 1 960.
O grande especialista em Pedro Nunes é Henrique Leitão,
membro da comissão científica que produziu as referidas
Obras e autor dos seguintes livros sobre o grande matemático:
- Luís Trabucho de Campos, Henrique Leitão e João
Filipe Queiró (editores), lnternational Conference: Petri Nonii Salaciensis Opera, Lisbon-Coimbra, 24-25 May 2002. Proceedings, Faculdade de Ciências da Universi
dade de Lisboa, 2003 .
- Pedro Nunes, 1502-1578: Novas terras, novos mares e o que mays he: novo ceo e novas estrellas. Catálogo bibliográfico sobre Pedro Nunes. Comissário cientí
fico: Henrique Leitão; coordenação técnica: Lígia de Azevedo Martins, Biblioteca Nacional, 2002.
252 DARWIN AOS TIROS
Leitão é ainda autor da biografia juvenil Chamo-me Pedro Nunes, saída na Didáctica Editora, em 20 1 0, com ilustrações
de Jorge Miguel. O catálogo da Biblioteca Nacional de Portu
gal referido no texto é Estrelas de papel: livros de astronomia dos séculos XIV a XVIII, cujo comissário científico mais uma
vez foi Henrique Leitão (com colaboração de Halima Nai
mova; introdução de Jorge Couto; estudos de Henrique Lei
tão, Luís Tirapicos, Cândido Marciano da Silva; Biblioteca
Nacional de Portugal, 2009).
A história do achamento do nónio de Nunes está contada
em: António Estácio dos Reis, << O Nónio de Pedro Nunes>>,
saído na revista Oceanos, publicada pela Comissão Nacional
para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,
n.0 38, Abril/Junho de 1999, com o título << Navios e nave
gações - Portugal e o Mar>> . Pode ler-se versão online em:
h ttp :/leve. insti tu to-eamoes. ptleieneia/e2 O e. h tml
Um buraco de onze dias
Sobre o calendário, ver Mapping Time: The Calendar and Its History, de E. G. Richards, Oxford University Press, 2000.
Uma colecção de factos curiosos encontra-se em Raul Lopes
Rodrigues, Curiosidades Acerca do Calendário, APPACDM de
Braga, 2000. Uma história juvenil sobre o buraco temporal é da
autoria do físico israelita Abner Shimony: Tibaldo e o Buraco no Calendário. História de Tibaldo, nascido em 1582, ano em que Gregório X III mudou o calendário, Replicação, 200 1 .
O intrépido capitão Lunardi e os Lulanos
A obra contística completa de Edgar Allan Poe está publi
cada pela Quetzal, Todos os Contos de Edgar Allan Poe (com ilustrações de Joan-Pere Viladecans), 2010. O referido conto
encontra-se isolado em Edgar Allan Poe, Um Homem na Lua, Calçada das Letras, 2009.
OTAS E REFE R � C!AS 253
O poema de Bocage só se encontra em boas bibliotecas:
Elogio poético à admirável intrepidez, com que em domingo 24 de Agosto de 1794 subiu o capitão Lunardi no balão aerostático, Lisboa, 1794.
A obra de Rodrigues da Costa saiu em O balão aos habitantes da Lua: uma epopeia portuguesa, 2006, Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, uma edição de apenas cem
exemplares com introdução de Maria Luísa Maiato Borralho;
tinha saído, em 1978, nas Edições 70, uma edição com pre
fácio do poeta Alberto Pimenta, mas esgotou. Está online em
http://ler.letras. up. pt/u ploadslficheiros/artigo 1 0621. pdf
Também está online no Google Books a edição original
http://books.google.com/books?id=OkoTAQAAMAAJ &printsec=frontcover&source=gbs_ge_summary _
r&cad=O#v=onepage&q&f=false
Einstein eclipsa Newton
Uma excelente biografia de Einstein é a de Abraham Pais,
Subtil É o Senhor, Vida e Pensamento de Alberto Einstein, Gradiva, 1999. Sobre a recepção de Einstein em Portugal, ver
Carlos Fiolhais (coordenação) , Einstein entre Nós- A Recepção de Einstein em Portugal de 1905 a 1955, Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2005, catálogo de uma exposição
sobre a recepção de Einstein em Portugal realizado nesse mesmo ano, Ano Internacional da Física. Para uma apresen
tação mais popular, ver o livro de Carlos Fiolhais, Nova Física Divertida, Gradiva, 2007.
Da órbita de Clarke ao elevador espacial
O artigo da Wireless World em referência completa <<Ex
tra-Terrestrial Relays Can Rocket Stations Give Worldwide
254 DARWIN AOS TIROS
Radio Coverage?>>, Wireless World, Outubro de 1945,
pp. 305-308. Está na Internet em:
http://lakdi va.org!clarke/1945 ww/194 5 ww _305. j pg
V ários livros de Arthur C. Clarke estão traduzidos em por
tuguês, por exemplo, 2001 - Odisseia no Espaço, Europa
América, 2008, de que há três sequelas (200 1 -Segunda Odisseia, 2061- Terceira Odisseia e 3001- Odisseia Final ), e Fontes do Paraíso, Edições 70, 1990. O filme 2001 - Odisseia no Espaço, do realizador Stanley Kubrick, estreou em 1968.
Sobre o elevador espacial, uma vez que pode haver desen
volvimentos, a Wikipédia é um recurso útil:
http://en. wiki pedia .org!wiki/Space_eleva to r
O pai incógnito do Sputnik
A história da corrida espacial está, em boa parte pelo
menos, exposta no livro do jornalista de ciência norte-americano John Noble Wilford: Chegámos à Lua!, Livros do Bra
sil, sem data (o original é de 1969, contemporâneo da Apollo 11 ) . A tradução é do grande divulgador de ciência Eurico da
Fonseca.
Sobre Sergei Korolev, mais uma vez, a Wikipédia é útil:
h ttp :/I en. wiki pedia. org/wi ki/Sergei_Koro I e v
Porque está lá!
A história da <<conquista do Evereste>> está contada no
livro precisamente com esse título de Eric Shipton, com tra
dução do escritor Alexandre Pinheiro Torres, Civilização, 1959
(há edições posteriores) Quem quiser conhecer a história da ascensão a essa montanha pelo maior montanhista português de sempre, e também o primeiro e único a atingir o cume, leia João Garcia, A Mais Alta Solidão, Dom Quixote,
OTAS E R EF ER � CIAS 255
2002. A descoberta do corpo de George Mallory em 1999 no
Evereste está descrita no livro The Lost Explorer: Finding Mallory On Mount Everest, Simon and Schuster Touchstone,
1999, cujos autores são Conrad Anker e David Roberts.
O primeiro é o alpinista que encontrou o corpo e faz um
empolgante relato da expedição de 1999. O segundo conta a
história de George Mallory e da expedição de 1924 em que
ele desapareceu, em capítulos intercalados com os de 1999.
Sobre a corrida à Lua, ver, além do livro de John Noble
Wilford já citado, A Conquista da Lua - 1969. A Viagem da Apollo 11, de Peter Ryan, Europa-América, 1969. Uma obra
premonitória muito interessante é Os Primeiros Homens na Lua, do engenheiro espacial Wernher von Braun, Bertrand,
sem data, mas provavelmente de 1 96 3 .
Viagem planetária com dormida na heliosfera
Sobre as sondas Voyager, a melhor referência encontra-se no sítio oficial da NASA:
http://voyager.jpl.nasa.gov/
De Carl Sagan, a obra maior é Cosmos, Gradiva, 2009,
edição na colecção << Obras de Carl Sagan » (há uma edição
ilustrada, de 2001, mais rica que a edição sem imagens saída
originalmente em Portugal, também na Gradiva, em 1981).
A sua biografia está contada no livro da Bizâncio Carl Sagan: Uma Vida, de Keay Davidson, 2000, esgotado.
Galileo no vidro da frente com uma ventosa
Sobre o GPS e sobre o projecto Galileo, uma boa fonte é
a Wikipédia, até porque contém permanentes actualizações:
h ttp://en. wiki pedia.org/wiki/Gio bai_Position i ng_System http://en.wikipedia.org/wiki/Galileo_ %28satellite_navigation%29
256 DARW I AOS TIROS
Bactérias extraterrestres? Outra vez?
O artigo de Richard Hoover intitula-se < <Meteors & Micro
fossils >> e encontra-se no ]ournal of Cosmology, vol. 13,
pp. 381 1-3848. Está disponível na Internet em:
http://journalofcosmology.com/LifelOO.html
juntamente com muitos comentários. A discussão que houve
antes sobre bactérias marcianas encontra-se, por exemplo,
em:
http://en.wikipedia.org/wiki/Allan_Hills_84001
Uma referência em português sobre astrobiologia é Her
nâni Maia e Ilda Dias, Origem da Vida, Escolar Editora,
2008. Sobre a ideia de panspermia, ver Fred Hoyle e Chandra
Wickramasinghe, A Força de Vida Cósmica. O Poder da Vida no Universo, Europa-América, 1991.
Alô, Marte, está aí alguém?
Sobre a sonda Fénix, ver o respectivo sítio da responsabi
lidade da NASA:
http://en.wikipedia.org/wiki/Phoenix_ %28spacecraft%29
Quem gostar de saber mais sobre Marte, leia: William
Sheehan, Planeta Marte. Uma História de Obsessão e Desco
berta, Inquérito, 1997. Sobre a futura missão humana a esse
planeta, leia: Robert Zubrin com Richard Wagner, The Case for Mars. The plan to settle the red planet and why we must, Simon and Schuster, 1996, com prefácio de Arthur C. Clarke. Boa ficção científica sobre Marte é Ray Bradbury, Crónicas Marcianas, Europa-América, 2002.
OTAS E REFERt CIAS 257
O eixo do mal na abóbada celeste
João Magueijo é o autor dos livros Mais Rápido Que a Luz. Biografia de uma especulação científica, Gradiva, 2003
e O Grande Inquisidor, Gradiva, 201 1. O artigo original
sobre o eixo do mal é de Kate Land e João Magueijo: < <The
axis of evih > , 2005, Physical Review Letters, 95 (2005)
07 130 1, arquivado online em:
http:/larXiv:astro-ph/050223 7v2
Multiverso, Alices e coelhos brancos
Uma obra actualizada sobre a ideia de multiversos é: Brian
Greene, The Hidden Reality. Parallel Universes and the Deep
Laws o( the Cosmos, Allen Lane, 201 1. O livro onde aparece a
história dos coelhos brancos é de Lewis Carroll: Aventuras de Alice no País das Maravilhas, Presença, 2010 (há várias outras
edições). Das edições internacionais recomenda-se a que é
acompanhada por notas de Martin Gardner, o grande divulgador
da matemática falecido em 2000: The Annotated Alice, The Definitive Edition, W. W. Norton, 2002 (há tradução brasileira).
UM PALIMPSESTO PARA LER NO BA HO E OUTRAS HISTORIAS DE FÍSICA
Um palimpsesto para ler no banho
O livro em causa é O Codex Arquimedes, Edições 70,
2007, da autoria de Reviel Netz e William Noel. Para saber
mais sobre Arquimedes e a impulsão, ver Carlos Fiolhais,
Física Divertida, Gradiva, 1991.
Atraso judicial no Vaticano
A vida e a obra de Galileu estão contadas no livro Galileu,
do historiador de ciência Stillman Drake, Dom Quixote, 1983. A tradução portuguesa do Mensageiro das Estrelas é o
258 DARWI AOS TIROS
livro: Galileu Galilei. Sidereus Nuncius. O Mensageiro das Estrelas, com tradução, estudo e notas por Henrique Leitão,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. Sobre Clavius, ver
James M. Lattis, Between Copernicus and Galileo. Christoph Clavius and the Collapse of the Ptolemaic Cosmology, The
University of Chicago Press, 1994. Para uma descrição por
tuguesa resumida, ver Carlos Fiolhais e Décio Martins, Breve História da Ciência em Portugal, Gradiva e I mprensa da Uni
versidade de Coimbra, 2010. O filme referido é Um Quarto com Vista sobre a Cidade, realizado por James Ivory, 1985,
com Helena Banham Carter.
Deus e os gigantes da ciência
As relações entre ciência e religião têm dado pano para
muitas mangas. Em 2010, Carlos Fiolhais participou numa
conferência na Universidade do Porto com o bispo daquela
cidade, D. Manuel Clemente. As duas intervenções encon
tram-se respectivamente em:
http://dererumm u ndi. blogspot.com/201 0/02/ciencia -ereligiao.html
http://www.agencia .ecclesia. pt/cgi -bin/noticia. pi? id= 7 5 446
Sobre a vida de Galileu, além do livro de Drake já citado,
ver Michael White, Galileu. O Anticristo. A Biografia, Euro
pa-América, 2008. Uma biografia recente de Newton é de James Gleick: Isaac Newton, Casa das Letras, 2011. Uma
tradução de grandes textos históricos daqueles gigantes é:
Stephen Hawking (introdução e notas), Aos Ombros de Gigantes, Texto Editores, 2010 (tradução em português euro
peu coordenada por Carlos Fiolhais).
O padre voador
Bartolomeu de Gusmão está exaustivamente tratado no
belo livro, publicado no Brasil, Bartolomeu Lourenço de
OTA S E REFER!õ C!AS 259
Gusmão. O Padre Inventor, Brasiliana da Biblioteca Joanina
da Universidade de Coimbra, vol. I, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro e Andrea Jakobsson Estúdio, 20 1 1 . A obra
contém a transcrição dos manuscritos relativos à Passarola, incluindo:
- Petição de Bartolomeu Lourenço para lhe ser concedido o privilégio de só ele poder fabricar instrumentos para voar [manuscrito], Biblioteca Geral da Universidade de
Coimbra, Ms. 677, f. 4 1 0-4 1 0v [inícios de 1709].
- Manifesto Sumário para os que ignoram poder-se navegar pelo elemento Ar [manuscrito], Biblioteca Geral
da Universidade de Coimbra, Ms. 342, 1 709, f. 234-
-24 1 .
Ver, também sobre Gusmão, Henrique Mateus, Portugal na Aventura de Voar, vol. 1 ; De Bartolomeu de Gusmão ao Ocaso dos Balões Esféricos (1709-1915), Público, 2009, e
Rómulo de Carvalho, História dos Balões, Atlântida, 3 ." edi
ção, 1 9 76; nova edição, Relógio d'Água, 1 99 1 .
A ilustre família Magalhães
A família Magalhães está tratada no livro de Manuel Villas
-Boas, Os Magalhães. Sete Séculos de Aventura, Estampa,
1998. Uma obra sobre o lado português de Fernão de Maga
lhães é A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses, de José Manuel Garcia, Presença, 2007. Sobre Gabriel Maga
lhães, ver Irene Pih, Le Pere Gabriel de Magalhaes. Un jesuite portugais en Chine au X V II. • siecle, Fundação Calouste
Gulbenkian- Centro Cultural Português, Paris, 1 979. Final
mente, sobre João Jacinto de Magalhães, uma obra de refe
rência é a tese de doutoramento de Isabel Malaquias, A Obra
de João Jacinto de Magalhães no Contexto da Ciência do Século X V III, Universidade de Aveiro, 1 994.
260 DARWIN AO TIROS
Engenheiro morre no cárcere após suicídio falhado
Os membros portugueses da Royal Society, sobre os quais
teve lugar uma exposição na Biblioteca Joanina da Universi
dade de Coimbra em 2 0 1 0, são o objecto do livro: Carlos
Fiolhais (coordenação e textos introdutórios) , Membros Portugueses da Royal Society. Portuguese Fellows of the Royal Society, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 2011.
Ver também o sítio associado à exposição:
http:/ /www. portugueses-rsl.com/
A saga do V asa: demasiado bonito para flutuar
O sítio do Museu Vasa na Internet é
http://vasamuseet.se/en/
Uma obra de referência sobre a história do navio Vasa e
a sua recuperação é Vasa I: The Archaeology of a Swedish Royal Ship of 1628, Statens Marítima Museer, 2006. O livro
da escritora Cristina Carvalho O Gato de Uppsala, Sextante, 2009, conta uma história que tem a ver com o navio.
Cientistas incendiários
A história de Voltaire e de Madame de Châtelet está nar
rada no livro de David Bodanis, Passionate Minds, Crown,
2006. O livro de Faraday que é um clássico da divulgação da
química é História Química de Uma Vela {tradução de Maria
Isabel Prata e Sérgio Rodrigues), Imprensa da Universidade
de Coimbra, 2011. Sobre modelos computacionais que servem
para descrever fogos e não só, ver Heinz Otto Peitgen, Hart
mut Juergens e Dietmar Saupe, Fractals for the Classroom, part 1. Tntroduction to Fractals and Chaos, Springer, 1992. Sobre Francis Bacon, ver Carlos Fiolhais, «Saber e Poder ou a Modernidade em Sir Francis Bacon >> , in As Ciências. Balan-
OTAS E REFE R � CIAS 261
ços e Perspectivas, Actas dos 3.05 Cursos Internacionais de Verão de Cascais -1996, Câmara Municipal de Cascais,
1997, pp. 155-174.
As cores do embaixador Sampayo
As obras de Diogo de Carvalho Sampayo têm referências
completas:
- Tratado das cores: analítica, synthetica, hermeneutica/ por Diogo de Carvalho e Sampayo, Malta: Off. Typ.
de SAE, 1787. Uma reedicão em fac-símile do Tratado das Cores saiu na Chaves Ferreira em 2001, um mag
nífico livro, mas caro e difícil de encontrar.
- Dissertação sobre as cores primitivas: com um breve tratado da composição artificial das cores por Diogo de Carvalho e Sampaio, Lisboa, Regia Officina Typo
grafica, 1788.
- Memoria sobre a formação natural das cores por Diogo de Carvalho e Sampayo. Madrid: Na Officina Typogra
phica da viuva de !barra, 1791.
Um estudo recente com transcrição dos livros antigos Dissertação e Memória é: O Sistema das Cores de Diogo de Carvalho e Sampayo; introdução e coordenação de Rui Graça
Feijó, Porto Editora, 2008. A teoria das cores de Goethe encon
tra-se publicada em português do Brasil em Doutrina das Cores (tradução da parte didáctica da Farbenlehre por Marcos
Giannotti), Nova Alexandria, 1993. O estudo atrás mencionado
de Rui G. Feijó traduz a citação de Goethe sobre Sampayo.
O maior erro de Einstein
A história da radioactividade pode ler-se em Rómulo de
Carvalho, História da Radioactividade, 3." edição, Atlântida,
262 OARWI AOS TIROS
1977. Uma biografia de Curie, escrita pela filha Eve Curie:
Madame Curie, Livros do Brasil, sem data. Ver também
Mulheres na Ciência. Lise Meitner. Marie Goeppert Mayer. Marie Curie, organização de A. M. Nunes dos Santos, Maria
Amália Bento e Christopher Auretta, Gradiva, 1991. Frases
famosas, incluindo algumas misóginas, de Albert Einstein en
contram-se no livro coligido e editado por Alice Calaprice,
The New Quotable Einstein, Princeton University Press, 2005
(saiu uma nova edição em 2010: The Ultimate Quotable Einstein). Sobre as cientistas portuguesas, ver Carlos Fiolhais
e Décio Martins, Breve História da Ciência em Portugal, Gradiva e Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010, e
Carlos Fiolhais, Ciência em Portugal, Fundação Francisco
Manuel dos Santos, 2011.
Prémios Nobel da Física para todos os gostos
A descoberta do núcleo atómico está contada, a nível de
divulgação, no mencionado l ivro de Rómulo de Carvalho sobre a história da radioactividade. Ver também o artigo sobre a
história da física nuclear em Carlos Fiolhais, António Nunes
dos Santos e Rui Pita, Em Torno da Vida e da Obra de Pierre e Marie Curie, Direcção Regional de Educação do Centro, 1992
(difícil de encontrar). A descoberta da supercondutividade está
contada com algum pormenor no artigo de Dirk van Delft e
Peter Kes, <<The discovery of superconductivity», Physics Today, 63, 38 (2010).
As namoradas de Schrõdinger e o significado da vida
O l ivro What is Life? Mind and Matter, de Erwin Schrõ
dinger tem uma edição em português: O Que é a Vida? Espírito e Matéria, Fragmentos, 1989. Uma boa biografia de Schrodinger é Schrodinger: Life and Thought, de Walter John Moore, Cambridge University Press, 1992. Sobre o início da
biologia molecular, muito influenciada pela física e pelos fí-
OTAS E R EF ER r_ IAS 263
sicos, ver Michel Morange, A History of Molecular Biology, Harvard University Press, 1998.
O carteiro de Reguengos traz carta de Einstein
Um estudo com vista à preparação de uma tese de doutora
mento ainda inédito sobre Gião é da autoria do matemático
José Carlos Tiago de Oliveira, a quem o autor agradece muitas
informações úteis. As relações entre Gião e Einstein estão
referidas em Carlos Fiolhais (coordenador), Einstein entre Nós. A Recepção de Einstein em Portugal de 1905 a 1955, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2005, e em Carlos
Fiolhais, Nova Física Divertida, Gradiva, 2007. A casa de
Gião em Reguengos, pertença da Sociedade Portuguesa de
Autores, pode ser visitada sob marcação.
O incrível Hulk
Os filmes referidos são:
- O Incrível Hulk, realizado por Louis Leterrier, 2008,
com Edward Norton no papel de Dr. Bruce Banner/ /Hulk.
- Hulk, realizado por Ang Lee, 2003, com Eric Bana no
papel de Dr. Bruce Banner/Hulk .
Sobre a física dos super-heróis, ver James Kakalios, The Physics of Superheroes, Gothan Books, 2005, e Lois Gresh e
Robert Werimnberg, The Science of Superheroes, com intro
dução de Dean Koontz, John Wiley and Sons, 2002.
Um físico na prisão de Estaline
Uma biografia de Landau saiu em tradução portuguesa no
Brasil: Landau: o Sábio Que Morreu Quatro Vezes, Edições
Bloch, 1968, da autoria do jornalista russo Alexander Doro
zynski. A referência ao primeiro volume do seu curso de física
264 DARWIN A OS TIROS
teórica (edição portuguesa) é L. D. Landau, e E. Lifshitz, Mecânica, Editora Mir, 1977, mas há vários outros volumes em
várias línguas.
O Prof. Rómulo e o seu amigo poeta com quem nunca era visto
Para conhecer Rómulo de Carvalho, é fundamental ler as
suas Memórias, um manuscrito que ele deixou inédito e que
foi publicado em 20 1 0 pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Ver também o catálogo da exposição que se realizou em Lisboa
Pedra Filosofal. Rómulo de Carvalho. António Gedeão, Museu
de Ciência da Universidade de Lisboa, 2001. Sobre a pedago
gia de Rómulo de Carvalho, ver Rómulo de Carvalho, Ser Professor (organização e prefácio de Nuno Crato), Gradiva,
2006. Sobre os livros de Rómulo de Carvalho, ver Carlos
Fiolhais, <<Üs Livros que Rómulo de Carvalho nos deixou>>,
in Actas do Encontro Internacional António Gedeão & Rómulo de Carvalho, Novos Poemas para o Homem Novo, Célia Vieira e Isabel Rio Novo (organizadores), Edições ISMAI,
2008, pp. 35-42.
Ver ainda os sítios:
http://purl. pt/12157/1/ (Uma exposição da Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa).
e
http://nautilus.fis.uc.pt/rd (Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, em Coimbra)
A sua poesia completa encontra-se em António Gedeão,
Obra Completa, Relógio d'Água, 2004, com notas introdu
tórias de Natália Nunes.
O l aser, uma solução à procura de um problema
A história do laser está contada, em língua portuguesa,
por Luís Miguel Bernardo, História da Luz e das Cores,
OTAS E R EF ER � CIAS 265
Editora da Universidade do Porto, vol. 3, 2 0 1 0, uma grande
obra sobre a luz, onde há várias referências.
Dinossauros, pirâmides e JFK
O referido artigo sobre os trabalhos de Alvarez é C. G.
Wohl, <<Scientist as detective: Luis Alvarez and the pyramid
burial chambers, the JFK assassination, and the end of the
dinosaurs>>, American]ournal of Physics, 75: 968. O livro em
português do seu filho Walter Alvarez, T. Rex e a Cratera da Destruição, Bizâncio, 2000, encontra-se esgotado. Há nele
referências aos trabalhos originais de Alvarez. O autor, que se
tem interessado pela história dos descobrimentos portugue
ses, assinou com dedicatória uma cópia na Biblioteca Geral
da Universidade de Coimbra quando a visitou em 2008.
A impunidade do homem invisível
O texto de Platão está no livro A República, 7." edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 1 993. O livro mencionado
de H. G. Wells é A Má quina do Tempo, Europa-América,
2002. A observação de H. G. Wells sobre Portugal consta em
A Year of Prophesying (Fisher Unwin, 1 924), cujo capítulo
25 é dedicado a Portugal: <<Portugal and prosperity: the
blessedness of being a little» . Agradeço a José Mota, professor
jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
a indicação dessa referência. Os filmes indicados são:
- O Homem Invisível, de James Whale, de 1 933 (um
clássico dos filmes de terror);
- O Incrível Homem Transparente, de Edgar Ulmer, de
1 960; - e O Homem Transparente, de Paul Verhoeven, com
Kevin Bacon e Elisabeth Shue, de 2000.
266 DARWI AOS TIROS
Os livros de Harry Potter, que também originaram uma
série de filmes, estão publicados em Portugal pela Presença.
Um livro sobre ciência associado a Harry Potter é A Ciência e a Magia em Harry Potter, de Roger Highfield, Magnólia,
2007. O artigo de John Pendry e colaboradores é D. R. Smith
e M. C. K. Wiltshire, <<Metamaterials and Negative Refractive
Index>>, Science 305, 788-792 (2004).
O medo do nuclear
Uma obra em português de divulgação sobre energia nuclear
é Jaime C. Oliveira, O Reactor Nuclear Português: Fonte de Conhecimento, Mirante, 2005. Há muitos sítios na Internet
sobre Fukushima com qualidade bastante desigual. A Wiki
pédia faz uma descrição geral do que aconteceu, um processo
ainda em evolução à data deste livro:
h ttp :/ /en. wiki pedia. orglwi ki/F uk u shirna_Daiichi_n uclear_d i saster
A senhora da limpeza desentropiou-me o gabinete
Faz falta entre nós uma biografia de José Pinto Peixoto.
O livro internacional da sua autoria é José P. Peixoto e Abra
ham H. Oort, Physics o( Climate, American Institute of Phy
sics, 1992. O próprio Prof. Peixoto escreveu uma monografia
sobre a sua terra, Miuzela: A terra e as gentes, edição de
autor, 1996. Os artigos do Prof. Peixoto na Scientific American e La Recherche são <<The control of the water cycle>> , Scientific American, 228 (1973), 46-61 e <<Le cycle de l'eau et le climat»,
La Recherche, 21 (1990), 570-579.
A física do futebol
O livro referido é Ken Bray, How to Score Science and the Beautiful Game, Granta Books, 2006. Não está ainda tradu
zido em português.
OTAS E REFER� CIAS 267
O melhor da existência humana
Este texto foi publicado no jornal Público quando se inau
gurou o Large Hadron Collider- LHC. O livro de Carlos
Fiolhais Engenho Luso e Outras Histórias, Gradiva, 2009,
contém uma crónica sobre o começo de actividade desse
acelerador de partículas.
Uma bomba sexual
Sobre o explosivo PETN, ver:
h ttp :// pt. wiki pedi a. org/wikiff etra nitra to_ de_pen ta e ri tri na
Sobre Bernard Tollens e a química em Portugal no século xrx, ver Carlos Fiolhais e Décio Martins, Breve História da Ciência em Portugal, Gradiva e Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010.
Do lg Nobel ao Nobel
Ver o sítio da Fundação Nobel:
http://www.nobelprize.org/
E o sítio dos prémios Ig Nobel:
http:/ fim proba ble.com/ig/winners/
Gelo quente é possível, Sr. Dr.
Os dados estatísticos mencionados são retirados da base
de dados Pordata:
http://www.pordata.pt
criada e desenvolvida pela Fundação Francisco Manuel dos
Santos, e podem ser consultados livremente. Foi efectuada
268 DARWI A O S TIROS
uma simplificação, uma vez que a água tem várias fases sóli
das a pressões elevadas e não apenas uma.
GUERRA E PAZ NO MUSEU E OUTRAS HISTÓRIAS DE QUÍMICA
Guerra e paz no museu
Ver o catálogo do Museu da Ciência da Universidade de
Coimbra Segredos da Luz e da Matéria, Museu da Ciência da
Universidade de Coimbra, Universidade de Coimbra, 2006 (que inclui o artigo de Carlos Fiolhais e Décio Martins Ruivo,
«As Ciências Exactas e aturais em Coimbra>>, pp. 70-115). Uma crónica sobre o batalhão académico de 2008 encontra
-se no livro de Carlos Fiolhais Engenho Luso e Outras Crónicas, Gradiva, 2009.
O cheiro dos ricos
Ver, sobre o Museu Farina, o livrinho: Markus Eckstein,
Eau de Cologne. Farina 's 300th Anniversary, J. P. Bachem
Verlag, 2009. Ler sobre este assunto dos perfumes e da per
fumaria o romance de Patrick Süskind O Perfume. História de Um Assassino, Presença, 1986, que originou um filme.
Há muito espaço lá em baixo
Para uma introdução popular à nanotecnologia, ver o livro
Carlos Fiolhais, Nova Física Divertida, Gradiva, 2007. A
famosa lição de Richard Feynman está na Internet em:
http://www.zyvex.com/nanotech/feynman.html
Uma biografia de Feynman é James Gleick, FeynmanA Natureza do Génio, Gradiva, 1993. O livro de Michael
NOTAS E R EF ERtN CIAS 269
Crichton é Presas, Dom Quixote, 2003. Contém bibliografia
científica, tal como vários outros livros do mesmo autor. Ele
mentos deste livro foram utilizados no filme O Dia em Que a Terra Parou (2008), de Scott Derrickson.
A ilha dos superpesados
A tabela periódica e em geral a química têm a sua história
contada no livro do químico Jorge Calado Haja Luz!, IST
Press, 2011. Sobre elementos superpesados e a ilha de esta
bilidade (o assunto pode evoluir), ver:
http://en.wikipedia.org/wikirrransuranium_element http://en. wiki pedia .org/wiki/Island_of_sta bility
O mistério da cebola e o verniz estragado
No seu livro O Sistema Periódico (Gradiva, 1988), Primo
Levi conta várias histórias da sua vida como químico. Os
capítulos têm todos o nome de um elemento químico com o
qual Primo Levi se cruzou. Pelo meio dessas histórias quími
cas, foi prisioneiro no campo de concentração de Auschwitz
-Birkenau, e sobre essa experiência escreveu os livros Se isto É Um Homem (Teorema, 2009) e A Trégua (Teorema, 2010),
que são hoje clássicos da literatura contemporânea.
Sabe Deus que isto é vitamina C
Todas as afirmações atribuídas a Albert voo Szent-Gyorgyi
neste texto fazem parte de uma entrevista concedida ao pro
grama Horizon da BBC, em 1965, que pode ser vista nos
arquivos dessa estação:
http://www.bbc.eo.uk/sn/tvradio/programmes/horizon/ broadband/archive/gyorgyi/
270 DARWI AOS TIROS
Nos gloriosos dias do DDT
A h istória da descoberta do uso do DDT como insecticida
está contada no livro Eurekas and Euphorias: The Oxford Book of Scientific Anecdotes, da autoria de Walter Gratzer,
editado pela Oxford University Press, 2002. O livro Primavera Silenciosa, da bióloga Rachel Carson, que esteve na origem
da interdição do uso do DDT, foi editado em português no
Brasil em 2010 pela editora Gaia de São Paulo. O título
original inglês é Silent Spring (Houghton Mifflin, 1 962).
Gasolina nas torradas e manteiga no depósito de gasolina
A quantidade de energia libertada pela oxidação de várias
substâncias está listada no livro Química, da autoria de
Raymond Chang, editado pela McGrawHill (5.• ed., 1 994).
Este livro é usado nos primeiros anos de cursos universitários de ciências, em cadeiras introdutórias de Química.
«Ó MAR SALGADO, QUANTO DO TEU SAL...>> E OUTRAS HISTÓRIAS DE GEOLOGIA
<<Ó mar salgado, quanto do teu sal...>>
O livro de poemas de Fernando Pessoa Mensagem é muito
fácil de encontrar (existem edições da Assírio & Alvim e da Im
prensa Nacional- Casa da Moeda). Na Internet, ver o original:
http://purl.pt/1 3966 (Biblioteca Nacional Digital)
Pânico no clima europeu
O livro recomendado no texto é: Terra. Acontecimentos que mudaram o mundo, de Richard Hamblyn, Bertrand, 2010 .
Sobre o fenómeno do vulcanismo, ver Histórias d e Vulcões
NOTAS E REFER� CIAS 271
do vulcanologista francês Haroun Tazieff, Estampa, 1972. E sobre o vulcão E. :
http://en. wikipedia.org/wiki/Eyjafjallaj% C3% B6kull
O temor da terra
Sobre tremores de terra, ver Haroun Tazieff, Quando a Terra Treme, Estampa, 1971, e Claude Allegre, As Fúrias da Terra, Relógio d'Água, 1993. Sobre o terramoto de Lisboa,
sobre o qual há uma imensa literatura, um bom resumo é Rui
Tavares, Pequeno Livro do Grande Terramoto, Tinta da
China, 2005. A lista dos maiores terramotos está em:
http://en. wiki pedia .org/wi ki/Lists_of_earthquakes
Para a poesia de António Gedeão, ver o volume da sua
poesia completa atrás mencionado.
A MIRABOLANTE FLORA DO DESERTO E OUTRAS HISTÓRIAS DE BIOLOGIA
A mirabolante flora do deserto
Ver o livro Missão Botânica- Angola (1927-1937), Helena Freitas, Paulo Amaral, Alexandre Ramires, Fátima
Sales (coordenadores), Imprensa da Universidade de Coimbra,
2005. O poema transcrito está no livro Herbário de Jorge
Sousa Braga, com ilustrações de Cristina Valadas, Assírio &
Alvim, 1999.
Darwin e o seu amigo açoriano
Uma biografia de Darwin é a de Janet Browne atrás men
cionada. A história de Francisco de Arruda Furtado está no
272 DARWIN AOS TIROS
livro de Carlos Fiolhais e Décio Martins, Breve História da Ciência em Portugal, Gradiva e Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2010. A correspondência científica de Arruda Fur
tado está publicada pelo governo dos Açores: Correspondência Científica de Arruda Furtado. Introdução, levantamento
e estudo de Luís M. Arruda, Instituto Cultural de Ponta
Delgada, 2002. Encontra-se online em:
www.iac-azores.org/ .. ./arruda-furtado/CorrespondenciaCientifica-AF. pdf
Ver também o prefácio de Carlos Fiolhais à peça de teatro
de Paulo Trincão, O Português Que se Correspondeu com Darwin, Gradiva, 2009. Uma obra essencial sobre Darwin e
Portugal é Ana Leonor Pereira, Darwin em Portugal, Almedina, 2001.
A origem da espécie
Sobre o entomologista britânico, ver:
http://en. wikipedia.org/wiki/Max_Barcla y
A história relatada foi contada na imprensa, por exemplo,
em:
http://www. time.com/time/hea lth/article/0, 85 9 9,18229 36,00 .html
África nossa
O artigo original é Tishkoff et al. (2009), «The genetic
structure and history of Africans and African Americans>> .
Science, 324: 1035-1 044. Sobre as origens do homem, um
bom resumo é Eugénia Cunha, Como nos Tornámos Humanos, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010. O filme de Sydney Pollack é A(rica Minha, 1985, com Meryl Streep e Robert
OTAS E REFERtNCIAS 273
Bedford. Baseia-se na obra de Karen Blixen com o mesmo
título reeditada em Portugal em 201 1 pelo Clube de Autor.
Darwin aos tiros
Janet Browne é a autora da excelente biografia de Charles
Darwin com o título A Origem das Espécies de Charles Darwin editada pela Gradiva em 2008, uma leitura vivamente
recomendada. O livro A Viagem do Beagle, editado pela Reló
gio d'Água em 2009, é uma compilação de textos dos diários
da viagem que Darwin fez durante cinco anos à volta do
mundo a bordo de um minúsculo navio, acontecimento deter
minante na sua vida e pensamento.
A origem da vida: não tente isto em casa
A história de todos os acontecimentos químicos que con
duziram ao surgimento da vida está muito bem contada no
livro Introdução à Química da Vida, da autoria de João José
Fraústo da Silva, editado pela Universidade Nova de Lisboa
em 1 985. Infelizmente, é muito difícil conseguir um exemplar
por estar esgotado.
Previsões só no fim do jogo: selecção natural irrelevante
A Origem das Espécies, obra magistral de Charles Darwin,
foi reeditada em Portugal pela Europa-América em 2005 (há
edições mais recentes, da Verbo e da Guimarães). É um clás
sico, que mudou o pensamento humano e desempenhou um
papel histórico extraordinário. O livro Evolução- História e Argumentos, editado pela Esfera do Caos em 2008, como
o título indica é uma excelente compilação de textos sobre os
vários conceitos actuais da evolução. Darwin ainda não sabia
tudo sobre evolução, nem nós sabemos, claro! Entre os vários autores, encontram-se Charles Darwin, Alfred Wallace, Theo-
274 DARWI AOS TIROS
dosius Dobzhansky, a par com cientistas portugueses contem
porâneos. A famosa afirmação de Dobzhansky é o título do
artigo << Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light
of Evolution>> , publicado em 1973 na revista The American Biology Teacher, volume 35 (Março), pp. 125-129.
Bullying eterno
Toda a obra de Charles Darwin pode ser lida gratuita
mente no sítio:
http://darwin-online.org.uk/
Darwin teve uma produção científica extraordinária que
pode aqui ser consultada, assim como a sua vasta correspon
dência, diários e notas pessoais.
Prémio Nobel para os brócolos
Uma transcrição do discurso de Ada E. Yonath no ban
quete nobel pode ser lida em:
http://nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/ 2009/yonath-speech.html
Geração nada espontânea e o herói dos pacotes de leite
Sobre Pasteur, ver Gerald Geison, A Ciência Particular de Louis Pasteur, Contraponto, 2002.
Alguns dos frascos originais, com gargalo em colo de cisne,
permanecem estéreis até hoje e podem ser apreciados no
Museu Pasteur, em Paris.
A festa dos macacos e a base genética da alma
Foi publicado em 2004, no ]ournal of Experimental Zoology, um artigo do biólogo Frank H. Ruddle da Universidade
NOTA S E R EF ER fõN ClA S 275
de Yale com o título <<Theophilus painter: First steps toward
an understanding of the human genome ». Neste artigo encon
tra-se uma interessante discussão acerca das razões que terão
levado o zoólogo Theophilus Painter a sobrestimar o número
de cromossomas humanos em 1 924. Está disponível gratuita
mente na biblioteca online da editora Wiley:
http://on li neli brary. wiley.com/doi/1 O .1 002/jez.a .20072/pdf
A mensagem do papa João Paulo II à Pontifícia Academia
de Ciências em 1 996 também está disponível a partir do sítio
do Vaticano:
http://www. vatican. v a/
<<Obrigado, alforreca», diz o coelhinho fluorescente
No sítio do artista Eduardo Kac existe uma galeria com
várias imagens acerca do projecto «coelhinho GFP>>:
http://www.ekac.org/gfpbunny.html
Os homens são todos iguais
O livro Genoma: Autobiografia de Uma Espécie em 23 Capítulos, da autoria de Matt Ridley, editado pela Gradiva
em 200 1 , percorre os 23 cromossomas humanos partindo da
sequência do genoma humano, recentemente disponível. Para
um relato empolgante de um dos protagonistas, acerca do
projecto de sequenciação do genoma humano (que foi uma
corrida .entre dois consórcios concorrentes), recomenda-se The Common Thread: A Story of Science, Politics, Ethics and the Human Genome, da autoria de Jonh Sulston e Georgina Ferry,
editado pela Bantam Press em 2002. Acerca dos mecanismos
de selecção sexual em várias espécies, foi editado em Portugal pela Quetzal em 2006 a divertida obra Consultório Sexual da Dr.• Tatiana para Toda a Criação, da autoria da bióloga
Olivia Judson.
276 D A RW I AOS TIR O S
A FABRICA DO CORPO HUMANO E OUTRAS HISTÓRIAS DE MEDICINA
A Fábrica do Corpo Humano
O livro original de Vesálio (do qual só parece haver um em
Portugal, na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra) é:
- Andreae Vesalii Bruxellensis, Scholae Medicorum Pata
vinae Professoris, De humani corporis fabrica libri septem. Basileae, ex officina Ioannis Oporini, 1 543.
Existe cópia desse livro na Internet, no sítio de livros an
tigos da Universidade de Coimbra:
http://almamater.uc.pt/ wra pper.asp ?t= [ Andreae+ Vesalii + Bruxellensis %2C+Scholae+
Medico rum+ Patavina e+ Professoris% 2 C+ De+ h uma ni +corporis+ fabrica+libri+septem]&d=http%3A %2F%2Fbdigital.sib.uc.pt%
2Fmanuscritos%2FUCBG-4A-21-14-1 %2Fgloballtems.html
Sobre a vida e a obra de Vesálio ver, por exemplo, John
Gribbin, História da Ciência: De 1543 ao Presente, Europa
-América, 2005. Sobre a iconografia da anatomia humana,
ver Human Anatomy. Depicting the Body from the Renaissance to Today, de Benjamin A. Rifkin, Michael]. Ackerman
e Judith Folkenberg, Thames and Hudson, 2006.
Um judeu errante
A obra maior de Amato Lusitano está reeditada em Centúrias de Curas Medicinais, Vols. I e II, Prefácio e tradução de
Firmino Crespo, Centro Editor Livreiro da Ordem dos Médi
cos, 2010. A obra maior de Garcia da Orta é Colóquios dos Simples e Drogas da fndia (publicada originalmente em Goa
em 1 563, reeditada no século XIX com direcção e notas por
NOTAS E REFERt CIAS 277
Conde de Ficalho, 2 vols. Academia Real das Ciências de Lis
boa/Imprensa Nacional, 1 89 1 -1 895). Sobre Amato e Orta,
ver A. ]. Andrade de Gouveia, Garcia d 'Orta e Amato Lusi tano na Ciência do seu Tempo, ICALP, Colecção Biblioteca
Breve, Volume 1 02, 1 985. Este documento está disponível no
sítio do Instituto Camões:
http:/ leve. i nsti tuto-camoes. pt/component/docma n/ doc_details.html ?a ut= 1 65
Sexo e violência em Egas Moniz
Uma biografia bastante completa sobre Egas Moniz é João
Lobo Antunes, Egas Moniz. Uma Biografia, Gradiva, 20 1 0.
Nela se encontram muitas outras referências sobre o nosso único Prémio Nobel na área das ciências. A tese de Egas
Moniz é A Vida Sexual (Fisiologia), 1 .• ed., Coimbra 1 90 1 ,
A Vida Sexual (Patologia}, 1 ." ed., Coimbra 1 901 , livros reunidos,
com consideráveis alterações em alguns capítulos, em A Vida Sexual (Fisiologia e Patologia), 3." ed., Lisboa, 1 9 1 3. O livro
sobre Júlio Dinis é Júlio Dinis e a Sua Obra, 1 924. O ensaio
<<A folia e a dor na obra de José Malhoa» saiu na revista Seara Nova, em 1 955. A história de Mário de Sá-Carneiro está contada
em Acta Médica Portuguesa, 200 1 ; 1 4: 33-42, <<Da medicina e das belas letras, Mário de Sá-Carneiro, o poeta, ele e o outro>> ,
de E. Macieira Coelho (há cópia online ). O poema citado en
contra-se em Poemas Completos, de Mário de Sá-Carneiro,
Assírio & Alvim, 2001 .
A matança dos porcos
Sobre a impropriamente chamada <<gripe suína>>, ver:
http://en.wikipedia.org/wiki/Swine_influenza
O médico virologista português João Vasconcelos Costa
publicou na Internet uma série de artigos sobre a gripe:
http://jvcosta.net/gripe.html
278 DARWI AOS TIROS
Bactérias assassinas
Ver sobre a recente infecção provocada pela E. coli:
http:/ /en. wi ki pedia.org/wiki/20 11_E._coli_ O 1 04:H 4 _ou tbreak
A imortal Henrietta
O livro mencionado é Rebekka Skloot, A Vida Imortal de Henrietta Lacks, Casa das Letras, 20 1 1.
Presos nas entranhas da Terra
Sobre o acidente dos mineiros chilenos no deserto de
Atacama, ver:
http://en. wikipedia.org/wiki/201 O_ Copiap% C3 %B3_ mining_accident
O explorador francês Michel Siffre é o autor do livro
A Margem do Tempo, Europa-América, 1965.
O CULTO DA CARGA E OUTRAS HISTÓRIAS DE PSEUDOCI�NCIA
Em geral, acerca de assuntos de pseudociência, recomen
dam-se dois excelentes livros com tradução portuguesa:
- Robert Park, Ciência ou Vodu, Bizâncio, 2002 ; - Ben Goldacre, Ci ência da Treta, Bizâncio, 2009.
O culto da carga
O culto da carga está referido no livro de Richard Feynman,
« Está a Brincar. Sr. Feynman!», Gradiva, 1988. A fusão fria está tratada em Too Hot to Handle: The Race for Cold Fusion, de Frank Close, Princeton University Press, 199 1.
OTAS E REFERtNCIAS 279
Magos e sábios
Sobre a variada mitologia associada aos três Reis Magos,
ver:
http://en.wikipedia.org/wiki/Biblical_Magi
Um artigo de divulgação sobre a estrela de Belém é:
h ttp://www.astrosurf.com/apaa/revista 16. pdf
Comunicação extra-sensorial?
O artigo controverso está em D.]. Bem (20 1 1 ), << Feeling
the Future: Experimental evidence for anomalous retroactive
influences on cognition and a ffect>> , ]ournal of Perso nality and So cial Psycho logy, 1 00, 407-425. Pode consultar-se online, na página do autor.
A autobiografia emocionante de uma molécula de água
O artigo publicado a 30 de Junho de 1 98 8 na Nature (vol. 333, pp. 8 1 6 a 8 1 8), que aparentemente validava a ideia
da existência de uma memória da água, tem o título << Human
basophil degranulation triggered by very dilute antiserum
against IgE >> . O « desmentido>> ( Nature, 334, 287-290) desse
primeiro artigo foi publicado apenas um mês depois com o
título sugestivo << High-dilution experiments a delusion >> . Em
1 993 foi publicado ainda outro artigo (Nature, 366, 525-
-527), com o não menos elucidativo título <<Human basophil
degranulation is not triggered by very dilute antiserum against
human IgE>> . Encontre as diferenças para o artigo de 1 9 8 8 . . .
Infelizmente, todos estes artigos são de acesso pago. Mas os
títulos são suficientemente elucidativos.
Fig. 1 Fig. 2
Fig. 3
Fig. 4
Fig. 5 Fig. 6
Fig. 7
Fig. 8 Fig. 9
Fig. 1 0
Fig. 1 1
Fig. 1 2
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Fig. 1 4
Fig, 1 5 Fig. 1 6
C r é d i t o s d a s f i g u r a s
Museu Nacional de Machado de Castro, Coimbra
http ://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/ 1 / 1 7Nitruvian.jpg
h ttp://en. wiki pedia. org/wiki/File:Mandelset_hires. png
http://www.sil.si.edu/DigitalCollections/HST/Brahe/ sil4-3- 1 2a.htm
http://archimedespa limpsest.org
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
Fotografia de Ana Carvalhas
Artista: John Byrne http://www.comicartfans.com/
GalleryPiece.asp?Piece=8020 1 1 &GSub= 1 1 9659 http://no .wikipedia.org/wiki/Fil : Graphene_xyz.jpg
Diagrama de fases da água simplificado. Adaptado
de http ://www.lsbu.ac. uk/water/phase.html
Museu da Ciência da Universidade de Coimbra
Fotografia de Ozan Dani�man http://www.panora
mio.corn/photo/2346686
http://www.jinr.rulsection.asp?sd_id= 1 03&language=
eng (adaptado) http://chewtychem.wiki.hci.edu.sg/lonic+Bonding Fonte indicada na legenda
282 DARWI AOS TIROS
Fig. 1 7 Montagem de David Marçal
Fig. 1 8 David Marçal
Fig. 1 9 Fonte indicada na legenda
Fig. 20 http://www.princeton.edu/-his2 9 1 Nesalius.html
Fig. 2 1 Fotografia de Tom Harvey http://www.bnl.gov/bnlweb/
pubaf/prlphotos/2005/feynman-300.jpg
CIÊNCIA ABERrA
I. O JOGO DOS POSSfvEIS 24. SUPERFORÇA 46. MA rtRJA PENSANTE François Jacob Paul Davies Jean-Pierre Changeux/Aiain Cannes
2. UM POUCO MAIS DE AZUL 25. QED - A ESTRANHA TEORJA 47. A NATUREZA REENCONTRADA H. Reeves DA LUZ E DA MArtRJA Jean-Marie Pelt
Richard P. Feynman 48. O CAMINHO QUE NENHUM 3. o ASCIMENTO DO HOMEM
Roben Clarke 26. A ESPUMA DA TERRA HOMEM TRILHOU Claude Allêgre Carl Sagan/Richard Turco
4. A PRODIGIOSA A VENTURA BREVE HISTÓRJA DO TEMPO DAS PLANTAS 27. 49. O SORRJSO DO FLAMINGO
Jean-Marie Pelt/Jean-Pierre Cuny Stephen W. Hawking Stephen Jay Gould
5. COSMOS 28. O JOGO 50. EM BUSCA DA UNIFICAÇÃO
Carl Sagan Manfrcd Eigen/Rulhild Winkler Abdus Saiam/Paul Dirad
29. EINSTEIN TINHA RAZÃO? IWemer Heisenberg
6. A MEDUSA E O CARACOL Lewis Thomas Clifford M. Will 5 1 . OBJECTOS FRACT AIS
30. PARA UMA NOVA CIÊNCIA Benoit MandelbrOl
7. O MACACO, A ÁFRICA Steven Rose/Lisa Appignanesi 52. A QUARTA DIMENSÃO E O HOMEM Yves Coppens 3 1 . A MÃO ESQUERDA
Rudy Rucker
8. OS DRAGÕES DO ÉDEN DA CRJAÇÃO 53. DEUS JOGA AOS DADOS?
Carl Sagan John D. Barrow/Joseph Silk Ian Stewart
32. O GENE EGOISTA 54. OS PRÓXIMOS CEM ANOS 9. UM MUNDO IMAGINADO Richard Oawk.ins Jonathan Weiner
June Goodfield 33. HISTÓRJA CO CISA 55. IDEIAS E INFORMAÇÃO
10. O CÓDIGO CÓSMICO DAS MATEMÁTICAS Arno Pen:l.ias Heínz R. Pagels Dirk J. Struik
56. UMA NOVA CONCEPÇÃO l i . Clfu<CIA: CURJOSIDADE 34. Clfu<CIA, ORDEM DA TERRA
E MALDIÇÃO E CRJA TI VIDA DE Seiya Uyeda Jorge Dias de Deus David Bohm!F. David Peat
57. HOMENS E ROBOTS 12. O POLEGAR DO PA DA 35. O QUE É UMA LEI FISICA Hans Moravec
Slephen Jay Gould Richard P. Feynman 58. A MATEMÁTICA
13. A HORA DO DESLUMBRAMENTO 36. QUANDO AS GALINHAS E O IMPREVISTO H. Reeves TIVEREM DENTES I v ar Ekeland
Stephen Jay Gould SUBTIL É O SENHOR 14. A NOVA ALIANÇA 59.
Uya Prigoginc/IsabeJJe Stengers 37. •NEM SEMPRE A BRINCAR, Abraham Pais SR. FEYNMAN!•
15. PONTES PARA O INFINITO Richard P. Feynman 60. FLA TLA D - O P AJS PLANO Michael Guillcn
38. CAOS - A CONSTRUÇÃO Edwin A. Abbott
16. O FOGO DE PROMETEU DE UMA ovA crfu<cJA 6 1 . FEYNMAN -A NATUREZA Charles Lumsden/Edward James Glcick DO GÉNlO
O. Wilson James Gleick 39. SIMETRIA PERFEITA
17. O C�REBRO DE BROCA Hcinz R. Pagels 62. COMIDA INTELIGENTE
Carl Sagan Jean-Marie Bourre 40. ENTRE O TEMPO
18. ORJGENS E A ETERNIDADE 63. O FIM DA F!SICA
Robert Shapiro llya Prigoginc/Isabelle Stengers Stephen Hawking
19. A DUPLA HÉLICE 41. OS SONHOS DA RAZÃO 64. UNIVERSO, COMPUTADORES
James Watson Heinz R. Pagcls E TUDO O RESTO Carlos Fiolhais
OS � PRJMEIROS MINUTOS 42. VIAGEM ÀS ESTRELAS
20. Robert Jastrow 65. OS HOME S Sleven Weinberg Andrt Langaney
43. MALICORNE 21. •ESTÁ A BRINCAR, SR. FEYNMAN!• Hubert Reeves 66. OS PROBLEMAS DA BIOLOGIA
Richard P. Feynman John Maynard Smith 44. INFINITO EM TODAS
22. OS BASTIDORES DA CIÊNCIA AS DIRECÇÕES 67. A CRIAÇÃO DO U I VERSO Sebastião J. Formo inho Freeman J. Dyson Fang Li Zhi/Li Shu Xi:m
23. VIDA 45. O ÁTOMO ASSOMBRADO 68. A MÁQUINA MÁGICA Francis Crick P. C. W. Davies/J. R. Brown A. K. Dewdney
69. O MELHOR DE FEYNMAN 91 . O RATINHO, A MOSCA 1 13. O MIST�RIO DO BILHETE Organização de Laurie M. Brown E O HOMEM DE IDENTIDADE E OUTRAS e John S. Rigden François Jacob HISTÓRIAS
70. ÚLTIMAS NOTICIAS 92. O ÚLTIMO TEOREMA Jorge Buescu
DO COSMOS DE FERMAT ! !4. E = MC' Hubcn Recves Amir D. Aczel David Bodanis
7 1 . A VIDA É BELA 93. A MENTE VIRTUAL 1 15. AS LIGAÇÕES CÓSMICAS Stephen lay Gould Roger Penrosc Carl Sagan
72. OS PROBLEMAS 94. SOBRE O FERRO 1 16. O DISCURSO PÓS-MODERNO DA MATEMÁTICA OS ESPINAFRES CONTRA A CWCIA lan Stewart Jean-François Bouvet (org.) António Manuel Baptista
73. POEIRAS DE ESTRELAS 95. BlLIÕES E BILIÕES 1 17. O NOSSO HABITAT CÓSMICO Hubert Reeves Carl Sagan Martin Rces
74. A PALAVRA DAS COISAS 96. CINCO EQUAÇÕES 1 18. OS G�!OS DA CIÍNCIA Pierre Las;clo QUE MUDARAM O MUNDO Abraham Pais
Michael Guillen 75. A EXPERJ�CIA MATEMÁTICA
A CIÍNCIA NO GRANDE 1 19. NOVE IDEIAS MALUCAS
Philip J. Davis/Reuben Hersh 97. EM CIÍNCIA TEATRO DO MUNDO Robert Ehrlich
76. EINSTEIN VIVEU AQUI António Manuel Baptista Abraham Pais 120. A COISA MAIS PRECIOSA
98. CO CErTOS FUNDAMENTAIS QUE TEMOS 77. SOMBRAS DE ANTEPASSADOS DA MATEMÁTICA Carlos Fiolhais
ESQUECIDOS Bento de Jesus Caraça Carl Sagan/Ann Druyan 121. FEIT!CEIROS E CIENTISTAS
99. O MUNDO DENTRO Georges Charpak/Henri Broch 78. O PRIMEIRO SEGUNDO DO MUNDO
Huben Reeves John D. Barrow 122. A ESPÉCIE DAS ORIGENS
A CULTURA CIENTIFICA António Amorim
79. A COMUNIDADE VIRTUAL 100. Howard Rheingold E OS SEUS INIMIGOS 123. COMO CONSTRUIR UMA
O LEGADO DE EINSTEIN MÁQUINA DO TEMPO 80. UM MODO DE SER Gerald Holton Paul Davie
Jo!lo Lobo Antunes 101. VIAGENS NO ESPAÇO-TEMPO 124. O GRANDE, O PEQUENO
81 . SO HOS DE UMA TEORIA FINAL Jorge Dias de Deus E A MENTE HUMANA Steven Weioberg
102. IMPOSTURAS INTELECTUAIS Roger Penrose
82. A MAIS BELA HISTÓRIA Alan SokaVJean Bricmont 125. COMO RESOLVER PROBLEMAS DO MUNDO G. Polya Hubert Reeves/Joel de Rosnay/ 103. O ESTRANHO CASO DO GATO /Yves Coppens/Dominique Simonnet DA SR.' HUDSON 126. DA FALSIFICAÇÁO DE EUROS
Colin Bruce AOS PEQUENOS MUNDOS 83. O SÉCULO DOS QUANTA Jorge Buescu
João Varela 104. AVES, MARA V!LHOSAS AVES Hubert Reeves 127. MAIS RÁPIDO QUE A LUZ
84. O FIM DAS CERTEZAS O HOMEM QUE SÓ GOSTAVA João Magueijo
llya Prigogine 105. DE NÚMEROS 128. O SIGNIFICADO
85. A PRIMEIRA IDADE Paul Hoffman DA RELATIVIDADE DA C!�NC!A
106. DECOMPONDO O ARCO-(RJS AJbert Einstein António Manuel Baptista
Richard Dawltins 129. FRONTEIRAS DA CIÍNC!A 86. O QUARK E O JAGUAR
107. FULL HOUSE Rui Fausto, Carlos Fiolhai.s, Murray Geii·Mann
Stephen lay Gould João Queiró (coords.)
87. A DIVERSIDADE DA VIDA 108. O UNIVERSO ELEGANTE 130. DA CRITICA DA CIÍNCIA
Edward O. Wilson Brian Greene À NEGAÇÃO DA CIÍNCIA
88. A LIÇÃO ESQUECIDA Jorge Dias de Deus
109. GÕDEL, ESCHER, BACH DE FEYNMAN Douglas R. Hofstadter 131 . CONVERSAS COM
David L. Goodsteinlludith UM MATEMÁTICO R. Goodstein 1 10. O S!G !FICADO DE TUDO Gregory J . Chaitin
89. ORDEM OCULTA Richard P. Feynman
132. Y: A DESCEND�CIA John H. Hollaod I I I . GllNOMA DO llOMllM
90. UM MUNDO INFESTADO Mau Ridley Steve Jones
DE DEMÓNIOS 1 12. ZERO 133. CRITICA DA RAZÁO AUSENTE Carl Sagan Charles Seife António Manuel Baptista
134. TEIAS MATEMÁTICAS 153. PORQUE É QUE O GANSO 171 . A QUÍMICA INORGÁNJCA Maria Paula S. Oliveira (coord.) ÁO É OBESO DO CÉREBRO
135. A RAINHA DE COPAS Eric P. Widmaier J. J. R. Fra!lsto da Silva
Mau Ridley 154. O ACASO e Jcsi Armando L. da Silva
136. COMO RESPIRAM Joaquim Marques de Sá 172. O UNIVERSO ELÉCTRJCO
OS ASTRONAUTAS 155. A AGONIA DA TERRA David Bodanis
Manuel Paiva Hubert Reeves e Ftidéric Lenoir 173. OS PROBLEMAS DO MILÉNIO
137. O CÓDIGO SECRETO 156. AS ORIGENS DA VIDA Keilh Devlin
Margarida Tela da Gama (coord.) John Maynard Smith e Eõrs 174. MATEMÁTICA
13 . OS RELÓGIOS DE EINSTEIN Szathmáry Timothy Gowers
E OS MAPAS DE POINCARÉ 157. A VINGANÇA DE GAIA 175. A ORiGEM DAS ESP[C/ES, Peter Galison James Lovelock DE CHARLES DARWIN
139. O COSMOS DE El STEIN Janet Browne !58. O RELOJOEIRO CEGO
Michio Kaku Richard Oawkins 176. A EVOLUÇÃO PARA TODOS
140. O ANNUS MIRABIWS 159. O COLAR DO NEANDERTAL David Sloan Wilson
DE EINSTEl Juan Luis Arsuaga 177. l COMPLETUDE John Stachel Rebecca Goldstcin
DESPERTAR PARA A CIÊNCIA 160. O FIM DO MUNDO ESTÁ
141. PRÓXIMO? 178. MUTANTES T. Lago, A. Coutinho, /. Calado, Jorge Buescu Armand Marie Leroi C. Fiolhais, F. Barriga, l. Buescu,
O PATRIMÓ 10 GENÉTICO A. Quintanilha, C. Fonseca, 161. O DEDO DE GALILEU 179.
C. Salema, J . L. Antunes e Peter Atkin.s PORTUGuB l. Caraça
162. LA VO!SIER NO ANO UM Lufsa Pereira e Filipa M. Ribeiro
142. EINSTEIN ... ALBERT EINSTEIN Madison Smant Bell 180. O JACKPOT CÓSMICO Jorge Dias de Deus e Teresa Pei\a GRANDES QUESTÕES
Paul Davies 163.
143. UM POUCO DE C!ÉNC!A CIENTÍFICAS 181 . A !MPORTÁNCIA DE SER PARA TODOS Harriet Swain (org.) ELECTRÃO Claude All�gre 164. A CRIAÇÃO
loS<! Lopes da Silva e Palmira Ferreira da Silva
144. O GÉNIO DA GARRAFA Edward O. Wilson Joe Schwarcz 182. MORTE POR BURACO NEGRO
165. QUE FUTURO? Neil deGrasse Tyson 145. CURIOSIDADE APAIXO ADA Filipe Duarte Santo
Carlos Fiolhais PASSEIO ALEATÓRIO
183. BIG BANG 166. Simon Singh
146. O LIVRO DAS ESCOLHAS Nuno Crato CÓSMICAS DESPERTAR PARA A CltNC!A
1 84. TUDO É RELATIVO Orfeu Bertolami 167. Tony Rolhman
A. Castro Caldas, R. Agostinho, 147. FLATTERLAND - O PAIS AINDA M. Barbosa, l. Ferrão, . Crato, 185 . JÁ NÃO TEREI TEMPO
MAIS PLANO A. Hespanha. A. Damásio. I. Ribeiro, Hubert Reeves lan Stewart P. Almeida, A. Barroso. F. O. Santos.
186. A TEORIA DE TUDO 148. A IDADE NÃO PERDOA?
M. S. Simões, O. Pestana, Stephen W. Hawking R. V. Mendes, M. N. da Ponte,
Luis Bigoue de Almeida M. C. Pereira, A. M. Eir6 187. O CÉREBRO DO MATEMÁTICO 149. TEMPO E C!fl CIA
168. CRÓNICAS DOS ÁTOMOS David Ruelle
Rui Fausto e Rita Mamoto (coords.) E DAS GALÁXIAS 188. O GRA DE DESfGNIO 150. O TECIDO DO COSMOS Hubert Rceves Stephen W. Hawking
Brian Greene 169. UM UNIVERSO DIFERENTE
e Leonard Mlodinow
1 5 1 . O PRAZER D A DESCOBERTA Robert 8. Laughlin 189. O GRANDE INQUISIDOR Richard P. Feynman
170. A CO JECTURA João Magueijo
152. DESCOBRIR O UNIVERSO DE POINCARÉ 190. DARWIN AOS TIROS Teresa Lago (coord.) George G. Szpiro Carlos Fiolbais e David Marçal
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