das necessidades do mercado - Universidade NOVA de Lisboa

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Jornal de Leiria 4 de Abril de 2013 5 País tem de mudar de 'carril' Patentes têm de ir ao encontro das necessidades do mercado Miguel Sampaio [email protected] Portugal é reconhecido como um país de engenhocas. O desen- rascanço sempre foi um termo uti- lizado de forma adequada para tratar os lusos. Talvez seja, pois, uma questão de genética. As ideias reproduzem-se como coelhos, isso é certo, mas será que há uma gran- de utilidade naquilo que os portu- gueses inventam? A resposta é, de forma genérica, não. Para Rodrigo Martins, presi- dente do E-MRS – European Ma- terials Research Society e do De- partamento de Ciência dos Mate- riais da Universidade Nova de Lis- boa (DCM/UNL),o problema vai além da juventude dos projectos. “O que acontece é que não existe indústria nem existe em Portugal uma estrutura que permita fazer a seriação de patentes em termos dos seus potenciais e depois apoiar a exploração de resulta- dos”, diz o investigador. A verda- de é que “nem todas” as patentes concedidas terão aplicabilidade, pois “não respondem em concre- to a uma necessidade ou motiva- ção do mercado”. Ou seja, “os mentores das ideias não são po- tenciados a explorar as ideias que são comerciáveis”, salienta o in- vestigador. O que fazer, então? “Essa falha é tremenda e não se resolve com medidas avulso, mas sim com re- curso a um programa estruturado: equipas de requalificação de pa- tentes e estudo de mercado, a nível do Estado; seguidas de equipas de estudo de implementação de con- ceito e depois vêm os executores das mesmas. Tal deve ser efectua- do num prazo máximo de 12 me- ses, se quisermos ser pragmáticos e ofensivos.” Sem existir esta triagem, sem se levar adiante apenas as patentes que sejam realmente comerciali- záveis, “o que necessariamente significa que alguém as vai utilizar e que esse alguém é compatível quer com uma produção, ou ergo- nómica - pequenas séries mas que servem uma aplicação fundamen- tal, que sem ela se torna quase in- viável - ou de grandes quantidades - e se forem baratas e amigas do ambiente, ainda melhor”, ganhar dinheiro com uma invenção “não passa de um sonho”. Depois há a questão dos custos. “As patentes de interesse têm de ser fatalmente validadas interna- cionalmente, pois aí é que está o potencial mínimo de mercado. Neste contexto, o que se devia lu- tar era por uma patente europeia universal e acabar com as patentes regionais, pois tornam os preços in- comportáveis. Por outro lado, o prazo entre a submissão e a acei- tação da patente, é muito extenso. Por exemplo, quatro das patentes de referência do DCM/UNL demo- raram 5 anos a serem concedidas e representam um dispendioso su- perior a 200 mil euros!” E questio- na: “quem consegue ou aguenta esta factura se não tiver uma “boa rede por trás?” “Infelizmente o nosso país tem- -se posicionado essencialmente como uma plataforma geradora e prestadora de serviços, quando necessita rapidamente de se trans- formar numa plataforma geradora de ideias e criadora de produtos, em todas as áreas. O que temos, é excelente, mas não o suficiente para que possamos mudar de 'car- ril'”, lamenta Rodrigo Martins.

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Jornal de Leiria 4 de Abril de 2013 5

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LICI

DA

DE

19Número de patentes ou modelosde utilidade concedidas peloInstituto Nacional dePropriedade Industrial aoInstituto Politécnico de Leiria

0Número de patentes concedidasao Instituto Politécnico de Leiriaque foram comercializadas

8,3milhões de euros é a verbacaptada pelo Centro para oDesenvolvimento Rápido eSustentado do Produto eminvestimento privado de 2007 a2011

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gisto e a concessão no território emcausa pode ascender a quatro, cincoou mais anos.” Por isso, entende oresponsável, “não se pode esperarque ainda em fase de criação e con-solidação de portfolio, o IPL tenhauma forte comercialização dos seusdireitos de propriedade industrial.Uma empresa não adquire um direi-to industrial sem uma análise cui-dada do mercado, e especialmentesem uma forte e geralmente morosanegociação.”

Paulo Bártolo é o director do Cen-tro para o Desenvolvimento Rápidoe Sustentado do Produto (CDRsp), obraço inventivo do IPL, e alinha pelomesmo diapasão. Adianta números,como prova de que aquilo que se fazna estrutura que dirige é trabalho dequalidade. “No período de 2007 a2011, o CDRsp foi o terceiro centro de

investigação ligado ao ensino supe-rior que mais investimento captou nosector privado.” Estamos a falar de 8,3milhões de euros que “alimenta-ram”, durante aquele período, nadamenos de 70 projectos. É, ainda, “osegundo entre os avaliados com ex-celente pela Fundação para a Ciênciae Tecnologia que mais investimentoglobal conseguiu. É, ainda, das uni-dades analisadas a que menos in-vestigadores tem: apenas 15, contra29 do Laboratório de Engenharia deProcessos, Ambiente e Energia daUniversidade do Porto, que está emprimeiro lugar.”

Criado em Maio de 2007, o traba-lho executado no CDRsp não podedeixar de ser considerado surpreen-dente. Projectos na área da medici-na, da realidade aumentada, dosmoldes, da agricultura, da embala-

gem ou da helicultura são desenvol-vido por uma equipa que engloba 15doutores. E sobrevive sem um tostãoproveniente da casa-mãe. “O nossonível de financiamento continua a seralto. Temos uma taxa muito grandede projectos financiados pela Agên-cia de Inovação e pelo IAPMEI”,adianta o responsável.

O que falta é, para Paulo Bártolo,maturidade. “O salto que o IPL deuem termos de patentes aconteceu em2010. Estamos, pois, a falar de 3anos. Acima de tudo, é preciso dartempo ao tempo. Muitas dessas pa-tentes foram feitas no âmbito deprojectos que estão ainda a decorrer.Quando há empresas envolvidas nosprojectos, só no final de tudo estarconcluído é que se analisa como vaiser feita a comercialização. As outras,são patentes que eventualmente po-

dem vir a ser comercializadas, mas épreciso divulgá-las.” E depois, ospedidos de patente são morosos.”Estamos agora a ter as patentes de-finitivas de processos que começá-mos há mais de um ano. Tudo issodemora tempo”, reforça.

Mas Paulo Bártolo aponta soluçõespara a comercialização destas pa-tentes. “Para uma empresa que estáa começar, comprar a patente aoinstituto pode não ser viável. A em-presa AMcubed foi criada por in-vestigadores do centro e tem comoobjectivo o desenvolvimento deequipamentos de fabricação aditivapara áreas de design, aplicações mé-dicas ou concepção de produto.Como não tinha verbas para avançarcom a compra da patente, subcon-trata os serviço do centro.” E assim to-dos ficam a ganhar...

País tem de mudar de 'carril'

Patentes têm de ir ao encontro das necessidades do mercadoMiguel [email protected]

� Portugal é reconhecido comoum país de engenhocas. O desen-rascanço sempre foi um termo uti-lizado de forma adequada paratratar os lusos. Talvez seja, pois,uma questão de genética. As ideiasreproduzem-se como coelhos, issoé certo, mas será que há uma gran-de utilidade naquilo que os portu-gueses inventam?

A resposta é, de forma genérica,não. Para Rodrigo Martins, presi-dente do E-MRS – European Ma-terials Research Society e do De-partamento de Ciência dos Mate-riais da Universidade Nova de Lis-boa (DCM/UNL),o problema vaialém da juventude dos projectos.“O que acontece é que não existeindústria nem existe em Portugaluma estrutura que permita fazer aseriação de patentes em termosdos seus potenciais e depoisapoiar a exploração de resulta-dos”, diz o investigador. A verda-de é que “nem todas” as patentesconcedidas terão aplicabilidade,pois “não respondem em concre-to a uma necessidade ou motiva-

Os números

ção do mercado”. Ou seja, “osmentores das ideias não são po-tenciados a explorar as ideias quesão comerciáveis”, salienta o in-vestigador.

O que fazer, então? “Essa falha étremenda e não se resolve commedidas avulso, mas sim com re-curso a um programa estruturado:equipas de requalificação de pa-tentes e estudo de mercado, a níveldo Estado; seguidas de equipas deestudo de implementação de con-ceito e depois vêm os executoresdas mesmas. Tal deve ser efectua-do num prazo máximo de 12 me-ses, se quisermos ser pragmáticose ofensivos.”

Sem existir esta triagem, sem selevar adiante apenas as patentesque sejam realmente comerciali-záveis, “o que necessariamentesignifica que alguém as vai utilizare que esse alguém é compatívelquer com uma produção, ou ergo-nómica - pequenas séries mas queservem uma aplicação fundamen-tal, que sem ela se torna quase in-viável - ou de grandes quantidades- e se forem baratas e amigas doambiente, ainda melhor”, ganhardinheiro com uma invenção “não

passa de um sonho”. Depois há a questão dos custos.

“As patentes de interesse têm deser fatalmente validadas interna-cionalmente, pois aí é que está opotencial mínimo de mercado.Neste contexto, o que se devia lu-tar era por uma patente europeiauniversal e acabar com as patentesregionais, pois tornam os preços in-comportáveis. Por outro lado, oprazo entre a submissão e a acei-tação da patente, é muito extenso.Por exemplo, quatro das patentesde referência do DCM/UNL demo-raram 5 anos a serem concedidas erepresentam um dispendioso su-perior a 200 mil euros!” E questio-na: “quem consegue ou aguentaesta factura se não tiver uma “boarede por trás?”

“Infelizmente o nosso país tem--se posicionado essencialmentecomo uma plataforma geradora eprestadora de serviços, quandonecessita rapidamente de se trans-formar numa plataforma geradorade ideias e criadora de produtos,em todas as áreas. O que temos, éexcelente, mas não o suficientepara que possamos mudar de 'car-ril'”, lamenta Rodrigo Martins.