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Curso Preparatório para Auxiliar de Serviços Notariais e de Registro Módulo VII Tabelionato de Notas Prof. Valestan Milhomem da Costa Apostila Aula I 1 Das Disposições Gerais Ementa: 1. Contextualização do direito notarial no Brasil e sua importância nas relações jurídico-negociais; 2. princípios e responsabilidades; 3. noções gerais das pessoas e do objeto dos atos notariais; 4. capacidade, representação e assistência; 5. regimes de bens; 6. documentos de identificação das pessoas e da coisa; 7. qualificação, preço e forma de pagamento; 8. tributos; 9. informações do ato. 1. Contextualização do direito notarial no Brasil e sua importância nas relações jurídico-negociais 1.1 Antigo contexto A história do tabelionato no Brasil teve início com o registro do seu descobrimento através da carta de Pero Vaz de Caminha endereçada ao Rei de Portugal, D. Manuel, na qual descreve todo o percurso da expedição, desde a saída de Portugal, da cidade de Belém, em uma segunda-feira 9 de março de 1500; a vista do Monte Pascoal e a chegada à então Terra de Vera Cruz, na quarta-feira de 22 de abril de 1500, assim como diversos detalhes da vegetação, do povo, dos bichos, dos costumes indígenas, dos desbravamentos da nova terra, da realização da primeira missa pascoal, da possibilidade de fácil catequização dos nativos, dentre outros muitos fatos ocorridos entre a data da chegada da expedição ao território brasileiro e o dia 1º de maio, sexta-feira, de 1500, em Porto Seguro, data da carta. Por ser registro do ato de descobrimento e da imissão na posse da nova terra, assegurando à Coroa portuguesa o direito de propriedade do novo território, 1 a carta de Caminha é reconhecida como o primeiro ato notarial praticado no Brasil, mais especificamente a primeira ata notarial, que é, conforme conceitos doutrinários modernos, o ato notarial próprio para o registro de fatos juridicamente relevantes. Por sua vez, Pero Vaz de Caminha é considerado o primeiro tabelião a pisar o solo brasileiro, muito embora o cargo de tabelião na expedição não fosse exercido oficialmente por Caminha, mas por Gonçalo Gil Barbosa. 2 Naquele tempo o direito português advinha quase todo de ordenações editadas pelo Rei. Sendo o Brasil colônia portuguesa, as ordenações que lá vigiam passaram a viger também aqui, como principal fonte do direito brasileiro até o início do século XX. Tais ordenações dispunham sobre o modo e a forma que deveriam os tabeliães lavrar as escrituras e testamentos. 3 1 Leonardo Brandelli, Teoria Geral do Direito Notarial, Saraiva: 2007, 2ª ed., pág. 22, anota: “No período histórico em que ocorreram os descobrimentos da América e do Brasil, período de grandes expedições navais, o tabelião acompanhava as navegações, fazendo parte da armada das naves, tendo o papel extremamente relevante no registro dos acontecimentos e até mesmo do registro das formalidades oficiais de posse das terras descobertas.” 2 Eduardo Bueno, A viagem do descobrimento: a verdadeira história da expedição de Cabral, p. 114-115. 3 Leonardo Brandelli, Teoria Geral, cit., p. 35, nota 65, esclarece: “No direito português, seguindo a tradição formalista do direito, da forma pela forma, a qual superava mesmo a importância do conteúdo, determinava a aplicação severa de formulários estabelecidos na lei. Tais formulários, com a evolução do direito, foram abandonados, não havendo mais qualquer vinculação do notário para com eles, embora, muitos notários, arraigados ainda às Ordenações, cultivem arcaica forma de redação.”

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Curso Preparatório para Auxiliar de Serviços Notariais e de Registro Módulo VII – Tabelionato de Notas – Prof. Valestan Milhomem da Costa

Apostila Aula I

1

Das Disposições Gerais

Ementa: 1. Contextualização do direito notarial no Brasil e sua importância nas

relações jurídico-negociais; 2. princípios e responsabilidades; 3. noções gerais

das pessoas e do objeto dos atos notariais; 4. capacidade, representação e

assistência; 5. regimes de bens; 6. documentos de identificação das pessoas e

da coisa; 7. qualificação, preço e forma de pagamento; 8. tributos; 9.

informações do ato.

1. Contextualização do direito notarial no Brasil e sua importância nas relações jurídico-negociais

1.1 – Antigo contexto

A história do tabelionato no Brasil teve início com o registro do seu descobrimento através da

carta de Pero Vaz de Caminha endereçada ao Rei de Portugal, D. Manuel, na qual descreve todo o

percurso da expedição, desde a saída de Portugal, da cidade de Belém, em uma segunda-feira 9 de

março de 1500; a vista do Monte Pascoal e a chegada à então Terra de Vera Cruz, na quarta-feira

de 22 de abril de 1500, assim como diversos detalhes da vegetação, do povo, dos bichos, dos

costumes indígenas, dos desbravamentos da nova terra, da realização da primeira missa pascoal,

da possibilidade de fácil catequização dos nativos, dentre outros muitos fatos ocorridos entre a

data da chegada da expedição ao território brasileiro e o dia 1º de maio, sexta-feira, de 1500, em

Porto Seguro, data da carta.

Por ser registro do ato de descobrimento e da imissão na posse da nova terra, assegurando à

Coroa portuguesa o direito de propriedade do novo território,1 a carta de Caminha é reconhecida

como o primeiro ato notarial praticado no Brasil, mais especificamente a primeira ata notarial,

que é, conforme conceitos doutrinários modernos, o ato notarial próprio para o registro de fatos

juridicamente relevantes.

Por sua vez, Pero Vaz de Caminha é considerado o primeiro tabelião a pisar o solo brasileiro,

muito embora o cargo de tabelião na expedição não fosse exercido oficialmente por Caminha,

mas por Gonçalo Gil Barbosa.2

Naquele tempo o direito português advinha quase todo de ordenações editadas pelo Rei. Sendo o

Brasil colônia portuguesa, as ordenações que lá vigiam passaram a viger também aqui, como

principal fonte do direito brasileiro até o início do século XX. Tais ordenações dispunham sobre o

modo e a forma que deveriam os tabeliães lavrar as escrituras e testamentos.3

1 Leonardo Brandelli, Teoria Geral do Direito Notarial, Saraiva: 2007, 2ª ed., pág. 22, anota: “No período histórico em que ocorreram os

descobrimentos da América e do Brasil, período de grandes expedições navais, o tabelião acompanhava as navegações, fazendo parte da

armada das naves, tendo o papel extremamente relevante no registro dos acontecimentos e até mesmo do registro das formalidades oficiais

de posse das terras descobertas.”

2 Eduardo Bueno, A viagem do descobrimento: a verdadeira história da expedição de Cabral, p. 114-115.

3 Leonardo Brandelli, Teoria Geral, cit., p. 35, nota 65, esclarece: “No direito português, seguindo a tradição formalista do direito, da forma

pela forma, a qual superava mesmo a importância do conteúdo, determinava a aplicação severa de formulários estabelecidos na lei. Tais

formulários, com a evolução do direito, foram abandonados, não havendo mais qualquer vinculação do notário para com eles, embora,

muitos notários, arraigados ainda às Ordenações, cultivem arcaica forma de redação.”

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A nomeação dos tabeliães era feita pelo Rei, tanto por doação, em caráter vitalício, como por

compra e venda ou sucessão causa mortis, como era, em geral, a forma de provimento de todos

os cargos públicos na América colonial e também na Espanha. 4 Essa situação perdurou no Brasil

por longo tempo, com raras exceções de uns poucos concursos públicos para provimento do

cargo de tabelião antes da Constituição Federal de 1988.

Mas, na maioria dos casos o cargo era ocupado de acordo com interesses e apadrinhamentos

políticos, não se exigindo daqueles que exerciam o ofício de tabelião o preparo e a aptidão

próprios para o exercício da função, como há muito ocorria em outros países.

Essa situação recebeu severas críticas de juristas brasileiros inconformados com o atraso do

notariado no Brasil, a exemplo do professor Alberto Bittencourt Cotrim Neto (citado por Brandelli,

cit., pp. 46-47) que assim se manifestou: “Na realidade, o que urgentemente carecemos é de uma

legislação que importe na exigência de formação profissional adequada, em relação a todos

quantos aspiram a um cargo notarial. Assim, o Notariado, como órgão jurídico do Estado, ao lado

da Judicatura e do Ministério Público, poderá eficientemente cumprir sua finalidade social e,

ainda, contribuir para aliviar os encargos da Justiça, através de melhor formulação de suas

atribuições e boa utilização dos poderes de jurisdição voluntária. É realmente lamentável que o

Brasil, em verdade, o único país do mundo que tenha descurado de exigir formação especializada

dos candidatos a Notário. Como dissemos (...) nesta matéria nós vivemos com o regime de D.

Denis (século XIV); das ordenações de monarcas absolutos dos séculos XVI e XVII: estamos como

sistema de uma época em que o analfabetismo era o status cultural mais generalizado, e que para

ser escriba – ao contrário do que já se cuidara no velho Egito – bastava ser amigo do rei”.

Ademais, os notários (assim como os registradores) eram considerados auxiliares do Poder

Judiciário, tal como também ocorria no arcaico direito português, que somente amenizou esse

atraso em 1956, com os Decretos-Leis nºs 40.739 e 40.740, e, finalmente, em 2004, com o

Decreto-Lei nº 26, privatizou o notariado em Portugal.

1.2 – Novo contexto

A Constituição Federal de 1988 criou um novo contexto para o direito notarial (e também para o

registral) no Brasil ao estabelecer, no art. 236, caput, que os serviços notariais e de registro são

exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, e, no § 3º, que o ingresso na

atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se

permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de

remoção, por mais de seis meses.

Nos §§ 1º e 2º, do art. 236, da Constituição Federal de 1988, ficou estabelecido, respectivamente,

que lei regularia a atividade, a disciplina da responsabilidade civil e criminal dos notários, dos

oficiais de registro e de seus prepostos, a definição da fiscalização de seus atos pelo Poder

Judiciário e as normas gerais para fixação dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos

serviços notariais e de registro, sendo os respectivos parágrafos regulamentados pela Lei nº

8.936, de 18.11.1994 (conhecida como lei dos cartórios), e Lei nº 10.169, de 29.12.2000.

4 Leonardo Brandelli, Teoria Geral, p. 37, nota de rodapé, nº 70.

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A Lei nº 8.935/94, além de estabelecer normas gerais para todos os serviços notariais e de

registro, definiu a natureza jurídica do tabelião como “profissional do direito dotado de fé

pública” (art. 3º), verdadeiro atributo da função; estabeleceu as competências e também

importantes características que serviram para identificar definitivamente o notariado brasileiro

com o notariado do tipo latino, questão até então nebulosa, constituindo-se, destarte, o principal

diploma legal de regulamentação do tabelionato de notas no Brasil.

As competências estão definidas nos artigos 6º e 7º, nos seguintes termos:

Art. 6º Aos notários compete:

I - formalizar juridicamente a vontade das partes;

II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;

III - autenticar fatos.

Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:

I - lavrar escrituras e procurações, públicas;

II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;

III - lavrar atas notariais;

IV - reconhecer firmas;

V - autenticar cópias.

Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências

necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus

maiores que os emolumentos devidos pelo ato.

Além das competências do art. 6º, são características do tabelionato brasileiro definidas na Lei nº

8.935/94, que o identificam com o notariado latino, dentre outras, as seguintes:

Art. 8º É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio.

Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.

Art. 27. No serviço de que é titular, o notário e o registrador não poderão praticar, pessoalmente,

qualquer ato de seu interesse, ou de interesse de seu cônjuge ou de parentes, na linha reta, ou

na colateral, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau.5

5 João Mendes de Almeida Junior, Órgãos da Fé, cit., p. 89-93, informa que a lei de 25 de Ventoso do ano XI, de 16 de março de 1803, que deu

nova organização notarial (dentre muitas outras regulamentações), estabelecia: “É proibido ao notário instrumentar fora do seu distrito (...).

Os notários não podem lavrar atos em que tenham interesse próprio ou em que sejam interessados os seus consanguíneos e afins em linha

reta em qualquer grau e em linha colateral até o grau de primo e de tio”, etc.

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Art. 28. Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas

atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na

serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.6

Até a Emenda Constitucional nº 45/2004, a regulação do funcionamento dos tabelionatos (e

serviços de registro) era exercida exclusivamente pelo Poder Judiciário Estadual, através de sua

Corregedoria-Geral da Justiça, em conformidade com o art. 4º da Lei nº 8.935/94.

Com a criação do CNJ através da Emenda Constitucional nº 45/2004, a regulação dos serviços

notariais e de registro, em âmbito nacional, passou a ser exercida pelo CNJ, cabendo aos Tribunais

de Justiça, através das Corregedorias, a regulação em âmbito estadual, em sintonia com a

regulação nacional feita pelo CNJ.

O CNJ tem exercido sua competência de regulação dos serviços notariais e de registro

principalmente através de Resoluções e Provimentos, como são exemplos as Resoluções de

número 20/2006, 35/2007, 80/2009, 81/2009 e o Provimento de nº 18/2012, disciplinando as

seguintes matérias:

■ Resolução nº 20/2006 - Disciplina a contratação, por delegados extrajudiciais, de cônjuge, companheiro e parente, na linha reta e na colateral, até terceiro grau, de magistrado incumbido da corregedoria do respectivo serviço de notas ou de registro. ■ Resolução nº 35/2007 – Disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/2007 pelos serviços notariais e de registro. ■ Resolução nº 80/2009 – Declara a vacância dos serviços notariais e de registro ocupados em desacordo com as normas constitucionais pertinentes à matéria, estabelecendo regras para a preservação da ampla defesa dos interessados, para o período de transição e para a organização das vagas do serviço de notas e registro que serão submetidas a concurso público. ■ Resolução nº 81/2009 – Dispõe sobre os concursos públicos de provas e títulos, para a outorga das delegações de Notas e de Registro, e minuta de edital. ■ Provimento nº 18/2012 – Dispõe sobre a instituição e funcionamento da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compatilhados – CENSEC.

As Corregedorias Gerais de Justiça dos Estados regulam os serviços notariais e de registro

principalmente através de Provimentos, Portarias e Avisos, como informa o art. 2º da vigente

Consolidação Normativa do Estado do Rio de Janeiro, sendo a própria Consolidação Normativa um

conjunto de normas editado pela Corregedoria Geral da Justiça de cada Estado da federação para

regular a atuação e o funcionamento dos serviços notariais e de registro. Embora a Consolidação

Normativa seja em geral um apanhado de leis, ela também serve para indicar o entendimento do

6 João Mendes também informa que a caução, o concurso público e autonomia no exercício da função já eram características do notariado

latino no Decreto de 29.09.1971 (Op., cit., p. 87-88), que teve muitas de suas disposições confirmadas na lei de 25 de Ventoso do ano XI, de

16.03.1803.

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órgão fiscalizador sobre o direito notarial e registral que deve ser aplicado em casos de

interpretação conflitante, que poderiam prejudicar a qualidade dos serviços.

As normas concernentes aos ofícios (tabelionatos) de notas no Estado do Rio de Janeiro são

constantes dos artigos 213 a 367 da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça.

Contudo, a principal fonte normativa dos tabelionatos de notas, assim como de todo o

ordenamento jurídico, é a Constituição Federal e a lei, esta entendida como norma elaborada por

uma das casas legislativas (Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais).

Dentre essas leis algumas são gerais (Código Civil, Código de Processo Civil, Código Tributário

Nacional) e outras são especiais (Lei dos Registros Públicos, Lei das Sociedades Anônimas, Lei dos

Cartórios, Lei da Alienação Fiduciária em Garantia, Lei de Requisitos para lavratura de Escritura

Pública, etc), devendo o tabelião e seus auxiliares conhecer bem essas leis.

A razão de ser do novo contexto do tabelionato de notas no Brasil, de modo específico, deve-se à

sua crucial importância nas relações jurídicas negociais, sobretudo nos negócios imobiliários, para

sua validade, autenticidade e segurança, como se verá ao abordarmos os princípios do direito

notarial e os aspectos envolvidos na elaboração de uma escritura, principal ato praticado em um

tabelionato de notas.7

2. Princípios e responsabilidades

2.1 - Vários são os princípios que norteiam a atividade em um tabelionato de notas. Alguns estão

contidos na Constituição Federal, outros em leis especiais e ainda outros em doutrina.

Os princípios constitucionais aplicáveis ao tabelionato de notas são aqueles aplicáveis a todo

agente público: legalidade, publicidade, eficiência, impessoalidade e moralidade.

No tabelionato de notas o princípio da legalidade tem tanto o sentido de observar as prescrições

legais na elaboração dos atos como de ampla liberdade em formalizar as relações jurídicas

negociais apresentadas pelas partes, desde que não contrarie a lei.

O princípio da publicidade significa que os atos lavrados no tabelionato são públicos. Assim,

qualquer pessoa, independente de justificar o motivo ou a finalidade, pode requerer uma certidão

de um ato praticado em um tabelionato, à exceção dos testamentos públicos.

O princípio da eficiência significa que os tabeliães e seus auxiliares devem atuar de forma

adequada, segura, célere, bem orientada na formalização dos atos negociais, visando prevenir

conflitos e também garantir a segurança e eficácia dos atos jurídicos. A importância desse

princípio é tamanha que, além de constar na Constituição Federal, também foi mencionado mais

de uma vez na Lei dos Cartórios (Lei nº 8.935/94, artigos 4º e 30, inciso II).

A impessoalidade consiste na neutralidade do tabelião na formalização dos negócios jurídicos,

agindo com imparcialidade, sem favorecimentos de qualquer espécie para esta ou aquela parte.

7 Sobre o tópico ver A Segurança dos Negócios Jurídicos construída por Notários e Registradores, por Valestan Milhomem da Costa, BDI –

Boletim do Direito Imobiliário, nº 15, Ano 2009.

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Ao contrário. Deve sopesar os interesses em jogo e elaborar o contrato buscando o equilíbrio na

relação jurídica, contemplando a vontade das partes segundo o melhor direito.

A moralidade é a atuação ética, pautada por valores como a honestidade, a transparência e o

desapego a qualquer vantagem indevida, para si ou para outrem (V. Art. 27, Lei nº 8.935/94).

Na Lei nº 8.935/94, encontramos os princípios da territorialidade (art. 9º) e da independência

funcional (art. 28).

A doutrina aponta ainda importantes princípios aplicáveis ao tabelionato de notas (direito

notarial): cautelaridade, rogatório e tecnicidade da função notarial.8

O princípio da cautelaridade de certo modo se confunde com o da eficiência. Porém desta se

distingue pelo traço de prudência acentuada; pelo cuidado especial dispensado pelo tabelião na

compreensão de todos os fatores envolvidos no negócio que formaliza, visando assegurar a

certeza do êxito do negócio.

O princípio do rogatório significa que o tabelião não pode agir de ofício. Ou seja: não pode atuar

sem que alguém solicite a sua intervenção.

Por fim, o princípio da tecnicidade da função notarial implica em dizer que o tabelião deve atuar

de forma técnica na elaboração dos atos negociais, quanto ao modo de estruturação do contrato,

à qualificação das partes, à descrição do objeto, à menção dos documentos apresentados e em

tudo mais quanto seja exigido no direito para cada tipo de negócio que formaliza.

Ou seja: o princípio da tecnicidade da função notarial tem a ver com a observância das exigências

jurídicas para a realização do ato.

2.2 – A responsabilidade no tabelionato de notas se evidencia pelos próprios princípios que o

regem, e se manifesta basicamente pelos danos que eventualmente sejam causados a terceiros,

na prática dos atos da serventia.

Essa responsabilidade, em âmbito civil, administrativo e criminal é diretamente do tabelião, mas

este poderá responsabilizar regressivamente seus auxiliares, conforme estes tenham agido com

dolo ou culpa (art. 22, Lei nº 8.935/94).

3. Noções gerais das pessoas e do objeto dos atos notariais

3.1 - As pessoas são os polos das relações jurídicas formalizadas nos tabelionatos de notas, assim

como em todas as relações jurídicas pessoais.

O art. 1º do Código Civil estabelece que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem

civil”. As pessoas são físicas (naturais) ou jurídicas (legais).

“A personalidade (existência) civil das pessoas (naturais ou físicas) começa do nascimento com

vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” ( art. 2º, CC).

8 Leonardo Brandelli, cit., p. 131-137

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O Código Civil (art. 40) classifica as pessoas jurídicas em dois grandes grupos: pessoas jurídicas de

direito público, interno ou externo, e pessoas jurídicas de direito privado.

As pessoas jurídicas de direito público interno são a União, os Estados, o Distrito Federal, os

Territórios (atualmente inexistentes no Brasil), os Municípios, as autarquias, inclusive as

associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei (art. 41, incisos, CC).

As pessoas jurídicas de direito público externo são os Estados estrangeiros e todas as pessoas que

forem regidas pelo direito internacional público (art. 42, CC).

As pessoas jurídicas de direito privado são as associações, as sociedades, as fundações, as

organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade

limitada (art. 44, CC).

A “existência (personalidade) legal das pessoas jurídicas de direito privado” começa “com a

inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de

autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por

que passar o ato constitutivo” (art. 45, CC).

3.2 - O objeto é aquilo sobre o qual as pessoas manifestam ou exercem interesse jurídico,

podendo ser de natureza pessoal ou real.

Assim, o tipo do objeto em cada ato notarial dependerá do tipo de interesse jurídico manifestado

pelas partes, seja constituindo, transmitindo, modificando, renunciando, extinguindo, declarando

ou simplesmente registrando, como se verá dos Atos Notariais em Espécie.

4. Capacidade, representação e assistência

4.1 - Capacidade, em sentido jurídico, é a aptidão legal que tem a pessoa, física ou jurídica, de

adquirir e exercer direitos.9

A capacidade tem diferentes níveis para a pessoa natural, que poderá ser absolutamente incapaz,

relativamente incapaz ou absolutamente capaz (arts. 3º, 4º e 5º, CC).

São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: “os menores de

dezesseis anos” (Art. 3º, I, CC). São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os

exercer: “os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos” (art. 4º, I, CC). A capacidade

absoluta para os atos da vida civil é atingida quando a pessoa completa 18 anos de idade, ou, se

tiver 16 anos completos, for emancipada pelos pais, ou por um deles (Art. 5º, caput, e Parágrafo

único, CC).

Porém, mesmo completando 18 anos de idade uma pessoa pode ser considerada absolutamente

ou relativamente incapaz, nos seguintes casos: a) são absolutamente incapazes: “os que, por

enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos

atos da vida civil e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade” (art.

9 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 20ª Ed. Forense, Rio de Janeiro: 2002.

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3º, II e III, CC); são relativamente incapazes: “os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que,

por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento

mental completo, e os pródigos” (art. 4º, II, III e IV, CC).

4.2 – Representação é o exercício de um direito ou a prática de um ato em nome alheio, por

disposição legal ou convencional, suprindo ou manifestando o consentimento, respectivamente.

4.3 - Assistência é o auxílio prestado para o exercício de um direito ou para a prática de um ato

àquele desprovido de capacidade plena para praticá-lo sozinho. Na assistência, o ato é praticado

conjuntamente pelo sujeito da relação jurídica e pelo assistente.

As pessoas absolutamente capazes podem praticar pessoalmente todos os atos da vida civil (art.

5º, caput, CC), ou nomear representantes (procuradores) para praticá-los em seu nome.

As pessoas relativamente incapazes devem ser assistidas nos atos em que se exige capacidade

absoluta para sua prática, e as pessoas absolutamente incapazes devem ser representadas em

todos os atos da vida civil.

No caso de incapacidade absoluta ou relativa em razão de idade, a representação ou a assistência

do menor é exercida pelos pais, ou, por apenas um deles, na falta do outro, por força do poder

familiar;10 ou, ainda, por um tutor.11 Determinados atos exigem autorização judicial (alvará) para a

representação ou assistência do menor.

Porém, nos casos de enfermidade, deficiência, vícios ou prodigalidade (esbanjamento dos bens), a

incapacidade absoluta ou relativa decorrerá de interdição. Nesse caso o incapaz será

representado ou assistido por um curador de incapaz.12

As pessoas jurídicas praticam seus atos sempre através de seus representantes (presidente, sócio

administrador, procuradores, etc), visto que não possuem capacidade de manifestar

pessoalmente a sua vontade.

A representação será conforme definido ou fixado no respectivo ato constitutivo (se pessoa

jurídica de direito privado, no contrato social ou estatuto; se pessoa jurídica de direito público,

nos termos da lei).

Existem ainda os entes despersonalizados (massa falida, espólio) que são representadas por

representantes nomeados em juízo, através de alvará judicial.

5. Regimes de bens

Conhecer os regimes de bens é também fundamental para se aferir a capacidade negocial das

partes nos atos notariais, porque alguns direitos, os chamados direitos comunicáveis, somente

podem ser exercidos conjuntamente pelos seus titulares.

10 Art. 1.630, 1.631 e 1.634, V, do Código Civil.

11 Art. 1.728, Código Civil.

12 Art. 1.767 e 1.776, Código Civil.

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Temos atualmente no Brasil cinco regimes de bens: comunhão universal de bens, comunhão

parcial de bens, separação total de bens, participação final nos aquestos e separação obrigatória

de bens.

Os regimes da comunhão universal de bens, da separação total de bens e da participação final

nos aquestos é escolhido pelos nubentes mediante pacto antenupcial, sempre através de

escritura pública (art. 1.653, CC).

O regime da comunhão parcial de bens é atribuído a quem, podendo escolher outro regime, não

faz a escolha mediante pacto antenupcial.

O regime da separação obrigatória de bens é uma imposição da lei para as pessoas que se

encontrem nas condições mencionadas no artigo 1.641 do Código Civil, não sendo possível optar

por outro regime de bens.

As pessoas casadas sob o regime da comunhão universal de bens somente podem dispor de seus

bens como casal, salvo raríssimas situações previstas na lei.

As pessoas casadas sob o regime da separação total de bens podem dispor sozinhas dos bens de

que sejam proprietárias individualmente, ou mesmo da sua quota-parte em um bem que possua

juntamente com seu cônjuge, visto que nesse regime de bens os direitos de propriedade são

incomunicáveis, sem prejuízo do direito de preferência do condômino.

As pessoas casadas sob o regime da participação final nos aquestos, da comunhão parcial de bens

e da separação obrigatória de bens não podem dispor, sem anuência do cônjuge, dos bens

imóveis, mesmo que adquiridos antes do casamento ou, se adquirido durante o casamento,

estejam em nome apenas de um deles.

6. Documentos de identificação das pessoas e da coisa

6.1 - As pessoas são identificadas por documentos oficiais.

Tratando-se de pessoas físicas os documentos oficiais que as identificam civilmente são:

a) Cédula de identidade civil; b) Passaporte (no caso estrangeiro sem visto de permanência); c) RNE/MRE/PF – Registro Nacional de Estrangeiro (no caso de estrangeiro com visto de

permanência); d) CPF/MF – Cadastro de Pessoa Física do Ministério da Fazenda; e) Certidão de nascimento, se solteira; f) Certidão de casamento, se casada, e, dependendo do regime do casamento, o pacto

antenupcial, que deverá ser registrado no Registro de Imóveis do primeiro domicílio do casal e averbado na matrícula de todos os imóveis adquiridos por qualquer dos cônjuges;

g) Certidão do casamento com a respectiva averbação da separação ou do divórcio, se separada ou divorciada;

h) Cédula de identidade profissional (OAB, CRM, COREN, CRC, CRECI, CREA); O art. 40 da CLT dispõe que as Carteiras de Trabalho e Previdência Social – CTPS, regularmente emitidas e anotadas servirão de prova nos atos em que sejam exigidas carteiras de identidade.

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Contudo, não são todas as CTPS que podem ser aceitas como prova da identidade civil, mas apenas as CTPS informatizadas e o Cartão de Identificação do Trabalhador, emitidos de acordo com a Portaria nº 210, de 29.04.2008, do Ministério do Trabalho, nos termos do Aviso nº 967/2011, da Corregedoria Geral da Justiça do Rio de Janeiro, publicado no DOERJ de 18.10.2011, pág. 15. As pessoas jurídicas de direito privado são identificadas através dos seguintes documentos: a) Contrato social (sociedades em geral, com exceção das anônimas); b) Atos constitutivos (ata de fundação) e Estatuto social (associações, instituições religiosas,

pias, morais, partidos políticos, científicas, literárias, sociedades anônimas e fundações privadas);

c) Ata de eleição da última diretoria (das pessoas jurídicas regidas por estatuto); d) CNPJ/MF – Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do Ministério da Fazenda; e) Certidão Simplificada da Junta Comercial (sociedades empresárias). As pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal, Territórios, Municípios, autarquias e demais entidades de caráter público) são identificadas na forma da lei da sua criação e pelo CNPJ/MF, obrigatório para todas as pessoas jurídicas de direito público, exceto a União, nos termos da IN RFBnº 1.183, de 19.08.2011, artigos 4º e 5º, verbis:

Art. 4º Todas as pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, inclusive as equiparadas, estão obrigadas a inscrever no CNPJ cada um de seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades.

§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem possuir uma inscrição no CNPJ, na condição de matriz, que os identifique na qualidade de pessoa jurídica de direito público, sem prejuízo das inscrições de seus órgãos públicos, conforme disposto no inciso I do art. 5º.

Art. 5º São também obrigados a se inscrever no CNPJ:

I - órgãos públicos de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que se constituam em unidades gestoras de orçamento;

6.2 - No tabelionato de notas os negócios (compra e venda, permuta, doação, mútuo com hipoteca ou com alienação fiduciária, usufruto, pacto antenupcial, testamento) quase sempre giram em torno de imóveis, urbanos e rurais, com predominância dos urbanos, e alguns só podem girar em torno de imóveis, como a hipoteca e a alienação fiduciária de bem imóvel. Somente no caso das procurações existe uma maior variedade de negócios não envolvendo imóveis (abertura e movimentação de conta corrente, levantamento de empréstimo pessoal, venda de veículo, inscrição em concurso ou em vestibular, recebimento de pensão ou de aposentadoria), dentre uma infindável gama de negócios e interesses, inclusive envolvendo imóveis. Quando o negócio envolve bem imóvel a sua identificação é feita através da certidão de inteiro teor da matrícula expedida pelo Registro de Imóveis, que fornece todos os seus dados jurídicos (endereço completo, número de inscrição cadastral, medidas, limites e confrontações, área, natureza jurídica, situação jurídica e titularidade). Essa identificação da coisa é fundamental para se definir o tipo do ato notarial, as exigências, os termos do ato e até a viabilidade ou não do ato notarial.

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7. Qualificação, preço e forma de pagamento

As escrituras públicas devem mencionar a qualificação das pessoas, o preço do negócio e a forma

de pagamento do preço ajustado.

7.1 - Qualificação “é a anotação em documentos oficiais da identidade de uma pessoa”,13 ou,

mais precisamente, “compreende a anotação de todos os elementos individualísticos da pessoa,

como nome, idade, nacionalidade, estado, profissão, domicílio ou residência, a fim de que, por

eles, em se individualize a pessoa”.14

A qualificação das pessoas nas escrituras públicas é feita a partir dos documentos de identificação

mencionados no item anterior, de acordo com as exigências legais.

O art. 215 do Código Civil, que estabelece os requisitos mínimos para uma escritura pública,

referente à qualificação das partes diz que deve conter:

III – nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais

comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de bens do casamento, nome

do outro cônjuge e filiação;

No capítulo referente ao Tabelionato de Notas, a Consolidação Normativa da Corregedoria Geral

da Justiça do Rio de Janeiro acrescenta outros elementos de qualificação das partes (pessoas

físicas e jurídicas) que devem constar nas escrituras públicas:

Art. 242. Conferida a documentação, o escrevente consignará:

IV - o nome e a qualificação completa das partes e intervenientes, com indicação de:

a) nacionalidade, estado civil, nome do cônjuge e regime de bens do casamento, que se

mencionará de forma expressa, vedada a utilização das expressões "regime comum" ou

“regime legal”; b) profissão, residência, número do documento de identidade, repartição

expedidora e data de emissão, quando constar do documento; c) número de inscrição no CPF;

tratando-se de pessoa jurídica, sua denominação, sede, número de inscrição no CNPJ,

identificação do respectivo representante e referência aos elementos comprobatórios da

regularidade da representação;

No capítulo dedicado ao Registro de Imóveis, a Consolidação Normativa informa os elementos de

qualificação que devem constar nos títulos apresentados a registro, nos seguintes termos:

Art. 496. Os títulos apresentados para registro deverão conter a perfeita identificação das

pessoas nele envolvidas, em atendimento ao princípio da Especialidade Subjetiva.

Art. 497. A qualificação da pessoa física compreende: I - o nome completo; II - a nacionalidade;

III - o estado civil e, em sendo casado, o nome do cônjuge, sua qualificação e o regime de bens,

devendo o título ser instruído com declaração do interessado quanto a tais circunstâncias, ou

com a certidão de casamento, quando o Oficial entendê-la necessária; IV - a profissão; V - o

13 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 4ª ed. Positivo: 2009.

14 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 20ª ed. Forense, Rio de Janeiro: 2002.

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domicílio e a residência; VI - o número do CPF ou do documento oficial de identidade, ou a

filiação.

Art. 498. A qualificação da pessoa jurídica compreende: I - o nome completo, admitidas as

abreviaturas e siglas de uso corrente; II - o nome completo, com as respectivas qualificações do

representante legal da Pessoa Jurídica; III - a nacionalidade; IV - o domicílio; V - a sede social, e

VI - o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC), do Ministério da Fazenda.

As escrituras públicas figuram entre os principais títulos apresentados ao Registro de Imóveis.

Assim, embora os elementos de qualificação mencionados nos artigos 497 e 498 digam respeito

ao Registro de Imóveis, eles também se aplicam aos Tabelionatos de Notas.

7.2 - Preço é a quantia ajustada entre os contratantes como pagamento da coisa. Não se

confunde com o valor da coisa, embora preço e valor muitas vezes são mencionados como

sinônimos.

Valor é a quantia atribuída à coisa por fatores externos à relação jurídica (mercado, órgão

fazendário, sentimento da pessoa em relação à coisa, grau de interesse em adquirir a coisa).

Preço é a quantia que as partes concordam em pagar e receber pela coisa, que poderá ser inferior

ou superior ao valor da coisa; em regra, inferior.15 Logo, todo negócio jurídico terá um valor, mas

nem sempre terá um preço.

O preço deve ser sempre em moeda nacional, não se permitindo efetuar pagamentos no Brasil

em moeda estrangeira, nos termos da legislação em vigor:

Decreto-Lei nº 857/69:

Art 1º São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as

obrigações que exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira,

ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro.

Lei nº 10.192/01:

Art. 1o As estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exeqüíveis no território

nacional deverão ser feitas em Real, pelo seu valor nominal.

7.3 - Forma de pagamento, que poderá ser à vista ou a prazo, refere-se ao modo como é

realizado o pagamento do preço ajustado normalmente em um negócio de compra e venda.

Se à vista, o pagamento poderá ser em espécie ou mediante cheque (ordem de pagamento à

vista).

O pagamento à vista também poderá ocorrer parte como dação de uma coisa e parte em espécie,

desde que a parte em espécie seja superior a 50% do preço da coisa adquirida. Caso contrário o

negócio não será de compra e venda, e sim de permuta mediante torna.

15 Ver a Indispensabilidade da Escritura Pública na Essência do art. 108 do Código Civil, por Valestan Milhomem da Costa, in Revista de Direito

Imobiliário nº 60, Jan/Jun de 2006.

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O pagamento a prazo poderá ser com ou sem sinal de negócio. Se mediante sinal, uma parte do

preço é paga no ato da escritura (ou mesmo antes dela) e a outra mediante uma ou mais parcelas

futuras representadas por notas promissórias ou mesmo cheques pré-datados.

Nesse caso, as notas promissórias ou cheques pré-datados serão títulos de crédito

representativos das parcelas futuras, e não propriamente pagamento. Para que haja o pagamento

as notas promissórias precisarão ser resgatadas e os cheques compensados, ou também

resgatados, nas datas convencionadas.

8. Tributos

No tabelionato de notas são praticados muitos atos sobre os quais incidem tributos ou acerca dos

quais deve ser comprovada a regularidade dos tributos.

Em regra, todo negócio envolvendo imóvel tem repercussão tributária, seja em relação ao direito

negociado, seja em relação ao imóvel transacionado.

Os tributos referentes ao direito negociado são o ITBI, devido nos negócios onerosos (compra e

venda), e o ITD, devido nos negócios gratuitos (doação) ou mortis causa (herança).

Os tributos referentes ao imóvel negociado são o IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) e o ITR

(Imposto Territorial Rural).

9. Informações do ato

Além da identificação das pessoas, da representação, do objeto, do preço e forma de pagamento

nos negócios onerosos, o ato notarial deve conter outras informações referentes ao negócio

formalizado, quanto ao local e data da realização, aos documentos de representação, às

condições do negócio, às circunstâncias do objeto, aos documentos fiscais apresentados, à

manifestação da vontade das partes, à leitura do ato, às assinaturas das partes e muitas outras

que possam ser exigíveis pelo ordenamento jurídico para o tipo de negócio formalizado.

Essas informações serão exemplificadas na aula que tratará dos Atos Notariais em Espécie (III).